CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TERAPIA
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
ADEMIR ROCHA JÚNIOR
A PREVENÇÃO DE RECAÍDA BASEADA EM MINDFULNESS
NO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: ESTUDO
EXPLORATÓRIO SOBRE SUA EFICÁCIA
São Paulo
2016
ADEMIR ROCHA JÚNIOR
A PREVENÇÃO DE RECAÍDA BASEADA EM MINDFULNESS
NO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: ESTUDO
EXPLORATÓRIO SOBRE SUA EFICÁCIA
Trabalho de conclusão de curso Lato Sensu
Área de concentração: Terapia Cognitivo-Comportamental
Orientadora: Profa. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon
Coorientadora: Profa. Msc. Eliana Melcher Martins
São Paulo
2016
Fica autorizada a reprodução desde que citada a fonte.
Rocha Jr., Ademir. A prevenção de recaída baseada em mindfulness no tratamento da dependência química: estudo exploratório sobre sua eficácia / Ademir Rocha Júnior, Renata Trigueirinho Alarcon, Eliana Melcher Martins, – São Paulo, 2016. 29 f + CD-ROM
Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC). Orientação: Profª. Dra Renata Trigueirinho Alarcon Coorientação: Profª. Msc Eliana Melcher Martins
1. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL. 2. PREVENÇÃO DE RECAÍDA BASEADA EM MINDFULNESS. 3. USO E ABUSO DE DROGAS. I. Rocha Jr., Ademir. II. Alarcon, Renata Trigueirinho. III. Martins, Eliana Melcher. IV. Título.
Ademir Rocha Júnior
A prevenção de recaída baseada em mindfulness no tratamento da dependência
química: estudo exploratório sobre sua eficácia
Monografia apresentada ao Centro de Estudos em
Terapia Cognitivo-Comportamental como parte das
exigências para obtenção do título de Especialista
em Terapia Cognitivo-Comportamental
BANCA EXAMINADORA
Parecer: ____________________________________________________________
Profa. _____________________________________________________
Parecer: ____________________________________________________________
Profa. _____________________________________________________
São Paulo, ___ de ___________ de _____
AGRADECIMENTOS
Agradeço àqueles que têm contribuído para a minha formação, professores e
orientadores do curso de especialização em terapia cognitivo-comportamental do
CETCC, com menção especial às orientadoras, Dra. Renata T. Alarcon e Eliana M.
Martins.
Aos colegas que me ajudaram com o desenvolvimento do trabalho, em especial à
Ms. Mayra Machado da MBRP Brasil, que me auxiliou com os termos da literatura
em inglês e que ainda não estão traduzidos para língua portuguesa, bem como toda
a assistência e acesso a alguns dos estudos citados nesse trabalho.
Por fim, e especialmente, aos meus familiares pelo suporte oferecido e toda a
compreensão durante a elaboração do trabalho.
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo investigar a eficácia das intervenções
com base em mindfulness no tratamento da dependência química e prevenção de
recaída, a partir de estudos já publicados e com resultados obtidos nas
intervenções. Os estudos aqui apresentados se deram entre os anos de 2008 e
2014 e se basearam em dois modelos de intervenção: prevenção de recaída
baseada em mindfulness e mindfulness-oriented recovery enhancement (MORE).
Foram selecionados 9 artigos, sendo que 7 realizaram intervenções em grupo e os
outros 2 basearam-se em atendimento individual e avaliação a partir de inventários.
A partir dos resultados avaliados, pode-se concluir que as intervenções sugeridas
nos estudos mostram-se promissoras como uma ferramenta auxiliar no tratamento
do transtorno pelo uso de substâncias. Ressalta-se a pertinência de realizarem-se
estudos com a população brasileira a fim de se avaliar a eficácia em tal público e
desenvolver métodos de trabalho de acordo com essa característica.
Palavras-chave: Mindfulness; terapia cognitivo-comportamental; prevenção de
recaída baseada em mindfulness; uso e abuso de drogas.
ABSTRACT
This study had the purpose to investigate the efficacy of mindfulness-based
interventions in the treatment of addiction and relapse prevention, from published
studies and results obtained from interventions. The studies presented were taken
between the years 2008 and 2014 and were based in two intervention models:
mindfulness-based relapse prevention and mindfulness-oriented recovery
enhancement. A total of 9 articles were selected and 7 underwent group intervention
and the other 2 were based on individual care and assessment from questionnaires
applied. From the results assessed, it can be concluded that the interventions
suggested in studies indicates a promising adjunctive therapy in the treatment of
substances use disorder. We emphasize the relevance of studies carried out with the
Brazilian population in order to assess the efficacy of such public and develop
methods according to this characteristic.
Keywords: Mindfulness; cognitive-behavioral therapy; mindfulness-based relapse
prevention; drugs use and misuse.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 8
2 OBJETIVO ............................................................................................................. 12
3 METODOLOGIA .................................................................................................... 13
4 RESULTADOS ....................................................................................................... 14
5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 22
6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 24
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 25
ANEXO – TERMO DE RESPONSABILIDADE AUTORAL ...................................... 29
8
1 INTRODUÇÃO
O consumo de substâncias psicoativas tem crescido substancialmente nas
últimas décadas, especialmente a partir da segunda metade do século XX, tendo se
tornado uma questão de crescente visibilidade e discussão, propiciando o aumento
de estudos nos diversos âmbitos em que a dependência química interfere (social,
econômico, saúde pública, entre outros).
Segundo relatório mundial de 2015 da United Nations Office on Drugs and Crime
(UNODC), estima-se que um total de 246 milhões de pessoas, o que representa
aproximadamente 5% da população mundial com idade entre 15 e 64 anos, tenha
feito uso de drogas em 2013, sendo que cerca de 27 milhões de pessoas fazem uso
problemático de drogas. No Brasil, em levantamento realizado no ano de 2005 pelo
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), estimou-se
que aproximadamente 23% da população fez uso de qualquer droga durante a vida,
exceto álcool e tabaco, enquanto que a estimativa de dependentes de álcool foi de
12% e 10% de dependentes do tabaco.
Segundo Silva (2011), referente ao diagnóstico da dependência química, tanto a
CID-10 como o DSM-IV, se basearam no conceito de síndrome de dependência, ou
seja, um conjunto de sinais e sintomas que causam desconforto físico e sofrimento
psíquico. Esses critérios para diagnóstico fazem menção à tolerância para o uso da
substância – que é entendida como uso de quantidades maiores da droga e de
maneira progressiva a fim de obter o efeito desejado, abstinência e alívio dos
sintomas pelo uso, craving e uso compulsivo da substância, e saliência do
comportamento, que é caracterizada pela prioridade ao consumo em detrimento de
outras atividades sociais que antes eram relevantes ao indivíduo.
Segundo Zanelatto (2013), a dependência química, por ser um transtorno de
ordem multifatorial, tem como possibilidades de tratamento diversas modalidades
que incluem: intervenção farmacológica, abordagens psicoterápicas – individual ou
em grupo, suporte em grupos de autoajuda, internação em clínicas especializadas
ou em comunidades terapêuticas.
No que diz respeito às intervenções psicoterápicas, Silva (2013) afirma que
diversas teorias tentaram explicar os fatores que levam as pessoas ao
desenvolvimento do transtorno por uso de substâncias, porém muitas dessas teorias
acabaram sendo desconsideradas devido a falta de evidências científicas e também
9
por não acompanharem as transformações em nossa sociedade ao longo dos anos.
O autor também destaca que um modelo que se propõe a entender os fenômenos
psíquicos que expliquem o desenvolvimento e a manutenção da dependência
química deve dar suporte teórico às intervenções e técnicas propostas por meio de
evidências científicas que os validem, sendo o modelo cognitivo de Aaron Beck
aquele que melhor atende tais expectativas.
Segundo Beck J. (2013), o modelo cognitivo de Aaron Beck foi desenvolvido no
início da década de 1960 tendo como base o tratamento da depressão. Esse modelo
entende que os transtornos psicológicos são caracterizados pelos pensamentos
disfuncionais, que influenciam o humor e o comportamento do indivíduo, e que são
advindos de crenças disfuncionais ativadas pelas situações.
Beck (2013) entende que a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem como
objetivo auxiliar o indivíduo a uma maneira mais realista e adaptativa de lidar com
seus pensamentos, promovendo a melhora no estado emocional e em seu
comportamento. Tal mudança se dá por meio de técnicas e estratégias que atuem
tanto em sua cognição quanto em seu comportamento. O tratamento para ser eficaz
a longo prazo e duradouro, também deve atuar no sistema de crenças da pessoa
que se referem a si mesmo e sua relação com o mundo e outras pessoas.
Silva (2013) afirma que quando um indivíduo com crenças disfuncionais entra em
contato com o uso de substâncias psicoativas pode vir a desenvolver crenças mais
específicas relacionadas ao uso, fazendo com que crie estratégias compensatórias
relacionadas à evitação, compensação ou manutenção dos pensamentos
disfuncionais, emoções negativas e crenças.
Kolling et al. (2011) afirmam que o tratamento da dependência química tem uma
taxa de sucesso menor quando comparada ao de outros transtornos, porém
enfatizam que os modelos de tratamento com maior índice de eficácia se baseiam
na terapia cognitivo-comportamental, entrevista motivacional e prevenção de
recaída.
Cafruni et al. (2014) descrevem a entrevista motivacional, desenvolvida pelo
psicólogo americano William Miller, como uma intervenção breve que se propõe a
auxiliar o indivíduo ambivalente no processo de mudança a partir do reconhecimento
dos problemas atuais baseado em cinco princípios por parte do terapeuta: empatia,
discrepância, evitar argumentação, fluir com a resistência e promoção da
autoeficácia. Enquanto que a prevenção de recaída, modelo proposto por Marlatt e
10
Gordon, procura auxiliar o indivíduo em sua mudança de estilo de vida e identificar
situações de risco para o consumo de substâncias, que podem ser de motivação
interpessoal ou intrapessoal, prevenindo assim um lapso inicial ou o manejo desse a
fim de evitar uma recaída do indivíduo que está em tratamento.
Marlatt e Witkiewitz (2009) descrevem o lapso como um retorno breve ao
comportamento problema do indivíduo em tratamento, e que pode conduzir à
recaída, sendo essa o retorno ao comportamento padrão anterior ao início do
tratamento.
Segundo Marlatt e Witkiewitz (2009), o modelo cognitivo-comportamental da
recaída é entendido como uma ineficácia de respostas de enfrentamento em
situações de alto risco por parte do indivíduo. Tais situações derivam de
componentes intrapessoais (estados emocionais, enfrentamento, autoeficácia,
expectativas de resultado) e ambientais (influências sociais, acesso à substância,
exposição aos “gatilhos”). Caso o indivíduo não tenha uma resposta efetiva às
situações de alto risco, sua decisão de consumir ou não a substância acaba por ser
mediada pelas expectativas que tem quanto aos efeitos iniciais do uso da
substância.
Dentre os preditores da recaída, Marlatt e Witkiewitz (2009) consideram a
capacidade de enfrentamento como a mais importante e diz respeito à capacidade
do indivíduo em utilizar estratégias efetivas ao lidar com situações de alto risco. Tais
estratégias podem ser cognitivas ou comportamentais e têm por objetivo reduzir o
risco do uso de substâncias ou a busca pela gratificação gerada pelo efeito da droga
de escolha. Shiffman (1984) apud Marlatt e Witkiewitz (2009) destaca que o
enfrentamento do estresse tem por objetivo diminuir o impacto dos eventos
estressores e o enfrentamento da tentação tempo objetivo a resistência do desejo
pelo consumo. Essa relação se estabelece a partir de uma apreciação cognitiva da
capacidade de enfrentar o estressor ou a tentação, determinando assim, a sua
resposta. Uma das formas de enfrentamento do estresse se dá pela meditação com
atenção plena (mindfulness).
Segundo Witkiewitz et al. (2005), as pesquisas sobre a meditação no campo das
adicções se iniciaram na década de 1970 e na década de 1990, Kabat-Zinn(1990)
desenvolveu o modelo de redução do estresse baseado em mindfulness. Linehan
(1993) integrou o mindfulness ao tratamento da terapia comportamental dialética
para transtorno de personalidade borderline e Hayes et al. (1999) utilizou as técnicas
11
de mindfulness na terapia de aceitação e compromisso. Recentemente a terapia
cognitiva baseada em mindfulness também foi integrada ao tratamento da
depressão, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno de estresse pós-
traumático. Estudos também indicam que a meditação mindfulness tem eficácia na
redução da dor crônica, ansiedade e prevenção de recaída da depressão.
Segundo Vandenberghe e Valadão (2013), a prática do mindfulness enfatiza
mais a aceitação de emoções e vivências e menos as técnicas que promovem a
mudança dessas, transformando a perspectiva com que lida com seus pensamentos
e sentimentos. Afirmam que o foco atencional ao momento presente consiste em
tornar o indivíduo mais tolerante aos contratempos e mais flexível na resolução dos
problemas.
Segundo Bowen et. al (2009) a prevenção de recaída baseada em mindfulness
integra os principais aspectos da prevenção de recaída com práticas provenientes
do tratamento de redução do estresse baseada em mindfulness e terapia cognitiva
baseada em mindfulness para depressão. Na teoria, sugere que o mindfulness pode
ajudar o indivíduo a desenvolver uma relação descentralizada e destacada dos seus
pensamentos e sentimentos, prevenindo na escalada dos padrões de pensamento
que podem levar à recaída. Na ocorrência de um lapso, situação em que há o uso
da droga, a consciência e aceitação promovidas pelo mindfulness podem ajudar a
minimizar o sentimento de culpa, vergonha e pensamentos negativos que podem
aumentar o risco de uma recaída.
Zanelatto (2013) afirma que a terapia de prevenção de recaída baseada em
mindfulness promove um espaço de reflexão com foco no momento presente,
facilitando na aceitação à ansiedade que pode estar associada à fissura, estresse e
sentimentos negativos, desenvolvendo estratégias de enfrentamento mais efetivas.
Tem por objetivo cultivar uma consciência aberta, alterando o relacionamento do
indivíduo com sua experiência interna, diminuir a evitação experiencial, promovendo
a flexibilidade e o aumento da frequência de comportamentos em esferas
valorizadas, que possibilitem a melhora geral de sua qualidade de vida.
12
1. OBJETIVO
O presente trabalho teve por objetivo avaliar a eficácia do mindfulness no
tratamento da dependência química enquanto uma alternativa de intervenção
proposta dentro do modelo da prevenção de recaída.
13
2. METODOLOGIA
A pesquisa se deu através da revisão bibliográfica por meio de artigos obtidos
em base de dados eletrônicos (PubMed, Scielo e Google Acadêmico) e literatura de
referência sobre o assunto. As seguintes palavras-chave foram utilizadas:
mindfulness AND drug AND abuse (71), mindfulness-based AND relapse AND
prevention OR MBRP (68), prevenção AND recaída AND dependência AND química
(5630), mindfulness AND drogas (1240). O período de busca dos artigos se deu nos
meses de março e julho de 2016.
Os critérios de inclusão foram o idioma (português ou inglês), acesso ao artigo e
o ano de publicação (a partir de 2004).
Os critérios de exclusão se deram a partir da leitura dos resumos dos estudos
selecionados. Aqueles que não atendiam aos objetivos dessa pesquisa, ter como
foco a prevenção de recaída na dependência química e considerações sobre o
mindfulness aliado à terapia cognitivo-comportamental, foram excluídos.
Artigos que forneceram resultados a partir de pesquisas realizadas em campo
foram considerados relevantes. Estudos de revisão bibliográfica que atenderam ao
objetivo proposto pelo trabalho não foram descartados.
14
3. RESULTADOS
A partir da metodologia proposta, foram selecionados 9 artigos que
atenderam aos critérios de inclusão e exclusão. Com relação à droga de uso dos
indivíduos, houve 3 estudos com dependentes de álcool, 3 com dependentes de
múltiplas substâncias, 1 com dependentes de álcool e/ou cocaína, 1 com
dependentes de opióides e 1 com dependentes de cannabis ou cocaína (tabela 1).
Com relação aos objetivos, os estudos que foram mencionados avaliaram a
eficácia da proposta das intervenções baseadas em mindfulness por meio da
aplicação de inventários e questionários que investigaram, durante e após as
intervenções, a frequência do consumo de substâncias e redução de episódios de
uso e recaídas, níveis de ansiedade, fissura e stress, satisfação dos indivíduos com
o tratamento, assim como a comparação desses resultados com outros grupos que
se utilizaram de abordagens que são comumente utilizadas no tratamento da
dependência química, como 12 passos e prevenção de recaída com base no modelo
de Marlatt, conforme ilustrado na tabela 1.
Pode-se considerar que, em boa parte dos estudos, há uma amostra
significativa de indivíduos, uma vez que as intervenções foram realizadas com
grupos em 7 estudos incluídos nesse trabalho. Os participantes dos estudos foram
recrutados através de centros de tratamento para dependência química, através da
divulgação do estudo e a participação voluntária desses indivíduos nos estudos.
Vale ressaltar que o modelo de tratamento oferecido nos locais variou entre
internação, tratamento ambulatorial intensivo e acompanhamento pós-internação.
Em apenas um estudo, todos os participantes estavam em regime de internação
compulsória devido a problemas com a lei decorrentes do uso/posse de drogas
(WITKIEWITZ et al, 2014). Esse mesmo estudo foi realizado apenas com mulheres e
tal particularidade se deve ao fato de estarem internadas compulsoriamente em
centro de reabilitação para mulheres com problemas com a lei devido a atividades
relacionados ao uso/posse de drogas como roubo e prostituição. Ainda com relação
ao gênero, em apenas um estudo (ARDAME et al., 2014) não houve descrição sobre
o sexo dos participantes enquanto que nos outros estudos, tanto homens quanto
mulheres participaram.
15
TABELA 1 – DROGAS DE CONSUMO E OBJETIVOS DOS ESTUDOS
Autores Substância de consumo Objetivos
Zgierska, Rabago, Zuelsdorff, Coe, Miller e Fleming (2008)
Álcool Reunir dados preliminares sobre a eficácia da meditação na prevenção de recaída e avaliar métodos de estudos de viabilidade.
Bowen, Chawla, Collins, Witkiewitz, Hsu, Grow, Clifasefi, Garner, Douglass, Larimer, Marlatt (2009)
Múltiplas substâncias Avaliar a viabilidade e eficácia inicial da prevenção de recaída baseada em mindfulness em comparação com o tratamento em grupo para indivíduos com problemas de uso e abuso de álcool e outras drogas, através de escalas que avaliassem o efeito do tratamento no uso de drogas, bem como outros componentes tais como fissura, aceitação e mindfulness.
Brewer, Sinha, Chen, Michalsen, Babuscio, Nich, Grier, Bergquist, Reis, Potenza, Carroll, Rounsaville (2009)
Álcool e/ou cocaína Avaliar a intervenção em mindfulness comparada à terapia cognitivo-comportamental e o uso de substâncias e a aceitação ao tratamento, e comparar os modelos na eficácia de enfrentamento do stress.
Garland, Gaylord, Boettiger e Howard (2010)
Álcool Comparar os efeitos terapêuticos da intervenção MORE com grupo de apoio para dependência de álcool a partir da hipótese de que essa prática poderia resultar em diminuição da percepção do stress, fissura e melhor inibição ao consumo do álcool.
Garland, Schwarz, Kelly, Whitt e Howard (2012)
Álcool Melhorar a compreensão dos resultados das intervenções baseadas em mindfulness e explorar a viabilidade da intervenção MORE em uma amostra de dependentes de álcool internados em uma comunidade terapêutica.
Bowen, Witkiewitz, Clifasefi, Grow e Chawla (2014)
Múltiplas substâncias Avaliar a eficácia a longo prazo da prevenção de recaída baseada em mindfulness na redução de recaídas quando comparada com o modelo de tratamento baseado em prevenção de recaída e tratamento padrão (12 passos e psicoeducação) durante follow-up de 12 meses.
Witkiewitz, K.; Warner, K.; Sully, B.; Barricks, A.; Stauffer, C.; Thompson, B.L.; Luoma (2014)
Múltiplas substâncias Avaliar a efetividade da prevenção de recaída baseada em mindfulness em comparação ao modelo de prevenção de recaída
Ardame, Bassaknejad, Zargard, Rokni e Sayyah (2014)
Opióides Analisar a relação entre mindfulness e fissura em indivíduos em tratamento de manutenção com a metadona.
Dakwar e Levin(2013) Cannabis ou cocaína Avaliar se as abordagens com base em mindfulness podem ser eficazes quando realizadas em acompanhamento individual.
16
A tabela 2 abrange o número de participantes em cada estudo, assim como a
metodologia utilizada.
TABELA 2 – NÚMERO DE PARTICIPANTES E METODOLOGIA
Autores Participantes Metodologia Zgierska, Rabago, Zuelsdorff, Coe, Miller e Fleming (2008)
19, sendo que 15 indivíduos finalizaram o estudo.
8 sessões semanais de grupo de prevenção de recaída baseada em mindfulness
Bowen, Chawla, Collins, Witkiewitz, Hsu, Grow, Clifasefi, Garner, Douglass, Larimer, Marlatt (2009)
168, sendo que 118 indivíduos finalizaram o estudo.
8 sessões semanais de grupo de prevenção de recaída baseada em mindfulness
Brewer, Sinha, Chen, Michalsen, Babuscio, Nich, Grier, Bergquist, Reis, Potenza, Carroll, Rounsaville (2009)
36, sendo que 14 indivíduos finalizaram o estudo.
9 sessões semanais de grupo com práticas de mindfulness
Garland, Gaylord, Boettiger e Howard (2010)
53, sendo que 37 indivíduos concluíram o estudo.
10 sessões de intervenção em mindfulness-oriented recovery enhancement em grupo
Garland, Schwarz, Kelly, Whitt e Howard (2012)
18 10 sessões de intervenção em mindfulness-oriented recovery enhancement em grupo, em um total de 20 horas.
Bowen, Witkiewitz, Clifasefi, Grow e Chawla (2014)
286, sendo que 197 indivíduos concluíram o estudo
8 sessões semanais de grupo de prevenção de recaída baseada em mindfulness
Witkiewitz, K.; Warner, K.; Sully, B.; Barricks, A.; Stauffer, C.; Thompson, B.L.; Luoma (2014)
105, sendo que 71 indivíduos finalizaram o estudo.
2 sessões semanais, com 50 minutos de duração, ao longo de 8 semanas de grupo de prevenção de recaída baseada em mindfulness.
Ardame, Bassaknejad, Zargard, Rokni e Sayyah (2014)
80 Não houve intervenção, aplicou-se os questionários de cinco facetas do mindfulness e de fissura pela heroína.
Dakwar e Levin(2013) 25, sendo que 14 indivíduos finalizaram o estudo.
Realizou-se abordagem individual de psicoterapia baseada em mindfulness semanalmente ao longo de 10 semanas.
Os participantes de todos os estudos estavam com idade entre 18 e 70 anos,
sendo a média de idade entre 30 e 40 anos em todos os artigos.
No total, 7 artigos especificaram o número de participantes que iniciaram e que
concluíram os estudos, sendo que em Garland et al. (2012) e Ardame et al. (2014)
não há tal especificação. Dentre os motivos citados para a não conclusão do estudo,
estão o término do seu período de internação (WITKIEWITZ et al., 2014; BOWEN et
17
al., 2014) e desistência formal do indivíduo (WITKIEWITZ et al., 2014; ZGIERSKA et
al., 2008; BOWEN et al., 2014). Os outros estudos com dados de indivíduos que não
concluíram as intervenções não especificaram os motivos das desistências.
Quanto à metodologia, destacam-se dois modelos de intervenção: prevenção de
recaída baseada em mindfulness (MBRP) e Mindfulness-Oriented Recovery
Enhancement (MORE). O primeiro modelo foi utilizado em 6 artigos, sendo que em 1
deles a intervenção foi realizada a partir de sessões de atendimento individual
(DAKWAR & LEVIN, 2013) e nos outros estudos a intervenção foi realizada em
grupo (ZGIERSKA et al., 2008; BOWEN et. al, 2008; BREWER et al.,2009; BOWEN
et al. 2014; WITKIEWITZ et al., 2014). O segundo modelo foi aplicado em 2 estudos,
em grupos (GARLAND et al., 2010; GARLAND et al., 2012). Houve apenas um
estudo em que não houve intervenção com práticas de mindfulness, realizou-se a
avaliação da relação entre mindfulness e fissura pelo consumo da droga através da
aplicação de questionários.
A prevenção de recaída baseada em mindfulness é um modelo estruturado em 8
sessões que integra práticas em grupo semanais, com duração de 2 horas em cada
encontro e integra conceitos do modelo de prevenção de recaída e práticas
adaptadas do modelo de redução do estresse baseada em mindfulness (MBSR) e
da terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT). Seu objetivo é ajudar o
indivíduo a identificar situações de risco associadas ao uso de substâncias e
desenvolver estratégias de enfrentamento eficazes e melhorar sua auto-eficácia. As
práticas enfatizam o aumento da aceitação e tolerância de estados físicos,
emocionais e cognitivos, sejam positivos ou negativos, diminuindo assim a
necessidade de alívio gerada com o desconforto e associada com o consumo de
substâncias (BOWEN et al., 2009). Abaixo, as sessões estruturadas propostas pelo
modelo (WITKIEWITZ et al., 2014) (Quadro 1)
Quadro 1. Sessões do modelo de Prevenção de recaída
Sessão 1: Piloto automático e recaída
Sessão 2: Consciência de gatilhos e fissura
Sessão 3: Mindfulness na vida diária
Sessão 4: Mindfulness em situações de alto risco
Sessão 5: Aceitação e ação habilidosa
Sessão 6: Vendo pensamentos como pensamentos
Sessão 7: Autocuidado e equilíbrio no estilo de vida
Sessão 8: Apoio social e prática contínua
18
O modelo de intervenção MORE é proposto em 10 sessões estruturadas, em um
total de 20 horas, e foi adaptado pelo autor a partir da terapia cognitiva baseada em
mindfulness para o tratamento da dependência do álcool. Integra práticas em
mindfulness, reestruturação cognitiva e técnicas provenientes da psicologia positiva.
As sessões envolvem práticas de mindfulness relacionadas com problemas
específicos do uso de substâncias, como gatilhos para a recaída, fissura, supressão
do pensamento, stress e comportamentos inconscientes de uso de substâncias.
Segue o modelo estruturado das sessões (GARLAND et al., 2012).
Quadro 2. Modelo de intervenção MORE Sessão 1: Discussão sobre mindfulness e “beber“ automático; mindfulness da fissura; respiração
mindful e body scan
Sessão 2: Discussão sobre ressignificação cognitiva; prática de distanciamento e respiração mindful
Sessão 3: Discussão sobre a reorientação da atenção como um meio de enfrentamento a emoções
negativas e fissura; respiração mindful; mindfulness das percepções e sensações; experimentando os
prazeres naturais
Sessão 4: Discussão sobre a fissura; prática de se lidar com a fissura; mindfulness da fissura e
contemplação das consequências negativas do “beber”; exposição imaginária ao álcool; prática de
respiração mindful
Sessão 5: Discussão sobre a relação entre stress e fissura; exposição imaginária ao stress;
respiração mindful
Sessão 6: Discussão sobre supressão do pensamento, aversão e sua ligação; prática sobre a
futilidade da supressão do pensamento; respiração mindful e aceitação
Sessão 7: Discussão sobre os prejuízos do álcool no corpo; consciência mindful interoceptiva;
caminhar mindful
Sessão 8: Discussão sobre os gatilhos relacionados à recaída; meditação compassiva
Sessão 9: Discussão sobre a interdependência entre pensamento e espiritualidade; respiração
mindful
Sessão 10: Revisão; discussão sobre como manter a prática do mindfulness; desenvolvimento de
plano de prevenção de recaída; ensaio imaginário da prevenção de recaída mindful; respiração
mindful
19
Ambos os modelos de intervenção baseada em mindfulness também enfatizam a
prática fora das sessões, com exercícios sugeridos entre os encontros a partir da
prática diária ou para o manejo de situações que podem colocar o indivíduo em
situação de risco de recaída (stress, ansiedade, tristeza, fissura, etc.) com o auxílio
de apostilas e informativos que são fornecidos, havendo também a revisão das
atividades realizadas fora do ensaio clínico ao início de cada sessão.
Houve um artigo em que não se realizou as intervenções com base em
mindfulness (ARDAME et al., 2014), sendo a correlação entre mindfulness e fissura
pela substância, que foi o objetivo do estudo, avaliada a partir da aplicação de dois
instrumentos autoaplicáveis: o questionário das cinco facetas de mindfulness e o
questionário de fissura pela heroína. O questionário das cinco facetas de
mindfulness foi idealizado por Bauer et al. (2006) e consiste em 39 questões que são
classificadas em uma escala de 5 pontos. As cinco facetas do questionário são: não-
reatividade a experiências interiores, observação, agir com consciência, descrição e
não-julgamento. O questionário de fissura pela heroína avalia cinco fatores em uma
escala de 7 pontos, sendo esses fatores: antecipação do resultado positivo do uso
da substância, alívio do tédio e de sintomas de abstinência, intenção e plano para
usar a substância, desejo para o uso da substância e falta de controle sobre o uso
da substância.
A partir dos estudos levantados, os resultados obtidos apontam relativa eficácia
das intervenções baseadas em mindfulness em diversos aspectos, sendo possível
destacar uma melhora dos sintomas negativos relacionados ao risco de recaída
como stress, fissura, ansiedade e depressão quando houve a comparação com
outros tipos de grupos (prevenção de recaída e tratamento padrão). Dentre os
estudos comparativos, convém observar que há 4 artigos em que se avaliou a
frequência de dias de uso (BOWEN et al. 2009; BREWER et al., 2009; BOWEN et
al., 2014; WITKIEWITZ et al., 2014) e em apenas um artigo (BREWER et al, 2009)
não houve diferenças no padrão de consumo de substâncias. Contudo, esse mesmo
artigo deu destaque à evidência de que houve melhor adesão dos participantes do
grupo MBRP comparado ao grupo controle, bem como menores índices fisiológicos
e psicológicos relacionados ao stress a partir de exames laboratoriais realizados
após ensaio clínico de eliciamento cognitivo do stress proposto no tempo de duas
semanas após o final das intervenções em grupos.
20
Houve apenas um estudo em que o trabalho clínico se deu a partir da
intervenção individual (DAKWAR & LEVIN, 2013) e os resultados apontam índice de
abstinência do consumo maior quando comparados com os resultados obtidos a
partir do trabalho com grupos de prevenção de recaída baseada em mindfulness,
conforme afirmação dos autores.
Por fim, outro estudo que merece destaque é o que foi realizado por Ardame et
al. (2014) pelo fato de não haver intervenção com os indivíduos, apenas
preenchimento de questionários. Como resultado, o autor destaca que há uma
relação inversa entre mindfulness e fissura, ou seja, quando há a melhora dos
fatores mindfulness (auto-observação, não-reação aos estímulos internos e externos
e auto-controle para lidar com situações de risco), o desejo pelo uso e a antecipação
dos efeitos positivos produzidos pela substância podem ser reduzidos.
Os resultados dos estudos estão resumidos na tabela 3.
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TABELA 3 – PRINCIPAIS RESULTADOS
Autores Resultados Zgierska, Rabago, Zuelsdorff, Coe, Miller e Fleming (2008)
- Redução do consumo; - Melhora do bem estar e de sintomas ligados ao stress, ansiedade, depressão e fissura.
Bowen, Chawla, Collins, Witkiewitz, Hsu, Grow, Clifasefi, Garner, Douglass, Larimer, Marlatt (2009)
Os resultados confirmaram a hipótese do estudo, tendo significativa melhora no grupo MBRP com relação aos dias de uso, fissura, consciência e aceitação em comparação ao outro grupo estudado.
Brewer, Sinha, Chen, Michalsen, Babuscio, Nich, Grier, Bergquist, Reis, Potenza, Carroll, Rounsaville (2009)
- Não houve diferenças no padrão de consumo de substâncias entre os grupos, bem como satisfação com o tratamento ofertado; - Exames laboratoriais sugeriram menores taxas de stress no grupo de mindfulness; - Melhor adesão ao tratamento no grupo de mindfulness (43%) comparado ao grupo controle (33%).
Garland, Gaylord, Boettiger e Howard (2010)
Ao final do estudo, o grupo de intervenção em mindfulness apresentou diminuição da percepção de stress, supressão de pensamento, viés atencional e variabilidade da frequência cardíaca mais significativas do que o grupo de apoio comparado.
Garland, Schwarz, Kelly, Whitt e Howard (2012)
- Melhor percepção do momento presente e dos esquemas inerentes ao uso de substâncias, reconhecendo como os pensamentos e emoções afetam suas ações e outras pessoas, possibilidade de escolhas de forma mais consciente; - Melhora do foco atencional; - Não reatividade aos pensamentos e sentimentos negativos; - Melhor manejo da fissura, gatilhos de recaída e emoções negativas.
Bowen, Witkiewitz, Clifasefi, Grow e Chawla (2014)
Participantes dos grupos de PR e MBRP relataram risco de recaída e uso abusivo de álcool significativamente mais baixo e, entre aqueles que fizeram consumo de substâncias, menos dias de uso no follow-up de 6 meses. A PR mostrou-se vantajosa quando comparada ao MBRP com relação ao tempo até o primeiro consumo. No 12º mês de follow-up os participantes do grupo MBRP relataram menos dias de uso de substâncias e menos uso abusivo de álcool quando comparados com tratamento padrão e PR. Os objetivos da prática de mindfulness podem fortalecer as habilidades de monitorar e lidar de forma hábil com a fissura ou seus efeitos negativos, apoiando assim resultados a longo prazo.
Witkiewitz, K.; Warner, K.; Sully, B.; Barricks, A.; Stauffer, C.; Thompson, B.L.; Luoma (2014)
As mulheres que participaram do grupo MBRP apresentaram menor índice de dias de uso de drogas e menos problemas legais e clínicos, 1.8% x 10%, em follow-up de 15 semanas após o encerramento do estudo. Convém ressaltar que em ambos os grupos as taxas de recaída foram menores que o sugerido na literatura. Sendo assim, o tratamento em MBRP pode ser mais eficaz quando comparado à PR.
Ardame, Bassaknejad, Zargard, Rokni e Sayyah (2014)
Relação inversa entre mindfulness e fissura. Quanto mais o individuo aumenta seu fator mindfulness a intensidade da fissura pode diminuir e, portanto, pode haver melhor manejo e controle por parte do individuo. O desejo pelo uso e antecipação dos efeitos esperados podem ser reduzidos quando há melhora de fatores como auto-observação, agir com consciência, não-reação aos estímulos internos e externos e autocontrole para lidar com situações de risco.
Dakwar e Levin(2013) As taxas de abstinência do uso ao fim do estudo foram significativamente maiores quando comparadas com os estudos já realizados em grupos. Os resultados mostraram que a intervenção em mindfulness pode ser realizada em psicoterapia individual para o tratamento das substâncias estudadas.
22
5. DISCUSSÃO
A partir dos estudos levantados, é possível afirmar que as intervenções baseadas
em mindfulness podem ser uma ferramenta útil e eficaz no tratamento da
dependência química, tanto no aspecto da prevenção à recaída quanto na redução
da frequência do consumo e manutenção da abstinência, conforme foi demonstrado
a partir dos resultados dos artigos.
É pertinente destacar que, por se tratar de uma intervenção relativamente nova,
há uma escassez de estudos publicados em língua portuguesa, o que sugere que
sejam realizados estudos com a população brasileira no tratamento da dependência
química, uma vez que esse tipo de abordagem apresentou resultados promissores.
As intervenções baseadas em mindfulness enfatizam, a partir da meditação, o
melhor manejo e controle dos preditores que são associados com as situações de
risco para a recaída – como o stress, ansiedade, fissura, pensamentos negativos e
antecipatórios – e busca ajudar o indivíduo a ter o foco no momento presente,
naquilo que está acontecendo “aqui e agora” ao contemplar essas situações como
algo natural da essência humana e a melhor aceitação, sem julgamentos ou tratar
como verdades absolutas. Essa prática pode ajudar o indivíduo com problemas
relacionados ao consumo de drogas a distanciar-se da ideia de centrar seus
pensamentos nos problemas passados ou na antecipação do futuro, o que pode
gerar as emoções negativas e o consequente consumo da droga para o alívio de tais
desconfortos. Convém observar que a abstinência não é uma condição do
tratamento, embora esse seja o caminho natural, mas poder ajudar o indivíduo a
desenvolver sua auto-observação, a partir da descrição de sua experiência atual,
com base nas sensações de seu corpo, descrição dos pensamentos e aceitação de
suas emoções.
Segundo Bowen et al. (2015) o programa de prevenção de recaída baseada em
mindfulness é indicado para aqueles indivíduos que passaram por programas de
tratamento, internados ou não, e buscam um estilo de vida que favoreça o bem-estar
e a recuperação.
O tipo de intervenção foi elaborado a partir do tratamento em grupos em ambos
os modelos (MBRP e MORE) e sugere um protocolo estruturado com agenda de
cada sessão, práticas vivenciais, monitoramento dos exercícios realizados dentro e
23
fora das sessões e troca de experiências entre os participantes, o que enriquece e
ajuda os indivíduos a observarem seus próprios hábitos de comportamento e
padrões de pensamento. Apesar da proposta de intervenção grupal, houve um artigo
que realizou as intervenções de forma individual (DAKWAR & LEVIN, 2013), a partir
de adaptações na estrutura das sessões, e também obteve resultados positivos com
essa proposta. Esse estudo pode sugerir maior investigação na modalidade de
atendimento individual com esse modelo.
As metodologias propostas, por terem sessões estruturadas, estabelecem que os
grupos não recebam novos integrantes após o seu início, o que parece ser um
desafio ao longo das intervenções, uma vez que há significativos índices de faltas e
desistências, devido a situações de recaída do uso e mudanças no estágio
motivacional do tratamento por parte dos indivíduos. Tais condições podem sugerir o
fato de que nos estudos levantados houve um número significativo de indivíduos que
não concluíram os programas.
Convém destacar também que as intervenções com base em mindfulness são
parte de um conjunto de ferramentas no tratamento da dependência química, sendo
assim, seu objetivo não é substituir o que já se tem validado como de eficácia no
tratamento, como grupos de apoio, grupos de prevenção de recaída, tratamento
psicoterápico e farmacológico, mas aliar-se a tais propostas como uma opção de
ajuda a esse problema de delicado manejo e de consequências graves na vida de
uma pessoa.
24
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos estudos levantados, é possível afirmar que as intervenções com
base em mindfulness podem ser eficazes no tratamento da dependência química, a
partir do objetivo de auxiliar o indivíduo a manter o foco no momento presente, não
se apegando a situações passadas ou expectativas de futuro, que geram
pensamentos e emoções negativas que podem vir a resultar no consumo da
substância para fins de alívio. Requer prática constante fora das sessões de modo
que a meditação seja um hábito incorporado ao seu estilo de vida.
Os resultados mostraram-se otimistas quando se avaliaram fatores como stress,
ansiedade, depressão, fissura, consciência de si e aceitação de condições
comumente percebidas como passíveis de rejeição e ignoração.
É pertinente afirmar que essa temática carece de estudos com a população
brasileira, com as devidas adaptações e condições propícias para a nossa realidade,
aumentando assim, a gama de alternativas propostas para o tratamento da
dependência química.
25
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07 jul. 2016.
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ANEXO
Termo de Responsabilidade Autoral
Eu ADEMIR ROCHA JÚNIOR, afirmo que o presente trabalho e suas devidas partes
são de minha autoria e que fui devidamente informado da responsabilidade autoral sobre
seu conteúdo.
Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de
Conclusão de Curso de Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob
o título “A PREVENÇÃO DE RECAÍDA BASEADA EM MINDFULNESS NO
TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE
SUA EFICÁCIA”, isentando, mediante o presente termo, o Centro de Estudos em
Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC), meu orientador e coorientador de
quaisquer ônus consequentes de ações atentatórias à "Propriedade Intelectual", por
mim praticadas, assumindo, assim, as responsabilidades civis e criminais
decorrentes das ações realizadas para a confecção da monografia.
São Paulo, __________de ___________________de______.
___________________________
Assinatura do (a) Aluno (a)
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