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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), nos termos do n.º 1 do
artigo 4.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da
concorrência respeitantes às atividades económicas na área da saúde nos setores
privado, público, cooperativo e social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo
5.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 19.º dos seus Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei
n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/027/2017;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. Em 6 de julho de 2015, a ERS tomou conhecimento de uma reclamação
subscrita pela utente J. […], visando a atuação da Anpat – Laboratório de
Anatomia Patológica, Lda. (ANPAT) e da Clínica CUF Belém, entidades
inscritas no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da
ERS sob os n.os 17721 e 13380, respetivamente.
2. A reclamação foi objeto de diligências preliminares, no âmbito do processo de
avaliação n.º AV/192/2016, e perante a necessidade de uma averiguação mais
aprofundada, o Conselho de Administração da ERS, deliberou, em 28 de abril
de 2017, instaurar o processo de inquérito n.º ERS/027/2017.
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I.2. Diligências
3. Em sede de apuramento dos factos, tal como expostos, realizaram-se as
seguintes diligências de obtenção de prova:
i. Pedido de informação ao prestador de cuidados de saúde Clínica CUF
Belém, SA., em 3 de maio de 2017, respondido em 26 de julho de 2017
(cfr. fls. 37 a 40, 56 e 57 dos autos);
ii. Pedido de informação ao prestador ANPAT – Laboratório de Anatomia
Patológica, Lda., em 3 de maio de 2017, respondido em 10 de junho de
2017 (cfr. fls. 41 a 55, 58 e 59 dos autos).
II. DOS FACTOS
4. Na referida reclamação recebida pela ERS, a utente alega que realizou uma
citologia cervical na Clínica CUF Belém e que foi informada que seria
contactada pela médica assistente caso houvesse alguma alteração no
resultado do exame, o que não se verificou.
5. Por esse motivo, só passado um mês é que a utente teve acesso aos
resultados do referido exame, que evidenciavam a existência de alterações
epiteliais e a presença de células glandulares “atípicas favorecendo neoplasia”.
6. Concretamente, cumpre destacar os seguintes factos alegados pela utente em
reclamação apresentada diretamente à ERS e visando ANPAT, fornecedor do
serviço de anatomia patológica da Clínica CUF Belém:
“[…]
A pedido da Dra. [MC], ginecologista da CUF Belém, realizei uma Citologia
Cervical na Unidade de Saúde da CUF de Belém a 07.05.2015. Nessa
Consulta fiz a recolha para Citologia e para prova de presença e ADN de
HPV. Disseram-me que demoraria 3-4 semanas o resultado sair, de
qualquer forma poderia ficar descansada, pois caso houvesse alguma
alteração, o Laboratório entraria em contacto com a Dra. em questão e
esta comigo. Fiquei descansada.
Na impossibilidade de levantar os exames antes, desloquei-me à unidade
CUF de Belém para uma consulta de ortopedia dia 26.06.2015 e levantei
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os exames. Qual o meu espanto quando abro a carta e vejo que, para
além da forma incongruente em que os resultados são apresentados (algo
que posso provar com os anexos que envio), a citologia revela alteração
atípica das células glandulares favorecendo neoplasia. Ninguém me
alertou, ninguém me avisou. Deixei uma cópia do meu exame no piso de
ginecologia para ser contactada na segunda-feira pela médica para me
explicar os resultados, também me disseram para não me preocupar,
porque teria sido contactada caso houvesse algum problema. Não fui
contactada na segunda-feira. Entretanto marquei uma consulta de urgência
no sábado dia 27.06.2015, na qual me confirmaram a urgência de clarificar
a incongruência dos resultados apresentados pelo laboratório em questão,
a médica ligou, estavam fechados. Liguei eu mesma na segunda-feira para
tirar a questão a limpo. Foi-me dito que só prestariam declarações ao
médico que solicitou os exames, esse mesmo médico que olhou para os
exames e nada de errado viu. Exigi que me confirmassem se o resultado
efectivamente seria com alterações das células glandulares, mesmo
dizendo no mesmo exame (e por erro do laboratório que não se
verificavam alterações epiteliais ou neoplásicas, julgo que foi isto que
induziu a médica em erro também). Com alguma arrogância disseram-me
(Dra. A.C.) que se confirmavam as alterações e o que interessava mesmo
era o sítio onde tinha os "vistos", onde remete para alterações epiteliais e
para ver em "descrição" onde no entanto na mesma "descrição" também é
apresentado a frase: "NEGATIVO PARA LESÃO EPITELIAL E
NEOPLÁSICA". Estranho também parece ser o facto de se apresentar
lesões e de a presença de HPV estar a negativo, mas isto é outra questão
que vai ser tirada a limpo com exames complementares. Questionei
porquê é que não avisaram a médica dessas alterações, pediram-me
desculpa pelo lapso.
Existem de facto alterações e urgentes a serem resolvidas, algo que podia
ter sido tratado antes se não tivesse havido aqui uma falha grave na
apresentação dos resultados. […].”.
7. Em anexo à reclamação, a utente remeteu também à ERS cópia dos
resultados do exame realizado.
8. Em resposta à referida reclamação, a ANPAT prestou os seguintes
esclarecimentos:
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“[…]
Ponto 1)
a) Os exames requisitados pelos diferentes médicos da clínica CUF Belém
são remetidos ao laboratório via estafeta e os resultados anatomo-
patológicos enviados para a clínica pela mesma via, não havendo contacto
directo entre o utente e o laboratório.
b) O exame citológico da reclamante foi rececionado no dia 20/05/2015 e o
resultado enviado para a clínica no dia 01/06/2015.
Ponto 2)
1. A folha de resposta dos exames citológicos cervico-vaginais, em uso no
laboratório ANPAT, é baseada na classificação internacional de Bethesda
para o efeito. (ver anexo 1).
2. As categorias diagnósticas da referida classificação, no caso da folha do
laboratório ANPAT, são apresentadas sob a forma de múltiplas opções de
resposta, sendo assinaladas, para cada exame, as opções adequadas sob
a forma de “√”. Este método é também usado noutras instituições de
saúde. (vide anexo 2 – folha em uso no IPO Lisboa, por ex.).
3. Na folha em questão e conforme pode ser avaliado na cópia anexada pela
própria reclamante, constam vários campos, nomeadamente:
1) Campo de identificação do exame e tipo de citologia;
2) Identificação do utente e informação clínica;
3) Campo de resposta do exame. Neste visualizam-se três secções,
devidamente evidenciadas por diferente grafismo: as duas primeiras
referentes a “ADEQUAÇÃO DA AMOSTRA” e “AVALIAÇÃO GLOBAL DO
EXAME” e o terceiro referente à “DESCRIÇÃO”. O campo de “AVALIAÇAO
GLOBAL DO EXAME” pretende dar um resultado abrangente, em três
grandes grupos (numerados com “1”, “2”, “3”), que será depois
especificado nos respetivos campos de descrição, também devidamente
numerados com “1”, “2”, “3”.
4. Conforme pode ser constatado (vide anexo 3), no exame citológico
remetido pela própria reclamante, está selecionada a opção “Alterações
Epiteliais” e “ver descrição” para especificação das respetivas alterações
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encontradas, no respetivo campo (no caso – células glandulares atípicas
favorecendo neoplasia).
5. Não está assinalada a opção “Negativo para lesão ou neoplasia”.
6. Pelo atrás exposto não há “Incongruência”; “falha grave na apresentação
de resultados” ou “erro do laboratório” alegadas pela reclamante. Não se
justifica portanto, qualquer medida de eventual correção da apresentação
de resultados.
Ponto 3)
1. O interlocutor preferencial para informar/ explicar aos utentes os resultados
anatomo-patológicos é o médico assistente que requisita o exame e que,
integrando a resposta no contexto clínico, estará na posse de todos os
dados necessários para corretamente orientar o paciente. Não é habitual
serem os patologistas a dar essas informações.
2. Apesar do supracitado, e ao contrário do alegado, estive [patologista
responsável pelo exame citológico da reclamante], efectivamente
disponível para o efeito em relação à reclamante, tanto que, como a
própria refere, mantive com ela conversa telefónica quando fui contactada
(Não estive disponível no sábado anterior referido pela reclamante, visto o
laboratório estar encerrado aos sábados, domingos e feriados).
3. Na conversa telefónica referida, a reclamante insistia que havia um “erro”
na elaboração da resposta e exigia que eu assumisse o mesmo. Como
atrás exposto, não há erro na apresentação do resultado.
Expliquei o resultado exposto na folha de resposta, realçando que apenas
as opções seleccionadas com “√” (os “vistos” que a reclamante refere na
sua exposição) diziam respeito ao seu exame, mas infelizmente, não fui
bem sucedida: a reclamante insistia que o resultado também referenciava
“Negativo para lesão ou neoplasia”, opção que, como atrás especificado,
não está assinalada.
Não posso assumir um erro que efetivamente não existe, apesar da
reclamante insistir nesse ponto, o que provavelmente terá sido interpretado
como arrogância. […]”.
9. Para obtenção de esclarecimentos complementares, por ofício datado de 19 de
dezembro de 2016, a ERS enviou um pedido de elementos à Clínica CUF
Belém, nos seguintes termos:
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“[…]
(i) Pronunciem-se detalhadamente sobre o conteúdo da referida reclamação;
(ii) Informem sobre os procedimentos observados para prestação de
informação aos utentes sobre os resultados dos exames que executam;
(iii) Informem se existe algum cuidado ou procedimento especial para os casos
em que os resultados dos exames revelam informação que necessita de
ser transmitida, de forma urgente, a outro profissional de saúde,
nomeadamente, a um médico;
(iv) Que indiquem se, no caso descrito na reclamação supra indicada,
informaram a utente da necessidade de procurar a sua médica assistente,
para avaliação dos resultados dos seus exames;
(v) O envio de quaisquer outros elementos, documentos ou esclarecimentos
adicionais que V. Exas. considerem relevantes para o completo
esclarecimento da situação em apreço.”.
10. Nessa sequência, por mensagem de correio eletrónico de 10 de abril de 2017,
veio a Clínica CUF Belém prestar os seguintes esclarecimentos:
“[…]
1. À data da ocorrência – 18.05.2015 – a Clínica CUF Belém tinha como
fornecedor dos Exames de Anatomia Patológica, o ANPAT – Laboratório
de Anatomia Patológica, Lda. (ANPAT).
Os exames requisitados pelos diferentes médicos da Clínica CUF Belém
eram remetidos ao ANPAT via estafeta e os resultados anatomo-
patológicos enviados para a Clínica CUF Belém pela mesma via.
Os resultados eram disponibilizados aos clientes, em envelope fechado,
entregues na receção da Clínica, 3 a 4 semanas após a colheita dos
produtos.
Estava estabelecido com o ANPAT um procedimento diferenciado para os
exames em que eram identificadas alterações (pelo médico do laboratório),
o qual consistia no envio de relatório também por correio eletrónico para a
Clínica CUF Belém, como forma de a Clínica poder alertar de forma célere
o médico do doente para um resultado que merecesse maior cuidado na
comunicação.
2. No caso específico em análise, e cumprindo o procedimento
estabelecido, a Dra. [M.C.] (médica que realizou a citologia ginecológica)
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informou a Senhora D. J. […] que o resultado do exame estaria disponível
para ser levantado na Unidade, 3 a 4 semanas após a colheita (que foi
efetivamente efetuada no dia 18.05.2015 e não no dia 07.05.2015 como
por lapso é referido na reclamação).
O procedimento de “alerta” da Clínica para um resultado “diferenciado” não
se cumpriu, pelo que a Cínica CUF Belém não teve conhecimento do
resultado em causa. […].
4. Reconhece-se, assim, que o procedimento da Clínica não determinava a
indicação aos doentes de que deveriam procurar os respetivos médicos
assistentes antes de receberem os resultados dos exames, determinando
antes a indicação de que esses mesmos resultados estariam disponíveis 3
a 4 semanas após a realização dos respetivos exames. Tal procedimento
decorria do que estava estabelecido como circuito de comunicação direto
com a Clínica para o caso de resultados de exames que merecessem mais
cuidado na comunicação ao doente e/ou intervenção médica mais célere.
5. Mais se acresce que, desde Novembro de 2015, o fornecedor do
Serviço de Anatomia Patológica da Clínica CUF Belém é o Laboratório de
Anatomia Patológica do Hospital CUF Descobertas. Desta forma foi
possível passar a integrar os resultados dos exames anatomopatológicos
no processo clínico de cada doente, criando um mecanismo de
redundância relativamente à comunicação desses resultados e, com isso,
reforçar a qualidade e segurança clínica do serviço que prestamos aos
nossos doentes. […].”.
11. Por ofício remetido aos presentes autos a 26 de julho de 2017, a Clínica CUF
Belém veio reproduzir a informação que já havia prestado, acrescentando o
seguinte:
“[…]
5. No sentido de proceder à melhoria na qualidade na prestação de
serviços relativos a Exames de Anatomia Patológica, em novembro de
2015, a Clínica procedeu à alteração do seu fornecedor de serviços de
Anatomia Patológica, passando o serviço a ser assegurado pelo
Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital Cuf Descobertas.
A partir desse momento foi possível passar a integrar os resultados dos
exames anatomopatológicos no Processo Clínico de cada doente, criando
um mecanismo de redundância relativamente à comunicação desses
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resultados e, com isso, reforçar a qualidade e segurança clínica do serviço
que prestamos aos nossos doentes.
Para além da concretização da alteração do fornecedor, procedeu-se à
revisão de procedimentos com vista ao reforço da segurança clínica.
Presentemente, para além de constarem no processo clínico eletrónico dos
N/ doentes, todos os exames anatomopatológicos são verificados pelo
médico requisitante (pelo Coordenador da Especialidade na ausência do
médico requisitante ou Diretor Clínico na ausência de ambos) antes da sua
disponibilização ao doente. Desta forma assegura-se que todos os
resultados urgentes ou críticos (inesperados e/ou significativos) são
comunicados ao doente pelo médico, em tempo útil. […]”.
12. Também por ofício remetido aos presentes autos, por mensagem de correio
eletrónico datada de 10 de junho de 2017, a ANPAT veio reiterar os
esclarecimentos e informações já prestadas, acrescentando o seguinte:
“[…]
O procedimento da receção e envio de exames anatomopatológicos
referentes especificamente á clínica CUF Belém, está descrito no manual
de procedimentos do laboratório, em vigor à data da reclamação e que se
transcreve:
Receção:
C) Estafeta do laboratório
No caso de estafeta do laboratório – Em dias previamente
estabelecidos a firma de transportes contratada pelo laboratório
ANPAT deve ir ao laboratório;
- Segundas e quartas-feiras* - Leva um recipiente devidamente
identificado para o efeito, a SMB (Clínica CUF Stª Maria de Belém)
com os resultados anatomopatológicos de exames já finalizados.
Esse recipiente fica na clínica. Deverá regressar com um recipiente
idêntico com os exames a efectuar que será colocado no laboratório.
A verificação dos doentes será feita posteriormente.
*Nota – quando estes dias coincidirem com dias feriados, será
acordado previamente com as clínicas, firma de entregas e
laboratório Anpat dia de substituição.
Envio:
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B) ENTREGA E DISTRIBUIÇÃO DE RELATÓRIOS
Após verificação do relatório impresso o mesmo é assinado pela
patologista e introduzido no respetivo envelope. A folha de trabalho
acompanhada da requisição médica é colocada na secretária do
computador central com a indicação de “cópia para arquivo” para
impressão para arquivo interno.
Os envelopes são posteriormente separados consoante o doente
vem buscar, ou para serem enviados por correio ou para clinicas.
No caso de clinicas em que o estafeta do laboratório entrega, os
resultados são colocados no recipiente correspondente no laboratório
1.
O procedimento após o envio à clínica CUF, nomeadamente entrega ao
utente/médico assistente, assim como procedimentos posteriores
dependentes do diagnóstico, compete à clínica/médico assistente e sai das
competências do laboratório.
A responsabilidade do laboratório quanto à transmissão da informação
cessa quando o produto final do exame anatomo-patológico – o relatório –
é entregue à instituição que o requisita.
Realço que a transmissão do diagnóstico ao utente é habitualmente feito
pelo médico assistente, conforme também foi especificado na resposta que
enviei à ERS e que transcrevo:
“O interlocutor preferencial para informar/ explicar aos utentes os
resultados anatomo-patológicos é o médico assistente que requisita o
exame e que, integrando a resposta no contexto clínico, estará na posse
de todos os dados necessários para corretamente orientar o paciente. Não
é habitual serem os patologistas a dar essas informações.””.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
13. De acordo com o n.º 1 do artigo 5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo
Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS tem por missão a regulação
da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde.
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14. E encontram-se sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4º
dos referidos Estatutos, todos os “[...] estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde, do sector público, privado, cooperativo e social,
independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais,
clínicas, centros de saúde, consultórios, laboratórios de análises clínicas,
equipamentos ou unidades de telemedicina, unidades móveis de saúde e
termas”.
15. A Clínica CUF Belém e a ANPAT são entidades prestadoras de cuidados de
saúde, inscritas no SRER da ERS sob os n.os 13380 e 17721, respetivamente,
encontrando se, por isso, sujeitas aos poderes de regulação e supervisão
desta Entidade Reguladora.
16. No que se refere, por outro lado, às atribuições e objetivos regulatórios da
ERS, compete-lhe:
i. “A supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde no que respeita: […] À garantia dos
direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de
cuidados de saúde de qualidade, bem como dos demais direitos dos
utentes” – cfr. alínea b), do número 2 do artigo 4º dos Estatutos da
ERS;
ii. “Assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de
saúde, nos termos da Constituição e da lei” e “garantir os direitos e
interesses legítimos dos utentes” – cfr. alíneas b) e c) do artigo 10º dos
Estatutos da ERS;
iii. “Garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes” e “Zelar pela
prestação de cuidados de saúde de qualidade” – cfr. alíneas c) e d) do
artigo 10º dos Estatutos da ERS.
17. De acordo com estes objetivos regulatórios, compete à ERS:
i. “Assegurar o direito de acesso universal e equitativo à prestação de
cuidados de saúde nos serviços e estabelecimentos do Serviço
Nacional de Saúde (SNS)” – cfr. alínea a) do artigo 12º dos Estatutos da
ERS;
ii. “Apreciar as queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o
seguimento dado pelos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde às mesmas” – cfr. alínea a) do artigo 13º dos Estatutos da ERS;
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iii. “Garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de
qualidade […]” – cfr. alínea c) do artigo 14º dos Estatutos da ERS;
18. Podendo a ERS assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, “no dever de zelar
pela aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis às
atividades sujeitas à sua regulação”, e ainda mediante a emissão de “ordens e
instruções, bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que
tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas com os objetivos da
sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de conduta e a
adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e interesses
legítimos dos utentes” – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19º dos Estatutos da ERS.
19. No caso em apreço, importava à ERS avaliar se os direitos do utente em causa
foram devidamente protegidos e se os procedimentos que ambos os
prestadores possuem neste âmbito, são aptos, eficientes e eficazes para
garantir a aplicação da Lei e o respeito pelos direitos supra identificados.
III.2. Dos direitos e interesses legítimos dos utentes
III.2.1. O direito à prestação de cuidados de saúde de qualidade
20. A necessidade de garantir requisitos mínimos de qualidade e segurança ao
nível da prestação de cuidados de saúde, dos recursos humanos, do
equipamento disponível e das instalações, está presente no sector da
prestação de cuidados de saúde de uma forma mais acentuada do que em
qualquer outra área.
21. As relevantes especificidades deste setor agudizam a necessidade de garantir
que os serviços sejam prestados em condições que não lesem os interesses
nem os direitos dos utentes.
22. Sobretudo, importa ter em consideração que a assimetria de informação que se
verifica entre prestadores e utentes, reduz a capacidade destes últimos de
perceberem e avaliarem o seu estado de saúde, bem como, a qualidade e
adequação dos serviços que lhe são prestados.
23. Além disso, a importância do bem em causa (a saúde do doente) imprime uma
gravidade excecional à prestação de cuidados em situação de falta de
condições adequadas.
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24. Por outro lado, os níveis de segurança desejáveis na prestação de cuidados de
saúde devem ser considerados, seja do ponto de vista do risco clínico, seja do
risco não clínico.
25. No que concerne ao risco não clínico, refira-se que os requisitos de qualidade e
segurança no âmbito dos meios complementares de diagnóstico encontram-se
igualmente definidos, assegurando uma apropriada organização, técnica e
procedimental.
26. Assim, o utente dos serviços de saúde tem direito a que os cuidados de saúde
sejam prestados com observância e em estrito cumprimento dos parâmetros
mínimos de qualidade legalmente previstos, quer no plano das instalações,
quer no que diz respeito aos recursos técnicos e humanos utilizados.
27. Os utentes gozam do direito de exigir dos prestadores de cuidados de saúde o
cumprimento dos requisitos de higiene, segurança e salvaguarda da saúde
pública, bem como a observância das regras de qualidade e segurança
definidas pelos códigos científicos e técnicos aplicáveis e pelas regras de boa
prática médica, ou seja, pelas leges artis.
28. Os utentes dos serviços de saúde que recorrem à prestação de cuidados de
saúde encontram-se, não raras vezes, numa situação de vulnerabilidade que
torna ainda mais premente a necessidade dos cuidados de saúde serem
prestados pelos meios adequados, com prontidão, humanidade, correção
técnica e respeito.
29. A este respeito encontra-se reconhecido na Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, que
aprovou a Lei de Bases da Saúde (LBS) - cfr. alínea c) da Base XIV da LBS, e,
hoje, no artigo 4º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, o direito dos utentes a
serem “tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão,
correção técnica, privacidade e respeito”.
30. Quando o legislador refere que os utentes têm o direito de ser tratados pelos
meios adequados e com correção técnica está certamente a referir-se à
utilização, pelos prestadores de cuidados de saúde, dos tratamentos e
tecnologias tecnicamente mais corretas e que melhor se adequam à
necessidade concreta de cada utente.
31. Por outro lado, quando na alínea c) da Base XIV da LBS se afirma que os
utentes devem ser tratados humanamente e com respeito, tal imposição
decorre diretamente do dever dos estabelecimentos prestadores de cuidados
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de saúde de atenderem e tratarem os seus utentes em respeito pela dignidade
humana, como direito e princípio estruturante da República Portuguesa.
32. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde devem ter “redobrado
cuidado de respeitar as pessoas particularmente frágeis pela doença ou pela
deficiência”.
33. E a qualidade dos serviços de saúde não se esgota nas condições técnicas de
execução da prestação, mas abrange também a comunicação e informação ao
utente, dos resultados dessa mesma prestação.
34. O direito à saúde e o direito de acesso aos cuidados de saúde, compreendem
a prestação de cuidados de saúde que o utente necessita, de facto, face à sua
condição clínica e, por maioria de razão, impedem a prestação de cuidados de
saúde que aquele não tenha qualquer necessidade.
III.2.2. Do acesso dos utentes aos cuidados de saúde e do direito à informação
completa, verdadeira e inteligível
35. O acesso dos utentes à sua informação de saúde assume-se como um
elemento fundamental para a garantia – plena e efetiva – do seu direito de
acesso aos cuidados de saúde.
36. Na verdade, o desrespeito deste direito de acesso à informação, pode ter
consequências imediatas no acesso aos cuidados de saúde.
37. O respeito pelo direito de acesso aos cuidados de saúde impõe aos
prestadores a obrigação de assegurarem aos seus utentes, os serviços que se
dirijam à prevenção, à promoção, ao restabelecimento ou à manutenção da
sua saúde, bem como ao diagnóstico, ao tratamento/terapêutica e à sua
reabilitação, e que visem atingir e garantir uma situação de ausência de
doença e/ou um estado de bem-estar físico e mental.
38. E esta obrigação impõe-se a todos os prestadores de cuidados de saúde,
independentemente da sua natureza jurídica.
39. É o que resulta do disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 64º da
Constituição da República Portuguesa (CRP) – “Todos têm direito à protecção
da saúde”.
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40. Para assegurar o cumprimento destas obrigações e o respeito pelos direitos e
interesses legítimos dos utentes, revela-se essencial combater a assimetria de
informação que se verifica entre estes e os prestadores, a qual reduz a
capacidade de escolha daqueles, não lhes sendo fácil avaliar a qualidade e
adequação dos cuidados prestados.
41. A este respeito, encontra-se reconhecido na Lei n.º 48/90, de 24 de agosto,
que aprovou a Lei de Bases da Saúde (LBS), o direito dos utentes a serem
“tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, correção
técnica, privacidade e respeito” – cfr. alínea c) da Base XIV da LBS.
42. No mesmo sentido, refere o n.º 1 do artigo 4º da Lei n.º 15/2014, de 21 de
março, que “O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com
prontidão ou num período de tempo considerado clinicamente aceitável,
consoante os casos, os cuidados de saúde de que necessita.”;
43. Por sua vez, nos termos do n.º 2 deste artigo 4º, “O utente dos serviços de
saúde tem direito à prestação dos cuidados de saúde mais adequados e
tecnicamente mais corretos”.
44. E por fim, refere o n.º 3 do artigo 4º o seguinte: “Os cuidados de saúde devem
ser prestados humanamente e com respeito pelo utente”.
45. Quando o legislador refere que os utentes têm o direito de serem tratados
pelos meios adequados e com correção técnica está certamente a referir-se à
utilização, pelos prestadores de cuidados de saúde, dos tratamentos e
tecnologias tecnicamente mais corretas e que melhor se adequam à
necessidade concreta de cada utente.
46. Ou seja, deve ser reconhecido ao utente o direito a ser diagnosticado e tratado
à luz das técnicas mais atualizadas, e cuja efetividade se encontre
cientificamente comprovada, sendo porém obvio que tal direito, como os
demais consagrados na LBS, terá sempre como limite os recursos humanos,
técnicos e financeiros disponíveis – cfr. n.º 2 da Base I da LBS.
47. Por outro lado, quando na lei se afirma que os utentes devem ser tratados
humanamente e com respeito, tal imposição decorre diretamente do dever dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde de atenderem e tratarem
os seus utentes em respeito pela dignidade humana, como direito e princípio
estruturante da República Portuguesa.
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48. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde devem ter “redobrado
cuidado de respeitar as pessoas particularmente frágeis pela doença ou pela
deficiência”.
49. E para que estes ditames constitucionais e legais possam ser cumpridos, a
relação que se estabelece entre os estabelecimentos prestadores de cuidados
de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade, completude e
transparência em todos os seus aspetos e momentos.
50. Nesse sentido, o direito à informação – e o concomitante dever de informar –
surge com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e
estruturante da própria relação criada entre utente e prestador.
51. Daí que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 15/2014, de 21
de março, se refira que “O utente dos serviços de saúde tem o direito a ser
informado pelo prestador dos cuidados de saúde sobre a sua situação, as
alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado.”.
52. Devendo a informação transmitida ao utente ser verdadeira, completa,
transparente, acessível e inteligível pelo seu destinatário concreto – cfr. artigo
7º, n.º 2 da Lei n.º 15/2014, de 21 de março.
53. Só assim se logrará respeitar a dignidade, liberdade e autonomia dos utentes
e, bem assim, reunir as condições essenciais para que estes possam exercer,
de forma plena e efetiva, o seu direito fundamental de acesso à saúde.
54. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de
informação ou a omissão de um dever de informar por parte do prestador, são
suficientes para comprometer a exigida transparência da relação entre este e o
seu utente e, nesse sentido, para distorcer o exercício da própria liberdade de
escolha dos utentes e o consentimento para a prestação de cuidados de
saúde;
55. Para além de facilitar ou causar lesões de direitos e interesses (patrimoniais e
não patrimoniais) dos utentes.
56. Com efeito, só com base na absoluta transparência e completude de
informação é que poderá ser salvaguardado o direito de um qualquer utente de
escolher livremente o agente prestador de cuidados de saúde e, bem assim, de
prestar, ou de recusar, o consentimento para receber os cuidados de saúde
que lhe são indicados.
16
57. É óbvio que esta liberdade - de escolha e de prestação de consentimento,
portanto, de autodeterminação - só pode ser exercida no momento anterior à
efetiva prestação de cuidados de saúde, pelo que, a informação referida deve
ser atempadamente transmitida ao utente, para que tenha utilidade e sirva os
seus propósitos.
58. E esta liberdade de escolha, bem como o consentimento para o tratamento
proposto pelo prestador, só podem ser efetivamente garantidos se for
transmitida ao utente, completa e atempadamente, toda a informação relevante
para a sua decisão.
59. Deste quadro jurídico-normativo resulta que o acesso à informação é um
elemento essencial para a garantia e respeito do direito de acesso aos
cuidados de saúde.
60. Garantindo, protegendo e promovendo o acesso à informação, confere-se ao
utente a possibilidade real e efetiva do exercício, em liberdade, do direito ao
consentimento informado, do direito de escolha do prestador, do direito a
defender e promover a sua saúde – do direito de acesso aos cuidados de
saúde.
61. Deste modo, sendo o direito de acesso à informação de saúde condição
essencial para a efetivação, respeito e exercício do direito de acesso aos
cuidados de saúde, deve o mesmo ser reconhecido, sem qualquer limitação ou
restrição, como um direito do utente – e nunca como uma prerrogativa dos
prestadores de cuidados de saúde.
62. E por isso, o direito de acesso à informação de saúde nunca poderá ser
interpretado ou definido em função da natureza jurídica do prestador, porque
ele não é reconhecido, legal ou constitucionalmente, para cumprir interesses
dos prestadores, mas sim para assegurar direitos fundamentais dos utentes.
III.3. Análise da situação concreta
63. De acordo com os factos apurados em sede de instrução do presente processo
de inquérito, e face às versões apresentadas quer pela utente, quer pelos
prestadores de cuidados de saúde, é possível concluir que o exame efetuado
pela ANPAT apresentava a seguinte conclusão: avaliação global - alterações
epiteliais; células glandulares – atípicas favorecendo neoplasia.
17
64. E resulta ainda dos referidos elementos que, à data dos factos, entre a ANPAT
e a Clínica CUF, existia um procedimento diferenciado para os exames em que
eram identificadas alterações pelo médico daquela entidade, o qual consistia
no envio do relatório, não apenas pelos meios normais (por exemplo, por
estafeta), mas também por correio eletrónico para a Clínica CUF, para que esta
pudesse alertar, de forma célere, o médico responsável pelo utente.
65. Desta forma, não foi seguido, no caso concreto, nenhum processo especial e
célere para informar a utente do resultados dos exames, razão pela qual a
mesma só veio a ter conhecimento dos mesmos de forma fortuita, quando se
dirigiu à Clínica CUF Belém para a realização de uma consulta de ortopedia,
cerca de 4 semanas depois da realização do exame.
66. Neste contexto, é possível concluir com segurança que a utente não foi
informada por nenhum dos prestadores, da necessidade de proceder, com
urgência, ao levantamento dos exames, ao agendamento célere de consulta
com o respetivo médico assistente, para análise dos resultados, ou à
realização de outros meios complementares de diagnóstico.
67. É certo que os utentes também são responsáveis pela vigilância do seu próprio
estado de saúde, cabendo-lhes adotar condutas responsáveis no que concerne
a esta matéria;
68. E assim sendo, se lhes foi prescrita a realização de exames complementares
de diagnóstico para controlo ou despiste de eventuais problemas de saúde,
incumbe aos próprios – desde logo – a obrigação de realizar os exames e
entregar os respetivos resultados à entidade ou profissional que os prescreveu,
para a competente análise e avaliação.
69. Porém, e conforme acima se expôs, atenta a assimetria de informação
existente entre utentes e prestadores de cuidados de saúde, caberá a estes
assegurar que a informação necessária para que os utentes possam exercer
os seus direitos, é integralmente transmitida e cabalmente compreendida.
70. Deste modo, importará que os prestadores adotem procedimentos internos
aptos a assegurar que os resultados de quaisquer exames complementares de
diagnóstico por si realizados, sejam entregues aos utentes e/ou aos médicos
ou entidades prescritoras, da forma mais expedita possível.
71. E quando, em conformidade com os resultados dos exames efetuados, se
revelar urgente o recurso a outro profissional de saúde – incluindo ao médico
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assistente ou prescritor – ou à execução de outro meio complementar de
diagnóstico, os prestadores devem adotar procedimentos que assegurem que
essa informação é transmitida e percebida pelos utentes.
72. Nos casos em que não se revele exequível, ou não seja possível prestar a
informação aos utentes, devem os prestadores prever mecanismos específicos
que possibilitem que a informação possa ser transmitida, pela via mais célere e
eficaz, ao médico prescritor.
73. Por fim, e por forma a assegurar o respeito pelos direitos dos utentes à
qualidade dos cuidados de saúde, importa que os prestadores assegurem que
todos os procedimentos elencados e por si adotados, sejam efetivamente
cumpridos pelos seus profissionais, logrando assim a divulgação de padrões
de qualidade dos cuidados, de recomendações e de boas práticas, com vista à
formação e informação dos profissionais de saúde intervenientes.
74. À data dos factos, nenhum dos dois prestadores possuía procedimentos
efetivos, que garantissem que, em caso de resultados de exames que
identificassem alterações, os utentes e/ou os médicos responsáveis, fossem
transmitidos de forma célere.
75. Não resultam dos autos elementos suficientes, que permitam concluir que a
inexistência de tais procedimentos tenha tido alguma consequência negativa
para a saúde da utente.
76. Não obstante, é possível concluir que, perante o resultado de um exame que
identificava alterações atípicas, sugestivas de neoplasia, nenhum dos
prestadores adotou qualquer procedimento célere para remeter tal informação,
quer à utente, quer ao seu médico.
77. De acordo com as informações entretanto remetidas aos presentes autos, a
Clínica CUF afirma ter procedido à revisão de procedimentos internos, com
vista ao reforço da segurança clínica.
78. Neste contexto, para além de constarem no processo clínico eletrónico dos
seus utentes, todos os exames anatomopatológicos são verificados pelo
médico requisitante (pelo Coordenador da Especialidade na ausência do
médico requisitante ou Diretor Clínico na ausência de ambos) antes da sua
disponibilização, assegurando-se assim que os resultados urgentes ou críticos
(inesperados e/ou significativos) são comunicados ao doente pelo médico, em
tempo útil.
19
79. Afirma ainda a Clínica CUF Belém que a prestação de exames de anatomia
patológica é agora efetuada pelo laboratório de anatomia patológica do
Hospital CUF Descobertas.
80. Sucede, porém, que o procedimento instituído não é suficiente para acautelar
situações como aquela que originou a reclamação em causa nos presentes
autos.
81. Na verdade, se o resultado do exame não é transmitido pela entidade que o
realizou à Clínica CUF Belém, com a indicação de urgência na sua apreciação,
o problema identificado nos presentes autos pode voltar a repetir-se.
82. Exige-se, pois, que nos protocolos ou contratos que estabeleça com entidades
terceiras para a realização de exames complementares de diagnóstico, a
Clínica CUF Belém assegure a existência de procedimentos expeditos ou de
alerta, para a comunicação de resultados de exames que impliquem uma
urgente apreciação clínica e/ou uma célere comunicação ao utente.
83. A ANPAT, por sua vez, não apresenta qualquer procedimento neste sentido,
relegando a obrigação de transmissão da informação ao utente apenas para o
médico ou entidade prescritora.
84. Na verdade, a ANPAT assegura apenas a realização do exame prescrito e a
forma de comunicação do respetivo resultado à entidade prescritora, não tendo
previsto qualquer procedimento especial para casos em que a transmissão do
resultado do exame deva ser efetuada com urgência, ou com indicação de
urgência.
85. Sucede, porém, que a ANPAT e os seus profissionais de saúde, são os
primeiros a terem conhecimento do resultado dos exames que elaboram.
86. E por esse motivo, exige-se que a própria ANPAT adote procedimentos
internos que se revelem aptos a assegurar que os resultados de quaisquer
exames complementares de diagnóstico por si realizados, sejam entregues aos
utentes e/ou aos médicos ou entidades prescritoras, da forma mais expedita
possível, sobretudo quando se revelar urgente o recurso a outro profissional de
saúde – incluindo ao médico assistente do utente ou prescritor do dito exame –
ou à execução de outro meio complementar de diagnóstico.
20
IV. DA AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
87. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados,
nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código do
Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo 24.º
dos Estatutos da ERS, tendo sido chamados a pronunciarem-se, relativamente
ao projeto de deliberação da ERS, a utente J […] e as duas entidades
prestadoras de cuidados de saúde.
88. Decorrido o prazo legal concedido para o efeito, apenas a Clínica CUF Belém
veio aos autos pronunciar-se, por ofício remetido a 2 de outubro de 2017 e
constante de fls. 80 a 89 dos autos.
89. Através do dito ofício, o prestador veio alegar, com interesse para os autos, o
seguinte:
“[…]
Procedimento de comunicação de resultados de Anatomia Patológica:
Na sequência do referido na N/ comunicação ref021/2017 de 26.06.2017,
na qual se comunicou a implementação de um Procedimento de Controlo
(Procedimento interno da Clínica Cuf Belém), o mesmo foi analisado e
aprovado pelo Conselho Médico da José de Mello Saúde passando assim
a ser Política em vigor em todas as Unidades da Rede Cuf. (conforme
anexo).
A definição e aprovação desta Política permitiu clarificar os circuitos e
regras a observar em todas as Unidades, bem como analisar e alargar o
âmbito dos resultados que merecem acompanhamento imediato (ponto 4.
Do documento em anexo).
Com maior detalhe se acrescenta que, relativamente às citologias, foram
revistos os critérios clínicos, estando classificados como resultados críticos
ou urgentes os seguintes códigos snomed:
- M-67010.01 ASCUS
- M-67060.01 ASCH
- M-67030.01 AGC
- M-67016.01 LIEBG (baixo grau)
- M-67017.01 LIEAG Alto grau)
21
- M-80703.01 – CARCINOMA PAVIMENTOSO
- M-81403.01 – ADENOCARCINOMA
Foi ainda implementado um circuito de controlo adicional que estabelece,
seguindo as orientações da Política em anexo, que a equipa de Gestores
Oncológicos verifica se os doentes com resultados críticos ou urgentes têm
consulta marcada no prazo máximo de duas semanas após a data de
emissão do Relatório. Se porventura não houver evidência de marcação
dessa consulta, ou caso a mesma exceda o prazo estipulado, o médico
responsável pelo doente é contactado de imediato.
Por fim, reconhecendo a criticidade do facto evidenciado por V. Exas. nos
pontos 70 a 73, informamos que têm vindo a ser feitos desenvolvimentos
na plataforma tecnológica (software glintt) da Anatomia Patológica do
nosso fornecedor (Hospital Cuf Descobertas) que possibilitam a criação de
alertas automáticos e a consequente comunicação (envio de sms e/ou
emails de notificação) aos médicos executantes e médicos requisitantes
para resultados considerados críticos ou urgentes.
Este desenvolvimento encontra-se em fase de testes, pelo que se prevê
que esteja totalmente implementado até ao final do corrente ano. […]”
90. Em anexo ao seu ofício, o prestador remete cópia de um documento, intitulado
“POLÍTICA – Comunicação de resultados de Anatomia Patológica”, do qual
consta o procedimento a observar na “comunicação de resultados de Anatomia
Patológica na rede CUF, nomeadamente no que respeita a resultados
classificados como urgentes e críticos.”.
91. Do referido documento, e com interesse para os autos, constam as seguintes
normas:
“[…]
2. ENQUADRAMENTO
A comunicação de resultados com necessidade de seguimento terapêutico
urgente deve ser transmitido em contexto clínico, em tempo útil e com
clareza para o doente sobre os eu estado de saúde e orientação a seguir
para o seu caso.
[…]
4. REFERÊNCIAS, DEFINIÇÕES, ABREVIATURAS
22
RESULTADO URGENTE
Diagnóstico que tem repercussões diretas, imediatas e graves na situação
clínica, suspeitado pelo médico requisitantes ou efetuado pelo patologista
RESULTADO CRÍTICO (INESPERADO E/OU SIGNIFICATIVO)
Qualquer diagnóstico raro e/ou não suspeitado que poderá ter
consequências imediatas na situação clínica e/ou tratamento do doente.
Tipos de Resultados Críticos em Anatomia Patológica
a) Diagnósticos de neoplasia malignas não suspeitadas clinicamente.
b) Discrepância major entre diagnósticos de exames extemporâneos e
diagnósticos definitivos.
c) Discrepâncias diagnósticas detetadas em controlos de qualidade de
diagnóstico.
d) Amostras insuficientes para diagnóstico em análises de
investigação de doenças neoplásicas e/ou infecciosas em doentes
imunocomprometidos.
e) Diagnósticos de uma doença infecciosa não suspeitada em doentes
imunocomprometidos.
f) Outras situações que os Clínicos e/ou os Patologistas considerem
que possam induzir alterações na terapêutica ou seguimento dos
doentes.
[…]
5. DESCRIÇÃO
5.1 NOTIFICAÇÃO DE RESULTADOS URGENTES E CRÍTICOS PELO
SAP AOS MÉDICOS
5.1.1 DOENTES CUF
O SAP [Serviço de Anatomia Patológica] notificará quer o médico
executante quer o médico referenciador.
Não obstante o relatório estar imediatamente disponível e processo clínico
eletrónico, o SAP comunicará os resultados de duas formas:
- em relatório impresso, expedido em envelope fechado para os locais e
atividade dos médicos referenciadores e executantes, quando não
23
implementado um sistema de alerta automático no sistema informático do
SAP ou inexista sistema informático;
- por alerta automático via aplicação, gerado pelo Anatomo-patologista –
correio eletrónico ou sms – quando implementada no sistema informático
do SAP.
5.1.2 DOENTES EXTERNOS
O SAP notificará apenas o médico executante. Não obstante o relatório
estar imediatamente disponível em processo clínico eletrónico, o SAP
comunicará os resultados conforme descrito no ponto anterior
5.2 COMUNICAÇÃO DE RESULTADOS URGENTES E CRÍTICOS AOS
DOENTES
5.2.1 DOENTES CUF
A comunicação de resultados urgentes e críticos é da responsabilidade do
médico referenciador, o que deverá acontecer em contexto de consulta e
no prazo máximo de duas semanas após confirmação do mesmo (data do
relatório de Anatomia patológica). Em caso de indisponibilidade do médico
referenciador em cumprir esta premissa, a comunicação ao doente deverá
ser assegurada pelo Coordenador da Especialidade ou elementos da
equipa por si nomeado, no prazo definido.
5.2.2 DOENTES EXTERNOS
A comunicação de resultados urgentes e críticos é da responsabilidade do
médico executante. A comunicação será no prazo máximo de duas
semanas após confirmação dor resultado (data do relatório de Anatomia
Patológica), de forma presencial na Unidade CUF em loca adequado.
O médico executante deverá entregar presencialmente o relatório com, o
resultado, informando o doente de que necessita de seguimento clínico
urgente e que deverá contactar assim que possível o seu médicos
assistente (médico referenciador externo).
Em caso de indisponibilidade do médico executante em cumprir esta
premissa, a comunicação ao doente deverá ser assegurada pelo
Coordenador da Especialidade ou elemento da equipa por si nomeado, no
prazo definido.
24
5.3 DISPONIBILIZAÇÃO DE RESULTADOS AOS DOENTES
5.3.1 RESULTADOS URGENTES E CRÍTICOS
A disponibilização dos exames aos doentes deve ser feita após
comunicação prévia do médico responsável, nos termos definidos no ponto
5.2, podendo ser posteriormente disponibilizados por via electrónica (Mycuf
ou outro canal) ou por levantamento na Unidade em que foi realizado o
acto de diagnóstico, mediante guia de levantamento de exames, e
salvaguardando-se que os mesmos estejam concluídos e assinados pelo
médico anatomopatologista. É expressamente proibido o envio de
resultados urgentes e críticos por outra via não prevista neste
procedimento.
5.3.2 OUTROS RESULTADOS
A disponibilização dos exames aos doentes deve ser feita logo que os
mesmos estejam concluídos e assinados pelo médico anatomopatologista,
podendo ser disponibilizados ao doente por via eletrónica (Mycuf ou outro
canal) ou por levantamento na Unidade em que foi realizado o acto de
diagnóstico, mediante guia de levantamento de exames, no prazo máximo
de 15 dias a contar da data do relatório. […]”.
92. Os procedimentos em causa revelam-se indicados para cumprir os termos da
instrução, constante do projeto de deliberação notificado ao prestador.
93. Sucede, porém, que conforme se vê do teor do ofício remetido pelo prestador
aos presentes autos, estes procedimentos ainda se encontram em fase de
testes e ainda estão a ser feitos desenvolvimentos na plataforma tecnológica
do serviço de anatomia patológica.
94. Assim sendo, e não obstante estarem já previstos procedimentos suficientes,
importa manter o teor do projeto de deliberação.
95. É que a instrução constante do projeto de deliberação tem também, por
finalidade, garantir a adequação, permanente e futura, da atuação do prestador
aos padrões de qualidade e boas práticas, às normas aplicáveis e aos
interesses e direitos dos utentes, razões pelas quais deve o seu conteúdo ser
mantido na íntegra, assim se garantindo uma plena assunção e interiorização
da necessidade de adoção e cabal procedimentos em causa.
25
V. DECISÃO
96. Tudo visto e ponderado, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos
termos e para os efeitos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 19º e da
alínea a) do artigo 24.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto, emitir uma instrução à ANPAT - Laboratório de
Anatomia Patológica. Lda. e à Clínica Cuf Belém, SA., nos seguintes termos:
(i) A ANPAT - Laboratório de Anatomia Patológica. Lda e a Clínica Cuf
Belém, SA devem adotar procedimentos internos aptos a assegurar que
os resultados de quaisquer exames complementares de diagnóstico,
por si realizados ou prescritos, sejam entregues a quem os solicitou
(aos próprios utentes, a médicos ou a outras entidades prestadoras de
cuidados de saúde) da forma mais expedita possível, sobretudo quando
os referidos resultados implicarem alguma urgência no recurso a
cuidados de saúde, a outro(s) profissional(ais) de saúde – incluindo ao
médico assistente do utente ou ao prescritor do dito exame – ou à
execução de outro meio complementar de diagnóstico;
(ii) A ANPAT - Laboratório de Anatomia Patológica. Lda. e a Clínica Cuf
Belém, SA devem assegurar que todos os procedimentos por si
adotados, com vista à entrega e comunicação aos utentes, médicos ou
entidades prescritoras dos resultados dos exames complementares de
diagnóstico executados, são efetivamente cumpridos pelos seus
profissionais de saúde, logrando assim a divulgação de padrões de
qualidade dos cuidados, de recomendações e de boas práticas, com
vista à formação e informação dos intervenientes e respeito pelo
direitos dos utentes de acesso a cuidados de saúde de qualidade.
(iii) A ANPAT - Laboratório de Anatomia Patológica. Lda. e a Clínica Cuf
Belém, SA devem dar cumprimento imediato à presente instrução, bem
como dar conhecimento à ERS, no prazo máximo de 30 dias após a
notificação da presente deliberação, dos procedimentos adotados para
o efeito.
97. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º
1 do artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto, configura como contraordenação punível, in casu
com coima de 1000,00 EUR a 44 891,81 EUR, “[….] o desrespeito de norma ou
de decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes regulamentares, de
26
supervisão ou sancionatórios, determinem qualquer obrigação ou proibição,
previstos nos artigos 14º, 16º, 17º, 19º, 20º, 22º e 23º.”.
Porto, 19 de outubro de 2017.
O Conselho de Administração.
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