1
HELENA GUIMARES CAMPOS
DA INCLUSO EXCLUSO SOCIAL:
A TRAJETRIA DOS TRENS DE SUBRBIO DA REGIO
METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE (1976 - 1996)
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS
BELO HORIZONTE
2002
2
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS
MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS - Gesto de Cidades
Helena Guimares Campos
DA INCLUSO EXCLUSO SOCIAL: A TRAJETRIA DOS TRENS DE SUBRBIO DA REGIO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE (1976 - 1996)
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais - Gesto de Cidades. Linha de Pesquisa: Cultura Urbana e Modos de Vida Orientadora: Professora Doutora Luclia de Almeida Neves Delgado
BELO HORIZONTE 2002
3
4
Aos meus pais, cara bno nesta minha existncia.
AGRADECIMENTOS
Minha gratido maior aos meus pais, Nominato e Maria Auxiliadora, sempre
confiantes, disponveis e pacientes. Ele, fonte de inspirao para a pesquisa e
documento vivo dessa histria ferroviria; ela, sbia conselheira e revisora do texto.
Carinhosos agradecimentos ao Eduardo, companheiro e colaborador em todos os
momentos. Agradecimentos especiais Luclia de Almeida Neves Delgado, pelo
respeito e pela tica com que reveste e enobrece suas relaes pessoais e acadmicas.
Meus agradecimentos a Jos Miguel Ferreira que habituado a guiar trens, auxiliou-me
a conduzir este estudo, com interesse e bom humor, pelos trilhos das incertezas e das
descobertas. Meu muito obrigada ao Flvio Francesconi, pela consultoria
especializada e pelas imagens que melhor dimensionam as consideraes
apresentadas. Meus reconhecimentos aos fotgrafos Marcelo Machado, Euler Pereira
Bernardes, Realino Quintino e dson Gonalves, s Prefeituras de Sabar e de Betim
e instituio Memria do Trem, pelas fotografias fornecidas. Minha gratido a
Alexandre Magalhes, pelo acesso privilegiado aos antigos peridicos e fotografias
sabarenses e ao ferrovirio Antnio Paulo Melo, sempre pronto para um bate-papo
agradvel e elucidativo, comumente acompanhado da devida documentao histrica.
Notveis agradecimentos Rede Ferroviria Federal S. A. - RFFSA e Companhia
Brasileira de Trens Urbanos - CBTU pelo acesso s fontes necessrias e Pr-
Reitoria e Ps-Graduao da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais e ao
Tribunal de Contas de Minas Gerais pela concesso de bolsa parcial. E muito
obrigada a todos aqueles que contriburam para a realizao desta pesquisa:
coordenao, professores, funcionrios e colegas do Mestrado, ferrovirios, amantes
da ferrovia, funcionrios das instituies consultadas e amigos. Guardo-os, todos, no
meu corao.
5
SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................ 1 1 CIDADANIA, TRANSPORTE E FERROVIA ............................................. 20 1.1 Direitos de cidadania e transporte .............................................................. 21 1.2 Cidadania e custo social dos transportes .................................................... 28
2 SNTESE HISTRICA DAS FERROVIAS BRASILEIRAS ........................ 35 3 FERROVIAS DA REGIO DE BELO HORIZONTE .................................. 45 3.1 Estrada de Ferro Central do Brasil .............................................................. 46 3.2 Rede Mineira de Viao ............................................................................. 79
4 REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A. ...................................................... 97 4.1 Rede Ferroviria Federal S.A. ..................................................................... 98 4.2 Superintendncia Regional Belo Horizonte ................................................. 109
5 TRANSPORTE FERROVIRIO NA REGIO METROPOLITANA
DE BELO HORIZONTE .............................................................................. 123 5.1 Breve histrico da Regio Metropolitana de Belo Horizonte ....................... 124 5.2 Transporte ferrovirio na Regio Metropolitana de Belo Horizonte ............ 128 6 TRANSPORTE FERROVIRIO SUBURBANO DE PASSAGEIROS
NA REGIO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE ...................... 155 6.1 Uma nova concepo de transporte suburbano de passageiros. ................... 156 6.2 Novo sistema, velhos problemas ................................................................. 171 6.3 Usurios de trens de subrbio ..................................................................... 192 6.4 Trens de subrbio x Trem Metropolitano .................................................... 203 7 TRENS DE SUBRBIO DA SUPERINTENDNCIA REGIONAL
BELO HORIZONTE DA REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A. NA REGIO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE ...................... 211
7.1 Trens de subrbio Horto Florestal - Barreiro .............................................. 213 7.2 Trens de subrbio exclusivos para a Fbrica de Motores do Brasil............... 223 7.3 Trens de subrbio Belo Horizonte - Betim .................................................. 232 7.4 Trens de subrbio Belo Horizonte - Rio Acima ........................................... 256 8 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................ 284 9 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................... 291 10 ANEXOS .................................................................................................... 318 10.1 Apresentao dos entrevistados ................................................................. 319 10.1.1 Nominato Magalhes Guimares ............................................................. 319 10.1.2 Jos Miguel Ferreira .............................................................................. 320 10.2 Glossrio de termos ferrovirios ................................................................. 321
6
10.3. Conhecendo a programao de um trem de subrbio da Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. ............................................................................................. 325
10.4 Modelos de bilhetes de viagem dos suburbanos da Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. na Regio Metropolitana de Belo Horizonte ......................... 333
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Momentos distintos da Histria Ferroviria do Brasil ..................... 43
Figura 2 - Ponte na Linha do Centro da EFCB, sobre o Rio das
Velhas, no municpio de Raposos ...................................................
52
Figura 3 - Estao de Rio Acima na Linha do Centro da EFCB ...................... 53
Figura 4 - Ptio da estao de Raposos na Linha do Centro da EFCB ............ 54
Figura 5 - Ptio da estao de Sabar na Linha do Centro da EFCB ............... 55
7
Figura 6 - Casa do agente da estao de General Carneiro no
Ramal Frreo de Belo Horizonte ....................................................
59
Figura 7 - Estao de General Carneiro no entroncamento do
Ramal Frreo de Belo Horizonte com a EFCB ...............................
63
Figura 8 - Esquema das linhas da EFCB em 31 de dezembro de 1958
.............
65
Figura 9 - Estao de Minas, ponto inicial do Ramal Frreo
de Belo Horizonte ..........................................................................
67
Figura 10 - Descarregamento de vages da FCA no ptio da Belgo-Mineira,
em Sabar, no antigo Ramal de Santa Brbara da EFCB ................
72
Figura 11 - Anncios de estabelecimentos comerciais publicados em
peridicos de Sabar ......................................................................
74
Figura 12 - Reclamao sobre a superlotao dos trens de passageiros
da EFCB ........................................................................................
75
Figura 13 - Elogio EFCB .............................................................................. 77
Figura 14 - Coluna Subrbio das 10 de peridico sabarense da
dcada de 1940 ..............................................................................
78
Figura 15 - Esquema das linhas da RMV em 31 de dezembro de 1955 ............. 87
Figura 16 - Esquema das linhas da Estrada de Ferro Bahia e Minas - 1954 ....... 88
Figura 17 - Esquema das linhas da Estrada de Ferro Gois - 1954 .................... 89
Figura 18 - Esquema da malha da Viao Frrea Centro Oeste - 1971 .............. 90
Figura 19 - Trenzinho turstico da bitolinha em Tiradentes ............................... 91
Figura 20 - Hospital Sanatrio Dom Bosco, da Sociedade Ferroviria .............. 95
Figura 21 - Esquema das malhas ferrovirias das Superintendncias
Regionais da RFFSA 1976 ...........................................................
102
Figura 22 - Esquema das linhas do Sistema Regional Centro
da RFFSA - 1975 ...........................................................................
110
Figura 23 - Formao da RFFSA/SR-2 ............................................................ 112
Figura 24 - Esquema das linhas da RFFSA/SR-2 .............................................. 113
Figura 25 - Polgono Sete Lagoas-Costa Lacerda-Esperana-Barreiro
-Betim, regio de trechos ferrovirios mais congestionados
da RFFSA/SR-2 .............................................................................
116
Figura 26 - Organograma da gesto dos transportes na RMBH - 1984 ............. 127
8
Figura 27 - Vages de combustvel da Distribuidora ESSO Brasileira
Petrleo S.A., no bairro So Paulo ................................................
130
Figura 28 - Desenho esquemtico das solues para a travessia da RMBH
.......
133
Figura 29 - Soluo conjunta para o trfego de cargas e de massas na RMBH
..
135
Figura 30 - Proteo precria de passagem de nvel na RMBH ......................... 141
Figura 31 - Passagens de nvel de Belo Horizonte protegidas por
cancelas mecnicas e vigias ............................................................
142
Figura 32 - Viaduto construdo em Bernardo Monteiro para eliminar
passagem de nvel no ptio da estao ............................................
143
Figura 33 - Passagem de nvel do Barreiro ....................................................... 144
Figura 34 - Reclamao dirigida EFCB sobre acidente ocorrido em
passagem de nvel ..........................................................................
145
Figura 35 - Campanha educativa promovida pela FCA para reduo
de acidentes em passagens de nvel ................................................
147
Figura 36 - Carros de madeira do subrbio de Rio Acima na estao de
Belo Horizonte ..............................................................................
161
Figura 37 - Composio suburbana do sistema de Rio Acima, com carros
de ao carbono, na estao de Belo Horizonte ...............................
162
Figura 38
-
Desenho esquemtico do interior de carro de ao carbono
usado nos subrbios Belo Horizonte - Betim, at a dcada
de 1970 .........................................................................................
167
Figura 39 - Parada Marimbondo no trecho de circulao dos suburbanos
Belo Horizonte - Rio Acima ...........................................................
176
Figura 40 - Parada de Caetano Furquim, no trecho de circulao
dos -suburbanos Belo Horizonte - Rio Acima .................................
177
Figura 41 - Estao de Sabar da EFCB ......................................................... 178
Figura 42 - Inaugurao da estao de Sabar da RFFSA/SR-2 ........................ 179
Figura 43 - Estao de Sabar, da RFFSA/SR-2, com suas
plataformas adequadas aos carros de ao carbono ..........................
179
Figura 44 - Parada Novo Eldorado no trecho de circulao dos
9
suburbanos Belo Horizonte - Betim ............................................... 180
Figura 45 - Parada da Beatriz no trecho de circulao dos suburbanos
Belo Horizonte - Betim ..................................................................
181
Figura 46 - Parada Fazenda Embiruu ou Parada do Ona no trecho
de circulao dos suburbanos Belo Horizonte - Betim ....................
181
Figura 47 - Plataforma coberta da estao de Ferrugem, no trecho
de circulao dos suburbanos Horto Florestal - Barreiro ................
182
Figura 48 - Roleta instalada na estao de General Carneiro ............................. 185
Figura 49 - Projeto do metr subterrneo de Belo Horizonte proposto
pelo prefeito Sousa Lima ...............................................................
204
Figura 50 - Projeto original do metr de superfcie da RMBH .......................... 208
Figura 51 - Sistema Ferrovirio da RMBH ....................................................... 209
Figura 52 - Esquema do trajeto dos suburbanos Horto Florestal - Barreiro ....... 213
Figura 53 - Passagem subterrnea para passageiros localizada no ptio
da estao de Ferrugem .................................................................
218
Figura 54 - Parada da Mannesmann no trecho de circulao dos
subrbios Horto Florestal - Barreiro ..............................................
219
Figura 55
-
Carregamento de veculos rodovirios no ptio de Embiruu
da RFFSA/SR-2 .............................................................................
223
Figura 56 - TEKSID, antiga Fbrica de Motores do Brasil ............................... 225
Figura 57 - Parada Terespolis, local de embarque/desembarque dos
operrios dos suburbanos exclusivos para a FMB ...........................
228
Figura 58 - Esquema do trajeto dos suburbanos da RFFSA/SR-2
exclusivos para a FMB ...................................................................
229
Figura 59 - Estao de Betim da RMV ............................................................. 233
Figura 60 - Vista area de Betim ...................................................................... 234
Figura 61 - Composio suburbana de Betim da RFFSA/SR-2 tracionada
por locomotiva eltrica ..................................................................
237
Figura 62 - Trem de subrbio de Betim, da RFFSA/SR-2, tracionado
por locomotiva eltrica, em Bernardo Monteiro .............................
237
Figura 63 - Carro motor do subrbio de Betim da RFFSA/SR-2 ...................... 238
Figura 64 - Esquema do trajeto dos suburbanos do sistema Belo
10
Horizonte - Betim .......................................................................... 239
Figura 65 - Parada do SESI, no trecho de circulao dos suburbanos
Belo Horizonte - Betim ..................................................................
243
Figura 66 - Bondinho da Ferrovia Morro Velho na estao de Raposos
da EFCB ........................................................................................
257
Figura 67 - Bondinho da Ferrovia Morro Velho sobre o crrego
Cardoso, antigo crrego Congonhas ..............................................
258
Figura 68 - Remodelao do ptio da estao de Raposos da RFFSA/SR-2 ...... 259
Figura 69 - Trem de subrbio da RFFSA/SR-2, com carros de madeira,
na estao de Rio Acima ................................................................
260
Figura 70 - Trem de subrbio da RFFSA/SR-2, com carros de ao, na estao
de Rio Acima .................................................................................
261
Figura 71 - Esquema do trajeto dos suburbanos Belo Horizonte - Rio Acima ... 262
Figura 72
-
Ferrovirio Jos Miguel Ferreira no local do acidente ocorrido
em 3 de maro de 1981, com uma composio suburbana
do sistema Belo Horizonte - Rio Acima .........................................
266
Figura 73 - Parada de Castro Brando, em Roas Grandes ............................... 267
Figura 74 - Estao de Honrio Bicalho na primeira dcada do sculo XX
.......
268
Figura 75 - Estao de Honrio Bicalho em 1994 ............................................ 269
Figura 76 - Plataforma e escombros da estao de Honrio Bicalho ................. 269
Figura 77 - Parada das Flores no trecho de circulao dos suburbanos
Belo Horizonte - rio Acima ............................................................
270
Figura 78 - Charge alusiva superlotao dos nibus e ausncia dos
trens de subrbio ...........................................................................
281
Figura 79 - Programao do Trem UEB-22 para 1984 ..................................... 326
Figura 80 - Linha de Circulao do UEB-22, da RFFSA/SR-2 ......................... 327
Figura 81 - Trecho de circulao do UEB-22, da RFFSA/SR-2 ........................ 328
Figura 82 - Esquema das Regies da RFFSA/SR-2 - 1980 ............................... 329
Figura 83 - Trens de passageiros da RFFSA/SR-2 planejados para 1991 .......... 330
Figura 84 - Bilhetes de viagem usados nos suburbanos da RFFSA/SR-2
11
na RMBH ...................................................................................... 333
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Vantagens do modal ferrovirio sobre o rodovirio no
atendimento demanda por deslocamentos coletivos .......................
31
Quadro 2 - Evoluo da primitiva Linha do Centro da EFCB ............................. 56
Quadro 3 - Inaugurao das estaes da Linha do Paraopeba da EFCB ............. 66
Quadro 4 - Ferrovias incorporadas RFFSA em 30 de setembro de 1957 .......... 99
Quadro 5 - Sistemas Regionais e respectivas Divises da RFFSA em 15
de novembro de 1969 ......................................................................
101
Quadro 6 - Superintendncias Regionais da RFFSA - 1976 ................................ 101
Quadro 7 - Composio dos transportes da RFFSA em 1989 ............................. 106
Quadro 8 - Extenso das linhas da RFFSA (1958-1981) .................................... 108
Quadro 9 - Passagens de nvel da RMBH em trechos contemplados pelo
projeto original do trem metropolitana de Belo Horizonte ................
140
Quadro 10 - Trens de passageiros regulares ou facultativos ................................. 158
Quadro 11 - Evoluo do transporte de subrbio na RMBH (1964-1984) ............ 172
Quadro 12 - Movimento dirio total de passageiros das estaes/paradas
dos suburbanos Belo Horizonte - Rio Acima em dia til -
Nov. 1988 .......................................................................................
273
Quadro 13 - Regies da RFFSA/SR-2 servidas por trens suburbanos - 1980 ........ 329
12
Quadro 14 - Orientaes para a condio de formao e ordem de partida
dos trens da RFFSA/SR-2 ...............................................................
329
Quadro 15 - Prefixos das estaes da RFFSA/SR-2 que atenderam aos trens
de subrbio ......................................................................................
332
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Condies scio-econmicas dos usurios dos trens de subrbio
da RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ...............................
195
Tabela 2 - Avaliao das condies dos servios dos trens de subrbio
da RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ...............................
197
Tabela 3 - Avaliao das condies dos servios das estaes
compreendidas nos trechos de percursos dos trens de subrbio da
RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ....................................
198
Tabela 4 - Tempo mdio de espera nas estaes/paradas dos subrbios da
RFFSA/SR-2, na RMBH, em junho de 1986 ....................................
199
Tabela 5 - Estimativa de preos de passagens dos trens de subrbio da
RFFSA/SR-2, na RMBH, feita pelos usurios em junho de 1986
......
200
Tabela 6 - Meios de transporte utilizados pelos usurios de trens de
subrbio para os deslocamentos at as estaes e paradas de
origem e aps as estaes e paradas de destino, em junho
de 1986 ...........................................................................................
201
Tabela 7 - Comparao entre os custos das viagens de subrbio e de nibus
para o trecho compreendido entre Belo Horizonte e Rio Acima
- Set. 1996 ......................................................................................
282
13
LISTA DE SIGLAS
AMBEL - Assemblia Metropolitana
ANTT - Agncia Nacional de Transporte Terrestre
BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
CBTU - Companhia Brasileira de Trens Urbanos
CBTU/STU-BH - Superintendncia de Trens Urbanos de Belo Horizonte da
CBTU
CBTU/STU-
BH/DEMETR
Diviso Especial de Transporte Ferrovirio Metropolitano
de Belo Horizonte da CBTU/STU-BH
CEFOM - Companhia Estrada de Ferro Oeste de Minas
CVRD - Companhia Vale do Rio Doce
DEMETR - Diviso Especial de Transporte Ferrovirio Metropolitano
de Belo Horizonte
DNEF - Departamento Nacional de Estradas de Ferro
DNER - Departamento Nacional de Estradas e Rodagem
EBTU - Empresa Brasileira de Transportes Urbanos
EFCB - Estrada de Ferro Central do Brasil
EFDPII - Estrada de Ferro Dom Pedro II
EFOM - Estrada de Ferro Oeste de Minas
EFVM - Estrada de Ferro Vitria e Minas
ENFER - 1 Encontro Nacional Ferrovirio
ENGEFER - Empresa de Engenharia Ferroviria
FCA - Ferrovia Centro-Atlntica
FEPASA - Ferrovia Paulista Sociedade Annima
FJP - Fundao Joo Pinheiro
14
FMB - Fbrica de Motores do Brasil, atual TEKSID
GEIPOT - Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
MBR - Mineraes Brasileiras Reunidas
Metrobel Companhia de Transportes Urbanos da Regio
Metropolitana de Belo Horizonte
METROREC - Consrcio do Trem Metropolitano do Recife
Momti - Modelo Metropolitano de Transporte Integrado
MOREL - Movimento para a Retirada das Linhas do Centro de Belo
Horizonte
PAI - Plano de Ao Imediata
PDIES - Plano de Desenvolvimento Integrado Econmico e Social
Petrobrs - Petrleo Brasileiro Sociedade Annima
Plambel - Superintendncia de Desenvolvimento da Regio
Metropolitana de Belo Horizonte
PND - Plano Nacional de Desestatizao
Preserve - Setor de Preservao da Histria Ferroviria
RAE - Revista da Associao de Engenheiros da Estrada de Ferro
Central do Brasil
Regap - Refinaria Gabriel Passos
RMBH - Regio Metropolitana de Belo Horizonte
RMV - Rede Mineira de Viao
RFFSA - Rede Ferroviria Federal Sociedade Annima
RFFSA/SR-1 - Superintendncia Regional Recife da RFFSA
RFFSA/SR-2 - Superintendncia Regional Belo Horizonte da RFFSA
RFFSA/SR-3 - Superintendncia Regional Rio de Janeiro transformada em
S. R. Juiz de Fora da RFFSA
RFFSA/SR-7 - Superintendncia Regional Salvador da RFFSA
RFFSA/SR-8 - Superintendncia Regional Campos da RFFSA
SENAI - Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SLU - Superintendncia de Limpeza Urbana
SRBH ou SR-2 - Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede
Ferroviria Federal S. A.
15
SUDECAP - Superintendncia de Desenvolvimento da Capital
VFCO - Viao Frrea Centro-Oeste
16
RESUMO
Este estudo analisa a trajetria dos trens de subrbio da Regio Metropolitana de Belo
Horizonte operados pela Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede
Ferroviria Federal S.A., de 1976 a 1996, qualificando tais servios de transporte
segundo suas caractersticas operacionais e alcance social. Estes suburbanos
constituram quatro sistemas independentes: Horto Florestal - Barreiro, Belo
Horizonte - Betim, Belo Horizonte - Rio Acima e o exclusivo para a Fbrica de
Motores do Brasil, experincia nica da Regional na prestao de servios de
transportes de funcionrios para uma empresa.
Reflexes sobre a relao do transporte com os direitos de cidadania - civis, sociais e
ecolgicos - e sobre a primazia da ferrovia no atendimento s necessidades de
deslocamento em regies de aglomerados urbanos orientam e precedem as
consideraes acerca da histria social dos subrbios. Percebidos como um captulo
da histria ferroviria brasileira, os trens de subrbio da Grande BH refletem as
concepes e diretrizes da poltica nacional de transportes para o setor ferrovirio que
demarcaram os limites de atuao da Rede Ferroviria Federal S. A. e de sua
Superintendncia Belo Horizonte, obrigadas a equilibrarem-se entre interesses
cargueiros e a compulsria e decrescente prestao de servios aos passageiros.
A antiga malha ferroviria da Grande BH, herdada da Estrada de Ferro Central do
Brasil e da Rede Mineira de Viao, com a expanso da metrpole e da economia
nacional, tornou-se um dos pontos crticos da Superintendncia Belo Horizonte. A
crise de combustveis da dcada de 1970, valorizando o papel da ferrovia no
transporte, e a metropolizao da regio conformaram uma nova realidade para o
transporte suburbano de passageiros que assumiu o carter de transporte de massas.
A fim de ampliar a capacidade de transporte dos suburbanos, a Regional Belo
Horizonte modernizou seus sistemas adotando as composies com carros de ao
carbono. Nestes carros, smbolos dessa fase da histria dos subrbios, os usurios,
praticamente oriundos das classes populares, tiveram seu conforto preterido em prol
17
da elevao do nmero de passageiros. Apesar da demanda crescente resultante da
implementao dos novos veculos, a administrao ferroviria no promoveu outras
melhorias que reduziriam o nus da prestao de tais servios e os tornariam
satisfatrios.
A poltica de transporte suburbano de passageiros da Superintendncia Belo
Horizonte, nascida sob a gide da incluso, encontrou no metr de superfcie um forte
elemento de restrio. Esse moderno sistema de transporte de massas sobre trilhos
significou a supresso de parcela considervel dos suburbanos da Superintendncia.
Delineavam-se os contornos da excluso, pois o trem metropolitano, praticamente
restrito aos limites da capital, exclura antigos usurios de subrbios de Contagem e
de Betim.
De forma definitiva, a excluso social se imps com o arrendamento da
Superintendncia, em setembro de 1996, visto que o licenciamento exclusivo do
trfego cargueiro para o concessionrio que assumiu a malha resultou na completa
extino dos subrbios. As circunstncias que marcaram o encerramento das
atividades dos suburbanos, privando a populao carente de Sabar, Raposos e Rio
Acima do meio de transporte mais barato ento existente, tambm atestam a
inobservncia de direitos de cidadania, especificamente, dos direitos dos
consumidores dos servios prestados pela Rede Ferroviria Federal S. A.
18
INTRODUO
O estudo dos transportes evidencia possibilidade mpar para se chegar ao
entendimento de uma sociedade, pois permite avaliar-lhe, em parte, o estgio de
desenvolvimento tecnolgico, a dinmica poltica, econmica e social, o grau de
comprometimento com o equilbrio ambiental, a significao que atribui ao bem-estar
social, sutilezas de sua cultura, de sua soberania e a extenso e efetividade de sua
cidadania. Uma vez que a opo e a conformao da poltica de transportes - traduzida
em programas e projetos - presta-se adequadamente a tais anlises, o exame da
poltica de transporte de passageiros, mais diretamente do que a de transporte
cargueiro, espelha e revela a sociedade que a concebe.
Locomover-se em um espao continuamente ampliado e conglomerado tem sido parte
do quotidiano de populaes urbanas e metropolitanas ao longo, sobretudo, das
ltimas dcadas. Modal de transporte coletivo hoje desativado em quase todo o Brasil,
os trens de subrbio j chegaram a exercer, em vrios contextos espacial e
temporalmente situados, a primazia nesses servios de transporte. No caso da regio
de Belo Horizonte, os trens suburbanos foram os primeiros meios de transporte que
permitiram os deslocamentos populacionais dirios entre a capital mineira e suas
adjacncias, ainda na primeira dcada do sculo XX. Atuando nos servios de
transporte de passageiros, os suburbanos experimentaram administraes diversas, at
a criao da Rede Ferroviria Federal S. A. - RFFSA, em 1957, que incorporou as
ferrovias pblicas brasileiras e passou a operar parcela majoritria do trfego
ferrovirio nacional. Reorganizaes administrativas da RFFSA resultaram na criao
de Superintendncias Regionais, dentre as quais a de Belo Horizonte - SR-2,
estabelecida em 1976.
Este estudo tomou como objeto o transporte ferrovirio de passageiros realizado pelos
trens de subrbio da Superintendncia Regional Belo Horizonte da Rede Ferroviria
Federal S.A.- RFFSA/SR-2, na Regio Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH, no
perodo de 1976 a 1996 que corresponde ao da atuao e existncia dessa
Superintendncia. Agrupados em sistemas, os trens de subrbio da RFFSA/SR-2 na
19
Grande BH, em operao durante o perodo parcial ou integral de sua gesto foram: a)
Sistema Belo Horizonte - Rio Acima; b) Sistema Belo Horizonte - Betim; c) Sistema
Horto Florestal - Barreiro; d) Sistema exclusivo para Fbrica de Motores do Brasil -
FMB, empresa do Grupo FIAT de Turim, localizada no municpio de Betim.
O limite terminal do corte temporal estabelecido, de 1976 a 1996 - justificado em
funo de sua correspondncia com o perodo de existncia da Superintendncia
Regional Belo Horizonte - estabelece o marco inicial da atuao da Ferrovia Centro
Atlntica - FCA, empresa arrendatria da Malha Centro-Leste da RFFSA que incluiu
a malha ferroviria sob jurisdio da SR-2. A privatizao da RFFSA/SR-2, ocorrida
em primeiro de setembro de 1996, significou a extino dos ltimos trens de subrbio
da RMBH, visto o contrato de arrendamento licenciar somente o trfego cargueiro.
Justificar a eleio deste objeto de pesquisa implica na considerao de uma srie de
fatores, de naturezas vrias. Com base na bibliografia consultada, pode-se inferir que
os trens de subrbio que serviram Regio Metropolitana de Belo Horizonte ainda
no foram objeto de pesquisa especfica, fato que confere a esta iniciativa o carter de
ineditismo. As obras de cunho histrico sobre a capital mineira, gerais ou diretamente
voltadas para o transporte coletivo no dispensam maiores atenes ao transporte
ferrovirio suburbano de passageiros. Em geral, bondes, nibus, trlebus, metr de
superfcie e at mesmo os controvertidos projetos para implantao dos Veculos
Leves sobre Trilhos e dos trlebus modernos que resultaram em infrutferas
investigaes sobre malversao do dinheiro pblico so os modais de transporte
coletivo pesquisados.
Explicao plausvel para a ausncia dos trens de subrbio em tais estudos ou para a
superficialidade de sua abordagem, quando existente, reside na sua inexpressiva
relevncia para o belo-horizontino. Apesar da capital mineira ser atravessada pelas
linhas ferrovirias - da Estrada de Ferro Central do Brasil - EFCB e da Rede Mineira
de Viao - RMV, posteriormente encampadas pela Rede Ferroviria Federal S. A. -
de contar com numerosas estaes e paradas em seu permetro urbano e de sua
populao utilizar-se de tais servios de transporte coletivo em deslocamentos
internos, a parcela quantitativamente significativa de seus usurios sempre foi
representada pelos moradores das cidades vizinhas capital.
20
No obstante sua insero no espao urbano belo-horizontino, os trens de subrbio
foram desconsiderados como modalidade de transporte urbano, pela sua reduzida
participao no total de passageiros transportados. Se em 1949 os trens suburbanos
respondiam por 0,32% do total de viagens na capital em relao aos demais modais de
transporte (FJP, 1996:143), sua participao no transporte de passageiros das cidades
adjacentes a Belo Horizonte era quase absoluta, dada a precariedade da pavimentao
das rodovias. Gradativa e concomitantemente ao incremento do transporte rodovirio
- coletivo e particular - os muncipes mais abastados das cidades que viriam a integrar
a Grande BH abandonaram os suburbanos para as suas viagens intermunicipais
dirias; aos poucos, os subrbios tiveram sua utilizao restrita, exclusivamente, s
classes populares.
A relevncia social da pesquisa perpassa pela do tema. O prognstico de um vereador
sabarense, nos dias seguintes supresso dos ltimos trens de subrbio da Regio
Metropolitana de Belo Horizonte, motiva e legitima a reconstruo desta histria:
Daqui a pouco o povo esquece que tinha essa facilidade e acostuma a passar sem
ela. (Hoje em Dia. 3 set. 1996. Cad. Minas). Como afazer-se a uma nova e carente
realidade no implica na privao do resgate e da anlise crtica de sua histria, a
contraposio de sucessivos antes e depois favorece a percepo da fragilidade, da
transitoriedade e mesmo da continuidade dos agoras.
A acentuao dos processos de pauperizao, de polarizao social, de excluso social
e o agravamento das desigualdades regionais e sociais que se evidenciam na
atualidade valorizam a compreenso do papel dos transportes na dinmica scio-
econmica. A trajetria dos subrbios da RFFSA/SR-2 na RMBH interliga-se com
um amplo leque de questes, pois transita pelos interesses - em menor ou maior grau -
locais, regionais, nacionais e transnacionais, ora ressaltando-lhes os econmicos, os
polticos, os sociais, os culturais e at os ambientais, sem negar-lhes a convergncia
para o campo da cidadania. Afinal, o subrbio, meio de transporte secular da regio de
Belo Horizonte, encarnou e refletiu as diferentes concepes de cidadania
engendradas, compartilhadas e toleradas quer no micro scio-espao local, quer nos
macros, nacional e transnacional.
21
Considera-se tambm que a construo da histria destes trens presta-se como ponto
de partida para um estudo mais abrangente do transporte coletivo sobre trilhos da
regio, visto que oferece alguns subsdios para uma anlise que os integre ao metr de
superfcie, determinando-lhes as especificidades e divergncias e evidenciando-lhes a
complementaridade. Consideraes iniciais neste sentido foram apresentadas, tendo
em vista que ambos, componentes do quadro histrico, social, poltico, econmico e
cultural da Grande BH, como modalidades de transporte coletivo que apresentam
desempenho superior a quaisquer outros em regies de aglomerados urbanos e
metropolitanos, com menor custo social para a sociedade e simbolizando a
universalizao e primazia dos interesses coletivos sobre os particulares, necessitam
entrar na pauta das discusses e reflexes acerca das urgncias do dia-a-dia da
metrpole e das opes para o enfrentamento sustentvel de seus numerosos
problemas, dos quais, indubitavelmente, destaca-se o do trnsito. Percebidos e
analisados sob os pontos de vista de vrias reas do conhecimento humano, essas
modalidades de transporte sob trilhos tendem a se valorizar e oxal, a protagonizar
mais do que meros estudos, transcendendo os limites da abstrao para deixar o papel
de dbeis coadjuvantes na realidade quotidiana dos deslocamentos de massa.
Menos uma justificativa que conseqncia da pesquisa, a denncia do estado de
degradao do patrimnio ferrovirio torna-se evidente atravs da contemplao e da
comparao das fotografias antigas e atuais dos equipamentos ferrovirios que
atendiam aos servios dos suburbanos em questo. Revelar o descaso das polticas
ferrovirias e da atuao de seus respectivos rgos na preservao e na administrao
desse patrimnio, mediante anlises objetivas, no foi proposta desta pesquisa;
todavia, as imagens que retratam o presente e confrontam-no com o passado deixam
entrever, inexoravelmente, tal revelao.
Corroborando as consideraes que tm por fim demonstrar as legtimas razes dessa
pesquisa, a urgncia em viabilizar este estudo constituiu estmulo adicional. As
incertezas que envolvem o processo de liqidao da RFFSA, ainda em andamento,
envolvem numa aura de mistrio o destino reservado Unidade de Documentao da
Superintendncia Regional Belo Horizonte. A julgar pela conseqncia imediata do
arrendamento para estes arquivos documentais - fechamento ao pblico devido
demisso de seus funcionrios ocorrida no primeiro dia de gesto da FCA - temia-se
22
que o acesso aos documentos necessrios reconstruo da histria dos suburbanos
fosse dificultado ou inviabilizado dada a morosidade que habitualmente caracteriza
muitas decises sobre o patrimnio pblico. Cabe ressaltar que apesar das condies
adversas e da ausncia de propsitos definidos para a conservao, organizao e
controle do acervo, mediante autorizao do Setor de Patrimnio da RFFSA, foi-me
facultado o acesso Unidade de Documentao, que visitei de 1999 a 2001.
Finalmente, cabe apontar um interesse pessoal a motivar a realizao da pesquisa e a
revesti-la de um prazer especial: filha do engenheiro ferrovirio Nominato Magalhes
Guimares, responsvel durante cerca de trinta anos pela conservao da via
permanente dos trechos em que circularam os trens de subrbio da Grande BH, residi
durante a infncia em um ptio de estao - em Sabar - numa poca em que os trens
de subrbio faziam-se presentes na vida de, praticamente, toda a sociedade daquele
municpio. Recuperar e organizar parte da memria destes trens reconstruir parcela
de uma histria que me familiar, alm de uma cara oportunidade de homenagear
classe ferroviria, digna do apreo e de reconhecimento pelo sculo de servios
prestados no transporte de passageiros na regio da capital mineira.
Objetivo geral desta pesquisa foi efetuar uma sntese histrica do transporte de
passageiros na Grande BH realizado pelos trens de subrbio da RFFSA/SR-2,
buscando qualific-lo segundo suas especificidades operacionais e seu alcance social.
Demonstrar a relevncia desses servios como a primeira modalidade de transporte
coletivo a estabelecer a ligao da capital mineira com suas cidades adjacentes,
permanecendo, por dcadas, como alternativa prioritria para os deslocamentos nesse
scio-espao, tambm constituiu objetivo da pesquisa, visto seu carter subsidirio
para a percepo das transformaes ocorridas nos meios ferrovirio, social e urbano,
que imprimiram caractersticas prprias aos transporte suburbano de passageiros a
cargo da Superintendncia Regional Belo Horizonte da RFFSA. Apreciar o contexto
histrico da implantao da SR-2 - nacional e regional - marcado pela crise de
combustveis, pela acentuao e confirmao do processo de metropolizao da
capital mineira e pelo incremento do transporte rodovirio intermunicipal, tambm foi
meta perseguida por este estudo, por favorecer a compreenso do compromisso
assumido pela RFFSA/SR-2 na prestao dos servios de transporte suburbano.
Traar um perfil dos usurios de subrbios da SR-2 na RMBH, dimensionar
23
qualitativamente as condies que permearam a prestao de tais servios e avaliar a
extenso e as implicaes do decrescente compromisso social com a manuteno dos
trens suburbanos igualmente foram propostas da pesquisa.
A anlise, certamente parcial, da produo acadmica, histrica e literria sobre Belo
Horizonte evidenciou o alheamento dos suburbanos como foco particular de
pesquisas, mas permitiu o levantamento de dados que assumiram carter
complementar face documentao considerada prioritria para a pesquisa, oriunda
da prpria RFFSA/SR-2. O centenrio da capital, comemorado em 1997, foi ocasio
para a publicao de vrias obras histricas sobre a cidade dedicadas a diferentes
aspectos de sua trajetria. A Fundao Joo Pinheiro - FJP, atravs de seu Centro de
Estudos Histricos e Culturais editou a Coleo Centenrio, com histrias setoriais do
sculo belo-horizontino e reeditou outras obras reconhecidamente significativas sobre
a memria desse sujeito municipal; destas, algumas tornaram-se referncias
constantes para esta pesquisa.
Omnibus: uma histria dos transportes coletivos em Belo Horizonte (FJP: 1996)
descreve os processos de formao e desenvolvimento do transporte de passageiros na
cidade, assim como a extino de algumas de suas modalidades, interligando,
coerentemente, a histria dos transporte com a da prpria evoluo urbana. Tendo
como delimitao espacial de seu objeto de anlise o municpio de Belo Horizonte,
Omnibus relata a histria dos transportes coletivos segundo eixos investigativos
determinados: a ao do Poder Pblico, a participao popular e a eleio dos bondes
e nibus como modais principais. Em consonncia com tais propostas de enfoque,
so abordadas tambm outras tipologias, como o trem suburbano, o trlebus e o
metr, que apesar do inegvel significado como experincias e potencialidades que
encerram, respondem a nmeros menos expressivos. (1996:22).
E, dessas modalidades secundrias, a mais supercificialmente tratada a dos trens de
subrbio, com breves e espordicas consideraes que, contudo, mostram-se
relevantes diante do enxuto universo de estudos que abordam o tema.
Especificamente, informaes sobre os primrdios dos trens de subrbio do sistema
Horto Florestal - Barreiro avultam como as de maior relevncia no conjunto de
subsdios colhidos daquela obra. Contribuio tambm proveio da bibliografia
utilizada na pesquisa que resultou na elaborao do referido livro, que devidamente
24
indicada e parcialmente consultada, forneceu uma viso panormica do
desenvolvimento dos transportes e da urbanizao e metropolizao da regio em
questo.
Notas Cronolgicas de Belo Horizonte - 1711-1930, de Otvio Penna, obra editada
em 1950 e reeditada pela FJP em 1977, apresenta uma coletnea, cronologicamente
ordenada, de fatos importantes da histria da cidade. Informaes sobre os primeiros
tempos da ferrovia em Belo Horizonte - construo, primeiras estaes, paradas,
viagens, acidentes, etc. - e, notadamente, a preciso da circulao dos primeiros
suburbanos que serviram capital revelaram-se contribuies preciosas.
Belo Horizonte: Memria Histrica e Descritiva - Histria Mdia, de Ablio Barreto,
obra tambm reeditada pela Fundao Joo Pinheiro, em 1966, referncia obrigatria
sobre o passado belo-horizontino, com riqueza de pormenores trata da construo do
Ramal Frreo de Belo Horizonte pela Comisso Construtora da capital mineira. Nesse
trecho ferrovirio, posteriormente adquirido pela Estrada de Ferro Central do Brasil,
circularam, parcialmente, dois dos sistemas de subrbio tratados: Belo Horizonte -
Rio Acima e Horto Florestal - Barreiro.
A bibliografia acadmica voltada para a rea dos transportes urbano e metropolitano
de Belo Horizonte, produzida para cursos de Arquitetura, Direito, Histria, Sociologia
e Cincia Poltica, tambm elegem como foco de estudo os bondes, os nibus e o
metr de superfcie, dada a sua maior participao no transporte coletivo. Ateno
dispensada s formas, caractersticas e evoluo das gestes pblicas e/ou privadas
desses modais de transporte, sendo adequadas tais abordagens s diferenas que
conferem individualidade e identidade a cada rea de estudo.
Dentre as produes acadmicas - mineiras ou no - duas destacam-se como
referncias diretas para esta pesquisa: a dissertao O Trem da Opresso - Estado e
Conflito Social na Grande So Paulo, de Ana Amlia da Silva, apresentada ao
Departamento de Cincias Sociais da Universidade de So Paulo, em 1982, e O metr
de Belo Horizonte: estudos e consideraes, monografia de Flvia Regina Lovalglio,
monografia apresentada ao curso de especializao em Urbanismo da Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, em 1990. A primeira, tratando
especificamente dos trens suburbanos da Regio Metropolitana de So Paulo sob a
25
tica de sua percepo pelas classes trabalhadoras e usurias, configurou-se como
referencial de abordagem, ainda que espacialmente diferenciada. Parmetro para a
constatao das semelhanas e dissociaes entre os suburbanos mineiros e paulistas,
sugeriu procedimentos metodolgicos, ainda que desconsiderados. O estudo de
LOVAGLIO, dedicado anlise dos impactos do trem metropolitano, apresenta um
sucinto histrico do transporte urbano, com informaes gerais e breves sobre os trens
de subrbio da regio da capital mineira. Uma informao imprecisa e no
fundamentada sobre a existncia de um convnio entre a RFFSA e a FIAT, para a
prestao de servios de transporte de operrios da empresa automobilstica foi o
ponto de partida para investigaes que resultaram na identificao do sistema de
subrbios exclusivos para a FMB.
Diversas obras sobre ferrovias foram consultadas para o levantamento de informaes
sobre os subrbios da RFFSA/SR-2, todavia, nenhuma dedicada exclusivamente ao
assunto. Estudos histricos e tcnicos sobre as trajetrias das antigas EFCB, Estrada
de Ferro Oeste de Minas - EFOM e RMV e sobre a RFFSA, eventualmente
disponibilizam breves dados sobre o objeto de estudo, apesar de satisfatrios no
atendimento aos objetivos que os determinaram, tambm relevantes para esta
pesquisa, uma vez que contextualizam a operao dos trens de subrbios. Anlises
crticas sobre a natureza, a viabilidade, a eficincia e a poltica dos transportes
ferrovirios igualmente colaboram na composio do quadro operacional dos
suburbanos. Dentre as numerosas produes analisadas, avultam A Eficincia das
Ferrovias no Transporte Metropolitano, de Klaus Jrgen Juhnke, (1968), fornecendo
bases essenciais para o entendimento do papel da ferrovia no transporte de massas em
aglomerados populacionais e analisando as condies timas para seu desempenho; e
O papel da ferrovia na poltica nacional de transportes - Proposta dos ferrovirios
para solucionar os problemas da ferrovia, documento produzido pelo Primeiro
Encontro Nacional Ferrovirio - ENFER (1991), segundo princpios de gesto
democrtica e de excelncia empresarial que, se anacrnico face aos rumos privatistas
que ento anunciavam-se para a setor ferrovirio nacional, prima pela fundamentao
da anlise do sentido social da ferrovia.
Estudos tcnicos que subsidiaram e determinaram a implantao do metr de
superfcie de Belo Horizonte, produzidos pela Empresa Brasileira de Planejamento de
26
Transportes - GEIPOT, subordinada ao Ministrio dos Transportes, em verses
preliminares e definitivas, retratam o quadro operacional dos suburbanos da
RFFSA/SR-2, ao fim da dcada de 1970 e incio da seguinte. As demandas geradas
pela implantao do metropolitano resultaram na produo de restrita documentao
especfica sobre os trens de subrbio pela SR-2, visando exclusiva soluo dos
problemas inter-institucionais e operacionais causados pelas obras de vulto na malha
ferroviria inscrita no permetro urbano da capital. Cabe mencionar que o metr de
superfcie inicialmente foi concebido como um moderno trem de subrbio, razo pela
qual muitos destes estudos assumem o carter de anteprojetos do metropolitano,
desconsiderando, em boa parte, os tradicionais suburbanos.
A metodologia utilizada na pesquisa consistiu, praticamente, na de tipo qualitativo:
pesquisa histrica documental escrita, cartogrfica e iconogrfica e constituio de
documentao atravs da tcnica de Histria Oral - via realizao de entrevistas
temticas - e atravs da realizao de fotografias atualizadas sobre o tema.
A pesquisa documental escrita, cartogrfica e iconogrfica buscou fontes primrias e
secundrias, recorrendo s bibliotecas, arquivos e unidades de documentao dos
rgos pblicos direta ou indiretamente relacionados ao objeto em questo: RFFSA,
Companhia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, Fundao Joo Pinheiro, Arquivo
Pblico Mineiro, Arquivo da Cidade de Belo Horizonte, Museu Ablio Barreto,
Ncleo de Comunicao da Prefeitura de Sabar, Casa de Cultura de Betim, jornais
Estado de Minas e Hoje em Dia, principalmente. Ademais, colaborao significativa
proveio de arquivos pessoais de ferrovirios, gentilmente disponibilizados para a
pesquisa.
O cerne da bibliografia utilizada provm da prpria RFFSA/SR-2, compreendendo
seu material de uso interno, de carter tcnico, administrativo e operacional. A
limitao temporal da pesquisa decorre, principalmente, da disponibilidade das fontes,
uma vez que a poltica e a metodologia para a preservao e a organizao do material
produzido pela RFFSA variou em conformidade com suas alteraes organizacionais
e administrativas. O arquivamento e o ordenamento reservado aos relatrios, estudos,
ofcios, memorandos, cartas, atas de reunies e toda espcie de documento produzido
pela SR-2 propicia consultas, uma vez que o rigor e o mtodo estabeleceram padres
no encontrados para outros perodos da administrao ferroviria. H que se
27
considerar tambm que a SR-2 foi a ltima representante da estrutura administrativa
da RFFSA na regio, sendo sua documentao, portanto, no somente a mais recente,
como a mais volumosa, dadas as facilidades tecnolgicas grficas no encontradas em
perodos anteriores. As principais fontes documentais desta Superintendncia
utilizadas na pesquisa sobre os suburbanos da RMBH foram seus Planos ou
Programaes de Transporte e suas Cartas.
Na Unidade de Documentao da SR-2 foram localizados os Planos de Transporte
correspondentes aos anos de 1976 a 1986 e de 1988 a 1992, ou seja, do perodo
proposto para anlise, apenas cinco anos no contam com o subsdio de tal
documentao. Todavia, para praticamente todos os anos faltosos, pode-se contar com
outras fontes que indicam, parcial ou totalmente, os trens em circulao. Assim, para
1987, relevante por tratar-se do ano da desativao do sistema suburbano de Betim,
disps-se de ampla documentao oriunda da CBTU, que propiciou o conhecimento
do processo de supresso desse sistema. 1994 contemplado com um ofcio do Setor
de Comunicao Social da RFFSA/SR-2, que informa a oferta de suburbanos1,
mantida sem alteraes at a completa extino desta modalidade de transporte de
passageiros, em 1996.
Os Planos de Transporte que eventualmente apresentam-se com a denominao
Programaes de Transporte contm, para boa parte do perodo analisado, os
documentos Horrios de Trens de Passageiros, que por sua vez, incluem o Horrio
de Trens do Interior. Os trens de subrbio programados eram discriminados
juntamente com os trens de passageiros do interior. Estes Planos, previamente
elaborados, visavam definio e organizao do trfego de trens, sendo preparados
com antecedncia, varivel de ano para ano. Como fontes principais para identificar
cada trem de subrbio - trecho percorrido, horrio, tempo de percurso e de parada, etc.
- mostram-se suficientemente completos, por discriminarem detalhadamente todas as
informaes sobre cada trem e permitirem, no seu conjunto, compor a
evoluo/involuo (oferta) de cada sistema de trens.
1 Para o ano de 1994, dispe-se tambm de DINIZ, 4h da manh, Z Marmita pega o trem. Estado de Minas. Belo Horizonte: 10 abr. 1994, Cidades, p. 38., matria abrangente e sensvel que contemplou o quotidiano nos subrbios de Rio Acima.
28
Todavia, dada a peculiaridade fundamental de ser o Plano uma previso dos servios,
o recurso tcnica de cruzamento de fontes mostrou-se potencialmente rico e
necessrio. Alteraes decorrentes de acontecimentos impossveis de serem previstos,
mas de fato registrados ao longo do ano - enchentes do Ribeiro Arrudas ou do Rio
das Velhas, quedas de barreira provocadas pelas chuvas que causavam obstruo na
via permanente, a imobilizao do material rodante ocasionado por avarias ou
acidentes, reparos nas linhas que exigissem a interrupo do trfego, obras infra-
estruturais executadas pelos Municpios, Estados ou pela Unio em trechos de
confluncia da ferrovia com a estrutura viria rodoviria, etc. - ou fatos j previstos
mas ocorridos durante o correr do ano, como o fechamento temporrio ou definitivo
de alguma estao ou o cancelamento provisrio ou irreversvel de alguma parada
para a execuo de obras, para atender solicitaes das comunidades e mesmo para
satisfazer s necessidades operacionais da Superintendncia Regional Belo Horizonte
- determinaram alteraes na circulao dos trens.
Localizar fontes complementares que dessem conta desse quotidiano de duas dcadas,
mostrou-se, obviamente, invivel. Contudo, vestgios dessa documentao foram
passveis de localizao, mostrando-se de especial relevncia a correspondncia diria
do Superintendente Regional da SR-2, arquivada como Cartas da SR-2. Sua
relevncia explica-se por retratar o dia-a-dia dos subrbios e das operaes
ferrovirias em seus trechos de circulao. Informaes sobre os recorrentes pedidos
de ampliao dos servios dos suburbanos, sobre os problemas decorrentes das
dezenas de passagens de nvel na RMBH, sobre as iniciativas da Superintendncia
para minimizar os problemas relativos ao transporte de passageiros, dentre outras,
foram fartamente oferecidas pelas Cartas. Ademais, foi possvel localizar, dentre tais
fontes, atas de reunio, contratos e/ou suas minutas que atestam as relaes da
RFFSA/SR-2 com outras instituies, mostrando-se significativos para este estudo os
infrutferos entendimentos com a FIAT para a prestao de servios de transporte de
operrios e a minuta do acordo celebrado com a empresa Fbrica de Motores do
Brasil - FMB2, que resultou na criao dos trens suburbanos para os seus
funcionrios; igualmente pertinente, a resciso do referido contrato foi identificada
dentre tal documentao. Enfim, as Cartas complementam os Planos: se estes
2 A FMB subordinada ao grupo FIAT da cidade italiana de Turim e no, FIAT brasileira, de Betim.
29
informam quem eram os sujeitos histricos - os trens de subrbio - aquelas relatam
muitos acontecimentos relacionados com a sua histria. Lamentavelmente, tais fontes
restringem-se ao perodo de 1976 a 1985.
O confronto de informaes mostrou-se produtivo tambm para a verificao de
informaes constantes nos Planos de Transporte, no que se refere composio dos
suburbanos. Os Planos atestavam a introduo dos carros de ao inoxidvel,
primeiramente nas composies do sistema de trens de subrbio Belo Horizonte -
Betim. O recurso a fontes complementares como as Resenhas e Noticirios
semanais/mensais da RFFSA e da SR-2, comprovam a introduo de tais carros no
sistema de subrbios Belo Horizonte - Rio Acima no ano de 1978 e, posteriormente,
no ano de 1979, sua adoo nos suburbanos que cobriam o trecho de Betim. Tambm,
neste caso, evidencia-se a supremacia e a confiabilidade da informao produzida a
posteriori, dando conta do fato acontecido.
No obstante tais escorreges na confiabilidade dos documentos considerados
prioritrios para a pesquisa, h que se considerar que, elaborados anualmente, os
Planos, ao determinarem os trens que seriam postos em circulao - estabelecendo-
lhes horrio, percurso, paradas, etc. - levavam em conta a avaliao do trfego do ano
imediatamente anterior. No h porque no conceder-lhes crdito uma vez que no
so meras cpias dos Planos dos anos imediatamente anteriores. Equvocos como o
do destino inicial dos novos carros de ao justificam-se pela dependncia da chegada
Regional de tal material e de avaliaes processuais de sua melhor utilizao. Uma
vez que informaes contidas nestes documentos foram passveis de confirmao pela
tcnica de cruzamento de fontes e que o essencial sobre os diferentes sistemas e trens
suburbanos encontra-se neles contemplado, justifica-se sua posio superior na
hierarquia dos documentos considerados.
O recurso aos peridicos sabarenses - dos anos finais do sculo XIX e iniciais do XX
e da primeira metade da dcada de 1940 - para a construo de parcela significativa da
dissertao, referente Estrada de Ferro Central do Brasil e aos trens suburbanos
especificamente, explica-se pela acessibilidade encontrada, facilitada pelas relaes
pessoais e familiares existentes. Sendo Sabar a primeira cidade a beneficiar-se dos
30
servios dos trens de subrbio para os deslocamentos at a capital mineira e a ltima a
ver-se deles privada - juntamente com Raposos e Rio Acima - e o fato desta cidade ter
acolhido uma das residncias ferrovirias mais importantes da EFCB e depois da
RFFSA, retratar pensamentos e sentimentos de sua populao, colhidos nesses jornais,
d em boa medida a dimenso do espao ocupado pela ferrovia e pelos trens no
imaginrio social desses muncipes. A existncia de uma coluna intitulada Subrbio
das Dez no peridico sabarense Kaquende, publicado nos anos quarenta,
emblemtica para a percepo do papel destes trens no quotidiano da populao em
pocas anteriores criao da SR-2, e mesmo, da RFFSA. Poesias, anedotas, relatos,
reclamaes, elogios e mesmo anncios comerciais encontrados nestes jornais
dispensam atenes ferrovia e ao transporte suburbano, colaborando na construo
dessa histria composta por muitas memrias, quer individuais, quer coletivas.
Grande parte das fotografias apresentadas foram produzidas para esta dissertao,
sendo portanto, relativamente recentes. Todos os trechos em que circularam os
suburbanos em questo tiveram seus equipamentos - estaes, paradas, residncias
ferrovirias - registrados de 1994 a 2001 e algumas destas imagens so utilizadas para
melhor dimensionar as consideraes tratadas. Porm, h vrias preciosidades que
enriquecem esta histria e que, por si mesmas, transmitem mensagens que em muito
superam as limitaes da escrita. o caso da evoluo/involuo da estao de
Honrio Bicalho, no trecho de circulao dos suburbanos de Rio Acima; pelas
fotografias de 1908, 1994 e 1999 infere-se a histria do transporte ferrovirio de
passageiros na RMBH.3 Tambm, imagens de estaes j desaparecidas, substitudas
ou no por novos edifcios - Ferrugem, Sabar, General Carneiro, Estao de Minas -
retratam com exatido pocas passadas, permitindo o conhecimento de uma outra
realidade, deslocada no tempo e transmutada em um espao conhecido, mas virgem
de muitas marcas que lhe conferem reconhecimento na atualidade.
Grata surpresa desta pesquisa foi a identificao do primeiro alicerce de casa de
moradia levantado pela Comisso Construtura de Belo Horizonte: o da residncia do
3 Apesar da circulao dos suburbanos da EFCB iniciar-se em 1909, compreendendo apenas o trecho entre Sabar e Belo Horizonte, a imagem que retrata a movimentao da estao de Honrio Bicalho em 1908, se no corresponde ao frenesi dos subrbios, evidencia a movimentao tpica das estaes poca, pois trens cargueiros e de passageiros de longo e mdio percursos tinham paradas programadas no local.
31
agente da Estao do Entroncamento ou Estao de General Carneiro, do Ramal
Frreo de Belo Horizonte (PENNA, 1997: 37). Confrontando a imagem deste imvel
que integra a obra de Ablio Barreto, Belo Horizonte: Memria Histrica e Descritiva
- Histria Mdia (1996: 364) com fotografias recentes realizadas para esta pesquisa e
com o referido local, foi possvel a confirmao de que trata-se do mesmo imvel,
recentemente restaurado e em timo estado de conservao. Situado no bairro de
General Carneiro, no municpio de Sabar, sua relevncia histrica era desconhecida
pela Secretaria Municipal de Esporte, Lazer, Cultura e Turismo da referida cidade.
Comunicado sobre a oportuna descoberta, aquele rgo municipal prepara-se para
dar-lhe finalidade social diversa da que atualmente apresenta, desalojando um Posto
da Poltica Militar ali instalado para nele abrigar uma biblioteca pblica.
oralidade recorreu-se com vistas a suprir, complementar e confirmar dados obtidos
por via documental escrita. A constituio de documentao oral, atravs da
realizao de entrevistas temticas com dois ferrovirios que utilizaram-se dos
suburbanos como usurios e que exerceram suas atividades funcionais direta ou
indiretamente ligadas ao transporte ferrovirio suburbano na Grande BH - um
engenheiro ferrovirio e um
maquinista - favoreceu o afloramento de sutilezas que somente a mais viva
humanizao confere s fontes. As memrias do engenheiro Nominato Magalhes
Guimares, revestidas de um carter panormico e tcnico quanto ao transporte
ferrovirio na RMBH, associadas aos depoimentos do maquinista Jos Miguel
Ferreira,
condutor de subrbios e ntimo de seus quotidianos - quer operacionais, quer sociais -
aproximam-se de uma relativa completude - guardadas as devidas ressalvas,
quantitativas e qualitativas - da vivncia profissional ferroviria na prestao desses
servios de transporte de passageiros.
A metodologia quantitativa assumiu maior expresso para a composio do perfil dos
usurios dos suburbanos da SR-2, na Grande BH, e para a avaliao da qualidade dos
servios desses trens, sendo utilizados dados provenientes de pesquisas realizadas por
instituies gestoras do transporte coletivo na RMBH.
32
O encadeamento dos captulos da dissertao orientou-se pela eleio de um enfoque
com caractersticas dedutivas e estruturalistas que aproxima, contnua e
progressivamente, o objeto de estudo contextualizando-o, inicialmente, no mbito
global das reflexes de carter filosfico para, a partir de ento, estreitar o foco scio-
histrico, em suas dimenses temporal e espacial. Ao final, pretende-se o
estabelecimento de elos entre o objeto tratado e o campo das idias que o precedeu e
norteou-lhe a abordagem.
O captulo 1, CIDADANIA, TRANSPORTE E FERROVIA, trata da pertinncia e da
necessidade de defesa do direito ao transporte sob a tica do Direito Filosfico e da
Filosofia das Cincias Polticas, face aos movimentos de ampliao de bens e de
sujeitos de direito a serem assegurados por vias constitucionais no mundo
contemporneo. Aproximando T. H. Marshall, Cidadania, classe social e status
(1967) e Norberto Bobbio, A Era dos Direitos (1992), busca-se fundamentos para o
tratamento da cidadania no tocante ao direito ao transporte, atualizando-se a discusso
com o recurso atual Constituio da Repblica Federativa do Brasil (2001).
Pondera-se as vantagens da ferrovia na satisfao das urgncias do transporte de
massas em regies de aglomerao urbana e metropolitana, relacionando tais
reflexes com a efetividade da cidadania. Tais consideraes tm a finalidade de
balizar as reflexes e os relatos dos prximos captulos, propiciando a percepo das
diversas dimenses do significado dos trens de subrbio da RFFSA/SR-2 para a
populao da RMBH.
O captulo 2, SNTESE HISTRICA DAS FERROVIAS BRASILEIRAS, atravs da
periodizao proposta para essa histria favorece a identificao das permanncias e
descontinuidades das diretrizes e das polticas ferrovirias nacionais, assim como
permite divisar suas implicaes sobre o objeto de pesquisa eleito, os trens de
subrbio da RFFSA/SR-2, na Grande BH, alguns to antigos que figuram como parte
dessa histria totalizante que abarca cerca de um sculo e meio.
O captulo 3, FERROVIAS DA REGIO DE BELO HORIZONTE resgata a histria
das ferrovias que serviram capital mineira e adjacncias e participaram de seu
desenvolvimento. Acompanhando as transformaes institucionais e operacionais
pelas quais passaram a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Rede Mineira de Viao
e valorizando a trajetria de tais ferrovias no contexto histrico, espacial e social
33
proposto para anlise, chega-se a um panorama das condies dos servios prestados
pela RFFSA/SR-2 no transporte suburbano de passageiros na RMBH, visto serem trs
dos quatro sistemas de subrbios enfocados herdados destas antigas ferrovias.
A REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A. merece um captulo a parte por ser o
marco macro-institucional que abrigou a Superintendncia Regional Belo Horizonte,
rgo gestor dos trens de subrbio em questo. Suas diretrizes para a poltica de
transportes ferrovirios, suas competncias, seus projetos e problemas estabeleceram
os limites de ao da SR-2, nos quais circunscreveu-se a operao dos trens
suburbanos.
O captulo 5, O TRANSPORTE FERROVIRIO NA REGIO METROPOLITANA
DE BELO HORIZONTE, apresenta um breve histrico da institucionalizao da
Grande BH, como resposta s necessidades polticas e administrativas de uma
realidade que transpunha os contornos urbanos. Situa-se rapidamente a relao do
transporte coletivo - rodovirio e ferrovirio - no mbito da gesto metropolitana e
trata-se da inter-relao ferrovia/metrpole, em seus processos de expanso, dando-se
nfase s especificidades da ferrovia e de seu trfego - cargueiro e de passageiros -
nesse espao metropolitano.
A contextualizao dos trens de subrbio da RFFSA/SR-2 adensa-se no captulo 6,
TRANSPORTE FERROVIRIO SUBURBANO DE PASSAGEIROS NA REGIO
METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE, no qual busca-se identificar
particularidades desses servios. Alm da aproximao de uma definio de trem de
subrbio, trabalha-se a idia de que os suburbanos da RFFSA/SR-2 simbolizaram,
inicialmente, uma nova concepo de transporte de massas por ferrovia, necessria e
adequada aos imperativos da realidade scio-histrica da segunda metade da dcada
de 1970, momento de enfrentamento das conseqncias da exploso populacional da
metrpole e da crise mundial de combustveis.
Esclarecimento metodolgico faz-se mister para os procedimentos que
fundamentaram a abordagem dada caracterstica do perodo de instalao da
RFFSA/SR-2, que engendrou uma nova concepo de transportes de passageiros: o de
massas. Privilegiou-se a institucionalizao da RMBH como evidncia para o
34
processo de metropolizao que acompanhou o de industrializao iniciado e
intensificado a partir da dcada de 1950 e que encontrou na formao de um
aglomerado metropolitano a sua maior expresso. O crescimento demogrfico,
econmico e fsico-espacial desse espao conurbado foi, efetivamente, confirmado
pela institucionalizao da Grande BH que no s veio a corrobor-lo como,
teoricamente, oportunizar meios para o enfrentamento dos problemas dele
decorrentes. Este pressuposto de anlise, acredita-se, encontra sustentao nos estudos
promovidos pela Superintendncia de Desenvolvimento da Regio Metropolitana de
Belo Horizonte - PLAMBEL, Planejamento da Regio Metropolitana de Belo
Horizonte. A estrutura urbana da RMBH (1986); e pela Empresa Brasileira dos
Transportes Urbanos - EBTU , Apreciao dos Projetos da Regio Metropolitana de
Belo Horizonte (1979).
Nesse captulo elege-se como smbolos dos trens de subrbio da RFFSA/SR-2 os
carros de passageiros de ao carbono, adotados em funo de sua maior capacidade de
transporte. Melhorias dos servios de trens de subrbio e histricos e novos problemas
operacionais enfrentados pela Superintendncia Regional Belo Horizonte, da RFFSA,
so mencionados, antecipando aspectos prprios da histria de cada sistema de trens
de subrbio analisado. Um perfil dos usurios de subrbios traado com base,
principalmente, em pesquisas realizadas por rgos gestores do transporte na RMBH,
corroborando a hiptese da especificidade do transporte dos subrbios da SR-2,
tambm em funo da clientela, prioritariamente, de baixa renda. Avaliaes
qualitativas sobre esses servios de transporte tambm so analisadas e corroboram as
consideraes sobre os usurios e sobre o alcance social dos subrbios. Encerrando o
captulo, so estabelecidas associaes entre os dois tipos de transporte sobre trilhos
do perodo - trens de subrbio e metr de superfcie - para a inferncia da
ambigidade de suas naturezas, simultaneamente, complementares e opostas.
O captulo 7, TRENS DE SUBRBIO DA SUPERINTENDNCIA REGIONAL
BELO HORIZONTE DA REDE FERROVIRIA FEDERAL S. A., aborda
especificamente cada um dos quatro sistemas de suburbanos analisados. Inicialmente
so apresentados os Trens de Subrbio Horto Florestal - Barreiro, os nicos da
RFFSA/SR-2 de carter eminentemente urbano, pois limitados ao permetro urbano da
capital. Em seguida, trata-se do sistema de Trens de subrbio exclusivos para a
35
empresa do Grupo FIAT, a Fbrica de Motores do Brasil. Experincia nica na SR-2,
estes suburbanos atenderam ao transporte de operrios da indstria, fruto de um
contrato historicamente justificado e rescindido, respectivamente, pela aproximao e
posterior distanciamento dos interesses ferrovirios e industriais.
A ordem de apresentao dos sistemas suburbanos reservou aos dois ltimos - Trens
de subrbio para Betim e para Rio Acima - o fechamento do captulo, por serem os
trens mais expressivos em relao ao tempo de circulao, ao nmero de passageiros
transportados, de comunidades atendidas e distncia percorrida. Estes dois sistemas
de suburbanos, indubitavelmente, encarnaram mais nitidamente a concepo de
transporte de massas da SR-2. Ademais, dada a disponibilidade de ampla
documentao, o impacto da supresso destes dois sistemas pode ser melhor
analisado, estando parte destas ponderaes no item 8, CONSIDERAES FINAIS.
Nesta seo, alm do sinttico resgate de aspectos relevantes tratados em cada
captulo, busca-se a retomada da histria social dos trens de subrbio da RFFSA/SR-
2, na Grande BH, segundo a perspectiva da extenso e da efetividade da cidadania.
Dado o no reconhecimento constitucional do direito ao transporte, parte-se para uma
apreciao da relao da trajetria dos trens com o direito - de fato, pois
constitucionalizado e regulamentado em lei - dos consumidores dos servios da
RFFSA/SR-2, no caso, dos ex-usurios de trens de subrbio.
A seo 10, ANEXOS, divide-se em: Apresentao dos entrevistados (10.1) que traz
um sntese biogrfica desses ferrovirios - relevante para a apreciao de suas
qualificaes e pertinncia como testemunhas da histria dos suburbanos da SR-2 na
RMBH - e breves informaes sobre a realizao das entrevistas; Glossrio de termos
ferrovirios (10.2), que faculta o esclarecimento relativo a alguma palavra ou
expresso do jargo ferrovirio que suscite dvidas para o entendimento do texto;
Conhecendo a programao de um trem de subrbio da Superintendncia Regional
Belo Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. (10.3), no qual apresenta-se e
explica-se um documento programtico de trem suburbano, encontrado em um dos
Planos de Transporte da referida instituio; e Modelos de bilhetes de viagem dos
trens de subrbio da RFFSA-SR-2 (10.4).
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CAPTULO 1
CIDADANIA, TRANSPORTE E FERROVIA
El hombre no tiene derechos, sino necesidades; el derecho es un concepto filosfico, la necessidad un concepto cientfico (CARREL, Alexis)4
Ponderar sobre a efetividade dos direitos sociais, no Brasil, exige a considerao da
relao entre o papel desempenhado pelo transporte e as urgncias prprias da
sociedade no tocante satisfao de seus direitos sociais - constitucionalmente
reconhecidos - ao trabalho, educao, sade, proteo maternidade e infncia
e outros.
4 Citado por MANERO, 1958; 662.
37
Considerando-se que a complexidade da vida hodierna torna imperativos os
deslocamentos populacionais em espaos crescentemente ampliados, o direito ao
transporte - no constitucionalizado, portanto uma mera aspirao - percebido e
tratado como condio para se assegurar a cidadania plena. Historicizar os direitos de
cidadania, perpassando pelos seus processos de universalizao e de multiplicao,
faculta a fundamentao de que novos direitos e novos sujeitos de direito surgem
medida em que as transformaes tecnolgicas e scio-culturais geram a emergncia e
a iminncia de novas precises, como a do transporte coletivo. Elev-lo de simples
servio essencial categoria dos direitos sociais permite a ampliao dos recursos ao
alcance dos cidados para o atendimento ao largo leque de suas necessidades, quer de
natureza social, quer civil ou poltica.
Situar adequadamente a ferrovia como meio de transporte terrestre de baixo custo
social, atravs da percepo de suas conseqncias face a externalidades como
impacto sobre meio ambiente, ocupao viria, capacidade de transporte, consumo de
combustvel e outras, o ponto de partida para o reconhecimento de sua supremacia
sobre o modal rodovirio no atendimento s necessidades de servios de transporte
coletivo nas regies urbanas e metropolitanas.
Tais reflexes tm por finalidade oferecer um parmetro em relao ao qual buscar-
se- construir a histria dos trens de subrbio da Superintendncia Regional Belo
Horizonte da Rede Ferroviria Federal S. A. que circularam na Grande BH, no
perodo de 1976 a 1996. Dada a especificidade desses trens suburbanos, no referido
limite temporal, caracterizado pelo atendimento predominantemente s classes
populares, este estudo vincula tais servios de transporte coletivo idia da dimenso
social da cidadania.
1.1 Direitos de cidadania e transporte
No hay ventaja alguna em que las leyes escritas sean inmutables; es imposible que todos los detalles tengan una exacta precisin (ARISTTELES)5
5 Citado por MANERO, 1958; 528.
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Em sua clssica tipologia dos direitos de cidadania, T. H. Marshall define, identifica e
classifica os direitos de cidadania - direitos civis, polticos e sociais - contextualizando
suas respectivas conquistas no mundo ocidental moderno. Ao identificar e classificar
tais direitos, aponta como civis aqueles que asseguram a liberdade individual, dentre
os quais destaca, primeiramente, o direito de ir e vir (1967:63). No parece casual tal
ordenamento, visto que, muitas vezes, da liberdade de deslocar-se pode depender a
garantia dos demais direitos por ele apontados, sejam civis, polticos ou sociais. Dessa
forma, o transporte coletivo, potencialmente ligado natureza civil da cidadania ou
das liberdades do indivduo, insere-se, de forma intrnseca, no contexto social dos
elementos que integram esta noo de status conferidora de igualdade de direitos e de
obrigaes para os membros da sociedade que dela gozam.
A universalizao dos direitos humanos verificada a partir da Segunda Grande Guerra
- criticamente aceita mais como terica do que prtica - fez-se acompanhar de outra
tendncia que marca a evoluo dos direitos de cidadania: a da sua proliferao.
Tecendo tais reflexes, Norberto Bobbio esclarece que em trplice sentido deu-se a
multiplicao dos direitos do homem: a) novos bens passaram a ser tutelados; b) a
titularidade dos direitos estendeu-se a sujeitos diversos do homem; c) o detentor dos
direitos passou a no ser mais considerado de forma abstrata e genrica - o homem-
mas segundo as especificidades de seu ser social - criana, velho, doente, etc. (1992:
68). O reconhecimento de novos direitos e de novos titulares de direitos
intimamente marcado pela historicidade, pois so os mesmos decorrentes das
exigncias afloradas diante de novas carncias, em contextos histricos e sociais
definidos; ou seja, novos direitos e sujeitos de direito so determinados pelas
expectativas de satisfao de novas exigncias - definidas, reconhecidas,
constitucionalizadas - oriundas de mudanas sociais e tecnolgicas historicamente
determinadas.
A atual Constituio Brasileira, ao tratar Dos Direitos e Garantias Fundamentais
(Ttulo II), determina, no Artigo 6 do Captulo II, Dos Direitos Sociais: Art. 6 So
direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a
previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos
desamparados, na forma desta Constituio (BRASIL. Constituio. 2001: 12). A
39
pretenso de proteo relativa necessidade individual e social de transporte no
direito reconhecido pela Carta Constitucional; todavia, inegvel que da garantia
dessa necessidade decorre a efetiva realizao de outros direitos. Ainda que no um
direito de fato, a admisso parcial da necessidade de proteo ao transporte para o
exerccio da cidadania pode ser exemplificada pelas polticas - de mbito nacional,
estadual, regional ou local - de subsdio ao transporte - quer dos combustveis, quer
atravs dos vales-transporte - e pela gratuidade dos transportes coletivos para alguns
sujeitos sociais eleitos como merecedores de proteo por suas especificidades: idosos
e deficientes fsicos e, eventualmente, menores estudantes e doentes crnicos.
Entendendo os direitos sociais como aqueles que visam ao "mnimo de bem-estar
econmico e segurana, ao direito de participar, por completo na herana social e
levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padres que prevalecem na
sociedade" (MARSHALL: 1967, 63), o direito ao transporte - entendido apenas como
exigncia ou pretenso de legtimas garantias futuras, uma vez que tal direito, no
sendo reconhecido, no estando em vigncia, e no tendo obrigaes correlatas, no
pode ser garantido com o respaldo de legislao e do recurso s autoridades - assume
o papel de ponte ou meio para a efetivao dos direitos sociais, principalmente, para
dois sabidamente fundamentais para o indivduo e para a sociedade: o direito ao
trabalho e o direito educao. Em conformidade com a prevalncia destes direitos e
com a relevncia de tais necessidades sociais, as pesquisas indicativas das motivaes
para o uso dos diferentes modais de transporte coletivo apenas corroboram as certezas
generalizadas pelo senso comum: as causas prioritrias para os deslocamentos
populacionais hodiernos residem no trabalho e na educao.
Historicamente construdos como sustentculos para a formao das naes modernas
e para a reproduo do capitalismo, os direitos educao e ao trabalho, pela primazia
ocupada na sobrevivncia e na possibilidade de prosperidade e de dignidade do
cidado, assumiram papis-chaves na pauta de reivindicaes das sociedades
contemporneas. O direito ao trabalho, nascido do aspecto civil da cidadania, pois da
liberdade de escolha6 e da liberdade de firmar contratos de trabalho de irrefutvel
validade (BENDIX: 1996; 115), no hoje discutido apenas sob este prisma. Em 6 Assegurado como direito fundamental individual e coletivo pela atual Constituio, em seus Artigo 5, inciso XIII (BRASIL. Constituio. 2001: 6).
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pauta, hoje, j assegurada a liberdade e mesmo a supremacia do mercado, esto seus
aspectos qualitativos - mediante a crescente exigncia quanto especializao e
qualificao - e sobretudo os quantitativos, visto os elevados nveis de desemprego
que forjaram a idia de desemprego estrutural. Sua eleio a direito social
assegurado em carta constitucional justifica-se, portanto, pela imperativa
obrigatoriedade de uma ao positiva do Estado em defesa dos trabalhadores.
Parte desse contexto, o direito social educao o caminho efetivo para o dever de
auto-aperfeioamento e de autocivilizao (MARSHALL: 1967, 74), sendo
portanto, uma obrigao individual e social, o que confere relao educao -
cidadania uma ambigidade mpar, pois que direito e dever sociais, simultaneamente,
a primeira da segunda7.
Atentando-se para a relao de interdependncia inerente aos direitos sociais,
evidente a percepo de que enquanto um grande contingente da populao
desprovido de educao bsica, o acesso s facilidades educacionais aparece como
uma precondio sem a qual outros direitos legais permanecem inacessveis ao
analfabeto (BENDIX: 1996: 122). Anloga relao de dependncia, e mesmo de
causalidade, entre os dois direitos sociais de cidadania aqui considerados - educao e
trabalho - claramente apontada por Marshall quando conclui que por intermdio da
educao em suas relaes com a estrutura ocupacional, a cidadania opera como um
instrumento de estratificao social (1967:102). Sobre esta estratificao e
conseqente desigualdade social podem os transportes coletivos atuar pois devido
presena ou ausncia de meios de deslocamentos acessveis e adequados, parcelas da
populao tendem a gozar ou a privarem-se da possibilidade de se educarem e de
obter uma ocupao que lhes assegure o bem-estar scio-econmico.
Importa, por conseguinte, ressaltar que no estabelecimento de uma relao de
causalidade, de anterioridade, de dependncia entre os direitos sociais, aquele que
nem
7 No caso brasileiro, compulsria e gratuita a educao em nvel fundamental, sendo progressiva sua universalizao em nvel mdio. Artigos 205 e 208 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil (2001: 124).
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mesmo goza de tal estatuto, no passando sequer de uma aspirao a direito, em
muitos contextos pode assumir a primazia nesta cadeia determinista, pois o acesso ou
no aos meios de transporte - dicotomia tambm relativa qualidade dos mesmos -
pode configurar uma condio constante para o acesso ou no educao e ao
trabalho. Relativizando-se a colocao de Heisenberg - a fim de minimizar a tica do
debate sobre a natureza e a aproximao possvel entre cincias naturais e cincias
sociais/humanas - em prol da profundidade da percepo, h que se ter em conta que
h leis [naturais] fixas que determinam rigorosamente o estado futuro de um
sistema segundo o estado atual.8 Tendo-se em conta as potencialidades da educao
quanto s possibilidades futuras de trabalho e a relao entre o trabalho e o bem-estar
scio-econmico, percebe-se o papel do transporte como interveniente na
transformao das estruturas sociais.
Valoriza-se, pois, o papel de agente transformador dos transportes no efetivo exerccio
da cidadania social, tendo em vista sua centralidade no mundo de espaos e de
relaes sociais continuamente ampliados dos aglomerados urbanos e metropolitanos.
Responsvel pela mobilizao da fora de trabalho, essencial no processo de
preparao dessa mo-de-obra e no desenvolvimento do indivduo e da sociedade em
suas mais diversas reas, pode ser o transporte, reconhecido de fato como direito e
observadas suas correlatas obrigaes, o ponto inicial para as mudanas necessrias
remoo de alguns obstculos que impedem os movimentos de universalizao e de
multiplicao dos direitos de cidadania.
Retoma-se o princpio da mutabilidade histrica da cidadania que lhe confere
caractersticas de amplitude, abertura, plasticidade e multiplicidade, ao absorver e
espelhar o movimento espacial e temporal das sociedades. Das liberdades
fundamentais aos direitos sociais e ambientais, da considerao do homem abstrato s
variantes especficas do sujeito humano enquanto ser social, dos sujeitos coletivos at
mesmo aos no humanos a cidadania filha do tempo, ainda que seus fundamentos
transcendam a cronologia histrica, pois perenes, j que inerentes natureza humana
e social, ambas vivazes da dicotomia direitos/obrigaes. E esse dinamismo que
8 HEISENBERG. A Natureza na Fsica Contempornea. Ides, Galimard. p. 41., citado por RUSS, Jacqueline. Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Scipione,1994. p.33.
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autoriza reflexes impostas pelas mudanas sociais que imprimem novos ritmos s
urgncias quotidianas.
Logo, pensar a aspirao de proteo necessidade vital de transporte para a
sociedade atual - e nesse contexto, privilegiar o modal ferrovirio na satisfao de tal
preciso com base na anlise de desempenho de seu custo social, apresentada na
seqncia destas reflexes - no meramente pleitear reconhecimento para um novo
direito ou um direito futuro; repensar a possibilidade de assegurar a efetividade de
direitos consensualmente j reconhecidos, dada a primazia dos transportes como
condio para afian-los. O problema fundamental dos direitos do homem, hoje,
no tanto o de justific-los, mas o de proteg-los (BOBBIO:1992; 24). Portanto,
justificar esta relevncia e forjar a conscincia do transporte (coletivo) como
desdobramento necessrio da liberdade fundamental de ir e vir e de uma gama de
direitos sociais e ambientais pode implicar na sua correlata admisso como justa
exigncia a ser respaldada pela via constitucional e por cdigos jurdicos e na
observncia das
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