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Calvinismo ou Arminianismo Quem est com a razo?

SUMRIO

INTRODUO815CAP.1 CALVINISMO E ARMINIANISMO

15 Introduo ao Captulo

19 A TULIP calvinista

21 Um calminianismo possvel?

23 Pelagianismo e Semi-Pelagianismo

26 Arminianismo Clssico

Calvinismo3035 Dilogo entre calvinistas e arminianos na histria

39 A tolerncia de Calvino

42 Calvino e Serveto

47 O calvinismo a nica posio ortodoxa?

54 ltimas consideraes

56CAP.2 DETERMINISMO E INDETERMINISMO

56 Introduo ao Captulo

58 O determinismo exaustivo de Calvino

71 O determinismo exaustivo em calvinistas posteriores

73 O problema do pecado e do mal

82 A viso arminiana sobre a predestinao do mal

Textos Bblicos3098 Um amor diferente

105 O problema do livre-arbtrio

117 Textos Bblicos

124 Soberania sinnimo de determinismo?

129 O problema da responsabilidade humana

135 A orao muda as coisas?

143 Determinismo na Bblia?

158 O determinismo de Jonathan Edwards

161 Atos autocausados so impossveis?

163 O determinismo de Edwards explica o mal e o pecado?

170 O determinismo leve resgata a liberdade e a responsabilidade humana?

175 Textos Bblicos

178 Os decretos de Deus no indeterminismo

181 O indeterminismo pelos arminianos

185 O tesmo aberto necessrio?

193 ltimas consideraes

194CAP.3 COMO ENTENDER A PREDESTINAO?

194 Introduo ao Captulo

195 Predestinao em Calvino

198 A predestinao em calvinistas posteriores

201 Os problemas da eleio incondicional

213 Apresentando a eleio corporativa

223 Indivduos eleitos ao ministrio

228 Atos 13:48 e o grego

232 Atos 13:48 em seu contexto

236 Romanos 9

240 Jac e Esa

245 A misericrdia de Deus

249 O endurecimento do Fara

256 Os vasos de desonra

262 Concluso

263 O Livro da Vida

264 Consideraes Finais

265CAP.4 DEPRAVAO TOTAL E GRAA PREVENIENTE

265 Introduo ao Captulo

265 O que depravao total?

268 Textos Bblicos

271 Arminianos clssicos creem na depravao total?

278 Qual a soluo para a depravao do homem?

282 ltimas consideraes

284CAP.5 A GRAA IRRESISTVEL?

284 Introduo ao Captulo

285 A Universalidade da Graa

289 A graa resistvel e precisa ser aceita

307 ilgico Deus chamar algum que j predestinou perdio

309 A possibilidade de arrependimento necessria

315 O amor de Deus implica em oferecer salvao a todos

320 Amor forado contradio de termos

323 Se a graa resistvel, a salvao por obras?

327 ltimas consideraes

328CAP.6 MONERGISMO E SINERGISMO

328 Introduo ao Captulo

328 O que os arminianos clssicos entendem por sinergismo?

331 A f como um dom de Deus

335 Textos Bblicos

340 ltimas consideraes

341CAP.7 UMA VEZ SALVO, SEMPRE SALVO?

341 Introduo ao Captulo

342 Hebreus 6:4-6

345 Hebreus 10:26-31

348 Joo 15:1-7

351 1 Corntios 9:27

355 Tiago 5:19-20

356 2 Pedro 2:20-22

359 Mateus 24:24

360 Mateus 5:13/Marcos 9:50

362 Romanos 11:17-23

363 Glatas 5:7

363 2 Corntios 6:1

364 Hebreus 2:1-3

364 1 Tessalonicenses 5:19

365 2 Pedro 3:17

366 2 Pedro 2:1

367 Hebreus 3:7-14

369 Caindo da graa

372 O naufrgio

373 A apostasia

375 As igrejas do Apocalipse

377 A perseverana condicional

379 O Livro da Vida

381 Analisando os textos calvinistas

392 A perda da salvao implica em salvao pelas obras?

394 ltimas consideraes

396CAP.8 EXPIAO: LIMITADA OU ILIMITADA?

396 Introduo ao Captulo

398 Calvino contra a expiao limitada

401 Um amor limitado

410 Analisando os textos calvinistas

412 Joo 3:16 e o mundo

417 Todos no so todos?

419 2 Pedro 2:1

420 1 Timteo 4:10

421 2 Pedro 3:9

422 1 Timteo 2:4

424 1 Corntios 8:11

427 2 Corntios 5:14-15

427 1 Joo 2:2

428 Romanos 5

431 Romanos 11:32

431 Mateus 18:14

432 Joo 5:34

432 Joo 11:42

433 Refutando objees

437 ltimas consideraes

438CONSIDERAES FINAIS

440APNDICE 1 O LIVRE-ARBTRIO INJUSTO?

447APNDICE 2 O LIVRE-ARBTRIO NOS PAIS DA IGREJA

447 Agostinho jovem (354-430)

447 Teodoreto (393-466)

448 Eusbio de Cesareia (265-339)

448 Atansio de Alexandria (295-373)

449 Hilrio de Poitiers (300-368)

449 Joo Crisstomo (347-407)

450 Ambrsio de Milo (340-397)

451 Jernimo (347-420)

452 Orgenes de Alexandria (185-253)

452 Metdio de Olimpos (311)

452 Arquelau de Atenas (Sc.V)

453 Arnbio de Sicca (330)

453 Cirilo de Jerusalm (313-386)

454 Baslio Magno (329-379)

455 Gregrio de Nissa (330-395)

455 Iriney de Lyon (130-202)

456 Atengoras de Atenas (133-190)

456 Tefilo de Antioquia (186)

457 Taciano, o Srio (120-180)

457 Bardesano da Sria (154-222)

457 Clemente de Alexandria (150-215)

458 Clemente de Roma (35-97)

458 Tertuliano (160-220)

459 Novaciano de Roma (258)

459 Justino de Roma (100-165)

460 Didaqu (Sc.I)

461 Snodo de Arles Proposies Condenadas (473)

461 Snodo de Orange (529)

462 Conclio de Kiersy (853)

462 Conclio de Valena (855)

462 Concluso

A graa de Deus livre em todos e livre para todos (JOHN WESLEY)INTRODUO

No se opor ao erro aprov-lo, no defender a verdade neg-la (TOMS DE AQUINO)

Eu sempre fui ensinado, desde criana, que o calvinismo era um erro teolgico. Mas isso foi s at a poca em que eu passei a estudar melhor o assunto. Depois que comecei a ler os escritos de Calvino, descobri que eu estava enganado. No, o calvinismo no era apenas um erro teolgico: era um ensino terrvel e assombroso, como o prprio Calvino admitiu, quando disse: certamente confesso ser esse um decretum horribile.

Por que Calvino chamou sua doutrina do decreto divino de horrvel ou espantosa? Porque ele sabia que, se levada s suas consequencias irredutveis, sua doutrina transformaria Deus em um mostro moral que predestina todos os acontecimentos malficos da humanidade, que faz dos seres humanos marionetes nas mos de um Criador que faz acepo de pessoas, que s ama os eleitos e que no deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.

Um deus que predestina alguns para a salvao e outros para um tormento eterno. Que criou seres pr-ordenados a sofrerem eternamente. Que criou o mal e que ordenou o pecado. Que determinou cada evento que aconteceria neste planeta, inclusive esposas que seriam espancadas por seus maridos, crianas estupradas por pedfilos, genocdios, Holocausto, tortura, assassinato. Um deus que, como disse Olson, s pode ser temido e mal pode ser diferenciado do diabo. E o pior: que faz tudo isso para a sua glria!

Como disse Dave Hunt:

Todos os argumentos dos calvinistas possuem um propsito: provar que Deus no ama a todos, isto , provar que Cristo no morreu por todos, provar que Deus no bondoso com todos. E que, na verdade, Ele se agrada em mandar multides para o inferno. Que amor este?

Alm disso, a teologia calvinista nos leva a outros problemas. Por exemplo: por que eu oraria para um descrente ser salvo? Se ele foi predestinado por Deus para ser salvo (e essa predestinao fatalista e a graa irresistvel), ento no h qualquer necessidade de eu orar para que esse descrente seja salvo, pois ele ser salvo de qualquer jeito. Mas, se ele no foi predestinado (o que significa que ele foi predestinado para a perdio), ento qualquer orao que eu faa por ele ser completamente intil, pois ele j estaria pr-ordenado para ir para o inferno e no haveria nada que algum pudesse fazer para reverter isso. Ou seja: a orao seria intil de um jeito ou de outro. A mesma coisa se aplica a misses: para que sair daqui para pregar o evangelho na frica ou na sia em pases perseguidos se aqueles que foram predestinados sero salvos de qualquer jeito? E, se no foram predestinados, no ser a minha pregao que ir mudar isso. Ou seja: a orao e a pregao seriam completamente inteis, sem sentido lgico de existir de acordo com o mtodo calvinista.

Por outro lado, se Deus no determinou tudo o que ir acontecer embora saiba tudo o que ir ocorrer , ento a orao e evangelizao so absolutamente necessrias. Ento vidas podem ser salvas se orarmos, e perder-se pela falta de orao. Ento almas podem ser ganhas para Cristo se formos pregar onde Cristo no pregado vidas essas que poderiam no ser salvas se no fssemos pregar. Isso d sentido vida crist. Faz com que a prtica do evangelho no seja algo intil e sem razo de ser. Ou, para ser mais claro, isso ser arminiano.Calvinistas admitem tudo isso? Nem todos. Eles disfaram isso em meio sua teologia, mascarada sob o nome de soberania divina. Assim, eles pretendem dizer que todos aqueles que no creem no calvinismo no creem na soberania de Deus ou na graa soberana. Fazem verdadeiros espantalhos da teologia arminiana, comparando-a ao pelagianismo, ao semipelagianismo e ao romanismo. Tudo isso para encobrir as concluses que se chegam atravs de sua prpria teologia.

Como disse Jerry Walls:

O debate entre calvinismo e arminianismo no tem sua nfase na liberdade, mas na bondade de Deus. O arminiano defende, em primeiro lugar, no a liberdade humana, mas a bondade divina, que o calvinista parece afogar em nome da soberania

Aqui um calvinista poderia alegar: Mas voc est fazendo um espantalho da doutrina calvinista. Ela no ensina isso!. De fato, muitos calvinistas, quando refutados por arminianos, se defendem dizendo que o calvinismo no ensina isso. Em um debate televisivo, o pastor presbiteriano Welerson Alves Duarte disse: Muitas crticas e argumentos que ns ouvimos contra o calvinismo, na verdade no tratam de calvinismo. Um espantalho criado e conceitos que nenhum calvinista defende so apresentados como se fosse calvinismo, e ento fica fcil argumentar contra a outra parte.

Para evitar que um calvinista use tal argumento contra este livro, dizendo que certa afirmao no representa o que crido no calvinismo, farei questo de expor mais de duas centenas de citaes de Calvino e outras centenas de citaes de outros autores calvinistas famosos ao longo de todo o livro.

Uma anlise meticulosa nos escritos de Calvino nos mostra claramente que ele era muito mais calvinista do que se imagina, e que os calvinistas extremados tm razo em se dizerem os verdadeiros seguidores da sua doutrina. Embora muitos hoje tentem suavizar os ensinos de Calvino, o prprio Calvino no suavizou sua doutrina nem um pouco, mas foi bem aberto em dizer, por exemplo, que o assassino mata os inocentes por um decreto de Deus:

Imaginemos, por exemplo, um mercador que, havendo entrado em uma zona de mata com um grupo de homens de confiana, imprudentemente se desgarre dos companheiros, em seu prprio divagar seja levado a um covil de salteadores, caia nas mos dos ladres, tenha o pescoo cortado. Sua morte fora no meramente antevista pelo olho de Deus, mas, alm disso, estabelecida por seu decreto

Ou ento que Deus deseja os roubos, os adultrios e os homicdios:

Mas, replicaro, a no ser que ele quisesse os roubos, os adultrios e os homicdios, no o haveramos de fazer. Concordo. Entretanto, porventura fazemos as coisas ms com este propsito, ou, seja, que lhe prestemos obedincia? Com efeito, de maneira alguma Deus no no-las ordena; antes, pelo contrrio, a elas nos arremetemos, nem mesmo cogitando se ele o queira, mas de nosso desejo incontido, a fremir to desenfreadamente, que de intento deliberado lutamos contra ele

Ou ento que o nico motivo pelo qual os crimes acontecem pela administrao de Deus, e que os prprios homicidas e malfeitores so meros instrumentos nas mos de Deus para praticar tais atos horrendos:Os crimes no so cometidos seno pela administrao de Deus. E eu concedo mais: os ladres e os homicidas, e os demais malfeitores, so instrumentos da divina providncia, dos quais o prprio Senhor se utiliza para executar os juzos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que da se deva permitir-lhes qualquer escusa por seus maus feitos

Ou ento que Deus lana os infantes a uma morte eterna por causa de um decreto horrvel, porque assim lhe pareceu bem:

De novo, pergunto: donde vem que tanta gente, juntamente com seus filhos infantes, a queda de Ado lanasse, sem remdio, morte eterna, a no ser porque a Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas lnguas emudeam, de outro modo to loquazes. Certamente confesso ser esse um decretum horribile. Entretanto, ningum poder negar que Deus j sabia qual fim o homem haveria de ter, antes que o criasse, e que ele sabia de antemo porque assim ordenara por seu decreto

Ou ento que Deus no s permite, mas incita os mpios s maldades contra ns:A suma vem a ser isto: que, feridos injustamente pelos homens, posta de parte sua iniqidade, que nada faria seno exasperar-nos a dor e acicatar-nos o nimo vingana, nos lembremos de elevar-nos a Deus e aprendamos a ter por certo que foi, por sua justa adminitrao, no s permitido, mas at inculcado, tudo quanto o inimigo impiamente intentou contra ns

Ou ento que o pecado dos mpios provm de Deus:

Que os maus pequem, isso eles fazem por natureza; porm que ao pecarem, ou faam isto ou aquilo, isso provm do poder de Deus, que divide as trevas conforme lhe apraz

Ou ento que a prpria Queda de Ado foi preordenada por Deus:

A Queda de Ado foi preordenada por Deus, e da a perdio dos rprobos e de sua linhagem

Ou ento que essa Queda e a condio depravada do ser humano ocorreram pela vontade de Deus:

Quando perecem em sua corrupo, outra coisa no esto pagando seno as penas de sua misria, na qual, por sua predestinao, Ado caiu e arrastou com ele toda sua prognie. Deus, pois, no ser injusto, que to cruelmente escarnece de suas criaturas? Sem dvida confesso que foi pela vontade de Deus que todos os filhos de Ado nesta miservel condio em que ora se acham enredilhados

Ou ento que o homem caiu (no pecado) porque Deus assim achou conveniente:Alm disso, sua perdio de tal maneira pende da predestinao divina, que ao mesmo tempo h de haver neles a causa e a matria dela. O primeiro homem, pois, caiu porque o Senhor assim julgara ser conveniente. Por que ele assim o julgou nos oculto

Se voc no concorda com esses ensinos absolutamente repudiveis, voc pode ser qualquer coisa, menos um calvinista ainda que pense que um. Pois o que Calvino afirmou so concluses inevitveis dos pressupostos calvinistas, dos quais dependem toda a doutrina. Mas, se voc concorda com o que Calvino disse nas linhas acima, convido-lhe a prosseguir na leitura deste livro, onde estes e outros ensinos sero derrubados por argumentos lgicos e Escritursticos. Finalmente, o maior objetivo, para deixar claro desde o incio, no defender o arminianismo embora o arminianismo seja a doutrina bblica sobre a salvao mas resgatar os princpios morais sobre um Deus cheio de amor, graa, misericrdia, justia, retido e compaixo por todos os homens sentidos esses abandonados por um calvinismo ansioso em apresentar Deus aos perdidos como algum que s os ama se eles estiverem no rol dos eleitos, e se no tiverem essa sorte sero lanados para sempre em um inferno eterno, no tendo nada a fazer contra isso, pois para isso j foram pr-ordenados desde antes da fundao do mundo.

Tudo isso nos mostrar que o calvinismo, de fato, no isso que mostram por a muito pior.

CAP.1 CALVINISMO E ARMINIANISMOQue ningum esbraveje contra o arminianismo a menos que saiba o que ele significa (JOHN WESLEY)

Introduo ao CaptuloEm termos simples, o calvinismo cr que Deus elegeu algumas pessoas para irem para o Cu e outras para o inferno, ou seja, predestinou uns para a salvao e outros para a perdio, enquanto o arminianismo cr que a salvao parte de Deus, que estende sua graa ao homem perdido, mas que o pecador pode aceitar ou rejeitar o convite divino.

Mas tanto o calvinismo como o arminianismo so bem mais que isso. O calvinismo, como o prprio nome indica, foi sistematizado por Joo Calvino (1509-1564), um grande pregador e telogo francs, um dos principais Reformadores junto a Lutero, Zwnglio e Knox. Calvino restaurou o pensamento de Agostinho (354-430), que defendeu as teses de determinismo e predestinao fatalista contra Pelgio (350-423).

Jac Armnio (1560-1609), por outro lado, foi um dos maiores pregadores da doutrina que leva o seu nome, sendo tambm reconhecido como um telogo neerlands proeminente de sua poca, enfatizando a doutrina do amor de Deus por todos e da expiao universal, que foi pregada por todos os Pais da Igreja que viveram antes de Agostinho e pela grande maioria dos telogos que viveram depois dele at a Reforma. Pelo fato de Armnio ser da gerao posterior a Calvino, no houve debate direto entre os dois, mas o que faltou entre eles sobrou nos sculos que se seguiram, se tornando o tema mais disputado entre os cristos evanglicos at os dias atuais.

Infelizmente, h muitas distores da verdadeira teologia arminiana sendo feita. Muitos conhecem Calvino, mas poucos conhecem Armnio. Muitos conhecem o calvinismo, mas poucos conhecem o arminianismo. mais fcil algum pensar que arminianismo tem alguma relao com a Armnia do que com Armnio. Consequentemente, distores grotescas do ensino arminiano tem sido feitas por leigos e telogos nestes cinco sculos.

Poucos calvinistas j leram alguma obra de Armnio, e seus ataques teologia arminiana so quase sempre em segunda mo, atacando conceitos falsos criados por pseudos-arminianos, ao invs de refutar precisamente aquilo que foi crido e ensinado por Armnio. interessante notar que os livros calvinistas em geral quase nunca citam uma obra de Armnio ou fazem alguma citao direta de um remonstrante. Pouqussimos interagem com autores arminianos renomados, e quase sempre a defesa do calvinismo se fundamenta em bases falsas, atacando um espantalho ao invs de lidar com aquilo que o arminianismo verdadeiro.

uma pena, mas muitos calvinistas ainda pensam que o arminianismo clssico nega a depravao total e o pecado original, apregoa que o homem cado pode iniciar a salvao ou que no cr em predestinao, eleio ou na soberania divina. Dilemas falsos, tais como predestinao vs livre-arbtrio e soberania divina vs responsabilidade humana tem sido feitos como se um lado (calvinismo) cresse no primeiro e o outro lado (arminianismo) cresse no segundo, quando, na verdade, arminianos clssicos creem em ambos.

Esta ignorncia quanto ao verdadeiro arminianismo, que ser chamado neste livro de arminianismo clssico (em contraste ao arminianismo popular, que ser explicado mais adiante), no est presente apenas em leigos, mas at mesmo em muitos dos mais proeminentes telogos calvinistas na histria. O grande Charles Spurgeon, conhecido como o prncipe dos pregadores e auto-denominado calvinista, chegou a dizer em uma de suas pregaes que se tornou calvinista aps crer que ele no poderia iniciar sua salvao sem que Deus o tivesse buscado primeiro:

Lembro-me que quando me converti, eu era um arminiano completo. Pensei que eu mesmo havia comeado a boa obra e costumava me sentar e pensar: Bem, busquei o Senhor por quatro anos antes de encontr-lo, e acho que comecei a me elogiar porque havia clamado por Ele insistentemente em meio a muito desnimo! Mas um dia me ocorreu um pensamento: O que me levou a buscar a Deus?, e num instante a resposta veio de minha alma: Por qu? Por que Ele me conduziu a isto! Primeiro deve ter me mostrado minha necessidade Dele, seno eu nunca O teria buscado! Deve ter me mostrado Sua preciosidade, ou eu nunca teria achado que vale a pena busc-Lo. Ento de uma vez enxerguei com a maior clareza possvel as Doutrinas da Graa. Deus deve comear!

Spurgeon tinha uma viso distorcida do verdadeiro arminianismo. Ele lidava com o arminianismo popular, que uma distoro do arminianismo clssico, crendo, por conseguinte, que os arminianos ensinam que o homem comea a boa obra e inicia a salvao. Contra esse arminianismo popular de sua poca ele foi para o outro extremo o calvinismo, que lhe parecia ser a nica opo que ensinava o contrrio.

Na verdade, todos os arminianos clssicos creem e defendem que Deus que inicia a salvao, que sem a graa divina ningum poderia buscar ou aceit-lo, que ningum pode se elogiar ou se orgulhar de algo que fruto inteiramente da graa de Deus e que sem Ele ns nunca o teramos buscado. Se Spurgeon entendesse que o verdadeiro arminianismo no era nada daquilo que ele pensava que era, provavelmente no teria nenhuma razo para se tornar calvinista apenas iria abandonar o arminianismo popular, o qual eu tambm rejeito, assim como todos os arminianos clssicos.

Infelizmente o mesmo ocorre nos dias de hoje. Muitos grandes telogos atuais preferem se auto-denominar calvinistas mesmo sendo arminianos na prtica, porque possuem um conceito equivocado do que vem a ser arminianismo. Norman Geisler, por exemplo, que provavelmente o apologista mais respeitado na atualidade, rejeita quatro dos cinco pontos da TULIP calvinista, mas mesmo assim prefere se intitular calvinista moderado do que arminiano. Em seu livro mais famoso sobre o tema, ele faz uma confisso impressionante:

A idia de Calvino foi contraposta por Armnio e tem sido rejeitada por todos os calvinistas moderados

Mas se os calvinistas moderados (como Geisler) aceitam Armnio e rejeitam Calvino, por que ainda insistem em se rotularem calvinistas e no arminianos? No h nenhuma razo lgica, a no ser pelo preconceito que possuem ao termo arminianismo, tendo em mente no o arminianismo clssico, mas o popular, que distorce muitos pontos ensinados por Armnio.

Contra esse tipo de arminianismo, e no contra o verdadeiro arminianismo, muitos telogos tem se intitulado calvinistas, ainda que sejam totalmente arminianos em seu ensino. Talvez o leitor que se cr calvinista se identifique arminiano ao fim desta leitura, aps se deparar com o verdadeiro calvinismo (o de Calvino) e com o verdadeiro arminianismo (o de Armnio).

A TULIP calvinistaTULIP um acrstico que significa:

Total Depravity (Depravao Total)

Unconditional Election (Eleio Incondicional)

Limited Atonement (Expiao Limitada)

Irresistible Grace (Graa Irresistvel)

Perseverance of the Saints (Perseverana dos Santos)

Esses so os cinco pontos considerados mais importantes dentro do sistema calvinista, ainda que o calvinismo em si seja mais do que apenas isso. Eles so um sistema fechado, o que significa que os pontos permanecem ou caem juntos. O que passa disso petio de princpio ou non sequitur. Isso reconhecido pelos prprios calvinistas, como Boettner, que disse:Prove que qualquer um destes pontos seja falso e o sistema como um todo precisa ser abandonado

Engelsma tambm observa:

Negue esta doutrina, e todo o sistema calvinista demolido

Geisler igualmente discerne que, se um ponto rejeitado, logicamente todos sero. Isso porque, do ponto 2 ao 5, uma coisa leva outra. Calvinistas e arminianos clssicos creem na depravao total, mas tem uma viso diferente sobre como Deus resolve esse problema. Para os calvinistas, a soluo uma graa irresistvel que atua somente nos eleitos. Para os arminianos, a soluo uma graa preveniente universal, que pode ser aceita ou rejeitada pelo ser humano.

Consequentemente, os calvinistas creem em uma eleio individual incondicional, onde certas pessoas (os eleitos) tm que ser salvas e outras pessoas (os no-eleitos) tm que ser condenadas. Como os arminianos no creem em uma predestinao individual incondicional, e sim que a salvao est disponvel a todos, a eleio condicional f em Jesus, significando que todos os que creem fazem parte do grupo corporativo de eleitos a Igreja.

Em consequencia do fato de que apenas os eleitos podem ser salvos e os demais j foram predestinados perdio, os calvinistas tem que crer em uma expiao limitada, isto , que Jesus s morreu pelos eleitos. E como os arminianos creem que a salvao est disponvel a todos, Cristo morreu por todos.

Por fim, se a eleio incondicional e tudo s depende de Deus, ento ningum que uma vez foi salvo pode cair da f e apostatar. Os arminianos, ao contrrio, creem que a apostasia possvel porque a graa de Deus no irresistvel, e o homem pode rejeit-la a qualquer momento. Como vemos, os ltimos quatro pontos do calvinismo ficam de p ou caem juntos. Refutando ou descrendo em um dos pontos do acrstico, os outros caem igualmente por um non sequitur. Um calminianismo possvel?Uma moda recente, inventada por muitos pregadores que querem se manter afastados da polmica entre calvinismo e arminianismo dizer que no nem calvinista nem arminiano. Palavras de efeito, mas sem nenhum significado real, tais como: no sou nem calvinista nem arminiano, eu sigo a Bblia e no sigo Calvino nem Armnio, eu sigo a Cristo tem sido ditas no objetivo de se afastar do debate e tentar safisfazer ambos os lados.

Ainda outros, tentando conciliar as duas doutrinas para ser simpatizante de ambos, se auto-rotulam como calminianos (o que seria uma mistura de calvinismo e arminianismo), afirmando que os dois sistemas so bblicos, como se a verdade fosse relativa ou a Bblia fosse contraditria e afirmasse doutrinas mutuamente excludentes como mutuamente verdadeiras.

Primeiramente, necessrio esclarecer que simplesmente impossvel uma mistura de calvinismo com arminianismo. A razo simples: ou a eleio condicional ou incondicional; ou a graa resistvel ou irresistvel; ou o livre-arbtrio existe ou ele no existe; ou Deus determina tudo ou Ele no determina tudo; ou Cristo morreu por todos ou ele no morreu por todos; ou uma vez salvo est salvo para sempre ou possvel perder a salvao.

impossvel, para qualquer pessoa que queira manter o mnimo de consistncia, afirmar ambas as doutrinas como sendo completamentares e no como sendo excludentes. uma coisa ou outra, no pode haver um meio-termo. Isso reconhecido tanto por calvinistas como por arminianos. Spurgeon mesmo reconhecia que no h nada entre eles seno uma vastido estril, e William Shedd disse que somente estes dois esquemas gerais de doutrina crist so logicamente possveis. como disse Boettner:Deve ser evidente que h apenas duas teorias que podem ser mantidas pelos cristos evanglicos sobre este importante tema; que todos os homens que tm feito qualquer estudo dele, e que tm alcanado toda as concluses estabelecidas sobre isto, deve ser ou calvinistas ou arminianos. No h nenhuma outra posio que um cristo pode tomar

O arminiano Roger Olson tambm comenta:Apesar dos pontos comuns, o calvinismo e o arminianismo so sistemas de teologia crist incompatveis; no h um meio termo estvel entre eles nas questes determinantes para ambos

Portanto, a no ser que voc seja um humanista secular relativista e inconsistente, que cr em duas coisas contraditrias como sendo verdadeiras ao mesmo tempo, no pode afirmar que meio calvinista e meio arminiano. Ou voc calvinista, ou voc arminiano. Como vimos anteriormente, os cinco pontos so um sistema fechado, onde toda a doutrina cai ou permanece de p, como em um domin. Se um ponto do calvinismo est errado, todos os outros esto.

Por mais que palavras de efeito e sem sentido sejam utilizadas hoje em dia por pregadores que querem se parecer mais cristos se no se rotularem de arminiano nem calvinista, no final das contas ele sempre ou calvinista ou arminiano, se ele tem mesmo alguma opinio formada. Ele nunca realmente um meio-termo, a no ser que seja inconsistente. O pastor Ciro Sanches, por exemplo, gosta de dizer que no arminiano nem calvinista. Ele diz que segue s a Bblia. Mas a teologia dele inteiramente arminiana em todos os detalhes.

Seria mais honesto, e melhor para a comunidade arminiana no Brasil, que ele simplesmente admitisse que um arminiano. Ele, assim como outros pregadores, so arminianos mesmo que escondam isso, da mesma forma que existem calvinistas que evitam se intitularem calvinistas, mas em ambos os casos a doutrina que ensinada por tais pregadores exatamente a mesma daqueles que se intitulam calvinistas ou arminianos de forma aberta.

No muda absolutamente nada em termos de doutrina, muda apenas o discurso. Dizer que no sou nem calvinista nem arminiano parece um discurso bonito, parece mais bblico, mas se perguntar para essa pessoa o que ela cr ela sempre ir responder algo que seja plenamente compatvel ou com o calvinismo ou com o arminianismo, embora evite o rtulo.

Portanto, tais frases de efeito so inteis e completamente superficiais. lgico que um dos pontos bblico e o outro no. Se o calvinismo verdadeiro, o arminianismo falso; da mesma forma, se o arminianismo verdadeiro, o calvinismo falso. A Bblia ensina um e no ensina outro. A razo ensina um e no ensina outro. A moral ensina um e no ensina outro. No h como escapar disso, por mais que se tente evitar. De fato, tais pregadores que no se intitulam nem calvinistas nem arminianos s podem ser uma coisa: inconsistentes.

Pelagianismo e Semi-PelagianismoAntes de estudarmos mais a fundo o que os arminianos clssicos acreditam, ser necessrio explicar um pouco sobre o que os arminianos no acreditam, mas que frequentemente colocado na conta deles por pessoas ignorantes ou simplesmente mal intencionadas. Como Olson observa, identificaram o arminianismo com o arianismo, o socianismo, o pelagianismo, o semipelagianismo, o humanismo e a teologia liberal, e as distores e informaes incorretas que so ditas sobre o arminianismo na literatura teolgica no so nada menos que apavorantes.

Os crticos calvinistas, na tentativa de passarem uma caricatura da doutrina arminiana para afastarem as pessoas do arminianismo e mant-las aliceradas no calvinismo, inventam verdadeiras loucuras sobre a teologia arminiana, dentre as quais se destaca a acusao de que os arminianos so semipelagianos, ou at mesmo pelagianos. O pelagianismo veio de Pelgio (350-423), que foi condenado por heresia por ter ensinado que o homem pode iniciar a salvao e por negar o pecado original.

Nas palavras de Godfrey, Pelgio insistia que a vontade do homem era to livre que lhe era possvel ser salvo unicamente atravs de suas prprias habilidades naturais. Obviamente, nenhum arminiano clssico cr nisso. Arminianos clssicos creem no pecado original, na depravao total, na necessidade e dependncia total da graa e que s Deus pode iniciar a salvao. Armnio, como veremos mais adiante, foi verdadeiramente enftico em negar o livre-arbtrio espiritual parte da graa preveniente. Sobre a negao de Pelgio da depravao herdada, Calvino comentou:

Esta relutncia no pde impedir que Pelgio entrasse em cena, cuja profana inveno foi haver Ado pecado to-somente para seu prprio dano, e que aos descendentes nada afetou

Olson diferencia o pelagianismo de sua forma suavizada, o semipelagianismo, dizendo:"O pelagianismo nega o pecado original e eleva as habilidades humanas morais e naturais para viver vidas espiritualmente completas. O semipelagianismo abraa uma verso modificada do pecado original, mas acredita que os humanos tm a habilidade, mesmo em seu estado cado, de iniciar a salvao ao exercer uma boa vontade para com Deus

Em outras palavras, pelagianismo e semipelagianismo no tm absolutamente ligao alguma com o verdadeiro arminianismo. Os acusadores afirmam isso apenas para acrescentarem insulto injria. Embora alguns tenham sido enganados pelo arminianismo popular e neguem a depravao total (ou deem uma nfase demasiada ao livre-arbtrio humano), Armnio e os arminianos clssicos afirmam repetidamente que o ser humano totalmente depravado e no pode iniciar nenhuma salvao, e que a graa precisa primeiro ser derramada para ento o livre-arbtrio espiritual ser restaurado para que a pessoa possa aceitar ou rejeitar a graa divina.

Ele disse:

O livre-arbtrio incapaz de iniciar ou de aperfeioar qualquer verdade ou bem espiritual sem a graa. Que no digam a meu respeito, como dizem de Pelgio, que pratico uma iluso em relao palavra graa, o que quero dizer com isso que a graa de Cristo e que pertence regenerao (...) Confesso que a mente de um homem carnal e natural obscura e sombria, que suas afeies so corruptas e excessivas, que sua vontade obstinada e desobediente, e que o homem est morto em pecados

O arminiano William Pope acrescenta:

Nenhuma habilidade permanece no homem para voltar-se a Deus; e esta declarao concede e vindica o mago do pecado original como interno. O homem natural est sem o poder de at mesmo cooperar com a influncia divina. A cooperao com a graa da graa. Portanto, ela se mantm eternamente livre do pelagianismo e do semipelagianismo

A diferena entre arminianismo e as formas de pelagianismo total, enquanto a diferena entre arminianismo e calvinismo neste aspecto mnima, pois ambos creem no pecado original, ambos creem na depravao herdada, ambos creem que a depravao total, ambos creem que Deus inicia a salvao, ambos creem que Deus precisa estender a graa ao homem perdido, e o nico ponto em que calvinistas e arminianos divergem no modus operandi dessa graa se ela resistvel (arminianismo) ou irresistvel (calvinismo).Podemos sintetizar a situao da seguinte maneira:

PELAGIANISMOSEMIPELAGIANISMOARMINIANISMO CALVINISMO

No existe depravao herdadaA depravao herdada parcial e o homem ainda tem algo que possa iniciar a salvaoA depravao herdada total e Deus precisa salvar o homem perdido mediante uma graa preveniente resistvelA depravao herdada total e Deus precisa salvar o homem perdido mediante uma graa preveniente irresistvel

Em suma, arminianos clssicos rejeitam o pelagianismo e o semipelagianismo como heresias de modo to enftico quanto qualquer calvinista, e a acusao de que o arminianismo uma forma de pelagianismo simplesmente injuriosa e falsa, seja por fruto da ignorncia de tais acusadores ou por ms intenes de gente que precisa de uma caricatura para refutar algo que no entende. como disse Thomas Summers: Que ignorncia ou descaramento tem estes homens que acusam Armnio de pelagianismo ou de qualquer inclinao para tal!

Arminianismo ClssicoVimos o que o arminianismo no . Agora, preciso saber o que exatamente o arminianismo trata. Ele no , como muitos pensam, uma posio oposta aos cinco pontos da TULIP calvinista. Arminianos sustentam o primeiro ponto (da depravao total), rejeitam os trs seguintes (da eleio incondicional, da expiao limitada e da graa resistvel) e se dividem quanto ao quinto ponto (da perseverana dos santos), porque nem Armnio nem os remonstrantes imediatos definiram essa questo, mas a deixaram em aberto, dizendo:

Que os verdadeiros cristos tenham fora suficiente, atravs da graa divina, para enfrentar Satans, o pecado, o mundo, sua prpria carne, e a todos venc-los; mas que se por negligncia eles pudessem se apostatar da verdadeira f, perder a felicidade de uma boa conscincia e deixar de ter essa graa, tal assunto deveria ser mais profundamente investigado de acordo com as Sagradas Escrituras

Essa a razo pela qual parte dos arminianos clssicos creem que uma vez salvo est salvo para sempre, conquanto que a maioria creia na possibilidade de apostasia, como foi definido pelos remonstrantes posteriores e propagado firmemente por John Wesley.

O cerne da doutrina do arminianismo clssico a da graa preveniente. Nenhum arminiano verdadeiro cr que o livre-arbtrio, por si s, seja suficiente para que o homem chegue Deus. Ns cremos que o homem cado est morto em seus pecados e que preciso que Deus derrame a graa preveniente, que restaura o livre-arbtrio espiritual e o torna capaz de aceitar ou rejeitar a graa divina. Por isso, Armnio disse:

Se qualquer contradio for oferecida a esta doutrina, Deus necessariamente privado da glria de sua graa, e ento o mrito da salvao atribudo ao livre-arbtrio do homem e a seus prprios poderes e fora cuja declarao cheira a pelagianismo

Arminianos clssicos tambm creem em todos os cinco princpios da Reforma Protestante: Sola Scriptura, Sola Fide, Sola Gratia, Sola Christus e Soli Deo Gloria. A salvao somente pela graa, atravs somente da f. No concernente doutrina da justificao do homem, Armnio disse:

Eu no estou ciente de ter ensinado ou considerado quaisquer outros sentimentos em relao justificao do homem ante Deus que sejam diferentes dos que so mantidos unanimemente pelas Igrejas Reformadas e Protestantes e que esto em completa concordncia com suas opinies expressas

Igualmente, nenhum arminiano rejeita a doutrina da predestinao, mas a cr em termos corporativos e, portanto, condicional f em Cristo. Da mesma forma, nenhum arminiano rejeita a soberania divina, o que no implica, obviamente, que Deus tenha que determinar cada evento e cada detalhe que ocorra no universo.

Deus soberano por estar no controle de tudo, e no por determinar tudo o que tornaria Deus o autor do pecado. por isso que os arminianos creem no livre-arbtrio e em atos autocausados, porque somente assim o pecado seria totalmente da conta do homem, e no por um impulso ou ordem de Deus, como cria Calvino e como creem a maioria dos calvinistas.

O arminianismo clssico difere do arminianismo popular porque o arminianismo popular no o verdadeiro arminianismo, mas uma distoro posterior ao arminianismo de Armnio. Remonstrantes posteriores, como Philipp van Limborch, distorceram o arminianismo clssico e o aproximaram ao semipelagianismo. Consequentemente, nos sculos seguintes, e at hoje, muitos pregadores ensinam nos plpitos das igrejas crists ensinamentos que se parecem muito mais com Pelgio do que com Armnio.

Os exemplos existem aos montes. D um passo em direo a Deus, e Ele dar dois em direo a voc; Deus vota sim, o diabo vota no e voc tem o voto de minerva, e outros casos do tipo mostram que muitos pregadores no esto nem um pouco familiarizados com a verdadeira doutrina arminiana, mas colocam uma nfase por vezes maior no homem do que no prprio Deus.

O arminianismo popular nada mais seno uma distoro do ensino arminiano por pessoas que no tiveram contato com o verdadeiro arminianismo, e por isso no merece esse nome. Assim como a maioria dos calvinistas rejeitam formas extremadas que distorcem o prprio calvinismo como geralmente atribudo ao hipercalvinismo , tambm ns rejeitamos essa forma distorcida de arminianismo que em nada reflete o ensino de Armnio, que pe um foco demasiado no homem e que por vezes coloca Deus em um papel secundrio na obra da salvao. No a toa que a maioria deles sequer j ouviu falar em graa preveniente.

Arminianos clssicos tambm no tem qualquer problema com lemas calvinistas como a regenerao precede a f e a f um dom de Deus. Sim, Armnio cria e se expressou assim diversas vezes que a f um dom de Deus, embora no no sentido de um dom imposto como no calvinismo, mas de um dom oferecido, como um presente. Da mesma forma, arminianos clssicos no tem problemas em assumirem que, em certo sentido, a regenerao precede a f, pois a graa preveniente precisamente uma graa regeneradora, que resgata o livre-arbtrio espiritual e torna o homem apto a aceitar ou rejeitar o convite, embora a regenerao completa s acontea caso o homem aceite o convite.Por fim, concordo com Olson quando ele diz que antes de dizer eu discordo, devemos ser capazes de verdadeiramente dizer eu entendo, e isso vale tanto para calvinistas como para arminianos. Se os pentecostais lessem mais Armnio e pensadores arminianos clssicos, iriam abandonar toda proximidade com o semipelagianismo, que era veementemente rejeitado por Armnio. E se os calvinistas estudassem mais a doutrina arminiana clssica, certamente muitas dvidas se dissipariam e muitos se identificariam muito mais com Armnio do que com Calvino.

Se os calvinistas lessem Armnio ou pelo menos dois ou trs telogos arminianos clssicos, dificilmente Roger Olson teria que escrever um livro inteiro refutando as distores que so feitas at hoje em torno do arminianismo, em sua obra: Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. As distores s so feitas porque a procura pela informao pequena, e a ansiedade por uma refutao grande. Como disse Olson, espero que no futuro os crticos do arminianismo o escrevam como seus proponentes o descrevem e que rigidamente evitem a caricatura ou deturpaes, assim como esperam que os outros tratem sua prpria teologia. Calvinismo

Se o arminianismo sofreu distores com o passar dos sculos que foram alm dos ensinos de Jac Armnio, o calvinismo no fica atrs. Aps a morte de Calvino, seus seguidores acrescentaram e retiraram doutrinas importantes de sua teologia. Como veremos no captulo 8, Calvino era abertamente defensor da expiao universal, contra a expiao limitada que foi crida depois dele, a partir de Teodoro de Beza.

Mas se por um lado os seguidores de Calvino acrescentaram mais extremos sua teologia, tambm foi muito mais comum o inverso: seguidores que suavizaram sua doutrina, retirando pontos importantes para torn-la mais aceitvel ao povo. Por exemplo, como veremos mais adiante no livro, Calvino defendia explicitamente que Deus determina o pecado e que ordenou a Queda. Nem todos os calvinistas pensam assim. Calvino tambm defendeu a dupla predestinao, em que Deus no apenas elege um grupo para si, mas tambm elege outro para ser condenado.

Embora ele defendesse a responsabilidade humana (ainda que de forma contraditria), ele rejeitava o livre-arbtrio libertrio e cria que tudo, incluindo os desejos no corao do homem, provinha de Deus e no do prprio homem. Ento, com o passar dos sculos, os calvinistas foram aumentando e diminuindo aspectos importantes na teologia de Calvino. Os que aumentaram so comumente chamados de hipercalvinistas, e os que diminuram so comumente chamados de calvinistas moderados.

Mas h um problema fundamental: nenhum hipercalvinista aceita essa nomenclatura, pois eles pensam que so eles os verdadeiros seguidores da doutrina original de Calvino, e, portanto, eles so os verdadeiros calvinistas, e no hiper. Da mesma forma, a maior parte dos calvinistas moderados se chama apenas de calvinista, pois tambm se creem os verdadeiros calvinistas. No fim das contas, temos dois grupos lutando pelo centro e pela hegemonia de seu prprio calvinismo e lanando o outro mais para a esquerda ou para a direita.

Boettner, por exemplo, se referiu ao calvinismo moderado nestas palavras:

Calvinismo brando sinnimo de calvinismo enfermo, e a enfermidade, se no curada, o incio do fim

Por outro lado, um calvinista moderado, Charles Spurgeon, se referiu a seu prprio calvinismo dizendo: Somos os calvinistas verdadeiros!. Ele tambm disse que o hipercalvinismo um sistema de teologia com que muitos se identificam e que tem esfriado muitas igrejas, pois as tem levado a omitir os convites gratuitos do evangelho, e negar que dever dos pecadores crer em Jesus.Se isso j torna a situao complicada, fica ainda pior quando vemos calvinistas auto-denominados moderados chamando de calvinistas extremados aqueles que tambm se denominam moderados, para se distinguirem dos hipercalvinistas. Foi assim que Norman Geisler se referiu a R. C. Sproul ao longo de todo o livro Eleitos, mas Livres, sendo que o prprio Sproul no se considera um calvinista extremado, e disse que o hipercalvinismo anticalvinismo.

Para ser mais claro, no h nenhum calvinista que admita estar fora do centro. Todos se creem os verdadeiros calvinistas e puxam para a esquerda ou para direita aqueles que tm uma teologia mais branda ou mais severa que a dele. Calvinistas que se consideram moderados so considerados extremados por outros, e vice-versa. Deste modo, difcil tratar do calvinismo como algo fixo e imutvel. Mas ser que essa distino to clara? Ainda que em alguns aspectos da teologia eles tenham divergncias, elas so doutrinariamente mnimas, visto que ambos defendem os cinco pontos da TULIP calvinista. Na verdade, a diferena mais prtica do que terica. Como Laurence Vance diz, os calvinistas e os assim chamados hipercalvinistas creem, ensinam, e pregam as mesmas coisas sobre o calvinismo os hipercalvinistas apenas as colocam em prtica mais consistentemente do que os calvinistas.

Para esclarecer melhor o que Vance afirma, os hipercalvinistas seguem as premissas lgicas do calvinismo at as ltimas consequencias, enquanto os calvinistas moderados as seguem at certo ponto, apelando para o mistrio naquilo onde a concluso segue s premissas. Um hipercalvinista entende que, se Cristo no morreu por todos (expiao limitada), ento no h razo para crer que Deus deseje que todos se salvem, ou que o evangelho se aplique a todos que ouvem, ou que a f seja dever de todo pecador, ou que a oferta de salvao deva ser feita a um no-eleito. uma concluso lgica do L da TULIP.

Da mesma forma, se o mundo de Joo 3:16 se refere apenas aos eleitos e se foi s por eles que Deus amou e enviou Seu Filho unignito para que todos os eleitos que nele creem no peream mas tenham a vida eterna, ento lgico que Deus no ama o no-eleito. certo que nenhum calvinista (nem mesmo o moderado) cr que Deus ama o eleito da mesma forma que ama o no-eleito, mas o hipercalvinista leva a srio os textos calvinistas que dizem que Deus amou Jac e odiou Esa (Rm.9:13), como uma prova de que Deus odeia (ou no ama) o no-eleito, mas apenas o eleito.

Como vemos, a distino mais prtica do que terica. Ambos creem nos cinco pontos da TULIP, mas apenas os hipercalvinistas assumem as consequencias de sua prpria lgica, admitindo os resultados de seus prprios pressupostos, ao passo em que o calvinista moderado cr na premissa mas no cr na concluso lgica da premissa, preferindo apelar ao mistrio e deixar as coisas obscuras, sem fazer o mnimo esforo para solucionar dilemas calvinistas como predestinao vs livre arbtrio e soberania divina vs responsabilidade humana quando os hipercalvinistas assumem que uma existe e a outra no.

por isso que o calvinista Edwin Palmer escreveu:

Ele [o calvinista moderado] percebe que o que ele defende ridculo. simplesmente impossvel para o homem harmonizar esses dois conjuntos de dados. Dizer, por um lado, que Deus tornou certo tudo o que acontece e ainda dizer que o homem responsvel por aquilo que ele faz? Absurdo! Deve ser uma ou outra coisa, mas no ambas. Dizer que Deus preordenou o pecado de Judas e ainda Judas o culpado? Insensatez! Logicamente o autor de O Ladro Predestinado estava certo. Deus no pode preordenar o roubo e ento culpar o ladro. E o calvinista admite francamente que essa posio ilgica, ridcula, sem sentido e tola

Por isso, como Vance bem define, o termo hipercalvinismo altamente ambguo e diz respeito prtica e no profisso de algum, e que o problema que calvinistas (incluindo Spurgeon) tem com o Dr. Gill [um hipercalvinista] que eles consistentemente praticaram seu calvinismo.

Outra ttica frequentemente utilizada por calvinistas opor o arminianismo contra o hipercalvinismo e ento tomar o calvinismo comum como uma posio moderada. Isto faz o calvinismo parecer ortodoxo. Vance aponta que o termo hipercalvinismo frequentemente referido por aqueles calvinistas que querem desviar a ateno do que eles realmente crem e por meio disso fazer sua forma de calvinismo parecer bblica.

E ele declara:Quando a verdadeira posio de um calvinista finalmente revelada, ele geralmente alegar que ele est sendo deturpado. Por isso, um outro tipo de calvinismo foi inventado, e para ele que toda objeo contra o sistema calvinista depositada. Os partidrios deste esquema fictcio so referidos por vrios termos: ultra-calvinistas, calvinistas radicais, super-calvinistas, radicais. A favorita designao para este grupo hiper-calvinistas

Em sntese, calvinismo um termo ambguo que envolve calvinistas moderados e extremados, cada qual defendendo seu prprio calvinismo como sendo o verdadeiro calvinismo, o calvinismo do centro. Conquanto haja algumas poucas diferenas em termos de doutrina, ambos creem nos cinco pontos da TULIP, embora apenas os hipercalvinistas pratiquem as consequencias lgicas destes cinco pontos, razo pela qual a diferena entre ambos muito mais prtica do que terica. Enquanto calvinistas moderados seguem a lgica apenas at certo ponto e depois param e apelam ao mistrio, hipercalvinistas seguem a lgica das suas prprias premissas at o fim, suportando as consequencias. Dilogo entre calvinistas e arminianos na histriaPor mais que desde sempre na histria do Protestantismo tenha havido arminianos e calvinistas, estes querem, a todo e qualquer custo, serem considerados os nicos verdadeiros protestantes, como se o fato de algum ser calvinista fosse primordial para algum ser verdadeiramente cristo. lgico que nem todos os calvinistas so exclusivistas ou intolerantes, mas muitos querem fazer da sua doutrina aquilo que diferencia uma igreja verdadeira de uma igreja falsa.

Isso realmente lamentvel, mas, como disse Olson, fato que alguns calvinistas evanglicos trabalham arduamente para transformar a teologia calvinista como a norma da f evanglica. Os arminianos so marginalizados, se no excludos s escondidas. Os ataques de calvinistas a arminianos, muitas vezes os excluindo e os considerando no-cristos, tm sido feitos aos montes.

Fred Phelps, o autor da obra Os Cinco Pontos do Calvinismo, alegou que, se voc no conhece os cinco pontos do calvinismo, voc no conhece o evangelho, mas alguma perverso dele. Alm de chamar o arminianismo de perverso do evangelho, ele tambm disse que os no-calvinistas esto verdadeiramente nas trevas e na ignorncia de toda a verdade divina, no tem nenhuma religio e esto presos nas supersties e nas mentiras religiosas:

Se voc no tem um entendimento e uma compreenso completa dos Cinco Pontos do Calvinismo voc est verdadeiramente nas trevas e na ignorncia de toda a verdade divina. E, se voc no tem uma crena inteligente nos Cinco Pontos do Calvinismo e amor por eles, voc no tem nenhuma religio racional, mas est preso na superstio e nas mentiras religiosas

Este exemplo lindo de tolerncia e dilogo tem sido marcante em outros militantes calvinistas. Ben Rose afirmou que os que no so calvinistas no so humildes o suficiente; Robert Godfrey afirmou que no arminianismo Jesus no mais o verdadeiro Salvador de Seu povo; Robert Peterson e Michael Williams chamaram o arminianismo de uma doutrina idlatra; Kim Riddlebarger disse que o arminianismo no apenas o abandono da ortodoxia histrica, mas tambm um srio abandono do prprio evangelho.

Michael Horton no fica atrs e diz que um evanglico no pode ser arminiano mais do que um evanglico pode ser um catlico romano; Sproul exclama que o arminianismo faz com que a redeno seja uma obra humana e coloca o arminianismo no mesmo nvel do semipelagianismo e do catolicismo romano, isso quando no diz que aqueles que negam o determinismo calvinista so ateus! Marcelo Berti disse que no h como ser cristo a no ser que se creia no determinismo divino e na dupla predestinao calvinista, e o telogo e compositor de hinos Augustus Toplady declarou Wesley um no-cristo, por ser arminiano.

Tudo isso apenas afasta a possibilidade de dilogo entre arminianos e calvinistas. Embora eu considere o arminianismo a posio bblica sobre a salvao, de modo nenhum creio que algum calvinista no cristo por ser calvinista. Infelizmente, o mesmo no pode ser dito por muitos calvinistas sobre o arminianismo, seja por terem uma viso distorcida sobre o arminianismo clssico ou ento por desejarem fazer uma caricatura do arminianismo para torn-lo menos aceitvel ao pblico.

Mas de onde vem essa intolerncia? Se analisarmos a histria, veremos que ela vem desde muito cedo. Laurence Vance, em seu livro O Outro Lado do Calvinismo, nos fala sobre muitos acontecimentos histricos e sobre a forma de perseguio que os arminianos antigos eram submetidos por no concordarem com o calvinismo predominante na poca. Ele diz:Os Estados da Holanda, em 23 de dezembro de 1610, ordenou que uma conferncia amigvel fosse realizada entre os dois partidos em Haia em maro do ano seguinte. Conformemente, em 11 de maro de 1611, seis remonstrantes (como os arminianos foram chamados), incluindo Episcopius e Uytenbogaert, se encontraram com seis contra-remonstrantes (como os calvinistas foram chamados), sob a liderana de Petrus Plancius e Festus Hommius (1576-1642). Os remonstrantes pediam tolerncia para suas opinies; os contra-remonstrantes, um snodo nacional para declararem herticas as opinies deles

Enquanto tudo o que os arminianos queriam era liberdade de opinio para poderem expressar as suas crenas, os calvinistas no estavam abertos ao dilogo. Vance aborda isso nas seguintes palavras:

Cunningham admite que os telogos que compunham o Snodo de Dort geralmente defendiam que o magistrado civil tinha o direito de infligir sofrimentos e penalidades como punio por heresia mas que os arminianos defendiam tolerncia e indulgncia em relao s diferenas de opinio sobre assuntos religiosos. Assim, embora ambos remonstrantes e contra-remonstrantes aderiam a uma aliana Igreja-Estado, os remonstrantes no procuravam usar o Estado para punir seus oponentes

No Snodo de Dort, havia treze remonstrantes intimados para comparecer ao snodo, mas eles foram convocados como rus, no tinham assentos como delegados. Depois de Simo Episcpio esclarecer o parecer arminiano naquele snodo, os remonstrantes foram expulsos de uma forma totalmente amigvel:

Os delegados estrangeiros so agora da opinio de que vocs so indignos de aparecer diante do Snodo. Vocs recusaram reconhec-lo como seu juiz legal e sustentaram que ele seu partido contrrio; vocs fizeram tudo de acordo com seu prprio capricho; vocs desprezaram as decises do Snodo e dos Comissrios Polticos; vocs recusaram responder; vocs incorretamente interpretaram as acusaes. O Snodo tratou vocs indulgentemente; mas vocs como um dos delegados estrangeiros expressou comearam e terminaram com mentiras. Com este tributo ns deixaremos vocs irem. Deus preservar sua Palavra e abenoar o Snodo. A fim de que ela no seja mais obstruda, vocs esto despedidos! Esto dispensados, vo embora!

Depois de serem expulsos de um snodo onde eram rus, os remonstrantes foram presos em 1618 em outro snodo, e foram substitudos por calvinistas:

Em 1618 o caminho foi aberto para um snodo nacional. Grotius e Oldenbarnevelt foram presos, e os magistrados remonstrantes foram substitudos por patrocinadores dos contra-remonstrantes

Vance ainda afirma:

No incio de julho, os treze remonstrantes foram convocados diante dos Estados-Gerais e solicitados para retratarem e concordarem em cessar de pregar suas doutrinas, ou serem banidos do pas. Mais de duzentos ministros arminianos foram ento destitudos de seus plpitos e muitos destes foram banidos por recusar manter silncio. Uma severa teocracia calvinista foi ento estabelecida na qual somente o calvinismo poderia ser publicamente proclamado. Mas felizmente, foi de curta durao, pois aps a morte do prncipe Maurcio, em 1625, os remonstrantes conseguiram permisso para retornar sob seu irmo e sucessor, Frederick Henry (1584-1647), e estabelecerem igrejas e escolas por toda Holanda, com certas restries

Portanto, a presso para tornar o calvinismo a nica doutrina aceitvel no protestantismo no de hoje, mas remete aos primrdios. Os arminianos eram intimidados quando no obrigados a renegarem suas crenas ou proibidos de ensinarem publicamente e nas escolas. Com a liberdade que temos hoje, essa presso menor, se limitando apenas ao psicolgico, quando calvinistas pintam o arminianismo como se fosse a maior heresia imaginvel e como se o calvinismo fosse a nica posio crist admissvel da salvao.

A tolerncia de CalvinoSabemos que essa forma de intolerncia vem desde cedo, mas exatamente de quando seria? Temos fortes indcios de que tudo remete a seu principal pregador, o prprio Joo Calvino. Embora ele fosse um gnio, e, na minha opinio, um dos maiores intelectuais que este mundo j viu, e muito acima da mdia dos intelectuais de sua poca, ele tinha um forte problema em tolerar uma posio contrria. Isso fica evidente a comear pela leitura das prprias Institutas, a principal obra de Calvino, dividida em quatro grandes volumes.

Ele se refere aos seus oponentes, que no criam em sua doutrina, por vrios diferentes nomes pejorativos, como dementes", porcos, mentes pervertidas, ces virulentos que vomitam contra Deus, inimigos da graa de Deus, inimigos da predestinao, estpidos, espritos desvairados, bestas loucas, caluniadores desprezveis, gentalha, espritos ignorantes, embusteiros, bestas, ces, porcos e perversos, insanos e criaturas bestiais.

As ofensas tambm abundavam em termos pessoais. A Pighius ele chama de co morto, a Serveto ele chama de monstro pernicioso e aos anabatistas ele chama de bestas loucas por negarem o batismo infantil, que hoje rejeitado por quase todas as denominaes protestantes. Sobre o batismo infantil, ele diz que Deus ir descarregar sua vingana sobre qualquer um que desprezar assinalar seu filho com o smbolo da aliana. Como Roland Bainton bem observa, se Calvino alguma vez escreveu algo em favor da liberdade religiosa, foi um erro tipogrfico.

Em Genebra, sob a influncia de Calvino, uma srie de regras foram impostas, dentre as quais:

Alm das leis usuais contra a dana, a profanao, os jogos de apostas, e a falta de vergonha, o nmero de pratos comidos em uma refeio era regulado. Freqncia aos cultos pblicos tornou-se obrigatrio e ordenou-se que vigias verificassem quem freqentava a igreja. A censura imprensa foi instituda e livros julgados herticos ou imorais foram proibidos. Juros nos emprstimos foram limitados a 5 por cento. Os nomes que davam s crianas eram regulados. Dar nome a uma criana de um santo catlico era uma ofensa penal. Durante um aumento repentino da praga em 1545, cerca de vinte pessoas foram queimadas vivas por bruxaria, e o prprio Calvino esteve envolvido nas perseguies. De 1542 a 1546, cinqenta e oito pessoas foram executadas e sessenta e seis exiladas de Genebra. A tortura era livremente usada para extrair confisses. O calvinista John McNeil admite que nos ltimos anos de Calvino, e sob sua influncia, as leis de Genebra se tornaram mais detalhadas e severas

Laurence Vance ainda ressalta o caso de Jacques Gruet, oponente de Calvino:Jacques Gruet, um conhecido oponente de Calvino, foi preso (...) Aps um ms de tortura, Gruet confessou e foi sentenciado morte: Voc, de forma ultrajante, ofendeu e blasfemou contra Deus e sua sagrada Palavra; voc conspirou contra o governo; voc ameaou servos de Deus e, culpado de traio, merece a pena capital. Ele foi decapitado em 26 de julho de 1547, com o consentimento de Calvino na sua morte. Vrios anos mais tarde um livro hertico de Gruet foi descoberto e foi queimado em pblico em frente a casa de Gruet, conforme sugerido por Calvino

Stefan Zweig afirma que por isso que Calvino freqentemente tem sido rotulado como o o ditador de Genebra que toleraria em Genebra as opinies de somente uma pessoa, as suas. Mas o caso mais famoso o de Miguel Serveto, que merece uma maior ateno de nossa parte.

Calvino e ServetoServeto era um dos principais oponentes de Calvino, pois descria na trindade, na predestinao e no batismo infantil. Os dois trocaram algumas cartas e, vendo que Serveto mantinha a opinio, Calvino passou a ignor-lo e deixou de respond-lo. Em suas Institutas ele menciona Serveto em vrias ocasies diferentes, sempre com adjetivos pejorativos, chamando-o de monstro e coisas piores.

Em 13 de agosto de 1553, Serveto viajou a Genebra e ouvia um sermo de Calvino, quando foi reconhecido e preso. Calvino, ento, insistiu na sua condenao morte usando todos os meios possveis. Ele escreveu a Farel mostrando o seu desejo de que Serveto fosse executado:

Serveto recentemente me escreveu, e anexou em sua carta um longo volume dos seus delrios, cheio de ostentao, para que eu devesse ver algo espantoso e desconhecido. Ele faz isto para se aproximar, caso seja de meu acordo. Mas eu estou indisposto a dar minha palavra em favor de sua segurana, pois se ele vier, eu nunca o deixarei escapar vivo se a minha autoridade tiver peso

O prprio Calvino confirma que foi ele mesmo que ordenou que Serveto fosse detido:Temos agora um novo caso sob considerao com Serveto. Ele pretendeu talvez passar por esta cidade; pois ainda no sabido a inteno dele ter vindo. Mas depois que ele foi reconhecido, eu pensei que ele deveria ser detido

Finalmente, em uma m hora, ele veio a este lugar, quando, por mim instigado, um dos procuradores ordenou-o a ser conduzido para a priso; pois eu no escondo que eu considerei meu dever dar um basta, tanto quanto podia, neste mais obstinado e indisciplinado homem, para que sua influncia no possa mais espalhar

Em suas cartas a Farel, ele constantemente insistia que o veredicto deveria ser a pena de morte:Eu espero que ele obtenha, pelo menos, a sentena de morte

Depois que Serveto foi condenado morte na fogueira, ele reconheceu que teve parte na sua execuo:

Honra, glria, e riquezas ser a recompensa de suas dores: mas acima de tudo, no deixe de livrar o pas daqueles zelosos patifes que incitam o povo para se revoltar contra ns. Tais monstros devem ser exterminados, como exterminei Michael Serveto, o espanhol

E ele ainda insistia:

Quem quer que agora argumentar que injusto colocar herticos e blasfemadores morte, consciente e condescentemente incorrer em sua mesma culpa

Em momento nenhum ele se mostrou arrependido por ter mandado executar Serveto. Ao contrrio, ele insistia que deveramos esquecer toda humanidade quando o assunto o combate pela glria de Deus, que ele entendia ser a execuo dos hereges e blasfemadores:Quem sustenta que errado punir hereges e blasfemadores, pois nos tornamos cmplices de seus crimes (). No se trata aqui da autoridade do homem, Deus que fala (). Portanto se Ele exigir de ns algo de to extrema gravidade, para que mostremos que lhe pagamos a honra devida, estabelecendo o seu servio acima de toda considerao humana, que no poupamos parentes, nem de qualquer sangue, e esquecemos toda a humanidade, quando o assunto o combate pela Sua glria

vista de tudo isso, o calvinista William Cunningham admite:

No h dvida que Calvino antecipadamente, na hora, e depois do acontecimento, explicitamente aprovou e defendeu a execuo dele, e assumiu a responsabilidade do procedimento

O historiador Philip Schaff acrescenta que o julgamento de Serveto durou mais de dois meses e o prprio Calvino redigiu um documento de trinta e oito acusaes contra Serveto. Embora alguns calvinistas fanticos tentem salvar Calvino da acusao de assassinato, os fatos documentais apontam explicitamente o contrrio, e tentar jogar a culpa de Serveto somente para os outros no mnimo vexatrio e indigno.

O prprio Calvino, antes, durante e depois do julgamento de Serveto expressou diversas vezes seu desejo de que ele fosse executado e no h sequer um nico registro documental de que ele tenha alguma vez se arrependido deste ato. Embora os calvinistas tentem defender Calvino afirmando que naquela poca era comum a pena de morte por heresia, sabemos que o pecado continua sendo pecado do mesmo jeito, independentemente da sociedade ou cultura onde se vive. O pecado em Sodoma e Gomorra tinha o mesmo peso de um pecado em Jerusalm, mesmo que todos os habitantes se Sodoma e Gomorra fossem completamente depravados e no tivessem muito senso de moral.

Alm disso, se a Bblia ensina que devemos guardar a espada, porque todos aqueles que fazem uso da espada pela espada morrero (Mt.26:52), ento a pena de morte por razes religiosas no apenas imoral, mas tambm antibblica. Por fim, necessrio ressaltar que nem todos na poca de Calvino eram intolerantes como Calvino era. O prprio Armnio, que viveu apenas uma gerao depois de Calvino, era algum reconhecido por sua calma, tolerncia e pacincia com todos.

Vance afirma que Armnio foi conhecido por sua tolerncia, e no h nenhum registro de qualquer perseguio praticada contra herticos. Limborch disse que Armnio foi um piedoso e devoto homem, prudente, cndido, brando e sereno, o mais zeloso a preservar a paz da Igreja. Isso reconhecido at mesmo por autores calvinistas. Homer Hoeksema declara que Armnio era um homem de amvel personalidade, refinado em conduta e aparncia.

Arthur Custance diz que ele era um homem dos mais honrados e indubitavelmente um crente muito fervoroso. Samuel Miller acrescenta que Armnio, quanto a talentos, erudio, eloqncia, e exemplaridade geral de comportamento moral, indubitavelmente digno de elevada exaltao. Hugo Grotius observa que Armnio, condenado pelos outros, no condenou ningum. Mas, quanto Calvino, o historiador batista William Jones diz:

E com respeito a Calvino, manifesto, que a principal, a mim pelo menos, caracterstica mais odiosa em toda a multiforme figura do papismo uniu-se a ele por toda a vida eu quero dizer o esprito de perseguio

O que isso influencia na discusso entre calvinismo e arminianismo? Embora a doutrina em si seja algo que iremos abordar a partir do captulo seguinte, isso nos d uma boa noo do por que Calvino no via problemas em sua noo de Deus, principalmente luz de seu determinismo exaustivo (onde Deus determina at mesmo o pecado) e da dupla predestinao (onde Deus determina antes da fundao do mundo que seres que ainda nem nasceram fossem lanados irremediavelmente a um inferno de tormento eterno para todo o sempre).

Oskar Pfister fala sobre isso nas seguintes palavras:

O fato do prprio carter de Calvino ter sido compulsivo-neurtico foi o que transformou o Deus de amor como experimentado e ensinado por Jesus, num carter compulsivo, sustentando caractersticas absolutamente diablicas em sua prtica reprovativa.

Isso explica o porqu que em momento nenhum vemos Calvino tentando salvar a reputao moral de Deus nas Institutas. Ele tenta por vezes resgatar algo da responsabilidade humana, mas nunca escreveu sequer uma nica linha para tentar salvar Deus da acusao de ser o autor do pecado e aquele que determina todas as maldades e atrocidades do mundo. Como veremos no captulo seguinte, ele afirma expressamente essas coisas, e no tinha um mnimo senso de dever em oferecer explicaes.

O Deus pregado por Calvino no precisava ter muito senso moral, como o prprio Calvino no se preocupava muito com isso em sua teologia. Intolerncia, crimes e perseguio eram coisas que no eram levadas a srio como so levadas hoje, e, consequentemente, Calvino no viu problema nenhum em pintar um Deus sua prpria imagem e semelhana, sem qualquer hesitao por princpios morais que os arminianos creem serem imprescindveis e essenciais na divindade.

Foi por isso que Armnio e os arminianos rejeitaram to fortemente o determinismo exaustivo e a dupla predestinao incondicional calvinista, pois no viam como que essas doutrinas poderiam no afetar o testemunho bblico de um Deus cheio de amor, justia, graa e misericrdia, que deseja que todos os homens se salvem e que cheguem ao conhecimento da verdade (1Tm.2:4), que no deseja a morte de nenhum mpio (Ez.18:23), que amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unignito para morrer por pecadores (Jo.3:16) e que totalmente puro e no se envolve em nenhuma medida com o pecado (Hb.1:13).

O calvinismo a nica posio ortodoxa?Um truque muito usado por calvinistas quando atacam o arminianismo se colocarem como os ortodoxos e jogarem para longe da ortodoxia aqueles que no so calvinistas. Desta forma, como ningum vai querer ser considerado heterodoxo, eles vo estar do lado da ortodoxia, e, portanto, do calvinismo. Mas ser mesmo que o calvinismo a nica posio ortodoxa que pode ser aceita? Na verdade, os indcios apontam exatamente o contrrio.

Todos os Pais da Igreja, exceto Agostinho, eram arminianos em sua teologia da salvao. At mesmo o prprio Agostinho defendia o livre-arbtrio at a sua controvrsia com os donatistas, quando passou a defender a ideia de que os pagos deveriam se converter fora f crist, porque Deus mesmo trazia com uma fora irresistvel. Mesmo assim, a ideia de Agostinho foi contraposta pela grande maioria dos doutores da Igreja que viveram depois dele e a posio majoritria permaneceu sendo a contrria ao sistema calvinista.

Isso reconhecido pelos prprios calvinistas. Norman Sellers reconhece que Agostinho discordava dos Pais que o precediam no ensino da absoluta soberania de Deus, e Boettner diz que ele foi muito alm dos primeiros telogos. O mesmo Boettner admite que esta verdade fundamental do Cristianismo [referindo-se ao calvinismo] foi claramente percebida primeiro por Agostinho. Se Agostinho foi o primeiro, ento todos os outros que viveram antes dele criam no contrrio.

De fato, o prprio Joo Calvino reconhecia que, exceo de Agostinho, os outros Pais da Igreja estavam contra ele. Ele disse:Tudo indica que grande preconceito atra contra minha pessoa quando confessei que todos os escritores eclesisticos, exceto Agostinho, nesta matria se expressaram to ambgua ou variadamente que de seus escritos no se pode ter coisa alguma certa. Ora, alguns havero de interpretar isto exatamente como se os quisesse privar do direito de opinio, j que todos me so contrrios

Spurgeon tambm parece reconhecer isso. Ele tenta traar uma linhagem calvinista de seus tempos para trs, passando por Bunyan, depois pelos Reformadores, depois por Huss e ento por Agostinho, e ento diz:No podemos traar nossa genealogia atravs de toda uma linhagem de homens como Newton, Whitefield, Owen e Bunyan diretamente at chegarmos a Calvino, Lutero e Zwinglio? Deles ento podemos voltar a Savonarola, Jernimo de Praga, a Huss e ento de volta a Agostinho, o pregador mais poderoso do cristianismo. E de Santo Agostinho at Paulo somente um passo!

Interessante notar que Spurgeon, ao invs de mostrar um nico Pai da Igreja entre Paulo e Agostinho que cria no calvinismo, diz que de Agostinho [sculo IV para o sculo V] para Paulo somente um passo, parecendo reconhecer que entre Paulo e Agostinho no houve sequer um nico pregador calvinista, em um intervalo de quatro sculos! Veremos no segundo apndice deste livro dezenas de citaes de dezenas de Pais da Igreja confirmando a crena arminiana como a predominante nos primeiros sculos da Igreja, at a Reforma.

Isso nos mostra, como bem aponta Geisler, que, com exceo do Agostinho posterior, nenhum telogo importante da patrstica at a Reforma sustentou essa ideia, e que se no fosse por um lapso na histria da pr-Reforma, no teria havido calvinistas extremados notveis nos primeiros 1.500 anos da Igreja. Essa exceo encontrada nos ltimos escritos de Agostinho. Foi por isso que Thomas Oden disse que a remonstrncia representou uma reapropriao substancial do consenso patrstico oriental pr-agostiano.

Ento, temos um quadro em que uma doutrina (arminianismo) foi pregada unanimemente por todos os Pais da Igreja exceto Agostinho, at chegar a Jac Armnio, e outra (calvinismo) em que quase ningum creu nisso durante quinze sculos, excetuando Agostinho e alguns poucos nomes, sendo restaurado por Joo Calvino e outros reformadores.

Com que moral, ento, um calvinista acusa o arminianismo de heterodoxia? Se ele quer mesmo ser intelectualmente honesto, dever reconhecer que o arminianismo a posio ortodoxa na Igreja em todos os sculos e que o calvinismo nada mais seno um lapso na histria pr-Reforma, que no tem nada de ortodoxo, a no ser que a ortodoxia que resuma a Agostinho.

Outra ttica de calvinistas expor nomes ps-Reforma (como um quadro comparativo) de telogos calvinistas e telogos arminianos, para depois dizer que os mais notveis esto entre eles, e, portanto, so a posio ortodoxa. Essa ttica foi empregada, por exemplo, por R. C. Sproul em seu livro Eleitos de Deus, quando ele traou o seguinte quadro comparativo:

VISO REFORMADAVISES OPONENTES

Sto. AgostinhoPelgio

Sto. Toms de AquinoArmnio

Martinho LuteroFelipe Melanchton

Joo CalvinoJohn Wesley

Jonathan EdwardsCharles Finney

Este quadro por si s j tendencioso, pois ele coloca Pelgio no mesmo grupo dos arminianos, ignora diversos nomes notveis do arminianismo (como todos os outros Pais da Igreja exceo de Agostinho) e ainda inclui na lista calvinista nomes que nunca assinariam embaixo os cinco pontos da TULIP. Se Toms de Aquino fosse reformado, Calvino nunca teria refutado a sua viso sobre a predestinao nas Institutas.

Em seu terceiro volume das Institutas, Calvino dedica um tpico apenas para refutar Aquino, intitulado: No procedente a cavilao de Toms de Aquino de que a predestinao diz respeito graa merc da qual extramos mritos que so objeto da prescincia divina. Ento, o que o nome de Toms de Aquino est fazendo ali? E quanto a Martinho Lutero, que foi um enftico pregador de que o crente pode perder a salvao e que Cristo morreu por todos?

Contra a expiao limitada, Lutero disse:

[Cristo] no ajuda apenas contra um pecado, mas contra todos os meus pecados; e no contra meu pecado apenas, mas contra o pecado de todo o mundo. Ele vem para levar no apenas a doena, mas a morte; e no minha morte apenas, mas a morte de todo o mundo

Lutero cria na expiao ilimitada, e essa a razo pela qual as igrejas luteranas creem que Cristo morreu por todos. Lutero tambm descria na dupla predestinao de Calvino e zombava daqueles que criam que o crente no pode perder a salvao, chamando-os de pessoas tolas:

Alguns fanticos podem parecer (e talvez eles esto j presentes, como eu vi com meus prprios olhos no tempo da revolta) que mantm que assim que eles receberam o Esprito do perdo de pecados, ou assim que eles se tornaram crentes, eles iro perseverar na f mesmo se eles pecarem depois, e tal pecado no ir prejudic-los. Eles gritam, Faa o que voc quiser, no importa contanto que voc creia, pois a f apaga todos os pecados, etc. Eles adicionam que se algum peca depois que recebeu a f e o Esprito, ele nunca realmente teve o Esprito e a f. Eu encontrei muitas pessoas tolas como estas e eu temo que tal demnio ainda reside em alguns deles

E tambm:

ento necessrio saber e ensinar que, alm do fato de que eles ainda possuem e sentem o pecado original e diariamente se arrependem e lutam contra ele, quando homens santos caem em pecado abertamente (como Davi caiu em adultrio, assassinado e blasfmia), a f e o Esprito abandonaram eles

Portanto, ainda que Lutero cresse em alguns princpios calvinistas, ele estava longe, muito longe de crer em tudo. por isso que Calvino no citou Lutero nem uma nica vez em todos os quatro volumes das Institutas, embora tenha citado diversos outros autores em vrias ocasies diferentes para justificar suas teses. Se Lutero estivesse no Snodo de Dort, seria mais provvel que ele se unisse aos remonstrantes do que aos calvinistas. E vale sempre ressaltar que o brao direito de Lutero, Felipe Melanchton, era sinergista, como reconhece Sproul, o colocando na lista de vises opostas ao calvinismo.

Nos tempos modernos, fato que existem extraordinrios pregadores calvinistas, assim como existem extraordinrios pregadores arminianos. Assim como os calvinistas tem nomes fortes como Charles Spurgeon, John Piper e Paul Washer, os arminianos tm C. S. Lewis, Norman Geisler, Billy Graham e outros. simplesmente tolo argumentar em favor da ortodoxia expondo uma lista de nomes proeminentes na teologia, pois isso no define a verdade e ns temos tantos nomes (ou mais) do que eles.

Jerry Walls tambm observa que os calvinistas no tomam conta da academia de filosofia - William Lane Craig e Alvin Plantinga, por exemplo, dois filsofos protestantes renomados, so arminianos. Quando Craig debateu com o ateu Christopher Hitchens e foi indagado por este sobre se ele considerava alguma denominao crist falsa, ele respondeu:

Certamente. Eu no sou um calvinista, por exemplo. Eu acho que certos dogmas da teologia reformada esto incorretos. Eu estou mais no campo wesleyano

Finalmente, devemos ressaltar que a acusao de heterodoxia por parte dos calvinistas simplesmente falsa e difamatria. O pai da teologia liberal, Friedrich Schleiermacher, era calvinista e sequer foi tocado pelo arminianismo. E os calvinistas se esquecem de mencionar que o mesmo conclio que declarou o pelagianismo hertico tambm condenou aquilo que viria a ser calvinismo. O Snodo de Orange (529) condenou qualquer crena de que Deus tenha determinado o pecado. Ele definiu:

No s no aceitamos que certos homens tm sido predestinados ao mal pela divina disposio, mas lanamos antemas horrorizados contra quem pensar coisa to perversa

Da mesma forma, o Conclio de Kiersy (853) declarou:

Deus conheceu pela sua prescincia os que devem se perder, mas ele no os predestinou a se perderem. Porque Deus justo, ele predestinou uma pena eterna para a sua falta

E o Conclio de Valena (855), sete sculos antes de Calvino, condenou exatamente aquilo que foi explicitamente ensinado por Calvino, que alguns homens so predestinados ao mal pelo poder de Deus:

Com o conclio de Orange ns lanamos o antema a todos os que disserem que alguns homens so predestinados para o mal pelo poder de Deus

Portanto, se devemos considerar alguma doutrina no-ortodoxa, essa certamente o calvinismo, que foi condenado pelos mesmos conclios que condenaram heresias como pelagianismo e semipelagianismo. O arminianismo nunca foi condenado em conclio nenhum at a poca da Reforma, foi crido por todos os Pais da Igreja exceo de um, e hoje possui grandes telogos, filsofos e pregadores de nome to forte quanto os prprios calvinistas. A acusao de heterodoxia , portanto, simplesmente injuriosa mais um espantalho.

ltimas consideraesAinda cedo para chegarmos a alguma concluso, mas o que at aqui foi dito deve, pelo menos, alertar o calvinista quanto ao erro de atacar um arminianismo que no conhece. Acusaes e comparaes com o pelagianismo, semipelagianismo, heterodoxia ou com qualquer forma de heresia anticrist no funciona contra um arminiano bem preparado, embora possa ter certo sucesso contra arminianos que nunca leram Armnio nem tiveram contato com o verdadeiro arminianismo clssico.

Vimos que a TULIP calvinista um sistema fechado, em que todo o conjunto depende da veracidade de cada um dos pontos. Cada um deles ser analisado com ateno em um captulo prprio no livro, mas por hora cabe ressaltar que no possvel, como muitos pensam, ter uma opinio formada e ao mesmo tempo no pender nem para o calvinismo nem para o arminianismo, assim como no logicamente consistente alguma forma doutrinria que tente unir ambos os ensinos, pois em muitos aspectos eles so contraditrios um ao outro. O leitor dever tomar uma deciso, pois no h meio termo em se tratando da doutrina da salvao.

Vimos tambm que o arminianismo clssico difere daquele que popularmente conhecido, e que muitos pontos supostamente rejeitados pelos arminianos foram, na verdade, cridos sem ressalva por Armnio e pelos remonstrantes. Arminianos clssicos creem no pecado original, na depravao herdada, na depravao total, na justificao pela f, na total dependncia e necessidade da graa, em Deus iniciando a salvao, na f como um dom de Deus, na regenerao (parcial) precedendo a f. Enfatizar o arminianismo verdadeiro evitaria que pessoas instrudas e bem intencionadas pendessem para o outro extremo por no encontrar outra opo seno o calvinismo quando se depara com estes temas e percebe que tais ensinos so bblicos.

Vimos tambm que o termo calvinismo, embora possua uma estrutura (o acrstico TULIP), vago no sentido de que se divide em pelo menos dois extremos (moderado e extremado), e cada qual tenta assumir para si o centro, declarando-se os verdadeiros calvinistas, embora o conceito de hipercalvinismo em si mesmo se difira do calvinismo moderado mais em aspectos prticos do que em tericos, pois seguem as consequencias lgicas de sua prpria tese o que seria, como entendem tambm os calvinistas moderados, o extermnio do evangelismo e dos princpios bblicos mais bsicos.

O debate entre calvinismo e arminianismo continua. Ambas so doutrinas da salvao possveis, mas apenas uma delas pode estar certa. Calvinistas e arminianos so cristos, mas apenas um deles honra a Bblia no sentido completo em termos soteriolgicos. E isso, como veremos mais adiante, pode interferir em nossa prpria vida com Deus, na necessidade de orao, de pregao, de evangelizao, e em como vemos a Deus se como um tirano ou como o Salvador do mundo.

Convido o leitor a prosseguir a leitura, onde, a partir de agora, os argumentos calvinistas sero analisados e refutados pela razo e pela Escritura, a fim de estarmos mais certos sobre quem est com a razo calvinismo ou arminianismo?

CAP.2 DETERMINISMO E INDETERMINISMONo apenas Seu olho onisciente viu Ado comendo do fruto proibido, mas Ele decretou antecipadamente que ele devia comer (ARTHUR W. PINK, calvinista)

Introduo ao CaptuloCerta vez um calvinista entrou em um site arminiano postando crticas a um determinado artigo que tratava sobre o calvinismo, com um texto repleto de ataques pessoais e fundamentalmente ensinando que Deus o autor do pecado. Alguns posts dele foram apagados, ele reclamou e recebeu como resposta:

Seus ltimos posts foram eleitos para a danao. Do que se queixa ainda? No sabes que o autor do blog soberano para isso? Mas saiba que a eleio foi condicional; condicional ao argumentum ad hominem

De fato, para os calvinistas, tudo o que acontece neste mundo foi determinado de antemo por Deus at mesmo os posts do calvinista que foram deletados. Como Clark Pinnock observa, at mesmo meus argumentos contra a predestinao estavam predestinados!

De acordo com a Stanford Encyclopedia of Philosophy, determinismo todo evento se torna necessrio por eventos e condies antecedentes. Embora ele no seja expressamente um dos cinco pontos da TULIP calvinista, ele a base de todo o calvinismo, que d fundamento para todos os outros pontos. No sem razo que Calvino, antes de pregar qualquer coisa sobre eleio, predestinao, expiao ou graa irresistvel, fez questo de dedicar vrios captulos de seu primeiro volume das Institutas para pregar o determinismo. Sem o determinismo, no h calvinismo.

W. E. Best resume a viso calvinista do determinismo nas seguintes palavras:

Os decretos de Deus podem ser considerados como um nico decreto complexo que inclui todas as coisas. A extenso do decreto de Deus cobre tudo antes do tempo, durante o tempo e depois do tempo. imutvel. No h nenhuma mudana no propsito divino. Nenhuma ao nova jamais entrar na mente divina. Alm disso, no haver nenhuma reverso do plano divino

Contra a viso determinista do calvinista, onde Deus determina tudo o que acontece, o arminiano cr no indeterminismo, que, diferente do que alguns pensam, no significa que Deus no determina nada, e sim que nem tudo foi predestinado previamente. No determinismo, todos os atos so causados por Deus, enquanto no indeterminismo os atos que no so determinados por Deus so autocausados, ou seja, causados pelo prprio indivduo, e no por algum agente externo ele.

Iremos comear abordando o determinismo nas palavras do prprio Calvino, para, em seguida, expormos algumas razes pelas quais tal conceito biblicamente e logicamente invivel. O determinismo exaustivo de Calvino verdade que o termo determinismo exaustivo redundante, pois todo determinismo exaustivo, mas uso esse termo para expressar melhor o sentido calvinista de que nada, nenhum evento, nenhum pensamento, nenhum acontecimento escapa do determinismo divino por isso um determinismo exaustivo. Para os calvinistas, Deus decretou desde antes da fundao do mundo todos os acontecimentos que iriam ocorrer. Ele no apenas sabia pela prescincia o que ocorreria em funo de atos livres, mas determinou tudo o que aconteceria.

Mas deixemos que o prprio Calvino explique o que ele tinha a nos dizer sobre isso:

Assim se deve entender que todas e quaisquer eventuaes que se percebem no mundo provm da operao secreta da mo de Deus

Por isso, pois, ele tido por onipotente, no porque de fato possa agir, contudo s vezes cesse e permanea inativo; ou, por um impulso geral de continuidade ao curso da natureza que prefixou, mas porque, governando cu e terra por sua providncia, a tudo regula de tal modo que nada ocorra seno por sua determinao

J que estamos debaixo de sua mo, nada sofremos seno pela ordenao e mandado de Deus. Pois, se o governo de Deus assim se estende a todas as suas obras, pueril cavilao limit-lo ao influxo da natureza

Mas para que tudo ocorra de acordo com o decreto divino previamente estabelecido, necessrio intervir diretamente na vontade e nos pensamentos do homem, pois no calvinismo o homem s age de acordo com aquilo que deseja agir:E a este ponto se estende a fora da divina providncia, no somente que sucedam as eventuaes das coisas como haja previsto ser conveniente, mas tambm que ao mesmo se incline a vontade dos homens. Verdade que, se atentamos para a direo das coisas externas segundo nosso modo de ver, at este ponto nada haveremos de duvidar que esto situadas sob o arbtrio humano. Se, porm, damos ouvidos a tantos testemunhos que proclamam que tambm nestas coisas externas o Senhor rege a mente dos homens, somos compelidos a sujeitar o prprio arbtrio ao impulso especial de Deus

Como vemos, para Calvino a prpria vontade do homem, embora parea estar no arbtrio dos homens, na verdade governada por Deus, que rege a mente dos homens. Deus que nos impulsiona e nos inclina a vontade para que os eventos que Ele determinou desde a eternidade venham a acontecer. Isso parece lgico, j que para garantir que os eventos ocorram necessrio agir na inteno e na vontade dos homens. Assim, at mesmo as nossas vontades e pensamentos, que pensamos que provm de ns mesmos, na verdade vem de Deus, na concepo de Calvino.

Mas at que ponto vai esse determinismo calvinista? Alguns poderiam pensar que eu exagero quando digo que os prprios argumentos contra o determinismo j estavam determinados, ou que se uma folha da rvore cair no cho porque Deus determinou isso por um decreto eterno antes da fundao do mundo. Mas era exatamente assim que Calvino cria. Ele no pensava que Deus determinava algumas coisas, ou apenas as aes dos homens, mas tudo, desde os pensamentos at as coisas inanimadas:

De tudo constitumos a Deus rbitro e moderador, o qual, por sua sabedoria, decretou desde a extrema eternidade o que haveria de fazer, e agora, por seu poder, executa o que decretou. Da, afirmamos que no s o cu e a terra, e as criaturas inanimadas, so de tal modo governados por sua providncia, mas at os desgnios e intenes dos homens, so por ela retilineamente conduzidos meta destinada

As coisas inanimadas so, portanto, nada mais seno instrumentos nas mos de Deus, sem nenhuma ao ou movimento aleatrio, mas tudo decretado:

Portanto, quem quiser guardar-se desta infidelidade, tenha sempre em lembrana que no h nas criaturas nem poder, nem ao, nem movimento aleatrios; ao contrrio, so de tal modo governados pelo conselho secreto de Deus, que nada acontece seno o que ele, consciente e deliberadamente, o tenha decretado

E quanto s coisas inanimadas, por certo assim se deve pensar: embora a cada uma, individualmente, lhe seja por natureza infundida sua propriedade especfica, entretanto no exercem sua fora seno at onde so dirigidas pela mo sempre presente de Deus. Portanto, nada mais so do que instrumentos aos quais Deus instila continuamente quanto quer de eficincia e inclina e dirige para esta ou aquela ao, conforme seu arbtrio

Este determinismo exaustivo se v at nas gotas de chuva, pois, para ele, no cai sequer uma nica gota de chuva a no ser pela explcita determinao de Deus:Se acolhemos essas razes, certo que no cai sequer uma gota de chuva, a no ser pela explcita determinao de Deus

At mesmo algo imaterial, como o vento, jamais surge ou desencadeia a no ser quando Deus explicitamente determina:Concluo que vento algum jamais surge ou se desencadeia a no ser por determinao especial de Deus

O prprio vo das aves determinado por Deus:

Por certo que at o vo das aves governado pelo determinado conselho de Deus

Estes e outros exemplos semelhantes nos mostram que Calvino no abria excees para o determinismo divino. Para ele, tudo, tudo mesmo, incluindo pensamentos humanos e coisas inanimadas, foi tudo determinado por Deus por Seu decreto antes da fundao do mundo, de modo que nada acontece, a no ser por sua determinao, uma vez que no h nada mais absurdo do que alguma coisa acontecer sem que Deus o ordene.

Desta forma, se Roberto Baggio chutou para fora o pnalti que deu o ttulo mundial ao Brasil na Copa de 94, a causa primeira disso no foi porque ele pegou muito embaixo na bola, nem porque lhe faltou treinamento em cobrana de pnaltis, ou por estar nervoso e sentindo a presso da torcida. A causa primeira foi porque Deus determinou antes da fundao do mundo que ele perderia o pnalti, e no havia nada que ele pudesse fazer naquele momento para no errar. Se Baggio pudesse voltar ao tempo e cobrar o pnalti de novo por mil vezes, ele erraria mil vezes, pois Deus determinou que ele erraria.

Toda a nossa vida, incluindo tudo aquilo que pensamos que acontece por nossas prprias atitudes e livre-arbtrio, na verdade como um