CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | Nº 5 | julho de 2015
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CONCEITO ESTRATÉGICO DE SEGURANÇA E DEFESA – PORTUGAL NA NATO Portugal's National Strategy of Defense and Security within NATO - an approach RUTE GONÇALVES Mestranda em Direito e Segurança RESUMO
Propõe-se com este trabalho individual uma leitura transversal no que à participação
de Portugal na NATO concerne, contextualizando a abordagem numa estratégia nacional
de Defesa e Segurança em sede desta Organização Internacional, pela perspetiva do
Tratado de Lisboa. Após aprofundar a génese da Aliança enquanto organismo que
confere um pleno direito ao uso de legítima defesa contra um ataque armado por um
qualquer Estado soberano, tendo como objeto assegurar a liberdade e a segurança dos
seus Estados Membros (quer pela via política, como pela via militar) através do princípio
de assistência mútua em caso de agressão externa a um dos seus Estados Membros ser
entendida como uma agressão a todos os Estados signatários da Aliança. Com a
construção de novos Estados emergentes com a queda do muro de Berlim, este conceito
Estratégico teve a sua necessária revisão evolutiva, definindo-se novos desafios pela
Defesa coletiva europeia, abrindo a porta a novas adesões, face a enquadramentos
posteriores em que a NATO se envolveu relativamente a intervenções sentidas na região
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dos Balcãs. As Cimeiras da Aliança acentuaram o contexto da época, reforçando-se a
noção de ameaça e agressão com os iminentes ataques terroristas de então, originando o
documento “Desafios Emergentes em matéria de Segurança”. Ocorreu em Lisboa, em
2010, a Cimeira que ficou conhecida como aquela que orientava uma “Aliança para o
século XXI”, pela ótica da Segurança Cooperativa, baseando-se o conceito estratégico no
princípio da Defesa coletiva e da gestão de crises. Dois anos mais tarde, reflexo da
instabilidade económica vigente, o futuro da Aliança foi novamente colocado em
perspetiva pela Cimeira de Chicago, baseando-se na filosofia de uma “uma guerra
responsável”, considerando que a maior arma contemporânea é a informação, através
dos mass media.
PALAVRAS-CHAVE
OTAN, Conceito Estratégico de Defesa, Cimeiras da OTAN, Terrorismo, Defesa
Global, Segurança
ABSTRACT With this paper, a transversal reading concerning Portugal’s participation on NATO is
proposed by approaching the context of a National Strategy of Defense and Security
according to this International Organization’s definition, on the new perspective of the
Lisbon Treaty. After a deep study on the Alliance genesis whilst an organization that
allows the full legal right to use Self-defense against an armed attack by foreign States,
aiming to ensure the Liberty and Security of their State-members (politically or military
speaking), through Mutual Assistance Principles in case of an external aggression to one
of the State-members is understood as being an aggression to all of the signatory States
of the Alliance. After the Berlin’s wall fall and with the rising of new States, this strategic
concept added its necessary upcoming review, defining new European’s Common
Defense challenges, opening the door to new accessions facing other interventions on the
Balkans’ area where NATO was involved. The Alliance’s Summits accentuated those
time’s contexts, enforcing the notion of threat and aggression due to the imminent terrorist
attacks and leading to the document “Global Security Upcoming Challenges”. In 2010 the
Summit known as the “Alliance for the XXI century” was held in Lisbon, with the
Cooperative Security’s point of view, based in the strategic concept of Collective Defense
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Principles and Crisis Management. Two years later, as a reflex of the economic instability,
the future of the Alliance was put into perspective by the Chicago’s Summit, based on the
new philosophy of “responsible war” recognizing information and media to be the most
powerful weapons nowadays.
KEYWORDS NATO, Strategic Defense, Terrorism, NATO Summit, Global Defense System,
Security
1. Introdução
No contexto de uma complexa e profunda crise financeira e económica em que
vivemos e que partilhamos com os povos dos restantes países de quem somos parceiros
em outras tantas organizações e instituições como sucede com quase todos os aspetos
da nossa organização social e civilizacional, surgiu este desafio de abordar o contexto da
participação de Portugal na NATO numa perspetiva simultaneamente evolutiva e
conjuntural, contribuindo para uma reflexão mais completa e abrangente das
consequências e implicações recíprocas que se produzem quer no conceito estratégico
nacional de defesa e segurança quer do mesmo modo, e com a escala apropriada, nos
conceitos estratégicos que vão sendo delineados e revistos no seio da própria Aliança.
Considera-se que esta é uma componente importante para um estudo mais vasto
sobre a conceptualização desse mesmo conceito estratégico com influência bastante
direta na definição dos recursos a alocar às missões internacionais e na ponderação dos
compromissos que a nossa dimensão permite assumir de forma sustentada quer para não
comprometer a eficácia interna atual quer para manter em perspetiva que esses
compromissos não se podem cingir aos ciclos eleitorais e/ou governativos de cada país
nem extravasar as limitações orçamentais politicamente definíveis.
A pertinência desta reflexão acompanha não só este período de crise em que novas
entidades se assumiram na ordem mundial como decisivamente influentes – os mercados
(poderosos, dispersos e abstratos) e as novas potências emergentes (Brasil, alguns
países africanos e Ásia que trilham um caminho de afirmação que vai tendo efeitos no
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status quo global) – mas igualmente o escrutínio cada vez mais informado e exigente que
a opinião pública e o espaço mediático (na sua conceção mais lata – media
convencionais, redes sociais, blogosfera, etc) legitimamente veiculam e fomentam, num
incessante exercício de exigência de transparência e simultaneamente de racionalização
dos meios e dos recursos empenhados, reivindicando equilíbrio nesse exercício logístico.
Ao mesmo tempo, o posicionamento de Portugal na NATO face ao mais recente
conceito estratégico e na União Europeia com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa,
são também vetores de análise indissociáveis da presente reflexão.
Este estudo inicia por uma breve contextualização histórica do surgimento da
Organização, dos seus propósitos e do seu percurso estratégico e ideológico ulterior, por
forma a tornar mais percetível o caminho que tem sido seguido por comum acordo entre
os seus atualmente 28 países membros.
Sendo Portugal um dos países fundadores e estando diretamente envolvido em
operações militares regulares no terreno que constituem, desde o fim da Guerra do
Ultramar, os únicos teatros bélicos em que participam forças militares nacionais ganha
relevância o conhecimento e estudo do percurso estratégico da NATO e dos seus
membros para uma melhor apreensão e enquadramento do conceito estratégico de
defesa e segurança nacional.
Serão abordados em capítulos autónomos os principais temas e conclusões que
tiveram maior destaque nas Cimeiras recentes que ocorreram em Lisboa e posteriormente
em Chicago, quer pela atualidade e relevância na estratégia adotada quer por permitirem
uma leitura mais sustentada do passado e uma melhor compreensão dos objetivos
explícitos e implícitos nos conceitos futuros.
Segue-se uma abordagem integrada com o atual Conceito Estratégico de Defesa
Nacional e as considerações finais em que é incorporada igualmente alguma perspetiva
mais pessoal sobre esta problemática.
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2. Desenvolvimento
a. Breve enquadramento histórico
Espelho do tempo em que foi criada, 04 de Abril de 1949, e da ambivalência
internacional das línguas inglesa e francesa nesse período, a Organização ficou
conhecido tanto por OTAN como por NATO (North Atlantic Treaty Organization) ou ainda
por Aliança Atlântica sendo que, por um feliz acaso, a sigla francesa encaixa igualmente
bem na habitual designação portuguesa de Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Trata-se de uma Organização Internacional inspirada no Artº 51º da Carta das
Nações Unidas que estabelece o pleno direito à legítima defesa contra um ataque armado
por qualquer Estado soberano, individual ou coletivamente, e cuja configuração jurídica
está vertida no Tratado de Washington celebrado na data acima referida entre países da
América do Norte e da Europa bem como na manutenção do direito pleno à denúncia da
condição de membro por qualquer Estado (Artº 13º).
A referência ao Atlântico Norte remete desde logo para o papel que se pretende
consignar a este Mar, fundamentalmente cimentando a sua vocação para ponto de união
entre Continentes e povos que comungam valores civilizacionais semelhantes e que
desde o advento secular dos Descobrimentos tem progressivamente atenuado a sua
condição de obstáculo geográfico natural.
Os países fundadores foram a Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da
América, França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido
e a Aliança assenta desde esse momento no princípio da cooperação internacional e no
respeito pela igualdade jurídica dos seus Estados. Cada país preserva, no seio desta
organização intergovernamental de cooperação, as respetivas prerrogativas de soberania
e a salvaguarda de independência que o Direito Internacional estipula e reconhece,
estando definido que as decisões são tomadas por unanimidade e necessitam de
ratificação/transposição para os respetivos planos internos.
Os impulsos fundadores foram a vontade comum de assegurar a liberdade e a
segurança dos Estados membros pelas vias política e militar e interpretar cooperativa e
defensivamente a configuração política e a realidade geoestratégica militar que emergiu
da 2ª Grande Guerra e em especial a ameaça do Bloco soviético e do comunismo do
Leste europeu.
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Desta ameaça latente viria a resposta sob a forma de contrapoder, materializada no
dia 14 de Maio de 1955 na constituição de um Bloco militar semelhante chamado Pacto
de Varsóvia que pretendia agregar os apoiantes das ideologias socialista/comunista por
oposição ao capitalismo que viam como ameaça.1
Entre os seus membros contavam-se a URSS, a Polónia, Hungria, Bulgária,
Roménia, Alemanha Oriental e Checoslováquia (excluiu-se geograficamente a Jugoslávia
de Tito). A história haveria de registar premonitoriamente como principais intervenções
deste Bloco militar as ações de repressão de revoltas internas como a célebre Primavera
de Praga (1068) ou as revoltas de 1956 na Hungria e Polónia.
Os doze países fundadores da NATO foram os vencedores da 2ª Grande Guerra,
Portugal como Estado neutro e Itália como derrotada.
O objetivo da Aliança continua a poder ser resumidamente encontrado no Artº 5º do
Tratado de Washington e mantém-se essencialmente como o reconhecimento da
obrigação de assistência mútua no caso de agressão externa a um dos Estados membros
que será entendida como a qualquer um dos restantes.
Naturalmente, o seu próprio embrião constituinte (Benelux, França e Reino Unido
em 1948) em resposta às preocupações face à emergência de novos nacionalismos
fascistas e às ameaças de Leste encabeçadas pela URSS, associadas à necessidade da
1 Não sem que antes, em 1954, a URSS formalizasse um ambíguo e pouco divulgado pedido de adesão à
Aliança Atlântica. Ver em anexo excerto de documento desclassificado.
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parceria com o poderio americano enquanto fator dissuasor central, não limitavam as
ambições políticas e diplomáticas de cada Estado membro da Organização, o que ainda
hoje se observa.
A célebre frase do primeiro Secretário-geral2 da Aliança continua a ser, ainda hoje,
ciclicamente reinterpretada parecendo adaptar-se aos sucessivos cenários mundiais que
se vão desenhando e que, em última análise, fazem reconhecer necessidade e
legitimidade à existência e atuação da NATO e à intensa atividade diplomática de suporte.
"to keep the Russians out, the Americans in, and the Germans down"
Lord Ismay, 1949 (Secretário Geral da NATO)
No seguimento da queda do Muro de Berlim e do desmantelamento da URSS, a
Aliança passou por uma remodelação que foi refletida na Declaração de Roma (produzida
na Cimeira que decorreu nessa cidade em 1991) sobre Paz e Cooperação.
A primeira Cimeira que assumiu esse desiderato ocorreu em Roma nos dias 7 e 8 de
Novembro de 1991 e teve como “lema” Construir uma Europa de cooperação e
prosperidade refletido na Declaração sobre a Paz e a Cooperação. Esta primeira revisão
do Conceito Estratégico da NATO ocorreu no pós-Guerra Fria, com a queda do muro de
Berlim (1989) e o fim do Pacto de Varsóvia (Julho de 1991) a que se seguiu uma
reorganização militar dos países do Leste europeu que reconfigurou todas as perspetivas
estratégicas herdadas da Guerra Fria.
A Rússia conseguiu manter uma presença política e militar centralista e forte no
novo bloco militar que emergiu com a CEI (Comunidade dos Estados Independentes)
ainda que continuando a investir na sua própria capacidade militar autónoma,
posicionando-se dessa forma no plano geopolítico e diplomático nas duas frentes e
conseguindo assim manter o seu estatuto de superpotência mundial.
Esta sucessão de acontecimentos políticos de grande envergadura exigiu dos
membros da Aliança a definição de novos desafios dos quais se destacaram a promoção
do diálogo com os antigos adversários (agora “libertos” dos compromissos do Pacto), a
2 1 A escolha da designação Secretário-geral reveste-se de particular significado pois é devedora da
tradição iniciada nos anos vinte do século passado pela Sociedade das Nações a que a ONU daria continuidade ainda antes da NATO. O termo remete para a lealdade institucional que se espera do dirigente e do seu staff para com a Organização Internacional antes de para com qualquer nação em particular.
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definição de estratégias de cooperação para a prevenção de conflitos, incentivo e apoio
ao desarmamento (um embrião da transição de defesa para segurança) e a tónica na
defesa coletiva europeia (a CSCE, Conferência de Segurança e Cooperação Europeia)
face a novos desafios/ameaças emergentes.
A NATO conta, atualmente, com vinte e oito Estados membros que são Albânia,
Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estónia, França,
Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Países Baixos,
Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Turquia, Reino
Unido, Estados Unidos.
Países membros da NATO (fonte – Wikipedia)
Em Abril de 1999, em Washington, ocorreu nova Cimeira da NATO para definir o
Conceito Estratégico num enquadramento político-militar em que a Aliança se envolveu
na região dos Balcãs e aceitou a adesão da Polónia, Hungria e República Checa. O
objetivo era mais uma vez dar a conhecer o novo posicionamento político e encontrar as
bases para um ambiente estratégico seguro e estável que estancasse a turbulência
política daquela região da Europa.
As outras Cimeiras (de Lisboa e de Chicago), pela sua influência no atual conceito,
são tratadas em capítulos autónomos mas ambas estiveram ligadas igualmente à
necessidade de clarificação do posicionamento da Aliança face à evolução do conceito de
ameaça global que os ataques terroristas nos EUA em 2001 e a consequente invasão do
Iraque representaram.
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A filosofia essencialmente militar da ação da Aliança Atlântica passou então a
incorporar novas valências que se ajustavam melhor aos processos de construção
europeia, de cooperação (que viriam a revelar-se absolutamente essenciais na
prossecução dos objetivos estratégicos de preservação da paz mundial) e de contribuição
mais genérica para a prosperidade dos Aliados.
Um dos pilares estratégicos e políticos da Aliança reforçado nestas Cimeiras é a sua
política de “porta aberta” a novas adesões (regulada no Artº 10º do Tratado fundador)
aliada a uma política abrangente de relações de cooperação bilateral que se tem vindo a
intensificar e que permite, sem desvirtuar o conceito fundador da Organização, envolver
novos Estados de diferentes regiões do Globo conferindo amplitude geopolítica aos
objetivos definidos pelos seus membros e a prossecução de uma estratégia proactiva de
defesa e de antecipação preventiva de possíveis cenários de potencial ameaça. No
âmbito dessas parcerias veja-se o mapa abaixo:
Mapa global dos Estados membros e parceiros da NATO.
A estrutura interna da Organização é particularmente complexa quer ao nível militar
(continuando a densificar-se e disseminar-se significativamente com o tempo) quer
também na sua componente civil em que se inserem o Conselho do Atlântico Norte
(composto pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros ou da Defesa de cada País,
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consoante o caso, e que é a entidade de Direção Superior) e o Secretariado, uma
componente militar vasta (não integrada pela França e pela Espanha) e ainda a
participação de Agências e outras Organizações. O Quartel-General é em Bruxelas.
As atuais principais intervenções regulares operacionais das forças da NATO
localizam-se na Europa continental (Bósnia, Kosovo), no Afeganistão e em África
(segurança da União Africana) e ainda, em teatros de operações navais, no Atlântico
Norte, Mediterrâneo (Estreito de Gibraltar ou Active Endeavour, por exemplo) e na costa
oriental africana, no combate ao fenómeno da pirataria.
Em termos históricos, conforme foi mencionado, a Aliança tem vindo a fortalecer o
objetivo de interpretar com atualidade, latitude e projeção os acontecimentos geopolíticos
(e cada vez mais os sociais, económicos e outros) por forma a reorientar as suas
estratégias e manter a sua posição dominante em termos de Blocos de Defesa militar
mundiais.
Paralelamente, e em especial a partir do mandato do dinamarquês Rasmussen
como Secretário-geral (Agosto de 2009), a NATO reforçou as noções de ameaça e
agressão potencial passíveis de despoletar uma resposta por parte dos Aliados, com a
definição estratégica dos desafios para o século XXI, que designou de “Desafios
Emergentes em Matéria de Segurança” e a criação de uma nova divisão interna,
agrupados da seguinte forma:
- a proliferação do terrorismo e das armas de destruição em massa;
- o crime cibernético
- a pirataria marítima
- a energia e a segurança ambiental em larga escala.
A inclusão destas ameaças constrói um novo tipo de conceito, mais transversal e
dinâmico, que não se cinge a uma região do Globo e que nem sempre apresenta uma
estruturação tipicamente militar.
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A NATO reforça assim o seu estatuto de principal Organização Internacional de
defesa do Mundo projetando-se para o século XXI com a ambição de adaptabilidade e
flexibilidade que parece ser timbre destes tempos.
b. A Cimeira de Lisboa
Sob o slogan “Uma Aliança para o Século XXI”, os membros da NATO reuniram-se
na capital portuguesa nos dias 19 e 20 de Novembro de 2010 para uma revisitação que
se afigurava como essencial do conceito estratégico. O objetivo comum de pacificação
pela via defensiva mantinha a sua centralidade e este Encontro buscava uma revisão
evolutiva, uma leitura modernizadora que lançasse a Organização no século XXI.
Mantendo inalterado o objetivo fundador do Tratado de Washington (aliás nas linhas
dos anteriores conceitos de 1991 e 1999), tratava-se portanto de adotar um novo conceito
estratégico que permitisse posicionar os meios da Aliança num quadro novo de ameaças
à liberdade e segurança dos seus membros.
Assim, este conceito estratégico assentou no princípio da defesa coletiva (artº 5º do
tratado fundador, salvaguarda da liberdade e segurança dos membros, por meios
militares e políticos), na gestão de crises (pelo empenhamento de meios antes, durante e
depois dos conflitos, abrindo assim uma nova vertente na atuação da Aliança, a
componente civil) e na segurança cooperativa.
A segurança cooperativa teve forte pendor nesta Cimeira e traduziu uma inflexão
muito relevante na condução político-diplomática da estratégia dos Aliados. Materializa-
se, no essencial, no estabelecimento e aprofundamento de parcerias bilaterais com
países e organizações de que são exemplo a própria União Europeia ou a ONU. Ao nível
dos países revestiu-se de particular importância o esforço de cooperação encetado com
os Estados da antiga URSS, a Ucrânia, a Geórgia e, destacadamente, a Rússia. Esta
cooperação visou, em concreto e entre muitos outros aspetos, o controlo do armamento
nos países do Antigo Bloco de Leste numa política de “manter os inimigos próximos” e na
afirmação do reforço da estratégia de “porta aberta” da Aliança aos países europeus
democráticos que cumpram os critérios de adesão.
O destaque para a relação bilateral com a Rússia foi dado na promoção de uma
Cimeira bilateral (que ocorreu em paralelo) em que foi afirmada uma posição comum
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sobre a segurança mundial, designadamente quanto ao compromisso sobre a não
proliferação de arsenais nucleares (NPT – Non-Proliferation of Nuclear Weapons), o
combate ao narcotráfico à escala global, ao terrorismo e à pirataria. Ensaiaram-se
igualmente declarações de cooperação sobre a implementação de sistemas antimíssil.
Desta Cimeira, que decorreu já em circunstâncias de fortes restrições económicas,
saiu também a decisão de retirada das forças da NATO do Afeganistão em 2014 que não
foi alheia aos condicionamentos na maioria dos orçamentos de defesa dos seus membros
(também ao nível da restruturação interna foram anunciadas decisões no sentido da
racionalização das estruturas).
Quanto ao plano de retirada militar do Afeganistão, primeiro país em que a NATO
interveio localizado fora do território de qualquer dos seus membros, fez-se acompanhar
de uma nova abordagem em matéria de conceito de defesa, apresentando um
compromisso com a transição para um conceito de organização de segurança por forma a
não abandonar o combate ao fenómeno terrorista de dimensão mundial com origem nos
campos de treino dos talibãs após a saída.
Sinteticamente, como concluiu o Secretário-geral Rasmussen no final da Cimeira
lateral com a Rússia, as partes acordaram em não impor nenhuma ameaça mútua e
identificaram inimigos comuns – terrorismo, armas de destruição massiva e pirataria – o
que permite reforçar a cooperação.
c. A Cimeira de Chicago
Menos de dois anos depois da Cimeira de Lisboa e continuando a refletir a
instabilidade económica que entretanto se tornou paradigma de dimensão global
contagiando os planos da segurança transnacional e regional, os membros da Aliança
avançaram para uma nova reunião ao mais alto nível que desta feita teve lugar na cidade
americana de Chicago, nas datas de 20 e 21 de Maio de 2012.
Novamente na ordem da discussão esteve o futuro da própria Aliança, em concreto
o rumo a seguir para impedir o mais possível a migração dos fatores de crise económica
para uma crise de segurança de dimensões preocupantes a que fosse possível
responder, com preparação e antecipação, com uma NATO mais forte e sedimentada.
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Em cima da mesa, igualmente, a questão do Afeganistão na perspetiva de uma
análise melhorada e assente em dados mais trabalhados sobre a real dimensão da
ameaça terrorista latente e a logística que a suporta no terreno.
Sobre esta matéria, que rapidamente se tornou a principal e mais mediática, os
Estados adotaram a decisão consensual de prolongar a permanência militar no terreno
para além de 2014, assentindo em que a ameaça terrorista estaria longe de estar
controlada e muito menos eliminada.
Naquela que viria a ficar conhecida como a “Decisão Obama”, por ter sido enunciada
pelo Presidente Americano, a NATO assumiu que a retirada militar do Afeganistão
obedeceria a um novo paradigma estratégico a que chamou de “guerra responsável”.
De forma simplificadora, o plano de retirada dos Aliados passou a prever um período
de transição do controlo militar para as autoridades nacionais locais, seguido de um
período de acompanhamento (que inclui ações de treino, de formação e equipamento das
forças) e, por fim, o cessar das ações armadas no terreno. A apresentação deste plano
concreto foi um dos momentos de maior relevância desta Cimeira pois não só assumiu
claramente que a Aliança está determinada em retirar militarmente do Afeganistão, como
também, com uma frontalidade que desafia a diplomacia regular, assumiu os erros que
foram cometidos no passado recente, designadamente no teatro de operações do Iraque
e na questão de Guantánamo, que continua a ser internacionalmente muito sensível.
Á margem desta questão central, mas com ligação com a mesma, foram abordados
igualmente o tema da “defesa inteligente” que de algum modo evidenciou a
suscetibilidade da Aliança às dificuldades orçamentais que os Estados membros faziam
refletir nos seus orçamentos de defesa, fruto dos efeitos que a crise económica global
obrigava a redimensionar. Este conceito de defesa procura orientar cada Estado a calibrar
a sua contribuição para a Organização em função dos recursos que consegue manter
disponíveis, abrindo a possibilidade de considerar diferentes tipos de recursos (meios
humanos, equipamentos, verbas, serviços, outros) que, numa avaliação conjunta,
permitam manter semelhantes níveis de capacidade militar de apoio rentabilizando as
valias individuais.
Outro aspeto muito importante, ainda que não tenha sido devidamente refletido em
alguma comunicação social menos especializada, foi o debate que se iniciou
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(ironicamente, com grande influência do Presidente americano) em torno da questão do
reequilíbrio da relação transatlântica no que respeita à balança de liderança.
Não se tratou de uma qualquer disputa de supremacia interna, que poderia ser
prejudicial, mas antes de uma assunção visionária e diplomaticamente muito relevante de
reconhecer a proximidade geográfica inquestionável e a convivência cultural milenar dos
povos europeus com o Mundo Árabe e de como essa partilha poderia e deveria ser
jogada politicamente para benefício dos Aliados. Aguardemos que o tempo esclareça se
também neste desafio a União Europeia se conseguirá afirmar e até que ponto será
aproveitado este impulso para fortalecer os pilares da segurança e da defesa na
construção do espaço europeu.
A questão da adoção do mecanismo conhecido como “Pooling and Sharing” foi,
assim, lançada pelos EUA e pela NATO aos Estados signatários. Este regime de partilha
de capacidades militares levanta diversos obstáculos na maioria dos Estados signatários
que estão constitucionalmente vinculados a conceitos de soberania bastante restritivos
em matéria de defesa nacional.
Por fim, resumindo os tópicos de maior relevância, foi dado seguimento á questão
bilateral iniciada em Lisboa, da relação com a Rússia, procurando aprofundar aspetos
relacionados com a implementação do sistema de defesa antimíssil e mantendo a
estratégia de proximidade diplomática.
d. Portugal – estratégia de participação
Atualmente a participação de forças militares portuguesas em operações regulares
no âmbito da NATO inclui os seguintes teatros:
- SFOR (Stabilization Force – Bosnia Herzegovina)
- KFOR (Kosovo Force)
- ISAF (International Security Assistance Force – Afeganistão)
- STANAVFORLANT (Standing Navy Force in the North Atlantic)
- Active ENDEAVOUR (Operação naval no Mediterrâneo)
- SNMG (Standing NATO Maritime Group)
- STROG (Standing NATO Maritime Gibraltar)
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A participação portuguesa nos diversos cenários referidos não pode ser desligada
do sentido de globalidade que carateriza o mundo em que nos inserimos e que deve ser,
necessariamente, refletido no conceito nacional estratégico de defesa e segurança.
A nossa dimensão nacional e regional não escapa à crescente complexidade e
transversalidade das ameaças globais. Se é verdade, e devemos desejar que continue a
ser o paradigma, que acontecimentos da dimensão dos ataques terroristas em Nova
Iorque, Madrid ou Londres não se registaram em território nacional também é verdade
que não devemos ficar à espera que venham a ocorrer para reagir em vez de prevenir.
O conceito estratégico de defesa e segurança deve cada vez mais conter uma
componente preventiva ou, talvez mais acertadamente, proactiva de antecipação às
ameaças.
Refere o documento publicado pelo Governo de Portugal que “…o conceito
estratégico de defesa nacional define os aspetos fundamentais da estratégia global a
adotar pelo Estado para a consecução dos objetivos da política de segurança e defesa
nacional…”3
Portugal deve adotar estratégias que no plano interno reconheçam a inescapável
realidade de integração crescente e multifacetada de todos os setores da sociedade, do
papel central que a informação e a sua velocidade de difusão assumem na emergência
de fenómenos criminosos que facilmente ganham dimensão de ameaças à segurança do
Estado.
As ameaças emergentes implicam abordagens holísticas e abrangentes, que
envolvam não só respostas de natureza eminentemente militar se necessário mas
também política, diplomática, económica (veja-se, por exemplo, a opção pelas sanções no
recente caso do conflito entre a Rússia e a Ucrânia) e mesmo tecnológica ou científica.
Igualmente, Portugal deve de ter presente (como os seus parceiros na Aliança, em
sentido recíproco) que uma das marcas caraterísticas nas novas ameaças reside no seu
direcionamento preferencial para países conotados com a globalização. Por outras
palavras, a forma como os países do chamado “mundo ocidental” são vistos, numa “aldeia
global” em que os efeitos de um ataque sobre um país rapidamente se propagam pelos
3 Excerto do Conceito Estratégico de Defesa Nacional do Governo de Portugal
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demais, acrescenta um efeito de imprevisibilidade geográfica de um eventual ataque
(terrorista, cibernético ou outro) a praticamente todos os Aliados.
A estrutura tradicional de defesa e segurança, quer ao nível político-diplomático quer
ao nível da cultura estratégica nacional e da própria NATO enquanto aliança político-
militar de defesa vocacionada para as ameaças territoriais e contra a soberania, está
questionada pela evolução dos acontecimentos e do paradigma mundial
(Hatzigeorgopoulos, 2012).
Nesta perspetiva, a relação aberta e de plena cooperação com os parceiros NATO é
um fator de mútua vantagem essencial e é também valorizado (no Conceito Estratégico
de Defesa Nacional) como ideia nuclear do envolvimento nacional no processo de
“coprodução de segurança internacional”.
Adicionalmente a participação em teatros de operações como o Afeganistão ou as
complexas regiões dos Balcãs, por exemplo, elevam os ganhos ao nível da
aprendizagem, da experiência e da obtenção de informação a patamares de importância
que vão muito para além dos tradicionais e mais herméticos conceitos de defesa.
Igualmente, e de forma nenhuma desprezível, a participação nestas operações
regulares representa uma mais-valia operacional que seria inigualável para países com a
dimensão e a conjuntura política e militar de Portugal quer ao nível da experiência
adquirida em teatros reais, quer por exemplo ao nível das melhores práticas logísticas, do
contato com equipamento militar de última geração, etc 4
As experiências militares prolongadas que as forças da NATO mantêm, por
exemplo, na região dos Balcãs (e nas quais Portugal está integrado) têm sido de
importância nuclear na perceção da centralidade que a relação com as populações civis e
com a opinião pública têm na estratégia de atuação regional e têm tido reflexo evidente
nos mais recentes conceitos que os Estados subscreveram em Lisboa e em Chicago.
As atuais ameaças terroristas, por exemplo, contêm uma forte componente de
miscigenação com a sociedade civil quer na sua atuação quer mesmo na sua
organização e dispersão jogando com fatores a que convencionalmente não era atribuída
tanta relevância no âmbito do planeamento essencialmente militar das intervenções.
4 Contributo essencial para manter os níveis de operatividade e de segurança das forças militares nacionais
com exigências quanto aos graus de prontidão apenas possíveis com a participação em operações regulares reais e muito em particular desde que se começaram também a observar os efeitos negativos resultantes do fim do serviço militar obrigatório (mais evidentes em tempos de crise)
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Desse ponto de vista, a participação de forças portuguesas nas operações da NATO
deve ser aproveitada e essa experiência acumulada deve ser vertida no conceito
estratégico de defesa e segurança – os militares da NATO interagem com as populações
civis e prosseguem mesmo objetivos de natureza social, económica ou política que
devem procurar ajudar a atingir.
O Strategic NATO Concept (2010: 5-9) salienta a relevância dessa aprendizagem
(em especial nos Balcãs e no Afeganistão) para a adoção de estratégias inclusivas (civis
e militares) como elemento determinante para o sucesso das ações de gestão de crises.
Também para o nosso plano interno é importante transpor esta ideia de que a
confiança construída junto das populações é um elemento chave no sentimento de apoio
às forças armadas e no sentimento de segurança que as populações devem procurar
junto destas em eventuais cenários de ameaça.
O papel das redes sociais, dos media e o conhecimento dos mais recentes meios de
comunicação é igualmente essencial para controlar aquele que deve ser encarado como
o maior poder dos nossos dias – a informação.
No campo da diplomacia política, Portugal (como os restantes países europeus
membros da NATO) posiciona-se de forma ambivalente entre as exigências da sua
própria soberania, as expetativas dos seus parceiros na Aliança Atlântica e os
compromissos com os restantes Estados membros da União Europeia. Estabelecer a
“ponte” entre estes três desempenhos não é tarefa fácil.
A NATO, Portugal incluído, tem procurado integrar a União Europeia nas suas
ações, especialmente políticas e diplomáticas. Desde logo quando se estabeleceu como
parceira numa relação bilateral que se tem aprofundado recentemente.
A cooperação, no entanto, mantém-se ainda descentralizada nos Governos dos
Estados por diversas razões entre as quais a incapacidade notória que a UE tem revelado
em dar respostas aos “Desafios emergentes em matéria de segurança” e por limitações,
por ora inultrapassáveis, de natureza social, política e cultural que se podem associar às
soberanias próprias do modelo Estado-nação que carateriza a maioria dos Estados
europeus desde o século XIX.
Efetivamente, os Estados têm-se confrontado com uma União excessivamente
burocratizada, institucionalmente complexa, ineficiente ao nível da coordenação política
interna e pouco relevante no plano das decisões sobre política externa. Quanto aos
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orçamentos de defesa, reflexo das políticas nacionais e dos conceitos estratégicos,
continuam dispersos e sob a soberania individual de cada Estado até porque o conceito
comum é pouco mais que teórico.
Numa análise possível dir-se-ia que a União Europeia se mantém relativamente
protegida face às novas ameaças à segurança muito mais graças ao fato da maioria dos
seus Estados membros serem também membros da NATO do que propriamente à
propalada construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça que tem tido, na
componente de defesa, um pilar ainda muito pouco sólido.
Resulta assim claro que a participação de Portugal na NATO continua a ser
desejável, necessária e atual sendo que está longe de ser possível afirmar que os custos
dessa participação sejam desproporcionados face às mais-valias recolhidas, assim seja
possível integrá-las com sabedoria no conceito estratégico de segurança e defesa
nacional.
3. Considerações finais
Uma visão abrangente e informada sobre o conceito estratégico de segurança e
defesa nacional deve partir da aquisição plena do posicionamento que o país ocupa na
sua relação com os diversos atores internacionais e com os seus parceiros nas diversas
organizações que, ao longo da história mais recente, têm passado a fazer parte do acervo
político e diplomático que nos carateriza.
Revelar-se-ia um exercício de difícil coerência tentar uma análise interpretativa ou
explicativa sobre os recursos investidos para manter as atuais participações de forças
militares portuguesas nos teatros em que estão destacadas, sem atender à importância
social, económica e militar que resulta de pertencermos (e cooperarmos ativamente)
numa organização internacional de defesa coletiva com a dimensão da NATO.
Este desafio que a definição do conceito estratégico nacional representa não pode
evidentemente, sob pena de perder a sua credibilidade e coerência de finalidade,
desligar-se da componente essencial e (ainda) primeira que são as “realidades
conhecidas e identificáveis dos compromissos nacionais formalizados legalmente”5 bem
como da gestão inteligente que deve ser prosseguida em relação ao “triângulo
5 Professor Adriano Moreira in artigo de opinião DN, 11 de Dezembro de 2012
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estratégico” geográfico que o continente forma com os arquipélagos das Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira.
Reconhecendo as diferentes vocações das Instituições a que pertencemos e não se
afigurando (num horizonte temporal previsível) qualquer dificuldade de conciliar a nossa
participação simultânea na União Europeia, não é porém prudente separar totalmente os
contributos que ambas as Organizações (em moldes distintos) representam para as
nossas opções estratégicas e que cada vez mais se complementam e interligam.
O reconhecimento dessa globalidade e transversalidade é bem patente nos
“Desafios Emergentes em matéria de segurança” que foi, sem grande surpresa, acolhido
como documento fundamental para o reforço do pilar europeu da defesa conjunta.
Com os problemas internos que se lhe reconhecem e que, na atual situação de crise
económica e financeira se têm tornado mais visíveis se não mesmo agudizado, as
Instituições europeias das quais Portugal é membro de pleno direito não têm mostrado a
flexibilidade e agilidade diplomáticas e políticas que os países encontram na estrutura da
Aliança Atlântica nestas matérias.
A UE apresenta uma excessiva burocracia interna, aliada a uma pesada e complexa
máquina administrativa na qual os diferentes intervenientes políticos não conseguem
articular-se com o mesmo pragmatismo em matéria de construção de uma política comum
de defesa, reconhecendo porém os mesmos vetores estratégicos de atuação que no seio
da Aliança Atlântica afirmam como atuais. Denota-se, muito para além das óbvias razões
orçamentais, uma falta de liderança política na União (Myrto Hatzigeorgopoulos, 2012).
A reflexão futura, política, sobre esta incontornável relação que se vai estabelecendo
entre as duas Organizações Internacionais por via da condição de dupla ratificação em
que muitos Estados, como Portugal, se encontram não permite um caminho de costas
voltadas e afigura-se como um dos percursos estratégicos mais determinantes para a
consolidação sustentada do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça ambicionado.
As ameaças que emergiram nos últimos 15 a 20 anos constituem um novo desafio
de transversalidade, de globalização e até de priorização (Brito, 2008) que desafiam os
países e os povos a unirem-se na busca de novas respostas, menos convencionais, e
que convocam mais e diferentes recursos.
A título de referência merecem destaque a questão da Primavera árabe (ainda em
curso e porventura ainda distante da sua dimensão mais preocupante) pelos efeitos de
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instabilidade no plano das migrações humanas, da disseminação de elementos de
organizações terroristas que ali proliferam (e noutras regiões de África) pelo interior da
Europa e pela tentação crescente de optar pela solução da “fortaleza europeia”6 criando
uma tensão no Mediterrâneo com efeitos, por enquanto, difíceis de prever7.
As situações de risco incalculado (ou pelo menos insuficientemente acautelado)
sucedem-se e são um bom exemplo do tipo de ameaça global que deve ser refletida num
documento como o conceito estratégico de segurança e defesa, demonstrando na prática
a pertinência do muito trabalho que está ainda por fazer, também no plano interno. Como
exemplo atente-se ao recente caso da aterragem de um avião comercial oriundo da Guiné
Bissau que transportou 74 cidadãos sírios para o aeroporto de Lisboa em 2013. Este
caso, bastante noticiado (embora insuficientemente explicado, talvez até para não criar
circunstâncias de alarme social) é bem ilustrativo da ineficiência do modelo em vigor,
ainda muito mais reativo do que preventivo, e que coloca um Estado (e, por via da
legislação Schengen, toda a União Europeia) numa situação de gravíssimo risco em
matéria de segurança interna (considere-se apenas a circunstância de essa mesma
aeronave, em vez de migrantes sírios, transportar explosivos com o objetivo de perpetrar
um ataque terrorista).
Pelo exemplo acima (publicamente ultrapassado pela atualidade noticiosa) se pode
constatar facilmente que as ameaças emergentes não se compatibilizam com
entendimentos estanques em matéria de defesa e de segurança e que, cada vez mais, é
na informação e no seu tratamento que reside uma parte essencial da gestão da
capacidade defensiva de um Estado.
Igualmente, ainda que à data de redação deste trabalho a análise da situação seja
prematura, o conflito que recentemente se iniciou (pelo menos abertamente) com a
anexação militar da região da Crimeia pelas forças russas deve constituir motivo de
intensa reflexão estratégica e de esforço político e diplomático incessante pois adivinha-
se nova pressão sobre a União Europeia, desta vez nas fronteiras a Leste.
Em resumo, e porque a apaixonante análise de cada um destes temas daria uma
dissertação por si só, cabe no âmbito da reflexão que aqui se prossegue concretizar a
ideia de que nas futuras revisões do conceito estratégico de segurança e defesa nacional,
6 Expressão que entrou no debate a propósito da questão dos refugiados e da pressão migratória
7 O número de pedidos de asilo de migrantes oriundos destas regiões, bem como a pressão migratória junto
das fronteiras europeias no Mediterrâneo encontra-se nos seus valores mais elevados de sempre.
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teremos de saber posicionar-nos no plano interno num equilíbrio entre a resposta eficiente
às ameaças e a gestão comedida e sustentada dos recursos mas cada vez mais
compreender a nossa relevância estratégica enquanto parceiro que assume sem
complexos a sua capacidade orçamental mas igualmente capaz de evidenciar a
importância dos recursos geográficos ou humanos que possui e aqueles que pode
disponibilizar procurando continuar a firmar compromissos que não eclipsem a imagem do
Estado internacionalmente mas antes prestigiem e projetem o país.
Pessoalmente, da reflexão e estudo que desenvolvi sobre esta matéria,
acrescentaria ainda que me parece essencial que qualquer documento que corporize um
conceito estratégico de defesa e segurança nacional deve ter duas características
fundamentais para além das já referidas.
Deve ser flexível, ou seja, deve poder ajustar-se e alterar-se com a dinâmica e com
a rapidez necessárias para acompanhar a evolução das ameaças emergentes, a sua
transnacionalidade, permanente mutação e complexidade estrutural bem como conceder
o espaço suficiente para abordagens holísticas e pluridisciplinares dos fenómenos e das
respetivas respostas, afastando visões e posturas mais convencionais e porventura mais
herméticas e estáticas.
Em segundo lugar, julgo ser da maior importância a capacidade de adaptação das
Instituições à instabilidade que a nova ordem mundial transformou em paradigma
(especialmente no plano económico) encarando com seriedade e humildade as
dificuldades de responder com os mesmos recursos aos compromissos assumidos no
passado (propondo contributos alternativos) e trabalhando internamente no reforço de
parcerias que estimulem a preservação do conhecimento e fomentem a inovação no
plano do capital tecnológico e científico8
A nossa histórica vocação atlântica, a nossa proximidade com as ex-colónias (África,
Ásia e Brasil) e, evidentemente, a nossa condição de europeus devem estar refletidas nas
nossas opções estratégicas pois são parte muito relevante da contribuição que podemos
proporcionar na construção de um conceito estratégico que se quer nacional mas
necessariamente devedor de uma realidade global em que nos inserimos e que, em
última análise, permita uma resposta tranquilizadora, sustentável e eficaz aos novos
desafios emergentes em matéria de segurança e defesa.
8 Cooperação estreita entre a rede de ensino militar e as Universidades, por exemplo.
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4. Bibliografia:
- AAVV, O Direito da Defesa Nacional e das Forças Armadas (coord. de Jorge Miranda e
Carlos Blanco de Morais), edições Cosmos, IDN, Lisboa, 2000
- AAVV, Estudos de Direito e Segurança (org. de Jorge Bacelar Gouveia): I vol., Almedina,
Coimbra, 2007; II vol., Almedina, Coimbra, 2012
- AAVV, Contributos para um Conceito Estratégico de Defesa Nacional (coord. António
Figueiredo Lopes, Nuno Severiano Teixeira e Vítor Rodrigues Viana), IN-CM-IDN, Lisboa,
2012
- AAVV, Segurança e Defesa Nacional – um conceito estratégico (coord. Luís Fontoura),
Almedina, Coimbra 2013
- Brito, Wladimir (2008) Direito internacional público, Lisboa: Coimbra Editora.
- Ferreira, Maria João Militão (2005) A Política externa europeia. Uma reflexão sobre a
União Europeia como actor internacional, Lisboa: ISCSP-UTL.
- Velasco, Manuel Diez de (2008) Las organizaciones internacionales, 15ª edição, Madrid:
Tecnos.
- Gaspar, Carlos (2010) O Conceito Estratégico da Aliança Atlântica, in Nação & Defesa,
N.º 126 – 5.a Serie pp. 9-36.
- Santos, José Alberto Loureiro dos (2010) O Conceito Estratégico da Nato: Superar
Contradições, Manter a Coesão, in Nação & Defesa, N.º 126 – 5.a Serie, pp. 37-46.
- Serronha, Marco Paulino (2010) A Cimeira de Lisboa: uma NATO para o Século XXI, in
Nação & Defesa, N.º 126 – 5.a Serie pp. 67-92.
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- Campos, João Mota de (2010) Organizações Internacionais. 4.ª Ed. Coimbra: Coimbra
Editora
- Cabrita, Luís Xavier (2011) Organização do Tratado do Atlântico Norte, in Ribeiro,
Manuel e Coutinho, Francisco e Cabrita, Isabel (Coord.), Enciclopédia do Direito
Internacional. Coimbra: Almedina. pp.334/335.
- Pereira, André Gonçalves; Quadros, Fausto – Manual de Direito Internacional Público,
Almedina 2009
5. Webgrafia:
http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/NATO/Tratado_NATO.htm
http://www.isis-europe.eu/sites/default/files/publications-downloads/esr54-EU-
NATOemergingchallenges-May%202012%20MH.pdf
http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1669/1/NeD67_NunoMiraVaz.pdf
http://www.nato.int/cps/en/SID-3CA3A393-15B94260/natolive/structure.htm#MS
http://www.infopedia.pt/$nato
http://www.nato.int/cps/en/natolive/index.htm
http://visao.sapo.pt/afinal-o-que-e-a-nato=f579770. 27.04.2013
http://pt.wikipedia.org
http://www.internationaldemocracywatch.org/index.php/north-atlantic-treaty-organization
http://www.emgfa.pt/pt/operacoes/missoes/oae-mediterraneo/oaportuga/
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http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=2939121&seccao=Adriano%20Mo
reira&tag=Opini%E3o%20-%20Em%20Foco
http://www.defesa.pt/Documents/20130405_CM_CEDN.pdf
http://www.nato.int/cps/en/SID-36224D2F-56FD647D/natolive/nato_countries.htm
http://smallwarsjournal.com/blog/lord-ismay-restated
http://www.nato.int/
http://www.operacional.pt/numeros-da-defesa-nacional-nos-paises-da-nato-e-em-portugal/
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6. Anexos
Anexo 1 – excerto de uma Nota difundida pelo Governo soviético a países da NATO na
data de 01 de Abril de 1954 (propondo a sua admissão na Aliança em vésperas
da criação do Pacto de Varsóvia)
Fonte: http://www.nato.int/ (cons. 2014)
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Anexo 2 – alguns dados financeiros relevantes extraídos do sítio da NATO (Setembro
2012)
Gasto anual por habitante (em US dólares).
Luxembourg 87.168
Norway 55.835
United States 47.285
Netherlands 41.699
Canada 39.432
Denmark 38.960
Germany 38.093
Belgium 37.126
Iceland 35.833
United Kingdom 35.826
France 34.458
Spain 32.409
Italy 32.400
Slovenia 28.171
Greece 28.065
Czech Republic 26.176
Portugal 25.568
Slovak Republic 24.170
Hungary 20.722
Poland 19.766
Estonia 20.541
Croatia 19.974
Lithuania 17.531
Turkey 15.338
Romania 14.114
Latvia 16.333
Bulgaria 14.113
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Albania 7.381
Gastos com a defesa em percentagem do PIB
United States 5.4
Greece 2.9
United Kingdom 2.7
France 2.0
Albania 2.0
Poland 1.9
Turkey 1.9
Estonia 1.8
Bulgaria 1.7
Slovenia 1.6
Portugal 1.6
Norway 1.5
Canada 1.5
Croatia 1.5
Czech Republic 1.4
Germany 1.4
Denmark 1.4
Italy 1.4
Netherlands 1.4
Slovak Republic 1.3
Romania 1.3
Spain 1.1
Belgium 1.1
Hungary 1.1
Latvia 1.0
Lithuania 0.9
Luxembourg 0.5
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