(IM)PRESCRITIBILIDADE DO ESTUPRO(IM)PRESCRIPTIBILITY OF RAPE
Fernanda Sayuri Yoshida da Silva – [email protected] em Direito – UniSALESIANO Lins
Prof. Dr Pedro Lima Marcheri – UniSALESIANO [email protected]
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar a possibilidade de tornar o estupro um crime imprescritível, assim como os previstos na Constituição Federal Brasileira. A pesquisa utilizou-se da metodologia dedutiva, e a problemática implica na inconstitucionalidade de tornar o estupro um crime imprescritível, assim como o racismo e a ação de grupos armados, civil ou militar, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, previstos no artigo 5º da Carta Magna. Inicialmente, apresentam-se os institutos da política criminal e os mandados de criminalização, que determinam e protegem os bens jurídicos mais importantes da sociedade, bem como o instituto da prescrição e seus tipos. Em seguida, explica o crime de estupro, apresentando a teoria do crime. Por fim, apresenta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 64/2016 e seus aspectos, bem como o instituto da imprescritibilidade, seus fundamentos e sua repercussão no ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Imprescritibilidade; Estupro; Crimes Sexuais.
ABSTRACT
The present article aims to analyze the possibility of rape becoming an imprescriptible crime, as it happens in the Brazilian Federal Constitution. The research used the deductive methodology, and the problematic implies in the unconstitutionality of making rape an imprescriptible crime, as well as the racism and the action of armed groups, civil or military, against the constitutional order and the Democratic State, foreseen in Article 5 of the Brazilian Constitution. Initially, it presents institutes of criminal policy and mandates of criminalization, which determine and protect the most important juridical assets of society, as well as the institute of prescription and its types. Then it explains the crime of rape by introducing crime theory. Finally, it presents the Proposal for Amendment to the Constitution (PEC) 64/2016 and its aspects, as well as the institution of imprescriptibility, its foundations and its repercussion in the legal order.
Keywords: Imprescriptibility; Rape; Sexual Crimes.
INTRODUÇÃO
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A Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu artigo 5º, inciso XLIV e XLIV
prevê como imprescritíveis apenas dois tipos de crimes, sendo eles,
respectivamente, a prática do racismo e a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Posto isto, é
possível perceber que em nosso ordenamento jurídico a prescrição é a regra geral,
enquanto a imprescritibilidade seria a exceção no atual ordenamento jurídico
brasileiro.
Ao tornar um crime imprescritível o estado perde o direito de punir o indivíduo
em decorrência do lapso temporal. Sendo assim, a prescrição nada mais é do que a
extinção do direito de punir que o Estado possui, em consequência ao decurso do
tempo.
A presente pesquisa analisará a prescrição e a imprescritibilidade a fim de
averiguar se o crime de estupro poderá ser inserido no artigo 5º da Constituição
Federal, sendo incluído como a exceção, juntamente com os crimes de racismo e a
ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático.
1 A POLÍTICA CRIMINAL E OS MANDADOS DE CRIMINALIZAÇÃO
Não há sociedade sem a atuação da política. O estado utiliza da força para
impor suas escolhas na sociedade, para que dessa forma as necessidades e
desejos da entidade sejam atendidos.
Quando há um crime, por exemplo, o poder que o estado utiliza é a sanção
penal, e essa sanção deve ser medida e estruturada de forma correta e na medida
correta para que atenda as necessidades de uma sociedade que precisa da atuação
do Estado para sua proteção e pra um melhor andamento do convívio social.
Nesse sentido, Queiroz (2011 p. 23) ensina que a politica criminal, é "a
sistematização das estratégias, táticas e meios de controle social da criminalidade
penais e não penais, diz respeito, enfim, à gestão política dos conflitos humanos por
parte do Estado”.
Para Pierangeli e Zaffaroni (2015, p. 125) “A Política Criminal é a ciência ou a
arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e
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penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente
implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos”.
Então, pode-se dizer que a política criminal é uma ciência, que tem como
objetivo principal a proteção dos bens jurídicos que são tutelados pelo Direito Penal,
visando a diminuição dos crimes. Dessa maneira, é necessário buscar a melhor
solução do conflito, com base em dados, para que a escolha seja a mais benéfica
para toda a sociedade.
É possível perceber, diante dos conceitos dispostos anteriormente, que a
política criminal é fortemente ligada ao bem jurídico, pois é através da política
criminal que o Estado impõe o seu poder legislativo e por meio deste poder é
possível elencar quais são os bens jurídicos que merecem a tutela fornecida pelo
Direito Penal. Política criminal consiste na crítica do Direito Penal, fundada em
argumentos jurídicos ou ideológicos, tendente a modificar, manter ou reformar os
institutos do direito penal vigentes, implicando no dinamismo desta disciplina.
Geralmente fundada em questões como o perfil do governo, metas
estabelecidas, destaques na imprensa ou perfil social, pode-se afrouxar ou
recrudescer a criminalização sobre determinado aspecto ou conduta.
Por outro lado, os mandados de criminalização para Ponte (2008, p. 152). “[...]
indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem a faculdade de
legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo determinados bens ou
interesses de forma adequada e, dentro do possível, integral".
Os bens jurídicos elegíveis para serem protegidos pelo Direito Penal devem
ser analisados pela Carta Maior, pois o legislador constituinte fornece os
fundamentos e critérios necessários para tal imputação, pois é a Constituição que
estabelece quais são os valores essenciais para a sociedade.
Para certos valores o legislador ordinário fornece a faculdade de proteção por
meio do Direito Penal ou de outro ramo do direito, dependendo então de fatores
como a conveniência, oportunidade, momento social, cultura, etc.
Quando o legislador possui a obrigação de intervir por meio de edição das leis
e também regulamentando e criminalizando as condutas que põe em risco os bens
jurídicos que o legislador constituinte impôs como essenciais à sociedade, estamos
diante dos mandados de criminalização. Pois nessa hipótese não há mais faculdade
e sim a obrigatoriedade e necessidade de intervenção do legislador.
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Os mandados expressos de criminalização estão dispostos para que haja a
proteção dos bens jurídicos que necessitam de maior atenção, para que o legislador
tipifique as condutas e consequentemente essas condutas sofram a sanção
específica.
Para Gonçalves (2007, p. 162) “Os mandados de criminalização são ordens
para que o legislador ordinário edite leis considerando crimes as condutas que
menciona”.
Neste sentido, as ordens de penalização possuem fundamento no princípio da
proporcionalidade e obriga o legislador de legislar sobre determinada conduta, desse
modo o legislador não possui a liberdade de optar ou não pela criminalização.
Portanto os mandados possuem natureza de imperativo normativo.
Nas lições de Gonçalves (2007, p. 139), os mandados de criminalização
mostram a maneira como os direitos fundamentais devem ser protegidos. O
legislador possui o papel de garantir a proteção dos direitos fundamentais, assim
sendo, é obrigatório ao legislador tipificar as condutas.
As ordens de penalização são os responsáveis por garantir os direitos
fundamentais, haja vista que o Estado possui a obrigatoriedade de proteção à esses
direitos.
Nesse sentido, o Estado possui a necessidade e a obrigação de impedir que
os direitos fundamentais sejam violados tanto pelo governo quanto pelos
particulares. Desse modo, há a necessidade de criminalizar as condutas que lesem
os bens de maior importância e aplicar as regras na ordem criminal.
Ao reconhecer tal instituto, é possível observar duas consequências, sendo
elas: a possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão,
quando não há lei penal determinada pela Constituição, e a inconstitucionalidade de
lei posterior que tem como objetivo descriminalizar a conduta objeto da lei.
Neste sentido, Gonçalves (2007, p. 166) diz que é inconstitucional revogar
uma lei que define um crime que é objeto do mandado de criminalização, se o fizer,
deverá colocar outro como substituto. Isto se dá por três razões: supremacia
constitucional, máxima efetividade das normas constitucionais e a proibição de
retrocesso na proteção de direitos fundamentais. Para Gonçalves “A obrigação de
criminalizar implica a proibição de descriminalizar”.
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Há dois tipos de mandados de criminalização: os mandados de criminalização
expressos e os implícitos. Os primeiros estão dispostos de forma clara e expressos
na Constituição, pelo legislador. Os implícitos, embora não estejam claros, são
reconhecíveis por meio de análise sistemática do texto contido na Constituição
Federal.
1.1 Do direito de punir, o “jus puniendi”O Direito Penal estabelece normas a fim de garantir direitos e definir deveres
a todos os cidadãos. A principal função dele é a tutela jurisdicional de bens jurídicos
de extrema importância para a sociedade, os quais devem ser protegidos e caso
sejam ameaçados, o Estado impõe sanções e medidas para que cada bem jurídico
seja protegido e possa garantir o bem estar social.
Os bens jurídicos são os valores com grande importância e que devem ser
protegidos na forma da lei. Prado (1997, p. 18) define “o bem jurídico em sentido
amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano”.
O conceito de bem jurídico é algo de grande relevância para a sociedade e
que precisa de proteção do Estado, nos ensinamentos de Bianchini, Molina e Gomes
(2009, p. 232):[...] bem relevante para o indivíduo ou para a comunidade (quando comunitário não se pode perder de vista, mesmo assim, sua individualidade, ou seja, o bem comunitário deve ser também importante para o desenvolvimento da individualidade da pessoa) que, quando apresenta grande significação social, pode e deve ser protegido juridicamente. A vida, a honra, o patrimônio, a liberdade sexual, o meio-ambiente etc. são bens existenciais de grande relevância para o indivíduo.
Para Bitencourt (2017, p. 922), quando o fato criminoso é cometido, nasce
para o Estado o jus puniendi. Ele é uma pretensão punitiva que não deverá se
eternizar no espaço-tempo, por essa razão há critérios que limitam este direito de
punir, levando em conta a gravidade da conduta, sanção e o tempo.
De acordo com Bonfim e Capez (2017, p. 850), quando há o descumprimento
de uma lei que está prescrita na legislação penal, há que se ter uma sanção, essa
sanção deverá ser imposta apenas pelo Estado, que é o único titular do direito de
punir. No processo penal o ofendido tem apenas a legitimidade que dá início ao
processo, ou seja, o jus persequendi, enquanto o estado detém o jus puniendi.
1.2 A prescrição
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Quando há um lapso temporal e o Estado não age da forma que deveria agir,
configura-se a prescrição, ou seja, o Estado perde o direito de punir o crime
praticado em vista do decurso do tempo, neste sentido, Nucci (2017, p. 563) ensina
que:É a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício em determinado lapso de tempo. Não há mais interesse estatal na repressão do crime, tendo em vista o decurso do tempo e porque o infrator não reincide, readaptando-se à vida social.
A prescrição, nas palavras de Capez e Bonfim (2017, p. 907), ocorre quando
o Estado perde o direito/poder/dever de punição, pois não exerceu a sua pretensão
punitiva ou da pretensão executória, ou seja, o Estado não aplicou a pena ou deixou
de exercê-la no tempo correto.
O Direito Penal, nas lições de Bitencourt (2017, p. 926), utiliza-se de duas
modalidades de prescrição, sendo elas: a prescrição da pretensão punitiva, que
ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória; e a prescrição da
pretensão executória, que ocorre após o trânsito em julgado da sentença final
acusatória. Essas lições serão vistas a seguir de maneira mais detalhada.
2. O ESTUPROO crime de estupro sempre esteve tipificado nos três Códigos Penais
existentes no Brasil, sendo eles: o Código Criminal do Império, de 1830; o Código
Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 1890 e o atual Código Penal, de 1940.
O atual Código Penal de 1940, originalmente trazia a denominação “Dos
crimes contra os costumes” em seu Título VI, demonstrando desta maneira que a
tutela principal do legislador era, de acordo com Mirabete e Fabbrini (2010, p. 383) é
a “da moralidade sexual e do pudor público nos crimes sexuais em geral, ao lado, e,
às vezes, acima da proteção de outros bens jurídicos relevantes como a integridade
física e psíquica e a liberdade sexual”. Com a adoção deste título, é possível
perceber que a tutela principal dada pelo legislador não é a liberdade e a dignidade
sexual do ser humano, mas apenas valores sociais e éticos da sociedade.
Com o advento da Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009, houve mudanças
significativas para o crime de estupro. A Lei alterou o Título VI, que obteve nova
redação: “Dos crimes contra a dignidade sexual”.
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O artigo 213 recebeu grandes alterações no caput, parágrafos e penas. A
antiga redação do artigo dispunha em seu caput que estupro era “Constranger
mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” e a pena era de
reclusão de três a oito anos, e seu parágrafo único dispunha pena de seis a dez
anos “Se a ofendida é menor de catorze anos”.
Com a Lei nº 12.015, a conduta delitiva do estupro consiste em “constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, possuindo o crime pena de
reclusão de seis a dez anos. Foi acrescentado o parágrafo 1º que dispõe sobre o
resultado majorado pela lesão corporal grave e da vítima menor de 18 (dezoito) ou
maior de 14 (catorze) anos, no qual a pena é de reclusão de oito a doze anos. Se a
conduta resultar em morte a pena é maior, de doze a trinta anos. Vale ressaltar que
o crime permite que a vítima seja mulher ou homem, ou seja, é possível constranger
ambos os sexos.
O crime de estupro passou a abranger o crime de atentado violento ao pudor,
disposto anteriormente no artigo 214, que era o ato de “constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique
ato libidinoso diverso da conjunção carnal”. Desta forma, com a Lei 12.015/2009 o
atentado violento ao pudor foi revogado, porém não houve o abolitio criminis. De
acordo com Capez (2014, p. 25), “houve uma atipicidade meramente relativa, com a
mudança de um tipo para outro (em vez de atentado violento ao pudor, passou a
configurar também estupro, com a mesma pena)”.
3. A IMPRESCRITIBILIDADE
Como visto anteriormente, a prescrição é a perda do estado em punir uma
conduta tipificada em lei em detrimento do decorrer do tempo. Este instituto é a
regra do nosso ordenamento jurídico, desta forma, a imprescritibilidade é aplicada
apenas em casos descritos em lei, que estão previstos no artigo 5º, XLII e XLIV da
Constituição Federal, que descreve como imprescritíveis prática do racismo e a ação
de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático, respectivamente.
Nas palavras de Cretella (1997 apud LIMA, 2015, p. 16):
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“A imprescritibilidade penal pode ser conceituada como a idoneidade ou ineficácia do decurso do tempo sobre o jus puniendi, de que é detentor o Estado e, assim, crime imprescritível é aquele cuja sanção é perene, podendo o Estado punir a qualquer tempo.
Sendo assim, com este instituto o Estado detém o poder de punição, podendo
aplicar uma sanção ao indivíduo a qualquer momento, diante do seu comportamento
contrário a lei.
Se o estado tem o poder de punir a qualquer tempo fica claro que o indivíduo
que cometeu o crime ficará sempre passível de ser punido, não importando o tempo
que tenha passado do cometimento.
Neste sentido o Ministro Marco Aurélio Mello no Habeas Corpus 82.424/RS,
disse que
O instituto da imprescritibilidade de crime conflita com a corrente das garantias fundamentais do cidadão, pois o torna refém, eternamente, de atos ou manifestações - como se não fosse possível e desejável a evolução, a mudança de opiniões e de atitudes, alijando-se a esperança, essa força motriz da humanidade -, gerando um ambiente de total insegurança jurídica, porquanto permite ao Estado condená-lo décadas e décadas após a prática do ato. (STF, HC 82.424/RS, Min. Marco Aurélio, p. 918).
A insegurança jurídica que a imprescritibilidade causa vai contra a
Constituição Federal, pois a mesma não permite pena de caráter perpétuo, de
acordo com o artigo. 5°, XLVII, b.
No entendimento de Eberhardt (2008, p. 69) há um retrocesso, pois se o
principal objetivo da imprescritibilidade, nos crimes que causem maior indignação e
comoção pela sociedade, seja necessário atribuir uma perseguição eterna contra o
criminoso para mostrar à sociedade segurança vai contra a lógica do sistema
normativo internacional. E mostra ainda que as garantias não são iguais para todo
mundo.
De acordo com Costa (2017, p. 38) O Estado democrático precisa manter a
relação entre a lei, Estado e sociedade e pleno equilíbrio para que dessa forma a
sociedade não seja vítima do poder do Estado. A imprescritibilidade é um grande
inimigo entre a lei e a sociedade, pois ela pode privar a pessoa de suas garantias
fundamentais como a ampla defesa e a segurança jurídica, pois o sujeito fica
subordinado ao Estado, que pode julgá-lo a qualquer tempo.
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A segurança jurídica e ampla defesa são garantias fundamentais com
previsão na Constituição Federal, essas garantias são essenciais para o Estado
democrático de Direito. A segurança jurídica garante a possibilidade do indivíduo
conhecer e saber quais a consequências que seus atos podem gerar e até que
ponto ele poderá ser punido.
Para Masieiro (2014, p. 52-53) a imprescritibilidade tem como base a justiça
retributiva, onde o sujeito responderá pelo seus atos de maneira correspondente ao
que cometeu, pagando, retribuindo o mal que causou. É visto como uma forma de
punição e de castigo, pois mesmo que o ato praticado pelo indivíduo tenha sido
esquecido, ele poderá ser punido posteriormente.
Destarte, é possível perceber que este instituto tem em seu âmbito um
sentimento de vingança aos crimes que permanecem na memória da sociedade,
para que sejam punidos e a sociedade possa sentir o sentimento de dever cumprido.
Como observou Masieiro (2014, p. 55) ao utilizar-se da justiça retributiva não
é possível que o crime cometido seja anulado e volte ao estado em que se
encontrava anteriormente. O tempo não pode ser usado como compensação, pois o
que deve ser analisado é um sistema jurídico que impeça que tais delitos sejam
cometidos.
A autora ainda observa que nenhum crime, mesmo que seja o mais grave,
deverá ser sujeito à imprescritibilidade, pois seria uma maneira de reviver a todo o
momento os fatos que ocorreram, e assim provocar dor nas vítimas e na sociedade.
Segundo Eberhardt (2008, p. 75-76) tornar um crime imprescritível faz com
que este conflito perdure durante anos, fazendo com que haja uma perseguição
entre o crime e o criminoso. Destarte, o tempo é descartado, dando possibilidade à
punição eterna.
Destaca ainda que em razão da variabilidade entre proteger a vítima e tutelar
os direitos do acusado, é gerada insegurança no mundo jurídico, pois este instituto,
juntamente com a perseguição eterna trás consigo a insegurança para aquele que
cometeu o crime e trás para a vítima uma guerra interminável no qual o tempo e a
humanidade não são preservados, pois não há um limite para o julgamento.
Como já comentado a Constituição Federal elenca em seu artigo 5º algumas
exceções à regra da prescrição. Porém, para Costa (2017, p. 41-43) mesmo algum
crime sendo grave, a imprescritibilidade não é justificável, pois as exceções não são
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instrumentos que eliminam a impunidade. Dessa forma, ao aceitar este instituto, de
maneira indireta, possibilitará penas com caráter perpétuo.
Ademais, é necessário o respeito ao princípio da dignidade humana, uma
garantia fundamental elencada pela Carta Magna, protegendo sua o indivíduo de
atos degradantes, protegendo a integridade da pessoa. Ressalta ainda que este
princípio colabora com a limitação da pena, e ao aplicar penas que são excessivas e
degradantes é considerado ilegal e viola o ordenamento jurídico.
A autora ainda ressalta que quando um crime é cometido é preciso que as
garantias fundamentais da pessoa humana sejam asseguradas. O Estado deve
saber equilibrar o principio da necessidade, proporcionalidade e intervenção mínima
quando aplicar a pena, para que não seja violado nenhum direito do indivíduo.
Dessa forma, o direito penal deverá intervir somente quando os demais ramos
do direito não puderem resolver o conflito, ou seja, o direito penal será utilizado
apenas como última opção. Ao criminalizar um ato, este será legitimo apenas se for
necessário proteger certo bem jurídico.
Como bem nota Pageú (206, P. 73) para que novos crimes entrem no rol da
imprescritibilidade é necessário que este esteja compatível com a ordem
constitucional brasileira. Porém, mesmo que a imprescritibilidade esteja elencada na
Carta Magna, a Constituição Federal ressalta a importância do respeito a valores
como a segurança jurídica, liberdade e a duração razoável do processo, deste
modo, a imprescritibilidade não seria possível, visto que tal instituto viola estes
grandes princípios, que pertencem a cada indivíduo. Sendo assim, as exceções
elencadas pelo constituinte deveriam ser as únicas.
Em uma análise sobre os crimes de racismo no Brasil foi possível constatar
que com a imposição da imprescritibilidade não houve o fim do crime, pois de acordo
com Costa (2017, p. 50) o problema está inserido na sociedade, não sendo a
imprescritibilidade um meio para o fim do crime de estupro.
Neste sentido temos o seguinte entendimento de Schmidt (1997, apud
EBERHARDT, 2008, p. 65)
São dois os fundamentos jurídicos da imprescritibilidade: a gravidade do ilícito praticado e a repressão à criminalidade. Ora, a gravidade de um delito não pode ser capaz de torná-lo imprescritível. Todos nós temos conhecimento de que existem crimes hediondos muito mais graves que a prática do racismo e a ação de grupos armados. Ou se consideram
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imprescritíveis todos os crimes de alta gravidade — o que é impossível, pois a gravidade só pode ser averiguada no caso concreto —, ou, então, não se excepcione à regra da prescritibilidade. De outra banda, será que algum delinquente deixará de praticar seu ato criminoso por ser este considerado imprescritível? A resposta negativa é evidente. Observa-se, destarte, que seus fundamentos jurídicos são ineficazes, não atingindo o fim a que se destinam. A imprescritibilidade é instituto que vai de encontro à evolução do Direito Penal, pois a incerteza acerca de um crime é, por vezes, muito mais grave que a sua própria consumação.
Desta forma vê-se que ao instituir a imprescritibilidade não há a diminuição do
cometimento dos crimes. Desta forma, para Masiero (2014, p. 65) o instituto da
imprescritibilidade é algo que está apenas no imaginário do legislador, pois o seu
objetivo é apenas o de desfazer o crime, configurando apenas uma utopia no direito
penal.
Para José de Faria Costa (2003, apud EBERHARDT, 2008, p. 70) tornar os
crimes imprescritíveis não é a solução, visto que o sistema jurídico e as leis não
funcionam da forma correta.
Por fim, percebe-se que tornar o crime imprescritível não é a solução ideal
para se alcançar a justiça no Direito Penal. Vemos que a prescrição além de ser a
regra no nosso sistema jurídico, ela pode servir como um impulso para que o crime
seja solucionado a fim do Estado não perder o poder do jus puniendi. Vê-se que a
imprescritibilidade seria um ato simbólico da justiça, necessitando o sistema penal
jurídico de muitas melhoras para que o crime de estupro fosse punido com a
severidade e justiça que merece.
CONCLUSÃO
O legislador, por meio da política criminal indica os bens e direitos que
merecem tutela jurídica e assim, mostrará o caminho mais adequado para que esta
tutela seja corretamente aplicada. Assim, os mandados de criminalização são a
obrigação do legislador em proteger certos bens e direitos, devendo ser protegidos
pela Constituição Federal, pois é a lei maior que decide os valores que são
essenciais ou não para a população.
Sabe-se que o Estado possui o direito de punir, devendo usá-lo em tempo
hábil para proteger os bens jurídicos elencados no ordenamento jurídico. Sua tutela
será exercida em um determinado tempo, assim, o Estado deverá impor sanção
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quando houver descumprimento à Lei Penal, neste sentido estarão presentes os
institutos da prescrição ou da imprescritibilidade.
Ao analisar o instituto da imprescritibilidade, vê-se que ele, além de ser a
exceção, sendo apenas em casos em que a Constituição previu em seu artigo 5º,
inciso XLIV e XLIV, é possível perceber que tal instituto trás grandes consequências
para o ordenamento jurídico, tais como a falta de segurança jurídica, a punição
eterna, a dispersão das provas durante o lapso temporal.
Todas essas características poderão dificultar um julgamento ou torna-lo
injusto. Neste último caso, o instituto não respeita a garantia constitucional da pena
não ser de caráter perpétuo, visto que ao instituir a imprescritibilidade o agente
poderá ser punido a qualquer tempo, não importando o lapso temporal passado
entre o ato praticado e a denúncia.
O que poderá dificultar o julgamento justo seria a perda de provas, pois com o
tempo as provas, principalmente no crime de estupro que em sua maioria deixam
vestígios, se perdem, dificultando tanto a acusação quanto a defesa, que não terá
meios para provar o fato alegado pela vítima.
É válido destacar que em razão da necessidade de proteção tanto da vitima
quanto do acusado gera insegurança no ordenamento jurídico, pois a
imprescritibilidade trás junto tanto insegurança para aquele que cometeu o crime
quanto para vítima, que cria uma guerra sem fim no qual o tempo e a humanidade
não são preservados, pois não há limite e tempo para o julgamento.
Quando um crime é realizado, é necessário que as garantias fundamentais da
pessoa humana sejam asseguradas. Assim, ao aplicar a pena o Estado deverá
encontrar o equilíbrio entre os princípios da necessidade, proporcionalidade e
intervenção mínima, para que não seja violado nenhum direito do indivíduo, tanto da
vítima quanto do autor.
Sendo assim, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 64/2016 seria
inconstitucional, visto que o instituto da imprescritibilidade desrespeitaria princípios
constitucionais como a não caracterização de pena perpétua, da necessidade,
proporcionalidade e intervenção mínima, o que vai contra as garantias
constitucionais previstas na Carta Magna.
Percebe-se que tal proposta visa uma segurança fictícia, ou seja, o legislador,
a fim de oferecer o que a sociedade deseja, que são punições mais justas,
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possibilita o instituto da imprescritibilidade, porém o problema está no ordenamento
jurídico, sendo necessário a reforma ou adaptação de um sistema jurídico melhor e
mais justo, não sendo a imprescritibilidade a saída para a justiça.
É possível perceber que a prescrição auxilia na agilidade para que o Estado
aja, pois se este não agir, perderá o seu direito de punir. Sendo assim, é possível
que a imprescritibilidade tenha efeito contrário, deixando o processo ainda mais
lento.
O crime de estupro é um crime cruel e desumano, que atinge milhares de
crianças e adultos todos os dias, porém torna-lo imprescritível não é a solução ideal.
É necessário rever todo o ordenamento jurídico, não só a prescrição, sendo
necessários penas de caráter mais severo e o cumprimento integral das mesmas
para que assim a vítima sinta que a justiça fora feita, pois nada basta tornar um
crime imprescritível se outros institutos não funcionam, sendo assim precisa-se de
agilidade no processo e na condenação.
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