Concepções de confiabilidade e de
segurança em sistemas sócio técnicos
Ildeberto Muniz de Almeida
Depto de Saúde Pública
Faculdade de Medicina de Botucatu -Unesp
O que vamos estudar?• Concepções e análises de acidentes.• Concepções existentes e problemas evidenciados
em análises de acidentes• Como esses problemas vêm sendo enfrentados?
– Crítica das concepções lineares e paucicausais – Construindo alternativas. contribuições de
diversas escolas:• Abordagens sócio sistêmicas• Abordagens sociológicas: Teorias da alta confiabilidade e do acidente normal
• Ergonomia e Psicologia Cognitiva• Teorias mistas
Abordagens de fatores humanos
• Concepção unicausal de acidentes
• Concepção multicausal de acidentes
• Dimensão sistêmica de explicação do acidente– Ergonomia e teoria da confiabilidade de
sistemas (versus Erg. de postos de trabalho)
• Abordagem da confiabilidade humana– Evolução tecnológica (inovações, mediação
simbólica, complexidade etc) e do modo com que as ciências humanas abordam o acidente
Neboit 1999
O paradigma tradicional
A visão predominante no Brasil
• A confiabilidade do subsistema técnico e o erro humano como elo frágil da corrente– Erro visto como evento negativo– Associado às noções de atos inseguros ou
falhas humanas– Decorrentes do desrespeito às normas ou
decisões conscientes dos operadores– Correção baseia-se em incentivos e punições
Comportamentalismo
• Minimiza importância de conceitos que se referem a mecanismos mentais ou subjetivos
• “Limita-se a coisas que podem ser observadas e a formular leis sobre elas: o comportamento, o que o organismo faz ou diz. [...]
Sweetser, 1987
• Usa palavra comportamento para referir-se à fala e a mecanismos interiores, como o pensamento e atos manifestos.
Implicações do paradigma tradicional para a prevenção
• A melhoria dos níveis de Saúde e Segurança é conseguida com o desenvolvimento de controles e com ações de especialistas (engenheiros, médicos, técnicos, agências governamentais)
Dwyer 2000
• Soluções baseiam-se em melhorias tecnológicas, punições e sanções disciplinares individuais, reforço da normatização
Catino 2002
• Construir “cultura de segurança”Cooper; [...]
Introdução ao estudo da confiabilidade humana em sistemas sóciotécnicos
Sistema sócio técnico aberto
Sub-sistema social
Sub-sistema técnico
Produtos, resultados [...]
Perturbações
Positivas
Negativas
Zona de incertezas: interações possíveis
Sistema sócio-técnico
Entradas (Inputs) Saídas (Outputs)Processo
Tempo
Legislação
Custos
Pedidos de c
lientes
Organizações
sociais
Situação d
a
empre
sa
Governo
Evolução do
conhecimento
[...]Sistema sócio-técnico aberto
Sub-sistema social
Sub-sistema técnico
Produtos, resultados [...]
Perturbações
Positivas
Negativas
Zona de incertezas: interações possíveis
• Sistema é único, com singularidades próprias associadas à sua história, à história e experiência informal dos seus trabalhadores
Assalariados e cultura de riscoSchwartz 1996
• Ausência de participação desses empregados na Gestão de segurança deveria ser considerada uma anomalia
• Conjunto de práticas de segurança do sistema inclui sempre, além das regras, condutas e estratégias, não definidas pelos gerentes, que mantêm-se na sombra, de forma não objetivada
• Grande parte das precauções tomadas são inconscientes.
Teorias explicativas do erro
• Shannon e Weaver: Teoria das comunicações.– Limites da capacidade de tratar informações.
• Newell e Simon: Resolução de problemas.– Falhas em etapa (algoritmo) de raciocínios
que levam à solução.• Ações baseiam-se em representações mentais,
“schemas” ou modelos interiorizados.– Distância entre a representação mental e a
realidade• Mazeau: Gestão por antecipação de resultados
esperados (controle cognitivo dinâmico).– Nível dos mecanismos de controle cognitivo
Neboit 1999
As Contribuições de Rasmussen e Reason: o Erro
Humano
A Estrutura de conhecimentos (Rasmussen)
Formação da representação
Sinais
Inputs sensoriais
Módulo sensório motor,
automatismos
Sinais Ações
Associação estado/tarefa
Conhecimentos
Regras
Habilida
des
Comportamento baseado em:
Sinais Reconheci-
mento
Plano
Regra
Identifi-cação
Decisão, escolha
Objetivos
Estágios no desenvolvimento e análise de um acidente organizacional
Perigo, fatores de risco
Perdas
Falhas ativas
Fatores do ambiente de trabalho
Fatores organizacionais
Causas
AnáliseCa
minho da
s
condiç
ões
latent
es
A perfiladeira é re-ligada na
velocidade alta (50 pgs)
Com 1 giro da barra o avanço dá-se a 50 pgs
Um dos giros da barra de
acionamento do avanço de chapa não se completa
Um dos giros da barra de avanço
... falha
A barra persiste com folga (5 mm)
?
?
?
EDS gira a barra
duas vezes EDS alinha
aleta
Com 2 giros avanço dá-se
a 10 pgs
A folga é considerada aceitável
A máquina opera com folga
Exemplo de erro latente: falha de concepção
Sem relação com operação
seguinteCusto
adicional
Omissão com origens não exploradas
A porta choca-se com o acesso
O acesso é na frente da
porta
A porta abre para frente
A porta do elevador
está aberta
O elevador desce
Aberta, a porta fica na posição
Sr X deixa a porta aberta
?
... esquece
... atraso
... chamado
?
Abre-fecha é manual
?
?
?
?
... chuva
Mudança em relação à rotinaPouco
visível ou imprecisa
Pós parada inesperada?
Exemplos / aplicações
Modelos Concepção de acidentes/erros Prevenção
Centrado na
pessoa.
Da Engenharia
Organiza-cional
Erro é mais conseqüência. Sintoma de
condições latentes. Turner, Perrow ...
Medidas pró-ativas e reformas contínuas
Segurança e Ql aumentam
resistência a riscos e perigos
Ênfase em AI e lesões pessoais. Origens em fat.
psicológicos
Apelo ao medo, cenoura-chicote, treinar, auditar
AI ...
Ação perto da lesão.
Responsabilidade pessoal.
Qt, confiabilidade probabilística,
falhas de concepçãoSGSST
Melhorar inter-face de troca de informações
Modelos para gestão da segurança (Reason 1997)
HAZOP, HAZANS PRA,
HRA
Enfoque de organizações de alta confiabilidade
Teoria das Organizações de Alta Confiabilidade (“HRO”)
• Há organizações que conseguem funcionar com alta confiabilidade (“HRO”) e segurança
• Estuda as características de organizações que conseguem bom desempenho lidando com tecnologias de alto risco– Não estuda os “erros humanos”
• A confiabilidade é produto da organização (Bourrier 2001)
Características das “HRO”
• Desempenho e competência de excelência (prioridades da organização)
• Estrutura flexível, com redundâncias e boa adaptação a demandas externas
• Modos de decisão flexíveis, apoiados em equipes
• Encoraja aprendizado organizacional
• Valoriza da identificação de erros e partilha das informações
• Cultura que atribui mesmo valor a desempenhos de produção e de segurança
A hipótese de Karl Weick
• Organizações pequenas são vulneráveis, sujeitas a perdas súbitas da compreensão:
– Surpresa fundamental (Reason 1990)– Eventos inconcebíveis (Lanir 1989)– Eventos ocultos (“hidden”) (Westrum 1982)– Eventos incompreensíveis (Perrow 1984)
• Episódio cosmológico: O significado do que está ocorrendo e os meios para reconstruí-locolapsam simultaneamente
EM e ISS são atingidos por onda de calor
EM e ISS estão ao lado do duto de alimentação do
forno 10
Piso é atingida por onda de calor
Local é invadido por fumaça preta
EM é atingido nos olhos
Onda de calor é lançada para
cima
Onda de calor sobe por buracos do piso
e vãos da escada
Expansão gasosa em
forno de estanho: A
surpresa fundamental
A mistura CO+S2+02 expande-se
?
Há buracos no piso
EM sofre amputação de falanges M e D do 2º
QRE
EM queima 2º QRE na tentativa de
fuga
EM encosta mão em
estrutura quente
EM ajuda ISS a sair do local do
acidente
A fuga ocorre
às cegas
EM queima as córneas
ISS sofre novas queimaduras
ISS falece
Local está muito quentePiso é de metal
EM está em melhor estado
ISS corre em direção à
escada ISS é pego pela
“bufada” na escadaVãos da escada
são abertos
ISS volta ao localISS sofre 1ª
queimadura
ISS agacha-se e protege
face D
?
?
?
“Surpresa fundamental” Retomada da
compreensão: parceria
ATs
O que as propostas enfatizam?
A Teoria do Acidente Normal
Teoria do acidente normal: complexidade sistêmica
• Interações (e sistemas) lineares e complexas
• Interligação (coupling) frouxa e estreita
• Risco sistêmico (versus riscos de componentes)
• O pessimismo de Perrow: Acidentes inevitáveis
Acidente Normal• Face a complexidade interativa e interligações
estreitas múltiplas e inesperadas interações de falhas são inevitáveis. Evento é disparado por falha banal.– Máquina de café - incêndio - queda de avião– Aviso de manutenção cobria alarme luminoso
em Three Mile island• Normal, não no sentido de freqüência ou de ser
esperado, e sim no de ser inerente ao sistema• Interações de falhas são inesperadas e
incompreensíveis em período de tempo crítico
• Erros às vezes parecem bizarros ao examinador externo mas tem explicação racional do operador
O Sr. J não pode ir ao local da reunião
A porta da casa fecha-se por simples batida
Os motoristas de ônibus estão em
greveTodos os táxis estão circulando
O Sr.J fecha a casa com a chave dentro
Sr.J deixa a chave do carro dentro de casa
O carro do Sr J está fechado
O carro do vizinho está quebrado?
Os ônibus não circulam
A chave reserva está com um amigo
O Sr. J sai apressado
O Sr. J fica em casa até
10:45h
O Sr. J tem reunião às 11h
?
??
Acide
nte
norm
al
Fatores independentes interagindo de modo
inesperado
ISS está na área do forno
ISS conhece localização dos dutos do forno
EM desconhece localização de
dutos do forno 10
Colega do operador do forno 10 ausente
EM está em forno 11 há 45 dias
ISS procura Oper. de máquinaCarvão de
abastecimento dos fornos está acabando
ISS abastece os fornos com carvão
O carvão é trazido por máquina
?
ISS oferece ajuda /
Operador de F10 pede que ISS ajude EM
Introdução à contribuição de Diane Vaughan: a normalização do
acidente
Passos formais da normalização• 1) Sinais de perigo potencial
• 2) Reconhecimento oficial do sinal como indício de aumento do perigo
• 3) Revisão de evidências: análises de engenharia, novos testes, quantificação de riscos
• 4) Ato oficial de conclusão da revisão normalizando o desvio: sinal considerado risco aceitável
• 5) Decisão de lançamento do foguete (operar o sistema com o risco conhecido)
Tipos de sinais e sua interpretação• Mistos (“ambíguos”)
– Sinal de perigo seguido de sinal de que tudo está bem
• Rotineiros – Sinais que ocorrem de modo recorrente.
• Fracos– Sinais sem clareza e ou considerados como
indicadores de evento de ocorrência improvável. Ex: frio afetando lançamento (p 87)
Introdução ao olhar da Ergonomia
Caracterização da Ergonomia
• Objeto • Atividade em situações reais de trabalho
• Mecanismos de regulação individual e coletiva da ação
Lima 2000
• Método • Observação participante e pesquisa etnográfica
• Entrevistas em autoconfrontação(registros finos da atividade e traços objetivos do comportamento)
Atividade, produção e saúde/carga de trabalho em situação que permite regulações
Desempenho reprogramando objetivos e meios
Regulações
Objetivos
Meios
Resultados
Estado interno
Modo(s) operatório(s)
• Controle antes da atividade: A “compreensão-ação” ou “Representação para a ação”
Gestão cognitiva do risco na atividadeAmalberti 1996
• Controle durante a atividade: “Representação pela ação”
Sim
Ajuste não previsto
Correção
Falha imprevista
Gest
ão c
om r
ecur
sos
não
ante
cipa
dos
Incompreensão, dificuldade
Busca compreensão
Resposta aceitável
Ação e vigilância da ação
Ajuste como
previsto
NãoSobrecarga
psíquica
Acidentes
Perda do controle
Fadiga, esgotamento
Gestão cognitiva durante a atividade
Falha prevista
Gestão com os recursos do plano
Ação e vigilância da ação
Princípio de gestão
Modelo de acidente
Natureza das causas
Tipos de resposta
Gestão de Erro
Gestão de desvios do desempenho
Gestão da variabilidade
do desempenho
Desenvolvimento é determinístico
(relação de causa-efeito)
Claramente identificadas (concepção causa-raiz)
Eliminação ou contenção das causas elimina os acidentes
Os acidentes têm causas latentes e
manifestas
Desvios ativos e latentes têm sinais claros
Suprimir desvios que levam aos acidentes
A variabilidade pode ser útil ou representar uma
ruptura
Origens da variabilidade podem ser
identificadas e monitoradas
Alguma variabilidade
deve ser ampliada; outra
reduzida
Três abordagens para a Gestão de Acidentes Hollnagel 2002
A Confiabilidade Segundo Llory
[...] o acidente está enraizado na história da organização: uma série de decisões, ou
ausências de decisões; a evolução do contexto organizacional, institucional,
cultural que interfere sobre o futuro do sistema; a evolução (a degradação) progressiva de condições ou fatores
internos à organização;
Modelo ou fases do acidente
• 1 Uma fase pré acidental ou período de incubação
• 2 A fase acidental propriamente dita
Llory 1999
• 3 Fase pós acidental ou de crise organizacional e social
Acidente é fenômeno revelador
• De realidades mascaradas [...] dentro do silêncio organizacional
• Que questiona as práticas, as idéias e as concepções da segurança, da organização do trabalho, da ergonomia dos postos de trabalho, dos sistemas prescritos de procedimentos, de melhoria e de intensificação da formação, ao reforço organizacional da resposta em caso de incidente [...]
Llory 1999
Condições para a “Segurança do chão de fábrica”
• O convívio, a manutenção da serenidade, a ausência de estresse, ou seja, a ausência do sentimento de urgência, o controle do medo
• Essas condições são asseguradas e mantidas pelo saber fazer do ofício (“savoir–faire demétier”) e saberes de prudência
Llory 1999
• Experiências de incidentes e de eventos do cotidiano [...] é organizada por regras e princípios não formais, que permitem fazer o trabalho e garantir a segurança.
Exemplos de princípios e regras da Segurança do chão de fábrica
• Organizacionais, coletivos– Compreensão, solidariedade, regras de
redundância em tarefas delicadas ou julgadas perigosas
Llory 1999
• Individuais– Efetuar tarefas com certa lentidão
controlando a velocidade de sua realização; regras de repetição ou de verificação de tarefas
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