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coisasimediatas[1996-2004]
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Heitor .erraz Mello
Coisas imediatas[1996-2004]
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1996 Ateli editorial1997, 2002 7Letras2001 Moby Dick
2004 Heitor .erraz Mello
MELLO, Heitor .erraz
Coisas imediatas / Heitor .erraz Mello/ Rio deJaneiro: 7Letras, 2004
ISBNCOLEOGUIZOS: 85-7577-096-9
ISBN
Viveiros de Castro Editora LtdaR Jardim Botnico 674 sl 417Rio de Janeiro RJ CEP 22461-000
2004
(21) 2540-0130/0037editora@7letrascombrwww7letrascombr
Equipe de produo
Isadora TravassosMarlia Garcia
Valeska de Aguirre
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Sumrio
PR-DESPERTO (2004)Pr-desperto pgina13A catedral se impe (s 17h45) 14Dois nadadores 15Mscara, ou um quebra-cabea? 16Oficina mecnica 17Um problema de imagem 18gua branca 19
.rancisco 20O pescoo da miss Japo 21A escada no vcuo 22No te disse que era capaz? 23Os olhos do guar 24Saturno 25Walking the dog 26Happy-hour 27Nossas microbiografias 28Prolapso 29Conversa no banco 30Outras panes 31Caso de famlia 32Velrios 33
HOJECOMOONTEMAOMEIO-DIA (2002)
Escolho s vezes um objetivo para minhas caminhadas 37A forma de uma cidade 38O homem especial 39Galeria a cu aberto 40Leiteria Mineira 41Viaduto 42Minha rua 43Minha casa 44Entre a delegacia e o convento 45
Morte no cabide 46Ningum 47Trs irms bandeirianas 48O lago secreto 49Explicao 50.errolho 51Arco de proteo 52
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Antes da pedra 53A cicatriz 54Burrice cicatriz 55Dois lados 56Paralisia 57Perspectiva da volta 58Mofo 59Mula sem cabea 60O primeiro morto 61Vspera 62Como uma cortina de flores 63As distncias 64
Engano e perfdia 65Empenho 66.im do amor 67Artigos de casa 68Prevertiana 69Ela amava as coisas 70Leite talhado 71Smoke poem 72
Na medida certa 73Apario repentina 74Espelho 75Agradecimentos: 76
GOETHENOSOLHOSDOLAGARTO e outros poemas (2001)
lbum de famlia 79Conversa de me e filho 80
Lembrana de um velho 81Sombras 82Mos 83Meio-dia 84A cidade navega 85Anjo de pedra 86Goethe nos olhos do lagarto 87Ladeiras 88Parada de So Sebastio do Paraso 89
A MESMANOITE (1997)
Galo 93Onde o ncleo 94Cidade morta 95Dentaduras duplas 96
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Signo 97Noite no quintal 98Mais uma vez Prados 99.ico 100Sono 101Pequena prece 102Noturno 1 103Noturno 2 104Noturno 3 105Noturno 4 106Noturno 5 107Insnia 108
Matria de insnia 109A velha casa 110Viso 111Sexta-feira 112Amar-amaro 113Estrangeiro 114Manh de dezembro 115Tardinha breve 116
A janela 117A morte do vizinho 118As maritacas 119Paisagem 120Outros resduos 121S/ttulo 122Noves fora 123Praia do Chapu Virado 124Poema de 88 126
Depois do filme 127Balada do Aniversrio 128Sem profisso 129
RESUMODODIA (1996)
Poeta 133Jardim 134Lenda 135O sapo 136Procisso 137Memria 138Homem morto: 139Um prdio 140Infncia 141Casa 142
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Uma italiana 143Noite 144Quatro cantos 145O quarto 146O deus 147Noturno 148Quarto de costura 149Todas as manhs 150A velha teia das cidades 151Atibaia 152Prados 153Depois de Guignard 154
O casamento 155Encontro 156Concha 157Roda 158Amarelinha 159Rua Jos Bonifcio 160As bailarinas 161.im de tarde 162
Clair de Lune 163
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(e aqui souJos, Leovigildo, Heitor,homem urbano em geral)
CARLOSDRUMMONDDEANDRADE
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PR-DESPERTO[2004]
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Yo soy un hombre que trabaja en su casaYo tengo que convivir con las toallas mojadas,con los telfonos que no contestan,con los discos compactos tirados en la salaY aunque te parezca bromayo puedo escribir un poema,contestar el telfono,y llamar la atencin a una de mis hijas,todo a la vezEntonces la vida cotidianano slo es una celebracin,la vida familiar es una vidade convivencia permanente,a veces angustiante y torturante,pero siempre, claro,capitaneada por el amor
ANTONIOCISNEROS
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PR-DESPERTO
Certa modstia de alguns quartos de hotel, a rotina dascortinas fechadas vazando pouca luz, apenas o embaci-ado da luz dentro dos olhos pr-despertos Pela ma-nh, o meio-sono irriga imagens de um quarto antigo,um hotel antigo, sem banheiro no quarto, apenas umapia branca de bordas brancas Projetadas no teto, as
sombras de galhos e de um tanque de lavar Apenasum quarto antigo contrapondo-se ao quarto deste ou-tro hotel com a fumaa da caldeira: a mquina do ho-tel funcionando Sonho que caminho pela rua, noencontro os paraleleppedos de outras ruas, o prazerou desprazer momentneo dos paraleleppedos soltos
Crianas de uniforme fazem algazarra entrando e sain-do de tneis de plstico Caminho pela rua com a sen-sao de que estou sem um dos meus sapatos, de quecaminho meio-descalo Olho novamente para meusps: sim, os dois ps esto calados
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A CATEDRALSEIMPE (S 17H45)
O que observo deste 9 andarde um prdio comercialem So Paulo, na alamedaMinistro Rocha Azevedo
o lils de um fim de tarde
em contraste com o resduodourado do sol se pondoem algum lugar, atrs dos prdios
a forma de uma catedralque se desenha no asfalto mido
com suas agulhas espichadaspelos pneus dos carros
O que observo com o corpolevemente fora da janela que o dia acaba do lado de foracontra a continuidade do mercrio
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DOISNADADORES
Nem chegamos ao fim apenas uma pedra modelava suas costasassim comoem suas costasuma seqncia de estrelas modelavaou tatuava
a constelao de escorpioPoderia abrir os olhospor um momento abrir os olhosmareadosde maresiaa areia aderindo aos ps
Poderiaolhar o ntido de uma pintura nativacom o mnimo pesqueiro ao fundorecm-acordadofora do ritmo das ondasSim,poderia chegar mais fundoe onda e corpo e pedra e marresultariamnuma arrebentao
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MSCARA, OUUMQUEBRA-CABEA?
A dor adormeceentre os travesseiros a dor a falta de experincia,de forma,com que se diga dorNo se compreende onde di
o que e por que diH um certo agitar de asasentre falsas folhagensTudo impreciso desde o incio:os olhos negrosos cabelos negros
no sentem a dornem sabem da doro seu preoDentro do carrodiante da esttua do velhoempedernidocom sua ampulheta irritante(o olhar escondidoda coruja estilizada na pedra)a dor se instalouvagavaga taquicardia que no se sabeSabe-se apenas
que a experincia no se acumulouno se depositou(e a dora verdadeira dorse desmascara)
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O.ICINAMECNICA
1A vida mecnica corria pelos dedos Entortava os dedos.urava os dedos O leo espesso dos dias corria pelosdedos Entortava os dedos .urava os dedos
2
Morou no Rio, comprou mquina fotogrfica, cabiano bolso da cala .otografou o Cristo pela metade,antes de colocarem a cabea A chegada do hidroavioJahu Amigos na praia Amigos sentados numa pedra,em roupas de banho, tocando violo numa praia emNiteri
3.otografou com a mquina fotogrfica sua prpriaduplicao sobrepondo sua imagem sobre outra suaimagem, entregando a si mesmo o mesmo jornal do dia
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UMPROBLEMADEIMAGEM
Ele gostaria de segurar o tempono como a ampulheta do velhoentre as mosmas apenas segurar o rostoque o tempo havia reveladodiante de seus olhos
No apenas o rosto, mas as coxaso jeans e a comissura dos lbiosque logo fugiriam pela porta.lores cresceriam por convicoem vasinhos de flores nos beirais das janelase os siriris voltariam com o tempo seco
o calor atpico em pleno inverno
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GUABRANCA
Tento acompanhar meus passosolhar para baixode cabea baixaa crista baixae o silncio que percorre folhagenssecas
quase sempre secasSe fosse mais velhofalaria de roubo e peculatoe da vontade de entender o que aconteceMas acompanhoo desespero dos peixes
que deslizame se desmontamembaixo do meu tnisAlgumas manhs so assimarrastando pedras no parquequando noatrs de meu filhoque corre atrs de uma bolaat o lago espessoe sem reflexosucessivamente
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.RANCISCO
Debaixo de seu chapu verdevoc esconde os olhoso rostoenquanto vasculha na areia da praiaalgum palito de sorvetealguma concha
algo que possa rapidamente ser transformadopelas palavras que acabam de chegarH um limite tcitoentre esteiras e guarda-sismas que voc desconhecee j revira
sob o olhar assustado de um garotoe sua meo baldinho amarelo de guaque agora tambm seuDebaixo de seu chapu verde(que usamos para encontr-lo)o limite a extenso de todos os espaose a onda pode subir ou baixaro susto o caldo
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O PESCOODAMISS JAPO
De manho sol entrou por aquela porta aliatravessou todo o corredorlevantou uma constelao de poeirae foi iluminar a fotografia que estava escondidano fundo
na ltima parede
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A ESCADANOVCUO
(de um poema de Adlia Lopes)
A casaj foi derrubadamas ainda restano espao
sem tijolosentre criese tapumesa escada que sobe parao vcuoque range ao pesodo corpoO tempo no contao tempo perdidoentre o primeiroe o ltimo degrauConta somentea escada
como deve ser atada ao chodesatada ao cu
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NOTEDISSEQUEERACAPAZ?
Havia um festival de salmo .lores rpidasE eu estava com raiva de algum que me disseque eu no passava de um velho,com manias arqueadas de velhoNuma noite, mudei todos os quartos de lugar,e passei a madrugada montando a estante de livros
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OSOLHOSDOGUAR
Os olhos do guar do outro lado da janeladesorientam o tempoe a mulher de casaquinho pretoque se despede com um aceno
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SATURNO
p/Cludia
Diante do espelhoela se fixa em algum detalheque no perceboTudo que a cerca
um detalhe que fogee se fixa longe um vincoa dobra saturniana do lenol
Ou apenas isso:um nico fio brancoque brilhafuriosamentena densidadede seus cabelos pretos
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WALKINGTHEDOG
Mal me levantotomo o caf-da-manhe penso no co,corpo de feltrolargado na estradaMal me levanto
e j me sintoensanduichadoesborrachadoesprimidoe reduzidoao olhar do co fugindo
atravessando a ruacom direitode cidadecomo os de Jude Stefan ou seria embaladoliofilizadocomo no rquiem de Ruy Belo?Com os sentimentos atoladosem coisas imediatasdeixo o coseja de umou de outroAs coisas imediatas
(em conflito permanente)me levam para o carro
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HAPPY-HOUR
p/ Tarso de Melo
daqui que eu falo,de nenhum outro lugar
da luz de mercrio,
do vidro fum, do abajuraceso no prdio em frentee que se torna to ntidoque quase se isoladentro da janela
daquiapesar de eu mesmosentir que me faltoe me falto tantoque nem sei se sou euou a saudade que no consola
daqui,onde perteno,entre um bloqueio e outrode fora e de dentro
deste lugar,quando a tarde baixaentre coisasreplicadas
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NOSSASMICROBIOGRA.IAS
s vezes acontecedo acasoinconfortvelabrir uma brechana rasteira do presentee alguma imagem
que estava presase libertarDo silncioescapa um rumorde risos e vozes(talvez na ponte
sobre um velho ribeiro)e braos longos e desajeitadosde um garotalonga e desajeitadase acomodam sob as coxase outra garotaesconde a timidezde uma gargalhadacolocando a mo na boca
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PROLAPSO
No caminho de voltaapalpando o peito, o pnicode uma dor incertacomo se fosse angina pectoris
Ou apenas l de dentro
soando o alarma invisvel a vida um adeusinho
Na enfermaria, vocfez todos os exames,
e aguardou o diagnsticono conta gotas do soro
.ulminado: sem saberse haveria um logo depois(na sala, com os filhos) ou nem tempoda cabea cair para o lado
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CONVERSANOBANCO
p/Marcos Siscar
No se sabe onde ela se encontraou onde a encontraremosse com as mos metidas no bolso
ou a capa preta cobrindo o rostoNunca pergunte por ela:quando voc a pressenteno como ela , mas apenas comose projeta no presenteCria aquela sensao de vcuode escada aberta, de morto-vivosem projeto imediatoEla se projetasem qualquer outro objetivo dar uma volta no parquesentar num banco de cimentoas mos no joelho
e observarpatos e gansos se bicaremdentro e fora da lagoa escura
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OUTRASPANES
Tudo parece uma besteira,a experincia diluda no cotidiano,at que vemuma dor de cabea
uma ressaca de tudo:
o amor, a memria e outras funesinevitavelmentese perdem
e o corpo procura um pontode fuga, um lugar
onde se resguardarcomo se acobertasse um crime
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CASODE.AMLIA
Tudo se torna folclricoo trgico familiar caindo no risona gargalhadaa morte numa escada de bardepois de um briga estpidaperde o sentido
como os acontecimentosa preocupaoa dor
Essas coisas acontecemos episdios no so reconstitudos
como crimes nos jornais:os rfos no choram a morte trgica do paio sangue no penetra as escadarias de azulejo apaga-se, como o nomemastigadonuma conversa de cozinha
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VELRIOS
Como se eu imaginasse: como seria no dia em quevoltasse, ou melhor, algo mais recorrente, a idia deque as coisas so imutveis logo aps, ou mesmo scu-los aps, as deixarmos onde estavam? As coisas e aspessoas No dia em que retornasse, elas estariam tal equal a minha espera e, depois disso, enquanto eu esti-
vesse ali, elas existiriam, se colocariam em movimento(algumas at morreriam, velhas e cansadas da mesmaposio, enfim libertas dessa priso da minha mem-ria, ou da memria que eu fao delas) Seria assim:novamente eu passaria pelo Velrio da Quarta ParadaEncontraria as mesmas pessoas me aguardando para o
velrio do meu av paterno Um pequeno vu, cheiode micro-furos, cobriria seu rosto, a linha da testa, asalincia do nariz, os cabelos raros brancos As facesafundadas, sem ar O ar de fora tambm se encontrariaparado J observei isso: quanto mais olhamos e vela-mos nossos mortos, fixamente, o ar em volta tambmpra Primos circulam pelos corredores brancos com ocheiro estufante de flores Primos que envelhecerammuito enquanto eu permaneci o mesmo O trilhoamarelo dos dentes O cabelo acaju A loja de produ-tos religiosos Obras de reparo na piscina da academiaO p que foi descascando, descascando at ser ampu-tado e j era o incio de um cncer de pele Mas isso foi
num outro velrio, de uma tia que morreu de infec-o generalizada, aos 79 anos Isso foi num outro vel-rio Nunca faa promessas para defuntos Ele saiu, foiao bar, tomou uma pinga e voltou Estava um poucogrogue E fica difcil retornar ao incio, ao como seria,
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como seria se eu retornasse mesma cidade onde esti-ve h muitos anos No fao promessas Seria possvelencontr-los todos parados dentro do tempo como ago-ra se encontram em minha memria, ou na memriaque fao deles Todos estticos numa mureta baixa, decolunas baixas e speras, de cimento spero, todos en-costados, ou sentados na borda, enquanto embaixo cor-re a gua rala de um ribeiro
*
Envelheci muito Lembrar j no tem mais serventia
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HOJE COMO ONTEM AO MEIO-DIA[2002]
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para Cludia, Chico e Isabel
Afinal, meu velho, so trinta anoshoje como ontem ao meio-dia
.RANCISCOALVIM
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ESCOLHOSVEZESUMOBJETIVOPARAMINHASCAMINHADAS
(desentranhado de Posie:de Jacques Roubaud)
Escolho s vezes um objetivo para minhas caminhadasSigo por uma rua cujo nome me seduziu
Sigo por uma rua que algum indicou para minha[coleo de ruas particulares, minha caderneta de ruasUma rua sem alegria uma rua calma uma rua abstrata
[uma rua carregada de signosUma rua acariciada pelas rvores, com pssaros retrteisUma rua que s tenha canto de rua uma rua sem
[nmerosuma rua lotada de carros estacionadosuma rua com escadasuma rua plana uma rua baixaUma rua inverossmel uma rua tranqila uma rua
[crpulaTrs ruas pretas,
duas ruas brancasExamino o desenho das caladas, suas fraturasConto vasos de flores, lavanderias e janelas
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A .ORMADEUMACIDADE
Tenho acompanhado a cidade:contemplo-a do altodo teto
o hospitalsilncio de pedra cortado por sirenes
E os doentes? Silncio
Do altoa cidade circulare a nica mulher sombraperna
janela
um gato reconhece a runae no desceme olha de longeme esquadrinhae no desce
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O HOMEMESPECIAL
O homem especial caminha na hora do almooEntra num restaurante e procura um lugarde onde possa ver a rua atravs da imensa vidraaO homem especial mastiga a comidae v a rua que passa em frenteondulaes de cabeas
e a esgrima de guarda-chuvas e jornaisO homem especial come caladodestroa uma torta de morangos a hora especial de sua torta de morangose nvoas de caf
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GALERIAACUABERTO
O pequeno comrcio persistentea tudo transforma em 1,99as lonasos cadeados perfiladosforam gerados sem muito custocomo se sempre estivessem ali
naquele trecho de ruacom cartes telefnicos.alar com quem? ondemora a mulherdo estrangeiro que acorda?A tnica
de lixo preto cobre meu corpoEis-me aquicada dia mais moovendendo brinquedose guarda-chuvas velho prncipede um pas chuvoso
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LEITERIA MINEIRA
Com po petrpolistorrada secatorrada americanaenquanto Sofia no chegaenquanto Sofia no divisel da frente a mesa do fundo
aveia com ovomaizena com um ovocremogema com um ovoe pea um conselhoe fale de um livrocom gestos e xcara de ch
a xcara de ch de volta ao piresentre uma gota e outra gotadelicadamente sorvidasTorrada com melMingau sem ovo?Antes que Sofia cheguee fale e tome delicada seu cha esperapede uma torrada Petrpolisa demorapede uma torrada francesae uma gorjeta fora da nota
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VIADUTO
Agora seique no deveria terolhado comoquem espiaaquelas janelassucessivas
que se vdo alto do viadutoaquela mulherque arqueadacosturava em silncio(um silncio que
no pedia meus olhosinvasivos)aquelecara sem camisanuma penso baratalimpando a canetade lata na esquadriada janela e quenum relanceolhou a rualogo abaixo
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MINHARUA
Em trs quarteiresseis sales de belezauma delegacia
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MINHACASA
Minha casa um refgioDe noitequando o sono no chegavou at o porto para fumar um cigarroO homem protegidosob uma pequena marquise de uma garagem
fala sozinhoigual ao meu filho quando brincaO homem imita conversase revolve uma sacola de supermercadoAfasto-me do poema que os olhos espiespoderiam indicar
Refugio-me entre artigos da casaretirando preosAquele homem sob a marquisepermanece inabordvel
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ENTREADELEGACIAEOCONVENTO
Entre a delegacia e o convento de freirasa intermitncia de sirenes e rostos(o que se banha na torneira de uma casa vaziae o que no se banha na torneira de uma casa vaziae esfrega o nariz na manga da camisa)Esta rua tem olhos espessos
sob o arco complexo da sobrancelhaTalvez seja melhor no persistirA durao de cada atode cada movimento de rosto curtaA respirao curtaA distncia at a morte curta
Todas essas horas so curtas e aguardam a[invarivel sireneque estoura vermelha e azul no muro das casas
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MORTENOCABIDE
p/Vanderlei
H pouca realidadenum morto preso a um cabideum mortoque j no est no corpo
e apenas a roupaque vestia pouco antes de morrerAs pernas de suas calasbalanam no vento, balanamdentro de uma noiteque abandonou o dia
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NINGUM
Preso dentro do sonoo peso enorme da cabea que tenta um giroas pernas enganchadas na grade do beroda noite que se altera por uns poucos, muitos pssarosDo lado de fora os gatos em posio de unhaschoram mais alto que meu filho
Os gatos arranhados fora do sonoas pernas como num gesso de GiacomettiOs gatos de luz sem luzMe levanto atordoadoouono tem ningum
Meu filho dormeMinha mulher dormeOs gatos somem
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TRSIRMSBANDEIRIANAS
Janana,que lindos olhos, Janana,neles caberia a noite,todas as noitesNos olhos de Yara,o sol,
todos os diasE nos olhos de Moemacaberiam os meus somente os meus
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O LAGOSECRETO
Tua cabana entre duas camaso esconderijo secretoas crianas cavam buracosno cho(uma, satisfeita, diz quefez o lago Titicaca a outra
procura um balde de gua)Pelos buracos fugiram 19 presosque estavam nas celas do 23 DPOs helicpteros sobrevoamnossa casa, voam baixo,com metralhadoras suspensas
Meu irmo morreu em cima da rvoreAs crianas se escondemdentro de tneis de lataProcuro a senha (uma data)
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EXPLICAO
No sei explicaro que me motivoua colocar fogonaquele pinheiroem frente de casa
No era a belezada chuva vermelhaNem a necessidade de calornuma manh sem abrigo
Havia um fsforo
uma caixa de fsforos
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.ERROLHO
O vento pe barriganas cortinas faz um corpointeiro se desprender da janela
Com o vento essas coisas
podem acontecercom as bochechas do ventotudo pode acontecer
Recolho os olhosimpossveis
no desejo de me arremetercontra o ar das cortinas
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ARCODEPROTEO
Assim passam os diaso estalido montono dos trituradoresA cabea cheia desse rumor que no se sabe bemde onde vemCinza cinza cinza cinzaalterando os guarda-chuvas com grande variedade
A esgrima da esquina era por um pedao de po?por um gole de chuva?As grades de proteo j no permitem vere barram os ouvidos moucosO menino de colo segura nas grades com as duasmos
e sorri de uma folha que estala na rvore
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ANTESDAPEDRA
Antes de dormir, meu filho brinca na camacutuca meus olhos, a salincia sobre a plpebracavuca orelhas, nariz e bocaRepete o jogo num divertimento de embaloAntes de dormir, fecho a porta, confiro janelasA mariposa sobre a mesa azul parece uma pedra
Sopro sobre elaAs asas se movimentamum poucoacertando-se com a resistncia do ventoe retornamcoisa entre coisas
uma pedraMeu filho volta-se para o lado e dorme (caminho s[escuras)
A mariposa sobre a mesaA mariposa morta sobre a mesatalvez no durma
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A CICATRIZ
De repenteera uma curvade ruauma noitecheia de interrogaescomo tantas outras
escorpioera a cicatrizno cu
No sei se era dorou simples
contentamento de quemcaminha e topacom a constelaoa mesma que regeo dia do nascimento
A cicatriz de quemse agacha para lavar os psna bacia velhade alumnio e deparacom a marca do tempoe um punhadode estrelas
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BURRICECICATRIZ
Memria zerozerada desde o incioesqueceu o que foi lidopalavras que aprendeunum caderno com desenhosO exerccio de matemtica
era um caramanchoderramado na pginacolchetes e chaveschaves e colchetesA memria aprisionadaonde? onde no h trao
nem cicatriz
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DOISLADOS
Era um ptioum ptio entre janelas e cascalhos do choUm homem chega de lambreta e diz que ele estmuito doente preciso rezar muitoUm garoto atravessa o ptio
abrindo caminho entre os cascalhos do cho e afileira de janelasJ no se pode ver o movimento dentro do quartoO padre com asas de urubu levantando-se da cadeiraA lambreta arranca por uma alamedarepetindo berros de urubu
7/29/2019 Coisas Imediatas
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PARALISIA
Depois de todos os esforoscontinuou o empurra-empurraforam parar mais longenum difcil acessoA estrada de terra passa diantede um hospital municipal
com algumas janelas acesasNa fotografiaele estava na frente de um bar fechadotinha trabalhado na obraTalvez tenha sido depoispouco tempo depois
que morreria na cozinhamastigando a couve do almooQuando telefonam:a saudade e a netinha que nasceu(a cabea era uma gelia)Um frio no ouvidoaquele bar fechadoe a bolinha de tnis na mo
7/29/2019 Coisas Imediatas
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PERSPECTIVADAVOLTA
A perspectiva a de um carrono a de um carro estacionadoas horas contando no bilhete azulUm carro em movimento numa cidade chuvosaeternamente chuvosaalagada
onde as ruas contamde modo diferenteOs irmos sentados na porta de uma mercearia debairroOs irmos doentesele e ela sempre doentes e de culos verdes
mentalmente doentesquando o carro passa em frenteA imagem se confunde entre as mos na direoa janela molhada e os dois irmos doentes na portada merceariaSorriem para algum que est foraDentro do carroo observador annimocomo de dentro do nibus ou num txialgum que volta para trazer presentesmostrar os filhosa perspectiva oblqua do carro a chuva
em movimento
7/29/2019 Coisas Imediatas
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MO.O
Mal acomodado em bancos azuiso bairro passa num relanceele no sabia de onde vinhanem para onde iaO aougue de 1922a mercearia vizinha
Houve pocaem que os bancos eram vermelhoscomo as carnes expostas em ganchosEram vermelhose no cicatrizavamo corte dos estiletes
O pai e seus filhostodos velhosculos fundos de garrafatodos velhosinfantilizados pela doenaUma pomba caminhava na frenteenxotada pela bengalaMudaram a cor dos bancospintaram a fachada do aougueSeu Andr morreuDona Preciosa morreuAs carnes pelo lado de foraenchem-se de moscas
7/29/2019 Coisas Imediatas
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MULASEMCABEA
A coisa se passou em Poos quando ainda era muito[criana
Depois que a sombra de uma velha bruxaapareceu refletida na parede do quarto do hoteltudo poderia acontecerE foi assim que atrs de um muro alto
num terreno baldioo relincho de uma mula-sem-cabea retiniu na noitee vibrou nas caladas
7/29/2019 Coisas Imediatas
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O PRIMEIROMORTO
O primeiro mortoestava estendido numa tosca mesa de madeirano poro escuro da Santa Casa
Morava na Banheirae tinha parado de beber
para no dar mais desgosto aos filhos
7/29/2019 Coisas Imediatas
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VSPERA
Uma caixa escuraroxo manto que a recobresem clarinetas ou requintas
S o sussurro de sandliaslixando as pedras
da rua
Aprendemos a carreg-lasobre os ombrosA fora dos braos resistemao peso morto
ao rubi que escorregapelo rosto polido
A noite se fecha por dentroenquanto a cera das velas queima as mos di, como dio resduo que brilhanessa correnteza desfiguradalentamente
7/29/2019 Coisas Imediatas
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COMOUMACORTINADE.LORES
A manh tinha o horrvel cheiro de sanguecouro e cabea de boi mortoOs lenis eram sperose o colcho era duroNo havia vaga nos hotise algum me indicou esse lugar
no final da estradacom um cachorro na portaComo cheguei aquidepois de ter viajado noite inteiraa procura de uma cidadeda qual s me lembrava da fumaa
protegendo os telhados?Na janelauma cortina de floresdisfarava a paisagem do matadouroe alguma coisa comondoas de tempo se abriamininterruptas
7/29/2019 Coisas Imediatas
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ASDISTNCIAS
H muita distnciaentre um homem e uma mulheras costas grudadasna areia da praianuvens velozescomo pernas numa maratona
ou aros invisveisde bicicletaspelas montanhas francesasAs distncias cronometradaspelo corredor de uma casaenquanto a fria
deixa registros doloridosna areia da praiaO homem sonhaA mulher tambm:a inscrio nas nuvense nas ondasque ainda podem correr
7/29/2019 Coisas Imediatas
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ENGANOEPER.DIA
Essas mulheres poderiam estar aqui ou em outro lugarPor exemplo, quando saem da academia com roupa
[de ginsticanada escondem, nada revelam dos seios redondos
[e intactosOs mamilos respingando na janela do carro
A mida luz de uma marquiseVoltam para casa cansadas da chuvaAtravessam a ruaabraam-se pela cintura numa determinao de gestosem abandono ou engano
7/29/2019 Coisas Imediatas
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EMPENHO
Um colar de prolasacondicionado numa caixa de madeiraescondida atrs do armrioEssa mgoa como as traasri, ri o quartoEnterrei meus amigos no quintal
num buraco que Janana cavoumeus amigos me traram nessa horaem outras horas, mesmas horasque a boca do peixe engoliuEmpenho esse colar de prolasque minha mulher ganhou do primeiro marido
essa mgoa de amigos
7/29/2019 Coisas Imediatas
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.IMDOAMOR
Tenho passado no noites inteirasfora de casacomo gostariamas parte delase no seise pelo fim do amor
ou to somentepela calma incessante que ele traze minha alma no contentaQuem disse que filho para sempre?Um dia se voAi de voc se esperar
7/29/2019 Coisas Imediatas
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ARTIGOSDECASA
Domingo chuvosoA persiana aberta pela metadepara entrar um pouco de luzGotas batem aqui e alimolham o tecladoEsta hora
igual a tantas horasaqui dentroali foraum corredor que atravessao tempomeu tempo de rixas
O amor entra no banhosai do banhoveste as sandliase volta para cama
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PREVERTIANA
Um guarda-chuvacai no cho de braos abertosUm homem sonhaem partir e a mulhertem uma furiosavontade de viver
Enquanto a moque alisa o seiol vermelha que palpitaalisa o pescooe o tronco marcadopelo canivete do beijo
pela lembrana do fsfororiscado no escuro
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ELAAMAVAASCOISAS
Ela amava as coisascom muita delicadezaEla amava os vasosas xcaras as toalhasEla amava os brinquedosos aparelhos eltricos
os secadores de cabeloseus cabeloscom muita delicadezaComo as florese a chuva interminvelno ptio
interminvel como seu amoro amor que ela sentiae era fortepelas coisas da casaos pequenos detalhesda sala em ordemO cheiro de lavandacreme de lavanda para pelecaf com leite pela manhpo e manteigaEla amava as coisase hoje me inclino no ventoe a vejo saindo
sem as coisas que ela amava
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LEITETALHADO
Bebo leite de lataMANUELBANDEIRA
Estragou-se o domingocomo o leite talhado numa pequenapanela sobre o fogo
da cozinhaO poeta Manuel Bandeirausava uma panelinhaonde cabia o leite certo para uma xcara de leitealgo como 200 ml de leiteum quinto de uma garrafa de leite
quando o leite ainda vinha em garrafas de vidroDepois o leite passou a ser vendido num saco plsti-couma teta plsticaque se contorcia nas mose hoje temos o leite A e B em garrafas de plsticoe o leite UHT
o que significa dizer Ultra Alta Temperaturano qual envasado em segundosnuma caixa de papelo forrada por dentrocom material assptico
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SMOKEPOEM
A fumaaque sobe do cigarronuma salamal-iluminada
roa o nariz
tateia os olhose logo desaparecena sombra
As idias se recolhemabsortas na fumaa
Aqui, perdoem,no h nenhum pensamento
7/29/2019 Coisas Imediatas
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NAMEDIDACERTA
Procuro um cinzeiropreciso muito desse cinzeirode vidrosuas trs pequenas depressesonde apio o cigarroenquanto nado
na inconseqente fumaaEsse cinzeiro ajuda a comporo ambientea janela que d para o ptioNo um deus de vidronem nada que o transcenda
a piscina de cinzaso arquivo mortodas descobertas pessoais
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APARIOREPENTINA
(de um texto de Naum Gabo)
Uma estrela cadente cortando o escurotraa a respirao da noitecomo o tempo breve da luz numa agulhaou a tesoura que desliza sobre o pano num quarto de
costurasImagens que no tenho como alcanarA estranha dor na perna amputada e a respirao dosonho recorrente:baratas entrando e saindo por uma fenda no teto
7/29/2019 Coisas Imediatas
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ESPELHO
Antes de sairconheo o itinerrio que a cada manh repitoque todas manhs refao
Um itinerrio que o tempo no abordapor este canto
esta margem de calada
Repito fraturas de cimentodomesticadas pelo sapato
Conheo o itinerrio
o rosto por dentro do armrio
(apenas uma nova mancharevela que outras rvoresnasceram no calamentoentregues ao acaso)
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AGRADECIMENTOS:
Bolsa Vitae de Artes
Zuca SaldanhaCarlito AzevedoRevista Inimigo RumorManuel da Costa Pinto
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GOETHE NOS OLHOSDO LAGARTO e outros poemas
[2001]
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Para Cludia e .rancisco
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LBUMDE.AMLIA
Entoele se sentounum banquinhoajeitouo chapu de feltrocolocou o filho
mais velhoao seu ladoem pe se deixou fotografarEntoela se sentou
no murinhoda casaesticou o vestidocobrindo os joelhossorriupara a lentee tambmse deixou fotografar
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CONVERSADEMEE.ILHO
Morreu na cozinhamastigando a couvedo almoo
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LEMBRANADEUMVELHO
Desde queo puseram sentadonuma brechaque haviano muro do cemitrioo tempo comeou
a fazer pequenosestragosno manto de pedrana ampulhetade pedrana mo direita
e no braoestendido esquerda
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SOMBRAS
Ao menos, dentro da igreja, h sombra(ADLIA LOPES)
Gostava de entrarna igrejana hora do almoo
o centro apinhadode corposo sol batendonas vidraasas vidraas batendonos meus olhos
e dentro da igrejatudo era silncioescurido e frioo olho aindaembaadodo choquee como quem acorda
num cantoum santocom o rostoerguido para o cue nos seus po brao amputado
de um ex-voto
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MOS
as mesmas que envelhecerame foram como galhossaindo do prumo
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MEIO-DIA
Na hora do almooo sol do meio-diarecortaum tringulona sombraonde o operrio
em frentecome sua marmitae toma um refrescode laranja as mquinasparadas
do a impressode que elese acomodanum ventrede luz
7/29/2019 Coisas Imediatas
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A CIDADENAVEGA
(desentranhado de umaentrevista de Chico Alvim)
Tenho a sensaode estar no marventa muito
as casas rangemvoc est num bondee de repenteuma gaivotapassa ao lado
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ANJODEPEDRA
Apenas um anjo de pedra bem ao lado do tmuloas asas com marcas de bala e o rosto completamente
[desfigurado(Nilza viu no jornal que os vizinhos tm reclamadodos tiroteios que ocorrem durante a noite
[no cemitrio)
Ento, sento no quintal da casa de meus avse a boca escura do barraco me lembra o anjo
[de pedrameu av e suas ferramentas de trabalho
7/29/2019 Coisas Imediatas
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GOETHENOSOLHOSDOLAGARTO
Ningum olhou para cimapara cima, digo, para o morroque cercava a casapara o morro que guardavaa pedra, a pedra que escondiaum lagarto, um lagarto que tinha
nos olhos o demnio do medoa pedra desabou do morroo lagarto se esgueiroue a empregada viu dois olhosbrilharem no meio da mata
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LADEIRAS
p/ Guido Campos
tempo de subira ladeira amoldaro p que j se esquecia
sentir que a solado sapato um couroa forma exata do p
e se ajusta poucoa pouco forma antigado paraleleppedo
se ajusta como seencontrasse no choo que no mais existia
um certo prazerirregular de quem andase mistura, se funde
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[89]
PARADADE SO SEBASTIODO PARASO
(de um verso de Haroldo de Campos)
Ningum caminhapor essas ruasningum aparece numa janela
num mnimo rasgode portapara olhar o nibuspassandode madrugada(a cidade se reduz a umaruauma nicarua friade lmpadasamarelas)O alto-falante silenciosoespera o sol
nos olhos do boipara a primeira orao
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A MESMA NOITE[1997]
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Aos amigos da Von Martius
Clara manh, obrigado,
o essencial viver!
CARLOS DRUMMONDDE ANDRADE
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[93]
GALO
Tenho dado cabeadas,cometido erros, crimesde tolice e descuro
A vida perdeu suas flores,perfume agressivo
rebentando o muro
A janela se abre em abismode tanto britar angstiaprpria de morituro
Do fundo algum grita(trs vezes o galo canta) por onde me apuro?
010495
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ONDEONCLEO
Onde o ncleoque tanto ansiava?
talvez uma cidadeengolida pelo mapa
ou pela prpria runade suas fachadas
talvez aindaa palma da mode linhas confusas
(outro mapade obscuro destino)
onde o ncleoque bombeia estes olhoseste sentimentocada vez mais confuso?
talvez floresbagagensdescarregadas em bairro novo
1096
7/29/2019 Coisas Imediatas
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CIDADEMORTA
Elas vivem em mimcomo cidades enrodilhadasuma cutucando a outraatravs de uma janelauma fachada cansadaou o cheiro to comum
nos finais de tardede ensolarado outono
Ouo mesmo daquivozes de um meninome mostrando na sala
o assoalho velhomarcado pelo tempopelos ps do seu ave num cochicho:aqui moram os mortos
Posso estar distantedividido por uma estradaum mata-burroo edifcio alto quando menos esperoas duas se desenrolame uma vira outra
outra antiga e jamais
010497
7/29/2019 Coisas Imediatas
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DENTADURASDUPLAS
Os primeiros dentesprocuravam sua sepulturanos telhados
E l ficaramcravados no espao
170397
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SIGNO
Todo dia, esperoum pouco maisSe caminho pela rua,nenhuma pedra,calada irregular,solavanco de memria
e estrelas reconduzidasao cu posto
170397
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[98]
NOITENOQUINTAL
p/ Noeli Pomeranz
A noite no fundo do quintallembra o cinema de sombras na paredevento no arbusto sacudindo medo(formas de bruxas noturnas
terror de mula-sem-cabea)
o fundo da noiteestampado na memria
me puxa pelos ps
300397
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[99]
MAISUMAVEZ PRADOS
So os sinos,so os sinos de igreja que no meio da noiteme atormentam
So as escadas espiraistalhadas em pedra e traio
a janela do quarto,retngulo de madeira,aberta de madrugadae um lobo-guarcomo guarda-noturno
So os sinos da igrejaou o grito desesperadode uma requintaanunciando os dias escoados
240693
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[100]
.ICO
Sabendo-me defuntocom todas barbas de molhoacompanho o dobre sineiropela escada
em caracol de pedra
Na extrema-unomeus passos escavampouco maisseus degraus
So sculos arrastados
em arenoso silncio
190991
7/29/2019 Coisas Imediatas
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SONO
Tudo vai revertendoem sono forteImpulso de fugapara o pas vrioda insolncia do sol,da tempestade
temperada em sonhoO sono vai correndoardilosotodas as formas,dentes,olhos por fora
E o corao pradiludo no copo dguaao lado
230696
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[102]
PEQUENAPRECE
J no peo muito coisaalm deste vento, desta luasem grandes mistrios nem tumultos:simplesmente ficar envolvidoconfusosem que nada mais nos una
300995
7/29/2019 Coisas Imediatas
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NOTURNO 1
O corao no sabe por que pulsanem os olhos o que olhamA noite avana com todo seu pesoesmagando cu e desejos
J sem luz,
a noite condensa os contrrios
190196
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[104]
NOTURNO 2
A lua tamanhano mais seduz
Para sossego do corpoo cu ausnciacompleta de luz
J no consigoo olho complacente:
pureza dor,incomunicvel morte dos sentidos
240196
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[105]
NOTURNO 3
Ausncia de mare montanhas Ausncia
de corpoque entrebraosse insinue
de peleterra molhada e nua(aberta)
Ausncia de abismo
e horizonte Ausnciade algo maisou estas mos vazias
240196
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[106]
NOTURNO 4
Vnuscada vez mais distante cu sufocado de nuvens
Olhosprocuram uma brecha
rastro provvelde provvel avio
Vnus dissimuladaacima de tudoacima de todos
Vnus distanteno horizonteno colo discretodo mar
250196
7/29/2019 Coisas Imediatas
107/169
[107]
NOTURNO 5
Apenas a lmpadame retira da solidome devolve a este cantodeitado no sof
.echo os olhos com fora
tento deslig-ladesligar-me
Apenas os olhos rivais da noite se acostumam
solido e desnudam
290196
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[108]
INSNIA
A vida incomodaeste vaso sem floresfora do lugar
estas vozesrepentinas
risos, gemidos,altas horas
incomodam:
febril armadilha
deixando nos olhosum duplo incndio
130197
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[109]
MATRIADEINSNIA
Recolhe-se nos nervos,matria de insnia mulher, lua de ningum,recostada na soleira
Ao fundo, falso lusco-
fusco espalha-se na paredefundindo nos olhosuma dupla imagem
Ultrapassa a prpria mulher,o batente da barriga
onde reside o desejoe a dissoluo dos ossos
Parece mais meia-luanum meio-vestido frescorecortada sutilmente pelasmile memria do sol
Todo corpo recostadooferecido em parntese(fechado em parntese)fluindo nas plpebras
E s de olh-la, no relance,pego desapercebido,revela, alm da fuso,o ltimo suspiro do umbigo
200297
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[110]
A VELHACASA
Havia sempre no passadoo momento de grande gargalhadaCorramos pela casacomo duas crianase sacudamos os leniscom nossos corpos
Tnhamos em comuma admirao da luae um certo jeito de olhar o mundoE mesmo hoje no passadoem que j nos encontramos distantesainda corremos pela casa
pela casa desabitadaE s
290697
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[111]
VISO
Escuto os sapatossocando as pedrasdo corredornuma pronuncia particular
Eis que avanam
passo a passoe saias danamsem embarao
Vo pisandocom tanta fora
em mim que eles pisam
Vo marcandocom tanta fora
no corredorno passa ningum
210596
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[112]
SEXTA-.EIRA
p/Paulinha
Calcanhares pontudoscaminham pelo andar de cimaCalcam angstiavontade de mudar de nome
endereode vida
nessa ilhade paredes brancasRobinson urbanodiante da fatalidade
irremediavelmente s
060797
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[113]
AMAR-AMARO
Me desfao de qualquer conclusoou expectativa
A manh avana desfazendo-seda insniae de todos rudos (seriam estrelas,
sntese em campo spero?)
A ansiedade no me convmdeixo todas notas pendentes
(no fundo da xcara
raspo o melado caf dociamargo amaramaro
insolvel)
011196
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[114]
ESTRANGEIRO
O caf tomado na esquina meio de ladono balcoa ponto de observara manh que se reproduze se mistura
em pernas rpidas
O caf pago no caixa troco, obrigado, cigarro na bocade mais uma manh
mais uma manhtrocando olharesmedindo gestos somos todos estrangeirosnesta cidadeneste corpo que acorda
070697
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[115]
MANHDEDEZEMBRO
(de um poema de Valry)
Ponto ignoradodos astrosdo vo retilneo dos avies
da multidodas saias (coxasqueimadas de sol)
(dentro desse pontooutros pontos ignoradosdo prprio crculo)
Estiradona cama depois do banho,do caf,da falta de idias ponto pleno
de sol(ignorado sol)
061296
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[116]
TARDINHABREVE
Quando esticado no sof da salabaforando cigarros e cafmos vazias, olhosescavando paredes
Nenhum passado
me serve de consolo(fragmentos de uma tardee bicicletas)
Nada que reponhapor um segundo
o tamanho exato do solna aspereza dos dias
240397
7/29/2019 Coisas Imediatas
117/169
[117]
A JANELA
p/Carlito
A janela se entregapara a paisagemno tem como dom-la
somente a enquadra
enquadra o vo rpidodo pssaro da tardeque leva consigo, no bico,os ltimos raios do sol
atravs da janelaquadriculada de vidrosa luz brinca na camamuda de lugar os livros
eu mesmo transito
entre o olhar pra forae o olhar pros mveis:a parede de dentro
A janela cria pinturasque vivem poucas horas
e nunca se incomodapois a vida transitria
260397
7/29/2019 Coisas Imediatas
118/169
[118]
A MORTEDOVIZINHO
A morte assimEsvaziam sua casa,levam todos seus mveis,o quadro na parede
roubam sua sombra
todo rudo
fica somentea memriacativa na janelase chego em casa
240397
7/29/2019 Coisas Imediatas
119/169
[119]
ASMARITACAS
Repara,amiga,
neste final de tarde:maritacasatacam o cunuma conversa
que jamais compreenderemos
como jamais compreenderemosasas agitadasque se banhamde lenis
290697
7/29/2019 Coisas Imediatas
120/169
[120]
PAISAGEM
Os lenis criamondulaes de mararmam no espao do quartomontanhas barrocas
Toda uma noite consumida
em que o amor surgepor indecifrveis sonhossacudindo esta natureza convulsiva
110397
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[121]
OUTROSRESDUOS
.ica um par de brincosem cima da cmoda.ica um elstico soltocomo retrato, na gaveta
.ica a marca da cabea
deitada no travesseiro(s vezes um fio de cabelopara restitu-la em silncio)
.ica a lua a meia-lua que banal comparei
ao seu sorriso (lembra?)
.ica voc que caminhaSeu corpo indeciso mudae mudo se desmembra
190897
7/29/2019 Coisas Imediatas
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S/TTULO
Como se opor runaquando ela se desenha no ar?So fragmentos, no de corpo,memria formando paisagensComo deter aqui mesmoo sofrimento que se avizinha
sem pedir licenaperdo,e a tudo desmoronacom a fora, porm silenciosa,dos grandes bombardeios? Sou fraco, sempre soube disso
E rumino, pois tambm sou bicho,as gramas desordenadasdesse jardimfeito de amor e espao
210797
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[123]
NOVES.ORA
p/Joo ngelo Oliva Neto
Eram nove, nove musascada uma no seu quadro,olhando-me de dia,rindo-se de mim noite
Eram nove como nove vidas(como se de sobra restassem duas)cada uma exercitavaas ramagens do desejo
Eram nove, dezoito mosque acenavam distantesde minhas poucas, duas mosplidas e sem linhas
E o mais que quisesse,e o mais que queria (eram nove,
nove!), sorriam estampasna minha vida vazia
291096
7/29/2019 Coisas Imediatas
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[124]
PRAIADO CHAPU VIRADO
(legenda de foto para Mrio de Andrade)
Na praia do Chapu Virado(quando estou tristecorro os olhos nesta imagem)
a onda quebrandose confunde com os dentes ondas e dentesou dentes e ondas?
Na praia do Chapu Virado(nunca fui ltalvez jamais ireinem sei se hoje existea praia do Chapu Virado assim sonoracomeo de balada)
Na praia do Chapu Viradoo sorriso se quebrade ponta a ponta corpo esticado na gua todo delcia de espuma todo onda estridente
Na praia do Chapu Virado(no importa onde estejano Litoral Norteou banhando na Bahia)
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sempre me lembrareicom ingnua alegriado corpo estiradonas ondas do risonas guas da praiaPraia do Chapu Virado
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POEMADE 88
Depois do filme olhos negros chove na Paulista
O carro espirra a poaDentro desvio a vista
para um ponto anterior o mundo no tem graa
As imagens se recompemsilenciosas ato entorpecer de carne e de ossos
Normalmente do carros acompanho os sinais quemudam de cor no solo mido da avenidae paro quando vermelho
Normalmente do carroacompanho s a cmera que despregae soltaentre vidros, a direo,as gotas, o limpador de parabrisas,entre os olhos que vo e vm,vo e vm as cenas do filme, de mim,
e do amorque costuma ser perigoso
1988
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DEPOISDO.ILME
p/Augusto Massi
Quando, depois do filme,volto de carro pela avenida(ainda mida de chuva,ainda mida de imagens)
outra cmera se abreem descontnua linha de luze entre um farol e outro paro, tudo vermelho
novo filme passa a rodardentro deste tnel de cenasque a janela enquadrae ao mesmo tempo barra:
pequena mo inofensivaque num gesto de quase vo
arrebenta o vidro nos olhose rebobina falsos recortes
191196
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BALADADO ANIVERSRIO
p/ Cristina .ino
No culpo o retratoequilibrando o meninoque engraxa sapatosque volta da escola
de azul e branco
No culpo a ampulhetaapostando corridano meio da ruaem veloz bicicleta
No culpo o caminhofazendo mudanasmudando os amigosapertando o quartotrocando o ptio
das aventuras
No culpo ningumnem mesmo o cigarrofumado escondido
201196
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SEMPRO.ISSO
Logo diro afoitos que ele no largao p da infncia
que seus olhosse esquadrinham
por janelas enormes
que vive cruzadoentre duas, trscidades e um mapa
que a firmeza da mocedeu para a tremedeirade fumante convicto
que em pouco tempoembrenhou-se numa prosamais de bar que poesia
Mas o que esperarde um homem comumcarteira assinada?
Que ele deve no banco,
na pia batismalna confederao das almas?
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Nada se deve esperar as batatas da perna latejamde tanta rua engolida
e ele manco,manco no verso,manco na vida
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RESUMO DO DIA[1996]
Resumo do dia
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A Manuel da Costa Pinto
e Rodrigo Lacerda
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POETA
Acabou o flegoE o corao j desgastadode tanto metaforiz-lobate
sem convico
O verso por tempome bastou
Toda a vidaera para o branco ocioso do papel
Acabou o flego
e no me basto a mim mesmo
Sento A cabea vaziade qualquer palavraPenso repetido,nunca houve esforo em pensarAmo uma mulhere isso problema meu
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JARDIM
Estou cansado, largomalas e culosBagagem esparramadasem ordem ou lgica
No fixo olhares
em objetos que passamViravolta numainterrogao
No me interrogoRepouso a cabea
nas razes da rvore,mas no h descanso
Olhos e orelhasse aferram s formigas,ao corpo,ao jardim onde pastam idias
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LENDA
Por aqui andou um fantasmaque socava o cho com ps durosEra lenda que velho nenhum contava:h muito perderam a voze calam at a prpria memriasem interesse
E tenho que passar a noiteconcha de orelha na terraescutando as batidas distintasdo fantasma que socava o cho
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O SAPO
A mo mal-educada procura o desenhoalguns traos ficam no papel as runas de uma capela
o esqueleto distorcido de uma cidade as linhas estampadas no brancocomo o couro de sapo
atravessado na estrada de terra
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PROCISSO
Naquela pequena caixaos ossos talvez chacoalhemcomo num desenho animadoNo houve banda, nenhum dos santosque sempre voltam pelas ruasMas os domingos retornavam
nas ripas de uma cadeira de varandaconsumidos numa viagem antigaEnquanto meus olhos resumiamo radioso sol de maio
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MEMRIA
(de um poema de Dante Milano)
No rosto do morto,s olheirasO soco do destino,
o sono arrastado,tudocomo ltima memria
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HOMEMMORTO:
s a barba indiferentecontinua crescendoem torno do matoe da memria
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UMPRDIO
Nenhum lembrana o sol batendo no prdiona sacada altade alta fuligemna pequena reacercada de brinquedos
onde procuro meu pai,minha me e meu irmo
E tudo em voltaentramado na pedra silncio e memria
fugindo pela mo
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IN.NCIA
Nem mesmo a rvore, um dia nave,conteve os brinquedos que foram seus galhos
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CASA
Meu irmo tocava pianona tarde azul e o resto de solpunha um brilho novonos mveis e vasos
Um brilho
que no sustenta meia voltano relgio da cozinha
Meu irmo tocava pianoe eu no pensava em nadanem no brilho
se desfazendo nos ponteiros
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UMAITALIANA
Concentra o cabelobranco num leno estampadode flores
Logo pela manhmistura o leite na polenta
e o sol brasileiroentre folhas no quintal
Concentrava o cabelobranco Cuidadosamente,A gente podia ver
A vida estalandode seus olhos
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NOITE
Como compor esta,outra noite,clara e quente,escura e fria?
Quadro-negro de mil clculos
suicidas,homicidas,astronmicos
Esta meia sombrade pouca viso
desalinha cabelose verdades enquanto a noitese condensana estrela da manh
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QUATROCANTOS
Na garagemcarros relinchamlnguas de fora
Um barpendura sua lmpada
no feltro verdeda mesa de jogo
O quarto se abrecomo uma janela antigapara escutar o choro
de um beb desmamado
A fbrica o latidode cachorros e mquinas
Algum canto do mundo a essa hora me sacode inteiro
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O QUARTO
O quartomveis disfarama parede
apagam a infnciaembutida
nos braos quentesde uma russa
O quartoa janela abertaa lua abrupta na hora
em que descansamos homens
O quartosem cartazes na paredee o meu jeito de tiraros culos
O quartosem hspedese sapatosS o quarto
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O DEUS
Quando a noite s o barulhode um galo desreguladoe o apito distante de um guarda-noturno
Nesta horaem que os corpos procuram a ausncia
to necessriae a dorum ponto-de-vista
Procuroem cada canto do quarto
olhos de treinada coruja o deus que me pronuncia
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NOTURNO
Noite despenteada o mundo transitriose desarruma
A luarecolhe mulheres
E no tumulto do quartoo sonho interrogaarruna os desejos
Noite fracanoite em frangalhos
lenol sacudidopela manh
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QUARTODECOSTURA
No quarto escuroa mquina de costuracmplice dos sonhosroda seus ferrosrefazendo a cada noiteo diabo torto
sem dramasa matria mopedo rasgado dos dias
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TODASASMANHS
Todas as manhsso violentas descarregam luzespeixeslonas em barracas de feira:atravessam
pupilascom fora-brilho de facadescosturando rastrosdaquele sonhomorte imaginria
meteoros de vidaque circulavam repletoscom a brevidadede todas as manhs do mundo
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A VELHATEIADASCIDADES
(de um verso de Alcides Vilaa)
Existe um certo rumorde estrelas desdobradasem janela pequena
movimentando estrada
Lmpadas fracas e velastateiam no escuroonde o ronco do motordesperta bois e cavalos
Telhados ganham relevoUm homem e sua sacolaO barro matriaque pe o sol em p
Olhos no sustentam
o cinema do nibus que no forma enredoe desintegra-se no p
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ATIBAIA
O sapo que engole no susto ah! lua
ou este galo que devolvea montanha balofa
e o p de manga carregadode coraes de boi
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PRADOS
Prados, casca de noz que cabeno seu prprio ribeiro que cabe na mona palma da mo (com ouronas unhas) de seu velho escravo
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DEPOISDE GUIGNARD
Ela cantou que do galinheirofez uma garagemque do fogo a lenhafez azulejos
Tudo belezura,
tudo chiqu s uma chuva midaum frio de entrar nos ossosmudam a paisagem:
So neblinas dodas
dissolvendo o morro
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O CASAMENTO
Nossa Senhora do Rosrio:a primeira namoradapsiu!est se casando
e o filho j dorme
em sua barriga
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ENCONTRO
Na boca de pedrade um extinto ribeiroespero a sapariaque no vem
O cheiro de madeira
queimando, onde?num fogo a lenhanuma lareira, onde?
No so as mesmas casasnem mesmo a lngua
nem mesmo as constelaesgirando no mapa
As duas cidades no estono mesmo meridianoDe uma, o mediterrneoDe outra, as montanhas
Mas por que os sapos que fascinao os sapos! espero surgirdessas vinhas de .itou?
7/29/2019 Coisas Imediatas
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CONCHA
A conchalembrana do que foi marSem areia, sem gua,sem barcos caindo no poente
orelha sem corpo,
telefone sem fio?Concha bivalvefendida em sua memria
Na palma da morefao seu mar
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RODA
p/Z Antonio
Apenas a roda sabedo ferro a enferrujada msica
Apenas a roda sabedo boi o estalo de msculos
Apenas a roda sabeda festa a solido mais rstica
Apenas a roda sabeda lua do sol do escudoda composio antiga
Apenas a roda rangenos meus olhos cheios de oh
7/29/2019 Coisas Imediatas
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AMARELINHA
Meninos brasileiros brincamde Cu-Infernoquadrados a giz desenhadosno choA pedra cai os pspulam
um passo certo o Cuum passo torto o Inferno
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RUA JOS BONI.CIO
Reparaesta moa
como despojada:
Seus seioscasulampomboscinzentos
Banha-se
toda nua(no altodoprdio)em guamudade fonte
mas jamaismergulha
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ASBAILARINAS
Quatro meninasdepressinha pela escada rolanteQuatro meninasgesticulam o que o verbo no alcana
Os seios pequenos pulsam
e por trsos coraes estabanados pulsamos seios pequenos
Quatro meninasdepressinha
no vago do metrgesticulam ansiosas e contentesnos olhos de quem as espia
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.IMDETARDE
Transitam mais carrose empregadas com saquinhos de po
Trs meninas conversama pressa de seus coraese exerccios de casa
(uma delas tem os olhos puxadose o pretexto para todos os meus vcios)
Na tristeza do elevadorsubo sem ser reparado
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CLAIRDE LUNE
p/Armando .reitas .ilho
Estava na hora da morteo mundo constrangido pediaatirava pedras contraa parede da memria
culos, xcaras, vasosdissimulavam o passado cativoMuito sensataa morte repousavaem branca superfcie de lua
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(autobiografia sumria
de Adlia Lopes 3)
Os meus gatos j deixaram hmuito tempo de brincar com asminhas baratas A Oflia tem dozeanos, seis meses e sete dias OGuizos, segundo o Dr Morais,tem 9 anos Entretanto gatosmorreram, gatos desapareceramEstou a escrever isso nocomputador e no sei do Guizosh trs dias
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1 COISASIMEDIATAS, heitor ferraz2 .UNDOSPARADIASDECHUVA, annita costa malufe3 PRIMEIROASCOISASMORREM, diego vinhas
4 alexandre artigas5 leonardo martinelli
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