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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
INSTITUTO DE CULTURA E ARTE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO
LEONARDO VASCONCELOS DE ARAJO
COMUNICAO PARA MOBILIZAO: QUEM DERA SER UM PEIXE,
INTERNET E ATIVISMO POLTICO
FORTALEZA2016
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LEONARDO VASCONCELOS DE ARAJO
COMUNICAO PARA MOBILIZAO: QUEM DERA SER UM PEIXE, INTERNET E
ATIVISMO POLTICO
Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao em ComunicaoSocial, do Instituto de Cultura e Arte daUniversidade Federal do Cear, como requisito
parcial para a obteno do ttulo de Mestre emComunicao. rea de concentrao:
Comunicao e Linguagens.
Orientadora: Prof. Dr. Mrcia Vidal Nunes
FORTALEZA
2016
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Dados Internacionais de Catalogao na PublicaoUniversidade Federal do Cear
Biblioteca de Cincias Humanas
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A69c Arajo, Leonardo Vasconcelos de.Comunicao para mobilizao : quem dera ser um peixe, internet e ativismo poltico / LeonardoVasconcelos de Arajo. - 2016.
155 f. : il. color., enc. ; 30 cm.
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal do Cear, Instituto de Cultura e Arte, Programa dePs-Graduao em Comunicao, Fortaleza, 2016.
rea de Concentrao: Cincias sociais aplicadas.Orientao: Profa. Dra. Mrcia Vidal Nunes.
1.Internet - Aspectos polticos - Fortaleza(CE). 2.Ativistas polticos - Fortaleza(CE). 3.Movimentosde protesto - Fortaleza(CE). 4.Facebook(Rede social on-line). 5.Quem dera ser um peixe(Grupo deativistas polticos). I. Ttulo.
CDD 302.231098131
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LEONARDO VASCONCELOS DE ARAJO
COMUNICAO PARA MOBILIZAO: QUEM DERA SER UM PEIXE, INTERNET E
ATIVISMO POLTICO
Dissertao de Mestrado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao em ComunicaoSocial, do Instituto de Cultura e Arte daUniversidade Federal do Cear, como requisito
parcial para a obteno do ttulo de Mestre emComunicao. rea de concentrao:Comunicao e Linguagens.
Orientadora: Prof. Dr. Mrcia Vidal Nunes
Aprovada em: 27/01/2016
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________Professora Doutora Mrcia Vidal Nunes
Universidade Federal do Cear (UFC)Orientadora
_________________________________________________________Professora Doutora Catarina Tereza Farias de Oliveira
Universidade Federal do Cear (UFC) / Universidade Estadual do Cear (UECE)
__________________________________________________________Professora Doutora Teresa Cristina Furtado Matos
Universidade Federal da Paraba (UFPB)
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Dedico este trabalho a todos os seus possveis
leitores.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos os professores com quem tive contato durante a pesquisa e que
contriburam de alguma forma com esse trabalho. Em especial minha orientadora, Mrcia
Vidal, s professoras que compuseram minha banca de qualificao, Catarina Tereza Farias
de Oliveira e Teresa Cristina Furtado, e tambm professora Glria Digenes.
Agradeo, tambm, aos meus amigos de mestrado, os quais, daqui em diante, se
tornaro amigos da vida: Amanda, caro, Thiago, Soraya e Milena. Valeu pela fora, galera.
Sem vocs, isso aqui teria sido bem menos divertido.
Agradeo ainda a meus amigos fora do mestrado por compreenderem meus sumios e
pela fora que me deram nas horas mais difceis.
Agradeo minha famlia por todo suporte e carinho, em especial ao Vitor, Flvia,
Regina e ao Flvio. Amo vocs.
Agradeo, por fim, a todas as pessoas que passaram pela minha vida e que, emborano estejam mais to presentes, significam o mundo para mim.
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RESUMO
Essa dissertao pretende investigar como o Quem dera ser um peixe (QDSP) grupo que se
constituiu com o objetivo de se colocar contra a construo de um oceanrio milionrio naorla de Fortaleza utilizou as redes sociais em sua prtica comunicativa, a fim de mobilizar
os usurios da internet em torno da questo do Acquario Cear, instituindo, no percurso,
novos processos de resistncia e novos paradigmas de ao coletiva em nosso estado. Para
tanto, estabelecemos como corpusda pesquisa afan pageQuemdera ser um peixe e o perfil
Peixuxa Acquario, ambas do site Facebook a plataforma mais frequentada pelo Quem
dera ser um peixe. Escolhemos limitar nossa pesquisa a 2012, perodo de maior incidncia do
grupo na internet, ano que contou com um grande nmero de simpatizantes produzindo
contedo e auxiliando a amplificar as denncias contra a obra. A metodologia usada para
abordar essa questo, alm da descrio da prtica comunicativa do Quem dera ser um peixe,
tanto no espao virtual, como no espao real, foi a Anlise de Mobilizao de quadros, a qual
busca compreender como se d o alinhamento entre o enquadramento de uma instituio ou
movimento social, por exemplo, e os atores sociais que a compe, elemento essencial para se
entender o processo de mobilizao poltica. Alm disso, recorremos a quatro entrevistas com
diferentes membros do Quem dera ser um peixe, a fim de compreender suas posies acerca
de questes centrais para o grupo, como o papel da informao e da comunicao para o tipo
de ativismo que pratica; e tambm de questes ligadas a sua forma de organizao. Esse
aspecto, em particular, de grande importncia e procuramos abord-lo no trabalho, embora
sem a pretenso de esgotar o assunto, por suas implicaes na prpria prtica comunicativa do
grupo. Partindo de um pequeno histrico da internet, delineamos como se deu sua passagem
de tecnologia militar para suporte material da sociedade em rede, enfocando os usos que o
QDSP fazia e faz dela. O acompanhamento de suas atividades fora do espao virtual, em
reunies, aes, articulaes foi de grande importncia para dar materialidade aos dados
coletados das plataformas de interao, fornecendo mais elementos capazes de dar conta da
complexidade do fenmeno que representa o QDSP. Um aspecto que salta aos olhos, por
exemplo, o qual s poderia ter sido observado por meio da ida a campo diz respeito
complexa relao estabelecida entre os integrantes do grupo e o Poo da Draga, comunidade
popular que se localiza a poucos metros do Acquario. Em concluso, podemos afirmar que o
QDSP foi bem sucedido na conduo de um ativismo virtual (o qual era subsidiado por
extensas investigaes e pelo uso inventivo e dinmico da comunicao, borrando os limitesentre ciberespao e espao real) que conseguiu no s barrar por diversas vezes a obra, como
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tambm ampliar e popularizar muitas questes ligadas ao oceanrio, a ponto de, hoje em dia,
o projeto estar longe de ser uma unanimidade entre a populao de Fortaleza.
Palavras-chave: Quem dera ser um peixe; Internet; Ativismo; Rede.
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ABSTRACT
This dissertation aims to investigate how Quem dera ser um peixe (QDSP) - a group that was
formed to put itself against the construction of a millionaire aquarium on the coastal line of
Fortaleza - utilize the social networks in its communicational practice, in order to mobilize
internet users around the issues involving Acquario Cear, instituting, in this course, new
processes of resistance and new models of collective action in our state. In order to do so, we
established as research corpus the fan page "Quem dera ser um peixe" and the profile
"Peixuxa Acquario", both from Facebook - the most attended platform by Quem dera ser um
peixe. We choose to limit our research to the year of 2012, term in which the incidence of the
group on the internet was most fruitful, counting on a great number of supporters producing
content and helping to amplify the denounces against Acquario Cear. Besides the description
of Quem dera ser um peixe's communicational practice, in the "virtual" space as well as in the
"real" space, the methodology used by us to address this question was the frame mobilization
analysis, which intends to comprehend the functioning of the frame alignment between an
institution or a social movement, for instance, and the social actors that are part of it, an
essential element to understand to process of political mobilization. We resorted, as well, on
four interviews with diferent members of Quem dera ser um peixe, in order to comprehend
their positions about central matters to the group, like the role of information and
communication, generally; to the kind of activism that it practiced; and also, matters related to
its form of organization. This aspect, in particular, it is of great importance and we tried to
approach it in our work, although without the intention of exhausting the subject, due to its
implications on the communication practice of the group. Departing from a brief historic of
the internet, we outlined how it turned from a military technology to the material support of
the network society, foccusing on the uses that QDSP did and do of it. The monitoring of the
group's activities outside the "virtual" space, on reunions, activities, articulations, was of greatimportance to give materiality to the data collected from the platforms of interaction,
providing more elements capable of apprehend all the complexity of QDSP as a social
phenomenon. One aspect that stands out, for instance, that could only be observed by going to
the field, is the complex relation between Quem dera ser um peixe and Poo da Draga, a
popular community located few meters from the aquarium. In conclusion, we can assert that
QDSP was successful on the conduction of a virtual activism (which was subsidized by
extense investigations accomplished by the group and by the inventive and dynamic use ofcommunication, blurring the line between cyberspace and "real" space) that not only
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prevented, on several occasions, the construction of the aquarium, but also amplified and
popularized issues related to Acquario Cear, to the point that, nowadays, it is far from being
accepted by Fortaleza's people.
Keywords:Quem dera ser um peixe; Internet; Activism; Network.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Maquete virtual do Acquario Cear.........................................................................26
Figura 2 - Bloco Unidos contra o Acquariono carnaval de 2012.........................................28
Figura 3 -Bloco Unidos contra o Acquario no carnaval de 2012. ........................................29
Figura 4 -Inundaodo dia 12 de abril de 2012...................................................................33
Figura 5 -Inundaodo dia 12 de abril de 2012...................................................................34
Figura 6 - Meme veiculado no dia 26 de maro de 2012..........................................................36
Figura 7 -Meme veiculado no dia 30 de maro de 2012..........................................................37
Figura 8 -Mapa social Poo da Draga......................................................................................39
Figura 9 -Cartaz de divulgao da oficina de vdeo no Poo da Draga.................................110
Figura 10 - Meme criticando a ausncia de estudo de impacto arqueolgico........................116
Figura 11 - Meme criticando o papel da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Cear
(Semace) no licenciamento da obra........................................................................................117
Figura 12 -Meme baseado no filme Waterworld(1995)........................................................118
Figura 13 -Meme criticando o posicionamento de um deputado da base governista respeito
do Acquario Cear..................................................................................................................118
Figura 14 -Meme ironizando as irregularidades do Acquario Cear.....................................119
Figura 15 -Infogrfico criticando os gastos com a obra.........................................................122
Figura 16 - Fotografia sugerindo intervenes alternativas ao Acquario Cear.....................127
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SUMRIO
1 INTRODUO...........................................................................................................13
2 QUEM DERA SER UM PEIXE: COLETIVO OU MOVIMENTOS
SOCIAL?.................................................................................................................................25
2.1 Quem dera ser um peixe (QDSP): surgimento e histrico de atuao..........................25
2.2 Quem dera ser um peixe e a comunidade Poo da Draga: aproximaes e conflitos...38
2.3 Coletivo: definindo uma categoria................................................................................43
2.4 Movimentos Sociais: o que h de novo?.......................................................................56
2.5 Uma hidra de duas cabeas?..........................................................................................58
3 INTERNET E ATVISMO POLTICO.....................................................................68
3.1 Uma breve histria da Internet: de tecnologia militar arma contra a construo do
Acquario Cear.........................................................................................................................69
3.2 Internet como artefato cultural......................................................................................79
3.3 Comunidades Virtuais...................................................................................................87
3.4 Imprio, emancipao poltica e guerra da informao.............................................95
4 COMUNICAO PARA MOBILIZAO: A PRTICA COMUNICACIONAL
DO QUEM DERA SER UM PEIXE...................................................................................107
4.1 Investigao e decodificao da informao no Facebook...............................................107
4.2 Fan pageQuem dera ser um peixe e perfil Peixuxa: uma anlise de mobilizao de
quadros....................................................................................................................................121
4.3 Entre a estratgia e a ttica comunicacionais....................................................................135
4.4 A prtica comunicativa do QDSP na constituio de uma rede de mobilizao
social.......................................................................................................................................1435 CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................145
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...............................................................................153
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INTRODUO
Para comear, achamos essencial falar como se deu nossa aproximao do objeto
de pesquisa escolhido, porque acreditamos que qualquer trabalho de pesquisa, por mais que se
trate de um fazer cientfico, com um discurso e uma linguagem muito prprios, e tambm com
um olhar que pressupe um certo afastamento, um processo de implicao muito profundo,
com diversos nveis de partilha entre pesquisador e campo, que repercutem no trabalho das
mais variadas maneiras. Sendo assim, entendemos a importncia de revelar as conexes e os
aportes do campo simblico do autor e de sua viso de mundo pesquisa. Muito embora
utilizemos teorias e ferramentas conceituais para nos aproximarmos dos fenmenos que nos
propomos a estudar, inegvel o muito de ns que extravasa e se impe no que dito e no
que pensado. Por isso, acreditamos que o melhor caminho, em vez de alimentar a iluso de
uma cincia limpa, imune a todas as interferncias, aos rudos que constituem o mundo
social do autor/pesquisador, admitir que tais intromisses no s existem como so bem-
vindas. Essa precauo obedece, inclusive, a um pressuposto cientfico muito importante: a
abdicao de qualquer idealizao.
Nossa aproximao do Quem dera ser um peixe (QDSP) ocorreu no comeo de
2012. Foi quando ouvimos falar pela primeira vez das inundaes, encontros presenciaisdos membros do grupo na Praia de Iracema. Esse contato inicial sucedeu por meio do
Facebook, nas convocaes feitas por flyers (cartazes virtuais) que chegavam em nossa
timeline (espcie de mural onde as pessoas partilham mensagens e informaes nos mais
diferentes tipos de mdia, seja no prprio perfil ou no perfil de outra pessoa), quando
compartilhadas por nossos amigos de rede social.
Apesar de termos tomado conhecimento do Quem dera ser um peixe e do debate
que procurava realizar na cidade, foi apenas em 2013 que nos aproximamos de forma maisefetiva de suas atividades. Isso se deu por conta de nossa participao em um coletivo
chamado UrucumDireitos Humanos, Comunicao e Justia, o qual, usando a comunicao
no s como estratgia, mas tambm como linha de atuao, participa de movimentos e
processos contra-hegemnicos na cidade de Fortaleza. Nesse sentido, passamos a frequentar
reunies do QDSP, momento no qual nos inteiramos melhor da situao envolvendo o
Acquario Cear e do modelo de ativismo proposto. Essa aproximao culminou na
organizao de uma oficina de vdeo-ativismo proposta pelo coletivo Urucum, em parceiracom a ONG Velaumar, localizada no Poo da Draga comunidade que fica a poucos metros
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do local da obraa fim de denunciar a construo de um muro que dificultava o acesso dos
moradores praia e ao Pavilho Atlntico, equipamento utilizado como praa pelas pessoas
da regio.
O tipo de ativismo exercido pelo QDSP, que parecia apostar na formao de uma
rede de mobilizao, na conexo por meio da internet e na investigao e produo de
informao, chamou nossa ateno mais ainda em 2013, por ocasio das Jornadas de Junho e
pelo uso massivo da internet e das redes sociais como ferramentas de mobilizao e de
produo de contrainformao, no cenrio em que a mdia corporativa procurava a todo
momento criminalizar os protestos. Foi quando surgiu o impulso de compreender qual o papel
das redes sociais para a ao coletiva em nosso perodo histrico.
O objetivo central de nosso trabalho, portanto, entender como, a partir das redessociais, o Quem dera ser um peixe conseguiu constituir um processo de mobilizao para se
opor ao Acquario Cearum empreendimento milionrio proposto pelo governo do Estado e
vendido como um motor de transformao econmica para o Cear. Representaria ele, nesse
sentido, um novo modelo de ativismo poltico, que se valeu das redes sociais para denunciar
as irregularidades do oceanrio, tendo como ponto de partida um entendimento amplo do que
comunicao? Foi uma das perguntas que tentamos responder ao longo da pesquisa.
Para tanto, nos detivemos na utilizao que o grupo fez de uma rede socialespecfica, o Facebook, a qual, por suas prprias caractersticas plataforma multimiditica,
que conta com a presena de milhes de pessoas e cuja arquitetura baseada na interao ,
se tornou o espao principal de comunicao. Para a constituio do corpus da pesquisa,
decidimos nos concentrar nas publicaes e postagens feitas tanto na fan pageQuem dera ser
um peixe, como no perfil Peixuxa Acquario, que eram os dois canais de comunicao do
grupo na rede social. Em nosso recorte, privilegiamos o uso da plataforma no ano de 2012, o
qual, sem dvida, representou o perodo de maior atividade do QDSP, tanto no espao real,quanto no espao virtual. Analisamos um total de 522 postagens, sendo 84 delas na fan
pagee 438 no perfil.
Metodologicamente, portanto, a pesquisa trilhou os seguintes percursos:
1) Descrio da prtica comunicativa do grupo;
2) Anlise de mobilizao de quadros, a partir do contedo produzido pelo Quem
dera ser um peixe nafan pageQuem dera ser um peixe e em seu perfil Peixuxa Acquario
no Facebook;
3) Acompanhamento dos encontros, reunies e atividades do Quem dera ser
peixe; e
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4) Aplicao de entrevistas semi-estruturadas.
Traamos um amplo panorama da comunicao feita pelo grupo tanto no espao
real, quanto no ciberespao, descrevendo as ferramentas utilizadas nas plataformas de
interao, com enfoque no uso do Facebook para realizar o debate sobre o aqurio. Nossos
pontos de vistas so ilustrados por falas de membros do Quem dera ser um peixe e pelas
observaes que fizemos a partir de nossa insero em campo.
Por meio da metodologia da anlise de mobilizao de quadros, procuramos
entender de que modo o Quem dera ser um peixe lidava com as opinies divergentes entre
seus interlocutores e como conseguia provocar um alinhamento de posies ou
enquadramentos. Essa estratgia pode ser considerada essencial para se avaliar a influncia do
grupo na mudana de aceitao da obra pela opinio pblica, que, antes dessa mobilizao,parecia mais inclinada a considera-la um investimento no s potencialmente lucrativo, mas
que, alm disso, atendia ao interesse coletivo. Para tanto, escolhemos trs interaes entre o
Quem dera ser um peixe e interlocutores que possuam vises divergentes sobre os diferentes
aspectos da obra.
Essa metodologia se baseia na noo de frame, quadro ou enquadramento,
proposta por Gregory Bateson em meados da dcada de 50, a partir de suas reflexes no
campo da psicologia. Sua tese era a de que as interaes simblicas, produtoras de sentido, seancoravam em quadros que moldavam as interpretaes e aes dos indivduos
(MENDONA; SIMES, 2012).
Um aspecto para o qual Mendona & Simes (2012) tambm chamam a ateno
no conceito de Bateson que os framesno so inventados pelos sujeitos; ao contrrio, so
mobilizados por eles, o que implica que o enquadramento depende da existncia de uma
subjetividade subjacente. Ainda segundo Mendona & Simes (2012), partindo de William
James, Schtz, Garfinkel e Bateson, Goffman vai desenvolver o conceito de frame para arealizao de uma microssociologia sistemtica, cujo foco incide sobre as interaes
cotidianas. Para ele, o conceito de enquadramento o que vai responder pergunta O que
est acontecendo aqui?. A teoria do frame de Goffman, desse modo, diz respeito
construo de enquadramentos ou esquemas interpretativos para entender determinado
fenmeno ou aspecto da realidade. Segundo o autor, os enquadramentos sociais, por outro
lado, fornecem entendimento de fundo para eventos que incorporam a vontade, propsito e o
esforo controlador de uma inteligncia, uma agncia viva, a principal delas sendo o ser
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humano (p. 22, 1974, traduo nossa)1. Assim, umframeou enquadramento seria um modo
de limitar a interpretao, sendo uma condio necessria para sua existncia.
Nunes (2011) destaca que, subjacente ao enquadramento, existe sempre uma ao
que no definida ou estruturada unicamente pelo seu objeto, mas por um contexto de uso ou,
melhor dizendo, por tcnicas socialmente reconhecidas (p. 7). Significa dizer que um frame
no constitui uma realidade interpretativa restrita apenas s limitaes do enquadramento,
sendo composto tambm, obviamente, por elementos fora do espao da moldura. Ao falar em
frame, portanto, Goffman se referia a princpios por meio dos quais as pessoas organizam sua
experincia, definindo no s a situao em que se inserem, mas tambm sua posio frente a
ela (PRUDENCIO & SILVA Jr., 2014). Para Goffman, os framesso estruturas de sentido
moldadas no processo de interao entre sujeitos, em uma determinada situao. Os atoresenvolvidos nesse processo, contudo, no so totalmente livres no engajamento interacional,
uma vez que esto configurados pela situao, que os precede embora eles atuem sobre ela
(MENDONA; SIMES, 2012).
No que concerne especificamente ao estudo dos movimentos sociais (NUNES,
2011), o frame, por se tratar de um construto, de um compsito, reunio de elementos
dspares, permite a articulao de posies epistemolgicas dicotmicas, ainda que sem
integr-las ou super-las.Mendona & Simes (2012), ao tratar da operacionalizao analtica do frame,
identificam trs vertentes de apropriao do conceito. A primeira, anlise da situao
interativa, parte do conceito de enquadramento para a microanlise de interaes sociais. Na
linha de Goffman, a inteno aqui pensar como situaes interacionais distintas moldam
relaes estabelecidas e entender como pequenas aes ordinrias so capazes de provocar
deslocamento de quadros, dando azo possibilidade de surgirem desajustamentos, o que
evidencia a importncia do alinhamento dos frames para a mobilizao poltica, em umesforo deliberado de definio de um quadro, para que a interao possa prosseguir
(MENDONA & SIMES, p. 192, 2012).
A segunda vertente, baseada na anlise do contedo discursivo, emprega a noo
de frame na anlise de contedo, a fim de investigar como os enunciados e discursos
produzem molduras de sentido. Com isso, busca-se pensar a maneira como o prprio
contedo discursivo cria um contexto de sentido, convocando os interlocutores a seguirem
certa trilha interpretativa (MENDONA & SIMES, p. 193, 2012). Diferente da primeira
1() provide background understanding for events that incorporate the will, aim and controlling effort of anintelligence, a live agency, the chief one being the human being.
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vertente, a ateno no est na situao ou no contexto pragmtico da interao, mas sim no
contedo do discurso, pois nele onde se busca o frame, entendido como um tipo de ngulo
que privilegia uma determinada interpretao em detrimento de outra.
A terceira e ltima vertente destacada pelos autores a anlise de efeito
estratgico. Ao contrrio da segunda vertente (MENDONA & SIMES, 2012), nela os
framesno so entendidos como molduras de sentidos compartilhadas e mobilizadas atravs
do discurso, mas como estratgia de produo de proferimentos com o objetivo de gerar
efeitos calculados.
Prudencio & Silva Jr. (2014) ressaltam que as trs vertentes expostas, apesar de
apontarem possibilidades de aproveitamento do conceito de frame no campo de estudo dos
movimentos sociais, privilegiam pesquisas de enquadramento que tm por contexto os meiosde comunicao. Para corrigir isso e dar devido destaque s prticas de construo de ao
coletiva, os autores propem o acrscimo de uma quarta vertente, a qual tem seu universo
analtico nos processos de mobilizao poltica, encontrando seu fundamento na comunicao
dos quadros de ao coletiva. Tal vertente, nomeada de anlise de mobilizao de quadros,
nas palavras dos autores, tem a inteno de
observar a interao entre ativistas, sejam eles ligados a movimentos sociais, sejameles pessoas que se tornam ativistas a partir do surgimento de causas especficas e,
s vezes, temporrias, em espaos na internet, com foco nos enquadramentosproduzidos em atividades de micromobilizao, as quais servem, em um primeiromomento, para a estabilizao de quadros da ao coletiva no mbito do ncleogerador da ao coletiva e, em um segundo momento, para sustentarem aescoletivas com outros atores da sociedade civil, das instituies polticas e dos meiosde comunicao (PRUDENCIO & SILVA Jr., p.4, 2014).
Como os prprios autores destacam, a proposta de alinhamento de quadros e sua
importncia para os processos de mobilizao dos movimentos sociais foi trazida por Snow et
al (1986). Para eles, o alinhamento deframe, ou quadro, se refere ligao de orientaes
interpretativas individuais, por um lado, e a orientaes advindas da organizao de ummovimento social, por outro, de forma que determinado conjunto de interesses individuais,
valores e crenas seja congruente e complementar s atividades, objetivos e ideologias dessa
mesma organizao. Essa relao colocada em destaque, pois ela ajuda a compreender como
os movimentos sociais operam e a maneira pela qual geram apoio em seu benefcio. O
alinhamento de quadros, ou, mais especificamente, de molduras de sentido, o qual pode ser
entendido como um tipo de processo comunicacional, condio necessria participao de
um indivduo em um movimento social (PRUDENCIO & SILVA Jr., 2014).
Na construo do conceito de alinhamento de quadros, Snow et al (1986)
destacam a existncia de quatro tipos de processos: frame bridging, frame amplification,
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frame extension e frame transformation. Frame bridging a ligao entre dois ou mais
frames ideologicamente congruentes e estruturalmente desconectados com relao a uma
questo ou problema particular. Frame amplification trata-se do esclarecimento e do
fortalecimento de umframeinterpretativo que se apoie em uma questo particular, problemas
ou conjunto de eventos. Aqui os autores ressaltam a importncia que o esclarecimento de um
frame interpretativo tem no apoio e na participao dos indivduos nas atividades do
movimento.Frame extensionse refere ampliao dos objetivos primrios do movimento, de
modo a englobar interesses ou pontos de vista que so incidentais a seus objetivos primrios,
mas so de grande importncia para a adeso de novos participantes. Frame transformation,
por ltimo, refere-se ao desenvolvimento de novos valores e quadros interpretativos, em
contraposio a velhos significados, crenas e enquadramentos errneos. Segundo essa formade alinhamento de quadros, valores e frames antigos so transformados pelo movimento, a
fim de garantir apoio dos participantes afetados pelos novos significados propostos.
Snow & Benford (2000) apontam que a estruturao dos frames de ao coletiva
depende do entendimento, sempre negociado, sobre a problemtica de uma situao e sobre a
possiblidade de mobilizao para ocasionar uma mudana de cenrio. Depende tambm de
como os atores em processo de interao mapeiam aliados e dificuldades e de como articulam
medidas alternativas para a mudana, estimulando indivduos a alcan-la. Da leitura dotrabalho de Snow & Benford citado acima, Prudencio e Silva Jr. chegam concluso de que
as articulaes nos processos de constituio de frames discursivos entre ativistas, ao
promoverem o alinhamento de diferentes quadros interpretativos:
possibilitam a emergncia dos quadros da ao coletiva, primeiro entre os prpriosatores do movimento e depois, j numa situao de mobilizao poltica, entre omovimento e possveis apoiadores que podero ou no assumir para si as questesdo movimento na forma em que elas lhes aparecem enquadradas (p. 6, 2014).
Nesse sentido, o conceito de alinhamento de frame ganha fora no novo contextode mobilizao poltica proporcionada pela internet e novas formas de interao global
distncia. Para Tarrow, citado por Gohn (2012), os maiores recursos externos de um
movimento, ou seja, aqueles que preexistem ao dos indivduos so as redes sociais, onde
as atividades coletivas se desenvolvem, e tambm os smbolos culturais e ideolgicos que do
forma aos frames. Nesse sentido, as redes sociais digitais tm contribudo, e muito, para a
mobilizao poltica, medida em que ampliam enormemente os espaos de interao entre
indivduos, possibilitando oportunidades de constantes alinhamentos ou realinhamentos deframes entre os participantes de um movimento e pessoas prximas a ele. Como afirma
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Gomes (2011), a internet e as possibilidades de participao on-line tm o potencial de
aumentar a capacidade concorrencial da sociedade civil frente ao sistema poltico e
econmico. Prudencio (2012), no entanto, chama a ateno para o cuidado que devemos ter
com o papel redentor por vezes dado internet, uma vez que ela
no promove automaticamente a participao poltica e nem sustenta a democracia; preciso, antes, olhar tanto para as motivaes dos sujeitos quanto para os usos queeles fazem dela, em contextos especficos (MAIA, p. 69, 2011).
Em que pese a considerao acima, as mdias sociais constituem hoje,
indubitavelmente, um espao de micromobilizao. Snow et al (1986) trazem esse conceito
para se referirem a um conjunto de processos interativos desenvolvidos e empregados pela
organizao dos movimentos sociais e seus atores representativos para mobilizar ou
influenciar vrios grupos alvo com respeito busca de interesses comuns e coletivos. Apesar
de o conceito ter sido cunhado nos anos 1980, ele ainda se mostra satisfatoriamente aplicvel
no cenrio atual de mobilizao poltica na internet, j que, junto a outras mdias digitais, essa
ferramenta global tem fomentado o surgimento de redes formadas por uma ampla base
horizontal e descentralizada entre elementos autnomos externos (MAIA, 2011).
A partir da reconstituio dos passos do modelo proposto por Prudencio e Silva Jr.
(2014) para a anlise de micromobilizaes na internet, importante destacar as condies
discutidas pelos autores para a identificao de processos de alinhamento de quadros, os quais
dizem respeito, em ltima instncia, ao modo como acontece a comunicao poltica dentro
dos movimentos.
A proposta de anlise de mobilizao de quadros, ento, est baseada nos
seguintes aspectos (PRUDENCIO & SILVA Jr, 2014):
a)Possibilidade de encontrar na micromobilizao uma unio em torno de
questes especficas ou da agenda do movimento. Importa saber se a
micromobilizao ocorre apenas na internet, em que espao da internet e o
lugar dos protagonistas, ou seja, quem est mobilizando e quem est sendo
mobilizado;
b)A identificao de oportunidades polticas, crenas, ideologias, significados
comuns, prticas, valores, mitos, narrativas, definio de um ns e de um
eles (p. 8);
c)Reconhecimento de quadros de ao coletiva produzidos por um movimento ou
seu representante durante os processos de interao e comunicao, eclassificao subsequente desses quadros em enquadramentos de
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diagnstico, enquadramentos de prognsticos e enquadramentos
motivacionais2;
d)Sistematizao de argumentos, proposies, contextualizaes, associao a
fatores culturais conhecidos [...] indicao de oportunidades polticas distintas
(p. 9) para colocar osframesem ao;
e)Reunio dos atores a partir dos quadros identificados nas interaes;
f) Exposio dos processos de alinhamento de quadros;
g)Por fim, a construo analtica dos processos de alinhamento de quadros
desenvolvidos no decorrer da interao. Aqui, segundo os autores, possvel
demonstrar de que modo se d ou no o alinhamento de quadros, e tambm que
esse alinhamento sujeito a avanos e recuos, fazendo parte de um processo decomunicao que se desenha continuamente.
Apesar de se referir contribuio feita pela etnografia e pela observao
participante aos estudos de recepo, David Morley (1996) traz um importante aporte
metodolgico a nosso trabalho, ao destacar questes mais gerais da pesquisa. Para ele, a
investigao uma prtica discursiva que s pode produzir conhecimentos especficos do
ponto de vista histrico e cultural, os quais, por sua vez, so resultado de encontros
discursivos entre o investigador e seus informantes. Com isso, o autor quer afirmar que todainvestigao sempre uma interpretao possvel da realidade.
Fugindo das armadilhas do relativismo e da abstrao discursiva, Morley (1996),
ao se referir ao objeto de estudo do livro, tambm reconhece que, embora s se possa
conhecer a audincia por meio do discurso, ela existe em uma realidade fora dos limites
daquele. Em outras palavras, em qualquer pesquisa cujo objeto s possa ser investigado por
meio de discursos, preciso reconhecer a existncia dos atores sociais que enunciam tais
discursos para alm de seus limites. Nesse sentido, a investigao emprica, a entrada nocampo, ganha relevncia, ao mesmo tempo em que no recai em um positivismo ingnuo, que
considera os dados brutos como plenamente objetivos, uma vez que qualquer investigao
emprica se captura sempre, necessariamente, em uma representao (MORLEY, p. 258,
traduo nossa)3. Isso indica que mesmo os dados pretensamente objetivos tambm esto
sujeitos interpretao.
2 Seguindo Snow et al (1986), o enquadramento de diagnstico envolve a identificao de problemas e dos
adversrios a serem superados; o enquadramento de prognstico diz respeito a estratgias levadas a cabo para asoluo de problemas ou para a realizao do plano desenvolvido; finalmente, o enquadramento motivacionalintenciona motivar aes para a realizao de mudanas.3(...)cualquier investigacin emprica se captura siempre, necessariamente, em una representacin.
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Dessa forma, tomando em conta nossa presena em campo e o contato que vimos
estabelecendo com os integrantes do Quem dera ser um peixe desde o ano de 2013,
procuramos vivenciar de perto a dinmica de funcionamento do grupo, a fim de ter acesso no
s ao discurso e imagem pblica do QDSP, mas, tambm, ao que jaz nas entrelinhas, nos
interditos, aspectos que s se revelam atravs do estabelecimento de um contato corpo a corpo
entre pesquisador e campo.
Ao longo da pesquisa, aplicamos quatro entrevistas semiestruturadas a membros
do Quem dera ser um peixe, procurando reunir pessoas que estiveram presentes em diferentes
pocas e que possuam uma apropriao maior sobre o uso da comunicao para a
mobilizao poltica. A entrevista com B.L. aconteceu no dia 15 de junho de 2015, tendo sido
seguida pelas entrevistas de R.V. no dia 26 de junho de 2015, de A.S. no dia 20 de agosto de2015 e de A.B. no dia 28 de setembro de 2015.
A opo de no identificar os participantes se deve a uma preocupao nossa de
no expor, ainda mais, os membros do Quem dera ser um peixe, os quais, em diferentes
momentos, sofreram alguma espcie de vigilncia do poder pblico. Dois deles, inclusive,
foram alvo de processo judicial movido pelo Estado do Cear, sob alegao de litigncia de
m-f, ou seja, quando a parte recorre ao poder judicirio com o intuito apenas de causar uma
obstruo justia. H relatos, tambm, de que a polcia acompanhava as atividades do grupo,a ponto de seus integrantes mais ativos serem chamados pelos nomes por alguns policiais que
participaram da represso aos protestos de rua de 2013.
O questionrio continha um total de dez perguntas e se dividia em dois blocos
temticos: o primeiro visava saber como a comunicao era usada pelo Quem dera ser um
peixe; o segundo se detinha sobre a natureza organizativa, procurando saber de seus
integrantes se ele se alinhava mais tradio dos movimentos sociais ou dos coletivos.
Por meio desses instrumentos metodolgicos, do material colhido em campo e dasferramentas conceituais com as quais viemos trabalhando ao longo da pesquisa, construmos o
corpo do trabalho, o qual se divide em trs captulos.
No primeiro, fazemos um histrico do Quem dera ser um peixe, traando os
principais acontecimentos que deram origem inciativa, alm de situ-la em um contexto de
mobilizao social mais ampla, que contou com a participao de atores sociais provenientes
de outras experincias polticas, da participao em outros espaos, sendo fruto de um
acmulo de processos e de vivncias que desaguou na produo de um ativismo repleto de
idiossincrasias, que o situam, do nosso ponto de vista, em um lugar especial no cenrio de
mobilizao poltica na cidade de Fortaleza. medida que (re)contamos a histria do QDSP,
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fomos descrevendo os aspectos mais caractersticos da luta que imps contra a construo do
Acquario Cear. Nesse sentido, destacamos o uso das diversas plataformas de comunicao
que o grupo utilizou e tem utilizado ao longo de sua atuao, com nfase em sua presena no
Facebook, a qual, como destacamos acima, acabou sendo o espao de interao e veiculao
de informaes mais utilizado.
A fim de situar melhor a atuao do QDSP no espao social de Fortaleza,
traamos breves linhas sobre a relao com o Poo da Draga, uma comunidade popular
localizada a poucos metros do Acquario Cear, a qual sofrer as maiores consequncias com a
chegada do empreendimento, em especial o risco de remoo dos moradores de seus locais de
origem. Essa relao nem sempre foi harmoniosa, havendo um claro recorte social que, de
certa forma, separa os ativistas que participam do Quem dera ser um peixe, em sua maioriapessoas de instruo superior e de classe mdia, dos moradores da comunidade.
Essas questes vo servir de ponto de apoio para a discusso do tipo de
experincia a que o QDSP se vincula, ou seja, se est mais prximo do que se entende por
movimentos sociais, se se articula melhor com o tipo de organizao entendida como coletivo,
ou, se por fim, representa algo novo, que carece de uma definio apropriada. Para realizar
esse intento, debateremos a noo de coletivo em Migliorin (2012), Escssia & Kastrup
(2005) e Pelbart (2002; 2011) e discutiremos os conceitos de desejo em Deleuze/Guatarri epoltica dos afetos em Espinosa, a fim de compreendermos os traos que marcam um coletivo
e o que une seus integrantes.
A seguir, a partir de Graeber (2013), mostraremos a presena de elementos da
ideologia anarquista nesse modo de organizao, pois isso ir nos ajudar a situar
historicamente essa categoria. Para pensar e discutir os movimentos sociais na
contemporaneidade, partiremos do entendimento de Castells (2001), de Scherer-Warren
(2006; 2009; 2014), de Tarrow (2011) e de Gohn (2012) sobre o tema, e para demarcar afronteira que os separa dos coletivos, utilizaremos a teoria do campo de Bourdieu, tomado da
definio de movimentos sociais em Gohn (2012).
Por no haver uma preciso clara a respeito de como nomear a experincia
lanada pelo Quem dera ser um peixe, se movimento social, coletivo ou outro modelo de ao
social, preferimos nos referir ao QDSP a partir do termo genrico grupo, o qual cumpre a
funo de artifcio estilstico para evitar repeties que tornem o texto enfadonho, no
possuindo maiores implicaes conceituais.
No segundo captulo, com apoio em Castells (2003) e Rheingold (1993), fazemos
um breve relato da histria da internet, abordando sua passagem de tecnologia militar para
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suporte material da sociedade em rede, com enfoque no modo como foi utilizada pelo Quem
dera ser um peixe para organizao da resistncia contra o oceanrio. Mais frente
procuramos demonstrar que, longe de ser simplesmente uma tecnologia, a internet representa,
na verdade, um aparato cultural. Atravs da reflexo de Simondon (1989) sobre a natureza da
tecnologia e dos objetos tcnicos, reconhecemos na internet e nos desenvolvimentos que
possibilitaram seu surgimento e popularizao aspectos que a fazem corresponder a uma
dimenso humana e, portanto, cultural.
Para pensar as possibilidades de interao homem-mquina, recorremos ao
pensamento de Maturana & Varela (1998), o qual fornece a base conceitual para a pergunta
de Santaella (2003): O que est acontecendo interface ser humano-mquina e o que isso
est significando para as comunicaes e a cultura do sculo 21?. Para pensar o campo de interao entre os usurios da internet, tratamos das
comunidades virtuais. Assim, com Bauman (2003) e Agamben (1993), buscamos atualizar a
discusso de comunidade por meio de reflexes crticas que desfazem a aura idlica a ela
atribuda e procuramos tambm trazer mais subsdios analticos para compreender o real
significado e dimenso dos tipos de sociabilidade surgidos com o desenvolvimento das novas
tecnologias de comunicao.
Finalmente, na ltima parte do captulo, buscamos, a partir de Hardt & Negri(2000), identificar quem so os atores polticos do sculo XXI, perodo histrico que assiste
ascenso de um novo componente no campo poltico internacional, o qual responde pelo
nome de Imprio. Isso vai nos servir para refletir sobre as oportunidades de superao e as
armas passveis de serem utilizadas na resistncia a esse agente hegemnico, em um
contexto em que discursos de controle, que substituem o velho poder disciplinar, e discursos
de oposio passam a dividir as atenes do espao pblico, no que pode ser considerada uma
verdadeira guerra da informao. Para tanto, a comunicao e a internet aparecem comoinstrumentos essenciais na transformao do mundo em que vivemos.
No ltimo captulo, expomos detalhadamente a prtica de comunicao do Quem
dera ser um peixe, em suas diversas camadas. Inicialmente, descrevemos como se dava o
processo de investigao sobre as ilegalidades do Acquario Cear, junto aos rgos pblicos e
portais de transparncia, e a posterior traduo dos documentos tcnicos encontrados em
produtos comunicacionais inteligveis e de fcil entendimento para a maioria das pessoas. A
seguir, a partir da anlise de todas as postagens realizadas nafan pagee no perfil do grupo no
ano de 2012, escolhemos trs postagens do perfil Peixuxa Acquario, a fim de compreender
como ocorria a interao entre o Quem dera ser um peixe com os demais usurios da rede,
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quando apareciam opinies divergentes. A ideia compreender, por meio da anlise de
mobilizao de quadros, como o grupo consegue dialogar e, valendo-se de um debate
esclarecido sobre os pontos mais crticos do oceanrio, fazer com que interlocutores com
pontos de vistas diferentes alinhem seus enquadramentos sobre a obra aos enquadramentos
sustentados por ele, ponto essencial para a compreenso do processo de mobilizao poltica
iniciado pelo grupo. Tendo essa discusso como pano de fundo e tomando de emprstimo os
conceitos certeaunianos de estratgia e ttica, procuramos categorizar a prtica
comunicativa do Quem dera ser um peixe, guiados pela noo de que, muito mais do que um
exerccio meramente terico, isso repercute na prpria compreenso do papel exercido pela
comunicao em sua resistncia contra a obra. Finalmente, retomando um pouco a discusso
que fizemos nos dois primeiros captulos, investigamos a relao entre a organizao doQDSP enquanto ao coletiva e sua prtica de comunicao.
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Captulo 1
Quem dera ser um peixe: coletivo ou movimento social?
Este captulo tem o objetivo de oferecer uma contribuio acerca da natureza organizativa do
Quem dera ser um peixe (QDSP). Para tanto, aps contextualiz-lo, apresentaremos um
panorama descritivo de suas pautas e modos de atuao, e em seguida entraremos na
discusso sobre as origens e caractersticas das categorias coletivo e (novos) movimentos
sociais, a fim de estabelecer de que modo elas se relacionam com os principais aspectos e
particularidades do QDSP. Debatendo a noo de coletivo em Migliorin (2012), Escssia &
Kastrup (2005) e Pelbart (2002;2011), discutindo os conceitos de desejo em Deleuze/Guatarrie analisando a poltica dos afetos em Espinosa, tentaremos compreender os traos que
marcam um coletivo e o que une seus integrantes. A seguir, a partir de Graeber (2013),
mostraremos a presena de alguns elementos da ideologia anarquista nesse modo de
organizao, pois isso ir nos ajudar a situar historicamente essa categoria. Para pensar e
discutir os movimentos sociais na contemporaneidade, partiremos do entendimento de
Castells (2001), de Scherer-Warren (1996; 2006; 2009; 2014), de Tarrow (2011) e de Gohn
(2012) sobre o tema; para demarcar a fronteira que os separa dos coletivos, utilizaremos ateoria do campo de Bourdieu, tomado da definio de movimentos sociais em Gohn (2012).
1.1Quem dera ser um peixe (QDSP): surgimento e histrico de atuao
Em um Estado pobre e assolado por secas histricas, cujos efeitos devastadores se
devem em grande parte ausncia de polticas de gesto hdrica e de fomento agricultura
familiar, o anncio pelo governo do Estado do Cear, em maro de 2008, da construo de um
oceanrio de propores gigantescas, o maior da Amrica Latina segundo informaesoficiais, foi recebido pela populao fortalezense com perplexidade e uma boa dose de
justificado ceticismo. Empreendimentos de grande porte tradicionalmente levam dcadas para
serem concludoshaja vista o metr de Fortaleza que, mesmo depois de vinte anos do incio
das obras, ainda est inacabado4; muitos acabam paralisados ou at mesmo abandonados com
as sucessivas trocas de gesto. No entanto, contra todas as expectativas, no incio de 2012, os
primeiros movimentos das mquinas pesadas na Praia de Iracema (bairro nobre do litoral leste
da cidade), aplanando o terreno onde seria montado o stio de construo do Acquario Cear,
4 http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2015/07/22/noticiasjornalcotidiano,3473290/linhas-que-ja-operam-ainda-tem-obras-inacabadas.shtml
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chamou a ateno de um morador do local, que no hesitou em tirar uma foto do solo
pontilhado de pedras e fragmentos de concreto. Logo em seguida, a foto foi postada por este
em seu perfil pessoal no Facebook e teve incio um acalorado debate sobre a natureza da
interveno urbana, sobre seu custo (inicialmente avaliado em R$ 250 milhes), e a falta de
discusso do projeto com a sociedade.
Figura 1: Maquete virtual do Acquario Cear. Imagem em: RODRIGUES, 2013
Sobre esse momento A.B.5, participante inicial do QDSP comenta: O prprio
start disso, a foto que o E.R. postou, surgiu no Facebook. Antes dessa foto, no tinha
nenhuma inteno disso (iniciar o movimento). Talvez conversas soltas de que isso (o
Acquario) era um absurdo. Mas foi a foto dele que deu o mote para fazer alguma coisa.
A mobilizao virtual foi tamanha e as sugestes to diversas, desde propostas de
ocupao do canteiro de obras, no modelo do Occupy Wall Street, at medidas judiciais, que,
aproveitando o Encontro contra as Remoes,promovido pelo Comit Popular da Copa6em
fevereiro de 2012, alguns opositores do Acquario se reuniram com o propsito de pensar
estratgias para impedir a construo. Era necessrio somar foras com outros movimentos,
como o dos atingidos pelas obras para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, que partilhassem
do mesmo contexto de luta, se insurgindo contra a lgica de megaobras e de megaeventos que
5Entrevista realizada no dia 28 de setembro de 2015.
6Os Comits Populares da Copa so resultado de mobilizao nas cidades-sede da copa de movimentos sociaisorganizados, universidades e entidades da sociedade civil. Em cada cidade reflete a organizao dos atingidos eda sociedade local em sua luta contra as Violaes de Direitos decorrentes da realizao dos jogos da Copa2014.... Disponvel em: http://portalpopulardacopa.org.br/. Acesso em 12 de abril de 2014.
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vem acelerando o processo de mercantilizao das cidades e a privatizao do espao pblico.
Segundo Rodrigues (2013), o grupo que participou desse contato inicial era composto por
mais ou menos 15 pessoas das mais diversas reas. Entre eles, havia urbanistas, economistas,
advogados, jornalistas, publicitrios, historiadores e artistas.
A formao dessa rede virtual, a partir da qual se deram as primeiras aes do
Quem dera ser um peixe s foi possvel, no entanto, devido a experincias de mobilizao
anteriores, s redes de mobilizao social j constitudas, cujos ns e conexes foram
reativados e expandidos pela uso da internet. Em entrevista concedida a ns, A.S.7, uma das
integrantes mais antigas do QDSP, revela que ele:
(...) foi fruto de alguns outros movimentos anteriores. Eu posso citar o que ocorreuno ano anterior ao Quem dera ser um peixe, que a gente chamou de Liberdade
Fortaleza. O mote teria sido a proibio de uma passeata que houve em So Paulo eque a polcia reprimiu. Na poca, era uma passeata defendendo o uso da cannabissativa, mas o que chamou a ateno do pas inteiro foi a proibio da polcia, e oSTF comeou a discutir. Estava efervescente essa temtica e ns fizemos. Issoestava sendo feito no pas inteiro, num domingo, e ns fizemos aqui em Fortaleza,Marcha da Liberdade. O nosso mote era a Sua luta a nossa luta, independente deeu sou negro, ou eu sou gay, ou eu sou ndia,de juntar pessoas. Estavam muitodispersos esses movimentos, havia quem defendia animais, a questo racial, pessoasque defendiam a diversidade sexual. Ento a tnica era a diversidade. E as pessoasficavam assim: Que movimento esse? Que protesto esse to esquisito que juntatudo? Na verdade o que a gente queria era juntar pessoas. O Quem dera ser umpeixe nasceu da vontade bem manifestada de juntar pessoas em torno de causa emovimentos e fazer algo pela cidade, pelo pas, de usar suas ferramentas pessoais afavor de uma vida melhor para todos.
Essa fala de A.S. importante por ajudar a relativizar alguns pressupostos por ns
assumidos no incio da pesquisao de que haveria uma separao clara entre redes virtuais
e redes reais e o de que a internet possuiria, por si mesma, uma fora mobilizadora capaz de
encetar processos de mobilizao socialque foram sendo revisados ao longo do trabalho.
Por ora, devemos destacar uma caracterstica crucial, que permeou a atuao do
grupo. Por colocar em debate no s a construo do oceanrio, mas tambm temas mais
abrangentes como o direito cidade, a participao popular nas decises polticas,
transparncia pblica, preservao do patrimnio histrico e ambiental, os quais, na maioria
das vezes, costumam ser discutidos apenas por acadmicos sisudos em espaos institucionais,
o grupo achou por bem se valer do humor e da stira para comunicar suas ideias e
proposies. O nome Quem dera ser um peixefoi retirado da cano Borbulhas de Amor,
interpretada por Raimundo Fagner, o qual ironicamente ligado ao grupo poltico que
concebeu o Acquario. A piada que, em uma das cidades mais violentas do mundo, com
nveis elevados de desigualdade social e intenso dficit habitacional, em um Estado no qual,
7Entrevista realizada no dia 20 de agosto de 2015.
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como destacamos antes, o problema da seca se arrasta sem soluo atravs dos sculos, muito
melhor estaramos se fssemos todos peixes.
Desde o incio, o humor serviu, portanto, como uma ferramenta de comunicao
poderosa, especialmente por trazer ao espao pblico pautas novas com as quais a maioria das
pessoas no estava acostumada a lidar. Sobre a escolha do nome e a primeira apario do
QDSP na cidade de Fortaleza, A.S.8comenta:
O nome, por exemplo, surgiu como uma ironia muito fina. O nome Quem dera serum peixe uma forma de comunicao tambm, porque ele traz embutida umabrincadeira, que tambm uma crtica muito sria. At o nosso prprio lanamento,que se deu no Carnaval, aquilo tambm era uma linguagem, era uma forma decomunicao. E, desde o incio, a gente se preocupou de usar comunicao dessaforma: a comunicao entre ns, a comunicao com as pessoas, como fazer chegaressa informao s pessoas para que elas formulassem seu juzo de valor, seu
entendimento. Havia uma grande preocupao desde o incio em no sermosdetentores, de no centralizarmos, de ser uma coisa mais democrtica possvel, decomo essa comunicao pudesse abranger um maior nmero de pensamentos, quepudesse abranger esses vrios matizes do pensamento humano, porque, na verdade,o Quem dera ser um peixe a juno de vrias pessoas, individualizadas, distintas,em termos de conhecimento e tambm de atividade.
Figura 2: Bloco Unidos contra o Acquariono carnaval de 2012.Disponvel em: perfil PeixuxaAcquario. Acesso: 14 de abril de 2015.
8Idem.
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Figura 3: Bloco Unidos contra o Acquario no carnaval de 2012.Fonte: perfil Peixuxa Acquario.Acesso: 14 de abril de 2015.
A criao do personagem Peixuxa foi mais um modo encontrado pelo QDSP de
trazer ao espao pblico, de uma forma leve e de fcil compreenso, temticas que ainda eram
desconhecidas pela maioria das pessoas. Alm de cumprir essa funo, que se efetivava pelo
uso do perfil Peixuxa Acquario, tal artifcio servia, tambm, para despersonaliz ar o grupo,
em uma tentativa de fazer com que sua identidade no ficasse vinculada a um ou outro
participante, bem como proteger seus integrantes de uma possvel perseguio pelos agentes
do Estado, precauo que se mostrou relevante quando da instaurao de um processo de
litigncia de m-f pelo Estado do Cear contra dois integrantes do QDSP e da identificao
nominal pela polcia dos vrios membros do grupo durante as manifestaes de rua no ano de
2013. R.V.9explica melhor o sentido da criao do personagem:
O Peixuxa surgiu da necessidade de criar um personagem que dialogue fcil (...). Afan pagefoi criada pelo personagem Peixuxa, no foi criado por um perfil pessoal.Hoje que ela possui a moderao de vrios perfis pessoais. Mas eu acho que temesses dois sentidos: de voc criar um personagem que vai dialogar de uma formamais fcil, clara, engraada sobre um assunto muito srio, e a a criao dafan page.Voc acaba tendo trs espaos: o perfil do Peixuxa, afan pageQuem dera ser umpeixe e a comunidade, que acaba sendo mais um frum de discusso para marcarreunio, fazer enquete. No grupo acaba entrando muita gente, e informaes maisestratgicas no eram colocadas ali, porque a gente sabia que podiam ter olheiros,pessoas infiltradas. Porque as pessoas comeam a se dar conta de que uma pautamuito polmica e tem algo por trs que faz esse tema muito perigoso para o governo
do Estado. No toa o G. e o A.L. foram processados.
9Entrevista realizada no dia 26 de junho de 2015.
https://www.facebook.com/contraoaquario/photos/ms.c.eJw90ckRhFAIBNCMptiX~;BMbbcDjK6BRvgRHejV5qof8BG6DPcdBAZuvWWDttZA2RYWdbUxrnbpfXQu2WNvk0~_Vbo65nR936~;AS~_rjrXWNepKUZst68I1vufmry4vJZ3X7acA~;3C46TJt81PnjzKs493PoWRF9cvs092XyrmqW5eJ5~_v3wz1~;Ix7pe69ngeD5Rx4L~;3yEvdO3v~;PytfRV29Hv998N~;bx3vP5GvTnvm8x7klkf2QWcbE~-.bps.a.261675820573569.61546.257234387684379/261675890573562/?type=17/25/2019 COMUNICAO PARA MOBILIZAO: QUEM DERA SER UM PEIXE, INTERNET E ATIVISMO POLTICO
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A partir da, esse grupo inicial alguns dos integrantes j se conheciam
previamente e muitos deles eram amigos de Facebook passou a incidir no espao virtual
por meio de plataformas de comunicao disponibilizadas gratuitamente na internet. Em
2012, foi criado o blog Quem dera ser um peixe #Acquarionao10 , no qual se encontram
sintetizadas diversas irregularidades relacionadas ao oceanrio, apontadas pelos integrantes do
QDSP em extenso trabalho de investigao. Alm do blog, o qual possui baixo nvel de
interatividade, sendo por isso considerado uma mdia fria, foram utilizadas diversas outras
ferramentas de comunicao na Rede, especialmente os sites Facebook, Twitter, Youtube,
Ustream, Soundcloud e Storify.
Desde fevereiro de 2012, o QDSP possui uma fan pagena mdia social Facebook,por meio da qual todos que curtem a pgina recebem informaes e notcias relacionadas,
principalmente, s diversas irregularidades identificadas no processo de construo do
aqurio. Ainda no Facebook, o QDSP possui um perfil chamado Peixuxa Acquario. Contando
com 1.271 membros, ou melhor, amigos, pode ser avaliado como um canal de interao e
partilha de informaes.
preciso que se diga que, nesses dois espaos, as postagens foram reduzidas
drasticamente em comparao com o primeiro ano de atuao do Quem dera ser um peixe em2012, denotando um claro arrefecimento das aes ao longo do tempo, por motivos que sero
discutidos em momento oportuno. O QDSP tambm possui um grupo fechado no mesmo site,
cuja entrada requer o convite de um de seus administradores. Tal grupo costumava funcionar
como uma instncia de decises e um local de partilha de informaes estratgicas, mas, a
partir do momento em que comeou a ter um nmero grande de membros (hoje, conta com
mais de 300 participantes), ele passou a ser preterido em relao a outros meios de
comunicao. Atualmente, para fazer a funo que antes cabia ao grupo secreto, o Quem deraser um peixe possui uma in boxno Facebook, a qual conta com apenas 21 participantes, os
mais ativos no QDSP hoje em dia, o qual tem servido como local de articulao de aes e
discusso de estratgias. Foi por meio desse canal, por exemplo, que o grupo se organizou
para responder ao arquivamento sumrio, pelo Procurador Geral de Justia do Cear, de uma
ao civil pblica contra os gestores responsveis pela construo do oceanrio.
H aproximadamente um ano, o QDSP possui um canal de contedos no site
YouTube, o Peixuxa Tube. Nele, h uma variedade de vdeos em que os integrantes
10https://acquarionao.wordpress.com/
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tematizam a natureza da iniciativa de criao do grupo, alm de revelar os impactos negativos
do projeto para a cidade e de discutir possveis alternativas. H tambm vdeos contendo
entrevistas com autoridades pblicas e com moradores do Poo da Draga, e outros, ainda,
ironizando a iniciativa do projeto.
O QDSP tambm faz uso do Twitterdesde 6 de maro de 2012 para a divulgao
de informaes rpidas, condizentes com os limites da plataforma. Por meio da
disponibilizao de links, o referido site integrado, desde 12 de maro de 2012, com o
Ustream, o qual permite a exibio de vdeos em tempo real e seu posterior armazenamento.
Pelo Soundcloud, o QDSP disponibiliza o udio de uma entrevista, debatendo o Acquario
Cear. No Storify, h o registro, ainda que esparso, da curta histria do grupo. importante
salientar que todas as mdias citadas tm a capacidade de serem combinadas entre si,capilarizando, de maneira considervel, o fluxo de todo o material produzido e compartilhado
pelo QDSP.
Em entrevista, B.L.11, jornalista integrante do Quem dera ser um peixe, revela a
importncia da diversificao das plataformas utilizadas pelo grupo para sua comunicao.
O Twitter era usado desde o comeo, na poca em que o Twitter estava bombandomuito por causa das hashtags, as twittecams. Na poca, o que estava bombando oQuem dera estava fazendo. Isso tem muito de uma coisa que, desde o comeo, foipensado. A A.S. sempre dizia que o governo tem seus instrumentos: eles tm
marqueteiros fodas e um processo de comunicao muito intenso, e ns, o que nstemos? A gente tem a Internet.
Especialmente no Facebook, o tratamento comunicacional dessas informaes
em sua maioria inseridas em documentos tcnicos, de difcil linguagem e acesso para a
maioria da populao feito por meio da utilizao de memes12, infogrficos, vdeos,posts,
veiculando informaes apuradas pelo QDSP e notcias relacionadas ao oceanrio trazidas
pela imprensa tradicional. Alm disso, o Facebook tem servido de espao de interao entre o
movimento e os integrantes de sua comunidade virtual.O uso intensivo da internet pelo QDSP est dentro do cenrio possibilitado pelas
novas tecnologias de comunicao. Conforme Castells (2003), os movimentos sociais
encontraram na Rede o meio apropriado de organizao, abrindo e desenvolvendo novas vias
de troca social, tornando-se, mais que um mero instrumento, sua mdia privilegiada. Essa
autonomia renovada, expressa na capacidade a que os movimentos sociais usufruem
11Entrevista realizada no dia 15 de junho de 2015.12 uma ideia propagada pela Internet que assume a forma de um hiperlink, vdeo, imagem, website, hashtag,uma palavra ou uma frase, podendo ser compartilhada atravs das redes sociais. (Disponvel em: . Acesso em 14 de fevereiro de 2015)
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atualmente de gerar a prpria informao, de se comunicar com a sociedade sem
intermedirios, ainda que sofra limitaes, assume uma dimenso mais relevante quando se
parte da perspectiva de Castells de que a estrutura dos movimentos sociais formada, em
grande parte, pelos meios de comunicao e de que as redes multimodais constituem o novo
espao pblico da sociedade em rede. Nesse sentido, Schieck (2011) afirma que a
comunicao distribuda na rede tem a capacidade no s de transmitir como tambm de unir
vontades, convocar, atuar (...) (p. 103), proporcionando os meios para que tanto movimentos
quanto indivduos exeram sua autonomia frente ao poder econmico e s instituies do
Estado, construindo uma narrativa prpria sobre os fatos protagonizados por eles.
O QDSP, como no poderia deixar de ser, se insere nesse cenrio. Por ter entre os
integrantes diversos comunicadores, a comunicao assume um papel central na maneira peloqual o grupo conduz as aes e discute as pautas. Como afirma A.S.13:
Talvez pelo fato de ter muitos membros ligados mdia livre, de ter muitas pessoascom esse perfil de dominar tecnologias da comunicao, havia pessoas dessa rea,ento houve, desde o incio, essa preocupao com a comunicao, de no serartificial, de uma comunicao que primasse pela espontaneidade das coisas, pelohumor, pela legitimidade.
Em um mundo onde boa parte da informao que circula tem por fonte veculos
de comunicao diretamente ligados a interesses polticos e econmicos, o emprego das
ferramentas de comunicao em rede, desde o incio, era entendido pelos integrantes do
QDSP como um ponto crucial tanto em oposio ao Acquario, como no debate sobre
alternativas a ele, j que o QDSP sempre ressaltou a inteno de ser no apenas crtico, mas
propositivo. No toa, fruto de um trabalho de investigao e dilogo com os rgos de
fiscalizao do Estado, o grupo conseguiu ter acesso a informaes relevantes sobre a obra
muito antes da imprensa corporativa, pautando-a em diversas ocasies. Nesse sentido, A.S. 14
afirma:
Eu acho que a gente ainda tem essa oportunidade de criar uma mdia nossa praapresentar um ponto de vista diferente da mdia corporativa, apresentarcontrapontos, porque a mdia, se quiser, manipula (...). s pegar o prprio portalda transparncia: o governo pagando milhes para os portais de informaes, para osmeios de comunicao. E fazem negcio. uma mdia corporativa. Em algunsmomentos, ela nos foi aliada, talvez nesse lance de barganhar. estratgia delastambm, mas ns soubemos nos contrapor, e acredito que eles nos respeitem,embora, de um ano para c, nenhum desses rgos liga mais para gente para saber aposio do Quem dera ser um peixe. Se voc olhar, essas informaes no tmnenhum contraponto. Eles preferem acreditar no que o governo diz, preferem nosaber o que ExIm Bank pensa sobre o emprstimo e sobre o que um movimento quepesquisa isso acha da paralisao da obra. Voc no tem nenhum rgo desse de
13Entrevista realizada no dia 15 de agosto de 2015.14Idem.
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imprensa que fale sobre o Quem dera ser um peixe, ou que o Quem dera ser umpeixe esteja por trs dessas aes civis pblicas.
Ainda sobre esse ponto R.V.15, diz que
A opinio publica s se movimenta quando h uma grande reviravolta; a imprensa,os meios de comunicao tradicionais s se movimentam quando h uma grandereviravolta. Ento acaba que as pessoas se cansam de ficar falando. O jornal O Povo,um dia desses, publicou que a obra do Acquario no tinha licena desde o incio, eisso a gente tinha falado muito tempo atrs. Se voc for olhar os arquivos publicadosno Calameo, ali tem muito pano para manga.
Ajudado pela intensidade das trocas nas redes sociais, o QDSP,especialmente nos
dois primeiros anos de existncia, tambm realizou intensas atividades fora do espao virtual.
De acordo com Rodrigues (2013), ao longo de 2012 foram organizadas seis Inundaes,
como foram chamadas as reunies abertas ao pblico, a fim de partilhar experincias com
outros movimentos sociais, divulgar o QDSP e fomentar a aproximao entre os membros do
grupo e moradores do Poo da Draga.
Figura 4: Inundaodo dia 12 de abril de 2012. Fonte: perfil Peixuxa Acquario. Acesso: 2dejaneiro de 2015.
Ainda no ano de 2012, como afirmamos anteriormente, o QDSP criou, com o fim
de servir de estratgia de socializao e divulgao de sua agenda, o bloco Unidos contra o
Acquario, quepintou de azul o carnaval do Benfica, bairro da capital cearense famoso pela
boemia e pela grande concentrao de estudantes universitrios. Unidos por um manto da
mesma cor, simbolizando o mar e fantasiados de peixes, os Peixuxas entoavam marchinhas de
15Entrevista realizada no dia 26 de junho de 2015.
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carnaval, satirizando o empreendimento do governo. Em julho de 2013, integrantes do QDSP
organizaram o #OcupeAcquario, evento que ocupou o canteiro de obras do Acquario Cear
nas noites dos dias 13 e 14, onde ocorreram rodas de conversa e diversas atividades artsticas.
Figura 5: Inundaodo dia 12 de abril de 2012.Fonte: perfil Peixuxa Acquario. Acesso: 2de janeiro de 2015.
Desde o incio, o QDSP teve como uma de suas principais caractersticas a
utilizao de linhas de atuao bem marcadas: a) o recurso a aes ldicas, com o objetivo de
chamar a ateno da sociedade para as pautas defendidas, como as j citadas Inundaes, o
bloco carnavalesco e o #OcupeAcquario b) um intenso trabalho, especialmente no ano de
2012, de divulgao das ilegalidades encontradas e de crtica ao modelo de empreendimentos
que o Acquario representa, sem deixar de tocar tambm em questes sociais estruturantes.
Tudo isso de uma maneira autnoma e horizontal por meio das redes sociais. imprescindveldestacar, tambm, o refgio via institucional, isto , aos rgos fiscalizadores do Estado,
como, por exemplo, Ministrio Pblico Federal e Estadual (MPF e MPE), Tribunal de Contas
do Estado (TCE), Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (Iphan), ao mesmo
tempo denunciando as irregularidades apuradas em aprofundado trabalho de pesquisa e
provocando a atuao dos referidos rgos, por meio de inmeras reunies e articulaes
polticas.
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Esse processo de pedagogia poltica, de provocao das instncias de participao
do Estado e instituio de novas formas de prticas de controle social fez parte, como afirma
A.S.16, de uma metodologia indita de ao social:
Ns queremos popularizar e conseguimos, atravs da nossa ao, mostrar que existiaum Ministrio Pblico de Contas, que era um rgo encarregado de fiscalizar ascontas pblicas, que um rgo que funciona dentro do Tribunal de Contas doEstado do Cear. A gente no sabia o que era um Ministrio Pblico, no sabia oque era uma Lei de Acesso Informao. A gente no sabia da importncia datransparncia. A gente soube ser contemporneo e continua sendo, com osinstrumentais de tecnologia de informao e comunicao que tnhamos mo, e foiexplorando. Ns fomos pioneiros no uso da Lei de Acesso Informao e de portaisda transparncia, pegando esse subsdio e entregando na mo do Ministrio Pblicopara investigar. Ns fomos pioneiros nessa metodologia de ao.
Dessa forma, num intenso trabalho de pesquisa, o QDSP conseguiu coletar um
sem-nmero de informaes sobre o Acquario, as quais, muitas vezes, apoiaram investigaes
levadas a cabo pelos rgos de fiscalizao do Estado. Em uma dessas vezes, juntamente com
o Ministrio Pblico Federal e com o Iphan, o QDSP conseguiu paralisar as obras por 90 dias,
ao descobrir que o governo do Cear havia descumprido determinao legal que o obrigava a
produzir um estudo arqueolgico do terreno antes do incio das construes.
Por vezes, o Quem dera ser um peixe chegava a ter acesso a informaes
relevantes sobre o Acquario antes mesmo dos rgos de fiscalizao do Estado, postando-as
em seu blog #AcquarioNao. Como j destacado, nessa plataforma h vrios dados sobre
ilegalidades com as quais o movimento foi-se deparando. No acompanhamento que temos
feito do grupo, desde o comeo de 2013, pudemos observar, tambm, que h no QDSP uma
grande preocupao no s de colher as informaes e aprofund-las, mas, tambm, de
apresentar a fonte de onde foram retiradas. Essa foi a maneira encontrada para se validar
enquanto produtor de informaes, tendo em vista que os movimentos sociais e grupos de
ao poltica, na maioria das vezes, so vistos com desconfiana pela mdia e pela sociedade,
no gozando dostatussocial de legtimo emissor de notcias.
Tal prtica rendeu bons frutos ao QDSP, tendo subsidiado denncias contra as
irregularidades do Acquario, alm de ter, por diversas vezes, conseguido pautar a mdia
corporativa local e fazer o tema repercutir nacionalmente, atravs de reportagens na Agncia
Pblica17, um dos veculos de jornalismo investigativo mais respeitados do Brasil, que, em
2013, fez uma extensa matria sobre o Acquario Cear, expondo contradies e ilegalidades;
16Entrevista realizada no dia 20 de agosto de 2015.17http://apublica.org/2013/06/quem-dera-ser-um-peixe/
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na Revista Frum18e no blogda professora da USP e, poca, relatora especial do Conselho
de Direitos Humanos da Organizao das Naes Unidas (ONU) para o Direito Moradia
Adequada, Raquel Rolnik19.
Alm do dilogo que mantm com as instituies, h, por parte do QDSP, a
preocupao de chegar sociedade civil, e para isso, se vale, alm das formas de atuao j
citadas, de um trabalho de decodificao da informao. Muitos dos documentos e dos dados
encontrados pelo QDSP em suas investigaes so bastante tcnicos e de difcil compreenso
para a maioria das pessoas. E exatamente aqui onde entram em cena as ferramentas
comunicacionais utilizadas, de modo a fazer com que um relatrio tcnico e volumoso, por
exemplo, seja transformado em um infogrfico, ou mesmo que alguma informao nele
presente seja destacada por um meme ou umpostirnico.
Figura 6: Meme veiculado no dia 26 de maro de 2012. Acesso: 5 de maro de 2015.
18
http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/06/quem-dera-ser-um-peixe-acquario-ceara-vai-custar-quase-r-300-milhoes/19 https://raquelrolnik.wordpress.com/2012/04/03/quem-dera-ser-um-peixe-mobilizacao-contra-projeto-
questionavel-na-orla-de-fortaleza/
https://www.facebook.com/contraoaquario/photos/a.257487344325750.60817.257234387684379/281196128621538/?type=17/25/2019 COMUNICAO PARA MOBILIZAO: QUEM DERA SER UM PEIXE, INTERNET E ATIVISMO POLTICO
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Figura 7:Meme veiculado no dia 30 de maro de 2012. Fonte:fan pageQuem dera ser um peixe.
Acesso: 5 de maro de 2015.
H at um planto de notcias do QDSP, o Planto Glub Glub, onde os mais
novos escndalos da obra so divulgados, mimetizando de maneira irnica as formas
jornalsticas utilizadas pelos meios de comunicao tradicionais. Toda essa movimentao
transcorre principalmente na fan pagee na comunidade virtual do QSDP no site Facebook, o
qual permite inmeras formas de interao, alm de vrios tipos de mdia, escrita e
audiovisual.
Atualmente, o coletivo encontra-se em processo de rearticulao, depois de
denunciar, juntamente com um parlamentar municipal, a tentativa de arquivamento de uma
ao que poder culminar na responsabilizao criminal dos envolvidos na construo do
equipamento turstico.
Pelo que foi dito acima, podemos perceber a existncia de indcios apontando o
Quem dera ser um peixe como uma nova e complexa forma de manifestao social para a
qual ainda no h uma definio adequada. Uns o entendem como coletivo, nos moldes dos
coletivos polticos e artsticos que tm surgido aos montes ao redor do mundo; outros afirmamque o QDSP , na verdade, um movimento, ou, seguindo a definio de alguns autores sobre o
tema, um novo, qui novssimo movimento social. Alguns entendem ainda que o QDSP
guarda caractersticas das duas formas de organizao social citadas, no se vinculando a
nenhuma delas propriamente.
Essa indefinio persiste at mesmo entre os membros do QDSP com os quais
tivemos oportunidade de conversar, no tanto por eles estarem no olho do furaco e,
portanto, impossibilitados de ter uma viso panormica do processo social em que estoinseridos, mas porque, talvez, o QDSP seja um fenmeno social novo para o qual ainda faltam
https://www.facebook.com/contraoaquario/photos/a.257487344325750.60817.257234387684379/283335308407620/?type=17/25/2019 COMUNICAO PARA MOBILIZAO: QUEM DERA SER UM PEIXE, INTERNET E ATIVISMO POLTICO
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parmetros adequados de conceituao, o que justifica nossa preocupao com as categorias
levantadas em confronto com os elementos que temos nos deparado em nossa investigao at
aqui.
1.2Quem dera ser um peixe e a comunidade Poo da Draga: aproximaes e conflitos
O local escolhido para receber o Acquario Cear foi o bairro conhecido como
Praia de Iracema, espao localizado na orla da cidade, onde h um grande afluxo de turistas o
ano inteiro. Situado na Rua dos Tabajaras, o Acquario ocupa, mais especificamente, uma rea
onde antes estava erguido o prdio do Departamento Nacional de Obras Contra Seca
(DNOCS). Esse terreno fica prximo a um condomnio residencial de classe mdia, que vem
sofrendo ameaas de desocupao para a construo do estacionamento que dever receber osveculos dos visitantes do oceanrio. Ao lado, tambm se acomoda uma comunidade, que
completou, em 2015, 109 anos de existncia. Ela popularmente conhecida como Poo da
Draga.
De acordo com Rodrigues (2013), a comunidade localiza-se, mais precisamente,
entre a Rua dos Tabajaras, a rua Gerson Gradvohl, o prdio da empresa desativada Cidao e a
rua Guilherme Blum. Ao lado da comunidade, encontra-se a empresa naval Inace, a qual, ao
longo dos anos, vem ocupando uma poro cada vez maior do territrio do Poo da Draga,
sendo causa de conflitos com os moradores. Cortada pelo riacho Paje, a comunidade possui
uma pequena rea de mangue, onde costumam acontecer grandes alagamentos nos perodos
chuvosos, comprometendo a sade dos moradores, que tm as casas invadidas pelas guas.
Entre os habitantes do Poo, a rea conhecida como favela, pela prec ariedade das
residncias e por ser uma regio de risco.
Informaes constantes no EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatrio
de Impacto Ambiental) de 2011, trazidos por Rodrigues (2013), do conta de que aquela
populao majoritariamente formada por jovens adultos na faixa dos 20 aos 29 anos. A
maioria de seus habitantes recebe at um salrio mnimo. Sob o aspecto socioeconmico,
pode ser considerada de baixa renda. Ainda segundo o EIA/RIMA sobre o Acquario Cear, o
Poo da Draga possui em torno de 1.071 habitantes e 263 imveis. Pelo que pudemos
observar em nossas visitas comunidade e por meio de conversas com os moradores desde
2013, a regio vem recebendo um constante afluxo de novos habitantes, muitos deles,
segundo informaes coletadas in loco, fugidos de outras comunidades devido a conflitos
territoriais ligados ao trfico de drogas.
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Figura 8: Mapa social Poo da Draga. Fonte: Coletivo Urucum.
Apesar de ser umas das ocupaes populacionais mais antigas de Fortaleza, o
Poo da Draga uma comunidade bastante precarizada, no possuindo sequer saneamento
bsico. O sistema de esgotamento sanitrio foi construdo pelo esforo coletivo dos prprios
moradores. De acordo com dados da Habitafor, trazidos mais uma vez por Rodrigues (2013),
92% dos moradores no possuem a regularizao fundiria de suas residncias. Essa falta de
interesse do poder pblico em resolver a situao desses imveis tem ligao direta com o
fato de a comunidade estar localizada em rea nobre da cidade, tendo sido alvo de ameaas de
remoo para zonas mais afastadas. Sem a possibilidade de comprovao da posse das casas,
os moradores ficam em uma situao de fragilidade jurdica frente a empreendimentos que
reivindiquem a rea.
O Acquario Cear se apresenta, nesse sentido, como a mais nova ameaa
permanncia do Poo da Draga em seu territrio de origem. Muito embora o empreendimento
no exija, pelo menos em um primeiro momento, a remoo direta da comunidade, h uma
grande probabilidade de ocorrer um processo muito comum conhecido como remoo branca:
quando uma interveno urbana chega em determinado local, aumentando o custo de vida na
regio a tal ponto que torna invivel a permanncia dos antigos moradores.
Esse processo de grandes intervenes urbanas tem escala global. O gegrafo
marxista David Harvey destaca os traos que caracterizam esse fenmeno. Ele defende a tese
de que a urbanizao foi usada ao longo da histria como uma ferramenta de estabilizao
econmica e de reinvestimento de capital excedente para a produo de mais capital
excedente, condiosine qua nonpara a continuidade do modo de produo capitalista. Dessa
forma, como antdoto s crises locais e globais que se tm abatido sobre o capitalismointernacional nesse comeo de sculo, mais uma vez se recorreu a grandes obras e
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intervenes urbanas como um estabilizador primrio da economia global. Nas palavras de
Harvey:
Mas o processo urbano tem sofrido uma outra transformao de escala. Ele tem, em
resumo, se tornado global. Crescimentos no mercado imobilirio na Gr-Bretanha ena Espanha, assim como em muitos outros pases, ajudaram a fortalecer umadinmica capitalista em formas que encontram paralelos amplos com o queaconteceu nos Estados Unidos. A urbanizao da China nos ltimos vinte anos temseguido um carter diferente, com sua concentrao pesada no desenvolvimentoinfraestrutural, mas ainda mais importante do que o processo nos Estados Unidos.Seu passo foi retomado enormemente aps uma breve recesso em 1997, de modoque hoje a China consome quase a metade da produo mundial de cimento desde2000. Mais de 100 cidades passaram a marca de um milho de habitantes nesseperodo, e o que eram vilarejos pequenos, como Shenzhen, se tornaram grandesmetrpoles com populaes de 6 a 10 milhes de habitantes. Vastos projetosinfraestruturais, incluindo barragens e estradas de novo financiadas por meio decrditoesto transformando a paisagem. A consequncia para a economia global e
para a absoro de capital excedente tem isso significante: o Chile cresce graas aoalto preo do cobre, a Austrlia prospera e at o Brasil e a Argentina se recuperaramem parte por causa da fora da demanda chinesa por materiais brutos (p. 29, 2008,traduo nossa)20.
O modelo de interveno urbana de que o Acquario Cear smbolo no toa
sua concepo se deu no ano de 2008, perodo em que a economia brasileira estava aquecida
graas expanso do crdito, do mercado interno e da alta dos preos das commoditiespode
ser localizado dentro desse cenrio, em que o excedente de capital aplicado em um processo
de urbanizao muitas vezes artificial, que visa atender mais a demandas de mercado do que garantia do direito cidade para a maioria da populao. A prpria construo de um
equipamento turstico milionrio a poucos metros de uma comunidade que sequer possui
saneamento bsico emblemtico desse processo.
Embora essa questo aparea mais como pano de fundo nas discusses do Quem
dera ser um peixe a respeito do oceanrio, j que seus integrantes optaram por debater a obra
sob um vis mais tcnico-jurdico do que propriamente ideolgico21, todos os integrantes do
QDSP com quem tivemos a oportunidade de conversar se colocavam explicitamente contra
20But the urban process has undergone another transformation of scale. It has, in short, gone global. Property-market booms in Britain and Spain, as well as in many other countries, have helped power a capitalist dynamicin ways that broadly parallel what has happened in the United States. The urbanization of China over the lasttwenty years has been of a different character, with its heavy focus on infrastructural development, but it is evenmore important than that of the US. Its pace picked up enormously after a brief recession in 1997, to the extentthat China has taken in nearly half the worlds cement supplies since 2000. More than a hundred cities havepassed the one-million popul
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