UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
MAIONNY SOARES QUIEZA DALLAPICOLA
DESNATURALIZAO DO RIO DOCE: UMA ABORDAGEM GEOGRFICA DAS INTERVENES NO SETOR URBANO DE
COLATINA/ES
Vitria - ES 2015
MAIONNY SOARES QUIEZA DALLAPICOLA
DESNATURALIZAO DO RIO DOCE: UMA ABORDAGEM GEOGRFICA DAS INTERVENES NO SETOR URBANO DE
COLATINA/ES
Monografia apresentada ao Departamento de
Geografia do Centro de Cincias Humanas e
Naturais da Universidade Federal do Esprito
Santo, como requisito parcial para obteno
do Grau de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Andr Luiz Nascentes Coelho
Vitria - ES 2015
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus pela fora dia a dia, sem a qual no seria possvel superar
os obstculos e alcanar a vitria.
Aos meus pais, Maxima e Francisco, por todo ensinamento, por acreditarem
na minha capacidade e por me ajudarem a sonhar e correr atrs dos meus
objetivos.
Ao meu marido Cleder, pela pacincia, pela fora nos momentos de
desnimo e por todo apoio dedicado. Sem voc no teria conseguido.
Ao engenheiro Francisco Hermes, pela experincia e conhecimentos
partilhados da rea de estudo.
Aos meus amigos Mnica Regina, Larissa, Patrcia e Ronald, por todo apoio
e ajuda durante esta pesquisa.
Ao meu orientador Andr, pela oportunidade desta pesquisa, pela pacincia
dedicada a mim, e por todos os ensinamentos compartilhados. Muito obrigada.
A todos aqueles que estiveram comigo durante a graduao e que
contriburam de alguma forma com o meu aprendizado.
RESUMO Este trabalho tem como objeto de estudo o setor do Rio Doce que corta a rea
urbana de Colatina ES. O objetivo principal desta anlise foi verificar como as
intervenes humanas no canal fluvial tm contribudo para ampliao das cheias
na plancie de inundao. Partindo desta premissa, a pesquisa baseou-se na
anlise de fotos histricas de 1906 a 2015, e imagens de satlite em perodos de
vazante (abril) e cheia (janeiro) do rio Doce, por onde foi possvel cartografar as
alteraes nas margens deste corpo hdrico. O cruzamento das sries temporais
histricas de vazo do rio, com a ocupao da rea de Preservao Permanente
(APP), permitiu delimitar os pontos mais fragilizados da Av. Beira Rio. Deste modo,
os resultados indicaram que o crescimento urbano desordenado e contnuo,
associado s alteraes nos processos geomorfolgicos, tem intensificado a
degradao do canal fluvial, potencializando as inundaes.
Palavras-chave: Geomorfologia fluvial, geotecnologias, anlise geogrfica integrada,
interveno humana e inundao.
RSUM
Ce travail a pour objet d'tude le secteur de la Rivire Doce coupe de la zone urbaine ne
de Colatina ES. Le principal objectif de cette analyse tait de vrifier comme les
interventions humaines dans le chenal de la Rivire Doce ont contribu pour le submersion
de la plaine d'inondation. De cette prmisse, la recherche a t base sur l'analyse de
photographies historiques de 1906 a 2015, et images en priode de reflux (avril) et flux
(janvier) de la Rivire Doce, par lequel il a t possible de cartographier les changements
dans les marges de ce plan d'eau. Grce l'analyse de la srie chronologique historique
de dbit de la rivire et de l'occupation de la zone de prservation permanent, cest possible
d'identifier les points les plus vulnrables de lAvenue Beira-Rio. Ainsi, les rsultats
indiquent que la croissance urbaine dsordonne et continue, associe aux changements
dans les processus gomorphologiques, a intensifi la dgradation du chenal de la rivire,
en renforant des inondations.
Mots-cls: la gomorphologie fluviale, gotechnologies, analyse gographique intgre,
d'intervention humaine et inondations.
ABSTRACT
This paper has as object of study the sector of Doce River cutting the urban areas of
Colatina ES. The main objective of this analyze was to verify how human interventions on
Doces river channel have contributed how human interventions in river channel have
contributed to the tide of the floodplain. From this premise, the research was based on
analysis of historical photographs from 1906 to 2015, and aerial images in periods of ebb
(April) and flood (January) of Doce river, by which it was possible to map the changes in the
margins of this water body. Crossing the analysis of historical time series of river flow with
the occupation of areas of permanent preservation it was possible to delimitate the most
vulnerable points of Beira-Rio Avenue. Thus, the results indicated that the cluttered and
continuous urban growth, associated with changes in geomorphological processes, has
intensified de degradation of the river channel, increasing flooding.
Keywords: fluvial geomorphology, geotechnologies, integrated geographical analysis,
human intervention and flood.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Localizao da rea urbana de Colatina, com Limite de Bairros e Rio Doce. ..18
Figura 2 - Vista do Rio Doce pela ponte velha. Inundao de dezembro de 2013. ..........19
Figura 3 - Movimento de massa no bairro So Marcos. Evento extremo de dezembro de
2013. ...............................................................................................................................19
Figura 4 - Tipos de leito fluvial/varzea. ............................................................................21
Figura 5 - Padres dos canais. ......................................................................................21
Figura 6 - Relao entre superfcie impermeabilizada e superfcie de escoamento. .......32
Figura 7 - Canalizao do rio modificando sua fisiografia. .............................................33
Figura 8 - Fluxograma de execuo do Trabalho de Concluso de Curso (TCC). ...........37
Figura 9 - Bairro de Colatina Velha aps a inaugurao da estrada de ferro em 1906.
Destaque esquerda para o curso principal do Rio Doce. ..............................................41
Figura 10 - Localizao do Barraco do Rio Santa Maria, estopim para o povoamento da
regio. .............................................................................................................................42
Figura 11 - Estrada de Ferro Vitria a Minas, margem direita do Rio Doce. ....................43
Figura 12 - Ponte Florentino vidos na dcada de 1930, vista da margem direita do Rio
Doce. ...............................................................................................................................43
Figura 13 - Crescimento urbano de Colatina, ocupao do vale e vertentes. ..................45
Figura 14 - Evoluo da mancha urbana de Colatina e os principais vetores de
crescimento. ....................................................................................................................47
Figura 15 - Localizao dos principais eixos virios que interceptam a cidade de Colatina.
........................................................................................................................................48
Figura 16 - Traado das mensuraes da calha regular do Rio Doce no perodo de
vazante, ms de abril/2013...... ........................................................................................50
Figura 17 - Delimitao das reas de preservao permanente do Rio Doce no permetro
urbano de Colatina, de acordo com o PDM e o Novo Cdigo Florestal. ...........................51
Figura 18 - Representao de inundao urbana. ..........................................................53
Figura 19 - 1) Av. Getlio Vargas, inundao de 1979. 2) Bairro Esplanada, inundao de
1997. 3) Praa Municipal, inundao de 2013. ...............................................................55
Figura 20 - 1) Destaque para os bairros que compem o recorte (vermelho). 2)
Visualizao do recorte com a delimitao da rea de APP legal. 3) Vista panormica do
recorte em rosa, da APP de 50 m (amarelo claro), e 500 m (amarelo escuro). ................56
Figura 21 - 1) Vista do Centro de Colatina (1925), com a ponrte Florentino vidos (direita)
e o Morro das Cabritas ao fundo, destaque em azul para o traado antigo do Rio Santa
Maria do Doce. 2) Vista da dcada de 1990 com o bairro Esplanada ao fundo, e destaque
em vermelho para o curso atual do Santa Maria. .............................................................58
Figura 22 - Primeira obra de canalizao no rio Doce na rea urbana de Colatina, muro de
proteo ponte. .............................................................................................................59
Figura 23 - Segundo aterro do Rio Doce na rea urbana de Colatina, limita-se com o
traado antigo da Estrada de Ferro Vitria a Minas. ........................................................60
Figura 24 - Terceiro aterro do Rio Doce, compreende o atual bairro Esplanada, e o
calado da Av. Beira-Rio................................................................................................61
Figura 25 - Limite da Calha atual do Rio Doce, aps o ltimo aterro a obra de enrocamento
iniciada em 2004 e finalizada em 2008. ...........................................................................62
Figura 26 - Perspectiva do projeto de enrocamento da Av. Beira-Rio de Colatina. .........63
Figura 27 - Mapa sntese dos quatro aterros; traado do Rio Santa Maria do Doce antes e
depois da obra de canalizao; traados da Estrada de Ferro Vitria a Minas. ...............64
Figura 28 - Mapa do Zoneamento da Lei 5273/2007, anexo 06. .....................................66
Figura 29 - Localizao de empreendimentos de grande impacto da Beira-Rio. .............68
Figura 30 - Mapa sntese com a evoluo urbana sobre o Rio Doce, e o polgono da
inundao de dezembro de 2013, em azul. No lado direito, imagens da inundao na Av.
Beira-Rio em dezembro de 2013. ....................................................................................69
Figura 31 - Retorno sinuosidade do canal do rio Aar, Munster, Alemanha (1998). .......72
Figura 32 - 1) Trincheiras de infiltrao; 2) Pavimentao em pavs. ..............................72
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Perfis Transversais do leito regular do Rio Doce no permetro urbano de Colatina, nos perodos de vazante (abril) e cheia (janeiro) .............................................................50
Tabela 2: Vazes Mximas Anuais de Colatina de 1961 a 2013 .....................................54
Tabela 3: ndices urbansticos da ZUD 2-1. .....................................................................67
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Vazo mdia anual do Rio Doce a partir dos dados de vazes mensais.
(Estao Fluviomtrica de Colatina e a respectiva curva de tendncia)........................... 25
Grfico 2 - Populao urbana de Colatina no periodo de 1940 a 2010............................45
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANA - Agncia Nacional de guas
APP - rea de Preservao Permanente
CPRM - Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais / Servio Geolgico Brasileiro
GEOBASES - Sistema Integrado de Bases Geoespaciais do Estado do Esprito Santo
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IJSN - Instituto Jones dos Santos Neves
INCAPER - Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistncia Tcnica e Extenso Rural
PDM - Plano Diretor Municipal
PMC - Prefeitura Municipal de Colatina
PROATER - Programa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
SIG - Sistema de Informaes Geogrficas
UHE Usina Hidreltrica
UTM - Universal Tranverse Mercator
USGS - Geological Survey / Servio Geolgico Americano
SUMRIO
1. INTRODUO ............................................................................................................14
1.1 Objetivo .................................................................................................................. 16
1.1.1 Objetivo Geral: ................................................................................................. 16
1.1.2 Objetivos Especficos: ...................................................................................... 16
1.2 Justificativa ............................................................................................................. 17
2. FUNDAMENTOS CONCEITUAIS ................................................................................20
2.1 Fundamentos da Geomorfologia Fluvial no Ambiente Urbano ................................ 20
2.1.1 Atuao Antrpica no Canal Fluvial ................................................................. 23
2.2 Aspectos Jurdicos ................................................................................................. 27
2.3 Anlise Geogrfica dos Impactos Ambientais Urbanos .......................................... 31
3. MATERIAIS E MTODOS ...........................................................................................36
4. RESULTADOS ............................................................................................................40
4.1 Anlise Temporal da Evoluo da Mancha Urbana ................................................ 40
4.1.1 Identificao do Vetor de Crescimento da Cidade ............................................ 46
4.2 Anlise do Planejamento Urbano e Ambiental das Margens do Rio Doce .............. 49
4.2.1 Anlise Temporal dos Impactos do Uso e Cobertura da Terra, na Plancie de
Inundao do Doce: Destaque para a Avenida Beira-Rio. ........................................ 53
4.2.2 Zoneamento Urbano e as Inundaes Na Av. Beira-Rio .................................. 65
5.CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................71
6. CONCLUSO ..............................................................................................................74
7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................77
14
1. INTRODUO
A partir da dcada de 1930, com a transio econmica de um eixo agrrio-exportador
para um polo urbano-industrial (CARNEIRO; 2008), verificou-se no Brasil a migrao da
maior parte da populao para as cidades. Isso acarretou, segundo Tucci (2013, p.17) uma
[...] concentrao urbana no Brasil da ordem de 80% da populao, e o seu
desenvolvimento tem sido realizado de forma pouco planejada, com grandes conflitos
institucionais e tecnolgicos [...].
De acordo com Canholi (2005, p.15), a expanso da rea urbana [...], consequentemente,
impermeabilizada, ocorreu a partir das zonas mais baixas, prximas s vrzeas dos rios
ou beira-mar, em direo s colinas e morros, em face da necessria interao da
populao com os corpos hdricos [...]. Neste cenrio, surgem as ocupaes irregulares
nas reas de Preservao Permanente (APP), como as da plancie de inundao dos rios
e os topos de morros.
Essas ocupaes desordenadas so proporcionadas pela precariedade da implantao e
fiscalizao das legislaes urbansticas, de ordenamento territorial e ambiental. Neste
contexto so relevantes as pesquisas que visam correlacionar o vnculo
sociedade/natureza, de modo a entender como a ocupao e distribuio da populao no
solo conecta-se com a hidrodinmica dos recursos naturais, uma vez que [...] a tendncia
atual do limitado planejamento urbano integrado est levando as cidades a um caos
ambiental urbano com custo extremamente alto para a sociedade (TUCCI, 2013, p.17).
Deve-se partir do pressuposto terico, articulado com a ideia anterior, de [...]
indissociabilidade entre natureza e sociedade [...] (COELHO, 2013, p.21), em que a
sociedade no pode ser apenas entendida como populao, e a natureza enquanto mero
ambiente fsico, mas que estes dois fatores esto dinamicamente, produzindo o espao
geogrfico.
Neste contexto, a problemtica se afirma no intuito de relacionar as legislaes urbanas
(Lei de Parcelamento do Solo 6766/79 e PDM) e ambientais (Novo Cdigo Florestal, 2012),
com as suas aplicaes, ou no, no permetro urbano do municpio de Colatina,
principalmente nos bairros que se situam na plancie de inundao do Rio Doce.
A escolha da temtica, tambm, teve como premissa a importncia regional de Colatina
como entreposto comercial e logstico para os municpios do noroeste capixaba, conforme
15
relato do Programa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural - PROATER (INCAPER;
2011):
Exportadores de caf, atacadistas e as lojas de pronta entrega dinamizam o comrcio local, que atende aos municpios do norte capixaba, leste de Minas Gerais e sul da Bahia, representando um universo de mais de 700 mil consumidores (INCAPER; 2011, p.5).
De acordo, ainda, com o INCAPER (op. cit.) Colatina tem crescido a uma margem de 1,88%
anual, o que representa a tendncia ao xodo rural, sendo que a populao do campo vem
diminuindo: de aproximadamente 19% em 1990, passou a 12% no Censo de 2010. Diante
do exposto, entra em discusso o planejamento urbano, pois, com o crescimento da
populao citadina para cerca de 88%, aumentam tambm as presses sobre o meio
ambiente, em especial as regies ribeirinhas.
Estas ltimas refletem o aumento das atividades humanas na bacia hidrogrfica, onde
pode-se destacar as mudanas induzidas pelas aes antropognicas, que se dividem em
diretas (aquelas que atuam no canal fluvial para controle das vazes, a exemplo dos
reservatrios e desvios de guas), e indiretas, relacionadas s reas fora dos canais, por
exemplo, o desmatamento e urbanizao, sendo que estas comprometem a descarga e
carga slida do rio (PARK,1981; KNIGHTON,1984 apud CUNHA, 2001).
O interesse pela pesquisa surge da importncia regional do municpio, dos impactos
histricos humanos, materiais e imateriais sofridos, diante de eventos hidrolgicos
extremos, tendo em vista o fato de o permetro urbano ser cortado por um corpo fluvial de
importncia regional. Alm disso, a abordagem geogrfica possibilita a correlao dos
processos fluviais com a ocupao urbana de modo mais integrado (COELHO, 2009).
Portanto, uma das finalidades deste trabalho analisar, por meio das geotecnologias e das
investigaes de campo, como a ocupao urbana tem interferido nas margens do Rio
Doce, de modo a delimitar os sucessivos aterros na margem direita, no permetro do bairro
Esplanada a Colatina Velha. Ademais, identificar como os processos deste canal fluvial
tm sido afetados pela interveno humana em seu leito principal.
16
1.1 Objetivo
1.1.1 Objetivo Geral:
Correlacionar os processos fluviais do Rio Doce, por meio da dinmica geomorfolgica
deste canal, com o uso e cobertura da terra no setor urbano do municpio de Colatina,
Esprito Santo. Contrapondo, assim, as intervenes urbanas da beira-rio com o Plano
Diretor Municipal e o Novo Cdigo Florestal, enfatizando as diretrizes adotadas no
parcelamento do solo para a plancie de inundao deste rio.
1.1.2 Objetivos Especficos:
Identificar os vetores de crescimento urbano do municpio, a fim de avaliar a
evoluo da mancha urbana, junto ao canal principal;
Determinar o comprimento da borda da calha do leito regular do Rio Doce no
permetro urbano de Colatina, para definio da largura mnima da faixa marginal
de preservao;
Espacializar as reas de preservao permanente beira-rio, previstas em lei, a fim
de analisar a ocupao urbana nestes espaos;
Cartografar os principais pontos desnaturalizados no canal principal do Rio Doce,
no setor urbano de Colatina;
Demonstrar como o emprego das geotecnologias auxilia no planejamento urbano
e ambiental, especialmente em mbito municipal.
17
1.2 Justificativa
A rea de estudo corresponde ao permetro urbano do municpio de Colatina, situado na
Bacia Atlntico, trecho leste, sub-bacia do Rio Doce, no baixo curso (ANA, 2001).
Compreende a regio noroeste do estado do Esprito Santo, latitude: 19 32 16 S e
longitude 40 37 59 W. De acordo com os dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatstica (IBGE), o municpio possua uma populao de 111.788 mil
habitantes1 numa rea territorial de 1.416,804 km.
Devido a sua privilegiada posio geogrfica limtrofe com o Rio Doce, e a construo da
Estrada de Ferro Vitria a Minas em 1906, Colatina compreendia os territrios dos atuais
municpios de Baixo Guandu, Linhares, Pancas, So Gabriel da Palha, Marilndia, So
Domingos do Norte e Governador Lindenberg (INCAPER, 2011). S a partir de 2001
passou a apresentar os atuais limites municipais, e configurar uma rea urbana com 59
bairros (Figura 1).
Colatina um municpio de importncia para regio noroeste capixaba, seja em carter
econmico ou social. responsvel pelos fluxos de cargas da regio, alm de ser um polo
moveleiro, de confeco, metalmecnico e de comrcio e servios, gerando emprego e
renda (INCAPER, 2011). Alm disso, tem sofrido historicamente com as cheias do Rio
Doce, principalmente porque parte do seu permetro urbano inundado com as guas da
calha principal desse rio, o que compromete toda a dinmica local e pe em risco os
colatinenses.
Assim, diante das crescentes demandas por territrio no permetro urbano, a populao
tem suprimido a cobertura vegetal e ocupado desde as margens do Rio Doce at as
encostas dos morros. Em perodos de cheias, principalmente nos meses de outubro a
maro (INCAPER, 2011; ANA, 2001), verificam-se inundaes de grande parte da rea
urbana beira-rio, alm dos movimentos de massa nas encostas. Como exemplo destes
acontecimentos tm-se os registros fotogrficos dos efeitos da chuva de dezembro de 2013
(Figuras 2 e 3).
1 De acordo com o a estimativa do IBGE de 2014, publicada no DOU, o municpio conta com uma populao de 121.670 habitantes.
18
Figura 1 - Localizao da rea urbana de Colatina, com Limite de Bairros e o canal do Rio Doce. Elaborado pela autora.
19
Figura 2 - Vista do Rio Doce pela ponte velha. Inundao de dezembro de 2013. Fonte: Noticias UOL (2013).
Figura 3 - Movimento de massa no bairro So Marcos. Evento extremo de dezembro de 2013. Fonte: Folha Vitria (2013).
Este estudo, portanto, relevante, tendo em vista as raras abordagens no mbito das
Cincias Geogrficas, especialmente no Esprito Santo, de pesquisas que correlacionem
aspectos da geomorfologia fluvial, por meio da dinmica dos recursos hdricos, com o uso
e cobertura da terra, particularmente o Plano Diretor Municipal (PDM). Discute, dessa
forma, as implicaes da atuao humana nas particularidades deste ecossistema natural,
tendo em vista o disposto nas legislaes urbansticas e ambientais, que visam assegurar
a qualidade de vida das populaes.
Adiante sero analisados os principais fundamentos da geomorfologia fluvial, os aspectos
jurdicos e o papel da anlise geogrfica integrada, para o entendimento dos fenmenos
das inundaes no Centro de Colatina, uma vez que devido s intervenes humanas
nos canais e suas margens, que esses fenmenos tornam-se mais nocivos a cidade.
20
2. FUNDAMENTOS CONCEITUAIS
2.1 Fundamentos da Geomorfologia Fluvial no Ambiente Urbano
Recurso essencial para a manuteno da vida, a gua foi um fator relevante para o
estabelecimento histrico das sociedades no entorno dos cursos hdricos. Utilizados para
fins de abastecimento humano e animal, irrigao, saneamento e transporte, os rios
constituram-se nos principais propulsores de penetrao para o interior (CUNHA, 2012a).
Logo em suas margens surgiram povoados, que posteriormente transformaram-se em
cidades, como as que se estabeleceram s margens do Rio Doce, a exemplo da sede de
Colatina.
Diante das potencialidades que os recursos hdricos possibilitam s sociedades,
destacamos a importncia do estudo da Geomorfologia Fluvial, que se apresenta como
campo da Geomorfologia (cincia que estuda as formas do relevo), sendo o interesse
daquela a pesquisa dos processos que relacionam o escoamento das guas fluviais num
contexto de bacia hidrogrfica (CHRISTOFOLETTI, 1980; CUNHA, op. cit.). Enfoca, assim,
as alteraes na fisionomia dos canais, frente s intervenes no ecossistema natural
beira-rio.
A Geomorfologia Fluvial parte da condicionante de que o uso e ocupao da terra refletem-
se na dinmica da bacia de drenagem, interferindo nos processos morfogenticos, ou seja,
de modelagem do relevo fluvial, escoamento superficial das guas, e no ciclo hidrolgico.
Frente temtica deste estudo, faz-se necessrio o entendimento dos conceitos da
fisiografia fluvial, aqui referente aos diferentes setores que a gua pode escoar num leito
(Figura 4), como:
O leito menor corresponde parte do canal ocupada pelas guas e cuja frequncia impede o crescimento da vegetao. Esse tipo de leito delimitado por partes bem definidas. O leito de vazante equivale parte do canal ocupada durante o escoamento das guas de vazante. Suas guas divagam dentro do leito menor seguindo o talvegue, linha de mxima profundidade ao longo do leito e que mais bem identificada na seo transversal do canal. O leito maior, tambm denominado leito maior peridico ou sazonal, ocupado pelas guas do rio regularmente e, pelo menos uma vez ao ano, durante as cheias. Dependendo do tempo ocorrido entre as subidas das guas, possvel haver a fixao e o crescimento da vegetao herbcea.
21
O leito maior excepcional ocupado durante as grandes cheias, no decorrer das enchentes (CUNHA, 2001; p. 213).
Figura 4 - Tipos de leito fluvial/ vrzea. Fonte: Cunha (2001, p.213).
Sendo, assim, as reas de sedimentao fluvial (leitos), aquelas inundadas pelo corpo
hdrico frente a um evento hidrolgico extremo, tambm so conhecidas como vrzeas,
plancie de inundao ou ainda, segundo Carneiro e Miguez (2011, p.133), como [...] zona
de passagem de cheia [...]. Essas reas de vrzeas dependem da fisionomia que o rio
apresenta, e, segundo Cunha (op. cit;), o canal fluvial pode apresentar trs formas
principais, conhecidas como padro dos canais, que so: retilneo, anastomosado e
mendrico (Figura 5).
Figura 5 - Padres dos canais: (A) retilneo, (B) anastomosado, (C) meandrante, (A) amplitude, (Rc) raio mdio da curvatura do meandro (segundo Bigarella et.al., 1979). Fonte: Cunha (2001; p.216).
22
Aliada aos padres dos canais est a assimetria ou simetria dos leitos, que para Cunha
(2001; p.233) relaciona-se com a variao da velocidade e turbulncia ao longo da seco
transversal, o que diferencia o comportamento nos canais retilneos, geralmente simtricos,
do canal mendrico, onde:
Em canais de leito simtrico, em geral padro retilneo, a velocidade mxima ocorre no centro do canal diminuindo em direo s margens. Em leito assimtrico, de padro mendrico, a zona de mxima velocidade e turbulncia localiza-se nas proximidades das margens cncavas, decrescendo de valor em direo margem de menor profundidade
(convexa) (CUNHA, op.cit.; p. 233).
Deste modo a capacidade de eroso das margens, transporte e deposio da carga do rio
dependem, entre outros fatores, da velocidade das correntes fluviais. E o material do fluxo
fluvial constitui-se da descarga lquida ou vazo, que est relacionada ao tamanho do
material que pode ser transportado, e do volume da carga que o rio capaz de carregar.
Tem-se ainda a carga slida, sedimentos, que est relacionada a suspenso e fundo do
rio, esta decresce a jusante indicando a diminuio da competncia do corpo fluvial. As
cargas de suspenso so constitudas de partculas finas, a exemplo do silte, e por fim a
carga de fundo que composta por partculas de tamanhos maiores, a exemplo da areia,
(CUNHA,2001).
Christofoletti (1980) acrescenta que os sedimentos podem ser carregados de trs modos
principais no fluxo: em soluo, dissolvidos nos cursos hdricos, em suspenso como o
silte e argila, e em saltao, geralmente a areia e cascalho, que compreendem a carga do
leito do rio. Destaca-se que a carga detrtica no provm apenas da eroso do fundo dos
leitos e margens fluviais, mas que o material intemperizado, de vertentes, carreado nas
enchentes contribui significativamente para a carga sedimentar transportada.
Cabe ressaltar, ainda, que a relao do arranjo espacial dos canais com os processos
fluviais (a eroso, o transporte, e a deposio de sedimentos) determinante para o
trabalho dos rios. Tais processos so diretamente influenciados pela vazo, velocidade e
pela intensidade da turbulncia (seja no fluxo laminar ou no fluxo turbulento). A
variabilidade no comportamento da velocidade e turbulncia das guas, ao longo da seo
transversal, condiciona os locais preferenciais de eroso e deposio ao longo do curso
hdrico.
23
Deste modo, qualquer interveno na bacia e canal fluvial compromete o equilbrio natural
da drenagem, levando o corpo hdrico a se adaptar s mudanas em sua fisionomia,
fisiografia e em seus processos at atingir um novo estado de equilbrio. Porm, na
plancie de inundao que estas modificaes sero mais percebidas pela populao, pois
a maior parte das obras de engenharia, como as canalizaes, e as ocupaes das
margens, acaba por romper com o equilbrio natural do rio, alterando sua dinmica e
intensificando seus processos, o que na maioria das vezes potencializa as enchentes, no
ambiente urbano.
Nesse sentido, o entendimento dos processos fluviais (eroso, transporte e deposio)
combinado com a anlise da fisiografia fluvial condicionam as peculiaridades na geometria
hidrulica, ou seja, na relao entre a vazo, velocidade de escoamento, tipos de canais,
de sedimentos e a topografia. Logo, o conhecimento geomorfolgico do rio contribui para
pesquisas que necessitem relacionar o funcionamento deste corpo natural com um
planejamento urbano mais efetivo, principalmente se considerarmos um recorte em nvel
de bacia hidrogrfica em espao urbano.
2.1.1 Atuao Antrpica no Canal Fluvial
O captulo que segue versa sobre a atuao antrpica relacionando-a a rea de estudo, o
rio Doce, porm este trata de forma macro a temtica, para contextualizar o leitor, sendo
as especificidades das intervenes neste recorte geogrfico, trabalhados nos resultados
desta pesquisa.
Diante do exposto, possvel acompanhar a evoluo dos processos fluviais nos canais,
em especial aqueles que tiveram intervenes em seu curso natural como as hidreltricas
instaladas a montante, a exemplo do Rio Doce, onde a interferncia direta na vazo e fluxo
de sedimentos altera a hidrodinmica do rio, comprometendo a eroso e transporte. Para
Coelho (2007; p.57) as:
Mudanas na Declividade / Perfil Longitudinal: Promovidas pela construo de reservatrio so variadas e caso o efeito da conteno de sedimentos seja significativo, os processos fluviais reduziro a capacidade de transporte de sedimento, podendo promover um entalhamento do leito do rio imediatamente jusante da barragem.
Alm disso, esse processo erosivo ps-barragem intensificado, favorecendo o
assoreamento e sedimentao do rio a jusante. O que pode beneficiar a elevao da cota
24
do canal fluvial frente a eventos hidrolgicos extremos, potencializando os efeitos das
inundaes nas vrzeas.
Ao mesmo tempo, o Rio Doce, trecho que compreende o Esprito Santo, mdio/baixo curso,
impactado nas vazes mnimas e mximas a jusante, aps a instalao das
barragens/Usinas Hidreltricas (UHE) de Mascarenhas (incio de operao em 1974)
localizada no Municpio de Baixo Guandu, e a de Aimors (incio de operao em 2005)
localizada na divisa do Esprito Santo com Minas Gerais (COELHO, 2007).
De acordo com Coelho (op.cit.), aps a implantao das usinas ocorreu uma reduo
significativa na vazo da calha principal do Rio Doce, conforme Grfico 1.
Considerando o perodo de 1939 a 2012, a vazo mnima aps a instalao das usinas
chega a atingir 411m/s e a mxima chega apenas a 1251m/s, sendo que no perodo
anterior instalao das usinas foi registrada a mnima de 533 m/s, e uma mxima de
1812 m/s, o que ressalta o impacto do barramento sobre o corpo hdrico. Alm do
comprometimento dos processos de eroso, transporte e sedimentao (COELHO, 2008
e CUNHA, 2001).
Diante desta perda de carga lquida nos barramentos, Cunha (2001; p. 241) observa ainda,
que as reas a jusante de reservatrios:
[] onde o regime do rio sofre significativas modificaes, devidas ao controle das descargas liquidas e de sedimentos no reservatrio. As mudanas ocorridas no regime das guas, neste setor do rio, acarretam significativos efeitos nos processos do canal, tais como o entalhe do leito, a eroso das margens e a deposio a jusante, atingindo longas distncias.
Alm disso, no permetro urbano de Colatina, o Rio Doce sofreu outras intervenes em
seu canal principal, como a implantao de obras estruturais de macrodrenagem, a
exemplo da construo da Av. Beira-Rio, com intuito de conter o avano das guas fluviais
em perodos de cheias.
25
Grfico 1
Vazo mdia anual do Rio Doce a partir dos dados de vazes mensais. (Estao Fluviomtrica de Colatina e a respectiva curva de tendncia).
Fonte: adaptado de Coelho (2007; p.154).
26
Como exemplo dos tipos de intervenes humanas nas reas de sedimentao fluvial,
leitos, Carneiro e Miguez (2011; p.117) destacam:
As aes de controle e cheias urbanas podem ser classificadas em estruturais quando a paisagem alterada pela ao do homem, e em no estruturais, aqui denominada como estruturante, quando o homem aprende a conviver com as enchentes. No primeiro caso, esto as medidas de controle atravs de obras hidrulicas, tais como barragens, diques e canais, entre outras. No segundo caso, encontram-se medidas do tipo preventivo, tais como zoneamento de reas de inundao, sistemas de alerta, educao ambiental, lei de parcelamento e uso dos solos e seguros contra inundao.
Neste cenrio abarcamos, os impactos das obras de engenharia, como a canalizao, que
altera a fisionomia e fisiografia do rio, refletindo-se nos processos geomorfolgicos do canal
e sua plancie de inundao. Para estes a canalizao uma obra estrutural que aumenta
a capacidade do fluxo do canal, alm de intensificar a velocidade do escoamento
superficial, antecipando o pico de cheia e transferindo os alagamentos para locais a jusante
na bacia hidrogrfica.
Articulado a esta ideia, Cunha (2012b) reflete a desnaturalizao dos rios, por meio de
obras de retificao, com a reduo do comprimento do canal e eliminao das
sinuosidades. So obras que afetam a estabilidade do corpo hdrico na medida em que
interferem na relao entre eroso, sedimentao e deposio, provocando efeitos como
alterao na morfologia do canal. Sendo assim, [] a diminuio da rugosidade no fundo
do canal, em conjunto com a perda dos meandros e a acelerao das velocidades, a
principal responsvel pelas mudanas no balano da energia natural dos sedimentos
fluviais [], Cunha (2012b; p.178). No caso do Rio Doce, trecho correspondente Av.
Beira-Rio, alterou-se a sua forma, retilinizando-a, e sua vegetao natural foi substituda
por estruturas de pedras, o que compromete a resistncia ao fluxo, as margens e aos
bancos arenosos.
Embora as obras de canalizao sejam implantadas como eficazes nos canais fluviais para
questes de enchentes urbanas, para Cunha (op. cit.) estas necessitam de manuteno
constante, envolvendo desde dragagem, remoo de obstrues a recomposio do
material utilizado. Porm, toda a manuteno est associada a alteraes morfolgicas e
biolgicas, como as que interferem nas soleiras e depresses do fundo dos leitos,
desestabilizando a vazo no curso, a exemplo da:
27
[] eliminao da sequncia de depresses e soleiras, o aumento da velocidade da corrente, a diminuio da diversidade de habitats, o ambiente instvel resultante da flutuao dos nveis da gua e do substrato mvel e a maior flutuao da temperatura das guas. (CUNHA, 2012b; p.180)
Ao mesmo tempo, o aumento da velocidade dos escoamentos no trecho retificado
possibilita maior eroso, transferindo para as reas a jusante uma carga slida
representativa, que para Cunha (op. cit.) configura a formao de bancos axiais e depsitos
de sedimentao marginais, alterando o equilbrio dos sedimentos a jusante. Pois:
A jusante das obras de retificao verificam-se o aumentam da carga slida, o assoreamento durante a dragagem, a eroso no canal pelos eventos torrenciais do regime e a modificao na dinmica na foz. Os sedimentos resultantes da eroso no canal retificado, em conjunto com a excessiva carga de sedimentos posta em suspenso durante a dragagem e na fase imediata de ps-construo - quando a eroso dos bancos de areia, sem vegetao, est em seu nvel mximo -, originam a formao de depsitos fluviais de curta durao a jusante do canal retificado. Logo a seguir, esses depsitos so erodidos, juntamente com as margens e o fundo do leito, pelos eventos torrenciais do regime, vindo a formar bancos axiais e depsitos de sedimentao marginais. (CUNHA,2012b; p.183)
Portanto, o estudo da geomorfologia fluvial contribui diretamente para o entendimento das
cheias nas plancies de inundao, em especial nas bacias hidrogrficas que
compreendem a rea urbana, e que possuem intervenes antrpicas diretas na fisiografia
do canal principal. Seus processos explicam como as alteraes no canal fluvial podem
maximizar os efeitos dos transbordamentos, impactando principalmente as populaes
ribeirinhas, alm de todo ecossistema local. Ademais, estes fundamentos geomorfolgicos
devem ser associados legislao vigente, afim de subsidiar a elaborao de instrumentos
legais para atuao do poder pblico nestas zonas de risco.
2.2 Aspectos Jurdicos
Frente crescente demanda sobre os recursos hdricos e solo urbano, a partir da dcada
de 1930, surgem as primeiras diretrizes que visam regulamentar estes ambientes, a
exemplo do Cdigo das guas. Mas s a partir dos anos 1960 surgem, em mbito federal,
leis como o Cdigo Florestal, com o intuito de regular a explorao das vegetaes, e
consequentemente proteger os mananciais; e em 1979, com o objetivo de ordenar as
28
cidades, aprovada a Lei 6.766/79, estabelecendo as normas do parcelamento do solo
urbano.
Na medida em que as populaes aumentam ampliam-se tambm as presses sobre os
recursos de gua e solo. Os processos de uso, e a conscientizao de que estes elementos
so finitos, intensificam as formas de controle e preservao, passando para as esferas
estaduais e municipais a responsabilidade de atuar em escala local na proteo desses
ambientes.
Ainda em escala federal, em 2012 promulgado o Novo Cdigo Florestal, Lei 12.651/2012,
em substituio ao cdigo anterior, Lei 4.771/1965, que apresenta as normas de
apropriao dos recursos naturais pelas novas necessidades das populaes citadinas e
rurais. No que compete rea de estudo, cabe destacar as ocupaes em reas de
plancie de inundao, em que, de acordo com art. 4, devem ser preservadas:
I - as faixas marginais de qualquer curso dgua natural perene e intermitente, excludos os efmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mnima de: (Includo pela Lei n 12.727, de 2012). a) 30 (trinta) metros, para os cursos dgua de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos dgua que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos dgua que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos dgua que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos dgua que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; [...]
A legislao rgida no que concerne ocupao ou utilizao das terras nas faixas
marginais dos rios, transferindo aos estados e municpios a responsabilidade de fiscalizar
estes territrios para garantir a efetividade da lei. A questo que muitas vezes somada a
falta de planejamento, estas fiscalizaes so ineficientes, o que tem possibilitado o
surgimento cada vez maior das ocupaes irregulares.
Apoiado, tambm, pela Constituio Federal de 1988, nos artigos 182 e 183, surge o
Estatuto das Cidades, Lei 10.257/2001, com finalidade de garantir a funo social da
cidade, e com este os primeiros Planos Diretores Municipais (PDM), que buscam o
ordenamento do crescimento das cidades em carter socioeconmico e ambiental: cidades
sustentveis. Ademais, em Colatina instituda a Lei 4.228/1996, posteriormente revogada
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12727.htm
29
pela Lei 5.273/2007, que: Institui o Plano Diretor do Municpio de Colatina, estabelece os
objetivos, instrumentos e diretrizes e d outras providncias para as aes de
planejamento do Municpio de Colatina [...].
O PDM de Colatina, assim como Cdigo Florestal, prev a preservao dos ecossistemas
beira-rio. Aquele ainda dispe sobre o parcelamento do solo sustentvel, a funo social
da cidade e da propriedade, conforme o Plano Diretor de Colatina de 2007 nos artigos
transcritos:
Artigo 22 - As diretrizes ambientais no Municpio de Colatina so: I - aplicar os instrumentos de gesto ambiental, estabelecidos nas legislaes federal, estadual e municipal, bem como a criao de outros instrumentos, adequando-os s metas estabelecidas pelas polticas ambientais; II - compatibilizar as diretrizes de uso, ocupao e parcelamento do solo aos objetivos de proteo ambiental dos ecossistemas; [...] Artigo 23 - So diretrizes do sistema de drenagem urbana: I - disciplinar a ocupao das cabeceiras e vrzeas das bacias hidrogrficas do Municpio, preservando a vegetao existente e visando sua recuperao; [...] III - definir mecanismos de fomento para usos do solo compatveis com reas de interesse para drenagem, tais como parques lineares, rea de recreao e lazer, hortas comunitrias e manuteno da vegetao nativa; [...] V - implantar medidas no-estruturais [sic] de preveno de inundaes, tais como controle de eroso, especialmente em movimentos de terra, controle de transporte e deposio de entulho e lixo, combate ao desmatamento, assentamentos clandestinos e a outros tipos de invases nas reas com interesse para drenagem; [...] VII - garantir e respeitar a necessria permeabilidade do solo, inclusive buscando alternativas de pavimentao com maior de permeabilidade; [sic] [...] Artigo 84 So objetivos do ordenamento territorial do Municpio de Colatina: [...] IV conter a expanso da ocupao urbana em reas de proteo ambiental; [...] Artigo 120 Ficam desde j identificadas como Zonas de Proteo Ambiental 2 ZPA 2 as seguintes reas: [...] III as reas existentes ao longo de qualquer curso dagua desde o nvel mais alto em faixa marginal, cuja largura mnima ser de: a) 15m (trinta metros) [sic] para os cursos dagua com menos de 10m (10
metros) de largura contidos no permetro urbano; [...] c) 30m (trinta metros) para os cursos dagua que tenham de10m (dez
metros a 50m (cinquenta metros) de largura contidos no permetro urbano;
[...]
30
e) 50m (cinquenta metros) para os cursos dagua que tenham mais de 50m (cinquenta metros) de largura contidos no permetro urbano. (Redao dada pela Lei n 6.042/2013)
[...]
De modo geral, verifica-se que a legislao apresenta instrumentos que permitem a
preveno ou controle de ocupaes irregulares ou clandestinas em rea de APP, alm de
propostas para resguardar de grandes impactos ambientais o corpo hdrico principal do
municpio, o Rio Doce. Possibilitando, assim, a minimizao dos impactos causados pelas
cheias populao local.
Porm, cabe destacar que, o Plano Diretor Municipal de Colatina no contempla o
estipulado no Cdigo Florestal / 2012, Lei Federal, onde os cursos dgua com largura
superior a 600(seiscentos) metros, devem ser resguardados com reas de preservao
permanente de 500(quinhentos) metros, entre outros, sendo que a redao desta parte do
PDM dada pela lei 6.042/2013, posterior a publicao do novo Cdigo Florestal. Sendo
assim, verifica-se que apesar da inteno de resguardar uma faixa de no mximo
50(cinquenta) metros em permetro urbano para a conteno de cheias e mata ciliar, o
PDM de Colatina no atende o mnimo previsto em Lei Federal. O que tem impactado todo
ecossistema beira rio e a populao ribeirinha, uma vez que a faixa marginal de proteo,
de 50(cinquenta) metros, em muitos casos no tem comportado o impacto dos deflvios.
No entanto, a legislao trata de aspectos gerais, no pontuando as reas responsveis
por cada ao, alm de sua aplicabilidade depender da elaborao de um cronograma de
execuo, bem como um conjunto de planos e normas especficos para cada diretriz, com
detalhamento das propostas de interveno. Isto no ocorreu at o presente.
Alm disso, a cidade de Colatina surgiu num cenrio histrico anterior s legislaes
urbansticas e ambientais, inclusive do Cdigo das guas, o que dificulta a execuo de
um planejamento que concilie a preservao das matas beira-rio, garantindo a faixa de
APP, com a ocupao urbana consolidada.
A rea de estudo se apresenta como ambiente fragilizado, apesar de ser regida por
legislaes, desde a escala federal at a municipal, que visam proteger e ordenar o uso e
cobertura da terra nas faixas marginais dos rios. Mas a dificuldade das prefeituras em
aplicar os instrumentos legais nestes ambientes, seja por interesses privados, ou falta de
recursos para investimentos em solues a longo prazo, continua expondo as populaes
31
aos impactos dos eventos hidrolgicos crticos, como os que resultam nas inundaes.
Para que se alcance esse parcelamento do solo sustentvel so necessrios esforos da
gesto municipal, em estipular prazos e metas de atuao, afora interagir os diferentes
setores no planejamento em nvel de bacia hidrogrfica, considerando as peculiaridades
desta escala de trabalho.
2.3 Anlise Geogrfica dos Impactos Ambientais Urbanos
Sendo a cincia que estuda a relao homem/natureza, a Geografia tem muito a contribuir
nas anlises que envolvem o meio ambiente que foi transformado pela dinmica da
sociedade. Mas historicamente a dialtica das correntes fsica e humana tem imperado de
modo dissociado, levando o gegrafo a estudar estes processos separadamente. Porm,
se o resultado pretendido integrado, fazem-se necessrias pesquisas mais amplas, que
cruzem as diferentes vertentes geogrficas.
Considerando que a problemtica dos impactos ambientais urbanos envolve a questo
natural, o rio, e a questo social e poltica, a sociedade e as leis, (COELHO; 2013), uma
pesquisa neste mbito requer o entendimento destes dois objetos, a fim de se apreender
o processo de crescimento das cidades brasileiras e a sua relao com os recursos
hdricos.
A partir da dcada de 1950, devido ao xodo rural mais intenso, as cidades brasileiras
incharam rapidamente com a migrao do campons que buscava melhores condies de
vida, como: trabalho na indstria, o acesso s escolas, saneamento, entre outros. E,
segundo Gorski (2010), a populao brasileira passou desde o incio deste processo de 19
milhes de habitantes em 1950 para 138 milhes de habitantes em 2000 (dados do IBGE),
o que corrobora o rpido crescimento das cidades.
Todavia, as estruturas pblicas no estavam preparadas para um acrscimo populacional
to significativo, e em curto espao de tempo. E o que observamos o acesso limitado
dessa populao s reas centrais da cidade, sendo induzida a se estabelecer nas
periferias. Nesta viso:
O difcil acesso da populao de baixa renda s reas mais centrais das cidades contribuiu, segundo Raquel Rolnik, para a expanso da periferia, o que muitas vezes implicou, e implica ainda, invaso de reas de proteo de mananciais, com a aquiescncia do poder pblico. Esta
32
dinmica agravou a situao de risco dos mananciais, pela eliminao das matas ciliares e consequentemente eroso das margens dos cursos dgua e assoreamento de suas calhas, e pela contribuio do esgoto in natura. (ROLNIK,1997 apud GORSKI 2010, p.62;)
Sendo assim, a supresso das matas ciliares e das vegetaes das encostas, para fins de
ocupao urbana, interfere diretamente no ciclo hidrolgico, diminuindo a absoro de
gua pelo subsolo e pela evapotranspirao, favorecendo o escoamento superficial (Figura
6), que intensifica a velocidade de drenagem das guas. Este processo nas encostas
mais significativo se considerarmos que com a supresso da cobertura vegetal, e
impermeabilizao do solo, as precipitaes acabam por lavar todo o material
intemperizado, sedimentos, carregando-o diretamente para o corpo hdrico e contribuindo
para o assoreamento.
Figura 6 - Relao entre superfcie impermeabilizada e superfcie de escoamento. Fonte: Gorski (2010; p.64).
Por outro lado, as ocupaes ribeirinhas nas vrzeas dos rios modificam a dinmica fluvial
frente aos deflvios. A compactao e o nivelamento do solo, associados
impermeabilizao por concreto, asfalto e outros materiais, alteram todo o sistema de
drenagem natural e contribuem para a eroso fluvial. Alm disso, a gesto pblica, que
33
deveria investir num parcelamento do solo sustentvel, resguardando uma alocao de
espaos (CANHOLI, 2005; p. 15) para a drenagem, acaba por colaborar com as enchentes
urbanas, na medida em que decide por obras estruturais como a canalizao (Figura 7,
p.30) e a microdrenagem, que transferem os impactos das inundaes a jusante.
Figura 7 - Canalizao do rio modificando sua fisiografia. Fonte: Gorski (2010; p.69).
Cabe destacar que desde 1965, com o primeiro Cdigo Florestal, as matas beira-rio j
eram resguardadas da degradao humana; porm, com todo o boom urbano a partir de
1950, a falta de estrutura e ingerncia municipal, no que se refere ao parcelamento e uso
e ocupao da terra urbana, possibilitou a formao dos assentamentos clandestinos em
APP e na encosta de morros. Em condies precrias, sem saneamento bsico e demais
infraestruturas urbanas, estes assentamentos acabam sendo as regies mais afetadas
com as inundaes.
Junto s questes j levantadas vale destacar que as guas das inundaes propiciam o
aumento das doenas de veiculao hdrica (febre tifoide, hepatite, leptospirose,
esquistossomose, entre outras), pois carregam, segundo Gorski (2010), toda uma poluio
difusa, efluentes domsticos, industriais e agroindustriais, alm do lixo urbano, da poluio
do ar e das ruas.
34
Por outro lado, esta ocupao urbana no planejada perde o benefcio que os corpos
hdricos podem oferecer, como: [...] as paisagens fluviais que aos poucos foram sendo
apropriadas como paisagens urbanas [...] (GORSKI, 2010; 38), alm do microclima
associado umidade pela evapotranspirao, que ameniza a sensao trmica local.
Porm, conforme observado por Graeff (2011), no cabvel, atualmente, implantar a
legislao de APP de modo jurista. Deve-se considerar toda a representatividade cultural
assentada sobre os leitos destes rios (avenidas importantes, casas com arquitetura
histrica, entre outros). Alm disso, para a demarcao das reas de preservao
permanente, hoje, necessria uma anlise tcnica pautada na geomorfologia e
hidrologia, de modo a interpretar o comportamento histrico dos cursos dgua na
paisagem, prevendo cenrios de impactos futuros da atividade humana sobre suas faixas
marginais.
Tendo em vista que grande parte da malha urbana brasileira est alocada em APPs, e que
segundo Graeff (2011) estas j possuem uma unidade de paisagem estabelecida, e muitas
vezes secular, configurando stios de importncia cultural, e apreendendo que:
De modo semelhante, nas demais cidades, haver que ser entendido o meio urbano como ele realmente um encontro entre as necessidades de habitao, com atividades humanas, e de conservao ambiental, esta segunda, tambm a servio do homem e no somente de objetivos difusos e distanciados da sobrevivncia da sociedade (GRAEFF, 2011; 206).
Por tais motivos o trabalho com a geomorfologia fluvial urbana deve abarcar os princpios
do bom senso, compreendendo que nestas reas de atividade antrpica consolidada pode-
se fazer uso de instrumentos de engenharia avanados para uma convivncia equilibrada
do homem com a natureza no entorno. Contudo, deve-se incentivar as reas de expanso
urbana, ou zona periurbana (zonas de transio da rea urbana para a rural), com polticas
de incentivo a pavimentaes mais permeveis, a fim de minimizar o escoamento
superficial para o rio, favorecendo a infiltrao.
Apesar de os impactos gerados pela interferncia humana nas reas mais fragilizadas da
bacia hidrogrfica, vrzeas e encostas, refletirem-se em catstrofes com prejuzos
humanos, ambientais, e urbanos, alguns autores brasileiros, como Canholi, Graeff, Cunha,
Carneiro e Miguez, j indicaram outros caminhos para uma convivncia harmoniosa com
a natureza. Alm do mais, pases desenvolvidos como a Holanda deixaram de lutar contra
35
as cheias para permitir s guas das enchentes a capacidade de acumular e dispersar,
com impacto reduzido para as populaes (CARNEIRO; MIGUEZ, 2011).
Sendo assim, a proposta deste estudo identificar os principais agentes que influenciam
as inundaes, entendendo seu papel e atuao no contexto urbano de Colatina. Mas
tambm a de ampliar a abordagem da temtica, com uma anlise geogrfica integrada,
ressaltando as medidas que constam no planejamento urbano, e sua aplicao nas faixas
marginais do corpo hdrico.
36
3. MATERIAIS E MTODOS
Esta pesquisa constituda de trs etapas principais, sendo que a primeira teve como
premissa a confeco de um fluxograma (Figura 8) de trabalho para orientar a pesquisa;
em seguida teve incio o levantamento de bibliografias que abordam temas como a
geomorfologia fluvial e urbanizao em Colatina, adotando-se como referncia as
pesquisas de Coelho (2006, 2007, 2008 e 2009) e Albani (2012). Alm disso, muito
contriburam para este trabalho o relatrio do INCAPER, da CPRM e os dados do IBGE.
Cabe destacar, tambm, as experincias com recursos hdricos em ambientes urbanos de
Carneiro e Miguez (2011), em especial Cunha (2001, 2012ab).
Esta etapa consistiu, tambm, na busca de material cartogrfico, como aquisio de planos
de informao de limite: estadual, municipal, bairros, mancha urbana, corpo dgua e
logradouros, atravs de dados disponveis no Sistema Integrado de Bases Geoespaciais
do Estado do Esprito Santo (GEOBASES, 2014), no Instituto Jones dos Santos Neves
(IJSN, 2015) e no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2014); imagens
orbitais gratuitas do satlite Landsat-8 sensor OLI, bandas 2-3-4 e 8 (Pan), rbita: 216,
ponto: 73, com datas de passagem em 02/01/2014 e 22/03/2014 s 9:46 (horrio central
da rbita), junto ao Servio Geolgico Americano (USGS, 2014), alm do ortofotomosaico
do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hdricos (IEMA, 2014) do Esprito
Santo, referente ao voo de 2007 a 2008.
Na segunda etapa, foram realizadas duas investigaes de campo, sendo a primeira no
dia 24 de junho de 2014, com a finalidade de fazer o reconhecimento da rea de estudo,
fotografar e conversar com moradores e tcnicos da prefeitura. O segundo trabalho de
campo ocorreu no dia 14 de fevereiro de 2015, e por meio deste foi possvel identificar
pontos sujeitos a inundao, analisar a topografia e realizar as entrevistas com moradores
e funcionrios da Prefeitura Municipal de Colatina.
37
Figura 8 - Fluxograma de execuo do Trabalho de Concluso de Curso (TCC).
38
Na terceira etapa foram realizados os mapeamentos e processamentos de todos os planos
de informao, vetoriais e matriciais, em ambiente de SIG no sistema ArcGis 10.3, iniciando
com a edio dos dados do Municpio e adjacncias que foram ajustados, quando
necessrio, ao sistema de projeo UTM, no Datum SIRGAS 2000, na Zona 24 sul, com
meridiano central -39 W, com todo o mapeamento produzido seguindo a padronizao
cartogrfica proposta por Fitz (2008 a, b).
O geoprocessamento teve incio com a composio das imagens orbitais do Landsat-8 na
cor natural da imagem (2R; 3G; 4B), e por meio da tcnica de Pan Sharpening, ou fuso
de imagens; a imagem cor natural foi agrupada da banda 8, pancromtica, para obteno
de uma melhor resoluo espacial, neste caso chegando a 15 metros, sendo resguardado
o contedo da imagem composta. Na sequncia foi realizada a extrao da mscara do
permetro urbano de Colatina, e gerada a classificao supervisionada da imagem Landsat-
8 no perodo de cheia (janeiro) e vazante (maro), o que possibilitou a delimitao da calha
do Doce nestes dois eventos.
Em seguida foram realizadas as 8 (oito) medies do leito regular, sendo 4 (quatro) no
perodo de cheia e 4 (quatro) na vazante, de modo a definir a largura mdia da calha do
leito regular do Rio Doce no permetro urbano de Colatina. Para chegar a uma medida geral
da largura do rio utilizaram-se ferramentas estatsticas, como a mdia que uma medida
de tendncia central, onde numa amostra de tamanho N, constituda por elementos de x
variando de , possvel extrair a mdia aritmtica atravs da equao:
A mdia aponta para onde mais convergem os dados de uma distribuio.
A partir desta definio da mdia da largura da calha do Rio Doce, foi possvel, em consulta
ao Novo Cdigo Florestal, Lei 12.651/2012 e a Lei 5.273/2007, determinar a faixa mnima
de preservao permanente deste corpo fluvial, alm da confeco do mapa com o
polgono de APP.
Mediante a anlise do mapa verificou-se que grande parte dos bairros do municpio esto
contidos nos polgonos de APP, em especial a preservao de 500 metros conforme lei
federal. E, por meio deste, foram cruzados os dados de vazo, as fotos histricas das
enchentes e o polgono de mata ciliar, o que permitiu o entendimento das inundaes.
39
Em ambiente de SIG, tambm, foram vetorizados os trs traados da Estrada de Ferro
Vitria a Minas, o trajeto do Rio Santa Maria do Doce antes e depois da retilinizao, e os
sucessivos aterros na margem direita do Rio Doce no permetro que compreende a Av.
Beira-Rio.
As tcnicas de sensoriamento remoto, como a classificao supervisionada, permitiram a
definio do polgono da ltima inundao, atravs da imagem da cheia de janeiro. Para
tanto, foi realizada tambm a classificao hbrida, objetivando aliar a interpretao visual
com a digital (JENSEN, 2009). Por fim, foi realizada amarrao com o levantamento
geodsico da CPRM (2014), para garantir a preciso do traado do polgono de cheia.
A partir do tratamento dos dados bibliogrficos, cartogrficos e imagens foi possvel
sistematizar este trabalho, o que permitiu identificar elementos histricos de interveno
na paisagem do Doce, como os aterros e a ocupao urbana. As visitas de campo, a
entrevista e conversas com moradores foram fundamentais para a validao das
informaes, o que tornou esta metodologia eficaz para anlise do fenmeno da inundao
em Colatina.
40
4. RESULTADOS
4.1 Anlise Temporal da Evoluo da Mancha Urbana
A ocupao ao longo das plancies de inundao dos rios tem ocorrido diante da
necessidade deste recurso para as atividades vitais humanas. Cunha (2012b, p.219)
entende que: suas margens tm sido o centro preferido da habitao humana, e o
suprimento de suas guas no s fertiliza os campos para o cultivo, como tambm fornece
energia e permite recreao. Logo, o estabelecimento das vilas nas bordas dos cursos
dgua favorece a logstica ocupacional.
Historicamente em solo esprito-santense a formao das vilas ocorreu s margens de
estratgicos cursos dgua, e a explorao do ouro de Minas Gerais, para Albani (2012),
determinou que a Coroa proibisse nos sculos XVII a XIX a implantao de estradas e
explorao de terras na Capitania do Esprito Santo, pois os portugueses temiam incurses
estrangeiras, deixando assim o desenvolvimento capixaba restrito faixa litornea.
Relegada enquanto barreira verde, para defesa das minas de ouro e minerais do atual
territrio das Minas Gerais, segundo Coelho (2007), a Capitania do Esprito Santo s
passou a se interiorizar para o centro-oeste, onde se localiza atualmente a cidade de
Colatina, a partir de 1847, por meio das ocupaes de Santa Izabel e Santa Leopoldina,
que permitiram a descida do Rio Santa Maria do Doce at as imediaes da atual cidade
de Colatina:
Assim foi que o movimento colonizador desceu o vale do Santa Maria do Rio Doce, atingindo em 1891 a regio das matas, onde hoje se acha a cidade de Colatina. [...] Esta penetrao inicial foi feita com elementos alemes de Santa Leopoldina, e no rio Doce ficou muito anos restrita rea inicial. A expanso ao longo do vale tomou impulso com a chegada a Colatina, em 1906, dos trilhos da Estrada de Ferro Diamantina (atual Vitria-Minas) (STRAUCH,1955 apud COELHO, 2007; p.105)
Sendo assim, Coelho (op. cit.) relata que a ocupao se deu atravs da supresso da mata
nativa no baixo curso do Rio Doce de Colatina a Linhares, sendo a madeira da extrada
levada at o rio e encaminhada at Povoao, vilarejo junto foz, de onde eram carregados
os navios. Neste perodo, tem-se a instalao de um ciclo madeireiro na regio com a
disposio de serrarias nas proximidades das matas.
41
Todavia, somente a partir de 1906, com a chegada da estrada de ferro na regio, o
transporte madeireiro foi transferido para as locomotivas. medida que a implantao da
Estrada de Ferro Vitria a Minas avanava para o interior, levava consigo as frentes de
desmatamento, modificando as paisagens das margens do Rio Doce e se apropriando dos
espaos deste rio (Figura 9).
Figura 9 - Bairro de Colatina Velha aps a inaugurao da estrada de ferro em 1906. Destaque esquerda para o curso principal do Rio Doce. Fonte: Albani (2012; p. 63).
Conforme Albani (2012), com a vinda dos mineiros e fluminenses, reforados
posteriormente, a partir de 1889, por colonizadores italianos e alemes, que as
ocupaes territoriais ocorreram de modo efetivo. Atravs do Barraco do Rio Santa Maria
(Figura 10), espao do governo, inicialmente destinado a alojar os migrantes e a produo,
surgiram as primeiras residncias nas proximidades da igreja de So Sebastio. Sendo
assim:
importante destacar que o desenvolvimento da regio onde se encontra o municpio de Colatina teve incio no final do sculo XIX no ncleo de colonizao Antnio Prado, localizado no distrito de Boapaba, antiga vila do Mutum. O ncleo recebeu dezenas de famlias de imigrantes italianos e ali desenvolveram atividades de agricultura e, com a expanso da localidade, surge tambm o comrcio. (ALBANI, 2012; p.61) [] A vila de Colatina, entretanto, logo passou a se transformar no principal ncleo e futuramente, na sede do municpio. Alm da facilidade da produo atravs do Rio Doce, a vila de Colatina tornou-se referncia dos imigrantes no caminho para a colonizao das terras ao norte do estado. (MADURO,1985 apud ALBANI, 2012; p.62)
42
Desse modo, com o desenvolvimento das atividades de cafeicultura, madeireira, e do
entroncamento logstico de acesso s reas do norte, a vila elevada em 1921 categoria
de municpio. A atual configurao territorial foi adquirida a partir de 2001, conforme IBGE
(2014), dispondo de seis distritos: Colatina (sede), ngelo Frechiami, Baunilha, Boapaba,
Graa Aranha e Itapina.
Cabe destacar, porm, que a ocupao inicial da cidade de Colatina se perfaz pela margem
direita do Rio Doce onde se localiza o atual bairro de Colatina Velha, e onde havia se
instalado o Barraco de Santa Maria. Nesse perodo a ponte ainda no fora edificada,
limitando assim a ocupao da margem esquerda.
Figura 10 - Localizao do Barraco do Rio Santa Maria, estopim para o povoamento da regio. Fonte: Albani (2012; p.62).
Conforme Teixeira (1974 apud ALBANI, 2012, p.65) a implantao da Estrada de Ferro
Vitria a Minas, em 1906 (Figura 11) possibilitou a expanso da cidade de Colatina e seu
desenvolvimento econmico. Todavia, sua instalao paralela margem direita do Rio
Doce favoreceu a localizao de avenidas e ruas centrais em sua proximidade.
43
Figura 11 - Estrada de Ferro Vitria a Minas, margem direita do Rio Doce. Fonte: Albani (2012; p.65).
Entretanto, foi com a construo da ponte Florentino vidos (Figura 12), em 1928, que a
margem direita se conectou margem esquerda da cidade, o que, alm de possibilitar a
ocupao, facilitou o acesso s regies mais ao norte do Estado.
Figura 12 - Ponte Florentino vidos na dcada de 1930, vista da margem direita do Rio Doce. Fonte: Albani (2012; p.66).
44
Por conseguinte, a estrada de ferro e a ponte foram os fatores determinantes para o
estabelecimento dos migrantes s margens do Rio Doce, e a formao do atual municpio
de Colatina. Contudo, foi a partir desta posio privilegiada que a cidade passou a ser
entreposto comercial e logstico da regio noroeste, e com isso sua rea urbana expandiu-
se de modo desordenado, inicialmente ao longo da plancie de inundao do Doce. Coelho
(2007; p.108 e 109) relata que:
Os efeitos dessa urbanizao (novos parcelamentos) e do desmatamento produz [sic], normalmente, o aumento da velocidade das guas superficiais (pluviais) que eram antes interceptadas pelas matas, com boa parte absorvida pelo solo. O que ocorre, geralmente, nessas reas a chegada mais rpida das guas das chuvas para o tributrios e calha principal do rio por fluxos concentrados que provocam processos de eroses, do tipo laminar, ravina e vooroca, transportando quantidades expressivas de sedimentos que, por sua vez, causam assoreamento e a ocorrncia de cheias mais frequentes no rio.
Com o crescimento acelerado do permetro urbano proporcionado pelo apogeu do ciclo
cafeeiro, as prximas dcadas levaro a cidade de Colatina a sofrer com impactos
advindos das alteraes no ambiente fluvial do Rio Doce, em especial os referentes a
ocupao (impermeabilizao) e desmatamento das margens (interferncia na drenagem
natural), conforme destacado por Coelho (2007).
fato que o municpio viveu, nas dcadas de 1940 e 1950, o auge do ciclo cafeeiro,
chegando a ser, no ranking brasileiro, o 13 municpio produtor de caf no ano de 1947
(CAMPOS JUNIOR, 2004 apud ALBANI, 2012; p.69). Porm, a partir de 1960 este boom
entrou em colapso, com crise do caf que assolou todo o pas, levando grande parte dos
pequenos proprietrios rurais a migrarem para centros urbanos, em especial, no Esprito
Santo, a regio da Grande Vitria, e tambm para o centro de Colatina.
Em razo da crise cafeeira a populao rural migra para centros urbanos. A populao migrou em grande quantidade para a Grande Vitria, para fora do estado e tambm para a cidade de Colatina, principal aglomerado urbano da regio. Esse processo provoca o aumento da rea urbana de Colatina. A populao da cidade que era de 3.913 habitantes em 1940 cresceu para 26.757 habitantes em1960. (ALBANI,2012; p.71)
O crescimento rpido do centro de Colatina, aliado ao aumento populacional, direciona
grande parte dos migrantes para as reas menos centrais da cidade, levando ocupao
de locais irregulares como os morros e as margens direita e esquerda do Rio Doce. Este
45
processo configurou a nova paisagem do municpio, povoando do vale s encostas (Figura
13).
Figura 13 - Crescimento urbano de Colatina, ocupao do vale e vertentes. Fonte: Albani (2012; p.73).
Associado a este processo de reconfigurao espacial, nas prximas dcadas o municpio
de Colatina passar por sucessivas perdas de territrios, at atingir os limites atuais (Figura
1, p.17). Aliado a estas perdas territoriais, seu quantitativo absoluto populacional tambm
sofrer impactos, porm de modo geral a populao urbana deste municpio apresentou
crescimento continuo (Grfico 2).
Grfico 2
Populao urbana de Colatina no periodo de 1940 a 2010.
Elaborado pela autora. Fonte: 1940 e 1950: Teixeira (1974 apud ALBANI 2012, p.82); 1960 a 2010: IBGE.
0
20.000
40.000
60.000
80.000
100.000
120.000
1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Populao Urbana Colatina 1940 - 2010
46
Assim como tem ocorrido nas grandes capitais, Colatina cresceu em quantitativo
populacional e territorial urbano de modo muito rpido e, por este desenvolvimento no ter
sido aliado a um planejamento urbano e ambiental sustentvel, a cidade tem sentido os
reflexos das suas interferncias ao longo do canal do Doce. O que tem provocado
antecipao dos picos de vazo, que no permetro urbano ocasiona as inundaes, pois,
no conseguindo o rio acomodar estes deflvios, transfere em curto espao de tempo as
guas a sua plancie de inundao, atingindo os bairros mais antigos do municpio.
Por fim, entender o contexto histrico do crescimento da cidade revela muito do panorama
atual. E, por meio de uma anlise conjunta da histria com os novos planejamentos,
possvel propor intervenes urbanas que possibilitem um convvio harmonioso entre
natureza e sociedade, neste caso entre o Rio Doce e o centro de Colatina. Diante desta
proposta, adiante apresentaremos a evoluo dos bairros, associando seus perodos de
ocupao disposio espacial nas imediaes do curso principal do Doce.
4.1.1 Identificao do Vetor de Crescimento da Cidade
Com ncleo inicial de povoamento no Barraco de Santa Maria, a cidade de Colatina
cresce a partir deste ponto margem direita do Rio Doce, de onde surgem as primeiras
residncias, comrcios e a igreja. Atualmente a regio compreende o bairro de Colatina
Velha, que de acordo com Albani (2012, p.91) [] pode ser considerado o primeiro polo
de crescimento da cidade.
Aliado ao aumento da populao migrante das fazendas, com a crise do caf, o ncleo de
Colatina Velha passa a ser um ponto de passagem obrigatrio para os viajantes que
vinham majoritariamente do sul, uma vez que o Rio Doce configurava uma barreira natural
ocupao das terras ao norte. Alm disso, a margem esquerda deste canal fluvial era
habitat dos hostis ndios botocudos, o que dificultava a sua apropriao.
Sendo assim, a ocupao de Colatina conteve-se margem direita nesta primeira fase, o
que define o primeiro vetor de crescimento da cidade na direo leste para oeste, partindo
das imediaes do Barraco de Santa Maria, sentido ao Rio Santa Maria do Doce (Figura
14). E a partir de 1906, com a implantao da Estrada de Ferro Vitria a Minas, da ento
Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, este vetor de crescimento se consolida e
47
proporciona o surgimento de importantes avenidas paralelas ferrovia, a exemplo da Av.
Getlio Vargas.
Figura 14 - Evoluo da mancha urbana de Colatina e os principais vetores de crescimento. Elaborado pela autora.
48
O segundo vetor do crescimento de Colatina estava condicionado construo da ponte
Florentino vidos, a qual conectou a margem direita esquerda do Rio Doce, permitindo
a ocupao da poro ao norte. Portanto, somente a partir de 1928, com a finalizao da
obra da ponte, a barreira natural pde ser transposta, o que possibilitou ao lado esquerdo
desenvolver uma nova linha de crescimento urbano, com a ocupao do atual bairro de
So Silvano.
O terceiro vetor de crescimento est associado implantao do bairro Luiz Iglesias na
margem direita, e os de Maria das Graas e Colmbia na margem esquerda. Albani (2012)
ressalta que esta fase da ocupao urbana est associada ao desenvolvimento do sistema
virio, como a proximidade da BR-259, sentido Vitria- Colatina, da ES-80, que liga
Colatina regio norte, da ES-256, que a conecta a Marilndia, e da proximidade da
estao ferroviria Carlos Germano Nauman (Figura 15).
Figura 15 - Localizao dos principais eixos virios e linhas frreas, que interceptam a cidade de Colatina. Elaborado pela autora.
J na quarta e mais recente linha de crescimento da cidade temos os novos loteamentos
residenciais e industriais, a exemplo do de Barbados e do bairro Santa Helena, que surgem
49
acompanhando o traado da ponte que contorna a leste a cidade como novo acesso
poro norte do estado. Albani (2012, p.118) destaca que:
Apesar da construo da Segunda Ponte ter sido iniciada em 1986, somente foi inaugurada em 2007. A concluso da ponte e a construo de uma rodovia de contorno desviaram a BR-259 do centro da cidade. O desvio da rodovia federal trouxe um desafogamento do trnsito nas principais vias da cidade e um novo direcionamento na expanso urbana. Alguns loteamentos surgiram nesse perodo, prximo Segunda Ponte e ao contorno na margem norte do rio, principalmente no bairro Santa Helena (Figura 55). Essa situao indica mais uma vez que as linhas de crescimento em Colatina so orientadas pelas vias de transporte.
Portanto, o crescimento do permetro urbano de Colatina est associado superao das
barreiras naturais, em especial o Rio Doce, por meio de investimentos em obras de
engenharia que permitiram o deslocamento humano para a margem esquerda deste curso.
Sem dvida as vias de transporte foram elementares na construo do permetro urbano
de Colatina, pois na medida que se consolidava o sistema virio as ocupaes tambm se
favoreciam destas vias de locomoo. A evoluo da rea urbana, portanto, acompanha
as principais vias de transporte (Figura 15, p.45), e estas se utilizam da posio estratgica
e geograficamente favorvel do canal do Doce para a definio de seus traados.
Aps 94 anos de emancipao de Linhares, o territrio de Colatina fundamental para a
manuteno dos municpios do noroeste capixaba. Diante desta posio estratgica torna-
se relevante o entendimento de como o urbano se relaciona com o meio natural, a fim de
se estabelecer polticas de ordenamento territorial que promovam a qualidade de vida no
municpio. Adiante ser analisada a situao da calha principal do Rio Doce, elemento
fundamental na compreenso do uso e cobertura da terra de Colatina.
4.2 Anlise do Planejamento Urbano e Ambiental das Margens do Rio Doce
Compreendendo uma rea de 33,30 km, o permetro urbano de Colatina afetado pela
velocidade dos deflvios, de modo que grande parte dos bairros beira-rio tomada pelas
guas excedentes da calha principal do Doce, o que configura o fenmeno de inundao.
Ao pesquisar estes fenmenos necessrio relacionar o uso da terra com os processos
geomorfolgicos do corpo hdrico. Sendo assim, por meio de tcnicas de
geoprocessamento, foram realizadas oito medies da calha principal do Rio Doce, para
50
estabelecimento da distncia mdia da largura de sua calha. O resultado esteve dentro do
esperado, e pode ser verificado na tabela abaixo (Tabela 1) e no mapa em sequncia
(Figura 16).
Tabela 1 Perfis transversais do leito regular do Rio Doce no permetro urbano de Colatina, nos perodos de
vazante (abril) e cheia (janeiro).
Largura do rio Doce perodo de vazante e cheia
Abril/2013(m) Janeiro/2014(m)
P1 707,35 757,84
P2 620,80 664,83
P3 592,09 658,04
P4 635,48 676,50
Mdia dos Perfis 628,14 670,66
Mdia Geral: 661,43 Obs.: todas as medidas esto em metros.
Elaborado pela autora.
Figura 16 - Traado dos perfis transversais da calha regular do Rio Doce no perodo de vazante, ms de abril/2013. Elaborado pela autora. Fonte: Imagem gratuita do satlite Landsat-8 sensor OLI, Servio Geolgico Americano (USGS, 2013).
51
Com uso das imagens orbitais do Landsat-8, atravs da classificao hbrida foram
gerados dois arquivos shapefiles correspondentes s bordas do Doce, um no perodo de
vazante e outro no de cheia. Por meio destes dados foram definidos quatro traados para
realizao das medies; a partir destas, e com auxlio das medidas de tendncia central,
chegou-se a uma largura mdia total de 661,43m de uma margem a outra. Este resultado
indicou que, tanto no perodo de vazante quanto no perodo de cheia, a largura mdia
aponta para a maior faixa de APP, proteo de 500m, conforme previsto na legislao
federal (Novo Cdigo Florestal, Lei 12.651/2012, e no revogado Lei 4.771/ 1965).
Analisando a imagem abaixo (Figura 17), observa-se que grande parte do solo
naturalmente destinado a acomodao das guas, nas cheias (linha laranja), foi
incorporado sociedade como espao criado (permetro urbano em APP, mancha em
amarelo), destinado a fins mltiplos. Deste modo, sem planejamento territorial adequado,
grande parte da plancie de inundao deu lugar a outras funes diferentes das naturais,
sendo incorporada ao espao urbano.
Lanando o buffer (mancha em amarelo) do entorno da calha do Doce (Figura 17), observa-
se que, dos 59 bairros do municpio, cerca de 29 esto dentro da rea de 500m destinada
a preservao permanente pelo Cdigo Florestal. Considerando-se a delimitao da APP,
prevista no PDM de 1996 e 2007 (linha laranja mais prxima da borda do rio), este nmero
cai para 18 bairros, permanecendo apenas aqueles que possuem limites com o corpo
hdrico.
Uma vez que que lei municipal no suplanta lei federal, considerar-se- neste estudo o
limite da faixa marginal de proteo definida na Lei Federal 12.651/2012. Deste modo, a
rea de preservao permanente do Doce neste recorte de 10,85 km, compreendendo
33% do permetro urbano de Colatina.
Cabe destacar, ainda, que mesmo o PDM de 1996 contendo enquanto objetivo no Art. 14
I - estabelecer a ordenao do uso e da ocupao do solo urbano; (Lei 4.228/1996; p.4),
a gesto municipal no obteve sucesso na implementao de tal legislao. O que se
verifica tanto nas dcadas de 1990 quanto no incio dos anos 2000, quando foram
aprovados novos parcelamentos urbanos s margens deste canal, a exemplo dos bairros
de Barbados na margem direita e do bairro Mario Giurizato na margem esquerda.
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%204.771-1965?OpenDocument
52
Figura 17- Delimitao das reas de preservao permanente do Rio Doce no permetro urbano de Colatina, de acordo com o PDM e o Novo Cdigo Florestal. Elaborado pela autora. Fonte: Imagem gratuita do satlite Landsat-8 sensor OLI, Servio Geolgico Americano (USGS, 2013).
53
Articulado a esta ideia, e pesquisando o trecho do bairro Esplanada a Colatina Velha, palco
das ltimas obras estruturantes de alto porte do municpio, consegue-se analisar os efeitos
das inundaes nas margens deste rio. Logo, implementar medidas de preveno de
cheias em reas com urbanizaes antigas requer um esforo da gesto na regulao do
solo urbano.
4.2.1 Anlise Temporal dos Impactos do Uso e Cobertura da Terra, na Plancie
de Inundao do Doce: Destaque para a Avenida Beira-Rio.
Interceptada pelo curso do Rio Doce no perfil mais a jusante da bacia, a cerca de 100km
do esturio com o Oceano Atlntico, a cidade de Colatina, polo moveleiro e de confeces
do centro-oeste capixaba, palco recorrente de inundaes urbanas.
Conforme j mencionado por Cunha (2012a), este fenmeno ocorre quando a bacia recebe
um percentual precipitado acima da sua capacidade de escoamento, o que faz o leito
menor do rio extravasar para o leito maior, ocupando as reas de vrzeas (Figura 18, p.
50). Aliadas a esta questo, esto as ocupaes humanas das margens dos rios, que, ao
suprimir a vegetao natural e alterar a condio fsica do solo, acabam por reduzir a rea
de drenagem das guas pluviais, acelerando o escoamento superficial para o canal
principal e favorecendo os deflvios.
Figura 18 - Representao da inundao urbana. Fonte: adaptado da Defesa Civil do Tocantins (2015).
Este fenmeno tem ganhado destaque em Colatina a partir de 1979, ano em que o Rio
Doce atingiu a vazo de 12.860m/s, tomando toda rea aplainada que compe seu leito
maior, afetando da atual Av. Beira-Rio at as redondezas da Av. Getlio Vargas. Desde
ento, os estudos das inundaes urbanas so relevantes no municpio, o que levou o
54
Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), na dcada de 1980, a elaborar um Plano Diretor
de Conteno das Enchentes, Proteo das Encostas e Drenagem Pluvial de Colatina.
Tal medida apresentou seis alternativas para o fenmeno. Porm, tendo em vista o custo
operacional das obras, apenas a alternativa seis, que previa a construo de diques
marginais para a proteo das reas mais centrais, foi considerada vivel na poca.
Todavia, em entrevistas com funcionrios da Prefeitura Municipal de Colatina (PMC), foi
relatado que todo o estudo foi arquivado, e que at agora no h previso de
implementao de tais medidas. Fato este que evidenciado (Tabela 2, p. 51) quando da
ocorrncia de precipitaes intensas na bacia, durante as quais sazonalmente a cidade
impactada com as guas das inundaes. Isto faz com que o municpio passe
recorrentemente por catstrofes, conforme tabela com os principais picos de vazo do rio,
nos ltimos 50 anos:
Tabela 2:
Vazes Mximas Anuais de Colatina de 1961 a 2013.
Ano Dia/ms Vazo(m/s)
1961 30/jan 6.613
1979 04/fev 12.860*
1997 07/jan 8.687
2005 03/ago 6.549
2013 24/dez 9.028*
Fonte: Coelho (2007 apud DALLAPICOLA 2014, p.4;) e CPRM (2014, p.85). *Observo que os dados da tabela 1 para os anos de 1979 e 2013 esto baseados na estimativa de vazo mdia diria das mximas anuais, obtida atravs de extrapolao da curva-chave pelo grupo interdisciplinar dos relatrios crticos anteriores.
As inundaes de 1979, 1997 e, recentemente, 2013 (Figura 19) foram as de maior vazo
neste setor do rio, e consequentemente as que mais atingiram a rea urbana do municpio,
bloqueando os acessos ao centro da cidade e aos equipamentos essenciais, como
hospitais, escolas e demais rgos pblicos, alm de desalojarem muncipes e
comprometerem a sade pblica.
55
Figura 19 - 1) Av. Getlio Vargas, inundao de 1979. 2) Bairro Esplanada, inundao de 1997. 3) Praa Municipal, inundao de 2013. Fonte:1) Nossa Colatina. 2) Nossa Linda Colatina. 3) Nossa Colatina.
Com o propsito de identificar os principais fatores que acentuam as inundaes, ser
analisado como os processos geomorfolgicos do Doce esto sendo afetados pela ao
antrpica. Limitaremos a anlise ao permetro urbano, no trecho que compreende do bairro
Esplanada at o bairro Colatina Velha (Figura 20). Neste permetro possvel visualizar a
evoluo da mancha urbana sobre o leito do rio, alm de identificar na margem direita os
pontos desnaturalizados deste canal fluvial.
56
Figura 20 - 1) Destaque para os bairros que compem o recorte (vermelho). 2) Visualizao do recorte com a delimitao da rea de APP legal. 3) Vista panormica do recorte em rosa, da APP de 50m (amarelo claro), e 500m (amarelo escuro). Fonte: 3) Encontra Colatina (2015).
57
O recorte em questo margeado pela Av. Beira-Rio, e est situado (Figura 20) dentro do
buffer de preservao permanente previsto no PDM (buffer de 50m) e no Novo Cdigo
Florestal (buffer de 500m). Apesar desta rea ser destinada a mata nativa, e/ ou
reflorestada, a ocupao urbana antecede os artigos legais, o que dificulta polticas de
gesto territorial em um permetro ao mesmo tempo histrico, e com funo relevante no
equilbrio hidrolgico da bacia.
O permetro faz parte da vrzea da margem direita do Rio Doce, pois encontra-se em cota
topogrfica de 50m, caracterizando sua plancie. Logo, a rea em questo tem a funo de
acomodar as guas das cheias, quando a calha principal no comporta o escoamento de
grandes vazes. Esta tarefa passa a ser prejudicada na medida em que na bacia, ou no
curso original, so implementadas obras que interferem na morfologia do corpo hdrico
principal, como a instalao das hidreltricas de Mascarenhas (1974) e Aimors (2005), a
montante.
As UHEs a montante comprometem os processos do rio, uma vez que o regime natural de
transporte de sedimentos alterado com o barramento, o que favorece a eroso e
consequentemente o assoreamento, com a formao de bancos arenosos, alterao do
seu perfil transversal e reduo da profundidade. Alm disso, segundo Coelho (2007), as
vazes mximas e mnimas foram alteradas com a implantao das hidreltricas a
montante, implicando em vazes mdias anuais mnimas cada vez mais reduzidas, com
valores se distanciando da linha de tendncia (polinmio), provando o no equilbrio da
vazo aps a implantao das barragens (Grfico 1, p.22).
Entretanto, a primeira interveno direta, no trecho em estudo, foi a instalao da estrada
de ferro, que atraiu migrantes para Colatina, permitindo o crescimento populacional e a
expanso urbana desordenada s margens do Doce. Este crescimento intensificou a
supresso das matas ciliares e abriu espao para a impermeabilizao do solo, reduzindo
a infiltrao.
Posteriormente, a inaugurao da ponte Florentino vidos ampliou o fluxo na regio, pois
proporcionava a ligao com as terras ao norte do Estado. Atuou, tambm, como obstculo
ao transporte de sedimentos carreados no fluxo natural do rio, uma vez que sua
implantao altera a topografia do fundo do canal, afetando os processos geomorfolgicos.
58
Porm, foi no Morro das Cabritas (colina localizada no espao que compreende o atual
bairro Esplanada) que ocorreu a primeira desnaturalizao nas margens do Doce. Este
morro, por onde o Rio Santa Maria do Doce meandrava at desaguar no Rio Doce, foi
cortado, em m
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