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UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA
INSTITUTO DE CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA
CRISTIANE SZYNWELSKI
Dialeacutetica em Aristoacuteteles e Direito
Dissertaccedilatildeo de Mestrado apresentada ao Programa de
Poacutes-graduaccedilatildeo do Departamento de Filosofia da
Universidade de Brasiacutelia para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Mestre em Filosofia
Orientador Prof Dr Guy Hamelin
Brasiacutelia marccedilo de 2018
ii
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo ao Prof Dr Guy Hamelin por ter aceitado me orientar nesse tema da
minha dissertaccedilatildeo e pela paciecircncia e gentileza em suas correccedilotildees
Agradeccedilo aos professores da minha banca de qualificaccedilatildeo Prof Dr Marcos
Aureacutelio Fernandes Prof Dr Nelson Gonccedilalves Gomes pelas ricas contribuiccedilotildees
Agradeccedilo ao Fernando Martins Mendonccedila da Universidade Federal de
Uberlacircndia pelas atenciosas e gentis respostas agraves minhas duacutevidas encaminhadas por e-
Agradeccedilo aos colegas e professores do Grupo de Pesquisa em Filosofia Antiga e
Medieval por seu constante apoio e auxiacutelio especialmente aos colegas Neimar de
Almeida e Luiza Simotildees Pacheco
Agradeccedilo agraves amigas Alessandra Schneider e Marcia Mazo Santos por seu auxiacutelio
especialmente na obtenccedilatildeo de material de pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem aos funcionaacuterios da Secretaria da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia
e aos professores da Coordenaccedilatildeo pelo bom atendimento durante o curso
iii
RESUMO
A toacutepica juriacutedica proposta metodoloacutegica criada pelo alematildeo Theodor Viehweg
na deacutecada de 1950 manteacutem sua influecircncia ateacute hoje entre juristas brasileiros Viehweg
declara ter embasado a sua obra Toacutepica e Jurisprudecircncia nas toacutepicas de Aristoacuteteles e
Ciacutecero Segundo grande parte dos criacuteticos desse jurista as noccedilotildees sobre toacutepica
apresentadas em sua obra satildeo confusas e imprecisas Reconhecendo o valor da
redescoberta da dialeacutetica e da retoacuterica na esfera juriacutedica nosso objetivo eacute apresentar um
esboccedilo da obra Toacutepicos de Aristoacuteteles com uma noccedilatildeo clara sobre o meacutetodo dialeacutetico que
o Estagirita apresenta nesse tratado Esse esboccedilo eacute teoacuterico e compreende noccedilotildees
introdutoacuterias agrave dialeacutetica e seus instrumentos uma discussatildeo sobre o que satildeo toacutepicos uma
ideia geral sobre o debate dialeacutetico e sobre os viacutecios de raciociacutenio A partir dessa
descriccedilatildeo fazemos algumas anaacutelises em nosso uacuteltimo capiacutetulo sobre o que poderia ser
aplicado da metodologia dos Toacutepicos ao Direito A metodologia empregada nesta
dissertaccedilatildeo consiste na maior parte em inventariar e apresentar os conteuacutedos dos Toacutepicos
conforme expostos nesse tratado explicando-os agrave luz dos conteuacutedos de outras partes da
mesma obra e de outras obras de Aristoacuteteles aleacutem de comentaacuterios de especialistas A
anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico ao Direito parte da siacutentese do esboccedilo teoacuterico
apresentado e sua comparaccedilatildeo com noccedilotildees baacutesicas sobre Direito e exemplos juriacutedicos
particulares
Palavras-chave Aristoacuteteles dialeacutetica retoacuterica Direito
iv
ABSTRACT
The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor
Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists
Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and
Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his
work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of
dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo
Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise
This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a
discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices
of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what
could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present
thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth
in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the
work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists
The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the
presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific
legal examples
Key words Aristotle dialectic rhetoric Law
v
SUMAacuteRIO
AGRADECIMENTOSii
RESUMOiii
SUMAacuteRIOv
ABREVIATURASvii
INTRODUCcedilAtildeO1
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12
1 Consideraccedilotildees iniciais12
Noccedilotildees preliminares 12
Objetivo dos Toacutepicos15
Raciociacutenio dialeacutetico 20
2 A utilidade dos Toacutepicos23
3 Os instrumentos da dialeacutetica28
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28
Predicaacuteveis32
Categorias 34
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos
termos36
Espeacutecies de argumentos36
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38
Significados dos termos39
II Os toacutepicos 42
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46
vi
Toacutepicos sobre o acidente48
Toacutepicos sobre o preferiacutevel49
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53
Toacutepicos na Retoacuterica54
III O debate dialeacutetico57
1 Estrateacutegias do questionador59
2 Estrateacutegias do respondedor63
3 Diferentes objetivos no debate65
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68
IV Viacutecios de raciociacutenio72
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83
Casos particulares89
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97
3 Linguagem loacutegica e eacutetica100
4 Taacuteticas de debate103
CONCLUSAtildeO106
REFEREcircNCIAS111
vii
LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Aristoacuteteles
Toacutep Toacutepicos
Cat Categorias
Met Metafiacutesica
Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco
Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos
An Pr Analiacuteticos Primeiros
An Post Analiacuteticos Segundos
Ret Retoacuterica
Fiacutes Fiacutesica
Da Int Da Interpretaccedilatildeo
1
INTRODUCcedilAtildeO
O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o
estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado
pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo
entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da
evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as
demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase
como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado
Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao
contingente3
Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em
vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de
prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi
desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo
Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o
Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo
as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4
Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais
de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva
alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5
Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma
ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou
para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da
1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo
G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000
p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo
Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26
2
matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo
cientificamente irrespondiacutevel6
Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na
primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor
Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia
(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se
alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na
Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de
resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por
problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o
autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9
A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)
surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na
Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos
de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que
mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de
habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias
publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as
pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se
durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas
da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar
dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica
e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de
Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande
6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina
Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia
Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e
Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins
Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995
p 343
3
codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela
dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar
as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a
princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos
XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica
escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas
juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e
fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos
particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14
A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da
dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da
repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros
devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de
Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo
extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do
respeitado jurista alematildeo Karl Larenz
Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue
depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico
juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer
ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises
juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de
empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores
que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma
representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo
das opiniotildees expendidas17
13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171
Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz
Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)
as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente
um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para
julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar
por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar
topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida
em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo
abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver
constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse
puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar
proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago
que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute
4
Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico
pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns
argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam
de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios
conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica
standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19
Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como
disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se
pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas
compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel
natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel
O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico
poreacutem um toacutepico muito importante21
No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul
Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22
Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da
argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950
poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de
Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de
Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de
Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo
distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a
uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a
jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a
pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas
verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e
introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy
2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia
ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte
de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de
procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo
ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras
palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor
do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo
introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189
5
categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de
trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)
Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente
ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu
um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen
(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em
1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu
a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente
aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio
Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados
desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em
artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo
dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais
recentemente R Bolton e R Smith24
Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles
funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo
desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto
apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma
situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer
clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25
A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como
funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial
entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos
e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e
dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees
proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os
23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski
para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica
formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de
PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em
httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and
Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004
Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese
do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3
6
problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos
termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de
acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria
sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa
opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as
regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio
fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou
se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27
A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas
teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral
eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente
mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos
Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que
apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas
garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria
Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no
Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido
desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas
Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda
as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas
analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia
opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso
Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus
textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo
atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que
as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir
e apresentar argumentos soacutelidos28
No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a
dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos
26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997
p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo
Argumentation v 19 n 4 2005
7
primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o
meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por
sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins
Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades
mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer
habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32
As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de
Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter
argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao
positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como
pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de
invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua
toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus
proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica
de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da
Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo
Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre
partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de
vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz
pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade
respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade
isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar
na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria
regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial
tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da
prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo
29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29
2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24
jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na
codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar
por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116
8
incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo
exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos
estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos
Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por
necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em
consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir
para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero
considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg
natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no
decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica
claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A
toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor
Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento
desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas
apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo
da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso
interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves
metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar
o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza
segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40
Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise
sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera
juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do
Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que
Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para
a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica
juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de
37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em
httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica
ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel
em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set
2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57
9
uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso
objetivo de longo prazo
De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz
nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila
quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica
Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para
formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador
da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e
outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate
regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um
elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio
entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras
tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da
leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos
Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o
objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente
aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias
filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42
Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso
propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel
possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que
chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para
apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor
Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em
conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que
empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo
aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias
de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem
descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e
interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da
proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude
mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender
antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido
premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem
41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5
10
preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-
nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores
acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica
na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de
suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos
tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo
tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito
sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que
liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43
Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como
base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o
conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias
pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos
que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a
questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como
pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de
difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico
especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e
Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar
por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que
pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a
melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente
e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se
apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute
imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de
Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica
Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem
disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura
do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso
esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo
definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a
VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito
Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice
dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho
seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo
43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30
11
apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos
objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos
propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos
de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo
apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos
para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os
diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das
quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como
Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos
Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares
agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence
ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente
aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas
Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e
diaacutelogos
12
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos
1 Consideraccedilotildees iniciais
Noccedilotildees preliminares
O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles
sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido
moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de
Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados
sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44
O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de
modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos
Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)
5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos
O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir
uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo
divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos
Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral
eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e
Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois
como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa
elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado
tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores
do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o
Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos
44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro
e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos
Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas
palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema
que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo
essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos
Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A
Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196
13
natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo
denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem
subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse
argumento48
Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos
Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e
como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas
merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas
noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto
de estudo
Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)
da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas
a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a
sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a
conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49
Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo
ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade
estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute
Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que
a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo
no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute
contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52
A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que
entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute
48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e
Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo
livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii
1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10
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mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica
e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins
de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico
(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico
nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento
cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute
destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois
como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa
razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem
nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para
se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar
Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo
para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as
afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra
ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso
de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser
investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal
caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos
Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais
especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade
de saacutebios a depender do contexto
Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O
conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra
forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam
Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e
pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais
natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53
Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de
53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133
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ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a
Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua
natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada
Trataremos disso em seguida
A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de
contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura
sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e
passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos
Objetivo dos Toacutepicos
O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra
Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas
ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos
tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer
alguma coisa que nos cause embaraccedilos56
Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se
percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57
Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)
com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por
todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos
para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58
54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -
Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014
ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que
deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja
de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao
passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic
Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para
comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de
opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na
sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1
100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25
16
Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema
proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma
teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de
assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus
princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)
comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos
Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das
ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte
Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos
de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito
algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria
e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios
da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees
tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a
prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a
falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por
diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo
com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos
dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute
aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda
arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se
efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην
ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular
julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual
eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a
refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem
no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60
Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute
ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a
Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees
geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao
conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma
discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos
ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento
59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo
demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos
na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem
poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos
arg Op cit p 171
ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37
Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18
17
associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio
provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos
saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento
que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que
acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo
Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)
e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a
verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que
satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da
mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas
Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos
pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza
do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um
raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir
demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico
Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute
bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom
juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas
as coisas eacute bom juiz em geral62
Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir
a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo
legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo
admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do
contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de
investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos
Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios
sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo
62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a
25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo
em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o
ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes
maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o
segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade
A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo
fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito
citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade
aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados
(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de
todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior
nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees
correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES
Eacutetica a N Op cit p 146
18
geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63
Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado
sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio
portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria
culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos
na introduccedilatildeo deste trabalho
Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a
Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e
ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura
superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas
entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos
Toacutepicos que define ἔνδοξα
Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os
homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade
e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem
divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a
mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata
de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras
embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem
a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com
a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar
todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta
considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais
razoaacuteveis64
Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais
proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees
e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos
segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos
[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que
o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade
como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as
caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem
incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam
a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras
com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a
identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou
sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade
exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos
defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas
mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja
63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20
19
inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos
em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65
Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por
uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees
ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo
entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho
ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o
indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que
parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz
a dialeacuteticardquo66
Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas
de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio
Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um
senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado
o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente
aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo
ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67
Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto
de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como
dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem
ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo
aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees
e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar
Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo
Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma
proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou
para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo
devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo
(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se
65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico
ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10
20
muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que
merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A
esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de
puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de
percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser
castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente
e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se
por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma
investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico
Raciociacutenio dialeacutetico
Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de
raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de
raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz
necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio
(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71
Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς
συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O
raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e
verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras
e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser
descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua
verdade por si mesmos72
Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das
cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que
intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os
70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem
necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6
ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente
pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10
21
primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso
satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode
ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute
demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que
seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos
Analiacuteticos
Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber
(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja
inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o
conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute
necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν
ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas
mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas
satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do
demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode
haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma
demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem
ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a
comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e
indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para
serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de
um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua
demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do
que ela e a ela anteriores 75
A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o
fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros
Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo
74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo
sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo
(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave
intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os
princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico
(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia
(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que
apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de
o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma
ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento
verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do
proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se
comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores
Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um
par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma
pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira
Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-
30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O
desenvolvimento Op cit p 4
22
estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos
observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se
mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser
verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite
alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos
Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na
afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito
tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e
obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa
dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das
duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee
uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute
indicamos nos Toacutepicos78
O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e
uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa
anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo
e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica
assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa
supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79
Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas
com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde
Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a
demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma
prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de
perguntas80
O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio
apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem
ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas
parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente
aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas
que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser
77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-
255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam
friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17
23
claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as
opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa
falsidade deve ser um pouco oacutebvia82
O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade
no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e
mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se
enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas
de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas
apenas parecem secirc-los84
O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo
(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo
O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo
Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que
natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se
fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do
semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma
desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se
classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele
apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado
em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos
complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito
do raciociacutenio eriacutestico
2 A utilidade dos Toacutepicos
Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se
raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na
sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro
lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo
82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5
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bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla
possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para
a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as
disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O
treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram
praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a
conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em
suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a
identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado
meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases
uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave
luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica
que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de
todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89
Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A
primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos
contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o
raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e
o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na
discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das
87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais
facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo
agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute
completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante
de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as
questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais
apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as
investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como
contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma
e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher
acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151
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proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se
a verdade (ἀλήθεια)91
No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios
(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica
mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos
anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os
princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos
Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a
partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta
debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94
Citamos um trecho
Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou
natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele
estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da
realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o
detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma
natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo
verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto
dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar
qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto
natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa
indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas
Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que
professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash
coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem
caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando
em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira
de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de
francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que
natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio
que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95
Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o
qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo
(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do
princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas
91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua
verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119
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eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o
Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode
ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos
ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo
de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios
pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute
uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela
inteligecircncia97
Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se
aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois
esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro
mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas
Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da
Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99
Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa
obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a
impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao
debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()
declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas
de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme
era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores
tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute
possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como
divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da
dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos
exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles
96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um
jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34
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nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas
Disputationes104
Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de
disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota
da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a
ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer
aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um
descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o
comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa
complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105
O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um
meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo
se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara
demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os
Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos
considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento
principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma
outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as
ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos
Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas
e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos
sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus
nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees
individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que
abordaremos agora
103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar
tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos
quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a
constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-
se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto
deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15
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3 Os instrumentos da dialeacutetica
Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o
eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar
dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o
que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees
necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de
argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de
coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim
de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e
os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute
composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado
do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para
a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na
construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute
ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem
natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo
apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de
proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final
se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada
a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo
Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por
todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema
(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a
escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela
107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo
e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na
construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13
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anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos
que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O
problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113
Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados
como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo
ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em
se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute
evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o
que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem
se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se
estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados
satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115
Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις
ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos
quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que
satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais
de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma
ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das
opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve
fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)
acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em
questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os
pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem
ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra
observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como
113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to
different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem
is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle
tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20
30
no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas
contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam
os debates
ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal
como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou
ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica
deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso
das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta
espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila
distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem
significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie
eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-
nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118
Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)
que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o
conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo
tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada
em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos
homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave
opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios
divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees
em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra
e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por
exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a
diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos
fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que
resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos
das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e
dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica
essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo
sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo
θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo
intelectual120
118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81
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Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que
Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito
com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo
denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas
entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo
eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em
movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121
Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar
proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As
proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute
deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles
pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias
agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que
estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que
parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas
como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo
Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser
extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa
vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades
reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica
sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser
tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees
Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo
conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos
relativos eacute o mesmordquo124
121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca
a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute
indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute
possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis
quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo
eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o
universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35
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Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)
e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos
partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as
categorias
Predicaacuteveis
Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou
um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com
o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os
predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da
reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125
Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais
Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como
explicados a seguir
Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν
εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa
Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua
diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um
animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem
definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica
Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas
natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo
conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128
O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente
uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira
conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute
homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem
Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender
125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New
York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20
33
gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem
pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129
O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias
coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem
boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do
objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de
essecircncia (τὸ τί ἐστι)132
Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa
sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem
proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor
modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133
Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao
gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles
poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser
destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o
atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um
proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim
quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente
Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido
Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles
Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes
firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo
para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e
organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem
foco em um dos predicaacuteveis
O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas
e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute
129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39
34
possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam
na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de
ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma
proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo
pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se
predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo
abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem
que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do
gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito
Categorias
Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de
predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma
das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute
divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de
coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre
esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as
seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo
posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138
135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo
Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos
de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais
probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem
disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a
foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma
coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-
10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias
ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)
ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou
ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs
categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas
pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma
classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia
expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que
ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a
tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto
Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas
categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)
de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois
35
Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das
Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que
eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139
Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois
termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos
Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua
essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere
tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso
trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no
livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo
entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer
em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por
exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia
ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo
e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de
substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de
categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes
em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo
vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica
bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o
que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142
evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma
substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I
9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou
ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor
branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia
(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma
grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute
descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros
casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o
seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada
de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras
espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006
apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq
36
A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as
definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem
como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as
diferenccedilas se expressam em categorias
Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a
qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a
qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem
ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo
basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por
alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas
acima143
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados
dos termos
Espeacutecies de argumentos
Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio
(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas
estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute
considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos
sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez
eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144
Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo
eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto
ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das
duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no
iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse
mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por
premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se
relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio
143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se
que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que
de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69
37
natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos
inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita
coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo
clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da
linguagem vulgarrdquo147
Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos
homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos
leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio
A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de
argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo
de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves
Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo
caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos
de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais
utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios
universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os
princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica
linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso
segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151
Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento
de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se
emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as
semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar
proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas
147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b
18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo
fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes
manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos
apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)
Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30
38
e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser
inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila
Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees
sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro
lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos
em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou
geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa
soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo
mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo
ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute
o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O
segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute
capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do
acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A
identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma
espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a
identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem
e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o
estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos
predicaacuteveis
Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser
estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila
difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do
conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da
153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma
proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso
como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser
recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a
sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo
em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13
105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35
39
mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que
pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157
O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa
particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela
observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil
para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O
argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do
estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais
semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das
semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos
semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees
o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada
caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a
essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto
em uma definiccedilatildeo158
Significado dos termos
Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece
reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele
apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um
termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos
algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios
significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como
exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de
ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo
Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra
ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios
tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o
que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor
A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da
157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37
40
sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso
ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como
por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas
natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160
Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter
sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido
conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das
palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado
o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado
ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe
de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a
uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade
apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias
definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161
Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos
significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se
argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado
dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo
perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita
em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao
se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens
Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto
no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que
afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a
coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso
raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas
aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos
sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que
interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao
160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que
corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos
exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de
fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one
or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated
by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a
competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx
41
passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados
e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua
asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus
argumentos a esse ponto163
O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das
palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com
falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos
nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem
possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados
apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos
sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um
tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que
se vecirc no seguinte trecho
Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham
diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles
que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo
logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo
familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de
falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando
ouvem outros raciocinar165
Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo
encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos
apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os
raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente
ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos
Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se
segue166
163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios
porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar
por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus
argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso
adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre
possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos
Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se
por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de
discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES
Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35
42
II Os toacutepicos
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)
Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido
por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho
essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em
dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer
uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles
designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor
uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale
que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles
sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor
atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo
procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que
Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em
competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas
consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a
etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir
O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito
provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista
de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas
localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente
recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees
dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em
Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169
167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations
Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these
he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what
a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith
1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of
Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em
lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a
great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street
one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items
Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad
43
Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo
que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no
mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante
entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie
Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta
os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de
apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o
dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o
argumento para a conclusatildeo desejada171
Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute
associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles
sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber
vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem
selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173
ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se
apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque
de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por
meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma
premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a
atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos
Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das
proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo
dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza
Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems
to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly
makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined
premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On
Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA
Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002
Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a
variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in
stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo
then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo
SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151
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para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos
olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177
J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo
do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o
termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser
usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou
uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo
como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte
Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica
e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um
argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o
nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos
poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179
Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega
τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente
ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes
entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que
podem ser gerais ou especiacuteficos
Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo
Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas
argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees
argumentativosrdquo182
Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou
premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o
177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo
aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de
direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico
do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees
de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram
em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera
toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo
diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas
(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa
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seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como
acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse
tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos
quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185
Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos
natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz
que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da
aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como
premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι
especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()
regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso
em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186
A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a
funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος
aristoteacutelico o seguinte
Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este
pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se
o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser
impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave
mesma coisa187
Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι
aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema
toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados
em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente
conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais
frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos
e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no
grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem
nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e
conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera
referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do
mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc
as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada
do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese
pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep
163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33
46
argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao
sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou
regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos
muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os
esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos
toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188
Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro
deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser
uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que
queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou
refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para
apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de
uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que
selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso
dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo
deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se
por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos
selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado
para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o
esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo
o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar
a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa
capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da
espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate
dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo
pretendida189
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica
Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios
dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os
livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo
188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid
47
eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados
nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos
mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees
que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos
De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se
as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A
Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten
que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191
1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S
2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S
3) S eacute P = P eacute gecircnero de S
4) S eacute P = P eacute acidente de S
Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III
dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute
bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo
ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser
usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios
particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo
dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de
modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer
ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas
em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que
afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um
erro193
190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos
menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162
Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30
48
Toacutepicos sobre o acidente
O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se
haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente
pertence ao sujeito de outra maneira
Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que
pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais
comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo
se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma
cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194
Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente
que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo
ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo
correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo
O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se
afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico
serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o
predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que
o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente
encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a
proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente
se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa
posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam
uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um
procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado
Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar
os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o
ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195
O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do
acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute
alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo
dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de
194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30
49
ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o
invejoso natildeo eacute bom196
Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou
destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos
quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser
usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute
objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro
significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos
termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que
comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos
Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu
que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento
pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos
Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de
significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente
o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi
discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel
tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por
terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos
que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos
demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma
afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo
corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os
sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade
de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que
seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente
porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence
ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo
se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido
a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio
teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel
num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa
pretensatildeo seja razoaacutevel198
Toacutepicos sobre o preferiacutevel
O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a
um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o
mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas
ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre
196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28
50
o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute
necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que
identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas
Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo
segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo
Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel
agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais
probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo
homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo
qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em
determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos
eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo
mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou
carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a
maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas
as coisas tendem para o bem199
Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas
acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de
modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por
exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais
desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que
pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa
melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio
de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente
a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o
vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel
que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio
Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio
Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das
investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem
partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201
199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15
51
O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero
atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem
agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute
indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o
gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar
se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)
Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma
nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro
toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada
pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma
espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203
Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o
oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre
manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo
propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de
ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute
formoso204
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo
Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para
verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve
linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre
a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de
identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir
na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo
de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o
erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero
Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas
diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar
ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar
202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15
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o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute
correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer
O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um
objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave
definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206
Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre
a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave
obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro
o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale
para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute
ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se
o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade
em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem
para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e
friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo
que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se
refere207
Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter
apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos
construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa
discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre
a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e
como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo
consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta
que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo
desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para
a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo
e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que
Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado
um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos
205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20
53
De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza
os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a
partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando
que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam
meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos
adequadamente enumeradosrdquo210
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto
capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia
(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas
coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a
combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas
seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma
sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que
dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212
Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados
no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como
sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou
deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser
obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de
sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema
definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo
nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para
aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo
para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que
escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que
210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have
now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior
Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London
Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159
54
parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem
chama de toacutepicos214
Toacutepicos na Retoacuterica
A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη
ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum
e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O
que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir
em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de
demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo
que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma
espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em
geral partem de ἔνδοξα221
Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo
no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa
para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou
213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o
tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel
portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)
de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-
33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173
Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois
que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo
vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg
Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos
produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais
haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela
induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos
nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas
satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo
Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior
parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que
cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que
geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem
ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o
particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237
55
comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns
ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser
aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica
Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos
ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial
e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica
Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o
exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula
argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se
uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que
seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os
homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o
menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos
inclusive atualmente
Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem
eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses
nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees
eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225
Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade
dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um
exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre
a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A
primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio
de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se
vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis
escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando
natildeo houver puniccedilatildeo226
Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees
que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a
223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20
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praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir
acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute
conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos
para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227
Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na
argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde
com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como
ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As
maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima
ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado
saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a
causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil
do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar
determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da
mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de
encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa
que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel
do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso
pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231
227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15
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III O debate dialeacutetico
Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente
uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas
ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia
um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo
Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do
respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder
Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua
proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente
concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse
ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233
Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de
praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a
dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas
codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa
praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos
Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir
para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa
conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de
Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo
diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer
tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a
funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a
dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao
tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese
por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E
acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se
232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm
158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press
1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7
58
refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que
recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII
o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas
dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da
competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o
antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo
pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o
respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua
defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular
algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso
se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que
Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo
e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e
apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo
correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o
comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo
de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio
Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo
geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico
se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do
raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por
meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de
demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute
possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e
examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de
estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois
sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem
utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador
236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40
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individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas
em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da
afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242
1 Estrateacutegias do questionador
O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de
propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente
e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave
construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro
tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute
concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o
argumento mais evidente244
Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se
possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas
alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute
confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo
(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes
uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a
concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que
eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu
as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247
Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter
distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel
possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos
chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por
Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com
atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos
posteriormente
242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30
60
As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se
na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente
e tambeacutem em sugestotildees de psicologia
As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma
expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por
exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute
podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a
oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica
nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que
se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o
mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois
disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando
uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo
forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo
expliacutecito250
Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas
para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para
dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o
argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se
pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o
desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se
despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter
inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que
realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees
dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de
defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute
uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem
natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a
outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias
tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma
249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5
61
conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos
nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251
Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando
possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os
termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a
concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a
concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem
uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem
irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso
desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos
baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra
estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes
desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255
Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate
oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de
imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada
eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma
objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a
premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais
facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os
pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas
que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em
primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou
impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256
251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo
coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II
9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39
62
Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para
proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem
que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257
Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme
jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com
os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a
questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas
usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas
satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que
abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o
adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule
uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em
questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida
Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir
tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se
natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute
vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo
contra elardquo258
Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente
o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse
fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade
seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel
Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio
sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque
muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a
nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees
que foram feitas259
257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15
63
Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas
hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do
ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel
ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-
se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas
intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261
As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do
questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom
questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se
seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom
respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas
apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo
a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262
2 Estrateacutegias do respondedor
O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou
respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou
geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila
no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas
O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese
assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a
conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais
familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar
Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do
mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263
O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter
geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia
para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para
evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante
260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner
should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses
that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20
64
e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa
natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande
maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees
muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o
ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o
respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo
se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente
deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e
natildeo da sua incompetecircncia pessoal264
O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de
clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e
simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes
significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro
sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente
natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio
do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra
alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve
o verbo ldquopertencerrdquo
Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos
ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem
o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o
homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois
dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um
animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos
espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa
proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266
O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador
tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve
evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo
absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por
dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do
264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180
65
que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que
a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267
3 Diferentes objetivos no debate
Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode
ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute
regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute
influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo
influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem
tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo
(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a
respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme
falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em
que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras
e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas
de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em
mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma
proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para
toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos
O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos
conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando
Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e
natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro
mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende
que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute
possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade
Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que
deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por
meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios
267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the
conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139
66
a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos
posteriormente 270
Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o
paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que
satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma
intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com
necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de
ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige
compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles
distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as
proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico
nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271
Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que
essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio
investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute
apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos
Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica
dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma
que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos
proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida
para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar
construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores
o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas
tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os
aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo
conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou
procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas
para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos
270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do
exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para
estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro
como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro
foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII
11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363
67
extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel
identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo
sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele
estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um
dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise
cuidadosa
Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada
que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento
em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos
independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando
ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o
argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de
premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o
argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora
verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e
falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem
apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute
contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a
verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer
afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles
e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos
272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de
estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado
conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos
o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o
dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez
que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas
pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo
do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais
facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito
de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo
sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a
ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)
terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a
partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos
diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o
68
Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode
ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou
natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia
Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc
quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem
na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e
que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio
dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque
parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as
circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita
a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo
No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio
dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles
inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si
mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos
proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos
debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles
comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280
Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma
que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o
respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer
corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo
desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser
uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o
mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o
conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como
predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a
conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente
rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais
coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p
143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10
69
argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda
tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando
um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um
ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento
eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos
O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento
comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave
argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo
comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com
efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que
haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria
como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que
faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a
admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro
pergunta283
Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma
disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as
estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo
muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute
pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma
premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a
proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos
casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter
Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda
seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285
Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do
questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute
fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um
grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um
raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas
281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10
70
perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade
chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286
A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme
mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da
argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de
xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas
estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles
caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o
com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288
Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do
debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a
cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles
reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e
moral
Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo
com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por
forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua
diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar
todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas
isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr
levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute
resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289
A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute
presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro
da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria
aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar
essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela
291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre
ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos
Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos
anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que
286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367
71
usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de
descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema
proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser
utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom
suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e
como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos
relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima
linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema
especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc
Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre
qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais
geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte
da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela
devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas
o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com
uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do
nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir
uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de
assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender
nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas
quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo
que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las
confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que
precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos
materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as
fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos
Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo
e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar
contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os
problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta
investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do
assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar
acima292
292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196
72
IV Viacutecios de raciociacutenio
As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos
debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz
respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles
Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um
sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo
como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste
capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto
pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a
certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a
seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na
argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral
Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos
exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal
silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser
definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos
Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e
Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo
a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos
antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da
Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras
silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o
escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro
de Aristoacuteteles sobre loacutegica
Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que
em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco
293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45
73
possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes
As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia
inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo
reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas
quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em
X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia
se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296
As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no
uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio
ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos
silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos
Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo
justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de
viacutecios de raciociacutenio
Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII
dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que
a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do
sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio
dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que
parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de
falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com
exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente
beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de
coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o
satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute
Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν
ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que
aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como
296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso
quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo
tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse
que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento
de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute
igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25
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tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao
sujeito (assunto) em pauta298
Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso
silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou
um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter
muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O
exemplo apresentado eacute
Quem estaacute sentado escreve
Soacutecrates estaacute sentado
Soacutecrates estaacute escrevendo
A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles
sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave
conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre
o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo
ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve
ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve
e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo
seria possiacutevel300
Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em
si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a
conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as
premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem
adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute
irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de
premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como
perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre
quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves
vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas
que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo
298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39
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menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas
satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto
Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema
proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte
de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo
leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que
conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por
meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio
(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que
demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por
um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302
Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No
primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o
caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No
segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o
caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma
conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute
eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao
assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina
ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou
falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada
por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes
verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo
verdadeira seja inferida de premissas falsas 304
Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer
em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que
conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute
postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se
301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma
demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a
conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16
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expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e
expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar
para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento
dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um
soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de
modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar
que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas
da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia
da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se
incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de
afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular
que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute
incomensuraacutevel com o lado306
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos
Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em
contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um
raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser
geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso
ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma
competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois
o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o
sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e
enriquecer307
A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata
de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da
adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa
inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um
paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de
um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de
um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do
Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o
306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35
77
argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento
apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto
dialeacutetico308
Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de
preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o
solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a
aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309
As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que
independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento
em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para
as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia
(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e
a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje
de falaacutecias de ambiguidade311
Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute
bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que
pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo
por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo
quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um
exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo
As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis
porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das
palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que
estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e
Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do
mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais
adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras
308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou
1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10
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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas
possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem
tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute
sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute
teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo
ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de
palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado
com aquilo com que foi espancadordquo315
Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas
discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois
exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No
entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e
facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase
na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia
Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel
As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da
mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que
abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar
fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar
vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318
As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as
relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo
em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou
relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas
ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias
questotildees em uma soacute319
314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30
79
As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma
que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como
uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos
pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo
ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute
ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de
Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem
pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320
Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem
ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido
absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por
exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo
eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente
como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca
aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321
As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido
definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado
de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente
delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do
desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso
elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo
que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322
A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a
conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor
que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O
Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a
percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos
Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar
molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323
320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10
80
Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo
modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram
apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324
A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para
fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse
tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa
que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave
impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos
Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a
mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a
ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que
ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute
o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de
ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de
perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e
ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da
impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a
ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de
ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo
satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa
causa da impossibilidade desse argumento325
A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada
de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa
despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra
que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela
aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso
acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que
324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161
81
aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo
ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327
Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a
segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo
(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem
os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e
a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves
opiniotildees aceitas329
A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma
expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade
aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra
masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um
lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331
Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa
repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos
relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo
e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele
seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente
ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade
da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo
de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta
pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado
ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334
As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em
torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico
estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme
327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8
82
a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende
uma sabedoria aparente
Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que
possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele
proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo
tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos
capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para
dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio
apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute
indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos
Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma
faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e
esse eacute o fim que eles tecircm em vista336
336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156
83
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica
Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de
estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo
do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso
reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da
ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos
especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base
soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337
Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de
proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo
apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a
partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos
condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra
oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e
exemplificativos
A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo
proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta
dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do
conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das
opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios
(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem
a nenhum campo de saber especiacutefico
Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico
Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas
parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que
337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57
84
queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram
como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico
() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como
um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma
como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico
natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338
De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito
dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas
parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um
raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz
mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute
enganoso e desleal339
Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece
nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas
pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave
dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como
questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico
do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais
os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser
aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem
alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses
princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio
da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral
O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica
de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de
conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado
fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do
conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos
nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual
tentaremos resolver a partir de agora
338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte
desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo
portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor
ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op
cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso
capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos
85
A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de
Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o
que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero
de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute
proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o
fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos
destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta
ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a
felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As
opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no
discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo
retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as
confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara
distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho
Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que
a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou
natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou
injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao
juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes
Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo
com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos
juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens
que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar
muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa
experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo
imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se
retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344
Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas
teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os
testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que
temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos
que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma
categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado
341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345
No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica
equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou
argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca
de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de
certo modo
Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o
Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo
podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito
do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral
como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o
Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou
ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e
assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns
a todas as artes347
Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da
classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou
o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as
praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de
produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348
345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo
da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei
jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas
se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para
o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar
o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir
e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos
Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos
juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo
do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica
que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias
juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau
de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros
podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do
retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela
jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que
logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ
Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20
87
Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas
mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia
do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa
Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as
normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso
pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas
sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica
isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se
se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade
que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum
Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos
alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de
fatos
Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas
certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um
corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do
tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem
com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois
de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais
estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral
segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa
sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os
349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da
Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria
sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por
seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade
formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de
transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova
era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada
aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo
inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o
aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees
que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo
permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL
Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio
27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt
Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como
premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato
concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351
Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um
raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em
vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352
Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute
de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu
domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o
status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη
temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim
concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de
dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre
Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa
sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no
discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A
falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser
levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado
indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353
Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do
Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes
nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos
ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria
adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido
amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com
menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a
351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo
em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo
na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela
expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9
170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito
bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um
τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140
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jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos
tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes
sobre os casos judiciais
Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a
presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos
legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes
longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave
ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se
transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos
que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees
da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na
doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da
sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem
eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem
discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em
discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica
no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes
de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos
particulares
Casos particulares
Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas
foi revogada e a outra alterada
A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada
pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo
Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou
fraude para fim libidinoso
Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355
A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude
Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha
a seguinte redaccedilatildeo
355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017
90
Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude
Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356
Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio
geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla
poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo
Federal como uma garantia fundamental neste inciso
XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
preacutevia cominaccedilatildeo legal357
Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com
base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria
O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio
da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei
deve ser clara e precisa358
Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos
costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo
chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da
expressatildeo ldquomulher honestardquo
O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas
nas normas e interpretadas pelos costumes
As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam
conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra
subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras
Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome
de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre
que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz
quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do
costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a
validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu
conteuacutedo359
Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar
seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se
356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo
Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em
lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71
91
expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma
constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos
da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o
que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de
forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem
consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar
algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo
Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees
geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher
honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos
ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio
Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de
jurisprudecircncia que mostraremos agora
Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro
Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal
Federal em 06 de agosto de 2002
Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute
da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do
crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a
mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores
elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou
o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher
seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual
por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das
viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode
ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes
consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de
Jesus360
Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do
Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees
geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo
Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por
ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo
Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram
360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson
Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em
24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
92
diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave
liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios
constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo
para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361
Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente
aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de
Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para
ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que
reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos
A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou
constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios
subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo
A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da
igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988
adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios
admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade
suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda
a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos
As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no
serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a
efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si
mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual
respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos
indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a
neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem
como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a
igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a
igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de
privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que
corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-
estar social e a igualdade como reconhecimento significando o
361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p
148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito
Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt
httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
93
respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam
raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364
Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que
podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um
direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees
geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as
injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente
aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem
parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave
proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave
igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365
Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas
raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou
natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o
acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente
podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias
estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-
se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de
verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que
orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo
pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva
A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do
Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a
ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele
menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns
paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por
Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida
em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre
364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14
94
o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute
hoje Assim redigiu o Ministro
Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna
relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e
preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que
atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm
129902014) destacando-se em tal contexto como elementos
fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade
humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave
igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e
efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela
alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da
felicidade368
Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da
leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo
dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo
ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima
e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo
fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em
determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas
tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito
Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo
valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata
dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra
e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso
agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a
honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370
368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF
Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto
a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou
secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera
apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a
necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria
desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode
ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo
LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois
devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito
Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o
inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar
95
Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel
entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que
ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal
restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel
agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos
do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o
que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes
ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em
siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho
Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio
da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos
no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os
problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas
juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a
populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das
cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais
Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da
igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem
tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares
Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de
evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute
um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um
fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera
criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de
indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo
239 do Coacutedigo de Processo Penal
os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma
reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo
do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e
presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160
96
Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada
que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a
existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373
A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou
verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de
raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos
Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de
um exemplo
A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime
que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime
pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes
Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-
se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute
a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor
do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso
particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim
a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo
Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a
apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa
e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios
comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo
da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos
indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam
com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees
geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas
373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao
abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a
uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E
outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo
eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com
todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20
97
provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376
Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos
julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis
justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo
a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)
que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave
plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada
A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um
contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja
porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras
palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute
possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em
debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas
oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o
ocircnus da prova dos fatos alegados
Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente
aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e
elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio
dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico
Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute
entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses
376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por
possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de
percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal
Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da
contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos
a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir
que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se
apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 138 e 167
98
conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos
alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica
Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou
seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente
aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a
partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o
conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos
satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as
premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o
primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como
acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador
pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos
τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as
relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees
Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os
entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois
servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι
dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer
de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um
exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o
conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento
retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam
o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental
Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os
entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que
representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme
expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por
si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico
tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e
interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de
argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o
estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que
99
o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam
e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar
instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais
e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto
Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em
funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito
significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute
possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou
acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre
elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios
gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria
dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do
mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na
esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo
pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o
objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas
no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees
diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar
os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou
desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa
dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas
algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral
consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e
histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo
juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de
argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito
e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou
se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos
Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de
linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no
378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18
100
sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do
termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do
que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de
raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo
de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza
precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem
de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico
literaacuterio ou comum
3 Linguagem loacutegica e eacutetica
Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem
Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio
apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O
jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo
juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre
os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei
natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas
pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute
a imprecisatildeo da linguagem do Direito386
Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para
Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na
existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos
decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os
sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para
evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo
382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que
as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que
significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit
p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro
101
Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre
identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que
envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos
utilizados durante a discussatildeo389
A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a
linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem
comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que
Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as
ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia
antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O
que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e
esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e
coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos
Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo
conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que
buscar uma linguagem perfeita
Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo
enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito
principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias
Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo
histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme
temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito
De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos
Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por
seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e
linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de
389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge
como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e
cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas
redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica
ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica
juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas
sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo
extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo
102
debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio
de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual
que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um
contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado
Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem
os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e
como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que
estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte
para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais
seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes
Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo
muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como
sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o
debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista
que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees
como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram
descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como
empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe
um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo
Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391
mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim
como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda
argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute
uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e
disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que
torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo
homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de
adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito
essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos
Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio
qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio
391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15
103
servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo
Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo
dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados
testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por
parte dos debatedores
4 Taacuteticas de debate
As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos
nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais
no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as
sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o
interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento
Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo
A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia
T Sim mas o que exatamente
A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de
madrugada no dia X
T Sim eacute verdade
A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos
T Sim
A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu
T Natildeo sei acho que por volta de uma hora
A Antes ou depois de uma hora
T Natildeo sei
A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta
de meia noite
T Sim
A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo
T Natildeo sei
A A senhora ouviu ele chegar
T Natildeo
A A senhora estava dormindo
104
T Sim
A A senhora tem insocircnia
T Sim
A A senhora toma remeacutedios para dormir
T Agraves vezes sim
A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir
T Natildeo lembro
A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo
T Estava dormindo e acordei com os barulhos
A A senhora tem pesadelos agraves vezes
T Agraves vezes sim
A Obrigado
O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato
que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de
que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a
conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a
alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que
ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato
ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a
afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As
premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O
advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo
do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave
conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que
dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a
chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade
de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava
dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo
A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o
auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o
testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-
se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo
105
dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo
mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado
remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para
dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel
que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez
servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos
pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos
natildeo eacute fidedigno
O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum
na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas
premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu
os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que
levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos
O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para
um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por
induccedilatildeo
Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de
debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre
os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos
de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor
isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na
condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha
promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia
entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante
discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre
por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor
a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a
dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual
oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na
discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz
106
CONCLUSAtildeO
Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as
quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que
a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois
suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de
premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos
do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de
forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo
especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo
ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que
essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito
o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de
Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do
Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o
treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a
finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a
investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto
acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais
aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e
outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para
os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva
para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma
393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30
107
ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados
nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo
A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa
dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra
usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se
formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido
feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e
aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas
loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de
Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos
que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas
anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na
praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos
a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute
fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica
natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer
uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos
suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica
aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica
juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes
de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica
os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos
para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das
ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser
enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que
ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em
geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje
Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum
tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do
seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa
filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso
estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na
108
obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da
correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos
como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma
compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como
um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo
da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta
dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar
as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos
da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica
que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e
se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-
contradiccedilatildeo
No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam
concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de
linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas
em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as
habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional
de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem
exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso
seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico
Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e
o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente
aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico
dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese
satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos
dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito
mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel
enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade
maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um
meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma
397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246
109
aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao
dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo
pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos
cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos
Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo
dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios
Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou
modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo
de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da
dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um
discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas
trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral
dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos
retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees
diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele
retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham
a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte
satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da
linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer
aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos
Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da
sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica
Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles
menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente
tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias
entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue
de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma
habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas
398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida
quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2
157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees
possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou
faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16
110
comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica
para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas
De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve
como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso
como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do
assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo
requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das
questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos
Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e
psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de
vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees
reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento
para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo
apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo
essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um
pouco estranha a de que nem tudo se discute
Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo
juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples
meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas
Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos
argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e
linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O
principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre
acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas
respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente
dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos
que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito
uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas
111
REFEREcircNCIAS
Obras antigas
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto
Codex Porto Editora 1995
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ARISTOacuteTELES I Topici Traduzione introduzione e commento di A Zadro Naacutepoles Loffredo
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ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Traduccedilatildeo de Edson Bini 2 ed Satildeo Paulo Edipro 2012
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Ediccedilatildeo triliacutengue de Valentiacuten Garciacutea Yebra Madri Editorial Gredos
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ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F
Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de
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ARISTOacuteTELES Obras Completas Toacutepicos Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e
Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da
Moeda 2007
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes
Lisboa Guimaratildees Editores 1986
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes
Lisboa Guimaratildees Editores 1986
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Satildeo Paulo Hedra 2005
PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
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ii
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo ao Prof Dr Guy Hamelin por ter aceitado me orientar nesse tema da
minha dissertaccedilatildeo e pela paciecircncia e gentileza em suas correccedilotildees
Agradeccedilo aos professores da minha banca de qualificaccedilatildeo Prof Dr Marcos
Aureacutelio Fernandes Prof Dr Nelson Gonccedilalves Gomes pelas ricas contribuiccedilotildees
Agradeccedilo ao Fernando Martins Mendonccedila da Universidade Federal de
Uberlacircndia pelas atenciosas e gentis respostas agraves minhas duacutevidas encaminhadas por e-
Agradeccedilo aos colegas e professores do Grupo de Pesquisa em Filosofia Antiga e
Medieval por seu constante apoio e auxiacutelio especialmente aos colegas Neimar de
Almeida e Luiza Simotildees Pacheco
Agradeccedilo agraves amigas Alessandra Schneider e Marcia Mazo Santos por seu auxiacutelio
especialmente na obtenccedilatildeo de material de pesquisa
Agradeccedilo tambeacutem aos funcionaacuterios da Secretaria da Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia
e aos professores da Coordenaccedilatildeo pelo bom atendimento durante o curso
iii
RESUMO
A toacutepica juriacutedica proposta metodoloacutegica criada pelo alematildeo Theodor Viehweg
na deacutecada de 1950 manteacutem sua influecircncia ateacute hoje entre juristas brasileiros Viehweg
declara ter embasado a sua obra Toacutepica e Jurisprudecircncia nas toacutepicas de Aristoacuteteles e
Ciacutecero Segundo grande parte dos criacuteticos desse jurista as noccedilotildees sobre toacutepica
apresentadas em sua obra satildeo confusas e imprecisas Reconhecendo o valor da
redescoberta da dialeacutetica e da retoacuterica na esfera juriacutedica nosso objetivo eacute apresentar um
esboccedilo da obra Toacutepicos de Aristoacuteteles com uma noccedilatildeo clara sobre o meacutetodo dialeacutetico que
o Estagirita apresenta nesse tratado Esse esboccedilo eacute teoacuterico e compreende noccedilotildees
introdutoacuterias agrave dialeacutetica e seus instrumentos uma discussatildeo sobre o que satildeo toacutepicos uma
ideia geral sobre o debate dialeacutetico e sobre os viacutecios de raciociacutenio A partir dessa
descriccedilatildeo fazemos algumas anaacutelises em nosso uacuteltimo capiacutetulo sobre o que poderia ser
aplicado da metodologia dos Toacutepicos ao Direito A metodologia empregada nesta
dissertaccedilatildeo consiste na maior parte em inventariar e apresentar os conteuacutedos dos Toacutepicos
conforme expostos nesse tratado explicando-os agrave luz dos conteuacutedos de outras partes da
mesma obra e de outras obras de Aristoacuteteles aleacutem de comentaacuterios de especialistas A
anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico ao Direito parte da siacutentese do esboccedilo teoacuterico
apresentado e sua comparaccedilatildeo com noccedilotildees baacutesicas sobre Direito e exemplos juriacutedicos
particulares
Palavras-chave Aristoacuteteles dialeacutetica retoacuterica Direito
iv
ABSTRACT
The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor
Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists
Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and
Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his
work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of
dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo
Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise
This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a
discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices
of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what
could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present
thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth
in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the
work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists
The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the
presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific
legal examples
Key words Aristotle dialectic rhetoric Law
v
SUMAacuteRIO
AGRADECIMENTOSii
RESUMOiii
SUMAacuteRIOv
ABREVIATURASvii
INTRODUCcedilAtildeO1
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12
1 Consideraccedilotildees iniciais12
Noccedilotildees preliminares 12
Objetivo dos Toacutepicos15
Raciociacutenio dialeacutetico 20
2 A utilidade dos Toacutepicos23
3 Os instrumentos da dialeacutetica28
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28
Predicaacuteveis32
Categorias 34
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos
termos36
Espeacutecies de argumentos36
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38
Significados dos termos39
II Os toacutepicos 42
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46
vi
Toacutepicos sobre o acidente48
Toacutepicos sobre o preferiacutevel49
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53
Toacutepicos na Retoacuterica54
III O debate dialeacutetico57
1 Estrateacutegias do questionador59
2 Estrateacutegias do respondedor63
3 Diferentes objetivos no debate65
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68
IV Viacutecios de raciociacutenio72
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83
Casos particulares89
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97
3 Linguagem loacutegica e eacutetica100
4 Taacuteticas de debate103
CONCLUSAtildeO106
REFEREcircNCIAS111
vii
LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Aristoacuteteles
Toacutep Toacutepicos
Cat Categorias
Met Metafiacutesica
Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco
Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos
An Pr Analiacuteticos Primeiros
An Post Analiacuteticos Segundos
Ret Retoacuterica
Fiacutes Fiacutesica
Da Int Da Interpretaccedilatildeo
1
INTRODUCcedilAtildeO
O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o
estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado
pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo
entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da
evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as
demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase
como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado
Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao
contingente3
Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em
vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de
prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi
desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo
Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o
Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo
as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4
Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais
de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva
alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5
Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma
ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou
para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da
1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo
G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000
p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo
Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26
2
matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo
cientificamente irrespondiacutevel6
Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na
primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor
Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia
(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se
alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na
Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de
resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por
problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o
autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9
A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)
surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na
Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos
de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que
mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de
habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias
publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as
pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se
durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas
da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar
dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica
e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de
Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande
6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina
Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia
Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e
Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins
Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995
p 343
3
codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela
dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar
as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a
princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos
XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica
escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas
juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e
fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos
particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14
A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da
dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da
repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros
devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de
Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo
extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do
respeitado jurista alematildeo Karl Larenz
Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue
depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico
juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer
ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises
juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de
empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores
que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma
representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo
das opiniotildees expendidas17
13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171
Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz
Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)
as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente
um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para
julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar
por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar
topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida
em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo
abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver
constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse
puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar
proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago
que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute
4
Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico
pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns
argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam
de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios
conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica
standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19
Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como
disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se
pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas
compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel
natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel
O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico
poreacutem um toacutepico muito importante21
No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul
Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22
Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da
argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950
poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de
Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de
Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de
Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo
distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a
uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a
jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a
pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas
verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e
introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy
2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia
ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte
de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de
procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo
ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras
palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor
do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo
introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189
5
categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de
trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)
Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente
ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu
um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen
(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em
1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu
a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente
aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio
Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados
desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em
artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo
dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais
recentemente R Bolton e R Smith24
Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles
funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo
desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto
apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma
situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer
clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25
A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como
funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial
entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos
e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e
dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees
proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os
23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski
para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica
formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de
PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em
httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and
Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004
Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese
do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3
6
problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos
termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de
acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria
sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa
opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as
regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio
fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou
se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27
A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas
teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral
eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente
mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos
Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que
apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas
garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria
Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no
Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido
desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas
Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda
as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas
analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia
opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso
Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus
textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo
atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que
as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir
e apresentar argumentos soacutelidos28
No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a
dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos
26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997
p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo
Argumentation v 19 n 4 2005
7
primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o
meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por
sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins
Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades
mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer
habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32
As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de
Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter
argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao
positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como
pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de
invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua
toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus
proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica
de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da
Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo
Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre
partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de
vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz
pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade
respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade
isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar
na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria
regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial
tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da
prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo
29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29
2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24
jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na
codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar
por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116
8
incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo
exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos
estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos
Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por
necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em
consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir
para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero
considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg
natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no
decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica
claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A
toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor
Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento
desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas
apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo
da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso
interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves
metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar
o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza
segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40
Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise
sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera
juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do
Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que
Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para
a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica
juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de
37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em
httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica
ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel
em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set
2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57
9
uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso
objetivo de longo prazo
De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz
nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila
quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica
Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para
formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador
da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e
outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate
regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um
elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio
entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras
tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da
leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos
Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o
objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente
aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias
filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42
Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso
propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel
possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que
chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para
apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor
Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em
conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que
empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo
aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias
de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem
descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e
interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da
proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude
mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender
antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido
premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem
41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5
10
preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-
nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores
acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica
na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de
suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos
tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo
tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito
sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que
liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43
Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como
base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o
conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias
pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos
que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a
questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como
pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de
difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico
especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e
Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar
por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que
pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a
melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente
e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se
apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute
imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de
Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica
Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem
disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura
do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso
esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo
definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a
VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito
Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice
dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho
seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo
43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30
11
apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos
objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos
propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos
de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo
apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos
para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os
diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das
quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como
Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos
Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares
agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence
ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente
aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas
Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e
diaacutelogos
12
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos
1 Consideraccedilotildees iniciais
Noccedilotildees preliminares
O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles
sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido
moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de
Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados
sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44
O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de
modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos
Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)
5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos
O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir
uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo
divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos
Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral
eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e
Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois
como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa
elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado
tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores
do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o
Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos
44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro
e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos
Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas
palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema
que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo
essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos
Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A
Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196
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natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo
denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem
subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse
argumento48
Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos
Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e
como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas
merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas
noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto
de estudo
Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)
da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas
a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a
sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a
conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49
Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo
ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade
estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute
Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que
a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo
no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute
contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52
A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que
entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute
48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e
Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo
livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii
1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10
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mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica
e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins
de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico
(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico
nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento
cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute
destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois
como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa
razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem
nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para
se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar
Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo
para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as
afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra
ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso
de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser
investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal
caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos
Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais
especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade
de saacutebios a depender do contexto
Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O
conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra
forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam
Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e
pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais
natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53
Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de
53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133
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ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a
Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua
natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada
Trataremos disso em seguida
A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de
contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura
sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e
passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos
Objetivo dos Toacutepicos
O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra
Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas
ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos
tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer
alguma coisa que nos cause embaraccedilos56
Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se
percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57
Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)
com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por
todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos
para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58
54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -
Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014
ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que
deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja
de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao
passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic
Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para
comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de
opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na
sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1
100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25
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Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema
proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma
teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de
assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus
princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)
comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos
Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das
ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte
Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos
de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito
algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria
e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios
da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees
tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a
prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a
falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por
diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo
com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos
dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute
aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda
arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se
efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην
ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular
julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual
eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a
refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem
no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60
Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute
ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a
Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees
geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao
conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma
discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos
ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento
59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo
demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos
na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem
poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos
arg Op cit p 171
ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37
Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18
17
associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio
provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos
saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento
que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que
acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo
Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)
e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a
verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que
satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da
mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas
Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos
pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza
do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um
raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir
demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico
Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute
bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom
juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas
as coisas eacute bom juiz em geral62
Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir
a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo
legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo
admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do
contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de
investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos
Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios
sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo
62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a
25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo
em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o
ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes
maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o
segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade
A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo
fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito
citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade
aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados
(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de
todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior
nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees
correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES
Eacutetica a N Op cit p 146
18
geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63
Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado
sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio
portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria
culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos
na introduccedilatildeo deste trabalho
Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a
Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e
ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura
superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas
entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos
Toacutepicos que define ἔνδοξα
Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os
homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade
e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem
divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a
mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata
de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras
embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem
a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com
a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar
todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta
considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais
razoaacuteveis64
Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais
proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees
e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos
segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos
[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que
o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade
como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as
caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem
incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam
a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras
com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a
identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou
sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade
exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos
defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas
mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja
63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20
19
inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos
em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65
Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por
uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees
ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo
entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho
ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o
indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que
parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz
a dialeacuteticardquo66
Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas
de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio
Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um
senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado
o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente
aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo
ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67
Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto
de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como
dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem
ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo
aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees
e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar
Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo
Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma
proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou
para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo
devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo
(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se
65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico
ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10
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muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que
merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A
esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de
puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de
percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser
castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente
e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se
por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma
investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico
Raciociacutenio dialeacutetico
Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de
raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de
raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz
necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio
(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71
Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς
συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O
raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e
verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras
e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser
descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua
verdade por si mesmos72
Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das
cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que
intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os
70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem
necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6
ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente
pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10
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primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso
satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode
ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute
demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que
seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos
Analiacuteticos
Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber
(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja
inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o
conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute
necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν
ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas
mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas
satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do
demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode
haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma
demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem
ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a
comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e
indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para
serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de
um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua
demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do
que ela e a ela anteriores 75
A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o
fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros
Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo
74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo
sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo
(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave
intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os
princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico
(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia
(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que
apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de
o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma
ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento
verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do
proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se
comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores
Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um
par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma
pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira
Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-
30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O
desenvolvimento Op cit p 4
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estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos
observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se
mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser
verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite
alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos
Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na
afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito
tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e
obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa
dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das
duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee
uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute
indicamos nos Toacutepicos78
O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e
uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa
anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo
e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica
assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa
supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79
Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas
com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde
Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a
demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma
prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de
perguntas80
O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio
apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem
ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas
parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente
aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas
que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser
77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-
255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam
friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17
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claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as
opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa
falsidade deve ser um pouco oacutebvia82
O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade
no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e
mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se
enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas
de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas
apenas parecem secirc-los84
O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo
(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo
O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo
Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que
natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se
fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do
semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma
desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se
classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele
apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado
em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos
complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito
do raciociacutenio eriacutestico
2 A utilidade dos Toacutepicos
Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se
raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na
sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro
lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo
82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5
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bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla
possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para
a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as
disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O
treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram
praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a
conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em
suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a
identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado
meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases
uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave
luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica
que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de
todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89
Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A
primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos
contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o
raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e
o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na
discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das
87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais
facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo
agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute
completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante
de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as
questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais
apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as
investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como
contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma
e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher
acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151
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proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se
a verdade (ἀλήθεια)91
No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios
(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica
mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos
anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os
princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos
Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a
partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta
debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94
Citamos um trecho
Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou
natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele
estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da
realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o
detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma
natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo
verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto
dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar
qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto
natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa
indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas
Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que
professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash
coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem
caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando
em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira
de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de
francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que
natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio
que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95
Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o
qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo
(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do
princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas
91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua
verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119
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eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o
Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode
ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos
ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo
de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios
pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute
uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela
inteligecircncia97
Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se
aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois
esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro
mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas
Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da
Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99
Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa
obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a
impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao
debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()
declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas
de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme
era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores
tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute
possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como
divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da
dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos
exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles
96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um
jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34
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nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas
Disputationes104
Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de
disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota
da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a
ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer
aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um
descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o
comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa
complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105
O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um
meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo
se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara
demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os
Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos
considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento
principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma
outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as
ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos
Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas
e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos
sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus
nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees
individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que
abordaremos agora
103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar
tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos
quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a
constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-
se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto
deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15
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3 Os instrumentos da dialeacutetica
Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o
eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar
dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o
que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees
necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de
argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de
coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim
de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e
os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute
composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado
do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para
a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na
construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute
ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem
natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo
apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de
proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final
se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada
a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo
Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por
todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema
(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a
escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela
107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo
e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na
construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13
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anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos
que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O
problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113
Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados
como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo
ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em
se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute
evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o
que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem
se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se
estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados
satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115
Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις
ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos
quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que
satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais
de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma
ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das
opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve
fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)
acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em
questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os
pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem
ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra
observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como
113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to
different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem
is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle
tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20
30
no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas
contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam
os debates
ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal
como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou
ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica
deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso
das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta
espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila
distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem
significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie
eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-
nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118
Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)
que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o
conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo
tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada
em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos
homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave
opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios
divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees
em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra
e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por
exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a
diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos
fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que
resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos
das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e
dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica
essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo
sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo
θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo
intelectual120
118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81
31
Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que
Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito
com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo
denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas
entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo
eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em
movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121
Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar
proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As
proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute
deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles
pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias
agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que
estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que
parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas
como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo
Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser
extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa
vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades
reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica
sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser
tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees
Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo
conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos
relativos eacute o mesmordquo124
121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca
a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute
indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute
possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis
quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo
eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o
universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35
32
Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)
e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos
partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as
categorias
Predicaacuteveis
Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou
um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com
o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os
predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da
reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125
Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais
Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como
explicados a seguir
Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν
εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa
Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua
diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um
animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem
definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica
Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas
natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo
conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128
O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente
uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira
conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute
homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem
Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender
125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New
York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20
33
gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem
pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129
O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias
coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem
boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do
objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de
essecircncia (τὸ τί ἐστι)132
Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa
sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem
proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor
modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133
Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao
gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles
poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser
destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o
atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um
proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim
quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente
Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido
Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles
Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes
firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo
para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e
organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem
foco em um dos predicaacuteveis
O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas
e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute
129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39
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possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam
na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de
ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma
proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo
pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se
predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo
abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem
que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do
gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito
Categorias
Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de
predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma
das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute
divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de
coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre
esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as
seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo
posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138
135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo
Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos
de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais
probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem
disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a
foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma
coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-
10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias
ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)
ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou
ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs
categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas
pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma
classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia
expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que
ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a
tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto
Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas
categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)
de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois
35
Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das
Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que
eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139
Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois
termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos
Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua
essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere
tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso
trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no
livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo
entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer
em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por
exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia
ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo
e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de
substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de
categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes
em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo
vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica
bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o
que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142
evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma
substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I
9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou
ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor
branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia
(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma
grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute
descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros
casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o
seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada
de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras
espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006
apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq
36
A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as
definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem
como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as
diferenccedilas se expressam em categorias
Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a
qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a
qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem
ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo
basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por
alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas
acima143
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados
dos termos
Espeacutecies de argumentos
Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio
(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas
estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute
considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos
sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez
eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144
Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo
eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto
ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das
duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no
iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse
mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por
premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se
relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio
143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se
que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que
de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69
37
natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos
inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita
coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo
clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da
linguagem vulgarrdquo147
Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos
homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos
leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio
A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de
argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo
de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves
Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo
caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos
de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais
utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios
universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os
princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica
linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso
segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151
Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento
de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se
emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as
semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar
proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas
147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b
18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo
fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes
manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos
apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)
Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30
38
e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser
inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila
Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees
sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro
lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos
em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou
geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa
soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo
mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo
ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute
o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O
segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute
capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do
acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A
identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma
espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a
identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem
e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o
estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos
predicaacuteveis
Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser
estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila
difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do
conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da
153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma
proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso
como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser
recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a
sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo
em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13
105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35
39
mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que
pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157
O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa
particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela
observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil
para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O
argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do
estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais
semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das
semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos
semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees
o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada
caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a
essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto
em uma definiccedilatildeo158
Significado dos termos
Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece
reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele
apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um
termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos
algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios
significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como
exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de
ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo
Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra
ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios
tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o
que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor
A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da
157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37
40
sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso
ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como
por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas
natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160
Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter
sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido
conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das
palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado
o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado
ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe
de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a
uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade
apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias
definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161
Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos
significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se
argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado
dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo
perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita
em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao
se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens
Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto
no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que
afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a
coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso
raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas
aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos
sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que
interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao
160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que
corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos
exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de
fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one
or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated
by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a
competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx
41
passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados
e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua
asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus
argumentos a esse ponto163
O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das
palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com
falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos
nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem
possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados
apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos
sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um
tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que
se vecirc no seguinte trecho
Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham
diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles
que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo
logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo
familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de
falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando
ouvem outros raciocinar165
Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo
encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos
apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os
raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente
ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos
Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se
segue166
163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios
porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar
por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus
argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso
adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre
possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos
Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se
por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de
discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES
Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35
42
II Os toacutepicos
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)
Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido
por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho
essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em
dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer
uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles
designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor
uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale
que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles
sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor
atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo
procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que
Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em
competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas
consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a
etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir
O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito
provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista
de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas
localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente
recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees
dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em
Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169
167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations
Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these
he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what
a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith
1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of
Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em
lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a
great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street
one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items
Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad
43
Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo
que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no
mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante
entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie
Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta
os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de
apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o
dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o
argumento para a conclusatildeo desejada171
Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute
associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles
sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber
vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem
selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173
ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se
apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque
de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por
meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma
premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a
atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos
Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das
proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo
dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza
Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems
to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly
makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined
premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On
Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA
Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002
Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a
variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in
stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo
then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo
SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151
44
para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos
olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177
J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo
do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o
termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser
usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou
uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo
como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte
Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica
e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um
argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o
nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos
poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179
Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega
τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente
ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes
entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que
podem ser gerais ou especiacuteficos
Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo
Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas
argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees
argumentativosrdquo182
Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou
premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o
177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo
aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de
direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico
do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees
de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram
em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera
toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo
diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas
(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa
45
seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como
acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse
tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos
quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185
Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos
natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz
que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da
aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como
premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι
especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()
regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso
em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186
A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a
funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος
aristoteacutelico o seguinte
Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este
pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se
o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser
impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave
mesma coisa187
Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι
aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema
toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados
em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente
conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais
frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos
e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no
grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem
nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e
conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera
referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do
mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc
as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada
do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese
pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep
163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33
46
argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao
sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou
regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos
muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os
esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos
toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188
Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro
deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser
uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que
queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou
refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para
apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de
uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que
selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso
dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo
deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se
por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos
selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado
para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o
esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo
o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar
a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa
capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da
espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate
dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo
pretendida189
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica
Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios
dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os
livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo
188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid
47
eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados
nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos
mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees
que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos
De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se
as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A
Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten
que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191
1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S
2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S
3) S eacute P = P eacute gecircnero de S
4) S eacute P = P eacute acidente de S
Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III
dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute
bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo
ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser
usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios
particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo
dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de
modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer
ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas
em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que
afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um
erro193
190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos
menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162
Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30
48
Toacutepicos sobre o acidente
O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se
haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente
pertence ao sujeito de outra maneira
Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que
pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais
comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo
se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma
cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194
Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente
que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo
ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo
correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo
O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se
afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico
serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o
predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que
o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente
encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a
proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente
se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa
posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam
uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um
procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado
Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar
os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o
ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195
O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do
acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute
alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo
dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de
194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30
49
ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o
invejoso natildeo eacute bom196
Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou
destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos
quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser
usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute
objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro
significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos
termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que
comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos
Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu
que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento
pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos
Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de
significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente
o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi
discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel
tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por
terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos
que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos
demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma
afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo
corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os
sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade
de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que
seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente
porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence
ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo
se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido
a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio
teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel
num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa
pretensatildeo seja razoaacutevel198
Toacutepicos sobre o preferiacutevel
O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a
um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o
mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas
ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre
196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28
50
o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute
necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que
identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas
Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo
segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo
Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel
agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais
probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo
homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo
qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em
determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos
eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo
mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou
carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a
maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas
as coisas tendem para o bem199
Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas
acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de
modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por
exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais
desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que
pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa
melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio
de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente
a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o
vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel
que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio
Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio
Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das
investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem
partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201
199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15
51
O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero
atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem
agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute
indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o
gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar
se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)
Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma
nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro
toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada
pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma
espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203
Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o
oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre
manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo
propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de
ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute
formoso204
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo
Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para
verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve
linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre
a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de
identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir
na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo
de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o
erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero
Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas
diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar
ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar
202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15
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o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute
correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer
O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um
objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave
definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206
Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre
a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave
obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro
o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale
para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute
ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se
o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade
em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem
para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e
friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo
que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se
refere207
Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter
apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos
construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa
discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre
a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e
como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo
consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta
que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo
desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para
a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo
e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que
Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado
um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos
205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20
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De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza
os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a
partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando
que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam
meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos
adequadamente enumeradosrdquo210
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto
capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia
(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas
coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a
combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas
seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma
sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que
dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212
Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados
no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como
sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou
deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser
obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de
sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema
definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo
nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para
aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo
para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que
escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que
210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have
now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior
Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London
Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159
54
parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem
chama de toacutepicos214
Toacutepicos na Retoacuterica
A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη
ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum
e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O
que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir
em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de
demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo
que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma
espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em
geral partem de ἔνδοξα221
Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo
no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa
para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou
213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o
tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel
portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)
de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-
33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173
Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois
que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo
vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg
Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos
produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais
haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela
induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos
nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas
satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo
Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior
parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que
cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que
geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem
ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o
particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237
55
comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns
ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser
aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica
Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos
ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial
e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica
Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o
exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula
argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se
uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que
seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os
homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o
menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos
inclusive atualmente
Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem
eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses
nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees
eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225
Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade
dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um
exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre
a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A
primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio
de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se
vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis
escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando
natildeo houver puniccedilatildeo226
Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees
que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a
223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20
56
praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir
acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute
conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos
para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227
Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na
argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde
com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como
ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As
maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima
ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado
saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a
causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil
do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar
determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da
mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de
encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa
que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel
do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso
pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231
227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15
57
III O debate dialeacutetico
Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente
uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas
ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia
um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo
Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do
respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder
Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua
proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente
concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse
ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233
Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de
praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a
dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas
codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa
praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos
Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir
para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa
conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de
Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo
diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer
tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a
funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a
dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao
tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese
por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E
acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se
232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm
158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press
1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7
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refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que
recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII
o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas
dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da
competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o
antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo
pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o
respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua
defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular
algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso
se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que
Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo
e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e
apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo
correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o
comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo
de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio
Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo
geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico
se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do
raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por
meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de
demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute
possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e
examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de
estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois
sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem
utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador
236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40
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individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas
em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da
afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242
1 Estrateacutegias do questionador
O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de
propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente
e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave
construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro
tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute
concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o
argumento mais evidente244
Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se
possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas
alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute
confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo
(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes
uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a
concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que
eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu
as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247
Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter
distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel
possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos
chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por
Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com
atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos
posteriormente
242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30
60
As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se
na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente
e tambeacutem em sugestotildees de psicologia
As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma
expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por
exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute
podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a
oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica
nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que
se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o
mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois
disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando
uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo
forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo
expliacutecito250
Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas
para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para
dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o
argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se
pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o
desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se
despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter
inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que
realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees
dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de
defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute
uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem
natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a
outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias
tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma
249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5
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conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos
nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251
Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando
possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os
termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a
concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a
concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem
uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem
irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso
desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos
baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra
estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes
desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255
Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate
oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de
imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada
eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma
objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a
premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais
facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os
pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas
que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em
primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou
impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256
251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo
coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II
9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39
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Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para
proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem
que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257
Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme
jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com
os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a
questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas
usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas
satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que
abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o
adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule
uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em
questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida
Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir
tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se
natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute
vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo
contra elardquo258
Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente
o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse
fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade
seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel
Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio
sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque
muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a
nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees
que foram feitas259
257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15
63
Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas
hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do
ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel
ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-
se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas
intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261
As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do
questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom
questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se
seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom
respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas
apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo
a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262
2 Estrateacutegias do respondedor
O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou
respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou
geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila
no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas
O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese
assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a
conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais
familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar
Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do
mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263
O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter
geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia
para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para
evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante
260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner
should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses
that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20
64
e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa
natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande
maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees
muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o
ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o
respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo
se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente
deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e
natildeo da sua incompetecircncia pessoal264
O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de
clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e
simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes
significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro
sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente
natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio
do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra
alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve
o verbo ldquopertencerrdquo
Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos
ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem
o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o
homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois
dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um
animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos
espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa
proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266
O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador
tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve
evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo
absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por
dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do
264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180
65
que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que
a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267
3 Diferentes objetivos no debate
Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode
ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute
regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute
influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo
influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem
tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo
(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a
respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme
falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em
que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras
e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas
de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em
mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma
proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para
toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos
O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos
conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando
Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e
natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro
mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende
que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute
possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade
Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que
deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por
meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios
267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the
conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139
66
a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos
posteriormente 270
Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o
paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que
satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma
intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com
necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de
ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige
compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles
distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as
proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico
nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271
Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que
essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio
investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute
apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos
Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica
dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma
que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos
proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida
para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar
construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores
o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas
tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os
aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo
conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou
procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas
para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos
270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do
exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para
estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro
como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro
foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII
11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363
67
extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel
identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo
sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele
estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um
dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise
cuidadosa
Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada
que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento
em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos
independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando
ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o
argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de
premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o
argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora
verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e
falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem
apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute
contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a
verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer
afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles
e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos
272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de
estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado
conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos
o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o
dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez
que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas
pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo
do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais
facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito
de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo
sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a
ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)
terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a
partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos
diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o
68
Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode
ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou
natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia
Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc
quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem
na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e
que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio
dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque
parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as
circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita
a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo
No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio
dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles
inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si
mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos
proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos
debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles
comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280
Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma
que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o
respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer
corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo
desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser
uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o
mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o
conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como
predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a
conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente
rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais
coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p
143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10
69
argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda
tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando
um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um
ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento
eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos
O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento
comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave
argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo
comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com
efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que
haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria
como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que
faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a
admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro
pergunta283
Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma
disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as
estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo
muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute
pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma
premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a
proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos
casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter
Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda
seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285
Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do
questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute
fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um
grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um
raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas
281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10
70
perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade
chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286
A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme
mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da
argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de
xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas
estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles
caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o
com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288
Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do
debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a
cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles
reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e
moral
Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo
com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por
forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua
diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar
todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas
isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr
levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute
resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289
A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute
presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro
da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria
aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar
essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela
291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre
ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos
Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos
anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que
286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367
71
usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de
descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema
proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser
utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom
suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e
como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos
relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima
linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema
especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc
Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre
qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais
geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte
da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela
devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas
o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com
uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do
nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir
uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de
assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender
nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas
quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo
que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las
confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que
precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos
materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as
fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos
Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo
e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar
contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os
problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta
investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do
assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar
acima292
292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196
72
IV Viacutecios de raciociacutenio
As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos
debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz
respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles
Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um
sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo
como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste
capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto
pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a
certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a
seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na
argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral
Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos
exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal
silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser
definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos
Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e
Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo
a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos
antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da
Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras
silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o
escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro
de Aristoacuteteles sobre loacutegica
Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que
em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco
293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45
73
possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes
As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia
inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo
reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas
quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em
X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia
se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296
As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no
uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio
ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos
silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos
Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo
justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de
viacutecios de raciociacutenio
Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII
dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que
a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do
sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio
dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que
parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de
falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com
exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente
beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de
coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o
satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute
Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν
ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que
aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como
296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso
quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo
tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse
que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento
de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute
igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25
74
tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao
sujeito (assunto) em pauta298
Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso
silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou
um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter
muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O
exemplo apresentado eacute
Quem estaacute sentado escreve
Soacutecrates estaacute sentado
Soacutecrates estaacute escrevendo
A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles
sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave
conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre
o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo
ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve
ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve
e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo
seria possiacutevel300
Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em
si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a
conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as
premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem
adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute
irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de
premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como
perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre
quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves
vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas
que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo
298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39
75
menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas
satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto
Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema
proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte
de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo
leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que
conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por
meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio
(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que
demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por
um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302
Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No
primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o
caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No
segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o
caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma
conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute
eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao
assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina
ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou
falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada
por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes
verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo
verdadeira seja inferida de premissas falsas 304
Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer
em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que
conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute
postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se
301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma
demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a
conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16
76
expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e
expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar
para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento
dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um
soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de
modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar
que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas
da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia
da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se
incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de
afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular
que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute
incomensuraacutevel com o lado306
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos
Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em
contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um
raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser
geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso
ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma
competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois
o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o
sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e
enriquecer307
A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata
de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da
adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa
inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um
paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de
um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de
um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do
Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o
306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35
77
argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento
apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto
dialeacutetico308
Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de
preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o
solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a
aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309
As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que
independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento
em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para
as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia
(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e
a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje
de falaacutecias de ambiguidade311
Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute
bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que
pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo
por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo
quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um
exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo
As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis
porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das
palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que
estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e
Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do
mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais
adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras
308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou
1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10
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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas
possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem
tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute
sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute
teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo
ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de
palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado
com aquilo com que foi espancadordquo315
Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas
discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois
exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No
entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e
facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase
na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia
Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel
As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da
mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que
abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar
fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar
vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318
As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as
relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo
em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou
relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas
ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias
questotildees em uma soacute319
314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30
79
As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma
que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como
uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos
pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo
ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute
ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de
Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem
pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320
Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem
ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido
absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por
exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo
eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente
como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca
aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321
As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido
definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado
de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente
delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do
desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso
elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo
que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322
A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a
conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor
que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O
Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a
percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos
Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar
molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323
320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10
80
Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo
modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram
apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324
A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para
fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse
tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa
que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave
impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos
Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a
mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a
ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que
ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute
o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de
ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de
perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e
ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da
impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a
ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de
ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo
satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa
causa da impossibilidade desse argumento325
A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada
de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa
despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra
que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela
aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso
acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que
324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161
81
aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo
ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327
Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a
segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo
(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem
os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e
a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves
opiniotildees aceitas329
A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma
expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade
aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra
masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um
lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331
Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa
repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos
relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo
e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele
seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente
ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade
da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo
de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta
pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado
ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334
As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em
torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico
estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme
327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8
82
a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende
uma sabedoria aparente
Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que
possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele
proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo
tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos
capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para
dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio
apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute
indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos
Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma
faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e
esse eacute o fim que eles tecircm em vista336
336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156
83
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica
Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de
estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo
do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso
reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da
ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos
especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base
soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337
Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de
proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo
apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a
partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos
condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra
oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e
exemplificativos
A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo
proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta
dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do
conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das
opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios
(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem
a nenhum campo de saber especiacutefico
Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico
Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas
parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que
337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57
84
queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram
como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico
() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como
um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma
como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico
natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338
De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito
dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas
parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um
raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz
mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute
enganoso e desleal339
Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece
nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas
pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave
dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como
questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico
do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais
os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser
aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem
alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses
princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio
da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral
O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica
de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de
conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado
fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do
conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos
nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual
tentaremos resolver a partir de agora
338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte
desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo
portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor
ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op
cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso
capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos
85
A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de
Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o
que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero
de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute
proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o
fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos
destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta
ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a
felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As
opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no
discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo
retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as
confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara
distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho
Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que
a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou
natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou
injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao
juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes
Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo
com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos
juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens
que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar
muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa
experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo
imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se
retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344
Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas
teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os
testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que
temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos
que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma
categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado
341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
86
uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345
No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica
equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou
argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca
de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de
certo modo
Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o
Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo
podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito
do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral
como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o
Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou
ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e
assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns
a todas as artes347
Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da
classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou
o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as
praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de
produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348
345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo
da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei
jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas
se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para
o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar
o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir
e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos
Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos
juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo
do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica
que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias
juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau
de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros
podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do
retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela
jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que
logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ
Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20
87
Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas
mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia
do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa
Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as
normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso
pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas
sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica
isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se
se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade
que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum
Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos
alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de
fatos
Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas
certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um
corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do
tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem
com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois
de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais
estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral
segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa
sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os
349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da
Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria
sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por
seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade
formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de
transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova
era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada
aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo
inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o
aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees
que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo
permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL
Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio
27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt
Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
88
sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como
premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato
concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351
Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um
raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em
vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352
Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute
de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu
domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o
status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη
temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim
concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de
dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre
Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa
sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no
discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A
falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser
levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado
indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353
Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do
Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes
nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos
ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria
adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido
amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com
menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a
351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo
em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo
na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela
expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9
170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito
bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um
τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140
89
jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos
tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes
sobre os casos judiciais
Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a
presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos
legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes
longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave
ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se
transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos
que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees
da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na
doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da
sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem
eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem
discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em
discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica
no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes
de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos
particulares
Casos particulares
Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas
foi revogada e a outra alterada
A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada
pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo
Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou
fraude para fim libidinoso
Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355
A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude
Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha
a seguinte redaccedilatildeo
355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017
90
Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude
Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356
Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio
geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla
poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo
Federal como uma garantia fundamental neste inciso
XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
preacutevia cominaccedilatildeo legal357
Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com
base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria
O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio
da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei
deve ser clara e precisa358
Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos
costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo
chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da
expressatildeo ldquomulher honestardquo
O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas
nas normas e interpretadas pelos costumes
As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam
conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra
subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras
Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome
de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre
que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz
quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do
costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a
validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu
conteuacutedo359
Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar
seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se
356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo
Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em
lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71
91
expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma
constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos
da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o
que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de
forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem
consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar
algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo
Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees
geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher
honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos
ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio
Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de
jurisprudecircncia que mostraremos agora
Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro
Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal
Federal em 06 de agosto de 2002
Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute
da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do
crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a
mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores
elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou
o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher
seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual
por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das
viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode
ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes
consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de
Jesus360
Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do
Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees
geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo
Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por
ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo
Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram
360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson
Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em
24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
92
diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave
liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios
constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo
para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361
Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente
aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de
Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para
ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que
reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos
A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou
constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios
subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo
A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da
igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988
adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios
admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade
suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda
a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos
As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no
serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a
efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si
mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual
respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos
indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a
neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem
como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a
igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a
igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de
privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que
corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-
estar social e a igualdade como reconhecimento significando o
361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p
148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito
Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt
httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
93
respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam
raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364
Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que
podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um
direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees
geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as
injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente
aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem
parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave
proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave
igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365
Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas
raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou
natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o
acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente
podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias
estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-
se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de
verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que
orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo
pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva
A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do
Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a
ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele
menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns
paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por
Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida
em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre
364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14
94
o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute
hoje Assim redigiu o Ministro
Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna
relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e
preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que
atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm
129902014) destacando-se em tal contexto como elementos
fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade
humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave
igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e
efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela
alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da
felicidade368
Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da
leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo
dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo
ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima
e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo
fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em
determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas
tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito
Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo
valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata
dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra
e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso
agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a
honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370
368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF
Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto
a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou
secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera
apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a
necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria
desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode
ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo
LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois
devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito
Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o
inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar
95
Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel
entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que
ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal
restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel
agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos
do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o
que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes
ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em
siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho
Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio
da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos
no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os
problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas
juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a
populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das
cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais
Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da
igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem
tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares
Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de
evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute
um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um
fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera
criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de
indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo
239 do Coacutedigo de Processo Penal
os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma
reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo
do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e
presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160
96
Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada
que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a
existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373
A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou
verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de
raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos
Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de
um exemplo
A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime
que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime
pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes
Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-
se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute
a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor
do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso
particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim
a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo
Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a
apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa
e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios
comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo
da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos
indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam
com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees
geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas
373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao
abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a
uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E
outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo
eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com
todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20
97
provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376
Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos
julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis
justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo
a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)
que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave
plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada
A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um
contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja
porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras
palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute
possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em
debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas
oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o
ocircnus da prova dos fatos alegados
Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente
aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e
elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio
dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico
Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute
entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses
376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por
possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de
percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal
Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da
contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos
a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir
que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se
apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 138 e 167
98
conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos
alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica
Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou
seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente
aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a
partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o
conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos
satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as
premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o
primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como
acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador
pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos
τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as
relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees
Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os
entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois
servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι
dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer
de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um
exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o
conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento
retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam
o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental
Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os
entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que
representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme
expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por
si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico
tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e
interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de
argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o
estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que
99
o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam
e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar
instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais
e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto
Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em
funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito
significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute
possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou
acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre
elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios
gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria
dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do
mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na
esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo
pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o
objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas
no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees
diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar
os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou
desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa
dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas
algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral
consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e
histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo
juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de
argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito
e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou
se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos
Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de
linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no
378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18
100
sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do
termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do
que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de
raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo
de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza
precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem
de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico
literaacuterio ou comum
3 Linguagem loacutegica e eacutetica
Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem
Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio
apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O
jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo
juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre
os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei
natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas
pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute
a imprecisatildeo da linguagem do Direito386
Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para
Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na
existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos
decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os
sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para
evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo
382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que
as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que
significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit
p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro
101
Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre
identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que
envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos
utilizados durante a discussatildeo389
A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a
linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem
comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que
Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as
ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia
antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O
que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e
esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e
coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos
Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo
conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que
buscar uma linguagem perfeita
Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo
enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito
principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias
Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo
histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme
temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito
De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos
Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por
seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e
linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de
389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge
como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e
cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas
redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica
ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica
juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas
sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo
extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo
102
debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio
de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual
que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um
contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado
Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem
os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e
como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que
estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte
para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais
seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes
Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo
muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como
sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o
debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista
que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees
como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram
descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como
empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe
um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo
Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391
mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim
como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda
argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute
uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e
disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que
torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo
homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de
adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito
essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos
Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio
qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio
391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15
103
servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo
Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo
dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados
testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por
parte dos debatedores
4 Taacuteticas de debate
As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos
nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais
no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as
sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o
interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento
Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo
A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia
T Sim mas o que exatamente
A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de
madrugada no dia X
T Sim eacute verdade
A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos
T Sim
A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu
T Natildeo sei acho que por volta de uma hora
A Antes ou depois de uma hora
T Natildeo sei
A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta
de meia noite
T Sim
A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo
T Natildeo sei
A A senhora ouviu ele chegar
T Natildeo
A A senhora estava dormindo
104
T Sim
A A senhora tem insocircnia
T Sim
A A senhora toma remeacutedios para dormir
T Agraves vezes sim
A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir
T Natildeo lembro
A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo
T Estava dormindo e acordei com os barulhos
A A senhora tem pesadelos agraves vezes
T Agraves vezes sim
A Obrigado
O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato
que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de
que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a
conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a
alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que
ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato
ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a
afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As
premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O
advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo
do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave
conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que
dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a
chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade
de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava
dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo
A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o
auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o
testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-
se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo
105
dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo
mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado
remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para
dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel
que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez
servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos
pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos
natildeo eacute fidedigno
O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum
na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas
premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu
os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que
levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos
O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para
um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por
induccedilatildeo
Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de
debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre
os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos
de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor
isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na
condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha
promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia
entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante
discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre
por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor
a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a
dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual
oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na
discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz
106
CONCLUSAtildeO
Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as
quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que
a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois
suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de
premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos
do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de
forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo
especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo
ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que
essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito
o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de
Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do
Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o
treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a
finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a
investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto
acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais
aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e
outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para
os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva
para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma
393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30
107
ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados
nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo
A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa
dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra
usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se
formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido
feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e
aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas
loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de
Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos
que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas
anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na
praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos
a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute
fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica
natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer
uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos
suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica
aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica
juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes
de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica
os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos
para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das
ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser
enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que
ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em
geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje
Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum
tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do
seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa
filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso
estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na
108
obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da
correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos
como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma
compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como
um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo
da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta
dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar
as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos
da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica
que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e
se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-
contradiccedilatildeo
No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam
concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de
linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas
em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as
habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional
de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem
exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso
seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico
Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e
o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente
aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico
dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese
satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos
dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito
mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel
enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade
maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um
meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma
397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246
109
aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao
dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo
pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos
cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos
Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo
dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios
Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou
modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo
de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da
dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um
discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas
trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral
dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos
retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees
diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele
retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham
a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte
satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da
linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer
aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos
Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da
sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica
Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles
menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente
tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias
entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue
de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma
habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas
398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida
quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2
157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees
possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou
faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16
110
comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica
para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas
De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve
como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso
como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do
assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo
requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das
questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos
Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e
psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de
vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees
reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento
para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo
apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo
essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um
pouco estranha a de que nem tudo se discute
Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo
juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples
meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas
Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos
argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e
linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O
principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre
acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas
respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente
dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos
que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito
uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas
111
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iii
RESUMO
A toacutepica juriacutedica proposta metodoloacutegica criada pelo alematildeo Theodor Viehweg
na deacutecada de 1950 manteacutem sua influecircncia ateacute hoje entre juristas brasileiros Viehweg
declara ter embasado a sua obra Toacutepica e Jurisprudecircncia nas toacutepicas de Aristoacuteteles e
Ciacutecero Segundo grande parte dos criacuteticos desse jurista as noccedilotildees sobre toacutepica
apresentadas em sua obra satildeo confusas e imprecisas Reconhecendo o valor da
redescoberta da dialeacutetica e da retoacuterica na esfera juriacutedica nosso objetivo eacute apresentar um
esboccedilo da obra Toacutepicos de Aristoacuteteles com uma noccedilatildeo clara sobre o meacutetodo dialeacutetico que
o Estagirita apresenta nesse tratado Esse esboccedilo eacute teoacuterico e compreende noccedilotildees
introdutoacuterias agrave dialeacutetica e seus instrumentos uma discussatildeo sobre o que satildeo toacutepicos uma
ideia geral sobre o debate dialeacutetico e sobre os viacutecios de raciociacutenio A partir dessa
descriccedilatildeo fazemos algumas anaacutelises em nosso uacuteltimo capiacutetulo sobre o que poderia ser
aplicado da metodologia dos Toacutepicos ao Direito A metodologia empregada nesta
dissertaccedilatildeo consiste na maior parte em inventariar e apresentar os conteuacutedos dos Toacutepicos
conforme expostos nesse tratado explicando-os agrave luz dos conteuacutedos de outras partes da
mesma obra e de outras obras de Aristoacuteteles aleacutem de comentaacuterios de especialistas A
anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico ao Direito parte da siacutentese do esboccedilo teoacuterico
apresentado e sua comparaccedilatildeo com noccedilotildees baacutesicas sobre Direito e exemplos juriacutedicos
particulares
Palavras-chave Aristoacuteteles dialeacutetica retoacuterica Direito
iv
ABSTRACT
The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor
Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists
Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and
Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his
work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of
dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo
Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise
This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a
discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices
of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what
could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present
thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth
in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the
work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists
The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the
presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific
legal examples
Key words Aristotle dialectic rhetoric Law
v
SUMAacuteRIO
AGRADECIMENTOSii
RESUMOiii
SUMAacuteRIOv
ABREVIATURASvii
INTRODUCcedilAtildeO1
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12
1 Consideraccedilotildees iniciais12
Noccedilotildees preliminares 12
Objetivo dos Toacutepicos15
Raciociacutenio dialeacutetico 20
2 A utilidade dos Toacutepicos23
3 Os instrumentos da dialeacutetica28
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28
Predicaacuteveis32
Categorias 34
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos
termos36
Espeacutecies de argumentos36
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38
Significados dos termos39
II Os toacutepicos 42
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46
vi
Toacutepicos sobre o acidente48
Toacutepicos sobre o preferiacutevel49
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53
Toacutepicos na Retoacuterica54
III O debate dialeacutetico57
1 Estrateacutegias do questionador59
2 Estrateacutegias do respondedor63
3 Diferentes objetivos no debate65
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68
IV Viacutecios de raciociacutenio72
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83
Casos particulares89
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97
3 Linguagem loacutegica e eacutetica100
4 Taacuteticas de debate103
CONCLUSAtildeO106
REFEREcircNCIAS111
vii
LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Aristoacuteteles
Toacutep Toacutepicos
Cat Categorias
Met Metafiacutesica
Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco
Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos
An Pr Analiacuteticos Primeiros
An Post Analiacuteticos Segundos
Ret Retoacuterica
Fiacutes Fiacutesica
Da Int Da Interpretaccedilatildeo
1
INTRODUCcedilAtildeO
O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o
estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado
pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo
entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da
evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as
demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase
como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado
Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao
contingente3
Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em
vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de
prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi
desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo
Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o
Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo
as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4
Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais
de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva
alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5
Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma
ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou
para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da
1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo
G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000
p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo
Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26
2
matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo
cientificamente irrespondiacutevel6
Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na
primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor
Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia
(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se
alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na
Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de
resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por
problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o
autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9
A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)
surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na
Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos
de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que
mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de
habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias
publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as
pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se
durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas
da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar
dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica
e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de
Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande
6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina
Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia
Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e
Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins
Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995
p 343
3
codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela
dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar
as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a
princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos
XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica
escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas
juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e
fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos
particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14
A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da
dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da
repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros
devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de
Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo
extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do
respeitado jurista alematildeo Karl Larenz
Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue
depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico
juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer
ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises
juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de
empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores
que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma
representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo
das opiniotildees expendidas17
13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171
Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz
Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)
as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente
um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para
julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar
por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar
topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida
em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo
abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver
constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse
puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar
proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago
que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute
4
Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico
pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns
argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam
de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios
conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica
standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19
Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como
disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se
pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas
compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel
natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel
O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico
poreacutem um toacutepico muito importante21
No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul
Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22
Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da
argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950
poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de
Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de
Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de
Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo
distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a
uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a
jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a
pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas
verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e
introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy
2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia
ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte
de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de
procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo
ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras
palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor
do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo
introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189
5
categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de
trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)
Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente
ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu
um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen
(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em
1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu
a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente
aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio
Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados
desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em
artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo
dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais
recentemente R Bolton e R Smith24
Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles
funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo
desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto
apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma
situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer
clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25
A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como
funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial
entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos
e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e
dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees
proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os
23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski
para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica
formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de
PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em
httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and
Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004
Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese
do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3
6
problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos
termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de
acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria
sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa
opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as
regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio
fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou
se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27
A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas
teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral
eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente
mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos
Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que
apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas
garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria
Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no
Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido
desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas
Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda
as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas
analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia
opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso
Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus
textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo
atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que
as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir
e apresentar argumentos soacutelidos28
No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a
dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos
26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997
p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo
Argumentation v 19 n 4 2005
7
primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o
meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por
sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins
Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades
mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer
habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32
As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de
Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter
argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao
positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como
pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de
invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua
toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus
proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica
de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da
Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo
Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre
partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de
vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz
pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade
respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade
isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar
na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria
regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial
tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da
prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo
29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29
2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24
jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na
codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar
por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116
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incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo
exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos
estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos
Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por
necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em
consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir
para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero
considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg
natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no
decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica
claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A
toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor
Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento
desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas
apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo
da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso
interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves
metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar
o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza
segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40
Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise
sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera
juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do
Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que
Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para
a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica
juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de
37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em
httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica
ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel
em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set
2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57
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uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso
objetivo de longo prazo
De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz
nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila
quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica
Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para
formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador
da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e
outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate
regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um
elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio
entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras
tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da
leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos
Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o
objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente
aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias
filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42
Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso
propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel
possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que
chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para
apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor
Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em
conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que
empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo
aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias
de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem
descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e
interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da
proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude
mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender
antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido
premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem
41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5
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preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-
nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores
acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica
na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de
suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos
tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo
tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito
sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que
liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43
Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como
base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o
conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias
pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos
que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a
questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como
pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de
difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico
especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e
Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar
por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que
pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a
melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente
e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se
apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute
imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de
Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica
Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem
disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura
do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso
esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo
definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a
VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito
Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice
dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho
seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo
43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30
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apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos
objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos
propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos
de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo
apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos
para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os
diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das
quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como
Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos
Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares
agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence
ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente
aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas
Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e
diaacutelogos
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I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos
1 Consideraccedilotildees iniciais
Noccedilotildees preliminares
O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles
sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido
moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de
Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados
sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44
O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de
modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos
Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)
5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos
O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir
uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo
divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos
Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral
eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e
Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois
como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa
elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado
tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores
do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o
Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos
44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro
e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos
Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas
palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema
que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo
essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos
Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A
Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196
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natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo
denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem
subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse
argumento48
Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos
Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e
como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas
merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas
noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto
de estudo
Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)
da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas
a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a
sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a
conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49
Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo
ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade
estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute
Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que
a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo
no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute
contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52
A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que
entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute
48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e
Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo
livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii
1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10
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mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica
e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins
de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico
(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico
nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento
cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute
destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois
como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa
razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem
nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para
se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar
Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo
para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as
afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra
ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso
de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser
investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal
caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos
Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais
especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade
de saacutebios a depender do contexto
Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O
conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra
forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam
Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e
pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais
natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53
Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de
53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133
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ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a
Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua
natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada
Trataremos disso em seguida
A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de
contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura
sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e
passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos
Objetivo dos Toacutepicos
O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra
Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas
ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos
tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer
alguma coisa que nos cause embaraccedilos56
Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se
percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57
Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)
com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por
todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos
para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58
54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -
Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014
ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que
deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja
de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao
passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic
Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para
comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de
opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na
sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1
100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25
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Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema
proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma
teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de
assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus
princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)
comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos
Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das
ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte
Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos
de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito
algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria
e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios
da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees
tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a
prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a
falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por
diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo
com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos
dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute
aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda
arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se
efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην
ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular
julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual
eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a
refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem
no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60
Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute
ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a
Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees
geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao
conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma
discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos
ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento
59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo
demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos
na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem
poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos
arg Op cit p 171
ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37
Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18
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associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio
provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos
saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento
que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que
acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo
Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)
e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a
verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que
satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da
mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas
Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos
pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza
do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um
raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir
demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico
Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute
bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom
juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas
as coisas eacute bom juiz em geral62
Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir
a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo
legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo
admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do
contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de
investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos
Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios
sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo
62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a
25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo
em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o
ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes
maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o
segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade
A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo
fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito
citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade
aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados
(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de
todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior
nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees
correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES
Eacutetica a N Op cit p 146
18
geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63
Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado
sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio
portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria
culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos
na introduccedilatildeo deste trabalho
Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a
Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e
ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura
superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas
entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos
Toacutepicos que define ἔνδοξα
Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os
homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade
e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem
divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a
mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata
de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras
embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem
a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com
a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar
todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta
considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais
razoaacuteveis64
Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais
proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees
e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos
segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos
[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que
o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade
como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as
caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem
incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam
a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras
com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a
identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou
sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade
exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos
defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas
mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja
63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20
19
inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos
em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65
Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por
uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees
ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo
entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho
ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o
indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que
parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz
a dialeacuteticardquo66
Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas
de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio
Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um
senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado
o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente
aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo
ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67
Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto
de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como
dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem
ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo
aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees
e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar
Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo
Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma
proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou
para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo
devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo
(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se
65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico
ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10
20
muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que
merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A
esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de
puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de
percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser
castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente
e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se
por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma
investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico
Raciociacutenio dialeacutetico
Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de
raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de
raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz
necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio
(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71
Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς
συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O
raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e
verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras
e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser
descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua
verdade por si mesmos72
Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das
cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que
intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os
70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem
necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6
ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente
pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10
21
primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso
satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode
ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute
demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que
seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos
Analiacuteticos
Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber
(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja
inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o
conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute
necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν
ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas
mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas
satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do
demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode
haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma
demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem
ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a
comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e
indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para
serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de
um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua
demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do
que ela e a ela anteriores 75
A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o
fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros
Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo
74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo
sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo
(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave
intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os
princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico
(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia
(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que
apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de
o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma
ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento
verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do
proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se
comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores
Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um
par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma
pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira
Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-
30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O
desenvolvimento Op cit p 4
22
estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos
observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se
mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser
verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite
alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos
Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na
afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito
tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e
obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa
dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das
duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee
uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute
indicamos nos Toacutepicos78
O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e
uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa
anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo
e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica
assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa
supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79
Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas
com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde
Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a
demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma
prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de
perguntas80
O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio
apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem
ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas
parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente
aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas
que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser
77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-
255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam
friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17
23
claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as
opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa
falsidade deve ser um pouco oacutebvia82
O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade
no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e
mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se
enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas
de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas
apenas parecem secirc-los84
O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo
(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo
O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo
Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que
natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se
fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do
semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma
desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se
classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele
apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado
em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos
complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito
do raciociacutenio eriacutestico
2 A utilidade dos Toacutepicos
Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se
raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na
sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro
lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo
82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5
24
bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla
possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para
a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as
disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O
treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram
praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a
conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em
suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a
identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado
meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases
uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave
luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica
que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de
todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89
Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A
primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos
contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o
raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e
o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na
discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das
87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais
facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo
agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute
completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante
de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as
questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais
apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as
investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como
contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma
e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher
acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151
25
proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se
a verdade (ἀλήθεια)91
No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios
(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica
mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos
anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os
princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos
Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a
partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta
debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94
Citamos um trecho
Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou
natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele
estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da
realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o
detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma
natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo
verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto
dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar
qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto
natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa
indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas
Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que
professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash
coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem
caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando
em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira
de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de
francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que
natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio
que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95
Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o
qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo
(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do
princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas
91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua
verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119
26
eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o
Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode
ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos
ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo
de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios
pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute
uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela
inteligecircncia97
Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se
aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois
esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro
mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas
Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da
Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99
Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa
obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a
impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao
debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()
declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas
de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme
era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores
tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute
possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como
divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da
dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos
exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles
96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um
jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34
27
nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas
Disputationes104
Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de
disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota
da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a
ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer
aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um
descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o
comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa
complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105
O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um
meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo
se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara
demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os
Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos
considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento
principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma
outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as
ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos
Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas
e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos
sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus
nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees
individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que
abordaremos agora
103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar
tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos
quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a
constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-
se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto
deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15
28
3 Os instrumentos da dialeacutetica
Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o
eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar
dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o
que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees
necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de
argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de
coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim
de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e
os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute
composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado
do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para
a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na
construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute
ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem
natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo
apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de
proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final
se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada
a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo
Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por
todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema
(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a
escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela
107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo
e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na
construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13
29
anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos
que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O
problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113
Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados
como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo
ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em
se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute
evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o
que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem
se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se
estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados
satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115
Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις
ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos
quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que
satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais
de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma
ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das
opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve
fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)
acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em
questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os
pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem
ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra
observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como
113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to
different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem
is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle
tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20
30
no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas
contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam
os debates
ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal
como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou
ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica
deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso
das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta
espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila
distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem
significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie
eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-
nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118
Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)
que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o
conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo
tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada
em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos
homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave
opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios
divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees
em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra
e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por
exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a
diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos
fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que
resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos
das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e
dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica
essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo
sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo
θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo
intelectual120
118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81
31
Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que
Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito
com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo
denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas
entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo
eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em
movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121
Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar
proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As
proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute
deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles
pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias
agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que
estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que
parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas
como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo
Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser
extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa
vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades
reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica
sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser
tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees
Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo
conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos
relativos eacute o mesmordquo124
121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca
a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute
indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute
possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis
quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo
eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o
universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35
32
Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)
e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos
partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as
categorias
Predicaacuteveis
Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou
um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com
o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os
predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da
reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125
Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais
Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como
explicados a seguir
Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν
εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa
Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua
diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um
animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem
definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica
Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas
natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo
conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128
O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente
uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira
conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute
homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem
Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender
125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New
York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20
33
gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem
pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129
O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias
coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem
boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do
objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de
essecircncia (τὸ τί ἐστι)132
Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa
sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem
proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor
modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133
Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao
gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles
poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser
destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o
atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um
proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim
quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente
Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido
Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles
Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes
firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo
para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e
organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem
foco em um dos predicaacuteveis
O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas
e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute
129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39
34
possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam
na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de
ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma
proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo
pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se
predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo
abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem
que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do
gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito
Categorias
Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de
predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma
das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute
divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de
coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre
esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as
seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo
posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138
135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo
Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos
de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais
probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem
disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a
foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma
coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-
10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias
ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)
ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou
ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs
categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas
pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma
classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia
expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que
ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a
tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto
Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas
categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)
de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois
35
Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das
Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que
eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139
Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois
termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos
Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua
essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere
tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso
trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no
livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo
entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer
em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por
exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia
ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo
e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de
substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de
categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes
em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo
vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica
bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o
que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142
evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma
substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I
9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou
ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor
branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia
(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma
grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute
descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros
casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o
seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada
de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras
espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006
apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq
36
A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as
definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem
como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as
diferenccedilas se expressam em categorias
Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a
qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a
qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem
ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo
basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por
alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas
acima143
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados
dos termos
Espeacutecies de argumentos
Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio
(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas
estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute
considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos
sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez
eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144
Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo
eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto
ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das
duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no
iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse
mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por
premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se
relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio
143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se
que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que
de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69
37
natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos
inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita
coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo
clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da
linguagem vulgarrdquo147
Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos
homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos
leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio
A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de
argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo
de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves
Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo
caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos
de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais
utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios
universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os
princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica
linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso
segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151
Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento
de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se
emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as
semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar
proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas
147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b
18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo
fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes
manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos
apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)
Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30
38
e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser
inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila
Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees
sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro
lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos
em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou
geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa
soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo
mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo
ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute
o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O
segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute
capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do
acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A
identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma
espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a
identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem
e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o
estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos
predicaacuteveis
Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser
estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila
difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do
conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da
153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma
proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso
como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser
recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a
sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo
em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13
105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35
39
mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que
pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157
O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa
particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela
observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil
para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O
argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do
estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais
semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das
semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos
semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees
o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada
caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a
essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto
em uma definiccedilatildeo158
Significado dos termos
Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece
reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele
apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um
termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos
algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios
significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como
exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de
ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo
Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra
ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios
tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o
que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor
A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da
157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37
40
sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso
ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como
por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas
natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160
Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter
sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido
conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das
palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado
o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado
ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe
de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a
uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade
apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias
definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161
Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos
significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se
argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado
dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo
perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita
em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao
se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens
Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto
no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que
afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a
coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso
raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas
aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos
sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que
interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao
160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que
corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos
exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de
fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one
or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated
by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a
competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx
41
passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados
e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua
asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus
argumentos a esse ponto163
O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das
palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com
falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos
nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem
possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados
apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos
sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um
tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que
se vecirc no seguinte trecho
Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham
diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles
que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo
logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo
familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de
falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando
ouvem outros raciocinar165
Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo
encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos
apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os
raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente
ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos
Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se
segue166
163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios
porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar
por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus
argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso
adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre
possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos
Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se
por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de
discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES
Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35
42
II Os toacutepicos
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)
Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido
por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho
essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em
dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer
uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles
designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor
uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale
que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles
sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor
atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo
procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que
Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em
competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas
consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a
etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir
O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito
provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista
de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas
localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente
recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees
dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em
Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169
167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations
Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these
he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what
a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith
1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of
Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em
lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a
great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street
one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items
Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad
43
Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo
que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no
mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante
entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie
Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta
os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de
apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o
dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o
argumento para a conclusatildeo desejada171
Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute
associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles
sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber
vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem
selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173
ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se
apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque
de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por
meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma
premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a
atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos
Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das
proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo
dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza
Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems
to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly
makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined
premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On
Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA
Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002
Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a
variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in
stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo
then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo
SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151
44
para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos
olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177
J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo
do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o
termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser
usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou
uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo
como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte
Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica
e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um
argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o
nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos
poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179
Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega
τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente
ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes
entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que
podem ser gerais ou especiacuteficos
Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo
Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas
argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees
argumentativosrdquo182
Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou
premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o
177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo
aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de
direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico
do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees
de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram
em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera
toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo
diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas
(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa
45
seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como
acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse
tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos
quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185
Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos
natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz
que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da
aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como
premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι
especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()
regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso
em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186
A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a
funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος
aristoteacutelico o seguinte
Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este
pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se
o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser
impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave
mesma coisa187
Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι
aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema
toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados
em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente
conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais
frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos
e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no
grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem
nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e
conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera
referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do
mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc
as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada
do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese
pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep
163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33
46
argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao
sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou
regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos
muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os
esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos
toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188
Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro
deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser
uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que
queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou
refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para
apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de
uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que
selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso
dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo
deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se
por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos
selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado
para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o
esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo
o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar
a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa
capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da
espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate
dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo
pretendida189
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica
Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios
dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os
livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo
188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid
47
eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados
nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos
mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees
que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos
De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se
as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A
Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten
que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191
1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S
2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S
3) S eacute P = P eacute gecircnero de S
4) S eacute P = P eacute acidente de S
Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III
dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute
bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo
ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser
usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios
particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo
dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de
modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer
ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas
em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que
afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um
erro193
190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos
menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162
Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30
48
Toacutepicos sobre o acidente
O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se
haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente
pertence ao sujeito de outra maneira
Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que
pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais
comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo
se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma
cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194
Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente
que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo
ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo
correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo
O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se
afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico
serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o
predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que
o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente
encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a
proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente
se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa
posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam
uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um
procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado
Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar
os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o
ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195
O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do
acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute
alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo
dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de
194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30
49
ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o
invejoso natildeo eacute bom196
Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou
destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos
quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser
usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute
objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro
significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos
termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que
comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos
Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu
que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento
pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos
Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de
significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente
o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi
discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel
tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por
terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos
que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos
demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma
afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo
corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os
sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade
de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que
seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente
porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence
ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo
se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido
a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio
teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel
num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa
pretensatildeo seja razoaacutevel198
Toacutepicos sobre o preferiacutevel
O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a
um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o
mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas
ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre
196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28
50
o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute
necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que
identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas
Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo
segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo
Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel
agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais
probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo
homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo
qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em
determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos
eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo
mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou
carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a
maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas
as coisas tendem para o bem199
Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas
acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de
modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por
exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais
desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que
pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa
melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio
de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente
a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o
vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel
que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio
Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio
Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das
investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem
partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201
199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15
51
O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero
atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem
agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute
indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o
gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar
se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)
Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma
nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro
toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada
pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma
espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203
Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o
oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre
manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo
propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de
ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute
formoso204
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo
Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para
verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve
linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre
a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de
identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir
na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo
de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o
erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero
Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas
diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar
ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar
202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15
52
o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute
correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer
O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um
objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave
definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206
Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre
a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave
obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro
o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale
para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute
ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se
o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade
em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem
para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e
friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo
que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se
refere207
Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter
apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos
construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa
discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre
a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e
como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo
consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta
que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo
desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para
a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo
e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que
Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado
um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos
205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20
53
De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza
os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a
partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando
que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam
meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos
adequadamente enumeradosrdquo210
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto
capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia
(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas
coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a
combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas
seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma
sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que
dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212
Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados
no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como
sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou
deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser
obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de
sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema
definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo
nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para
aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo
para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que
escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que
210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have
now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior
Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London
Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159
54
parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem
chama de toacutepicos214
Toacutepicos na Retoacuterica
A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη
ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum
e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O
que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir
em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de
demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo
que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma
espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em
geral partem de ἔνδοξα221
Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo
no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa
para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou
213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o
tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel
portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)
de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-
33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173
Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois
que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo
vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg
Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos
produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais
haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela
induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos
nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas
satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo
Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior
parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que
cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que
geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem
ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o
particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237
55
comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns
ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser
aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica
Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos
ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial
e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica
Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o
exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula
argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se
uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que
seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os
homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o
menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos
inclusive atualmente
Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem
eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses
nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees
eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225
Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade
dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um
exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre
a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A
primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio
de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se
vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis
escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando
natildeo houver puniccedilatildeo226
Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees
que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a
223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20
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praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir
acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute
conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos
para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227
Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na
argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde
com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como
ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As
maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima
ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado
saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a
causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil
do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar
determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da
mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de
encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa
que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel
do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso
pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231
227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15
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III O debate dialeacutetico
Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente
uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas
ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia
um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo
Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do
respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder
Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua
proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente
concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse
ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233
Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de
praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a
dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas
codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa
praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos
Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir
para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa
conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de
Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo
diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer
tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a
funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a
dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao
tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese
por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E
acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se
232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm
158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press
1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7
58
refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que
recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII
o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas
dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da
competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o
antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo
pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o
respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua
defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular
algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso
se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que
Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo
e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e
apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo
correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o
comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo
de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio
Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo
geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico
se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do
raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por
meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de
demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute
possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e
examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de
estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois
sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem
utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador
236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40
59
individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas
em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da
afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242
1 Estrateacutegias do questionador
O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de
propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente
e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave
construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro
tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute
concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o
argumento mais evidente244
Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se
possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas
alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute
confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo
(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes
uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a
concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que
eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu
as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247
Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter
distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel
possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos
chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por
Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com
atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos
posteriormente
242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30
60
As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se
na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente
e tambeacutem em sugestotildees de psicologia
As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma
expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por
exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute
podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a
oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica
nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que
se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o
mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois
disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando
uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo
forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo
expliacutecito250
Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas
para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para
dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o
argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se
pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o
desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se
despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter
inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que
realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees
dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de
defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute
uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem
natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a
outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias
tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma
249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5
61
conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos
nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251
Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando
possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os
termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a
concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a
concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem
uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem
irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso
desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos
baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra
estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes
desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255
Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate
oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de
imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada
eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma
objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a
premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais
facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os
pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas
que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em
primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou
impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256
251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo
coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II
9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39
62
Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para
proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem
que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257
Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme
jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com
os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a
questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas
usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas
satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que
abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o
adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule
uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em
questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida
Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir
tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se
natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute
vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo
contra elardquo258
Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente
o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse
fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade
seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel
Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio
sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque
muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a
nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees
que foram feitas259
257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15
63
Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas
hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do
ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel
ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-
se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas
intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261
As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do
questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom
questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se
seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom
respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas
apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo
a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262
2 Estrateacutegias do respondedor
O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou
respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou
geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila
no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas
O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese
assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a
conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais
familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar
Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do
mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263
O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter
geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia
para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para
evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante
260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner
should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses
that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20
64
e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa
natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande
maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees
muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o
ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o
respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo
se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente
deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e
natildeo da sua incompetecircncia pessoal264
O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de
clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e
simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes
significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro
sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente
natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio
do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra
alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve
o verbo ldquopertencerrdquo
Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos
ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem
o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o
homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois
dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um
animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos
espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa
proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266
O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador
tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve
evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo
absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por
dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do
264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180
65
que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que
a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267
3 Diferentes objetivos no debate
Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode
ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute
regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute
influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo
influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem
tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo
(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a
respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme
falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em
que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras
e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas
de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em
mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma
proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para
toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos
O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos
conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando
Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e
natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro
mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende
que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute
possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade
Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que
deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por
meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios
267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the
conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139
66
a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos
posteriormente 270
Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o
paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que
satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma
intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com
necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de
ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige
compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles
distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as
proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico
nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271
Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que
essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio
investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute
apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos
Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica
dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma
que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos
proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida
para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar
construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores
o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas
tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os
aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo
conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou
procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas
para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos
270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do
exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para
estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro
como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro
foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII
11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363
67
extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel
identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo
sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele
estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um
dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise
cuidadosa
Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada
que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento
em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos
independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando
ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o
argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de
premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o
argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora
verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e
falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem
apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute
contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a
verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer
afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles
e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos
272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de
estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado
conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos
o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o
dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez
que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas
pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo
do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais
facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito
de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo
sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a
ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)
terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a
partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos
diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o
68
Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode
ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou
natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia
Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc
quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem
na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e
que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio
dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque
parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as
circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita
a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo
No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio
dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles
inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si
mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos
proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos
debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles
comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280
Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma
que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o
respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer
corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo
desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser
uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o
mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o
conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como
predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a
conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente
rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais
coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p
143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10
69
argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda
tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando
um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um
ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento
eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos
O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento
comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave
argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo
comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com
efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que
haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria
como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que
faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a
admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro
pergunta283
Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma
disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as
estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo
muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute
pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma
premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a
proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos
casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter
Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda
seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285
Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do
questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute
fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um
grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um
raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas
281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10
70
perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade
chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286
A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme
mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da
argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de
xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas
estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles
caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o
com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288
Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do
debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a
cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles
reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e
moral
Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo
com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por
forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua
diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar
todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas
isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr
levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute
resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289
A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute
presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro
da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria
aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar
essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela
291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre
ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos
Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos
anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que
286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367
71
usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de
descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema
proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser
utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom
suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e
como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos
relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima
linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema
especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc
Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre
qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais
geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte
da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela
devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas
o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com
uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do
nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir
uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de
assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender
nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas
quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo
que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las
confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que
precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos
materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as
fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos
Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo
e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar
contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os
problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta
investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do
assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar
acima292
292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196
72
IV Viacutecios de raciociacutenio
As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos
debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz
respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles
Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um
sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo
como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste
capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto
pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a
certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a
seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na
argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral
Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos
exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal
silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser
definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos
Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e
Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo
a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos
antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da
Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras
silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o
escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro
de Aristoacuteteles sobre loacutegica
Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que
em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco
293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45
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possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes
As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia
inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo
reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas
quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em
X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia
se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296
As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no
uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio
ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos
silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos
Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo
justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de
viacutecios de raciociacutenio
Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII
dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que
a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do
sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio
dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que
parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de
falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com
exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente
beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de
coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o
satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute
Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν
ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que
aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como
296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso
quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo
tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse
que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento
de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute
igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25
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tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao
sujeito (assunto) em pauta298
Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso
silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou
um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter
muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O
exemplo apresentado eacute
Quem estaacute sentado escreve
Soacutecrates estaacute sentado
Soacutecrates estaacute escrevendo
A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles
sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave
conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre
o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo
ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve
ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve
e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo
seria possiacutevel300
Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em
si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a
conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as
premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem
adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute
irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de
premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como
perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre
quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves
vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas
que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo
298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39
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menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas
satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto
Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema
proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte
de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo
leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que
conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por
meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio
(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que
demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por
um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302
Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No
primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o
caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No
segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o
caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma
conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute
eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao
assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina
ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou
falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada
por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes
verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo
verdadeira seja inferida de premissas falsas 304
Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer
em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que
conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute
postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se
301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma
demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a
conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16
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expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e
expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar
para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento
dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um
soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de
modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar
que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas
da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia
da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se
incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de
afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular
que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute
incomensuraacutevel com o lado306
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos
Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em
contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um
raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser
geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso
ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma
competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois
o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o
sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e
enriquecer307
A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata
de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da
adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa
inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um
paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de
um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de
um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do
Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o
306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35
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argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento
apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto
dialeacutetico308
Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de
preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o
solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a
aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309
As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que
independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento
em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para
as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia
(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e
a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje
de falaacutecias de ambiguidade311
Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute
bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que
pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo
por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo
quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um
exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo
As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis
porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das
palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que
estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e
Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do
mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais
adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras
308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou
1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10
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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas
possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem
tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute
sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute
teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo
ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de
palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado
com aquilo com que foi espancadordquo315
Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas
discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois
exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No
entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e
facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase
na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia
Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel
As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da
mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que
abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar
fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar
vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318
As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as
relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo
em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou
relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas
ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias
questotildees em uma soacute319
314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30
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As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma
que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como
uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos
pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo
ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute
ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de
Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem
pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320
Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem
ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido
absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por
exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo
eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente
como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca
aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321
As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido
definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado
de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente
delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do
desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso
elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo
que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322
A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a
conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor
que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O
Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a
percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos
Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar
molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323
320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10
80
Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo
modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram
apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324
A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para
fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse
tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa
que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave
impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos
Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a
mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a
ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que
ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute
o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de
ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de
perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e
ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da
impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a
ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de
ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo
satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa
causa da impossibilidade desse argumento325
A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada
de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa
despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra
que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela
aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso
acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que
324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161
81
aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo
ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327
Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a
segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo
(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem
os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e
a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves
opiniotildees aceitas329
A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma
expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade
aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra
masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um
lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331
Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa
repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos
relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo
e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele
seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente
ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade
da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo
de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta
pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado
ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334
As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em
torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico
estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme
327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8
82
a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende
uma sabedoria aparente
Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que
possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele
proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo
tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos
capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para
dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio
apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute
indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos
Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma
faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e
esse eacute o fim que eles tecircm em vista336
336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156
83
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica
Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de
estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo
do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso
reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da
ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos
especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base
soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337
Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de
proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo
apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a
partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos
condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra
oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e
exemplificativos
A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo
proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta
dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do
conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das
opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios
(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem
a nenhum campo de saber especiacutefico
Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico
Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas
parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que
337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57
84
queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram
como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico
() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como
um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma
como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico
natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338
De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito
dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas
parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um
raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz
mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute
enganoso e desleal339
Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece
nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas
pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave
dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como
questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico
do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais
os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser
aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem
alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses
princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio
da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral
O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica
de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de
conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado
fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do
conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos
nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual
tentaremos resolver a partir de agora
338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte
desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo
portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor
ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op
cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso
capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos
85
A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de
Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o
que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero
de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute
proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o
fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos
destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta
ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a
felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As
opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no
discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo
retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as
confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara
distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho
Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que
a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou
natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou
injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao
juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes
Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo
com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos
juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens
que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar
muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa
experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo
imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se
retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344
Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas
teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os
testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que
temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos
que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma
categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado
341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345
No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica
equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou
argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca
de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de
certo modo
Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o
Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo
podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito
do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral
como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o
Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou
ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e
assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns
a todas as artes347
Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da
classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou
o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as
praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de
produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348
345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo
da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei
jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas
se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para
o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar
o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir
e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos
Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos
juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo
do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica
que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias
juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau
de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros
podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do
retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela
jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que
logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ
Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20
87
Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas
mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia
do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa
Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as
normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso
pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas
sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica
isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se
se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade
que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum
Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos
alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de
fatos
Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas
certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um
corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do
tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem
com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois
de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais
estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral
segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa
sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os
349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da
Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria
sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por
seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade
formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de
transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova
era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada
aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo
inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o
aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees
que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo
permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL
Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio
27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt
Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como
premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato
concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351
Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um
raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em
vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352
Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute
de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu
domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o
status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη
temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim
concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de
dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre
Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa
sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no
discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A
falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser
levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado
indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353
Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do
Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes
nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos
ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria
adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido
amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com
menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a
351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo
em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo
na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela
expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9
170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito
bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um
τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140
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jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos
tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes
sobre os casos judiciais
Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a
presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos
legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes
longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave
ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se
transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos
que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees
da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na
doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da
sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem
eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem
discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em
discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica
no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes
de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos
particulares
Casos particulares
Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas
foi revogada e a outra alterada
A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada
pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo
Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou
fraude para fim libidinoso
Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355
A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude
Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha
a seguinte redaccedilatildeo
355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017
90
Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude
Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356
Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio
geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla
poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo
Federal como uma garantia fundamental neste inciso
XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
preacutevia cominaccedilatildeo legal357
Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com
base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria
O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio
da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei
deve ser clara e precisa358
Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos
costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo
chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da
expressatildeo ldquomulher honestardquo
O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas
nas normas e interpretadas pelos costumes
As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam
conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra
subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras
Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome
de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre
que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz
quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do
costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a
validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu
conteuacutedo359
Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar
seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se
356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo
Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em
lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71
91
expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma
constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos
da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o
que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de
forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem
consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar
algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo
Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees
geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher
honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos
ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio
Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de
jurisprudecircncia que mostraremos agora
Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro
Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal
Federal em 06 de agosto de 2002
Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute
da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do
crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a
mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores
elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou
o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher
seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual
por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das
viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode
ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes
consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de
Jesus360
Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do
Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees
geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo
Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por
ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo
Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram
360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson
Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em
24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
92
diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave
liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios
constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo
para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361
Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente
aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de
Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para
ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que
reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos
A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou
constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios
subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo
A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da
igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988
adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios
admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade
suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda
a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos
As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no
serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a
efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si
mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual
respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos
indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a
neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem
como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a
igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a
igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de
privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que
corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-
estar social e a igualdade como reconhecimento significando o
361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p
148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito
Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt
httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
93
respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam
raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364
Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que
podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um
direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees
geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as
injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente
aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem
parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave
proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave
igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365
Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas
raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou
natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o
acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente
podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias
estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-
se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de
verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que
orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo
pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva
A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do
Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a
ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele
menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns
paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por
Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida
em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre
364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14
94
o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute
hoje Assim redigiu o Ministro
Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna
relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e
preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que
atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm
129902014) destacando-se em tal contexto como elementos
fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade
humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave
igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e
efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela
alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da
felicidade368
Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da
leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo
dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo
ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima
e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo
fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em
determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas
tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito
Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo
valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata
dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra
e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso
agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a
honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370
368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF
Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto
a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou
secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera
apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a
necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria
desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode
ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo
LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois
devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito
Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o
inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar
95
Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel
entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que
ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal
restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel
agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos
do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o
que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes
ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em
siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho
Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio
da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos
no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os
problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas
juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a
populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das
cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais
Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da
igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem
tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares
Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de
evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute
um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um
fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera
criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de
indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo
239 do Coacutedigo de Processo Penal
os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma
reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo
do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e
presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160
96
Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada
que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a
existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373
A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou
verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de
raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos
Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de
um exemplo
A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime
que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime
pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes
Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-
se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute
a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor
do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso
particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim
a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo
Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a
apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa
e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios
comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo
da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos
indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam
com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees
geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas
373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao
abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a
uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E
outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo
eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com
todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20
97
provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376
Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos
julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis
justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo
a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)
que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave
plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada
A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um
contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja
porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras
palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute
possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em
debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas
oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o
ocircnus da prova dos fatos alegados
Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente
aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e
elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio
dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico
Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute
entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses
376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por
possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de
percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal
Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da
contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos
a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir
que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se
apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 138 e 167
98
conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos
alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica
Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou
seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente
aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a
partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o
conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos
satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as
premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o
primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como
acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador
pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos
τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as
relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees
Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os
entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois
servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι
dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer
de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um
exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o
conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento
retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam
o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental
Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os
entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que
representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme
expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por
si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico
tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e
interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de
argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o
estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que
99
o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam
e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar
instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais
e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto
Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em
funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito
significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute
possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou
acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre
elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios
gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria
dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do
mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na
esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo
pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o
objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas
no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees
diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar
os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou
desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa
dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas
algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral
consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e
histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo
juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de
argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito
e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou
se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos
Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de
linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no
378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18
100
sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do
termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do
que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de
raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo
de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza
precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem
de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico
literaacuterio ou comum
3 Linguagem loacutegica e eacutetica
Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem
Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio
apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O
jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo
juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre
os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei
natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas
pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute
a imprecisatildeo da linguagem do Direito386
Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para
Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na
existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos
decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os
sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para
evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo
382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que
as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que
significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit
p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro
101
Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre
identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que
envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos
utilizados durante a discussatildeo389
A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a
linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem
comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que
Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as
ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia
antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O
que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e
esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e
coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos
Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo
conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que
buscar uma linguagem perfeita
Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo
enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito
principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias
Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo
histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme
temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito
De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos
Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por
seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e
linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de
389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge
como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e
cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas
redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica
ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica
juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas
sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo
extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo
102
debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio
de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual
que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um
contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado
Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem
os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e
como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que
estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte
para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais
seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes
Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo
muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como
sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o
debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista
que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees
como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram
descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como
empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe
um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo
Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391
mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim
como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda
argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute
uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e
disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que
torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo
homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de
adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito
essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos
Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio
qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio
391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15
103
servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo
Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo
dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados
testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por
parte dos debatedores
4 Taacuteticas de debate
As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos
nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais
no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as
sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o
interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento
Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo
A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia
T Sim mas o que exatamente
A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de
madrugada no dia X
T Sim eacute verdade
A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos
T Sim
A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu
T Natildeo sei acho que por volta de uma hora
A Antes ou depois de uma hora
T Natildeo sei
A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta
de meia noite
T Sim
A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo
T Natildeo sei
A A senhora ouviu ele chegar
T Natildeo
A A senhora estava dormindo
104
T Sim
A A senhora tem insocircnia
T Sim
A A senhora toma remeacutedios para dormir
T Agraves vezes sim
A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir
T Natildeo lembro
A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo
T Estava dormindo e acordei com os barulhos
A A senhora tem pesadelos agraves vezes
T Agraves vezes sim
A Obrigado
O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato
que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de
que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a
conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a
alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que
ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato
ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a
afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As
premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O
advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo
do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave
conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que
dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a
chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade
de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava
dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo
A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o
auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o
testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-
se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo
105
dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo
mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado
remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para
dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel
que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez
servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos
pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos
natildeo eacute fidedigno
O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum
na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas
premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu
os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que
levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos
O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para
um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por
induccedilatildeo
Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de
debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre
os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos
de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor
isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na
condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha
promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia
entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante
discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre
por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor
a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a
dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual
oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na
discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz
106
CONCLUSAtildeO
Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as
quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que
a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois
suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de
premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos
do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de
forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo
especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo
ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que
essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito
o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de
Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do
Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o
treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a
finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a
investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto
acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais
aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e
outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para
os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva
para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma
393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30
107
ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados
nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo
A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa
dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra
usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se
formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido
feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e
aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas
loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de
Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos
que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas
anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na
praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos
a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute
fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica
natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer
uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos
suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica
aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica
juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes
de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica
os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos
para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das
ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser
enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que
ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em
geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje
Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum
tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do
seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa
filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso
estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na
108
obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da
correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos
como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma
compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como
um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo
da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta
dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar
as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos
da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica
que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e
se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-
contradiccedilatildeo
No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam
concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de
linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas
em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as
habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional
de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem
exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso
seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico
Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e
o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente
aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico
dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese
satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos
dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito
mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel
enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade
maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um
meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma
397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246
109
aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao
dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo
pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos
cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos
Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo
dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios
Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou
modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo
de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da
dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um
discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas
trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral
dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos
retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees
diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele
retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham
a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte
satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da
linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer
aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos
Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da
sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica
Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles
menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente
tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias
entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue
de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma
habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas
398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida
quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2
157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees
possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou
faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16
110
comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica
para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas
De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve
como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso
como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do
assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo
requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das
questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos
Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e
psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de
vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees
reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento
para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo
apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo
essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um
pouco estranha a de que nem tudo se discute
Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo
juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples
meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas
Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos
argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e
linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O
principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre
acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas
respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente
dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos
que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito
uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas
111
REFEREcircNCIAS
Obras antigas
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto
Codex Porto Editora 1995
ARISTOacuteTELES Eacutetica agrave Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002
ARISTOacuteTELES I Topici Traduzione introduzione e commento di A Zadro Naacutepoles Loffredo
Ed1974
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Traduccedilatildeo de Edson Bini 2 ed Satildeo Paulo Edipro 2012
ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Ediccedilatildeo triliacutengue de Valentiacuten Garciacutea Yebra Madri Editorial Gredos
1982
ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F
Alberto e Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de
Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005
ARISTOacuteTELES Obras Completas Toacutepicos Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e
Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da
Moeda 2007
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005
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iv
ABSTRACT
The legal topic ndash a methodological proposal created by German theorist Theodor
Viehweg in the 1950rsquos ndash maintains its influence to our days among Brazilian jurists
Viehweg claims that his work Topics and Law was based on the topics of Aristotle and
Cicero According to a great number of his critics the notions on topic as presented in his
work are misleading and imprecise Acknowledging the importance of the rediscovery of
dialectic and rhetoric in the legal sphere our aim is to present a sketch of Aristotlesrsquo
Topics with a clear notion of the dialectic method that the stagirita presents in the treatise
This sketch is theoretical and includes introductory notions to dialectic and its tools a
discussion on what are locations and a general idea of the dialectic argument and vices
of reasoning From this description a few analysis are drawn in the last chapter on what
could be applied from the methodology in Topics The methodology used in the present
thesis consists mostly in inventorying and presenting the contents in Topics as set forth
in this treatise clarifying them in the light of the contents featured in other parts of the
work under analysis and in other works by Aristotle apart from comments by specialists
The analysis on the application of dialectic method to Law starts from a synthesis of the
presented theoretical sketch and its comparison with basic notions on Law and specific
legal examples
Key words Aristotle dialectic rhetoric Law
v
SUMAacuteRIO
AGRADECIMENTOSii
RESUMOiii
SUMAacuteRIOv
ABREVIATURASvii
INTRODUCcedilAtildeO1
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12
1 Consideraccedilotildees iniciais12
Noccedilotildees preliminares 12
Objetivo dos Toacutepicos15
Raciociacutenio dialeacutetico 20
2 A utilidade dos Toacutepicos23
3 Os instrumentos da dialeacutetica28
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28
Predicaacuteveis32
Categorias 34
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos
termos36
Espeacutecies de argumentos36
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38
Significados dos termos39
II Os toacutepicos 42
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46
vi
Toacutepicos sobre o acidente48
Toacutepicos sobre o preferiacutevel49
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53
Toacutepicos na Retoacuterica54
III O debate dialeacutetico57
1 Estrateacutegias do questionador59
2 Estrateacutegias do respondedor63
3 Diferentes objetivos no debate65
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68
IV Viacutecios de raciociacutenio72
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83
Casos particulares89
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97
3 Linguagem loacutegica e eacutetica100
4 Taacuteticas de debate103
CONCLUSAtildeO106
REFEREcircNCIAS111
vii
LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Aristoacuteteles
Toacutep Toacutepicos
Cat Categorias
Met Metafiacutesica
Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco
Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos
An Pr Analiacuteticos Primeiros
An Post Analiacuteticos Segundos
Ret Retoacuterica
Fiacutes Fiacutesica
Da Int Da Interpretaccedilatildeo
1
INTRODUCcedilAtildeO
O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o
estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado
pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo
entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da
evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as
demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase
como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado
Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao
contingente3
Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em
vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de
prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi
desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo
Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o
Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo
as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4
Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais
de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva
alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5
Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma
ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou
para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da
1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo
G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000
p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo
Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26
2
matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo
cientificamente irrespondiacutevel6
Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na
primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor
Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia
(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se
alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na
Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de
resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por
problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o
autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9
A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)
surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na
Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos
de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que
mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de
habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias
publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as
pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se
durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas
da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar
dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica
e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de
Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande
6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina
Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia
Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e
Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins
Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995
p 343
3
codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela
dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar
as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a
princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos
XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica
escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas
juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e
fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos
particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14
A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da
dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da
repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros
devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de
Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo
extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do
respeitado jurista alematildeo Karl Larenz
Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue
depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico
juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer
ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises
juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de
empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores
que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma
representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo
das opiniotildees expendidas17
13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171
Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz
Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)
as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente
um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para
julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar
por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar
topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida
em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo
abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver
constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse
puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar
proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago
que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute
4
Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico
pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns
argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam
de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios
conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica
standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19
Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como
disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se
pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas
compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel
natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel
O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico
poreacutem um toacutepico muito importante21
No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul
Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22
Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da
argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950
poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de
Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de
Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de
Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo
distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a
uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a
jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a
pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas
verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e
introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy
2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia
ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte
de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de
procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo
ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras
palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor
do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo
introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189
5
categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de
trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)
Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente
ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu
um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen
(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em
1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu
a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente
aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio
Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados
desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em
artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo
dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais
recentemente R Bolton e R Smith24
Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles
funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo
desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto
apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma
situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer
clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25
A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como
funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial
entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos
e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e
dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees
proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os
23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski
para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica
formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de
PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em
httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and
Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004
Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese
do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3
6
problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos
termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de
acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria
sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa
opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as
regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio
fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou
se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27
A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas
teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral
eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente
mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos
Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que
apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas
garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria
Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no
Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido
desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas
Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda
as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas
analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia
opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso
Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus
textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo
atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que
as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir
e apresentar argumentos soacutelidos28
No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a
dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos
26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997
p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo
Argumentation v 19 n 4 2005
7
primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o
meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por
sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins
Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades
mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer
habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32
As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de
Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter
argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao
positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como
pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de
invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua
toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus
proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica
de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da
Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo
Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre
partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de
vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz
pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade
respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade
isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar
na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria
regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial
tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da
prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo
29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29
2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24
jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na
codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar
por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116
8
incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo
exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos
estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos
Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por
necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em
consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir
para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero
considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg
natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no
decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica
claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A
toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor
Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento
desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas
apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo
da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso
interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves
metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar
o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza
segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40
Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise
sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera
juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do
Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que
Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para
a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica
juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de
37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em
httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica
ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel
em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set
2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57
9
uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso
objetivo de longo prazo
De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz
nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila
quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica
Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para
formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador
da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e
outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate
regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um
elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio
entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras
tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da
leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos
Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o
objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente
aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias
filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42
Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso
propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel
possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que
chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para
apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor
Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em
conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que
empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo
aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias
de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem
descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e
interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da
proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude
mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender
antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido
premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem
41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5
10
preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-
nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores
acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica
na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de
suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos
tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo
tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito
sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que
liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43
Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como
base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o
conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias
pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos
que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a
questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como
pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de
difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico
especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e
Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar
por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que
pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a
melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente
e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se
apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute
imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de
Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica
Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem
disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura
do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso
esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo
definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a
VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito
Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice
dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho
seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo
43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30
11
apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos
objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos
propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos
de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo
apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos
para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os
diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das
quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como
Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos
Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares
agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence
ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente
aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas
Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e
diaacutelogos
12
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos
1 Consideraccedilotildees iniciais
Noccedilotildees preliminares
O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles
sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido
moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de
Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados
sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44
O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de
modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos
Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)
5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos
O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir
uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo
divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos
Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral
eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e
Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois
como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa
elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado
tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores
do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o
Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos
44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro
e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos
Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas
palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema
que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo
essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos
Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A
Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196
13
natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo
denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem
subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse
argumento48
Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos
Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e
como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas
merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas
noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto
de estudo
Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)
da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas
a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a
sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a
conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49
Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo
ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade
estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute
Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que
a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo
no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute
contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52
A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que
entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute
48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e
Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo
livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii
1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10
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mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica
e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins
de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico
(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico
nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento
cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute
destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois
como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa
razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem
nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para
se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar
Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo
para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as
afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra
ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso
de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser
investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal
caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos
Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais
especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade
de saacutebios a depender do contexto
Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O
conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra
forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam
Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e
pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais
natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53
Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de
53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133
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ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a
Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua
natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada
Trataremos disso em seguida
A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de
contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura
sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e
passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos
Objetivo dos Toacutepicos
O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra
Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas
ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos
tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer
alguma coisa que nos cause embaraccedilos56
Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se
percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57
Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)
com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por
todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos
para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58
54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -
Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014
ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que
deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja
de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao
passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic
Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para
comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de
opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na
sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1
100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25
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Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema
proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma
teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de
assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus
princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)
comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos
Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das
ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte
Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos
de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito
algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria
e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios
da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees
tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a
prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a
falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por
diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo
com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos
dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute
aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda
arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se
efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην
ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular
julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual
eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a
refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem
no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60
Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute
ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a
Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees
geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao
conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma
discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos
ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento
59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo
demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos
na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem
poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos
arg Op cit p 171
ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37
Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18
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associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio
provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos
saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento
que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que
acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo
Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)
e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a
verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que
satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da
mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas
Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos
pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza
do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um
raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir
demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico
Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute
bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom
juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas
as coisas eacute bom juiz em geral62
Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir
a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo
legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo
admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do
contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de
investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos
Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios
sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo
62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a
25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo
em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o
ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes
maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o
segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade
A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo
fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito
citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade
aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados
(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de
todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior
nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees
correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES
Eacutetica a N Op cit p 146
18
geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63
Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado
sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio
portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria
culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos
na introduccedilatildeo deste trabalho
Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a
Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e
ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura
superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas
entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos
Toacutepicos que define ἔνδοξα
Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os
homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade
e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem
divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a
mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata
de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras
embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem
a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com
a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar
todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta
considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais
razoaacuteveis64
Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais
proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees
e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos
segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos
[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que
o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade
como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as
caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem
incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam
a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras
com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a
identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou
sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade
exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos
defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas
mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja
63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20
19
inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos
em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65
Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por
uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees
ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo
entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho
ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o
indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que
parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz
a dialeacuteticardquo66
Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas
de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio
Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um
senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado
o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente
aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo
ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67
Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto
de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como
dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem
ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo
aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees
e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar
Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo
Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma
proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou
para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo
devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo
(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se
65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico
ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10
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muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que
merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A
esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de
puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de
percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser
castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente
e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se
por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma
investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico
Raciociacutenio dialeacutetico
Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de
raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de
raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz
necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio
(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71
Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς
συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O
raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e
verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras
e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser
descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua
verdade por si mesmos72
Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das
cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que
intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os
70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem
necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6
ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente
pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10
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primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso
satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode
ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute
demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que
seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos
Analiacuteticos
Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber
(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja
inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o
conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute
necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν
ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas
mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas
satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do
demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode
haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma
demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem
ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a
comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e
indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para
serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de
um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua
demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do
que ela e a ela anteriores 75
A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o
fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros
Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo
74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo
sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo
(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave
intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os
princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico
(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia
(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que
apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de
o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma
ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento
verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do
proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se
comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores
Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um
par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma
pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira
Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-
30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O
desenvolvimento Op cit p 4
22
estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos
observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se
mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser
verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite
alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos
Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na
afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito
tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e
obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa
dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das
duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee
uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute
indicamos nos Toacutepicos78
O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e
uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa
anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo
e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica
assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa
supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79
Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas
com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde
Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a
demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma
prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de
perguntas80
O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio
apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem
ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas
parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente
aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas
que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser
77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-
255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam
friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17
23
claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as
opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa
falsidade deve ser um pouco oacutebvia82
O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade
no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e
mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se
enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas
de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas
apenas parecem secirc-los84
O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo
(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo
O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo
Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que
natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se
fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do
semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma
desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se
classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele
apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado
em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos
complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito
do raciociacutenio eriacutestico
2 A utilidade dos Toacutepicos
Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se
raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na
sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro
lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo
82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5
24
bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla
possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para
a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as
disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O
treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram
praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a
conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em
suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a
identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado
meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases
uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave
luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica
que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de
todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89
Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A
primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos
contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o
raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e
o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na
discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das
87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais
facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo
agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute
completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante
de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as
questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais
apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as
investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como
contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma
e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher
acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151
25
proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se
a verdade (ἀλήθεια)91
No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios
(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica
mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos
anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os
princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos
Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a
partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta
debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94
Citamos um trecho
Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou
natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele
estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da
realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o
detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma
natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo
verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto
dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar
qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto
natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa
indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas
Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que
professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash
coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem
caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando
em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira
de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de
francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que
natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio
que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95
Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o
qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo
(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do
princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas
91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua
verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119
26
eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o
Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode
ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos
ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo
de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios
pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute
uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela
inteligecircncia97
Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se
aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois
esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro
mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas
Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da
Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99
Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa
obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a
impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao
debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()
declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas
de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme
era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores
tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute
possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como
divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da
dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos
exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles
96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um
jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34
27
nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas
Disputationes104
Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de
disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota
da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a
ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer
aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um
descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o
comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa
complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105
O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um
meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo
se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara
demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os
Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos
considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento
principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma
outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as
ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos
Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas
e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos
sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus
nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees
individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que
abordaremos agora
103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar
tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos
quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a
constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-
se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto
deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15
28
3 Os instrumentos da dialeacutetica
Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o
eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar
dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o
que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees
necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de
argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de
coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim
de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e
os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute
composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado
do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para
a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na
construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute
ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem
natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo
apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de
proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final
se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada
a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo
Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por
todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema
(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a
escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela
107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo
e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na
construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13
29
anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos
que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O
problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113
Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados
como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo
ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em
se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute
evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o
que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem
se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se
estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados
satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115
Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις
ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos
quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que
satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais
de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma
ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das
opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve
fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)
acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em
questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os
pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem
ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra
observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como
113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to
different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem
is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle
tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20
30
no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas
contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam
os debates
ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal
como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou
ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica
deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso
das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta
espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila
distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem
significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie
eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-
nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118
Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)
que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o
conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo
tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada
em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos
homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave
opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios
divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees
em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra
e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por
exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a
diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos
fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que
resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos
das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e
dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica
essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo
sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo
θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo
intelectual120
118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81
31
Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que
Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito
com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo
denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas
entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo
eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em
movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121
Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar
proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As
proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute
deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles
pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias
agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que
estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que
parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas
como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo
Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser
extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa
vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades
reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica
sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser
tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees
Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo
conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos
relativos eacute o mesmordquo124
121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca
a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute
indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute
possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis
quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo
eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o
universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35
32
Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)
e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos
partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as
categorias
Predicaacuteveis
Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou
um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com
o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os
predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da
reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125
Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais
Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como
explicados a seguir
Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν
εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa
Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua
diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um
animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem
definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica
Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas
natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo
conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128
O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente
uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira
conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute
homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem
Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender
125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New
York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20
33
gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem
pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129
O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias
coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem
boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do
objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de
essecircncia (τὸ τί ἐστι)132
Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa
sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem
proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor
modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133
Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao
gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles
poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser
destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o
atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um
proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim
quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente
Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido
Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles
Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes
firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo
para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e
organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem
foco em um dos predicaacuteveis
O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas
e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute
129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39
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possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam
na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de
ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma
proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo
pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se
predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo
abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem
que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do
gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito
Categorias
Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de
predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma
das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute
divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de
coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre
esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as
seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo
posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138
135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo
Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos
de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais
probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem
disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a
foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma
coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-
10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias
ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)
ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou
ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs
categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas
pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma
classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia
expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que
ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a
tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto
Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas
categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)
de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois
35
Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das
Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que
eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139
Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois
termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos
Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua
essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere
tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso
trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no
livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo
entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer
em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por
exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia
ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo
e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de
substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de
categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes
em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo
vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica
bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o
que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142
evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma
substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I
9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou
ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor
branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia
(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma
grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute
descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros
casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o
seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada
de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras
espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006
apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq
36
A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as
definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem
como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as
diferenccedilas se expressam em categorias
Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a
qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a
qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem
ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo
basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por
alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas
acima143
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados
dos termos
Espeacutecies de argumentos
Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio
(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas
estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute
considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos
sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez
eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144
Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo
eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto
ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das
duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no
iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse
mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por
premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se
relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio
143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se
que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que
de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69
37
natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos
inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita
coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo
clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da
linguagem vulgarrdquo147
Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos
homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos
leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio
A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de
argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo
de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves
Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo
caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos
de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais
utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios
universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os
princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica
linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso
segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151
Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento
de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se
emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as
semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar
proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas
147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b
18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo
fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes
manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos
apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)
Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30
38
e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser
inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila
Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees
sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro
lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos
em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou
geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa
soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo
mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo
ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute
o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O
segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute
capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do
acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A
identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma
espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a
identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem
e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o
estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos
predicaacuteveis
Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser
estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila
difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do
conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da
153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma
proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso
como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser
recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a
sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo
em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13
105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35
39
mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que
pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157
O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa
particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela
observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil
para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O
argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do
estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais
semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das
semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos
semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees
o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada
caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a
essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto
em uma definiccedilatildeo158
Significado dos termos
Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece
reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele
apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um
termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos
algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios
significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como
exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de
ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo
Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra
ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios
tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o
que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor
A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da
157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37
40
sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso
ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como
por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas
natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160
Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter
sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido
conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das
palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado
o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado
ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe
de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a
uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade
apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias
definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161
Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos
significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se
argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado
dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo
perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita
em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao
se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens
Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto
no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que
afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a
coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso
raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas
aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos
sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que
interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao
160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que
corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos
exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de
fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one
or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated
by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a
competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx
41
passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados
e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua
asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus
argumentos a esse ponto163
O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das
palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com
falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos
nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem
possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados
apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos
sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um
tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que
se vecirc no seguinte trecho
Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham
diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles
que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo
logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo
familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de
falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando
ouvem outros raciocinar165
Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo
encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos
apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os
raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente
ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos
Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se
segue166
163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios
porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar
por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus
argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso
adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre
possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos
Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se
por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de
discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES
Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35
42
II Os toacutepicos
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)
Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido
por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho
essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em
dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer
uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles
designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor
uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale
que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles
sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor
atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo
procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que
Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em
competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas
consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a
etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir
O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito
provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista
de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas
localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente
recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees
dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em
Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169
167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations
Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these
he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what
a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith
1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of
Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em
lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a
great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street
one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items
Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad
43
Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo
que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no
mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante
entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie
Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta
os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de
apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o
dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o
argumento para a conclusatildeo desejada171
Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute
associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles
sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber
vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem
selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173
ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se
apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque
de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por
meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma
premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a
atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos
Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das
proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo
dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza
Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems
to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly
makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined
premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On
Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA
Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002
Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a
variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in
stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo
then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo
SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151
44
para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos
olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177
J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo
do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o
termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser
usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou
uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo
como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte
Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica
e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um
argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o
nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos
poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179
Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega
τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente
ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes
entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que
podem ser gerais ou especiacuteficos
Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo
Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas
argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees
argumentativosrdquo182
Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou
premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o
177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo
aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de
direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico
do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees
de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram
em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera
toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo
diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas
(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa
45
seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como
acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse
tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos
quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185
Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos
natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz
que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da
aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como
premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι
especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()
regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso
em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186
A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a
funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος
aristoteacutelico o seguinte
Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este
pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se
o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser
impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave
mesma coisa187
Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι
aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema
toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados
em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente
conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais
frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos
e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no
grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem
nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e
conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera
referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do
mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc
as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada
do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese
pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep
163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33
46
argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao
sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou
regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos
muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os
esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos
toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188
Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro
deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser
uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que
queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou
refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para
apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de
uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que
selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso
dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo
deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se
por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos
selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado
para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o
esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo
o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar
a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa
capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da
espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate
dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo
pretendida189
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica
Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios
dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os
livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo
188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid
47
eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados
nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos
mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees
que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos
De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se
as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A
Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten
que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191
1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S
2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S
3) S eacute P = P eacute gecircnero de S
4) S eacute P = P eacute acidente de S
Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III
dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute
bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo
ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser
usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios
particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo
dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de
modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer
ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas
em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que
afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um
erro193
190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos
menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162
Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30
48
Toacutepicos sobre o acidente
O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se
haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente
pertence ao sujeito de outra maneira
Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que
pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais
comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo
se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma
cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194
Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente
que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo
ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo
correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo
O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se
afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico
serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o
predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que
o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente
encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a
proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente
se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa
posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam
uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um
procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado
Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar
os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o
ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195
O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do
acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute
alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo
dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de
194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30
49
ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o
invejoso natildeo eacute bom196
Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou
destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos
quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser
usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute
objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro
significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos
termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que
comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos
Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu
que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento
pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos
Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de
significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente
o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi
discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel
tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por
terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos
que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos
demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma
afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo
corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os
sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade
de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que
seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente
porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence
ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo
se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido
a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio
teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel
num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa
pretensatildeo seja razoaacutevel198
Toacutepicos sobre o preferiacutevel
O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a
um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o
mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas
ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre
196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28
50
o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute
necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que
identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas
Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo
segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo
Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel
agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais
probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo
homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo
qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em
determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos
eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo
mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou
carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a
maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas
as coisas tendem para o bem199
Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas
acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de
modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por
exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais
desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que
pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa
melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio
de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente
a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o
vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel
que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio
Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio
Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das
investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem
partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201
199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15
51
O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero
atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem
agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute
indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o
gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar
se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)
Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma
nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro
toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada
pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma
espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203
Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o
oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre
manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo
propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de
ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute
formoso204
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo
Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para
verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve
linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre
a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de
identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir
na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo
de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o
erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero
Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas
diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar
ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar
202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15
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o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute
correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer
O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um
objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave
definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206
Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre
a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave
obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro
o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale
para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute
ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se
o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade
em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem
para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e
friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo
que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se
refere207
Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter
apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos
construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa
discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre
a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e
como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo
consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta
que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo
desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para
a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo
e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que
Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado
um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos
205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20
53
De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza
os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a
partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando
que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam
meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos
adequadamente enumeradosrdquo210
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto
capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia
(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas
coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a
combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas
seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma
sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que
dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212
Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados
no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como
sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou
deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser
obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de
sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema
definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo
nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para
aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo
para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que
escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que
210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have
now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior
Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London
Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159
54
parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem
chama de toacutepicos214
Toacutepicos na Retoacuterica
A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη
ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum
e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O
que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir
em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de
demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo
que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma
espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em
geral partem de ἔνδοξα221
Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo
no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa
para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou
213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o
tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel
portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)
de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-
33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173
Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois
que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo
vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg
Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos
produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais
haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela
induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos
nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas
satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo
Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior
parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que
cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que
geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem
ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o
particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237
55
comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns
ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser
aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica
Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos
ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial
e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica
Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o
exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula
argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se
uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que
seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os
homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o
menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos
inclusive atualmente
Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem
eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses
nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees
eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225
Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade
dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um
exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre
a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A
primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio
de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se
vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis
escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando
natildeo houver puniccedilatildeo226
Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees
que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a
223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20
56
praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir
acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute
conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos
para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227
Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na
argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde
com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como
ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As
maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima
ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado
saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a
causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil
do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar
determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da
mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de
encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa
que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel
do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso
pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231
227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15
57
III O debate dialeacutetico
Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente
uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas
ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia
um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo
Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do
respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder
Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua
proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente
concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse
ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233
Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de
praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a
dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas
codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa
praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos
Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir
para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa
conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de
Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo
diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer
tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a
funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a
dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao
tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese
por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E
acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se
232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm
158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press
1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7
58
refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que
recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII
o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas
dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da
competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o
antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo
pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o
respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua
defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular
algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso
se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que
Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo
e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e
apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo
correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o
comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo
de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio
Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo
geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico
se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do
raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por
meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de
demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute
possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e
examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de
estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois
sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem
utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador
236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40
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individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas
em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da
afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242
1 Estrateacutegias do questionador
O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de
propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente
e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave
construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro
tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute
concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o
argumento mais evidente244
Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se
possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas
alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute
confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo
(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes
uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a
concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que
eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu
as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247
Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter
distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel
possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos
chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por
Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com
atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos
posteriormente
242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30
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As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se
na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente
e tambeacutem em sugestotildees de psicologia
As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma
expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por
exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute
podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a
oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica
nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que
se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o
mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois
disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando
uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo
forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo
expliacutecito250
Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas
para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para
dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o
argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se
pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o
desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se
despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter
inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que
realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees
dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de
defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute
uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem
natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a
outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias
tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma
249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5
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conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos
nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251
Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando
possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os
termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a
concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a
concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem
uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem
irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso
desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos
baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra
estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes
desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255
Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate
oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de
imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada
eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma
objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a
premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais
facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os
pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas
que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em
primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou
impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256
251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo
coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II
9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39
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Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para
proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem
que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257
Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme
jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com
os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a
questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas
usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas
satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que
abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o
adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule
uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em
questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida
Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir
tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se
natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute
vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo
contra elardquo258
Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente
o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse
fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade
seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel
Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio
sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque
muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a
nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees
que foram feitas259
257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15
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Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas
hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do
ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel
ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-
se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas
intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261
As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do
questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom
questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se
seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom
respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas
apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo
a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262
2 Estrateacutegias do respondedor
O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou
respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou
geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila
no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas
O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese
assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a
conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais
familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar
Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do
mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263
O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter
geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia
para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para
evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante
260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner
should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses
that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20
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e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa
natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande
maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees
muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o
ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o
respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo
se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente
deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e
natildeo da sua incompetecircncia pessoal264
O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de
clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e
simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes
significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro
sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente
natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio
do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra
alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve
o verbo ldquopertencerrdquo
Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos
ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem
o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o
homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois
dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um
animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos
espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa
proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266
O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador
tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve
evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo
absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por
dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do
264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180
65
que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que
a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267
3 Diferentes objetivos no debate
Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode
ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute
regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute
influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo
influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem
tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo
(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a
respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme
falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em
que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras
e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas
de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em
mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma
proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para
toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos
O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos
conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando
Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e
natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro
mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende
que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute
possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade
Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que
deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por
meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios
267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the
conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139
66
a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos
posteriormente 270
Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o
paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que
satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma
intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com
necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de
ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige
compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles
distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as
proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico
nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271
Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que
essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio
investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute
apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos
Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica
dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma
que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos
proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida
para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar
construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores
o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas
tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os
aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo
conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou
procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas
para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos
270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do
exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para
estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro
como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro
foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII
11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363
67
extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel
identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo
sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele
estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um
dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise
cuidadosa
Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada
que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento
em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos
independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando
ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o
argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de
premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o
argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora
verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e
falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem
apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute
contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a
verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer
afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles
e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos
272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de
estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado
conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos
o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o
dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez
que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas
pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo
do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais
facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito
de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo
sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a
ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)
terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a
partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos
diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o
68
Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode
ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou
natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia
Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc
quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem
na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e
que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio
dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque
parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as
circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita
a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo
No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio
dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles
inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si
mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos
proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos
debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles
comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280
Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma
que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o
respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer
corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo
desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser
uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o
mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o
conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como
predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a
conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente
rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais
coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p
143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10
69
argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda
tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando
um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um
ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento
eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos
O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento
comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave
argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo
comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com
efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que
haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria
como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que
faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a
admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro
pergunta283
Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma
disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as
estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo
muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute
pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma
premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a
proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos
casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter
Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda
seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285
Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do
questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute
fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um
grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um
raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas
281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10
70
perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade
chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286
A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme
mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da
argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de
xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas
estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles
caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o
com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288
Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do
debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a
cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles
reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e
moral
Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo
com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por
forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua
diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar
todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas
isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr
levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute
resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289
A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute
presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro
da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria
aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar
essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela
291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre
ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos
Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos
anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que
286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367
71
usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de
descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema
proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser
utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom
suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e
como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos
relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima
linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema
especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc
Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre
qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais
geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte
da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela
devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas
o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com
uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do
nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir
uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de
assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender
nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas
quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo
que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las
confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que
precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos
materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as
fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos
Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo
e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar
contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os
problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta
investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do
assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar
acima292
292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196
72
IV Viacutecios de raciociacutenio
As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos
debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz
respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles
Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um
sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo
como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste
capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto
pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a
certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a
seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na
argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral
Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos
exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal
silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser
definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos
Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e
Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo
a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos
antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da
Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras
silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o
escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro
de Aristoacuteteles sobre loacutegica
Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que
em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco
293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45
73
possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes
As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia
inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo
reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas
quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em
X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia
se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296
As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no
uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio
ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos
silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos
Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo
justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de
viacutecios de raciociacutenio
Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII
dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que
a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do
sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio
dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que
parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de
falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com
exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente
beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de
coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o
satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute
Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν
ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que
aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como
296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso
quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo
tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse
que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento
de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute
igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25
74
tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao
sujeito (assunto) em pauta298
Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso
silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou
um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter
muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O
exemplo apresentado eacute
Quem estaacute sentado escreve
Soacutecrates estaacute sentado
Soacutecrates estaacute escrevendo
A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles
sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave
conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre
o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo
ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve
ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve
e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo
seria possiacutevel300
Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em
si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a
conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as
premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem
adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute
irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de
premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como
perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre
quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves
vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas
que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo
298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39
75
menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas
satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto
Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema
proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte
de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo
leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que
conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por
meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio
(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que
demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por
um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302
Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No
primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o
caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No
segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o
caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma
conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute
eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao
assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina
ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou
falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada
por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes
verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo
verdadeira seja inferida de premissas falsas 304
Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer
em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que
conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute
postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se
301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma
demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a
conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16
76
expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e
expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar
para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento
dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um
soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de
modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar
que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas
da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia
da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se
incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de
afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular
que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute
incomensuraacutevel com o lado306
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos
Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em
contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um
raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser
geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso
ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma
competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois
o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o
sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e
enriquecer307
A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata
de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da
adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa
inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um
paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de
um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de
um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do
Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o
306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35
77
argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento
apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto
dialeacutetico308
Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de
preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o
solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a
aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309
As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que
independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento
em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para
as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia
(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e
a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje
de falaacutecias de ambiguidade311
Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute
bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que
pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo
por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo
quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um
exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo
As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis
porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das
palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que
estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e
Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do
mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais
adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras
308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou
1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10
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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas
possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem
tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute
sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute
teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo
ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de
palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado
com aquilo com que foi espancadordquo315
Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas
discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois
exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No
entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e
facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase
na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia
Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel
As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da
mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que
abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar
fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar
vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318
As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as
relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo
em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou
relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas
ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias
questotildees em uma soacute319
314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30
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As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma
que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como
uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos
pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo
ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute
ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de
Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem
pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320
Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem
ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido
absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por
exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo
eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente
como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca
aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321
As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido
definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado
de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente
delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do
desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso
elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo
que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322
A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a
conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor
que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O
Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a
percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos
Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar
molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323
320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10
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Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo
modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram
apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324
A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para
fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse
tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa
que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave
impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos
Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a
mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a
ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que
ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute
o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de
ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de
perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e
ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da
impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a
ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de
ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo
satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa
causa da impossibilidade desse argumento325
A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada
de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa
despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra
que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela
aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso
acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que
324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161
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aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo
ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327
Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a
segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo
(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem
os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e
a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves
opiniotildees aceitas329
A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma
expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade
aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra
masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um
lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331
Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa
repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos
relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo
e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele
seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente
ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade
da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo
de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta
pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado
ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334
As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em
torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico
estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme
327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8
82
a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende
uma sabedoria aparente
Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que
possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele
proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo
tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos
capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para
dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio
apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute
indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos
Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma
faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e
esse eacute o fim que eles tecircm em vista336
336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156
83
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica
Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de
estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo
do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso
reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da
ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos
especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base
soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337
Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de
proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo
apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a
partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos
condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra
oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e
exemplificativos
A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo
proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta
dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do
conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das
opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios
(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem
a nenhum campo de saber especiacutefico
Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico
Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas
parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que
337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57
84
queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram
como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico
() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como
um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma
como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico
natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338
De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito
dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas
parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um
raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz
mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute
enganoso e desleal339
Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece
nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas
pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave
dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como
questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico
do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais
os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser
aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem
alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses
princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio
da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral
O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica
de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de
conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado
fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do
conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos
nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual
tentaremos resolver a partir de agora
338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte
desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo
portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor
ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op
cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso
capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos
85
A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de
Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o
que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero
de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute
proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o
fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos
destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta
ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a
felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As
opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no
discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo
retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as
confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara
distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho
Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que
a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou
natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou
injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao
juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes
Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo
com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos
juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens
que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar
muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa
experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo
imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se
retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344
Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas
teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os
testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que
temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos
que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma
categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado
341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
86
uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345
No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica
equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou
argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca
de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de
certo modo
Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o
Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo
podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito
do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral
como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o
Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou
ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e
assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns
a todas as artes347
Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da
classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou
o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as
praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de
produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348
345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo
da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei
jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas
se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para
o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar
o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir
e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos
Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos
juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo
do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica
que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias
juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau
de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros
podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do
retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela
jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que
logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ
Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20
87
Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas
mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia
do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa
Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as
normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso
pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas
sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica
isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se
se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade
que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum
Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos
alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de
fatos
Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas
certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um
corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do
tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem
com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois
de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais
estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral
segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa
sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os
349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da
Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria
sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por
seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade
formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de
transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova
era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada
aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo
inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o
aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees
que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo
permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL
Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio
27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt
Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
88
sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como
premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato
concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351
Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um
raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em
vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352
Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute
de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu
domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o
status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη
temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim
concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de
dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre
Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa
sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no
discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A
falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser
levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado
indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353
Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do
Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes
nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos
ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria
adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido
amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com
menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a
351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo
em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo
na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela
expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9
170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito
bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um
τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140
89
jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos
tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes
sobre os casos judiciais
Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a
presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos
legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes
longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave
ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se
transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos
que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees
da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na
doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da
sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem
eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem
discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em
discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica
no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes
de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos
particulares
Casos particulares
Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas
foi revogada e a outra alterada
A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada
pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo
Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou
fraude para fim libidinoso
Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355
A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude
Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha
a seguinte redaccedilatildeo
355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017
90
Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude
Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356
Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio
geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla
poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo
Federal como uma garantia fundamental neste inciso
XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
preacutevia cominaccedilatildeo legal357
Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com
base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria
O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio
da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei
deve ser clara e precisa358
Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos
costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo
chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da
expressatildeo ldquomulher honestardquo
O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas
nas normas e interpretadas pelos costumes
As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam
conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra
subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras
Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome
de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre
que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz
quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do
costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a
validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu
conteuacutedo359
Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar
seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se
356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo
Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em
lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71
91
expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma
constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos
da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o
que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de
forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem
consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar
algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo
Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees
geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher
honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos
ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio
Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de
jurisprudecircncia que mostraremos agora
Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro
Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal
Federal em 06 de agosto de 2002
Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute
da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do
crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a
mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores
elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou
o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher
seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual
por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das
viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode
ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes
consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de
Jesus360
Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do
Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees
geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo
Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por
ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo
Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram
360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson
Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em
24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
92
diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave
liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios
constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo
para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361
Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente
aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de
Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para
ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que
reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos
A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou
constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios
subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo
A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da
igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988
adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios
admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade
suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda
a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos
As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no
serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a
efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si
mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual
respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos
indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a
neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem
como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a
igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a
igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de
privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que
corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-
estar social e a igualdade como reconhecimento significando o
361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p
148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito
Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt
httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
93
respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam
raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364
Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que
podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um
direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees
geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as
injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente
aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem
parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave
proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave
igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365
Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas
raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou
natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o
acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente
podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias
estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-
se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de
verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que
orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo
pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva
A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do
Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a
ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele
menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns
paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por
Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida
em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre
364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14
94
o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute
hoje Assim redigiu o Ministro
Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna
relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e
preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que
atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm
129902014) destacando-se em tal contexto como elementos
fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade
humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave
igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e
efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela
alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da
felicidade368
Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da
leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo
dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo
ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima
e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo
fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em
determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas
tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito
Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo
valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata
dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra
e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso
agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a
honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370
368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF
Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto
a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou
secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera
apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a
necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria
desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode
ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo
LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois
devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito
Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o
inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar
95
Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel
entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que
ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal
restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel
agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos
do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o
que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes
ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em
siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho
Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio
da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos
no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os
problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas
juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a
populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das
cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais
Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da
igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem
tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares
Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de
evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute
um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um
fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera
criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de
indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo
239 do Coacutedigo de Processo Penal
os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma
reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo
do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e
presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160
96
Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada
que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a
existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373
A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou
verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de
raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos
Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de
um exemplo
A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime
que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime
pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes
Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-
se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute
a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor
do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso
particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim
a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo
Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a
apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa
e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios
comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo
da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos
indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam
com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees
geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas
373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao
abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a
uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E
outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo
eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com
todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20
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provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376
Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos
julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis
justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo
a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)
que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave
plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada
A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um
contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja
porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras
palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute
possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em
debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas
oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o
ocircnus da prova dos fatos alegados
Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente
aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e
elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio
dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico
Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute
entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses
376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por
possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de
percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal
Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da
contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos
a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir
que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se
apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 138 e 167
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conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos
alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica
Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou
seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente
aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a
partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o
conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos
satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as
premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o
primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como
acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador
pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos
τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as
relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees
Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os
entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois
servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι
dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer
de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um
exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o
conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento
retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam
o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental
Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os
entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que
representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme
expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por
si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico
tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e
interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de
argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o
estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que
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o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam
e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar
instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais
e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto
Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em
funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito
significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute
possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou
acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre
elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios
gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria
dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do
mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na
esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo
pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o
objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas
no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees
diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar
os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou
desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa
dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas
algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral
consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e
histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo
juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de
argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito
e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou
se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos
Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de
linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no
378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18
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sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do
termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do
que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de
raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo
de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza
precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem
de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico
literaacuterio ou comum
3 Linguagem loacutegica e eacutetica
Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem
Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio
apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O
jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo
juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre
os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei
natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas
pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute
a imprecisatildeo da linguagem do Direito386
Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para
Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na
existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos
decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os
sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para
evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo
382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que
as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que
significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit
p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro
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Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre
identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que
envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos
utilizados durante a discussatildeo389
A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a
linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem
comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que
Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as
ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia
antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O
que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e
esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e
coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos
Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo
conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que
buscar uma linguagem perfeita
Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo
enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito
principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias
Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo
histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme
temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito
De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos
Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por
seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e
linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de
389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge
como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e
cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas
redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica
ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica
juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas
sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo
extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo
102
debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio
de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual
que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um
contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado
Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem
os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e
como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que
estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte
para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais
seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes
Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo
muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como
sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o
debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista
que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees
como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram
descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como
empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe
um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo
Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391
mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim
como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda
argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute
uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e
disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que
torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo
homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de
adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito
essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos
Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio
qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio
391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15
103
servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo
Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo
dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados
testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por
parte dos debatedores
4 Taacuteticas de debate
As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos
nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais
no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as
sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o
interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento
Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo
A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia
T Sim mas o que exatamente
A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de
madrugada no dia X
T Sim eacute verdade
A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos
T Sim
A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu
T Natildeo sei acho que por volta de uma hora
A Antes ou depois de uma hora
T Natildeo sei
A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta
de meia noite
T Sim
A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo
T Natildeo sei
A A senhora ouviu ele chegar
T Natildeo
A A senhora estava dormindo
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T Sim
A A senhora tem insocircnia
T Sim
A A senhora toma remeacutedios para dormir
T Agraves vezes sim
A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir
T Natildeo lembro
A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo
T Estava dormindo e acordei com os barulhos
A A senhora tem pesadelos agraves vezes
T Agraves vezes sim
A Obrigado
O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato
que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de
que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a
conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a
alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que
ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato
ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a
afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As
premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O
advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo
do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave
conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que
dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a
chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade
de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava
dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo
A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o
auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o
testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-
se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo
105
dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo
mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado
remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para
dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel
que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez
servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos
pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos
natildeo eacute fidedigno
O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum
na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas
premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu
os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que
levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos
O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para
um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por
induccedilatildeo
Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de
debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre
os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos
de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor
isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na
condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha
promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia
entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante
discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre
por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor
a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a
dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual
oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na
discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz
106
CONCLUSAtildeO
Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as
quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que
a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois
suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de
premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos
do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de
forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo
especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo
ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que
essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito
o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de
Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do
Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o
treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a
finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a
investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto
acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais
aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e
outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para
os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva
para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma
393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30
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ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados
nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo
A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa
dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra
usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se
formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido
feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e
aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas
loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de
Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos
que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas
anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na
praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos
a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute
fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica
natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer
uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos
suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica
aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica
juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes
de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica
os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos
para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das
ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser
enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que
ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em
geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje
Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum
tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do
seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa
filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso
estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na
108
obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da
correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos
como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma
compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como
um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo
da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta
dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar
as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos
da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica
que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e
se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-
contradiccedilatildeo
No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam
concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de
linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas
em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as
habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional
de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem
exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso
seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico
Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e
o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente
aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico
dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese
satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos
dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito
mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel
enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade
maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um
meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma
397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246
109
aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao
dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo
pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos
cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos
Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo
dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios
Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou
modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo
de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da
dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um
discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas
trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral
dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos
retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees
diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele
retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham
a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte
satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da
linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer
aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos
Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da
sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica
Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles
menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente
tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias
entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue
de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma
habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas
398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida
quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2
157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees
possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou
faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16
110
comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica
para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas
De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve
como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso
como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do
assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo
requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das
questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos
Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e
psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de
vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees
reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento
para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo
apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo
essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um
pouco estranha a de que nem tudo se discute
Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo
juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples
meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas
Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos
argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e
linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O
principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre
acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas
respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente
dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos
que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito
uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas
111
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v
SUMAacuteRIO
AGRADECIMENTOSii
RESUMOiii
SUMAacuteRIOv
ABREVIATURASvii
INTRODUCcedilAtildeO1
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos12
1 Consideraccedilotildees iniciais12
Noccedilotildees preliminares 12
Objetivo dos Toacutepicos15
Raciociacutenio dialeacutetico 20
2 A utilidade dos Toacutepicos23
3 Os instrumentos da dialeacutetica28
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos28
Predicaacuteveis32
Categorias 34
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados dos
termos36
Espeacutecies de argumentos36
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila38
Significados dos termos39
II Os toacutepicos 42
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)42
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica46
vi
Toacutepicos sobre o acidente48
Toacutepicos sobre o preferiacutevel49
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53
Toacutepicos na Retoacuterica54
III O debate dialeacutetico57
1 Estrateacutegias do questionador59
2 Estrateacutegias do respondedor63
3 Diferentes objetivos no debate65
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68
IV Viacutecios de raciociacutenio72
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83
Casos particulares89
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97
3 Linguagem loacutegica e eacutetica100
4 Taacuteticas de debate103
CONCLUSAtildeO106
REFEREcircNCIAS111
vii
LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Aristoacuteteles
Toacutep Toacutepicos
Cat Categorias
Met Metafiacutesica
Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco
Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos
An Pr Analiacuteticos Primeiros
An Post Analiacuteticos Segundos
Ret Retoacuterica
Fiacutes Fiacutesica
Da Int Da Interpretaccedilatildeo
1
INTRODUCcedilAtildeO
O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o
estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado
pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo
entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da
evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as
demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase
como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado
Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao
contingente3
Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em
vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de
prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi
desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo
Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o
Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo
as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4
Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais
de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva
alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5
Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma
ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou
para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da
1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo
G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000
p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo
Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26
2
matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo
cientificamente irrespondiacutevel6
Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na
primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor
Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia
(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se
alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na
Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de
resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por
problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o
autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9
A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)
surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na
Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos
de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que
mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de
habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias
publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as
pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se
durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas
da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar
dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica
e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de
Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande
6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina
Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia
Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e
Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins
Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995
p 343
3
codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela
dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar
as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a
princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos
XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica
escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas
juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e
fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos
particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14
A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da
dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da
repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros
devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de
Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo
extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do
respeitado jurista alematildeo Karl Larenz
Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue
depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico
juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer
ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises
juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de
empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores
que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma
representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo
das opiniotildees expendidas17
13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171
Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz
Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)
as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente
um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para
julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar
por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar
topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida
em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo
abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver
constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse
puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar
proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago
que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute
4
Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico
pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns
argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam
de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios
conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica
standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19
Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como
disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se
pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas
compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel
natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel
O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico
poreacutem um toacutepico muito importante21
No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul
Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22
Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da
argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950
poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de
Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de
Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de
Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo
distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a
uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a
jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a
pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas
verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e
introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy
2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia
ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte
de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de
procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo
ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras
palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor
do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo
introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189
5
categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de
trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)
Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente
ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu
um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen
(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em
1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu
a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente
aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio
Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados
desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em
artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo
dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais
recentemente R Bolton e R Smith24
Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles
funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo
desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto
apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma
situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer
clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25
A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como
funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial
entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos
e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e
dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees
proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os
23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski
para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica
formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de
PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em
httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and
Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004
Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese
do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3
6
problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos
termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de
acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria
sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa
opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as
regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio
fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou
se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27
A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas
teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral
eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente
mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos
Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que
apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas
garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria
Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no
Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido
desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas
Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda
as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas
analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia
opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso
Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus
textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo
atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que
as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir
e apresentar argumentos soacutelidos28
No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a
dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos
26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997
p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo
Argumentation v 19 n 4 2005
7
primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o
meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por
sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins
Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades
mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer
habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32
As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de
Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter
argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao
positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como
pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de
invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua
toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus
proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica
de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da
Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo
Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre
partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de
vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz
pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade
respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade
isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar
na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria
regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial
tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da
prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo
29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29
2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24
jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na
codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar
por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116
8
incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo
exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos
estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos
Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por
necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em
consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir
para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero
considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg
natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no
decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica
claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A
toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor
Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento
desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas
apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo
da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso
interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves
metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar
o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza
segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40
Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise
sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera
juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do
Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que
Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para
a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica
juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de
37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em
httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica
ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel
em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set
2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57
9
uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso
objetivo de longo prazo
De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz
nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila
quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica
Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para
formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador
da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e
outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate
regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um
elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio
entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras
tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da
leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos
Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o
objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente
aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias
filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42
Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso
propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel
possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que
chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para
apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor
Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em
conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que
empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo
aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias
de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem
descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e
interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da
proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude
mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender
antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido
premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem
41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5
10
preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-
nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores
acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica
na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de
suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos
tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo
tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito
sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que
liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43
Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como
base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o
conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias
pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos
que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a
questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como
pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de
difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico
especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e
Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar
por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que
pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a
melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente
e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se
apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute
imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de
Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica
Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem
disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura
do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso
esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo
definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a
VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito
Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice
dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho
seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo
43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30
11
apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos
objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos
propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos
de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo
apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos
para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os
diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das
quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como
Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos
Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares
agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence
ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente
aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas
Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e
diaacutelogos
12
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos
1 Consideraccedilotildees iniciais
Noccedilotildees preliminares
O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles
sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido
moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de
Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados
sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44
O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de
modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos
Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)
5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos
O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir
uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo
divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos
Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral
eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e
Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois
como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa
elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado
tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores
do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o
Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos
44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro
e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos
Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas
palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema
que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo
essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos
Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A
Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196
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natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo
denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem
subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse
argumento48
Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos
Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e
como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas
merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas
noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto
de estudo
Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)
da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas
a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a
sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a
conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49
Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo
ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade
estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute
Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que
a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo
no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute
contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52
A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que
entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute
48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e
Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo
livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii
1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10
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mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica
e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins
de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico
(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico
nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento
cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute
destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois
como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa
razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem
nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para
se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar
Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo
para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as
afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra
ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso
de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser
investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal
caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos
Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais
especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade
de saacutebios a depender do contexto
Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O
conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra
forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam
Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e
pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais
natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53
Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de
53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133
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ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a
Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua
natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada
Trataremos disso em seguida
A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de
contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura
sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e
passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos
Objetivo dos Toacutepicos
O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra
Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas
ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos
tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer
alguma coisa que nos cause embaraccedilos56
Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se
percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57
Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)
com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por
todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos
para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58
54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -
Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014
ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que
deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja
de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao
passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic
Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para
comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de
opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na
sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1
100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25
16
Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema
proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma
teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de
assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus
princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)
comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos
Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das
ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte
Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos
de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito
algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria
e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios
da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees
tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a
prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a
falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por
diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo
com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos
dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute
aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda
arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se
efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην
ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular
julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual
eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a
refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem
no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60
Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute
ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a
Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees
geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao
conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma
discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos
ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento
59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo
demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos
na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem
poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos
arg Op cit p 171
ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37
Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18
17
associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio
provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos
saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento
que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que
acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo
Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)
e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a
verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que
satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da
mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas
Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos
pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza
do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um
raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir
demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico
Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute
bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom
juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas
as coisas eacute bom juiz em geral62
Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir
a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo
legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo
admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do
contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de
investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos
Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios
sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo
62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a
25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo
em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o
ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes
maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o
segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade
A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo
fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito
citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade
aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados
(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de
todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior
nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees
correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES
Eacutetica a N Op cit p 146
18
geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63
Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado
sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio
portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria
culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos
na introduccedilatildeo deste trabalho
Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a
Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e
ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura
superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas
entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos
Toacutepicos que define ἔνδοξα
Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os
homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade
e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem
divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a
mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata
de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras
embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem
a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com
a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar
todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta
considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais
razoaacuteveis64
Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais
proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees
e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos
segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos
[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que
o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade
como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as
caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem
incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam
a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras
com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a
identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou
sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade
exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos
defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas
mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja
63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20
19
inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos
em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65
Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por
uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees
ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo
entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho
ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o
indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que
parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz
a dialeacuteticardquo66
Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas
de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio
Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um
senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado
o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente
aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo
ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67
Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto
de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como
dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem
ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo
aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees
e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar
Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo
Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma
proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou
para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo
devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo
(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se
65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico
ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10
20
muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que
merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A
esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de
puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de
percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser
castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente
e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se
por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma
investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico
Raciociacutenio dialeacutetico
Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de
raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de
raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz
necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio
(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71
Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς
συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O
raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e
verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras
e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser
descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua
verdade por si mesmos72
Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das
cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que
intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os
70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem
necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6
ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente
pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10
21
primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso
satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode
ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute
demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que
seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos
Analiacuteticos
Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber
(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja
inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o
conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute
necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν
ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas
mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas
satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do
demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode
haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma
demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem
ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a
comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e
indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para
serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de
um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua
demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do
que ela e a ela anteriores 75
A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o
fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros
Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo
74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo
sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo
(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave
intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os
princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico
(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia
(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que
apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de
o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma
ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento
verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do
proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se
comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores
Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um
par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma
pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira
Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-
30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O
desenvolvimento Op cit p 4
22
estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos
observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se
mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser
verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite
alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos
Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na
afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito
tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e
obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa
dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das
duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee
uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute
indicamos nos Toacutepicos78
O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e
uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa
anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo
e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica
assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa
supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79
Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas
com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde
Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a
demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma
prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de
perguntas80
O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio
apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem
ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas
parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente
aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas
que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser
77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-
255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam
friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17
23
claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as
opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa
falsidade deve ser um pouco oacutebvia82
O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade
no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e
mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se
enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas
de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas
apenas parecem secirc-los84
O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo
(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo
O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo
Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que
natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se
fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do
semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma
desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se
classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele
apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado
em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos
complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito
do raciociacutenio eriacutestico
2 A utilidade dos Toacutepicos
Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se
raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na
sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro
lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo
82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5
24
bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla
possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para
a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as
disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O
treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram
praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a
conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em
suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a
identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado
meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases
uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave
luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica
que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de
todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89
Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A
primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos
contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o
raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e
o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na
discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das
87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais
facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo
agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute
completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante
de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as
questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais
apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as
investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como
contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma
e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher
acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151
25
proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se
a verdade (ἀλήθεια)91
No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios
(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica
mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos
anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os
princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos
Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a
partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta
debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94
Citamos um trecho
Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou
natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele
estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da
realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o
detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma
natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo
verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto
dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar
qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto
natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa
indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas
Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que
professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash
coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem
caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando
em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira
de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de
francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que
natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio
que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95
Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o
qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo
(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do
princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas
91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua
verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119
26
eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o
Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode
ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos
ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo
de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios
pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute
uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela
inteligecircncia97
Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se
aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois
esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro
mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas
Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da
Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99
Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa
obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a
impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao
debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()
declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas
de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme
era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores
tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute
possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como
divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da
dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos
exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles
96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um
jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34
27
nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas
Disputationes104
Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de
disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota
da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a
ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer
aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um
descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o
comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa
complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105
O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um
meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo
se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara
demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os
Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos
considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento
principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma
outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as
ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos
Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas
e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos
sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus
nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees
individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que
abordaremos agora
103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar
tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos
quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a
constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-
se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto
deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15
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3 Os instrumentos da dialeacutetica
Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o
eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar
dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o
que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees
necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de
argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de
coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim
de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e
os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute
composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado
do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para
a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na
construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute
ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem
natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo
apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de
proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final
se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada
a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo
Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por
todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema
(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a
escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela
107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo
e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na
construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13
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anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos
que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O
problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113
Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados
como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo
ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em
se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute
evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o
que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem
se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se
estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados
satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115
Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις
ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos
quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que
satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais
de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma
ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das
opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve
fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)
acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em
questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os
pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem
ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra
observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como
113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to
different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem
is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle
tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20
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no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas
contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam
os debates
ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal
como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou
ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica
deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso
das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta
espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila
distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem
significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie
eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-
nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118
Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)
que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o
conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo
tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada
em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos
homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave
opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios
divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees
em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra
e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por
exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a
diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos
fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que
resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos
das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e
dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica
essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo
sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo
θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo
intelectual120
118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81
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Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que
Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito
com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo
denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas
entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo
eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em
movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121
Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar
proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As
proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute
deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles
pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias
agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que
estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que
parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas
como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo
Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser
extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa
vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades
reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica
sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser
tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees
Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo
conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos
relativos eacute o mesmordquo124
121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca
a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute
indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute
possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis
quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo
eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o
universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35
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Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)
e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos
partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as
categorias
Predicaacuteveis
Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou
um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com
o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os
predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da
reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125
Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais
Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como
explicados a seguir
Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν
εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa
Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua
diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um
animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem
definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica
Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas
natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo
conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128
O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente
uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira
conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute
homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem
Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender
125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New
York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20
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gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem
pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129
O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias
coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem
boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do
objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de
essecircncia (τὸ τί ἐστι)132
Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa
sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem
proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor
modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133
Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao
gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles
poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser
destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o
atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um
proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim
quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente
Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido
Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles
Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes
firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo
para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e
organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem
foco em um dos predicaacuteveis
O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas
e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute
129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39
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possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam
na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de
ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma
proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo
pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se
predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo
abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem
que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do
gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito
Categorias
Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de
predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma
das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute
divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de
coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre
esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as
seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo
posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138
135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo
Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos
de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais
probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem
disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a
foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma
coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-
10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias
ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)
ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou
ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs
categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas
pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma
classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia
expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que
ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a
tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto
Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas
categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)
de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois
35
Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das
Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que
eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139
Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois
termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos
Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua
essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere
tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso
trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no
livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo
entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer
em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por
exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia
ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo
e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de
substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de
categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes
em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo
vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica
bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o
que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142
evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma
substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I
9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou
ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor
branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia
(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma
grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute
descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros
casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o
seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada
de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras
espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006
apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq
36
A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as
definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem
como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as
diferenccedilas se expressam em categorias
Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a
qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a
qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem
ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo
basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por
alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas
acima143
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados
dos termos
Espeacutecies de argumentos
Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio
(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas
estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute
considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos
sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez
eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144
Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo
eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto
ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das
duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no
iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse
mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por
premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se
relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio
143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se
que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que
de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69
37
natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos
inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita
coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo
clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da
linguagem vulgarrdquo147
Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos
homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos
leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio
A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de
argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo
de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves
Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo
caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos
de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais
utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios
universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os
princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica
linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso
segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151
Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento
de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se
emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as
semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar
proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas
147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b
18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo
fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes
manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos
apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)
Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30
38
e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser
inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila
Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees
sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro
lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos
em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou
geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa
soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo
mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo
ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute
o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O
segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute
capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do
acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A
identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma
espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a
identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem
e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o
estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos
predicaacuteveis
Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser
estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila
difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do
conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da
153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma
proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso
como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser
recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a
sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo
em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13
105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35
39
mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que
pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157
O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa
particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela
observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil
para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O
argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do
estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais
semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das
semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos
semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees
o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada
caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a
essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto
em uma definiccedilatildeo158
Significado dos termos
Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece
reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele
apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um
termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos
algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios
significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como
exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de
ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo
Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra
ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios
tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o
que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor
A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da
157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37
40
sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso
ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como
por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas
natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160
Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter
sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido
conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das
palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado
o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado
ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe
de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a
uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade
apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias
definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161
Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos
significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se
argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado
dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo
perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita
em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao
se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens
Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto
no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que
afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a
coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso
raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas
aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos
sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que
interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao
160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que
corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos
exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de
fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one
or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated
by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a
competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx
41
passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados
e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua
asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus
argumentos a esse ponto163
O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das
palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com
falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos
nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem
possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados
apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos
sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um
tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que
se vecirc no seguinte trecho
Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham
diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles
que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo
logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo
familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de
falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando
ouvem outros raciocinar165
Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo
encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos
apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os
raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente
ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos
Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se
segue166
163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios
porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar
por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus
argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso
adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre
possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos
Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se
por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de
discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES
Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35
42
II Os toacutepicos
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)
Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido
por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho
essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em
dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer
uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles
designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor
uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale
que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles
sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor
atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo
procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que
Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em
competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas
consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a
etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir
O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito
provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista
de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas
localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente
recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees
dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em
Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169
167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations
Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these
he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what
a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith
1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of
Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em
lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a
great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street
one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items
Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad
43
Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo
que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no
mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante
entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie
Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta
os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de
apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o
dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o
argumento para a conclusatildeo desejada171
Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute
associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles
sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber
vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem
selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173
ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se
apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque
de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por
meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma
premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a
atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos
Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das
proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo
dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza
Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems
to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly
makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined
premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On
Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA
Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002
Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a
variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in
stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo
then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo
SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151
44
para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos
olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177
J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo
do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o
termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser
usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou
uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo
como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte
Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica
e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um
argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o
nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos
poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179
Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega
τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente
ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes
entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que
podem ser gerais ou especiacuteficos
Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo
Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas
argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees
argumentativosrdquo182
Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou
premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o
177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo
aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de
direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico
do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees
de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram
em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera
toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo
diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas
(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa
45
seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como
acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse
tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos
quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185
Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos
natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz
que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da
aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como
premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι
especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()
regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso
em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186
A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a
funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος
aristoteacutelico o seguinte
Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este
pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se
o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser
impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave
mesma coisa187
Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι
aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema
toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados
em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente
conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais
frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos
e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no
grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem
nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e
conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera
referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do
mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc
as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada
do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese
pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep
163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33
46
argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao
sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou
regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos
muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os
esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos
toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188
Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro
deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser
uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que
queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou
refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para
apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de
uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que
selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso
dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo
deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se
por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos
selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado
para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o
esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo
o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar
a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa
capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da
espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate
dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo
pretendida189
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica
Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios
dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os
livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo
188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid
47
eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados
nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos
mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees
que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos
De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se
as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A
Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten
que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191
1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S
2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S
3) S eacute P = P eacute gecircnero de S
4) S eacute P = P eacute acidente de S
Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III
dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute
bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo
ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser
usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios
particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo
dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de
modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer
ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas
em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que
afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um
erro193
190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos
menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162
Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30
48
Toacutepicos sobre o acidente
O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se
haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente
pertence ao sujeito de outra maneira
Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que
pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais
comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo
se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma
cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194
Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente
que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo
ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo
correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo
O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se
afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico
serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o
predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que
o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente
encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a
proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente
se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa
posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam
uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um
procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado
Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar
os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o
ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195
O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do
acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute
alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo
dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de
194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30
49
ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o
invejoso natildeo eacute bom196
Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou
destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos
quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser
usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute
objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro
significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos
termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que
comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos
Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu
que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento
pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos
Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de
significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente
o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi
discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel
tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por
terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos
que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos
demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma
afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo
corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os
sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade
de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que
seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente
porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence
ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo
se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido
a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio
teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel
num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa
pretensatildeo seja razoaacutevel198
Toacutepicos sobre o preferiacutevel
O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a
um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o
mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas
ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre
196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28
50
o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute
necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que
identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas
Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo
segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo
Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel
agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais
probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo
homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo
qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em
determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos
eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo
mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou
carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a
maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas
as coisas tendem para o bem199
Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas
acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de
modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por
exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais
desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que
pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa
melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio
de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente
a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o
vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel
que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio
Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio
Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das
investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem
partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201
199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15
51
O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero
atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem
agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute
indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o
gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar
se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)
Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma
nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro
toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada
pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma
espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203
Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o
oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre
manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo
propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de
ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute
formoso204
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo
Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para
verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve
linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre
a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de
identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir
na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo
de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o
erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero
Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas
diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar
ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar
202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15
52
o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute
correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer
O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um
objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave
definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206
Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre
a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave
obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro
o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale
para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute
ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se
o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade
em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem
para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e
friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo
que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se
refere207
Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter
apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos
construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa
discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre
a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e
como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo
consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta
que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo
desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para
a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo
e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que
Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado
um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos
205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20
53
De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza
os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a
partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando
que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam
meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos
adequadamente enumeradosrdquo210
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto
capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia
(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas
coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a
combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas
seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma
sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que
dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212
Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados
no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como
sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou
deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser
obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de
sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema
definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo
nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para
aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo
para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que
escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que
210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have
now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior
Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London
Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159
54
parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem
chama de toacutepicos214
Toacutepicos na Retoacuterica
A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη
ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum
e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O
que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir
em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de
demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo
que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma
espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em
geral partem de ἔνδοξα221
Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo
no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa
para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou
213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o
tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel
portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)
de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-
33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173
Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois
que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo
vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg
Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos
produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais
haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela
induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos
nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas
satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo
Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior
parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que
cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que
geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem
ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o
particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237
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comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns
ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser
aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica
Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos
ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial
e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica
Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o
exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula
argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se
uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que
seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os
homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o
menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos
inclusive atualmente
Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem
eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses
nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees
eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225
Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade
dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um
exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre
a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A
primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio
de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se
vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis
escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando
natildeo houver puniccedilatildeo226
Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees
que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a
223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20
56
praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir
acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute
conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos
para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227
Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na
argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde
com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como
ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As
maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima
ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado
saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a
causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil
do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar
determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da
mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de
encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa
que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel
do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso
pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231
227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15
57
III O debate dialeacutetico
Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente
uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas
ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia
um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo
Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do
respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder
Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua
proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente
concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse
ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233
Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de
praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a
dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas
codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa
praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos
Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir
para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa
conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de
Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo
diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer
tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a
funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a
dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao
tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese
por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E
acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se
232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm
158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press
1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7
58
refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que
recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII
o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas
dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da
competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o
antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo
pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o
respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua
defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular
algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso
se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que
Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo
e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e
apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo
correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o
comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo
de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio
Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo
geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico
se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do
raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por
meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de
demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute
possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e
examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de
estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois
sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem
utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador
236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40
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individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas
em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da
afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242
1 Estrateacutegias do questionador
O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de
propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente
e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave
construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro
tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute
concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o
argumento mais evidente244
Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se
possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas
alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute
confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo
(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes
uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a
concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que
eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu
as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247
Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter
distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel
possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos
chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por
Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com
atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos
posteriormente
242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30
60
As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se
na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente
e tambeacutem em sugestotildees de psicologia
As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma
expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por
exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute
podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a
oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica
nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que
se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o
mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois
disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando
uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo
forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo
expliacutecito250
Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas
para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para
dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o
argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se
pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o
desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se
despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter
inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que
realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees
dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de
defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute
uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem
natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a
outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias
tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma
249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5
61
conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos
nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251
Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando
possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os
termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a
concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a
concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem
uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem
irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso
desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos
baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra
estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes
desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255
Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate
oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de
imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada
eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma
objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a
premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais
facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os
pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas
que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em
primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou
impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256
251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo
coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II
9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39
62
Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para
proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem
que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257
Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme
jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com
os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a
questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas
usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas
satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que
abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o
adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule
uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em
questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida
Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir
tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se
natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute
vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo
contra elardquo258
Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente
o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse
fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade
seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel
Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio
sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque
muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a
nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees
que foram feitas259
257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15
63
Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas
hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do
ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel
ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-
se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas
intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261
As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do
questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom
questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se
seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom
respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas
apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo
a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262
2 Estrateacutegias do respondedor
O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou
respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou
geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila
no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas
O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese
assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a
conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais
familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar
Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do
mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263
O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter
geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia
para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para
evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante
260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner
should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses
that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20
64
e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa
natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande
maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees
muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o
ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o
respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo
se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente
deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e
natildeo da sua incompetecircncia pessoal264
O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de
clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e
simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes
significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro
sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente
natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio
do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra
alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve
o verbo ldquopertencerrdquo
Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos
ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem
o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o
homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois
dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um
animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos
espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa
proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266
O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador
tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve
evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo
absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por
dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do
264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180
65
que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que
a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267
3 Diferentes objetivos no debate
Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode
ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute
regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute
influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo
influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem
tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo
(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a
respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme
falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em
que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras
e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas
de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em
mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma
proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para
toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos
O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos
conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando
Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e
natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro
mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende
que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute
possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade
Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que
deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por
meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios
267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the
conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139
66
a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos
posteriormente 270
Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o
paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que
satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma
intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com
necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de
ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige
compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles
distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as
proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico
nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271
Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que
essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio
investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute
apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos
Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica
dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma
que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos
proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida
para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar
construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores
o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas
tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os
aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo
conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou
procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas
para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos
270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do
exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para
estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro
como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro
foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII
11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363
67
extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel
identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo
sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele
estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um
dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise
cuidadosa
Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada
que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento
em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos
independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando
ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o
argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de
premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o
argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora
verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e
falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem
apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute
contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a
verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer
afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles
e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos
272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de
estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado
conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos
o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o
dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez
que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas
pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo
do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais
facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito
de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo
sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a
ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)
terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a
partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos
diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o
68
Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode
ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou
natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia
Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc
quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem
na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e
que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio
dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque
parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as
circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita
a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo
No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio
dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles
inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si
mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos
proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos
debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles
comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280
Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma
que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o
respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer
corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo
desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser
uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o
mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o
conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como
predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a
conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente
rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais
coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p
143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10
69
argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda
tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando
um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um
ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento
eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos
O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento
comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave
argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo
comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com
efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que
haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria
como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que
faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a
admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro
pergunta283
Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma
disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as
estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo
muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute
pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma
premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a
proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos
casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter
Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda
seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285
Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do
questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute
fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um
grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um
raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas
281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10
70
perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade
chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286
A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme
mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da
argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de
xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas
estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles
caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o
com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288
Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do
debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a
cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles
reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e
moral
Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo
com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por
forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua
diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar
todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas
isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr
levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute
resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289
A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute
presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro
da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria
aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar
essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela
291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre
ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos
Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos
anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que
286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367
71
usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de
descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema
proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser
utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom
suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e
como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos
relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima
linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema
especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc
Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre
qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais
geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte
da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela
devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas
o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com
uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do
nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir
uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de
assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender
nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas
quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo
que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las
confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que
precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos
materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as
fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos
Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo
e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar
contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os
problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta
investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do
assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar
acima292
292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196
72
IV Viacutecios de raciociacutenio
As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos
debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz
respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles
Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um
sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo
como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste
capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto
pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a
certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a
seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na
argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral
Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos
exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal
silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser
definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos
Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e
Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo
a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos
antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da
Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras
silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o
escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro
de Aristoacuteteles sobre loacutegica
Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que
em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco
293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45
73
possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes
As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia
inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo
reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas
quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em
X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia
se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296
As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no
uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio
ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos
silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos
Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo
justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de
viacutecios de raciociacutenio
Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII
dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que
a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do
sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio
dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que
parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de
falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com
exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente
beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de
coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o
satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute
Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν
ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que
aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como
296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso
quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo
tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse
que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento
de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute
igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25
74
tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao
sujeito (assunto) em pauta298
Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso
silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou
um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter
muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O
exemplo apresentado eacute
Quem estaacute sentado escreve
Soacutecrates estaacute sentado
Soacutecrates estaacute escrevendo
A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles
sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave
conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre
o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo
ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve
ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve
e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo
seria possiacutevel300
Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em
si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a
conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as
premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem
adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute
irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de
premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como
perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre
quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves
vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas
que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo
298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39
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menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas
satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto
Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema
proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte
de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo
leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que
conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por
meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio
(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que
demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por
um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302
Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No
primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o
caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No
segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o
caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma
conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute
eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao
assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina
ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou
falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada
por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes
verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo
verdadeira seja inferida de premissas falsas 304
Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer
em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que
conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute
postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se
301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma
demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a
conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16
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expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e
expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar
para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento
dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um
soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de
modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar
que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas
da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia
da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se
incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de
afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular
que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute
incomensuraacutevel com o lado306
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos
Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em
contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um
raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser
geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso
ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma
competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois
o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o
sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e
enriquecer307
A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata
de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da
adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa
inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um
paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de
um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de
um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do
Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o
306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35
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argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento
apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto
dialeacutetico308
Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de
preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o
solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a
aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309
As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que
independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento
em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para
as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia
(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e
a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje
de falaacutecias de ambiguidade311
Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute
bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que
pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo
por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo
quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um
exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo
As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis
porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das
palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que
estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e
Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do
mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais
adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras
308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou
1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10
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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas
possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem
tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute
sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute
teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo
ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de
palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado
com aquilo com que foi espancadordquo315
Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas
discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois
exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No
entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e
facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase
na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia
Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel
As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da
mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que
abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar
fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar
vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318
As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as
relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo
em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou
relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas
ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias
questotildees em uma soacute319
314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30
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As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma
que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como
uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos
pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo
ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute
ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de
Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem
pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320
Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem
ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido
absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por
exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo
eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente
como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca
aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321
As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido
definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado
de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente
delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do
desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso
elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo
que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322
A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a
conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor
que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O
Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a
percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos
Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar
molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323
320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10
80
Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo
modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram
apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324
A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para
fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse
tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa
que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave
impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos
Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a
mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a
ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que
ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute
o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de
ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de
perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e
ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da
impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a
ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de
ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo
satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa
causa da impossibilidade desse argumento325
A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada
de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa
despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra
que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela
aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso
acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que
324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161
81
aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo
ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327
Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a
segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo
(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem
os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e
a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves
opiniotildees aceitas329
A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma
expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade
aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra
masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um
lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331
Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa
repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos
relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo
e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele
seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente
ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade
da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo
de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta
pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado
ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334
As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em
torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico
estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme
327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8
82
a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende
uma sabedoria aparente
Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que
possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele
proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo
tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos
capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para
dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio
apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute
indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos
Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma
faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e
esse eacute o fim que eles tecircm em vista336
336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156
83
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica
Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de
estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo
do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso
reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da
ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos
especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base
soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337
Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de
proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo
apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a
partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos
condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra
oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e
exemplificativos
A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo
proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta
dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do
conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das
opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios
(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem
a nenhum campo de saber especiacutefico
Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico
Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas
parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que
337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57
84
queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram
como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico
() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como
um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma
como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico
natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338
De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito
dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas
parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um
raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz
mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute
enganoso e desleal339
Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece
nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas
pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave
dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como
questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico
do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais
os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser
aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem
alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses
princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio
da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral
O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica
de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de
conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado
fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do
conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos
nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual
tentaremos resolver a partir de agora
338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte
desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo
portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor
ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op
cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso
capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos
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A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de
Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o
que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero
de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute
proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o
fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos
destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta
ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a
felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As
opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no
discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo
retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as
confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara
distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho
Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que
a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou
natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou
injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao
juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes
Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo
com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos
juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens
que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar
muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa
experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo
imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se
retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344
Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas
teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os
testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que
temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos
que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma
categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado
341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345
No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica
equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou
argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca
de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de
certo modo
Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o
Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo
podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito
do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral
como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o
Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou
ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e
assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns
a todas as artes347
Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da
classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou
o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as
praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de
produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348
345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo
da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei
jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas
se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para
o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar
o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir
e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos
Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos
juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo
do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica
que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias
juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau
de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros
podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do
retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela
jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que
logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ
Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20
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Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas
mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia
do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa
Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as
normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso
pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas
sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica
isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se
se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade
que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum
Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos
alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de
fatos
Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas
certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um
corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do
tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem
com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois
de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais
estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral
segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa
sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os
349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da
Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria
sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por
seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade
formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de
transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova
era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada
aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo
inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o
aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees
que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo
permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL
Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio
27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt
Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como
premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato
concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351
Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um
raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em
vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352
Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute
de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu
domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o
status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη
temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim
concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de
dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre
Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa
sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no
discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A
falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser
levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado
indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353
Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do
Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes
nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos
ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria
adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido
amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com
menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a
351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo
em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo
na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela
expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9
170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito
bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um
τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140
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jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos
tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes
sobre os casos judiciais
Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a
presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos
legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes
longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave
ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se
transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos
que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees
da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na
doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da
sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem
eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem
discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em
discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica
no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes
de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos
particulares
Casos particulares
Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas
foi revogada e a outra alterada
A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada
pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo
Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou
fraude para fim libidinoso
Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355
A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude
Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha
a seguinte redaccedilatildeo
355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017
90
Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude
Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356
Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio
geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla
poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo
Federal como uma garantia fundamental neste inciso
XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
preacutevia cominaccedilatildeo legal357
Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com
base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria
O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio
da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei
deve ser clara e precisa358
Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos
costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo
chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da
expressatildeo ldquomulher honestardquo
O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas
nas normas e interpretadas pelos costumes
As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam
conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra
subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras
Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome
de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre
que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz
quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do
costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a
validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu
conteuacutedo359
Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar
seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se
356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo
Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em
lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71
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expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma
constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos
da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o
que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de
forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem
consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar
algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo
Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees
geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher
honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos
ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio
Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de
jurisprudecircncia que mostraremos agora
Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro
Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal
Federal em 06 de agosto de 2002
Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute
da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do
crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a
mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores
elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou
o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher
seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual
por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das
viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode
ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes
consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de
Jesus360
Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do
Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees
geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo
Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por
ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo
Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram
360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson
Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em
24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
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diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave
liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios
constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo
para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361
Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente
aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de
Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para
ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que
reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos
A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou
constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios
subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo
A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da
igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988
adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios
admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade
suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda
a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos
As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no
serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a
efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si
mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual
respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos
indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a
neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem
como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a
igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a
igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de
privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que
corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-
estar social e a igualdade como reconhecimento significando o
361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p
148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito
Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt
httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
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respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam
raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364
Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que
podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um
direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees
geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as
injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente
aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem
parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave
proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave
igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365
Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas
raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou
natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o
acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente
podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias
estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-
se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de
verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que
orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo
pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva
A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do
Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a
ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele
menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns
paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por
Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida
em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre
364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14
94
o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute
hoje Assim redigiu o Ministro
Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna
relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e
preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que
atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm
129902014) destacando-se em tal contexto como elementos
fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade
humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave
igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e
efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela
alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da
felicidade368
Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da
leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo
dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo
ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima
e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo
fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em
determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas
tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito
Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo
valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata
dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra
e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso
agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a
honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370
368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF
Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto
a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou
secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera
apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a
necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria
desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode
ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo
LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois
devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito
Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o
inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar
95
Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel
entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que
ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal
restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel
agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos
do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o
que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes
ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em
siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho
Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio
da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos
no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os
problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas
juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a
populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das
cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais
Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da
igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem
tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares
Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de
evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute
um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um
fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera
criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de
indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo
239 do Coacutedigo de Processo Penal
os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma
reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo
do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e
presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160
96
Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada
que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a
existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373
A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou
verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de
raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos
Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de
um exemplo
A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime
que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime
pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes
Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-
se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute
a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor
do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso
particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim
a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo
Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a
apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa
e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios
comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo
da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos
indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam
com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees
geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas
373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao
abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a
uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E
outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo
eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com
todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20
97
provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376
Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos
julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis
justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo
a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)
que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave
plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada
A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um
contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja
porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras
palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute
possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em
debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas
oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o
ocircnus da prova dos fatos alegados
Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente
aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e
elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio
dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico
Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute
entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses
376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por
possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de
percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal
Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da
contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos
a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir
que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se
apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 138 e 167
98
conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos
alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica
Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou
seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente
aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a
partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o
conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos
satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as
premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o
primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como
acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador
pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos
τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as
relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees
Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os
entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois
servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι
dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer
de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um
exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o
conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento
retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam
o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental
Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os
entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que
representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme
expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por
si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico
tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e
interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de
argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o
estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que
99
o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam
e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar
instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais
e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto
Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em
funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito
significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute
possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou
acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre
elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios
gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria
dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do
mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na
esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo
pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o
objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas
no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees
diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar
os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou
desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa
dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas
algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral
consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e
histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo
juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de
argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito
e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou
se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos
Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de
linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no
378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18
100
sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do
termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do
que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de
raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo
de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza
precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem
de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico
literaacuterio ou comum
3 Linguagem loacutegica e eacutetica
Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem
Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio
apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O
jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo
juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre
os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei
natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas
pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute
a imprecisatildeo da linguagem do Direito386
Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para
Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na
existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos
decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os
sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para
evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo
382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que
as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que
significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit
p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro
101
Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre
identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que
envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos
utilizados durante a discussatildeo389
A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a
linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem
comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que
Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as
ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia
antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O
que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e
esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e
coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos
Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo
conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que
buscar uma linguagem perfeita
Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo
enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito
principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias
Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo
histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme
temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito
De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos
Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por
seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e
linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de
389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge
como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e
cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas
redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica
ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica
juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas
sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo
extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo
102
debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio
de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual
que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um
contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado
Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem
os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e
como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que
estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte
para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais
seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes
Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo
muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como
sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o
debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista
que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees
como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram
descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como
empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe
um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo
Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391
mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim
como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda
argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute
uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e
disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que
torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo
homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de
adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito
essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos
Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio
qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio
391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15
103
servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo
Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo
dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados
testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por
parte dos debatedores
4 Taacuteticas de debate
As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos
nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais
no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as
sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o
interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento
Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo
A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia
T Sim mas o que exatamente
A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de
madrugada no dia X
T Sim eacute verdade
A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos
T Sim
A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu
T Natildeo sei acho que por volta de uma hora
A Antes ou depois de uma hora
T Natildeo sei
A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta
de meia noite
T Sim
A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo
T Natildeo sei
A A senhora ouviu ele chegar
T Natildeo
A A senhora estava dormindo
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T Sim
A A senhora tem insocircnia
T Sim
A A senhora toma remeacutedios para dormir
T Agraves vezes sim
A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir
T Natildeo lembro
A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo
T Estava dormindo e acordei com os barulhos
A A senhora tem pesadelos agraves vezes
T Agraves vezes sim
A Obrigado
O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato
que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de
que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a
conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a
alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que
ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato
ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a
afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As
premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O
advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo
do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave
conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que
dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a
chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade
de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava
dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo
A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o
auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o
testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-
se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo
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dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo
mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado
remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para
dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel
que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez
servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos
pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos
natildeo eacute fidedigno
O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum
na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas
premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu
os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que
levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos
O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para
um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por
induccedilatildeo
Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de
debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre
os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos
de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor
isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na
condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha
promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia
entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante
discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre
por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor
a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a
dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual
oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na
discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz
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CONCLUSAtildeO
Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as
quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que
a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois
suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de
premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos
do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de
forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo
especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo
ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que
essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito
o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de
Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do
Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o
treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a
finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a
investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto
acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais
aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e
outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para
os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva
para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma
393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30
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ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados
nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo
A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa
dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra
usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se
formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido
feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e
aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas
loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de
Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos
que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas
anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na
praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos
a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute
fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica
natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer
uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos
suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica
aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica
juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes
de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica
os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos
para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das
ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser
enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que
ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em
geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje
Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum
tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do
seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa
filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso
estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na
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obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da
correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos
como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma
compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como
um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo
da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta
dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar
as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos
da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica
que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e
se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-
contradiccedilatildeo
No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam
concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de
linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas
em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as
habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional
de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem
exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso
seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico
Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e
o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente
aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico
dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese
satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos
dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito
mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel
enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade
maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um
meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma
397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246
109
aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao
dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo
pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos
cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos
Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo
dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios
Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou
modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo
de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da
dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um
discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas
trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral
dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos
retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees
diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele
retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham
a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte
satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da
linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer
aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos
Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da
sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica
Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles
menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente
tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias
entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue
de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma
habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas
398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida
quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2
157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees
possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou
faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16
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comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica
para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas
De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve
como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso
como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do
assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo
requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das
questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos
Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e
psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de
vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees
reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento
para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo
apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo
essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um
pouco estranha a de que nem tudo se discute
Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo
juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples
meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas
Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos
argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e
linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O
principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre
acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas
respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente
dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos
que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito
uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas
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vi
Toacutepicos sobre o acidente48
Toacutepicos sobre o preferiacutevel49
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio50
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo51
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos53
Toacutepicos na Retoacuterica54
III O debate dialeacutetico57
1 Estrateacutegias do questionador59
2 Estrateacutegias do respondedor63
3 Diferentes objetivos no debate65
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo68
IV Viacutecios de raciociacutenio72
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito83
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica83
Casos particulares89
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico97
3 Linguagem loacutegica e eacutetica100
4 Taacuteticas de debate103
CONCLUSAtildeO106
REFEREcircNCIAS111
vii
LISTA DE ABREVIATURAS
Obras de Aristoacuteteles
Toacutep Toacutepicos
Cat Categorias
Met Metafiacutesica
Eacute N Eacutetica a Nicocircmaco
Arg Sof Argumentos Sofiacutesticos
An Pr Analiacuteticos Primeiros
An Post Analiacuteticos Segundos
Ret Retoacuterica
Fiacutes Fiacutesica
Da Int Da Interpretaccedilatildeo
1
INTRODUCcedilAtildeO
O saber natildeo eacute feito apenas de certezas No entanto como afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca na introduccedilatildeo agrave sua obra sobre retoacuterica ldquo() faz trecircs seacuteculos que o
estudo dos meios de prova utilizados para obter a adesatildeo foi completamente descurado
pelos loacutegicos e teoacutericos do conhecimentordquo1 Os autores atribuem esse fato agrave oposiccedilatildeo
entre a natureza da deliberaccedilatildeo e da argumentaccedilatildeo e a natureza da necessidade e da
evidecircncia e destacam que foi Descartes quem natildeo quis considerar racionais senatildeo as
demonstraccedilotildees Na primeira parte do Discurso do Meacutetodo ele considera ldquo() quase
como falso tudo quanto era apenas verossiacutemilrdquo2 Na tradiccedilatildeo grega por outro lado
Aristoacuteteles analisa sem distinccedilatildeo de importacircncia as provas referentes ao necessaacuterio e ao
contingente3
Naturalmente o contingente persiste em sua expressatildeo usual no cotidiano e em
vaacuterios ramos do conhecimento a despeito desse descuido pelo estudo de seus meios de
prova o qual deixa consequecircncias No Direito o caraacuteter verossiacutemil e argumentativo foi
desconsiderado em propostas como a Jurisprudecircncia dos Conceitos e o Positivismo
Juriacutedico da Alemanha do seacuteculo XIX A Jurisprudecircncia dos Conceitos de Puchta via o
Direito como uma piracircmide de proposiccedilotildees juriacutedicas de um sistema construiacutedo segundo
as regras da loacutegica formal de cujo veacutertice se deduziam subconceitos sucessivamente4
Essa abordagem abriu caminho a um formalismo juriacutedico que viria a prevalecer por mais
de um seacuteculo e que o jurista alematildeo Franz Wieacker qualifica como ldquo() a definitiva
alienaccedilatildeo da ciecircncia juriacutedica em face da realidade social poliacutetica e moral do Direitordquo5
Da mesma forma natildeo prosperou a influecircncia do conceito positivista de ciecircncia em uma
ciecircncia do Direito Nesse contexto Kelsen em sua Teoria Pura do Direito reivindicou
para a ciecircncia juriacutedica o caraacuteter de objeto puramente ideal como os da loacutegica e da
1 PERELMAN Chaim Tratado da argumentaccedilatildeo a nova retoacuterica Traduccedilatildeo de Maria Ermantina Galvatildeo
G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1996 p 1 2 DESCARTES Reneacute Discurso do meacutetodo Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2000
p 25 3 PERELMAN Tratado da argumentaccedilatildeo Op cit p 1 3 4 LARENZ Karl Metodologia da ciecircncia do direito 2 ed Traduccedilatildeo de Joseacute Lameto Lisboa Fundaccedilatildeo
Calouste Gulbenkian 1989 p 21-25 5 WIEACKER Privatrechtsgeschichte p 401 apud LARENZ Metod Op cit p 26
2
matemaacutetica excluindo daquela toda a consideraccedilatildeo valorativa como sendo
cientificamente irrespondiacutevel6
Na sequecircncia do abandono do positivismo na filosofia do Direito que se deu na
primeira metade do seacuteculo XX7 em 1953 o professor da Universidade de Mainz Theodor
Viehweg publicou a primeira das cinco ediccedilotildees do seu livro Toacutepica e Jurisprudecircncia
(Topik und Jurisprudenz) que teve grande repercussatildeo no Direito europeu e tornou-se
alvo de polecircmica nas discussotildees a respeito de metodologia juriacutedica sobretudo na
Alemanha8 Em contraposiccedilatildeo agrave metodologia do seacuteculo XIX sua intenccedilatildeo foi a de
resgatar o que denomina ldquotoacutepicardquo que entende como ldquo() uma teacutecnica de pensar por
problemas desenvolvida pela retoacutericardquo Tal trabalho tem por base as ideias sobre o que o
autor considera como as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero9
A intenccedilatildeo de Theodor Viehweg se justifica pois a arte retoacuterica (τέχνη ῥητορική)
surgiu em parte em um contexto judiciaacuterio Segundo Manuel Alexandre Juacutenior foi na
Siciacutelia grega por volta de 485 aC quando dois tiranos sicilianos despojaram os cidadatildeos
de seus bens Apoacutes a restauraccedilatildeo da ordem os cidadatildeos instauraram processos que
mobilizaram juacuteris populares o que gerou a necessidade de desenvolvimento de
habilidades de oratoacuteria e persuasatildeo10 Nesse momento histoacuterico Coacuterax e Tiacutesias
publicaram o primeiro manual de retoacuterica com preceitos praacuteticos e exemplos para que as
pessoas recorressem agrave Justiccedila11 Essa ligaccedilatildeo do Direito com a retoacuterica manteve-se
durante o periacuteodo medieval O historiador do Direito John Gilissen relata que os juristas
da escola de Bolonha (seacuteculos XII e XIII) foram os primeiros na Idade Meacutedia a se afastar
dos antigos quadros do Trivium e tratar o Direito como uma ciecircncia separada da retoacuterica
e da dialeacutetica12 Como exemplo de aplicaccedilatildeo dos meacutetodos medievais temos o Decreto de
Graciano (de cerca de 1140) que eacute uma das cinco partes do Corpus iuris canonici grande
6 LARENZ Metod Op cit p 42-44 7 Ibid p 97 8 ATIENZA Manuel As razotildees do direito teorias da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Maria Cristina
Guimaratildees Cupertino Satildeo Paulo Landy Editora 2006 p 44 9 VIEHWEG Theodor Toacutepica e jurisprudecircncia Traduccedilatildeo de Teacutercio Sampaio Ferraz Jr Brasiacutelia
Departamento de Imprensa Nacional 1979 p 17 10 ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo e notas de Manuel A Juacutenior Paulo F Alberto e
Abel do Nascimento Pena Coordenaccedilatildeo do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2005 p 19 11REBOUL Olivier Introduccedilatildeo agrave retoacuterica Traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Martins
Fontes 1998 p 2 12 GILISSEN John Introduccedilatildeo histoacuterica ao Direito 2 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 1995
p 343
3
codificaccedilatildeo de Direito redigida do seacuteculo XII ao XV Graciano foi influenciado pela
dialeacutetica dos primeiros escolaacutesticos especialmente de Pedro Abelardo e tentou explicar
as divergecircncias dos cerca de 3800 textos por distinccedilotildees de lugar e tempo e exceccedilotildees a
princiacutepios conforme necessidades da praacutetica13 Ainda ao final do seacuteculo XIII e seacuteculos
XIV e XV na Itaacutelia a escola dos Poacutes-Glosadores tambeacutem inspirada pela dialeacutetica
escolaacutestica baseava seu meacutetodo na discussatildeo e no raciociacutenio loacutegico a partir de normas
juriacutedicas romanas por divisatildeo e subdivisatildeo da mateacuteria estabelecendo-se premissas e
fazendo-se inferecircncias submetendo-se as conclusotildees a criacuteticas pelo exame de casos
particulares levantando-se objeccedilotildees a serem combatidas com novos argumentos14
A legiacutetima tentativa de Viehweg de resgatar meacutetodos da tradiccedilatildeo da retoacuterica e da
dialeacutetica enfrentou no entanto dificuldades Segundo Manuel Atienza a respeito da
repercussatildeo da obra o proacuteprio debate foi proposto ldquo() em termos natildeo muito claros
devido em grande parte ao caraacuteter esquemaacutetico e impreciso da obra fundadora de
Viehwegrdquo15 Para Atienza todas as noccedilotildees baacutesicas da toacutepica de Viehweg satildeo
extremamente imprecisas e ateacute mesmo equiacutevocas16 Esse tambeacutem eacute o entendimento do
respeitado jurista alematildeo Karl Larenz
Como se trata manifestamente de coisas diversas natildeo se consegue
depreender com exatidatildeo o que eacute que Viehweg entende por toacutepico
juriacutedico Aparentemente considera como ldquotoacutepicordquo toda e qualquer
ideia ou ponto de vista que possa desempenhar algum papel nas anaacutelises
juriacutedicas sejam estas de que espeacutecie forem Perante a possibilidade de
empregos tatildeo variados natildeo eacute de surpreender que cada um dos autores
que usam o termo ldquotoacutepicordquo hoje caiacutedo em moda lhe associe uma
representaccedilatildeo pessoal o que tem de ser levado em conta na apreciaccedilatildeo
das opiniotildees expendidas17
13 GILISSEN Introduccedilatildeo Op cit p 147 14 Ibid p 346 15 ATIENZA As razotildees Op cit p 45 16 Ibid p 52 17 Grifo do autor LARENZ Metod Op cit p 171
Para ilustrar o entendimento de Larenz citamos o trecho do prefaacutecio do tradutor (Teacutercio Sampaio Ferraz
Jr) da ediccedilatildeo brasileira de Toacutepica e Jurisprudecircncia ldquoPara exercer e por exercer esta funccedilatildeo (funccedilatildeo social)
as teorias juriacutedicas utilizam-se de um estilo de pensamento denominado toacutepico A toacutepica natildeo eacute propriamente
um meacutetodo mas um estilo Isto eacute natildeo eacute um conjunto de princiacutepios de avaliaccedilatildeo da evidecircncia cacircnones para
julgar a adequaccedilatildeo de explicaccedilotildees propostas criteacuterios para selecionar hipoacuteteses mas um modo de pensar
por problemas a partir deles e em direccedilatildeo deles Assim num campo teoacuterico como o juriacutedico pensar
topicamente significa manter princiacutepios conceitos postulados com um caraacuteter problemaacutetico na medida
em que jamais perdem sua qualidade de tentativa Como tentativa as figuras doutrinaacuterias do Direito satildeo
abertas delimitadas sem maior rigor loacutegico assumindo significaccedilotildees em funccedilatildeo dos problemas a resolver
constituindo verdadeiras ldquofoacutermulas de procurardquo de soluccedilatildeo de conflito Noccedilotildees-chaves como ldquointeresse
puacuteblicordquo ldquovontade contratualrdquo ldquoautonomia da vontaderdquo bem como princiacutepios baacutesicos como ldquonatildeo tirar
proveito da proacutepria ilicituderdquo ldquodar a cada um o que eacute seurdquo ldquoin dubio pro reordquo guardam um sentido vago
que se determina em funccedilatildeo de problemas como a relaccedilatildeo entre sociedade e indiviacuteduo de boa-feacute
4
Na anaacutelise de Garciacutea Amado pode-se concluir que se inserem na noccedilatildeo de toacutepico juriacutedico
pontos de vista diretivos pontos de vista referidos ao caso regras diretivas lugares-comuns
argumentos materiais enunciados empiacutericos conceitos meios de persuasatildeo criteacuterios que gozam
de consenso foacutermulas heuriacutesticas instruccedilotildees para a invenccedilatildeo18 formas argumentativas adaacutegios
conceitos recursos metodoloacutegicos princiacutepios do Direito valores regras da razatildeo praacutetica
standards criteacuterios de justiccedila normas legais etc19
Alexy mencionando o cataacutelogo de toacutepicos juriacutedicos de Struck20 considera como
disparatados alguns itens dispostos ali tais como ldquolex posterior derrogat legi priorirdquo ldquonatildeo se
pode pedir nada inconcebiacutevelrdquo e ldquopropoacutesitordquo questionando ateacute o valor heuriacutestico dessas
compilaccedilotildees Ainda do cataacutelogo de Struck ele afirma que frases como ldquotudo o que eacute intoleraacutevel
natildeo tem forccedila de leirdquo satildeo completamente inuacuteteis quando haacute desacordo sobre o que eacute intoleraacutevel
O que mais nos chamou a atenccedilatildeo ainda da opiniatildeo de Struck eacute que uma lei tambeacutem eacute um toacutepico
poreacutem um toacutepico muito importante21
No meio filosoacutefico a ideia de ldquotoacutepicordquo tambeacutem natildeo foi sempre muito clara Segundo Paul
Slomkowski durante muito tempo a obra Toacutepicos de Aristoacuteteles foi completamente esquecida22
Uma razatildeo para isso seria a opiniatildeo de que seu conteuacutedo era apenas uma confusa teoria da
argumentaccedilatildeo que depois se consolidou nos Primeiros Analiacuteticos Portanto entre 1900 a 1950
poucos textos foram produzidos sobre o assunto Ainda assim satildeo trabalhos uacuteteis como o de
Hambruch (1908) que mostra similaridades entre os diaacutelogos de Platatildeo e os Toacutepicos de
Aristoacuteteles de Von Arnin (1927) que investiga o conteuacutedo eacutetico do livro III dos Toacutepicos de
Solmsen (1929) que reconhece que a noccedilatildeo de silogismo nos Toacutepicos natildeo eacute a de silogismo
distribuiccedilatildeo dos bens numa situaccedilatildeo de escassez etc problemas estes que se reduzem de certo modo a
uma aporia nuclear isto eacute a uma questatildeo sempre posta e renovadamente discutida e que anima toda a
jurisprudecircncia a aporia da justiccedilardquo VIEHWEG Toacutepica Op cit p 3 4 18 Invenccedilatildeo eacute uma das cinco partes da arte retoacuterica As demais satildeo a disposiccedilatildeo a elocuccedilatildeo a memoacuteria e a
pronunciaccedilatildeo Segundo o livro Retoacuterica a Herecircnio atribuiacutedo a Ciacutecero a invenccedilatildeo eacute a descoberta das coisas
verdadeiras e verossiacutemeis que tornam a causa provaacutevel [CIacuteCERO] Retoacuterica a Herecircnio Traduccedilatildeo e
introduccedilatildeo de Ana Paula C Faria e Adriana Seabra Satildeo Paulo Hedra 2005 p55 19 GARCIacuteA AMADO 1988 p 135 apud ATIENZA As razotildees Op cit p 53 20 STRUCK G Topische Jurisprudenz Frankfurt a M 1971 p 20 33 34 21 ALEXY Robert Teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica Traduccedilatildeo de Zilda H S Silva Satildeo Paulo Landy
2001 p 31-32 22 J A Segurado e Campos na introduccedilatildeo de sua traduccedilatildeo dos Toacutepicos tambeacutem reforccedila essa ideia
ldquoRecorde-se que os Top aristoteacutelicos tem sido ateacute haacute pouco tempo objeto de um certo menosprezo por parte
de filoacutesofos e historiadores da filosofia por um lado por se contentar com a ldquoverossimilhanccedilardquo em vez de
procurar alcanccedilar a ldquoverdaderdquo por outro por embora fazendo parte dos textos loacutegicos de Aristoacuteteles natildeo
ter alcanccedilado um grau de formalizaccedilatildeo da loacutegica similar ao que o Filoacutesofo realizou nos Anal Por outras
palavras independentemente da razatildeo (ou da falta dela) os Top satildeo em geral tidos por uma obra menor
do Estagirita e consequentemente relegados para o segundo planordquo ARISTOacuteTELES Toacutepicos Traduccedilatildeo
introduccedilatildeo e notas de J A Segurado e Campos Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa Lisboa
Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda 2007 p 189
5
categoacuterico de Le Blond (1939) que destaca a grande importacircncia da dialeacutetica no meacutetodo de
trabalho dos escritos de Aristoacuteteles Nos anos 50 destaca-se uma publicaccedilatildeo de Bochenski (1951)
Non-Analytical Laws and Rules in Aristotle Essa estabeleceu a questatildeo que posteriormente
ocupou muitos acadecircmicos ou seja se um toacutepico eacute uma regra ou uma lei23 Nos anos 60 surgiu
um interesse maior entre os acadecircmicos destacam-se Pater (1965) Brunshwig (1967) Owen
(1968) e Sainati (1968) Causou repercussatildeo o trabalho de Owen publicado originalmente em
1961 Tithenai ta phainomena que sugeriu nova traduccedilatildeo para o termo phainomena Ele substituiu
a traduccedilatildeo como ldquofatos observadosrdquo por ldquoaparecircnciasrdquo associando o termo a ldquoopiniotildees geralmente
aceitasrdquo o que contribuiu para reavivar um interesse pela dialeacutetica O Terceiro Simpoacutesio
Aristoteacutelico realizado em Oxford 1963 foi dedicado aos Toacutepicos Alguns livros foram publicados
desde entatildeo como por Zadro (1974) e Pelletier (1991) Boas pesquisas tecircm sido publicadas em
artigos sobre noccedilotildees de dialeacutetica como predicaccedilatildeo predicaacuteveis silogismo dialeacutetico e meacutetodo
dialeacutetico Alguns desses autores satildeo J Barnes E Berti T Ebert D Hadgopoulos e mais
recentemente R Bolton e R Smith24
Slomkovski menciona a existecircncia de uma seacuterie de artigos sobre os toacutepicos e como eles
funcionam mas segundo ele os autores natildeo foram aleacutem dos estudos da deacutecada de 50 A visatildeo
desses acadecircmicos ao tentarem descobrir algo sobre os toacutepicos natildeo leva em conta o seu contexto
apenas usa modernas teorias sobre loacutegica e argumentaccedilatildeo Assim ele se depara com a mesma
situaccedilatildeo que Bochenski havia afirmado quase 40 anos antes ldquoAteacute agora ningueacutem conseguiu dizer
clara e sucintamente o que eles (os toacutepicos) satildeordquo25
A pesquisa de Slomkowski propotildee-se a explicar o que eacute um toacutepico em Aristoacuteteles e como
funcionam os argumentos construiacutedos com a ajuda dos toacutepicos Para isso ele considera essencial
entender primeiro a situaccedilatildeo do debate dialeacutetico que eacute um contexto para a aplicaccedilatildeo dos toacutepicos
e eacute descrita no livro VIII da obra Toacutepicos Portanto ele dedica o primeiro capiacutetulo da sua tese e
dedica a esse livro VIII e tambeacutem ao livro I da mesma obra Esse uacuteltimo compreende noccedilotildees
proto-loacutegicas e metafiacutesicas como os tipos de raciociacutenio a finalidade da obra proposiccedilotildees e os
23 No trabalho de Slomkowski consta ldquoa rule or a lawrdquo Natildeo conseguimos acessar o texto de Bochenski
para verificar os conceitos de regra e lei Conforme resenha desse texto o mesmo trata de anaacutelise de loacutegica
formal BOCHENSKI I M ldquoNon-Analytical Laws and Rulesrdquo Methodos 3 1951 70-80 Resenha de
PRIOR A N The Journal of Symbolic Logic v 18 n 4 p 333-334 dez 1953 Disponiacutevel em
httpwwwjstororgstable2266570gt Acesso em 05 jul 2017 24 Sobre Tithenai ta phainomena HASKINS Ekaterina V Endoxa Epistemological Optimism and
Aristotlersquos Rhetorical Project Pennsylvania State University v 37 n 1 2004
Demais referecircncias SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Topics Philosophia Antiqua v 74 Revisatildeo da tese
do autor (doutorado) Leiden New York Koumlln Brill 1997 p 1 2 25 Ibid p 3
6
problemas dialeacuteticos os predicaacuteveis as semelhanccedilas as diferenccedilas e os diversos sentidos dos
termos Do livro II ao livro VII satildeo apresentados os toacutepicos propriamente ditos organizados de
acordo com os predicaacuteveis Slomkowski chega a dizer que para o leitor contemporacircneo seria
sensato comeccedilar o estudo dos toacutepicos pelo livro VIII26 Robin Smith parece natildeo divergir dessa
opiniatildeo jaacute que seu livro Aristotle Topics satildeo comentaacuterios aos livros I e VIII Smith compara as
regras do livro VIII a regras de um jogo onde os debatedores podem reclamar se o adversaacuterio
fizer inferecircncias invaacutelidas usar linguagem ambiacutegua fizer questotildees deliberadamente capciosas ou
se recusar a admitir as consequecircncias oacutebvias das premissas admitidas27
A respeito da influecircncia dos Toacutepicos Argumentos Sofiacutesticos e Retoacuterica nas modernas
teorias da argumentaccedilatildeo Christof Rapp e Tim Wagner relatam que a teacutecnica dos toacutepicos em geral
eacute vista com simpatia pelos proponentes das teorias modernas e os toacutepicos satildeo geralmente
mencionados como ldquomodelosrdquo quando se apresenta noccedilotildees de esquemas argumentativos
Especificamente eles citam a anaacutelise geral da estrutura de argumentaccedilatildeo de Toulmin que
apresenta a noccedilatildeo de garantia de inferecircncia e afirmam que tem sido observado que o papel dessas
garantias se assemelha agravequelas dos toacutepicos de Aristoacuteteles pelo menos em sua funccedilatildeo probatoacuteria
Tambeacutem mencionam o trabalho de Perelman e Olbrechts-Tyteca na Nova Retoacuterica e Viehweg no
Direito E ainda indicam que muitos esquemas de argumentaccedilatildeo das teorias modernas tecircm sido
desenvolvidos independentemente de Aristoacuteteles mas com consciecircncia de suas origens histoacutericas
Ressaltam que Aristoacuteteles natildeo vecirc a argumentaccedilatildeo como um campo uacutenico de pesquisa mas estuda
as relaccedilotildees loacutegicas e semacircnticas que podem ser usadas para descobrir ou estabelecer premissas
analisa as relaccedilotildees entre os termos de argumentos dedutivos padronizados sistematiza e avalia
opiniotildees aceitas e explica os elementos dos processos de persuasatildeo Entendem que ao fazer isso
Aristoacuteteles levanta muitas questotildees que ainda satildeo discutidas nas teorias contemporacircneas e os seus
textos embora difiacuteceis e escritos em uma linguagem natildeo familiar que parece distante do mundo
atual contecircm uma abordagem coerente e autossuficiente que combina uma visatildeo realista do que
as pessoas fazem quando argumentam com uma ecircnfase normativa de como elas deveriam construir
e apresentar argumentos soacutelidos28
No Brasil Oswaldo Porchat Pereira no livro Ciecircncia e Dialeacutetica em Aristoacuteteles aborda a
dialeacutetica como uma propedecircutica agrave ciecircncia capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos
26 Ibid p 9 27 SMITH Robin Aristotle topics Clarendon Aristotle series Nova York Oxford University Press 1997
p xxi 28 RAPP Christof TIM Wagner ldquoOn some Aristotelian sources of modern argumentation theoryrdquo
Argumentation v 19 n 4 2005
7
primeiros princiacutepios29 Gigliola Mendes e Adriano M Ribeiro apresentam de modo geral o
meacutetodo da argumentaccedilatildeo dialeacutetica e sua utilidade destacando seu uso para fins da ciecircncia30 Por
sua vez Guilherme Wyllie descreve a disputa dialeacutetica31 enquanto que Fernando Martins
Mendonccedila argumenta que a dialeacutetica natildeo eacute um procedimento filosoacutefico de descoberta de verdades
mas que os Toacutepicos satildeo um manual que descreve um tipo especiacutefico de debate regulado que requer
habilidades no uso ordinaacuterio da competecircncia linguiacutestica32
As discussotildees sobre a toacutepica juriacutedica no Brasil em geral apresentam a proposta de
Theodor Viehweg reproduzindo a falta de clareza e precisatildeo de sua obra Ressaltam o caraacuteter
argumentativo do Direito e a necessidade de aproximar o Direito da moral como reaccedilatildeo ao
positivismo juriacutedico conforme jaacute apresentamos O meacutetodo33 proposto eacute associado agrave zeteacutetica como
pesquisa de problemas34 e segue a ideia de Viehweg que apresenta a toacutepica como uma arte de
invenccedilatildeo ou teacutecnica de pensamento problemaacutetico argumentando que Aristoacuteteles propotildee em sua
toacutepica uma organizaccedilatildeo segundo zonas de problemas Viehweg tambeacutem identifica para usar seus
proacuteprios termos o ldquoestilo mentalrdquo dos sofistas e dos retoacutericos na discussatildeo de aporias na toacutepica
de Aristoacuteteles e o melhor exemplo desse tipo de discussatildeo estaria contido no livro 3 da
Metafiacutesica35 Teacutercio Sampaio Ferraz Jr faz distinccedilatildeo entre ldquotoacutepica materialrdquo e ldquotoacutepica formalrdquo
Toacutepica material seria o conjunto de prescriccedilotildees interpretativas referentes agrave argumentaccedilatildeo entre
partes tendo em vista seus interesses subjetivos o que proporciona um repertoacuterio de pontos de
vista para fins de persuasatildeo Por exemplo a impessoalidade caracteriacutestica do discurso de um juiz
pode ser orientada por toacutepicos materiais como neutralidade serenidade imparcialidade
respeitabilidade dignidade etc Jaacute a parte envolvida numa causa que quer expressar pessoalidade
isto eacute suas caracteriacutesticas pessoais pode utilizar toacutepicos materiais como ser indefesa acreditar
na justiccedila natildeo pedir mais do que lhe eacute devido etc Por outro lado a toacutepica formal abrangeria
regras teacutecnicas do diaacutelogo juriacutedico e seriam exemplos os princiacutepios gerais do processo judicial
tais como o princiacutepio do contraditoacuterio da igualdade entre as partes da distribuiccedilatildeo do ocircnus da
prova etc36 De outro autor encontramos referecircncia a ldquoprecedentes em suas variadas versotildeesrdquo
29 PEREIRA Oswaldo Porchat Ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Satildeo Paulo Editora Unesp 2001 30 MENDES G RIBEIRO A M ldquoO meacutetodo dialeacuteticordquo Uberlacircndia Horizonte Cientiacutefico v 9 p 1-29
2003 31 WYLLIE Guilherme ldquoA disputa dialeacutetica em Aristoacutetelesrdquo Satildeo Joatildeo del Rei Metanoacuteia n 5 p19-24
jul 2003 32 MENDONCcedilA Fernando Martins Os Toacutepicos e a competecircncia dialeacutetica loacutegica e linguagem na
codificaccedilatildeo do debate dialeacutetico Tese (doutorado) ndash Unicamp Campinas 2015 p 243 33 Usamos o termo ldquomeacutetodordquo em sentido amplo pois segundo Viehweg a toacutepica eacute uma teacutecnica de pensar
por problemas VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 34 FERRAZ JR Teacutercio Sampaio Direito Retoacuterica e Comunicaccedilatildeo 3 ed Satildeo Paulo Atlas 2015 p 119 35 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 33 36 FERRAZ Direito Op cit p 110 112 113 116
8
incluindo suacutemulas enunciados orientaccedilotildees jurisprudenciais precedentes normativos como sendo
exemplos de ldquolugares comunsrdquo da toacutepica37 Essa proposta metodoloacutegica e exemplos de toacutepicos
estatildeo bem distantes daquilo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos
Tendo em vista o empenho que haacute ainda hoje por parte de juristas brasileiros por
necessidade de meacutetodos para o Direito em aplicar a toacutepica de Viehweg e levando em
consideraccedilatildeo os problemas identificados pelos criacuteticos de tal obra julgamos necessaacuterio contribuir
para o esclarecimento do tema Viehweg tomou como base as toacutepicas de Aristoacuteteles e Ciacutecero
considerando que a de Aristoacuteteles eacute superior agrave de Ciacutecero mas a de Ciacutecero prevaleceu38 Viehweg
natildeo se compromete a seguir fielmente a obra de Aristoacuteteles mas parte dela e retorna a ela no
decorrer do seu texto intercalando com ideias suas e de outros autores Assim nem sempre fica
claro o que eacute que corresponde agraves ideias do Estagirita e se a correspondecircncia eacute precisa e correta A
toacutepica de Aristoacuteteles tambeacutem costuma ser mencionada nas apresentaccedilotildees da obra de Theodor
Viehweg em artigos juriacutedicos39 Em razatildeo disso nos propomos a contribuir para o esclarecimento
desse tema no acircmbito juriacutedico natildeo fazendo uma criacutetica ou correccedilotildees ao trabalho de Viehweg mas
apresentando uma noccedilatildeo clara e geral da proposta aristoteacutelica dos Toacutepicos que sirva para distinccedilatildeo
da toacutepica de Viehweg e sirva como referecircncia para a anaacutelise criacutetica de seu trabalho Nosso
interesse vem do valor que atribuiacutemos agrave intenccedilatildeo de Viehweg de propor uma alternativa agraves
metodologias juriacutedicas do seacuteculo XIX que jaacute mencionamos anteriormente e de ajudar a resgatar
o estudo da toacutepica e da retoacuterica Concordamos com os criacuteticos especialmente com Atienza
segundo o qual o meacuterito principal de Viehweg foi ter descoberto um campo para investigaccedilatildeo40
Dentro dessa contribuiccedilatildeo que propomos para o Direito faremos tambeacutem uma anaacutelise
sobre a possibilidade de aplicar algo do meacutetodo que Aristoacuteteles apresenta nos Toacutepicos na esfera
juriacutedica Nossa anaacutelise seraacute feita a partir da noccedilatildeo geral que obteremos sobre a dialeacutetica do
Estagirita e de conceitos prescriccedilotildees ferramentas e toacutepicos mais simples e fundamentais que
Aristoacuteteles apresenta nessa obra Nossa intenccedilatildeo com isso eacute estabelecer um ponto de partida para
a pesquisa do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles como uma alternativa agrave toacutepica
juriacutedica de Viehweg dentro do que esse meacutetodo poderia oferecer ao Direito Essa proposta de
37 LOPES Mocircnica Sette ldquoPrecedentes e toacutepicardquo Curitiba Revista do Tribunal Regional do Trabalho da
9 Regiatildeo v 32 n 59 p 255ndash273 juldez 2007 Disponiacutevel em
httpswwwtrt9jusbrportalarquivos1559206gt Acesso em 01 set 2017 38 VIEHWEG Toacutepica Op cit p 17 28 31 39 Vide exemplo em CARVALHO Angelo G P de ROESLER Claudia Rosane ldquoA recepccedilatildeo da Toacutepica
ciceroniana em Theodor Viehwegrdquo Rio de Janeiro Direito e Praacutexis v 6 n 10 p 26-48 2015 Disponiacutevel
em lthttpwwwe-publicacoesuerjbrindexphprevistaceajuarticleview12839gt Acesso em 02 set
2017 40ATIENZA As razotildees Op cit p 57
9
uma nova forma de se pesquisar a toacutepica juriacutedica representa o que consideramos como nosso
objetivo de longo prazo
De forma mais imediata temos a intenccedilatildeo de apresentar um esboccedilo do que Aristoacuteteles diz
nos Toacutepicos A ideia parece modesta mas de fato eacute ambiciosa Concordamos com Mendonccedila
quando diz que o conteuacutedo dos Toacutepicos nem sempre eacute apresentado de forma muito orgacircnica
Assim o inteacuterprete precisa em certa medida dar uma coesatildeo aos elementos ali presentes para
formar um quadro que possa embasar uma concepccedilatildeo da dialeacutetica Esse seria um fator causador
da grande diversidade de interpretaccedilotildees diferentes e inconsistentes entre si sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles Algumas interpretaccedilotildees da dialeacutetica aristoteacutelica satildeo consideradas deflacionaacuterias e
outras inflacionaacuterias A interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria concebe a dialeacutetica como um tipo de debate
regulado Para a inflacionaacuteria a dialeacutetica eacute o meacutetodo investigativo do filoacutesofo e o debate eacute um
elemento acidental Mendonccedila segue a interpretaccedilatildeo deflacionaacuteria41 O nosso proacuteprio
entendimento eacute o de que essas categorias interpretativas inflacionaacuterias deflacionaacuterias e outras
tantas categorias interpretativas prejudicam a compreensatildeo da obra se forem assimiladas antes da
leitura do texto Isso nos chamou muito a atenccedilatildeo durante nossa pesquisa em vaacuterios casos
Percebemos que se partirmos de uma leitura fiel do que Aristoacuteteles diz por exemplo que tem o
objetivo nos Toacutepicos de encontrar um meacutetodo de raciociacutenio que parte de opiniotildees geralmente
aceitas e esse meacutetodo eacute uacutetil para vaacuterios fins que satildeo os debates os encontros e as ciecircncias
filosoacuteficas a proposta aristoteacutelica inclui tanto a concepccedilatildeo inflacionaacuteria quanto a deflacionaacuteria42
Nos deparamos com vaacuterias situaccedilotildees desse tipo assim reiteramos durante a pesquisa o nosso
propoacutesito inicial de ler e apresentar em nosso trabalho o texto de Aristoacuteteles de forma mais fiel
possiacutevel Por fim encontramos um relato do mesmo tipo de experiecircncia e conclusatildeo a que
chegamos na pesquisa de Oswaldo Porchat Pereira sobre ciecircncia e dialeacutetica em Aristoacuteteles Para
apoiar a nossa visatildeo trazemos aqui o depoimento desse autor
Fieacuteis ao meacutetodo que o filoacutesofo preconiza natildeo nos apressamos em
conciliar os textos e somente apoacutes insistir em percorrer as aporias eacute que
empreendemos trabalhar de resolvecirc-las [] Mas assim fazendo
aconteceu-nos ver as aporias pouco a pouco resolver-se e as aparecircncias
de contradiccedilatildeo explicar-se dissipando-a Aconteceu-nos tambeacutem
descobrir que muitas dificuldades provinham mais da leitura e
interpretaccedilatildeo com que a tradiccedilatildeo e os autores gravaram os textos que da
proacutepria natureza destes na sua ldquoingenuidaderdquo Tendo preferido a atitude
mais humilde do disciacutepulo que se dispotildee pacientemente a compreender
antes de formular qualquer juiacutezo criacutetico temos a pretensatildeo de ter sido
premiados por nossa obstinaccedilatildeo em apegar-nos a um meacutetodo sem
41 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 14 42 Toacutep I 2 101a 25-101b5
10
preconceitos com efeito a doutrina aristoteacutelica da ciecircncia apareceu-
nos finalmente contra a opiniatildeo da imensa maioria dos autores
acreditados perfeitamente coerente e provida de inegaacutevel unidade rica
na sua complexidade e ldquomodernardquo na sua problemaacutetica e em muitas de
suas soluccedilotildees dessa ldquomodernidaderdquo que frequentes vezes atribuem aos
tempos de hoje os que ignoram a histoacuteria dos tempos passados E natildeo
tememos por isso mesmo dizer o contraacuterio do que se tem dito e aceito
sempre que nos pareceu a isso ser convidados pelos mesmos textos que
liacuteamos como exigecircncia de sua inteligibilidade43
Pelas razotildees acima acreditamos que a apresentaccedilatildeo de um esboccedilo dos Toacutepicos serve como
base para o conhecimento e pesquisas de juristas como jaacute explicamos e tambeacutem para o
conhecimento de estudantes de filosofia aleacutem de ser um fundamento para nossas proacuteprias
pesquisas futuras a respeito de questotildees especiacuteficas sobre a dialeacutetica de Aristoacuteteles Ressaltamos
que a maioria das fontes bibliograacuteficas sobre os Toacutepicos satildeo muito especializadas referentes a
questotildees de interpretaccedilatildeo e comentaacuterios sobre pontos particulares ou muito gerais como
pequenos capiacutetulos de livros sobre a filosofia de Aristoacuteteles O proacuteprio texto dos Toacutepicos eacute de
difiacutecil entendimento para o leitor natildeo especializado Para o puacuteblico do meio juriacutedico
especificamente uma das grandes dificuldades na leitura do texto de Viehweg Toacutepica e
Jurisprudecircncia adveacutem da insuficiente visualizaccedilatildeo do que seria toacutepica que para ele eacute ldquopensar
por problemasrdquo e remonta a Aristoacuteteles pois isso se refere a uma praacutetica de seacuteculos passados que
pertence a um contexto portanto desconhecido Pela nossa experiecircncia podemos afirmar que a
melhor forma de obter essa visualizaccedilatildeo eacute a leitura dos Toacutepicos de Aristoacuteteles de forma paciente
e fiel ao texto ateacute que se forme uma imagem geral que compotildee todas essas informaccedilotildees que se
apresentam no decorrer da obra como dissemos de forma natildeo muito orgacircnica Naturalmente eacute
imprescindiacutevel tambeacutem associar agrave leitura do texto informaccedilotildees e trechos de outras obras de
Aristoacuteteles como Argumentos Sofiacutesticos Primeiros e Segundos Analiacuteticos Retoacuterica Metafiacutesica
Eacutetica a Nicocircmaco e Categorias para esclarecer alguns conceitos pressupostos nos Toacutepicos Aleacutem
disso trazer comentaacuterios explicaccedilotildees e conclusotildees de especialistas como complementos agrave leitura
do texto satildeo necessaacuterios e de grande auxiacutelio Essa eacute abordagem que pretendemos dar ao nosso
esboccedilo com exceccedilatildeo ao capiacutetulo sobre o que satildeo toacutepicos Tendo em vista que Aristoacuteteles natildeo
definiu o que satildeo toacutepicos mas apenas apresentou um inventaacuterio dos mesmos nos capiacutetulos de II a
VII dos Toacutepicos apresentaremos o assunto a partir das discussotildees sobre o conceito
Explicaremos posteriormente que consideramos os Argumentos Sofiacutesticos como apecircndice
dos Toacutepicos Portanto nosso esboccedilo dos Toacutepicos abrange conteuacutedos dessa obra Nosso trabalho
seraacute composto por cinco capiacutetulos O primeiro com ideias teoacutericas gerais a respeito do meacutetodo
43 Grifo do autor PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 30
11
apresentado por Aristoacuteteles correspondendo ao livro I dos Toacutepicos abrangendo os assuntos
objetivo e utilidades da obra os instrumentos da dialeacutetica problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
predicaacuteveis e categorias O segundo capiacutetulo eacute uma discussatildeo a respeito do que satildeo os toacutepicos
propriamente ditos o que eacute imprescindiacutevel para a compreensatildeo da obra como um todo e exemplos
de toacutepicos extraiacutedos dos Toacutepicos dos Argumentos Sofiacutesticos e da Retoacuterica O terceiro capiacutetulo
apresenta as prescriccedilotildees extraiacutedas do livro VIII dos Toacutepicos e algumas dos Argumentos Sofiacutesticos
para a praacutetica do debate dialeacutetico isto eacute as estrateacutegias do questionador do respondedor os
diferentes objetivos no debate e o que Aristoacuteteles considera maacute-feacute na argumentaccedilatildeo a partir das
quais eacute possiacutevel formar uma ideia de como o debate ocorria O quarto capiacutetulo trata de como
Aristoacuteteles apresenta a questatildeo dos viacutecios de raciociacutenio a partir do livro VIII dos Toacutepicos e dos
Argumentos Sofiacutesticos Por fim o quinto capiacutetulo discute distinccedilotildees fundamentais e preliminares
agrave pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo do meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico ao Direito tais como o que pertence
ao conhecimento juriacutedico e o que pertence agrave opiniatildeo geral e a distinccedilatildeo entre opiniotildees geralmente
aceitas e toacutepicos Tambeacutem analiso quais satildeo os conhecimentos instrumentais dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos aplicaacuteveis ao discurso juriacutedico de modo geral e agraves discussotildees juriacutedicas
Essa anaacutelise seraacute ilustrada com exemplos extraiacutedos de leis decisotildees judiciais doutrina juriacutedica e
diaacutelogos
12
I Noccedilotildees gerais dos Toacutepicos
1 Consideraccedilotildees iniciais
Noccedilotildees preliminares
O Oacuterganon cujo significado eacute ldquoinstrumentordquo constitui a coleccedilatildeo de Aristoacuteteles
sobre o que foi posteriormente denominado ldquoloacutegicardquo O termo ldquoloacutegicardquo no sentido
moderno surgiu apenas posteriormente no seacuteculo III dC nos textos de Alexandre de
Afrodiacutesias mas essa nova aacuterea do conhecimento foi embasada nessa seacuterie de tratados
sobre o raciociacutenio que os alunos de Aristoacuteteles reuniram apoacutes sua morte em 322 aC 44
O Oacuterganon eacute composto por tratados aparentemente escritos em periacuteodos diferentes e de
modo natildeo ordenado Satildeo eles 1 Categorias 2 Da Interpretaccedilatildeo 3 Analiacuteticos
Anteriores (ou Primeiros Analiacuteticos) 4 Analiacuteticos Posteriores (ou Segundos Analiacuteticos)
5 Toacutepicos 6 Argumentos Sofiacutesticos
O objeto principal do nosso estudo satildeo os Toacutepicos obra que se propotildee a definir
uma metodologia para se discutir a partir de opiniotildees geralmente aceitas Os Toacutepicos satildeo
divididos em oito livros Ao oitavo livro se segue mais um chamado Argumentos
Sofiacutesticos ou Refutaccedilotildees Sofiacutesticas esse especializado em viacutecios de raciociacutenio Em geral
eles satildeo considerados como um apecircndice dos Toacutepicos45 Concordamos com Kneale e
Kneale que consideram os Argumentos Sofiacutesticos como a conclusatildeo dos Toacutepicos46 pois
como mostraremos no decorrer do trabalho naquela obra Aristoacuteteles complementa
elucida e conclui algumas passagens desta47 Nesse mesmo sentido Paulo Alcoforado
tece algumas observaccedilotildees que lhe parecem estar bem estabelecidas entre os historiadores
do pensamento aristoteacutelico sobre a evoluccedilatildeo cronoloacutegica das obras que constituem o
Oacuterganon Uma delas eacute a de que na eacutepoca de Aristoacuteteles os Toacutepicos eram constituiacutedos
44 KNEALE William KNEALE Martha O desenvolvimento da loacutegica 3 ed Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste
Gulbenkian 1991 p 25 45 Nesse sentido entendem Ross 1998 p 54 Berti 1998 p 29 E S Forster na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Posterior Analytics Topica 1960 p 265 e Ricardo Santos na introduccedilatildeo a
ARISTOacuteTELES Categorias 1991 p 17 46 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 15 25 e 45 47 No uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles recapitula os assuntos apresentados nesse livro
e na sequecircncia relembra o seu propoacutesito inicial o qual eacute claramente o objetivo apresentado no iniacutecio dos
Toacutepicos ldquoSoacute nos falta agora recordar o nosso propoacutesito inicial e encerrar esta discussatildeo com algumas
palavras a esse respeito Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre qualquer tema
que nos fosse proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo
essencial da arte da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacuteticardquo Arg Sof 34 182b35-40 ARISTOacuteTELES Toacutepicos
Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W A
Pickard Satildeo Paulo Abril Cultural 1978 (Os Pensadores 4) p 196
13
natildeo de oito livros como atualmente mas de nove O nono livro seria o que a tradiccedilatildeo
denominou de Refutaccedilotildees Sofiacutesticas O fato de as Refutaccedilotildees Sofiacutesticas serem
subdivididas em capiacutetulos da mesma forma que os livros dos Toacutepicos reforccedila esse
argumento48
Haacute uma seacuterie de pressupostos cujo conhecimento eacute necessaacuterio ao estudo dos
Toacutepicos Satildeo questotildees complexas da filosofia aristoteacutelica que dizem respeito ao saber e
como alcanccedilaacute-lo Para se dirimir questotildees mais aprofundadas sobre a dialeacutetica de
Aristoacuteteles problemas dessa esfera precisam ser enfrentados Mas esses problemas
merecem uma investigaccedilatildeo agrave parte Nesse trabalho apresentaremos apenas algumas
noccedilotildees de forma muito geral a fim de possibilitar a leitura do texto que eacute nosso objeto
de estudo
Dessas noccedilotildees a primeira classificaccedilatildeo a se notar satildeo as cinco disposiccedilotildees (ἕξεις)
da alma para possuir a verdade que Aristoacuteteles apresenta em Eacutetica a Nicocircmaco Satildeo elas
a arte (τέχνη) o conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) a sabedoria praacutetica (φρόνησις) a
sabedoria filosoacutefica (σοφία) e a razatildeo intuitiva (νοῦς) Ele exclui dessa relaccedilatildeo a
conjectura (ὑπόληψις) e a opiniatildeo (δόξα) pois entende que eles podem levar ao engano49
Outros termos frequentes nos Toacutepicos e que Aristoacuteteles natildeo define ali satildeo
ldquoverdadeirordquo (ἀληθής) e ldquofalsordquo (ψεῦδος) A definiccedilatildeo aristoteacutelica de verdade e falsidade
estaacute presente na Metafiacutesica verdadeiro eacute dizer que o que eacute eacute e que o que natildeo eacute natildeo eacute
Quanto ao falso eacute dizer que o que eacute natildeo eacute e o que natildeo eacute eacute50 Eacute evidente na definiccedilatildeo que
a verdade e a falsidade natildeo estatildeo nas coisas e sim no dizer Mais especificamente estatildeo
no pensamento que eacute afetado pelas coisas 51 A falsidade ocorre quando o pensamento eacute
contraacuterio agrave condiccedilatildeo real das coisas52
A verdade como pensamento que corresponde agraves coisas como satildeo eacute o que
entendemos estar incluiacutedo no que eacute alcanccedilaacutevel pelas cinco disposiccedilotildees da alma jaacute
48 ALCOFORADO Paulo ldquoCronologia das obras loacutegicas de Aristoacutetelesrdquo Uberlacircndia Educaccedilatildeo e
Filosofia v 13 n 26 juldez 1999 p 45-47 Sobre a questatildeo de os Argumentos Sofiacutesticos serem o novo
livro dos Toacutepicos Alcoforado indica WAITZ Th Aristotelis Organon Graece 2 v Lipsiae S Hahnii
1844-6 II p 528 49 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133 50 Met Γ 7 1011b 26-27 51 Met Ε 4 1027b 25-31 52 Met Θ 10 1051b 5-10
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mencionadas a arte o conhecimento cientiacutefico a sabedoria praacutetica a sabedoria filosoacutefica
e a razatildeo intuitiva Mencionamos isso de modo geral como justificamos acima para fins
de contextualizaccedilatildeo Mas abordaremos especificamente apenas o conhecimento cientiacutefico
(ἐπιστήμη) jaacute que conforme mostraremos Aristoacuteteles apresenta o raciociacutenio dialeacutetico
nos Toacutepicos comparando-o ao raciociacutenio demonstrativo tiacutepico do conhecimento
cientiacutefico No entanto apesar dessa comparaccedilatildeo que seraacute feita queremos desde jaacute
destacar que o meacutetodo dos Toacutepicos natildeo se restringe agrave esfera da δόξα ou opiniatildeo Pois
como trataremos posteriormente a dialeacutetica tambeacutem eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas Por essa
razatildeo interpretamos os termos ldquoverdadeirordquo e ldquofalsordquo em vaacuterios momentos que aparecem
nos Toacutepicos como noccedilotildees pertencentes aos contextos das cinco disposiccedilotildees da alma para
se alcanccedilar a verdade nos quais o meacutetodo dialeacutetico pode operar
Outro ponto a se destacar eacute que os Toacutepicos atendem agrave necessidade de um meacutetodo
para as investigaccedilotildees sobre coisas que por sua natureza satildeo indeterminadas e as
afirmaccedilotildees sobre elas satildeo portanto passiacuteveis de controveacutersia Ressaltamos que a palavra
ldquodialeacuteticardquo usada para designar a metodologia apresentada nessa obra vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa ldquodiscutirrdquo A despeito do caraacuteter indeterminado ou impreciso
de certos assuntos que estatildeo fora da esfera da ἐπιστήμη eles ainda podem ser
investigados analisados comparados deliberados enfim discutidos A principal
caracteriacutestica formal de uma questatildeo dialeacutetica eacute ser uma pergunta para a qual se responde
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo jaacute que natildeo se pode responder ldquoverdadeirordquo ou ldquofalsordquo conforme veremos
Desse modo fica claro o porquecirc da premissa do raciociacutenio dialeacutetico ser ldquoaceitardquo mais
especificamente ldquogeralmente aceitardquo seja pelo puacuteblico em geral ou por uma comunidade
de saacutebios a depender do contexto
Mais uma noccedilatildeo importante eacute a distinccedilatildeo entre necessidade e contingecircncia O
conhecimento cientiacutefico (ἐπιστήμη) eacute definido como aquele que natildeo pode ser de outra
forma ou seja que eacute necessaacuterio Estaacute relacionado agraves coisas eternas que natildeo mudam
Aleacutem disso ele eacute um juiacutezo universal acerca das coisas deriva dos primeiros princiacutepios e
pode ser demonstrado O contingente estaacute associado agraves coisas corruptiacuteveis sobre as quais
natildeo eacute possiacutevel saber se satildeo ou se natildeo satildeo quando estatildeo fora de nossa percepccedilatildeo atual53
Portanto o contingente aquilo que pode ser de outro modo natildeo pode ser objeto de
53 EacuteN VI 3 1139b 15-30 e EacuteN VI 6 1140b 30-35 ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de
Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2002 p 130-133
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ἐπιστήμη Por outro lado o contingente pode ser objeto da opiniatildeo (δόξα)54 Em Eacutetica a
Nicocircmaco haacute importantes passagens que auxiliam no entendimento do que as opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) abrangem Eacute a menccedilatildeo de que existem assuntos que por sua
natureza permitem que se conheccedila sobre eles a verdade apenas de forma aproximada
Trataremos disso em seguida
A questatildeo a respeito de ἔνδοξα e sua relaccedilatildeo precisa com definiccedilotildees de
contingente provaacutevel aparente verossiacutemil e plausiacutevel ainda eacute discutiacutevel na literatura
sobre os Toacutepicos55 No momento ficamos apenas com essas noccedilotildees preliminares e
passamos ao estudo do texto dos Toacutepicos
Objetivo dos Toacutepicos
O objetivo dos Toacutepicos eacute apresentado pelo proacuteprio Aristoacuteteles no iniacutecio da obra
Nosso tratado se propotildee encontrar um meacutetodo de investigaccedilatildeo graccedilas
ao qual possamos raciocinar partindo de opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) sobre qualquer problema que nos seja proposto e sejamos
tambeacutem capazes quando replicamos a um argumento de evitar dizer
alguma coisa que nos cause embaraccedilos56
Segundo Berti meacutetodo (μέθοδος) eacute o termo grego que significa o caminho que se
percorre o procedimento que se segue e tambeacutem a exposiccedilatildeo teoacuterica a respeito dele57
Aristoacuteteles entatildeo se propotildee a apresentar um meacutetodo para se raciocinar (συλλογίζεσθαι)
com consistecircncia a partir de ἔνδοξα o que ele define como as opiniotildees admitidas por
todas as pessoas ou pela maioria delas ou pelos filoacutesofos Em outras palavras para todos
para a maioria ou para os mais notaacuteveis e eminentes58
54VANIN Andrei Pedro ldquoEpisteme e o problema da contingecircncia em Aristoacutetelesrdquo Erechim Gavagai -
Revista Interdisciplinar de Humanidades v 1 n 1 marabr 2014
ldquo() ningueacutem julga que estaacute opinando ao pensar que uma coisa natildeo pode ser de outra maneira ndash julga que
deteacutem conhecimento Eacute quando pensa que uma coisa eacute assim natildeo obstante natildeo haja razatildeo para que natildeo seja
de outra maneira que julga estar opinando o que significa que a opiniatildeo toca a esse tipo de proposiccedilatildeo ao
passo que o conhecimento tange ao necessaacuteriordquo An Post I 33 89b1 11 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Traduccedilatildeo de Edson Bini Bauru Edipro 2005 p 310 55 RENON Vera Luis ldquoAristotlelsquos endoxa and plausible argumentationrdquo Netherlands Kluwer Academic
Publishers Argumentation v 12 n 1 p 95-113 1998 56Toacutep I 1 100a 18-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 5 Traduccedilatildeo alternativa para
comparaccedilatildeo ldquoO propoacutesito deste tratado eacute descobrir um meacutetodo que nos capacite a raciocinar a partir de
opiniotildees de aceitaccedilatildeo geral acerca de qualquer problema que se apresente diante de noacutes e nos habilite na
sustentaccedilatildeo de um argumento a nos esquivar da enunciaccedilatildeo de qualquer coisa que o contrarierdquo Toacutep I 1
100a 18-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 347 57 BERTI Enrico As razotildees de Aristoacuteteles Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 1998 p 20 58 Toacutep I 1 100b 20-25
16
Destaca-se no objetivo que o meacutetodo eacute para raciocinar sobre qualquer problema
proposto Ou seja eacute um meacutetodo para discussatildeo de assuntos gerais com o uso de uma
teoria do raciociacutenio (τέχνη συλλογιστικη)59O pertencimento da dialeacutetica ao domiacutenio de
assuntos gerais se daacute por contraste com as ciecircncias particulares que seguem seus
princiacutepios proacuteprios A dialeacutetica trata dos assuntos que estatildeo ligados aos princiacutepios (ἀρχή)
comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) Haacute uma passagem dos
Argumentos Sofiacutesticos que esclarece bem que haacute uma distinccedilatildeo entre o domiacutenio das
ciecircncias particulares e da dialeacutetica e seus princiacutepios proacuteprios Eacute a seguinte
Por conseguinte a fim de esgotar todas as refutaccedilotildees possiacuteveis teremos
de possuir o conhecimento cientiacutefico de todas as coisas Com efeito
algumas refutaccedilotildees dependem dos princiacutepios que vigoram na geometria
e das conclusotildees que se seguem desses princiacutepios outras dos princiacutepios
da medicina e outras dos de outras ciecircncias Aliaacutes as falsas refutaccedilotildees
tambeacutem satildeo em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a
prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo na geometria existe a
falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por
diante Pela expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo
com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquo Eacute evidente pois que natildeo precisamos
dominar os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute
aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda
arte (τέχνην) ou faculdade (δύναμιν) E no que toca agrave refutaccedilatildeo que se
efetua de acordo com uma ou outra das ciecircncias particulares (ἑκάστην
ἐπιστήμην) compete ao homem que cultiva essa ciecircncia particular
julgar se ela eacute apenas aparente sem ser real e no caso de ser real qual
eacute o seu fundamento ao passo que aos dialeacuteticos cabe examinar a
refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns que natildeo caem
no campo de nenhum estudo especial (μηδεμίαν τέχνην)60
Na leitura do objetivo dos Toacutepicos o termo que requer mais esclarecimento eacute
ἔνδοξα Compreende-se melhor o que satildeo ἔνδοξα por meio de exemplos Em Eacutetica a
Nicocircmaco pode-se observar como Aristoacuteteles discute assuntos envolvendo essas opiniotildees
geralmente aceitas Nessa obra eacute possiacutevel ver como o Filoacutesofo associa a opiniatildeo ao
conhecimento limitado que se pode obter de certos objetos Por essa razatildeo ao iniciar uma
discussatildeo a respeito de questotildees de eacutetica ele afirma que se deve buscar nesses assuntos
ldquo() a verdade de forma aproximada e sumaacuteriardquo61 Ele ilustra esse entendimento
59 ldquoMas a verdade eacute que o argumento dialeacutetico natildeo se ocupa com nenhuma espeacutecie definida de ser natildeo
demonstra coisa alguma em particular e nem sequer eacute um argumento da espeacutecie daqueles que encontramos
na filosofia geral do ser Porque todos os seres natildeo estatildeo contidos numa soacute espeacutecie nem se estivessem
poderiam estar submetidos aos mesmos princiacutepiosrdquoArg Sof 11 172a 12-14 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos
arg Op cit p 171
ldquo() eacute dialeacutetico aquele que examina as questotildees com uma teoria do raciociacuteniordquo Arg Sof 11 172a 28-37
Ibid p 171 60 Arg Sof 9 170a 25-40 Ibid p 167 61 EacuteN I 3 1094b 20-22 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18
17
associando a exigecircncia de demonstraccedilatildeo cientiacutefica aos matemaacuteticos e do raciociacutenio
provaacutevel aos retoacutericos por exemplo A aceitabilidade de ἔνδοξα enquanto opiniatildeo dos
saacutebios tambeacutem estaacute associada em Eacutetica a Nicocircmaco agrave ideia de que o melhor julgamento
que se pode fazer a respeito de certos assuntos eacute o de quem eacute instruiacutedo sobre eles O que
acabamos de dizer pode ser visto nesta citaccedilatildeo
Por conseguinte tratando de tais assuntos (accedilotildees belas e justas bens)
e partindo de tais premissas devemos contentar-nos em indicar a
verdade de forma aproximada e sumaacuteria quando falamos de coisas que
satildeo verdadeiras apenas em linhas gerais e com base em premissas da
mesma espeacutecie natildeo devemos esperar conclusotildees mais precisas
Portanto cada proposiccedilatildeo deveraacute ser recebida dentro dos mesmos
pressupostos pois eacute caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo em cada gecircnero de coisas apenas ateacute o ponto que a natureza
do assunto permite do mesmo modo que eacute insensato aceitar um
raciociacutenio apenas provaacutevel da parte de um matemaacutetico e exigir
demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico
Cada homem julga bem as coisas que conhece e desses assuntos ele eacute
bom juiz Assim o homem instruiacutedo a respeito de um assunto eacute bom
juiz nesse assunto e o homem que recebeu instruccedilatildeo a respeito de todas
as coisas eacute bom juiz em geral62
Ao se analisar o texto acima observa-se como o Estagirita apesar de natildeo inserir
a opiniatildeo (δόξα) entre as disposiccedilotildees para se alcanccedilar a verdade a considera como modo
legiacutetimo para se aproximar da verdade a respeito de assuntos que por sua natureza natildeo
admitem investigaccedilatildeo precisa A opiniatildeo tambeacutem como jaacute foi dito pode tratar do
contingente Essa compreensatildeo a respeito de diferentes graus de possibilidades de
investigaccedilatildeo de um assunto em funccedilatildeo da natureza das proacuteprias coisas tambeacutem eacute vista nos
Toacutepicos no momento em que se admite que natildeo eacute de se esperar que todos os raciociacutenios
sejam igualmente convincentes e aceitaacuteveis sendo suficiente que partam de opiniotildees tatildeo
62 EacuteN I 3 1094b 11-29 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 18-19 Ideia reiterada em EacuteN I 7 1098a
25-30 ldquoDevemos igualmente recordar o que foi dito antes e natildeo ficar insistindo em encontrar a precisatildeo
em tudo mas em cada classe de coisas devemos buscar apenas a precisatildeo que o assunto comporta e ateacute o
ponto que for apropriado agrave investigaccedilatildeo De fato um carpinteiro e um geocircmetra investigam de diferentes
maneiras o acircngulo reto O primeiro o faz agrave medida que o acircngulo reto eacute uacutetil ao seu trabalho ao passo que o
segundo investiga o que e como o acircngulo reto eacute pois o geocircmetra eacute como que um contemplador da verdade
A noacutes cumpre proceder do mesmo modo em todos os outros assuntos para que a nossa tarefa principal natildeo
fique subordinada a questotildees de somenosrdquo ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 28 Outro trecho muito
citado de EacuteN como exemplo tiacutepico de discussatildeo a partir de opiniotildees aceitas onde se menciona a verdade
aproximada ldquoConforme procedemos em todos os outros casos passaremos em revista os fatos observados
(φαινομένα) e depois de discutir as dificuldades (aporias) tentaremos provar se possiacutevel a verdade de
todas as opiniotildees comuns sobre essas afecccedilotildees da alma ou se isso natildeo for possiacutevel pelo menos do maior
nuacutemero de opiniotildees e das mais autorizadas pois se refutarmos as objeccedilotildees e deixarmos intatas as opiniotildees
correntes a tese seraacute sido suficientemente provadardquo Grifo nosso EacuteN 8 1 1145b 1-10 ARISTOacuteTELES
Eacutetica a N Op cit p 146
18
geralmente aceitas quanto o caso permite pois alguns temas satildeo mais faacuteceis que outros63
Sob esse prisma pode-se entender que o Filoacutesofo ao redigir os Toacutepicos como um tratado
sobre metodologia de discussatildeo que parte de ἔνδοξα atribuiacutea ao tema um valor proacuteprio
portanto maior do que o de um simples esboccedilo de teoria da argumentaccedilatildeo que teria
culminado nos Primeiros Analiacuteticos conforme se pensava anteriormente e comentamos
na introduccedilatildeo deste trabalho
Eacute interessante observar como exemplos de ἔνδοξα alguns trechos de Eacutetica a
Nicocircmaco nos quais estatildeo presentes as ideias do ldquorazoaacutevelrdquo ldquoverossiacutemilrdquo ldquoprovaacutevelrdquo e
ldquoplausiacutevelrdquo aleacutem das opiniotildees da ldquomaioriardquo do ldquovulgordquo dos ldquohomens de cultura
superiorrdquo ou ldquosaacutebiosrdquo ou ldquofiloacutesofosrdquo Tambeacutem aparecem ali a divergecircncia das pessoas
entre si e a divergecircncia entre o vulgo e os saacutebios o que ilustra bem a passagem dos
Toacutepicos que define ἔνδοξα
Em palavras quase todos estatildeo de acordo pois tanto o vulgo como os
homens de cultura superior dizem que esse bem supremo eacute a felicidade
e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz poreacutem
divergem a respeito do que seja a felicidade e o vulgo natildeo sustenta a
mesma opiniatildeo dos saacutebios A maioria das pessoas pensa que se trata
de alguma coisa simples e oacutebvia como o prazer a riqueza ou as honras
embora tambeacutem discordem entre si e muitas vezes o mesmo homem
a identifica com diferentes coisas dependendo das circunstacircncias com
a sauacutede quando estaacute doente [] Seria talvez infrutiacutefero examinar
todas as opiniotildees que tecircm sido sustentadas a esse respeito basta
considerar as mais difundidas ou aquelas que parecem ser mais
razoaacuteveis64
Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais
proacuteprio e verdadeiro sentido do termo e como tais classificamos as accedilotildees
e atividades psiacutequicas Nosso parecer deve ser correto pelo menos
segundo essa antiga opiniatildeo com a qual concordam muitos filoacutesofos
[] Outra crenccedila que se harmoniza com a nossa concepccedilatildeo eacute a de que
o homem feliz vive bem e age bem visto que definimos a felicidade
como uma espeacutecie de boa vida e boa accedilatildeo Aleacutem disso todas as
caracteriacutesticas que se costuma buscar na felicidade tambeacutem parecem
incluir-se na nossa definiccedilatildeo Com efeito algumas pessoas identificam
a felicidade com a virtude outras com a sabedoria praacutetica outras
com uma espeacutecie de sabedoria filosoacutefica e outras ainda a
identificam com tudo isso ou uma delas acompanhadas do prazer ou
sem que lhe falte o prazer e finalmente outras incluem a prosperidade
exterior Algumas destas opiniotildees tecircm tido muitos e antigos
defensores ao passo que outras foram sustentadas por umas poucas
mas eminentes pessoas E natildeo eacute provaacutevel que qualquer delas esteja
63 Toacutep VIII 11 161b 33-40 64 Grifo nosso EacuteN I 4 1095a 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 19 20
19
inteiramente enganada eacute mais plausiacutevel que tenham razatildeo pelo menos
em algum aspecto ou mesmo na maior parte deles65
Na Retoacuterica tambeacutem encontramos menccedilatildeo agraves ἔνδοξα como opiniotildees aceitas por
uma classe de indiviacuteduos reiterando a ideia dos Toacutepicos e deixando claro que as opiniotildees
ali tratadas natildeo satildeo de algum indiviacuteduo particular Aristoacuteteles acrescenta ali que o mesmo
entendimento se aplica agrave dialeacutetica referindo-se aos Toacutepicos Como se vecirc no trecho
ldquo[] tatildeo-pouco a Retoacuterica teorizaraacute sobre o provaacutevel (ἔνδοξον) para o
indiviacuteduo ndash por exemplo para Soacutecrates ou Hiacutepias ndash mas sobre o que
parece verdade para pessoas de uma certa condiccedilatildeo como tambeacutem faz
a dialeacuteticardquo66
Portanto ressaltamos que ἔνδοξα natildeo satildeo opiniotildees quaisquer mas opiniotildees aceitas
de uma forma ampla e geral pelo puacuteblico comum ou por um puacuteblico de saber notoacuterio
Isso nos permite entender que Aristoacuteteles relaciona essa ldquoaproximaccedilatildeo da verdaderdquo a um
senso comum seja o senso comum do puacuteblico em geral ou de um puacuteblico especializado
o que nos faz concluir que a melhor traduccedilatildeo para ἔνδοξα eacute realmente ldquoopiniatildeo geralmente
aceitardquo e que a ideia de ldquoaceitaacutevelrdquo eacute mais precisa e adequada que a de ldquoprovaacutevelrdquo
ldquoverossiacutemilrdquo e ldquoaparenterdquo que satildeo termos associados a ἔνδοξα e muito utilizados67
Eacute importante ressaltar poreacutem que uma premissa geralmente aceita como ponto
de partida do raciociacutenio natildeo eacute o uacutenico elemento que basta para caracterizar um tema como
dialeacutetico Os temas dialeacuteticos tecircm um aspecto fundamental que eacute a qualidade de serem
ldquodiscutiacuteveisrdquo o que caracteriza a dialeacutetica como a arte que trata do oponiacutevel Uma opiniatildeo
aceita por unanimidade natildeo se adequa agraves explicaccedilotildees a respeito do que sejam proposiccedilotildees
e problemas dialeacuteticos apresentadas no livro I dos Toacutepicos68 Ali em primeiro lugar
Aristoacuteteles descarta como problema dialeacutetico aquilo que eacute evidente para todo mundo
Ele afirma que nenhuma pessoa que estivesse em seu ldquojuiacutezo perfeitordquo formularia uma
proposiccedilatildeo ou problema sobre algo que ningueacutem admite ou que eacute evidente para todos ou
para a maioria sendo assim sem duacutevida69 Ele acrescenta que os temas dialeacuteticos natildeo
devem estar nem muito proacuteximos e nem muito afastados da esfera da demonstraccedilatildeo
(ἀπόδειξις) pois estando muito proacuteximos natildeo levantam duacutevidas a serem debatidas e se
65 Grifo nosso EacuteN I 8 1098b 15 ARISTOacuteTELES Eacutetica a N Op cit p 29 66 Ret I 2 1356b 33-36 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 99 67 Berti entende que ἔνδοξα estaacute relacionada a aceitabilidade e natildeo a uma probabilidade do tipo estatiacutestico
ou a uma aparecircncia de verdade BERTI As razotildees Op cit p 26-28 68 Toacutep I 10 e 11 104a 1-105a 10 69 Toacutep I 10 104a 1-10
20
muito afastados satildeo difiacuteceis demais para o exerciacutecio dialeacutetico Os problemas que
merecem exame dialeacutetico destaca o Filoacutesofo satildeo os que necessitam de argumentos A
esses ele contrapotildee os problemas que carecem de percepccedilatildeo ou simplesmente de
puniccedilatildeo Por exemplo aqueles que natildeo sabem se a neve eacute ou natildeo branca carecem de
percepccedilatildeo E quem tem duacutevidas se deve amar ou natildeo os pais precisa apenas ser
castigado70 A partir daiacute se percebe que as questotildees dialeacuteticas fogem da esfera do evidente
e do estabelecido mesmo se o estabelecido for geralmente aceito Elas caracterizam-se
por seu caraacuteter controverso Eacute ἔνδοξα poreacutem que determina a natureza dialeacutetica de uma
investigaccedilatildeo pois ela define a classificaccedilatildeo de um raciociacutenio como dialeacutetico
Raciociacutenio dialeacutetico
Aristoacuteteles distingue nos Toacutepicos o raciociacutenio dialeacutetico de trecircs outros tipos de
raciociacutenio o demonstrativo o contencioso ou eriacutestico e o paralogismo A definiccedilatildeo de
raciociacutenio (συλλογισμός) no entanto eacute a mesma para os quatro tipos o que se deduz
necessariamente de premissas estabelecidas Destacamos ainda que a definiccedilatildeo raciociacutenio
(συλλογισμός) eacute a mesma tanto nos Toacutepicos quanto nos Primeiros Analiacuteticos71
Em primeiro lugar o Filoacutesofo diferencia o raciociacutenio dialeacutetico (διαλεκτικὸς
συλλογισμός) da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) em funccedilatildeo da natureza das premissas O
raciociacutenio dialeacutetico parte de ἔνδοξα e a demonstraccedilatildeo de premissas primeiras e
verdadeiras ou de premissas derivadas dessas Nos Toacutepicos satildeo definidas como primeiras
e verdadeiras as premissas que geram convicccedilatildeo por si mesmas tendo em vista ser
descabido buscar a razatildeo dos primeiros princiacutepios (ἀρχή) os quais devem impor a sua
verdade por si mesmos72
Como jaacute mencionado anteriormente a intuiccedilatildeo (νοῦς) ou inteligecircncia eacute uma das
cinco disposiccedilotildees da alma para se alcanccedilar a verdade na visatildeo aristoteacutelica Eacute νοῦς que
intui os primeiros princiacutepios (ἀρχή)73 Essa intuiccedilatildeo eacute uma cogniccedilatildeo direta portanto os
70 Toacutep I 11 105a 1-10 71 ldquo() raciociacutenio eacute um argumento em que estabelecidas certas coisas outras coisas diferentes se deduzem
necessariamente das primeirasrdquo Toacutep I 1 100a 25-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6
ldquoO silogismo eacute uma locuccedilatildeo em que dadas certas proposiccedilotildees algo distinto delas resulta necessariamente
pela simples presenccedila das proposiccedilotildees dadasrdquo An Pr I 1 24b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon
Analiacuteticos Anteriores Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p11 72 Toacutep I 1 100b 20-25 73 EacuteN VI 6 1141a 5-10
21
primeiro princiacutepios satildeo indemonstraacuteveis e impotildeem sua verdade por si mesmos74 Por isso
satildeo tomados como verdadeiros e inquestionaacuteveis e o conhecimento que dali se deduz pode
ser mostrado como tambeacutem verdadeiro O raciociacutenio derivado dos princiacutepios eacute
demonstrativo e eacute o que pode produzir saber (ἐπιστήμη) Em siacutentese essa eacute a ideia do que
seja demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) e se confirma na leitura do seguinte trecho dos Segundos
Analiacuteticos
Por demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξιν) entendo o silogismo que leva ao saber
(συλλογισμὸν ἐπιστήμονικόν) e digo que leva ao saber o silogismo cuja
inteligecircncia eacute para noacutes a ciecircncia (ἐπιστάμηθα) Supondo que o
conhecimento por ciecircncia consiste deveras nisso que propusemos eacute
necessaacuterio tambeacutem que a ciecircncia demonstrativa (ἀπόδεικτικὴν
ἐπιστήμην) arranque de premissas verdadeiras primeiras imediatas
mais conhecidas do que a conclusatildeo anteriores a esta e da qual elas
satildeo as causas Eacute nestas condiccedilotildees que os princiacutepios (ἀρχαὶ) do
demonstraacutevel seratildeo tambeacutem apropriados (aplicados) agrave conclusatildeo Pode
haver silogismo sem essas caracteriacutesticas mas natildeo seraacute uma
demonstraccedilatildeo pois ele natildeo seraacute causador de saber As premissas devem
ser verdadeiras pois o que natildeo eacute natildeo se pode conhecer por exemplo a
comensurabilidade da diagonal Devem ser primeiras e
indemonstraacuteveis pois de outro modo necessitam de demonstraccedilatildeo para
serem conhecidas pois o saber dos demonstraacuteveis caso natildeo se trate de
um conhecimento acidental natildeo eacute mais do que a capacidade da sua
demonstraccedilatildeo Devem as causas da conclusatildeo ser mais conhecidas do
que ela e a ela anteriores 75
A diferenccedila das premissas nos raciociacutenios demonstrativo e dialeacutetico natildeo altera o
fato de haver silogismo em ambos os casos afirma o Filoacutesofo claramente nos Primeiros
Analiacuteticos76 Kneale e Kneale concluem com isso que a teoria formal do silogismo natildeo
74 ldquoQuanto agraves aptidotildees do entendimento (διάνοιαν ἕξεων) pelas quais adquirimos a verdade umas satildeo
sempre verdadeiras enquanto outras satildeo passiacuteveis de erro como a opiniatildeo (δόξα) por exemplo e o caacutelculo
(λογισμός) a ciecircncia (ἐπιστήμη) e a intuiccedilatildeo (νοῦς) satildeo sempre verdadeiras aleacutem disso exceccedilatildeo feita agrave
intuiccedilatildeo nenhum gecircnero de conhecimento eacute mais exato do que o da ciecircncia (ἐπιστήμη) enquanto que os
princiacutepios satildeo mais cognosciacuteveis do que as demonstraccedilotildees e todo o conhecimento epistemoloacutegico
(ἐπιστήμη) eacute discursivo Daiacute resulta natildeo haver ciecircncia dos princiacutepios E como exceccedilatildeo feita agrave inteligecircncia
(νοῦς) nenhum gecircnero de conhecimento pode ser mais verdadeiro do que a ciecircncia eacute a inteligecircncia que
apreende os princiacutepios (ἀρχαὶ) Esta conclusatildeo resulta tanto das consideraccedilotildees expendidas como do fato de
o princiacutepio da demonstraccedilatildeo natildeo constituir em si mesmo uma demonstraccedilatildeo nem por conseguinte uma
ciecircncia da ciecircncia Se portanto fora da ciecircncia natildeo possuiacutemos nenhum outro gecircnero do conhecimento
verdadeiro resta-nos que a inteligecircncia seraacute o princiacutepio da ciecircncia e a inteligecircncia (νοῦς) eacute o princiacutepio do
proacuteprio princiacutepio e toda a ciecircncia se comporta face ao conjunto de todas as coisas como a inteligecircncia se
comporta face ao princiacutepiordquo An Post II 19 100b 5-20 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Posteriores
Traduccedilatildeo e notas de Pinharanda Gomes Lisboa Guimaratildees Editores 1986 p 165 166 75 An Post I 1 71b 15-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Post Op cit p 12-13 76 ldquoA premissa demonstrativa difere da dialeacutetica porque na demonstrativa se aceita uma proposiccedilatildeo de um
par de proposiccedilotildees contraditoacuterias (porque a pessoa que demonstra aceita uma premissa e natildeo faz uma
pergunta) enquanto na premissa dialeacutetica se pergunta qual de duas proposiccedilotildees contraditoacuterias eacute a verdadeira
Mas isto natildeo altera o fato de haver um silogismo em ambos os casosrdquo Grifo nosso An Pr I 1 24a 20-
30 Por uma melhor clareza em relaccedilatildeo a outras traduccedilotildees citamos esse trecho de KNEALE O
desenvolvimento Op cit p 4
22
estaacute especialmente relacionada agrave demonstraccedilatildeo77 Nos Primeiros e Segundos Analiacuteticos
observa-se que Aristoacuteteles ressalta como a diferenccedila entre demonstraccedilatildeo e a dialeacutetica se
mostra na natureza e apresentaccedilatildeo das premissas A premissa demonstrativa por ser
verdadeira natildeo oferece alternativa Por outro lado a premissa dialeacutetica admite
alternativa em funccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo do que se afirma Citamos os trechos
Resulta assim que uma premissa silogiacutestica em geral consiste ou na
afirmaccedilatildeo ou na negaccedilatildeo de algum predicado acerca de algum sujeito
tal como acabamos de expor Eacute demonstrativa se for verdadeira e
obtida atraveacutes dos axiomas fundamentais enquanto que na premissa
dialeacutetica o que interroga pede ao opositor para escolher uma das
duas partes de uma contradiccedilatildeo mas desde que silogize propotildee
uma asserccedilatildeo acerca do aparente e do verossiacutemil tal como jaacute
indicamos nos Toacutepicos78
O primeiro princiacutepio de uma demonstraccedilatildeo eacute uma premissa imediata e
uma premissa imediata eacute aquela que natildeo tem nenhuma premissa
anterior a ela Uma premissa eacute uma ou a outra parte de uma proposiccedilatildeo
e consiste em um termo predicado de um outro Se for dialeacutetica
assumiraacute uma parte ou outra indiferentemente se demonstrativa
supotildee definitivamente a parte que eacute verdadeira79
Essa distinccedilatildeo ilustra como falamos anteriormente o motivo de as proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos serem apresentados sob forma de perguntas a serem respondidas
com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Essa explicaccedilatildeo estaacute corroborada nos Argumentos Sofiacutesticos onde
Aristoacuteteles diz que nenhum meacutetodo de demonstraccedilatildeo procede por inquiriccedilatildeo pois a
demonstraccedilatildeo natildeo permite escolha entre alternativas jaacute que seria impossiacutevel obter uma
prova proveniente de ambas E a dialeacutetica pelo contraacuterio procede por meio de
perguntas80
O raciociacutenio contencioso ou eriacutestico81 (ἐριστικός) eacute o terceiro tipo de raciociacutenio
apresentado nos Toacutepicos Eacute aquele que ocorre quando se parte de opiniotildees que parecem
ser geralmente aceitas (ϕαινομένα ἐνδόξα) mas que de fato natildeo o satildeo ou quando apenas
parece se raciocinar a partir de opiniotildees geralmente aceitas ou aparentemente geralmente
aceitas Note-se que haacute dois tipos de viacutecio O primeiro refere-se agrave natureza das premissas
que natildeo chegam a ser ἔνδοξα verdadeiramente apenas parecem ser Essa ilusatildeo deve ser
77 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 26 78 Grifo nosso An Pr I 1 24a 25-30 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Analiacuteticos Ant Op cit p10 79 Grifo nosso An Post I 1 72a 7-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 254-
255 80 Arg Sof 11 172a 15-20 81 ldquolsquoEriacutesticorsquo eacute o termo odioso aplicado por Platatildeo e Aristoacuteteles a argumentos que eles consideravam
friacutevolosrdquo KNEALE O desenvolvimento Op cit p 17
23
claramente visiacutevel mesmo para pessoas de pouco entendimento jaacute que nem todas as
opiniotildees que parecem ser geralmente aceitas de fato o satildeo Em outras palavras essa
falsidade deve ser um pouco oacutebvia82
O segundo viacutecio possiacutevel do raciociacutenio eriacutestico estaacute no fato de haver uma falsidade
no proacuteprio raciociacutenio Esse erro se daacute independentemente da natureza das premissas e
mesmo que a conclusatildeo seja verdadeira 83 Aristoacuteteles ressalta que os raciociacutenios que se
enquadram nesse segundo caso nem merecem ser chamados de ldquoraciociacuteniosrdquo mas apenas
de ldquoraciociacutenios eriacutesticosrdquo Pois na verdade natildeo satildeo precisamente ldquoraciociacuteniosrdquo mas
apenas parecem secirc-los84
O quarto raciociacutenio apresentado no iniacutecio dos Toacutepicos eacute o paralogismo
(παραλογισμός) que ocorre nas ciecircncias particulares como na geometria por exemplo
O termo ldquoparalogismordquo tambeacutem eacute traduzido como ldquofalaacuteciardquo ou como ldquofalso raciociacuteniordquo
Esse raciociacutenio parte de premissas que satildeo apropriadas a uma ciecircncia particular mas que
natildeo satildeo verdadeiras Um exemplo de paralogismo na geometria eacute um raciociacutenio que se
fundamenta numa falsa descriccedilatildeo dos semiciacuterculos85 Nesse caso a descriccedilatildeo do
semiciacuterculo eacute perfeitamente adequada ao contexto da geometria no entanto estaacute errada
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles acrescenta que de outro modo quando existe uma
desconformidade da premissa com uma aacuterea do conhecimento particular isso natildeo se
classifica como paralogismo e sim como raciociacutenio eriacutestico O exemplo que ele
apresenta eacute o caso de um argumento que seja proacuteprio apenas da geometria ser aplicado
em outra aacuterea do conhecimento86 Essa informaccedilatildeo que estaacute nos Argumentos Sofiacutesticos
complementa a explicaccedilatildeo dos Toacutepicos que descrevemos nos paraacutegrafos acima a respeito
do raciociacutenio eriacutestico
2 A utilidade dos Toacutepicos
Como jaacute foi explicado o objetivo dos Toacutepicos eacute descobrir um meacutetodo para se
raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre algum problema proposto e manter a consistecircncia na
sustentaccedilatildeo de um argumento Agora trataremos da utilidade dos Toacutepicos Em primeiro
lugar destacamos que Aristoacuteteles apresenta o meacutetodo no decorrer da obra de modo
82 Toacutep I 1 100b 20-30 83 Arg Sof 11 171b 5-10 84 Toacutep I 1 100b 20-101a 30 85 Toacutep I 1 101a 5-15 86 Arg Sof 11 171b 15a-172a 5
24
bastante geral ou seja sem muita delimitaccedilatildeo de contextos de aplicaccedilatildeo Essa ampla
possibilidade de aplicaccedilatildeo jaacute se torna clara quando Aristoacuteteles define trecircs utilidades para
a obra que correspondem a trecircs contextos o treinamento do intelecto (γυμνασία) as
disputas casuais (ἔντευξις) e as ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας)87 O
treinamento corresponde aos debates enquanto jogos competitivos com regras que eram
praticados entre outras coisas na Academia As disputas casuais referem-se a
conversaccedilotildees e debates de modo geral88 A utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas estaacute em
suscitar as aporias de ambos os lados de um assunto determinado para facilitar a
identificaccedilatildeo do verdadeiro e do falso nas questotildees que aparecem Esse eacute o chamado
meacutetodo diaporemaacutetico Outra utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se daacute em relaccedilatildeo agraves bases
uacuteltimas dos princiacutepios (ἀρχή) usados nas diversas ciecircncias que devem ser discutidos agrave
luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as questotildees particulares E isso cabe agrave dialeacutetica
que eacute um processo de criacutetica onde se encontra o caminho que conduz aos princiacutepios de
todos os meacutetodos de investigaccedilatildeo89
Pode-se dizer que a utilidade nas ciecircncias filosoacuteficas se subdivide em duas A
primeira eacute mais clara e refere-se agrave anaacutelise dos problemas relacionados a argumentos
contraacuterios a respeito de um determinado assunto desenvolvendo-se ateacute a conclusatildeo o
raciociacutenio a partir de cada uma das alternativas do dilema verificando-se o verdadeiro e
o falso em cada uma delas90 Quando trata da escolha das proposiccedilotildees que satildeo usadas na
discussatildeo Aristoacuteteles distingue o uso na dialeacutetica e na filosofia Para a escolha das
87 Toacutep I 2 101a25-101b5 Por ciecircncias filosoacuteficas entendemos sabedoria filosoacutefica σοφία 88 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx 89 ldquoPara o estudo das ciecircncias filosoacuteficas (φιλοσοφίαν ἐπιστήμας) (este tratado) eacute uacutetil porque a capacidade
de suscitar dificuldades significativas sobre ambas as faces de um assunto nos permitiraacute detectar mais
facilmente a verdade e o erro nos diversos pontos e questotildees que surgirem Tem ainda utilidade em relaccedilatildeo
agraves bases uacuteltimas dos princiacutepios usados nas diversas ciecircncias (ἑκάστην ἐπιστήμην ἀρχῶν) pois eacute
completamente impossiacutevel discuti-los a partir dos princiacutepios peculiares agrave ciecircncia particular que temos diante
de noacutes visto que os princiacutepios satildeo anteriores a tudo mais eacute agrave luz das opiniotildees geralmente aceitas sobre as
questotildees particulares que eles devem ser discutidos e essa tarefa compete propriamente ou mais
apropriadamente agrave dialeacutetica pois esta eacute um processo de criacutetica que conduz aos princiacutepios de todas as
investigaccedilotildeesrdquo Toacutep I 2 101a 35-101b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 6 90 BERTI As razotildees Op cit p 34 Aristoacuteteles reitera essa utilidade em Toacutepicos VIII ldquoAleacutem disso como
contribuiccedilatildeo para o saber filosoacutefico o poder de discernir e trazer diante dos olhos as consequecircncias de uma
e outra de duas hipoacuteteses natildeo eacute um instrumento para se desprezar porque entatildeo soacute resta escolher
acertadamente entre as duasrdquo Toacutep VIII 14 163b 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 151
25
proposiccedilotildees dialeacuteticas basta ter em vista a opiniatildeo (δόξα) mas para a filosofia exige-se
a verdade (ἀλήθεια)91
No que diz respeito ao uso da dialeacutetica na discussatildeo sobre os primeiros princiacutepios
(ἀρχή) peculiares agraves ciecircncias particulares e a todas as investigaccedilotildees esse assunto fica
mais claro com a leitura do texto do final dos Segundos Analiacuteticos que jaacute citamos
anteriormente no qual Aristoacuteteles afirma que eacute a inteligecircncia (νοῦς) que apreende os
princiacutepios92 Jaacute explicamos que os princiacutepios (ἀρχή) satildeo indemonstraacuteveis no entanto nos
Toacutepicos Aristoacuteteles atribui agrave dialeacutetica o papel de revelaacute-los discorrendo sobre eles a
partir de ἔνδοξα93 Eacute o que se vecirc por exemplo na Metafiacutesica onde Aristoacuteteles refuta
debatendo opiniotildees os argumentos dos que negam o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo94
Citamos um trecho
Aleacutem disso estaraacute errado aquele que supotildee que uma coisa eacute assim ou
natildeo eacute assim e aquele que supotildee ambas (as enunciaccedilotildees) corretas Se ele
estiver certo qual o significado de dizer que ldquoesta eacute a natureza da
realidaderdquo E se natildeo estiver certo mas estiver mais certo do que o
detentor da primeira opiniatildeo a realidade teraacute imediatamente uma
natureza definida e isto seraacute verdadeiro e ao mesmo tempo natildeo
verdadeiro E se todos estatildeo igualmente certos e errados um adepto
dessa opiniatildeo estaraacute incapacitado tanto de discursar quanto de significar
qualquer coisa uma vez que ao mesmo tempo diz tanto sim quanto
natildeo E se ele natildeo constroacutei nenhum juiacutezo mas pensa e natildeo pensa
indiferentemente que diferenccedila haveraacute entre ele e as plantas
Consequentemente fica bastante evidente que ningueacutem ndash entre os que
professam essa teoria ou os que pertencem a qualquer outra escola ndash
coloca-se realmente nessa posiccedilatildeo Se assim natildeo fosse por que algueacutem
caminha ateacute Megara e natildeo permanece em casa simplesmente pensando
em fazer a viagem Por que natildeo caminha cedo numa manhatilde ateacute a beira
de um poccedilo ou de um precipiacutecio e neles se precipita em lugar de
francamente se esquivar a agir assim demonstrando deste modo que
natildeo pensa que eacute igualmente bom e natildeo bom neles precipitar-se Eacute oacutebvio
que entatildeo ele julga que um procedimento eacute melhor e o outro pior95
Aristoacuteteles na Metafiacutesica afirma que postula o princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo o
qual considera ser o ldquomais certo de todos os princiacutepiosrdquo Ele alega ser falta de educaccedilatildeo
(ἀπαιδευσία) em loacutegica exigir demonstraccedilatildeo quando natildeo eacute possiacutevel o que eacute o caso do
princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo Tambeacutem argumenta que a demonstraccedilatildeo de todas as coisas
91 ldquoPara os fins da filosofia devemos tratar dessas coisas (proposiccedilotildees e problemas) de acordo com a sua
verdade mas para a dialeacutetica basta que tenhamos em vista a opiniatildeo geralrdquo Toacutep I 14 105b 30-35
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 16 92 An Post II 19 100b 5-20 Vide nota 74 93 PEREIRA Oswaldo Porchat ldquoVoltando agrave Dialeacutetica de Aristoacutetelesrdquo Analytica v 8 n1 2004 p 143 94 Met Γ 4 1003a20-1012b30 95 Grifo do autor Met Γ 4 1008b 1-20 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 119
26
eacute impossiacutevel pois envolveria regressatildeo ao infinito 96 Como vimos no trecho acima o
Filoacutesofo argumenta no entanto dialeticamente para refutar o argumento de que algo pode
ser e natildeo ser simultaneamente De modo sequencial comparando opiniotildees e exemplos
ele mostra que a negaccedilatildeo do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo eacute insustentaacutevel Eacute um exemplo
de como a dialeacutetica pode facilitar ou ldquoabrir um caminhordquo para a apreensatildeo dos princiacutepios
pelo νοῦς ou pela intuiccedilatildeo Oswaldo Porchat Pereira defende a tese de que a dialeacutetica eacute
uma propedecircutica capaz de propiciar as condiccedilotildees para a apreensatildeo dos princiacutepios pela
inteligecircncia97
Pereira diferencia o grau de evidecircncia do princiacutepio da natildeo-contradiccedilatildeo que se
aplica a todas as investigaccedilotildees dos princiacutepios proacuteprios das ciecircncias particulares Pois
esses uacuteltimos natildeo satildeo proposiccedilotildees faacutecil e diretamente intuiacuteveis como o caso do primeiro
mas sim objetos de longas discussotildees que examinam vaacuterias e conflitantes alternativas
Ele ilustra sua anaacutelise dos princiacutepios aplicados agraves ciecircncias particulares com trechos da
Fiacutesica98 de Aristoacuteteles99
Das trecircs finalidades que Aristoacuteteles atribui aos Toacutepicos a mais explicada nessa
obra eacute a sua utilizaccedilatildeo no debate100 Mesmo nos livros II a VII os quais nos causam a
impressatildeo de que descrevem um treinamento acadecircmico101 a menccedilatildeo ao oponente e ao
debate eacute marcante Nesse sentido Kneale e Kneale afirmam que os Toacutepicos satildeo ldquo()
declaradamente um manual para guiar aqueles que tomam parte em competiccedilotildees puacuteblicas
de dialeacutetica ou de discussatildeordquo102 fruto de uma reflexatildeo sobre o meacutetodo dialeacutetico conforme
era aplicado na Academia a problemas de definiccedilatildeo e classificaccedilatildeo Esses autores
tambeacutem acrescentam que a finalidade dessas disputas natildeo eacute muito clara mas que eacute
possiacutevel ver em Platatildeo que esse meacutetodo pode ser usado na investigaccedilatildeo filosoacutefica e como
divertimento Na Repuacuteblica Platatildeo faz uma advertecircncia aos jovens quanto ao uso da
dialeacutetica como um brinquedo Kneale e Kneale identificam nos diaacutelogos platocircnicos
exemplos de argumentaccedilatildeo que muitas vezes seguem o padratildeo sugerido por Aristoacuteteles
96 Met Γ 4 1006a 1-30 97 PEREIRA Voltando Op cit p 143 98 Fiacutes I 2-3 e II 1 99 PEREIRA Voltando Op cit p 146 100 ROSS W D Aristotle Introduccedilatildeo de John L Ackrill Nova Iorque Routledge 1998 p 55 101 Vide o capiacutetulo 5 do livro II dos Toacutepicos no qual Aristoacuteteles parece atuar como um treinador de um
jogo entre alunos 102 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 34
27
nos Toacutepicos103 Competiccedilotildees desse tipo na Idade Meacutedia eram as nomeadas
Disputationes104
Esse caraacuteter praacutetico dos Toacutepicos natildeo nos faz ver a obra como um manual de
disputa simplesmente Como relembra Smith a filosofia surge da perplexidade que brota
da descoberta de que nossas visotildees satildeo inconsistentes E a discussatildeo dialeacutetica eacute a
ferramenta que nos revela esses problemas Assim a praacutetica aristoteacutelica de percorrer
aporias explorando as inconsistecircncias entre opiniotildees sobre um assunto seria um
descendente direto da refutaccedilatildeo socraacutetica O debate dialeacutetico seria segundo o
comentador um primeiro motor da inquiriccedilatildeo filosoacutefica porque nos tira de nossa
complacecircncia intelectual e nos mostra os problemas a serem resolvidos105
O texto de Aristoacuteteles revela que sua proposta nessa obra eacute apresentar um
meacutetodo Uma das trecircs utilidades da obra e assim deduzimos que satildeo utilidades do meacutetodo
se daacute na filosofia Eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo entre os debates orais e a filosofia fosse clara
demais na eacutepoca para o Filoacutesofo ter explicado isso nos Toacutepicos Concordamos que os
Toacutepicos em sua maior parte compreendem um manual para debates Mas natildeo podemos
considerar que os debates se esgotem em si mesmos e sim satildeo um instrumento
principalmente quando se tem em vista que o meacutetodo faz parte do Oacuterganon Haacute uma
outra razatildeo tambeacutem para considerar que o Filoacutesofo reconhece utilidades para as
ferramentas expostas nesse tratado aleacutem das mencionadas no livro I dos Toacutepicos Nos
Argumentos Sofiacutesticos ele expressa duas utilidades dos conhecimentos sobre os sofismas
e as refutaccedilotildees para a filosofia (ϕιλοσοϕία) A primeira eacute compreender em quantos
sentidos se usa um termo e quais semelhanccedilas e diferenccedilas se referem agraves coisas e aos seus
nomes A segunda eacute evitar o cometimento de erros de raciociacutenio nas investigaccedilotildees
individuais106 A primeira dessas utilidades estaacute compreendida no assunto que
abordaremos agora
103 Ibid p 15 34 35 Da Repuacuteblica de Platatildeo citamos ldquoOra natildeo seraacute uma precauccedilatildeo segura natildeo os deixar
tomar o gosto agrave dialeacutetica enquanto satildeo novos Calculo que natildeo passa despercebido que os rapazes novos
quando pela primeira vez provam a dialeacutetica se servem dela como de um brinquedo usando-a
constantemente para contradizer e imitando os que os refutam vatildeo eles mesmos refuter outros e sentem-
se felizes como cachorrinhos em derriccedilar e dilacerar a toda a hora com argumentos quem estiver perto
deles Rep 539a-e PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Pietro Nassetti Satildeo Paulo Martin Claret 2007
p 236 104 ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de filosofia Traduccedilatildeo de Alfredo Bosi 6 ed Satildeo Paulo Martins
Fontes 2012 p 341 105 SMITH Aristotle tophellip Op cit p xviii 106 Arg Sof 16 175a 1-15
28
3 Os instrumentos da dialeacutetica
Apoacutes ter apresentado os tipos de raciociacutenio ndash o demonstrativo o dialeacutetico o
eriacutestico e o paralogismo minus o objetivo e a utilidade dos Toacutepicos Aristoacuteteles passa a tratar
dos meios disponiacuteveis para a argumentaccedilatildeo Ele trata disso como a capacidade de fazer o
que se propotildee com o uso dos materiais disponiacuteveis107 Para isso apresenta as noccedilotildees
necessaacuterias ao exerciacutecio da dialeacutetica Esses assuntos satildeo em siacutentese proposiccedilotildees e
problemas dialeacuteticos predicaacuteveis categorias noccedilotildees de identidade espeacutecies de
argumentos e significados dos termos Abordaremos esses assuntos a partir de agora
Problemas e proposiccedilotildees dialeacuteticos
Em primeiro lugar Aristoacuteteles recomenda compreender o nuacutemero e o tipo de
coisas a respeito das quais se argumenta e de que materiais partem os argumentos a fim
de se obter um bom suprimento dos mesmos As proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις) e
os problemas (πρόβλημα) ou temas satildeo esses materiais108 Uma proposiccedilatildeo simples eacute
composta de um sujeito e um predicado O predicado eacute aquilo que eacute afirmado ou negado
do sujeito O sujeito eacute aquilo do qual se afirma ou nega algo Essa noccedilatildeo vale tanto para
a proposiccedilatildeo como para o problema dialeacutetico pois a diferenccedila entre ambos estaacute na
construccedilatildeo da frase109 A construccedilatildeo da frase eacute a distinccedilatildeo que eacute feita pelo Filoacutesofo e eacute
ilustrada com os seguintes exemplos Uma proposiccedilatildeo eacute ldquoAnimal eacute gecircnero do homem
natildeo eacuterdquo e um problema eacute ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo 110 Ambas satildeo
apresentadas nos Toacutepicos sob forma de pergunta Observa-se que no exemplo de
proposiccedilatildeo dialeacutetica haacute uma proposiccedilatildeo simples acompanhada de uma pergunta ao final
se o interlocutor concorda ou natildeo No exemplo de problema a redaccedilatildeo eacute mais apropriada
a uma questatildeo As definiccedilotildees de cada caso no entanto satildeo dadas separadamente Segundo
Aristoacuteteles uma proposiccedilatildeo v dialeacutetica eacute ldquo() perguntar alguma coisa que eacute admitida por
todos os homens pela maioria deles ou pelos filoacutesofosrdquo111 Quanto a um problema
(πρόβλημα) de dialeacutetica trata-se de ldquo() um tema de investigaccedilatildeo que contribui para a
escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou ainda para a verdade e o conhecimentordquo112 Pela
107 Toacutep I 3 e 4 108 Toacutep I 4 101b 10-15 Destacamos que usamos seguindo o exemplo das traduccedilotildees os termos ldquopremissardquo
e ldquoproposiccedilatildeordquo indistintamente como traduccedilatildeo de πρότασις 109 Toacutep I 4 101b 25-30 ldquoA diferenccedila entre um problema e uma proposiccedilatildeo eacute uma diferenccedila na
construccedilatildeo da fraserdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 7 110 Toacutep I 4 101b 30-102a 1 Ibid p 7 111 Toacutep I 10 104a 5-10 Ibid p 12 112 Toacutep I 11 104b 1-5 Ibid p 13
29
anaacutelise dos capiacutetulos que abordam proposiccedilatildeo e problema separadamente observamos
que o conteuacutedo do problema tem um caraacuteter mais polecircmico que o da proposiccedilatildeo O
problema eacute o objeto da divergecircncia no debate113
Tanto as proposiccedilotildees (πρότασις) quanto os problemas (πρόβλημα) considerados
como dialeacuteticos devem tratar daquilo que eacute passiacutevel de discussatildeo Lembre-se que o termo
ldquodialeacuteticardquo vem de διαλέγεσθαι ou seja discutir A razatildeo disso eacute que natildeo haacute sentido em
se elaborar proposiccedilotildees sobre algo que ningueacutem admite nem problemas sobre o que eacute
evidente para todo mundo pois o que eacute evidente para todos natildeo admite duacutevida e sobre o
que ningueacutem admite natildeo haveria assentimento por parte de ningueacutem114 Tampouco devem
se aproximar ou se afastar demais da esfera da demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) pois se
estiverem muito proacuteximos tambeacutem natildeo admitem duacutevida e se estiverem muito afastados
satildeo muito difiacuteceis para o exerciacutecio dialeacutetico115
Aristoacuteteles daacute a definiccedilatildeo de proposiccedilatildeo e problema dialeacuteticos Uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica em siacutentese consiste em perguntar alguma coisa que eacute admitida (ἐρώτησις
ἔνδοξος) por todos os homens pela maioria deles ou que eacute admitida pelos filoacutesofos
quando natildeo contraria a opiniatildeo da maioria dos homens Abrange as opiniotildees (δόξα) que
satildeo semelhantes agraves geralmente aceitas Por exemplo se for da opiniatildeo geral que haacute mais
de uma ciecircncia da gramaacutetica poderia passar por opiniatildeo geral a de que haacute mais de uma
ciecircncia de tocar flauta Tambeacutem abrange as opiniotildees que contradizem o contraacuterio das
opiniotildees geralmente aceitas Por exemplo se se deve fazer bem aos amigos natildeo se deve
fazer nada que os prejudique Tambeacutem inclui as opiniotildees conforme as artes (τέχνη)
acreditadas Por exemplo em questotildees de medicina satildeo as opiniotildees dos meacutedicos em
questotildees de geometria as dos geocircmetras pois as pessoas tendem a concordar com os
pontos de vista dos especialistas 116 As proposiccedilotildees de que partem os raciociacutenios devem
ser mais conhecidas e aceitas que a conclusatildeo a que se pretende chegar117 Outra
observaccedilatildeo importante eacute que nem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo
dialeacutetica a qual deve ser elaborada sob forma a admitir resposta ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo como
113 ldquoAt bottom then premisses and problems are both propositions though they are propositions put to
different uses a premiss is a proposition offered to a respondent in the form of a question while a problem
is a proposition that is the subject of disagreement between questioner and answererrdquo SMITH Aristotle
tophellip Op cit p 57 114 Toacutep I 10 104a 5-10 115 Toacutep I 11 105a 5-10 116 Toacutep I 10 104a 5-35 117 Toacutep VIII 1 156a 1-6 Toacutep VIII 3 159a 10-15 Toacutep VIII 6 160a 15-20
30
no exemplo citado abaixo E o respondedor deveraacute escolher entre alternativas
contraditoacuterias entre si como estaacute recomendado em Toacutepicos VIII nas regras que orientam
os debates
ldquoNem toda questatildeo universal pode formar uma proposiccedilatildeo dialeacutetica tal
como esta se entende comumente Por exemplo ldquoque eacute o homemrdquo ou
ldquoquantos significados tem o bemrdquo Com efeito uma premissa dialeacutetica
deve ter uma forma agrave qual se possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e no caso
das duas perguntas acima isso natildeo eacute possiacutevel Assim as questotildees desta
espeacutecie natildeo satildeo dialeacuteticas a natildeo ser que o proacuteprio inquiridor faccedila
distinccedilotildees ou divisotildees antes de as formular por exemplo ldquoo bem
significa isto ou aquilo natildeo eacute verdade Porque a pergunta desta espeacutecie
eacute faacutecil de responder com um sim ou um natildeo Devemos pois esforccedilar-
nos por formular tais proposiccedilotildees desta formardquo118
Um problema de dialeacutetica eacute definido como um tema de investigaccedilatildeo (θεώρημα)
que contribui para a escolha ou rejeiccedilatildeo de alguma coisa ou para a verdade e o
conhecimento por si mesmo ou como ajuda para soluccedilatildeo de algum problema do mesmo
tipo Seu assunto eacute algo a respeito do que a maioria das pessoas natildeo tenha opiniatildeo formada
em um sentido ou em outro Abrange tambeacutem os assuntos sobre os quais a maioria dos
homens tenha uma opiniatildeo contraacuteria agrave dos saacutebios ou a opiniatildeo dos saacutebios eacute contraacuteria agrave
opiniatildeo da maioria dos homens Tambeacutem envolve assuntos a respeito dos quais os saacutebios
divergem entre si e a maioria dos homens diverge entre si O problema inclui questotildees
em que os raciociacutenios se chocam por envolver argumentos convincentes a favor e contra
e questotildees sobre as quais natildeo se tem argumento por serem muito vastas como por
exemplo saber se o universo eacute eterno ou natildeo119Apesar de Aristoacuteteles ter dito que a
diferenccedila entre a proposiccedilatildeo e o problema dialeacuteticos estaacute na estrutura da frase podemos
fazer um esforccedilo e vislumbrar mais uma distinccedilatildeo Comparando essa descriccedilatildeo que
resumimos acima dos assuntos dos problemas dialeacuteticos com a descriccedilatildeo dos assuntos
das proposiccedilotildees dialeacuteticas observamos que nos problemas haacute mais divergecircncia e
dificuldades Essa eacute visatildeo do comentador Robin Smith para quem a caracteriacutestica
essencial do problema dialeacutetico eacute que ele pode ser debatido significativamente eacute algo
sobre o qual se tem opiniotildees conflitantes ou opiniatildeo nenhuma θεώρημα vem do verbo
θεωρεῖν e eacute a designaccedilatildeo usual de Aristoacuteteles para a atividade de pura inquiriccedilatildeo
intelectual120
118 Toacutep VIII 2 158a 10-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 119 Toacutep I 11 104b 1-20 120 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 80-81
31
Um tipo especiacutefico de problema dialeacutetico eacute denominado ldquoteserdquo (θέσις) que
Aristoacuteteles define como uma suposiccedilatildeo de um filoacutesofo eminente que esteja em conflito
com a opiniatildeo geral Na praacutetica ele ressalta todos os problemas dialeacuteticos satildeo
denominados ldquoteserdquo Apesar disso apresentou a distinccedilatildeo para mostrar que haacute diferenccedilas
entre essas duas formas Satildeo exemplos de tese a ideia de Antiacutestenes de que a contradiccedilatildeo
eacute impossiacutevel o ponto de vista de Heraacuteclito segundo o qual todas as coisas estatildeo em
movimento e a afirmaccedilatildeo de Melisso de que o ser eacute um121
Na continuaccedilatildeo dos Toacutepicos haacute sugestotildees sobre como selecionar e organizar
proposiccedilotildees em inventaacuterios por assunto a fim de serem usadas posteriormente As
proposiccedilotildees devem ser selecionadas em funccedilatildeo das distinccedilotildees jaacute feitas sobre elas isto eacute
deve-se tomar primeiro as opiniotildees sustentadas por todos os homens pela maioria deles
pelos filoacutesofos as opiniotildees contraacuterias agraves da maioria o contraacuterio das opiniotildees contraacuterias
agraves da maioria as opiniotildees semelhantes agraves geralmente aceitas e por fim as opiniotildees que
estatildeo em harmonia com as artes Tambeacutem podem ser acrescentadas as opiniotildees que
parecem ser verdadeiras em todos ou na maioria dos casos e essas devem ser tomadas
como posiccedilotildees aceitas por serem emitidas por aqueles que natildeo veem nenhuma exceccedilatildeo
Outra fonte de opiniotildees sugerida satildeo os tratados escritos dos quais elas podem ser
extraiacutedas e classificadas em lista por assuntos como por exemplo ldquoDo bemrdquo ldquoDa
vidardquo122 Aristoacuteteles tambeacutem sugere acrescentar nas listas as opiniotildees das autoridades
reconhecidas Ainda organiza as proposiccedilotildees e os problemas em trecircs grupos sobre eacutetica
sobre filosofia natural e sobre loacutegica123 Por fim aconselha que as proposiccedilotildees devem ser
tomadas em sua forma mais universal para depois desdobraacute-las em outras proposiccedilotildees
Como por exemplo desdobrar ldquoo conhecimento dos opostos eacute o mesmordquo em ldquoo
conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmordquo e tambeacutem em ldquoo conhecimento dos termos
relativos eacute o mesmordquo124
121 Toacutep I 11 104b 20-35 122 Toacutep I 14 105a 30-105b 20Na Retoacuterica ao tratar de meacutetodo para oradores Aristoacuteteles tambeacutem destaca
a necessidade de seleccedilatildeo preacutevia de ideias a serem apresentadas no discurso ldquo() tal como nos Toacutepicos eacute
indispensaacutevel antes de tudo ter selecionado sobre cada assunto um conjunto de propostas acerca do que eacute
possiacutevel e mais oportunordquo Ret II 22 1396b 3-8 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 215 123 ldquoProposiccedilotildees como a seguinte satildeo eacuteticas ldquodeve um homem obedecer antes aos seus genitores ou agraves leis
quando estatildeo em desacordordquo um exemplo de proposiccedilatildeo loacutegica eacute ldquoo conhecimento dos opostos eacute ou natildeo
eacute o mesmordquo enquanto as proposiccedilotildees como esta dizem respeito agrave filosofia natural ldquoeacute ou natildeo eacute eterno o
universordquo Toacutep I 14 105b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 15 124 Toacutep I 14 105a 30-105b 35
32
Apresentadas as definiccedilotildees e exemplos de proposiccedilotildees ou premissas (πρότασις)
e os problemas (πρόβλημα) que satildeo os materiais dos quais os argumentos dialeacuteticos
partem passamos a tratar de outras noccedilotildees instrumentais agrave dialeacutetica os predicaacuteveis e as
categorias
Predicaacuteveis
Toda proposiccedilatildeo e problema designam uma definiccedilatildeo um proacuteprio um gecircnero ou
um acidente Esses satildeo predicaacuteveis que indicam a relaccedilatildeo que o predicado pode ter com
o sujeito nas proposiccedilotildees Kneale e Kneale entendem que Aristoacuteteles introduz os
predicaacuteveis como sendo familiares e que eacute possiacutevel que os Toacutepicos sejam o produto da
reflexatildeo a partir de exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo executados jaacute na Academia125
Existem outras listas de predicaacuteveis nas obras de Aristoacuteteles mas os quatro com os quais
Aristoacuteteles trabalha nos Toacutepicos satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente como
explicados a seguir
Definiccedilatildeo (ὅρος ou ὁρισμός) eacute uma frase que significa o que uma coisa eacute (τὸ τί ἤν
εἶναι) Em uma traduccedilatildeo mais comum eacute uma frase que significa a essecircncia de uma coisa
Formular uma definiccedilatildeo consiste em colocar o objeto no seu gecircnero e acrescentar sua
diferenccedila especiacutefica126 Um exemplo disso seria a definiccedilatildeo platocircnica de homem ldquoeacute um
animal que caminha com dois peacutes e natildeo tem plumasrdquo127 Os debates que envolvem
definiccedilotildees na maioria das vezes tratam de questotildees de identidade e diferenccedila explica
Aristoacuteteles pois eacute possiacutevel destruir uma definiccedilatildeo se pudermos mostrar que duas coisas
natildeo satildeo idecircnticas como no caso de uma definiccedilatildeo que surge da pergunta ldquoo
conhecimento e a sensaccedilatildeo satildeo a mesma coisa ou satildeo coisas distintasrdquo 128
O proacuteprio (ἴδιον) eacute algo que natildeo designa a essecircncia de uma coisa mas somente
uma disposiccedilatildeo (διάθεσις) de algo Ele predica-se exclusivamente de algo de maneira
conversiacutevel Por exemplo eacute proacuteprio do homem aprender gramaacutetica isto eacute se um ser eacute
homem eacute capaz de aprender gramaacutetica e se eacute capaz de aprender gramaacutetica eacute homem
Natildeo se pode chamar de ldquoproacutepriordquo uma coisa que pode pertencer a algo diferente Aprender
125 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 35 126 Toacutep VI 1 139a 25-35 127 SMITH Robin ldquoLogicrdquo In BARNES Jonathan (Ed) The Cambridge companion to Aristotle New
York Cambridge University Press 1999 p 52 128 Toacutep I 5 101b 35-102a 20
33
gramaacutetica eacute exclusivo de homem Jaacute natildeo se pode dizer que dormir eacute proacuteprio do homem
pois natildeo se conclui necessariamente que se algo estaacute dormindo esse algo eacute homem129
O gecircnero (γένος) eacute o que se predica na categoria de essecircncia (τὸ τί ἐστι) de vaacuterias
coisas que diferem em espeacutecies como por exemplo animal que se predica de homem
boi paacutessaro e peixe130 O gecircnero eacute considerado como a marca principal da essecircncia do
objeto em uma definiccedilatildeo131 Soacute os gecircneros e as diferenccedilas se predicam da categoria de
essecircncia (τὸ τί ἐστι)132
Acidente (συμβεβηκός) eacute algo que pode pertencer ou natildeo pertencer a alguma coisa
sem que por isso essa coisa deixe de ser essencialmente ela mesma Natildeo eacute definiccedilatildeo nem
proacuteprio nem gecircnero Por exemplo um objeto pode ser branco e depois ter sua cor
modificada sem por isso deixar de ser ele mesmo133
Aristoacuteteles ressalta que todas as observaccedilotildees criacuteticas aplicaacuteveis ao proacuteprio ao
gecircnero e ao acidente tambeacutem se aplicam agrave definiccedilatildeo pois questotildees a respeito deles
poderiam ser chamadas de ldquodefinitoacuteriasrdquo em certo sentido Uma definiccedilatildeo pode ser
destruiacuteda ou negada ao se mostrar a ocorrecircncia de algum dos seguintes casos quando o
atributo em apreccedilo natildeo pertence unicamente ao termo definido como no caso de um
proacuteprio ou quando o gecircnero indicado na definiccedilatildeo natildeo eacute o verdadeiro gecircnero ou por fim
quando alguma coisa mencionada na frase natildeo eacute pertinente como no caso de um acidente
Apesar de chamar todos esses casos mencionados de ldquodefinitoacuteriosrdquo em certo sentido
Aristoacuteteles descarta a possibilidade de um meacutetodo uacutenico de investigaccedilatildeo para todos eles
Portanto sugere traccedilar um plano especial de investigaccedilatildeo para cada uma dessas classes
firmado em regras apropriadas a cada caso134 Eacute provaacutevel que esse plano de investigaccedilatildeo
para cada classe baseado em regras apropriadas compreenda os toacutepicos distribuiacutedos e
organizados nos livros II a VII dos Toacutepicos tendo em vista que cada um desses livros tem
foco em um dos predicaacuteveis
O exame da definiccedilatildeo parece ter um papel de destaque nas discussotildees dialeacuteticas
e eacute tratado especialmente nos livros VI e VII dos Toacutepicos Como jaacute foi mencionado eacute
129 Toacutep I 5 102a 15-30 130 Toacutep I 5 102a 30-102b 5 131 Toacutep VI 1 139a 25-35 132 Toacutep VII 5 154a 25-30 133 Toacutep I 5 102b 1-25 134 Toacutep I 6 102b 25-39
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possiacutevel que os Toacutepicos descrevam exerciacutecios de classificaccedilatildeo e definiccedilatildeo que ocorriam
na Academia platocircnica Outra razatildeo possiacutevel para a importacircncia da definiccedilatildeo eacute o fato de
ser considerada por Aristoacuteteles como mais faacutecil de se refutar do que de se refutar uma
proposiccedilatildeo universal a respeito do gecircnero da propriedade e do acidente Pois a definiccedilatildeo
pode ser rebatida mostrando-se que uma das coisas incluiacutedas no mesmo termo natildeo se
predica do sujeito como tambeacutem ocorre no caso dos demais predicaacuteveis mas a definiccedilatildeo
abrange um nuacutemero maior de informaccedilotildees que os demais135 Haacute que se considerar tambeacutem
que a definiccedilatildeo estaacute relacionada ao gecircnero pois eacute determinada pela identificaccedilatildeo do
gecircnero de um objeto e sua diferenccedila especiacutefica como jaacute foi dito
Categorias
Todas as proposiccedilotildees formadas por meio de um dos predicaacuteveis ou ordens de
predicaccedilatildeo que satildeo a definiccedilatildeo o proacuteprio o gecircnero e o acidente significam algo de uma
das dez categorias tambeacutem chamadas de predicamentos ou classes de predicados Haacute
divergecircncia na literatura sobre se essas categorias representam classes linguiacutesticas ou de
coisas136 Somos inclinados a entender que significam coisas mas a argumentaccedilatildeo sobre
esse tema foge ao escopo deste trabalho137 Nos Toacutepicos Aristoacuteteles apresenta as
seguintes categorias essecircncia (τὸ τί ἐστι) quantidade qualidade relaccedilatildeo lugar tempo
posiccedilatildeo estado accedilatildeo e paixatildeo138
135 Toacutep VII 5 154b 5-155a 5 ldquoEacute evidente tambeacutem que o mais faacutecil de tudo eacute demolir uma definiccedilatildeo
Porque devido ao nuacutemero de afirmaccedilotildees nela implicadas a definiccedilatildeo nos oferece o maior nuacutemero de pontos
de ataque e quanto mais abundante for o material mais depressa surgiraacute um argumento pois haacute mais
probabilidade de se insinuar um erro num nuacutemero grande do que num nuacutemero pequeno de coisas Aleacutem
disso os outros toacutepicos tambeacutem podem ser usados como meios de se atacar uma definiccedilatildeo pois quer a
foacutermula empregada natildeo seja peculiar agrave coisa quer o gecircnero enunciado natildeo seja o verdadeiro quer alguma
coisa incluiacuteda na foacutermula natildeo pertenccedila ao sujeito a definiccedilatildeo fica por igual demolidardquo Toacutep VII 5 155a 1-
10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 129 136 ROSS W D Aristotle Op cit p 23 137 Concordamos com a visatildeo de Ricardo Santos em seus comentaacuterios ao seguinte trecho das Categorias
ldquoDas expressotildees que satildeo ditas sem qualquer combinaccedilatildeo cada uma significa ou uma substacircncia (οὐσία)
ou uma quantidade ou uma qualificaccedilatildeo ou um relativo ou onde ou quando ou estar numa posiccedilatildeo ou
ter ou fazer ou ser afetadordquo Cat 4 1b 25-2a 5 No comentaacuterio de Ricardo Santos encontramos ldquoAs
categorias satildeo entatildeo apresentadas nesta passagem como os gecircneros a que pertencem as coisas significadas
pelas expressotildees linguiacutesticas simples Desta classificaccedilatildeo dos gecircneros pode evidentemente derivar-se uma
classificaccedilatildeo correspondente das proacuteprias expressotildees expressotildees que significam uma substacircncia
expressotildees que significam uma quantidade etc Mas natildeo eacute este o objetivo principal de Aristoacuteteles O que
ele pretende classificar satildeo as coisas significadas e natildeo as expressotildees que as significam O que equivale a
tomando a linguagem como guia efetuar uma classificaccedilatildeo dos gecircneros mais elevados de toda a realidaderdquo
ARISTOacuteTELES Categorias Traduccedilatildeo introduccedilatildeo e comentaacuterios de Ricardo Santos Porto Codex Porto
Editora 1995 p 39 85 138 ldquo() o acidente o gecircnero a propriedade e a definiccedilatildeo do que quer que seja sempre caberatildeo numa destas
categorias pois todas as proposiccedilotildees que por meio delas se efetuarem ou significaratildeo a essecircncia (τί ἐστι)
de alguma coisa ou sua qualidade ou quantidade ou algum dos outros tipos de predicado Parece pois
35
Essas dez categorias dos Toacutepicos correspondem agraves dez categorias do tratado das
Categorias de Aristoacuteteles com exceccedilatildeo do primeiro termo ldquoτὸ τί ἐστιrdquo ou seja ldquoo que
eacuterdquo que difere do primeiro termo da lista das Categorias ldquoοὐσίαrdquo ou seja substacircncia139
Haacute uma discussatildeo a respeito de se os dois termos significam a mesma coisa pois os dois
termos em grego natildeo satildeo os mesmos e tambeacutem por causa do exemplo apresentado nos
Toacutepicos que eacute dizer que um homem particular eacute ldquohomemrdquo ou ldquoanimalrdquo afirma sua
essecircncia (τὸ τί ἐστι) e significa uma substacircncia (οὐσία)140 A construccedilatildeo da frase sugere
tratar-se de duas coisas diferentes o que causa o problema de interpretaccedilatildeo Sobre isso
trazemos aqui soluccedilatildeo de Angioni que julga que nos Toacutepicos mais especificamente no
livro I capiacutetulo 9 ldquodizer o que eacuterdquo eacute uma operaccedilatildeo loacutegica relacional ou seja uma relaccedilatildeo
entre um sujeito e um predicado que diz ldquoo que eacuterdquo do sujeito E isso pode se estabelecer
em qualquer categoria desde que ambos os termos estejam na mesma categoria Por
exemplo na categoria de qualidade ldquobranco eacute uma corrdquo E na categoria de substacircncia
ldquohomem eacute animalrdquo Esses satildeo exemplos que Aristoacuteteles apresenta no capiacutetulo em questatildeo
e ldquobrancordquo pertence agrave categoria de qualidade e ldquohomemrdquo pertence agrave categoria de
substacircncia Com essa interpretaccedilatildeo natildeo haacute razatildeo para se considerar que as duas listas de
categorias sejam diferentes141 Mendonccedila afirma natildeo ser possiacutevel analisar em detalhes
em sua tese se a ontologia desenvolvida nas Categorias se imporia aos Toacutepicos mas natildeo
vecirc razatildeo para julgar que Aristoacuteteles se comprometa com teses ontoloacutegicas para a dialeacutetica
bastando a compreensatildeo das relaccedilotildees predicativas baseadas nos predicaacuteveis e de que o
que se predica deve estar na mesma categoria do sujeito da predicaccedilatildeo142
evidente que o homem que expressa a essecircncia (τὸ τί ἐστι) de alguma coisa expressa agraves vezes uma
substacircncia (οὐσία) outras vezes uma qualidade outras ainda algum dos outros tipos de predicadordquo Toacutep I
9 103b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 11-12 139 Cat 4 1b 25-2a 5 140 ldquoPois quando se coloca um homem agrave sua frente e ele diz que o que ali estaacute colocado eacute ldquoum homemrdquo ou
ldquoum animalrdquo afirma sua essecircncia (τί ἐστι) e significa sua substacircncia (οὐσία) mas quando uma cor
branca eacute posta diante dos seus olhos e ele diz que o que ali estaacute eacute ldquobrancordquo ou ldquouma corrdquo afirma sua essecircncia
(τί ἐστι) e significa uma qualidade (ποιὸν) E tambeacutem do mesmo modo se se coloca diante dele uma
grandeza de um cocircvado e ele diz que o que tem diante de si eacute ldquouma grandeza de um cocircvadordquo estaraacute
descrevendo a sua essecircncia (τί ἐστι) e significando uma quantidade (ποσὸν) E por igual em todos os outros
casos pois cada uma dessas espeacutecies de predicados tanto quando eacute afirmada de si mesma como quando o
seu gecircnero eacute afirmado dela significa uma essecircncia se por outro lado uma espeacutecie de predicado eacute afirmada
de outra espeacutecie natildeo significa uma essecircncia mas uma quantidade uma qualidade ou qualquer das outras
espeacutecies de predicadordquo Grifo nosso Toacutep I 9 103b 25-104a 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 11 12 141 ANGIONI L Introduccedilatildeo agrave Teoria da Predicaccedilatildeo em Aristoacuteteles Campinas Editora da Unicamp 2006
apud MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 203 142 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 202 et sqq
36
A compreensatildeo das classes de predicados ou categorias eacute essencial para as
definiccedilotildees e distinccedilotildees a serem feitas durante os debates aos quais os Toacutepicos se referem
como podemos ver em um toacutepico referente agrave definiccedilatildeo dos termos que ilustra como as
diferenccedilas se expressam em categorias
Veja-se tambeacutem em alguns casos se ele natildeo distinguiu a quantidade a
qualidade o lugar ou outras diferenccedilas de um objeto por exemplo a
qualidade e a quantidade da honra cuja busca torna um homem
ambicioso pois todos os homens buscam a honra de modo que natildeo
basta definir o homem ambicioso como aquele que se esforccedila por
alcanccedilar a honra mas eacute preciso acrescentar as diferenccedilas mencionadas
acima143
4 Espeacutecies de argumentos noccedilotildees de identidade e semelhanccedila e significados
dos termos
Espeacutecies de argumentos
Aristoacuteteles distingue duas espeacutecies de argumentos dialeacuteticos que satildeo o raciociacutenio
(συλλογισμός) e a induccedilatildeo (ἐπαγογή) O raciociacutenio eacute a deduccedilatildeo a partir de premissas
estabelecidas Quanto agrave induccedilatildeo trata-se da passagem dos particulares aos universais Eacute
considerada a mais convincente mais clara mais facilmente apreendida pelo uso dos
sentidos aleacutem de ser aplicaacutevel agrave massa dos homens em geral O raciociacutenio por sua vez
eacute mais potente e eficaz contra os adversaacuterios de argumentaccedilatildeo144
Conforme mencionamos anteriormente o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo
eacute definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas145 No entanto
ressaltamos que essa semelhanccedila de noccedilatildeo de silogismo natildeo permanece no decorrer das
duas obras Kneale e Kneale afirmam que apesar do sentido amplo dado ao silogismo no
iniacutecio dos Primeiros Analiacuteticos ao abordar o silogismo de modo mais especiacutefico nesse
mesmo tratado Aristoacuteteles considera quase exclusivamente argumentos compostos por
premissas simples e gerais e uma conclusatildeo que se segue de duas premissas que se
relacionam por um termo meacutedio146 O que estaacute mostrado nos Toacutepicos como raciociacutenio
143 Toacutep VI 8 146b 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 111 144 Toacutep I 12 105a 10-20 O exemplo de induccedilatildeo apresentado no capiacutetulo 12 eacute o seguinte ldquo() supondo-se
que o piloto adestrado seja o mais eficiente e da mesma forma o auriga (cocheiro) adestrado segue-se que
de um modo geral o homem adestrado eacute o melhor na sua profissatildeordquo Toacutep I 12 105a 15-20
ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 145 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 146 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 69
37
natildeo se restringe a esse modelo mas segue a definiccedilatildeo ampla que apresentamos
inicialmente Kneale e Kneale observam que o que se encontra nos Toacutepicos abrange muita
coisa aleacutem da loacutegica formal silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica pois ainda natildeo havia distinccedilatildeo
clara entre loacutegica formal e informal O que se vecirc muito satildeo exemplos de uma ldquoloacutegica da
linguagem vulgarrdquo147
Como dissemos Aristoacuteteles considera a induccedilatildeo aplicaacutevel agrave grande massa dos
homens e o silogismo como mais eficaz contra os debatedores No entanto isso natildeo nos
leva a ver uma diferenccedila de atribuiccedilatildeo de importacircncia entre as duas espeacutecies de raciociacutenio
A grande quantidade de menccedilotildees no decorrer dos Toacutepicos sobre o uso de estrateacutegias de
argumentaccedilatildeo baseadas na induccedilatildeo eacute notaacutevel148 Outros exemplos da aplicaccedilatildeo desse tipo
de raciociacutenio dialeacutetico satildeo mostrados por Ricardo Santos em sua introduccedilatildeo agraves
Categorias O professor afirma que essa obra confirma a ideia de ser a dialeacutetica o meacutetodo
caracteriacutestico das obras de Aristoacuteteles Ele identifica nas Categorias muitos exemplos
de aplicaccedilatildeo do meacutetodo diaporemaacutetico149 Mas entende que a induccedilatildeo eacute o meacutetodo mais
utilizado nesse texto pois a maioria dos argumentos ali contidos extrai princiacutepios
universais do exame de certo nuacutemero de casos particulares150 Mas natildeo extrai os
princiacutepios universais de observaccedilotildees empiacutericas ou dados da percepccedilatildeo e sim da praacutetica
linguiacutestica e sua estrutura de conceitos baseada nos particulares os quais nesse caso
segundo ele satildeo as crenccedilas comuns objetos da dialeacutetica151
Haacute quatro meios sugeridos nos Toacutepicos para se conseguir um bom suprimento
de argumentos prover-se de proposiccedilotildees ser capaz de distinguir em quantos sentidos se
emprega uma determinada expressatildeo descobrir as diferenccedilas das coisas investigar as
semelhanccedilas das coisas152 Esses uacuteltimos trecircs meios tambeacutem servem para formar
proposiccedilotildees que podem envolver questotildees sobre o significado dos termos as diferenccedilas
147 Ibid p 44-45 148 Vide exemplos em Toacutep VIII 1 155b 30-156a 10 Toacutep VIII 2 157a 20-36 Toacutep VIII 160b 1-10 149 Algumas partes das Categorias em que ele identificou o meacutetodo diaporemaacutetico estatildeo em Cat 4a 21-b
18 5b 11-6a 11 5b 11-6a 11 7b 15-8a 12 8b 21-24 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 28 150 O autor afirma que eacute facilmente perceptiacutevel que a maioria dos princiacutepios afirmados nas Categorias satildeo
fundados no exame de casos particulares apresentados como exemplos o que Aristoacuteteles agraves vezes
manifesta claramente como em Cat 2a 35-36 (ldquo[] isto eacute evidente pelos casos particulares que se nos
apresentamrdquo) e em Cat 13b 36-37 (ldquo[] isto eacute manifesto por induccedilatildeo a partir dos casos particularesrdquo)
Ibid p 30 151 Ibid p 28 30 175 152 Toacutep I 13 105a 20-30
38
e as semelhanccedilas entre as coisas153As proposiccedilotildees conforme jaacute apresentamos devem ser
inventariadas por assuntos e conforme as opiniotildees em que se embasam154
Noccedilotildees de identidade e semelhanccedila
Os outros trecircs meios de se estar bem suprido de raciociacutenios envolvem questotildees
sobre semelhanccedila e diferenccedila das coisas e uso dos termos A respeito disso em primeiro
lugar deve-se atentar para a definiccedilatildeo dos trecircs sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo descritos
em Toacutepicos O termo ldquoidentidaderdquo pode ser dito no sentido numeacuterico especiacutefico ou
geneacuterico A identidade numeacuterica155 aplica-se quando haacute mais de um nome mas uma coisa
soacute como por exemplo ldquomantordquo e ldquocapardquo No caso da identidade numeacuterica o termo ldquoo
mesmordquo pode ser usado em mais de um sentido O sentido mais literal e primeiro do termo
ldquoo mesmordquo diz respeito a um nome ou definiccedilatildeo duplos como nos exemplos ldquomantordquo eacute
o mesmo que ldquocapardquo e ldquoanimal que anda com dois peacutesrdquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O
segundo sentido de ldquomesmordquo se refere a um proacuteprio como por exemplo ldquoaquilo que eacute
capaz de adquirir conhecimentordquo eacute o mesmo que ldquohomemrdquo O terceiro sentido eacute o do
acidente por exemplo ldquoaquele que estaacute sentado alirdquo eacute o mesmo que ldquoSoacutecratesrdquo A
identidade especiacutefica ocorre quando as coisas satildeo idecircnticas por pertencerem agrave mesma
espeacutecie como um homem e outro homem um cavalo e outro cavalo Por sua vez a
identidade geneacuterica refere-se a coisas que pertencem ao mesmo gecircnero como um homem
e um cavalo156 Essa diferenciaccedilatildeo eacute uacutetil para a distinccedilatildeo de coisas e palavras e para o
estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas entre as coisas o que se reflete na identificaccedilatildeo dos
predicaacuteveis
Em relaccedilatildeo ao estudo das diferenccedilas e semelhanccedilas as diferenccedilas devem ser
estudadas nas coisas que pertencem ao mesmo gecircnero (por exemplo em que a justiccedila
difere da coragem) ou em gecircneros proacuteximos (por exemplo em que a sensaccedilatildeo difere do
conhecimento) jaacute que as diferenccedilas das coisas de gecircneros afastados satildeo oacutebvias Da
153ldquoOs uacuteltimos trecircs (meios) satildeo tambeacutem em certo sentido proposiccedilotildees pois eacute possiacutevel formar uma
proposiccedilatildeo correspondente a cada um deles por exemplo (1) o desejaacutevel pode significar tanto o honroso
como o agradaacutevel ou o vantajosordquo (2) a sensaccedilatildeo difere do conhecimento em que o segundo pode ser
recuperado depois que o perdemos enquanto a primeira natildeo o pode e (3) a relaccedilatildeo entre o saudaacutevel e a
sauacutede eacute semelhante agrave que existe entre o vigoroso e o vigor A primeira proposiccedilatildeo depende do uso do termo
em diferentes sentidos a segunda das diferenccedilas entre as coisas e a terceira da sua semelhanccedilardquo Toacutep I 13
105a 25-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 14 15 154 Toacutep I 14 105a 30-105b 35 155 Corresponde agrave sinoniacutemia das Categorias 156 Toacutep I 7 103a 5-35
39
mesma forma as semelhanccedilas devem ser estudadas primeiramente nas coisas que
pertencem a gecircneros diferentes e depois dentro de um mesmo gecircnero157
O estudo das diferenccedilas eacute uacutetil para o reconhecimento do que eacute uma coisa
particular pois o reconhecimento da essecircncia de cada coisa particular se daacute pela
observaccedilatildeo das diferenccedilas que lhe satildeo proacuteprias Quanto ao estudo das semelhanccedilas eacute uacutetil
para os argumentos indutivos raciociacutenios hipoteacuteticos e formulaccedilatildeo de definiccedilotildees O
argumento indutivo que eacute a passagem dos individuais para os universais se utiliza do
estudo da semelhanccedila porque eacute por meio da observaccedilatildeo dos casos individuais
semelhantes que se chega ao universal Para os raciociacutenios hipoteacuteticos o estudo das
semelhanccedilas eacute uacutetil porque o que eacute verdadeiro para um caso eacute verdadeiro para casos
semelhantes de acordo com a opiniatildeo geral Enfim quanto agrave formulaccedilatildeo de definiccedilotildees
o exame da semelhanccedila eacute uacutetil porque a partir da identificaccedilatildeo do que eacute idecircntico em cada
caso particular podemos facilmente determinar o seu gecircnero e entatildeo identificar a
essecircncia do objeto a ser definido jaacute que o gecircnero eacute a marca principal da essecircncia do objeto
em uma definiccedilatildeo158
Significado dos termos
Aristoacuteteles tem uma preocupaccedilatildeo a respeito do uso das palavras que aparece
reiteradamente no decorrer dos Toacutepicos e nos Argumentos Sofiacutesticos Nos Toacutepicos ele
apresenta uma lista ampla de orientaccedilotildees para se verificar os diversos sentidos que um
termo comporta159 Para ver se um termo possui mais de um significado mencionamos
algumas das suas sugestotildees A primeira eacute conferir se o contraacuterio do termo tem vaacuterios
significados e se a diferenccedila entre eles eacute de espeacutecie ou simplesmente de nomes Como
exemplo de diferenccedilas que se manifestam nos proacuteprios nomes temos o contraacuterio de
ldquoagudordquo que em relaccedilatildeo ao som eacute ldquograverdquo e em relaccedilatildeo a um acircngulo eacute ldquoobtusordquo
Portanto como os dois contraacuterios diferem haacute dois sentidos diferentes para a palavra
ldquoagudordquo Mas haacute casos em que natildeo haacute diferenccedila nos nomes desse modo os contraacuterios
tambeacutem natildeo diferem A discrepacircncia nesse caso eacute de espeacutecie entre as acepccedilotildees como o
que acontece com os termos ldquoclarordquo e ldquoescurordquo no que se refere a um som ou a uma cor
A diferenccedila de significados nesse exemplo eacute oacutebvia e se manifesta tambeacutem por meio da
157 Toacutep I 16 e 17 107b 35-108a 15 158 Toacutep I 18 108a 35-108b 30 159 Toacutep I 15 106a 1-107b-37
40
sensaccedilatildeo pois as sensaccedilotildees da visatildeo e da audiccedilatildeo satildeo de espeacutecies diferentes Eacute preciso
ver tambeacutem se um sentido de um termo tem um contraacuterio enquanto outro natildeo tem como
por exemplo ldquoamarrdquo eacute contraacuterio de ldquoodiarrdquo quando se refere agrave disposiccedilatildeo mental mas
natildeo tem contraacuterio quando se refere ao ato fiacutesico Portanto ldquoamarrdquo eacute um homocircnimo160
Os termos que denotam a privaccedilatildeo ou a presenccedila de um certo estado como ldquoter
sensibilidaderdquo e ldquoestar privado de sensibilidaderdquo tambeacutem podem ter mais de um sentido
conforme se refiram nesse exemplo agrave alma ou ao corpo As formas derivadas das
palavras tambeacutem merecem exame pois se o termo original tiver mais de um significado
o termo derivado tambeacutem o teraacute Por exemplo se ldquojustordquo tiver mais de um significado
ldquojustamenterdquo tambeacutem deveraacute ter Um termo tambeacutem pode significar mais de uma classe
de predicados Nesse caso seraacute ambiacuteguo Por exemplo o termo ldquobomrdquo pode se aplicar a
uma qualidade como a de ser corajoso ou justo ou uma quantidade pois a quantidade
apropriada tambeacutem eacute chamada boa A ambiguidade pode estar tambeacutem nas proacuteprias
definiccedilotildees e natildeo apenas nos termos161
Aristoacuteteles encerra o livro I dos Toacutepicos justificando a utilidade do exame dos
significados dos termos no interesse da clareza na argumentaccedilatildeo e da garantia de que se
argumenta a respeito de coisas reais e natildeo de palavras A falta de clareza no significado
dos termos e um possiacutevel desvio do assunto durante a discussatildeo refletiria um amadorismo
perante uma espeacutecie de juacuteri ou audiecircncia do debate dialeacutetico162 ideia que fica impliacutecita
em vaacuterias passagens como esta que menciona a possibilidade de se ldquoparecer ridiacuteculordquo ao
se dirigir os argumentos ao ponto errado Apresentamos uma das passagens
Eacute uacutetil ter examinado a pluralidade de significados de um termo tanto
no interesse da clareza (pois um homem estaacute mais apto a saber o que
afirma quando tem uma noccedilatildeo niacutetida do nuacutemero de significados que a
coisa pode comportar) como para nos certificarmos de que o nosso
raciociacutenio estaraacute de acordo com os fatos reais e natildeo se referiraacute apenas
aos termos usados Pois enquanto natildeo ficar bem claro em quantos
sentidos se usa um termo pode acontecer que o que responde e o que
interroga natildeo tenham suas mentes dirigidas para a mesma coisa ao
160 ldquoChamam-se homocircnimas as coisas que soacute tecircm o nome em comum enquanto a definiccedilatildeo do ser que
corresponde ao nome eacute diferenterdquo Cat 1 1a 5 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 37 Podemos
exemplificar o que eacute homocircnimo com o termo ldquomangardquo que corresponde agrave definiccedilatildeo de um certo tipo de
fruta e de uma parte de uma camisa 161 Toacutep I 15106b 20-107a 15 162 ldquoMuch of the Book VIII (of the Topics) takes for granted a number of rules of the game that permit one
or the other party to call foul in certain circumstances it is also clear that each round is scored and evaluated
by judges or some type of audience This is obviously a kind of sport a form of dialectic reduced to a
competitive gamerdquo 162 SMITH Aristotle tophellip op cit p xx
41
passo que depois de se haver esclarecido quantos satildeo os significados
e tambeacutem qual deles o primeiro tem em mente quando faz a sua
asserccedilatildeo o que pergunta pareceria ridiacuteculo se deixasse de dirigir seus
argumentos a esse ponto163
O Estagirita acrescenta a explicaccedilatildeo de que esse exame de significados das
palavras tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com
falsos raciociacutenios (παραλογισμός) pois conhecer o nuacutemero de significados dos termos
nos capacita a ver quando a discussatildeo estaacute sendo encaminhada para outro ponto Tambeacutem
possibilita induzir o adversaacuterio em erro quando ele natildeo conhece os diferentes significados
apesar desse comportamento natildeo ser apropriado ao dialeacutetico e sim proacuteprio dos
sofistas164 Ele retoma essa preocupaccedilatildeo no iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que eacute um
tratado como jaacute mencionamos que consideramos como a conclusatildeo dos Toacutepicos Eacute o que
se vecirc no seguinte trecho
Eacute inevitaacutevel portanto que a mesma foacutermula e um nome soacute tenham
diferentes significados E assim exatamente como ao contar aqueles
que natildeo tecircm suficiente habilidade em manusear as suas pedrinhas satildeo
logrados pelos espertos tambeacutem na argumentaccedilatildeo os que natildeo estatildeo
familiarizados com o poder significativo dos nomes satildeo viacutetimas de
falsos raciociacutenios tanto quanto discutem eles proacuteprios como quando
ouvem outros raciocinar165
Com essa questatildeo do exame da pluralidade de significado dos termos o Filoacutesofo
encerra o primeiro livro dos Toacutepicos Ele esclarece tambeacutem que esses conteuacutedos
apresentados nesse livro satildeo os instrumentos (ὄργανον) pelos quais se efetuam os
raciociacutenios e que esses instrumentos satildeo uacuteteis para aplicaccedilatildeo dos τόποι propriamente
ditos que comeccedilam a ser apresentados no livro seguinte ou seja no segundo livro dos
Toacutepicos Sobre o que satildeo os τόποι iniciamos nossa apresentaccedilatildeo no capiacutetulo que se
segue166
163 Toacutep I 18 108a 15-25 164 ldquoIsso tambeacutem nos ajuda a evitar que nos enganem e que enganemos os outros com falsos raciociacutenios
porque se conhecemos o nuacutemero de significados de um termo certamente nunca nos deixaremos enganar
por um falso raciociacutenio pois perceberemos facilmente quando o que interroga deixa de encaminhar seus
argumentos ao mesmo ponto e quando somos noacutes mesmos que interrogamos poderemos induzir nosso
adversaacuterio em erro se ele natildeo conhece o nuacutemero de significados do termo Isso todavia natildeo eacute sempre
possiacutevel mas somente quando dos muacuteltiplos sentidos alguns satildeo verdadeiros e outros satildeo falsos
Entretanto essa forma de argumentar natildeo pertence propriamente agrave dialeacutetica os dialeacuteticos devem abster-se
por todos os meios desse tipo de discussatildeo verbal a natildeo ser que algueacutem seja absolutamente incapaz de
discutir de qualquer outra maneira o tema que tem diante de sirdquo Toacutep I 18 108a 25-38 ARISTOacuteTELES
Toacutep Dos arg Op cit p 20 - 21 165 Arg Sof 1 165a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 155 166 Toacutep I 18 108b 30-35
42
II Os toacutepicos
1 Definiccedilatildeo de toacutepico (τόπος)
Aristoacuteteles natildeo define o que eacute um toacutepico (τόπος) termo frequentemente traduzido
por ldquolugarrdquo ou ldquolugar-comumrdquo Como mencionamos na introduccedilatildeo do presente trabalho
essa questatildeo jaacute foi alvo de muitos esforccedilos e controveacutersias entre os especialistas em
dialeacutetica aristoteacutelica167 Mostraremos neste capiacutetulo algo da dificuldade em se estabelecer
uma definiccedilatildeo precisa de toacutepico em razatildeo da diversidade de coisas que Aristoacuteteles
designa com esse termo Por causa dessa dificuldade consideramos mais seguro propor
uma definiccedilatildeo ampla do que satildeo os τόποι e concordamos com a visatildeo de Kneale e Kneale
que definem τόποι como procedimentos-padratildeo para serem usados nos debates Eles
sugerem que o que Aristoacuteteles quer dizer com a palavra ldquotoacutepicordquo compreende-se melhor
atraveacutes de exemplos Apoacutes citar dois exemplos eles dizem ldquoVer-se-aacute que os topoi satildeo
procedimentos-padratildeo que se podem usar a discutir qualquer assunto De fato o que
Aristoacuteteles faz nos Toacutepicos eacute dar sugestotildees taacuteticas de caraacuteter geral para serem usadas em
competiccedilotildees dialeacuteticasrdquo168 Concordamos com eles e mostraremos alguns exemplos Mas
consideramos mais adequado iniciar o entendimento do que satildeo os τόποι com a
etimologia do termo ldquolugarrdquo como veremos a seguir
O professor Christof Rapp entende que a palavra ldquolugarrdquo (τόπος) muito
provavelmente vem de um antigo meacutetodo de memorizaccedilatildeo no qual se associa uma lista
de itens a serem memorizados a uma imagem de lugares sucessivos como casas
localizadas ao longo de uma rua Assim cada ideia memorizada era facilmente
recuperada ao se lembrar do lugar ao qual estava associada Rapp encontrou descriccedilotildees
dessa teacutecnica em Ciacutecero e Quintiliano aleacutem de alusotildees pelo proacuteprio Aristoacuteteles em
Toacutepicos De anima Da memoacuteria e reminiscecircncia e Dos sonhos169
167 ldquoAt the heart of the Topics is a collection of what Aristotle calls topoi places or locations
Unfortunately though it is clear that he intends most of the Topics (Books II-VI) as a collection of these
he never explicitly defines this term Interpreters have consequently disagreed considerably about just what
a topos is Discussions may be found in Brunschwig 1967 Slomkowski 1996 Primavesi 1997 and Smith
1997rdquo SMITH Robin ldquoAristotlersquos Logicrdquo In ZALTA Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of
Philosophy Stanford CA Stanford University c2004 Disponiacutevel em
lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-logicgt Acesso em 07 maio 2017 168 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 169 ldquoThe word lsquotoposrsquo (place location) most probably is derived from an ancient method of memorizing a
great number of items on a list by associating them with successive places say the houses along a street
one is acquainted with By recalling the houses along the street we can also remember the associated items
Full descriptions of this technique can be found in Cicero De Oratore II 86-88 351-360 Auctor ad
43
Outro especialista Robin Smith chega agrave mesma conclusatildeo e daacute como quase certo
que Aristoacuteteles tinha em mente um tipo de sistema mnemocircnico amplamente usado no
mundo antigo em que se associava imagens a uma sequecircncia de lugares O praticante
entatildeo podia rapidamente lembraacute-las em ordem sequencial ou por seu nuacutemero de seacuterie
Smith tambeacutem acredita que haacute evidecircncias disso na ordem em que Aristoacuteteles apresenta
os τόποι nos livros II a VI dos Toacutepicos pois identifica que haacute uma frequente ordem de
apresentaccedilatildeo e muitos toacutepicos comeccedilam com indicadores de sequecircncia170 Assim o
dialeacutetico seria capaz de buscar de memoacuteria o τόπος adequado a fim de construir o
argumento para a conclusatildeo desejada171
Haacute algumas passagens nos Toacutepicos que reforccedilam essa ideia de que τόπος estaacute
associado agrave memorizaccedilatildeo Satildeo estrateacutegias para a praacutetica da discussatildeo que Aristoacuteteles
sugere como a de adquirir o haacutebito de se converter os argumentos para podermos saber
vaacuterios argumentos de cor172 Outras sugestotildees de mesmo teor satildeo ldquo() devemos tambeacutem
selecionar argumentos que se relacionem com a mesma tese e dispocirc-los lado a ladordquo173
ldquo() o melhor de tudo eacute saber de cor os argumentos em torno daquelas questotildees que se
apresentam com mais frequecircnciardquo174 ldquo() eacute preciso formar aleacutem disso um bom estoque
de definiccedilotildees e trazer nas pontas dos dedos as ideias familiares e primaacuterias pois eacute por
meio dessas que se efetuam os raciociacuteniosrdquo175 e ldquo() eacute melhor gravar na memoacuteria uma
premissa de aplicaccedilatildeo geral do que um argumentordquo176Aleacutem dessas a que mais chama a
atenccedilatildeo eacute a que foi aludida pelo professor Rapp a qual citamos
Pois assim como numa pessoa de memoacuteria adestrada a lembranccedila das
proacuteprias coisas eacute imediatamente despertada pela simples menccedilatildeo
dos seus lugares (τόποι) tambeacutem esses haacutebitos datildeo maior presteza
Herennium III 16-24 29-40 and in Quintilian Institutio XI 2 11-33) In Topics 163b 28-32 Aristotle seems
to allude to this technique ldquoFor just as in the art of remembering the mere mention of the places instantly
makes us recall the things so these will make us more apt at deductions through looking to these defined
premises in order of enumerationrdquo Aristotle also alludes to this technique in On the soul 427b 18-20 On
Memory 452a 12-16 and On Dreams 458b 20-22rdquo RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo In ZALTA
Edward N (Ed) Stanford Encyclopedia of Philosophy Stanford CA Stanford University c2002
Disponiacutevel em lthttpplatostanfordeduentriesaristotle-rhetoricgt Acesso em 15 ago 2006 170 ldquoI think there is evidence in the locations presented in Books II-VI that Aristotlersquos method employed a
variant of the place-memory system designed to achieve these goals He often follows a fixed order in
stating topoi beginning with those that concern opposites then those involving lsquocases and co-ordinatesrsquo
then lsquomore and less and likewisersquo Most topoi begin with lsquonextrsquo or some other indication of sequencerdquo
SMITH Aristotle tophellip Op cit p 160 171 Ibid p 160-161 172 Toacutep VIII 14 163a 30-35 173 Toacutep VIII 14 163b 1-10 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 150 174 Toacutep VIII 14 163b 15-20 Ibid p 151 175 Toacutep VIII 14 163b 20-25 Ibid p 151 176 Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151
44
para o raciociacutenio porque temos as premissas classificadas diante dos
olhos da mente cada uma debaixo do seu nuacutemero177
J A Segurado e Campos esclarece que o termo ldquolugar-comumrdquo eacute uma traduccedilatildeo
do latim locus communis que por sua vez vem do grego κοινὸς τόπος Acrescenta que o
termo ldquocomumrdquo denota apenas que o esquema argumentativo ali apresentado pode ser
usado em diferentes contextos O autor traz uma citaccedilatildeo interessante de Ciacutecero que usou
uma metaacutefora para explicar o que seria um locus (τόπος) reforccedilando a ideia de ldquolugarrdquo
como recurso mnemocircnico178 Eacute a seguinte
Assim como se torna faacutecil encontrar coisas escondidas quando se indica
e assinala o lugar delas assim tambeacutem quando queremos analisar um
argumento qualquer devemos conhecer os lsquolugaresrsquo deles pois eacute este o
nome que Aristoacuteteles daacute agravequela espeacutecie de lsquoesconderijosrsquo [lit ldquoassentos
poisos sedesrdquo] de onde satildeo extraiacutedos os argumentosrdquo Ciacutecero Toacutep 7179
Kneale e Kneale tambeacutem afirmam que ldquolugarrdquo eacute proveniente da palavra grega
τόπος que mais tarde adquiriu o significado de lugar-comum enquanto tema recorrente
ou esquema num discurso sentido que Aristoacuteteles explica na Retoacuterica180 Noacutes
entendemos que eacute melhor dizer que satildeo esquemas aplicaacuteveis a temas recorrentes que
podem ser gerais ou especiacuteficos
Sobre as tentativas de definir o que os toacutepicos satildeo citamos alguns autores Ricardo
Santos usa para designar os τόποι os termos ldquopadrotildees de argumentaccedilatildeordquo ou ldquoformas
argumentativasrdquo181 Por sua vez Fernando Mendonccedila usa a expressatildeo ldquopadrotildees
argumentativosrdquo182
Paul Slomkowski defende a tese de que os τόποι satildeo princiacutepios (ἀρχαὶ) ou
premissas (πρότασις)183 mesmo os que contecircm instruccedilotildees de investigaccedilatildeo como o
177 Grifo nosso Toacutep VIII 14 163b 30-35 Ibid p 151 178 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 109-111 179 Ibid p 111 180 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 36 ldquoDigo pois que os silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo
aqueles que temos em mente quando falamos de toacutepicos estes satildeo os lugares-comuns em questotildees de
direito de fiacutesica de poliacutetica e de muitas disciplinas que diferem em espeacutecie como por exemplo o toacutepico
do mais e do menos pois seraacute tatildeo possiacutevel com este formar silogismos ou dizer entimemas sobre questotildees
de direito como dizecirc-los sobre questotildees de fiacutesica ou de qualquer outra disciplina ainda que estas difiram
em espeacutecierdquo Ret I 2 1358a 10-15 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 102-103 181 ARISTOacuteTELES Categorias Op cit p 17 182 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 13 183 Slomkowski destaca uma passagem que lhe causa impressatildeo de que Aristoacuteteles considera
toacutepicos como premissas e princiacutepios Eacute o trecho de Toacutep VIII 14 163b 20-35 no qual o Filoacutesofo
diz que a memorizaccedilatildeo de lugares daacute presteza ao raciociacutenio pois facilita ter as premissas
(πρότασις) diante dos olhos da mente e embaixo de seu nuacutemero Entatildeo Slomkowski associa
45
seguinte exemplo ldquo() uma regra ou toacutepico eacute examinar se um homem atribuiu como
acidente o que pertence ao sujeito de alguma outra maneirardquo184 Ele argumenta que esse
tipo de toacutepico com instruccedilotildees natildeo colide com sua tese pois eles servem de meios pelos
quais princiacutepios e proposiccedilotildees se expressam185
Segundo outro estudioso do assunto Oswaldo Porchat Pereira o tratado Toacutepicos
natildeo diz o que se entende por τόποι mas pelo exame dos exemplos que ele conteacutem deduz
que toacutepicos satildeo o seguinte ldquo() regras para a pesquisa dos lsquopredicaacuteveisrsquo extraiacutedas da
aceitaccedilatildeo de certas lsquoleisrsquo ou foacutermulas de caraacuteter geral que a dialeacutetica usaraacute como
premissas maiores de seus silogismosrdquo Ele tambeacutem ressalta que os Toacutepicos contecircm τόποι
especializados como os do preferiacutevel em Toacutepicos III os quais ele considera como ldquo()
regras e foacutermulas probatoacuterias de caraacuteter mais especializado dotadas de conteuacutedo preciso
em oposiccedilatildeo ao caraacuteter lsquoontoformalrsquo dos toacutepicos lsquocomunsrsquordquo186
A foacutermula mais abrangente que encontramos para explicar os elementos e a
funccedilatildeo do τόπος eacute a de Christof Rapp Ele seleciona como exemplo tiacutepico do τόπος
aristoteacutelico o seguinte
Se o acidente de uma coisa tem um contraacuterio eacute preciso verificar se este
pertence ao sujeito a que foi atribuiacutedo o acidente em apreccedilo porque se
o segundo lhe pertence natildeo pode pertencer-lhe o primeiro visto ser
impossiacutevel que predicados contraacuterios pertenccedilam simultaneamente agrave
mesma coisa187
Rapp identifica como elementos que regularmente aparecem nos τόποι
aristoteacutelicos os seguintes 1) um tipo de instruccedilatildeo geral (verificar se) 2) um esquema
toacutepicos a premissas (πρότασις) e tambeacutem a princiacutepios (ἀρχάς) pois princiacutepios estatildeo mencionados
em outra parte do mesmo trecho Citamos aqui esse trecho dos Toacutepicos ldquoSeria igualmente
conveniente experimentar e apreender as classes nas quais os outros argumentos mais
frequentemente se enquadram pois tal como na geometria eacute uacutetil ter sido treinado nos elementos
e na aritmeacutetica dispor de um pronto conhecimento da tabela de multiplicaccedilatildeo ateacute dez vezes no
grande auxiacutelio ao reconhecimento de outros nuacutemeros que satildeo resultado da multiplicaccedilatildeo tambeacutem
nos argumentos eacute importante dispor de pronto conhecimento sobre os primeiros princiacutepios e
conhecer as premissas de cor Isto porque tal como para uma memoacuteria exercitada a mera
referecircncia aos lugares nos quais eles ocorrem faz com que as proacuteprias coisas sejam lembradas do
mesmo modo as regras indicadas acima tornaratildeo algueacutem um melhor raciocinador porque ele vecirc
as premissas definidas e numeradas Uma premissa de aplicaccedilatildeo geral deve ser mais memorizada
do que um argumento uma vez que eacute bastante difiacutecil dispor de um primeiro princiacutepio ou hipoacutetese
pronto para usordquo SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit 46-47 Grifo nosso Toacutep
163b 20-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 542 184 Toacutep II 2 109a 34-109b 1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p26 185 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 45 55 186 PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 366 nota 184 187 Toacutep II 7 113a20-24 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 33
46
argumentativo que no exemplo citado seria se o predicado acidental ldquoprdquo pertence ao
sujeito ldquosrdquo entatildeo o oposto ldquoprdquo tambeacutem natildeo pode pertencer a ldquosrdquo 3) um princiacutepio ou
regra geral que justifica o esquema dado (visto ser impossiacutevel que) Outros toacutepicos
muitas vezes incluem 4) discussatildeo de exemplos e 5) sugestotildees de como aplicar os
esquemas dados Ele ressalta que apesar desses elementos aparecerem normalmente nos
toacutepicos natildeo haacute uma forma padratildeo seguida por todos os toacutepicos188
Rapp explica a funccedilatildeo do τόπος resumidamente da seguinte forma Primeiro
deve-se selecionar um τόπος apropriado para uma dada conclusatildeo A conclusatildeo pode ser
uma tese do nosso oponente que queremos refutar ou nossa proacutepria asserccedilatildeo que
queremos estabelecer ou defender Haacute dois usos para os toacutepicos eles podem provar ou
refutar uma dada asserccedilatildeo Alguns podem ser usados para os dois propoacutesitos outros para
apenas um deles A maioria dos τόποι satildeo selecionados por certos aspectos formais de
uma dada conclusatildeo Se por exemplo a conclusatildeo manteacutem a definiccedilatildeo noacutes temos que
selecionar nosso τόπος de uma lista de toacutepicos pertencentes agraves definiccedilotildees etc No caso
dos chamados toacutepicos ldquomateriaisrdquo ou especiacuteficos da Retoacuterica o τόπος apropriado natildeo
deve ser selecionado por um criteacuterio formal mas conforme o conteuacutedo da conclusatildeo se
por exemplo diz-se que algo eacute uacutetil honraacutevel ou justo etc Uma vez que tenhamos
selecionado um τόπος que eacute apropriado para uma dada conclusatildeo o τόπος pode ser usado
para construir a premissa da qual a conclusatildeo dada pode ser derivada Se por exemplo o
esquema argumentativo eacute ldquoSe um predicado eacute geralmente verdadeiro de um sujeito entatildeo
o predicado eacute tambeacutem verdadeiro de qualquer espeacutecie de tal gecircnerordquo noacutes podemos derivar
a conclusatildeo ldquoa capacidade de nutriccedilatildeo pertence agraves plantasrdquo usando a premissa ldquoa
capacidade de nutriccedilatildeo pertence a todos os seres vivosrdquo jaacute que ldquoser vivordquo eacute gecircnero da
espeacutecie ldquoplantasrdquo Se a premissa construiacuteda eacute aceita ou pelo oponente num debate
dialeacutetico ou pela audiecircncia num discurso puacuteblico noacutes podemos obter a conclusatildeo
pretendida189
2 Toacutepicos nos Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos e na Retoacuterica
Os toacutepicos (τόποι) propriamente ditos estatildeo distribuiacutedos nos livros intermediaacuterios
dos Toacutepicos isto eacute nos livros II a VII Cada livro tem foco em um dos predicaacuteveis Os
livros II e III tratam do acidente o livro IV do gecircnero o livro V do proacuteprio e a definiccedilatildeo
188 RAPP Christof ldquoAristotlersquos Rhetoricrdquo Op cit 189 Ibid
47
eacute tratada nos livros VI e VII Slomkowski afirma que haacute cerca de trezentos toacutepicos listados
nesses livros centrais dos Toacutepicos190 Noacutes apresentaremos apenas alguns exemplos dos
mesmos para dar uma ideia geral do que satildeo eles e da diversidade que haacute nas sugestotildees
que Aristoacuteteles apresenta como toacutepicos
De modo geral os τόποι dos Toacutepicos apresentam ferramentas para se verificar se
as relaccedilotildees de predicaccedilatildeo estatildeo corretas para construir ou destruir proposiccedilotildees J A
Segurado e Campos cita em sua introduccedilatildeo aos Toacutepicos a apresentaccedilatildeo de Sanmartiacuten
que tenta organizar os τόποι conforme o seguinte esquema proposicional191
1) S eacute P = P eacute definiccedilatildeo de S
2) S eacute P = P eacute proacuteprio de S
3) S eacute P = P eacute gecircnero de S
4) S eacute P = P eacute acidente de S
Antes de iniciar a exposiccedilatildeo dos τόποι sobre o acidente objeto dos livros II e III
dos Toacutepicos Aristoacuteteles diferencia problemas universais como ldquotodonenhum prazer eacute
bomrdquo de problemas particulares como ldquoalgum prazer eacutenatildeo eacute bomrdquo Com essa distinccedilatildeo
ele explica que haacute meacutetodos de se rebater uma opiniatildeo universalmente que podem ser
usados tambeacutem para rebater opiniotildees sobre particulares pois todos os raciociacutenios
particulares fazem uso dos universais192 Essa explicaccedilatildeo eacute dada previamente agrave exposiccedilatildeo
dos τόποι sobre o acidente pois nesse caso eacute possiacutevel que algo natildeo seja predicado de
modo universal Os atributos da definiccedilatildeo do gecircnero e do proacuteprio natildeo podem pertencer
ao sujeito apenas em parte Por outro lado o acidente pode pertencer ao sujeito apenas
em parte Por exemplo um homem pode ser parcialmente branco Por fim aquele que
afirma que um atributo pertence a alguma coisa que de fato natildeo lhe pertence comete um
erro193
190 SLOMKOWSKI Paul Aristotlersquos Tophellip Op cit p 9 191 ARISTOacuteTELES Toacutep Trad intr e notas de J A Segurado e Campos Op cit p 112 et sqq 192 Toacutep VIII 14 164a 5-10 Nos Primeiros Analiacuteticos Aristoacuteteles demonstra que o silogismo conteacutem pelos
menos uma premissa universal An Pr I 1 24b 20-30 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 162
Ressaltamos que no esquema proposicional dos Toacutepicos S eacute P e P eacute um termo universal 193 Toacutep II 1 108b 37-109a 30
48
Toacutepicos sobre o acidente
O primeiro τόπος apresentado nos Toacutepicos consiste na sugestatildeo de se verificar se
haacute algum erro desse tipo descrito acima isto eacute ver se o que foi atribuiacutedo como acidente
pertence ao sujeito de outra maneira
Um τόπος eacute examinar se um homem atribuiu como acidente o que
pertence ao sujeito de alguma maneira Esse erro se comete mais
comumente no que se refere ao gecircnero das coisas como por exemplo
se algueacutem dissesse que o branco eacute acidentalmente uma cor pois ser uma
cor natildeo eacute um acidente do branco mas sim o seu gecircnero194
Aristoacuteteles prossegue com exemplos semelhantes nos quais mostra que eacute evidente
que o gecircnero foi ali apresentado como se fosse um acidente Assim diante da proposiccedilatildeo
ldquocor eacute acidente de brancordquo cabe ao questionador refutar e mostrar que a predicaccedilatildeo
correta eacute ldquocor eacute gecircnero de brancordquo e assim nos demais casos desse tipo
O segundo toacutepico sugerido diz respeito ao exame de todos os casos em que se
afirmou ou negou universalmente que um predicado pertence a alguma coisa Esse toacutepico
serve natildeo soacute para fins de destruir mas tambeacutem de estabelecer uma proposiccedilatildeo Se o
predicado parece ser vaacutelido para todos ou para a maioria dos casos podemos exigir que
o oponente o aceite Entatildeo teremos usado o toacutepico para fins construtivos Se o oponente
encontrar um caso em que o predicado natildeo eacute vaacutelido poderaacute apresentaacute-lo e refutar a
proposiccedilatildeo Desse modo o toacutepico eacute utilizado com finalidade destrutiva Caso o oponente
se recusar a aceitar a proposiccedilatildeo sem a refutar mostrando um contraexemplo estaraacute numa
posiccedilatildeo absurda Nesse caso temos mais uma ilustraccedilatildeo de que os debates envolviam
uma espeacutecie de plateia ou juiacutezes Nesse mesmo toacutepico Aristoacuteteles tambeacutem sugere um
procedimento para o exame de todos esses casos em que se afirma ou nega um predicado
Esse procedimento visa tornar a pesquisa mais direta e raacutepida consistindo em considerar
os casos natildeo de modo global mas por espeacutecie a partir de grupos mais primaacuterios ateacute o
ponto em que natildeo sejam mais divisiacuteveis195
O terceiro toacutepico recomenda dar separadamente as definiccedilotildees do sujeito e do
acidente expressos na proposiccedilatildeo seja de ambos seja de um soacute a fim de verificar se haacute
alguma falsidade nas definiccedilotildees que tenha sido admitida como verdadeira O exemplo
dado eacute para ver se o homem bom eacute invejoso examinar as definiccedilotildees de ldquoinvejosordquo e de
194 Toacutep II 2 109a 30-109b 1 195 Toacutep II 2 109b 10-30
49
ldquoinvejardquo Pois se a inveja eacute uma dor por causa do ecircxito de uma pessoa boa eacute oacutebvio que o
invejoso natildeo eacute bom196
Outro toacutepico que trazemos que tambeacutem serve para fins construtivos ou
destrutivos sugere demonstrar o argumento em pelo menos um dos diversos sentidos
quando o termo for usado em mais de um sentido Esse meacutetodo tem a indicaccedilatildeo de ser
usado quando a diferenccedila de significados passa despercebida pois o oponente poderaacute
objetar que a questatildeo que ele levantou natildeo foi discutida mas sim o seu outro
significado197 Esse eacute um exemplo tiacutepico de toacutepico que envolve exame de significado dos
termos e tambeacutem afirmaccedilatildeo e refutaccedilatildeo de uma proposiccedilatildeo universal assuntos que
comentamos anteriormente Citamos o exemplo pois ele ilustra os dois casos
Aleacutem disso se o termo eacute usado em diversos sentidos e se estabeleceu
que ele eacute ou natildeo eacute um atributo de S deve-se demonstrar o argumento
pelo menos num dos vaacuterios sentidos se natildeo eacute possiacutevel fazecirc-lo em todos
Esta regra deve ser observada nos casos em que a diferenccedila de
significados passa despercebida pois supondo-se que ela seja evidente
o adversaacuterio objetaraacute que o ponto que ele pocircs em questatildeo natildeo foi
discutido mas sim um outro ponto Este toacutepico ou lugar eacute conversiacutevel
tanto com o fim de estabelecer um ponto de vista como de lanccedilaacute-lo por
terra Porque se queremos estabelecer uma afirmaccedilatildeo mostraremos
que num dos sentidos o atributo pertence ao sujeito se natildeo pudermos
demonstraacute-lo em ambos os sentidos e se estivermos rebatendo uma
afirmaccedilatildeo demonstraremos que num sentido o atributo natildeo
corresponde ao sujeito se natildeo pudermos demonstraacute-lo em ambos os
sentidos Eacute claro que ao rebater um juiacutezo natildeo haacute nenhuma necessidade
de comeccedilar a discussatildeo levando o interlocutor a admitir o que quer que
seja tanto se o juiacutezo afirma como se nega o atributo universalmente
porque se mostrarmos que num caso qualquer o atributo natildeo pertence
ao sujeito teremos demolido a afirmaccedilatildeo universal e do mesmo modo
se mostrarmos que ele pertence num soacute caso que seja teremos demolido
a negaccedilatildeo universal Ao estabelecer uma proposiccedilatildeo pelo contraacuterio
teremos de garantir a admissatildeo preliminar de que se ele eacute atribuiacutevel
num caso qualquer eacute atribuiacutevel universalmente contanto que essa
pretensatildeo seja razoaacutevel198
Toacutepicos sobre o preferiacutevel
O livro III conteacutem toacutepicos que lembram os da Retoacuterica por serem destinados a
um assunto especiacutefico Satildeo os toacutepicos sobre o preferiacutevel que tratam do exame do que eacute o
mais desejaacutevel ou melhor entre duas ou mais coisas que natildeo mostrem grandes diferenccedilas
ou vantagens oacutebvias Aristoacuteteles acredita que haacute questotildees que natildeo admitem duacutevida sobre
196 Toacutep II 2 109b 30-39 197 Toacutep II 2 109a 20-30 198 Toacutep II 3 110a 23-110b1 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 27-28
50
o que eacute mais desejaacutevel como por exemplo se eacute a felicidade ou a riqueza Entatildeo natildeo haacute
necessidade de comparaacute-las Mas haacute coisas que estatildeo tatildeo estreitamente relacionadas que
identificar uma uacutenica vantagem contribui para uma escolha do que seja melhor entre elas
Os toacutepicos sobre o preferiacutevel se aplicam a esses casos O primeiro toacutepico do capiacutetulo
segue o criteacuterio de que o preferiacutevel eacute o melhor conhecimento e tem a seguinte redaccedilatildeo
Em primeiro lugar pois o que eacute mais duradouro e seguro eacute preferiacutevel
agravequilo que o eacute menos e do mesmo modo o que tem mais
probabilidades de ser escolhido pelo homem saacutebio ou prudente pelo
homem bom ou pela lei justa por homens que satildeo haacutebeis num campo
qualquer quando fazem sua escolha como tais e pelos peritos em
determinadas classes de coisas isto eacute o que a maioria ou o que todos
eles escolheriam por exemplo em medicina ou em carpintaria satildeo
mais desejaacuteveis as coisas que escolheria a maioria dos meacutedicos ou
carpinteiros ou todos eles ou de modo geral o que escolheria a
maioria dos homens ou todos os homens ou todas as coisas ndash pois todas
as coisas tendem para o bem199
Entre os toacutepicos do preferiacutevel vemos opiniotildees bastante gerais como as citadas
acima normalmente seguidas de exemplos Mencionamos mais algumas o que eacute bom de
modo absoluto eacute mais desejaacutevel do que o que eacute bom para uma pessoa particular Por
exemplo recuperar a sauacutede eacute mais desejaacutevel do que uma operaccedilatildeo ciruacutergica Eacute mais
desejaacutevel o atributo que pertence ao melhor e mais honroso sujeito Por exemplo o que
pertence agrave alma eacute mais desejaacutevel do que o pertence a um homem O proacuteprio de uma coisa
melhor eacute mais desejaacutevel que o proacuteprio de uma coisa pior Por exemplo o que eacute proacuteprio
de um deus eacute mais desejaacutevel do que o proacuteprio de um homem Eacute melhor o que eacute inerente
a coisas melhores anteriores ou mais honrosas Por exemplo a sauacutede eacute melhor que o
vigor e a beleza Por fim o fim eacute mais desejaacutevel que os meios o apto eacute mais desejaacutevel
que o inepto e de dois agentes produtores eacute mais desejaacutevel aquele cujo fim eacute melhor200
Toacutepicos sobre o gecircnero e o proacuteprio
Os toacutepicos do livro IV referem-se ao gecircnero e os do livro V ao proacuteprio
Aristoacuteteles diz que o gecircnero e o proacuteprio raramente satildeo objeto por si mesmos das
investigaccedilotildees dos dialeacuteticos Normalmente eles satildeo tratados como elementos que fazem
partes das questotildees relativas agraves definiccedilotildees201
199 Toacutep III 1 116a 10-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 43 200 Toacutep III 1 116b 5-30 201 Toacutep IV 1 120b 12-15
51
O primeiro toacutepico sobre o gecircnero sugere para fins de avaliar se um gecircnero
atribuiacutedo a alguma coisa particular eacute adequado considerar todos os objetos que pertencem
agravequele gecircnero e ver se algum deles natildeo se enquadra nele Por exemplo se o ldquobemrdquo eacute
indicado como gecircnero de ldquoprazerrdquo eacute preciso verificar se algum prazer natildeo eacute bom pois o
gecircnero se predica de todos os membros da espeacutecie Em segundo lugar deve-se verificar
se ele natildeo se predica da categoria de acidente em vez de da categoria de essecircncia (τί ἐστι)
Por exemplo o ldquobrancordquo que se predica da neve ou o ldquosemoventerdquo que se predica da alma
nesse caso satildeo predicados como acidentes natildeo podendo pertencer ao gecircnero202 Outro
toacutepico sobre o gecircnero eacute ver se natildeo haacute mais uma espeacutecie para o gecircnero aleacutem da apontada
pois em todo gecircnero haacute mais de uma espeacutecie Portanto se natildeo houver mais de uma
espeacutecie o que se propocircs como gecircnero natildeo pode secirc-lo203
Um exemplo de toacutepico sobre o proacuteprio para fins de refutaccedilatildeo eacute verificar se o
oponente apresentou alguma coisa como propriedade de si mesma Pois uma coisa sempre
manifesta por si mesma a sua essecircncia e o que se diz dela assim eacute definiccedilatildeo e natildeo
propriedade Por exemplo ldquoformosordquo natildeo pode ser afirmado como uma propriedade de
ldquobelordquo pois ambos significam a mesma coisa Ou seja natildeo se pode dizer o belo eacute
formoso204
Toacutepicos sobre a definiccedilatildeo
Os toacutepicos sobre a definiccedilatildeo encontram-se nos livros VI e VII Servem para
verificar se um objeto foi definido de modo correto ou natildeo Esse exame envolve
linguagem diferenccedilas gecircnero espeacutecie e identidade Aristoacuteteles divide a discussatildeo sobre
a definiccedilatildeo de modo geral em cinco partes que se referem a cinco formas de
identificaccedilatildeo de erros Satildeo as seguintes formas Demonstrar a falsidade quando existir
na aplicaccedilatildeo da descriccedilatildeo do objeto ao qual se aplica o termo Por exemplo a definiccedilatildeo
de homem deve ser verdadeira para todo homem particular Outra forma eacute demonstrar o
erro de natildeo colocar o objeto no gecircnero apropriado embora o objeto tenha um gecircnero
Pois formular uma definiccedilatildeo consiste em determinar o gecircnero do objeto e acrescentar suas
diferenccedilas Outra forma de mostrar um erro eacute demonstrar que a definiccedilatildeo natildeo eacute peculiar
ao objeto em questatildeo Outra consiste em mostrar que a definiccedilatildeo natildeo conseguiu expressar
202 Toacutep V 1 120b 15-25 203 Toacutep IV 3 123a 30-35 204 Toacutep V 5 135a 5-15
52
o que o objeto eacute Por fim outra forma eacute mostrar que a definiccedilatildeo foi dada poreacutem natildeo estaacute
correta205 Em relaccedilatildeo a esse uacuteltimo caso haacute dois tipos de incorreccedilatildeo que podem ocorrer
O primeiro eacute o uso de uma linguagem obscura pois o objetivo da definiccedilatildeo eacute tornar um
objeto conhecido e a linguagem deve ser a mais clara possiacutevel O segundo tipo eacute dar agrave
definiccedilatildeo uma extensatildeo desnecessaacuteria com acreacutescimos supeacuterfluos206
Apoacutes essas consideraccedilotildees gerais Aristoacuteteles comeccedila a apresentar os toacutepicos sobre
a definiccedilatildeo Trazemos um exemplo que eacute o primeiro deles e que diz respeito agrave
obscuridade da linguagem em funccedilatildeo do uso de termos ambiacuteguos Quando natildeo fica claro
o sentido atribuiacutedo ao termo eacute cabiacutevel uma objeccedilatildeo capciosa de que a definiccedilatildeo natildeo vale
para todas as coisas que pretende abranger O toacutepico eacute
ldquoUma regra ou lugar no tocante agrave obscuridade (da linguagem) eacute ver se
o significado que a definiccedilatildeo tem em vista envolve uma ambiguidade
em relaccedilatildeo a algum outro por exemplo ldquoa geraccedilatildeo eacute uma passagem
para o serrdquo ou entatildeo ldquoa sauacutede eacute o equiliacutebrio dos elementos quentes e
friosrdquo Aqui ldquopassagemrdquo e ldquoequiliacutebriordquo satildeo termos ambiacuteguos de modo
que natildeo fica claro a qual dos sentidos possiacuteveis do termo o definidor se
refere207
Uma informaccedilatildeo a se destacar sobre a definiccedilatildeo eacute a seguinte Apoacutes Aristoacuteteles ter
apresentado os meacutetodos que servem para demolir uma definiccedilatildeo afirma que se queremos
construir uma definiccedilatildeo temos que ter em vista que na praacutetica uma vez envolvidos numa
discussatildeo poucos ou nenhum debatedor chegam a formular uma definiccedilatildeo mas sempre
a pressupotildeem como ponto de partida Quanto a dizer exatamente o que uma definiccedilatildeo eacute e
como deve ser formulada isso corresponde a outra investigaccedilatildeo Essa outra investigaccedilatildeo
consta nos Segundos Analiacuteticos na parte que trata da definiccedilatildeo208 O Filoacutesofo acrescenta
que essa questatildeo da definiccedilatildeo nos Toacutepicos interessa apenas para o necessaacuterio ao objetivo
desse tratado que jaacute apresentamos no iniacutecio deste trabalho Entatildeo ele ainda diz que para
a finalidade dos Toacutepicos basta saber que eacute possiacutevel haver silogismo sobre uma definiccedilatildeo
e sobre o que uma coisa eacute209 Essa informaccedilatildeo eacute importante para o argumento de que
Aristoacuteteles tinha um objetivo especiacutefico nos Toacutepicos para o qual considerava adequado
um rigor menor no meacutetodo proposto do que aquele que estaacute presente nos Analiacuteticos
205 Toacutep VI 1 139a 20-35 206 Toacutep VI 1 139b 10-20 207 Toacutep VI 2 139b 20-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 98 208 An Post II capiacutetulos 3-13 209 Toacutep VII 3 153a 5-20
53
De modo geral natildeo se verifica muito rigor na forma em que Aristoacuteteles organiza
os τόποι nos Toacutepicos A apresentaccedilatildeo dos mesmos parece ser um inventaacuterio elaborado a
partir da observaccedilatildeo O proacuteprio Aristoacuteteles termina o livro VII dos Toacutepicos declarando
que apresentou uma razoaacutevel enumeraccedilatildeo de τόποι ldquoOs τόποι que nos proporcionam
meios abundantes para atacar todo tipo de problema agora foram mais ou menos
adequadamente enumeradosrdquo210
Toacutepicos nos Argumentos Sofiacutesticos
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles tambeacutem fala em toacutepicos No quarto
capiacutetulo eacute apresentada uma relaccedilatildeo de maneiras de se produzir uma falsa aparecircncia
(φαντασία) de argumento maneiras pelas quais se pode deixar de indicar as mesmas
coisas pelos mesmos nomes ou expressotildees Elas satildeo seis a ambiguidade a anfibologia a
combinaccedilatildeo a divisatildeo de palavras a acentuaccedilatildeo e a forma de expressatildeo211 Sobre essas
seis enganaccedilotildees possiacuteveis Aristoacuteteles apresenta explicaccedilotildees e exemplos em uma
sequecircncia que por fim encerra chamando de τόποι deste modo ldquoAs refutaccedilotildees que
dependem da linguagem se baseiam pois nesses toacutepicosrdquo212
Haacute tambeacutem toacutepicos por meio dos quais eacute possiacutevel obter paradoxos apresentados
no deacutecimo segundo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos Ali Aristoacuteteles apresenta como
sendo a segunda meta do sofista mostrar um erro de raciociacutenio por parte do oponente ou
deduzir um paradoxo isto eacute deduzir algo insustentaacutevel de seu argumento o que pode ser
obtido por certa maneira de se perguntar O capiacutetulo em questatildeo conteacutem uma seacuterie de
sugestotildees para esses fins Por exemplo formular uma pergunta sem referecircncia a um tema
definido pois as pessoas tendem mais a errar quando falam em termos gerais Ou entatildeo
nunca apresentar diretamente uma questatildeo controversa mas fingir que se pergunta para
aprender o que pode abrir brecha para um ataque E tambeacutem conduzir a argumentaccedilatildeo
para o ponto em que se dispotildee de muitos argumentos Ou ainda procurar saber a que
escola filosoacutefica pertence o oponente para inquiri-lo sobre algum ponto de tal escola que
210 ldquoThe commonplaces which will provide us with abundant means of attacking each kind of problem have
now been more or less adequately enumeratedrdquo Toacutep VII 5 155a 33-39 ARISTOacuteTELES Posterior
Analytics Topica Traduccedilatildeo de Hugh Tredennick e E S Forster Loeb Classical Library nordm 391 London
Heinemann 1960 p 673 211 Arg Sof 4 165b 25-30 212 Arg Sof 4 166b 20-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg op cit p 159
54
parece paradoxal aos olhos da maioria das pessoas213Essas sugestotildees Aristoacuteteles tambeacutem
chama de toacutepicos214
Toacutepicos na Retoacuterica
A Retoacuterica eacute uma obra de Aristoacuteteles que trata da arte da persuasatildeo (τέχνη
ῥητορική) e assemelha-se agrave dialeacutetica por se ocupar de assuntos do conhecimento comum
e natildeo de ciecircncias particulares215 aleacutem de proporcionar razotildees para os argumentos216 O
que eacute especiacutefico da retoacuterica eacute a finalidade de descobrir o que eacute mais adequado a persuadir
em cada caso217 Para Aristoacuteteles a prova por persuasatildeo218 eacute uma espeacutecie de
demonstraccedilatildeo219 jaacute que noacutes somos persuadidos mais facilmente quando entendemos algo
que estaacute demonstrado A demonstraccedilatildeo retoacuterica eacute um ldquoentimemardquo (ἐνθύμημα) que eacute uma
espeacutecie de silogismo220 Os entimemas tambeacutem abrangem premissas necessaacuterias mas em
geral partem de ἔνδοξα221
Na Retoacuterica a noccedilatildeo que Aristoacuteteles apresenta de τόπος eacute a seguinte ldquo() algo
no qual muitos entimemas se enquadramrdquo222 o que daacute a ideia de foacutermula argumentativa
para geraccedilatildeo de premissas para entimemas Ele especifica dois tipos de toacutepicos gerais ou
213 Arg Sof 12 172b 10-173a 35 Sobre o termo ldquoparadoxordquo que usamos nesse paraacutegrafo Em nota o
tradutor informa que Aristoacuteteles usa nessa discussatildeo sobre a sofiacutestica os termos ἄδοξον (inopinaacutevel
portanto carente de plausibilidade) e παραδοξον (o que vai aleacutem das opiniotildees aceitaacuteveis a elas se opondo)
de uma maneira indiscriminada colocando no mesmo niacutevel o inopinaacutevel e o que se opotildee agrave opiniatildeo geral
ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 570 214 ldquoSatildeo estes pois os toacutepicos por meio dos quais podemos conseguir paradoxosrdquo Arg Sof 13 173a 30-
33 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 173
Haacute tambeacutem outro trecho mencionando toacutepicos de refutaccedilotildees em Arg Sof 9 170a 30-37 ldquoEacute evidente pois
que natildeo precisamos dominar os toacutepicos de todas as refutaccedilotildees possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo
vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte ou faculdaderdquo ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg
Op cit p 164-165 215 Ret I 1 1354a 1-5 216 Ret I 2 1356a 30-35 217 Ret I 1 1355b 5-15 218 Ret I 1 1355a 5-15 219 ldquoChamo entimema ao silogismo retoacuterico e exemplo agrave induccedilatildeo retoacuterica E para demonstrar todos
produzem provas por persuasatildeo quer recorrendo a exemplos quer a entimemas pois fora destes nada mais
haacute De sorte que se eacute realmente necessaacuterio que toda a demonstraccedilatildeo se faccedila ou pelo silogismo ou pela
induccedilatildeo (e isso para noacutes eacute claro desde os Analiacuteticos) entatildeo importa que estes dois meacutetodos sejam idecircnticos
nas duas artesrdquo Ret I 2 1356b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 98 220 ldquo[] demonstrar que de certas premissas pode resultar uma proposiccedilatildeo nova e diferente soacute porque elas
satildeo sempre ou quase sempre verdadeiras a isso chama-se em dialeacutetica silogismo e entimema na retoacutericardquo
Ret I 2 1356b 10-15 Ibid p 98 221 ldquo(hellip) eacute evidente que das premissas que se formam os entimemas umas seratildeo necessaacuterias mas a maior
parte eacute apenas frequente E posto que os entimemas derivam de probabilidades e sinais eacute necessaacuterio que
cada um destes se identifique com a classe de entimema correspondente Com efeito probabilidade eacute o que
geralmente acontece mas natildeo absolutamente como alguns definem antes versa sobre coisas que podem
ser de outra maneira e relaciona-se no que concerne ao provaacutevel como o universal se relaciona com o
particularrdquo Ret I 2 1357a 30-1357b 1 Ibid p 100 222 Ret II 26 1403a 15-20 Ibid p 237
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comuns e os especiacuteficos Os toacutepicos comuns ou no singular lugar comum satildeo comuns
ou aplicaacuteveis a todos os assuntos Por exemplo o τόπος do mais e do menos pode ser
aplicado a silogismos e entimemas de vaacuterios assuntos como Ciecircncias Naturais Poliacutetica
Direito e outras Quanto aos toacutepicos especiacuteficos satildeo aplicaacuteveis a determinados assuntos
ou classes de coisas que na Retoacuterica satildeo os trecircs gecircneros de discurso deliberativo judicial
e epidiacutetico223 Mostramos alguns exemplos dos toacutepicos da Retoacuterica
Um toacutepico que eacute muito conhecido eacute o ldquodo mais e do menosrdquo Esse toacutepico eacute o
exemplo mais conhecido e mais faacutecil para ilustrar a ideia de toacutepico como foacutermula
argumentativa na qual os entimemas se enquadram O toacutepico corresponde a dizer que se
uma afirmaccedilatildeo natildeo se aplica ao que seria mais aplicaacutevel tambeacutem natildeo se aplica ao que
seria menos aplicaacutevel Por exemplo ldquoSe nem os deuses sabem tudo menos ainda os
homensrdquo224 Em geral esse toacutepico eacute dito da seguinte forma quem pode o mais pode o
menos Eacute um toacutepico comum e amplamente aplicaacutevel a assuntos dos mais diversos
inclusive atualmente
Outro toacutepico comum tira-se de ldquose a consequecircncia eacute a mesma eacute porque tambeacutem
eacute a mesma a causa de que derivardquo Por exemplo tanto eacute impiedoso dizer que os deuses
nascem quanto dizer que os deuses morrem pois a consequecircncia para ambas afirmaccedilotildees
eacute haver um tempo em que os deuses natildeo existem225
Entre os toacutepicos especiacuteficos da retoacuterica judicial incluem-se os sobre a gravidade
dos delitos que servem para criar argumentos sobre qual delito eacute o mais grave Um
exemplo interessante por viabilizar argumentos com sentidos opostos eacute um toacutepico sobre
a gravidade do delito em funccedilatildeo da violaccedilatildeo das leis escritas e das leis natildeo escritas A
primeira sugestatildeo eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis natildeo escritas por ser proacuteprio
de uma pessoa melhor ser justa sem que a lei a obrigue A segunda sugestatildeo na qual se
vecirc a estrutura do toacutepico do mais e do menos eacute considerar mais grave a violaccedilatildeo das leis
escritas pois quem comete injusticcedila que envolve o castigo tambeacutem a cometeraacute quando
natildeo houver puniccedilatildeo226
Um toacutepico comum agrave retoacuterica judicial e deliberativa consiste em examinar as razotildees
que aconselham ou desaconselham a fazer uma coisa e as razotildees que levam as pessoas a
223 Ret I 2 1358a 10-30 224 Ret II 23 1397b 10-15 Ibid p 218 225 Ret II 23 1399b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 224 226 Ret I 14 1357a 10-20
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praticar e evitar tais atos Essas razotildees podem ser usadas para persuadir ou dissuadir
acusar ou defender No acircmbito deliberativo se existem razotildees para agir a accedilatildeo eacute
conveniente caso contraacuterio natildeo eacute conveniente No acircmbito judicial a ausecircncia de motivos
para agir eacute utilizada na defesa e a presenccedila na acusaccedilatildeo227
Aristoacuteteles explica em um capiacutetulo proacuteprio da Retoacuterica o uso das maacuteximas na
argumentaccedilatildeo de modo que podemos deduzir que ldquomaacuteximardquo (γνώμη) natildeo se confunde
com ldquotoacutepicordquo Maacutexima eacute apenas uma afirmaccedilatildeo geral que se aplica ao universal como
ldquonatildeo haacute homem que seja inteiramente felizrdquo ou ldquonatildeo haacute homem que seja livrerdquo As
maacuteximas podem ser princiacutepios e conclusotildees dos entimemas Por exemplo a maacutexima
ldquonunca deve o homem que por natureza eacute sensato ensinar os seus filhos a ser demasiado
saacutebiosrdquo forma um entimema ao ser combinada com a seguinte afirmaccedilatildeo que conteacutem a
causa e o porquecirc ldquosem contar com a preguiccedila que tecircm (os filhos) colhem a inveja hostil
do cidadatildeordquo228 Aristoacuteteles diz que as maacuteximas satildeo uacuteteis nos discursos para agradar
determinado tipo de auditoacuterio segundo ele satildeo de grande utilidade ldquo() por causa da
mente tosca dos ouvintes que ficam contentes quando algueacutem falando em geral vai de
encontro agraves opiniotildees que eles tecircm sobre casos particularesrdquo229 Por exemplo uma pessoa
que tivesse problemas com os vizinhos gostaria de ouvir ldquo() nada mais insuportaacutevel
do que a vizinhanccedilardquo230 As maacuteximas tambeacutem conferem o caraacuteter ldquoeacuteticordquo ao discurso
pois manifestam a intenccedilatildeo do orador231
227 Ret II 23 1399b 30-1400a 5 228 Ret II 21 1394a 20-35 ARISTOacuteTELES Ret op cit p208-209 229 Ret II 21 1395b 1-10 ARISTOacuteTELES Ret op cit p 212 230 Ibid p 212 231 Ret II 21 1395b 1-15
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III O debate dialeacutetico
Em Platatildeo a dialeacutetica como conversaccedilatildeo era uma atividade social precisamente
uma conversa entre duas pessoas232 Havendo um terceiro ou mais seriam apenas
ouvintes A conversaccedilatildeo era predominantemente de perguntas e respostas onde se pedia
um julgamento sobre uma proposiccedilatildeo dada agrave qual se deveria responder sim ou natildeo
Exigia-se consistecircncia na discussatildeo O questionador devia buscar o consentimento do
respondente a respeito da proposiccedilatildeo O respondente devia necessariamente responder
Se fosse o caso o questionador esclarecia ao respondente os fundamentos para sua
proposiccedilatildeo deduzindo-a de afirmaccedilotildees anteriores com as quais o respondente
concordasse Ou entatildeo explicaria melhor a proposiccedilatildeo Se o respondente concordasse
ainda que fracamente a proposiccedilatildeo estaria aceita233
Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos parecem descrever o mesmo tipo de
praacutetica que jaacute devia estar bastante estabelecida Haacute controveacutersias na literatura sobre se a
dialeacutetica apresentada nos Toacutepicos eacute descritiva ou prescritiva isto eacute se pretende apenas
codificar a praacutetica jaacute existente ou se propotildee-se a estabelecer novas regras para essa
praacutetica234 Nosso ponto de vista eacute o de que existem aspectos descritivos e prescritivos nos
Toacutepicos e Argumentos Sofiacutesticos que datildeo a entender que Aristoacuteteles pretendia contribuir
para melhorar a praacutetica jaacute existente Os dois pontos principais que nos levam a essa
conclusatildeo estatildeo no uacuteltimo capiacutetulo dos Argumentos Sofiacutesticos e no quinto capiacutetulo de
Toacutepicos VIII Nos Argumentos Sofiacutesticos revisando o objetivo dos Toacutepicos o Filoacutesofo
diz que sua intenccedilatildeo era descobrir uma faculdade (δύναμις) de raciocinar sobre qualquer
tema proposto partindo das premissas mais geralmente aceitas que existem Essa eacute a
funccedilatildeo essencial da dialeacutetica Mas como devido agrave presenccedila proacutexima dos sofistas a
dialeacutetica envolve certa presunccedilatildeo de conhecimentos ele acrescenta mais um objetivo ao
tratado O novo objetivo eacute descobrir como ao sustentar um argumento defender uma tese
por meio das premissas o mais geralmente aceitas possiacutevel de um modo consistente235 E
acrescenta que no caso da retoacuterica existia muita coisa haacute longo tempo mas no que se
232 ldquoThe notion of communal inquiry or κοινὴ σκέψις is frequent in the dialogues (eg Cri 48D Chrm
158D Plts 258C)rdquo ROBINSON Richard Platorsquos earlier dialectic London Oxford University Press
1953 p 77 233 Ibid p77-79 234 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 22 235 Arg Sof 34 183a 36-183b 7
58
refere ao raciociacutenio natildeo existia absolutamente nada nenhum trabalho anterior a que
recorrer Portanto dedicou anos a buscas e pesquisas experimentais236 Em Toacutepicos VIII
o Filoacutesofo diz que natildeo existiam ateacute o momento regras articuladas para as disputas
dialeacuteticas num contexto de exame e pesquisa destacando isso dos objetivos da
competiccedilatildeo que eacute aparentar que se estaacute influenciando o antagonista enquanto o
antagonista visa mostrar que natildeo estaacute sendo influenciado E tambeacutem distingue do objetivo
pedagoacutegico que eacute natildeo ensinar falsidades Pois no espiacuterito de exame e pesquisa o
respondente deve saber quais as premissas conceder ou natildeo conceder para sustentar sua
defesa de forma adequada ou de outro modo Aristoacuteteles portanto se propotildee a formular
algo sobre exame e pesquisa tendo em vista ainda natildeo existirem regras a respeito237Disso
se conclui que jaacute havia uma praacutetica dialeacutetica de competiccedilatildeo e tambeacutem de ensino que
Aristoacuteteles se propotildee a organizar e melhorar com uma preocupaccedilatildeo a respeito de correccedilatildeo
e consistecircncia o que natildeo estaria presente na mera competiccedilatildeo e na sofiacutestica
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles trata do debate propriamente dito e
apresenta regras para o questionador para o respondedor procedimentos de conduccedilatildeo
correta dos raciociacutenios do uso da linguagem sugestotildees taacuteticas e consideraccedilotildees sobre o
comportamento dos debatedores Os Argumentos Sofiacutesticos tambeacutem apresentam esse tipo
de regras mas com ecircnfase nas refutaccedilotildees (ἔλεγχος) e nos viacutecios de raciociacutenio
Em vaacuterios trechos Aristoacuteteles explica o perfil e o domiacutenio do dialeacutetico De modo
geral o dialeacutetico eacute o homem haacutebil em propor questotildees e levantar objeccedilotildees238 O dialeacutetico
se ocupa metodicamente de examinar as questotildees com auxiacutelio de uma arte (τέχνη) do
raciociacutenio239 A dialeacutetica natildeo se ocupa de nenhuma espeacutecie definida de ser e procede por
meio de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo ao contraacuterio dos meacutetodos de
demonstraccedilatildeo que natildeo permitem que o outro escolha entre duas alternativas pois natildeo eacute
possiacutevel se obter uma prova de ambas240 Cabe ao dialeacutetico dominar os τόποι comuns e
examinar a refutaccedilatildeo que procede dos primeiros princiacutepios comuns241 A maneira de
estruturar os argumentos e formular as questotildees pertence ao domiacutenio do dialeacutetico pois
sua atividade envolve uma outra pessoa Em relaccedilatildeo agrave escolha dos τόποι a serem
utilizados o filoacutesofo e o dialeacutetico procedem de modo semelhante Mas para o investigador
236 Arg Sof 34 183b 35-184b5 237 Toacutep VIII 5 159a 30-38 238 Toacutep VIII 14 164b 1-5 239 Arg Sof 11 172a 35-39 240 Arg Sof 11 172a 10-20 241 Arg Sof 9 170a 30-40
59
individual natildeo importa como para o dialeacutetico se as premissas seratildeo facilmente rebatidas
em funccedilatildeo do modo de estarem dispostas como se estiverem muito proacuteximas da
afirmaccedilatildeo originaacuteria coisa que conforme veremos natildeo eacute estrateacutegico em uma disputa242
1 Estrateacutegias do questionador
O livro VIII dos Toacutepicos inicia com uma discussatildeo sobre a ordem e o meacutetodo de
propor questotildees que devem ser formuladas a partir dos seus τόποι dispostas mentalmente
e apresentadas ao adversaacuterio243 Aleacutem das premissas (πρότασις) que satildeo necessaacuterias agrave
construccedilatildeo do raciociacutenio em questatildeo devem ser formuladas outras que satildeo de quatro
tipos conforme sirvam para (1) garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute
concedendo (2) dar peso ao argumento (3) dissimular a conclusatildeo e (4) tornar o
argumento mais evidente244
Como jaacute vimos a proposiccedilatildeo (πρότασις) dialeacutetica deve ter uma forma agrave qual se
possa responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo e o respondedor deve escolher entre uma das duas
alternativas245 A discussatildeo comeccedila com o respondedor enunciando uma tese que seraacute
confrontada pelo questionador246 Entatildeo o questionador formula uma proposiccedilatildeo
(πρότασις) que serve de ponto de partida para se chegar a uma conclusatildeo desejada apoacutes
uma sequecircncia de raciociacutenios O objetivo do questionador eacute obter do respondente a
concessatildeo dessa premissa inicial e de outras que conduzam agrave conclusatildeo que deseja que
eacute sempre oposta agrave tese que o respondente assumiu Uma vez que o respondente concedeu
as premissas natildeo poderaacute se negar a admitir a conclusatildeo247
Faz parte da estrateacutegia do perguntador formular as questotildees de forma a manter
distacircncia entre a afirmaccedilatildeo originaacuteria e as premissas subsequentes e tornar o menos visiacutevel
possiacutevel a conclusatildeo final que se deriva dessas para que o respondedor tenha menos
chance de defesa As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo da conclusatildeo satildeo explicadas por
Aristoacuteteles e fazem parte do exerciacutecio da controveacutersia248 Elas natildeo se confundem com
atitudes consideradas como maacute-feacute na argumentaccedilatildeo sobre as quais falaremos
posteriormente
242 Toacutep VIII 1 155b 5-20 243 Toacutep VIII 1 155b 1-10 244 Toacutep VIII 1 155b 15-30 245 Toacutep VIII 2 158a 15-20 246 Toacutep VIII 5 159a 33-39 247 Toacutep VIII 5 159b 5-10 248 Toacutep VIII 1 155b 25-30
60
As estrateacutegias de dissimulaccedilatildeo e de se obter concessotildees do adversaacuterio baseiam-se
na formulaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo de premissas de modo a conduzir o raciociacutenio do oponente
e tambeacutem em sugestotildees de psicologia
As premissas das quais parte o raciociacutenio natildeo devem ser propostas de forma
expliacutecita e direta Eacute mais conveniente propor algo anterior ao que se quer obter Por
exemplo se queremos a concessatildeo de que o conhecimento dos contraacuterios eacute um soacute
podemos obter primeiro a concessatildeo de que o conhecimento dos opostos eacute um soacute Pois a
oposiccedilatildeo entre contraacuterios eacute uma das quatro espeacutecies de opostos que Aristoacuteteles explica
nas Categorias 249 Aceitando o que se predica de opostos o oponente deve aceitar o que
se predica de contraacuterios Assim se ele admitir que o conhecimento dos opostos eacute o
mesmo tambeacutem teraacute de admitir a mesma coisa sobre os contraacuterios Se o oponente depois
disso ainda se recusar a admitir essa premissa devemos tentar a via indutiva formulando
uma proposiccedilatildeo a respeito de algum par particular de contraacuterios Se as duas formas natildeo
forem suficientes para se obter a concessatildeo pode-se formular as premissa de modo
expliacutecito250
Os outros quatro tipos de premissas que servem de apoio ao raciociacutenio ˗ premissas
para garantir indutivamente a premissa universal que se estaacute concedendo premissas para
dar peso ao argumento premissas para dissimular a conclusatildeo e premissas para tornar o
argumento mais evidente ˗ devem ser obtidos em funccedilatildeo da premissa originaacuteria que se
pretende afirmar e tambeacutem da seguinte forma por induccedilatildeo do conhecido para o
desconhecido por meio de silogismos preacutevios e em quantidade abundante Para se
despistar o adversaacuterio da conclusatildeo que se tem em vista eacute conveniente obter
inicialmente a concessatildeo de vaacuterias premissas preacutevias que levaratildeo agrave premissa que
realmente se quer afirmar Eacute melhor no entanto deixar para apresentar as conclusotildees
dessas premissas preacutevias posteriormente todas juntas pois isso diminui as chances de
defesa Desse modo o silogismo final fica menos previsiacutevel para o oponente Tambeacutem eacute
uacutetil para tornar a conclusatildeo menos evidente obter as concessotildees fora de sua ordem
natural alternando premissas que levam a uma conclusatildeo com premissas que levam a
outra conclusatildeo De um modo geral essa estrateacutegia de obtenccedilatildeo de premissas preacutevias
tambeacutem contribui para a inteligibilidade do caminho dos raciociacutenios que levaram a uma
249 Cat 10 11 11b 15-10b 25 250 Toacutep VIII 1 155b 30-156a 5
61
conclusatildeo final pois se apenas mostramos uma conclusatildeo final e os fundamentos dos
nossos proacuteprios raciociacutenios a sequecircncia completa de raciociacutenios natildeo fica muito clara251
Para se dissimular os caminhos que levam a uma conclusatildeo ainda se deve quando
possiacutevel estabelecer a premissa universal por meio de uma definiccedilatildeo que use natildeo os
termos exatos mas seus termos coordenados252 Por exemplo eacute melhor obter primeiro a
concessatildeo universal de que a coacutelera eacute um desejo de vinganccedila para depois obter a
concessatildeo de que o homem irado deseja vinganccedila Pois muitas vezes o adversaacuterio tem
uma objeccedilatildeo preparada contra os termos exatos e poderia refutar dizendo que o homem
irado natildeo deseja vinganccedila pois podemos estar irados com nossos pais sem por isso
desejar vinganccedila253 Eacute sugerido tambeacutem obter concessotildees por meio de argumentos
baseados em coisas semelhantes agravequilo que realmente se quer assegurar254 Outra
estrateacutegia de dissimulaccedilatildeo eacute expandir o argumento acrescentando detalhes
desnecessaacuterios o que contribui para o obscurecimento255
Estratagemas que envolvem psicologia satildeo os seguintes fazer no debate
oportunamente uma objeccedilatildeo contra si proacuteprio o que causa uma impressatildeo de
imparcialidade e deixa os oponentes desprevenidos acrescentar que a opiniatildeo levantada
eacute geralmente admitida o que as pessoas evitam contrariar a menos que tenham alguma
objeccedilatildeo a fazer natildeo se mostrar insistente para natildeo aumentar a oposiccedilatildeo formular a
premissa como se fosse uma simples ilustraccedilatildeo pois as pessoas concedem com mais
facilidade as premissas que servem para outra finalidade apresentar em uacuteltimo lugar os
pontos que mais se deseja admitir pois as pessoas tendem a negar as primeiras perguntas
que se apresentam e de outro modo dependendo do tipo de adversaacuterio apresentar em
primeiro lugar os pontos que mais se deseja admitir pois os homens irasciacuteveis ou
impacientes admitem com mais facilidade o que vem primeiro256
251 Toacutep VIII 1 156a 5-25 252ldquoEntendem-se por coordenados termos como os seguintes ldquoaccedilotildees justasrdquo e ldquohomem justordquo satildeo
coordenados de ldquojusticcedilardquo e ldquoatos corajososrdquo e ldquohomem corajosordquo satildeo coordenados de ldquocoragemrdquordquo Toacutep II
9 114a 25-30 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 36 253 Toacutep VIII 1 156a 25-39 254 Toacutep VIII 1 156b 10-20 255 Toacutep VIII 1 157a 1-5 256 Toacutep VIII 1 156b 18-39
62
Aleacutem das regras para fins de dissimulaccedilatildeo Aristoacuteteles acrescenta que para
proporcionar clareza conveacutem trazer exemplos e fazer comparaccedilotildees Eacute preciso tambeacutem
que os exemplos sejam relevantes e colhidos em obras conhecidas257
Na sequecircncia satildeo apresentadas regras sobre a induccedilatildeo (ἐπαγωγή) que conforme
jaacute exposto eacute considerada preferiacutevel ao se raciocinar com a multidatildeo e o silogismo com
os dialeacuteticos Em siacutentese as regras satildeo as seguintes quando natildeo eacute possiacutevel apresentar a
questatildeo sob a forma universal por natildeo haver termo que abranja todas as semelhanccedilas
usa-se a frase ldquoem todos os casos desse tipordquo Como eacute muito difiacutecil definir quais coisas
satildeo ldquodesse tipordquo pois tal questatildeo causa divergecircncia deve-se tentar cunhar um termo que
abranja as coisas do tipo Quando se fez uma induccedilatildeo fundada em vaacuterios casos e o
adversaacuterio se recusa a conceder a proposiccedilatildeo universal pode-se exigir que ele formule
uma objeccedilatildeo Deve-se verificar se a objeccedilatildeo natildeo eacute feita a um homocircnimo do termo em
questatildeo Enquanto a ambiguidade natildeo for percebida a objeccedilatildeo seraacute considerada vaacutelida
Se a objeccedilatildeo for pertinente o defensor deve reformular a proposiccedilatildeo Pode-se exigir
tambeacutem que o oponente admita a proposiccedilatildeo fundada em um grande nuacutemero de casos se
natildeo tiver objeccedilatildeo a fazer pois como diz o Filoacutesofo ldquo() em dialeacutetica uma premissa eacute
vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo
contra elardquo258
Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para alguns casos em que natildeo sendo muito evidente
o raciociacutenio haacute o risco do adversaacuterio natildeo o admitir e a plateia tambeacutem natildeo perceber esse
fato Uma recomendaccedilatildeo eacute evitar a reduccedilatildeo ao impossiacutevel pois a natildeo ser que a falsidade
seja muito evidente as pessoas simplesmente negam que a conclusatildeo seja impossiacutevel
Outra eacute nunca expressar uma conclusatildeo em forma de pergunta pois se o adversaacuterio
sacudir negativamente a cabeccedila poderaacute parecer que o raciociacutenio falhou Isso porque
muitas vezes mesmo a conclusatildeo sendo apresentada como consequecircncia o adversaacuterio a
nega e os que assistem natildeo conseguem perceber que a conclusatildeo resulta das concessotildees
que foram feitas259
257 Toacutep VIII 1 157a 10-20 258 Toacutep VIII 2 157a 20-157b 35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 136-137 259 Toacutep VIII 2 157b 35-158a 15
63
Aristoacuteteles tambeacutem expotildee sobre as dificuldades em se lidar com certas
hipoacuteteses260 as quais derivam geralmente da conclusatildeo estar demasiado proacutexima do
ponto de partida da falta de clareza dos termos o que torna a argumentaccedilatildeo impossiacutevel
ou surgem porque uma definiccedilatildeo estaacute faltando ou natildeo foi formulada corretamente Deve-
se detectar entatildeo em qual desses casos estaacute o problema e assim fornecer as premissas
intermediaacuterias distinguir ou definir os termos261
As consideraccedilotildees apresentadas acima dizem respeito em geral agrave parte do
questionador ou seja agrave formulaccedilatildeo e ao arranjo das questotildees O objetivo de um bom
questionador eacute levar o adversaacuterio a afirmar as consequecircncias mais inaceitaacuteveis que se
seguem necessariamente da posiccedilatildeo que assumiu Por outro lado o objetivo de um bom
respondente eacute fazer parecer no caso que natildeo eacute ele o responsaacutevel pelo absurdo mas
apenas a tese que assumiu pois eacute possiacutevel distinguir entre assumir uma tese errocircnea e natildeo
a sustentar propriamente depois de tecirc-la assumido262
2 Estrateacutegias do respondedor
O quinto capiacutetulo do livro VIII comeccedila a tratar da parte do respondedor ou
respondente O respondedor deve assumir uma tese que eacute geralmente aceita (ἔνδοξα) ou
geralmente rejeitada (ἄδοξα) ou nem aceita nem rejeitada o que natildeo implica diferenccedila
no modo correto de responder Ele pode tambeacutem defender opiniotildees de outras pessoas
O que se destaca eacute que o questionador vai buscar deduzir a conclusatildeo oposta agrave da tese
assumida pelo respondente Outro ponto importante eacute que no raciociacutenio correto a
conclusatildeo proposta deve ser fundada em premissas mais geralmente aceitas e mais
familiares que ela mesma pois o menos familiar deve ser inferido do mais familiar
Portanto o respondente natildeo deve conceder as perguntas que natildeo tiverem esse caraacuteter do
mais familiar para o menos e do mais aceito para o menos263
O respondente deve sempre considerar que toda questatildeo envolve aleacutem do caraacuteter
geralmente aceito rejeitado ou nenhum dos dois o aspecto de relevacircncia ou irrelevacircncia
para o argumento Questotildees irrelevantes devem ser sempre concedidas Apenas para
evitar ser tomado por ingecircnuo o respondente ao conceder um ponto de vista irrelevante
260 ldquoDespite of the opening sentence the main purpose of this section is to explain what the questioner
should do when confronted with a thesis that is lsquohard to deal withrsquo that is when is hard to find premisses
that will yield the conclusion neededrdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 122 261 Toacutep VIII 3 158a 31-158b 35 262 Toacutep VIII 4 159a 15-25 263 Toacutep VIII 5 159a 38-159b 35 e 6 160a 15-20
64
e que natildeo eacute geralmente aceito deve fazer um comentaacuterio mencionando que sabe dessa
natildeo aceitaccedilatildeo As opiniotildees relevantes para o argumento mas rejeitadas pela grande
maioria das pessoas devem ser rejeitadas por serem muito absurdas Agora as questotildees
muito relevantes para o raciociacutenio podem esgotar muito rapidamente a discussatildeo Se o
ponto de vista eacute relevante e geralmente aceito ou nem geralmente aceito nem rejeitado o
respondedor deve admitir a aceitabilidade mas mencionar que se aceitar a questatildeo logo
se resolve pois estaacute muito proacutexima da premissa originaacuteria Dessa maneira o respondente
deixa claro que o seguimento da argumentaccedilatildeo eacute consequecircncia natural da tese admitida e
natildeo da sua incompetecircncia pessoal264
O respondente tambeacutem deve confrontar o questionador em caso de falta de
clareza ambiguidade e mudanccedila de sentido no uso dos termos Se a pergunta eacute clara e
simples ele deve responder ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Mas se o termo comporta diferentes
significados o respondente pode dizer que natildeo compreende ou que se referia a outro
sentido do termo quando fez a concessatildeo265 Quando a premissa natildeo eacute clara o respondente
natildeo deve concedecirc-la eacute o que recomenda Aristoacuteteles ao apresentar como sofisma o desvio
do significado dos termos nos Argumentos Sofiacutesticos Eacute possiacutevel encontrar nessa obra
alguns exemplos de perguntas a serem respondidas com ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Um caso envolve
o verbo ldquopertencerrdquo
Por exemplo ldquoEacute propriedade dos atenienses tudo que pertence aos
ateniensesrdquo Sim ldquoE do mesmo modo em outros casos Mas nota bem
o homem pertence ao reino animal natildeo eacute verdaderdquo Sim ldquoLogo o
homem eacute propriedade do reino animalrdquo Mas isto eacute um sofisma pois
dizemos que o homem ldquopertencerdquo ao reino animal pelo fato de ser um
animal da mesma forma que dizemos que Lisandro ldquopertencerdquo aos
espartanos por ser espartano Eacute evidente pois que quando a premissa
proposta natildeo eacute clara natildeo se deve concedecirc-la simplesmente266
O respondente antes de sustentar uma tese ou definiccedilatildeo a qual o questionador
tentaraacute demolir deve tentar atacaacute-la ele mesmo como treinamento Ele tambeacutem deve
evitar sustentar uma hipoacutetese geralmente rejeitada seja por ela resultar em uma afirmaccedilatildeo
absurda como dizer que todas as coisas estatildeo em movimento ou nada se move seja por
dizer algo tiacutepico de um homem de maacute-feacute como dizer que cometer injusticcedila eacute melhor do
264 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 265 Toacutep VIII 7 160a 18-34 266 Arg Sof 17 176b 1-8 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 180
65
que sofrecirc-la pois as pessoas detestam quem faz esse tipo de afirmaccedilatildeo acreditando que
a pessoa realmente pensa assim e natildeo apenas argumenta267
3 Diferentes objetivos no debate
Existe uma diferenccedila de objetivos conforme a finalidade da discussatildeo que pode
ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a investigaccedilatildeo Para o exerciacutecio natildeo haacute
regras Em uma competiccedilatildeo o propoacutesito eacute o questionador aparentar que estaacute
influenciando o oponente o qual por sua vez tenta mostrar que natildeo estaacute sendo
influenciado No ensino e aprendizado o propoacutesito eacute dizer o que se pensa pois ningueacutem
tem a intenccedilatildeo de ensinar falsidades Quanto a como proceder para fins de investigaccedilatildeo
(seja exame seja pesquisa) Aristoacuteteles afirma natildeo ter recebido nenhuma tradiccedilatildeo a
respeito disso e assume para si a tarefa de formular algo sobre a mateacuteria conforme
falamos anteriormente268 Essa distinccedilatildeo de objetivos eacute muito importante na medida em
que nos faz ler os Toacutepicos com o cuidado de lembrar que Aristoacuteteles relaciona ali regras
e sugestotildees que servem para todos esses fins Natildeo eacute de se esperar que elas sejam aplicadas
de igual modo em todos os contextos e com as diversas finalidades Natildeo ter isso em
mente de forma clara pode conduzir a uma interpretaccedilatildeo de que Aristoacuteteles natildeo tem uma
proposta coerente e apresenta regras contraditoacuterias aleacutem do risco de se generalizar para
toda obra leituras decorrentes de anaacutelise de paraacutegrafos especiacuteficos
O que dissemos no paraacutegrafo acima sobre a existecircncia de diferentes objetivos
conforme a finalidade da discussatildeo pode ser visto em vaacuterios pontos Um deles eacute quando
Aristoacuteteles admite que nas discussotildees que tecircm em vista o exerciacutecio e a investigaccedilatildeo e
natildeo a instruccedilatildeo as pessoas precisam raciocinar para estabelecer natildeo soacute o que eacute verdadeiro
mas tambeacutem o falso por meio do que eacute verdadeiro e tambeacutem do falso269 Pois ele entende
que agraves vezes o dialeacutetico se vecirc obrigado a refutar o falso por meio de falsidades jaacute que eacute
possiacutevel que algueacutem prefira acreditar mais em coisas imaginaacuterias do que na verdade
Assim seraacute mais faacutecil persuadi-lo ou auxiliaacute-lo No entanto ele ressalva que aquele que
deseja converter algueacutem a uma opiniatildeo diferente por vias corretas deve fazecirc-lo por
meacutetodos dialeacuteticos e natildeo de maneira contenciosa Assim tece uma seacuterie de comentaacuterios
267 Toacutep VIII 9 160b 13-23 268 Toacutep VIII 5 159a 25-38 269 ldquoSecond case gymnastic arguments will sometimes be directed against a true theses in which case the
conclusion that the questioner must deduce is falserdquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 139
66
a respeito do que seria o comportamento de um mau debatedor como veremos
posteriormente 270
Natildeo se pode dizer que o que se aplica ao exerciacutecio e agrave investigaccedilatildeo conforme o
paraacutegrafo anterior se aplica da mesma maneira a uma das utilidades dos Toacutepicos que
satildeo as ciecircncias filosoacuteficas que vimos no primeiro capiacutetulo deste trabalho Para uma
intenccedilatildeo de se elaborar um meacutetodo existem vaacuterios contextos de aplicaccedilatildeo cada um com
necessidades e perspectivas diferentes Apesar de todo o raciociacutenio dialeacutetico partir de
ἔνδοξα conforme a definiccedilatildeo dos Toacutepicos o contexto filosoacutefico por exemplo exige
compromisso com a verdade Na esfera da opiniatildeo natildeo se daacute o mesmo Aristoacuteteles
distingue claramente ldquoCom finalidades filosoacuteficas cabe nos ocuparmos com as
proposiccedilotildees sob o prisma da verdade mas se nossas intenccedilotildees satildeo de caraacuteter dialeacutetico
nossa perspectiva deve ser aquela da opiniatildeordquo271
Certamente haacute diferenccedilas de contexto mais sutis na filosofia de Aristoacuteteles que
essas que identificamos aqui de modo geral como ensino filosofia exerciacutecio
investigaccedilatildeo competiccedilatildeo para aplicaccedilatildeo da dialeacutetica Nossa intenccedilatildeo no momento eacute
apenas chamar a atenccedilatildeo para a existecircncia de distinccedilotildees mostrando alguns exemplos
Destacamos que a presenccedila de detalhes e diferenccedilas natildeo tatildeo evidentes eacute uma caracteriacutestica
dos Toacutepicos que identificamos no decorrer de sua anaacutelise Essa identificaccedilatildeo confirma
que foi boa a nossa escolha da abordagem do assunto seguindo a apresentaccedilatildeo dos
proacuteprios conteuacutedos da obra da forma mais fiel possiacutevel ao texto como ponto de partida
para a compreensatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica Outra abordagem seria o inverso tentar
construir uma ideia de dialeacutetica partindo de categorias interpretativas dos comentadores
o que em nossa visatildeo seria escorregadio tendo em vista que as categorias interpretativas
tendem a generalizar e sistematizar uma visatildeo que nem sempre se coaduna com todos os
aspectos particulares do texto Nos Toacutepicos a unidade que se percebe eacute do tratado cujo
conteuacutedo se aplica a contextos e fins diversos e natildeo de uma descriccedilatildeo de um meacutetodo ou
procedimento uacutenico que se possa chamar precisamente de ldquodialeacuteticordquo Os problemas
para se formar uma visatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica decorrentes da leitura de exemplos
270 Toacutep VIII 11 161a 20-40 ldquoAdemais uma vez que esses argumentos satildeo construiacutedos em vista do
exerciacutecio e do exame e natildeo em vista da instruccedilatildeo eacute evidente que as pessoas tecircm que argumentar para
estabelecer natildeo somente a verdade mas tambeacutem a falsidade e nem sempre por meio do que eacute verdadeiro
como tambeacutem agraves vezes por meio do que eacute falso isto porque com frequecircncia quando o que eacute verdadeiro
foi afirmado o dialeacutetico tem que destruiacute-lo de sorte que opiniotildees falsas precisam ser aventadasrdquo Toacutep VIII
11 151a 25-35 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 535 271 Toacutep I 14 105b 30-35 Ibid p 363
67
extraiacutedos dos textos diversos da filosofia de Aristoacuteteles nos quais parece ser possiacutevel
identificar o meacutetodo dialeacutetico tambeacutem se agrava na seguinte situaccedilatildeo quando natildeo
sabemos se ele estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que jaacute existia como praacutetica ou se ele
estaacute falando de um meacutetodo dialeacutetico que ele mesmo estaacute aprimorando nos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos conforme explicamos no iniacutecio deste capiacutetulo272 Esse eacute mais um
dos pontos que nos chamou a atenccedilatildeo em nosso estudo e que demanda uma anaacutelise
cuidadosa
Ainda sobre essa questatildeo de contextos uma distinccedilatildeo importante a ser estudada
que identificamos em nossa descriccedilatildeo e envolve pressupostos a respeito do conhecimento
em Aristoacuteteles pode-se extrair da parte em que Aristoacuteteles combina como elementos
independentes o verdadeiro e o falso com o geralmente aceito ou rejeitado273 Eacute quando
ele sugere trecircs perguntas para avaliar um argumento que correspondem a saber se o
argumento tem uma conclusatildeo se a conclusatildeo eacute verdadeira ou falsa e que espeacutecie de
premissas o compotildee Pois se as premissas forem geralmente aceitas embora falsas o
argumento seraacute loacutegico (λογικός)274 Se as premissas forem geralmente rejeitadas embora
verdadeiras seraacute um mau argumento Se as premissas forem geralmente rejeitadas e
falsas seraacute obviamente um mau argumento275 Em razatildeo desses elementos serem
apresentados como independentes e combinaacuteveis e mais a observaccedilatildeo de que haacute
contextos para os quais Aristoacuteteles afirma que o que se diz deve estar de acordo com a
verdade como nas ciecircncias filosoacuteficas e no ensino entendemos que eacute prematuro fazer
afirmaccedilotildees geneacutericas sobre a relaccedilatildeo entre noccedilotildees de verdade e falsidade em Aristoacuteteles
e a dialeacutetica com base apenas nos Toacutepicos276 Pois como jaacute foi mostrado o objetivo dos
272 Na Metafiacutesica haacute um bom exemplo em que Aristoacuteteles questiona qual seria o domiacutenio apropriado de
estudo de determinados assuntos que os dialeacuteticos investigam apenas embasados em ἔνδοξα Por outro lado
conforme jaacute mostramos em Toacutep I 2 101a 25-39 os Toacutepicos satildeo uacuteteis para as ciecircncias filosoacuteficas Citamos
o trecho da Metafiacutesica ldquoE complementarmente com relaccedilatildeo ao mesmo e o outro o semelhante e o
dessemelhante e o contraacuterio e com relaccedilatildeo ao anterior e o posterior e todos os demais termos deste jaez
que os dialeacuteticos tentam investigar mas baseando sua investigaccedilatildeo exclusivamente em opiniotildees aceitas
pelo povo Eacute preciso que examinemos a quais domiacutenios pertence o estudo de todas essas questotildeesrdquo Grifo
do autor Met β 1 995b 20-30 ARISTOacuteTELES Met Op cit p 84 273 Lembrando que uma das utilidades dos Toacutepicos eacute o estudo das ciecircncias filosoacuteficas para verificar mais
facilmente o verdadeiro e o falso nas questotildees que surgem na anaacutelise de argumentos contraacuterios a respeito
de um determinado assunto Toacutep I 2 101a 35-39 274 Muitas traduccedilotildees usam o termo ldquodialeacuteticordquo Seguimos a traduccedilatildeo de Smith que usa o termo ldquoloacutegicordquo
sem associar o sentido moderno apesar de Alexandre de Afrodiacutesias considerar o termo equivalente a
ldquodialeacuteticordquo SMITH Aristotle tophellip Op cit p 92 149 275 Toacutep VIII 12 162b 25-30 276 Merece um estudo destacado a questatildeo da possibilidade de a opiniatildeo (δόξα) e o conhecimento (ἐπιστήμη)
terem o mesmo objeto que se apresenta em An Post I 33 89b 20-37 Ali Aristoacuteteles resolve a questatildeo a
partir da equivocidade do termo ldquoo mesmordquo Isso nos remete agrave importacircncia que eacute dada em Toacutep I 7 aos
diversos sentidos da palavra ldquoidentidaderdquo Voltando aos Analiacuteticos conhecimento e opiniatildeo podem ter o
68
Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de ἔνδοξα e esse meacutetodo pode
ser empregado em contextos diversos nos quais a verdade e a falsidade fazem parte ou
natildeo e tecircm maior ou menor relevacircncia
Mais um exemplo de que Aristoacuteteles diferencia contextos para a dialeacutetica se vecirc
quando ele distingue o exerciacutecio dialeacutetico da investigaccedilatildeo seacuteria Referimo-nos agrave passagem
na qual ele recomenda natildeo aceitar numa investigaccedilatildeo seacuteria premissas mal formuladas e
que estejam menos asseguradas que a conclusatildeo o que seria toleraacutevel num exerciacutecio
dialeacutetico 277 No exerciacutecio as premissas podem ser concedidas simplesmente porque
parecem verdadeiras O Filoacutesofo justifica a diferenccedila ldquoEvidentemente pois as
circunstacircncias em que se devem exigir tais concessotildees satildeo diferentes para o que se limita
a fazer perguntas e para o que ensina com seriedaderdquo278
4 Maacute-feacute na argumentaccedilatildeo
No deacutecimo primeiro capiacutetulo de Toacutepicos VIII fica clara a natureza do intercacircmbio
dialeacutetico como um empreendimento cooperativo279 Eacute o momento em que Aristoacuteteles
inicia a distinccedilatildeo entre as criacuteticas que podem ser formuladas aos argumentos em si
mesmos e agrave forma dos debatedores argumentarem Aos problemas que ocorrem nos
proacuteprios argumentos dedicaremos o capiacutetulo a seguir Sobre os problemas dos
debatedores em conduzir a discussatildeo de maneira correta trazemos o que Aristoacuteteles
comenta sobre o que eacute um mau dialeacutetico mau gecircnio mau caraacuteter ou homem de maacute-feacute 280
Aristoacuteteles tipifica a discussatildeo como empreendimento cooperativo quando afirma
que o alcance do seu resultado depende igualmente de ambas as partes Quando o
respondente se recusa a conceder os pontos que possibilitam o adversaacuterio estabelecer
corretamente o argumento contra sua tese e fica agrave espreita atento aos pontos que satildeo
desfavoraacuteveis ao questionador e age de modo desaforado a argumentaccedilatildeo deixa de ser
uma discussatildeo e passa a ser uma contenda Nesse caso quem deve ser atacado eacute o
mesmo objeto em diferentes modos de predicaccedilatildeo O exemplo dado eacute o termo ldquoanimalrdquo que o
conhecimento apreende como essencialmente predicaacutevel de homem e a opiniatildeo apreende tambeacutem como
predicaacutevel de homem poreacutem natildeo essencialmente 277 Conforme jaacute foi dito no raciociacutenio dialeacutetico o raciociacutenio parte de premissas mais aceitas que a
conclusatildeo Aristoacuteteles diz ldquoOs que intentam deduzir uma inferecircncia de premissas mais geralmente
rejeitadas do que a conclusatildeo evidentemente natildeo raciocinam certo portanto quando se perguntam tais
coisas natildeo se deve concedecirc-lasrdquo Toacutep VIII 6 160a 15-20 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p
143 278 Toacutep VIII 3 159a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 140 279 SMITH Aristotle tophellip Op cit p 138 139 280 Toacutep VIII 8 160b 1-10
69
argumentador e natildeo o argumento281Pois a argumentaccedilatildeo que natildeo seja uma mera contenda
tem uma meta comum de os dois participantes chegarem ao fim da discussatildeo mostrando
um bom desempenho conforme as regras que orientam o debate como quem disputa um
ldquojogo justordquo Perder a compostura e raciocinar apenas conforme o possiacutevel no momento
eacute considerado exceccedilatildeo282 A seguinte passagem ilustra bem o que dissemos
O princiacutepio de que aquele que impede ou estorva um empreendimento
comum eacute um mau companheiro tambeacutem se aplica evidentemente agrave
argumentaccedilatildeo pois tambeacutem nesta se tem em vista um objetivo
comum salvo quando se trata de simples contendentes Estes com
efeito natildeo podem alcanccedilar juntos a mesma meta e natildeo eacute possiacutevel que
haja mais de um vencedor Para eles eacute indiferente conquistar a vitoacuteria
como respondente ou inquiridor pois eacute tatildeo mau dialeacutetico aquele que
faz perguntas contenciosas como aquele que ao responder se nega a
admitir o que eacute evidente ou a compreender o significado do que o outro
pergunta283
Um bom debatedor pode ser considerado como tal mesmo ldquoperdendordquo uma
disputa Isso eacute visto no sexto capiacutetulo de Toacutepicos VIII Conforme jaacute falamos sobre as
estrateacutegias do respondedor se esse uacuteltimo conceder uma premissa que resolva a discussatildeo
muito rapidamente deveraacute deixar claro que estaacute ciente da situaccedilatildeo Assim natildeo pareceraacute
pessoalmente responsaacutevel por isso284 Por outro lado se recusar-se a conceder uma
premissa universal sem apresentar um exemplo contraacuterio eacute indiacutecio de maacute-feacute Se a
proposiccedilatildeo universal for apoiada por meio da induccedilatildeo ou da semelhanccedila em muitos
casos e ele natildeo apresentar nenhum contraexemplo eacute sinal de mau gecircnio ou mau caraacuteter
Enfim se ele aleacutem disso nem tentar demonstrar a falsidade do argumento maior ainda
seraacute a probabilidade de ser considerado um homem de maacute-feacute285
Tambeacutem eacute considerada tiacutepica atitude de um mau debatedor a insistecircncia do
questionador em perguntar a mesma coisa durante muito tempo o que indica que estaacute
fazendo um grande nuacutemero de perguntas ou que estaacute repetindo a mesma pergunta um
grande nuacutemero de vezes Isso seria tagarelice ou ausecircncia de raciociacutenio pois um
raciociacutenio envolve sempre um pequeno nuacutemero de premissas Se a insistecircncia nas
281Toacutep VIII 11 161a 15-25 282 Toacutep VIII 11 161b 1-10 283 Grifo nosso Toacutep VIII 11 161a 35-161b 5 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 146 284 Toacutep VIII 6 159b 35-160a 15 285 Toacutep VIII 8 160b 1-10
70
perguntas acontece porque a outra parte natildeo responde eacute tambeacutem sua responsabilidade
chamar a atenccedilatildeo ou encerrar a discussatildeo286
A dissimulaccedilatildeo da sequecircncia de raciociacutenios que levam agrave conclusatildeo conforme
mostramos ao tratar das estrateacutegias do questionador fazem parte do ldquojogo justordquo da
argumentaccedilatildeo Assim natildeo eacute caso de maacute-feacute A melhor analogia a se fazer eacute com o jogo de
xadrez no qual estaacute em conformidade com as regras os jogadores tentarem esconder suas
estrateacutegias e antecipar as do adversaacuterio287Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles
caracteriza o raciociacutenio eriacutestico como um tipo de luta desleal na discussatildeo comparando-o
com a injusticcedila em uma competiccedilatildeo desportiva288
Os Toacutepicos terminam com a recomendaccedilatildeo de se selecionar o adversaacuterio do
debate evitando-se a discussatildeo com o indiviacuteduo natildeo qualificado para tal o que levaria a
cair o niacutevel da argumentaccedilatildeo No seguinte trecho do final de Toacutepicos VIII Aristoacuteteles
reforccedila a ideia de que o exerciacutecio dialeacutetico pressupotildee uma qualificaccedilatildeo intelectual e
moral
Natildeo se deve argumentar com todo mundo nem praticar argumentaccedilatildeo
com o homem da rua pois haacute gente com quem toda discussatildeo tem por
forccedila que degenerar Com efeito contra um homem que natildeo recua
diante de meio algum para aparentar que natildeo foi derrotado eacute justo tentar
todos os meios de levar a bom fim a conclusatildeo que nos propomos mas
isso eacute contraacuterio agraves boas normas Por isso a melhor regra eacute natildeo se pocircr
levianamente a argumentar com o primeiro que se encontra pois daiacute
resultaraacute seguramente uma maacute argumentaccedilatildeo289
A preocupaccedilatildeo do Filoacutesofo com a honestidade da argumentaccedilatildeo tambeacutem estaacute
presente nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles chama a arte sofiacutestica de ldquo() o simulacro
da sabedoria sem a realidade e o sofista eacute aquele que faz comeacutercio de uma sabedoria
aparente mas irrealrdquo290 Uma razatildeo que julgamos muito convincente para se considerar
essa obra o seguimento dos Toacutepicos eacute o que eacute dito em uma passagem escrita no final dela
291 Ali Aristoacuteteles anuncia que recordaraacute seu propoacutesito inicial diraacute algumas palavras sobre
ele e enfim encerraraacute o tratado Entatildeo ele recapitula os objetivos e conteuacutedos dos
Toacutepicos especialmente os assuntos dos livros I e VIII os quais apresentamos
anteriormente Essa passagem eacute uma tiacutepica revisatildeo de objetivos e assuntos que
286 Toacutep VIII 2 158a 25-30 287 Smith compara o exerciacutecio dialeacutetico a um jogo de esgrima SMITH Aristotle tophellip Op cit p xx-xxi 288 Arg Sof 11 171b 22-24 289 Toacutep VIII 14 164b 5-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 152 290 Arg Sof 1 165a 20-25 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156 291 Eacute a mesma conclusatildeo de Oswaldo Porchat Pereira PEREIRA Ciecircncia e dialeacutet Op cit p 367
71
usualmente se faz ao final de uma mesma obra Ele recapitula o seguinte o propoacutesito de
descobrir um meacutetodo de se raciocinar a partir de ἔνδοξα sobre qualquer problema
proposto o de mostrar a que casos esse meacutetodo se aplica e quais materiais que podem ser
utilizados para esses fins o de mostrar quais satildeo as fontes que proporcionam um bom
suprimento de argumentos como dispor as perguntas e respostas do debate dialeacutetico e
como resolver problemas concernentes a esses e tambeacutem o de esclarecer demais assuntos
relacionados a essa investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aristoacuteteles reserva apenas a uacuteltima
linha do paraacutegrafo para mencionar a abordagem dos viacutecios do raciociacutenio que eacute tema
especiacutefico dos Argumentos Sofiacutesticos Como se vecirc
Nosso intento era descobrir alguma faculdade de raciocinar sobre
qualquer tema que nos fosse proposto partindo das premissas mais
geralmente aceitas que existem Pois essa eacute a funccedilatildeo essencial da arte
da discussatildeo (dialeacutetica) e da criacutetica Mas como tambeacutem faz parte dela
devido agrave presenccedila proacutexima da arte dos sofistas (a sofiacutestica) natildeo apenas
o ser capaz de conduzir uma criacutetica dialeticamente mas tambeacutem com
uma certa exibiccedilatildeo de conhecimento nos propusemos como fim do
nosso tratado aleacutem do objetivo supramencionado de ser capaz de exigir
uma justificaccedilatildeo de todo e qualquer ponto de vista tambeacutem o de
assegurar que ao fazer frente a um argumento possamos defender
nossa tese da mesma maneira por meio de opiniotildees geralmente aceitas
quanto possiacutevel Jaacute explicamos a razatildeo disto e era pelo mesmo motivo
que Soacutecrates costumava fazer perguntas e natildeo respondecirc-las
confessando sempre a sua ignoracircncia Demos indicaccedilotildees claras no que
precede natildeo soacute sobre o nuacutemero de casos em que isso se aplicaraacute e dos
materiais que se podem utilizar para esse fim mas tambeacutem sobre as
fontes que nos proporcionaratildeo um bom suprimento destes uacuteltimos
Mostramos tambeacutem como inquirir e dispor a inquiriccedilatildeo como um todo
e os problemas concernentes agraves respostas e soluccedilotildees que se devem usar
contra os raciociacutenios do inquiridor Aclaramos igualmente os
problemas ligados a todas as mateacuterias que se acham incluiacutedas nesta
investigaccedilatildeo sobre os argumentos Aleacutem disso tratamos tambeacutem do
assunto Viacutecios de Raciociacutenio (παραλογισμός) como fizemos notar
acima292
292 Arg Sof 34 183a 35-183b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 196
72
IV Viacutecios de raciociacutenio
As criacuteticas e objeccedilotildees que podem ser feitas a respeito do comportamento dos
debatedores foram expostas no capiacutetulo anterior O objeto do presente capiacutetulo diz
respeito aos erros que podem ser identificados nos proacuteprios argumentos ou ligados a eles
Usamos portanto para o tiacutetulo do capiacutetulo a expressatildeo ldquoviacutecios de raciociacuteniordquo com um
sentido mais amplo do que o de significados especiacuteficos atribuiacutedos ao termo ldquofalaacuteciardquo
como o de raciociacutenio invaacutelido Em relaccedilatildeo ao uso dos termos teacutecnicos empregados neste
capiacutetulo usaremos as palavras conforme o proacuteprio Aristoacuteteles apresenta em seu texto
pois natildeo identificamos uma classificaccedilatildeo muito precisa e uniforme do que corresponde a
certas palavras como o caso de ψεῦδος e παραλογισμός Conforme apresentaremos a
seguir o Estagirita trata de enganos defeitos e falsidades diversas que podem ocorrer na
argumentaccedilatildeo de um modo bastante geral
Jaacute dissemos anteriormente que Kneale e Kneale observam nos Toacutepicos muitos
exemplos de uma ldquoloacutegica da linguagem vulgarrdquo que extrapolam a loacutegica formal
silogiacutestica ou natildeo silogiacutestica293 Apesar de o raciociacutenio (συλλογισμός) ou silogismo ser
definido de forma ampla e praticamente idecircntica nos Toacutepicos e no iniacutecio dos Primeiros
Analiacuteticos como o que se deduz necessariamente de proposiccedilotildees dadas294 eacute nos
Analiacuteticos que Aristoacuteteles desenvolve a sua teoria do silogismo Nos Toacutepicos Kneale e
Kneale constatam que o termo ldquosilogismordquo eacute usado para qualquer argumento conclusivo
a partir de mais de uma premissa Ainda assim esses autores destacam que os Toacutepicos
antecipam vaacuterias teses da silogiacutestica e se propotildeem a mostrar em O Desenvolvimento da
Loacutegica essa evoluccedilatildeo e o quanto Aristoacuteteles estaacute perto nos Toacutepicos de formular regras
silogiacutesticas295 A exposiccedilatildeo sobre o desenvolvimento da teoria do silogismo ultrapassa o
escopo do nosso trabalho mas devemos mencionar que no contexto dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos as ideias sobre raciociacutenio natildeo representam o pensamento maduro
de Aristoacuteteles sobre loacutegica
Kneale e Kneale ao analisarem a teoria do silogismo nos Toacutepicos verificam que
em certa medida a teoria dos Toacutepicos aponta para a classificaccedilatildeo em quatro de cinco
293 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 44-45 294 Toacutep I 1 100a 25-20 An Pr I 1 24b 20-25 295 KNEALE O desenvolvimento Op cit p 38 45
73
possiacuteveis relaccedilotildees entre termos gerais se esses forem pensados como nomes de classes
As cinco relaccedilotildees possiacuteveis entre quaisquer duas classes X e Y satildeo coincidecircncia
inclusatildeo (de X por Y) inclusatildeo (de Y por X) interseccedilatildeo e exclusatildeo Aristoacuteteles natildeo
reconhece explicitamente a relaccedilatildeo de exclusatildeo mas as demais relaccedilotildees satildeo visiacuteveis nas
quatro ordens de predicaccedilatildeo ou predicaacuteveis dos Toacutepicos A inclusatildeo de X em Y e Y em
X reflete-se no gecircnero contendo a espeacutecie e a espeacutecie contida no gecircnero a coincidecircncia
se expressa na definiccedilatildeo e no proacuteprio e o acidente corresponde agrave interseccedilatildeo296
As relaccedilotildees de predicaccedilatildeo conforme as categorias acima a clareza e correccedilatildeo no
uso dos termos a induccedilatildeo (ἐπαγογή) bem empregada a adequaccedilatildeo do tipo de raciociacutenio
ao assunto ao qual pertence e a ausecircncia de falsidades e erros de modo geral nos
silogismos satildeo o que se destacam segundo o que observamos nos Toacutepicos e Argumentos
Sofiacutesticos como criteacuterios de correccedilatildeo de raciociacutenio em sentido amplo cuja violaccedilatildeo
justifica uma refutaccedilatildeo Eacute nessa perspectiva que passamos a abordar o que chamamos de
viacutecios de raciociacutenio
Aristoacuteteles comeccedila a tratar de falsidades (ψεῦδος) em argumentos no livro VIII
dos Toacutepicos mas eacute do iniacutecio dos Argumentos Sofiacutesticos que se pode extrair a ideia de que
a falsidade diz respeito de modo geral agrave sabedoria aparente (ϕαινομένη σοϕία) tiacutepica do
sofista daiacute o fato de os Argumentos Sofiacutesticos abordarem falsidades diversas No iniacutecio
dos Argumentos Sofiacutesticos o Filoacutesofo anuncia que passaraacute a tratar dos argumentos que
parecem ser refutaccedilotildees (ϕαινομένων ἐλέγχων ὄντων) mas na verdade natildeo passam de
falaacutecias (παραλογισμός) Aristoacuteteles ressalta que a questatildeo eacute mesmo de aparecircncia com
exemplos simples como o caso de pessoas que satildeo belas porque possuem realmente
beleza enquanto outras parecem belas porque se cobrem de enfeites E tambeacutem o caso de
coisas inanimadas como as que parecem ser de ouro e prata quando na verdade natildeo o
satildeo297Sua definiccedilatildeo de refutaccedilatildeo e argumento sofiacutesticos eacute
Entendo por refutaccedilatildeo sofiacutestica e silogismo sofiacutestico (σοφιστικὸν
ἔλεγχον καὶ συλλογισμὸν) natildeo somente o silogismo ou a refutaccedilatildeo que
aparenta secirc-lo e natildeo o eacute (φαινόμενον συλλογισμὸν ἢ ἔλεγχον) como
296 Ibid p 41 Um bom exemplo dos Toacutepicos que ilustra essas relaccedilotildees eacute o seguinte trecho ldquoAleacutem disso
quem tenha feito uma afirmaccedilatildeo qualquer fez em certo sentido vaacuterias afirmaccedilotildees dado que cada afirmaccedilatildeo
tem um nuacutemero de consequecircncias necessaacuterias por exemplo quem disse ldquoXrdquo eacute um homem tambeacutem disse
que ele eacute um animal que eacute um ser animado e um biacutepede e que eacute capaz de adquirir razatildeo e conhecimento
de forma que pela demoliccedilatildeo de uma soacute destas consequecircncias seja ela qual for a afirmaccedilatildeo original eacute
igualmente demolidardquo Toacutep II 5 112a 17-22 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 31 297 Arg Sof 1 164a 20-164b 25
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tambeacutem aquele que embora seja apenas aparentemente se ajusta ao
sujeito (assunto) em pauta298
Acrescentamos ainda outra definiccedilatildeo dada nos Argumentos Sofiacutesticos ldquoFalso
silogismordquo (ψευδὴς συλλογισμός) pode significar duas coisas um silogismo aparente ou
um silogismo que leva a uma conclusatildeo falsa299
No livro VIII dos Toacutepicos Aristoacuteteles observa que um argumento (λόγος) pode ter
muitas falsidades (ψεῦδος) Nesse caso a falsidade eacute das proposiccedilotildees envolvidas O
exemplo apresentado eacute
Quem estaacute sentado escreve
Soacutecrates estaacute sentado
Soacutecrates estaacute escrevendo
A questatildeo refere-se a argumentos que levam a conclusotildees falsas Aristoacuteteles
sugere identificar e refutar demonstrando a razatildeo do erro a proposiccedilatildeo que daacute origem agrave
conclusatildeo falsa ainda que o argumento contenha muitas falsidades A anaacutelise feita sobre
o exemplo acima eacute que ainda que se possa demonstrar a falsidade da proposiccedilatildeo
ldquoSoacutecrates estaacute sentadordquo natildeo eacute dela que depende a falsidade do argumento O que deve
ser refutado eacute ldquoQuem estaacute sentado escreverdquo pois nem sempre quem estaacute sentado escreve
e se algueacutem estivesse sentado sem estar escrevendo essa conclusatildeo do argumento natildeo
seria possiacutevel300
Haacute especificamente cinco tipos de criacuteticas que podem ser feitas ao argumento em
si mesmo O primeiro caso se daacute quando natildeo se pode inferir das perguntas nem a
conclusatildeo proposta nem qualquer outra conclusatildeo porque a maioria ou todas as
premissas satildeo falsas ou geralmente rejeitadas e aleacutem disso natildeo haacute nem retrataccedilotildees nem
adiccedilotildees que tornem possiacutevel a conclusatildeo O segundo ocorre quando o raciociacutenio eacute
irrelevante agrave tese assumida O terceiro caso acontece quando o raciociacutenio precisa de
premissas adicionais mas as acrescentadas satildeo mais fracas do que as propostas como
perguntas e tambeacutem menos geralmente aceitas do que as conclusotildees O quarto ocorre
quando haacute excesso de premissas no raciociacutenio e eacute necessaacuterio suprimir algumas pois agraves
vezes as pessoas estabelecem mais premissas do que o necessaacuterio e natildeo eacute por meio delas
que se chega agrave conclusatildeo O quinto se daacute quando o raciociacutenio parte de premissas que satildeo
298 Arg Sof 8 169b 20-25 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit p 560 299 Arg Sof 18 176b 30-35 300 Toacutep VIII 10 160b 23-39
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menos geralmente aceitas e menos criacuteveis do que a conclusatildeo ou quando as premissas
satildeo verdadeiras mas datildeo mais trabalho para demonstrar do que o problema proposto
Ainda eacute possiacutevel distinguir o meacuterito do argumento em si mesmo e em relaccedilatildeo ao problema
proposto ou seja em relaccedilatildeo agrave conclusatildeo que se tem em vista Pois o argumento que parte
de premissas ingecircnuas mesmo que leve a uma conclusatildeo pode ser pior que outro que natildeo
leve a conclusatildeo nenhuma sem premissas adicionais Aristoacuteteles destaca poreacutem que
conforme esclareceu nos Analiacuteticos eacute possiacutevel chegar a uma conclusatildeo verdadeira por
meio de premissas falsas301Tambeacutem comete um erro (ἁμαρτία) no raciociacutenio
(συλλογισμός) por ocultar a verdadeira base do argumento (λόγος) aquele que
demonstra alguma coisa mediante uma longa seacuterie de passos quando poderia fazecirc-lo por
um processo mais curto usando material jaacute incluiacutedo em seu argumento302
Um argumento (λόγος) eacute denominado falso (ψευδὴς) em quatro sentidos No
primeiro o argumento parece chegar a uma conclusatildeo mas na realidade natildeo o faz Eacute o
caso do raciociacutenio eriacutestico que jaacute explicamos no primeiro capiacutetulo deste trabalho303 No
segundo o argumento chega a uma conclusatildeo mas natildeo agravequela que foi proposta Esse eacute o
caso principalmente da reduccedilatildeo ao impossiacutevel ou seja o raciociacutenio que leva a uma
conclusatildeo absurda ou impossiacutevel de ser aceita No terceiro caso o argumento tambeacutem eacute
eriacutestico e a falsidade se daacute quando os meios de investigaccedilatildeo natildeo satildeo adequados ao
assunto Por exemplo aplicar na medicina um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina
ou tomar por dialeacutetico um argumento que natildeo eacute dialeacutetico seja a conclusatildeo verdadeira ou
falsa O quarto sentido no qual o argumento eacute falso se daacute quando a conclusatildeo eacute alcanccedilada
por meio de premissas falsas Assim a conclusatildeo seraacute agraves vezes falsa e outras vezes
verdadeira Ali Aristoacuteteles ressalva novamente que eacute possiacutevel que uma conclusatildeo
verdadeira seja inferida de premissas falsas 304
Por fim nos Toacutepicos o Estagirita discorre sobre as cinco maneiras de se incorrer
em peticcedilatildeo de princiacutepio destacando que eacute de acordo com a opiniatildeo (δόξα) jaacute que
conforme a verdade (ἀλήθεια) ele tratou do assunto nos Analiacuteticos305A primeira eacute
postular o proacuteprio ponto que se quer demonstrar o que eacute facilmente detectado quando se
301 Toacutep VIII 11 161b 20-162a 12 An Pr II 2-4 302 Toacutep VIII 11 161b-162a 23 303 Aristoacuteteles tambeacutem ressalta em outro trecho que se trata de um sofisma (σόϕισμα) e natildeo de uma
demonstraccedilatildeo (ἀπόδειξις) o argumento que parece demonstrar algo mas esse algo eacute irrelevante para a
conclusatildeo Toacutep VIII 11 162a 12-15 304 Toacutep VIII 12 162b 1-15 305 An Pr II 16
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expressa nas mesmas palavras mas pode passar despercebido com o uso de termos e
expressotildees diferentes A segunda eacute postular universalmente o que se pretende demonstrar
para um caso particular como o caso de fazer o adversaacuterio admitir que o conhecimento
dos opostos em geral eacute um soacute para demonstrar que o conhecimento dos contraacuterios eacute um
soacute A terceira maneira eacute postular em casos particulares o que se propotildee a demostrar de
modo universal Por exemplo postular um par particular de contraacuterios para demonstrar
que o conhecimento dos contraacuterios eacute o mesmo O quarto modo eacute postular partes separadas
da conclusatildeo que se quer obter Por exemplo para demonstrar que a medicina eacute a ciecircncia
da sauacutede e da doenccedila postular uma parte e depois a outra Por fim o quinto modo de se
incorrer em peticcedilatildeo de princiacutepio eacute postular separadamente cada parte de um par de
afirmaccedilotildees que se implicam mutuamente e necessariamente como por exemplo postular
que o lado eacute incomensuraacutevel com a diagonal para demonstrar que a diagonal eacute
incomensuraacutevel com o lado306
Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles retoma as distinccedilotildees feitas no iniacutecio dos
Toacutepicos entre raciociacutenio dialeacutetico e eriacutestico acrescentando ainda o sofiacutestico em
contraste com o eriacutestico com mais algumas informaccedilotildees O raciociacutenio eriacutestico eacute um
raciociacutenio apenas em aparecircncia ou que parte de opiniotildees que apenas parecem ser
geralmente aceitas ou apenas parece se conformar com o assunto em questatildeo Por isso
ele eacute enganoso e desleal Aristoacuteteles compara essa deslealdade agrave injusticcedila em uma
competiccedilatildeo desportiva Assim ele distingue os raciocinadores eriacutesticos dos sofistas pois
o motivo do eriacutestico eacute sustentar uma aparecircncia de vitoacuteria num debate enquanto que o
sofista busca manter uma aparecircncia de sabedoria e com isso ganhar renome e
enriquecer307
A dialeacutetica conforme jaacute explicamos parte de premissas geralmente aceitas e trata
de temas gerais Nos Argumentos Sofiacutesticos Aristoacuteteles ressalta essa questatildeo da
adequaccedilatildeo dos tipos de raciociacutenio aos assuntos em funccedilatildeo da caracterizaccedilatildeo dessa
inadequaccedilatildeo como raciociacutenio eriacutestico Desse modo ele deixa bem claro que um
paralogismo ou falaacutecia que ocorre na ciecircncia particular como uma falsa descriccedilatildeo de
um semiciacuterculo que engana o geocircmetra natildeo eacute raciociacutenio eriacutestico Na verdade trata-se de
um erro num contexto particular No entanto seria eriacutestico conforme o exemplo do
Filoacutesofo o caso de algueacutem se recusar a dar um passeio apoacutes o jantar utilizando o
306 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 307 Toacutep I 1 100b 23 101a 5 Arg Sof 11 171b 7-35
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argumento de Zenon de que o movimento eacute impossiacutevel Pois isso natildeo seria um argumento
apropriado a um meacutedico jaacute que o argumento de Zenon eacute de aplicabilidade geral portanto
dialeacutetico308
Haacute cinco fins visados pelos competidores no debate Satildeo eles em ordem de
preferecircncia a refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) a falaacutecia (ψεῦδος) o paradoxo (παράδοξος) o
solecismo (σολοιχισμός) e a reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia Ou entatildeo produzir a
aparecircncia de ter conseguido uma dessas coisas309
As formas de refutaccedilatildeo satildeo de dois tipos as que dependem da linguagem e as que
independem Haacute seis formas possiacuteveis de se produzir uma falsa aparecircncia de argumento
em funccedilatildeo da linguagem em razatildeo de natildeo se utilizar os mesmos nomes e expressotildees para
as mesmas coisas Satildeo elas a ambiguidade ou equiacutevoco (ὁμωνυμία) a anfibologia
(ἀμφιβολία) a combinaccedilatildeo (σύνθεσις) a divisatildeo (διαίρεσις) a acentuaccedilatildeo (προσῳδία) e
a forma de expressatildeo (σχῆμα λέξεως) 310 Essas correspondem ao que chamamos hoje
de falaacutecias de ambiguidade311
Um exemplo de ambiguidade eacute ldquoOs males satildeo bons pois o que deve existir eacute
bom e os males devem existirrdquo Nesse caso a ambiguidade estaacute em ldquodeve existirrdquo que
pode significar ldquoaquilo que eacute inevitaacutevelrdquo como tambeacutem pode significar o que ldquodeve serrdquo
por que eacute bom 312 A anfibologia eacute uma ambiguidade na funccedilatildeo sintaacutetica por exemplo
quando natildeo se sabe se um termo exerce a funccedilatildeo de sujeito ou objeto em uma oraccedilatildeo Um
exemplo de anfibologia eacute a frase ldquoO filho ama o pairdquo
As falaacutecias que envolvem a combinaccedilatildeo e a divisatildeo das palavras satildeo possiacuteveis
porque uma expressatildeo pode adquirir diferentes significados conforme a combinaccedilatildeo das
palavras Lembramos principalmente para a combinaccedilatildeo divisatildeo e acentuaccedilatildeo que
estamos tratando de debates orais Esses conceitos referem-se agrave liacutengua grega antiga e
Aristoacuteteles destaca que na liacutengua escrita uma palavra eacute a mesma quando escrita do
mesmo modo mas a palavra falada natildeo sendo costume da eacutepoca acrescentar a elas sinais
adicionais (acentos e espiacuteritos) para mostrar a pronuacutencia313 De combinaccedilatildeo das palavras
308 Arg Sof 11 171b 35-172a 15 309 Arg Sof 3 165b 13-20 310 Arg Sof 4 165b 25-30 311 COPI Irving Marmer Introduccedilatildeo agrave loacutegica Traduccedilatildeo de Aacutelvaro Cabral 2 ed Satildeo Paulo Mestre Jou
1978 p 91 312 Arg Sof 4 165b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 157 313 Arg Sof 20 177a 33-177b 10
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o exemplo dado eacute ldquoUm homem pode caminhar enquanto estaacute sentadordquo Haacute duas
possibilidades de entendimento pelas seguintes leituras enquanto estaacute sentado o homem
tem o poder de caminhar Ou entatildeo eacute possiacutevel que um homem caminhe enquanto estaacute
sentado Como exemplo de divisatildeo as seguintes frases se estivessem unidas em uma soacute
teriam significados diferentes do que vistas separadamente ldquoLivre tornei-te um escravordquo
ldquodivino Aquiles deixou 150 homensrdquo314 Um sofisma que depende da combinaccedilatildeo de
palavras eacute ldquoVi um homem ser espancado com os meus olhosrdquo ldquoViste-o ser espancado
com aquilo com que foi espancadordquo315
Aristoacuteteles diz que natildeo eacute faacutecil criar argumentos que dependam da prosoacutedia nas
discussotildees orais e que eacute mais faacutecil nas discussotildees escritas e na poesia Ele cita dois
exemplos da Iliacuteada de Homero que natildeo satildeo claros e soacute funcionam em grego316 No
entanto atualmente a falaacutecia de ecircnfase no discurso oral eacute muito bem compreendida e
facilmente exemplificaacutevel como no seguinte caso ldquoEu natildeo falei isso ontemrdquo A ecircnfase
na palavra grifada sugere que o sujeito da oraccedilatildeo poderia ter falado tal coisa em outro dia
Tirando-se a ecircnfase na palavra esse significado jaacute natildeo eacute possiacutevel
As refutaccedilotildees que se referem agrave forma de expressatildeo dizem respeito a expressar da
mesma forma o que natildeo eacute o mesmo na realidade317 Trata-se de uma forma de dizer que
abrange duas interpretaccedilotildees como no seguinte diaacutelogo sofiacutestico ldquoEacute possiacutevel estar
fazendo e ter feito uma coisa ao mesmo tempordquo ldquoNatildeordquo ldquoEntretanto eacute bem possiacutevel estar
vendo uma coisa e tecirc-la visto ao mesmo tempo e sob o mesmo aspectordquo318
As falaacutecias (παραλογισμός) que independem da linguagem satildeo de sete tipos as
relacionadas ao acidente (συμβεβηκός) aquelas relacionadas ao uso de uma expressatildeo
em sentido absoluto ou entatildeo natildeo absoluto mas qualificada por modo lugar tempo ou
relaccedilatildeo aquelas relacionadas agrave ignoracircncia da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος ἄγνοια) as relacionadas
ao consequente (ἑπομένος) as que dependem da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado as que apontam como causa o que natildeo eacute a causa e as que unem vaacuterias
questotildees em uma soacute319
314 Arg Sof 4 165b 33-38 315 Arg Sof 20 177a 37-177b 15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 183 316 Arg Sof 4 166b 1-10 317 Arg Sof 4 166b 10-15 318 Arg Sof 22 178a 5-10 Ibid p 184 319 Arg Sof 4 166b 20-30
79
As falaacutecias (παραλογισμός) relacionadas ao acidente ocorrem quando se afirma
que alguns atributos pertencem de modo semelhante agrave coisa e seus acidentes Pois como
uma coisa tem muitos acidentes natildeo se segue necessariamente que os mesmos atributos
pertencem a todos os predicados de uma coisa e tambeacutem a ela mesma Por exemplo
ldquoCoriscordquo eacute diferente de ldquoSoacutecratesrdquo em seus acidentes mas natildeo em seu gecircnero que eacute
ldquohomemrdquo No entanto um sofista poderia argumentar ldquoSe Corisco eacute diferente de
Soacutecrates e Soacutecrates eacute homem entatildeo ele admitiu que Corisco eacute diferente de um homem
pois sucede que a pessoa de quem afirmou que Corisco difere eacute um homemrdquo320
Sobre as falaacutecias relacionadas ao sentido absoluto ou natildeo absoluto essas ocorrem
ao se tomar uma expressatildeo usada num sentido particular como se fosse usada num sentido
absoluto Pois a expressatildeo que afirma que algo ldquonatildeo eacuterdquo num sentido particular por
exemplo dizer ldquoX natildeo eacute homemrdquo natildeo pode ser tomada no sentido absoluto como ldquoX natildeo
eacuterdquo Outro caso seria predicar algo de algum sujeito em certo aspecto ou absolutamente
como ldquoSuponha-se que um indiano seja preto da cabeccedila aos peacutes mas branco no que toca
aos dentes entatildeo ele eacute ao mesmo tempo branco e natildeo brancordquo321
As falaacutecias que dependem da ignoracircncia da refutaccedilatildeo ocorrem por natildeo terem sido
definidos silogismo e refutaccedilatildeo Refutaccedilatildeo (ἔλεγχος) eacute a contradiccedilatildeo do que eacute predicado
de uma coisa com base nas premissas concedidas e no que se segue necessariamente
delas no mesmo aspecto relaccedilatildeo modo e tempo Essas falaacutecias decorrem do
desconhecimento das pessoas a respeito do que uma refutaccedilatildeo consiste Em razatildeo disso
elas acabam por fazer refutaccedilotildees apenas aparentes tentando demonstrar por exemplo
que uma coisa eacute e natildeo eacute o dobro porque dois eacute o dobro de um e natildeo eacute o dobro de trecircs322
A falaacutecia relacionada ao consequente (ἑπομένος) eacute uma suposiccedilatildeo de que a
conversibilidade de uma relaccedilatildeo de causa e consequecircncia seja necessaacuteria Ou seja supor
que se quando existe A tambeacutem existe B entatildeo quando existir B tambeacutem existiraacute A O
Filoacutesofo destaca que disso tambeacutem surgem os enganos das opiniotildees que tem por base a
percepccedilatildeo dos sentidos O exemplo claacutessico dessa falaacutecia e que se encontra nos
Argumentos Sofiacutesticos eacute A rua estaacute molhada logo choveu Mas do fato do chatildeo estar
molhado natildeo eacute necessaacuterio que tenha chovido323
320 Arg Sof 5 166b 29 38 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p159 321 Arg Sof 5 166b 38-167a 12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p160 322 Arg Sof 5 167a 20-35 323 Arg Sof 5 167b 1-10
80
Sobre as falaacutecias decorrentes da pressuposiccedilatildeo do ponto original a ser
demonstrado Aristoacuteteles afirma nos Argumentos Sofiacutesticos que ocorrem do mesmo
modo e formas em que se pode cair em peticcedilatildeo de princiacutepio Esses cinco modos jaacute foram
apresentados anteriormente e estatildeo descritos nos Toacutepicos324
A refutaccedilatildeo de uma falsa causa depende de tomar como causa no argumento para
fins de refutaccedilatildeo aquilo que natildeo eacute causa de sua impossibilidade Aristoacuteteles diz que esse
tipo de falaacutecia ocorre nas reduccedilotildees ao impossiacutevel pois nessas eacute preciso destruir a premissa
que leva agrave conclusatildeo impossiacutevel Tomar erroneamente a premissa que conduz agrave
impossibilidade da conclusatildeo eacute uma refutaccedilatildeo baseada na falsa causa O exemplo dos
Argumentos Sofiacutesticos eacute a refutaccedilatildeo da proposiccedilatildeo de que ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a
mesma coisa em razatildeo de argumentos que supostamente levariam agrave conclusatildeo de que a
ldquovida eacute uma geraccedilatildeordquo e ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel Entatildeo se concluiria que
ldquoalmardquo e ldquovidardquo natildeo satildeo a mesma coisa O caminho da argumentaccedilatildeo eacute ldquoser geradordquo eacute
o contraacuterio de ldquoperecerrdquo entatildeo ldquouma forma particular de perecerrdquo seraacute o contraacuterio de
ldquouma forma particular de ser geradordquo Portanto a ldquomorterdquo eacute ldquouma forma particular de
perecerrdquo e tem como contraacuterio a ldquovidardquo Assim se conclui que a ldquovidardquo eacute uma geraccedilatildeo e
ldquoviver eacute ser geradordquo o que eacute impossiacutevel No entanto a verdadeira causa da
impossibilidade do argumento natildeo eacute que a ldquovidardquo natildeo eacute idecircntica agrave ldquoalmardquo mas que a
ldquovidardquo eacute o contraacuterio da ldquomorterdquo a qual eacute uma forma de ldquoperecerrdquo que eacute o contraacuterio de
ldquoser geradordquo E essa impossibilidade ocorre mesmo natildeo se afirmando que ldquovidardquo e ldquoalmardquo
satildeo a mesma coisa Portanto a proposiccedilatildeo ldquovida e alma natildeo satildeo a mesma coisardquo eacute a falsa
causa da impossibilidade desse argumento325
A falaacutecia que decorre da uniatildeo de vaacuterias questotildees em uma soacute atualmente chamada
de questatildeo complexa ocorre quando a pluralidade das questotildees apresentadas passa
despercebida e a pergunta eacute respondida como se fosse uma soacute Um exemplo eacute ldquoEacute a terra
que consistem em mar ou eacute o ceacuteurdquo326 A pluralidade pode passar despercebida pela
aparecircncia de ser uma pergunta sobre alternativa mas na verdade consiste de duas Isso
acontece devido agrave falha no entendimento da definiccedilatildeo de ldquoproposiccedilatildeordquo (πρότασις) que
324 Arg Sof 5 167a 35-39 Toacutep VIII 13 162b 31-163a 14 325 Arg Sof 5 167b 20-35 326 Arg Sof 5 167b 20-39 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 161
81
aqui Aristoacuteteles ressalta que eacute uma predicaccedilatildeo uacutenica sobre um sujeito uacutenico por exemplo
ldquohomemrdquo ou ldquoum soacute homemrdquo327
Voltando aos fins visados pelos competidores no debate Aristoacuteteles afirma que a
segunda meta do sofista eacute levar o adversaacuterio ao engano (ψευδόμενος) ou ao paradoxo
(ἄδοξον) 328 Nesse ponto Aristoacuteteles natildeo especifica tipos de enganos ou paradoxos nem
os define mas fornece estrateacutegias de sofistas que podem induzir a erros de modo geral e
a paradoxos cujo significado conforme indica o texto satildeo opiniotildees que se opotildeem agraves
opiniotildees aceitas329
A induccedilatildeo do oponente ao solecismo (σολοιχισμός) significa levaacute-lo a usar uma
expressatildeo contraacuteria agrave gramaacutetica330Um exemplo de solecismo eacute ldquoEacute uma coisa em verdade
aquilo que tu em verdade a chamasrdquo ldquoSimrdquo ldquoMas ao falar de uma pedra (palavra
masculinardquo tu dizes lsquoisto eacute realrsquo logo uma pedra eacute um lsquoistorsquo (pronome neutro) e natildeo um
lsquoelersquo (pronome masculino)rdquo331
Reduccedilatildeo do adversaacuterio agrave impotecircncia significa fazecirc-lo dizer a mesma coisa
repetidamente332 Esse efeito pode ser obtido por argumentos deste tipo que usam termos
relativos ldquoSe eacute a mesma coisa enunciar um nome ou enunciar a sua definiccedilatildeo o lsquodobrordquo
e o ldquodobro da metaderdquo satildeo a mesma coisa se pois o ldquodobrordquo eacute o ldquodobro da metaderdquo ele
seraacute o ldquodobro da metade da metaderdquo E se em lugar de ldquodobrordquo dissermos novamente
ldquodobro da metaderdquo a mesma expressatildeo se repetiraacute trecircs vezes ldquodobro da metade da metade
da metaderdquo333 Aristoacuteteles ressalta que eacute evidente que natildeo se deve conceder a predicaccedilatildeo
de termos relativos com significaccedilatildeo em abstrato e em si mesmos portanto uma resposta
pertinente seria dizer que ldquodobrordquo e ldquometaderdquo em si mesmos natildeo possuem significado
ou mesmo que possuam natildeo eacute o mesmo significado dessa combinaccedilatildeo nessas frases334
As instruccedilotildees que satildeo dadas para a refutaccedilatildeo nos Argumentos Sofiacutesticos giram em
torno dos viacutecios nos argumentos que em siacutentese apresentamos acima Cabe ao dialeacutetico
estudaacute-los335 Assim Aristoacuteteles fornece ao dialeacutetico as ferramentas para o uso conforme
327 Arg Sof 6 169a 5-15 328 Quanto ao uso do termo ἄδοξον vide nota 213 329 Arg Sof 12 172b 10-173a 30 330 Arg Sof 3 165b 20-23 331 Arg Sof 32 189a 10-15 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 193 332 Arg Sof 3 165b 15-25 333 Arg Sof 13 173a 34-40 Ibid p 174 334 Arg Sof 31 181b 25-35 335 Arg Sof 11 172b 5-8
82
a distinccedilatildeo feita inicialmente entre o homem que deteacutem uma sabedoria real e o que vende
uma sabedoria aparente
Reduzindo a questatildeo a um uacutenico ponto de contraste ao homem que
possui conhecimento de uma determinada mateacuteria cabe evitar ele
proacuteprio os viacutecios de raciociacutenio nos assuntos que conhece e ao mesmo
tempo ser capaz de desmascarar aquele que lanccedila matildeo de argumentos
capciosos e dessas capacidades a primeira consiste em ser apto para
dar uma razatildeo do que se diz e a segunda em fazer com que o adversaacuterio
apresente tal razatildeo Portanto aos que desejam ser sofistas eacute
indispensaacutevel o estudo dessa classe de argumentos a que nos referimos
Tal estudo bem merece o trabalho que tiverem com ele pois uma
faculdade desta espeacutecie faraacute com que um homem pareccedila ser saacutebio e
esse eacute o fim que eles tecircm em vista336
336 Arg Sof 1 165a 20-32 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 156
83
V Possibilidades de aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito
1 As opiniotildees geralmente aceitas no domiacutenio da ciecircncia juriacutedica
Conforme explicamos em nossa Introduccedilatildeo temos a intenccedilatildeo neste trabalho de
estabelecer um ponto de partida para investigar a possibilidade de aplicar no Direito algo
do meacutetodo apresentado nos Toacutepicos de Aristoacuteteles Nossa motivaccedilatildeo vem do nosso
reconhecimento do meacuterito de Theodor Viehweg em ter auxiliado a resgatar o estudo da
ldquotoacutepicardquo e da retoacuterica no acircmbito juriacutedico e da nossa concordacircncia com os seus criacuteticos
especialmente com Atienza que conclui que a toacutepica de Viehweg natildeo fornece uma base
soacutelida para uma teoria da argumentaccedilatildeo juriacutedica337
Nos capiacutetulos anteriores apresentamos uma noccedilatildeo geral dos Toacutepicos a fim de
proporcionar uma compreensatildeo que embase esse iniacutecio de pesquisa Neste capiacutetulo
apresentaremos nossa anaacutelise sobre a aplicaccedilatildeo da metodologia dos Toacutepicos no Direito a
partir de noccedilotildees mais fundamentais ateacute as mais instrumentais Naturalmente natildeo temos
condiccedilotildees de exaurir em nosso capiacutetulo as possibilidades que todo o conteuacutedo da obra
oferece Trataremos portanto de pontos que consideramos mais relevantes e
exemplificativos
A primeira noccedilatildeo que consideramos fundamental eacute a de domiacutenio ou campo
proacuteprio para cada tipo de assunto e argumento que explicamos no primeiro capiacutetulo desta
dissertaccedilatildeo Tratamos do raciociacutenio demonstrativo aplicaacutevel ao domiacutenio do
conhecimento cientiacutefico Tambeacutem abordamos o raciociacutenio dialeacutetico que parte das
opiniotildees geralmente aceitas sobre assuntos gerais os quais estatildeo ligados aos princiacutepios
(ἀρχή) comuns a todas as artes (τέχνη) ou faculdades (δύναμις) portanto natildeo pertencem
a nenhum campo de saber especiacutefico
Essa noccedilatildeo de domiacutenio tambeacutem aparece na definiccedilatildeo de raciociacutenio eriacutestico
Conforme jaacute explicado se insere na classificaccedilatildeo de eriacutestico o raciociacutenio que apenas
parece conformar-se com o assunto em questatildeo mas natildeo se conforma Em funccedilatildeo do que
337 ATIENZA As razotildees Op cit p 57
84
queremos discutir a seguir damos destaque a duas passagens dos Toacutepicos que ilustram
como Aristoacuteteles classifica o raciociacutenio como eriacutestico
() quando um argumento que natildeo eacute proacuteprio da medicina se toma como
um argumento meacutedico ou um que natildeo pertence agrave geometria se toma
como geomeacutetrico ou o que natildeo eacute dialeacutetico por um argumento dialeacutetico
natildeo importando que a conclusatildeo alcanccedilada seja verdadeira ou falsa338
De forma que todo raciociacutenio que o seja apenas em aparecircncia a respeito
dessas coisas eacute um argumento eriacutestico e todo raciociacutenio que apenas
parece conformar-se ao assunto em questatildeo ainda que seja um
raciociacutenio autecircntico eacute um argumento da mesma espeacutecie pois natildeo faz
mais do que aparentar que se conforma ao tema tratado e por isso eacute
enganoso e desleal339
Essa mesma distinccedilatildeo de domiacutenio entre assuntos gerais e particulares que aparece
nos Toacutepicos tambeacutem aparece na Retoacuterica O Estagirita ao tratar de quais entimemas
pertencem agrave retoacuterica e quais pertencem agraves artes particulares esclarece que agrave retoacuterica e agrave
dialeacutetica pertencem os τόποι que se aplicam de modo geral a assuntos diversos como
questotildees de Direito de ciecircncias naturais e poliacutetica e vaacuterios outros Um exemplo eacute o toacutepico
do mais e do menos que se aplica a todas elas No entanto ele observa que quanto mais
os toacutepicos e as premissas aproximarem-se de um assunto particular natildeo podendo ser
aplicados a outro mais vamos nos afastando da retoacuterica e da dialeacutetica Se forem
alcanccedilados os seus princiacutepios proacuteprios do assunto estamos em uma ciecircncia agrave qual esses
princiacutepios pertencem340Em outras palavras a Retoacuterica tambeacutem confirma que o domiacutenio
da retoacuterica e da dialeacutetica eacute o da opiniatildeo geral
O problema que se deduz dos paraacutegrafos anteriores eacute que a dialeacutetica e a retoacuterica
de Aristoacuteteles abrangem apenas premissas do acircmbito da opiniatildeo geral e natildeo das aacutereas de
conhecimento particulares sendo considerado eriacutestico o argumento dialeacutetico aplicado
fora do domiacutenio ao qual pertence Entatildeo se o Direito for considerado hoje um campo do
conhecimento particular teriam que ser considerados eriacutesticos os argumentos dialeacuteticos
nele empregados de acordo com o que explicamos Isso geraria uma aporia a qual
tentaremos resolver a partir de agora
338 Toacutep VIII 12 162b 5-12 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 148 339 Arg Sof 11 171b 17-23 Ibid p 170 340 Ret I 2 1358a 5-35 Lamentavelmente Theodor Viehweg citando em sua obra apenas a primeira parte
desse pequeno trecho da Retoacuterica que aqui comentamos precipitou-se em concluir que ldquoTopoi satildeo
portanto para Aristoacuteteles pontos de vista utilizaacuteveis e aceitaacuteveis em toda parte que se empregam a favor
ou contra o que eacute conforme a opiniatildeo aceita e que podem conduzir agrave verdaderdquo VIEHWEG Toacutepica Op
cit p 26-27 Essa ideia natildeo corresponde agrave noccedilatildeo de toacutepico em Aristoacuteteles conforme explicamos em nosso
capiacutetulo 3 e tambeacutem natildeo se deduz da leitura do trecho completo da Retoacuterica ao qual nos referimos
85
A Retoacuterica de Aristoacuteteles mesmo tratando da opiniatildeo geral abrange assuntos de
Direito Como jaacute falamos τέχνη ῥητορική eacute uma arte que tem a finalidade de descobrir o
que eacute mais adequado para persuadir341E haacute trecircs espeacutecies de retoacuterica conforme o gecircnero
de discurso o deliberativo o epidiacutetico e o judicial Cada um deles tem um fim que lhe eacute
proacuteprio Para o deliberativo o fim eacute o conveniente ou o prejudicial para o epidiacutetico o
fim eacute o belo ou o feio para o judicial o fim eacute o justo e o injusto342O que queremos
destacar eacute que apesar da Retoacuterica tratar de Direito o material que Aristoacuteteles apresenta
ali para fins de persuasatildeo estaacute no acircmbito da opiniatildeo geral Satildeo opiniotildees sobre a
felicidade sobre o bom e o conveniente sobre a justiccedila e a injusticcedila entre outras As
opiniotildees gerais satildeo recursos retoacutericos utilizados na argumentaccedilatildeo Ao lado dessas no
discurso judicial satildeo utilizadas as provas consideradas natildeo teacutecnicas (ἄτεχνος) ou natildeo
retoricamente construiacutedas pelo orador que satildeo as leis os testemunhos os contratos as
confissotildees sob tortura e os juramentos343 Destaca-se tambeacutem que Aristoacuteteles faz clara
distinccedilatildeo entre a lei e o justo conforme se vecirc neste trecho
Aleacutem disso eacute manifesto que o oponente nenhuma outra funccedilatildeo tem que
a de mostrar que o fato em questatildeo eacute ou natildeo eacute verdadeiro aconteceu ou
natildeo aconteceu quanto a saber se ele eacute grande ou pequeno justo ou
injusto natildeo havendo uma definiccedilatildeo clara do legislador eacute certamente ao
juiz que cabe decidir sem cuidar de saber o que pensam os litigantes
Eacute pois sumamente importante que as leis bem feitas determinem tudo
com o maior rigor e exatidatildeo e deixem o menos possiacutevel agrave decisatildeo dos
juiacutezes Primeiro porque eacute mais faacutecil encontrar um ou poucos homens
que sejam prudentes e capazes de legislar e julgar do que encontrar
muitos Segundo porque as leis se promulgam depois de uma longa
experiecircncia de deliberaccedilatildeo mas os juiacutezos se emitem de modo
imprevisto sendo por conseguinte difiacutecil aos juiacutezes pronunciarem-se
retamente de acordo com o que eacute justo e conveniente344
Se fizermos uma comparaccedilatildeo entre a divisatildeo apresentada na Retoacuterica entre provas
teacutecnicas que abrangem os argumentos a partir de opiniotildees e as natildeo teacutecnicas as leis os
testemunhos os contratos as confissotildees sob tortura e os juramentos com a distinccedilatildeo que
temos no Direito hoje entre fontes de Direito e a argumentaccedilatildeo em geral percebemos
que eacute possiacutevel uma analogia Haacute no entanto uma diferenccedila de predominacircncia de uma
categoria e outra Na eacutepoca em que foi escrita a Retoacuterica o Direito natildeo era considerado
341 Ret I 1 1355b 5-15 342 Ret I 1 1358a 35-1358b 30 343 Ret I 15 1375a 20-25 344 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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uma aacuterea do conhecimento particular e as leis aparentemente tinham um peso menor345
No Direito da atualidade as provas que eram consideradas natildeo teacutecnicas na retoacuterica
equiparam-se agraves provas juriacutedicas e satildeo predominantes em relaccedilatildeo agraves provas teacutecnicas ou
argumentos persuasivos da retoacuterica Assim passamos a defender a ideia de que na eacutepoca
de Aristoacuteteles o Direito fazia parte da retoacuterica e hoje a retoacuterica faz parte do Direito de
certo modo
Conforme mencionamos em nossa Introduccedilatildeo entre os seacuteculos XII e XIII o
Direito passou a ser considerado uma ciecircncia independente da retoacuterica e da dialeacutetica Natildeo
podemos entrar aqui na longa discussatildeo das teorias juriacutedicas contemporacircneas a respeito
do que significam os termos ldquociecircncia do Direitordquo Usamos os termos no sentido geral
como uma categoria especiacutefica do conhecimento Na visatildeo aristoteacutelica entretanto o
Direito de hoje certamente se aproxima da ideia de τέχνη ou arte e natildeo de ἐπιστήμη ou
ciecircncia apodiacutetica346Eacute uma τέχνη particular porque possui os seus proacuteprios princiacutepios e
assim se distingue da dialeacutetica e da retoacuterica que estatildeo relacionadas aos princiacutepios comuns
a todas as artes347
Para reforccedilar a distinccedilatildeo que estamos apresentando lembramos que dentro da
classificaccedilatildeo geral das ciecircncias em Aristoacuteteles que compreende as ciecircncias teoacutericas ou
o conhecimento das coisas que existem independentemente da vontade humana as
praacuteticas que dizem respeito agraves accedilotildees humanas e as produtivas que tratam da criaccedilatildeo de
produtos externos ao ser humano o Direito diz respeito a essas duas uacuteltimas348
345 Vide o seguinte trecho da Retoacuterica que demonstra uma consideraccedilatildeo sobre a necessidade da aplicaccedilatildeo
da lei muito mais branda na eacutepoca do que ocorre atualmente ldquoE se as circunstacircncias que motivaram a lei
jaacute natildeo existem mas a lei subsiste entatildeo eacute necessaacuterio demonstraacute-lo e lutar contra a lei por esse meio Mas
se a lei escrita favorece a nossa causa conviraacute dizer que a foacutermula ldquona melhor consciecircnciardquo natildeo serve para
o juiz pronunciar sentenccedilas agrave margem da lei mas apenas para ele natildeo cometer perjuacuterio no caso de ignorar
o que a lei diz ()rdquo Ret I 15 1375b 15-20 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 150 346Em Eacutetica agrave Nicocircmaco Aristoacuteteles define τέχνη como uma disposiccedilatildeo (ἕξις) relacionada com o produzir
e que envolve o reto raciociacutenio (ὀρθὸς λόγος) Eacute N VI 5 1140a 20-25 347 Naturalmente os princiacutepios de Direito denominados ldquoprinciacutepios gerais do Direitordquo natildeo satildeo apodiacuteticos
Eles satildeo enunciados gerais que orientam o Direito incorporados ao longo da histoacuteria ao senso comum dos
juristas Natildeo haacute uma definiccedilatildeo precisa para eles O seguinte trecho de Larenz contribui para a explicaccedilatildeo
do que satildeo princiacutepios juriacutedicos ldquoQualificamo-los (os princiacutepios) de lsquopautas diretivas de normaccedilatildeo juriacutedica
que em virtude da sua proacutepria forccedila de convicccedilatildeo podem justificar resoluccedilotildees juriacutedicasrsquo Enquanto lsquoideias
juriacutedicas materiaisrsquo satildeo manifestaccedilotildees especiais da ideia de Direito tal como esta se apresenta no seu grau
de evoluccedilatildeo histoacuterica Alguns deles estatildeo expressamente declarados na Constituiccedilatildeo ou noutras leis outros
podem ser deduzidos da regulaccedilatildeo legal da sua cadeia de sentido por via de uma lsquoanalogia geralrsquo ou do
retorno agrave ratio legis alguns foram lsquodescobertosrsquo e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela
jurisprudecircncia as mais das vezes atendendo a casos determinados natildeo solucionaacuteveis de outro modo e que
logo se impuseram na lsquoconsciecircncia juriacutedica geralrsquo graccedilas agrave forccedila de convicccedilatildeo a eles inerenterdquo LARENZ
Metod Op cit p 577 348 Met Κ 164a 1-20 Toacutep VI 6 145a 15-20
87
Mencionamos essa classificaccedilatildeo apenas para destacar que os objetos do Direito satildeo coisas
mutaacuteveis e produzidas pelo homem Assim a noccedilatildeo de verdade como correspondecircncia
do que eacute pensado ou afirmado com as coisas que existem que apresentamos em nossa
Introduccedilatildeo se aplica no Direito como correspondecircncia do pensamento ou juiacutezo com as
normas e fatos que existem num determinado momento Chamamos a atenccedilatildeo para isso
pois com frequecircncia satildeo levantadas questotildees de modo vago em discussotildees juriacutedicas
sobre a impossibilidade de se atingir ldquoverdades absolutasrdquo349 Nessa visatildeo aristoteacutelica
isso natildeo prejudica o exerciacutecio do Direito pois questotildees sobre as ldquoverdades absolutasrdquo se
se referem agraves verdades necessaacuterias e universais natildeo interferem na percepccedilatildeo da verdade
que diz respeito ao contingente e ao particular onde se inserem os fatos da vida comum
Uma questatildeo agrave parte que envolve a dialeacutetica eacute a frequente falta de evidecircncia dos fatos
alegados nas accedilotildees judiciais mas isso natildeo abala a noccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia que aqui mencionamos Falaremos posteriormente sobre alegaccedilotildees de
fatos
Como jaacute dissemos o Direito natildeo se funda em princiacutepios apodiacuteticos mas
certamente representa hoje um campo do conhecimento (τέχνη) particular Constitui um
corpo de ideias consensos normas e valores construiacutedo pela sociedade ao longo do
tempo e eacute objeto de estudo de especialistas como os juristas Normas natildeo se confundem
com opiniotildees aceitas Segundo o proacuteprio Aristoacuteteles ldquo() as leis se promulgam depois
de uma longa experiecircncia de deliberaccedilatildeordquo350 Assim a ordem juriacutedica tem mais
estabilidade portanto oferece mais seguranccedila do que as opiniotildees aceitas Em geral
segue-se o modelo dedutivo no raciociacutenio juriacutedico de incidecircncia da previsatildeo normativa
sobre os fatos mesmo havendo possibilidade de diferentes interpretaccedilotildees das normas Os
349 Como exemplo citamos um trecho do voto do Ministro Luiz Fux referente ao item III da Denuacutencia da
Accedilatildeo Penal nordm 470 tambeacutem conhecida como ldquoprocesso do Mensalatildeordquo ldquoCom efeito a atividade probatoacuteria
sempre foi tradicionalmente ligada ao conceito de verdade como se constatava na summa divisio que por
seacuteculos separou o processo civil e o processo penal relacionando-os respectivamente agraves noccedilotildees de verdade
formal e de verdade material Na filosofia do conhecimento adotava-se a concepccedilatildeo de verdade como
correspondecircncia Nesse contexto a funccedilatildeo da prova no processo era bem definida Seu papel seria o de
transportar para o processo a verdade absoluta que ocorrera na vida dos litigantes Daiacute dizer-se que a prova
era concebida apenas em sua funccedilatildeo demonstrativa () Contemporaneamente chegou-se agrave generalizada
aceitaccedilatildeo de que a verdade (indevidamente qualificada como ldquoabsolutardquo ldquomaterialrdquo ou ldquorealrdquo) eacute algo
inatingiacutevel pela compreensatildeo humana por isso que no afatilde de se obter a soluccedilatildeo juriacutedica concreta o
aplicador do Direito deve guiar-se pelo foco na argumentaccedilatildeo na persuasatildeo e nas inuacutemeras interaccedilotildees
que o contraditoacuterio atual compreendido como direito de influir eficazmente no resultado final do processo
permite aos litigantes como se depreende da doutrina de Antonio do Passo Cabralrdquo Grifo nosso BRASIL
Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo penal nordm 470DF ndash Minas Gerais Voto do Ministro Luiz Fux Plenaacuterio
27082012 p 15-17 do voto Disponiacutevel em lt httpwwwstfjusbrportalprocessolistarProcessoaspgt
Acesso em 24 nov 2017 350 Ret I 1 1354a 25-1354b 5 ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 91
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sentidos das normas satildeo sempre determinados pelo inteacuterprete e elas servem como
premissas No modelo tiacutepico de silogismo juriacutedico a norma eacute premissa maior o fato
concreto eacute a premissa menor e a aplicaccedilatildeo da norma ao fato eacute a conclusatildeo351
Destacamos ainda que o fato de haver sempre a possibilidade de se refutar um
raciociacutenio juriacutedico isso natildeo o caracteriza necessariamente como dialeacutetico tendo em
vista que eacute possiacutevel refutar tambeacutem os falsos raciociacutenios das artes particulares352
Portanto afirmar que o Direito dos tempos atuais eacute dialeacutetico em sua totalidade natildeo estaacute
de acordo com o pensamento de Aristoacuteteles No entanto como eacute evidente em todo o seu
domiacutenio a presenccedila de opiniotildees e argumentos persuasivos mesmo ele tendo adquirido o
status de um campo do conhecimento ou ciecircncia particular que aqui chamamos de τέχνη
temos que reconhecer que ele abrange a dialeacutetica e a retoacuterica pelo menos em parte Assim
concluiacutemos que o Direito tem um caraacuteter hiacutebrido de ciecircncia particular e tambeacutem de
dialeacutetica e retoacuterica Resta entatildeo analisar de que modo isso ocorre
Essa anaacutelise eacute o que consideramos o ponto fundamental e preliminar agrave pesquisa
sobre a aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito Ela implica na necessidade de distinguir no
discurso juriacutedico o que eacute dialeacutetico do que eacute dedutivo no campo da ciecircncia juriacutedica A
falta dessa distinccedilatildeo baacutesica pode levar ao mau entendimento de que qualquer coisa a ser
levada a uma argumentaccedilatildeo juriacutedica eacute um ponto de vista ou pior um toacutepico a ser usado
indiscriminadamente para fundamentar qualquer conclusatildeo desejada353
Passamos a ilustrar como o que argumentamos acima sobre o caraacuteter hiacutebrido do
Direito se manifesta na praacutetica juriacutedica Inicialmente trazemos uma noccedilatildeo sobre as fontes
nas quais o Direito se embasa Miguel Reale designa por ldquofontes de Direitordquo os processos
ou meios pelos quais as normas juriacutedicas se positivam com legiacutetima forccedila obrigatoacuteria
adquirindo vigecircncia e eficaacutecia dentro de uma estrutura normativa354 As leis em sentido
amplo satildeo as fontes formais ou fontes por excelecircncia que tecircm forccedila obrigatoacuteria Com
menos forccedila que as leis haacute outras fontes que satildeo os princiacutepios de Direito os costumes a
351 LARENZ Metod Op cit p 325 352 Reproduzimos apenas uma pequena parte do trecho jaacute citado ldquoAliaacutes as falsas refutaccedilotildees tambeacutem satildeo
em nuacutemero infinito pois em cada arte (τέχνην) existe a prova falsa (ψευδὴς συλλογισμός) por exemplo
na geometria existe a falsa prova geomeacutetrica na medicina a falsa prova meacutedica e assim por diante Pela
expressatildeo ldquoem cada arte (τέχνην)rdquo quero dizer ldquode acordo com os princiacutepios (ἀρχάς) delardquordquo Arg Sof 9
170a 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 167 353 Apesar de Alexy em sua criacutetica a Struck natildeo ter criticado a confusatildeo entre τόπος e ἔνδοξα fez muito
bem em dizer que Struck natildeo fez justiccedila ao papel representado pelas normas legais ao dizer que a lei eacute um
τόπος entre outros ALEXY Teoria da argOp cit p 31 354 REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de Direito Satildeo Paulo Saraiva 2002 p 140
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jurisprudecircncia e a doutrina juriacutedica A jurisprudecircncia satildeo as decisotildees reiteradas dos
tribunais que expressam os entendimentos consolidados dos juiacutezes mais experientes
sobre os casos judiciais
Ao se pensar em cada uma dessas fontes separadamente eacute possiacutevel constatar a
presenccedila de opiniotildees gerais em todas elas O processo legislativo que ocorre nos oacutergatildeos
legisladores produz as normas a partir das demandas da sociedade e suas opiniotildees apoacutes
longas discussotildees No entanto apoacutes a deliberaccedilatildeo estatildeo positivadas incorporadas agrave
ordem juriacutedica ateacute que outra deliberaccedilatildeo as revogue ou altere ou ateacute expirarem se
transitoacuterias Mas as proacuteprias normas decorrentes do processo legislativo contecircm termos
que satildeo definidos por opiniotildees geralmente aceitas A jurisprudecircncia conteacutem as opiniotildees
da sociedade contidas nas outras fontes e na mentalidade dos juiacutezes e o mesmo ocorre na
doutrina Os costumes satildeo o que incorpora de maneira mais clara as opiniotildees aceitas da
sociedade Assim concluiacutemos que a ordem juriacutedica tem uma forccedila proacutepria mas tambeacutem
eacute permeada por ἔνδοξα que podem ser expressas em proposiccedilotildees dialeacuteticas a serem
discutidas conforme a metodologia dos Toacutepicos e em argumentos persuasivos em
discursos retoacutericos Eacute preacute-requisito entatildeo para a utilizaccedilatildeo de uma dialeacutetica aristoteacutelica
no Direito identificar os espaccedilos que as opiniotildees geralmente aceitas ocupam nas fontes
de Direito e no discurso juriacutedico A partir daqui vamos comeccedilar a analisar exemplos
particulares
Casos particulares
Trazemos duas normas do Coacutedigo Penal que natildeo estatildeo mais em vigor Uma delas
foi revogada e a outra alterada
A primeira define o crime de rapto violento ou mediante fraude que foi revogada
pela Lei nordm 111062005 e tinha esta redaccedilatildeo
Art 219 Raptar mulher honesta mediante violecircncia grave ameaccedila ou
fraude para fim libidinoso
Pena ndash reclusatildeo de dois a quatro anos355
A segunda define o crime entatildeo denominado de posse sexual mediante fraude
Antes de ter sido reformulado pelas Leis nordm 111062005 e nordm 120152009 o artigo tinha
a seguinte redaccedilatildeo
355 BRASIL Decreto-Lei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Coacutedigo Penal Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leidel2848htmgt Acesso em 07 dez 2017
90
Art 215 Ter conjunccedilatildeo carnal com mulher honesta mediante fraude
Pena - reclusatildeo de um a trecircs anos356
Primeiramente eacute preciso saber que o Direito Penal eacute orientado por um princiacutepio
geral denominado princiacutepio da legalidade ou da reserva legal (nullum crimen nulla
poena sine lege) Atualmente esse princiacutepio estaacute positivado no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo
Federal como uma garantia fundamental neste inciso
XXXIX - natildeo haacute crime sem lei anterior que o defina nem pena sem
preacutevia cominaccedilatildeo legal357
Esse princiacutepio garante que uma pessoa soacute pode ser processada e condenada com
base em uma previsatildeo legal de modo a proteger o indiviacuteduo de uma puniccedilatildeo arbitraacuteria
O princiacutepio da legalidade se desdobra em outros entre os quais destacamos o princiacutepio
da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa) que acrescenta que a lei
deve ser clara e precisa358
Por outro lado haacute normas que tecircm certas expressotildees que satildeo significadas pelos
costumes portanto por opiniotildees geralmente aceitas Nesses casos os costumes satildeo
chamados de elementos interpretativos Nos exemplos acima citados eacute o caso da
expressatildeo ldquomulher honestardquo
O jurista Damaacutesio de Jesus explica e daacute outros exemplos de expressotildees dispostas
nas normas e interpretadas pelos costumes
As elementares ldquodignidaderdquo e ldquodecorordquo do crime de injuacuteria variam
conforme o local Palavras que numa regiatildeo satildeo ofensivas agrave honra
subjetiva de acordo com o sentimento prevalente natildeo satildeo em outras
Agraves vezes haacute ateacute um antagonismo em certas regiotildees do paiacutes dar o nome
de ldquoraparigardquo a uma mulher eacute injuriaacute-la em outras eacute lisonjeaacute-la Ocorre
que em certos locais o costume conceituou a expressatildeo como meretriz
quando normalmente significa mulher moccedila Nota-se entatildeo valor do
costume como elemento interpretativo no sentido de determinar a
validade cultural social e eacutetica do termo apto a delimitar seu
conteuacutedo359
Note-se pelo exposto que existe uma intenccedilatildeo no Direito de se proporcionar
seguranccedila juriacutedica evitando possiacuteveis arbitrariedades na aplicaccedilatildeo da lei penal e isso se
356 Ibid 357 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03constituicaoconstituicaocompiladohtmgt Acesso em 07 dez 2017 358 SILVA Louise Trigo da ldquoLegalidade e taxatividade a necessidade de definiccedilotildees e os tipos abertosrdquo
Itajaiacute Revista Eletrocircnica Direito e Poliacutetica v 7 n 2 maioago 2012 Disponiacutevel em
lt httpssiaiap32univalibrseerindexphprdpgt Acesso em 02 dez 2017 359 JESUS Damaacutesio de Direito penal v 1 parte geral 32 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 71
91
expressa nos vaacuterios exemplos que citamos no princiacutepio geral de Direito na norma
constitucional e na doutrina Por outro lado haacute um reconhecimento de que alguns termos
da redaccedilatildeo das normas satildeo definidos pela opiniatildeo geral e portanto variam Isso ilustra o
que dissemos anteriormente que haacute uma ordem normativa que se aplica aos fatos de
forma dedutiva que oferece um razoaacutevel grau de certeza e precisatildeo Ningueacutem
consideraria como dialeacuteticas perguntas que natildeo admitem duacutevida tais como ldquoMatar
algueacutem eacute crime ou natildeordquo ou ldquoAs leis devem ser obedecidas ou natildeordquo
Concomitantemente existem espaccedilos na ordem juriacutedica preenchidos por opiniotildees
geralmente aceitas que mudam conforme o tempo e o lugar A definiccedilatildeo de ldquomulher
honestardquo poderia ser discutida pela seguinte proposiccedilatildeo dialeacutetica a exemplo dos Toacutepicos
ldquoMulher honesta significa X ou natildeordquo Esses espaccedilos satildeo reconhecidos pelo proacuteprio
Direito conforme vimos na explicaccedilatildeo de Damaacutesio de Jesus e tambeacutem no exemplo de
jurisprudecircncia que mostraremos agora
Vejamos agora uma definiccedilatildeo de ldquomulher honestardquo que consta no voto do Ministro
Gilson Dipp relator do Habeas Corpus nordm 21129BA julgado no Supremo Tribunal
Federal em 06 de agosto de 2002
Em primeiro lugar conforme os ensinamentos do Professor Paulo Joseacute
da Costa Juacutenior a expressatildeo mulher honesta como sujeito passivo do
crime de posse sexual mediante fraude deve ser entendida como a
mulher que possui certa dignidade e dececircncia conservando os valores
elementares do pudor natildeo sendo necessaacuterio portanto a abstinecircncia ou
o desconhecimento a respeito de praacutetica sexual Para que uma mulher
seja considerada desonesta eacute preciso que seja dedicada agrave vida sexual
por mera depravaccedilatildeo ou interesse o que a princiacutepio natildeo eacute o caso das
viacutetimas Ressalte-se ainda que o conceito de mulher honesta pode
ser diferenciado conforme a regiatildeo segundo seus padrotildees e costumes
consoante as liccedilotildees de Heleno Claacuteudio Fragoso e Damaacutesio E de
Jesus360
Mais uma ilustraccedilatildeo de como as opiniotildees geralmente aceitas estatildeo presentes do
Direito lembramos que a proacutepria lei por sua vez eacute modificada em funccedilatildeo das opiniotildees
geralmente aceitas Em relaccedilatildeo aos exemplos que mostramos o artigo 219 do Coacutedigo
Penal foi revogado e o artigo 215 teve a expressatildeo ldquomulher honestardquo substituiacuteda por
ldquoalgueacutemrdquo O jurista Fernando Capez lembra que o Coacutedigo Penal foi instituiacutedo pelo
Decreto-Lei nordm 2848 que eacute de 1940 eacutepoca em que os padrotildees da moral sexual eram
360 BRASIL Superior Tribunal de Justiccedila Habeas Corpus nordm 21129BA ndash Bahia Relator Ministro Gilson
Dipp Quinta Turma 06082002 Disponiacutevel em lt httpwwwstjjusbrSCONpesquisarjspgt Acesso em
24 nov 2017 p 5 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
92
diferentes e os interesses orientados para a organizaccedilatildeo da famiacutelia se sobrepunham agrave
liberdade pessoal Atualmente diante de novos costumes e dos novos princiacutepios
constitucionais da igualdade da liberdade e da dignidade ele considera que natildeo haacute razatildeo
para a discriminaccedilatildeo entre mulheres ldquohonestasrdquo ldquodesonestasrdquo e ateacute mesmo homens361
Com os exemplos e anaacutelises acima ilustramos como as opiniotildees geralmente
aceitas se inserem nas fontes de Direito e que eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico de
Aristoacuteteles em relaccedilatildeo a elas especificamente Trazemos agora mais um exemplo para
ilustrar esse entendimento Eacute sobre o julgamento da constitucionalidade da lei que
reserva aos negros 20 das vagas oferecidas em concursos puacuteblicos
A Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade nordm 41DF foi julgada pelo Supremo
Tribunal Federal em 08 de julho de 2017362 O tribunal por unanimidade julgou
constitucional a Lei 129902014 e legiacutetima a autodeclaraccedilatildeo de raccedila e de criteacuterios
subsidiaacuterios de identificaccedilatildeo
A discussatildeo se daacute principalmente em torno dos princiacutepios constitucionais da
igualdade e da dignidade O texto do acoacuterdatildeo destaca que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988
adotou o princiacutepio da igualdade de direitos para todos os cidadatildeos conforme os criteacuterios
admitidos pelo ordenamento juriacutedico Na argumentaccedilatildeo eacute dada a definiccedilatildeo de igualdade
suas expressotildees em trecircs sentidos diferentes e suas implicaccedilotildees que satildeo a igualdade veda
a falta de equidade e exige a neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas363 Citamos
As accedilotildees afirmativas em geral e a reserva de vagas para ingresso no
serviccedilo puacuteblico em particular satildeo poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a
efetivaccedilatildeo do direito agrave igualdade A igualdade constitui um direito
fundamental e integra o conteuacutedo essencial da ideia de democracia
Da dignidade humana resulta que todas as pessoas satildeo fins em si
mesmas possuem o mesmo valor e merecem por essa razatildeo igual
respeito e consideraccedilatildeo A igualdade veda a hierarquizaccedilatildeo dos
indiviacuteduos e as desequiparaccedilotildees infundadas mas impotildee a
neutralizaccedilatildeo das injusticcedilas histoacutericas econocircmicas e sociais bem
como o respeito agrave diferenccedila No mundo contemporacircneo a
igualdade se expressa particularmente em trecircs dimensotildees a
igualdade formal que funciona como proteccedilatildeo contra a existecircncia de
privileacutegios e tratamentos discriminatoacuterios a igualdade material que
corresponde agraves demandas por redistribuiccedilatildeo de poder riqueza e bem-
estar social e a igualdade como reconhecimento significando o
361 CAPEZ Fernando Curso de Direito penal v 3 parte especial 10 ed Satildeo Paulo Saraiva 2012 p
148-149 362 BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF ndash Distrito
Federal Relator Ministro Roberto Barroso Tribunal Pleno 08072017 Disponiacutevel em lt
httpwwwstfjusbrportaljurisprudenciapesquisarJurisprudenciaaspgt Acesso em 24 nov 2017 363 Ibid p 39 e 74 do inteiro teor do acoacuterdatildeo
93
respeito devido agraves minorias sua identidade e suas diferenccedilas sejam
raciais religiosas sexuais ou quaisquer outras364
Na parte do acoacuterdatildeo citada acima algumas ideias satildeo figuras doutrinaacuterias que
podem ser encontradas em livros de Direito ou ciecircncia poliacutetica como ldquoa igualdade eacute um
direito fundamentalrdquo ou ldquointegra a essecircncia da democraciardquo Outras satildeo opiniotildees
geralmente aceitas e estatildeo presentes nas discussotildees populares como ldquocotas raciais e as
injusticcedilas histoacutericasrdquo Do seguinte trecho notoriamente significam opiniotildees geralmente
aceitas a expressatildeo ldquominorias estigmatizadasrdquo e a classificaccedilatildeo das pessoas que fazem
parte desse grupo O trecho eacute o seguinte ldquoAdemais a Lei ndeg 129902014 se destina agrave
proteccedilatildeo de direitos fundamentais de grande relevacircncia material ndash como o direito agrave
igualdade ndash titularizados por minorias estigmatizadas como satildeo os negrosrdquo365
Assim desse caso podemos extrair proposiccedilotildees dialeacuteticas tais como ldquoAs cotas
raciais neutralizam a injusticcedila ou natildeordquo ldquoA definiccedilatildeo de minoria estigmatizada eacute X ou
natildeordquo ldquoOs negros fazem parte das minorias estigmatizadas ou natildeordquo Ressalte-se que o
acoacuterdatildeo eacute um precedente a ser considerado em outros julgamentos Posteriormente
podem surgir outras proposiccedilotildees dialeacuteticas como ldquoA categoria Y faz parte das minorias
estigmatizadas ou natildeordquo Por um lado pelo aspecto dedutivo de ciecircncia juriacutedica ressalte-
se que o julgamento da Accedilatildeo Declaratoacuteria de Constitucionalidade tem o objetivo de
verificar se a lei estaacute conforme os princiacutepios constitucionais que satildeo princiacutepios que
orientam o Direito Tendo sido considerada conforme a Constituiccedilatildeo a lei em questatildeo
pode valer e incidir sobre os fatos de forma dedutiva
A respeito desse mesmo julgamento outro trecho interessante se extrai do voto do
Ministro Celso de Mello Dentre outros valores endossados pela opiniatildeo geral ele cita a
ldquobusca da felicidaderdquo para fundamentar sua decisatildeo Em outras partes do seu voto ele
menciona que o direito agrave busca da felicidade foi incorporado a textos legais de alguns
paiacuteses Esse ponto chamou-nos a atenccedilatildeo pois a felicidade eacute amplamente discutida por
Aristoacuteteles em Eacutetica a Nicocircmaco366 como um fim em si mesma e essa ideia eacute repetida
em um capiacutetulo da Retoacuterica367 no qual Aristoacuteteles lista opiniotildees geralmente aceitas sobre
364 Ibid p 39 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 365 Grifo nosso Ibid p 38 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 366 Eacute N I 7 1097a 15-1998b 9 367 Ret I 1360b3-1362a 14
94
o assunto Eacute interessante reparar como a influecircncia dessa opiniatildeo perdura e eacute utilizada ateacute
hoje Assim redigiu o Ministro
Concluo o meu voto Senhora Presidente tenho para mim que se torna
relevante observar para efeito de conferir maior eficaacutecia e
preponderacircncia agrave norma mais favoraacutevel agrave pessoa negra os vetores que
atribuem plena legitimidade agrave legislaccedilatildeo em causa (Lei nordm
129902014) destacando-se em tal contexto como elementos
fundamentais viabilizadores do reconhecimento da diversidade
humana os princiacutepios referentes ( 1) agrave dignidade das pessoas ( 2) agrave
igualdade entre elas ( 3) agrave sua autonomia individual ( 4) agrave sua plena e
efetiva participaccedilatildeo e inclusatildeo na sociedade ( 5) ao respeito pela
alteridade ( 6) agrave igualdade de oportunidades e ( 7) agrave busca da
felicidade368
Algo que poderiacuteamos chamar de tipicamente dialeacutetico no Direito a partir da
leitura dos Toacutepicos satildeo as valoraccedilotildees ou juiacutezos de valor369 Eles aparecem na apreciaccedilatildeo
dos casos concretos como adequaccedilatildeo de condutas a conceitos como ldquoliberdaderdquo
ldquojusticcedilardquo ldquoigualdaderdquo ldquodignidaderdquo que aparecem nos exemplos que analisamos acima
e tantos outros como ldquoboa-feacuterdquo ldquomotivo de relevante valor social ou moralrdquo ldquomotivo
fuacutetilrdquo etc Tambeacutem aparecem na ponderaccedilatildeo de colisotildees de valores quando ocorrem em
determinados casos A colisatildeo de valores juriacutedicos eacute muito comum nas anaacutelises juriacutedicas
tanto as que se expressam nas normas quanto nos princiacutepios gerais de Direito O Direito
Constitucional eacute exemplar nesse aspecto por sua abundacircncia de princiacutepios de conteuacutedo
valorativo Podemos citar como exemplo de valores que podem colidir na parte que trata
dos direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de
1988 o inciso X que garante a inviolabilidade da intimidade da vida privada da honra
e da imagem das pessoas e por outro lado o inciso XIV que assegura a todos o acesso
agrave informaccedilatildeo Nos casos que dizem respeito a divulgaccedilatildeo de informaccedilotildees que afetem a
honra das pessoas esses dois princiacutepios precisam ser combinados370
368Grifo nosso BRASIL Supremo Tribunal Federal Accedilatildeo declaratoacuteria de constitucionalidade nordm 41DF
Op citp 157 do inteiro teor do acoacuterdatildeo 369 ldquoPor lsquovalorarrsquo ou lsquoavaliarrsquo deve entender-se em primeiro lugar um ato de tomada de posiccedilatildeo O objeto
a avaliar seraacute julgado como apeteciacutevel ou despiciendo meritoacuterio ou natildeo meritoacuterio preferiacutevel a outro ou
secundaacuterio em relaccedilatildeo a ele Algo que todas as pessoas ou uma pessoa de satildeo entendimento considera
apeteciacutevel chama-se um lsquobemrsquo por exemplo a paz a sauacutede a independecircncia a ausecircncia de coaccedilatildeo e a
necessidade Uma atuaccedilatildeo que fomenta ou conteacutem este e outros bens aprovamo-la uma atuaccedilatildeo contraacuteria
desaprovamo-la A aprovaccedilatildeo ou desaprovaccedilatildeo encontram a sua expressatildeo num juiacutezo de valor que pode
ser de natureza moral ou se se orienta por princiacutepios especificamente juriacutedicos de natureza juriacutedicardquo
LARENZ Metod Op cit p 348-349 370 Os conflitos entre normas princiacutepios e valores em Direito satildeo considerados apenas aparentes pois
devem ser ponderados e solucionados pela teacutecnica juriacutedica Citamos sobre isso um autor de Direito
Constitucional ldquo() quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais o
inteacuterprete deve utilizar-se do princiacutepio da concordacircncia praacutetica ou da harmonizaccedilatildeo de forma a coordenar
95
Tanto os juiacutezos de conformidade aos valores quanto os da escolha do preferiacutevel
entre valores satildeo temas dialeacuteticos Eles dizem respeito agrave opiniatildeo geral Exemplos que
ocorrem no acircmbito do Direito seriam ldquoEacute X um motivo fuacutetil ou natildeordquo Ou entatildeo ldquoTal
restriccedilatildeo fere a dignidade da pessoa ou natildeordquo E ainda ldquoA seguranccedila puacuteblica eacute preferiacutevel
agrave propriedade privada ou natildeordquo Aristoacuteteles introduz no livro III dos Toacutepicos os toacutepicos
do preferiacutevel como uacuteteis agrave investigaccedilatildeo do que eacute mais desejaacutevel ou melhor ou entatildeo o
que eacute mais reprovaacutevel entre duas ou mais coisas que natildeo apresentam diferenccedilas grandes
ou oacutebvias371 Esses toacutepicos satildeo interessantes como exemplos e foram apresentados em
siacutentese no capiacutetulo II deste trabalho
Em relaccedilatildeo a distinguir as opiniotildees geralmente aceitas do que pertence ao domiacutenio
da ciecircncia juriacutedica cremos que a discussatildeo acima deixa isso bastante claro Ressaltamos
no entanto que natildeo vemos uma fronteira riacutegida entre eles Na medida em que os
problemas vatildeo saindo da esfera da opiniatildeo geral e abrangendo conceitos e normas
juriacutedicas vatildeo deixando de ser apenas dialeacuteticos e se tornando juriacutedicos ainda que a
populaccedilatildeo tenha sua opiniatildeo geral sobre eles Acreditamos que o julgamento do caso das
cotas raciais ilustra bem isso Pois toda a populaccedilatildeo pode ter opiniatildeo sobre as cotas raciais
Quanto agrave pergunta ldquoO sistema de cotas raciais fere o princiacutepio constitucional da
igualdade ou natildeordquo essa soacute pode ser respondida agrave luz do Direito Constitucional por quem
tem competecircncia para isso conforme conceitos e regras particulares
Por fim sobre a presenccedila de ἔνδοξα no Direito voltamos agrave questatildeo da falta de
evidecircncias que comprovem a existecircncia de fatos alegados nas causas juriacutedicas o que eacute
um problema bastante comum Natildeo havendo evidecircncias que comprovem diretamente um
fato o juiz pode formar sua convicccedilatildeo sobre o caso a partir de outros elementos Na esfera
criminal por exemplo a lei prevecirc a possibilidade de se formar a convicccedilatildeo a partir de
indiacutecios o que eacute denominado ldquoprova indiciaacuteriardquo372A previsatildeo legal encontra-se no artigo
239 do Coacutedigo de Processo Penal
os bens juriacutedicos em conflito evitando o sacrifiacutecio total de uns em relaccedilatildeo aos outros realizando uma
reduccedilatildeo proporcional do acircmbito de alcance de cada qual (contradiccedilatildeo dos princiacutepios) sempre em busca do
verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade preciacutepuardquo Grifo
do autor MORAES Alexandre de Direito Constitucional 23 ed Satildeo Paulo Atlas 2008 p 33 371 Toacutep III 1 116a 1-10 372DALLAGNOL Deltan Martinazzo As loacutegicas das provas no processo prova direta indiacutecios e
presunccedilotildees Porto Alegre Livraria do Advogado Ed 2015 p 160
96
Art 239 Considera-se indiacutecio a circunstacircncia conhecida e provada
que tendo relaccedilatildeo com o fato autorize por induccedilatildeo concluir-se a
existecircncia de outra ou outras circunstacircncias373
A admissatildeo desse tipo de prova se daacute em funccedilatildeo de sua plausibilidade ou
verossimilhanccedila374 Conforme jaacute explicamos o raciociacutenio indutivo eacute um tipo de
raciociacutenio dialeacutetico que faz a passagem dos particulares aos universais375 Agrave luz dos
Toacutepicos de Aristoacuteteles podemos fazer a seguinte anaacutelise desse tipo de prova a partir de
um exemplo
A presenccedila de uma impressatildeo digital na arma utilizada para praticar um crime
que eacute um fato conhecido e provado leva agrave conclusatildeo de que a digital eacute do autor do crime
pois isso eacute o que ocorre com frequecircncia em uma seacuterie de casos particulares semelhantes
Conforme vimos uma premissa estabelecida por induccedilatildeo pode ser refutada apresentando-
se um contraexemplo Nesse exemplo criminal no entanto o que se busca refutar natildeo eacute
a opiniatildeo geralmente aceita de que ldquoa digital impressa na arma normalmente eacute do autor
do crimerdquo Nesse caso a refutaccedilatildeo buscada pela defesa do acusado X seria o caso
particular do senhor X natildeo se conforma ao que opiniatildeo geralmente aceita retrata Assim
a induccedilatildeo natildeo estaacute autorizada para esse exemplo
Normalmente uma investigaccedilatildeo criminal utiliza-se de vaacuterios indiacutecios e a
apreciaccedilatildeo da plausibilidade se daacute envolvendo todos eles Eacute por isso que as teses de defesa
e acusaccedilatildeo constroem versotildees para os fatos que satildeo narrativas que se ajustam aos indiacutecios
comprovados Para essas versotildees aplica-se o exame de consistecircncia que eacute a verificaccedilatildeo
da existecircncia ou natildeo de contradiccedilotildees entre os fatos alegados entre si e em relaccedilatildeo aos
indiacutecios comprovados As teses ganham plausibilidade na medida em que se conformam
com os indiacutecios natildeo apresentam contradiccedilotildees e se conformam com as opiniotildees
geralmente aceitas sobre como os fatos acontecem O caraacuteter dialeacutetico do exame dessas
373 BRASIL Decreto-lei nordm 3689 de 3 de outubro de 1941 Coacutedigo de Processo Penal Disponiacutevel em lt
httpwwwplanaltogovbrccivil_03decreto-leiDel3689htmgt Acesso em 07 dez 2017 374 Para ilustrar citamos dois trechos de um livro sobre provas em Direito ldquoComo restou bastante claro ao
abordarmos as inferecircncias loacutegicas o raciociacutenio probatoacuterio partindo do indiacutecio (fato indicante) conduz a
uma conclusatildeo (fato indicado) que natildeo eacute estabelecida em termos de certeza mas sim de probabilidaderdquo E
outro ldquoContudo natildeo eacute possiacutevel dizer sem que surjam novas evidecircncias que a hipoacutetese mais provaacutevel natildeo
eacute verdadeira Ela foi estabelecida como mais provaacutevel justamente porque no confronto com outras e com
todos os elementos disponiacuteveis eacute a mais criacutevelrdquo DALLAGNOL As loacutegicasOp cit p 215 217 375 Toacutep I 12 105a 15-20
97
provas entatildeo dizem respeito agrave induccedilatildeo (ἐπαγογή) agraves opiniotildees geralmente aceitas
(ἔνδοξα) e ao exame de consistecircncia de duas versotildees opostas376
Uma observaccedilatildeo importante que se refere agraves teses plausiacuteveis utilizadas nos
julgamentos quando natildeo haacute evidecircncias que comprovem os fatos eacute que elas satildeo plausiacuteveis
justamente porque natildeo podem ser provadas Pode-se alegar a sua probabilidade mas natildeo
a sua certeza Mas eacute possiacutevel provar que ela estaacute errada por meio da refutaccedilatildeo (ἔλεγχος)
que pode se dirigir agrave validade do argumento a qual pode ser demonstrada e agrave
plausibilidade da premissa377 Uma tese plausiacutevel se manteacutem enquanto natildeo for refutada
A refutaccedilatildeo pode provar que a tese natildeo se sustenta seja pela apresentaccedilatildeo de um
contraexemplo da induccedilatildeo seja pela demonstraccedilatildeo de algum viacutecio de raciociacutenio seja
porque as premissas concedidas pelo oponente levam agrave conclusatildeo oposta Em outras
palavras pode-se dizer que natildeo eacute possiacutevel garantir a certeza de uma tese plausiacutevel mas eacute
possiacutevel destruiacute-la Isso mostra que em situaccedilotildees desse tipo que podem aparecer em
debates juriacutedicos podemos dizer que natildeo provar diretamente a tese sustentada mas
oferecer ao oponente a possibilidade de refutar a tese plausiacutevel natildeo significa inverter o
ocircnus da prova dos fatos alegados
Encerrada a discussatildeo sobre a distinccedilatildeo no Direito entre opiniotildees geralmente
aceitas agraves quais eacute aplicaacutevel um meacutetodo dialeacutetico aristoteacutelico propriamente dito e
elementos da ciecircncia juriacutedica particular aos quais se aplicam em geral um raciociacutenio
dedutivo passamos a ressaltar a proacutexima distinccedilatildeo fundamental
2 Distinccedilatildeo entre opiniatildeo geralmente aceita e toacutepico
Outra distinccedilatildeo fundamental para a aplicaccedilatildeo da dialeacutetica aristoteacutelica ao Direito eacute
entre opiniotildees geralmente aceitas (ἔνδοξα) e toacutepico (τόπος) Acreditamos que esses
376 Lembrando que o objetivo dos Toacutepicos eacute encontrar um meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas sem entrar em contradiccedilatildeo Aleacutem disso o meacutetodo eacute uacutetil agraves ciecircncias filosoacuteficas por
possibilitar percorrer as aporias em ambas as faces de um assunto Entendemos que essa utilidade de
percorrer aporias tambeacutem se daacute em outros assuntos como nesse caso que analisamos no Direito Penal
Toacutep I 1 100a 18-25 Toacutep I 2 101a 35-40 377 ldquo() a refutaccedilatildeo eacute uma prova da contraditoacuteria de uma tese dada de modo que uma ou duas provas da
contraditoacuteria constituem uma refutaccedilatildeordquoArg Sof 9 170a 35-170b3 E tambeacutem ldquoSe contudo formularmos
a proposiccedilatildeo fundando-nos em grande nuacutemero de casos e ele natildeo tiver uma objeccedilatildeo a fazer podemos exigir
que a admita pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se
apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquoToacutep VIII 2 157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit
p 138 e 167
98
conceitos jaacute foram claramente explicados nos capiacutetulos anteriores mas acrescentaremos
alguns comentaacuterios para fins de aplicaccedilatildeo praacutetica
Conforme os Toacutepicos os problemas dialeacuteticos a serem levados para o debate ou
seja os temas ou proposiccedilotildees originaacuterias satildeo construiacutedos a partir das opiniotildees geralmente
aceitas as quais podem ser extraiacutedas tambeacutem de tratados escritos Eles satildeo construiacutedos a
partir das opiniotildees e apresentados em forma de perguntas para serem respondidas com
ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo tais como ldquoEacute animal o gecircnero do homem ou natildeordquo As opiniotildees satildeo o
conteuacutedo a ser debatido os τόποι satildeo apenas formas Os τόποι apresentados nos Toacutepicos
satildeo usados como ferramentas para o questionador A partir deles ele pode construir as
premissas utilizadas para atacar a tese defendida pelo respondedor Por exemplo o
primeiro τόπος que aparece na obra sugere examinar se na proposiccedilatildeo foi atribuiacutedo como
acidente o que pertence ao sujeito de outra maneira A partir desse exame o questionador
pode formular premissas Eacute assim que funcionam os τόποι dos Toacutepicos Com exceccedilatildeo dos
τόποι do preferiacutevel os τόποι dos Toacutepicos na sua maior parte servem para verificar as
relaccedilotildees de predicaccedilatildeo e a correccedilatildeo das definiccedilotildees
Os τόποι da Retoacuterica que Aristoacuteteles define como sendo os lugares onde os
entimemas se enquadram tecircm um padratildeo mais argumentativo ou persuasivo Pois
servem de moldes para criar argumentos a serem apresentados em um discurso Os τόποι
dos Argumentos Sofiacutesticos satildeo uacuteteis para taacuteticas de refutaccedilatildeo A melhor ideia para se fazer
de τόπος eacute a de forma meio molde ou ferramenta ainda que ele tenha a forma de um
exemplo que tem um conteuacutedo Mas o importante a se destacar como jaacute foi dito eacute que o
conteuacutedo propriamente dito que estaacute presente numa proposiccedilatildeo dialeacutetica ou argumento
retoacuterico eacute uma opiniatildeo geralmente aceita (ἔνδοξα) Satildeo essas opiniotildees que caracterizam
o domiacutenio da dialeacutetica e da retoacuterica sendo a noccedilatildeo de toacutepico (τόπος) apenas instrumental
Portanto as leis os pontos de vista juriacutedicos os princiacutepios de Direito os precedentes os
entendimentos jurisprudenciais os conceitos juriacutedicos os proveacuterbios juriacutedicos que
representam um conteuacutedo a ser discutido natildeo satildeo τόποι na visatildeo aristoteacutelica Conforme
expusemos no capiacutetulo sobre os τόποι o τόπος era uma taacutetica a ser lembrada e isso por
si soacute natildeo configura um meacutetodo ou uma arte pois nesse sentido um cataacutelogo telefocircnico
tambeacutem poderia ser chamado de ldquotoacutepicardquo Por mais que muitos toacutepicos sejam uacuteteis e
interessantes por oferecerem padrotildees que servem como base para a construccedilatildeo de
argumentos o estudo isolado dos toacutepicos natildeo se confunde com a dialeacutetica assim como o
estudo dos bisturis natildeo se confunde com a ciecircncia da cirurgia Por isso consideramos que
99
o uso do termo ldquotoacutepicardquo sem o conhecimento do contexto ao qual os toacutepicos se aplicam
e do meacutetodo ao qual pertencem pode ser enganador A tentativa de se aplicar
instrumentos de um meacutetodo descrito haacute mais de dois mil anos requer cuidados especiais
e o primeiro eacute buscar uma noccedilatildeo geral do seu contexto
Quanto agrave aplicaccedilatildeo dos τόποι dos Toacutepicos ao Direito os que satildeo construiacutedos em
funccedilatildeo dos predicaacuteveis que representam grande parte da obra natildeo satildeo muito
significativos para os argumentos juriacutedicos De certo modo em todos os assuntos eacute
possiacutevel identificar gecircneros propriedades e tambeacutem distinguir aspectos essenciais ou
acidentais de algo Por exemplo na teoria do negoacutecio juriacutedico haacute a distinccedilatildeo entre
elementos essenciais e acidentais do negoacutecio Tambeacutem existem no Direito vaacuterios
gecircneros de coisas e haacute coisas com propriedades mas natildeo da mesma forma que na teoria
dos predicaacuteveis de Aristoacuteteles cuja transposiccedilatildeo para o Direito seria muito artificial Do
mesmo modo natildeo consideramos muito aplicaacuteveis os toacutepicos sobre os predicaacuteveis na
esfera da opiniatildeo geral que o Direito incorpora nem mesmo os τόποι sobre a definiccedilatildeo
pois as definiccedilotildees dos Toacutepicos seguem o modelo de se determinar o gecircnero ao qual o
objeto pertence e acrescentar a diferenccedila especiacutefica As definiccedilotildees atualmente utilizadas
no Direito natildeo seguem esse padratildeo Os τόποι da Retoacuterica tambeacutem consistem em sugestotildees
diversas tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo que ele havia feito378 examinar
os diferentes sentidos dos termos379 examinar as razotildees que aconselham ou
desaconselham a fazer alguma coisa380e examinar pontos contraditoacuterios381 Como nossa
dissertaccedilatildeo natildeo abrange estritamente o estudo da Retoacuterica trouxemos da obra apenas
algumas informaccedilotildees e traccedilamos comentaacuterios gerais Mas mesmo de modo geral
consideramos interessante o estudo dos τόποι da Retoacuterica para fins ilustrativos e
histoacutericos Como τόποι a serem efetivamente aplicados atualmente na argumentaccedilatildeo
juriacutedica julgamos mais conveniente pesquisar com base nas teorias modernas de
argumentaccedilatildeo quais satildeo as formas argumentativas mais comumente utilizadas em Direito
e catalogaacute-las como toacutepicos juriacutedicos distinguindo se satildeo formas aplicaacuteveis agrave opiniatildeo ou
se satildeo aplicaacuteveis aos assuntos especificamente juriacutedicos
Os τόποι dos Toacutepicos que poderiam ser aplicados atualmente satildeo os que tratam de
linguagem e loacutegica tais como verificar se os termos estatildeo sendo compreendidos no
378 Ret II 23 1398a 2-5 379 Ret II 23 1398a 27-30 380 Ret II 23 1399b 30-33 381 Ret II 23 1400a 15-18
100
sentido em que foram empregados382verificar a extensatildeo do significado do
termo383verificar se uma definiccedilatildeo foi formulada com termos anteriores e inteligiacuteveis do
que o que corresponde ao objeto a ser definido384e os toacutepicos relacionados aos viacutecios de
raciociacutenio os quais descrevemos no capiacutetulo anterior Esses satildeo aplicaacuteveis a qualquer tipo
de discurso natildeo soacute aos debates dialeacuteticos A correccedilatildeo loacutegica e linguiacutestica como clareza
precisatildeo no uso dos termos e ausecircncia de viacutecios de raciociacutenio eacute pertinente agrave linguagem
de modo geral portanto necessaacuteria em qualquer campo seja filosoacutefico cientiacutefico
literaacuterio ou comum
3 Linguagem loacutegica e eacutetica
Faremos agora alguns comentaacuterios sobre a precisatildeo no uso da linguagem
Lembremos que Aristoacuteteles considera caracteriacutestica do homem instruiacutedo buscar a
precisatildeo possiacutevel em cada assunto de modo que seria insensato aceitar um raciociacutenio
apenas provaacutevel de um matemaacutetico e demonstraccedilotildees cientiacuteficas de um retoacuterico385 O
jurista Robert Alexy com o qual concordamos em seu tratado sobre argumentaccedilatildeo
juriacutedica introduz sua obra afirmando que um dos poucos entendimentos unacircnimes entre
os juristas que atualmente discutem sobre metodologia juriacutedica eacute que a aplicaccedilatildeo da lei
natildeo eacute simplesmente uma deduccedilatildeo loacutegica a partir de conceitos abstratos e normas
pressupostamente vaacutelidas Dos quatro motivos que ele apresenta para isso o primeiro eacute
a imprecisatildeo da linguagem do Direito386
Da questatildeo levantada pelo jurista destacamos apenas a linguagem Para
Aristoacuteteles parece natural certa imprecisatildeo na linguagem Eacute o que se vecirc em sua ecircnfase na
existecircncia de uma pluralidade de significados para um termo e os possiacuteveis enganos
decorrentes disso387 Eacute possiacutevel ver em vaacuterias de suas obras como ele esclarece os
sentidos dos termos que usa388Em funccedilatildeo dessa realidade ele propotildee ferramentas para
evitar enganos no uso das palavras as quais apresentamos no capiacutetulo I desta dissertaccedilatildeo
382 Toacutep II 3 110a 23-110b 1 383 Toacutep IV 1 121b 1-5 384 Toacutep VI 4 141a 25-30 385 EacuteN I 3 1094b 1129 386 ALEXY Teoria da argOp cit p 18 387Como ele diz nos Argumentos Sofiacutesticos ldquo() nomes e a somatoacuteria dos termos satildeo finitos ao passo que
as coisas satildeo em nuacutemero infinito e assim a mesma expressatildeo e um uacutenico nome tecircm necessariamente que
significar muitas coisasrdquoArg Sof 1 165a 10-15 ARISTOacuteTELES Oacuterganon Trad de Edson Bini Op cit
p 546 388Por exemplo vide Met Ζ 1 1028 a 10 Met Δ todo o livro
101
Essas ferramentas compreendem o exame da pluralidade dos termos noccedilotildees sobre
identidade e semelhanccedila Outras ferramentas tambeacutem satildeo o estudo das falaacutecias que
envolvem a linguagem e os toacutepicos que recomendam verificar e corrigir o uso dos termos
utilizados durante a discussatildeo389
A linguagem falada e escrita nos tribunais e nos escritoacuterios de advocacia eacute a
linguagem comum assim como a loacutegica utilizada nesse contexto eacute a loacutegica da linguagem
comum que satildeo a loacutegica e linguagem dos Toacutepicos Eacute possiacutevel ver nos Toacutepicos que
Aristoacuteteles natildeo busca uma linguagem ideal mas propotildee meios para se lidar com as
ambiguidades e imprecisotildees Os estudos de linguiacutestica evoluiacuteram muito desde a Greacutecia
antiga e a questatildeo da linguagem no Direito jaacute eacute bastante explorada no meio juriacutedico390 O
que os Toacutepicos trazem sobre linguagem contribui para uma visatildeo histoacuterica do assunto e
esclarece que a proposta da dialeacutetica do Estagirita abrange natildeo confundir palavras e
coisas ser capaz de fazer distinccedilotildees e natildeo enganar ou ser enganado com o uso dos termos
Parece pouco mas colocar isso em praacutetica no discurso juriacutedico de modo efetivo
conforme as competecircncias linguiacutesticas do homem comum pode ser mais uacutetil do que
buscar uma linguagem perfeita
Em relaccedilatildeo agrave loacutegica dos Toacutepicos tambeacutem reconhecemos o valor de seu estudo
enquanto histoacuteria da loacutegica aplicada aos debates no que diz respeito ao Direito
principalmente quanto agrave construccedilatildeo e refutaccedilatildeo de argumentos e identificaccedilatildeo de falaacutecias
Assim para uma aplicaccedilatildeo agrave praacutetica juriacutedica atual eacute conveniente acrescentar esse estudo
histoacuterico com os conhecimentos da loacutegica informal e teoria da argumentaccedilatildeo conforme
temos hoje especialmente os estudos especiacuteficos de argumentaccedilatildeo aplicados ao Direito
De um modo geral julgamos que o estudo dos aspectos de loacutegica e linguiacutestica dos
Toacutepicos satildeo uacuteteis para o jurista e para todo interessado em dialeacutetica especialmente por
seu aspecto exemplificativo Os Toacutepicos apresentam seus conhecimentos de loacutegica e
linguagem em funccedilatildeo das necessidades de aplicaccedilatildeo agrave praacutetica das situaccedilotildees reais de
389 Arg Sof 19 177a 20-30 Toacutep II 3 110a 23-110b1 Toacutep VIII 7 160a 17-34 390 Um trecho de um texto introdutoacuterio sobre semioacutetica juriacutedica ldquoResumindo a Semioacutetica Juriacutedica emerge
como mais uma aliada na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito munida que estaacute de criteacuterios de rigor e
cientificidade racionalidade e coerecircncia Elimina ou ao menos dificulta a possibilidade de sofismas
redefiniccedilatildeo de significados manipulaccedilatildeo de linguagem sempre em nome de uma seguranccedila juriacutedica
ansiada e possiacutevelrdquo Grifo nossoVIANNA Joseacute Ricardo Alvarez ldquoConsideraccedilotildees iniciais sobre semioacutetica
juriacutedicardquo Revista CEJ Brasiacutelia Ano XIV n 51 p 115-125 outdez 2010 p123 Temos nossas duacutevidas
sobre a possibilidade de se alcanccedilar um ldquorigor e cientificidaderdquo indo aleacutem do razoaacutevel mas essa questatildeo
extrapola os objetivos dessa dissertaccedilatildeo
102
debate O aperfeiccediloamento e atualizaccedilatildeo desses conhecimentos podem ser feitos por meio
de manuais de loacutegica e linguagem atuais mas dificilmente encontraremos uma obra atual
que combine como os Toacutepicos conhecimentos tatildeo diversos em uma descriccedilatildeo de um
contexto que simule a realidade pois o conhecimento hoje eacute muito mais especializado
Entre o que chamamos de conhecimentos diversos incluiacutemos aleacutem de loacutegica e linguagem
os aspectos eacuteticos do debate e as noccedilotildees filosoacuteficas que aparecem como introdutoacuterias e
como pressupostos cuja compreensatildeo miacutenima eacute necessaacuteria para a leitura da obra que
estudamos Os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo sem duacutevida uma grande fonte
para a reflexatildeo e anaacutelise do que ocorre nos contextos de discussatildeo seja nos debates orais
seja nas discussotildees por escrito que envolvem opiniotildees divergentes
Especificamente sobre eacutetica no debate os Toacutepicos e os Argumentos Sofiacutesticos satildeo
muito uacuteteis ao Direito e de certo modo atuais As atitudes que Aristoacuteteles descreve como
sendo do debatedor de maacute-feacute ou de mau caraacuteter que tratamos no capiacutetulo III sobre o
debate dialeacutetico e a deslealdade do raciocinador eriacutestico e a falsa sabedoria do sofista
que mencionamos no capiacutetulo IV sobre viacutecios de raciociacutenio se aplicam agraves discussotildees
como temos hoje em todas as aacutereas inclusive nas aacutereas juriacutedicas Essas atitudes foram
descritas nos capiacutetulos precedentes Aquilo que descrevemos anteriormente como
empreendimento cooperativo refere-se como dissemos a um ldquojogo justordquo no qual existe
um interesse de cada parte em vencer mas vencer dentro dos limites das regras do jogo
Essa noccedilatildeo estaacute presente no Direito nas normas processuais sobre litigacircncia de maacute-feacute391
mas estaacute presente tambeacutem como moral na praacutetica da argumentaccedilatildeo e do debate Assim
como nos Toacutepicos cada parte de um litiacutegio dissimula a obtenccedilatildeo de premissas guarda
argumentos para momentos oportunos e procura refutar os argumentos do oponente Haacute
uma diferenccedila no entanto entre essa disputa que podemos chamar de ldquoracionalrdquo e
disputas em que as pessoas se recusam a seguir regras loacutegicas e linguiacutesticas baacutesicas o que
torna o debate impossiacutevel e qualifica o debatedor conforme o Estagirita como ldquoo
homem da ruardquo que leva a discussatildeo a se degenerar392 Para Aristoacuteteles esse tipo de
adversaacuterio deve simplesmente ser evitado Poreacutem na vida profissional como no Direito
essa escolha nem sempre eacute possiacutevel A vantagem do contexto dos debates descritos nos
Toacutepicos eacute que as disputas ocorriam como destacamos vaacuterias vezes diante de um auditoacuterio
qualificado que conhecia as regras da boa argumentaccedilatildeo e a presenccedila desse auditoacuterio
391 Vide artigos 16 a 17 do Coacutedigo de Processo Civil 392 Toacutep VIII 14 164b 5-15
103
servia como ameaccedila de censura para o debatedor que evitava causar uma maacute impressatildeo
Acreditamos que a divulgaccedilatildeo dessas noccedilotildees auxilia no aprimoramento da qualificaccedilatildeo
dos auditoacuterios dos debates juriacutedicos ou seja dos juristas juiacutezes promotores advogados
testemunhas e a populaccedilatildeo em geral contribuindo para a inibiccedilatildeo de maacutes condutas por
parte dos debatedores
4 Taacuteticas de debate
As taacuteticas que Aristoacuteteles descreve se aproximam muito de exemplos que vemos
nas discussotildees atuais Apresentamos um exemplo fictiacutecio que se assemelha a casos reais
no qual podemos ver taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas a serem obtidas que ilustra as
sugestotildees apresentadas no livro VIII dos Toacutepicos O exemplo fictiacutecio retrata o
interrogatoacuterio de uma testemunha por parte de um advogado em um julgamento
Representamos o advogado por ldquoArdquo e a testemunha por ldquoTrdquo
A A senhora confirma o que falou em seu depoimento na delegacia
T Sim mas o que exatamente
A Que a senhora tem problemas de insocircnia e que ouviu barulhos de tiro de
madrugada no dia X
T Sim eacute verdade
A Eacute certo que a senhora ouviu os disparos
T Sim
A A senhora consegue dizer o horaacuterio em que ouviu
T Natildeo sei acho que por volta de uma hora
A Antes ou depois de uma hora
T Natildeo sei
A A senhora falou que seu marido costuma chegar em casa do trabalho por volta
de meia noite
T Sim
A Sabe dizer se seu marido tinha chegado haacute muito ou pouco tempo
T Natildeo sei
A A senhora ouviu ele chegar
T Natildeo
A A senhora estava dormindo
104
T Sim
A A senhora tem insocircnia
T Sim
A A senhora toma remeacutedios para dormir
T Agraves vezes sim
A Naquele dia a senhora tinha tomado remeacutedio para dormir
T Natildeo lembro
A Quando a senhora ouviu os tiros a senhora estava acordada ou dormindo
T Estava dormindo e acordei com os barulhos
A A senhora tem pesadelos agraves vezes
T Agraves vezes sim
A Obrigado
O exemplo refere-se a uma prova testemunhal a respeito da existecircncia de um fato
que satildeo os disparos de arma de fogo A testemunha estaacute tentando sustentar a alegaccedilatildeo de
que eacute certo que ouviu os disparos O advogado tenta conduzir o raciociacutenio para a
conclusatildeo de que a testemunha natildeo ouviu os disparos ou entatildeo gerar duacutevida sobre a
alegaccedilatildeo e por fim chegar agrave conclusatildeo contraditoacuteria afirmando natildeo haacute certeza de que
ela tenha ouvido os disparos Seu objetivo eacute provar que a testemunha natildeo percebeu o fato
ou refutar a certeza de que ela percebeu De uma dessas duas formas ele contradiz a
afirmaccedilatildeo original concluindo que natildeo eacute certo que a testemunha ouviu os disparos As
premissas concedidas pela testemunha levam agrave conclusatildeo desejada pelo advogado O
advogado dissimulou as premissas que realmente desejava obter insistindo na precisatildeo
do horaacuterio do barulho dos disparos No entanto as concessotildees importantes para levar agrave
conclusatildeo desejada eram as que colocavam em duacutevida a certeza do testemunho as que
dizem respeito agrave capacidade de memoacuteria da testemunha o fato de natildeo ter percebido a
chegada do marido que seria proacuteximo ao horaacuterio que seria dos disparos a possibilidade
de a testemunha ter tomado um remeacutedio para dormir no dia a afirmaccedilatildeo de que estava
dormindo ateacute o momento dos disparos e a possibilidade de ter tido um pesadelo
A concessatildeo das premissas iniciais e os raciociacutenios que se seguem levam o
auditoacuterio por induccedilatildeo a duvidar da credibilidade da afirmaccedilatildeo originaacuteria de que o
testemunho era certo da seguinte forma A partir das respostas da testemunha conclui-
se que a testemunha natildeo sabe precisar o horaacuterio do barulho dos disparos nem mesmo
105
dizer se foi antes ou depois da uma hora O marido costuma chegar em horaacuterio proacuteximo
mas ela natildeo o ouviu chegar pois estava dormindo Eacute possiacutevel que ela tenha tomado
remeacutedio para dormir naquele dia Natildeo eacute capaz de lembrar se tinha tomado remeacutedio para
dormir naquele dia Estava dormindo ateacute o momento do barulho dos disparos Eacute possiacutevel
que tenha tido um pesadelo pois tem pesadelos agraves vezes Essas conclusotildees por sua vez
servem como premissas para o seguinte raciociacutenio indutivo todos esses elementos
pertencem a testemunhos natildeo fidedignos Assim o testemunho da existecircncia dos disparos
natildeo eacute fidedigno
O exemplo ilustra bem a ideia dos Toacutepicos de uma loacutegica da linguagem comum
na qual o silogismo eacute considerado sem rigor como aquilo que se segue de determinadas
premissas Existe um respondedor que tenta sustentar uma tese de que eacute certo que ouviu
os disparos Existe um questionador que obteacutem premissas de forma dissimulada que
levam agrave contraditoacuteria da tese do respondedor de que natildeo eacute certo que ouviu os disparos
O desfecho da discussatildeo se enquadra em uma ideia de ldquoplausiacutevelrdquo ou ldquoaceitaacutevelrdquo para
um auditoacuterio determinado A desqualificaccedilatildeo por completo da testemunha eacute obtida por
induccedilatildeo
Uma questatildeo a se destacar e que envolve o exemplo acima eacute que essas taacuteticas de
debate nos Toacutepicos referem-se a um contexto no qual haacute igualdade de capacitaccedilatildeo entre
os debatedores Ambas as partes do debate conhecem os procedimentos do que chamamos
de ldquojogo justordquo inclusive as taacuteticas de dissimulaccedilatildeo de premissas Simplesmente transpor
isso para o Direito onde nem todos conhecem as taacuteticas e nem sempre haacute igualdade na
condiccedilatildeo dos interlocutores como entre juiz e testemunha ou advogado e testemunha
promotor e reacuteu ou mesmo acusaccedilatildeo e defesa natildeo garante a mesma equidade que havia
entre os alunos de Aristoacuteteles Natildeo podemos no momento aprofundar essa importante
discussatildeo sobre a eacutetica no debate mas fazemos questatildeo de ressaltar que a diferenccedila entre
por exemplo detectar contradiccedilotildees no discurso do interlocutor ou induzir o interlocutor
a se contradizer eacute uma diferenccedila tatildeo sutil quanto a que Aristoacuteteles apontaria entre a
dialeacutetica e a sofiacutestica A equidade no debate diz respeito agrave eacutetica e abrange natildeo soacute a igual
oportunidade de alegaccedilatildeo e resposta mas tambeacutem a capacidade de se conduzir na
discussatildeo Essa equidade em uma disputa judicial pode ser regulada pelo juiz
106
CONCLUSAtildeO
Em nosso primeiro capiacutetulo destacamos que o termo ldquodialeacuteticardquo vem do verbo
διαλέγεσθαι que significa discutir O meacutetodo para se raciocinar a partir de opiniotildees
geralmente aceitas (ἔνδοξα) que os Toacutepicos propotildeem abrange regras de discussatildeo as
quais descrevemos de modo geral em nosso terceiro capiacutetulo Tambeacutem explicamos que
a argumentaccedilatildeo a partir de opiniotildees geralmente aceitas comporta essas discussotildees pois
suas premissas satildeo passiacuteveis de controveacutersia diferindo da demonstraccedilatildeo que parte de
premissas primeiras e verdadeiras ou derivadas dessas393 Do mesmo modo destacamos
do objetivo dos Toacutepicos que o meacutetodo eacute para se raciocinar sobre qualquer problema de
forma geral ou seja a partir de princiacutepios comuns que natildeo caem em nenhum campo
especial ou particular de conhecimento394Satildeo esses elementos que compotildeem a noccedilatildeo
ampla que formamos da dialeacutetica neste estudo dos Toacutepicos Ainda assim concluiacutemos que
essa noccedilatildeo natildeo esgota o que a dialeacutetica eacute mesmo para Aristoacuteteles Pois como jaacute foi dito
o termo significa uma praacutetica que jaacute existia que jaacute estava muito presente nas obras de
Platatildeo e que pode ter sofrido variaccedilotildees mesmo no decorrer da produccedilatildeo das obras do
Estagirita Somam-se a isso as trecircs utilidades atribuiacutedas aos Toacutepicos que satildeo o
treinamento as disputas e as ciecircncias filosoacuteficas395e os objetivos do debate conforme a
finalidade da discussatildeo que pode ser o aprendizado o exerciacutecio a competiccedilatildeo ou a
investigaccedilatildeo396 Cada uma dessas utilidades e objetivos tem suas peculiaridades Portanto
acreditamos que uma descriccedilatildeo precisa do que eacute a dialeacutetica exigiria uma pesquisa mais
aprofundada sobre o contexto histoacuterico da praacutetica dialeacutetica obras de outros filoacutesofos e
outras obras de Aristoacuteteles Essa pesquisa faz parte de nosso projeto de Doutorado Para
os objetivos desta dissertaccedilatildeo que abrangem uma noccedilatildeo geral e introdutoacuteria que sirva
para estudo e para a anaacutelise sobre aplicaccedilatildeo dos Toacutepicos ao Direito trabalhamos com uma
393 Toacutep I 1 100a 18-31 394 Arg Sof 9 170a 25-40 395 Toacutep I 2 101a 25-30 396 Toacutep VIII 5 159a 25-30
107
ideia mais geral de dialeacutetica Essa ideia geral corresponde aos conteuacutedos apresentados
nos Toacutepicos conforme a exposiccedilatildeo de Aristoacuteteles que apresentamos em nosso esboccedilo
A respeito da abordagem e da metodologia empregada na elaboraccedilatildeo dessa
dissertaccedilatildeo julgamos que foi acertada a apresentaccedilatildeo inventariada e descritiva da obra
usando comentaacuterios e interpretaccedilotildees de especialistas como fonte subsidiaacuteria a fim de se
formar um esboccedilo o mais fiel possiacutevel ao texto de Aristoacuteteles Tambeacutem julgamos ter sido
feliz a escolha da organizaccedilatildeo do trabalho como estudo teoacuterico na maior parte e
aplicaccedilatildeo praacutetica na menor Nossa ideia inicial era a de que encontrariacuteamos ferramentas
loacutegicas e esquemas argumentativos para pronta aplicaccedilatildeo nas discussotildees em assuntos de
Direito tendo em vista as ideias que satildeo divulgadas sobre toacutepica juriacutedica Acreditaacutevamos
que mesmo divergindo de Theodor Viehweg iriacuteamos encontrar muitos toacutepicos cujas
anaacutelises seriam uacuteteis e corresponderiam com certa facilidade a argumentos utilizados na
praacutetica juriacutedica Mas as dificuldades no entendimento do texto de Aristoacuteteles levaram-nos
a compreender que uma visatildeo teoacuterica clara e madura da dialeacutetica aristoteacutelica eacute
fundamental e imprescindiacutevel para se cogitar uma aplicaccedilatildeo praacutetica E essa visatildeo teoacuterica
natildeo eacute uma proposta modesta Como explicamos na Introduccedilatildeo nosso objetivo natildeo eacute fazer
uma criacutetica agrave toacutepica juriacutedica Ainda assim apoacutes esse estudo geral dos Toacutepicos
suspeitamos fortemente que a falta de uma boa compreensatildeo teoacuterica da dialeacutetica
aristoteacutelica seja a principal causa dos problemas que os criacuteticos apontam na toacutepica
juriacutedica Em nosso estudo percebemos que haacute maior probabilidade de erros decorrentes
de incompreensotildees teoacutericas do que de maacute aplicaccedilatildeo de instrumentos praacuteticos da dialeacutetica
os quais dizem respeito agrave loacutegica e agrave linguagem comum aspectos que natildeo satildeo estranhos
para o homem de conhecimento meacutedio da atualidade Uma aplicaccedilatildeo simples e direta das
ferramentas que os Toacutepicos descrevem sem um conhecimento teoacuterico geral pode ser
enganadora para fins de entendimento do que a dialeacutetica aristoteacutelica representa e a que
ela se aplica pois essa aplicaccedilatildeo refere-se a um contexto e envolve pressupostos que em
geral natildeo satildeo conhecidos pelo homem de hoje
Conforme anunciamos inicialmente os Toacutepicos foram esquecidos durante algum
tempo e uma produccedilatildeo maior de estudos a seu respeito surgiu na segunda metade do
seacuteculo XX Eacute uma obra que estaacute sendo estudada Uma pesquisa sobre a aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica de Aristoacuteteles ao Direito poderia avanccedilar concomitantemente agrave pesquisa
filosoacutefica sobre esse meacutetodo As questotildees filosoacuteficas que mais nos marcaram em nosso
estudo envolvem pressupostos aos Toacutepicos e dizem respeito agrave dialeacutetica e agrave verdade na
108
obra do Filoacutesofo Apesar da noccedilatildeo geral de verdade em Aristoacuteteles ser a da
correspondecircncia sentimos falta de precisar como isso se expressa em domiacutenios diversos
como na ἐπιστήμη na φρόνησις na σοφία na τέχνη e na δόξα a fim de alcanccedilarmos uma
compreensatildeo mais madura dos Toacutepicos Isso poderia nos auxiliar a compreender como
um meacutetodo que parte de opiniotildees geralmente aceitas participa de domiacutenios que natildeo satildeo
da opiniatildeo Essa e outras perguntas fazem parte do projeto de pesquisa posterior a esta
dissertaccedilatildeo Ainda assim mostramos em nosso uacuteltimo capiacutetulo que eacute possiacutevel identificar
as diferenccedilas e os limites entre o que eacute dialeacutetico e o que eacute juriacutedico em alguns contextos
da teoria e da praacutetica do Direito Esse eacute o primeiro passo para a aplicaccedilatildeo de uma dialeacutetica
que se entenda como uma metodologia que se aplica ao oponiacutevel a respeito da opiniatildeo e
se conforma aos princiacutepios gerais referentes a todos os assuntos como o princiacutepio da natildeo-
contradiccedilatildeo
No que se refere aos instrumentos loacutegico-linguiacutesticos que os Toacutepicos apresentam
concordamos com a conclusatildeo de Mendonccedila de que as teacutecnicas e habilidades de
linguagem e loacutegica da dialeacutetica se fundam no uso ordinaacuterio da liacutengua podendo ser usadas
em quaisquer aacutereas do saber que usam a linguagem comum da mesma forma que as
habilidades de persuasatildeo da arte retoacuterica podem ser utilizadas por qualquer profissional
de qualquer aacuterea397Noacutes observamos que esses instrumentos natildeo pertencem
exclusivamente agrave esfera do oponiacutevel mas se aplicam a princiacutepio a qualquer discurso
seja dialeacutetico ou demonstrativo praacutetico ou teoacuterico
Concluiacutemos tambeacutem que a habilidade preliminar necessaacuteria agrave aplicaccedilatildeo da
dialeacutetica dos Toacutepicos ao Direito hoje eacute a distinccedilatildeo entre o que pertence agrave opiniatildeo geral e
o que pertence ao Direito em particular A partir da identificaccedilatildeo das opiniotildees geralmente
aceitas que estatildeo presentes nos discursos juriacutedicos eacute possiacutevel aplicar o meacutetodo dialeacutetico
dos Toacutepicos testar se as premissas construiacutedas a partir das ἔνδοξα colocadas como tese
satildeo passiacuteveis de refutaccedilatildeo aplicando-se os instrumentos de loacutegica linguagem e toacutepicos
dentro de uma eacutetica de debate Essa distinccedilatildeo traz clareza para o exerciacutecio do Direito
mostrando que nem tudo eacute discutiacutevel de um modo geral A respeito daquilo que eacute oponiacutevel
enquanto dialeacutetico na seara juriacutedica a dialeacutetica de Aristoacuteteles traz uma credibilidade
maior para as premissas e os argumentos testados por meio de um debate que segue um
meacutetodo Acresce-se a isso a explicaccedilatildeo de que a refutaccedilatildeo do que estaacute no domiacutenio de uma
397 MENDONCcedilA Os Toacutep Op cit p 246
109
aacuterea do conhecimento (τέχνη) particular compete a quem atua nessa aacuterea e natildeo ao
dialeacutetico que discute a partir da opiniatildeo geral398 Isso daacute a entender que uma opiniatildeo natildeo
pode contraditar uma lei ou um conceito juriacutedico por exemplo Conforme os Toacutepicos
cada raciociacutenio pertence a seu domiacutenio Em siacutentese um esboccedilo suficientemente claro dos
Toacutepicos mostra que por mais que o Direito natildeo seja uma ciecircncia apodiacutetica ele natildeo eacute todo
dialeacutetico pois segue princiacutepios proacuteprios
Em relaccedilatildeo ao que satildeo os τόποι esses satildeo apenas procedimentos formas ou
modelos uacuteteis agrave formulaccedilatildeo de premissas e argumentos a serem lembrados na ocasiatildeo
de um debate de uma refutaccedilatildeo qualquer que pode natildeo pertencer ao domiacutenio da
dialeacutetica399 ou no caso da arte retoacuterica que podem ser usados na preparaccedilatildeo de um
discurso Os conteuacutedos da Retoacuterica de Aristoacuteteles natildeo fazem parte da nossa anaacutelise mas
trouxemos alguns conhecimentos dessa obra porque foram necessaacuterios agrave explicaccedilatildeo geral
dos assuntos Acreditamos ser importante uma anaacutelise mais detalhada dos toacutepicos
retoacutericos e sua utilidade na argumentaccedilatildeo De um modo geral esses oferecem sugestotildees
diversas para argumentar tais como voltar contra o oponente a acusaccedilatildeo feita por ele
retirar consequecircncias por analogia examinar as razotildees que aconselham e desaconselham
a fazer algo e examinar contradiccedilotildees400 Quanto aos toacutepicos dos Toacutepicos na maior parte
satildeo construiacutedos em funccedilatildeo dos predicaacuteveis e os toacutepicos que se referem apenas ao uso da
linguagem e da loacutegica podem ser aplicados em qualquer tipo de discurso de qualquer
aacuterea inclusive no Direito Quanto aos toacutepicos sobre o preferiacutevel descritos no livro III dos
Toacutepicos eles ilustram a pertinecircncia dos juiacutezos que envolvem os valores comuns da
sociedade ao domiacutenio da dialeacutetica
Falamos pouco sobre a utilidade da dialeacutetica na filosofia pois Aristoacuteteles
menciona isso no livro I dos Toacutepicos e natildeo daacute maiores explicaccedilotildees Consequentemente
tambeacutem natildeo abordamos a questatildeo da utilidade da dialeacutetica para se percorrer as aporias
entre teses juriacutedicas opostas Acreditamos que a deduccedilatildeo e a comparaccedilatildeo do que se segue
de duas teses opostas a fim de detectar inconsistecircncias ou quaisquer erros eacute uma
habilidade de loacutegica e se aplica a qualquer assunto Trouxemos na Introduccedilatildeo apenas
398 Arg Sof 9 170a 35-170b3 e tambeacutem falando de induccedilatildeo ldquo() pois em dialeacutetica uma premissa eacute vaacutelida
quando se assegura assim em vaacuterios casos e natildeo se apresenta nenhuma objeccedilatildeo contra elardquo Toacutep VIII 2
157b 30-35 ARISTOacuteTELES Toacutep Dos arg Op cit p 138 399 ldquoEacute evidente pois que natildeo precisamos dominar todos os toacutepicos ou lugares de todas as refutaccedilotildees
possiacuteveis mas soacute aqueles que estatildeo vinculados agrave dialeacutetica pois esses satildeo comuns a toda arte (τέχνην) ou
faculdade (δύναμιν)rdquo Arg Sof 9 170a 32-37 Grifo nosso ARISTOacuteTELES Ret Op cit p 167 400 Ret II 23 1398a 1-51399a 30-351399b 30-351400a 12-16
110
comentaacuterios gerais sobre essa utilidade e falamos que a questatildeo da utilidade da dialeacutetica
para a apreensatildeo dos princiacutepios das ciecircncias eacute assunto de discussatildeo em teses especiacuteficas
De forma preliminar concordamos com a tese de Porchat Pereira de que a dialeacutetica serve
como propedecircutica para a apreensatildeo dos princiacutepios pela intuiccedilatildeo (νοῦς) Em todo caso
como Aristoacuteteles natildeo aprofunda a discussatildeo nos Toacutepicos faremos nossa exposiccedilatildeo do
assunto em nosso trabalho subsequente agrave dissertaccedilatildeo de Mestrado pois essa investigaccedilatildeo
requer pesquisa em outras obras da filosofia aristoteacutelica bem como o esclarecimento das
questotildees sobre a verdade que jaacute mencionamos
Aleacutem do seu valor como estudo histoacuterico um grande meacuterito dos Toacutepicos e
Argumentos Sofiacutesticos eacute reunir conhecimentos sobre argumentaccedilatildeo loacutegica linguiacutestica e
psicologia que se encontram atualmente aprofundados e dispersos em vaacuterios livros de
vaacuterias especialidades e ilustraacute-los com exemplos do que acontece ateacute hoje em situaccedilotildees
reais de discussatildeo orais ou escritas O meacutetodo ali proposto resgata o valor e daacute tratamento
para o que eacute apenas plausiacutevel o que nos faz vislumbrar um grande campo de aplicaccedilatildeo
apesar das necessaacuterias adaptaccedilotildees e atualizaccedilotildees de seus instrumentos Ao mesmo tempo
essa obra antiga tambeacutem traz uma visatildeo que para noacutes do seacuteculo XXI pode parecer um
pouco estranha a de que nem tudo se discute
Em siacutentese concluiacutemos que conforme os Toacutepicos natildeo eacute possiacutevel um meacutetodo
juriacutedico se embase em um inventaacuterio de toacutepicos (τόποι) pois isso seria um simples
meacutetodo de inventaacuterio tendo em vista que toacutepicos satildeo sugestotildees argumentativas diversas
Como padrotildees argumentativos os τόποι dos Toacutepicos pouco correspondem aos
argumentos juriacutedicos utilizados atualmente As regras dessa obra que tratam de loacutegica e
linguagem jaacute satildeo assimiladas aos discursos de hoje por meio de fontes modernas O
principal acreacutescimo que o estudo dos Toacutepicos pode fornecer ao Direito eacute a distinccedilatildeo entre
acircmbitos do oponiacutevel conforme a opiniatildeo geral e o saber juriacutedico especializado com suas
respectivas diferenccedilas de tratamentos de suas premissas Para aquilo que for realmente
dialeacutetico no Direito o estudo dos Toacutepicos agrega uma grande diversidade de aspectos
que correspondem de modo bastante completo a discussotildees juriacutedicas e podem ser muito
uacuteteis para suas anaacutelises e criacuteticas
111
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