UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Douglas Alves Fidalgo
“De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do
Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da
“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2017
Douglas Alves Fidalgo
“De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do
Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da
“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”.
Dissertação apresentada à Banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera.
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2017
FICHA CATALOGRÁFICA
F448p
Fidalgo, Douglas Alves
“De Pai pra Filhos”. Poder, prestígio e dominação da figura do pastor-
presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deu Ministério
de Madureira” / Douglas Alves Fidalgo -- São Bernardo do Campo, 2017.
181fl.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Metodista de
São Paulo - Escola de Comunicação, Educação e Humanidades Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Religião São Bernardo do Campo.
Bibliografia
Orientação de: Dario Paulo Barrera Rivera
1. Assembleia de Deus – Brasil 2. Dominação – Teologia 3. Processo
sucessório 4. Patrimonialismo I. Título
CDD 289.940981
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação de mestrado sob o título: “DE PAI PRA FILHOS”: poder, prestígio e
dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da
“Assembleia de Deus Ministério de Madureira”, elaborada por DOUGLAS
ALVES FIDALGO, foi apresentada e aprovada em 02 de março de 2017, presente a
banca examinadora composta por Dr. Dario Paulo Barrera Rivera
(Presidente/UMESP), Dra. Sandra Duarte de Souza (Titular/UMESP), Dr. Maxwell
Fajardo (Titular/UniCEU).
__________________________________________
Prof. Dr. Dario Paulo Barrera Rivera
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura.
Linha de Pesquisa: Religião e dinâmicas socioculturais.
AGRADECIMENTOS
Só agradece quem reconhece que na vida, nada se faz sem pessoas ao seu
lado com as mãos estendidas e eu tenho muitas pessoas a quem preciso agradecer.
Agradeço a Deus, autor e razão primeira de minha existência.
A minha esposa e companheira Eliane, que tem estado ao meu lado a mais
de quinze anos, suportando firmemente a todos os desafios que nos tem se
apresentado. Nunca deixando de ter palavras de ânimo e confiança, mesmo em
momentos que pareciam não ter mais uma saída. Obrigado por redobrar toda a
paciência e compreensão para comigo nestes dois últimos anos. Amo muito você!
Ao meu filho Murillo, presente de Deus que veio coroar nossa família. E
mesmo muito novo participou ativamente de todo o processo da pesquisa, mesmo
sem entender nada do que estava acontecendo. Te amo! E agora vamos brincar,
muito!
Agradeço aos meus pais José Augusto e dona Lidia, não apenas por todo o
esforço em cuidar de mim, desde o meu primeiro dia de vida. Mas pelo amor
transmitido, o caráter me dado e a fé me ensinada, pois sem isso certamente não
chegaria tão longe.
A todos os meus familiares que sempre estiveram dispostos em saber “como
anda” os meus estudos.
Ao Professor Dr. Dario Paulo Barrera Rivera, por ter acreditado no projeto
inicial desta pesquisa e também em ter me dado o voto de confiança enquanto
pesquisador. Também agradeço pelas cuidadosas orientações e observações, na
construção dessa dissertação, pois elas foram sempre pontuais e precisas para que
o foco fosse mantido.
Aos professores e professoras do curso de pós-graduação em Ciências da
Religião da Universidade Metodistas São Paulo, em especial aos que tive o grande
privilégio de passar algumas horas de estudo no cumprimento dos créditos
necessário para o andamento do curso.
Aos professores(as) que prestamente participaram tanto da minha banca de
qualificação, na qual as observações foram importantíssimas para ao andamento da
pesquisa e de defesa pela leitura e exposições das ideais.
Aos queridos amigos Gedeon Alencar, Marina Correa, Maxwell Fajardo e
Mario Sérgio, que sempre recorri quando me achava perdido e cujos conselhos e
orientações sobre as Assembleias de Deus me deram o suporte e norte necessário
para realizar a pesquisa. Obrigado amigos!
A professora Dra. Claudete Pagotto que não apenas me deu a oportunidade
de mostrar o meu potencial como professor auxiliar do curso de Ciências Sociais da
UMESP, como foi o “canal” para que o sonho do mestrado se realizasse.
Aos seis pastores da Assembleia de Deus Ministério de Madureira que
“gastaram” comigo algumas horas de seu tempo em nossas conversas sobre o
referido tema e cujas informações foram inestimáveis para a conclusão da pesquisa.
Aos professores do curso de Ciências Sociais pelo incentivo. Aos professores
Silvia Perrone, Silvio Pereira e Wesley Dourado, pessoas únicas. A grande amiga
“Fatiminha”, por tudo que fez por mim. “Em seus olhos brilham a luz”, obrigado!
Aos amigos que já conhecia e que conheci durante todas as disciplinas que
cursamos durante o período do mestrado. Eles tornaram o desafio muito mais
prazeroso de se enfrentar.
Aos amigos do grupo de pesquisa do REPAL (Religião e Periferia na América
Latina) da UMESP, pois ouvir e compartilhar com vocês as experiências de suas
pesquisas se materializou em grande ajuda no processo de execução minha
pesquisa.
À Universidade Metodista São Paulo pela bolsa funcional.
Um agradecimento que não poderia deixar de fazer é para o IEPG (Instituto
Ecumênico de Pós-Graduação), na pessoa do professor Dr. Jung Mo Sung, pois no
momento em que mais precisei me estenderam as mãos. Que Deus recompense a
todos!
FIDALGO, Douglas Alves. “De Pai pra Filhos”: poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-presidente nas relações de sucessão dentro da “Assembleia de Deus Ministério de Madureira”. (Dissertação de mestrado), São Bernardo do Campo – SP: UMESP, 2016.
RESUMO
A presente pesquisa analisa as Assembleias de Deus no Brasil, com foco nas relações de poder, prestígio e dominação na sucessão e perpetuação familiar dos líderes desse movimento nos principais postos de “comando”. Analisamos a figura do Pastor-presidente e como ele se tornou um mecanismo de prestígio ao ponto de ser legitimado como uma figura inquestionável dentro dessa instituição. Temos como recorte para essa pesquisa as Assembleias de Deus do Ministério de Madureira. A partir da chegada do Bispo Manoel Ferreira ao principal posto de comando, pôde-se perceber ao longo de sua gestão a ascensão familiar. Filhos e neto ocupam os principais postos de comando da mesma, um fenômeno não comum na construção sociocultural dessa igreja. Até que ponto essa relação influencia concretamente na sucessão é a pergunta norteadora da pesquisa. Fizeram parte da pesquisa o levantamento bibliográfico de documentação primária como jornais e revistas da instituição; e secundária, com a utilização de “livros referências”, de teses, de dissertações e de artigos que tratam de forma direta ou correlacionada aos objetivos traçados. Para a realização da mesma, foi empregada uma pesquisa de campo baseada em entrevistas com pastores-presidentes, ex-pastores-presidentes e pastores de congregação, com o objetivo de ter uma maior abrangência das condições materiais produzidas por esse movimento. Esta pesquisa visa compreender a relação nos dias atuais de perpetuação e sucessão familiar em uma sociedade que tem na democracia e na alternância de poder as bases de uma sociedade que busca evitar os abusos de um grupo ou classe de privilegiados. Na pesquisa se identificou que a figura do Pastor-presidente não é uma forma de “herança cultural” do colonialismo, mas se aproxima de características patrimoniais, como resposta as necessidades de tradicionalização do movimento que abriu “margem” para o empoderamento de um grupo, ou família, que hoje formam a base estamental da instituição em questão. Utilizamos como referência teórica o tipo ideal weberiano tradicional em sua vertente patrimonial.
Palavras-chaves: Assembleia de Deus, Brasil, patrimonialismo, poder/dominação, sucessão.
FIDALGO, Douglas Alves. "From Father to Children": power, prestige and domination of the figure of the Pastor-president in the relations of succession within the "Assembly of God Ministry of Madureira". (Dissertação de mestrado), São Bernardo do Campo – SP: UMESP, 2016.
ABSTRACT
This research analyzes the Assemblies of God in Brazil, focusing on the relations of power, prestige and domination in the succession and family perpetuation of the leaders of this movement in the main positions of "command". We analyze the figure of the Pastor-president and how it became a mechanism of prestige to the point of being legitimized as an unquestionable figure within this institution. We have as a cut for this research the Assemblies of God of the Ministry of Madureira. From the arrival of Bishop Manoel Ferreira to the main command post, it was possible to perceive throughout his administration the family ascent. Children and grandchild occupy the main command posts of the same, a phenomenon not common in the sociocultural construction of this church. The extent to which this relationship concretely influences succession is the guiding question of the research. The bibliographic survey of primary documentation such as newspapers and magazines of the institution was part of the research; And secondary, with the use of "reference books", theses, dissertations and articles that deal directly or correlated with the objectives outlined. In order to accomplish this, a field research was conducted based on interviews with pastors-presidents, former pastors-presidents and pastors of congregation, in order to have a greater comprehension of the material conditions produced by this movement. This research aims to understand the relationship in the present day of perpetuation and family succession in a society that has in democracy and in alternating power the foundations of a society that seeks to avoid the abuses of a group or class of privileged. In the research it was identified that the Pastor-President figure is not a form of "cultural heritage" of colonialism, but rather comes close to patrimonial characteristics, as a response to the traditional needs of the movement that opened the "margin" for the empowerment of a group, Or family, which today forms the foundation of the institution in question. We use as theoretical reference the traditional Weberian ideal type in its patrimonial aspect.
Keywords: Assembly of God, Brazil, patrimonialism, power/domination, succession.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD Assembleias de Deus
ADBRÁS Assembleia de Deus Ministério Brás
ADMB Assembleia de Deus Ministério do Belém/SP
ADMI Assembleia de Deus Ministério Ipiranga
ADMM Assembleia de Deus Ministério de Madureira
ADMP Assembleia de Deus Ministério de Perus
AGO Assembleia Geral Ordinária
AELB Academia Evangélica de Letras do Brasil
ANE Associação Nacional dos Escritores
CADEVRE Catedral das Assembleias de Deus de Volta Redonda
CCB Congregação Cristã no Brasil
CEMP Centro de Estudos do Movimento Pentecostal
CGADB Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil
CNMEADMIF Convenção Nacional dos Ministros Evangélicos da Assembleia
de Deus em Madureira e Igrejas Filiadas
CNPB Conselho Nacional de Pastores do Brasil
CONAMAD Convenção Nacional das Assembleias de Deus Ministério de
Madureira
CONEMAD Convenção Estadual dos Ministros Evangélicos das Assembleias
de Deus Ministério de Madureira
CPAD Casa Publicadora das Assembleias de Deus
EBD Escola Bíblica Dominical
IBAD Instituto Bíblico das Assembleias de Deus
HC Harpa Cristã
ISER Instituto de Estudos de Religião
MP Jornal Mensageiro da Paz
Pr. Pastor
Pr. P. Pastor-presidente
Pr. P(ex) Ex Pastor-presidente
Pr. C. Pastor de congregação
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Número de fiéis das principais igrejas pentecostais, 20
Tabela 2: Quadro Administrativo da CONAMAD, 49
Tabela 3: Carreira ministerial do Bp. Manoel Ferreira de 1960 até 2000, 112/113
Tabela 4: Principais postos e funções ocupados por parentes do Bp. Manoel Ferreira na ADMM, 143
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Existem limites/ou alguém que fiscalize um pastor-presidente?, 66
Quadro 2: As diferentes visões sobre a importância entre o Pr. Paulo Leivas Macalão e o Bispo Manoel Ferreira, 109
Quadro 3: Quadro comparativo sobre a questão da sucessão familiar na ADMM, 140/141
LISTA DE DIAGRAMAS
Diagrama 1: Percurso a ser trilhado e o tempo necessários para alcançar o cargo de Pastor-presidente na ADMM, 59
Diagrama 2: Árvore Genealógica dos Principais Campos Ligados a ADMM a partir das Primeiras Igrejas fundadas até início da década de 1960, 92
Diagrama 3: Forma de organização da ADMM, 124
Diagrama 4: Forma como se organiza um Campo ligado a ADMM, 130
Diagrama 5: Pirâmide da composição social de poder e dominação da ADMM, 134
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Localização do Bairro de Madureira no Estado do Rio de Janeiro, 73
Mapa 2: Localização dos Bairros onde foram abertas as duas primeiras ADMM, 74
LISTA DE IMAGEM
Imagem 1: Templo-sede da ADMM Campo do Brás, 155
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 13
Cap. 1 – O “PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO” NA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a figura do Pastor-presidente, 27
1.1. O PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIROS, 30
1.1.1. O Patriarcalismo/Patrimonialismo em Max Weber: os conceitos de poder e dominação, 38
1.2. OS PASTORES-PRESIDENTES: O GOLPE INSTITUCIONAL CONTRA A DEMOCRACIA DO ESPÍRITO, 50
1.2.1. A carreira de um Pastor-Presidente, 54
1.2.2. O prestígio presidencial, 61
1.3. LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE?, 65
1.3.1 O Caso da ADMM de Volta Redonda, 69
Cap. 2 – A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DE DEUS “AUTENTICAMENTE” BRASILEIRA: de Paulo Leivas Macalão ao Bispo Manoel Ferreira, 72
2.1. PR. PAULO LEIVAS MACALÃO: O PRESTÍGIO DO “GENERAL RELIGIOSO”, 75
2.1.1. As Desavenças com os Missionários Suecos, 83
2.1.2. O Crescimento do Ministério De Madureira: o “invasor de campo”, 89
2.1.3. A Criação de uma Convenção Própria: a consolidação do poder patrimonial, 95
2.2. A ERA MANOEL FERREIRA – “O SUCESSOR MAIS INDICADO”?, 101
2.2.1. O Bispo Manuel Ferreira: breve biografia, 106
2.2.1.1. Sua trajetória e ascensão ministerial dentro da ADMM, 107
2.2.1.2. Presidente de duas Convenções: da CGADB à CONAMAD, 113
2.2.2. O político Manoel Ferreira,117
Cap. 3 – O MINISTÉRIO DE MADUREIRA: Características, Sucessão e Perpetuação do poder. 120
3.1. CARACTERÍSTICAS DO MINISTÉRIO DE MADUREIRA, 121
3.2. SUCESSÃO: PATRIMONIALISMO OU UMA QUESTÃO DE HERANÇA?, 137
3.2.1. Os Filhos do Bispo como Pastores-Presidentes: “Os Mais Ungidos?”, 143
3.2.1.1. O Pr. Abner Ferreira: pastor da “igreja-mãe” Madureira, 147
3.2.1.2 Pr. Samuel Ferreira: “De Campinas ao mundo”, 149
3.2.1.2.1. O Campo do Brás, 154
3.3. OS CONFLITOS INTERNOS, 157
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 165
ANEXO, 172
13
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa busca analisar as relações de poder, prestígio e
dominação da figura do Pastor-presidente, que ajudam a explicar a lógica recente de
perpetuação familiar no comando dos principais postos diretivos das Igrejas
Assembleias de Deus Ministério Madureira. Nesse sentido precisamos pontuar que o
pentecostalismo brasileiro, como em boa parte dos outros países da América Latina
tem suas origens no pentecostalismo estadunidense (LÉONARD, 1988; FRESTON,
1994; HOLLENWEGER 1997; CAMPOS, 2005)1, sendo este de vertente negra e
promovido por um pregador filho de pais escravos. Segundo Hollenweger (1997)
existiam duas correntes pentecostais no EUA nesta época, uma de vertente branca
que funda as Assemblies of God, que preferiram atribuir o surgimento do
pentecostalismo a Charles F. Parhan e outra de vertente negra associada a Willian
Seymor, que fica conhecida como a Missão da Fé Apostólica (SOUZA, 2008). O
pentecostalismo surge nos Estados Unidos em um período em que as questões
raciais determinavam um sistema de segregação racial.
Devemos aqui lembrar que, apesar da abolição da escravatura ocorrer
através da chamada “Emancipation Proclamation”, promulgada em 1° de janeiro de
1863 pelo presidente Abraham Lincoln, o negro estadunidense teve de enfrentar
anos (e ainda tem enfrentado isso hoje) de uma sociedade abertamente racista e
segregacionista (FERNADES; MORAES, 2007), inclusive no espaço religioso
pentecostal original2. E apesar desse movimento não combater de forma organizada
o racismo existente naquela sociedade, pois é o Movimento por Direitos Civis na
metade do século XX, que faz isso de forma mais sistemática e incisiva (PURDY,
1 Existe um estudo recente sobre uma terceira entrada do pentecostalismo no Brasil. As duas primeiras entradas são as igrejas Congregação Cristã no Brasil (1910) e as Assembleias de Deus (1911); já a terceira entrada pentecostal se caracteriza pela imigração sueca em nosso território, a qual fundou a Igreja Batista Sueca (1912), que se fixou na região do Guarani no Estado do Rio Grande do Sul. Para maiores informações ver, VALÉRIO, 2013. 2 Segundo Hollenweger (1997, p.20), Charles F. Parhan teria sido o sistematizador daquilo que mais tarde ficou conhecido como movimento pentecostal, porém sua conduta segregacionista “macularia” esse título. Uma vez que além dos indícios de que havia participado na Ku Klux Klan, somado a sua postura em não permitir Willian Seymor de participar diretamente das aulas em sua escola reforçam essa tese de racismo. Somado ainda as acusações de práticas “homossexuais” relacionadas a ele (CAMPOS, 2005), aos quais fizeram com que o mesmo não fosse considerado como “pai” do “pentecostalismo moderno”. Parhan também foi um grande crítico do movimento pentecostal liderado por William Seymor, denunciando ele muitas vezes como um movimento de “promiscuidade racial” (HOLLENWEGER, 1997, p. 19).
14
2007), não impediu o mesmo de assumir uma postura crítica frente a essa situação
vivida pelos negros estadunidenses. Segundo Souza (2008):
Os pentecostais negros assumiram cada vez mais a atitude de militância. Entendendo-se como filho de Deus, o negro não admitia a condição de escravo e reivindicava na instância mais sagrada. Sua igreja era seu fórum, sua arena política, seu clube social. Essa marca político-social do pentecostalismo negro fez presente no decorrer das décadas – Martin Luther King não foi um caso isolado de militância. O evangelho puramente “espiritual” do branco Billy Grahan era condenado pelo evangelista pentecostal negro George M. Perry – “Acreditamos no conteúdo da mensagem de Grahan, mas não podemos marchar juntos com sua orientação branca, suburbana, de classe média que não tem nada a dizer aos pobres nem aos negros”. Semelhantemente, o evangelista negro Artur Brazier acusava a opressão e a desigualdade dos direitos civis na década de 1960. (SOUZA, 2008, p. 54-55.)
Nesse sentido podemos dizer que este pentecostalismo, de alguma forma, foi
se tornando um espaço de encontro daqueles que o frequentavam3, uma vez que, os
mesmos eram negros, brancos, imigrantes de diferentes etnias (SOUZA, 2008).
Além disso, o culto desse grupo não se desenvolvia com a ordem tão preciosa para
uma sociedade fundamentada nas concepções de um calvinismo “racionalizado”
(WEBER, 2004, p.87)4. Eram liderados por Willian Seymour, homem negro, filho de
escravos do sul dos Estados Unidos, autodidata e sem um conhecimento teológico
de nível acadêmico, entretanto desenvolve uma vida de extremo compromisso com
a religião que professava (ARAÚJO, 2007). Seymour teve contato com a doutrina do
“Batismo no Espírito Santo” e os fenômenos de glossolalia e xenoglossia5 em 1906,
na escola de Charles F. Parham em Houston (ARAUJO, 2007).
Por ser negro e devido o racismo de seu professor, o mesmo não pôde
assistir às aulas com os outros alunos brancos, assim, foi obrigado a estudar do lado
de fora do local onde eram ministradas as aulas (HOLLENWEGER 1997). Neste
mesmo ano (1906) Seymour inicia algumas reuniões de oração e ensino da doutrina
3 Faço um paralelo ao conceito utilizado por Beatriz Muniz de Souza, em sua obra “A Experiência da Salvação” (1969), no qual a autora afirma que o pentecostalismo no Brasil produziu um processo de integração social entre os conversos ao movimento. 4 Max Weber em sua obra “A Ética protestante e o espírito do capitalismo” (2004), dispensa uma parte para explicar a lógica proveniente do calvinismo e como este organizava não apenas o ritualismo do crente, mas também sua postura em relação ao intramundano. 5 Expressões utilizadas na tentativa de explicar o fenômeno descrito no livro de Atos dos apóstolos, no capítulo 2, quando quase cento e vinte pessoas que estavam reunidos em um lugar na cidade de Jerusalém foram batizadas com Espírito Santo. Segundo o dicionário Aurélio glossolalia é um dom sobrenatural, concedido aos apóstolos no dia de Pentecostes, pelo qual se tornaram capazes de falar várias línguas, já xenolalia é o dom de falar uma língua estrangeira que o indivíduo desconhece e nunca estudou.
15
do “Batismo no Espírito Santo” em um galpão na Rua Azusa Street, que começa a
ser frequentada por diversas pessoas que aderem a esta “doutrina” recebendo o
“Batismo no Espírito Santo” (SYNAN, 2009). Gritos, lágrimas, risos descontrolados,
mais a participação dos frequentadores no momento da pregação, faziam parte da
“nova” liturgia, tendo ainda toda a oralidade de Seymour em suas ministrações
(SOUZA, 2008, p. 53).
Ao chegar ao Brasil esse movimento começou seus trabalhos em dois lugares
diferentes, o primeiro foi em São Paulo, no ano 1910, sendo fundado por um
imigrante italiano chamando Luigi Francescon (FRESTON, 1994; LÉONARD, 1988;
ROLIM, 1985; SOUZA, 1969) e o segundo começou na cidade de Belém no Estado
do Pará em 1911, sendo fundada por dois suecos Gunnar Vingren (1879-1933) e
Daniel Berg (1884-1963) vindos dos Estados Unidos (ALMEIDA, 1982; FRESTON,
1994). Este último foi fundado em um local que desfrutava de grande
desenvolvimento devido à extração da borracha (1879-1912) e que em seus
“áureos” dias representava cerca de 20% da economia nacional (FURTADO, 2005).
Como afirma Freston (1994, p.82) “a expansão inicial das AD foi moderada”
em seus primeiros anos, devido a grande oposição católica e a dependência social
em encontrar meios para a sua sobrevivência. Neste período não era comum às
pessoas mudarem de região facilmente, porém, devido o fim do ciclo da borracha na
região amazônica, muitos dos trabalhadores foram obrigados (incluindo uma grande
leva de povos nordestinos) ou a voltar para sua região, ou procurar uma nova região
para sobreviverem (ALENCAR, 2013). Foi esse fenômeno de migração interna, que
contribuiu para a difusão da mensagem pentecostal assembleiana, que por ação não
apenas planejada dos líderes, mas também pela dedicação vigorosa de seus
membros (FRESTON, 1994) se espalhou para grande parte do território nacional6.
Jacob (2013) aponta em uma análise mais recente desse movimento que,
A Assembleia de Deus se constitui na principal igreja pentecostal do país, reunindo 48,5% dos adeptos desse grupo religioso. Depois de um período de acentuado crescimento, ao passar de 2,4 milhões em 1991 para 8,4 milhões em 2000, a Assembleia de Deus registrou um aumento mais modesto na última década, quando atingiu a marca de 12,3 milhões de fiéis. Observa-se que ela se encontra implantada em todo o território nacional, acompanhando o padrão da distribuição da população brasileira. É, no entanto, nas grandes cidades que o seu número de
6 Alencar (2010) menciona que o senso de pertença à instituição e a militância foram fundamentais para a expansão do movimento pentecostal assembleiano em seus quarenta primeiros anos.
16
fiéis é mais expressivo, a exemplo do Rio de Janeiro, com quase 1 milhão de adeptos, e de São Paulo, com mais de 600 mil seguidores. Além dessas capitais, destacam-se ainda Recife, Fortaleza, Belém e Manaus. (JACOB, 2013, p.15)
O pentecostalismo assembleiano encontra nessa massa de “mão-de-obra”
desprovida de educação formal e de possibilidade de uma vida melhor, um terreno
fértil para a sua consolidação (MENDONÇA, 2008). O conteúdo da mensagem
pentecostal assembleiana, a qual afirmava que Deus “salva, cura e Batiza com o
Espírito Santo” (BERG, 1982) vinha de encontro às necessidades sociais presentes
em um país que a base de sua economia estava ligada ao latifúndio e a segregação
social, uma vez que, o Brasil naquele momento excluía o pobre de direitos básicos a
vida, como educação, saúde, moradia e alimentação7. Assim esses “despossuídos”
encontravam nela as condições de integração social (SOUZA, 1969) e, ao mesmo
tempo essa camada pobre e desprovida, ao aceitar essa mensagem se tornava um
difusor da mesma, assim “levava consigo a sua igreja nas costas” (ROLIM, 1985, p.
131).
Porém enquanto o pentecostalismo estadunidense (principalmente o de
vertente fundamentalista negro) vai se envolver em causas sociais, econômicas e
políticas (SOUZA, 2008), o movimento pentecostal brasileiro se tornará tão místico
quanto às outras expressões religiosas brasileiras (indígena, negra e católica
popular), enfatizando a cura de enfermos, o Batismo no Espírito Santo e a salvação
do “pecador” em seus aspectos teológicos. Em relação aos seus aspectos sociais
formará uma classe sacerdotal estamental (BOURDIEU, 2013; WEBER, 2012)
própria e investida de toda uma sacralidade prestigiosa, atribuindo a essa liderança
o papel social de maior prestígio da instituição. Referimo-nos a figura assembleiana
do Pastor-presidente, que é associado muitas vezes a do Senhor do Engenho, a do
Coronel, ou a dos Caudilhos, produzidas pelo pensamento social brasileiro e latino-
americano, como se fosse uma mera herança do tipo de colonização que ocorreu no
país (D’EPINAY, 1970; NELSON, 1989; FRESTON, 1993, 1994; CAMPOS, 19968).
O certo é que os líderes pentecostais desenvolveram, ao passo dos anos, um
grande poder patrimonial, que lhes possibilita usufruir da prática da “vitaliciedade” no
7 Apesar do grande desenvolvimento econômico que o Brasil passou ao longo desses anos, ainda encontramos em nossa sociedade, problemas nas áreas de saúde, alimentação, moradia e educação, que fornecem um campo ainda vasto a este tipo de pregação pentecostal. 8 Este último apesar de não usar uma essa nomenclatura tende em seu texto a usar as expressões "vocação autoritária"; "incorporação de características rurais, autoritárias e patriarcais”; "personalista e centralizador nas mãos do pastor" (CAMPOS, 1996, p. 86-87).
17
cargo, quanto da sucessão familiar neste que é principal posto de comando da
instituição pentecostal assembleiana.
A lógica pentecostal que veio ao Brasil correspondia aos anseios presentes
de setores sociais carentes e marginalizados pelo desprezo das classes dominantes
(ROLIM, 1985) e, passo a passo foi se “abrasileirando”, se acomodando as novas
demandas socioeconômicas do país. Após este período de acomodação que
corresponde ao espaço de tempo entre 1911 até 1940 (ALENCAR, 2010; 2013;
FAJARDO, 2015) o pentecostalismo brasileiro, em especial o assembleiano, passou
a se moldar dentro das novas dinâmicas criadas pelos processos de industrialização
e urbanização ocorridos na nação entre os diferentes governos populistas do
período de 1946 a 1964, em especial do presidente Juscelino Kubitschek (1956-
1960). Milton Santos (1993, p. 20-24) aponta que o processo de urbanização
brasileiro durante o século XX, se comparado com os séculos anteriores, tem um
empuxo muito mais considerável, pois se observamos os dados constataremos que
a população urbana brasileira no ano de 1920 era de 10,7%, já em 1940 era de
31,24%, o triplo da anterior. Em 1980 chegou à marca de 65,10% da população
morando em cidades, assim pela primeira vez na história do Brasil existiam mais
pessoas morando nas cidades do que no campo. Essas transformações trouxeram
novas situações e problemas que não eram comuns ao país.
É neste momento de desenvolvimento urbano/industrial do Brasil (1946-
1988)9 que o pentecostalismo assembleiano buscou criar sua tradição, a fim de
combater esses novos desafios, que não eram mais, só o “desprezo do mundo”,
mas sim, os “novos concorrentes” pentecostais (ALENCAR, 2013), que geravam
situações de fragmentação do mesmo. Assim, esta pesquisa busca compreender as
relações de poder, prestígio e dominação expressos dentro do cotidiano religioso
pentecostal brasileiro, em especial o relacionado à figura do Pastor-presidente e a
atual questão da sucessão familiar em seus principais postos de comando. Sendo o
posto de Pastor-presidente a maior instância de poder dentro das ADs no Brasil. E
tendo como universo de análise as Igrejas Assembleias de Deus Ministério de
Madureira (que usarei a sigla ADMM), fundada pelo Pr. Paulo Leivas Macalão no
9 Utilizo da periodização feita por Alencar (2013), o qual afirma ser este o momento em que o Brasil passa pelo processo de industrialização e o pentecostalismo assembleiano busca afirmar sua história criando sua tradição, firmando o papel do pastor-presidente. Este período registra muitos conflitos entre os “pastores invasores”, que abriam igrejas em locais onde já existia um ministério da AD (ALENCAR, 2013, p.196-197).
18
ano de 1929 (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008) e, que a partir do ano de 1987 tem o
Bp. Manoel Ferreira10 como presidente do Ministério (PRATES; FERNANDES,
2012). Sendo ele atualmente o presidente vitalício da CONAMAD (Convenção
Nacional das Assembleias de Deus Madureira), órgão máximo do Ministério, no qual
são tomadas as principais decisões desse segmento das ADs no Brasil.
A pesquisa em questão busca compreender as relações produzidas dentro do
espaço religioso pentecostal brasileiro, em foco o da ADMM, a partir da pergunta até
que ponto as relações de poder, prestígio e dominação da figura do Pastor-
presidente influenciam na sucessão do comando dessa igreja? Até que ponto essa
prática da sucessão familiar dentro das ADMM, expressa uma forma de
patrimonialismo, que tende a criar neste espaço um tipo de monopólio familiar, o
qual pode promover abusos de poder? Ao pensarmos as relações produzidas pelos
conceitos de poder, prestígio e dominação aqui se podem verificar a existência
dentro do campo do pentecostalismo assembleiano de estruturas com grandes
complexidades sociais. Principalmente no que se justifica a sucessão familiar dentro
desses espaços, uma vez que não era comum nos “primórdios” desse movimento
esse tipo de prática. Assim, quais são as lógicas que ajudam a explicar os
desdobramentos atuais deste fenômeno social dentro do pentecostalismo
assembleiano, em especial o do Ministério Madureira?
Ao analisarmos a história das ADs no Brasil percebemos que o conceito de
sucessão familiar é um fenômeno recente, o qual não era visto entre os fundadores
das ADs no Brasil e nem pelos primeiros pastores brasileiros da mesma. Era muito
comum entre os primeiros pastores ADs no Brasil a perpetuação e longevidade a
frente da presidência de um determinado Ministério, mas seu sucessor não provinha
de sua família, ou mesmo com qualquer grau de parentesco. Temos como exemplo,
o próprio Macalão que ficou 52 anos a frente do Ministério de Madureira (ALENCAR,
2013) e quando de sua morte no ano de 1982, ele não foi substituído pelo seu filho,
mas sim, pelo segundo vice-presidente o Pr. Orosman Dagolberto dos Santos na
igreja-mãe em Madureira e pelo Pr. Lupércio Vergniano na direção da CONAMAD
(Mensageiro da Paz, dez. de 1982, p.10).
10 Manoel Ferreira até o ano de 2017 era o único líder do Ministério de Madureira a assumir esse título de bispo, que trazia como justificativa o reconhecimento da igreja evangélica Russa, pelos seus “serviços” prestados durante os anos de 1994-1998, caso que trataremos no último capítulo de nossa pesquisa (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 132).
19
Segundo Correa (2013) entre “o período de 1940 até a década de 1980”, a
escolha de um novo Pastor-presidente se dava por uma votação entre os pastores,
chegando a alguns casos incluir os próprios membros na votação. Entretanto o mais
interessante era que o pastor deveria ser também “substituídos por pastores que
não tinham vínculos familiares” (CORREA, 2013, p. 143). Sobre esse assunto
Alencar (2013) levantas algumas perguntas pertinentes sobre esse assunto:
Por que os descendentes desta geração de pastores-presidentes não se tornaram também pastores? Por que, dos filhos desta geração, a absoluta maioria deles não entrou para o ministério pastoral e muitos saíram da igreja? Eles não quiserem seguir a carreira dos pais ou os pais não incentivaram? Em que mundo ou estilo de vida esses homens viviam que seus “modelos” não foram interessantes aos seus filhos? Esses pastores rejeitaram o nepotismo ou os filhos rejeitaram o pastorado? Que pontos em comum existem entre os “interesses” pastorais da geração passada e da nova geração de pastores-presidentes? Há alguma coincidência entre as “demandas de legitimação” dos antigos com os atuais? (ALENCAR, 2013, p. 182)11
Infelizmente Alencar não responde essas indagações em sua obra, já Correa
(2013) tenta responder associando com a questão do “fator econômico” (CORREA,
2013, p. 143), uma vez que essas igrejas não desfrutavam das grandes receitas
financeiras que hoje dispõem. Assim, será que este fenômeno é meramente uma
questão financeira, ou existe alguma relação com a composição histórica de
formação sociopolítica brasileira? Na formação sociocultural brasileira poderíamos
encontrar elementos comuns das classes dominantes de outrora, que podem ser
encontrados nas atuais relações processadas dentro desse espaço religioso, uma
vez que os espaços religiosos não estão livres das influências recorrentes da
dinâmica social? (BERGER, 1985) Quais são os mecanismos utilizados pelos líderes
desse movimento que justifiquem essa prática em um contexto de democracia tão
cara a recente história do país? Ainda mais, quais são as condições que levam tanto
o “clero” mais abaixo da pirâmide e os “leigos” a aceitarem (mesmo que muitas
vezes discordem dessa prática) de forma a naturalizar essa prática de sucessão e
perpetuação “dinástica” nos principais postos de comando da ADMM?
É nesse sentido que podemos perceber a relevância que este tema incorpora
para a atualidade de nossa sociedade, uma vez que, apesar de seus mais de 105
anos de existência, esse movimento ainda encontra fôlego para manter uma taxa
constante de crescimento, mesmo que em menor proporção se comparado aos 11 Crivo do próprio autor.
20
registros anteriores da mesma, em meio às novas configurações expressas na
sociedade atual12 e que claramente foram comprovadas a partir dos dados
apresentados pelo IBGE, entre as décadas de 1980 até 2010.
Tabela 1: Número de fiéis das principais igrejas pentecostais13
Igrejas Pentecostais 1991 % 2000 % 2010 %
Assembleia de Deus – AD 2 439 770 29,8 8 418 154 47,5 12 314 410 48,5
Congregação Cristã do Brasil – CCB 1 635 985 20,0 2 489 079 14,0 2 289 634 9,0
Universal do Reino de Deus – IURD 268 955 3,3 2 101 884 11,9 1 873 243 7,4
Evangelho Quadrangular 303 267 3,7 1 318 812 7,4 1 808 389 7,1
Deus é Amor 169 343 2,1 774 827 4,4 845 383 3,3
Maranata 64 578 0,8 277 352 1,6 356 021 1,4
Outras 3 297 768 40,3 2 353 369 13,3 5 883 404 23,2
Total de Pentecostais 8 179 666 100,0 17 733 477 100,0 25 370 484 100,0 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010.
Ao analisarmos o quadro acima podemos fazer alguns apontamentos
importantes sobre os números indicados da religiosidade pentecostal brasileira, o
primeiro ponto é que as igrejas ADs14 foram as únicas que mantiveram um
crescimento real (mesmo que 1% entre 2000 e 2010) em comparação a todas as
outras igrejas ao longo desses quase 20 anos indicados na pesquisa do IBGE.
Segundo, ainda se tratando na AD, notamos que o último período (2000 a 2010) da
pesquisa mostra que o crescimento se comparado com o primeiro (1991 a 2000)
praticamente foi nulo (somente 1% em comparação aos 17% dos números totais de
pentecostais). Em terceiro ponto, percebemos que a primeira igreja pentecostal
brasileira, a CCB, vem sofrendo um decréscimo considerável no número de adeptos
em relação às outras instituições, pois caiu de 20% (do total de pentecostais em
1991), para 9% (em 2010) e sendo a única a só registrar queda ao longo das
12 Vale mencionar que as Assembleias de Deus no Brasil sofrem com um fenômeno que só vem crescendo nestes últimos anos, que é a abertura de várias igrejas autônomas e que mantêm apenas a “logomarca” da instituição, não fazendo parte de nenhuma das grandes convenções de pastores como a CGADB ou a CONAMAD, mas pelo contrário criando suas próprias ou apenas se mantendo independente da influência destas. 13 JACOB, 2013, p. 85. 14 Podemos considerar os resultados do censo em relação às ADs como genéricos, pois ele engloba todas as ADs no Brasil como uma só igreja, não levando em relação à múltipla e até polissêmica divisão dentro desta denominação.
21
pesquisas. Quarto, as igrejas IURD, Quadrangular, Deus é Amor e a Maranata
registraram um crescimento da primeira pesquisa (1991) para a segunda (2000),
mas em relação à terceira (2010) todas registraram uma queda. Sendo a IURD, a
que registra o maior número de queda de adeptos, em torno de 228.641 pessoas.
Em último ponto, podemos notar um contraponto desta pesquisa, o qual sem
dúvida é o campo que registra outras, as quais não compõe o ciclo das igrejas
pentecostais mais formais, ou seja, são geralmente pequenos Ministérios ou mesmo
igrejas independentes das mais tradicionais, que mostram números consideráveis
em comparação com as mais tradicionais e conhecidas igrejas desse meio. Do total
de pentecostais em 1991, eles registram 40% (sendo em números reais 3.297.768
de adeptos) superando todas as outras (inclusive as ADs) e, apesar de registrar uma
queda considerável em percentuais do total de adeptos pentecostais ano de 2000
(13,3%), em 2010 tem um crescimento real/percentual de 9,9%. O qual tende a
indicar uma despolarização real do eixo das igrejas pentecostais mais conhecidas e
tradicionais no momento de adesão de uma pessoa. Algumas perguntas podem ser
levantadas, a partir dessa análise dos dados ao referido campo, quem são essas
pessoas? Serão novos adeptos (no sentido de ser um católico, ou um de outros
espaços religiosos, ou ainda um ateu), ou um adepto de algumas dessas igrejas que
não estava mais contente com sua antiga instituição e resolveu mudar? Quantas
dessas instituições saíram de um das “igrejas tradicionais” desse movimento por
algum tipo de discordância com a gestão das mesmas? Infelizmente os dados não
oferecem caminho para essa resposta, entretanto fica como possíveis indícios para
pesquisas posteriores, a fim de um maior conhecimento dos aspectos referentes ao
múltiplo e polissêmico campo pentecostal brasileiro.
Retornando o nosso foco as ADs no Brasil, além do fato do crescimento
desse movimento ainda se manter, mesmo que menor em relação aos censos
anteriores se pode pensar o porquê uma igreja tão expressiva no cenário religioso
nacional e de importante crescimento parece aceitar/legitimar o modelo de sucessão
familiar em pleno contexto de necessária modernização das instituições religiosas
em geral. Nisso destoa com as propostas de democracia e alternância de poder
reforçadas com a superação da ditadura militar nos anos oitenta, criando um
“séquito sacerdotal” prestigioso, vitalício e familiar, que parece remontar os “tempos
bíblicos”. Até o momento esse fenômeno pouco foi pesquisado. Os autores que
poderíamos nomear como clássicos dos estudos do pentecostalismo brasileiro
22
(SOUZA, 1969; NOVAIS, 1985; ROLIM, 1985; LÉONARD, 1988; FRESTON, 1994)
pouco, ou quase nada falam sobre a questão central dessa pesquisa. É claro que
não podemos desprezar a sua contribuição na busca de estudar, compreender e
explicar o fenômeno pentecostal, mas eles buscaram mais se aproximar dos efeitos
desse movimento em relação à sociedade em questão.
Salvo essa explicação, queremos mencionar o trabalho de Lavive d’Epinay “O
Refúgio das Massa”, que no Brasil é publicado no ano de 1970. Esta obra busca
realizar uma série de estudos sobre o protestantismo presente na América Latina,
tendo um olhar também para o fenômeno do pentecostalismo existente no Chile
durante a década de 1960. Sua percepção do pentecostalismo está baseada na
noção de que este movimento é uma “expressão nacional que transcende as
fronteiras de qualquer país e que soube conquistar um lugar entre os elementos
populares” (D’EPINAY, 1970, p.9). Considera ainda que o pentecostalismo se tornou
uma espécie de sociedade sem classes, que rompe com o tradicionalismo católico
do clero, pois oferece a todo fiel acesso às forças sobrenaturais abrindo a
possibilidade de todos a chegarem a ocupar uma posição hierárquica dentro do
movimento (espécie de sacerdócio universal do crente). A obra reserva ainda uma
seção para o estudo do poder no pentecostalismo chileno, afirmando que o “pastor
pentecostal é investido de um autoritarismo monopolista” (1970, p. 128), mas que
diferente do pastor brasileiro que exercia uma profissão paralela ao seu trabalho, o
pastor chileno era mantido pelo dízimo de sua comunidade (1970, p. 136). O autor
afirma que o pastor pentecostal representaria uma espécie de caudilhismo.
Devemos aqui pontuar, que ele não expressa isso como uma coisa ruim, mas ele
tenta demostrar que o pastor pentecostal chileno na cidade assume o papel de um
“protetor” e “promotor” do bem social ao grupo que a ele está junto, essa prática se
assemelharia as práticas dos caudilhos chilenos do interior (1970, p. 140-141).
Dito isso, em nossa busca e consulta de autores que tratem da temática de
nossa pesquisa, encontramos em um trabalho bem recente uma autora que se
interessou por essa questão do carisma e do exercício do poder nas ADs. Faço
referência a Correa (2013), que em sua tese de doutoramento buscou trabalhar
(mesmo que brevemente) a relação de poder dentro desse espaço religioso
específico. Encontramos ainda um artigo da mesma autora publicado em 2014, com
o título “Igrejas Assembleias de Deus no Brasil: pastores-presidentes e a linhagem
de consanguinidade ministerial”. Nesse texto a autora enfatiza o conflito entre a
23
religião, profissão e vocação, tendo uma visão mais jurídica do assunto dentro de
um questionamento se a atual conjectura em relação ao pastorado e sua sucessão
seja um estado de profissionalização, ou uma questão de vocação do indivíduo (ou
família). A presente pesquisa avança no passo de entender não apenas como a
figura do Pastor-presidente surge na história do movimento, mas como ele vai
adquirindo todo esse prestígio para se tornar a principal e quase “divinizada” figura
do meio assembleiano. E quais foram e são os desdobramentos da mesma na atual
composição socioeconômica da instituição religiosa pesquisada. Neste sentido,
entender como funciona as relações de poder, prestígio e dominação relacionados
ao fenômeno de perpetuação/e sucessão no espaço pentecostal das ADs, em foco o
Ministério de Madureira, pode contribuir para uma melhor compreensão das novas
dinâmicas que o pentecostalismo está tomando dentro do espaço religioso brasileiro.
A presente pesquisa foi realizada a partir do levantamento bibliográfico de
documentação primária, as quais foram os livros da história oficial e biografias de
alguns líderes das ADs no Brasil. Analisamos também conteúdos de dois jornais
oficiais das ADs, sendo um o “Mensageiros da Paz” e, o outro “O Semeador” de
períodos específicos da história do movimento, como a fundação do Ministério de
Madureira e sua consolidação na história das ADs no Brasil (período entre 1930-
1950), a morte do Pr. Paulo Macalão, sua sucessão e a perpetuação da Família “dos
Ferreiras” (período entre 1980-2000). Buscamos fatos correlacionados ao nosso
objeto em revistas como “Seara” e “Obreiros”. Em seguida nos utilizamos de
bibliografias secundárias, com a utilização de “livros referências”, teses, dissertações
e artigos que tratam de forma direta ou correlacionada aos objetivos traçados para a
pesquisa. Ainda consultamos diversos sites oficiais e não oficiais do movimento, ao
longo da construção da mesma, a fim de nos remeter aos conteúdos mais relevantes
e importantes para a realização desta dissertação.
Optou-se pela pesquisa qualitativa utilizando prioritariamente como método de
investigação a pesquisa bibliográfica-documental, que nos deu o embasamento
teórico para a produção desta dissertação. Para que pudéssemos chegar aos
resultados ora apresentados neste texto, foi realizada uma pesquisa de campo, que
consistiu em entrevistas a partir de questionários abertos. Entrevistamos seis
pessoas que fizeram e fazem parte ainda da instituição. Buscamos realizar as
mesmas em lugares neutros, ou seja, fora do espaço religioso da ADMM. Os
entrevistados foram divididos em três grupos de duas pessoas cada, sendo eles
24
homens, que se encaixam no seguinte perfil: - Grupo 1: Pastores-presidentes, com
idade igual ou superior a 55 anos e que tem no mínimo 5 anos de experiência no
cargo citado. Partimos do pressuposto que a carreira do pastor-presidente é
construída ao longo de alguns anos, no qual o indivíduo deve passar por fases até
atingir este posto. E os dois não só se encaixavam nos requisitos, como até os
superaram. Fizemos a opção por essa idade, pois ela atendeu a um outro objetivo
de nossa pesquisa, o qual era de falarmos sobre o Pr. Paulo Leivas Macalão que já
é falecido a mais de trinta e quatro anos, dessa forma um pastor-presidente com
idade inferior a essa não poderia contribuir neste foco.
Grupo 2: Foi de pastores de congregação. Neste caso os mesmos tem idade
superior a 35 anos, sendo membros da instituição a mais de 10 anos. Diferente da
questão anterior à escolha dessa idade também foi intencional, pois desejamos
entrevistar pessoas que estivesse no extremo das idades, a fim de percebemos qual
seria a visão de um obreiro que tenha vivido durante a gestão do Pr. Macalão e a
atual e a visão de um obreiro que só conheceu a gestão atual. Fato que
conseguimos, pois um dos entrevistados conheceu a Macalão e o outro quando
chegou à instituição, o referido pastor já era falecido.
Grupo 3: Composto de ex-pastores-presidentes da ADMM e que por motivos
de não concordância com as práticas atuais do Ministério, deixaram o mesmo. Estes
tem idade entre 55 a 70 anos e fizeram parte do ministério em um período superior a
30 anos. Sua escolha se deu porque abaixo dessa idade teríamos problemas com
uma relação próxima ao período de Macalão, mais ainda as transformações que
levaram eles a abandonar o ministério. Essa opção nos ajudou a perceber os
conflitos e tensões atuais dentro da instituição.
Sobre as entrevistas a princípio ficamos receosos de como seriamos
recebidos, principalmente pelos que ocupam o posto de Pastores-presidentes da
instituição, uma vez que eles poderiam pensar que a pesquisa tinha como função
“desmerecer”, ou “desprestigiar” suas pessoas. Levantando a questão de até quanto
suas falas seriam verdadeiras em relação às perguntas realizadas? O que podemos
perceber é que um deles respondeu as questões de forma bem polida, evitando
qualquer tipo de polêmica, mesmo sendo algumas vezes provocado durante a
entrevista. O outro de forma mais descontraída e aberta, respondendo todas as
perguntas de forma franca e bem direta, não evitou falar sobre assuntos polêmicos e
criticou muito, certas posturas de alguns líderes da ADMM, segundo ele,
25
descaracteriza a real “vocação” do chamado pastor-presidente. Entre os pastores de
congregação e os ex-pastores-presidentes, as entrevistas foram menos tensas, em
comparação as do grupo dos pastores-presidentes. Nosso único receio era com os
ex-pastores responderiam, pois devido o seu rompimento com o movimento, suas
respostas poderiam tender para um desabafo. Porém o que se viu foi uma postura
de sobriedade e muito respeito com a instituição, uma vez que, para os mesmos foi
nela que eles puderam desenvolver sua vocação.
O resultado final dessa pesquisa está organizado em três capítulos, que a
seguir apresentamos,
O primeiro capítulo trata sobre “‘Patriarcalismo/patrimonialismo’ na formação
sociocultural das Assembleias de Deus no Brasil”, tendo como ponto central a figura
do Pastor-presidente. Fazemos um balanço parcial da forma como o pensamento
social brasileiro trata certas figuras sociais da história nacional como “meros
estoques culturais”, nos quais os mesmos não passariam de uma herança cultural,
retirando deles sua condição de produtores e reprodutores de padrões sociais.
Buscamos então desconstruir essa noção demonstrando que os mesmo se
processam por diferentes e complexas práticas sociais. Utilizamos para isso os
conceitos weberianos de poder e dominação e como eles atuam nas diferentes
composições que as ADMM foram adquirindo no decorrer de sua história. Falamos
também sobre a trajetória de um indivíduo pentecostal para se tornar pastor-
presidente e como vai se dando o seu prestígio frente ao grupo. Utilizamos aqui os
conceitos de capital simbólico e social de Bourdieu. Ainda neste capítulo tratamos
sobre os limites de um Pastor-presidente e quais seriam os instrumentos que
possibilitariam fiscalizar suas ações na condução da mesma. Por fim, abordamos um
caso sobre a retirada de um Pastor-presidente de sua função em um Campo das
ADMM, devido algumas de suas ações e atitudes que geraram um conflito com os
membros e a diretoria desta determinada igreja “madurense”.
No segundo capítulo falamos sobre “A primeira Assembleia de Deus
‘autenticamente’ brasileira”, no qual focamos sobre a vida e trajetória dos dois
principais líderes da ADMM. Na primeira parte do capítulo reservamos ao fundador
do ministério o Pr. Paulo Leivas Macalão, descrevendo como o mesmo deu início a
ADMM e sobre a sua postura autônoma e “interregionalista”, que lhe atribuiu o título
de “invasor de campo”. Esta parte tem a função de nos ajudar na compreensão de
como o poder e prestígio do mesmo se desenvolveu ao longo dos anos, indo do
26
carisma para o poder patrimonial e que se utilizou de mecanismos racionais
burocráticos para manter o poder e a ordem, todas as vezes que viu ameaçada a
“unidade” de sua igreja. A segunda parte desse capítulo aborda a suposta condição
do Bp. Manoel Ferreira como o sucessor mais indicado de Macalão. Para isso
abordamos questões sobre a rotinização do poder e como se processa uma
sucessão dos poderes. Também buscamos descrever a trajetória do mesmo dentro
do ministério e como ele aos poucos foi se consolidando como a escolha “mais
justa” para suceder o fundador. Ao final do capítulo dispomos de uma seção que
trata de sua tentativa em ingressar a vida política, relacionando a sua condição
prestigiosa, mas que no final não lhe garantiu muito sucesso, apesar de ter sido
eleito a deputado federal no ano de 2006.
Por fim, no terceiro capítulo – “O Ministério de Madureira na Atualidade”,
discorremos na primeira parte do capítulo sobre as características atuais do
Ministério de Madureira, dividindo ele em três partes para uma melhor compreensão,
dessa forma tratamos sobre a CONAMAD, o Campo e o “Governo da Igreja”, que se
trata da formatação hierárquica da organização. Na segunda parte do capítulo
falamos sobre a questão da sucessão atual dentro da ADMM, se a mesma é uma
prática patrimonialista ou uma questão de herança aos filhos de determinados
líderes. Ainda nesta parte dedicamo-nos a falar sobre os dois filhos do Bp. Manoel
Ferreira (Abner e Samuel Ferreira) e como ambos se firmaram como os “sucessores
legítimos” ao comando da CONAMAD. Na seção final desse capítulo analisamos
algumas questões referentes aos conflitos internos e como eles foram resolvidos, os
quais levaram alguns Campos ao rompimento com o Ministério e a se tornarem em
Ministérios independentes atualmente.
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CAPÍTULO 1 O “PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO” NA FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS NO BRASIL: a figura do Pastor-presidente. Ao estudarmos como foi sendo construído e ao mesmo tempo desenvolvido o
pensamento social brasileiro ao longo do século XX, é possível perceber a ausência
(não sei se proposital, ou não) de alguns dos movimentos sociais que ajudaram a
construir direta, ou indiretamente a sociedade brasileira. Entre eles podemos fazer
referência ao fenômeno do protestantismo, em especial, ao de vertente pentecostal.
Movimento esse com mais de 100 anos de história dentro do território nacional e,
que hoje se não em todas as cidades e municípios do mesmo, se pode constatar a
presença de pelo menos uma igreja desse movimento em todos os estados
nacionais de norte a sul, leste ao oeste de nosso país. Porém, ele só foi percebido
pela Academia brasileira no final da década de 196015, como um movimento social
relevante e carente de uma compreensão mais minuciosa com os estudos de Beatriz
Muniz de Souza (1969) e de Candido Procópio Ferreira de Camargo (1973).
Não é nossa intenção aqui afirmar que depois desses primeiros trabalhos de
pesquisa, a Academia se interessou de vez em entender e explicar esse fenômeno
de forma mais contundente, ao contrário se passaram quase duas décadas para que
o fenômeno do pentecostalismo pudesse despertar os interesses mais efetivo dos
pesquisadores de diferentes áreas das Ciências Humanas e da Religião e até
mesmo da área de Teologia. O próprio censo demográfico brasileiro demorou em se
adequar a essa realidade, uma vez que até o ano de 1960 se optava por manter o
“quesito religião em aberto” (SANTOS, 2014, p. 21), dessa forma protestantismo e
pentecostalismo eram analisados de forma conjunta, assim como os espíritas,
umbandistas e candomblecista eram entendidos como uma única forma de
expressão religiosa, pelo menos nos dados.
Podemos considerar que as “novas religiões” tendem a atender a situações
sociais emergentes, dessa forma os censos seguintes passaram a ampliar a forma
de coletar e tabular dados, requisitando o trabalho de profissionais das Ciências
15 As pesquisas de Willems (1967) e D’Epinay (1970) sobre o pentecostalismo no Chile e Brasil são pioneiras na América Latina, ou quais ajudaram a fazer uma primeira delimitação a abordagem sobre esse movimento na região citada.
28
Humanas para auxiliar no processamento e interpretação dos dados coletados
(2014, p. 21-22), a fim de atender as novas demandas exigidas por essa sociedade
em transformação. Assim,
Os censos a partir de 1980 ampliam a riqueza de investigação dos censos anteriores e contam agora com o processo de informatização das informações necessárias para suprir as demandas dos estudiosos em busca de tabulações, cruzamentos de variáveis, além dos resultados oficiais publicados no censo. (SANTOS, 2014, p. 22)
Outro dado importante é que o primeiro estudo acadêmico brasileiro sobre o
protestantismo foi produzido pelo historiador e protestante francês Émile G. Léonard,
em sua obra “O Protestantismo Brasileiro” de 1963. Mas, que nessa obra traz um
“esquecimento” do fenômeno pentecostal brasileiro, pois, o mesmo, reserva no
máximo cinco páginas para falar do movimento. É durante a década de 1980, que
Léonard (1988) publica uma pesquisa que fora realizada ainda na década de 1930,
sobre movimentos que denominou de “iluminista”16 e o movimento pentecostal que
se implanta no Brasil no início do século XX. A partir de uma pesquisa historiográfica
o autor elucida uma faceta da composição social brasileira que é o seu misticismo,
apresentado de forma sucinta algumas de suas características. Apesar de
apresentar o pentecostalismo como um movimento uniforme e sem particularidades,
a obra sem dúvida ajudou na busca de uma maior compreensão desse segmento no
referido período.
A pergunta que se pode fazer é o que explica esse “esquecimento” inicial?
Ser ele um movimento recente e sem expressão numérica? Acreditamos que não,
uma vez que o pentecostalismo no momento da publicação dessa obra, já contava
com pouco mais de meio século de existência em nosso país, e ainda mais,
segundo Rolim (1985, p. 104-105), no ano de 1960 esse movimento conta em
números com 705.031 membros comungantes, o que representava pouco mais de
1% do total da população brasileira17; enquanto os tradicionais contam com 663.968
membros comungantes (menos de 1% do total da população brasileira). Assim em
termos numéricos não se explica esse “esquecimento”, ainda mais porque, nesses
mesmos dados expostos por Rolim à distribuição percentual dos membros
pentecostais e de não pentecostais nas diferentes regiões do Brasil, em especial, na 16 Por iluminismo Leonard entende como um movimento que traz em seu bojo expressos místicos de uma forma de iluminação interna, no qual indivíduos ou grupos expressão sua fé a partir de sensações místicas de encontro com o sobrenatural – Deus. 17 Segundo o Censo demográfico do IBGE de 1940/2010 o total da população brasileira em 1960 era de 70.070.457 habitantes.
29
região sudeste do país é muito semelhante, aliás, com uma ligeira diferença para os
pentecostais, os quais detinham 21,6% dos totais de protestantes, enquanto os não
pentecostais somavam 21,1%.
Entendendo ser o fenômeno pentecostal brasileiro um movimento com
características próprias e peculiares diferente do tipo de pentecostalismo que se
desenvolveu nos Estados Unidos (SOUZA, 2008), podemos perceber que o seu
desenvolvimento ocorre paralelamente a já instituída produção da cultural brasileira,
ou seja, a partir de seu contato com as diferentes áreas da vida social, econômica,
política do Brasil podemos pensar em uma “brasilianidade” pentecostal, na forma de
um movimento religioso com características semelhantes à de qualquer outro
movimento social que se desenvolveu durante a formação cultural do país. Para
entendermos esse movimento e as suas práticas atuais precisamos entendê-lo a
partir das características que adquire como parte da formação do próprio Brasil. Uma
vez que nenhum fenômeno social pode se desenvolver autonomamente das
dinâmicas sociais de onde ele está inserido. Berger já afirmava que,
A sociedade é, portanto, não só resultado da cultura, mas uma condição necessária dela. A sociedade estrutura, distribui e coordena as atividades de construção do mundo desenvolvidas pelos homens. E só na sociedade os produtos dessa atividade podem durar (BERGER, 1985, p. 21.).
Para ele o processo dialético de exteriorização, objetivação e interiorização
são o que nos definem enquanto seres humanos, uma vez que o mesmo “não pode
ser concebido como algo isolado em si mesmo”. Esse ponto revela que só é possível
ser um produto da sociedade (interiorização), quando esse ser humano (ou seres
humanos em uma comunidade) se efundem (exterioridade) ao mundo, objetivando
suas ações e tendo reconhecido a sua sui generis, como válidas ao meio em que
estão inseridas (BERGER, 1985, p. 16-17). Entendemos então que para
compreender de forma mais séria e próxima os fenômenos produzidos atualmente
pelo pentecostalismo brasileiro, em especial, o assembleiano precisamos entendê-lo
a partir das relações com a formação da sociedade brasileira ao longo de sua
história.
Para uma melhor compreensão desse fenômeno recorreremos à área de
conhecimento da sociologia que busca explicar como se constituiu o chamado
pensamento social brasileiro. Uma vez que “a realidade social não é visível a olho
nu, o que significa que o mundo social não é transparente aos nossos olhos”
30
(SOUZA, 2015, p. 9), precisamos nos apropriar de “lentes” que nos forneçam a
condição necessária para romper com o senso comum e com possíveis “achismos”
sobre o objeto em questão. Dessa forma nesse capítulo abordaremos o conceito de
patriarcalismo/patrimonialismo dentro da construção das diferentes instituições que
deram e dão corpo ao Brasil. Tema este recorrente a diversos autores que buscaram
explicar como se originou os contornos atuais da economia, política e sociedade
brasileira.
1.1. O PATRIARCALISMO/PATRIMONIALISMO NO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO.
Para compreendermos as dinâmicas do pentecostalismo brasileiro atual e
podermos fazer uma análise mais próxima da realidade é imprescindível voltarmos
um pouco na história de formação do Brasil, dentro do seu contexto econômico,
político e social, lembrando que a formação da nação está completamente imbricada
com o projeto em sua gênese de um empreendimento mercantilista (PRADO Jr.,
2011; FURTADO, 2005), ou seja, não havia por parte de Portugal um projeto de
formação de uma “nação”, mas sim, uma forma de garantir que o seu “ganso dos
ovos de ouro”, não fosse tomado pela outras nações europeias18.
O início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações europeias. Nestas últimas prevalecia o princípio de que espanhóis e portugueses não tinham direito senão àquelas terras que houvessem efetivamente ocupado. Dessa forma, quando, por motivos religiosos, mas com apoio governamental, os franceses organizam sua primeira expedição para criar uma colônia de povoamento nas novas terras - aliás, a primeira colônia de povoamento do continente -, é para a costa setentrional do Brasil que voltam as vistas. Os portugueses acompanhavam de perto esses movimentos e até pelo suborno atuaram na corte francesa para desviar as atenções do Brasil. Contudo tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanentemente. Esse esforço significava desviar recursos de empresas muito mais produtivas no Oriente. A miragem do ouro que existia no interior das terras do Brasil - à qual não era estranha a pressão crescente dos franceses – pesou seguramente na decisão tomada de realizar um esforço relativamente grande para conservar as terras americanas. (FURTADO, 2005, p. 16.).
1818 A historiografia brasileira apresenta pelo menos dois casos de tentativas de invasão à colônia portuguesa aqui na América (Brasil), uma por parte dos franceses e outra pelos holandeses, este último com um período maior de permanência. (FAUSTO, 1995; SKIDMORE, 1998).
31
Por este motivo, esse empreendimento carrega características muito
particulares e peculiares em sua formação econômica, política, social e também
religiosa, uma vez que a religião que se formara no território brasileiro tende a
atender as necessidades do projeto colonialista nas Américas. Assim, para
conseguirmos melhor compreender o como se dá o nascimento e a evolução do
pentecostalismo brasileiro, primeiro precisamos entender o “sentido” dado ao Brasil,
ou seja, “perceber não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e
acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo” (PRADO
Jr, 2011, p. 15.).
Autores conceituados no campo das Ciências Sociais e Humanas se
debruçaram não só para entender, mas em explicar como se deu a “múltipla”
formação étnica de nossa sociedade (IANNI, 2004, p.159) e como essa “múltipla”
formação ajuda a explicar os contornos daquilo que estamos denominando de
patriarcalismo/patrimonialismo brasileiro. Podemos citar aqueles que são
considerados como “clássicos” do desenvolvimento do pensamento social brasileiro;
Gilberto Freyre em “Casa Grande & Senzala” (1932), Sergio Buarque de Holanda
em “Raízes do Brasil” (1936) e Caio Prado Júnior em “Formação do Brasil
Contemporâneo” (1942), Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” (1958) entre
outros, que buscaram explicar a formação do chamado Brasil Moderno. Em primeiro
lugar, alguns desses teóricos se utilizaram do conceito que é comumente
denominado de miscigenação (ou encontro étnico de matrizes diferentes19, ou ainda
multietnicidade20), o qual inaugura a corrente do chamado culturalismo brasileiro,
que buscou romper com as teorias de um cientificismo racista na intenção de
encontrar e formular uma “identidade nacional” ainda em meados da década de
1930, mas que não consegue romper com concepções eurocêntricas de
modernidade. Porém, muitos desses intelectuais, ao buscarem construir uma
explicação coerente de nossa formação se depararam com o problema dos
“estoques culturais herdados” (SOUZA, 2015), ou seja, o que somos hoje está
relacionado diretamente ao legado deixado pela colonização portuguesa.
Esta visão impõe a sociedade brasileira rótulos como corrupção, preguiça,
passividade, “clientelismo”, atraso, pobreza, dependência como as marcas de uma
sociedade ainda pré-moderna e que está completamente presa nessas “condições
19 RIBEIRO, 1995. 20 IANNI, 2004.
32
herdadas”, as quais nos impedem de avançarmos aos padrões considerados como
modernos, éticos, dinâmicos e tecnológicos, referência dada aos países
considerados como desenvolvidos. É importante pontuarmos que essa forma opaca
e obtusa de olhar a realidade social brasileira recai também as muitas interpretações
dadas ao movimento pentecostal brasileiro, em especial o assembleiano. Tendo
como objeto central dessa pesquisa a relação de poder, prestígio e dominação
atribuída à figura dos Pastores-presidentes da ADMM e as atuais práticas de
sucessão familiar, cabe a perguntar se as relações produzidas por esse movimento
são frutos de práticas personalistas, reafirmadas por uma forma patrimonialista-
histórica que são possíveis de ser encontrados nos mais diferentes estratos de
nossa sociedade como formas homogêneas de reprodução do poder e da
dominação, que não passariam de uma mera reprodução das práticas
sóciohistóricas herdadas de nossa condição de colonizados. Desprezaria assim as
condições inerentes desse, ou de qualquer outro movimento social, que tende a cria
formas próprias de disputas internas, a fim de obter o poder e a dominação em seu
interior, ora de forma naturalizada, ora por meio do conflito.
Para muitos a figura do Pastor-presidente das ADs, pode dar a impressão e,
ao mesmo tempo não passar de uma reprodução histórica de figuras como os
donatários, os senhores do engenho e os coronéis do período colonial e imperial
brasileiro, que segundo o pensamento do “senso comum” nacional, não passariam
de produtos de um personalismo herdado e que garantiria sua condição patriarcal e
patrimonial no favorecimento daqueles que estão a sua volta - clientelismo. Essa
questão será analisada mais adiante, mas já devemos destacar sobre o perigo de
não alcançarmos uma melhor compreensão do fenômeno se cairmos nessa forma
de reducionismo proporcionada pelo que podemos denominar de “culturalismo
liberal conservador” (SOUZA, 2015) produzido e reproduzido ainda hoje, por muitos
teóricos que tentam explicar não apenas o nosso desenvolvimento, mas também
nossas condições atuais de “atraso” social e moral como uma “herança maldita”
(SOUZA, 2015).
Nesse sentido, devemos caminhar sobre uma óptica interpretativa que
consiga perceber que desde seu “achamento”21 em 1500, o Brasil tem se constituído
21 Termo usado para referir que os portugueses não descobriram o país, com convencionalmente está descritos em alguns manuais de história, pois antes de sua chegada as terras brasileiras já existiam grupos sociais que habitavam não apenas o litoral mais também o interior do país, e estes
33
como um local totalmente diverso em questão cultural, pois a confluência de
diferentes povos ao longo de seu processo de formação (indígenas, africanos,
portugueses, holandeses e franceses em breve espaço de tempo e depois uma série
de imigrantes vindos de diversas partes do mundo, inclusive da Ásia), fez do Brasil,
um lugar onde o encontro de diversas culturas seja extremamente rico do ponto de
vista das Ciências Sociais e Humanas. E aqui, está o ponto fundamental, pois toda
“a sociedade humana é opaca, não é transparente22 para nenhum observador”,
assim, parafraseando Maduro23, aquele que quer estudar o seu próprio ambiente é
ao mesmo tempo juiz e parte do processo, não só observando as lutas sociais, mas
si colocando no centro delas (MADURO, 1981, p.37), a fim de “trazer à luz” aquilo
que histórica e socialmente está obscurecido pela ignorância e preconceito
produzidos pela classe dominante. Daí pensar em uma cultura brasileira é lembrar
que a “mestiçagem” envolve todas as etnias que compõem a população, desde as
várias etnias nativas e africanas24, até as europeias e asiáticas. Nas palavras de
Ianni, o Brasil é,
[...] um laboratório étnico excepcional. Aí se combinam tolerâncias e intolerâncias, formas veladas e formas abertas de preconceito racial, outra vez envolvendo as múltiplas etnias que formam a sociedade. Sem esquecer que a densidade social, compreendendo etnias, situações econômicas, condições políticas, elementos culturais, é desigualdade nas distintas regiões do país, bem como em diferentes setores ou estratos sociais; criando-se assim toda uma gama de acomodações e tensões, tolerância e intolerâncias, um caleidoscópio multicolorido, ao mesmo tempo estridente e fascinante. (IANNI, 2004, p.159.).
Assim, pensar em Brasil é ter em mente uma gama muito complexa e muitas
vezes contraditória de práticas culturais que foram sendo criadas e desenvolvidas ao
longo de mais de quinhentos anos de sua existência. Não podemos então cair em
uma celeuma simplista, ao pensar que as formas de patriarcalismo/patrimonialismo
sejam apenas uma mera herança colonial, como se fosse um processo de “osmose”,
fruto de uma pré-modernidade muito mais homogenia e insossa e que apenas
grupos estavam organizados política, social e religiosamente, produzindo assim uma cultura própria e diversificada. Para melhor compreensão do assunto (RIBEIRO, 1995). 22 Crivo do autor. 23 Esse autor escreve sobre o papel do sociólogo na árdua tarefa de descrever, compreende, explicar, predizer e resolver os conflitos presentes na realidade desse personagem/especialista. (MADURO, 2000). 24 Uma vez que tanto os povos nativos brasileiros, quantos os africanos não podem ser observados de forma unívoca desprezando a sua multiplicidade cultural, pelo contrário tanto um como o outro é um conjunto de saberes próprios, com conhecimentos culturais próprios e até superiores a dos europeus neste período de nossa história. (RIBEIRO, 1995).
34
seguiu um caminho que já estava “preestabelecido” ao desenvolvimento do país.
Pelo contrário, essa concepção pseudocientífica (SOUZA, 2009, 2015) foi sendo
construía pela classe dominante e aceita pela maioria dos pensadores brasileiros em
um determinado período de nossa história, na qual se buscava criar o “mito da
identidade nacional”, que pudesse abarcar todas as diferenças em um só bojo,
retirando do foco as tensões e os conflitos que ocorriam internamente. Nessas
perspectivas, as concepções Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda se
encaixaram como “uma luva” para as pretensões do “culturalismo liberal
conservador” (SOUZA, 2015). E que está implicitamente ligada às muitas
concepções interpretativas atuais sobre o movimento pentecostal assembleiano
brasileiro.
Segundo Souza, em “A Tolice da Inteligência Brasileira”, Gilberto “Freyre é o
pai-fundador da concepção dominante” de como percebemo-nos dentro desse senso
comum de um “personalismo virtuoso” (2015, p. 30-31) de nossa miscigenação, ou
seja, uma visão que busca dar dignidade a nossa formação “multiétnica” (IANNI,
2004), em contraposição as concepções racistas que atribuía o nosso atraso a
nossa formação étnica. Mas, se por um lado Freyre busca dar um sentido “positivo”
a nossa formação, pois criamos uma “civilização singular”; é, em, Sérgio Buarque de
Holanda que encontramos “o pai-fundador das concepções dominantes” das
ciências sociais brasileiras, em cuja visão atribui que nossa “maior virtude”, não
passa de nosso maior “problema social e político” (SOUZA, 2015, p. 32). Pois ao
buscar as “Raízes do Brasil”, ele identifica nesse “homem cordial” um indivíduo
tomado de uma cultura personalista, clientelista e autoritária, ao qual produz uma
dualidade irreversível, entre uma ausência de “ética ao trabalho”, mas que, ao
mesmo tempo nele reside uma “ética da aventura” (HOLANDA, 1995, p.44). O
mesmo estaria disposto a enfrentar perigos inimagináveis na condição de obter
fortuna e prestígio de forma rápida, ao invés de lograr o seu sucesso do esforço
laborioso racional de seu trabalho cotidiano, como ocorria nos países capitalistas
modernos, principalmente os de vertente protestante.
Em sua concepção os indivíduos e as instituições que se formam em nosso
território, se pautam na excessiva relação de pessoalidade, “apadrinhamento” em
detrimento das relações de impessoalidade típicas das “sociedades modernas
capitalistas”. Pelo contrário, essas relações de pessoalidade e “apadrinhamento” dão
origens as práticas de patrimonialismo, que são “uma espécie de amálgama
35
institucional do personalismo”, pois o “‘homem cordial’ é emotivo e particularista e
tende a dividir o mundo entre ‘amigos’, que merecem todos os privilégios, e
‘inimigos’, que merecem a letra dura da lei” (SOUZA, 2015, p.32). Essa visão de
nossa formação nos impede de ver aquilo que está nos alicerces da mesma, uma
vez que, não conseguimos perceber as nossas próprias relações internas que são
tensas e contraditórias, pois,
O Brasil criou-se, sob uma fachada de harmonia, uma sociedade contraditória. As contradições têm várias fontes. Elas são um produto da miscigenação de povos – indígenas, europeus e africanos – e da cultura derivada dos portugueses que mantêm o Brasil unido. [...] Em suma, o Brasil exemplifica todos os problemas do capitalismo no mundo em desenvolvimento. (SKIDMORE, 1998, p.15.).
Muito mais que uma mera herança da colônia, nossa formação se pauta da
construção e formação capitalista de exploração e luta de classes, pois nessa órbita
a grande massa populacional de nosso país é excluída não apenas do processo de
formação, mas do próprio processo de consolidação e distribuição dos bens
escassos e necessários para a sobrevivência. E não somente isso, pensar o Brasil,
a partir de uma concepção “unívoca” de identidade nacional é um problema ainda
maior, pois em nossa historicidade, nunca levou em conta a ideia básica de
identidade nacional que permitiria uma identificação com um povo em sentido de
homogeneidade e que compartilharia de um mesmo senso “identitário” como
possuía, por exemplo, o inglês, o francês, o espanhol ou mesmo o estadunidense.
Pelo contrário, o que encontramos em nossa história foi a grande demarcação
“étnico-territorial”, preconceituosa e racista entre os indivíduos que detêm esses
recursos escassos, em detrimento aos que não os detêm, mas que também
compõem a nação. Se utilizando de pensamento de Ianni, devemos pensar o Brasil
como um experimento “multicultural e multiétnico”, no qual “diferentes civilizações
encontram-se, acomodam-se, combinam-se, dissolvem-se e recriam-se, ao mesmo
tempo em que se tencionam e reafirmam” produzindo o que ele chama de multi-
etnias, termo por ele utilizado para afirmar que o Brasil é um “produto” de diferentes
culturas e etnias, e não uma homogeneidade nascida de um pensamento
eurocentrista e elitista. (IANNI, 2004, p.153).
A partir dessa concepção, em que somos o “experimento simultaneamente
social, cultural e étnico” (IANNI, 2004, p.153), precisamos romper com essa visão
“pseudocientificista do culturalismo liberal conservador” (SOUZA, 2015) de muitos
36
intelectuais brasileiros que ajudaram a reproduzir e reforçar em nossa sociedade a
ideia de que somos uma “mera herança” e lembrança dos resultados do colonialismo
europeu dos séculos XVI, XVII e XVIII, retirando de nós mesmos as condições
materiais e espirituais enquanto produtores e reprodutores de sentido de nossa
própria realidade. Precisamos ainda, destacar que o Brasil que vemos hoje é sem
dúvida o resultado de uma obra que se desenvolveu em meio ao tempo, em que não
apenas existimos enquanto um empreendimento mercantil derivado das grandes
navegações ibéricas, com o objetivo de acumular o máximo possível de reservas
financeiras em um período de transição para os capitalismos, mas que se perpassou
e se desenvolveu dentro e pelos diferentes momentos desse sistema, ou seja, o
comercial, o industrial-monopolista, chegando por fim ao capitalismo financeiro,
estágio de exploração mais aguda do mesmo.
Pois, assim fazendo, conseguiremos romper em definitivo com as teorias
reducionistas de um patriarcalismo/patrimonialismo personificado em alguma dada
figura como o donatário, o senhor do engenho, o coronel, o Estado, chegando até o
objeto de nossa pesquisa que é o Pastor-presidente das ADMM, como figuras
guiadas pela irracionalidade, pela emotividade, ou ainda pelo egoísmo puro e
simples, o qual tende a privilegiar uns poucos em detrimento da maioria. Sendo
estes desprovidos de qualquer tipo de estrutura de poder racional e
burocraticamente organizada, que os ajudasse a pôr em prática os seus mais
diferentes projetos e desígnios materiais, ou seja, ao invés de termos a capacidade
de perceber o que está por de trás das relações de poder e dominação. Essa forma
de pensamento daria a entender que o mesmo ocorreria pelo simples fato da
existência dessa determinada figura, e, ela ser carregada de uma personalidade
“ancestral” e herdada da condição de ex-colônia.
Esse rompimento se faz ainda mais necessário, uma vez que esses
intelectuais brasileiros (como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro) tentam
apoiar suas preposições e afirmações sobre o Brasil, nos estudos weberianos de
poder e da consolidação do sistema capitalista na sociedade Ocidental. Weber em
sua obra “Economia e Sociedade” (1922) busca explicar sociologicamente, como a
diferentes formas de poder e dominação atuavam e se reproduziam nas diferentes
sociedades humanas. Como clássico que é esse trabalho, o mesmo vai ser
apropriado pelos intelectuais brasileiros, na tentativa de dar peso teórico aos seus
argumentos sobre como se forma e desenvolve o patrimonialismo no Brasil.
37
Para Souza (2015), os intelectuais brasileiros interpretam as concepções
weberianas, principalmente do patrimonialismo muito mal e de forma estática, como
se o pensamento de Weber não tivesse tido a capacidade de ver para além “dos
meros” tipos ideais – lembrando que são modelos abstratos, que tem a função de
ajudar na compreensão do objeto estudado. Ainda segundo o autor, Weber tinha a
plena consciência que a conduta ética “empresarial” dos primeiros protestantes
estadunidenses era muito diferente de seus descendentes, que viviam naquele
momento em uma sociedade de base secularizada. Assim essa noção de
patrimonialismo “abrasileirada” que repousa no personalismo de um indivíduo, ou
mesmo da instituição, tende a demonizar a figura do Estado como agente corrupto
por natureza, mas ao mesmo tempo o Mercado é visto como uma entidade de pura
virtude, escondendo todas as relações, tensões e contradições que os mesmos
geram em relação com a sociedade na qual estão inseridos. Nesse sentido ele
afirma que,
A tese do patrimonialismo pressupõe, portanto, tanto que se esconda e se esqueça a “sociedade”, e com ela os conflitos sociais como arena da disputa por recursos escassos, como também se simplifique mercado e Estado, onde um é o mocinho e o outro é o vilão. Esse é o nome da operação ideológica que permite que o tipo de liberalismo redutor e mesquinho que temos entre nós possa ser visto com o “flair” de uma teoria crítica da sociedade. [...] Mais uma vez o “homem cordial” de Sérgio Buarque passa a habitar, por algum milagre nunca explicado, apenas o Estado, e nunca o mercado. (SOUZA, 2009, p. 86)
Aqui reside o ponto central para a nossa pesquisa, pois ao percebermos essa
inversão de mundo realizada pela intelectualidade liberal conservadora, para se
explicar o tipo de patrimonialismo que existe no Brasil, podemos então começar a
demarcar que a figura do Pastor-presidente das ADMM não é um produto de um
“estoque cultural herdado” (SOUZA, 2015) do colonialismo português, mas sim, uma
construção racional e burocrática, a fim de conseguir melhor administrar o poder que
foi sendo consolidado dentro do processo de formação e desenvolvimento das ADs,
seja ela do Ministério de Madureira, Missões ou de qualquer outro Ministério ao
longo de seu processo histórico. Dessa forma necessitamos de um rápido retorno a
esses conceitos que foram elaborados pelo sociólogo alemão Max Weber, na
tentativa de melhor explicitarmos como foi por ele elaborado a questão do
patriarcalismo/patrimonialismo, para depois sim, utilizarmos os mesmos na
38
elucidação dessa figura tão importante para ADs no Brasil que é o Pastor-
presidente.
E apesar da AD não ser uma igreja exclusivamente brasileira, pois a
encontramos em outras localidades, como por exemplo, em países do continente
Americano25, pode-se notar que figura do Pastor-presidente só é encontrada nas
igrejas ADs que foram fundadas no Brasil ou por brasileiros em outras localidades.
Por este motivo a importância de romper com a interpretação tradicional do
pensamento social brasileiro, a fim de nos aproximarmos o máximo possível de uma
interpretação mais próxima da realidade do nosso objeto em questão.
1.1.1. O Patriarcalismo/Patrimonialismo em Max Weber: os conceitos de poder e
dominação.
Nesta seção recorreremos à visão weberiana sobre os conceitos de poder e
dominação, que nos dará os aportes necessários para melhor compreender o que é,
e como se constituiu a figura do Pastor-presidente das ADMM. Também nos
auxiliará em uma melhor percepção de como essa figura se mantém no poder da
instituição de forma “quase que intocável”, como se tem visto em muitas das ADs no
Brasil, não somente no Ministério de Madureira como também as ligadas à CGADB.
Atualmente além de se perpetuar no poder recebendo em muitos casos a
designação de “presidente-vitalício” do ministério26 (como é no caso de Madureira), o
mesmo passa a ter poder para postular a indicação de filhos, ou mesmo parentes
próximos como genros e netos, para sucedê-lo no cargo.
25 A “logomarca” Assembleia de Deus é utilizada pela primeira vez em 1914 pela igreja fundada nos Estados Unidos, no caso brasileiro apesar de ter sido fundada em 1911, a igreja em Belém do Pará era chamada de Missão da Fé Apostólica, somente em 1918 é que passa utilizar o logo de Assembleia de Deus. (ALENCAR, 2010; 2013). 26 Segundo o Estatuto da CONAMAD do ano de 2007, em seu CAPÍTULO XI; DAS DISPOSIÇÕES GERAIS; no Art. 95. Diz-se: “Poderá haver reeleição em todos os cargos da CONAMAD; exceto para aqueles ocupados atualmente pelo Presidente e 1º Vice Presidente, por serem seus ocupantes vitalícios, de acordo com a decisão soberana e unânime da Egrégia Assembleia Geral Extraordinária realizada em 1º de maio de 1999. Ainda segundo o mesmo no em Parágrafo Único: “No caso de vacância dos cargos de Presidente e 1º Vice Presidente da CONAMAD, extingue-se, de plano, a vitaliciedade quanto aos cargos vacantes; e o preenchimento dar-se-á de acordo com as normas estatutárias vigentes, quanto à eleição, posse e mandato”. Um ponto interessante a se ressaltar é que, no Estatuto da instituição alterado em 2013, desaparece a vitaliciedade do 1º vice-presidente, que a época estava a cargo do Pr. Lupércio Vergniano (que ainda está vivo, mesmo que doente) e que hoje é do Pr. Samuel Cássio Ferreira (que na última convenção da CONAMAD ocorrida em 2016, ele se tornou o Presidente Executivo da instituição). Esse assunto será tratado com mais profundidade no terceiro capítulo, o qual tratará diretamente sobre a ação dos filhos do Bp. Manoel Ferreira.
39
Pois bem, Weber define poder como a “probabilidade de impor a própria
vontade numa relação social, mesmo contra a resistência, seja qual for o
fundamento da probabilidade” (WEBER, 2012, p.33). Que seriam neste caso os
recursos que o dominador dispõe nesse momento, que podem ser financeiros,
bélicos, políticos, entre outros. Para ele o conceito de poder é sociologicamente
amorfo, uma vez que as qualidades de uma pessoa e as condições das relações
sociais podem fornecer as condições necessárias para que essa imposição se
efetive em uma determinada relação. Já a dominação “é a probabilidade de
encontrar (através da habilidade do dominador27) obediência a uma ordem de
determinado conteúdo”, sendo este conceito mais preciso na questão de encontrar a
obediência (WEBER, 2012, p. 33), mesmo que o dominado não perceba esta
relação de domínio, ou aceite esta relação entendendo que a mesma é necessária
para a sua existência e permanência dentro da relação social. Um bom exemplo é
como se legitima o poder e a dominação de um Pastor-presidente da ADMM, pois
nasce da concepção sobrenatural, ou seja, para explicar por que determinada
pessoa ocupa o posto de Pastor-presidente se usa a concepção que a mesma,
ocupa esse posto por escolha divina, aquilo que nas entrevistas apareceu na fala de
todos os pastores (sejam eles presidentes, ex-presidentes ou apenas pastores de
congregação) como o “chamado de Deus” ou “vocação divina” para o ministério,
incluindo em algumas falas também sua “trajetória de fidelidade” dentro do
ministério.
Porém acredito ser importante neste momento destacar que em algumas falas
colhidas de nossas entrevistas, em especial a de um Pastor-presidente, quanto de
um Ex. Pastor-presidente, na qual encontramos a possibilidade atualmente de outra
forma de escolha. Segundo eles, muitas vezes essa escolha é feita por interesses
intramundanos, como por práticas de favorecimento a amigos e parentes para a
obtenção de fidelidade, ou mesmo, chegando a alguns casos ocorrer o pagamento
de uma espécie de “pedágio”, na busca de se tornar um pastor-presidente. Notava-
se que a fala era carregada de um tom de inconformidade e saudosismo de um
tempo diferente dos dias atuais, nos quais segundo eles “era Deus que chamava”.
Segundo a fala do Pr.P(ex)-A, quando perguntado se ele via alguma diferença entre
27 Crivo do autor.
40
os pastores-presidentes das gerações anteriores para os da geração atual, ele
disse:
“Olha, é duro a gente ter que falar, mas tem diferença, tem diferença, sim. Porque lamentavelmente hoje a coisa tem ido assim, ser pastor-presidente hoje tem alguns atrelamentos que fogem, entende, que fogem daquilo que é a realidade. Então, hoje lamentavelmente, tem que dizer isso, existem pastores-presidentes que estão vinculados ao cargo de presidente, mais por uma questão administrativa. Não tem aquela questão de uma necessidade espiritual. Você é uma pessoa muito chegada a mim, então eu vou arrumar um jeito de te dar uma presidência. Hoje tem isso”28. (Entrevista em áudio, gravada em 25/07/2016).
Cabe dizer que a estrutura burocrática da ADMM, se difere das ADs Missões
(ligadas a CGADB), na qual a convenção não tem o poder decisório, mas sim, certa
influência de oferecer a presidência de um Ministério qualquer para alguém. Já na
ADMM é a CONAMAD, junto à Mesa Diretora que tem o poder decisório de escolher
e empossar o Pastor-presidente naquilo que por eles é denominado como “Campo”
de trabalho. Como, neste momento, apenas estamos demarcando alguns pontos da
pesquisa, mais a frente trataremos desse assunto com maior propriedade, buscando
“dissecar” essa estrutura burocrática de poder e dominação patrimonialista. Mas,
neste momento nossa intenção é deixar claro que esse movimento funciona não por
mera “herança cultural”, mas sim, por uma rede complexa de relações de poder e
dominação, muitas vezes tensa, que estruturam e dão forma ao movimento,
conquanto se apresentando de forma naturalizada, dando a impressão que essa
prática ocorre desde a fundação do movimento.
Seguindo ainda mais um pouco sobre essa concepção, uma boa definição
que a sociologia weberiana traz sobre dominação é a habilidade de impor a sua
vontade sobre os outros, mesmos que não aceitem ou até mesmo que tentem
resistir a essa probabilidade (WEBER, 2012, p.33), ressaltando que muitas vezes
essa dominação se realiza, produzindo muita tensão entre dominador e dominados.
Podemos ainda afirmar que existem diversos espaços de sua atuação, o social, o
econômico, o militar, o político, o religioso, o ideológico. Assim, acreditamos que
esses conceitos de poder e dominação devem ser pesquisados por duas
perspectivas, 1- em razão de seus objetivos e 2- como um meio. No que se refere
aos objetivos, o poder e a dominação devem ser considerados uma potência, sendo
a capacidade de produção dos efeitos pretendidos em uma ação praticada por
28 Texto transcrito na integra da fala do entrevistado.
41
indivíduos e compreendido como a ideia da posse de um recurso estratégico para a
conquista dos objetivos, assim a análise deles não devem compreender apenas os
desejos de seus atores, mas os recursos necessários para a conquista desses
objetivos. Weber (2012) em seus trabalhos propõem estudar a dominação usando
esses três tipos ideais - dominação racional, dominação tradicional e dominação
carismática. Sendo na dominação tradicional onde encontramos os conceitos de
patriarcalismo e patrimonialismo. Esse conceito de dominação, ao contrário, aplica-
se a casos muito mais específicos, muito mais concretos, isto é, a casos em que o
predomínio da vontade de um, sobre o outro, se dá em relação de mando e
“obediência”.
Cabe aqui mencionarmos que “o recurso antitético da força é a legitimação”
(BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 435), pois para Weber é impossível haver uma
dominação duradoura dissociada da legitimidade adquirida pelo dominador sobre
seus dominados. Nesse sentido um dominador eficiente é o que consegue fazer com
que seus dominados não apenas vejam a legitimidade de seu poder, mas que a
aceitem com a mínima discordância e resistência, pois “um poder legitimo é o que
tem a capacidade de fazer que aceitem suas decisões como bem fundamentadas”
(BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 435). Quando essa condição não é alcançada a
instituição legítima deve ter a capacidade de “mobilizar sanções eficazes contra o
transgressor” (BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 435). Podemos então perceber
como essa definição rompe com o pensamento social brasileiro produzido pelo
“culturalismo conservador liberal” (SOUZA, 2015), que tende a acreditar que figuras
como o senhor do engenho, o coronel e mesmo o Estado, conseguiam manter seu
domínio apenas pela força de seu personalismo.
Para melhor explicar essa relação Weber se utilizará de um instrumento
metodológico que ele mesmo elaborou - os Tipos Ideais, modelos interpretativos
“que o especialista das ciências humanas constrói unicamente para os fins da
pesquisa” (FREUND, 1970, p. 50) e que ajudem a explicar racionalmente a realidade
empírica que se quer descortinar. Então ele elabora três formas para explicar como
se efetivam as ideias de poder e dominação legítima. 1 – TRADICIONAL: uma
mensagem ou comando podem ser considerados autorizados se estão de acordo
com a tradição, sendo essa forma, como dito anteriormente onde residem às
concepções de patriarcalismo e patrimonialismo. 2 – RACIONAL-LEGAL: a
autoridade da mensagem ou do comando vem do fato de que estão de acordo com
42
um procedimento ou um código, com regas de uma sintaxe, que podem ser
explicitadas ou justificadas perante qualquer solicitação razoável. 3 –
CARISMÁTICO: uma mensagem ou um comando pode impor-se por estar investido
de um encanto ou de uma graça (carisma) que o torne propriamente irresistível.
(BOUDON; BOURRICAUD, 2001, p. 29).
Uma pergunta que podemos fazer neste momento sobre essas formas de
relações sociais de poder é: - A dominação é uma busca do quê? Dê obediência, é
claro! Ou seja, como conseguir que uma pessoa ou um determinado grupo não
resista a uma ordem, ou mesmo, a toda uma construção “racional-lógica”
(associativa ou administrativa) de uma relação social determinada, na qual um
indivíduo, ou um grupo comande e o restante se submeta a essas ordenanças com
o mínimo possível de resistência, uma vez que essa relação é uma probabilidade.
Assim este tipo de relação social pode exercer uma autoridade29 determinada, e há
diferentes formas de exercê-la, mas o importante é que exista um interesse em
obedecer, e uma vontade de obediência. Weber expõe que os dominados são os
legitimadores de uma dominação.
Isto só é possível como afirma o autor, à medida que se efetive uma crença
naquilo que ele denominou de legitimidade. Assim “dependendo da natureza da
legitimidade pretendida diferem o tipo da obediência e do quadro administrativo
destinado a garanti-la” (WEBER, 2012, p. 139), o que equivale para os três tipos de
dominação já apresentados. Devemos ter em mente que elas são tipos ideias, ou
seja, modelos puros de constructos do próprio conceito de dominação (FREUND,
1970). Esses modelos ajudam ao pesquisador enquanto um caminho a ser seguido
para a obtenção do conhecimento pretendido, não cabendo ao mesmo, considerá-
los como quadros herméticos e fechados da realidade que se apresenta no
compromisso de compreensão do fenômeno pesquisado.
Cabe aqui um breve panorama desses três tipos de dominação elaborados
por Weber, e que são nossa base referencial para uma melhor compressão do
objeto dessa pesquisa. A dominação racional-legal com administração burocrática, é
legitimada pelo direito que lhe atribui um pacto ou imposição, pode instituir-se a
partir das ações sociais racionais com um arranjo a fins valores pretendidos. Weber
diz que esta obediência é para uma ordem institucional, as leis a legitimam; o dever
29 Para Weber (2012, p. 139) autoridade é um sinônimo de dominação, os quais baseiam-se, nos mais diferentes motivos possíveis de submissão.
43
de funções, a atribuição de poderes maneja-se em uma hierarquia administrativa
que é ordenada pelas autoridades, e estas tendem a demonstrar uma qualificação
profissional (WEBER, 2012) – assim o pastor-presidente, não é apenas um pastor,
mas um administrador, um gestor escolhido para liderar o grupo. Como ele mesmo
afirma,
Normalmente, portanto, só estão qualificados à participação no quadro administrativo de uma associação os que podem comprovar uma especialização profissional, e só estes podem ser aceitos como funcionários. Os “funcionários” constituem tipicamente o quadro administrativo de associações racionais, sejam estas políticas, hierocráticas, econômicas (especialmente, capitalistas) ou outras. (WEBER, 2012, p.143)
Caso muito semelhante à forma de qualificações que um Pastor-presidente
das ADMM recebe, com uma grande infinidade de títulos honoríficos como “doutor
em divindade”, “articulista”, “conferencista”, “membro da Academia Evangélica de
Letras do Brasil- AELB”, entre outros títulos. Neste último caso, podemos citar que
tanto o Bispo Manoel Ferreira, como os seus dois filhos, os pastores Abner e
Samuel Ferreira são membros da AELB. Fundada na sala do Conselho da Igreja
Presbiteriana do Rio de Janeiro, no dia 23 de outubro de 1962, pelo Rev. Bolívar
Ribeiro Pinto Bandeira, a Academia tem por função, segundo o seu Art. 1º,
“promover a cultura das letras e das ciências, e a influência evangélica nas esferas
intelectuais do País” (Estatuto da AELB). Ela é composta por sessenta integrantes,
divididos da seguinte forma, quarenta brasileiros e vinte “correspondentes
estrangeiros”, entretanto todos devem ser homens e em “plena comunhão com
qualquer Igreja Evangélica” (Estatuto da AELB). O membro é vitalício, só podendo
fazer parte delas pessoas que tenham trabalho de valor literário ou científico já
publicado e a eleição é realizada por escrutínio secreto30.
Esse fato complementa nossa afirmação de que a ocupação dessa posição
de dominador na ADMM não se faz apenas pela “vontade divina”, mas pela
construção de uma carreira dentro da “vocação ministerial” e até mesmo do preparo
do pastor e de qualquer outra forma de distinção (BOURDIEU, 2007) possível dos
demais membros. Outro exemplo que podemos citar é que a maioria dos Pastores-
presidentes tem feito obtido grau universitário (ALENCAR, 2014) e de preferência
em Direito, um exemplo disso, é o Bp. Manoel Ferreira e seus filhos, todos com
formação nessa área. Assim, o importante nesse modelo é que existam regras
30 Informações e Estatuto disponíveis em: http://www.aelb.org/. Acesso no dia 30/09/2016.
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estabelecidas e tanto os dominadores quanto os dominados sigam essas mesmas
regras!
A dominação carismática está associada a uma “qualidade pessoal
considerada extracotidiana” (WEBER, 2012, p.158), no qual o dominador é um ser
virtuoso por sua força sobrenatural (profeta, sacerdotes e heróis). Extraordinários
são aqueles que pelo “carisma” conseguem obter obediência dos que estão ao seu
redor. A validade desse carisma está no foto de que o dominado reconhece o
dominador como alguém extraordinário, o qual está acima dos demais. Esse tipo de
dominação se diferencia dos outros tipos, uma vez que não há necessidade de
associações profissionais ou laços de “servidão”, “mas apenas nomeação segundo a
inspiração do líder, em virtude da qualificação carismática do invocado” (WEBER,
2012, p.160). Portanto o reconhecimento passa por uma questão notadamente
pessoal e emotiva, sendo a mesma uma relação de amor e respeito, que se
distingue das outras, pois o vínculo de prestígio é o carisma que a pessoa consegue
passar, fazendo com que suas ordens sejam executadas com o mínimo possível de
resistência. E a duração dessa dominação está diretamente condicionada ao tempo
em que o dominador conseguir manter “vivo” o seu carisma.
Aqui equivale ao período inicial do movimento e o exemplo mais notadamente
importante é o do Pr. Paulo Leivas Macalão31, fundador das ADMM, sendo ele uma
figura icônica tanto para os membros de Madureira, quanto ao restante das ADs pelo
Brasil (ARAÚJO, 2007). Nas entrevistas concedidas para realização desta pesquisa,
ao perguntarmos sobre a pessoa de Paulo Leivas Macalão, todos os entrevistados,
de forma rápida e prontamente demarcada, buscaram enaltecer essa figura. Os
termos por eles usados foram “o apóstolo”, “doutrinador”, “ícone”, “principal
referência”, “um homem simples”, “um evangelizador” e segundo o Pr.P-B:
“Ele tinha um chamado específico, o chamado dele é tão natural, que o Pr. Paulo Leivas não era um pregador eloquente, ele era um ensinador, mas ele tinha um poder de atração, um poder evangelístico, uma unção tão grande na vida dele, que ele foi evangelizando e fundando igreja” (Entrevista em áudio, gravada em 09/08/2016)32
31 Abordaremos no segundo capítulo desta pesquisa as questões referentes a essa figura importante das ADMM e da própria história das ADs no Brasil. O Pr. Paulo Macalão consegue trazer para si, tanto questões positivas, como questões negativas, sendo essa última expostas com acusação de ser ele um “invasor de campo”, o qual teria provocado divisões nas ADs no Brasil. (ALENCAR, 2013; CORREA, 2013; FAJARDO, 2015). 32 Crivos feitos pelo autor.
45
Já a dominação tradicional executa-se na legitimidade que repousa em uma
crença de que as ordens e poderes do senhor existem desde sempre, ou são
conferidas a ele de forma sobrenatural – o “ungido do Senhor”33; seu poder de
dominação está na tradição que repousa sobre o nome de “senhor”, pois o mesmo
governa os “súditos” e administra os “servidores”. Dessa forma, seu quadro
administrativo já não se compõe de funcionários públicos conforme a um estamento,
mas sim de servos, pois a associação dominada é “uma associação de piedade
caracterizada por princípios comuns de educação” (WEBER, 2012, p.148). Aqui
residem “tipos variados” desta forma de dominação, sendo, por exemplo, o
patriarcalismo/ou gerontocracia, as formas primárias deste poder. Neste tipo de
dominação não há a necessidade de um quadro administrativo pessoal (patrimonial)
e também constatamos a ausência de regras instituídas, imperando nessa relação
social, aquilo que Weber denominou de “direito preeminente dos associados” (2012,
p.151), os quais obedeceriam ao senhor por vontade própria, baseada na tradição
do grupo.
Eles são súditos que funcionam como colegas tradicionais, o quadro
administrativo se dá pela fidelidade, que no caso do campo religioso pentecostal da
ADMM, por exemplo, essa fidelidade pode ser explicada de forma simplista pela
garantia da sua “salvação” na vida pós-morte. A semelhança desse modelo com o
racional-legal é que a tradição cumpre o papel de lei. Esta dominação está ligada a
condição de um mandatário agir eficazmente sobre seus dominados sem
necessariamente ter um quadro administrativo ou associativo, apesar de que Weber
enfatizar que, via de regra uma dessas duas condições deve existir (WEBER, 2012).
Um exemplo citado pelo autor alemão é o de um pai de família que domina
sem um quadro administrativo, o chefe beduíno, que apesar de não formar um
quadro associativo, usa de seu domínio para formar uma espécie de círculos
administrativos, nos quais os seus seguidores tendem a seguir suas ordens
(WEBER, 2012. p.13). Essa condição tende a formar aquilo que ele denominou de
associação de dominação, a qual se realiza pelas determinadas formas em que a
mesma tende a se organizar, ou seja, a sua forma administrativa. Que fique claro
que estamos tratando de “tipos ideias puros”, os quais nos fornecem condições de
33 A ideia aqui reside na questão daquilo que denominamos de “mito fundante” sobre a qual, esta concepção atribui ao Pastor-presidente características divinas, ou seja, o mesmo fora escolhido diretamente pelo “sagrado”, assim ir contra ele é necessariamente estar contra o “próprio Deus” e se tornar profano. Este tema será mais bem elaborado ainda neste capítulo.
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comparação e formas de explicações muito amplas, nas quais podemos encontrar
correlações de todos os campos com as práticas do pentecostalismo, não apenas de
nosso objeto em questão, mas também, nas mais diferentes associações religiosas
desse movimento em nosso país e no mundo. Um exemplo disso são os espaços
religiosos, pois essas associações de dominação e monopolização do poder tendem
a produzir em seus próprios espaços, o que Weber denominado de “agentes
produtores de bens de salvação”, ou seja, uma classe específica “sacerdotal” de
dominadores, que concentrariam em si mesmos o domínio do “capital religioso”
(BOURDIEU, 2013, p. 39) produzido.
Uma associação de dominação denomina-se associação hierocrática34 quando e na medida em que se aplique coação psíquica, concedendo-se ou recusando-se bens de salvação (coação hierocrática). Uma empresa hierocrática com caráter de instituição é denominada igreja quando na medida em que seu quadro administrativo pretenda para si o monopólio da legítima coação hierocrática. (WEBER, 2012, p. 34)
Mas e o patrimonialismo que é o foco central em discussão, em que se
diferencia do patriarcal? Em um ponto, a nosso ver, bem simples, na estrutura
administrativa que o permeia. Pois enquanto o patriarcal (ou gerontocrata) se dá
pelo interesse dos dominados, o patrimonial se “exerce em virtude de pleno direito
pessoal” (WEBER, 2012, p. 152) expressamente ligado a uma formação triádica do
agrupamento - o senhor, o quadro de funcionários e os súditos. Assim a autoridade
nesse caso é pessoal, o “soberano é senhor, e não magistrado; o poder lhe pertence
em virtude de atributos pessoais; não lhe é conferido com base em critérios
exteriores e formais que definam a função por ele ocupada” (FREUND, 1970, p.
181). Segundo Souza (2015, p. 60), o quadro administrativo então inaugura nesse
modelo “a política em toda a sua complexidade. Isso porque entra em cena também
o tema central da ‘delegação do poder’”. Esse é um detalhe importante para Weber,
uma vez que o poder não está concentrado nas mãos do senhor, mas sim, diluído
pelas mãos do quadro administrativo e tanto os “determinados poderes de mando e
as correspondentes oportunidades econômicas” se distribuem entre o senhor e o
quadro administrativo, a isso o autor chama de “dominação estamental” (WEBER,
2012, p.152).
34 Governo exercido por eclesiásticos (padre, bispos, anciãos, pastores etc); uma forma de teocracia, ou seja, tipo de organização social que se mantém graças a um sistema de coerção psíquica que se utiliza das concepções religiosas do indivíduo (Dicionário Aurélio).
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Podemos assim perceber que o poder estamental acaba por criar um quadro
administrativo especializado que se apropria dos chamados “poderes de mando” e
dos “meios materiais de administração” (WEBER, 2012, p.152), os quais o senhor
tem que de certa forma se submeter, pois aqui não se trata de uma monarquia
absoluta, ou uma tirania, ou mesmo uma ditadura. Apesar de o senhor representar
“o comando geral”, neste tipo vemos surgir o monopólio do poder do quadro
administrativo, pois a escolha do quadro administrativo de especialistas estará
sempre nas mãos dos “associados” ao estamento que podem estar ligados
diretamente às questões de herança, como também vindo de fora do “círculo
associado”, mas que se torna em uma peça importante para a manutenção da
“economia doméstica” (WEBER, 2009, p. 234-235). Assim podemos verificar que
para Weber o “patrimonialismo acaba por inibir a economia racional, tanto na parte
financeira como na administrativa, pois há tendências ao monopólio, e as relações
são regidas pelos estamentos” (VÉRAS, 2014, p. 270). É neste ponto fundamental
que o uso do termo patrimonialismo pelo “culturalismo liberal conservador” brasileiro
desmorona, pois essa crença “mítica” de que o patrimonialismo brasileiro “ahistórico”
desses intelectuais seja uma espécie de “mal de origem” (SOUZA, 2015, p. 66) que
acompanha o país desde sua fundação é no mínimo incoerente e sem nenhum
respaldo cientifico, não passando de um “conto de fadas sociológico” (SOUZA, 2009,
p. 104).
Na verdade, não se pode separar a “cultura” das “instituições” e das práticas institucionais e sociais que lhes correspondem. São, ao inverso, as práticas institucionais e sociais que condicionam todo comportamento individual, mesmo aquele que tem a ver com mudança, e não apenas com a mera reprodução do mundo como ele é. Assim, o português que coloniza o Brasil e constrói aqui uma sociedade dominada pela “instituição” da escravidão, a qual inexistia em Portugal a não ser de modo passageiro e tópico, já não é mais o português que seria em Portugal, porque todo seu comportamento, expectativas, medos e esperanças são completamente outros, quer eles tenham ou não consciência disso. Nesse sentido, ele pode até continuar a falar português e sentir saudades de comer bacalhau ou sardinha no domingo, mas o mundo de instituições e relações sociais que ele cria aqui tem pouquíssima relação com seu próprio mundo na Europa. (SOUZA, 2009, p. 104-105)
Para Weber esse ponto era tão importante que ao falar sobre a dominação
patrimonial de tipo estamental, o autor busca posicionar cada caso em seu devido
tempo e lugar, na ação de “compreender” os diferentes tipos de estamentos e como
eles influenciaram “as esferas da vida” onde estavam inseridas, na medida em que
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“cada qual possui um princípio valorativo ou critério regulador que lhe é próprio e
serve de padrão de conduta dos sujeitos nessa esfera” (SOUZA, 2015, p. 61). Ele
ainda deixa claro, que esse tipo de dominação pode se desenvolver em sociedades
com relações monetárias, mesmo que de forma irracional dentro daquilo que
denominou de “economia fiscal do patrimonialismo”, na qual o quadro administrativo
vincularia as taxas e cobranças a serem requeridas dos servos (WEBER, 2012, p.
156).
Nesse ponto a crítica de Souza nos ajuda a entender como essa
naturalização da nossa “herança colonial” é aceita até os dias atuais como uma
“pseudociência” coerente, pois como “nunca se reflete acerca do modo como o
“privilégio” pode ser construído em condições modernas” (SOUZA, 2009, p. 105)
acabamos acreditando nessa “história da carochinha”. Não obstante o autor continua
em sua crítica a essa concepção personalista dada pelo pensamento social
brasileiro dominante, que excluem os papéis das instituições como as formadoras
dos indivíduos, principalmente dos indivíduos modernos. Que para ele, as principais
instituições que formam os indivíduos modernos são o Estado e o Mercado, ambas
são responsáveis pela a estrutura que dá forma a sociedade moderna, portanto
“sem essas duas instituições fundamentais não temos nem sociedade moderna,
nem indivíduos modernos guiados por valores e ideias modernas” (2009, p. 106).
É neste ponto que podemos concluir que a forma “personalista” atribuída às
figuras que surgiram e, ainda surgem na sociedade brasileira, não podem ser
meramente relegadas a uma espécie de “embrião cultural”, no qual apenas espera a
formação para se mostrar igual a seu genitor, que no caso brasileiro seria o
colonialismo empregado pelos portugueses. Romper com essa forma de
pensamento é sem dúvida alguma, perceber que o senhor do engenho, o coronel e
mais precisamente o Pastor-presidente da ADMM só existem devido à formação de
um quadro de “funcionários” especializados que os ajudavam na condução de suas
vidas materiais e nas relações de obtenção dos “poderes de mando” e dos “meios
materiais de administração” (WEBER, 2012). Caso que pode ser verificado na tabela
abaixo, que demonstra como é formado o quadro administrativo da CONAMAD35.
35 Sigla que significa Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira com sede na capital federal, Brasília. Fundada no ano de 1958, sob a sigla de CNAMEADMIF (Convenção Nacional dos Ministros Evangélicos da Assembleia de Deus de Madureira e Igrejas Filiadas), tem por objetivo centralizar a administração de todo o Ministério de Madureira, que é composto por diversos campos de trabalhos espalhados pelo território brasileiro e outras partes do mundo. Reservamos uma seção
49
Tabela 2: Quadro Administrativo da CONAMAD36
NOME Função que ocupa na CONAMAD
Igreja que é Pastor Presidente
Bp Dr. Manoel Ferreira Presidente Vitalício *
Rev. Pr. Samuel Ferreira 1º Vice Presidente Brás – SP
Pr. Abigail Carlos de Almeida 2º Vice-Presidente Fama – GO
Pr. Abner Ferreira 3º Vice-Presidente Madureira – RJ
Pr. Oídes José do Carmo 4º Vice-Presidente Campinas – GO
Pr. Amarildo Martins da Silva 5º Vice-Presidente Palmas – TO
Pr. Josué de Campos 1º Secretário *
Pr. Genício Severo dos Santos 2º Secretário Taboão – SP
Pr. Daniel Fonseca Malafaia 3º Secretário Campo Grande – RJ
Pr. Eliel Araújo de Alencar 4º Secretário Campo Grande – MS
Pr. Josué Rodrigues de Gouveia 5º Secretário Vila Nova – GO
Pr. José Fernandes C. Noleto 7º Secretário Cuiabá – MT
Pr. João Adair Ferreira 1º Tesoureiro Catedral da Baleia - DF
Pr. David Cabral 2º Tesoureiro *
Pr. Aparecido Dias Relator * Fonte: CONAMAD37
Nesta tabela, está relacionada à chamada Mesa Diretora dessa Convenção,
mostrando que o grupo que forma o quadro administrativo da CONAMAD é de
Pastores-presidentes vinculados a diferentes campos da ADMM. Aqui fica bem
acentuado o monopólio, pois das quinze funções relacionadas apenas três não são
ocupadas por Pastores-presidentes em atividade e, se levarmos em conta que o
primeiro é o Bp. Manoel Ferreira, que também é o presidente vitalício da CONAMAD,
mas de 90% do poder decisório e de funcionamento que dá corpo a dominação
tradicional-estamental das ADMM está nas mãos de Pastores-presidentes. Este
modelo não é exclusivo das ADMM, mas de boa parte das ADs no Brasil, o qual
pode ser visto também nas convenções, ou em qualquer outra forma de organização
deste movimento. Aqui foi apenas destacado a Mesa Diretora, entretanto como rege
o estatuto da organização, existem outros órgãos como o Conselho Fiscal, por
no terceiro capítulo dessa dissertação para tratar da mesma. Maiores informações consultar PRATES; FERNANDES, 2012. 36As informações utilizadas para a construção desse quadro foram retiradas do site da CONAMAD, no site http://www.madureiranacional.com.br/; em: 20/09/2016. 37 (*) Alguns desses pastores não estão mais a frente de um Campo (termo utilizado para designar aquilo que denominamos de igreja-sede) como é o caso do Bp. Manoel Ferreira, apesar de o mesmo hoje ter como referência o Distrito Federal. Alguns estão jubilados, uma espécie de aposentadoria, o qual recebe um salário do último Campo que presidiu. Já outros, não foram possíveis localizar durante a pesquisa, qual é o atual Campo de Madureira que o esteja presidindo. Cito o caso do Pr. Davi Cabral, que era presidente na ADMM de Volta Redonda – RJ, mas devido uma situação (que será detalhada mais a frente na pesquisa) que o envolveu, atualmente ocupa a presidência de outro Campo que não conseguimos identificar.
50
exemplo, que é composto por cinco membros (Estatuto da CONAMAD Art. 31, inciso
1º) e eleitos junto como a Mesa Diretora.
Além deste, existem mais nove órgãos ligados a CONAMAD, que vão desde
órgãos de conciliação (Juntas Conciliadoras Estaduais), aos ligados a cultura,
doutrina, até mesmo os que gerem a editora que a instituição tem, conhecida como
Editora Betel (fundada no ano de 1991, em decorrência do desligamento da ADMM
da CGADB em 1989), deve-se pontuar que este modelo de gestão pode ser
encontrado também nos modelos de dominação racional-legal. É aqui que reside
uma questão muito importante para a pesquisa, pois como muitas vezes não fica
clara a forma de como está se processando o poder e dominação nas Igrejas ADs,
podemos muitas vezes encontrar, tal como Weber destaca em muitos momentos de
sua obra, elementos dos três tipos puros de dominação acontecendo
simultaneamente numa mesma pessoa/ ou instituição, cabendo ao pesquisador à
tarefa de identificar essas diferenças e detectar elementos de qual dos três tipos
puros predomina dentro da relação. Um exemplo pode ser encontrado de forma bem
exemplificada na figura do Pr. Paulo Leivas Macalão, que detinha em si mesmo uma
forma de “mix” de poder carismático, com tradicional e sempre que possível se
utilizando do racional-burocrático (trataremos destes aspectos no segundo capítulo
dessa pesquisa) para obter os fins desejáveis.
1.2. OS PASTORES-PRESIDENTES: o golpe institucional contra a democracia do
espírito.
Nesta parte de nossa pesquisa iremos focar nossa atenção na figura do
Pastor-presidente das ADMM38. Cabe aqui uma pergunta inicial, quando aparece
essa figura que hoje é vista como indispensável para esse movimento? Será que
desde a origem do movimento das ADs no Brasil em 1911 a figura do Pastor-
presidente já existia? Quando e onde nasce essa figura que é responsável pela
condução dessa instituição que é a maior igreja pentecostal brasileira? Pois bem,
para responder essas perguntas precisamos fazer uma pequena digressão histórica,
para podermos melhor compreender como o movimento se organizou em sua
fundação e quais foram as principais mudanças que permitiram o seu surgimento.
38 Porém que fique claro que essa é uma figura pertencente não só ao Ministério de Madureira, mas sim, a todas ADs no Brasil e a também a muitas outras igrejas pentecostais brasileiras.
51
Em seu início as ADs no Brasil eram congregacionais, sistema trazido com os
missionários suecos e tendo como principal característica uma organização eclesial
no qual toda a congregação tem participação nas tomadas de decisões, sendo
imprescindível aprovação da assembleia de membros da igreja (ALENCAR, 2010;
2013). Os próprios missionários Gunnar Vingren (1879-1933) e Daniel Berg (1884-
1963), apesar de hoje estarem no “rol da fama” do movimento, ocupando uma
posição “mitificada” de fundação do mesmo, nunca lograram esse título. O próprio
Gunnar Vingren esteve à frente de algumas igrejas ADs, em especial a de São
Cristóvão–RJ, iniciada em 1923 por um grupo de irmãos, mas sendo em 1924 a data
de sua fundação, com a presença do missionário sueco no momento em que o
estatuto é lavrado. O mesmo permanece à frente da igreja até o ano de 1932,
quando a mando do Pr. Lewi Pethrus39 (1884-1974), ele e sua família retornam a
Suécia. Segundo Alencar (2013, p. 154) esse pedido para que Vingren e sua família
retornassem para Suécia, não passou de um golpe institucional contra o missionário
e, principalmente, sua esposa Frida Vingren (1891-1940), que devido à ação
arrojada da mesma na condução junto a seu esposo da igreja carioca, incomodava
em muito os pastores nativos nordestinos e o sueco Samuel Nyström (1891-1960),
os quais teriam arquitetado o golpe.
Gunnar em sua história no Brasil a frente das ADs, nunca recebeu esse título
de pastor-presidente, tendo a oportunidade de presidir uma única convenção da
CGADB em 1931 no Rio de Janeiro (ARAÚJO, 2007). Apenas na década de 1960,
com o processo de criação da “tradição assembleiana” (ALENCAR, 2013) é que se
passa a reconhecê-lo como um ícone do movimento. Já o seu companheiro de
missão Daniel Berg, nunca dirigiu uma igreja e se quer (apesar de ajudar na
fundação de algumas delas, entre elas citamos as ADs de Santos, São Paulo e
Santo André40) teve em vida algum tipo de reconhecimento. O qual até o final de sua
vida vendia bíblias na porta da AD Belém – SP, em dias de cultos e reuniões para
sobreviver.
Com o passar dos anos as ADs no Brasil foram assumindo uma forma de
organização conhecida como episcopal (não territorial, ou seja, cada ministério é
constituído por uma Igreja-sede com suas respectivas filias, congregações e
39 Pastor da Igreja Filadélfia na Suécia e que segundo Alencar não possuía nenhuma autoridade ou legalidade para interferir na condução da igreja, uma vez que a igreja era fruto de uma “revelação de Deus” aos missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg (ALENAR, 2013, p. 154). 40 (ALMEIDA, 1982; BERG, 1982; CONDE, 2008).
52
subcongregações), que é a forma de organização caracterizada por ter um "Líder
Maior", geralmente chamado de Papa, Bispo, Pastor-Presidente, Apóstolo, etc
(ALENCAR, 2013). Esse líder tem o comando de todos os outros líderes e demais
membros da igreja, sendo ele mesmo, quem muitas vezes toma as principais
decisões e da os rumos e encaminhamentos estruturais de sua organização
religiosa. Segundo Correa é na década de 1950 que essa denominação aparece
pela primeira vez descrita no jornal MP, sendo utilizada a terminologia de “pastor
geral de campo41” (2013, p. 141), em decorrência da inauguração do templo da AD
em Madureira, na cidade do Rio de Janeiro. Como a reportagem foi redigida e
assinada pelo Pr. Paulo Leivas Macalão, podemos então concluir que o objetivo
desse termo era designar que ele tinha a seus cuidados um conjunto de outras
igrejas. Segundo ainda a pesquisadora das ADs no Brasil, o termo Pastor-presidente
só aparecerá ipsis litteris em 1957, usada para designar o Pr. Horácio da Silva e, em
1959. Mas tarde pode se verificar o aparecimento das expressões “pastor-
presidente” e “pastor vice-presidente” para designar o Pr. Alcebíades Vasconcelos
como pastor-presidente e Pr. Tulio Barros como vice-presidente da igreja AD em
São Cristóvão - RJ (CORREA, 2013, p. 142).
Ao analisarmos um pouco mais esse período, devemos destacar alguns
pontos que podem nos ajudam a entender um pouco mais a necessidade dessa
autoafirmação de alguns líderes das ADs. Primeiramente entre as décadas de 1940
e 1950, encontramos o Brasil na transição do rural para o urbano, o qual gerou um
verdadeiro boom populacional, que acentuou em muito os desequilíbrios regionais
devido à movimentação demográfica provocada pelo surto da industrialização,
principalmente na região sudeste do país, gerando duas situações, 1- o aumento
das desigualdades sociais tanto nas regiões em processo de industrialização,
quanto nas que se mantiveram agrícolas; 2- “a volatilidade da vida política brasileira”
(SKIDMORE, 1998, p. 1995) com os governos populistas. Lembrando que apenas
na década de 1950, temos a volta ao governo e o suicídio de Getúlio Vargas (1954),
a tentativa de golpe dos militares e o “contragolpe” do major Henrique Teixeira Lott,
que garantiu a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek (1956), o qual
empreendeu a construção da cidade de Brasília e acelerou o processo de
41 Retirado do jornal MP em 1953, 1ª quinzena de junho p. 6, parágrafo, linha 9; na qual a matéria tratava da inauguração do templo da Assembleia de Deus em Madureira, a qual era presidida pelo Pr. Paulo Leivas Macalão.
53
industrialização no país, incentivando a chegada de empresas multinacionais. Assim
em um período de instabilidade social e política e de grande crescimento urbano a
gestão interna das instituições religiosas como a pentecostal, que primava por uma
forma horizontal pautada na ação do Espírito Santo em todos os fiéis, se fecha, e
concentra a sua gestão em indivíduos destacados, dessa forma abre-se ou copia
modelos de autoridade da sociedade em torno dela.
Em segundo lugar temos o processo de “fragmentação de Ministérios”
(ALENCAR, 2013, p. 172), que pode ser explicado devido ao crescimento expressivo
da denominação, que segundo dados expostos na obra de Rolim (1985, p. 104)
“Pentecostais no Brasil”, as ADs saltaram de 13.511 membros comungantes em
1930, para 407.588 membros comungantes em 1960, isso indica um crescimento de
mais de 3000% em um período de trinta anos. Aqui talvez esteja uma explicação
plausível para a mudança de um modelo congregacional, para o modelo episcopal
baseado nos estados e municípios, pois como conseguir controlar e manter os tão
importantes pontos doutrinários que davam “identidade” ao movimento, que crescia
muito e rapidamente em um período em que a comunicação em nosso país era
muito precária? Com certeza a centralização de um grupo de igrejas em uma única
(que geralmente era a precursora das outras na cidade, ou estado recebendo o
nome de igreja-mãe), ajuda na criação de um quadro administrativo burocrático e
racional, que tinha como função gerir, não apenas as suas concepções doutrinarias,
mas aquilo que podemos denominar, parafraseando Weber, de sua “economia
doméstica” (WEBER, 2012). Se assemelhando ao que expomos no parágrafo
anterior, pois o movimento começou a adotar modelos de autoridade já existentes da
sociedade, que no caso brasileiro está personificado nas figuras de “político-
populistas” que sempre tiveram “posições dúbias” (IANNI, 2004, p. 274), ora
democráticos, ora autoritários, mas que sempre buscavam centralizar em si
mesmos, os rumos a serem tomados.
Não é pretensão nossa indicar que essa organização começou neste
momento histórico, porém é inegável a influência que as demandas de uma
sociedade têm sobre os grupos que nelas estão inseridos (BERGER, 1985) e as
ADs não estão isentas dessas mesmas influências. É sabido que a CGADB tem sua
primeira reunião em 1930 (dezenove anos após a fundação das ADs no Brasil), mas
é em 1946 que ela se torna pessoa jurídica e como registra o próprio site da
instituição:
54
“O primeiro Estatuto apresentou como principais objetivos da CGADB: ‘promover a união e incentivar o progresso moral e espiritual das Assembleias de Deus; manter e propugnar o desenvolvimento da Casa Publicadora das Assembleias de Deus’”. (CGADB, 20/09/2016)42
Mas já neste período as tensões envolvendo quem deveria estar à frente do
comando das ADs eram evidentes (DANIEL, 2004), os quais traziam muitos
desconfortos aos missionários escandinavos no Brasil. Em terceiro lugar, segundo
ainda o site da CGADB, é, em 1930, na Convenção Geral realizada entre os dias 5 e
10 de setembro em Natal–RN, “que os missionários suecos transferiram a liderança
das Assembleias de Deus no Brasil para os pastores brasileiros” (CGADB,
20/09/2016), mas ao fazer uma comparação com o anexo III “Cronologia das
Convenções” da obra de Alencar (2013, p. 356-364), verificamos que até 1951 só
tiveram duas Convenções (a de 1937, na qual o presidente era o Pr. Paulo Leivas
Macalão e 1947 presidida pelo Pr. Cícero Canuto de Lima) na qual não houve a
liderança de um estrangeiro e, é só a partir de 1953 em diante, que o posto de
presidente da Convenção ficou a cargo dos brasileiros (ARAÚJO, 2007). Esse fato
ajuda a explicar a terminologia de Pastor-presidente (lembrando que o termo
“genérico” aparece em 1950 – pastor geral de campo-, mas passa a ser utilizado em
1959 como indicativo do cargo), pois é o momento que as figuras precisarão se
afirmar no poder, não apenas como fundadores da igreja y ou z, mas aqueles que
foram vocacionado por “Deus” para assumir esse posto e dar continuidade ao que
foi iniciado anteriormente. Muitos destes primeiros pastores presidentes estiveram à
frente de suas igrejas por décadas, exemplos Pr. Alfredo Reikdal do Ministério do
Ipiranga-SP ficou 71 anos como pastor-presidente. Outros exemplos são o do Pr.
Paulo Leivas Macalão que ficou a frente da ADMM por 52 anos e o Pr. Cícero
Canuto que também pastoreou por 52 anos a AD Belém-SP, entre outros mais
(ALENCAR, 2013, p. 182-183).
1.2.1. A carreira de um Pastor-Presidente.
Todo o movimento que busca um reconhecimento social, econômico, político,
jurídico deve cumprir alguns requisitos fundamentais, sejam eles legais ou de caráter
42 Retirado do site https://www.cgadb.org.br/site2017/index.php/features/historia-da-cgadb. Acesso dia 20/09/2016.
55
socialmente aceitos pela comunidade onde ele quer estar inserido. É ai que entra a
burocratização do movimento vinculada a um “Mito fundador”, pois ele tem como
objetivo principal explicar a origem de um rito, de um movimento, de uma cidade, de
um grupo, de uma figura, de uma crença, de uma filosofia, ou qualquer coisa do
gênero, sendo aquele que deve constituir um exemplo primário daquilo que ele
mesmo quer confirmar. Porém, o surgimento do Pastor-presidente parece uma
invenção posterior burocrática sem vínculo com as origens. Por esse motivo essa
mitologia hoje, em torno do importante cargo de Pastor-presidente pode ser
considerado o reflexo da estrutura social e das relações sociais, vinda de um
conteúdo mítico discursivo-religioso vinculado aos interesses dos que o produzem, o
difundem e o recebem (BOURDIEU, 2013, p.32.), na intenção de criar uma
legitimação do movimento por aqueles que trazem essa determinada “mensagem
salvadora”.
No caso “assembleiano” pode-se encontrar ainda hoje, alguma igreja que viva
em um modelo com predomínio de elementos carismáticos, entretanto apesar desse
fato ser um tanto raro (mas não impossível devido à “multifacetação” atual desse
movimento) em sua história, se verificou que o processo de “tradicionalização”
ocorreu ainda em seus primeiros anos de existência, já que 1912 temos a primeira
consagração de cinco brasileiros ao pastorado (CONDE 1982; VINGREN, 2000),
indicando a necessidade de ampliar esse quadro administrativo burocrático racional.
Com a construção de uma estrutura “sacerdotal profissional” (BOURDIEU, 2013;
WEBER, 2012) mais o surgimento das Convenções em 1930, identificamos a
passagem do período do “carisma” para o período “racional-burocrático”, isso se
intensifica como já vimos nas décadas de 1950-1960, pelos motivos apresentados
anteriormente. Nesta construção da tradição também é elaborada toda a ordem
burocrática de funcionamento da estrutura, pois aqui o carisma já não é mais
suficiente para manter o grupo coeso, e a “classe dominante” que vai se fixando
passa a ter que desenvolver mecanismos para a sua manutenção e perpetuação a
frente do movimento.
Assim surge a figura desse novo modelo, até então não existente de pastor, o
qual passa a centralizar nele e em seu quadro administrativo o controle não apenas
de sua igreja, mas de todas as outras que estejam a ele filiadas. Mesmo assim, cabe
ao nosso leitor ainda se perguntar, mas quem é, e como surgiu essa figura “mítica”
do Pastor-presidente? Uma resposta viável, mas não suficiente (a nosso ver neste
56
momento), seria ser ele uma resposta à demanda de um processo de
tradicionalização do movimento, uma vez, como já pontuado, havia à necessidade
de organizar burocrática e racionalmente o mesmo, devido às transformações do
próprio e da sociedade na qual ele estava inserido. Entretanto, ainda assim, fica
vaga a resposta, de quem é ele? Qual a sua importância para o movimento? E por
que a sua necessidade? Para responder essas perguntas, entrevistamos ao longo
dessa pesquisa seis pastores (como já foi descrito na introdução), aos quais
perguntamos - Qual é o papel de um Pastor-presidente nas ADMM? Essa pergunta
foi feita a dois Pastores-presidentes que estão em exercício de suas funções,
também a dois ex-Pastores-presidentes que fizeram parte das ADMM e, por fim,
para dois pastores de congregação (um em exercício e o outro esperando para
voltar a estar à frente de uma igreja-congregação).
E a resposta não poderia ser mais sugestiva, pois todos responderam que a
função principal do Pastor-presidente é “administrar”, “organizar”, “conduzir”, “dirigir”
e “representar a igreja frente à sociedade”; em segundo plano exercer o seu papel
de pastor. Por que a resposta não poderia ser mais sugestiva? Pois se trata da
organização burocrática-racional que temos pontuado, ou seja, essa figura não é em
hipótese alguma fruto de uma “herança colonial”, mas sim, uma resposta às
demandas necessárias de um tempo específico do movimento e da sociedade, na
qual ele está inserido. Segundo o Pr.P-A, ao ser perguntado sobre o papel do
Pastor-presidente, ele responde:
“São dois pilares importantes, né! O primeiro é representar a igreja ativa e passivamente, extra e judicialmente, esse é o papel primeiro do que tange a visão da igreja enquanto organização, representante da organização religiosa. Aliais a nomenclatura não é entidade, hoje é organização religiosa, isso está no próprio código civil. Então hoje o próprio papel do pastor-presidente em si, ele é o representante legal da igreja ativa e passivamente, extrajudicial e judicialmente, esse é o papel dele no ponto de vista organizacional, da igreja enquanto organização religiosa. Segundo papel é de exercer o pastorado, veja que ele acumula, o pastor-presidente hoje, aliais em regra dentro das Assembleias de Deus, o pastor-presidente, ele é ao mesmo tempo, presidente, administrador e ao mesmo tempo pastor. Então ele tem que ter essa habilidade, essa polivalência pra conduzir os destinos da igreja.” (entrevista em áudio, gravada no dia 08/07/2016)43.
O que se percebe dessa fala é que o Pastor-presidente não é mais, apenas,
aquele que domina o que Bourdieu determinou como o possuidor de um “capital
43 Crivos feitos pelo autor.
57
religioso”, ou seja, detentor do monopólio da gestão dos bens de salvação (2013, p.
39), ele é acima de tudo, um especialista, administrador, primeiramente frente ao
racional-legal, sendo responsável pelas demandas econômicas e jurídicas da
“organização”, lógico sem deixar de lado a esfera extramundana. Entretanto para
isso acontecer, o mesmo deve ser dotado de uma “habilidade” e “polivalência”
especiais para ter a condição de “conduzir os destinos da igreja”. Assim ao mesmo
agora reserva em si mesmo, “dom” e “vocação” não só espirituais, mas, também, de
saberes racionais e específicos da vida intramundana. Fazendo com que essa figura
esteja cada vez mais afastada dos despossuídos, não apenas de capital religioso
como também de um capital cultural bem mais específico.
Com a concentração de poderes e a monopolização cada vez maior dos
“bens de salvação” (BOURDIEU, 2013), podemos perceber que o Pastor-presidente
e o quadro administrativo estão cada vez mais fechados em si mesmos, em
detrimento de um modelo mais democrático de gestão com a participação dos
“leigos”. Podemos especular então que o modelo não seja meramente episcopal,
mas uma fusão do mesmo com um modelo presbiteral, pois não apenas combina a
força do Pastor-presidente, mas também a do seu quadro de funcionários
administrativos especializados que legitima suas ações. Pois esta é a função do
quadro administrativo racional burocrático, legitimar os “mandos” e “desmandos”
daquele que ocupa a posição em destaque da organização. Assim, nos restou, na
pesquisa buscar saber se existiria um caminho para chegar ao posto de um Pastor-
presidente e se qualquer membro pode vir a alcançar este posto dentro das ADMM.
A análise dessa questão se tornou importante para o desenvolvimento da mesma,
uma vez que o aumento da burocracia representa também estabelecimento de
regras claras que legitimem os cargos e seus ocupantes.
Por este motivo estas foram duas outras perguntas feitas aos nossos
entrevistados, entretanto se restringindo apenas aos pastores e ex-pastores-
presidente. E obtivemos respostas bem diferentes entre si. Tivemos aquela que
afirma a possibilidade de que qualquer um, desde que siga as regras da instituição,
pode vir a ser um Pastor-presidente, até aquela em que afirma “não existir um
caminho!”, pois, quem quer ser um pastor-presidente precisa estar próximo ao
Presidente da Convenção. Porém, duas respostas nos chamaram a atenção. A
primeira foi a do Pr. P-B, que ao ser perguntado se qualquer membro poderia ser um
pastor-presidente, ele responde categoricamente: - “Não!”, apesar de que após essa
58
resposta negativa, ele buscou afirmar que tanto o empenho da pessoa em estudar e
se preparar, somada a vocação e vontade divida podem sim, levá-lo ao posto, mas
ele termina a resposta da seguinte maneira:
“[...] se a pessoa, por exemplo, estuda, busca a Deus, mostra evidência de evangelismo, capacidade de fundar igrejas, plantar igrejas, de uma forma ou de outra, ele vai ser visto. Embora, parece que na atualidade, os grandes, os pastores não estejam com seus olhos atentos pra isso. Que si conta muito, é essa questão de estar próximo ao pastor44, ajudar ao Pastor-presidente, é isso que conta [...]” (Pr. P-B, Entrevista em áudio, gravada no dia 09/08/2016)
Dessa fala, podemos destacar algo muito interessante, uma vez que em um
modelo burocrático puro (que não existe nessa pureza) estar próximo do “pastor”
não representaria nenhuma vantagem. Todos os interessados tem que seguir as
regras de escolha dos cargos. Pelo depoimento, percebemos que o
desenvolvimento da burocracia da ADMM esteve e está matizada por favores e
serviços pessoais (juridicamente é considerado como tráfico de influências) que
transgridem as regras burocráticas. Este ponto então estaria de acordo ao
pensamento “damatiano” de que na sociedade brasileira impera uma forma de
distinção entre o indivíduo e a pessoa. Segundo esse autor o indivíduo integraria o
“grupo de iguais”, pois todos estão submetidos às leis racionais-burocráticas; já a
pessoa, por ser um personagem que estaria “acima da lei”, desfrutaria de uma
condição prestigiosa referente ao seu sucesso, cargo ou posição que ocupa na
sociedade (MATTA, 1997). O mesmo então passa a privilegiar todos aqueles que lhe
são mais próximos.
Na continuação da resposta do Pr. P-B, ele afirma que essa não é uma tarefa
fácil, pois antes de chegar a ser um pastor-presidente ele tem que chegar a ser
pastor. E “pra chegar a ser pastor, já não é tão fácil assim”, pois segundo o nosso
entrevistado, existem igrejas das ADMM que de um posto “eclesiástico” ao outro a
pessoa deve esperar cinco anos. Dessa forma de cooperador para diácono deve-se
se esperar cinco anos, de diácono a presbítero mais cinco anos, de presbítero a
evangelista (aqui ele já se tornaria o que eles denominam de ministro, ou seja,
passa a ter direito de voz e voto nas Convenções) outros cinco anos e de
evangelista a pastor os últimos cinco anos. Totalizando vinte anos só para chegar ao
cargo de pastor (se não ocorrer nenhum problema, ou situação que atrapalhe essa
progressão), depois disso ainda tem mais o tempo, que segundo o entrevistado não 44 Crivo do autor.
59
existe um tempo mínimo ou máximo para ser reconhecido pela Diretoria da
Convenção e convidado a assumir o posto de Pastor-presidente em um determinado
“campo de trabalho”45. O diagrama abaixo ajuda a explicitar esse percurso
necessário e o tempo gasto para se alcançar o posto de Pastor-presidente.
Pelas vias normais são poucos aqueles indivíduos que poderiam alcançar
essas prerrogativas, porém, existem as “famosas exceções” (MATTA, 1997),
relacionados aos mais próximos e ou os da família. Se poderia associar isso ao
pensamento social brasileiro, no qual não passariam de uma prática patrimonialista
herdada da herança colonial e, que nesta pesquisa, mostramos não ter fundamento
teórico suficiente para se sustentar. Uma vez que, em qualquer instituição seja ela o
Estado, o Mercado, ou qualquer outra, existe o jogo político do poder e dominação
que vai estabelecendo o seu funcionamento na sociedade. Não sendo assim,
diferente na ADMM que só pode legitimar essa prática porque dispõe de um quadro
de especialistas que ajudam e se beneficiam da mesma.
Diagrama 1: Percurso a ser trilhado e o tempo necessários para alcançar o cargo de Pastor-presidente na ADMM.
FONTE: Autor.
45 Que fique claro nesse momento, que estamos tratando especificamente das ADMM e da CONAMAD, outras igrejas das ADs no Brasil e Convenções tem as suas regras para a escolha do pastor-presidente, desde eleição com participação de todos os membros, ou mesmo por indicação da Convenção. Até mesmo dentro da ADMM existiram casos que o Campo escolheu o seu pastor-presidente e não a convenção, caso de Santo Amaro, São Bernardo do Campo e Perus, ambos atualmente não fazem mais parte da CONAMAD.
60
Vale aqui pontuarmos que muitas das dessas “famosas exceções”, segundo o
diagrama, seriam os indivíduos privilegiados, amigos, filhos, ou parentes os quais
em uma linha direta e ascendente alcançam o posto de pastor sem precisar passar
pelas vias normais de tempo. Se na condição de filho/parente temos o que
denominamos de “patrimonialismo patriarcal”, no qual o pai legitima o seu filho e
torna-o um possível sucessor, ou mesmo, direcionando ele a uma presidência
menor, para que no futuro ele possa ocupar o seu lugar. A questão da sucessão
familiar será abordada mais adiante nesta pesquisa, porém ela é uma prática muito
utilizada nestes últimos tempos e que foge ao modelo burocrático, tendo como
exemplo o filho do Pr. Samuel Ferreira, o Pr. Manoel Ferreira Neto que se tornou
pastor com apenas dezoito anos de idade (FERREIRA, s.n.t) e hoje já é pastor-
presidente da ADMM em Campina, interior de São Paulo, a qual tanto o seu pai,
quanto o seu avô foram pastores desse campo, sendo transferido de uma geração
para a outra concomitantemente.
O “amigo” se legitimaria a partir de uma “troca escusa”, o qual o mesmo pode
ter percorrido o tempo determinado pelo diagrama, ou não, entretanto o que ficou
pontuado na resposta de alguns de nossos entrevistados foi essa forma “escusa” de
relação. Selecionamos a resposta do Pr. P(ex)-A, que deixou enfaticamente
colocado que para chegar a ser pastor-presidente dentro da ADMM há atualmente a
necessidade de estar próximo ao corpo diretivo da CONAMAD, se aliando e se
enquadrando as prerrogativas determinadas pelos que estão no comando, para, aí
sim, poder fazer parte desse “círculo fechado” de poder e dominação. Essa “troca
escusa” pode ser desde uma obediência irrestrita e sem questionamento as
instâncias superiores (sendo uma prática estranha à organização burocrática, pois
este tipo de relação é mais comum na dominação carismática), ou até o pagamento
de uma espécie “pedágio” para que se possa ocupar o posto. Como funcionaria essa
espécie de “pedágio”? Aquele com pretensão de ser um pastor-presidente se
comprometeria a pagar uma determina quantia ao dirigente da cúpula de São Paulo
(no caso das nossas repostas), ou para a da Convenção de um determinado estado,
todos os meses. E este “beneficiário” indicaria essa pessoa à presidência de
determinado campo, ou mesmo criaria um novo campo se necessário. Porém como
falou o Pr. P-B, a pessoa que aceita essa prática acaba ficando em um estado de
submissão de quem o delegou (lembrando práticas da vassalagem feudal), com uma
autonomia e independência em suas ações muito reduzida nesse campo.
61
Da forma como foram expressas essas informações, poderíamos entender
essas práticas, a partir da noção de patrimonialismo tradicional e expressa pelos
teóricos “liberais-conservadores” (SOUZA, 2015) do pensamento dominante, na qual
referendaria a ideia de que aos “amigos tudo e aos inimigos a letra dura da lei”.
Entretanto observada sem uma criticidade científica, essa visão ignora a existência
de um sistema político monopolizado e estruturado de poder e dominação, que
afastará os possíveis adversários e aproximará os possíveis aliados. O que é muito
comum e acontece em qualquer organização moderna atual, seja ela política,
empresarial, religiosa, familiar, entre outras, no Brasil e em qualquer parte do mundo
supostamente “modernizado”. Mesmo sendo elas práticas corruptas e que se
afastam dos modelos que estamos abordando, esse é o jogo de poder baseado na
obtenção máxima de prestígio (capital simbólico) para permanecer o máximo
possível na ponta da pirâmide.
1.2.2. O prestígio do Pastor-presidencial.
Para ajudar em uma melhor compreensão de nosso leitor sobre o que foi
exposto anteriormente recorreremos aos conceitos de capital simbólico, trabalhados
por Pierre Bourdieu (1930-2002). A dominação está associada a outro conceito
importante para esta pesquisa, que é o prestígio que o dominador (e o quadro
administrativo) adquire dentro dessa relação. E Bourdieu trabalha esse conceito na
categoria de capital simbólico, o qual estaria vinculado a uma estrutura que faz com
que se aceite essa relação, tanto quem exerce e sofre influências de qualquer forma
de dominação (BOURDIEU, 2003) dentro de um determinado campo. Para ele o
capital simbólico,
[...] não é outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando percebido por um agente dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de óbvio. (BOURDIEU, 2003, p.145)
Nesse sentido podemos perceber como a figura do Pastor-presidente das
ADs no Brasil, em especial os ADMM, adquiriu esse “capital simbólico” (que embute
o religioso, o cultural e etc). Segundo Bourdieu o capital simbólico permitir
compreender como os fenômenos de dominação ocorrem, a primeira vista de forma
tão natural e permanecendo insondável, ou imperceptível por aqueles que por ele é
62
influenciado. Diferenciando-se das outras vertentes de capital46, esse tipo não tem
sua perceptividade imediata, assim como seus efeitos de sua duração, que também
obedecem à lógica de diferentes espécies de poder ligados à propriedade de “fazer
ver” e “fazer crer”. Que cabe muito bem a noção, de que o próprio Deus o escolheu
para exercer essa função e se opor a isso, seria opor-se aos próprios designíos do
sagrado. Assim o capital simbólico é de um modo geral, uma medida do prestígio ou
de “carisma” que um indivíduo ou instituição possui em determinado campo. Dessa
forma,
[...] o reconhecimento da legitimidade mais absoluta não é outra coisa senão a apreensão do mundo comum como coisa evidente, natural, que resulta da coincidência quase perfeita das estruturas objetivas e das estruturas incorporadas. (BOURDIEU, 2003, p.145)
Como já mencionado, em nossas entrevistas ao perguntarmos da importância
do Pr. Paulo Leivas Macalão na história e progresso das ADMM, todos os
entrevistados, sem reservas, manifestaram ver nele a razão principal do
desenvolvimento e consolidação não só do Ministério de Madureira, como das ADs
em geral. Podemos constatar nos depoimentos dos entrevistados o alto capital
simbólico de Macalão. Sendo assim, a partir deste estigma quase imperceptível de
distinção (BOURDIEU, 2007), o capital simbólico permite que um indivíduo se
aproprie de uma posição de destaque frente a um determinado campo, e tal relação
de dominação é reforçada pelos distintivos que reafirmam a posse deste capital. Por
ser um tipo de capital cuja posse permite um reconhecimento/prestígio imediato da
dominação do elemento que o possui sobre os demais elementos do campo, o
capital simbólico é assim o instrumento principal tanto do poder simbólico47 como
46 Bourdieu entende por esse termo não apenas o acúmulo de bens e riquezas econômicas, mas todo recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. Assim, além do capital econômico (renda, salários, imóveis), é decisivo para o sociólogo a compreensão de capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), capital social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação). Em resumo, refere-se a um capital simbólico (aquilo que chamamos prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social). Ou seja, desigualdades sociais não decorreriam somente de desigualdades econômicas, mas também dos entraves causados, por exemplo, pelo déficit de capital cultural no acesso a bens simbólicos. (retirado do site CULT, Pequeno glossário da teoria de Bourdieu, em http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pequeno-glossario-da-teoria-de-bourdieu/. Acesso: 31/03/2016). 47 Segundo Bourdieu, poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, “uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre as inteligências” (BOURDIEU, 2003, p. 9).
63
também da violência simbólica, ao impor seu peso sobre os que não o possuem, ou
podem possuir em uma quantidade inferior em um determinado campo.
Bourdieu também trabalha a questão do papel da religião como o agente
estruturante do indivíduo e a sociedade em que o mesmo está inserido, criando
outro tipo de capital – o religioso (BOURDIEU, 2013). Isso levará os seus membros a
uma disputa política intensa pelo controle/dominação da estrutura religiosa em
questão – o “monopólio do sacerdote” (BOURDIEU, 2013), que podemos associar
em suas devidas proporções ao conceito weberiano de “dominação tradicional-
estamental” (WEBER, 2012), por ser obrigado a formar um quadro associativo.
Ponto claro, nas estruturas burocráticas das ADs no Brasil, em especial a ADMM, é
que ao surgir à figura do Pastor-presidente, imediatamente necessitou do vice, que
por sua vez de alguém para administrar as finanças, outro para ser responsável pela
programação e assim por diante (ver a tabela 2). Esse “corpo de especialistas” (os
prestigiosos) seria socialmente reconhecido como os detentores únicos da
“produção ou à reprodução de um ‘corpus’ deliberadamente organizado de
conhecimentos secretos” (BOURDIEU, 2013, p. 39), os quais devido ao seu
prestígio legítimo excluiriam todos os demais da participação pelo simples fato de
não terem a posse desse capital religioso, assim deveriam se submeter ao grupo
prestigioso (BOURDIEU, 2013).
O autor ainda enfatiza que a religião funcionaria a partir de duas bases, as
quais constroem e legitimam toda e qualquer relação ética mantida pelo grupo no
espaço social a que estiverem inseridas (BOURDIEU, 2013, p. 46), ou seja, no
espaço religioso sua ética própria se dá pelos valores do grupo, mesmo que eles se
contraponham ao estabelecido por uma sociedade. Poderíamos encontrar aqui uma
explicação para o fenômeno de perpetuação e sucessão dinástica, mas será que o
grupo religioso é coeso em sua totalidade? Obedecendo em sua totalidade ao
dominador? Nem sempre! Fazendo uma análise sobre a sociologia da religião de
Weber, Bourdieu destaca-se que para o “leigo” não há necessidade de justificativa
da religião em relações a assuntos concernentes a ela mesma, e nem muito menos
para os de “justificativas sociais” que determine a ela uma “posição na estrutura
social” (BOURDIEU, 2013, p. 86). O que está em jogo aqui são os “interesses
religiosos”, pois os mesmos “tem por princípio a necessidade de justificar a
existência numa dada posição social”, que está diretamente ligada “pela situação
social” (BOURDIEU, 2013, p. 86).
64
Onde então nasce essa justificativa? Diria Bourdieu (2013) na mensagem
religiosa dos grupos dominantes! Mas essa relação diz o autor é dependente das
“demandas religiosas” (BOURDIEU, 2013, p. 87), as quais são: demandas de
legitimação e de compensação. A primeira seria a forma como os dominantes
legitimam sua dominação pela sua “conduta de vida”, que Bourdieu expressa como
“excelência” e a segunda seria como os dominados são “favorecidos” no que
poderão vir a ser (BOURDIEU, 2013, p. 87). Mais isso só seria possível com o fim do
carisma e a burocratização do sistema religioso em questão, no qual o mesmo
afirma, parafraseando Weber:
[...] que as grandes potências hierocráticas (igrejas) estão predispostas a fornecer ao poder político em “poderio de legitimação” (legitimierende Macht) totalmente insubstituível, e que elas constituem “um meio inigualável de domesticação dos dominados” (BOURDIEU, 2013, p. 88).
Podemos assim perceber que esse prestígio é construído historicamente
dentro da instituição e que os Pastores-presidentes adquirem esse “capital
simbólico” ao longo do processo de desenvolvimento da mesma, podendo então
monopolizar e aparecer como “senhores supremos”, representantes diretos de Deus
(em termos medievais) de forma naturalizada. Mas este poder legitimador e
domesticador não “reina” soberano, pois tem de enfrentar “o profeta”, ou seja,
aquele que “opõe-se ao corpo sacerdotal da mesma forma que o descontínuo ao
contínuo o extraordinário (Ausseralltäglich) ao ordinário” (BOURDIEU, 2013, p. 89).
Investido de um poder carismático mobilizador, este tende a combater tudo aquilo
que foi introduzido como natural dentro da instituição pelos dominadores
prestigiosos. Podemos ter aqui uma explicação do porque as ADs no Brasil se
fragmentaram tanto e ainda se fragmentam em nossos dias, caso que a priori pode
ser constatado pela quantidade de nomes de ministérios encontrados num simples
passeio pelas ruas de qualquer cidade brasileira. Neste caso o poder do profeta se
relaciona com a condição de mobilização, ele cumpre um papel importante na
medida em que se opõem aos poderes legitimadores da classe sacerdotal,
demostrando a existência de uma tensão constante entre dominadores e
dominados. Ele:
O profeta traz ao nível do discurso ou da conduta exemplar, representações, sentimentos e aspirações que já existiam antes dele embora de modo implícito, semiconsciente ou inconsciente. Em suma, realiza através de seu discurso e de sua pessoa, como falas
65
exemplares, o encontro de um significante e de um significado preexistente. (BOURDIEU, 2013, p. 92).
Neste ponto a pesquisa se propôs a pensar se realmente o Pastor-presidente
das ADMM é um ser intocável, ou se existiria limites para a sua ação. Quais seriam
esses mecanismos de fiscalização do mesmo dentro da organização? Nesta
próxima seção passaremos a apresentar os resultados do que encontramos, sobre
essa questão, em nossa pesquisa.
1.3. LIMITES DO PODER DO PASTOR-PRESIDENTE.
Trata-se de uma questão bem relevante da pesquisa, pois nela reside um
ponto crítico e que gera muitas tensões dentro do movimento. Uma vez que não
podemos considerar na atual constituição da sociedade que aprecia a igualdade de
direitos, que alguém na esfera da política, da economia, da sociedade, ou mesmo,
da religião detenha um poder de tipo “absoluto”, “tirânico” ou “ditatorial”, indo
contrariamente a todos os pressupostos da modernidade democrática e liberal.
Certo que segundo as concepções bourdieunianas, o capital religioso tende a criar
dois tipos de estruturas de distribuição, as quais seriam de “tipos opostos de relação
social”, que estariam permutadas pelo que denominou de “domínio prático” e
“domínio erudito” da composição e distribuição do “capital religioso”; e de “tipos
distintos de sistema simbólico”, nos quais teríamos os mitos e as ideologias
religiosas como as ferramentas de estruturação do sistema interno da religião, que
organizariam e disponibilizariam sua importância de existência frente ao mundo
exterior (BOURDIEU, 2013, p. 40). Esse olhar para como se solidifica o sistema
simbólico das ADMM, em relação ao Pastor-presidente é de suma importância para
entendermos o funcionamento e legitimação de suas ações.
Por este motivo, perguntamos a todos os entrevistados, se dentro das ADMM
existiriam limites para as ações de um Pastor-presidente e quem teria o poder, ou
mesmo, a obrigação de fiscalizar suas ações. Para auxiliar a melhor a compreensão,
fizemos um quadro comparativo de todos os entrevistados e suas respostas, a fim
de termos um panorama geral da situação proposta na pergunta.
66
Quadro 1: Existem limites/ou alguém que fiscalize um pastor-presidente?
Papel do Pr. Presidente.
Existem limites de
suas ações?
Quais são esses limites?
Quem fiscaliza?
Pr. P-A48 Administrar, Pastorear
Sim Ético, morais,
espirituais e a má administração.
Junta Conciliadora Jurídico (Ass.
Geral da Igreja)
Pr. P-B
Administrar, Construir, Ensinar,
Pastorear.
Sim Conduta moral e
administração
Conselho Fiscal; Junta
Conciliadora.
Pr. P(ex)-A
Administrar, Organizar, Dirigir
Sim/Não Problemas graves
morais ou financeiros
Conselho Fiscal; Junta
Conciliadora.
Pr. P(ex)-B
Administrar Gestor
Sim Não menciona quais seriam esses limites
Conselho Fiscal; Junta
Conciliadora.
Pr. C-A Organizar Não # Não há quem
fiscalize
Pr. C-B Administrar Não # Diretoria poderia
fiscalizar, mas não faz!
Ao analisarmos os dados expostos no quadro acima podemos perceber que
todos os entrevistados tem a mesma percepção sobre o papel do Pastor-presidente.
A imagem transmitida dele é eficazmente percebida e aceita por todos. Assim o
Pastor-presidente, não é apenas o líder espiritual da organização, mas aquele que
deve gerir todas as ações da igreja e suas finanças, desde preparar e consagrar
novos obreiros, abrir e construir novos templos, como representar juridicamente a
igreja frente às questões legais, talvez isso explique porque muitos deles têm feito o
curso de bacharel em Direito. Como já afirmamos anteriormente, entre o Bp. Manoel
Ferreira e os seus três filhos que são pastores-presidentes Abner, Magner e Samuel
Ferreira todos têm em sua biografia o título de bacharéis em Direito. Ao serem
perguntados se existem limites para as ações de um Pastor-presidente, temos uma
variação das respostas. As respostas ficaram assim. Para os pastores-presidentes
em exercício sim, há limites! Para os ex-pastores um disse sim, o outro a princípio
disse não, mas depois sim. Já os dois pastores de congregação disseram não. É
aqui, que reside o ponto importante, pois para aqueles que estão sobre a condição
48 Segundo este Pastor-presidente na pergunta - Quem fiscaliza? Ele menciona a intenção do Pr. Samuel Ferreira em criar um “Tribunal Eclesiástico” no Ministério de Madureira, o qual seria uma forma não apenas de fiscalizar, mas com a estrutura necessária e a competência devia, para apreciar questões referentes às ações indevidas de pastores-presidentes e membros da CONAMAD.
67
de dominado a percepção é de que o Pastor-presidente é absoluto em seu posto e
de que não há limites para sua ação.
Apenas um dos pastores de congregação faz uma menção que a diretoria
poderia vir a ser esse agente de fiscalização (o outro foi enfático em sua resposta,
que não há quem fiscaliza e ele é soberano em suas decisões), mas para ele, a
mesma não o faz, seja porque pouco poder tem, ou porque os membros da mesma
tem medo de alguma represália que possam sofrer se questionarem o seu superior.
Como não estendemos essas perguntas aos membros não podemos aqui afirmar
categoricamente que eles também têm essa mesma impressão, mas se os pastores
de congregação tem essa impressão, poderíamos supor sem cair em erros de
percepção, que os mesmos tendem a serem reprodutores dessas concepções aos
seus membros.
Mas voltemos agora nosso olhar para as respostas dadas pelos presidentes
em exercícios e pelos ex-presidentes. Retirando apenas um que não respondeu a
pergunta, todos os outros mencionam que sim, existe um limite para as ações dos
Pastores-presidentes. E esse limite se pauta em dois pontos bem específicos, 1-
faltas morais graves, que neste caso geralmente está relacionado a uma traição
conjugal (fato mais ou menos corriqueiro)49; 2- seriam problemas relacionado com a
má gestão dos recursos financeiros da igreja, gastos indevidos, enriquecimento
ilícito, dívidas da igreja e situações afins. Ou seja, sua “gestão” não é tão absoluta
quanto à imagem transmitida e reproduzida por aqueles que estão nas esferas mais
distantes do corpo diretivo.
Mas quem então fiscalizaria suas ações? Na resposta dada por estes dois
grupos de entrevistados, dos órgãos que apareceram com poder fiscalizatório, são
eles, a Junta Conciliadora Estadual e o Conselho Fiscal de cada Campo. A Junta
Conciliadora órgão estabelecido pela CONAMAD, obrigatoriamente se estrutura da
seguinte forma “Presidente, o Relator e o Secretário, indicados pela Mesa Diretora
da CONAMAD e dirigida pelo presidente da CONEMAD50” (Estatuto da CONAMAD,
Art. 41, seção I – DAS JUNTAS CONCILIADORAS ESTADUAIS) do estado
49 Segundo os entrevistados não é muito difícil se ouvir nas Convenções que o presidente do campo A, B ou C está sendo excluído, ou destituído de suas funções porque abandonou a esposa, por outra mulher, que quase sempre é mais nova que sua esposa. 50 A CONEMAD (Convenção Estadual de Ministros Evangélicos das Assembleias de Deus de Madureira) é uma entidade inferior a CONAMAD, mas que tem como objetivo resolver situações em níveis regionais. Sua estrutura é semelhante a da CONAMAD, reproduzindo assim o mesmo nível de distinção entre dominadores e dominados.
68
pertencente da mesma. Em seu Art. 42. São atribuições das Juntas Conciliadoras
Estaduais:
I. Promover a paz, a conciliação cristã e a harmonia entre as Igrejas Filiadas e os Ministros (Pastores e Evangelistas), Missionários e Missionárias, no Estado; II. Reunir-se sempre que necessário para apreciar os casos enviados pela Mesa Diretora da CONAMAD, emitindo parecer; III. Encaminhar à Mesa Diretora da CONAMAD, relatório anual das atividades no Estado; IV. Acionar a Comissão Jurídica, através da Mesa Diretora da CONAMAD, nos processos litigiosos; V. Encaminhar à Mesa Diretora da CONAMAD, depois de concluída a fase ordinatória e instrutória, parecer sobre assuntos de seu peculiar interesse, dentro de sua jurisdição eclesiástica, conforme as normas estatutárias e regimentais da CONAMAD, cumpridas as formalidades; (ESTATUTO CONAMAD, 2013)
Não fica claro dentro do estatuto das ADMM, que a Junta teria essa função
fiscalizatória, porém todos os presidentes e ex-presidentes entrevistados na
pesquisa expõem que ela tem esse poder. Em uma das entrevistas foi colocada
segundo a fala do Pr. P-A “[...] Ela só se junta para conciliar, para aconselhar, dirigir,
mas ela não tem caráter deliberativo, decisório” (Entrevista em áudio, gravada no dia
08/07/2016). Ou seja, na hora de confrontar as ações de um determinado Pastor-
presidente qual é o real papel da junta conciliador? Essa pergunta ficou no ar. Se
não fica explicito estatutariamente, fica implícito pelas falas dos entrevistos que essa
“Junta” tem um determinado poder, de em uma dessas situações, retirar das funções
o determinado Pastor-presidente faltoso.
O segundo instrumento seriam os Conselhos Ficais, órgãos obrigatórios em
todas as esferas das ADMM, desde a CONAMAD para baixo, até os campos de
trabalhos, todos devem ter um Conselho Fiscal. Este órgão tem por função analisar
as contas e apresentar pareceres dos mesmos para a Assembleia Geral no final de
cada ano. Segundo o Pr. P-B, “todo membro tem o direito de ver os livros da igreja,
mas ninguém se interessa” (Entrevista em áudio, gravada no dia 09/08/2016), ainda
em sua fala o Conselho Fiscal fica com esta função. Vale aqui colocar a percepção
de Alencar, mesmo ele acreditando que o Pastor-presidente é quase intocável na
ADs no Brasil, o mesmo expõe um ponto interessante, pois “um pastor-presidente,
mais que ser um déspota, precisa ser um articulador habilidoso. Um ser político”
(2013, p. 179). Assim suas ações e condutas precisam ser negociadas com o
quadro administrativo, pois como cita o Pr. P(ex)-B, que é o próprio Pastor-
presidente que escolhe o seu Conselho Fiscal, deixando implícito, a existência de
69
algumas formas de manobra do mesmo para poder se manter no poder sem muita
resistência.
Conquanto, se é o próprio Pastor-presidente que escolhe seu Conselho
Fiscal, a possibilidade de controlar/manipular o papel fiscalizador está
estruturalmente garantida e escondida sob uma aparência de modelo democrático.
Uma vez que, a existência desse órgão exporia certa ideia de transparência,
entretanto quem garantiria autonomia ao mesmo? Ao se encontrar uma
irregularidade esse órgão agiria com imparcialidade, ou recairia a uma questão de
“coleguismo”. Ainda mais, quem poderia garantir que ao ser confrontado em suas
contas esse pastor-presidente não usaria de um autoritarismo contra os membros
desse órgão? Assim, podemos perceber que não é necessário apenas habilidade
articuladora, pois nessa relação deixa implícita a existência de uma forma de poder
despótico, que é claramente “antimoderno”, nos quais podem produzir muitas
brechas de favorecimento aos envolvidos.
Mas haveria algum caso concreto em que o Conselho Fiscal, de alguma igreja
vinculada as ADMM, tenha rejeitado as contas e condutas de um Pastor-presidente?
Sim, encontramos em nossa pesquisa um caso que veio a tona. Refiro-me ao caso
da ADMM de Volta Redonda - Rio de Janeiro, que a época era presidida pelo Pr.
Davi Cabral. Figura icônica do Ministério de Madureira, mas que teve suas contas
rejeitadas por um Conselho Fiscal escolhido pelos membros da igreja, pois devido a
denúncias referentes à suspeitas de improbidade administrativa na gestão desse
pastor, o Conselho Fiscal escolhido pelo mesmo foi dissolvido.
1.3.1. O caso da ADMM de Volta Redonda-RJ
Este caso apareceu em uma das entrevistas realizadas durante o processo de
pesquisa, que nos levou a buscar mais informações sobre o fato em questão. No site
“O Fuxico Gospel”51 encontramos disponibilizado o relatório realizado por um
Conselho Fiscal eleito pelos membros da igreja em 27 de outubro de 2015, que
suspeitaram de irregularidades cometidas pelo líder maior e em reposição ao antigo
51 Site que se propõem em tratar dos acontecimentos do “mundo gospel”, ou seja, um site especializado em assuntos (ou fofocas) de pastores, cantores e personalidades evangélicas em geral. A matéria sobre o assunto em questão, mais o relatório produzido pelo Conselho Fiscal da ADMM de Volta redonda, também conhecida pela sigla CADEVRE, estão disponíveis no endereço: http://www.ofuxicogospel.org/2016/01/mp-podera-investigar-contas-da-cadevre.html. Acesso: 21/09/2016.
70
Conselho Fiscal que em meio as pressões sobre as possíveis irregularidades do Pr.
Davi Cabral (Pastor-presidente) renunciaram aos respectivos cargos. Este “novo”
Conselho Fiscal produziu um relatório de 40 páginas (ver Anexo I), que apontou
vários indícios de irregularidades cometidas pelo pastor.
Entre as irregularidades que foram apontadas pelo relatório está à
contratação de dois empréstimos um de 105 mil e o outro de 150 mil reais e que em
seu montante somariam mais de 900 mil reais não declarados nas contas da igreja.
No quesito despesas pessoais o pastor teria adquirido um plano previdenciário com
valor mensal de 4.500 reais, além de um plano de saúde tanto para ele como para
todos os seus familiares que incluía filhos e netos, o montante final daria mais de 90
mil reais só em despesas pessoas pagas pela igreja, sem contar o pagamento de
cartões de crédito pessoais, viagens e hospedagens sem identificação. O relatório
menciona também repasses feitos a uma instituição social conhecida como
ADAFEVRE - Associação de Assistência as Famílias Evangélicas de Volta Redonda,
que contava com mais de 80 benificiários e um custo anual de mais 600 mil reais
para os cofre da igreja, que piora a situação do pastor, pois o presidente desta
instituição é o seu filho Davi Cabral Jr (que é também pastor-presidente de uma das
ADMM, em Resende-RJ52).
Ainda nem mencionamos que o pastor Davi Cabral tinha um salário que
girava em torno de 40 salários mínimos, que daria mais de 30 mil reais ao mês,
pagos pela igreja. O referido pastor não conseguiu justificar suas contas e ainda
mais, o mesmo estava em processo de separação de sua esposa, que mais tarde
viria a público. Assim, mesmos com uma tentativa de usar de seu poder e prestígio
para descaracterizar o relatório produzido pelo Conselho Fiscal (que não foi
escolhido por ele) em fevereiro de 2016, a igreja se mobilizou e, em votação
unânime rejeitou sua contas, obrigando que a CONEMAD do Rio de Janeiro
(presidida pelo Pr. Abner Ferreira) convocasse um AGO (Assembleia Geral
Ordinária) no mês de Março do ano de 2016 e dessem encaminhamentos para a
saída do pastor da liderança da igreja de Volta Redonda. Essas informações
confirmaram a fala de um dos nossos entrevistados, que citou esse caso, como um
fato quase que inédito dentro das ADMM e das ADs no Brasil e que fazia muitos
52 Essa igreja fazia parte do conjunto de igrejas filiadas a ADMM, conhecida como CADEVRE – Catedral das Assembleias de Deus de Volta Redonda e em dezembro de 2014 foi emancipa pelo pastor Davi Cabral, sendo empossado seu filho. Informações disponíveis em http://www.catedralcader.com/cader. Acesso: 21/09/2016.
71
anos que não tinha notícias de um fato como esse. Ainda na fala deste pastor, ele
afirma que “o povo não sabe do poder que tem em suas mãos” (Pr. P-B, entrevista
em áudio, gravado em 08/09/2016).
Ficando claro que o Pastor-presidente mesmo que queira, não tem o poder
absoluto, pois quando os membros perceberem que podem requerer transparência,
esse mesmo “ser absoluto” tem que se submeter às regras instituídas pela a
organização racional-burocrática. Quebrando de vez com a concepção produzida
pelos liberais-conservadores que em nosso país existe uma “herança maldita”
(SOUZA, 2015) de nossa colonização, que nos torna corruptos por natureza. Este
fato mostra claramente que não é, bem assim, que devemos pensar nossa atual
condição de sociabilidade brasileira.
É nesse sentido que no próximo capítulo abordaremos o caminho percorrido
pela a ADMM, desde seu fundador o Pr. Paulo Leivas Macalão até a gestão do Bp.
Manoel Ferreira sendo ele atualmente o presidente vitalício da CONAMAD, porém
não mais exercendo a presidência, uma vez, que seu filho Pr. Samuel Ferreira53
aparece como presidente executivo54, e nas falas de dois entrevistos, ele hoje é
quem toma todas as decisões. Na tentativa de melhor compreender como a mesma
foi se organizando e estruturando o seu quadro administrativo ao longo dos anos e
como o mesmo acaba legitimando suas ações e posturas frente ao corpo de
dominados, mesmo em meio a críticas e tensões que se camuflam em um ar de
unidade e homogeneidade entre os grupos “oligárquicos” do Ministério. Nossa
intenção é demostrar que a figura do Pastor-presidente e a questão da sucessão
estão ligadas a toda uma organização racional-burocrática, que junto à lógica do
patrimonialismo apresentado anteriormente leva a constituição de um quadro
administrativo especializado que não só monopolizam o poder, mais distribui o
mesmo de forma a manter concentrado em alguns poucos55.
53 Até o período da defesa dessa dissertação, Samuel de Cássio Ferreira ocupava a posição eclesiástica de pastor, porém no mês de março do ano de 2017 na 39º AGO realizada em São Paulo, tanto ele como seu irmão Abner e mais três pastores foram consagrados ao posto de bispo do Ministério de Madureira. Hoje sendo essa a maior posição eclesiástica do Ministério de Madureira. 54 Informação disponível em: http://www.adbras.com.br/2016/pastor-samuel-ferreira/; e http://www.conemadsp.com.br/site/?page_id=10. Acesso em 03/10/2016. 55 Devemos mencionar que isso não é uma prática exclusiva das ADMM, mas tanto das ADs no Brasil (com casos como o domínio da família Bezerra na AD ministério do Belém - SP, como na AD ministério do Amazonas e Pará dominados pela família Câmara, como em um caso atual de sucessão que ocorreu na AD ministério de Camboriú-SC, com a morte do Pr. Cesino Bernardino no dia 30 de julho de 2016, seu filho o Pr. Reuel Bernardino assume em seu lugar) como das demais igrejas pentecostais brasileiras.
72
CAPÍTULO 2 A PRIMEIRA ASSEMBLEIA DE DEUS “AUTENTICAMENTE” BRASILEIRA: do Pr. Paulo Leivas Macalão ao Bispo Manoel Ferreira.
A ADMM foi fundada em 15 de novembro de 1929, porém somente em 1941
assumiu personalidade jurídica (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008). Seu fundador foi o
Pr. Paulo Leivas Macalão (1903-1982), personagem de grande importância não
apenas ADMM, mas para as ADs no Brasil. Sua trajetória marca alguns pontos
importantes para compreendermos como foi se configurando a ADMM ao longo dos
anos e que nos dão as condições de afirmar ser ela a primeira AD “autenticamente”
brasileira. As condições materiais de sua fundação, formação e desenvolvimento
nos remetem a questões bem específicas não apenas da história das ADs, mas de
questões político-sociais do próprio Brasil. As mesmas não podem ser ignoradas,
pois este movimento, por mais que o discurso dos seus líderes buscasse afirmar
uma separação entre o movimento e o restante da vida material e social brasileira
(ALENCAR, 2010)56, os acontecimentos das décadas a partir de 1920 (período da
chegada do movimento no Rio de Janeiro – 1924), influenciaram de forma decisiva a
postura nacionalista que o Pr. Paulo Leivas Macalão adotara em sua trajetória
(ALENCAR, 2013).
Neste capítulo desenvolveremos o processo histórico-social da ADMM,
focando sobre seus dois principais personagens e como ela se organizou durante o
processo de consolidação das ADs pelo Brasil. Segundo dados da própria instituição
hoje a ADMM é o segundo maior segmento convencional dentro das igrejas ADs no
Brasil, com aproximadamente dois milhões de membros espalhados pelo Brasil e
pelo mundo57, sendo a AD a maior denominação protestante/pentecostal do país.
Vale aqui mencionar que este segmento pentecostal brasileiro, não expressa uma
unidade característica de outras denominações como a Igreja Universal do Reino de
Deus - IURD, por exemplo. Por este motivo não podemos usar o termo no singular,
ou seja, falar em AD como uma única e coesa igreja, pois o que na realidade existe
56 Segundo Alencar, neste momento a igreja proibia a leitura de jornais e revistas (a não ser a do próprio movimento) e condenava a instrução secular como uma prática “mundana” e desnecessária, uma vez que o “Senhor vem em breve”, ideia central da doutrina pré-milenista do arrebatamento secreto da igreja. (2010, p. 141). 57 Esse dado se registra no site da Assembleia de Deus Madureira em Anápolis – GO. Ver http://adanapolis.com.br/home/nossa-historia/. Acesso: 15/10/2016.
73
são muitas ADs, mesmo encontrando muitos aspectos em comum entre elas, cada
uma delas também expressa muitas particularidades, sejam elas particularidades
regionais, ministeriais e até teológicas58. Por este motivo nos referirmos as ADs
sempre no plural (FAJARDO, 2015)59.
Para uma melhor compreensão de nosso objeto de pesquisa, apresentamos
rapidamente a localidade da igreja-mãe das ADMM, ou seja, onde tudo começou de
fato – o bairro de Madureira. Este bairro é caracterizado como de classe média e
média baixa, localizado no subúrbio carioca, fazendo parte da Zona Norte da cidade.
Fundado em 24 de maio de 1613, com o nome de o Largo do Campinho, antes da
vinda de D. João VI para o Brasil, era o ponto de convergência das estradas de
Jacarepaguá até Engenho D’Água, Estrada do Piraquara, por onde passavam
comboios de tropas e animais (MORAIS, 2015). Abaixo temos um mapa que nos
auxilia em uma melhor visualização de onde está localizado o bairro na cidade do
Rio de Janeiro.
Mapa 1 - Localização do Bairro de Madureira no Estado do Rio de Janeiro
Fonte: Prefeitura doRio de Janeiro. Ver:
http://portalgeo.rio.rj.gov.br/armazenzinho/web/BairrosCariocas/main_bairro.asp?bairro=Madureira&area=083&tipo=click
58 Nesta multiplicidade das ADs, podemos encontrar igrejas adeptas a Teologia da Prosperidade, líderes que se denominam de Bispos ou Apóstolos, igrejas que concordam com o pastorado feminino e permitem o uso de calça, maquiagem e joias pelas mulheres, mas talvez em uma mesma rua possa se encontrar uma igreja completamente ao contrário do que foi citado e se denominando como uma AD Ortodoxa. 59 Fajardo (2015) em seu texto aborda de maneira histórica e sistemática como se deu a construção dessa pluralidade assembleiana no Brasil ao longo de seus mais de cem anos de existência.
74
Segundo Morais (2015) é no “período entre 1816 e 1822 que surge à figura de
Lourenço Madureira (boiadeiro de profissão), descrito como um “demandista
insistente”, que arrendou parte das terras da Fazenda Campinho, onde além de um
pequeno roçado de milho e mandioca, estabeleceu morada”60. Após a morte do
boiadeiro, começa a surgir com o loteamento da fazenda o bairro de Madureira. O
bairro hoje faz divisa com Cascadura, Cavalcanti, Vaz Lobo, Engenheiro Leal,
Turiaçu, Campinho e Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro), ocupando uma área total de
378,76 hectares61, com uma população de 50.106 pessoas (embora sua população
flutuante seja muito maior que isso) segundo o Censo de 2010. Outro dado
importante do bairro é a chegada da ferrovia em 1890, com a inauguração da
estação que leva o nome do bairro, contribuindo ainda mais com o fluxo de pessoas
que iam e vinham ao bairro. Por ser um bairro de subúrbio e com grande
movimentação de pessoas, temos um ponto que nos ajuda a explicar porque
segundo a história oficial da ADs no Brasil e de Madureira, o Pr. Paulo Leivas
Macalão escolheu esse local para a evangelização. Pois segundo a história oficial
ele ficava nessa (e em outras) estação com o seu violino cantando e pregando para
os transeuntes que entravam ou saiam do bairro de Madureira (ALMEIDA, 1983,
CABRAL, 1998).
Mapa 2 – Localização dos Bairros onde foram abertas as duas primeiras ADMM
Fonte: http://pt.mapsofworld.com/brasil/cidades/rio-de-janeiro/ferroviario-mapa.html
60 Disponível em: https://www.bn.br/noticia/2015/07/rio-450-anos-bairros-rio-madureira. Acesso dia 05/05/2016. 61 Dados retirados do site da prefeitura do Rio de Janeiro, disponível em: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/bairroscariocas/mostra_temas.php?bairro=Madureira&area=083. Acesso dia 01/05/2016.
75
Esse segundo mapa nos ajuda a ter uma visão mais panorâmica da cidade do
Rio de Janeiro e dos seus bairros, principalmente os que compõem o chamado
subúrbio carioca, onde o Pr. Paulo Leivas Macalão estabeleceu suas bases. Nele
podemos identificar que a estrada de ferro, que corta a cidade do Rio de Janeiro é
de fundamental importância para o jovem Macalão em meados das décadas de
1920 e 1930, pois ela vai ser o ponto de como atingir esses bairros periféricos. Os
quais serviam de bairros dormitórios para muitas pessoas, uma vez que a maior
parte das indústrias e dos comércios se encontrava na região central da cidade
(ABREU, 1997). Como podemos perceber no mapa as duas primeiras igrejas
fundadas por Macalão (Bangu em 1926 e Madureira em 1929) são cortadas pela
estrada férrea carioca. Feita essa inserção, passamos a falar sobre o pastor pioneiro
das ADMM, principalmente sobre pontos relacionados aos contextos e períodos da
história nacional, em que acreditamos ter tido forte influência em suas ações.
2.1. PAULO LEIVAS MACALÃO: O PRESTIGIO DO “GENERAL RELIGIOSO”.
O Pr. Paulo Leivas Macalão hoje faz parte do “mito fundante” das ADs no
Brasil. Figura icônica, permeada de toda uma construção histórica de carisma,
heroísmo e intrepidez. Sua memória sempre lhe resguarda os títulos de “patriarca”,
de “apóstolo”, de “líder maior”, o “fundador”, “precursor” entre vários outros títulos
que identificamos em nossas seis entrevistas e em nenhum momento, quando
fizermos a pergunta “O que representa a figura do Pr. Paulo Leivas Macalão ao
Ministério de Madureira?” ouvimos alguma palavra que não “enaltecesse” essa
figura. A memória aqui ocupa um ponto de extrema importância para afirmação,
reafirmação e continuidade de um grupo religioso, em especial, uma vez que existe
uma necessidade constante de retorno às raízes para reafirmar algo, ou mesmo
afirmar um algo novo. Halbwachs (1990) em seu livro “A memória coletiva” afirma
que “para confirmar ou recordar uma lembrança, as testemunhas, no sentido comum
do termo, isto é, indivíduos presentes sob uma forma material e sensível, não são
necessárias” (1990, p. 27), pois a memória parte de uma construção coletiva e que é
repassada pelas gerações garantindo sua permanência viva entre os membros
deste grupo.
Segundo Rivera (que se utiliza da teoria de Halbwachs), mesmo que exista
uma memória individual, sua pertença a vários grupos sociais possibilita que a
76
mesma se entrelace a múltiplas memórias coletivas. Sendo então “a memória
individual um ponto de vista sobre a memória coletiva” e que a mesma estará em
constate mudança, dependendo do “lugar ocupado pelo indivíduo” e da relação que
o mesmo desempenhou com os outros indivíduos do mesmo grupo (RIVERA, 2001,
p.32). Nesse sentido as recordações se sobrepõem umas as outras, cabendo uma
validar a outra, na intenção de criar uma memória coletiva (HALBWACHS, 1990).
Aqui temos um indício do porque os membros e os entrevistados recordem de seu
líder com tamanho saudosismo e apreço. Rivera ainda enfatiza que essa memória
coletiva só se torna uma verdade quando ela atende um desses três requisitos: - um
acontecimento, uma figura pessoal ou um lugar. Sendo o lugar o que tem “maior
possibilidade de se apresentar de maneira concreta” (2001, p.39).
Sem dúvida alguma o pentecostalismo brasileiro, em especial, o de vertente
“assembleiana” leva isso muito a sério, pois é possível encontrar esse “tripé”, dentro
da construção da memória desse movimento ao longo de sua história no Brasil. O
qual pode ser descrito da seguinte maneira: a) o acontecimento, realizado pelo
processo de conversão ao movimento, por uma “revelação” divina, ou mesmo, por
um “chamado” da parte do próprio Deus. Marcando aqui o início, princípio, ou seja,
onde tudo começou, sem se esquecer dos desafios enfrentados (percalços,
barreiras, inimigos que ameaçam até mesmo a vida desses “desbravadores”)62 para
se cumprir “o que já estava designado”. b) a figura pessoal, pessoas normais
dotadas de um carisma “divinizado”, que foram “convocadas” para realizar um
trabalho designado pelo próprio Deus. Está figura cheia de prestígio, carrega em seu
próprio corpo a história da igreja-mãe/igreja-sede que ela própria fundou, ou deu
continuidade ao trabalho (mas em suas mãos obteve um crescimento
extraordinário), o qual hoje, só é o que é graças aos incansáveis esforços dessa
personagem. c) o lugar, esse centro geográfico das ADs no Brasil é demarcado nas
Igrejas-Mães/Igrejas-Sedes, ou seja, a primeira igreja a ser implantada e onde tudo
começou. Os acontecimentos e as figuras podem cair no ostracismo e seus detalhes
podem ser esquecidos gradativamente, eles até podem ser repetidos, porém nunca
62 Um bom exemplo do que estamos expondo, podem ser encontrados nas duas biografias oficiais dos fundadores das ADs no Brasil, os missionários suecos Gunnar Vingren (“Diário do Pioneiro”) e Daniel Berg (“Enviado por Deus”), ambas as obras estão cheias de histórias de perigos e “socorro divino”. Vale lembrarmos também que o próprio “chamado” para o Brasil, se deu a partir de uma visão, na qual o nome Pará apareceu, recorrendo a um a biblioteca da cidade em busca de um “mapa mundi”, para que pudessem identificar onde se localizava o chamado Pará. Segundo o relado das biografias ninguém conhecia o nome e muito menos sua localização (BERG, 1984, p. 29; VINGREN, 2000, p. 27).
77
mais serão os mesmos (RIVERA, 2001). Já o lugar demarca fisicamente a memória,
pois ao revisitá-lo tudo que estava se perdendo volta imediatamente.
As pessoas e os acontecimentos são passageiros e podem ser imitados, mas não se repetem jamais. As pessoas não são instantâneas como os acontecimentos; durante o tempo da vida, elas podem contribuir com seus testemunhos para a fixação de uma lembrança. Os lugares permanecem, oferecendo à memória certa estabilidade. É possível voltar ao lugar dos acontecimentos ou ao lugar onde as pessoas estiveram e encontrar o mesmo quadro espacial. É claro que ele já não será o mesmo depois dos acontecimentos e na ausência das pessoas, mas continuará oferecendo uma materialidade não encontrada nos outros elementos (RIVERA, 2001, p. 39).
Qual o perigo que podemos encontrar nesta atividade de recuperação da
memória? “Mitificar” os acontecimentos e idealizar a personagem de tal forma a não
perceber sua relação com os acontecimentos materiais de seu tempo. Assim os
tornando anacrônicos, fora do tempo histórico, fora de sua realidade material de seu
tempo e acreditando que sempre existiram assim, ou que é herança de um tempo
anterior a eles mesmos. Essa forma de anacronismo é facilmente percebida no
pensamento social brasileiro e que já nos debruçamos no capítulo anterior. Nesse
sentido para falarmos sobre o Pr. Paulo Leivas Macalão devemos o fazer, a partir
dos acontecimentos materiais que foram se desenrolando durante a sua própria
história de vida, pois só assim poderemos ter as condições de desmitificá-lo, a fim de
percebê-lo como produtor de sua própria história, mas que por muitas vezes é
idealizada e confundida com a dos “heróis bíblicos”, devido às qualidades pessoais
consideradas extraordinárias dele e que conota o tipo de dominação carismática
exemplificada por Weber (WEBER, 2012, p. 158-159).
Algo que nos chamou atenção enquanto pesquisávamos sobre esse
personagem, foi uma fala feita em uma de suas biografias63, intitulada “Paulo
Macalão: a chamada que Deus confirmou”, na qual encontramos a seguinte citação
sobre o pastor “pioneiro” das ADMM, no último capítulo intitulado “Pastor, descanse
em paz!”. Segue a citação: - “pastor de pastores, não seria humano que um homem
assim deixasse de cometer falhas, principalmente no resolver os inúmeros e difíceis
problemas que se apresentavam” (ALMEIDA, 1983, p. 81). E aqui cabe a pergunta –
63 O Pr. Macalão teve duas biografias oficiais, uma produzida pela sua própria esposa (“Traços Da Vida De Paulo Leivas Macalão” - 1986) e a outra pela CPAD (“Paulo Macalão: A chamada que Deus confirmou” - 1983); há também uma pequena biografia dele reproduzida em um encarte especial da Revista Obreiros do ano de 2001, intitulado Pioneiros e líderes da Assembleia de Deus, neste encarte encontramos trinta biografias tanto de missionários europeus e estadunidenses, quanto de brasileiros.
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Qual a real intenção do biógrafo (que era pastor assembleiano e contratado da
CPAD) em fazer esse comentário? Impedir que essa figura caísse dentro de uma
espécie de personalismo “beatificador”, muito comum às biografias atuais? Ou aludir
uma qualidade que poderia estar se perdendo no meio da organização já em
meados da década de 1980?
Mais a frente no mesmo capítulo, o autor buscou frisar que, se ele cometeu
erros, o fez “na convicção íntima de estar fazendo a vontade de Deus” e ainda
destaca a “humildade” de Macalão, ao registrar que o mesmo uma vez foi visto
pedindo perdão (em sua posição de pastor-presidente) a uma pessoa que ele
ofendera (ALMEIDA, 1983, p. 82-83). O grande indicativo dessas falas é destacar
uma das “muitas qualidades” carismática do dominador e, que só é identificada
pelos dominados livremente ao tentar retratar seus feitos (WEBER, 2012, p. 159).
Certamente que a história produzida em torno dessa figura demarca muito
bem que em meio a sua trajetória, conflitos, divergências, lutas pelo poder e a
dominação, junto à busca por prestígio estão presentes. E o seu resgate é
importante, pois “geralmente a história começa somente no ponto onde acaba a
tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social”
(HALBWACHS, 1990, p. 80). Quem sabe, encontramos aqui o porquê de seu
biógrafo trazer a história de seus feitos e qualidades, sendo que as mesmas
estariam se tornando em uma mera lembrança de uma tradição distante e que já
estava se perdendo.
Acredito que feito essa “desmitificação” de nossa personagem em foco,
podemos neste momento dar continuidade, fazendo uma breve passagem em sua
biografia. Natural de Santana do Livramento, fronteira do Rio Grande do Sul com o
Uruguai, Macalão nasceu no dia 17 de setembro de 1903, sendo ele o mais novo
dos irmãos. Filho do General João Maria Macalão64 e de Joaquina Georgina Leivas
Macalão, a Dona Georgina (MACALÃO, 1986); Paulo e seus dois irmãos Fernando e
Maria Macalão tiveram que conviver como a educação e disciplina militares
(ALMEIDA, 1983, p. 11-12). Aos cinco anos de vida, Macalão sofre a perda de sua
mãe (1908), passando a ser criado apenas pelo seu pai, que nunca mais se casou
respondendo ao último pedido de sua mulher (MACALÃO, 1986, p.14).
64 Segundo o relato contido na biografia escrita pela sua esposa, o General Macalão chegou a comandar o Batalhão de Guardas, localizado na Avenida Pedro II, em São Cristóvão. (MACALÃO, 1986).
79
Seu pai vem a falecer no dia 6 de setembro de 1933, após ter “aceitado a
Cristo como o seu Salvador” na última pregação que o seu filho (já um pastor
assembleiano) fizera para ele (ALMEIDA, 1983, p. 53). De família rica e com um
bom grau de instrução, Paulo começa a ser alfabetizado pela sua própria mãe, que
era uma mulher muito católica e sempre o conduzia às missas e procissões (1983,
p.12). Mais tarde, já morando no Rio de Janeiro ele estudou no Colégio Batista,
cumprindo seus estudos secundários no Colégio Pedro II (1983, p.20). Aprendeu
música e se especializando em tocar violino, também aprendeu outros idiomas, fato
importante em sua história, pois o mesmo foi tradutor65 e autor de 244 músicas
contidas na Harpa Cristã (principal hinário das ADs no Brasil).
Ele mesmo foi responsável pela organização deste principal hinário das ADs
no Brasil (ARAÚJO, 2007). No MP da 1ª quinzena de Julho de 1939, o Pr. Paulo
Leivas Macalão traz um aviso aos irmãos desejosos de possuir a nova edição do
mesmo. Segundo ele, está nova edição já se encontrava no número 250, faltando
ainda mais 240 para o seu término, porém a demora se dava, segundo ele, “por
achar-me sozinho, na correção da letra e música dos hinos”. No entanto, o jovem
pastor, que nesta época estava como seus 36 anos, expressava sua felicidade e
agradecimento por poder fazer parte do “serviço glorioso que Deus me
proporcionou”, segundo suas palavras. E ainda pedia que os irmãos orassem por
ele, pois segundo ele “Deus me ajudará, em breve, a terminar o nosso hinário, que
servirá para atrair muitos pecadores aos pés de Cristo” (Mensageiro da Paz, 1ª
quinz. de julho de 1939, p.2).
Antes de continuarmos essa breve biografia, devemos ressaltar alguns
pontos, que sem dúvida alguma nos “saltam aos olhos” neste momento e ao mesmo
tempo foram importantes para a construção de sua personalidade e daquilo que
mais tarde viria a ser o Pr. Paulo Leivas Macalão. O primeiro ponto a destacar, é a
forte influência da educação militarizada que recebeu, algo que parecia refletir em
sua forma de pregar e que causou certo desconforto com alguns “irmãos” no
começo de sua trajetória dentro da AD de São Cristóvão (ALMEIDA, 1983). Não
65 Segundo uma de suas biografias o Pr. Paulo Leivas Macalão foi responsável por traduzir “vários hinos ingleses, franceses e espanhóis” para o português. Ele ainda escreveu muitos outros hinos que compõem este hinário, mostrando-se um hábil compositor, qualidades raras nos dias atuais entre os Pastores-presidentes das ADs no Brasil. (ALMEIDA, 1983; ARAÚJO, 2007).
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conseguimos encontrar registros sobre se o seu pai66 houvera participado da
Revolução Federalista (1893-1895) ocorrida no Sul do Brasil, mas com certeza uma
vez sendo um general da República, João Maria Macalão deve ter lutado nesse
conflito civil brasileiro. Se como soldado, ou já, como um oficial, não podemos
afirmar, mas com certeza este episódio marcou uma característica que mais tarde
contribuiria nas ações do Pr. Paulo Leivas Macalão - sua postura nacionalista, pois
este evento marcou a luta pela consolidação da República recém-proclamada
(FAUSTO, 1995; SKIDMORE, 1998). O segundo ponto a destacar, foi sua passagem
pelo Colégio Batista, pois foi nele que Macalão teve seu primeiro encontro com a
“mensagem protestante” e, ela era pregada pelo missionário e teólogo batista
americano Alva Bee Langston. Segundo Almeida “Langston impressionava a todos
pela sua formação doutrinária autêntica, pela sua firmeza e largueza de visão e pela
sua vida de alto conteúdo espiritual” (ALMEIDA, 1983, p. 21). Segundo ainda o
autor, Macalão foi fortemente influenciado por essas qualidades, resultando em
muito no estilo que o mesmo adotara em suas pregações (FRESTON, 1994).
Por último, suas discussões com os professores do Colégio Pedro II, que
segundo Almeida, eram abertamente ateus (1983, p. 21), somado a falência da
República Oligárquica na década de 1920, foram o ponto de “ebulição” para a sua
conversão. Ianni afirma que este período da história nacional é marcado pelo
“arbítrio dos governadores contra setores populares” (IANNI, 2004, p. 215). Segundo
ele,
Por sobre os interesses do povo, ou às costas deste, o Presidente da República, os governadores estaduais e os coronéis locais articulavam-se como um vasto aparelho estatal de fato. Essa política, iniciada por Campos Sales (1898-1902), garantiu a submissão do Legislativo, em todos os níveis, ao Executivo. Assim, os interesses populares urbanos, que haviam empolgado o movimento republicano, logo foram afastados. (IANNI, 2004, p. 215)
Assim o contexto social vivido não era fácil, pois o país enfrentava uma série
de conflitos que refletiam o descontentamento de setores da sociedade com a
condução dos problemas nacionais. Essas questões ganharam força após a
Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), devido à política de valorização do café
66 Alencar destaca em uma nota de rodapé que não conseguiu encontrar no Centro de Documentação do Exército, em Brasília, nenhum documento que confirmasse a existência e patente do “General Macalão”, segundo o pesquisador em conversa com o oficial de plantão esse título poderia ser uma herança do período da Guarda Nacional, ou seja, um “título honorífico” (ALENCAR, 2013, p. 176).
81
expressa no Convénio de Taubaté (1906), o qual retirava os recursos da sociedade
aumentando a inflação, o custo de vida e a dívida externa. As greves operárias
irrompiam pelo país, e a classe média mostrava-se descontente com os
governantes. Enquanto isso o país sofria com a Política do Café com Leite (1894-
1930), apesar da oposição da oligarquia gaúcha o que vigorava neste período era o
mandonismo, o coronelismo e o voto de cabresto (FAUSTO, 1995; SKIDMORE,
1998). Por fim, a população pobre continuava excluída da mínima dignidade, pois a
carência de infraestrutura para eles era total no país. Eventos ligados ao movimento
Tenentista67 agitavam o país e a mente de muitos brasileiros (PRESTES, 1997).
Sendo Macalão de uma família militar e com boas condições financeiras, sem
dúvida, assuntos como esses eram recorrentes durantes os momentos em que se
reuniam em seu dia a dia. Se estes realmente foram os motivos que levaram ao Pr.
Paulo Leivas Macalão a não ingressar na carreira militar não temos condição de
afirmar com certeza, porém, certo é, que ajuda muito a entender a história de sua
conversão (FRESTON, 1994).
Nas biografias oficiais, podemos encontrar que o mesmo enfrentava um
“conflito interno” muito grande, as indecisões sobre qual profissão seguir, as
incertezas e inseguranças quanto ao futuro angustiavam sua alma (ALMEIDA, 1983,
MACALÃO, 1986). Segundo Almeida em uma das discussões com os professores
ateus do Colégio Pedro II, levou Macalão em uma oportunidade “andar pelas ruas de
São Cristóvão, silencioso e cabisbaixo”, no qual encontrou um “pequeno pedaço de
papel impresso, aparentemente insignificante, mas que iria mudar completamente o
rumo de sua vida” (1983, p. 23). Em outra biografia, assim é descrito o seu processo
de conversão,
Num belo dia de 1924, um jovem chamado Paulo Leivas Macalão, ao andar pelas ruas de São Cristovão em grande luta interior (pois ainda não encontrara as respostas que esperava alcançar para sua vida, nem conhecia a verdade divina), se abaixou para apanhar no chão um folheto evangélico amassado. Ao apanhar aquele folheto, o
67 É importante dizer que o movimento Tenentista, ou as “revoltas nos quartéis”, não foram totalmente organizados, tal como uma hierarquia, ou uma estrutura organizacional de caráter nacional. “O tenentismo enquanto fenômeno social claramente estruturado jamais existiu. A própria denominação que lhe foi atribuída surgiria mais tarde, com o intuito evidente de melhor caracterizá-lo”, afirma Anita Prestes. Durante toda a década de 1920, havia uma constante movimentação da jovem oficialidade do Exército, que conspirava, preparavam levantes (Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Amazonas, Rio Grande do Sul) alguns totalmente fracassados, outros um pouco mais vitoriosos como o levante ocorrido em 1924, no Amazonas, em que os revoltosos tomam a capital por mais de um mês, realizam diversas reformas. Esse episódio ficou conhecido como a Comuna de Manaus. (PRESTES, 1997)
82
jovem não sabia que sua vida estava prestes a mudar para sempre como resultado da leitura do texto - uma mensagem genuinamente bíblica e arrebatadora. No verso daquele folheto havia um endereço e um convite para o comparecimento aos cultos na Rua São Luis Gonzaga nº 12, à igreja do Orfanato. Paulo Macalão visitou aquela igreja e lá conheceu vários crentes, dentre eles a irmã Florinda Brito (sua futura sogra, o que ele ainda não sabia), que o convidou a frequentar os trabalhos de oração que acontecia naquela igreja. (BÍBLIA DO CENTENÁRIO - História do Centenário 2011, p.85 - Editora Betel)68
Mesmo contrariando o General69 (expressão utilizada quando se referia ao
seu pai) que não gostava dos “crentes”, pois “alguém lhe dissera que aquele povo
era pobre e sem princípios [...] quando se reuniam, cantavam e oravam de modo a
serem ouvidos por todos, o que, para ele, era uma afronta ao decoro e à ordem”
(ALMEIDA, 1983, p. 25-26), tão necessárias para a postura um militar. Paulo
Macalão continuou frequentando as reuniões que aconteciam na casa de Eduardo
de Souza Brito (que mais tarde viria a ser seu sogro, pois o mesmo casa-se com
Zélia Brito). Se decidindo de vez no dia 5 de abril de 1924, a integrar esse grupo de
pessoas que se denominavam de pentecostais (CABRAL, 2002). Segundo Souza
(1969), o pentecostalismo seria uma forma de recomposição/ressocialização de uma
pessoa, ou grupos de pessoas que enfrentam um estado de anomia, pois
abandonando sua região de origem tradicional e sendo incorporados ao mundo
modernos, estes não conseguia se adequar a nova condição. Ainda segundo essa
autora “o fiel passa a ter elementos para ajustar-se às contínuas frustrações
causadas pelas doenças e dificuldades de relacionamento social” (SOUZA, 1969, p.
18), por isso adere ao grupo. Esse não parece ter sido o caso de Macalão, que se
“converte” ao pentecostalismo, mesmo desfrutando de uma boa condição de vida.
Já d’Epinay (1970) mesmo considerando o pentecostalismo conservador e
autoritário, não contribuindo em nada para tornar o espaço a sua volta moderno e
muito menos democratizado, afirma que o pentecostalismo provoca mudanças a sua
volta, a qual chamou de “substituições culturais”, citado William E. Carter, ele diz:
68 Em uma matéria no MP de maio de 1961, em comemoração ao cinquentenário das ADs no Brasil, o próprio Pr. Paulo Leivas Macalão faz um relato de seu testemunho de conversão, o qual menciona que “ao findar o ano de 1923 eu andava em plena busca da verdade” (Mensageiro da Paz, maio de 1969). Podemos encontrar essa fala de Macalão na integra também na biografia de Gunnar Vingren (2000). 69 Segundo a biografia escrita por sua esposa Zélia Macalão, seu pai tentou o afastar da nova fé, o mesmo passou a frequentar mais vezes a casa de campo e a enviar o jovem para passar temporadas na casa de seus tios (pessoas de classe média alta), porém todos estes esforços foram insuficientes, pois Macalão já estava decidido enquanto a nova fé. (CABRAL, 2002; MACALÃO, 1986).
83
O pentecostalismo não apenas soube responder a uma necessidade sentida, senão que soube também enraizar seu ritual na cultura, preservando ao mesmo tempo sua incontestável identidade. (VALLIER apud D’EPINAY, 1970, p. 121)
É essa característica mutável do pentecostalismo que deve ser observada,
pois não podemos olhar esse movimento como algo homogêneo, pelo contrário, o
pentecostalismo tende a responder determinadas demanda específicas em
determinados espaços também específicos. Souza (1969, p. 35) ainda afirmar que a
população das ADs era majoritariamente composta de uma “membresia” com baixo
grau de escolaridade na época em que desenvolveu sua pesquisa (e que acaba se
tornando a grande marca do pentecostalismo, como se não houvesse casos que
fugissem a “regra”), entretanto não podemos ignorar que a igreja que nasce na
capital do país, está “incrustrada” em uma região de classe média alta, com pessoas
de boa instrução e condição financeira. Não é sem motivo que ao tomar
conhecimento dessa igreja no Distrito Federal, o missionário sueco Gunnar Vingren
se dispõe a deixar a igreja de Belém no Pará e se mudar com a sua família para o
Rio de Janeiro.
2.1.1. As Desavenças com os Missionários Suecos.
Em um artigo escrito para o MP de maio do ano de 1961, Macalão, então
pastor-presidente do Ministério de Madureira e das igrejas filiadas, em ocasião a
comemoração do cinquentenário das ADs no Brasil, faz um relato dos primeiros
anos da AD na antiga capital do país (uma vez que com o término da construção e a
inauguração de Brasília em 1960, a capital fora transferida para a região central do
Brasil) e como se deu o desenvolvimento daquela igreja. Podemos destacar aqui,
que o pastor busca deixar nítido em seu depoimento sua participação direta na
construção dessa igreja, pois tão logo a sua “conversão” no ano de 1924, houve a
necessidade de escolher quem seria o pastor definitivo daquela igreja. E em uma
primeira reunião, ficou certo que o irmão Heráclito de Menezes seria o “pastor
interino”, o diácono70 seria João do Nascimento e Macalão seria o secretário da
70 Segundo o dicionário Aurélio, diácono é o título dado ao terceiro grau da Ordem do Sacramento, pertencente à igreja católica. Os diáconos estão encarregados de executar o "serviço do ministério de Deus", deixando de ser um simples leigo e passando a pertencer ao grupo do clero. Já nas ADs essa função é uma espécie de “auxiliar”, “atendente”, ou “servente” (aquele que serve as mesas), que auxilia no andamento e organização das reuniões e cultos da igreja. Na tese produzida por Fajardo
84
igreja (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008), mesmo ainda não tendo passado pelo rito
do “Batismo em Águas”, uma das mais importantes doutrinas da ADs no Brasil71.
Cabe a pergunta sobre qual a importância dessa informação? Um dos
aspectos sobre o rito do “Batismo em Águas” nas ADs no Brasil é a confirmação de
que a determinada pessoa passou a fazer parte do “rol de membros” e confessou
publicamente a aceitação de sua condição e mudança de vida, desta forma, sendo
habilitada a representar a igreja e ocupar nela cargos administrativos (nisso não era
diferente do protestantismo). Mas por que Macalão consegue ocupar o cargo de
secretário antes mesmo de seu batismo? Pois ele só será batizado no dia 29 de
Junho de 1924, na Praia do Caju – Rio de Janeiro (ALMEIDA, 1982, p. 205; CONDE,
2008, p. 203). Como esse movimento é, visto, pela sua “efusão emocional” (SOUZA,
1969), alguém poderia trazer como uma resposta, que Macalão já se destacava por
ser “usado pelo Espírito Santo72”, porém sua biografia relata que é no dia 3 de
novembro de 1924 que o mesmo foi “selado com o Batismo no Espirito Santo”.
Podemos então perceber que Macalão se destacava entre os demais
“crentes” dessa igreja, pois já existia nele “qualidades carismáticas” (WEBER, 2012,
p. 160) que o faziam sobressair sobre os demais membros da igreja. Não podemos
deixar de lado um dado importante relacionado à sua formação cultural, pois qual
irmão ou pastor assembleiano brasileiro naquele momento dominava um “capital
cultural” (BOURDIEU, 2007) de diferentes idiomas, para traduzir “hinos” do inglês,
francês e espanhol para o português (ALMEIDA, 1982) e ainda deve-se ser somado
o seu conhecimento musical. Dessa forma Macalão dispunha de um “capital
simbólico” (prestígio) que o diferenciava dos demais irmãos e até pastores dentro da
estrutura religiosa e do espaço social ocupado por ele (BOURDIEU, 2004).
Em termos mais concretos, a legitimação da ordem social não é produto, como alguns acreditam, de uma ação deliberadamente
sobre as ADs no Brasil, em seu quarto capítulo, o autor faz uma relação sistemática daquilo que ele denominou de “Práticas Culturais Assembleianas”, no qual ele descreve o papel e a função dos diáconos dentro das ADs. (FAJARDO, 2015). 71 O Batismo em Águas nas ADs no Brasil é por imersão total, reservados aos “novos convertidos” que se arrependeram de seus antigos pecados e passam a crer no “Cristo como o único e suficiente Salvador”. Essa prática traz como simbolismo a “morte” do crente para este mundo e que “ressuscitaram” com Cristo para uma nova vida. Atualmente nas ADs no Brasil uma pessoa só pode ocupar alguma função dentro da igreja somente após ter passado por este rito, enquanto o “novo convertido” não passar por ele é apenas considerado como um congregado, ou seja, um simpatizante que aceitou a fé, mesmo que seja filho de membros já batizados. Outro ponto importante é que o candidato deve ter uma idade mínima, geralmente 12 anos e confessar livremente a opção pelo batismo (MENZIES & HORTON, 1995, p.118-122). 72 Termo utilizado para a pessoa movida de um “carisma divinizado” e que se utiliza dos dons recebidos pelo Batismo no Espírito Santo para realizada a “obra de Deus” na Terra.
85
orientada de propaganda ou de imposição simbólica; ela resulta do fato de que os agentes aplicam às estruturas objetivas do mundo social estruturas de percepção e apreciação que são provenientes dessas estruturas objetivas e tendem por isso a perceber o mundo como evidente. (BOURDIEU, 2004, p. 163)
Esse “mundo evidente” que se apresenta a Macalão leva-o a ir se tornando
autônomo ao restante da ordem instituída. Souza argumenta que “o acesso a
relações pessoais privilegiadas só é possível a quem já disponha de capital cultural
e econômico” (SOUZA, 2015, p. 155), mesmo em um ambiente que em tese busque
negar essas esse princípio (ou mesmo desconheça) com a desculpa da “escolha
divina”, a posse de um capital cultural diferenciado influencia em muito no destaque
individual, pois o mesmo é dotado de um prestígio que vai o diferenciando.
Observemos um relato feito pelo filho do missionário sueco Gunnar Vingren, Ivar
Vingren, na biografia oficial de seu pai a respeito de Macalão e sua importância para
a AD do Rio de Janeiro. Assim relata Ivar,
Um irmão que desde o princípio teve um papel muito importante no trabalho da igreja no Rio de Janeiro foi Paulo Leivas Macalão. Ele era filho de um general (capital econômico) e havia começado a estudar para seguir a carreira militar (capital social), mas Deus o salvou e ele se alistou no exército celestial para servir ao Rei dos reis e Senhor dos senhores. Tornou-se o primeiro e mais fiel colaborador de Vingren. Em todos os lugares cooperava com sua Bíblia e o seu violino, sempre fervente, zeloso e cheio do poder de Deus. Em horas livre escrevia ou traduzia (capital cultural) hinos, e muitos desses hinos constam na Harpa Cristã (VINGREN, 2000, p. 144)73.
De tantos outros irmãos que cooperaram com o desenvolvimento e
consolidação da igreja carioca, apenas Macalão é mencionado com tamanha
importância. Podemos afirmar que o rapaz possuía tanto o carisma, quanto o “capital
social” (BOURDIEU, 2004) necessário para destacá-lo dos demais irmãos. Sem
esquecer aqui, de mencionar, que Ivar ainda encontra espaço na biografia de seu
pai para colocar o próprio relato do Pr. Paulo Leivas Macalão (dado ao MP da 1ª
quinz. de maio de 1961), sobre a expansão da igreja na cidade do Rio de Janeiro.
Assim deixando de ser uma mera especulação, a importância de Macalão era
notadamente vista desde o princípio de sua conversão.
Mas um fato que agora nos ateremos é, se Macalão era um “fiel colaborador
de Vingren” (VINGREN, 2000, p. 144), por que ele era visto como uma figura
73 Crivos e as colocações entre parênteses foram feitas pelo autor.
86
censurável e incompreendida? (ALMEIDA, 1983, p.37) Por ele, dirige seus esforços
ao subúrbio carioca, e ali monta sua “base” eclesiástica, ao invés de permanecer
centralizado em São Cristóvão? Lalive d’Epinay identifica uma característica no
pentecostalismo chileno, semelhante ao pentecostalismo brasileiro em relação à
figura do pastor. Segundo ele, “o poder, nas comunidades pentecostais é
monopolizado pelos pastores” (D’EPINAY, 1970, p. 128) e isso não foi diferente nas
ADs no Brasil. Freston afirma que as ADs desenvolveram o que ele denominou de
um “ethos sueco-nordestino”, do qual gradativamente o poder foi sendo transferido
dos missionários escandinavos para os pastores nordestinos. Dai ele dirigir suas
hipóteses deste pentecostalismo, a partir da formação de um “sistema oligárquico e
caudilhista” (FRESTON, 1994, p. 86). Em sua visão os missionários suecos “em vez
da ousadia de conquistadores, tinham uma postura de sofrimento, martírio e
marginalização cultural” (1994, p. 78), o que levou os mesmos a assumirem que
estavam criando uma igreja de pessoas marginalizadas e socialmente excluídas
(1994, p. 79). Postura que não se adequava mais com o espírito nacionalista da
época, uma vez que se buscava criar uma “identidade nacional” no final da década
de 1920.
Com a crescente exigência dos pastores nordestinos, para que os
missionários transferissem o poder para as suas mãos, não se demoraria em se
fazerem as primeiras “vítimas”. E podemos considerar que o primeiro a sofrer esses
efeitos foi o missionário sueco Gunnar Vingren, principalmente em sua estada no
Rio de Janeiro. Bem certo que o seu principal rival foi outro missionário sueco –
Samuel Nyström. Entretanto não podemos deixar passar que as posturas
progressistas de Gunnar Vingren, principalmente em relação ao ministério feminino,
que permitia as mulheres não apenas a falar, mas até pastorear igrejas. Práticas
inconcebíveis em um país que não permitia nem o voto feminino74 neste período.
Segundo Alencar (2013) o que tornaria óbvio a participação das mulheres no
pastoreio de igrejas, era a falta de “mão de obra” qualificada para atender as
74 Se por coincidência, ou não (pois é nesse Estado que ocorre a Convenção das ADs em 1930, que decidirá sobre a possibilidade ou não do ministério feminino), é na cidade de Mossoró – RN, que uma mulher brasileira recebeu a autorização de votar (por uma decisão liminar da justiça desse Estado). Mas foi apenas em 3 de maio de 1933 que uma mulher brasileira pôde votar e ser votada em nosso país, pois com a aprovação do Código Eleitoral de 1932, passou a incluir as mulheres no processo de eleição da nação. Para maiores informações acesse: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2013/Marco/ha-80-anos-mulheres-conquistaram-o-direito-de-votar-e-ser-votadas.
87
inúmeras igrejas abertas pelo Brasil. Porém na Convenção de 1930, realizada na
cidade de Natal – RN ficou decidido que,
As irmãs têm todo o direito de participar na obra evangélica, testificando de Jesus e da sua salvação, e também ensinando quando for necessário. Mas não se considera justo que uma irmã tenha a função de pastor de uma igreja ou de ensinadora, salvo em casos excepcionais mencionados em Mateus 12. 3-8. Isso deve acontecer somente quando não existam na igreja irmãos capacitados para pastorear e ensinar. (VINGREN, 2000, p. 179).
Mas onde se encaixa Paulo Leivas Macalão nesses acontecimentos? É neste
ponto que resine nossa principal hipótese sobre o nacionalismo de Macalão, pois ele
resolveu não “se envolver no caso”, não sendo ele submisso aos suecos e nem aos
nordestinos, uma vez que nunca precisou deles, nem na fundação da AD de São
Cristóvão e muito mesmo nas igrejas que iam surgindo no subúrbio carioca.
Destaquemos que tudo isso ocorre em um contexto, no qual o mesmo não era nem
casado e, ainda, nem havia sido consagrado a pastor. Sua consagração só vem a
ocorrer na passagem do pastor Lewis Pethrus, pelo Rio de Janeiro no ano de 1930
(VINGREN, 2000, p. 169; ALMEIDA, 1983, p.47). Nas palavras de Cabral,
Em 1926 iniciou-se o trabalho de Paulo Macalão nos subúrbios da central, em Realengo, Bangu e Madureira, que cresceu vertiginosamente, existindo ainda hoje a ata de fundação da igreja de Bangu, documento histórico daquela Igreja, redigida pela secretária Zélia Brito Macalão, constando como data da fundação do trabalho ali iniciado o dia 07 de setembro de 1926. Em 1930 o missionário Gunnar Vingren, aproveitando a presença do líder sueco Pr. Lewi Pethrus, em visita ao Brasil, satisfeito com o excelente trabalho e exemplar humildade e obediência, e recebendo orientação expressa do Espírito Santo consagra Paulo Leivas Macalão ao pastorado, ainda solteiro e sem ter passado por outros cargos eclesiásticos. (CABRAL, 2002, p. 119).
A preferência dada por Gunnar Vingren a sua esposa Frida Vingren sobre a
liderança dos cultos ao ar livre em São Cristóvão (VINGREN, 2000, p. 140)
impulsionaram o rapaz a buscar “seu próprio espaço”. Neste ponto encontramos a
menção em sua biografia que ao ser “censurado e incompreendido”, “decidiu pregar
exclusivamente nos subúrbios da Central75” (ALMEIDA, 1983, p. 37). Existem
registros que o jovem Macalão também percorreu algumas cidades vizinhas ao Rio
de Janeiro, sendo elas “Niterói, São Gonçalo, Seropédica, Itaguaí e Paty do Alferes”
(PRATES & FERNANDES, 2012, p. 37). Mesmo se sentido abandonado e 75 Central era uma referência ao centro da cidade do Rio de Janeiros e os bairros do subúrbio alcançados por Macalão são os de Realengo, Bangu, Campo Grande, Santa Cruz e Marechal Hermes (PRATES & FERNANDES, 2012, p. 37).
88
incompreendido, ele escreve um hino (o de número 14976 da Harpa Cristã) intitulado
de “Canto do Pescador”, no qual se registra as “pressões e dificuldades de toda
ordem” (ALMEIDA, 1983, p. 38), principalmente àquelas de ordem pessoal.
A cada nova casa do subúrbio e das cidades vizinhas que Macalão alcança,
estas iam se tornando, potencialmente, em uma futura nova AD, e o jovem Macalão
vai ganhando prestígio e se consolidando como um líder que não precisa da ajuda
nem dos missionários e nem dos pastores nordestinos. Em um relato feito por Daniel
(2004), sobre a história da CGADB ela afirma que o missionário Gunnar Vingren já
havia identificado em Macalão uma autonomia preocupante, pois o mesmo já havia
realizado batismos no subúrbio77 sem mesmo comunicar a igreja-mãe em São
Cristóvão (DANIEL, 2004, p. 224). Não conseguimos determinar a data exata deste
acontecimento, ou seja, se foi antes ou após sua consagração ao pastorado em 17
de agosto de 1930, mas aqui podemos concluir que Macalão já havia inaugurado
aquilo que denominamos de a primeira AD “autenticamente” brasileira. Fica claro
que sua desavença não era com uma pessoa, em especial, mas com a instituição
que se formara ao logo dos anos. Caso que fica ainda mais evidente com a saída de
Vingren e a chegada de Nyström no ano de 1932, pois ele mesmo nem se
preocupou (ou mesmo se prontificou) em assumir AD em São Cristóvão, uma vez
que já liderava, pelo menos, duas igrejas nos subúrbio carioca, as igrejas de Bangu
(1926) e de Madureira (1929).
Mesmo sendo um sério concorrente as lideranças estabelecidas das ADs,
Macalão não sofre nenhum tipo de punição pelo seu “empreendedorismo” no
76 1. No meu barco a remar. / Sobre as ondas, pelo mar, / Mesmo na bonança ou no furacão / Não desejo mais parar; / Com a rede vou pescar, / Muitos peixes para o reino de Sião, Vou pescar os pecadores para Cristo, / Neste mundo cheio de horror; / Não mais desanimarei; / Minha rede lançarei; / Muitos peixes apanhando p'ra o Senhor. (coro) 2. O meu barco não é bom, / De pescar não tenho dom. / E me dizem que não devo continuar; / Mas Jesus me quis mandar, / E por isso vou pescar, / Té que Ele se apraze em me chamar. 3. Tem um modo o Senhor. / Que é próprio do amor, / Ele usa dos remidos o menor, / Todo o mundo me deixou, / E de mim se envergonhou, / Mas alegre, vou pescar, pois é melhor. 4. Se há coisa de valor, / E a rede de amor, / Cujo tio é a obra de Jesus, / Que puxada sempre traz / Os perdidos e sem paz, / Para receberem do Senhor, a luz. 5. Quando há um temporal, / E a pesca corre mal, / Novamente no meu barco vou pescar! / Pode ser que desta vez, / Eu não tenha mais revés / Pois Jesus eu levo para m'ensinar. 6. Acabando de pescar, / E deitado a pensar, / Tenho gozo pelo tempo que gastei; / Pois terei um galardão / Pela pesca, em Sião, / Pelas almas que no mundo eu ganhei. 77 Encontrei o seguinte registro na biografia escrita pela sua esposa no ano de 1986, segundo ela “muitos nos têm feito perguntas se Paulo se havia separado de São Cristóvão e a resposta é negativa”. Mas na continuação do parágrafo a encontramos dizendo sobre o grande amor que eles sentiam pela AD São Cristóvão, entretanto ao terminar o parágrafo ela menciona que “o primeiro batismo que ele (Paulo Macalão) efetuou foi num rio, na Taquara, em Jacarepaguá [...]” (MACALÃO, 1986, p. 23-24).
89
subúrbio carioca. Aqui se demonstra que seu prestígio não se fazia apenas entre os
membros, mas também entre as lideranças da organização. O que ajuda a explicar
porque ele não sofre nenhum tipo de punição em relação a sua postura autônoma
neste momento da história do movimento.
2.1.2. O Crescimento do Ministério de Madureira: o “invasor de campos”.
Em nossa pesquisa podemos constatar que a ADMM nasce já sendo
autônoma, independente e “autenticamente” brasileira, sem a necessidade de ajuda
e muito menos de ser submissa a AD em São Cristóvão, ou a qualquer outra AD no
Brasil. Segundo Alencar, Madureira não estava distante de São Cristóvão apenas
geograficamente, mas também economicamente e culturalmente, uma vez que
aquela igreja não apenas dispunha de irmãos com condições econômicas
privilegiadas, como também ali se passou a concentrar grande parte de toda a
produção cultural e teológica das ADs no Brasil (Alencar, 2013, p. 177). Foi “nessa
igreja” que se passou a produzir o MP e que mais tarde se criou a editora da
organização.
Entretanto essa condição socioeconômica não impediu o crescimento da
igreja liderada por Macalão, que no ano de 1933 viu a inauguração do primeiro
templo próprio do Estado do Rio de Janeiro, a igreja de Bangu. A mesma teve a sua
foto retratada na capa do MP da 2ª quinzena de janeiro do mesmo ano e uma
matéria redigida pela irmã Zélia Brito78, publicada na página 6 com o título “A
Inauguração do Templo em Bangu”. A ADMM não se restringiu aos limites da
cidade, mas expandiu-se pelo Estado do Rio de Janeiro e por outros Estados do
Brasil, entre eles Minas Gerais (?), São Paulo (1938), Paraná (?) e Goiás (1936)
(ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008). Vale lembrar que no ano de 1937, o Pr. Paulo
Leivas Macalão é eleito à presidência da CGADB, contando com a idade de 34 anos
(impensável aos moldes atuais da mesma Convenção) e, é em 21 de outubro de
1941, que a ADMM adquire sua personalidade jurídica (PRATES; FERNANDES,
78 Apesar de ainda não serem casados Paulo Macalão e Zélia Brito já desempenhavam juntos os trabalhos referentes às igrejas ligadas ao que mais tarde viria a serem as ADMM. Zélia geralmente aparece como a secretária, redigindo atas, textos para MP etc. Encontramos em nossa pesquisa que a irmã Zélia vai desempenhar esse papel de trazer informações, redigindo textos ao MP sobre o desenvolvimento da ADMM. Mas ela se destaca também por ter estudos publicados e traduções de textos expostos neste mesmo jornal. Um exemplo é o ano de 1937, pois nele encontramos pelo menos quatro textos produzidos e publicados, destacamos dois, o MP, da 1ªquizena de março de 1937, p. 4 e o MP da 2ª quinzena de julho de 1937, p.1.
90
2012, p. 60), concretizando aquilo que já era uma realidade desde sua fundação.
Esse período é marcado pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no qual, houve
uma fase de interregno nas atividades da CGADB, ficando acertado que nestes anos
ocorreriam apenas às chamadas “Semana Bíblicas” e algumas “Sessões
Convencionais Especiais”, se necessário.
Esse crescimento para os outros Estados brasileiros causaram enormes
desconfortos e muitas vezes intensos debates, tanto ao Pr. Paulo Leivas Macalão,
quanto por outros pastores ligados a CGADB, pois vez ou outra o assunto de
“invasões de campo” eram colocados em pauta nas reuniões convencionais. E
apesar da Segunda Guerra estar assolando o mundo, não impediu que fossem
questionadas essas ações de “invasões de campo” por seus irmãos
“assembleianos”. É na Semana Bíblica de 1941, ocorrida no mês de novembro (um
mês após “emancipação” da ADMM) que o missionário sueco Otto Nelson em uma
“Sessão Convencional Especial” propõe que não exista diferentes ministérios em
uma mesma cidade, fazendo claramente referência à emancipação de Madureira.
Macalão ao tomar à palavra “falou sobre o perigo de ter uma só igreja em cada
cidade, dominando as outras, porque assim as igrejas estariam sob uma
organização rígida” (DANIEL, 2004, p.173).
Na continuidade da discussão falaram o Pr. Olavo Nunes, os missionários
Samuel Nyström (presidente dessa sessão convencional), Leonardo Peterssen
sobre a necessidade da “unidade da igreja”. Porém essa sessão convencional não
conseguiu chegar a um consenso de como resolver essa questão e este assunto
não ficaria sem voltar às pautas convencionais. O que ocorre na primeira convenção
realizada após o término da Segunda Guerra, no ano de 1946.
No MP da 1ª quinzena de setembro de 1946, na página 3, em uma seção
denominada de “Assuntos para Convenção Geral”, foi exposto no terceiro tópico o
assunto “Acerca do campo: Deve haver limites, ou união e cooperação no campo de
Evangelização?”. Foi grafado o nome de quem apresentou o tema da seguinte forma
“J. H. Tostes – pastor”. Mais uma vez, se questionavam a prática que ficou
conhecida como “invasão de campo”. Entretanto não encontramos nessa
Convenção das ADs nenhuma resolução que resolvesse o problema em questão.
Uma explicação possível para a não resolução dessa questão está no fato de
que a Convenção Geral de 1946 foi tomada por outro assunto de maior importância
no momento. Nela houve uma sessão extraordinária que tratou de um artigo
91
publicado no MP da 1ª quinzena de julho do mesmo ano, na página 3, sobre uma
resolução que a AD São Cristóvão anunciou aos seus membros, porém se deixava
entender ser a todos os membros das ADs no Brasil, o qual tratava de como
deveriam se portar as irmãs em relação as suas vestimentas79. Esse assunto tomou
tamanha envergadura, que a AD de São Cristóvão foi obrigada a se retratar e retirar
essa resolução. O que nos interessa nesse momento é que segundo Daniel essa
resolução só foi feita devido às pressões que a AD São Cristóvão sofria da ADMM,
pois a mesma já seguia essas diretrizes e acreditava que as práticas que ocorriam
na igreja de São Cristóvão “mundanizavam” a igreja. Por este motivo, os membros
da ADMM consideravam as igrejas ligadas à missão como “liberais”. (DANIEL, 2004,
p. 218-225). O autor afirma ainda que neste momento a ADMM já se considerava
como a verdadeira AD brasileira, exercendo uma postura completamente
independente. Assim podemos concluir que o Pr. Paulo Leivas Macalão e a ADMM
são responsável por criar um novo estilo para as AD no Brasil, que denominamos de
“ministerialização”. Pois
[...] a partir de Macalão começa a ficar evidente na AD um sistema de governo com “igrejas livres” em que não há uma liderança a nível nacional, mas diversos presidentes de Ministérios independentes, que governam suas redes de igrejas em um sistema de governo episcopal. É um sistema de igrejas livres mesclado a um episcopalismo que dá destaque à figura do pastor-presidente. (FAJARDO, 2015, p. 89)80
Essa postura de autonomia, independência e “invasão de campo”, retratou um
problema evidente que as AD no Brasil sofreriam e ainda sofrem ao longo de sua
história, pois o processo de fragmentação se tornou uma marca desse movimento.
Um caminho sem volta e que resultou, e, ainda tem resultado em muitas tensões
dentro do próprio movimento.
No diagrama 2, elaborado a partir dos registros referentes ao processo de
crescimento da ADMM até o início de 1960, foi exposto apenas àquilo que
denominamos de igrejas-mães ou igrejas-sedes, cada uma dessas igrejas tem
79 Nessa resolução encontramos as seguintes imposições: 1º a proibição das irmãs em raspar as sobrancelhas, cabelos soltos, cortados, tingidos, penteados extravagantes; 2º Vestidos compridos e sem decotes extravagantes, com mangas compridas; 3º As irmãs devem usar meias, principalmente as esposas daqueles que ocupavam uma posição na igreja, ou que fossem professoras da EBD, ou mesmo que cantassem no coro. Ficando ainda registrado que se alguma irmã descumprisse essas resoluções, a mesma sofreria sansões e perderia o direito de participar da comunidade (DANIEL, 2004, p. 219). 80 Foi o próprio Pr. Paulo Leivas Macalão que acabou recebendo a “alcunha” de pastor geral de campo (1958), que viria a ser transformar mais tarde em pastor-presidente (CORREA, 2013).
92
arrolado a elas um número “X” de outras igrejas chamadas de congregações e
subcongregações. Ele serve para termos uma noção do crescimento da ADMM ao
logo de seus primeiros quarenta anos (1920-1960).
Diagrama 2 – Árvore Genealógica dos Principais Campos Ligados a ADMM a partir das Primeiras Igrejas fundadas até início da década de 196081
FONTE: Autor.
Devido ao censo brasileiro considerar as ADs como uma entidade religiosa
única, não conseguimos retratar esse crescimento em números82, o que nos daria
uma maior visibilidade da realidade. Porém pelo diagrama 2, temos a condição de
entendermos o porquê o tema da “invasão de campo” preocupava em muito aos
outros líderes dessas ADs. Mesmo que na teoria o discurso fosse de unidade entre
81 Não conseguimos encontras as datas de fundação das primeiras igrejas nos Estados de Minas Gerais e Paraná, mas segundo Almeida (1982, p. 224), a ADMM em Minas Gerais abriu igrejas em Recreio, Cataguases, Ubá, Rio Branco, São Geraldo, Bicas, Juiz de Fora, entre outras. No Paraná temos Londrina, Maringá, Foz do Iguaçu, Peabiru, Cianorte, entre outras. 82 Encontramos no jornal “O Semeador” de 2001, no caderno “Suplemento Especial”, com o tema “CONAMAD: o maior ministério pentecostal da Terra” a seguinte afirmação sobre o tamanho naquela época da ADMM. Diz a matéria, “[...] o Ministério de Madureira, depois da cisão, ele só cresceu e se ampliou [...]. Somam 23 mil templos espalhados por todo território nacional [...]. O exército de pregadores soma mais de 17 mil ministros, espalhados nos seus 575 campos e nas 27 Convenções Estaduais, que perfazem cerca de 20 milhões de crentes” (junho de 2001, p. 02). Acreditamos que o número “de crentes” apresentados nessa matéria nem de perto representa a realidade, uma vez que no Censo de 2000 o número total de pentecostais no Brasil não alcançava o número de 18 milhões, mas a “propaganda é a alma do negócio”.
93
as ADs no Brasil, as lideranças que iam se formando em cada região não estavam
dispostas a aceitar uma “concorrência”, ao seu poder, prestígio e dominação.
Nesse sentido Macalão desempenha um papel de “profeta” contra a estrutura
constituída das ADs no Brasil, não que o mesmo não possa ser considerado
também como parte do “estamento” religioso instituído da mesma. Entretanto como
afirma Bourdieu, o profeta é aquele que traz consigo uma mensagem “diferente”, ou
com uma maior ênfase a mensagem já instituída pelo(s) sacerdote(s), ou seja, a
forma como o Pr. Paulo Leivas Macalão justifica essa “invasão de campo”, reside na
percepção bourdieusiana de “recalque mais absoluto do interesse temporal”
(BOURDIEU, 2013, p. 61) na concretização da “obra de Deus”. Segundo essa
compreensão, ele não estaria preocupado com o seu crescimento pessoal e
financeiro, mas apenas no cumprimento da missão que a ele foi reservada pela
“providência divina”. Sem visar o bem próprio, porém apenas cumprido “o ide do
Senhor”, justifica a abertura de novas igrejas em cidades que já existam igrejas
estabelecidas, uma vez que “grande é a seara, mas poucos são os ceifeiros”83.
As tensões eram cada vez mais fortes, quando o assunto de “invasão de
campo” entrava na pauta das discussões de uma determinada assembleia
convencional. Um bom exemplo, que podemos mencionar ocorreu na Convenção
Geral de 1949, quando o pastor Bruno Skolimowski acusa a Macalão de interferir no
campo de Santos, pois ele havia aberto um trabalho naquela região, o que causou
um desconforto para essa AD que já existia na região desde 1924. Esse assunto
acabou se prolongando até o ano de 1953, quando o Pr. Paulo Leivas Macalão se
viu obrigado a transferiu as igrejas que abrira na região para o controle da AD de
Santos (DANIEL, 2004, p. 272). Em meio a um duro debate e sendo pressionado
também pelo trabalho que iniciara na cidade de São Paulo (1938), Macalão diz, em
sua defesa, que só abriu a igreja na cidade de São Paulo depois de ter pedido
permissão ao então falecido Pr. Francisco Gonzaga da Silva, que era o pastor da AD
de Santos. Mas em sua fala, o mesmo cai em contradição, pois ele dissera que iria
“abrir trabalho84 em São Paulo, exceto em Santos” (2004, p. 295); promessa essa
que não cumpriu!
83 Parafraseando o texto bíblico de Lucas capítulo 10, versículo 2. 84 Essa expressão se refere ao conjunto de igrejas que são abertas em um determinado lugar e que formam um campo de trabalho, ou mesmo um ministério.
94
Essas discussões pela posse do “território” demarcam muito bem as tensões
e lutas existentes nas ADs, uma vez que cada pastor-presidentes e seus quadros
administrativos querem a exclusividade da determinada região, se consolidando
como o único a ter direitos de “exploração” da mesma. Essa exclusividade, ou
monopólio pode ser explicado pelo senso de patrimonialismo existente nos mesmos,
que apesar de manterem um discurso pautado na “unidade da igreja” o que
prevalece são os interesses pessoais de posse e predomínio sobre os “recursos
escassos” em disputas. Conquanto, qual seria a explicação para essa tensão?
Interferência no trabalho? Ou a não disposição de dividir os “recursos escassos”?
Aqui encontramos um paralelo muito forte com a construção patrimonialista
weberiana.
O clima da discussão estava muito acirrado e o ânimo dos convencionais
indicava que a qualquer momento um possível racha nas ADs no Brasil poderia
ocorrer, o qual levou o líder da ADMM a “apelar para uma solução conjunta pela paz
entre todos” (DANIEL, 2004, p. 296). A mesma ocorreu quando Macalão abriu mão
das igrejas localizadas na “linha Itariri e Juquiá”, para a AD de Santos (2004, p. 298).
Apesar de “perder” o controle dessas igrejas, Macalão conseguiu manter as igrejas
da cidade de São Paulo sobre a sua jurisdição. Pacificada a questão cada igreja
seguiu “os seus rumos”, mas a “invasão de campo” seria uma marca registrada das
ADMM e uma das principais acusações que recaia ao Pr. Paulo Leivas Macalão, o
de promover a divisão nas ADs no Brasil. Esse assunto voltaria ainda outras vezes à
pauta e na Convenção Geral de 1957 ficou estabelecida uma resolução de proibição
para que fossem abertos “novos trabalhos” em cidades que já existiam uma igreja
estabelecida. Essa resolução veio a ser ratificada na Convenção Geral de 1962
(2004, p. 316).
Mas como a realidade social é dinâmica, o próprio Macalão foi obrigado a
enfrentar problemas relacionados à sua “dominação patrimonial”, pois ao momento
em que ADMM se institucionalizou criando o seu corpo diretivo, o próprio Macalão
teve que enfrentar problemas na estrutura estruturante (BOURDIEU, 2004) gerada
pelo movimento. Ou seja, a internalização de disposições, que é denominada por
Bourdieu habitus, criaria certa disposição à determinada prática do grupo sobre as
estruturas objetivas das suas próprias condições materiais, que gerariam por sua
vez, respostas objetivas ou subjetivas para a resolução de problemas postos da
reprodução social que diferenciam os espaços a serem ocupados, ou disputados
95
pelos homens. Caso que analisaremos a seguir em nossa pesquisa e que nos ajuda
a compreender porque ele cria sua própria convenção, uma vez que legitimada sua
existência o movimento tem que lutar contra os “novos profetas” que surgem no
decorrer dos anos e que se opõem ao poder instituído, na tentativa de evitar “uma
nova reforma” (BOURDIEU, 2013, p. 60) e consequentemente uma nova
fragmentação do mesmo.
2.1.3. A Criação de uma Convenção Própria: a consolidação do poder patrimonial.
Neste momento da pesquisa nos ateremos a compreender por que Macalão
cria uma convenção própria, estando ele ligado a CGADB e sem a menor intenção
de se desligar da mesma, uma vez que o próprio desempenhou uma ação muito
significativa dentro da Convenção Geral até o ano de sua morte. Mesmo em meio às
muitas tensões e discórdias provocadas pela sua forma de atuação, não
encontramos em nossa pesquisa nenhuma tentativa, ou mesmo desejo do Pr. Paulo
Leivas Macalão de se separar da CGADB, uma vez que ele mesmo desfrutava de
um prestígio significativo, chegando a ser nomeado como conselheiro vitalício da
CPAD, a qual por muitos anos foi um grande entusiasta e promotor (DANIEL, 2004).
Mas o que explicaria a criação de uma estrutura racional-burocrática dentro
de outra estrutura racional-burocrática? Ou seja, qual o real motivo que levou a
Macalão fundar uma convenção própria (a CONAMAD), sob a estrutura já instituída
da CGADB? A ameaça cada vez mais real da fragmentação ministerial! Uma vez
que essa tendência era uma realidade dentro das ADs no Brasil na segunda metade
do século XX, e, ele mesmo contribuía com esse fenômeno, uma vez que a sua
postura autônoma e independente não só era percebida, mas também criticada
pelos seus companheiros de dominação como já analisamos anteriormente. Nesse
sentido podemos verificar que “os interesses do corpo sacerdotal podem exprimir-se
na ideologia religiosa que produzem ou reproduzem” (BOURDIEU, 2013, p. 66),
dessa forma Macalão apenas reproduzia uma ação de “contenção” a uma realidade
social que estava ocorrendo dentro da própria igreja.
Para conseguirmos compreender os motivos que levaram ao pastor do
Ministério de Madureira a tomar essa decisão precisamos nos voltar a um episódio
ocorrido na igreja que se fundou na cidade de Brasília – Distrito Federal. A ADMM é
a pioneira no Estado de Goiás, fundando sua primeira igreja no ano de 1936 na
96
cidade de Goiânia, através de um grupo de membros que se mudaram para aquela
cidade em busca de trabalho (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008). Macalão convida
para assumir essa tarefa seu amigo e diácono da igreja no subúrbio carioca Antônio
Moreira (MACALÃO, 1986); sendo realizados os primeiros cultos no mês de
dezembro desse mesmo ano. Os “frutos desse trabalho” não se demoraram a
aparecer e já no ano de 1937 ocorreu o primeiro “Batismo em Águas” com a
participação de trinta pessoas (ALMEIDA, 1982; CONDE, 2008).
A cidade de Goiânia foi oficialmente inaugurada no ano de 1942, mas já em 1937 passou a ter função de capital do estado. As bases da evangelização foram bem fincadas no estado, pois o Evangelho chegou à época em que se construía a nova capital. (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 55)
E assim como nas outras ADs em outros Estados do país, em Goiás não foi
diferente e com o passar dos meses outras igrejas foram sendo fundadas em outras
cidades na região central do Brasil. Essa e outras igrejas eram o reflexo dos efeitos
do processo migratório em nosso país, pois cada crente carrega consigo a sua igreja
para aonde ele vai se acomodando (ROLIM, 1985). Como afirma Novais,
[...] Ser crente é não se submeter à organização e hierarquia da Igreja Católica. É realizar uma forma de organizacional oposta onde cada um deve ter entendimento; pode ter um contato direto, sem intermediários, com o sobrenatural; deve ter participação nos rituais e ser um pregador de sua fé. Ser crente é seguir os “ensinamentos de Deus” contidos na Bíblia, seja pela maneira de viver (longe dos vícios, vaidades, desonestidades), seja no sentido de invocar o recebimento dos dons do Espírito Santo. Ser crente, em última instância, significa sentir-se um escolhido. (NOVAIS, 1985, p. 61-62)
Nisso que podemos denominar de “essência de autonomia”, ou seja, o
compromisso de cada um em fazer a “vontade de Deus”, contribuiu para o processo
de expansão das ADs pelo Brasil. E é neste ponto que encontramos as desavenças,
pois da passagem do carisma para o patrimonialismo de um tipo racional-burocrático
os precursores buscam se apropriar dos chamados bens de salvação (BOURDIEU,
2013). Essa posse entra em conflito com o poder e a dominação já constituído
anteriormente. Assim com a expansão da igreja no Estado, nos deparamos com um
caso específico de tensões e conflitos que se deu na igreja que nasce em Brasília –
futuro Distrito Federal. Essa igreja tem como data de fundação o dia 19 de novembro
de 1956, mas segundo Tércio (1997), ela foi fundada informalmente pelos pastores
Antônio de Freitas Inácio, Divino Gonçalves dos Santos, Lázaro Maléu de Oliveira,
Jaime Antônio de Souza, Jamil de Oliveira, Albino Gonçalves Boaventura, Angelo
97
Constantino da Silva, Jácomo Guide da Veiga, João Freire de Souza, Manoel
Joaquim da Silva e Antônio Alves Carneiro (PRATES; FERNANDES, 2012; TÉRCIO,
1997), todos residentes no Estado de Goiás e ligados a ADMM.
A igreja teve início na chamada Cidade Livre, ou Núcleo Bandeirantes por
meio de uma doação vinda do Governo Federal, que a época era do presidente
Juscelino Kubitschek e que buscava incentivar a imigração para aquela região do
país (TÉRCIO, 1997, p. 45). A tarefa de “levar a mensagem pentecostal” e fincar as
estacas da primeira AD em Brasília ficou a cargo do mineiro e ex-seminarista
católico Antônio Alves Carneiro, que não se demorou em iniciar sua tarefa naquele
lugar. Como já dispunham do terreno que fora cedido pelo Governo Federal, os
primeiros membros dão início ao processo de construção do templo e por meio de
doações vindas tanto da igreja de Madureira, quanto de suas filiais em Goiás e
Minas Gerais (1997, p. 65), o templo foi concluído no ano 1957.
No dia de sua inauguração (15 de julho de 1957) com a presença do Pr.
Paulo Leivas Macalão e de várias caravanas vindas do Estado de Goiás, o Pr.
Antônio Alves Carneiro anuncia no púlpito daquela pequena igreja de tábuas que a
mesma “estava já registrada, com personalidade jurídica”, e que ele “se
autonomeara presidente” daquela igreja (1997, p. 112). Precisamos deixar claro que
a igreja é um espaço de relações entre os seus agentes e comunidade que dela faz
parte, aquilo que Bourdieu definiu como campo (BOURDIEU, 2003), sua construção
se dá a partir das diferenciações sociais obtidas pelos tipos específicos de capitais
que são acumulados por aqueles que pretendem exercer uma determinada
dominação sob mesmo. Criando assim uma estrutura que tende a regular as ações
tanto dos agentes quanto da comunidade, na luta pela a obtenção de determinados
capitais específicos (BOURDIEU, 2013). Ele ainda procura apontar que mesmo
sendo as estruturas um produto histórico, a mesma está sujeito às múltiplas ações
de mutação produzidas pelas relações e tensões sociais inerentes a mesma.
Em outras palavras podemos dizer que Macalão e a ADMM passaram a
experimentar de “seu próprio veneno”. Pois dentro do campo religioso a disputa pelo
monopólio do poder simbólico e dos bens de salvação geram constantes tensões
entre agentes, que Bourdieu denominou de sacerdote e profeta. Para o autor o
sacerdote desempenharia o poder patrimonial e racional-burocrático, já o profeta
seria aquele que em situações extraordinárias ou de crise estaria imbuído de uma
98
“nova mensagem” legitimada pelo carisma obtido no decorrer de sua ação
(BOURDIEU, 2013).
Nessa disputa pela “conservação do monopólio de um poder simbólico como
a autoridade religiosa depende da aptidão da instituição que o detém em fazer
reconhecer” sua legitimidade frente aqueles que estão despossuídos ou excluídos
da posse desse monopólio (BOURDIEU, 2013, p. 61). Por isso que o profeta com
sua mensagem “ameaça a própria existência da instituição eclesiástica no momento
que põe em questão não apenas a aptidão do corpo sacerdotal para cumprir sua
função declarada, mas também a razão de ser do sacerdote” (2013, p. 62). A saída
encontrada por Macalão, para resolver o impasse foi narrada da seguinte forma,
[...] Macalão contou a Carneiro que uma irmã do Rio tivera uma visão, uma profecia: um pastor jovem chegava em Anápolis e um idoso em Brasília. - Eu interpretei a profecia como sua ida para Anápolis e a vinda de Antônio Moreira para Brasília – disse Macalão. (TÉRCIO, 1997, p. 112)
Assim se utilizando do prestígio e carisma que dispunha, Macalão conseguiu
resolver o impasse, uma vez que prometerá entregar a igreja de Anápolis ao Pr.
Antônio Alves Carneiro o que realmente fez (TÉRCIO, 1997, p. 113). Podemos então
aqui compreender que na iminência de ter sua dominação carismática e patrimonial
ameaçada por novos focos daquilo que Bourdieu chamou de “novas reformas”
(BOURDIEU, 2013), o Pr. Paulo Leivas Macalão se viu obrigado a criar uma
estrutura dentro da própria estrutura. Assim em 1958 fundou a Convenção Nacional
dos Ministros Evangélicos da Assembleia de Deus em Madureira e Igrejas Filiadas
(CNMEADMIF), na qual ele foi nomeado de presidente-geral do Ministério de
Madureira (PRATES; FERNANDES, 2012, p. 84-85). Esta ação promovida por
Macalão foi uma medida de centralização do poder em sua figura, com a criação de
um corpo de especialista (diretoria) que tinha como função a legitimação de sua
dominação. Nessa oportunidade participaram da criação dessa entidade os pastores
Alípio da Silva, Manoel Francisco da Silva, Narbal Soares, José Leite Lacerda,
Manoel Joaquim Rosa, Franklin Luiz Furtado, José Cecílio da Costa, Carlos
Malafaia, Nicodemos José Loureiro, José Simpliciano Ferreira, Antônio Pereira,
Otávio José de Souza, Raimundo Nonato Barreto, Enok Alberto da Silva, Irineu
Ramos de Carvalho, que segundo o Estatuto atual da CONAMAD (herdeira dessa
convenção), em seu Art 1º é função dela,
99
[...] como órgão máximo hierárquico, deliberativo, legislativo, gerenciador e articulador da unidade e integração das Igrejas Evangélicas Assembleias de Deus – Ministério de Madureira, suprindo carências, identificando necessidades, com competência ad perpetuam (para sempre85) para Ordenação, indicação, designação, nomeação e posse de Pastores Presidentes para as Igrejas Filiadas. (ESTATUTO CONAMAD, 2003)
O Pr. Paulo Leivas Macalão acreditou que ao criar essa entidade não sofreria
mais com aquilo que ficou conhecido no meio das ADs no Brasil como “rebeliões”.
Entretanto isso não aconteceu, pois o mesmo não contava com o “espírito
autonomista” de seu antigo desafeto, que no final de 1960 (o Pr. Antônio Alves
Carneiro) apoiado pela AD em Anápolis, optou por romper com a jurisdição da
ADMM, fundando o Ministério de Anápolis ao qual ficou pertencendo todo o
patrimônio com que a igreja já havia adquirido. Mesmo sendo rígido e até retratado
como alguém extremamente inflexível ao “obreiro de seu ministério que
demonstrassem personalismo e um mínimo de independência” (TÉRCIO, 1997, p.
109), Macalão apenas era vítima da realidade e produção da dinâmica social, que
outrora ele mesmo foi o causador para os missionários escandinavos.
Retomando o pensamento bourdieusiano,
Assim, quando as relações de força são favoráveis à Igreja (poder constituído), a consolidação dessa depende da supressão do profeta (o do rebelde) por meio da violência física ou simbólica (excomunhão), a menos que a submissão do profeta (ou do rebelde, ou reformador), ou seja, o reconhecimento da legitimidade do monopólio eclesiástico (e da hierarquia que o garante), permita sua anexação pelo processo de canonização. (BOURDIEU, 2013, p. 62)86
Neste caso a única saída de Macalão foi a exclusão do “rebelde”, que não foi
aceita pelo Pr. Antônio Alves Carneiro, o qual recorreu a “estrutura maior” das ADs
naquele momento, a CGADB. A qual na Convenção Geral de 1962 foi obrigada a
tentar resolver esse impasse entre a ADMM e a agora AD de Anápolis. O
Presidente-geral da ADMM recusou ir a essa convenção, uma vez que se sentiu
deslegitimado pela própria, que não aceitou a “exclusão dos rebeldes”. O impasse
deveria ser resolvido da seguinte forma, os irmãos tanto de Madureira, quanto os de
Goiás se encontrariam (na igreja de Madureira – RJ), na qual selariam a
reconciliação de ambos os lados (DANIEL, 2004, p. 337).
85 Crivo do autor. 86 Crivo do autor.
100
Não encontramos nada indicando que o evento tenha ocorrido, pelo contrário
o que podemos verificar foi que a AD de Anápolis não apenas se manteve separada
da ADMM, como também mais tarde criou a sua própria convenção, a CIAD –
Convenção Internacional da Assembleia de Deus. Encontramos em nossa pesquisa
no MP, um “Manifesto” elaborado à época pela Convenção Regional em Belém do
Pará e que contava com as igrejas de Piauí, Maranhão, Pará, Amazonas, Amapá,
Rondônia, Roraima e Goiás (região do SETA). No qual a mesa diretora, na pessoa
do Pr. Alcebíades P. Vasconcelos declarava que “absolutamente desaprova
qualquer divisão no trabalho do Senhor em qualquer parte, sob considerar a divisão
sob qualquer forma e motivo, um ato anti-bíblico e, portanto condenado pela Palavra
de Deus” (Mensageiro da Paz, 2ª quinzena de julho, 1963).
A questão das “divisões ministeriais” assombravam as ADs no Brasil nesse
período, no qual a CGADB não conseguia dar conta para resolver diversos impasses
que iam surgindo com as diferentes lideranças instituídas e os seus
“rebeldes/reformadores”. Nenhuma das regiões e nenhum dos Pastores-presidentes
estava livre de ter que enfrentar uma possível dissidência em “sua comarca”. E
mesmo Macalão que havia criado uma convenção própria, ainda assim se deparava
com este “fantasma” constantemente, pois o poder e a dominação dentro da ADs
nunca foram homogêneos e tranquilos, nem nos primórdios da história dessa igreja
no Brasil (ALENCAR, 2013). A riqueza e complexidade desse tema na história das
AD no Brasil merece ser feita em pesquisas posteriores, uma vez que podem ajudar
a explicar tanto os novos desdobramentos, quanto as novas configurações desse
movimento “autenticamente” brasileiro.
Para finalizarmos esta seção da pesquisa, apenas queremos pontuar, que
ADMM esteve nos holofotes das discussões e tensões até a sua “saída” em
definitivo da CGADB (1989). Ora sendo acusada de “invadir campos”, ora acusando
outros de “invadir campo”. Um caso emblemático foi o episódio ocorrido na
Convenção Geral de 1971, em meio as disputas pela posse e exclusividade de
Brasília, a AD São Cristóvão apoiou a abertura de um outro trabalho (não ligado a
ADMM) no Distrito Federal (TÉRCIO, 1997, p. 167). Essa questão levou ao
rompimento de relações entre a AD São Cristóvão e a ADMM, os quais em
convenções anteriores trocavam acusações. Em meio a essa tensão e com
ameaças por parte de Macalão, afirmando que “se não houver justiça no caso de
Brasília, ele próprio resolverá, abrindo um trabalho no Estado do Maranhão, pois é
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