São Paulo, 3 e 4 de outubro de 2013
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
O OBSERVATÓRIO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
São Paulo, 3 e 4 de outubro de 2013
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Sumário
Tema 1| TribuTos e encargos sobre a eleTricidade: eficiência econômica e social
andressa guimaraes Torquato A Inconstitucionalidade da Incidência do Icms na Tarifa Social de Energia Elétrica: uma Análise com Base na Regra-Matriz de Incidência.................................................................................... 3
Camila Figueiredo Bomfim Lopes Regulação e Credibilidade: o Caso do Reajuste das Tarifas de Energia Elétrica ................................................................................................. 15
Francisco Annuati Neto e Claudio Ribeiro de Lucinda Demanda e Preços Não-Lineares: uma Análise Empírica do Consumo Brasileiro de Energia Elétrica Industrial ............................................................... 29
Tema 2| energia, comunidades locais e povos Tradicionais: parTicipação e inclusão
Caroline Medeiros Rocha e Fabricio Dorado Soler A Variável Indígena no Procedimento de Licenciamento Ambiental de Hidrelétricas ...................................................................................................... 51
Daniela Garcia Giacobbo O Setor Elétrico, as Comunidades Locais e os Povos Tradicionais: Possibilidade de Resolução Consensual dos Conflitos Socioambientais .................................................................................................. 65
maria alice doria e leonardo freire A Exploração de Aproveitamentos Hidrelétricos: Propostas de Regulamentação da Participação das Comunidades Indígenas Afetadas à Luz do Princípio FPIC. ...................................................... 79
Roberta Danelon Leonhardt, Daniela Stump e Carolina de Almeida Castelo Branco Status of The Free, Prior and Informed Consent (“FPIC”) In Private Sectors and Under Brazilian Law ................................................................ 93
Tema 3| expansão da oferTa de energia: planejamenTo e leilões
donato da silva filho, dorel soares ramos, ewerton guarnier, rafael Holanda moura Tarifação Dinâmica para o Mercado Regulado ....................................................................... 104
fernando marques do valle e ricardo brant pinheiro A Energia Nuclear como Alternativa Para o Planejamento Energético Nacional ........................................................................................ 117
3www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO ICMS NA TARIFA SOCIAL DE ENERGIA ELÉTRICA: UMA ANÁLISE COM BASE NA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA Andressa Torquato
RESUMO
O presente estudo tem por finalidade analisar a incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) na Tarifa Social de Energia Elétrica, e uma possível violação ao princípio da capacidade
contributiva em decorrência disso. Referida tarifa, criada pela Lei n. 10.438/2002, beneficia o consumidor
residencial, legalmente classificado como baixa renda, com descontos incidentes sobre a tarifa plena cobrada dos
demais consumidores residenciais. Tal medida constitui-‐se num importante instrumento para a implementação
de uma política pública de universalização do fornecimento de energia elétrica, assegurando à população de baixa
renda a continuidade da prestação desse serviço, por meio da cobrança de uma tarifa compatível com a sua
disponibilidade financeira.
No entanto, de acordo com o Convênio ICMS n. 79/2004, nas operações de venda de energia elétrica a um
beneficiário da tarifa social, a base de cálculo do ICMS deverá ser o valor da energia consumida sem o desconto
previsto na Lei, isto é, incidirá sobre a tarifa plena cobrada dos demais consumidores residenciais.
Essa situação causa perplexidade e será analisada adiante à luz da teoria da regra-‐matriz de incidência, de modo a
verificar se há violação ao princípio da capacidade contributiva.
PALAVRAS-‐CHAVE: Tarifa Social de Energia Elétrica, ICMS, capacidade contributiva.
4www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
1 INTRODUÇÃO
A Tarifa Social de Energia Elétrica, instituída pela Lei 10.438 de 26 de abril de 2002, é fruto de uma política pública do governo federal que visa à universalização do uso da energia elétrica, tendo por base a concessão, para a população de baixa renda, de descontos incidentes na tarifa plena cobrada pelas empresas distribuidoras da classe de consumidores residenciais.
Ocorre que no período em que foi instituída a Tarifa Social de Energia Elétrica pelo governo federal, estavam em pleno vigor os contratos de concessão para a prestação de serviço de distribuição de energia elétrica, firmados anteriormente com as empresas concessionárias. Essa mudança unilateral da política tarifária, por parte do poder concedente, alterou o equilíbrio econômico-‐financeiro dos contratos, acarretando prejuízos para as empresas concessionárias. Diante disso, foi criado um mecanismo de indenização para essas empresas, destinado a restabelecer o equilíbrio do contrato, consistente no pagamento de uma compensação equivalente às perdas sofridas.
A despeito desse pagamento realizado pelo governo federal às empresas concessionárias consistir em uma indenização que toma por base o valor global das perdas no faturamento – de modo que se o faturamento aumentar, ou permanecer o mesmo, não há que se falar em tal pagamento -‐ os Estados vêm considerando-‐os como subvenções econômicas pagas pela União às empresas distribuidoras de energia elétrica, com o intuito de cobrir as diferenças entre o preço de mercado e o preço de revenda.
Como será visto, tal posicionamento justificaria que nas operações de venda de energia elétrica a um beneficiário da tarifa social, os Estados adotem, como base de cálculo do ICMS, o valor da energia consumida sem o desconto previsto na Lei, isto é, sobre a tarifa plena cobrada dos demais consumidores residenciais.
Para tanto, discorreremos sobre a regra-‐matriz de incidência e sua aplicação no ICMS, a incidência deste tributo especificamente sobre as operações de fornecimento de energia elétrica, a legislação que trata da Tarifa Social de Energia Elétrica, a incidência do ICMS nesta, para, ao fim, sermos capazes de concluir se a norma que autoriza a cobrança de ICMS sobre a Tarifa Social de Energia Elétrica é inconstitucional, por afronta ao princípio da capacidade contributiva. 2 MÉTODO DE ANÁLISE: A REGRA-‐ MATRIZ DE INCIDÊNCIA
Segundo Paulo de Barros Carvalho, ao se analisar as normas jurídicas tributárias, é possível verificar
uma repetição dos elementos que as compõem, identificando-‐se, com isso, uma regra-‐padrão de incidência, ou, o que ele chamou de regra-‐matriz de incidência, aplicando-‐a, pois, como um sistema de referência, um esquema lógico-‐semântico que auxilia o aplicador do direito na construção de sentido de qualquer norma jurídica.1
Ao definir a regra-‐matriz de incidência, Aurora Tomazini de Carvalho, seguindo os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, assevera que: “chamamos de regra-‐matriz de incidência as normas padrões de incidência, aquelas produzidas para serem aplicadas em casos concretos, que se inscrevem entre as regras gerais e abstratas, podendo ser de ordem tributária, previdenciária, penal, administrativa, [...] dependendo das situações objetivas para as quais seu vetor semântico aponta” (2009, p. 361-‐362).
Acerca da função operativa e prática da regra-‐matriz de incidência para o operador do direito, especificamente para o campo do direito tributário, Paulo de Barros Carvalho ensina que:
A esquematização formal da regra-‐matriz de incidência tem-‐se mostrado um utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-‐a e analisando-‐a de maneira minuciosa (2010a, p. 381).
1 A expressão norma jurídica é aplicada no presente trabalho, de acordo com as lições de Paulo de Barros Carvalho, como “a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-‐se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos” (2010a, p. 8).
5www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Adentrando nos componentes das normas gerais e abstratas, destinadas a regular condutas, observa-‐se que em todas elas são encontrados os seguintes elementos: uma hipótese, que descreve um acontecimento passível de ocorrência no mundo fático, e um conseqüente, que prescreve a instauração de uma relação jurídica quando verificado, no caso concreto, a ocorrência do evento descrito abstratamente no antecedente da norma.
Na hipótese verifica-‐se, portanto, a descrição de uma conduta, que se dá num determinado ponto do espaço e do tempo. Ao núcleo dessa conduta, consistente num verbo de ação ou de estado, que expressa um proceder humano, chamou-‐se de critério material da regra-‐matriz de incidência.
O segundo critério componente da hipótese é o espacial, responsável por informar o local onde o evento, a ser provido à categoria de fato jurídico, deve ocorrer. Por último, tem-‐se o critério temporal, no qual estão contidas as informações capazes de identificar o momento em que deve ocorrer o evento, para que este possa ser convertido em fato jurídico, dando, por conseguinte, origem a uma relação jurídica.
No que tange aos critérios componentes do conseqüente da norma jurídica, encontram-‐se os seguintes: um critério pessoal e um critério prestacional. Naquele, são identificados os sujeitos ativo e passivo da relação obrigacional, enquanto neste, tido como o núcleo do conseqüente, está delimitado o objeto da prestação a ser executada pelo sujeito passivo em benefício do sujeito ativo.
3 O ICMS NAS OPERAÇÕES DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA
3.1 A regra-‐matriz de incidência do ICMS nas operações de comercialização de energia elétrica
A especificidade dada pelo constituinte à incidência do ICMS nas operações de comercialização de
energia elétrica é expressiva de tal forma que temos uma regra-‐matriz de incidência específica para essa mercadoria.
Roque Antonio Carrazza, ao analisar o ICMS na Constituição, ensina que este tributo alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber:
a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes, porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes. Há, pois, pelo menos cinco núcleos distintos de incidência do ICMS.
Passemos, pois, a analisar os critérios da regra-‐matriz de incidência para o ICMS sobre o consumo de
energia elétrica.
3.1.1 Critérios da hipótese
Uma interpretação sistemática do artigo 155, §§ 2º, X, “b”, e 3º, da Constituição Federal2, e dos artigos 2º, § 1º, III; 3º, III; 4º, parágrafo único, IV; 6º, § 1º; 9º, § 1º, I e II; 11, I, “g”; e 12, XII, todos da Lei Complementar
2 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II -‐ operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] X -‐ não incidirá: [...] b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; [...]
6www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
87/96, nos leva à seguinte conclusão acerca da estrutura da regra-‐matriz de incidência do ICMS sobre o consumo de energia elétrica:
Hipótese: consumir energia elétrica nos limites de um Estado da federação ou do Distrito
Federal, reputando-‐se ocorrido tal evento no momento de sua saída da empresa distribuidora para ser consumida.
3.1.1.1 Critério material
A ação que se constitui no núcleo do critério material é o verbo consumir, cujo complemento é
“energia elétrica”. Tal conclusão é obtida mediante uma interpretação sistemática de um conjunto de enunciados prescritivos que, articulados, dão origem à norma jurídica ora em comento. Vejamos, pois, quais são eles.
A Constituição Federal em seu artigo 155, § 3º, refere-‐se genericamente à expressão “operações de energia elétrica”, sem identificar, contudo, a qual verbo ela estaria servindo de complemento, isto é, qual a ação passível de ser tributada pelo ICMS.
Como afirmamos acima, a energia elétrica não é encontrada livremente na natureza, sendo obtida após um processo de transformação da energia primária em secundária.
Desde o momento em que ela é gerada, até chegar ao consumidor final, é necessária a realização de uma série de atividades, que, em conjunto, denominou-‐se “atividades de exploração de serviços e instalações de energia elétrica”. O Decreto nº 2.655/98, que regulamentou o Mercado Atacadista de Energia Elétrica, dispôs em seu artigo 1º que: “a exploração dos serviços e instalações de energia elétrica compreende as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização, as quais serão desenvolvidas na conformidade da legislação específica e do disposto neste regulamento”.
Destaque-‐se que no que tange às operações interestaduais de exploração de energia elétrica, é proibido expressamente pela CF a incidência do ICMS sobre a energia elétrica quando esta for destinada à industrialização ou à comercialização.
Dessa forma, no sentido do exposto por Roque Antonio Carrazza, tem-‐se que para efeito de incidência do ICMS, o sujeito ativo poderia optar por tributar uma, duas, ou todas as atividades acima referidas, desde que obedecido o princípio da não-‐cumulatividade e a exceção constitucional.
A Lei Complementar n. 87/96, em relação às operações interestaduais de exploração de energia elétrica, elegeu como contribuinte do ICMS a pessoa física ou jurídica que adquira energia elétrica oriunda de outro Estado, quando não destinada à comercialização ou à industrialização; isto é, será contribuinte do tributo o consumidor final, seja ele pessoa física ou jurídica (art. 4º, IV).
Entenda-‐se por consumidor final, nos termos da Convenção de Comercialização de Energia Elétrica -‐ CCEE, anexa à Resolução Normativa n. 109 da Aneel, de 26 de outubro de 2004, “a pessoa física ou jurídica, responsável por unidade consumidora ou por conjunto de unidades consumidoras reunidas por comunhão de fato ou de direito, legalmente representada, e que, concomitantemente, estejam localizadas em áreas contíguas, possam ser atendidas por meio de um único ponto de entrega e cuja medição seja, também única”.
Em se tratando de operações de exploração de energia elétrica realizadas exclusivamente dentro de um único Estado, cabe a este eleger a atividade que consistirá no núcleo do critério material da hipótese de incidência do imposto. No entanto, mesmo que um Estado optasse por tributar uma outra atividade, que não o consumo, é importante destacar que devido à geração de energia elétrica ser concentrada em grandes usinas hidrelétricas, localizadas em pontos específicos do território nacional, a grande maioria das operações caracteriza-‐se por ser interestadual.
Desse modo, tomamos por base no presente estudo a regra-‐matriz de incidência do ICMS sobre energia elétrica em que se verificam operações interestaduais na cadeia de exploração, ou, mesmo quando isso não ocorra, a legislação estadual que eleja como critério material da hipótese de incidência desse imposto a ação
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País;
7www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
de alguém consumir energia elétrica. Com isso, teremos em ambos os casos o critério material da hipótese de incidência do ICMS sobre energia elétrica sendo composto pelo verbo “consumir”, e, pelo complemento, “energia elétrica”.
3.1.1.2 Critério espacial
O critério espacial do antecedente da norma de incidência vem delineado no artigo 11 da chamada Lei Kandir, segundo a qual:
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I -‐ tratando-‐se de mercadoria ou bem: [...] g) o do Estado onde estiver localizado o adquirente, inclusive consumidor final, nas operações interestaduais com energia elétrica e petróleo, lubrificantes e combustíveis dele derivados, quando não destinados à industrialização ou à comercialização;
Diante do exposto, tem-‐se que o local onde deverá ser praticado o evento para fins de instauração, em
concreto, da relação jurídica tributária prevista genericamente no conseqüente da norma, será o Estado onde a energia elétrica for consumida.
3.1.1.3 Critério temporal
O critério temporal da hipótese da norma de incidência do ICMS é, conforme determina o artigo 34, §
9º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias3, o momento da saída da energia elétrica do estabelecimento da empresa distribuidora.
No entanto, devido à impossibilidade de armazenamento desse bem4, deve-‐se levar em consideração o momento da saída como ato-‐contínuo ao do seu efetivo consumo.
Da mesma forma entende Roque Antonio Carrazza, ao afirmar que:
Com isto estamos enfatizando que tal tributação, em face das peculiaridades que cercam o fornecimento de energia elétrica, só é juridicamente possível no momento em que a energia elétrica, por força de relação contratual, sai do estabelecimento do fornecedor, sendo consumida.
Assim, tem-‐se como critério temporal da hipótese, o momento em que a energia é efetivamente
utilizada pelo consumidor final. 3.1.2 Critérios do conseqüente
Diante do exposto, podemos concluir que o conseqüente da norma jurídica de incidência do ICMS está
assim delineada:
3 § 9º -‐ Até que lei complementar disponha sobre a matéria, as empresas distribuidoras de energia elétrica, na condição de contribuintes ou de substitutos tributários, serão as responsáveis, por ocasião da saída do produto de seus estabelecimentos, ainda que destinado a outra unidade da Federação, pelo pagamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias incidente sobre energia elétrica, desde a produção ou importação até a última operação, calculado o imposto sobre o preço então praticado na operação final e assegurado seu recolhimento ao Estado ou ao Distrito Federal, conforme o local onde deva ocorrer essa operação. 4 A energia, enquanto presente na natureza na sua forma bruta, permite o seu armazenamento, admitindo uma futura conversão em energia secundária, no entanto, esta não pode ser armazenada, devendo ser utilizada ou conduzida de imediato. Sendo este, o caso da energia elétrica (ANDRADE; LEMOS, 2010).
8www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Conseqüente: aquele que consumiu energia elétrica deve pagar à Fazenda Estadual o valor
resultante da incidência da alíquota prevista na legislação estadual sobre o valor da operação, isto é, sobre a sua base de cálculo.
3.1.2.1 Critério pessoal
Na averiguação sobre o critério pessoal do conseqüente da norma jurídica de incidência, verificamos,
como tratado acima, um sujeito passivo e um sujeito ativo da obrigação tributária. O sujeito passivo, conforme exposto acima, é o consumidor de energia elétrica. Ele é o contribuinte de
fato e de direito da obrigação de pagar determinada quantia. No caso comercialização de energia elétrica com o consumidor final, há, para as empresas
distribuidoras ou geradoras que comercializem esse bem com o consumidor final, seja ele pessoa física ou jurídica, o dever de atuar como substituto tributário do imposto. Isso quer dizer que será dessas empresas a obrigação de recolher o tributo junto à Fazenda do Estado em que ocorrer o consumo, assegurado o direito ao ressarcimento dos valores pagos.
Vale esclarecer que as únicas empresas que atuam na cadeia de exploração de energia elétrica habilitadas a comercializar esse bem com o consumidor final, e, portanto, atuarem como substitutas tributárias, são as empresas de distribuição e geração de energia elétrica. Esta regra esta disposta no artigo 10 do Decreto 2.65/1998, que atribui às empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas, a gerar ou distribuir energia elétrica, a responsabilidade para a correspondente comercialização.
Como as empresas geradoras só podem fornecer energia elétrica para consumidores específicos, listados de forma exaustiva no Decreto mencionado5, tem-‐se que a responsável pela comercialização da energia elétrica com o consumidor residencial final será sempre a empresa distribuidora6.
Por sua vez, o sujeito ativo da obrigação será o Estado onde ocorreu o consumo da energia. Note-‐se que nesse caso há uma exceção à regra do ICMS sobre as mercadorias em geral, segundo a qual, tem-‐se por praticado o evento ensejador da relação jurídica tributária no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, sendo a mercadoria tributada, portanto, no Estado de origem, e, não do destino, como ocorre no caso excepcional da energia elétrica, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos. 3.1.2.2 Critério quantitativo
O critério quantitativo, de acordo com o exposto acima, é composto pela base de cálculo, a qual
equivale ao valor da mercadoria cuja titularidade foi transferida, e pela alíquota, variando esta conforme previsão da legislação estadual.
Acerca da base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica, Roque Antonio Carrazza, explica que:
A base de cálculo possível do ICMS incidente sobre energia elétrica é o valor da operação da qual decorra a entrega desta mercadoria (a energia elétrica) ao consumidor. Noutro giro, é o preço da energia elétrica efetivamente consumida, vale dizer, o valor da operação da qual
5 Art 4º A atividade de geração de energia elétrica, será exercida mediante concessão ou autorização e a energia produzida será destinada: I -‐ ao atendimento do serviço público de distribuição; II -‐ à comercialização livre, assim considerada aquela contratada com os consumidores a que se referem os artigos 12, 15 e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, ou com os concessionários, permissionários e autorizados; III -‐ ao consumo exclusivo em instalações industriais ou comerciais do gerador, admitida a comercialização, eventual e temporária, dos excedentes, mediante autorização da ANEEL. 6 Segundo a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica -‐ CCEE, anexa à Resolução Normativa n. 109 da Aneel, de 26 de outubro de 2004, agente distribuidor é o “titular de concessão, permissão ou autorização de serviços e instalações de distribuição para fornecer energia elétrica a consumidor final exclusivamente de forma regulada.
9www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
decorra a entrega desta mercadoria ao consumidor final. Isto corresponde, na dicção do art. 34, § 9º, do ADCT, ao preço então praticado na operação final.
Há, no entanto, uma gama significativa de divergências entre doutrina e jurisprudência envolvendo a
composição do valor da base de cálculo deste tributo. Adiante, abordaremos a questão da inclusão das subvenções econômicas pagas pela União às empresas distribuidoras de energia elétrica em razão dos prejuízos que lhes foram causados com a criação da Tarifa Social de Energia Elétrica, na base de cálculo desse imposto.
4 A TARIFA SOCIAL DE ENERGIA ELÉTRICA 4.1 A Tarifa Social de Energia Elétrica no Direito Brasileiro
A Tarifa Social de Energia Elétrica, instituída pela Lei 10.438 de 26 de abril de 2002, é fruto de uma política pública do governo federal que visa à universalização do uso da energia elétrica, tendo por base a concessão, para a população de baixa renda, de descontos incidentes na tarifa plena cobrada pelas empresas distribuidoras da classe de consumidores residenciais.
Com a implementação da Tarifa Social de Energia Elétrica, a classe de consumo residencial foi desmembrada em duas: a residencial baixa renda e a residencial.
A Lei nº 12.212, de 20 de janeiro de 2010, alterou algumas disposições da Lei 10.438/2002, criando novos critérios para a classificação do consumidor residencial como baixa renda, bem como organizou as faixas de descontos da tarifa social.
De acordo com os critérios eleitos pela nova legislação para o enquadramento do consumidor de energia elétrica na subclasse residencial baixa renda, é necessário que a família que habite a unidade consumidora esteja inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, bem como o limite da renda familiar per capita deve ser menor ou igual a meio salário mínimo nacional (art. 2º, I).
A legislação beneficiou também as unidades consumidoras nas quais habite portadores de deficiência e idosos que sejam beneficiários de prestação continuada da assistência social, nos termos dos arts. 20 e 21 da Lei nº 8.742/95. (art. 2º II)7.
No que tange às faixas de consumo, passíveis de incidência do desconto, o artigo 1º da Lei em comento estabeleceu o seguinte:
Art. 1o A Tarifa Social de Energia Elétrica, Lei 10.438, de 26 de abril de 2002, para os consumidores enquadrados na Subclasse Residencial Baixa Renda, caracterizada por descontos incidentes sobre a tarifa aplicável à classe residencial das distribuidoras de energia elétrica, será calculada de modo cumulativo, conforme indicado a seguir: I -‐ para a parcela do consumo de energia elétrica inferior ou igual a 30 (trinta) kWh/mês, o desconto será de 65% (sessenta e cinco por cento); II -‐ para a parcela do consumo compreendida entre 31 (trinta e um) kWh/mês e 100 (cem) kWh/mês, o desconto será de 40% (quarenta por cento); III -‐ para a parcela do consumo compreendida entre 101 (cento e um) kWh/mês e 220 (duzentos e vinte) kWh/mês, o desconto será de 10% (dez por cento); IV -‐ para a parcela do consumo superior a 220 (duzentos e vinte) kWh/mês, não haverá desconto.
7 Além dos critérios citados, o art. 2º, § 1º, da referida norma, assegura que, excepcionalmente, será também beneficiada com a Tarifa Social de Energia Elétrica a unidade consumidora habitada por família inscrita no CadÚnico e com renda mensal de até 3 (três) salários mínimos, que tenha entre seus membros portador de doença ou patologia cujo tratamento ou procedimento médico pertinente requeira o uso continuado de aparelhos, equipamentos ou instrumentos que, para o seu funcionamento, demandem consumo de energia elétrica, nos termos do regulamento.
10www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Além disso, há uma faixa de desconto especial para as famílias indígenas e quilombolas que atendam ao disposto nos incisos I ou II do artigo 2º, que terão direito a um desconto de 100% (cem por cento) até o limite de consumo de 50 kWh/mês (art. 2º, § 4º).
4.3 A subvenção econômica destinada a cobrir os custos das empresas concessionárias com a criação da Tarifa Social de Energia Elétrica e os mecanismos para o seu financiamento
Para evitar que essa nova tarifa causasse prejuízos para as empresas concessionárias, o artigo 13 da Lei
nº 10.438/2002 impôs à União a criação da Conta de Desenvolvimento Energético, que, entre outras finalidades, destina-‐se a conceder subvenção econômica para as empresas distribuidoras de energia elétrica, em face dos prejuízos gerados pela criação da Tarifa Social de Energia Elétrica, de modo a restabelecer o equilíbrio econômico-‐financeiro dos contratos de concessão anteriormente firmados.
A Lei n. 4.320/1964, que institui normas gerais de direito financeiro para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, estabeleceu no seu artigo 12, § 3º, II, que:
Art. 12. A despesa será classificada nas seguintes categorias econômicas: [...] § 3º Consideram-‐se subvenções, para efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-‐se como: [...] II – subvenções econômicas, as que se destinem a empesas públicas ou privadas de caráter industrial, agrícola ou pastoril.
As subvenções econômicas são, portanto, transferências de recursos do setor público, para o setor
privado, a fim de atender às finalidades expostas no artigo 18 dessa mesma Lei, quais sejam: a) cobrir diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda, pelo Governo, de gêneros alimentícios ou outros materiais; e, b) realizar o pagamento de bonificações a produtores de determinados gêneros ou materiais.
Diante do exposto em tais dispositivos, poderia se pensar, numa análise apressada, que as subvenções econômica pagas pela União, por meio dos recursos alocados na Conta de Desenvolvimento Energético, para as empresas distribuidoras de energia elétrica, são subvenções econômicas destinadas a cobrir as diferenças entre o preço de mercado e o preço de revenda. No entanto, como será visto, a finalidade das subvenções concedidas no caso em análise merece interpretação mais apurada, em conjunto com outras normas que compõem o sistema jurídico, para que se possa chegar a uma conclusão segura.
Na verdade, os recursos que a União transfere para as empresas distribuidoras de energia elétrica, a título de subvenção econômica, não equivalem exatamente à diferença entre o preço praticado no mercado e o preço de revenda.
Veja-‐se que de acordo com o Decreto n. 4.538/2002, art. 1º, § 2º:
o montante da subvenção corresponderá à diferença, se positiva, entre o faturamento que decorreria da aplicação dos critérios vigentes, para cada concessionária ou permissionária, na data imediatamente anterior à incidência da Lei no 10.438, de 2002, e aquele verificado em conformidade com os novos critérios estabelecidos pelo art. 1o da mesma Lei. (grifos nossos)
Isto quer dizer que a subvenção a ser paga não guarda qualquer relação direta com o valor do déficit da
tarifa de revenda em relação à tarifa de mercado, mas sim entre o faturamento global da empresa, apurado no período anterior à incidência da Lei no 10.438, de 2002, e posteriormente a ela.
Tanto é que se não for constatada diminuição no faturamento da empresa, não lhe será devida qualquer subvenção por parte do poder público; ou seja, as empresas distribuidoras vão continuar concedendo o desconto sobre a tarifa plena de consumo residencial, para os consumidores da subclasse baixa renda, sem receber qualquer contraprestação do Estado.
11www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Com base nisso, podemos concluir que a subvenção econômica ora abordada não tem a finalidade de cobrir a diferença de preço entre a tarifa a residencial plena e a residencial baixa renda, mas, apenas, indenizar as empresas distribuidoras pelas alterações contratuais realizadas unilateralmente pela União, e que provocaram uma quebra no equilíbrio econômico-‐financeiro do contrato, firmado anteriormente à criação da Tarifa Social de Energia Elétrica. 5 RESULTADOS -‐ A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCLUSÃO DE SUBVENÇÃO ECONÔMICA NA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS INCIDENTE NO CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA PELO CONSUMIDOR BAIXA RENDA: AUSÊNCIA DE RELAÇÃO COM A BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO E AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Roque Antonio Carrazza expõe em sua obra posicionamento firme acerca da inconstitucionalidade da
inclusão da subvenção econômica da Tarifa Social de Energia Elétrica na composição da base de cálculo do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica pela população de baixa renda, aduzindo nos seguintes termos:
Na verdade, não é possível inserir na base de cálculo do ICMS sobre operações com energia elétrica valores que decorrem de relação jurídica diversa, qual seja, os que envolvem a concessionária de serviço público e o Poder concedente, com vistas a assegurar o equilíbrio econômico-‐financeiro do contrato, de que cogita o art. 175, parágrafo único, III (política tarifária), da CF. Isto ensejaria a cobrança de um adicional, que refugiria à competência tributária do Estado-‐membro. (2006, p. 230)
O problema surgiu no direito brasileiro por meio da previsão, no Convênio ICMS n. 79/2004, de
autorização para os Estados nele subscritos, dispensarem, na forma e nas condições da legislação de cada unidade federada, multas e juros relativos ao ICMS devido a partir de 01 de maio de 2002, até 31 de agosto de 2004, nas operações de fornecimento de energia elétrica a consumidores de baixa renda, relativos à parcela de subvenção da tarifa de energia elétrica.
Depreende-‐se do exposto que, ao possibilitar a dispensa de multas e juros relativos ao ICMS nas operações citadas, pelos Estados membros, a norma em questão considerou como integrante da base de cálculo dos valores referentes a tais operações, as subvenções econômicas.
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, em resposta à consulta n. 195/2005, de 27 de janeiro de 2006, formulada sobre o tema, posicionou-‐se no seguinte sentido:
Seguindo esse raciocínio, os valores referentes a seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição, também integram a base de cálculo do ICMS incidente sobre as operações com energia elétrica (Lei Complementar 87/96, art. 13, § 1º, II, "a"; Lei 6.374/89, art. 24, § 1º, item "1", na redação dada pela Lei 10.619/2000, art. 1º, XIII). Destarte, o valor recebido a título dessa Subvenção Econômica deve integrar a base de cálculo do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia elétrica aos consumidores da Subclasse Residencial Baixa Renda, uma vez que representa a parte do preço da energia elétrica a eles fornecida a tarifas reduzidas que não foi repassada aos demais consumidores na forma de subsídio cruzado. Tanto é assim, que a não instituição da referida Subvenção Econômica acarretaria, inevitavelmente, o repasse do respectivo valor às tarifas cobradas dos demais consumidores, às quais se integra o montante do ICMS sobre elas incidente, de forma a restabelecer o equilíbrio econômico-‐financeiro dos contratos de concessão relativos às distribuidoras de energia elétrica envolvidas. (grifos nossos)
Refutando o primeiro argumento exposto pelo fisco estadual, de que as subvenções econômicas
recebidas pelas empresas seriam importâncias pagas que integrariam o valor da base de cálculo do tributo, nos termos do artigo 13 da Lei Complementar 87/96, deve-‐se relembrar que estamos tratando de imposto sobre
12www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
operações mercantis, cuja base de cálculo só pode ser o valor da operação. Neste sentido, nos valemos novamente das lições de Carrazza:
Obviamente, o valor das operações mercantis é, no caso em exame, o realmente praticado entre o fornecedor e o consumidor de energia elétrica. De fato, na base de cálculo do ICMS não devem ser inseridos elementos estranhos, como subvenções do Poder Público, que objetivam, simplesmente, assegurar o equilíbrio econômico-‐financeiro do contrato de concessão de serviço público, mas absolutamente estranhas à relação jurídica entre o concessionário e o consumidor de serviço público em tela. (2006, p. 231)
Além dos pontos defendidos pelo citado autor, cabe-‐nos ressaltar, conforme mencionado
anteriormente, que a subvenção a ser paga não tem qualquer relação direta com o valor da tarifa, sendo, na verdade, uma subvenção econômica de caráter indenizatório, devida em face da quebra do equilíbrio econômico-‐financeiro do contrato de concessão, permissão ou autorização, cujo montante a ser liberado para as empresas distribuidoras guarda relação com o prejuízo global que elas tiveram no seu faturamento, em determinado período de tempo.
Tanto é que se não for constatada diminuição no faturamento da empresa, não lhe será devida qualquer subvenção por parte do poder público; ou seja, as empresas distribuidoras vão continuar concedendo o desconto sobre a tarifa plena de consumo residencial, para os consumidores da subclasse baixa renda, sem receber qualquer contraprestação do Estado, e mesmo assim o valor da tarifa plena continuará sendo considerada para fins de composição da base de cálculo do ICMS sobre a tarifa social!
Além desses argumentos, a inclusão dessa “suposta” subvenção econômica na base de cálculo do ICMS pago pelo consumidor baixa renda é uma ofensa frontal ao princípio da capacidade contributiva.
Luís Eduardo Schoueri nos ensina a diferença entre capacidade contributiva absoluta e relativa. Para o autor, a capacidade contributiva pode ser “(i) um limite ou critério para a graduação da tributação; ou (ii) um parâmetro para a distinção entre situações tributáveis e não tributáveis. No primeiro caso, falar-‐se-‐á em capacidade contributiva relativa ou subjetiva; no último, em capacidade contributiva absoluta ou objetiva” (2011, p. 312). Segundo nos parece, temos no caso em análise uma violação ao princípio da capacidade contributiva absoluta em virtude do legislador ter erigido como base imponível do tributo um valor referente a uma situação (suposto recebimento de subvenção econômica) que em nada expressa demonstração de riqueza, muito pelo contrário, reflete uma ausência de capacidade econômica tão significativa a ponto deste mesmo legislador ter reconhecido a impossibilidade do consumidor de energia elétrica classificado como baixa renda de arcar com o pagamento integral da tarifa.
Ainda no que se refere à capacidade contributiva absoluta, Schoueri aduz que:
A capacidade contributiva absoluta compreende o momento que concerne à delimitação da base imponível, ou seja, a escolha de quais elementos aferidores da economia individual formam a fonte do tributo. Neste sentido objetivo, absoluto, não se indaga se um determinado contribuinte pode, ou não, pagar o tributo; ao contrário, o legislador, em sua função generalizante, visando a concretizar a igualdade, dirá que quem está naquela situação deve poder pagar tributo. A capacidade contributiva objetiva é verdadeira regra do ordenamento, já que proíbe que o legislador preveja hipóteses tributárias que não revelem, objetivamente, capacidade contributiva. (2011, p. 314)
No mesmo sentido, bem ponderou Alcides Jorge Costa, afirmando que “o fato gerador de cada imposto
deve guardar conexão com a capacidade tributária. Impossível criar imposto sobre fato não revelador desta capacidade” (p. 300). No mesmo sentido, Enrico de Mita, ao tratar da ligação entre o pressuposto econômico e o imposto devido, ensina que “o princípio da capacidade contributiva exige, antes de tudo, que haja uma ligação efetiva entre a prestação imposta e o pressuposto econômico considerado. É exclusivamente essa ligação que condiciona a aptidão para a contribuição, a idoneidade para pagar uma soma a título de imposto” (p. 236).
13www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Certamente, não é isso o que ocorre no caso em análise. É cristalino que a base de cálculo sobre a qual se baseia a incidência do ICMS na Tarifa Social de Energia Elétrica, nos moldes preconizados pelo Convênio ICMS n. 79/2004, vai além do valor da operação mercantil realizada entre o consumidor e o fornecedor, abrangendo uma situação fictícia, sem possibilidade de ser tributada, não só porque não guarda qualquer relação com a base de cálculo do tributo, mas também porque não espelha haver qualquer demonstração de capacidade contributiva por parte do contribuinte, ferindo direito fundamental do individuo, de ser tributado nos limites estabelecidos constitucionalmente, bem como contra toda uma política de universalização do uso do serviço público de energia elétrica pela população de baixa renda.
Como se percebe, por todos os ângulos que se analise a questão, a única conclusão a que se pode chegar é a total inconstitucionalidade da base de cálculo do ICMS incidente sobre a Tarifa Social de Energia Elétrica, por albergar no seu cálculo um valor que em nada se enquadra nos componentes da base de cálculo deste tributo e por afronta à capacidade contributiva objetiva.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, concluímos pela inconstitucionalidade do Convênio ICMS 79/2004, que prevê a inclusão, na base de cálculo do ICMS incidente sobre a Tarifa Social de Energia Elétrica, a inclusão dos valores recebidos pelas empresas de distribuição de energia elétrica a título de subvenção econômica, por incluir na base de cálculo valor estranho ao valor da operação mercantil praticada.
A subvenção econômica paga pelo governo federal não guarda qualquer relação com a diferença entre o preço da tarifa residencial plena e a tarifa residencial baixa renda, mas sim com o prejuízo global que a empresa teve em virtude das alterações no equilíbrio econômico-‐financeiro do contrato de concessão, permissão ou autorização.
Além disso, tal imposição é uma afronta ao princípio da capacidade contributiva objetiva, impondo ao consumidor de baixa renda o pagamento de um tributo em virtude de uma situação que em nada demonstra a qualquer riqueza por parte do contribuinte, mas, ao revés, atesta a sua impossibilidade de arcar sequer com o pagamento da tarifa convencional de energia elétrica, situação que além de violar direito fundamental do contribuinte, vai de encontro a toda uma política de universalização do uso do serviço público de energia elétrica pela população de baixa renda. 7 REFERÊNCIAS AES ELETROPAULO. Informações sobre impostos e outros encargos. Disponível em: <http://www.aeseletropaulo.com.br/clientes/informacoes/Paginas/impostoseoutrosencargos.aspx >. Acesso em: 26 de junho de 2010.
ANEEL. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Tarifa Social para o Consumidor de Baixa Renda – Perguntas e Respostas. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/aplicacoes/noticias/Output_Noticias.cfm?Identidade=2097&id_area=90>. Acesso em: 25 de junho de 2010.
ANEEL. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Tarifas Residenciais. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=493&idPerfil=2>. Acesso em: 25 de junho de 2010.
ANDRADE, Maisa Medeiros Pacheco de; LEMOS, Aline Maria da Rocha. O Direito Social Fundamental de Acesso à Energia e sua Relação com o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/brasilia/02_888.pdf>. Acesso em: 19 de junho de 2010.
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.
CALDAS, Geraldo. As concessões de serviços públicos de energia elétrica. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2007.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
14www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-‐semântico. São Paulo: Noeses, 2009.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010a.
___________. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010b.
___________. Direito Tributário Linguagem e Método. 3ª ed. São Paulo: Noeses, 2010c.
COSTA, Alcides Jorge. Capacidade Contributiva. In: Revista de Direito Tributário, ano 15, n. 55, São Paulo, janeiro/março, 1991, p. 297 e ss.
COUTINHO, D. R. Privatização, regulação e o desafio da universalização do serviço público no Brasil. In: FARIA, J. E. (Org.). Regulação, direito e democracia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. p. 67-‐94.
DE MITA, Enrico. O princípio da capacidade contributiva. In: FERRAZ, Roberto (org.), princípios e limites da tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 221 e ss.
DIEESE, DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/bol/esp/estjul98.xml>. Acesso em: 27 de junho de 2010.
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009.
FUGIMOTO, Sérgio Kinya. A Universalização do Serviço de Energia Elétrica Acesso e Uso Contínuo. Dissertação apresentada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Engenharia. São Paulo. 2005.
MACHADO, Hugo de Brito. Direito Tributário – II. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1994.
MACHADO JÚNIOR, J. Teixeira; REIS, Haroldo da Costa. A Lei 4.320 Comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
MINATEL, José Antonio. Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico de sua Tributação. São Paulo: MP Editora, 2005.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. Curso de Direito Financeiro. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
PIRES, Mirian Albert; REIS, Rogério Márcio de Melo; TEIXEIRA, Arilton Carlos Campanharo. Os benefícios da privatização. Disponível em: <http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos62006/283.pdf>. Acesso em: 26 de junho de 2010>.
SANCHES, Luiz Antonio Mano Ugeda. A inclusão social e os desafios contemporâneos do setor elétrico brasileiro. In: Regulação Jurídica do setor elétrico. (org. Elena Landau). Lúmen Júris: 2006.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
15www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tema 1: Tributos e encargos sobre a eletricidade: eficiência econômica e social
REGULAÇÃO E CREDIBILIDADE: O CASO DO REAJUSTE DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA
Camila Figueiredo Bomfim Lopes1
RESUMO
O serviço público de distribuição de energia elétrica é prestado mediante regime de concessão, na
modalidade de remuneração do serviço pelo preço. Compete à Agência Nacional de Energia Elétrica fixar os
valores máximos das tarifas observando as condições contratuais e a legislação do setor. Em 2010, após
identificar que a fórmula do reajuste tarifário anual possibilitava ganhos ou perdas às distribuidoras em
função de variações no mercado, a Agência propôs termo aditivo bilateral aos contratos, assegurando a
“neutralidades dos encargos setoriais”. Instituições governamentais e não governamentais defendem a
ilegalidade dos contratos e a necessidade de ressarcimento dos consumidores. O trabalho analisa o caso
concreto com enfoque na Teoria Política Positiva da Regulação, que agrega fatores políticos, históricos e
sociais à regulação econômica. O objetivo é demonstrar o papel das instituições na solução de problemas
regulatórios.
PALAVRAS-‐CHAVE: Energia Elétrica, Regulação Econômica, Encargos Setoriais e Reajuste Tarifário.
1 Instituição: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) Telefone: (61) 2192-‐8695 E-‐mail: [email protected]
16www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
INTRODUÇÃO
A literatura econômica neoclássica reconhece que na presença das condições de concorrência perfeita, os mercados competitivos determinam a forma mais eficiente de alocação dos recursos na economia, maximizando o bem-‐estar social. O setor de distribuição de energia elétrica possui características que determinam uma estrutura de mercado não competitiva, denominada de Monopólio Natural, com importantes reflexos na formação dos preços e no bem-‐estar social. A regulação econômica é um dos principais mecanismos utilizados para se corrigir falhas de mercado, como os monopólios naturais, internalizando o impacto das imperfeições do mercado na tomada de decisões dos agentes.
A teoria política positiva da regulação mostra que o desempenho da regulação econômica depende basicamente da dotação institucional do país, formada pelas organizações políticas, econômicas e sociais, além das “regras do jogo”, que são os mecanismos formais e informais que determinam a tomada de decisão dos diferentes grupos de interesse nos problemas regulatórios (legislativo, executivo, judiciário, agência reguladora, empresas, consumidores etc.).
Na análise do desempenho da regulação econômica, dois fatores devem ser considerados: os mecanismos de incentivo e a governança regulatória. Os mecanismos de incentivo referem-‐se às regras de formação dos preços -‐ como o custo do serviço ou serviço pelo preço2-‐ que objetivam definir tarifas justas, que sejam atrativas aos investidores e módicas aos consumidores. A governança regulatória consiste nos mecanismos de garantia da credibilidade do processo regulatório, protegendo os investidores das expropriações administrativas e insulando a regulação da captura por grupos de interesses. Os mecanismos de incentivo e a governança regulatória são as duas principais variáveis de escolha dos formuladores de políticas públicas.
Os mecanismos de incentivo dificilmente são aplicáveis na forma como desenhados e, portanto, os resultados da regulação econômica são diferentes daqueles esperados. Isso porque, assumindo a racionalidade dos agentes, na escolha do desenho regulatório, cada grupo de interesse, que possui preferências próprias, irá tentar influenciar o processo regulatório de forma a maximizar a sua utilidade.
Esse conflito de interesses é bastante evidente no processo que culminou com a alteração da fórmula contratual do reajuste anual das tarifas de fornecimento de energia elétrica no Brasil. Em 2010, a partir da identificação de um problema regulatório -‐ a possibilidade de ganhos ou perdas pelas concessionárias de distribuição de energia elétrica, em função da denominada “não neutralidade dos encargos setoriais”, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) defendeu a legalidade das regras vigentes e propôs um termo aditivo bilateral aos contratos de concessão.
Representantes da Câmara dos Deputados, do Tribunal de Contas da União (TCU), do Ministério Público Federal (MPF) e de órgãos de defesa dos consumidores defendem a ilegalidade dos contratos de concessão, bem como dos atos praticados pela ANEEL. Para essas instituições, a alteração dos contratos pode ser feita de forma unilateral pelo Poder Concedente, gerando, inclusive, efeitos retroativos, de forma a compensar os consumidores pelos reajustes processados de acordo com a regra antiga. Com relação ao posicionamento dos Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda (MME/MF), observou-‐se a transferência de responsabilidade à agência reguladora.
Vários trabalhos utilizam a abordagem política positiva para demonstrar o papel das instituições no desempenho da regulação econômica. Um modelo bastante interessante nesse sentido busca capturar o trade-‐off existente entre controle e credibilidade na escolha do desenho regulatório ótimo pelos formuladores de políticas públicas, bem como na solução de problemas regulatórios que envolvem conflitos de interesse. O objetivo deste trabalho é utilizar esse modelo ao caso que culminou com a alteração da fórmula de reajuste adas tarifas de energia elétrica, identificando as preferências dos principais grupos de interesse e o papel do custo de credibilidade nos resultados obtidos.
17www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
O MODELO
A análise desse trabalho é baseada no modelo desenvolvido por MUELLER e PEREIRA (2002), que demonstrar o papel do custo da credibilidade na escolha dos desenhos regulatórios, bem como na solução de problemas regulatórios. Parte-‐se do pressuposto que diferentes desenhos regulatórios levarão a diferentes resultados econômicos, afetando de forma distinta os diversos grupos de interesse da sociedade, que reagirão com apoio ou reprovação política. Dessa forma, o formulador de políticas públicas (Executivo/Legislativo) tem preferências bem definidas com relação aos resultados esperados com a regulação e buscará escolher o desenho regulatório que maximiza o apoio político em relação às suas escolhas.
No modelo, o regulador é considerado um jogador individual cuja preferência é dada, e o formulador de políticas públicas tem a possibilidade de escolher qualquer desenho regulatório, de acordo com as suas preferências. Se não houvesse qualquer restrição com relação às escolhas feitas, o formulador de políticas escolheria o desenho regulatório que representasse exatamente as suas preferências, mas como existe um custo de credibilidade associado às suas escolhas. As preferências dos atores envolvidos são representadas por um ponto num espaço unidimensional, que pode significar, por exemplo, o nível da tarifa do serviço público regulado. A utilidade diminui à medida que o resultado se afasta do ponto ótimo.
Assume-‐se que o desenho regulatório envolve escolhas com relação a três aspectos: (i) as condições para a nomeação dos dirigentes da agência; (ii) a estrutura interna e os procedimentos para a tomada de decisão da agência; e (iii) a política tarifária inicial. Os dois primeiros parâmetros determinam o desenho das agências e devem ser escolhidos simultaneamente. Como as preferências das agências podem não coincidir com as preferências do formulador de política -‐ nessa relação também reside o problema da assimetria da informação – será preciso definir mecanismos de controle sobre as decisões do regulador, para garantir que este implemente a política tarifária escolhida. O modelo considera que a escolha do desenho regulatório ótimo pelo formulador de políticas -‐ as preferências do regulador, o nível de controle sobre este e a política tarifária inicial -‐ depende das restrições de credibilidade e da necessidade de se estabelecer compromissos críveis, que diferem entre países ou setores regulados, conforme a dotação instituição de cada um deles.
Na Figura 1 abaixo, o ponto P representa a preferência do formulador de política, que é considerada uma variável exógena ao modelo, sendo a sua utilidade dada por 𝑈𝑈=−𝛼𝛼𝐴𝐴−𝑃𝑃, onde 𝛼𝛼 é o parâmetro que mede a intensidade da preferência, equivalente à inclinação da curva de utilidade, e o ponto A representa a preferência do regulador. Dessa forma, a utilidade do formulador de política depende da distância entre a preferência do regulador e a sua preferência, bem como da inclinação da curva de utilidade.
Figura 1: A Escolha do Desenho Regulatório
18www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
O ponto T representa o ponto ótimo do mercado, que é aquele que maximiza o bem-‐estar social, alcançando o maior nível de confiança dos investidores. O ponto T seria escolhido pelo formulador de política se o seu único critério de escolha fosse a eficiência da regulação, sem considerar fatores políticos e estratégicos. Mas como os fatores políticos importam, T pode não coincidir com P, e o formulador de política irá escolher um desenho que garanta um ponto A, o mais próximo possível das suas preferências.
Considera-‐se que quando mais afastado o ponto A de P, menor será a utilidade resultante do regulador escolhido, por outro lado, o desvio de A em relação ao ponto eficiente do mercado gera uma perda de credibilidade ao processo regulatório, representado pelo deslocamento da curva de utilidade para baixo. O custo de credibilidade depende do tamanho do desvio em relação ao ponto eficiente e da reputação do formulador de política, sendo dado por 𝐶𝐶=𝜃𝜃𝑇𝑇−𝐴𝐴, onde 𝜃𝜃𝐴𝐴> 0 e 𝜃𝜃𝐴𝐴𝐴𝐴> 0, ou seja, quanto mais afastado o
ponto A de T, maior será o custo de credibilidade associado ao regulador escolhido. Dessa forma, a escolha quanto ao regulador depende do trade-‐off entre o benefício marginal
da aproximação de A da sua preferência P, dado por 𝛼𝛼, e o custo marginal decorrente da perda de
credibilidade em função do afastamento de A do ponto eficiente T, dado por 𝜃𝜃. Como α é constante e θ aumenta mais que proporcionalmente ao aumento da distância entre A e T, a utilidade será maximizada no ponto onde 𝛼𝛼= 𝜃𝜃.
A escolha do regulador A1 resulta em ganho de utilidade para o formulador de política, que passa de “a” para “b”. Isso porque α ainda é maior que θ, ou seja, o aumento da utilidade decorrente da escolha de um regulador mais aderente aos seus interesses é maior que a perda de credibilidade decorrente do afastamento deste em relação ao ponto de eficiência do mercado. A utilidade do formulador de política é maximizada com a escolha do regulador A2, no ponto “c”, onde α é igual a θ, a partir deste ponto, os deslocamentos à esquerda implicarão perda de utilidade, pois θ será maior que α.
No modelo acima, com os parâmetros dados, a escolha ótima do desenho regulatório resultou num ponto entre P e T, mas é possível que a escolha seja um desses próprios pontos, o que dependerá das relações entre os parâmetros α e θ3.
MUELLER e PEREIRA (2002) defendem que no Brasil, mais do que em outros, a principal motivação para a criação das agências reguladoras foi a necessidade de conquistar credibilidade, estabelecendo o compromisso crível de que o governo não interferiria arbitrariamente na economia. Isso porque a conquista da confiança dos investidores era condição necessária para o sucesso das privatizações. Essa necessidade decorreu do histórico de intervenções irresponsáveis do governo na economia, tais como: congelamentos de preços, manipulação de variáveis econômicas, quebra de contratos, desrespeito aos direitos de propriedade, confisco de poupança, mudanças de regras etc. Outro ponto de destaque é que no Brasil a política tarifária inicial, a qual os reguladores estariam vinculados, está estabelecida basicamente nos contratos de concessão, que definem as regras de reajuste e revisão das tarifas, por isso, o respeito aos contratos tem importância fundamental no desempenho da regulação. Todas essas características podem ser identificadas no problema regulatório que será descrito a seguir.
O CASO DO REAJUSTE DAS TARIFAS
O objetivo dessa seção é analisar o processo de alteração da fórmula contratual de reajuste das tarifas de energia elétrica, utilizando o modelo descrito na seção anterior.
3 Para todo : se existe A*, onde -‐ α = θ, então o ponto ótimo será A*; se para cada A*, -‐ α < θ, então o ponto ótimo será A* = T; e se para cada A*, -‐ α > θ, então o ponto ótimo será A* = P.
19www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Nesse evento, as “regras do jogo”, ou seja, os mecanismos de incentivo e os instrumentos de governança regulatória, ou, utilizando a mesma linguagem do modelo de MUELLER e PEREIRA (2002), a política tarifária inicial e o desenho da agência reguladora, já estavam estabelecidos quando da identificação do problema regulatório. Nesse caso, a variável de escolha é a solução para um problema regulatório identificado, o efeito da fórmula contratual do reajuste tarifário, denominado de “não neutralidade dos encargos setoriais”.
Antes de passar para a modelagem do problema, é preciso especificar os atores envolvidos, as suas preferências, as regras do jogo e a sequência das decisões.
Os principais atores envolvidos nesse processo são os consumidores de energia elétrica (representados pelas instituições de defesa do consumidor), as concessionárias de distribuição, a ANEEL, o Executivo (na figura do MME e do MF), o TCU, o Legislativo (na figura de Parlamentares da Câmara dos Deputados), o Ministério Púbico Federal e a Justiça. Entretanto, embora todos esses atores tenham participado ativamente do processo, a análise será focada nas decisões da ANEEL, responsável legal pela gestão dos contratos.
O cálculo das tarifas de energia elétrica segue as seguintes regras:
(i) pelo art. 175 da Constituição Federal da República, incumbe ao Poder Público prestar os serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, na forma da Lei, que disporá sobre a política tarifária, os direitos dos usuários e prestadores de serviço e as condições do serviço adequado; (ii) pelas Leis n. 8.987/95 e 9.427/96, a política tarifária aplicada ao serviço público de distribuição de energia elétrica é o serviço pelo preço, que pressupõe: a prestação do serviço adequado por conta e risco do concessionário; a fixação de tarifas máximas iniciais no contrato de concessão; a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da concessão pelo atendimento das regras contratuais; e a apropriação de ganhos de eficiência e da competitividade, em benefício dos usuários e prestador do serviço; (iii) a regulação do serviço público de distribuição de energia elétrica foi delegada à ANEEL, que tem a competência legal para gerir os contratos de concessão, homologando os reajustes e as revisões das tarifas, de acordo com as condições contratuais e legais; (iv) as revisões tarifárias periódicas, em média a cada quatro anos, considerando: as alterações na estrutura de custos e de mercado da concessionária; a comparação com o desempenho de empresas similares no contexto nacional e nacional; e os estímulos à eficiência e à modicidade tarifária; (v) nas revisões tarifárias periódicas também devem ser calculados os valores do Fator X que são aplicados nos reajustes tarifários subsequentes, de forma a compartilhar com os consumidores os ganhos de produtividade estimados da concessionária; (vi) o reajuste das tarifas de energia elétrica é realizado nos anos em que não ocorrem as revisões tarifárias periódicas, por meio de fórmula paramétrica específica constante do contrato de concessão; (vii) para fins do reajuste tarifário anual, a receita da concessionária é dividida em duas parcelas: a Parcela A, formado por custos não gerenciáveis, como compra e transporte de energia para o atendimento do mercado, mais os encargos setoriais; e a Parcela B corresponde à parcela remanescente da receita após a dedução da Parcela A, designada à cobertura dos custos gerenciáveis (remuneração e depreciação do capital investido na concessão e custos de operação e manutenção dos ativos de distribuição de energia elétrica)4; (viii) o Índice de Reajuste Tarifário -‐ IRT é dado pelas seguintes equações: 𝐼𝐼𝑅𝑅𝑇𝑇=𝑉𝑉𝑃𝑃𝐴𝐴1+𝑉𝑉𝑃𝑃𝐵𝐵0×𝐼𝐼𝑉𝑉𝐼𝐼±𝑋𝑋𝑅𝑅𝐴𝐴0
4 A composição da receita em duas parcelas deriva da estrutura desverticalizada do setor elétrico, na qual as distribuidoras não podem exercer outras atividades e são obrigados a comprar energia de geradores para atendimento do mercado cativo, além de arcar com os custos do transporte da energia e com os encargos setoriais. Os encargos setoriais são valores definidos em Lei específica, cujos recursos possuem destinação específica para o setor elétrico, como: Reserva Global de Reversão – RGR; Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis – CCC; Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA; Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica – TFSEE; entre outros.
20www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
𝑉𝑉𝑃𝑃𝐵𝐵0=𝑅𝑅𝐴𝐴0−𝑉𝑉𝑃𝑃𝐴𝐴0
(ix) o IRT médio é aplicado às tarifas vigentes, resultando nos novos valores das tarifas máximas que poderão ser cobradas nos próximos doze meses. A fórmula de cálculo do reajuste não considera nenhuma projeção de mercado, as tarifas de energia vigentes são reajustadas de forma a recuperar a receita da concessionária, considerando a aplicação destas ao mercado dos últimos doze meses. Se o mercado cresce, a receita da concessionária também cresce, e vice-‐versa. Por outro lado, os custos podem não acompanhar as variações da receita, imputando perdas ou ganhos à concessionária6; (x) a Portaria Interministerial MME/MF n. 025/2002, em atendimento à Medida Provisória n. 2.227/2001, criou a Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da Parcela A (CVA): componente financeiro extracontratual de alteração dos reajustes e revisões tarifárias, aumentando-‐os ou diminuindo-‐os, de forma a compensar as concessionárias pelas variações dos valores dos itens de custo não gerenciáveis que não foram previstos nos processos tarifárias anteriores.
As preferências e as escolhas do regulador e do formulador de política do setor no processo
que culminou com a alteração da fórmula de reajuste das tarifas de energia elétrica serão descritas e analisadas a seguir.
A NÃO NEUTRALIDADE DOS ENCARGOS SETORIAIS
Em síntese, os procedimentos de cálculo das tarifas de energia elétrica definidos nos contratos de concessão original e na legislação do setor causavam a denominada “não neutralidade dos encargos setoriais”, que possui dois componentes:
(i) componente econômico: pela cláusula sétima dos contratos de concessão, no cálculo do IRT, a Parcela B é obtida pela diferença entre a receita total da concessionária dos últimos doze meses e a Parcela A. Como a receita varia conforme a variação do mercado, mas alguns itens de custo da Parcela A são fixos, particularmente os encargos setoriais, a Parcela B dos reajustes incorporava os ganhos ou as perdas auferidas pelas concessionárias nos últimos doze meses em função da arrecadação de custos fixos. O efeito causado pela aplicação da fórmula do IRT se acumula a cada ano, no período entre as revisões tarifárias;
(ii) componente financeiro: pelo art. 2º da Portaria Interministerial MME/MF n. 25/2002, o saldo da CVA corresponde à diferença entre o valor do item de custo da Parcela A na data do último reajuste tarifário e o valor do referido item na data do seu pagamento, sem considerar a receita da concessionária com a arrecadação desses custos. A CVA considera o efeito das variações dos preços, mas não das variações do mercado, com isso, permite-‐se que haja perdas ou ganhos às concessionárias com os custos da Parcela A, particularmente os encargos setoriais.
Uma vez definida a Parcela B na revisão tarifária, era de se esperar que nos reajustes subsequentes o seu valor acompanhasse as variações do mercado e do IGPM, descontados os ganhos de
5 Onde: RA0 = receita dada pela aplicação das tarifas vigentes ao mercado dos últimos doze meses; VPA1 = valor da Parcela A na data do reajuste em processamento; VPB0 = valor da Parcela B na data do reajuste anterior; IVI = variação do IGPM nos últimos doze meses; e X = valor definido na última revisão tarifária periódica que representa a estimativa para o ganho ou perda de produtividade da concessionária.
6 Nesse ponto, caber relembrar que no serviço pelo preço não há uma correspondência biunívoca entre receitas e despesas, e o risco do mercado é alocado ao prestador do serviço. A remuneração da concessionária depende da evolução dos custos e receitas. Com isso, as concessionárias são incentivas a aumentar constantemente a eficiência na prestação do serviço, na medida em que podem se apropriar dos ganhos auferidos acima das metas definidas pelo regulador, em benefício também da modicidade tarifária, pois parte desses ganhos é compartilhada com os consumidores, por meio da aplicação do Fator X. Esse regime é denominado de alto incentivo. Quanto maior o risco, maior o incentivo.
21www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
produtividade estimados (Fator X). Entretanto, como a Parcela B dos reajustes é obtida pela diferença entre a receita total e a Parcela A: se o mercado cresce, a receita da concessionária aumenta na mesma proporção, mas a Parcela A não, pois parte dos seus custos é fixa, então a Parcela B cresce a uma taxa maior que o aumento do mercado; por outro lado, se o mercado decresce, a receita da concessionária diminui na mesma proporção, mas a Parcela A não, pois parte dos seus custos permanece fixa, então a Parcela B decresce a uma taxa maior que a redução do mercado. Dessa forma, é possível dizer que a Parcela B dos reajustes depende do comportamento do mercado, da variação dos preços, dos ganhos de produtividade estimados e da Parcela A. Se todos os custos da Parcela A variassem conforme o mercado, não haveria efeito algum, mas como os encargos setoriais são fixos, a Parcela B incorpora os ganhos ou perdas de receita sobre esses itens de custo.
Quanto maior a participação dos encargos na receita da concessionária e maior as variações do mercado, maior será o efeito causado pela denominada “não neutralidade dos encargos setoriais”. Em um ciclo tarifário, que corresponde ao período entre duas revisões tarifárias periódicas, o efeito provado pela aplicação da fórmula paramétrica do contrato se acumula a cada ano. Isso porque, seja aumentando as tarifas ou diminuindo-‐as, esse efeito é incorporado à base tarifária em cada processo de reajuste e se perpetua em todo o ciclo até a próxima revisão tarifária periódica, quando será redefinido o valor da Parcela B que garante o equilíbrio da concessão.
Pelo contrato de concessão original, as variações de custo e receita que ocorrem entre as datas dos reajustes e revisões tarifárias são suportadas pelas concessionárias. As variações de preços e mercado foram consideradas riscos do negócio, não havia nenhum mecanismo contratual ou legal que neutralizasse esses riscos. Apenas variações com impacto muito grande, que ameaçassem o equilíbrio da concessão, dariam causa às revisões tarifárias extraordinárias7. Dessa forma, sob a ótica do modelo apresentado na seção anterior, a criação da CVA -‐ que passou a compensar as concessionárias pelas variações dos custos da Parcela A que ocorrem entre os reajuste e revisões tarifária -‐ pode ser interpretada como uma alteração da política tarifária inicial definida no contrato de concessão, por meio de um ato do Legislativo, por iniciativa do Executivo.
A CVA foi criada após eventos -‐ forte desvalorização cambial verificada no ano de 1999 e racionamento de energia em 2001 -‐ que imputaram significativas perdas às concessionárias. Pretendia-‐se, com isso, evitar contínuas revisões tarifárias extraordinárias para reequilibrar os contratos de concessão. A ANEEL entende que a metodologia da CVA, tal como definida pela Portaria Interministerial MME/MF n. 25/2002, não garante a neutralidade às concessionárias com relação aos custos da Parcela A. Isso porque a CVA não considera o fato de que as variações do mercado podem compensar ou até mesmo ampliar os efeitos decorrentes das variações dos custos, em função do aumento ou redução da receita. Tinha-‐se eliminado o risco de preço, mas não o de mercado.
Na época da privatização das empresas, os encargos setoriais representavam uma pequena parcela das tarifas e não havia certeza quanto ao comportamento do mercado de energia elétrica. Entretanto, com o aumento da participação dos encargos nas tarifas8 e com o crescimento contínuo do mercado, os efeitos causados pela fórmula do reajuste tarifário e, posteriormente, pela metodologia da CVA, tornaram-‐se mais evidentes e passaram a ser objeto de estudos mais aprofundados pela ANEEL e TCU.
7 As revisões tarifárias extraordinárias podem ser realizadas a qualquer tempo, quando um fato extraordinário e não imputável às distribuidoras causar demasiada perda às concessionárias, desde que estas sejam devidamente comprovadas.
8 Na época da assinatura dos contratos de concessão, os encargos representavam cerca de 3% da receita das concessionárias, em 2007, essa participação já representava 11%. Com crescimento médio de 4% do mercado, estima-‐se que o efeito da “não neutralidade dos encargos setoriais” provoca um acréscimo de 0,5% ao ano nos índices de reajustes tarifários.
22www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
SOLUÇÃO SECOND-‐BEST
Em um cenário de crescimento contínuo do mercado, que proporcionava ganhos às concessionárias, não havia perspectiva de que uma proposta de aditivo contratual seria aceita pelas distribuidoras. Os próprios dirigentes da ANEEL já falavam abertamente sobre o problema, mas não havia ambiente político e social que pudesse sustentar a proposta. Dessa forma, a estratégia inicial escolhida pela Agência foi garantir a alteração da política tarifária corrigindo a CVA, mecanismo extracontratual definido por meio de Portaria Interministerial, que não dependia de aprovação das concessionárias. Dessa forma, em outubro de 2008, a ANEEL encaminhou ao MME proposta de alteração da CVA.
Na Figura 2 abaixo, o ponto A representa a preferência do regulador, que consiste na tarifa que garante a “neutralidade dos encargos setoriais”, eliminando-‐se os efeitos econômicos e financeiros decorrentes das variações de mercado e de preço sobre esses itens de custo, o que se daria mediante alteração do contrato de concessão e da CVA. Já os pontos P’ e P” representam as tarifas resultantes da política tarifária vigente, dada pela aplicação da fórmula de reajuste que constava do contrato de concessão originais e da metodologia da CVA tal como definida na Portaria Interministerial MF/MME n. 25/2002.
Para simplificação das análises, considera-‐se que não há variação de preços entre os reajustes e revisões tarifárias, apenas variações de mercado9. Dessa forma, o ponto P’ refere-‐se à situação de crescimento do mercado, quando a tarifa resultante da política tarifária é maior que a tarifa com “neutralidade dos encargos setoriais”; o ponto P” refere-‐se à situação inversa. Em qualquer dos casos, afastamentos com relação à tarifa com “neutralidade dos encargos setoriais”, implica perda de utilidade para o regulador, dada por: 𝑈𝑈=−𝛼𝛼𝑃𝑃−𝐴𝐴.
Figura 2: Preferências do Regulador
Com a alteração apenas da metodologia da CVA, a tarifa atingiria um ponto entre A e P, conforme mostrado na Figura a seguir. Eliminar-‐se-‐ia o componente financeiro da “não neutralidade dos encargos setoriais”, mas não o componente econômico, dado pela aplicação da fórmula do reajuste tarifário. Essa solução não alcançaria o ponto de preferência da ANEEL, o ponto A, mas corrigia parte do problema, e, portanto, pode ser denominada de solução second-‐best.
9 Essa hipótese será mantida em todas as simulações feitas daqui em diante.
23www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Figura 3: A solução second-‐best
O ponto CVA’ representa a situação com crescimento do mercado, quando a concessionária devolve aos consumidores os valores arrecadados a maior a título de custos não gerenciáveis. Nesse caso, a tarifa resultante da alteração da CVA é menor que a tarifa da política tarifária vigente, mas é superior à tarifa com neutralidade plena da Parcela A, que corresponde ao ponto de preferência da ANEEL, o ponto A, que se verificaria mediante alteração da CVA e do contrato de concessão. O ponto CVA” representa a situação inversa.
Do ponto de vista da ANEEL, a alteração da metodologia da CVA não gerava nenhuma perda de credibilidade ao processo regulatório. Uma vez que a CVA não estava prevista no contrato de concessão, a sua alteração não poderia configurar quebra de contrato. Além disso, como não se tratava de uma reinterpretação de regra e nem de correção de uma ilegalidade, não caberiam efeitos retroativos, portanto, estava preservada a segurança jurídica.
A medida foi contestada pelas concessionárias, com a alegação de que as variações do mercado foram alocadas aos prestadores do serviço nos contratos de concessão, por fazer parte do risco do negócio e, portanto, não poderiam ser neutralizadas por mecanismos extracontratuais.
Essas alegações foram submetidas à apreciação da Procuradoria Geral da ANEEL e da Consultoria Jurídica do MME, que concluíram que como a CVA tinha sido criada para compensar as concessionárias pelas variações dos valores dos itens de custo da Parcela A, não haveria razão para que na apuração dessa compensação não fossem considerados os valores arrecadados pelas concessionárias pela aplicação das tarifas vigentes aos seus mercados. Uma vez que tinha-‐se eliminado o risco das variações de preço nos custos não gerenciáveis, alterando-‐se a política tarifária inicial definida no contrato de concessão, não haveria razão para que os efeitos da variação do mercado continuassem alocados às concessionárias no que se refere a esses custos. Dessa forma, a medida foi entendida como necessária e viável.
A teoria política mostra que toda política tarifária impõe certa redistribuição de renda à sociedade, afetando de forma distinta o bem-‐estar de diferentes grupos de interesse, que reagirão a ela com apoio ou reprovação política, sendo que aquele grupo de interesse que tiver maior capacidade de interferir no processo regulatório, provavelmente será beneficiado por ele.
Considerando que o apoio político é um fator preponderante nas decisões dos formuladores de políticas públicas, é razoável supor que, na visão do MME, mesmo entendo a alteração da CVA como
24www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
necessária e viável, havia um custo político associado a essa medida, e, naquele momento, o grupo de interesse com maior capacidade de interferir no processo era o das distribuidoras.
Além de considerar que a alteração da CVA tenha um custo político para o MME, também é razoável supor que a sua curva de utilidade tenha uma inclinação diferente da curva de utilidade da ANEEL. Provavelmente, o benefício marginal da alteração da CVA seja maior para o regulador, que teve a iniciativa de propor a mudança, do que para o Ministério. A Figura a seguir mostra o impacto da alteração da CVA na utilidade da ANEEL e do MME.
Figura 4: O custo político da solução second-‐best
Sem considerar o custo político associado à alteração da CVA, essa medida proporciona um ganho de utilidade para a ANEEL, dado pela passagem dos pontos a’ e a” para os pontos b’ e b”, e para o MME, dado pela passagem dos pontos x’ e x” para os pontos y’ e y”. Como a inclinação da curva de utilidade da ANEEL, dada por α, é maior que a inclinação da curva de utilidade do MME, dada por β, o benefício marginal de se alterar a CVA é maior para a ANEEL do que para o MME. Agora considerando que a alteração da metodologia da CVA tenha um custo político para o MME, dado por θ, a sua curva de utilidade desloca-‐se para baixo, passando a ser representada por UMME -‐ θ. No gráfico acima, esse custo político é tão grande que a alteração da CVA gera uma perda de utilidade ao Ministério, com a passagem dos pontos y’ e y” para os pontos z’ e z”, inferiores aos pontos iniciais, x’ e x”. Esse custo político pode explicar a negativa do MME em publicar a nova Portaria alterando a CVA.
SOLUÇÃO FIRST-‐BEST
A proposta de alteração da CVA estava sendo analisado pelo Ministério a um ano, quando, em meio a um processo de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das tarifas, em outubro de 2009, o problema dos reajustes das tarifas de energia elétrica foi amplamente divulgado pela imprensa. Essa divulgação foi fundamental ao processo, pois mudou o contexto político no qual a “não neutralidade dos encargos setoriais” estava sendo analisado, inserindo outros personagens ao evento e tornando-‐o ainda mais complexo10.
10 A repercussão desse problema regulatório foi tão significativa, que a CPI das Tarifas, cujos ritos já estavam se encerrando -‐ sem que tivesse sido identificada qualquer irregularidade nos procedimentos de cálculo das tarifas de fornecimento de energia elétrica -‐ acabou ganhando notoriedade e exercendo forte pressão política sobre a Agência, o MME e as concessionárias, que foram novamente chamados a depor. Toda a sociedade buscava entender o problema, identificar os responsáveis e encontrar soluções rápidas e eficazes.
25www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Nesse novo cenário, o MME mudou o seu posicionamento a respeito da necessidade de alteração da Portaria da CVA, passando a defender uma interpretação alternativa da norma, segunda a qual a sua redação original já permitia considerar os efeitos das variações do mercado no cálculo das compensações financeiras pelas variações dos custos da Parcela A, bastando para isso que a ANEEL emitisse um regulamento complementar efetivando esse entendimento. Essa interpretação alternativa foi corroborada por novos pareceres emitidos pelas consultorias jurídicas do MME/MF.
Representantes da Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação (SEFID/TCU), associações representativas dos consumidores, parlamentares da Câmara dos Deputados e, posteriormente, o Ministério Público Federal, passaram a defender a alteração unilateral dos contratos de concessão e o ressarcimento dos consumidores.
Diante do novo contexto formado, com o recuo do MME em alterar a Portaria da CVA, com a forte pressão política e social para que a ANEEL solucionasse o problema e com o ambiente favorável à negociação com as distribuidoras, a alternativa encontrada pelo regulador foi abandonar a proposta de alteração da CVA e propor um aditivo bilateral aos contratos de concessão.
A figura abaixo analisa a mudança de estratégia do regulador. Considera-‐se como premissa o cenário de crescimento de mercado. O ponto P corresponde à tarifa resultante da aplicação da fórmula contratual e da metodologia da CVA definida na Portaria n. 25/2002; o ponto A representa a tarifa que garante a “neutralidade dos encargos setoriais”, alcançada mediante aditivo contratual bilateral proposto pela ANEEL, que corrige os efeitos econômicos e financeiros das variações do mercado sobre os encargos setoriais; e o ponto C representa à tarifa considerando, além do aditivo contratual, o ressarcimento dos consumidores pelos reajustes processados no período de 2002 a 2009, tal como defendido por vários grupos de interesse.
Figura 5: O custo de credibilidade e a solução first-‐best
Com a concordância das concessionárias em assinar o aditivo contratual proposto pela ANEEL a neutralidade dos encargos setoriais estaria assegurada e a utilidade da Agência seria máxima, passando do ponto “a” para o ponto “b”. Se esse mesmo resultado fosse atingido mediante a “quebra” dos contratos, haveria perda de credibilidade do processo regulatório. Essa perda de credibilidade está representada no gráfico acima pelo deslocamento da curva de utilidade da Agência de UANEEL para UANEEL – Ω, sendo Ω a medida
26www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
do custo de credibilidade. Com isso, a utilidade da ANEEL com a neutralidade dos encargos setoriais passaria a ser menor que aquela auferida com a política tarifária vigente, no gráfico acima, c < a11.
Considerando ainda a aplicação retroativa das novas regras, impondo às concessionárias a devolução de valores aos consumidores pelos reajustes tarifários processos de 2002 a 2009, a perda de credibilidade do processo regulatório seria ainda maior, pois além de alterar as regras vigentes de forma arbitrária, estaria impondo-‐se a retroatividade dessa alteração. Com isso, a curva de utilidade da ANEEL desloca-‐se ainda mais para baixo, passando para UANEEL – Ω’. Dessa forma, o resultado final correspondente ao ponto C, que representa o nível da tarifa considerando a aplicação da neutralidade dos encargos setoriais de forma retroativa desde 2002, é uma queda de utilidade ainda maior para o regulador, no gráfico acima, d < c < a.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
O aditivo contratual proposto pela ANEEL foi assinado por todas as concessionárias de distribuição em 2010, atingindo-‐se o ponto “b” da figura 7, que proporciona a utilidade máxima para o regulador, por isso pode ser chamada de solução first-‐best. Com relação à interpretação alternativa da CVA defendida pelo MME, esta passou a ser irrelevante com a assinatura dos aditivos contratuais, pois os efeitos econômicos e financeiros das variações de mercado sobre os encargos setoriais foram neutralizados no próprio contrato.
O TCU, por meio do Acordão nº 348/2012, reconheceu que os reajustes processados pela ANEEL foram realizados em conformidade com a metodologia definida no contrato de concessão e que havia uma incompatibilidade entre a metodologia adotada e os princípios que regem a regulação do setor, devidamente corrigida pela ANEEL por meio do aditivo contratual.
Entretanto, a tomada de decisão da ANEEL é contestada pelo Ministério Público Federal, que moveu uma Ação Civil Pública contra a metodologia de reajuste tarifário adotada até 2002, bem como por representantes da Câmara dos Deputados e de instituições de defesa do consumidor. Essas instituições defendem a ilegalidade dos contratos e a aplicação da “neutralidade dos encargos setoriais de forma retroativa”.
Nesse ponto, cabe destacar o trecho do Voto do Diretor Relator Edvaldo Alves de Santana, de 25 de janeiro de 2001, no Processo 48500.006802/2009-‐65, que negou tratamento retroativo aos efeitos das variações de mercado sobre os encargos setoriais:
30. Optamos pelo caminho do respeito aos contratos, da estabilidade regulatória e da segurança jurídica, por entendermos que assim pode ser mostrado que o Brasil é uma instituição forte, que cria condições para termos a mesma exigência de spread que os investidores fazem ao Chile, que é menos da metade do que é exigido do Brasil. (...)
Em outras palavras, mesmo (ou principalmente) do ponto de vista tarifário a solução implantada pela ANEEL é melhor para os consumidores, desde que a premissa básica não seja a solução buscada via atropelamento do contrato. Logo, a estabilidade regulatória, a
11 Relembrando os dispositivos das Leis n. 8.987/95 e 9.427/96: considera-‐se mantido o equilíbrio econômico-‐financeiro da concessão quando forem atendidas as regras de reajuste e revisão das tarifas definidas no contrato, cabendo à ANEEL homologar os novos valores das tarifas, resultantes de reajuste ou de revisão, nas condições do respectivo contrato. Dessa forma, o descumprimento das regras contratuais pela ANEEL representa o descumprimento do próprio papel para o qual o regulador foi designado.
27www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
segurança jurídica e o cumprimento de contratos não são figuras de linguagem ou um jogo de palavras. Elas possuem efeitos econômicos muito relevantes.
A primeira vista, não parece racional a aceitação do aditivo contratual pelas concessionárias, uma vez que com o cenário de crescimento contínuo do mercado, estas certamente ganhariam com a “não neutralidade dos encargos setoriais”. Entretanto, diante do contexto formado, de forte pressão política e social para o ressarcimento dos consumidores pelos reajustes processados com base nas regras antigas, as concessionárias certamente se sentiram ameaçadas com essa possibilidade. Se o ressarcimento fosse aplicado, as tarifas alcançariam o ponto C da figura 5 e não mais o ponto A. A assinatura de um aditivo contratual bilateral representou um marco para o reconhecimento da legalidade dos contratos e, consequentemente, de todos os reajustes processados até 2009. Dessa forma, a potencial perda de receita com a não aceitação do aditivo contratual poderia resultar em uma perda muito maior que com a sua celebração.
CONCLUSÃO
Nesse trabalho, procurou-‐se analisar o aditivo aos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, que alterou a fórmula do reajuste anual das tarifas, por meio do arcabouço da teoria política positiva da regulação, que procura demonstrar o papel do custo de credibilidade na solução de problemas regulatórios.
Apresentou-‐se o conflito de interesses entre os principais atores envolvidos no processo, enfatizando o papel da política, da divulgação do problema pela imprensa e da participação da sociedade nos resultados alcançados. Enquanto o regulador defendeu o cumprimento dos contratos, outras instituições defendem, em geral, a quebra dos contratos e reinterpretações de normas vigentes, com a aplicação de efeitos retroativos.
As análises foram focadas nas tomadas de decisão da ANEEL, instituição responsável legalmente pela gestão dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica. Procurou-‐se demonstrar que a atuação do regulador nesse processo foi fortemente impactada pelo custo de credibilidade do processo regulatório, que no Brasil tem um papel primordial.
Pelo desenho regulatório escolhido para o setor elétrico, o cumprimento das regras contratuais e legais pela Agência representa a própria legitimidade do processo regulatório. Dessa forma, a tomada de decisão da ANEEL é entendida como a solução ótima para o problema, em benefício do desempenho da regulação no setor.
28www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] BEESLEY, M. E. e LITTLECHILD, S. C. (1989). The Regulation of Privatized Monopolies in the United Kingdom. Rand Journal of Economic 20 (3): 454-‐472.
[2] CAMILA, F. B. L. (2011). Regulação e Credibilidade: o caso dos reajustes das tarifas de fornecimento de energia elétrica. Brasília: Universidade de Brasília, Dissertação apresentada para obtenção do Título de Mestre em Regulação.
[3] CORREA, P.; MELO, M.; MUELLER, B.; e PEREIRA, C. (2006). Regulatory Governance in Infrastructure Industries: Assessment and Measurement of Brazilian Regulators. Wahsington: The World Bank, Trends and Policy Options Series, N. 3.
[4] DIXIT, A. K. (1996). The making of economic policy: a transaction-‐cost politics perspective. Cambridge, MA: MIT Press.
[5] LAFFONT, J. e TIROLE, J. (1993). A theory of incentives in procurement and regulation. Cambridge, MA: MIT Press.
[6] LEVY, B. e SPILLER, P. T. (1994). The institutional foundations of regulatory commitment: a comparative analysis of telecommunications regulation. Journal of Law, Economics, and Organization 10 (2): 201-‐246.
[7] MATTOS, C. C. A. e MUELLER, B. (2006). Regulando o regulador: a proposta do governo e a ANATEL. Revista de Economia Contemporânea 10 (3): 517-‐546.
[8] MUELLER, B. (2001). Regulação, informação e política: uma resenha da teoria política positiva da regulação. Revista Brasileira de Economia de Empresas 1 (1): 9-‐29.
[9] MUELLER, B. e PEREIRA, C. (2002). Credibility and the Design of Regulatory Agencies in Brazil. Brazilian Journal of Political Economy, Vol. 22, N. 3 (87): 65-‐88.
[10] PINHEIRO, A. C. (2005). Reforma regulatória na infraestrutura brasileira: em que pé estamos? In: Salgado, L. H. e Motta, R. S. (Editores). Marcos regulatórios no Brasil: o que foi feito e o que falta fazer. Rio de Janeiro: Ipea, 2005, p. 41-‐90.
[11] PROCESSOS ADMINISTRATIVOS da ANEEL N.48500.006111/2007-‐08 e N. 48500.006802/2009-‐65.
[12] SPILLER, P. (1990). Politicians, Interest Groups and Regulators: A Multiple Principals Theory of Regulation. Journal of Law and Economics, Vol. 33: 65-‐101.
[13] SPILLER, P. T. e VOLGELSANG, I. (1997). The Institutional Foundations of Regulatory Commitment in the UK. Journal of Institutional and Theoretical Economics, Vol. 153.
[14] STIGLER. G. J. (1971). The Theory of Economic Regulation. Bell Journal of Economics 2: 3-‐21.
[15] VARIAN, H. R. (1999). Microeconomia: princípios básicos. Rio de Janeiro: Campus (tradução da 4ª Edição americana).
29www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Demanda e Preços Não-Lineares:
Uma análise empírica do consumo brasileiro de energia elétrica
industrial*
September 13, 2013
Resumo
Neste ar�go, foi proposto um modelo econométrico para a demanda por energia elétrica e capacidade dosconsumidores industriais brasileiros. Diferentemente dos consumidores residenciais, os consumidores industri-ais brasileiros, além de consumir energia e capacidade, também enfrentam um menu de tarifas com diferentescomponentes e discriminação de preços por horário do dia (o chamado Time of Use Pricing). Todas estas ca-racterís�cas combinadas colocam um problema empírico que, até o momento, não foi enfrentado de formaconjunta na literatura. Esta metodologia foi aplicada em uma base de microdados representando uma amostranão-aleatória de 646 grandes consumidores industriais brasileiros (com demandas acima de 300 KW), para umperíodo entre janeiro de 2002 e dezembro de 2006. Observamos que as demandas pelos diferentes serviços (ca-pacidade e energia, separados por horário de pico e horário fora de pico) são elás�cas a preços e, pelo menos namodalidade AZUL, há complementariedade entre energia e capacidade nos diferentes períodos do dia. Ou seja,polí�cas sobre a estrutura de preços baseadas em premissas de demanda inelás�ca por consumo de eletricidadeagregado podem ter efeitos dis�ntos do pretendido.Abstract: In this paper is proposed an econometric model for industrial electricity demand in Brazil. Differentlyfrom residen�al customers, industries in Brazil, besides purchasing energy and capacity, also face a tariff menuwith Time of Use pricing. Each item in this menu also has different components and price discrimina�on struc-ture. All these characteris�cs together pose an empirical problem that, so far, has not been faced together in theliterature. This methodology was applied in a non-experimental microdata sample of 646 large Brazilian indus-trial customers (with demands over 300 KW) between January 2002 and December 2006. The results indicatedemands for the various services (capacity and energy, separated between peak and non-peak hours) are priceelas�c, and at least in the AZUL tariff, there is complementarity between energy an capacity in the different pe-riods. Thus, policies on tariff structures based on assump�ons of an inelas�c aggregate electricity demand couldhave effects quite different from what would be intended.
Palavras-Chave: �enu de Tarifas; Discriminação de Preços; �odelo Discreto-Con�nuoKeywords: Tariff �enu: Price Discrmina�on; Discrete-Con�nuous modelJEL Codes: L51; L60
*Os autores agradecem os comentários a uma versão anterior do presente ar�go.
1
DEMANDA E PREÇOS NÃO LINEARES: UMA ANÁLISE EMPÍRICA DO CONSUMO BRASILEIRO DE ENERGIA ELÉTRICA INDUSTRIAL *
Francisco Anuatti Neto
30www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
1 Introdução
O uso eficiente da energia é uma questão cada vez mais importante, tendo em vista o potencial de emissão degases geradores de efeito estufa das diferentes fontes de energia. Para que possamos ter este uso eficiente éespecialmente importante o desenvolvimento de polí�cas de precificação desta energia -- o que exige um co-nhecimento aprofundado de como é a demanda por um produto que não é armazenável e cujo uso varia muitoao longo do dia. Se adicionalmente considerarmos que uma das possíveis rotas tecnológicas para o desenvolvi-mento de automóveis passa pela eletricidade, a questão do uso da energia ao longo do dia é outra mo�vaçãopara estudos sobre a demanda de eletricidade. Além disso, o desenho tarifário precisa lidar com o fato que osconsumidores respondem aos sinais de preço, rearranjando suas demandas, tanto em termos de quan�dade totalde energia quanto em termos de consumo ao longo do dia.
No entanto, a maior parte dos estudos empíricos sobre a demanda industrial de energia elétrica em paísessubdesenvolvidos -- onde estará boa parte da demanda adicional de eletricidade nos próximos anos -- ignora ofato que este �po de consumidor enfrenta um menu tarifário muito mais complexo do que o dos consumidoresresidenciais. Os consumidores industriais, e em especial os grandes consumidores nesta categoria, não apenasenfrentam a necessidade de contratação de energia e capacidade, mas também enfrentam preços diferentes paraa energia e capacidade contratadas em horários alterna�vos do dia.
A discussão sobre tais menus de tarifas se faz especialmente importante no caso brasileiro, em que a estruturatarifária já precisa de mudanças. A atual estrutura tarifária da distribuição de energia tem a sua base em umacolaboração entre a Eletrobrás, o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica e a Eletcricitè de France,com dois trabalhos de consultoria. No primeiro, realizado entre 1977 e 1979, foram realizados estudos para adeterminação do custo marginal do fornecimento de energia para os consumidores e avaliada a possibilidadede se basear a estrutura tarifária nestes custos. O segundo deles foi realizado entre 1980 e 1981, que resultouem uma publicação denominada ``Estrutura Tarifária de Referência para a Energia Elétrica'' (ANEEL 2009)[5]. Asdiferentes tarifas desenvolvidas ao longo do período �nham emmente uma estrutura ver�calmente integrada naoferta de energia elétrica, e os custos de capital e operacionais da geração e transmissão de energia eram levadosem consideração no cálculo das tarifas de distribuição.
Ainda segundo (ANEEL, 2009)[5], Entre 1982 e 1999, apenas alterações pequenas na estrutura tarifária foramrealizadas. Neste �l�mo ano, a estrutura tarifária foi modificada para re�e�r a desver�calização do setor. �esmocom estas alterações, a estrutura de preços rela�vos de energia e capacidade ao longo do dia ainda con�nua ine-ficiente. �onsequentemente, ocorrem soluções sub-ó�mas como a instalação de geradores a diesel para reduziro consumo em horário de pico ou consumidores de alta tensão tentando buscar conexões diretas para contornara rede de distribuição.
Ou seja, uma discussão sobre níveis de preço de eletricidade que não leve em conta o fato que este serviçoé vendido segundo uma estrutura de preços não lineares pode levar a es�ma�vas viesadas dos parâmetros rele-vantes e podendo inclusive piorar ao invés de melhorar os problemas discu�dos acima1.
As es�ma�vas de elas�cidade preço da energia elétrica industrial na literatura brasileira avaliam basicamenteo consumo médio de energia, mas o sistema de preços adotado pela Agência reconhece a importância de sedis�nguir uso de energia e capacidade (��), sendo que a �l�ma determina o dimensionamento dos sistemas dedistribuição e consequentemente os inves�mentos. Sem informação adequada as previsoes de inves�mentospodem ser ser excessivas ou insuficientes. Dai a importância de se conhecer o grau de subs�tuição entre energia
1�ais especificamente, a existência de diferentes menus tarifários tende a gerar es�ma�vas viesadas porque não conseguem separar amudança na demanda por eletricidade dentro de um item de um menu tarifário com o efeito que o aumento de um dos preços tem sobre aescolha entre itens do menu tarifário.
2
31www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
e potência nos dois períodos, sendo esta uma contribuição original do presente trabalho. Para lidar com isto, opresente ar�go desenvolve uma metodologia para lidar com duas caracterís�cas da estrutura tarifária de energiaelétrica industrial� a existência de preços dis�ntos para energia e capacidade, discriminados por horário do dia.Além disso, a aplicação aqui apresentada também trata do fato que existem diferentes linhas tarifárias, compondoum menu de tarifas (se�f�se�ec�ng ��ri�s).
Ametodologia apresentada aqui foi aplicada emumabase demicrodados de consumode energia e capacidadede grandes consumidores industriais brasileiros, em que é registrada amodalidade tarifária escolhida, assim comoa quan�dade adquirida dos serviços componentes da modalidade (energia e capacidade), para o período entrejaneiro de 2002 e dezembro de 2006.
Mas antes de passarmos à apresentação propriamente dita dos dados e domodelo, a seção seguinte descrevea literaturamais ampla em que ametodologia aqui apresentada se insere. Esta literatura trata tanto das tenta�vasanteriores para a es�mação da demanda por energia elétrica industrial quanto a literatura sobre precificaçãode horário de pico e �me of �se pricing. Após esta revisão bibliográfica, segue-se a abordagem econométricapropriamente dita, assim como a es�ma�va dos parâmetros propriamente ditos. A quarta seção conclui.
2 Revisão da Literatura
No presente ar�go, a revisão da literatura relevante para a pesquisa passa por dois temas separados. O primeirodeles é sobre as es�ma�vas de sensibilidade a preço da energia elétrica, com foco na demanda industrial porenergia no Brasil, e o segundo envolve a literatura internacional sobre Precificação por Horário de Uso (Time ofUse Pricing).
Sobre es�ma�vas de elas�cidade preço da demanda de eletricidade no Brasil o foco foi essencialmente emes�mar elas�cidades agregadas, u�lizando receita média como proxy para o preço para o Kwh marginal. O pri-meiro dos estudos que lançam mão de uma abordagem econométrica moderna é o de Modiano (1984)[18], queu�liza dados anuais entre 1963 e 1981. O autor u�liza uma especificação de demanda duplo log, sendo a dinâmicacapturada por defasagens, e es�mado por Mínimos Quadrados Ordinários, com correção para a correlação serialpelo procedimento de Cochrane-Orcu�.
Este estudo se cons�tuiu no ��estado da arte�� em pesquisa sobre o tema durante 13 anos, até que Andradee Lobão (1997)[4] decidiram por estender a amostra u�lizada por Eduardo Modiano e aplicar as técnicas maismodernas disponíveis à época, apenas realizando sua análise para a demanda residencial de energia. Do pontode vista metodológico, os autores u�lizam em alguns modelos o método das Variáveis Instrumentais, mas seusprincipais resultados surgem de um sistema de Vetores de Correção de Erro.
Schmidt e Lima (2004)[19], atualizam os dados do ar�go anterior, também u�lizando umametodologia de Ve-tores Auto-Regressivos e Vetores de Correção de Erros. Diferentemente de Andrade e Lobão (1997)[4], temos queSchmidt e Lima (2004)[19] trabalham com as três classes de consumidores, residenciais, comerciais e industriais.Do ponto de vista de forma funcional, os autores mantém a forma duplo log, que permite a eles o fácil cálculo deelas�cidades de curto e de longo prazos.
A maior parte das pesquisas subsequentes se manteve na mesma linha metodológica, u�lizando uma especi-ficação duplo log e um sistema de Vetores Auto-Regressivos ou Vetores de Correção de Erros. O deMa�os e Lima(2005)[9] se atém àmesmametodologia, em sua análise do consumo residencial de energia elétrica no estado deMinas �erais. Ma�os (2004)[8] também aplica esta metodologia para o caso da demanda industrial de energiaelétrica. Na literatura mais recente, apenas Irffi et. al. (2005)[16] variam a metodologia econométrica, usandoMínimos Quadrados Ordinários Dinâmicos e Modelos de Mudança de Regime. Sobre a forma funcional, ainda a
3
32www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
duplo log é man�da.Apenas em Siqueira, Cordeiro Junior e Castelar (2006)[21] há a adição do método de Variáveis Instrumen-
tais ao arcabouço VAR+VEC u�lizado nos outros modelos. A tabela a seguir resume os valores ob�dos para aselas�cidades em todas estas pesquisas:
Tabela 1: Elas�cidades Ob�das - Longo PrazoEstudo Método Dem. Res. Dem. Coml. Dem. Ind.
Modiano (1984) MQO+CORC -0,40 -0,182 -1,22Andrade e Lobão (1997) VAR+VEC -0,058Schmidt e Lima (2004) VAR+VEC -0,085 -0,174 -0,545
Ma�os (2005) VAR+VEC -0,094 (NS)Ma�os e Lima (2005) VAR+VEC -0,258Irffi et. al. (2005) DOLS+MS -0,68
SCC (2006) IV -0,778 -0,824 -1,019SCC (2006) VAR+VEC -0,412 -0,502 -0,982
Fonte: Elaboração do autor. DOLS: OLS Dinâmico. MS:MarkovSwitching. SCC: Siqueira, Cordeiro Júnior e Castelar (2006)
�ma conclusão destes estudos é a menor magnitude, em termos absolutos, das elas�cidades-preço da de-manda para o caso brasileiro. Este resultado para o Brasil estava linha com o encontrado em outros países daAmérica La�na, o que deu margem ao comentário de Westley citado em Schmidt e Lima (2004), p. 70, que ��oconsumo de energia elétrica cresce em proporção fixa com a renda e possui elas�cidade preço perto de zero��. Noentanto, os estudos que embasam esta conclusão possuem alguns problemas, decorrentes da definição da basede dados e da estrutura de preços do setor. Por exemplo, a aproximação do preço do KWh marginal pelo customédio pode gerar problemas econométricos sérios. Além disso, a es�ma�va de elas�cidade-preço da demandapor energia elétrica -- mesmo realizada da formamais correta possivel -- como um todo tende a ser menor em ter-mos absolutos do que a es�ma�va da demanda por energia elétrica em diferentes momentos do dia. Conclus�esde polí�ca baseadas neste �po de es�ma�va podem levar a erros importantes.
A literatura internacional sobre o tema da elas�cidade-preço da demanda por energia elétrica é bastanteampla, já merecendo várias resenhas ao longo das décadas. A primeira das resenhas, já clássica, é a de Taylor(1975)[22] e é dedicada em grande medida a crí�cas sobre os estudos anteriores, concluindo que as magnitudesdas elas�cidades são fortemente dependentes da dametodologia empregada. Para a demanda industrial, as elas-�cidades de longo prazo ali computadas variam entre -1,25 a -1,94, bemmais elevadas que os valores encontradosna tabela acima.
O ar�go de Taylor (1975)[22] foi atualizado pelo de Bohi e Zimmerman (1984)[7] que, para o caso da eletri-cidade para o setor industrial, encontra elas�cidades de curto prazo na faixa de -0,18 a -0,60 e, no longo prazo,elas�cidades na ordem de -1,5. Apenas em um dos estudos revisados foram es�madas elas�cidades inferiores aum (em valor absoluto).
Depois da contribuição de Bohi e Zimmerman de 1984, a resenha subsequente foi a de Griffin (1993)[15] cujofoco foi menos em elas�cidades-preço da demanda e mais sobre novas metodologias para modelagem economé-trica da demanda por energia -- tanto sobre a demanda por energia quanto pela sua relação com a escolha deeletrodomés�cos. A par�r destas resenhas, nos anos subsequentes são observados estudos pontuais, sendo osmais próximos em termos de estrutura de dados e metodologia ao realizado aqui o de Bjorner et al. (2001)[6],e o de Fillipini (1995)[13], que u�lizam micro-dados para es�mar a elas�cidade-preço da demanda industrial, noprimeiro caso e, no segundo, da demanda residencial. Sobre o de Bjorner et. al. (2001)[6], observamos elas�ci-
4
33www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
dades por volta de -0,5, e menores ainda nos modelos que incorporam a heterogeneidade não observável comoefeitos fixos.
Outra literatura importante diz respeito aos estudos para avaliar a sensibilidade da demanda à diferentes pre-ços durante o dia (em inglês, o chamado Time of Use pricing). A maior parte dos trabalhos envolve experimentose coleta de micro-dados dos consumidores no período em volta da introdução da metodologia. Existem duas im-portantes resenhas sobre o tema, conduzidas por Ahmed Faruqui e seus co-autores (Faruqui e Malko (1983)[11]e Faruqui e Sergici (2010)[12]), além da de Aigner (1985)[1]. No primeiro destes ar�gos, os autores descrevemos resultados de 12 experimentos com o consumo residencial e mostram que a elas�cidade-preço da demandaé bem próxima de zero e que há subs�tuição do consumo entre diferentes horários do dia em resposta a estaestrutura de preços. Esta resenha foi atualizada com 15 novos experimentos por Faruqui e Sergici (2010)[12],chegando a conclusões similares.
Especificamente com relação a consumidores industriais, Sheen et. al. (1995)[20] realizam um estudo -- nãoexperimental -- sobre a demanda industrial de eletricidade em Tai�an, encontrando demandas bastante elás�ca apreço nos diferentes segmentos do dia. Outro estudo clássico sobre o assunto é o deAigner eHirschberg (1985)[2],que encontram uma grande elas�cidade de subs�tuição em termos absolutos entre horários de pico e fora de picopara grandes consumidores industriais. Um mais recente e próximo da literatura contemporânea é o de Train eMehrez (1994)[23], que inclusive u�liza uma metodologia similar a apresentada aqui2
Ainda assim, a existência de preços diferentes para dis�ntos horários no dia é apenas parte da estrutura depreços que um consumidor industrial se defronta quando demanda eletricidade. Vamos revisar em mais profun-didade a estrutura de preços de energia elétrica no Brasil na sub-seção seguinte.
2.1 Estrutura Tarifária de Energia Elétrica Industrial
Um ponto importante, e que possui efeitos importantes sobre o resultado da modelagem empírica, diz respeitoao fato que não são u�lizados preços lineares para a energia elétrica, apresentando dis�nções importantes tantoem relação ao paradigma de preços lineares quanto à forma de cobrança da energia elétrica residencial.
No Brasil os consumidores de energia elétrica industrial são classificados emdois grandes conjuntos em funçãodo nível de tensão em que es�vessem conectados. Tais grupos foram definidos desde os anos 80, na publicação``Estrutura Tarifária de Referência para a Energia Elétrica'' (ANEEL 2009)[5], e são iguais para todas as distribuidorasde energia do país:
• Grupo A: consumidores ligados em tensão igual ou superior a 2.300 volts, e subdividido nos seguintes sub-grupos:
– Subgrupo A1 - tensão de fornecimento igual ou superior a 230 kV;
– Subgrupo A2 - tensão de fornecimento de 88 kV a 138 kV;
– Subgrupo A3 - tensão de fornecimento de 69 kV;
– Subgrupo A3a - tensão de fornecimento de 30 kV a 44 kV;
– Subgrupo A4 - tensão de fornecimento de 2,3 kV a 25 kV;
– Subgrupo AS - tensão de fornecimento inferior a 2,3 kV, atendidas a par�r de sistema subterrâneo dedistribuição e faturadas neste Grupo em caráter opcional.
2�om a diferença que eles permitem heterogeneidade nos coeficientes da função demanda individual, e permi�ndo apenas uma modali-dade tarifária de precificação.
5
34www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
• Grupo B: consumidores ligados em tensão inferior a 2.300 volts.
Para os consumidores que estão nas categorias A3a e A4, com potência contratada de até 300 KW, são oferecidasduas tarifas opta�vas, chamadas Azul e Verde, alémda tarifa assim chamada Convencional, se cons�tuindo emummenude tarifas e um sistemade preços não lineares3. Cada umadestas tarifas se diferencia das outras -- e da tarifaresidencial -- por trabalhar com dois preços: preço da energia e preço da capacidade. O primeiro dos preços, o daenergia, diz respeito ao valor monetário pago pelo fornecimento e consumo do Kwh para o consumidor, enquantoque o preço de capacidade trata do preço pago pelo consumidor para ter a energia disponível4. Caso o consumidoruse energia além da contratada pela capacidade, esta é fornecida a preços muito superiores aos cobrados pelaenergia contratada.
Na chamada ``Tarifa Convencional'', a conta total para um cliente seria dada aproximadamente por:
TC = d× td + e× te
Sendo que d representa a capacidade contratada e e a energia u�lizada, e td e te as tarifas para capacidade eenergia, respec�vamente. Além disso, também existe discriminação dos preços por tempo de uso da eletricidade,com tarifas não lineares5. A primeira destas modalidades é chamada de Tarifa Verde, em que há um preço apenaspara capacidade e dois preços para a energia -- no pico e fora do pico6.
TV = dtVd + eptVep + efpt
Vefp
Nesta modalidade tarifária, ep refere-se à energia cobrada nos horários de pico e efp à energia cobrada noshorários fora de pico. As tarifas nos diferentes horários são marcadas por tVep e tVefp. Finalmente, segundo a TarifaAzul, os consumidores precisam contratar níveis de capacidade tanto para o horário de pico quanto para o horáriofora de pico. Além disso, precisam pagar pelo uso de energia nos dois períodos do dia -- pico e fora de pico. Nestesen�do, a conta total para um cliente industrial na categoria tarifária azul seria de:
TA = dptAdp + dfpt
Adfp + ept
Aep + efpt
Aefp
Em que:
• dp -- Capacidade Contratada para o horário de pico
• dfp -- Capacidade Contratada para o horário fora de pico
• ep-- Uso de Energia no horário de pico
• efp-- Uso de Energia no horário fora de pico
Em certa medida, tanto a Tarifa Azul quanto a Tarifa Verde podem ser considerados como casos especiais da co-nhecida Tarifa em Duas Partes da microeconomia tradicional. A estrutura tarifária não apenas guarda interessecomo um elemento chave do ambiente ins�tucional em que a empresa opera, mas também porque mostra umadas principais limitações dos estudos passados sobre a demanda de energia elétrica. Tal limitação pode explicar
3Esta estrutura foi formulada na mesma época, e mesma publicação mencionada acima.4Usualmente �us�fica-se esta separação de preços com base no argumento que a tarifa por capacidade auxiliaria na recuperação dos custos
fixos, enquanto que a tarifa por energia cobriria os custos marginais da geração da energia consumida.5Note-se que para o caso das tarifas residenciais, n�s temos que a tarifação não linear diz respeito à quan�dade consumida, e não de
acordo com o horário do consumo, como no caso industrial.6Define-se horário de pico como sendo o intervalo de 3 horas diárias no período demaior demanda de potência da empresa de distribuição
de energia, válido apenas para os cinco dias úteis da semana.
6
35www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
porque os estudos realizados no �rasil usualmente encontram elas�cidades preço tão mais baixas que na lite-ratura internacional, e é relacionado com o fato que os preços apresentados nas séries ali u�lizadas são preçosmédios. �u se�a, as variáveis que são representa�vas de preços naqueles estudos podem ser entendidas comoreceitas médias das operadoras de energia elétrica, e que guardam pouca relação com o preço do MWhmarginaldemandado pelo consumidor. �ais preços médios incluem também o preço do MWh marginal u�lizado pelo con-sumidor sim, mas também todas as alterações sobre as unidades intra-marginais consumidas e, necessariamente,viesam as es�ma�vas das elas�cidades-preço da demanda.
Em resumo, o ambiente de regulação da distribuição de energia elétrica brasileiro u�liza m�l�plas linhas tari-fárias de precificação pelo horário do dia ���� �ricing�, além de preços de capacidade e energia. �este sen�do, amodelagem adequada da demanda industrial de energia brasileira necessita ir além da literatura. Modelos comoo u�lizado por �rain e Mehrez ����������, ainda que se�am um passo na direção certa, modelando a questão da
, não lida com a questão da demanda por energia e por capacidade, pois estão traba-lhando com a demanda residencial. Além disso, só lidam com uma linha tarifária paralela à precificação constanteao longo do dia.
�ara lidar com estes problemas, o presente ar�go lança mão de uma base de dados de empresas, com ospreços diretamente enfrentados por elas, para es�mar as elas�cidades-preço da demanda dos diferentes compo-nentes das tarifas. A seção seguinte detalha a metodologia empregada.
3 Análise Empírica
�este ar�go, iremos propor ummodelo estrutural para modelar a demanda industrial por energia elétrica que vaialém dos modelos expostos acima, e consegue integrar a escolha por modalidade tarifária com a demanda porenergia nos dois horários do dia �pico e fora de pico�. �upõe-se que a empresa use os diferentes �pos de energia ecapacidade mencionados anteriormente, fazendo com que a função de produção possa também ser escrita como
Q = F (ep, efp, dp, dfp, Z)
Em que Q é a quan�dade produzida e Z as quan�dades dos outros insumos, e as outras variáveis definidasanteriormente. �upondo separabilidade fraca e homote�cidade na função de produção, podemos reescrever estafunção da seguinte forma:
Q = F (EE(dp, dfp, ep, efp), Z)
Em que EE é uma medida de energia elétrica agregada. Dadas estas hipóteses, podemos escrever a funçãode custos global da seguinte forma, em que CEE é uma medida de custos da Energia Elétrica:
CT = C(CEE(tep, tefp, tdp, tdfp, Q), PZ, Q)
�om as premissas de homote�cidade e separabilidade fraca, temos que a escolha pode ser modelada emdois estágios; no primeiro, seria determinado qual seria a tarifa escolhida dentro do menu e, em um segundoestágio, são determinadas as diferentes demandas por energia e capacidade dos diferentes produtos. Emespecial,CEE = CA, seCA < CV eCA < CC , emqueCA é o custo de umaquan�dadeEE de energia sob amodalidadeAzul, CV o custo da mesma quan�dade sob a modalidade �erde e CC o custo sob a modalidade convencional.Da mesma forma, CEE = CV se o custo sob a modalidade verde for menor do que sob as outras modalidades.
7
36www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Neste trabalho, iremos assumir uma forma funcional para a função de custos da forma PIGLOG:
lnCEE(tep, tefp, tdp, tdfp, Q) = α0 +∑k
αk ln tk +1
2
∑j
∑k
γjk ln tj ln tk +Qβ0Πktβk
k
�azendo a diferenciação logarítmica com respeito a cada um dos preços dos �pos de energia, temos as seguin-tes equações para cada uma das tarifas7:
sk = αk +∑j
γjk ln tj + βiQβ0Πktβk
k
Em que as variáveis sk representam a par�cipação no gasto total da k−ésimo �po de serviço. Podemos es-crever como sendo CEE = RT − PZZ, ou seja, o custo da energia elétrica é igual á diferença entre a receitatotal menos os gastos com os outros insumos e os lucros econômicos. Assumindo que PZZ é uma fração deCEE ,podemos reescrever a equação da seguinte forma:
sk = αk +∑j
γjk ln tj + βi ln(CEE
P
)
Em queCEE é o despêndio total com energia elétrica, conforme definido antes e P é um índice de preços deenergia, assumindo no presente trabalho a forma linearizada de Índice de Stone:
ln P =∑k
sk ln tk
Esta é uma versão doModelo de Demanda Quase Ideal (Almost Ideal Demand System de Deaton eMuellbauer(1980)), muito u�lizado para a modelagem de demanda de produtos homogêneos. Ainda que interessante, a mo-delagem coloca dificuldades adicionais para a es�mação, uma vez que as escolhas entre qual das modalidadestarifárias e a sobre qual �po de energia consumir são inter-relacionadas. Em especial, as equações componentesdo sistema acima serão dis�ntas caso a modalidade tarifária escolhida seja a Azul, a Verde e a �onvencional. �asoignoremos esta possibilidade, podemos obter coeficientes viesados, que representariam tanto a subs�tuição nouso de energia entre os diferentes horários do dia e uma mesma modalidade com a subs�tuição entre diferenteslinhas tarifárias. Uma abordagem similar é a adotada por Lee, Maddala e Trost (1980)[17], que pode ser aplicadaaqui, é a de caracterização deste problema econométrico como sendo uma aplicação de switching simultaneouse�ua�ons. Nesta metodologia, teríamos um modelo em dois estágios. No primeiro deles é selecionada a moda-lidade tarifária, e no segundo estágio, os serviços da modalidade tarifária. Ou seja, se a modalidade escolhida foia Azul, a demanda pelos quatro serviços seria a seguinte:
sep = αep +∑
j γj,ep ln tj + βep ln(CEE
P
)
sefp = αefp +∑
j γj,efp ln tj + βefp ln(CEE
P
)
sdp = αdp +∑
j γj,dp ln tj + βdp ln(CEE
P
)
sdfp = αdfp +∑
j γj,dfp ln tj + βdfp ln(CEE
P
)
Da mesma forma, se a escolha for pela modalidade Verde, temos:
sep = αep +∑
j γj,ep ln tj + βep ln(CEE
P
)
7Greene (198�)[1�] faz modelagem similar para o caso da demanda por �leo diesel combus�vel
8
37www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
sefp = αefp +∑
j γj,efp ln tj + βefp ln(CEE
P
)
sdp = αdp +∑
j γj,dp ln tj + βdp ln(CEE
P
)
Para lidar com este problema, propõe-se aqui a adição de um termo de sele�vidade para as equações es�-madas sob cada um dos regimes. Este termo de sele�vidade depende de como o modelo de escolha da modali-dade tarifária é especificado -- uma vez que ele é um modelo de escolha discreta. Especificamente neste ar�go,optou-se por modelar a escolha de modalidade tarifária como um �OGI� mul�nomial, como em Dubin e �c�ad-den (1984)[10]. Com esta modelagem, uma equação genérica do sistema de equações acima fica com a seguinteforma -- no exemplo a seguir, supondo que a modalidade escolhida seja a azul:
E(sk|M = A) = αk +∑j
γjk ln tj + βi ln(CEE
P
)+ σ
r1 ln(PA) +
∑j=V,C
rjln(Pj)Pj
(1− Pj)
(1)
Em que σ representaria o desvio-padrão dos erros da equação original, e os termos rj coeficientes especí-ficos a cada um dos componentes de sele�vidade -- que não serão iden�ficados separadamente ao coeficienterj . Ainda que esta especificação leve à es�ma�vas consistentes assinto�camente, temos um problema associadocom a infer�ncia. Em especial, na presença deste termo es�mado entre colchetes, as es�ma�vas são ineficien-tes. Para lidar com este problema, os erros-padrão foram calculados com bootstrapping, com 100 replicações eagrupamento (clustering) por empresa8.
O modelo para a escolha da modalidade tarifária, base para o cálculo da probabilidade de escolha e do fatorde correção de sele�vidade discu�dos acima, se baseia na seguinte função u�lidade para a alterna�va j = Verde,Azul ou Convencional:
Uij = Vij + εj
Em que Vij denota a parte determinís�ca da u�lidade para o consumidor i decorrente de se subscrever àmodalidade tarifária j e o εj a parte idiosincrá�ca9. A u�lidademédia para a escolha damodalidade Convencionalfoi normalizada em zero10 e foi adotada a seguinte parametrização para o termo Vj :
Vij = ϕj0 + ϕj1gi + ϕj2lfpi + ϕj3lpi + ϕj4CEEi + ϕj5 ln Pi + fs + ti
Em que fs são efeitos fixos de setor e ti efeitos fixos de tempo. A categoria ``Convencional'' foi estabelecidacomo categoria base e, por isso, assumiu-se que Vij = 0 para esta categoria. A variável lfp se refere ao fatorde carga no período fora de ponta, e a lp ao fator de carga no horário de ponta. Independentemente do horário,o fator de carga é um índice que demonstra se a energia consumida está sendo u�lizada de maneira racionale econ�mica. Este índice varia entre zero a um, e é ob�do pela relação entre a energia a�va consumida numdeterminado período de tempo e a energia a�va total que poderia ser consumida, caso a demanda medida doperíodo (demanda máxima) fosse u�lizada durante todo o tempo. �inalmente, a variável g representa a razãoentre a demanda de pico e fora de pico. Diferentemente do fator de carga, que envolve tanto energia quantocapacidade, esta variável diz respeito apenas ao uso rela�vo de capacidade nos dois períodos. �ais variáveis são
8�ambém foram tentadas es�ma�vas usando apenas o bootstrapping, sem o agrupamento, e os erros-padrão calculados da forma usual.Os resultados estão disponíveis com pedido aos autores, e não foram reportados. De uma forma geral, os resultados nestas es�ma�vasalterna�vas foram melhores em termos de signific�ncia dos coeficientes, sendo que as conclusões derivadas no texto também seriam válidaspara o caso das alterna�vas.
9Que assume-se que siga uma distribuição de Gumbel (também conhecida como de valores extremos).10Como nossas empresas se encontram acima de 300 kW, elas só escolheriam entre V ou AZ. Os modelos de escolha binária foram ne-
cessários para verde-convencional porque algumas empresas estavam desenquadradas, porque elas ampliam capacidade mas não alteramcontrato. Desse modo, não seria adequado explorar essa escolha com essa base, teríamos de ter uma base com empresas abaixo de 300 kW.
9
38www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
importantes para a iden�ficação dos coeficientes.Os coeficientes ϕ são indexados de acordo com a alterna�va (dai o subscrito j), de forma a tentar captu-
rar parte da heterogeneidade não observável11, e os erros padrão neste nível são calculados com agrupamento(clustering) por empresa. Este modelo para a escolha de modalidade foi es�mado por �áxima Verossimilhança.
Os modelos do nível inferior, correspondentes �s equações do sistema representado por (1), foram es�madospor Seemingly Unrelated Regression (SUR), com a possível imposição de restrições de homogeneidade e simetriana matriz de Slutsky e efeitos fixos por empresa na equação do nível superior. A principal razão para se decidirpor incluir efeitos individuais apenas na equação de nível superior é que, na presença destes efeitos nas equaçõesdo AIDS, segundo Alston, Chalfant e �iggo� (2001)�3�, temos que o sistema resultante não é mais invariante �unidades de medida dos preços.
As condições de simetria são dadas porβij = βji
E as condições de homogeneidade são: ∑j
βij = 0
Se supusermos que os agentes gastem sempre 100% do dispêndio nestes quatro produtos, podemos adici-onalmente recuperar os coeficientes da equação que não foi diretamente es�mada -- a chamada restrição deadding-up:
∑i
αi = 1
∑i
βij = 0
∑i
γi = 0
3.1 Dados
�ara este ar�go, foi compilada uma base de dados de consumo de energia elétrica por empresa, para o períodoentre janeiro de 2002 e dezembro de 2006. Esta base de dados foi construída a par�r de informações fornecidaspela Eletropaulo, referindo-se a consumidores da categoria industrial pertencentes aos seguintes grupos de tensão(voltagem) na ponta de fornecimento:
• A2 -- De 88 a 138 kV
• A3a -- De 30 a 44 kV
• A4 -- De 2,3kV a 25kV
• AS -- Tensão Inferior a 2,3, atendida pela rede de distribuição comum e faturada dentro deste grupo emcaráter excepcional12.
Estas empresas se caracterizam por ter consumo de mais de 500kW, o que as colocaria na categoria de consu-midores livres especiais. Tais informações dizem respeito a 646 empresas do setor industrial da economia, cujadivisão de acordo com a classificação CNAE a dois dígitos está disposta a seguir:
11Note-se que aqui não se pretende uma interpretação estrutural dos coeficientes es�mados nomodelo de escolha demodalidade tarifária,apenas pretende-se caracterizar as probabilidades de escolha das diferentes modalidades para a construção posterior do termo de seleção daamostra.
12Note-se, todavia que apenas uma empresa estava nesta categoria, assim como na A3a
10
39www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tabela 2: Classificação CNAE das empresas da amostraFreq. Part. Válidos Cum.
Plás�co e Borracha 89 13.78 13.78 13.78Veículos Automotores 55 8.51 8.51 22.29Alimentos 51 7.89 7.89 30.19Metalurgia Básica 51 7.89 7.89 38.08Outros produtos químicos 50 7.74 7.74 45.82Prod. metal (excluindo máquinas e equipamentos) 49 7.59 7.59 53.41Máquinas e Equipamentos 45 6.97 6.97 60.37T�x�l 34 5.26 5.26 65.63Máquinas e equipamentos elétricos 32 4.95 4.95 70.59Edição, impressão, reprodução 31 4.80 4.80 75.39Farmac�u�ca 22 3.41 3.41 78.79Vestuário e Acessórios 18 2.79 2.79 81.58Minerais não metálicos 15 2.32 2.32 83.90Celulose, papel 14 2.17 2.17 86.07Diversos 13 2.01 2.01 88.08Mat. eletrônico e comunicação 13 2.01 2.01 90.09Perfumaria, sabões, detergentes 11 1.70 1.70 91.80Extra�va 9 1.39 1.39 93.19Mobiliário 7 1.08 1.08 94.27Máquinas e equipamentos para escritório e de 7 1.08 1.08 95.36informá�caCalçado e Ar�gos de couro 5 0.77 0.77 96.13Outros equip. de transporte 4 0.62 0.62 96.75Prod. metal (excluindo maq. e equip.) 4 0.62 0.62 97.37Refino de petróleo e álcool 4 0.62 0.62 97.99Equipamento hospitalar 3 0.46 0.46 98.45Maq. e equip. elétricos 3 0.46 0.46 98.92Fumo 2 0.31 0.31 99.23Maquinas e Equipamentos 2 0.31 0.31 99.54Bebidas 1 0.15 0.15 99.69Madeira 1 0.15 0.15 99.85Mat. eletrônico e de Comunicação 1 0.15 0.15 100.00Total 646 100.00 100.00
Fonte: Elaboração do Autor.
Podemos observar que, das empresas ali coletadas, temos uma boa dispersão em termos de setores cobertospela amostra, sendo que amaior par�cipação de empresas é no setor de Plás�cos e Borracha, com apenas 13,78�da amostra. �etores intensivos no uso de energia, como o de metalurgia, são rela�vamente pouco importantesna amostra. Em termos das escolhas de menus tarifários, a figura a seguir mostra a distribuição das escolhas dasempresas ao longo do tempo.
11
40www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Figura 1: Categorias Energia
42.260
8.204
49.536
0 10 20 30 40 50percent
VERDE
CONV.
AZULtip
o de
mod
alid
ade
Podemos notar que a maior parte das empresas -- cerca de 50� delas -- u�liza a tarifa do �po A���, enquantoque aproximadamente 42� u�liza a tarifa do �po �E�DE. � restante das observaç�es �pares empresa�mês) per-tence a empresas que, ao longo do período, mudaram de menu tarifário e passaram pela tarifa convencional deenergia. A existência destas observaç�es com a modalidade convencional faz com que torne possível a u�lizaçãodesta categoria como base na etapa de seleção do modelo.
�abela 3: Esta�s�cas Descri�vas
N Média Máx Mín Desv. Pad.sep 38333.000 0.137 1.000 -0.015 0.129sefp 38333.000 0.508 1.000 0.000 0.147sdp 38333.000 0.166 0.786 0.000 0.184sdfp 38333.000 0.190 1.000 0.000 0.123vep 38512.000 12572.995 3.47e+05 -238.086 19521.373vefp 38512.000 57176.113 2.70e+06 0.000 1.19e+05vdp 38512.000 26962.504 9.53e+05 0.000 60656.559vdfp 38512.000 12197.432 2.34e+05 0.000 13749.374tdp 38512.000 18.290 34.534 7.470 9.511tdfp 38512.000 8.975 34.347 3.093 3.124tep 38512.000 445.484 910.143 72.099 312.854tefp 38512.000 106.428 182.343 50.779 29.953g 38511.000 0.091 8.603 0.000 0.061lp 38427.000 0.661 2.046 0.000 0.233lfp 38510.000 0.504 1.745 0.002 0.183P 38512.000 4.007 4.538 3.234 0.221CEE 38333.000 10.865 15.203 5.069 1.251
Na tabela anterior, temos que as variáveis sefp, sep, sdp e sdfp dizem respeito � par�cipação nos gastos dasempresas em um determinadomês com o consumo de energia �fora de ponta e nos horários de ponta, respec�va-mente), e com a aquisição de capacidade -- igualmente separado em ponta e fora de ponta. Em termos de valor,as variáveis vep, vefp, vdp e vdfp dizem respeito ao dispêndio com energia e capacidade, tanto no horário fora deponta e no horário de ponta. Aproveitando a notação da seção anterior, temos queCEE = vep+vefp+vdp+vdfp.
12
41www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
�a tabela anterior, podemos notar que em média, a maior par�cipação nos gastos é de energia fora de ponta(sep), em média correspondendo a aproximadamente 59% do dispêndio, enquanto que os gastos com a capaci-dade vêm depois, sendo que nenhum dos �pos de gasto com capacidade chegue a ��%. Em termos de preços, osvalores são muito maiores para o consumo do que para a capacidade.
Antes de passarmos aos resultados damodelagemempírica propriamente dita, são necessárias algumas consi-derações referentes � estratégia de iden��cação u�li�ada. Em primeiro lugar, é importante ter emmente que estaé uma base de microdados de empresas, e não há discriminação de primeiro grau -- ou seja, todas as empresasenfrentam os mesmos preços para uma mesma modalidade. Neste sen�do, não há endogeneidade entre preçocobrado de uma empresa e a quan�dade de serviço consumida por esta mesma empresa. Além disso, estes pre-ços são determinados dentro de um processo regulatório de revisão tarifária, com uma certa antecedência e combase nos critérios da agência de regulação por preços. Ou seja, o preço aqui não é determinado pela intersecçãoentre a curva de receita marginal com a curva de custo marginal, e sim com base nas decisões da ANEEL.
�inalmente, a questão de caracterís�cas omi�das da empresa no modelo de demanda por serviços, dentrode uma modalidade, está enfrentada com o modelo de seleção de modalidade. Nesta modalidade de switchingsi���t�n���s ������ns, o termo de correção por sele�vidade também considera os efeitos das caracterís�casdas empresa -- por meio de dummies setoriais. Tendo feito estas considerações, são apresentados os resultadosdo modelo de escolha discreta da modalidade.
13
42www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tabela 4: Modelo -- ModalidadeModelo 1 Modelo 2
Mod. AZULg -4.104 -0.831 **
(-0.934) (-3.064)lp 0.396 -0.763
(0.560) (-0.788)lfp -4.079 *** -3.113 **
(-3.382) (-2.972)P -7.211 *** -83.460 ***
(-11.933) (-6.093)CEE 3.128 *** 2.568 ***
(11.336) (7.668)Constante 1.116 303.705 ***
(0.451) (97.233)Mod. VERDEg -9.232 -3.373
(-1.897) (-1.088)lp -2.218 ** -4.129 ***
(-3.227) (-4.070)lfp -3.492 *** -1.858 *
(-3.422) (-2.052)P -3.799 *** -76.434 ***
(-6.865) (-5.604)CEE 2.259 *** 1.741 ***
(10.815) (6.371)Constante -1.273 288.296
(-0.580) (.)Dummies de Tempo No YesDummies de Setor No YesNumber of Obs. 38248 38248Pseudo R2 0.359 0.499Chi-Squared. 456.823 .P-Val. Chi2 0.000 .O�S: Esta�s�cas t em par�nteses. C�digos: P-Valor<0.01 ***, P-Valor<0.05 ** andP-Valor<0.1 *.
Como podemos notar na tabela acima, a diferença entre as duas colunas da tabela acima está na incorporaçãode variáveis dummies de tempo e de setor, o que eleva o Pseudo-R2 para aproximadamente 50%. Podemos notarque nos dois casos, um aumento no preço médio da energia, medido pelo índice P, reduz a disposição a escolherqualquer uma das modalidades, em relação ao caso base da tarifa convencional. Além disso, quanto maior foro disp�ndio com energia, maior o incen�vo do consumidor se mover da tarifa convencional para qualquer umadas tarifas opta�vas, Azul ou Verde. Em termos de implicaç�es sobre o comportamento do consumidor, o modelocom dummies setoriais e de tempo aparentemente mostra resultados mais plausíveis. Na tabela a seguir, temosas elas�cidades cruzadas entre as modalidades Verde e Azul nos dois modelos.
A tabela acima mostra uma maior subs�tuição entre as modalidades no caso em que temos as dummies desetor e tempo no modelo, com uma elas�cidade média entre as empresas da ordem de 0,2 -- ou se�a, com umaumento de 1% em P, há uma mudança entre as modalidades da ordem de 0,2%. Nos modelos sem os efeitosfixos de setor e de tempo, esta subs�tuição é da ordem de 0,02, implicando que não haveria subs�tuição entre asmodalidades, o que é pouco plausível. Com relação aos modelos específicos para as modalidades Azul e Verde,
14
43www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tabela 5: Elas�cidades -- Nível Superior
N Média Mínimo Máximo Desv. Pad.Elast Azul-Verde (1) 38248 0.020 0.000 0.055 0.010Elast Verde-Azul (1) 38248 0.010 0.000 0.028 0.005Elast Azul-Verde (2) 38248 0.222 0.000 0.604 0.133Elast Verde-Azul (2) 38248 0.203 0.000 0.553 0.121
os resultados estão a seguir. Em cada tabela observamos quatro colunas, duas associadas com cada um dosmodelos de escolha discreta, sem ou com as dummies de tempo e de setor -- com os valores de termos de seleçãoespecí�cos de cada modelo. Em cada par de colunas temos o modelo sendo es�mado com e sem as restriç�es dehomogeneidade e simetria13.
Tabela 6: Modelo Modalidade Azul
Sem R.(a) Com R. (b) Sem R. (c) Com R. (d)
Eq. (sep)ln(tDP ) -0.050 -0.058 -0.026 -0.059 *
(-1.655) (-1.620) (-1.464) (-2.355)ln(tDFP ) 0.086 *** 0.054 ** 0.076 *** 0.058 ***
(4.745) (2.597) (7.676) (3.980)ln(tEP ) -0.098 ** -0.025 -0.099 ** -0.036
(-3.010) (-1.234) (-3.067) (-1.842)ln(tEFP ) 0.120 *** 0.029 0.104 *** 0.037 *
(3.562) (1.814) (3.680) (2.310)ln(CEE/P) -0.019 ** -0.007 -0.014 * -0.009 *
(-2.845) (-1.397) (-2.396) (-1.988)ln(PA)-Mod.1 0.034 *** 0.036 ***
(6.568) (6.703)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.050 -0.124 ***
(-1.359) (-3.973)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.1 0.104 *** 0.033 **
(5.530) (2.681)ln(PA)-Mod.2 0.021 *** 0.020 ***
(4.302) (4.347)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.075 -0.098
(-1.166) (-1.344)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.2 0.082 *** 0.039 ***
(4.474) (3.330)Constante 0.240 ** 0.244 *** 0.210 ** 0.274 ***
(2.690) (4.417) (2.627) (5.021)Eq. (sefp)ln(tDP ) -0.129 0.244 *** -0.163 * 0.173 ***
(-1.542) (5.269) (-2.496) (4.841)ln(tDFP ) 0.104 * -0.161 *** 0.144 *** -0.139 ***
(2.240) (-5.327) (3.945) (-6.035)ln(tEP ) -0.216 *** 0.029 -0.250 *** 0.037 *
(-4.510) (1.814) (-5.049) (2.310)ln(tEFP ) 0.238 *** -0.112 *** 0.312 *** -0.071 **
(4.582) (-4.004) (6.938) (-2.786)ln(CEE/P) 0.074 *** 0.093 *** 0.051 *** 0.065 ***
(8.601) (12.800) (6.254) (11.049)ln(PA)-Mod.1 -0.028 -0.030
(-1.876) (-1.951)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.029 -0.125
(-0.382) (-1.650)
Con�nua na pr�xima página.
13A terceira restrição, de adding-up, é usada para se recuperar os coe�cientes da equação não es�mada.
15
44www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Cont. Sem R. (a) Com R. (b) Sem R. (c) Com R. (d)
ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.1 -0.173 *** -0.243 ***(-3.627) (-6.671)
ln(PA)-Mod.2 -0.024 -0.029(-1.368) (-1.679)
ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 0.272 0.073(1.679) (0.407)
ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.2 -0.031 -0.113 ***(-0.738) (-3.916)
Constante 0.043 -0.495 *** 0.154 -0.260 ***(0.381) (-6.499) (1.437) (-4.281)
Eq. (sdp)ln(tDP ) 0.257 ** -0.373 *** 0.318 *** -0.232 ***
(3.255) (-5.643) (5.256) (-4.482)ln(tDFP ) -0.206 *** 0.187 *** -0.262 *** 0.118 ***
(-4.624) (4.275) (-7.666) (3.500)ln(tEP ) 0.200 *** -0.058 0.222 *** -0.059 *
(4.428) (-1.620) (4.409) (-2.355)ln(tEFP ) -0.189 *** 0.244 *** -0.263 *** 0.173 ***
(-3.811) (5.269) (-5.850) (4.841)ln(CEE/P) -0.050 *** -0.065 *** -0.029 *** -0.041 ***
(-5.130) (-7.377) (-3.494) (-5.999)ln(PA)-Mod.1 0.041 ** 0.044 *
(2.787) (2.334)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.109 -0.034
(-1.274) (-0.393)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.1 0.190 *** 0.236 ***
(3.516) (4.934)ln(PA)-Mod.2 0.024 0.028
(1.145) (1.341)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.414 * -0.156
(-2.112) (-0.668)ln(PV )PV /(1 − PV )-Mod.2 0.043 0.102 **
(0.902) (3.065)Constante 0.212 0.987 *** 0.121 0.742 ***
(1.772) (8.534) (1.105) (9.455)Number of Obs. 19043 19043 19040 19040R-sq 1st eqn. 0.186 0.146 0.143 0.108R-sq 2nd eqn. 0.243 0.216 0.220 0.175R-sq 3rd eqn. 0.121 0.077 0.069 0.020
O�S� �s�m�to�c t Stats �n Parent�eses. Codes� P-value<0.01 ***, P-value<0.05 ** and P-value<0.1 *.
16
45www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tabela 7: Modelo Modalidade VerdeSem R. (e) Com R. (f) Sem Restr. (g) Com Restr. (h)
Eq. (sep)ln(tDFP ) -0.273 *** -0.042 0.075 0.115 *
(-4.689) (-0.933) (1.065) (2.266)ln(tEP ) 0.498 *** 0.058 -0.062 -0.069
(9.023) (1.092) (-0.782) (-1.211)ln(tEFP ) -0.036 ** -0.016 -0.044 *** -0.047 ***
(-2.705) (-0.937) (-3.447) (-3.927)ln(CEE/P) -0.082 *** -0.070 *** -0.030 ** -0.030 **
(-6.479) (-4.353) (-3.102) (-3.141)ln(PV )-Mod.1 0.005 0.011
(0.327) (0.799)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.056 -0.099
(-1.267) (-1.608)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.1 -0.600 *** -0.579 ***
(-14.919) (-12.486)ln(PV )-Mod.2 -0.014 -0.015
(-0.705) (-0.767)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.2 -0.367 *** -0.367 ***
(-9.025) (-10.065)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.003 -0.016
(-0.029) (-0.126)Constante -2.126 *** 0.144 0.675 0.639 **
(-8.649) (0.547) (1.879) (2.617)Eq. (sefp)ln(tDFP ) 0.094 -0.136 *** -0.065 -0.122 ***
(1.856) (-7.595) (-1.095) (-7.556)ln(tEP ) -0.406 *** -0.016 -0.082 -0.047 ***
(-7.856) (-0.937) (-1.183) (-3.927)ln(tEFP ) 0.157 *** 0.139 *** 0.207 *** 0.207 ***
(10.621) (8.434) (19.540) (21.502)ln(CEE/P) 0.164 *** 0.155 *** 0.084 *** 0.084 ***
(11.918) (10.254) (9.456) (8.598)ln(PV )-Mod.1 0.033 * 0.028
(2.052) (1.853)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.1 -0.215 *** -0.183 **
(-3.344) (-2.817)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.1 0.403 *** 0.387 ***
(12.262) (9.502)ln(PV )-Mod.2 0.012 0.013
(0.863) (1.003)ln(PA)PA/(1 − PA)-Mod.2 0.227 *** 0.227 ***
(6.678) (7.434)ln(PC)PC/(1 − PC)-Mod.2 -0.241 * -0.228
(-2.007) (-1.682)Constante 1.484 *** -0.485 *** -0.133 -0.247 ***
(6.283) (-4.288) (-0.418) (-3.409)Number of Obs. 16228 16228 16229 16229R-sq 1st eqn. 0.362 0.354 0.274 0.273R-sq 2nd eqn. 0.371 0.366 0.304 0.304O�S: �s�mpto�c t Stats in Parentheses. Codes: P-value<0.01 ***, P-value<0.05 ** and P-value<0.1 *.
Podemos notar a par�r dos resultados da tabela acima, em primeiro lugar, que os termos de seleção dasdiferentes equações são significantes em todas elas, indicando que se ignorarmos os efeitos dos preços sobre aprobabilidade de mudança de modalidade tarifária pode levar a vieses importantes sobre a sensibilidade a preçodas margens relevantes da demanda por eletricidade.
� par�r destas es�ma�vas, � poss�vel calcular as elas�cidades para cada �po de serviço sobre as modalidades:
17
46www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
�abela 8� Elas�cidades -- Modalidade �zulModelo (a) Modelo (b)
tep tefp tdp tdfp tep tefp tdp tdfp
ep -1.697*** 0.951*** -0.341 0.656*** -1.178 0.236*** -0.413*** 0.407***(0.232) (0.270) (0.219) (0.135) (0.146) (0.125) (0.264) (0.149)
efp -0.446*** -0.605*** -0.278*** 0.177 0.031*** -1.313*** 0.450*** -0.351***(0.093) (0.108) (0.165) (0.092) (0.030) (0.059) (0.090) (0.060)
dp 1.249*** -0.988*** 0.600*** -1.187*** -0.293 1.671*** -3.185*** 1.201***(0.268) (0.317) (0.477) (0.269) (0.210) (0.297) (0.396) (0.266)
dfp 0.604*** -0.878*** -0.410*** -0.908*** 0.301*** -0.794*** 1.003*** -1.403***(0.071) (0.121) (0.197) (0.117) (0.110) (0.162) (0.230) (0.152)
Modelo (c) Modelo (d)tep tefp tdp tdfp tep tefp tdp tdfp
ep -1.708*** 0.812*** -0.171 0.579*** -1.254*** 0.307*** -0.422*** 0.437***(0.230) (0.227) (0.131) (0.074) (0.139) (0.130) (0.187) (0.103)
efp -0.506*** -0.436*** -0.338*** 0.265*** 0.056*** -1.206*** 0.319*** -0.298***(0.096) (0.094) (0.129) (0.072) (0.031) (0.053) (0.070) (0.045)
dp 1.363*** -1.496*** 0.948*** -1.547*** -0.323*** 1.168*** -2.356*** 0.758***(0.300) (0.286) (0.367) (0.206) (0.150) (0.224) (0.311) (0.203)
dfp 0.671*** -0.785*** -0.676*** -0.772*** 0.316*** -0.692*** 0.635*** -1.180***(0.077) (0.101) (0.151) (0.077) (0.076) (0.124) (0.177) (0.116)
O��� Erros �adrão calculados com o Método �elta. *** -- Elas�cidades signi�cantesa cinco por cento.
Os resultados das tabelas acima nos permitem �rar algumas conclus�es importantes sobre as caracter�s�casda demanda industrial por energia elétrica. Em primeiro lugar, temos que para todos os serviços a demandaé bastante elás�ca a preço, indicando que a resposta da quan�dade demandada do serviço (seja ele energia oucapacidade) a umaumento de 1�no preço do serviço émuito superior a 1�. �lémdisso, o padrão de elas�cidadescruzadas é tal que e�iste subs�tuição ao longo do dia -- ou seja, em resposta a um aumento no preço do serviçoem apenas uma parte do dia, os consumidores deslocam sua demanda para a parte do dia em que este preço nãosubiu. Outro ponto interessante dos resultados é que este deslocamento da demanda é mais intenso do horáriode pico para o horário fora de pico do que o contrário.
�inalmente, as elas�cidades cruzadas nega�vas entre energia e capacidade são indica�vas de complementa-riedade entre os dois bens -- ou seja, uma elevação do preço da energia no horário fora de pico reduz a demandapor energia neste horário além de reduzir a capacidade.
� seguir, temos o cálculo das elas�cidades-preço e cruzadas para as empresas na modalidade �erde.
18
47www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tabela 9: Elas�cidades -- Modalidade VerdeModelo (e) Modelo (f)
tep tefp td tep tefp td
ep 2.730*** 0.042 -1.882*** -0.505 0.141 -0.210(0.406) (0.132) (0.425) (0.383) (0.177) (0.334)
efp -0.844*** -0.856*** 0.124 -0.074*** -0.881*** -0.325***(0.102) (0.041) (0.100) (0.032) (0.046) (0.038)
d -0.425 -0.417*** 0.024 -0.160 -0.420*** 0.021(0.251) (0.080) (0.247) (0.236) (0.082) (0.245)
Modelo (g) Modelo (h)tep tefp td tep tefp td
ep -1.428*** -0.214 0.593 -1.474*** -0.231*** 0.887***(0.584) (0.110) (0.518) (0.415) (0.104) (0.373)
efp -0.185 -0.676*** -0.159 -0.115*** -0.676*** -0.272***(0.137) (0.026) (0.117) (0.023) (0.025) (0.033)
d 0.802*** -0.712*** -1.000*** 0.648*** -0.701*** -0.912***(0.325) (0.049) (0.290) (0.268) (0.046) (0.258)
OBS: Erros Padrão calculados com o Método Delta. *** - Significante a5 por cento
Os resultados aqui indicam que a demanda por energia nos horários de pico é elás�ca, enquanto que a de-manda por energia nos horários fora de pico e a demanda por capacidade são inelás�cas. Sobre o padrão desubs�tuição e complementariedade, apenas energia de ponta e capacidade são subs�tutos, enquanto que ener-gia fora de pico e capacidade são subs�tutos entre si, bem como energia no horário fora de pico e capacidade.Ou seja, a uma elevação no preço da energia fora de pico, há uma redução na demanda por energia no horáriode pico, e de capacidade contratada também.
Estes resultados parecemdis�ntos dos ob�dos para amodalidade azul, mas é importante ter emmente opapelda capacidade contratada neste caso. Uma unidade de capacidade usada no horário de pico significa que existeuma unidade de capacidade a menos dispon�vel para o horário fora de pico e vice-versa. Neste sen�do, podemosinterpretar a resposta à elevação de preços da energia fora de pico da seguinte forma: em resposta a esta elevaçãoda tarifa de energia, a empresa reduz seu consumo agregado de energia. No entanto, esta redução é assimétricaao longo do dia, sendo que o consumo de fora de pico é menor e para absorver parte desse deslocamento aempresa adquire mais unidades de capacidade.
Podemos, a par�r dos resultados das elas�cidades discu�dos anteriormente, fazer um exerc�cio de simulaçãoreferente àsmudanças tarifárias propostas entre o ano de 2012 e o ano de 2013. Na tabela a seguir, sãomostradosos resultados, computados a par�r das elas�cidades dos modelos (d) -- para a modalidade AZUL -- e (h) para amodalidade VERDE.
Tabela 10: Mudanças Tarifárias e Efeitos sobre Quan�dadesAZUL VERDE
Tipo Var. Preço Var. Qtde Tipo Var. Preço Var. Qtdeep -9.10% 8.11% ep -9.10% -38.28%efp -9.30% 10.08% efp -9.30% 23.84%dp -29.60% 39.38% d -60.70% 55.98%dfp -29.60% 19.69%
19
48www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Esta tabela nos indica que, com a redução proposta nos preços dos serviços -- e mantendo constante a dispo-sição a se manter em umamesma modalidade tarifária -- haverá uma mudança no consumo de energia, da pontapara os horários fora de ponta. No caso da modalidade Verde, o movimento é mais forte, sendo que a energia deponta se reduz e a fora de ponta aumenta. No caso da modalidade Azul, o que acontece é que a energia de pontaaumenta menos do que a fora de ponta.
4 Conclusões
Neste ar�go, foi proposto um modelo econométrico para a demanda por energia elétrica e capacidade dos con-sumidores industriais brasileiros. Diferentemente dos consumidores residenciais, os consumidores industriaisbrasileiros, além de consumir energia e capacidade, também enfrentam um menu de tarifas com discriminaçãode preços por horário do dia (o chamado Time of Use Pricing). Além disso, cada uma das três linhas tarifárias(Azul, Verde ou Convencional) também possui diferentes componentes e discriminação de preços. Todas estascaracterís�cas combinadas colocam um problema empírico que, até o momento, não foi enfrentado de formaconjunta na literatura.
Uma vez que a escolha por estas linhas tarifárias não é mandatória -- os consumidores escolhem qual das trêslinhas tarifárias é a mais adequada para eles -- a es�ma�va da demanda por energia e capacidade em cada umadas modalidades tarifárias sem levar em consideração o problema da escolha da modalidade tarifária acabariapor viesar os coe�cientes es�mados das funç�es de demanda. �ara lidar com este problema, inicialmente foies�mado ummodelo de escolha discreta mul�nomial para, em ummomento posterior, u�lizar as probabilidadesde escolha de forma a garan�r que as es�ma�vas dos coe�cientes fossem não-viesadas.
Esta metodologia foi aplicada em uma amostra não-aleatória de 646 grandes consumidores industriais brasi-leiros (com demandas acima de 300 KW), para um período entre janeiro de 2002 e dezembro de 2006. Observa-mos que as demandas pelos diferentes serviços (capacidade e energia, separados por horário de pico e horáriofora de pico) são elás�cas a preços e, pelo menos na modalidade A�U�, há complementariedade entre energia ecapacidade nos diferentes períodos do dia.
Além disso, conclus�es sobre a estrutura de tarifas que se baseiam em es�ma�vas de elas�cidade-preço dademanda de eletricidade agregada, sem a desagregação do consumo nos diferentes horários do dia, podem gerarconclus�es de polí�ca incorretas. As es�ma�vas de elas�cidade preço da energia elétrica industrial na literaturabrasileira avaliam basicamente o consumo médio de energia, mas o sistema de preços adotado pela Agênciareconhece a import�ncia de se dis�nguir uso de energia e capacidade (�W), sendo que a �l�ma determina odimensionamento dos sistemas dedistribuição e consequentemente os inves�mentos. Sem informação adequadaas previsoes de inves�mentos podem ser ser excessivas ou insu�cientes. Dai a import�ncia de se conhecer o graude subs�tuição entre energia e potência nos dois períodos, sendo esta uma contribuição original do presentetrabalho.
Referências
[1] Dennis Aigner. The residen�al electricity �me-of-use pricing experiments: What have �e learned� �n SocialE��erimen�a�on, N�E� Chapters, pages 11--54. Na�onal �ureau of Economic �esearch, �nc, Winter 1985.
[2] Dennis �. Aigner and �oseph �. �irschberg. Commercial�industrial customer response to �me-of-use electri-city prices: Some experimental results. The RAND Journal of Economics, 16(3):pp. 341--355, 1985.
20
49www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
[3]
ideal demand system. , 70(1):73--78, 2001.
[4]
elétrica no brasil. TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 489, junho 1997.
[5] ANEEL. Proposta de alteração metodológica da estrutura tarifária aplicada ao setor de distribuição de ener-
gia elétrica no Brasil, 1a parte. Technical report, ANEEL, Brasilia, August 2009. Nota Técnica n° 271/2009-
B
SRE-SRD/ANEEL, de 04/08/2009.
[6] Thomas Bue Bjorner, Mikael Togeby, and Henrik Holm Jensen. Industrial companies' demand for electricity:
evidence from a micropanel. Energy Economics, 23(5):595--617, September 2001.
[7] Douglas R. Bohi and Mary Beth Zimmerman. An update on econometric studies of energy demand behavior.
Annual Review of Energy, 9:105--54, 1984.
[8]
2002. Organizações Rurais e Agroindustriais, 7(2):238--246, 2005.
[9]
Nova Economia,
15(3):31--52, September 2005.
[10]
Econometrica, 52(2):345--62, 1984.
[11]
experiments with peak load pricing. Energy, 8(10):781 -- 795, 1983.
[12] Ahmad Faruqui and Sanem Sergici. Household response to dynamic pricing of electricity: a survey of 15
experiments. Journal of Regulatory Economics, 38:193--225, 2010. 10.1007/s11149-010-9127-y.
[13] Energy
Economics, 17(3):197 -- 204, 1995.
[14] David L. Greene. A derived demand model of regional highway diesel fuel use.
B: Methodological, 18(1):43--61, February 1984.
[15] James M. Griffin. Methodological advances in energy modelling: 1970-1990. The Energy Journal, 14(1):111-
-124, 1993.
[16]
por energia elétrica para classes de consumo na região nordeste, usando ols dinâmico e mudanca de regime.
Economia Aplicada, 13(1):69--98, Jan-Mar 2009.
[17]
Econometrica, 48(2):491--503, March
1980.
[18]
Discussão nº 68 - Departamento de Economia PUC-RIO, Maio 1984.
ç
elétrica
elétrica
50www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
[19] Revista
Brasileira de Economia, 58(1):67--98, 2004.
[20] J.-N. Sheen, C.-S. Chen, and T.-Y. Wang. Response ofl arge industrial customers to electricity pricing by volun-
, 142(2):157 --166,
March 1995.
[21]
elétrica no nordeste brasileiro após o racionamento de 2001-2002: Previsões de longo prazo. Pesquisa e
Planejamento Econômico, 36(1):137--178, 2006.
[22] Lester D. Taylor. The demand for electricity: A survey. Bell Journal of Economics, 6(1):74--110, Spring 1975.
[23]
and pareto impacts. The RAND Journal of Economics, 25(2):pp. 263--283, 1994.
22
51www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
A VARIÁVEL INDÍGENA NO PROCEDIMENTO DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL DE HIDRELÉTRICAS
Autores:
Fabricio Soler – Sócio da Área Ambiental no Felsberg Advogados Associados. Informações de contato: e-‐mail
[email protected]; telefone (11) 3141-‐4532.
Caroline Medeiros Rocha – Advogada no Felsberg Advogados Associados. Informações de contato: e-‐mail
[email protected]; telefone: (11) 3141-‐9119 e (11) 98612-‐4245.
RESUMO
Este artigo discutirá os desdobramentos de um dos projetos de usinas hidrelétricas no Brasil.
Empreendimentos de hidroeletricidade são complexos não apenas pelo alto dispêndio exigido, mas também
pela riqueza de seus conflitos jurídicos. Nesse sentido, a judicialização do licenciamento do AHE São Luiz do
Tapajós foi significativa. Ela traz como principal alegação o descumprimento da Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho que prevê o princípio da consulta livre, prévia e informada aos povos
afetados pelo empreendimento que se intenta licenciar. A proposta estuda do governo de compatibilização
dos interesses em voga é instaurar royalties a serem pagos para os indígenas pela exploração de seus
recursos hídricos. Pretende-‐se avaliar, no âmbito do procedimento licenciatório, o peso dos direitos das
comunidades indígenas, assim com do desenvolvimento nacional, através de uma análise do papel destes
projetos para o Brasil.
PALAVRAS-‐CHAVE: Hidroelétrica, Povos Indígenas, Princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado.
52www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
1. INTRODUÇÃO
O crescente desenvolvimento econômico e social do Brasil demanda grandes obras e investimentos
em infraestrutura, sendo a geração de energia elétrica um dos maiores desafios que o país enfrenta neste
século. Não apenas pela vultuosidade dos recursos necessários, mas também pelas peculiaridades que
levantam as discussões relacionadas, tais como a importância de se buscar um equilíbrio entre o
desenvolvimento sustentável, por meio do uso de fontes renováveis, limpas e eficientes e os direitos das
comunidades afetadas por tais empreendimentos.
O Brasil escolheu como uma das principais fontes de energia as provenientes de hidrelétricas, em
razão de seu potencial de exploração. Entretanto, esse potencial se encontra em grande parte em áreas de
relevância ambiental, tal como a Amazônia. A localização desses projetos pressupõe desafios relacionados a
impactos socioambientais. Um dos mais judicializados é o conflito que ocorre quando a construção de uma
usina implica em impactos em terras indígenas.
A Constituição de 1988 no art. 231 §3° dita que serão garantidos os direitos originários das
comunidades indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, incluindo direitos sobre o
aproveitamento de seus recursos hídricos, assim como seus potenciais energéticos. Contudo, este artigo não
foi regulamentado, dependendo disso para a sua efetivação.
Com o marco regulatório da Constituição, não regulamentado por lei até o presente momento, torna
complexa a absorção da variável indígena no âmbito do processo de licenciamento ambiental de hidrelétricas,
o qual implica, obrigatoriamente, em consultas à FUNAI e a essas comunidades, o que pode representar
restrições ou proibições à sua consecução. Por outro lado, o Brasil possui um urgência de geração de energia
sustentável.
Dessa forma, vale mencionar a importância de um instrumento, cuja proposta é de aproximar essas
comunidades do empreendimento, possibilitando às mesmas conhecerem em maior profundidade e detalhes a
usina hidrelétrica prevista para ser implantada. Em contrapartida, está em discussão o pagamento de royalties
as populações indígenas, que visa sinalizar nova abordagem na resolução de conflitos etnoecológicos,
envolvendo obras de infraestrutura e comunidades afetadas, podendo, desta forma, por meio da compensação
financeira restabelecer o equilíbrio ecológico da região afetada e a sustentabilidade do empreendimento.
2. MÉTODO
O objetivo dessa pesquisa é avaliar o papel das comunidades indígenas no caso do desenvolvimento
de empreendimentos hidrelétricos, e consequentemente a construção de barragens em terras que possam
impactar suas vidas.
A pesquisa foi predominantemente analítica, sendo baseada em levantamento de dados oficiais e
literatura sobre o assunto. Primeiramente, buscou-‐se avaliar se a energia hidrelétrica poderia ser considerada
sustentável. A partir daí o foco foi determinar qual a importância da hidroeletricidade na matriz energética do
Brasil. Uma vez estabelecidas tais premissas, voltou-‐se as atenções para conflitos pontuais entre comunidades
afetadas e as barragens para fins de energia.
Elegeu-‐se então o caso da AHE São Luiz do Tapajós como exemplo, em razão da fase de
licenciamento que se encontra, sua atualidade e riqueza de decisões judiciais. Após analisados os argumentos
principais para o pedido de embargo da obra, foi possível identificar o problema jurídico central neste caso,
53www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
este sendo o cumprimento do princípio do consentimento livre, prévio e informado. O desenvolvimento da
pesquisa seguiu na identificação dos limites de tal princípio e suas obrigações e respectivas regulamentações.
A última fase constituiu – uma vez identificada a importância desses empreendimentos, os
argumentos jurídicos para impedir que tais sejam realizados e as limitações desses argumentos – em realizar
uma prospecção futura sobre se a solução hoje estudada pelo Governo de criação de royalties, nos termos do
artigo 231 da Constituição Federal, seria ou não satisfatória para sanar os entraves jurídicos apresentados no
AHE São Luiz do Tapajós.
3. A HIDROELETRICIDADE
A energia hidrelétrica tem se desenvolvido como uma fonte energética segura, confiável e barata. O
conhecimento de como gerenciar de forma responsável os impactos sociais e ambientais tem aumentado
consideravelmente nas últimas décadas. Ela é a maior fonte de energia sustentável no mundo, ainda com
potencial para futuros desenvolvimentos. 1
Sendo responsável por 16.3% da energia elétrica mundial (cerca de 3.500 TWh em 2010), mais do
que energia nuclear (12,8%) e muito mais do que energia eólica, solar, geotérmica e outras fontes combinadas
(3,6%), a hidroeletricidade permanece, em termos percentuais, consideravelmente abaixo da energia
proveniente de combustíveis fósseis que representa 67.2% da força mundial.2 Neste sentido, quatro países,
China, Brasil, Canadá e Estados Unidos juntos produzem metade da energia hidrelétrica do mundo, e se forem
juntados com as produções da Rússia, Índia, Noruega, Japão, Venezuela e Suécia, esse percentual aumenta
para 70%.
Tabela 1: 10 maiores produtores de hidroeletricidade em 2010
País Hidroeletricidade Percentual de geração elétrica (%)
China 694 14.8
Brasil 403 80.2
Canadá 376 62.0
Estados Unidos 328 7.6
Rússia 165 15.7
Índia 132 13.1
Noruega 122 95.3
Japão 85 7.8
Venezuela 84 68
Suécia 67 42.2 Fonte: International Energy Agency -‐ IEA. 3
Todavia, na década de 90 e nos anos 2000 houve uma diminuição no desenvolvimento de
empreendimentos ligados a construção de grandes represas para a geração de energia, isso foi decorrente de
controvérsias locais e internacionais, entre outros fatores. Culminando no estabelecimento da Comissão
Mundial de Represas (World Commission on Dams – WCD) e na publicação, em novembro de 2000 “Dams and
Development: A new framework for decision-‐making”.4 Em 2003, o Banco Mundial aprovou um documento
1 International Energy Agency, “Technology Roadmap: Hydropower”, 2012. 2 International Energy Agency, “Technology Roadmap: Hydropower”, 2012. 3 International Energy Agency, “Technology Roadmap: Hydropower”, 2012. 4 World Commission on Dams, “Dams and Development: A new framework for Decision-‐making”, 2000.
54www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
que apoiava energia sustentável – “Water Resources Sector Strategy”. Já em 2009, ele ressaltou a importância
de uma infraestrutura para o futuro desenvolvimento da hidroeletricidade sustentável que seja compatível
com vários propósitos.
Contudo, existem opiniões diversas sobre a classificação de energia hidrelétrica como uma fonte
sustentável, algumas contrárias, como a de Célio Bermann5, e outras a favor, como a da National Association
for Regulatory Utility Commissioners – NARUC, entidade estadunidense representante dos Comissários de
Serviços Públicos que regulam serviços essenciais. A NARUC publicou em novembro de 2010 uma resolução
reconhecendo a hidroeletricidade como uma fonte renovável de energia, provendo a grade nacional com
energia limpa, sem carbono, que é também mais barata, confiável, e disponível que outras fontes renováveis.6
Todavia os impactos negativos de tais empreendimentos são motivos de ponderação na expansão
desse tipo de política energética. A pegada ambiental das hidrelétricas pode ser percebida logo no momento
da barragem dos rios, atividade que altera irremediavelmente a paisagem geológica da região, alterando
também a piscosidade do rio barrado, uma vez que o peixe é, por vezes, prego pelas turbinas da usina.
Não obstante, o governo brasileiro parte do pressuposto que esses projetos são sustentáveis, uma
vez que possuem baixa emissão de carbono e não dependem de combustíveis fosseis que comprometa a
vitaliciedade da usina.
3.1. No Brasil
Desde a década de 70, 80% da energia brasileira tem sido proveniente da hidroeletricidade.7 De
2003 a 2008 a produção de eletricidade aumentou 23,2%, sendo que mais de 56% do acréscimo foi produzido
por hidrelétricas. Em 2007, hidroelétricas representavam 85,2% do total de produção de energia, incluindo
7,9% importada da parcela paraguaia da Usina de Itaipu. Neste sentido, percebe-‐se que o papel que a energia
hidrelétrica possui no Brasil é consideravelmente maior do que a média mundial que é de 16%. 8 Já em 2011, o
percentual de participação das Hidrelétricas caiu para 72,5%, com a contribuição de outras fontes. 9
A matriz energética brasileira é a que tem menor carbono dos países industrializados. Apesar de que
há participação de diversas fontes na geração de energia, as usinas hidrelétricas ainda representam a maior
parcela dentre os empreendimentos em operação. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA afirma
que:
“Atualmente, a capacidade instalada de geração elétrica em território brasileiro é de
109.245,6 megawatt (MW) de potência, sendo a fonte hídrica a maior contribuidora,
seguida dos empreendimentos à base térmica. Não menos importante, um total de 8.170
MW de potência é injetado no sistema elétrico brasileiro, oriunda da importação de
5 “É com frequência que empreendimentos hidrelétricos têm se revelado insustentáveis, no cenário internacional e particularmente no Brasil Este caráter insustentável pode ser estabelecido a partir de critérios que identificam os problemas físico-‐químico-‐biológicos decorrentes da implantação e operação de uma usina hidrelétrica, e da sua interação com as características ambientais do seu “locus” de construção (p.ex., alteração do regime hidrológico; assoreamento; emissões de gases estufa a partir da decomposição orgânica no reservatório; entre outros...).”. Célio Bermann, “A perspectiva da sociedade brasileira sobre a definição e implementação de uma política energética sustentável – uma avaliação da política oficial”, Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2002. 6 Davic C. Coen, Robert J. Thormeyer, “Should Large Hydroeletric Projects be Treated as Renewable Resources”, 32 Energy L.J. 541-‐551, 2011. 7 Susana Moreira, “Brazil: Keeping the Lights on”, 9 Whitehead J. Dipl. & Int’l Rel. 115, 2008. 8 Susana Moreira, “Brazil: Keeping the Lights on”, 9 Whitehead J. Dipl. & Int’l Rel., 2008, p.116. 9 Susana Moreira, “Brazil: Keeping the Lights on”, 9 Whitehead J. Dipl. & Int’l Rel., 2008, p.116.
55www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
países, como o Paraguai (5.650,0 MW), a Argentina (2.250,0 MW), a Venezuela (200 MW)
e o Uruguai (70 MW)”. 10
Tabela 2: Participação dos diferentes recursos energéticos na geração de energia elétrica
(Potência em MW)
Em operação Em construção11 Total parcial
Tipos – usinas
Número de
usinas
Potência
(%)
Número de
usinas
Potência
(%)
Potência
(%)
Hidrelétricas12 852 79.182,3 (72,5) 311 15.336,7 (40,8) 94.519,0 (64,4)
Térmicas 1.341 27.262,0 (25,0) 216 18.820,5 (50,0) 46.082,5 (31,4)
Combustíveis
fósseis
948 19.302,0 (17,7) 122 14.599,7 (38,8) 33.901,7 (23,1)
Biomassa 368 6.989,6 (6,4) 81 3.654,4 (9,7) 10.644,0 (7,2)
Outros13 25 970,4 (0,9) 13 566,4 (1,5) 1.536,8 (1,0)
Termonucleares 02 2.007,0 (1,8) 01 1.350,0 (3,6) 3.357,0 (2,3)
Eólicas 45 794,3 (0,7) 41 2.096,3(5,6) 2.890,6 (2,0)
Total 2.240 109.245,6 (100) 569 37.603,5 (100,0) 146.849,1 (100) Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2011.14
É importante observar que em 2011 existiam 852 usinas hidrelétricas em operação, o que
representava 79.182,3 MW de capacidade de geração de energia, i.e. 72,5% do parque gerador em território
brasileiro. Não obstante a construção de 311 UHE que agregarão cerca de 15.000 MW à matriz energética
brasileira, totalizando 94.519 MW de energia provida dos recursos hídricos, o total de participação das UHE
diminuirá para 64,4%, em razão do aumento da parcela das usinas térmicas, significando um novo
decrescimento da contribuição hidrelétrica na geração de força.
Já quando se observa a coluna de usinas termoelétricas, percebe-‐se primeiramente que elas
representavam em 2011 cerca de um quarto da capacidade instalada brasileiras com 1.341 usinas e operação e
27.000 MW, acrescenta-‐se a este número a construção de 216 usinas novas, totalizando 46.082,5 MW. Essa
análise mostra o aumento da participação das usinas termoelétricas à base de combustíveis fósseis e biomassa
de 25% para 31,4%, ou seja, as usinas térmicas à base de biomassa saltarão de 6,4 para 7,2%, enquanto as
derivadas de combustíveis fósseis passarão de 17,7% para 23,1%. Novos dados de Janeiro de 2013 mostram
que a parcela das hidrelétricas é de 66%, restando com as termoelétricas 27%.15
10 IPEA, “Energia e Meio Ambiente no Brasil: Oferta Interna e Padrão de Consumo Energético”, Série: Eixos do Desenvolvimento Brasileiro, Comunicado IPEA n° 77, 2011, p. 8. 11 Incluídos os empreendimentos licitados e autorizados que ainda não iniciaram a construção. 12 Incluindo as pequenas centrais hidroelétricas (PCHs) e as mini-‐micros hidrelétricas (até 1 MW). Também estão contabilizadas as grandes usinas hidrelétricas de Energia (UHEs) como: Estreito (TO) e (MA) (1.087 MW), Santo Antônio (RO) (3.150 MW), Jirau (RO) (3.300 MW) e Santa Isabel (TO) e (PA) (1.087 MW), não sendo incluída a UHE de Belo Monte (PA). 13 Gás de processo, efluente gasoso, gás siderúrgico, óleo ultraviscoso, gás de refinaria e enxofre. 14 ANEEL, atualizado até 16 de junho de 2010 (Elaboração própria) Apud IPEA, “Energia e Meio Ambiente no Brasil: Oferta Interna e Padrão de Consumo Energético”, Série: Eixos do Desenvolvimento Brasileiro, Comunicado IPEA n° 77, 2011. 15 Luiz Eduardo Barata Ferreira (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), “Brazilian Eletricity Market”, apresentação exposta no “Workshop: Wholesale Electricity Markets Hurdles to Overcome” na Universidade de Northwestern, EUA, 2013. Disponível em: http://www.isen.northwestern.edu/events/kemi/jan2013/docs/Barata.pdf, último acesso: 26/06/2013.
56www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
“Portanto, a perda de espaço da fonte hídrica na matriz elétrica é por conta das usinas
térmicas, porém se verifica que uma quantidade significativa usa como combustível fontes
renováveis, como bagaço de cana, madeira, carvão vegetal etc.” 16
Neste sentido, a dependência da matriz energética brasileira na geração hidrelétrica, apesar de ser
uma fonte renovável e de baixo carbono, encontra uma contrapartida em períodos de pouca chuva. A
precipitação anual é fundamental para este tipo de empreendimento, sendo que quando houve a seca em
2000, as represas brasileiras marcavam seu ponto mais baixo em duas décadas, depois de anos de superávit, e
consequentemente o sistema entrou em colapso.
Seis anos mais tarde novos sinais de insuficiência energética começaram a ser identificados: i)
abastecimento intermitente em regiões rurais, em especial no norte e nordeste, prejudicando iniciativas
educacionais; ii) o fechamento do abastecimento em outubro de 2007 de gás natural para indústrias no Rio de
Janeiro e São Paulo para garantir o abastecimento da usinas termoelétricas; iii) alta de preços de mercado,17 a
qual foi objeto de Lei Federal n° 12.783/201318 que visa a redução das tarifas de energia elétrica para alcançar
o consumidor final;19 iv) demissões nas empresas Novelis e Coteminas em resposta aos preços altos de energia
em 2007.20
Para conter um possível futuro racionamento o Governo brasileiro, por intermédio do Ministério de
Minas e Energia publicou o Plano Nacionais de Energia (PNE – 2030) e o Plano Decenal de Expansão de Energia
Elétrica (PDE), que é atualizado anualmente.21
O PNE considera a energia hidráulica extremamente importante para o atendimento da demanda
energética do país, estimando o potencial de geração hídrica em 260 mil MW. Porém, ao analisar o potencial
de concessões já foram outorgadas (usinas em operação, em construção e em processo de licenciamento),
tem-‐se atualmente que pouco mais de 30% estão explorados.22
O potencial a aproveitar é de cerca de 126 mil MW, excluído o potencial estimado, dito
remanescente não individualizado de possíveis barramentos. Desse total, mais de 70% estão nas bacias do
Amazonas e do Tocantins/Araguaia. Como bem destacado no PNE, essas regiões concentram biomas -‐
Amazônia23 e Cerrado -‐ de relevância ambiental, que poderão ser explorados mediante a realização de estudos
ambientais de qualidade e a adoção de medidas mitigatórias.24
Especificamente quanto à bacia do rio Amazonas, o Plano Nacional de Energia 2030 prevê que o
potencial hidrelétrico da chamada sub-‐bacia Tapajós é de 24.626MW.
16 IPEA, “Energia e Meio Ambiente no Brasil: Oferta Interna e Padrão de Consumo Energético”, Série: Eixos do Desenvolvimento Brasileiro, Comunicado IPEA n° 77, 2011, p. 6. 17 Em 2006 US$ 58.76 para US$ 569.5 em janeiro de 2008. 18 Trata das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, sobre a redução dos encargos setoriais e sobre a modicidade tarifária. 19 Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE disponível em: http://ccee.org.br/portal/faces/pages_publico?_afrLoop=380266048496000#%40%3F_afrLoop%3D380266048496000%26_adf.ctrl-‐state%3D1cege5uo8b_148, último acesso 26/06/2013; 20 Susana Moreira, “Brazil: Keeping the Lights on”, 9 Whitehead J. Dipl. & Int’l Rel., 2008, p.117. 21 A Política Energética Nacional, cuja responsabilidade de implementação é atribuída ao MME, encontra-‐se regulamentada pela Lei Federal nº 9.478, de 06 de agosto de 1997,21 cujos objetivos englobam, dentre outros, a preservação do interesse nacional; a promoção do desenvolvimento, ampliação do mercado de trabalho e valorização dos recursos energéticos; proteção dos interesses do consumidor quanto ao preço, qualidade e oferta dos produtos; proteção do meio ambiente e conservação de energia; e identificação das soluções mais adequadas para o suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do País. 22 Informação obtida no Plano Nacional de Energia 2030. Geração Hidrelétrica. Brasília, 27 de abril de 2006. Disponível em: http://www.mme.gov.br/mme/menu/todas_publicacoes.html. 23 De acordo com o PNE “o potencial na bacia é avaliado em 77.058 MW, distribuídos por 13 sub-‐bacias, sendo que quatro delas (Tapajós, Xingu, Madeira e Trombetas) concentram quase 90% desse potencial.” (página35). Disponível: http://www.epe.gov.br/PNE/20080512_3.pdf. Consultado em 27/02/2013. 24 PNE, disponível: http://www.epe.gov.br/PNE/20080512_3.pdf. Consultado em 27/02/2013.
57www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Já o Plano Decenal de Expansão de Energia é um dos principais instrumentos de planejamento
energético, orientando as decisões relacionadas ao equilíbrio e ao crescimento econômico do país. O PDE
incorpora uma visão integrada do aumento da demanda e da oferta de recursos energéticos no período de dez
anos, definindo um cenário de referência, com o intuito de sinalizar e orientar as decisões dos agentes no
mercado de energia, para assegurar o incremento equilibrado da oferta energética.
Tais planos serão viabilizados através do Programa de Aceleração do Crescimento, que consiste em
um conjunto de medidas destinadas a incentivar o investimento privado, aumentar o investimento público em
infraestrutura e remover obstáculos (burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos) ao
crescimento do país. Esse Programa depende da participação do Poder Executivo, do Poder Legislativo, dos
trabalhadores e dos empresários.
A segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento,25 denominada de PAC2, prevê
investimentos em energia para impulsionar e sustentar o crescimento do país, com o intuito de manter a
matriz energética limpa e renovável, explorando fundamentalmente o potencial hídrico brasileiro.26
4. A VARIÁVEL INDÍGENA NO DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS
HIDRELÉTRICOS – CASO DE SÃO LUIZ DO TAPAJÓS
O PDE apresenta também os projetos energéticos em fase de planejamento e de construção. Nesse
sentido, ele traz a importância estratégica do AHE São Luiz do Tapajós, a ser viabilizado entre os anos 2018 e
2021,27 o qual reforça a previsão quanto ao planejamento do Ministério de Minas e Energia para que o AHE São
Luiz do Tapajós componha a matriz hidroenergética brasileira mediante a sua entrada em operação em meados
de 2018/2021.
Todavia, o processo de licenciamento ambiental deste empreendimento foi alvo de controvérsias,
sendo que se encontra ainda na fase de elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório
-‐ EIA/RIMA.
Primeiramente, o Ministério Público do Estado do Pará entrou com a Ação Civil Pública nº 3883-‐
98.2012.4.01.3902, que tramita perante a 2ª Vara da Subseção Judiciária de Santarém (Justiça Federal de1º
Grau), contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. e Eletronorte – Centrais
Elétricas do Norte do Brasil S.A., que tem por objeto a suspensão do licenciamento da Usina Hidrelétrica de São
Luiz do Tapajós, até que sejam realizadas: a) a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) e a Avaliação Ambiental
Estratégica (AAE) dos impactos sinérgicos e cumulativos do empreendimento, tendo em vista as demais
barragens previstas para a bacia dos rios Tapajós e Jamanxim; e b) a consulta livre, prévia e informada dos
povos indígenas e demais populações tradicionais, localizados na área de influência do empreendimento São
Luiz do Tapajós e afetados pelas medidas administrativas e legislativas já executadas no âmbito do
licenciamento ambiental.
Em 19/12/2012, a Justiça Federal de Santarém deferiu parcialmente o pedido liminar determinando:
a) que os Réus realizem a avaliação ambiental integrada,28 em toda a bacia dos rios Tapajós e Jamanxim,
25 Decreto Federal nº 6.025, de 22 de janeiro de 2007, posteriormente alterado pelos Decretos Federais nº 6.394/2008, nº 6.459/2008, nº 7.462/2011 e nº 7.470/2011. 26 Em especial, nota-‐se a inclusão do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós. Informação obtida no Plano de Aceleração do Crescimento -‐ PAC 2. 1º Balanço Eixo Energia. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/pac/relatorios/2011-‐nacionais, p. 74. 27 Plano Decenal de Expansão de Energia 2021 / Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Brasília: MME/EPE, 2012, p. 77 e 99. Disponível em: http://www.epe.gov.br/PDEE/20120924_1.pdf 28 Cumpre ressaltar que inobstante a AAE constar na avaliação da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, não há atualmente instrumento legal que a regulamente, ou mesmo que preveja a sua obrigatoriedade.
58www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
utilizando critérios técnicos, econômicos e socioambientais avaliando, inclusive, a necessidade de mitigações e
compensações no que diz respeito à infraestrutura urbana, rodoviária, portuária e aeroportuária, além de
investimentos em saúde e educação nos municípios de Santarém, Jacarecanga, Itaituba, Novo Progresso,
Trairão, Rurópolis, Aveiro e Belterra; b) antes que se encerre a fase de viabilidade, que os réus ouçam as
comunidades indígenas Andirá-‐Macau, Praia do Mangue, Praia do Índio, Pimental, KM 43, São Luiz do Tapajós e
outras porventura ainda não localizadas ou demonstrem que os índios frustraram ou se recusaram a opinar
sobre o aproveitamento hídrico discutido neste feito; c) proibir que os Réus concedam licença ambiental
prévia, ou que não a utilizem caso já as tenham obtido, até que as medidas referidas nos itens “a” e “b” sejam
cumpridas, fixando multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), pela inobservância desta ordem; d) que o
Ministério Público Federal, em 60 (sessenta) dias adote providências para a oitiva das comunidades indígenas
referidas no item “b”, indicando forma (formato), quais são suas lideranças aptas e legitimadas a representá-‐
las, locais e datas de sua audiência (sendo que neste último caso podem ser ajustadas por acordo entre as
partes).
Posteriormente a essa decisão liminar, as partes submeteram à apreciação do juízo Embargos de
Declaração, com fim de esclarecer pontos obscuros da liminar. Depois de transcorrido o julgamento de tais
recursos, o Ministério Publico Federal entrou com um Agravo de Instrumento perante o Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, uma vez que o juiz da Subsecção Judiciária de Santarém não teria avaliado, ou
simplesmente indeferido, o recurso do MP sobre a suspensão de todo e qualquer ato tendente à realização do
empreendimento, sendo que ao deferir a liminar, o magistrado apenas suspende a concessão de licença prévia
ambiental, permitindo todos os atos que antecedem, inclusive a Operação Tapajós, que disponibilizou a Força
Nacional de Segurança Pública29 para garantir a evolução do levantamento da fauna e flora para fins de
elaboração dos estudos ambientais necessário para o licenciamento.
Ademais, o MPF argumentou que o prosseguimento dos estudos para o AAI implicaria
necessariamente na entrada dos pesquisadores em terras indígenas, acarretando em uma violação do princípio
da livre consulta aos povos indígenas constantes na Convenção n° 169 da Organização Internacional do
Trabalho, e sustentou que para que pudesse ser elaborada a AAI antes era necessário consultar os povos
indígenas e as comunidades tradicionais impactadas.
O MPF, em sede de Agravo de Instrumento, requereu: i) a suspensão de qualquer ato referente ao
projeto, condicionando o mesmo a consulta das populações locais; ii) facilitar o processo de consulta não
apenas aos povos indígenas afetados, mas também às populações tradicionais atingidas, notadamente
ribeirinhas, nos termos do art. 1º da Convenção 169 da OIT, evitando a confusão com procedimento descrito
no art. 231 da Constituição Federal de 1988; iii) declarar inválidos quaisquer “atos de pretensa consulta
realizados no contexto de opressão” durante a Operação Tapajós; iv) determinar que, após a realização da
consulta, sejam elaboradas tanto a Avaliação Ambiental Integrada (AAI), quanto a Avaliação Ambiental
Estratégica (AAE).
O Desembargador Federal proferiu decisão argumentando que já havia sido tomada uma decisão
política antes mesmo do início dos estudos, e que o empreendimento acarretará necessariamente na
construção de estrada por terras indígenas, sendo esses fatos que levaram ao descumprimento da Convenção
n° 169 da OIT, e por fim, deferiu todos os pedidos feitos pelo Ministério Público Federal.
Em consequência da decisão acima, a União e a Agência Nacional de Energia Elétrica entrou com um
Pedido de Suspensão de Liminar e Sentença perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ, arguindo que os
29 Decreto nº 7.957, de 12 de março de 2013: Institui o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente; regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental; altera o Decreto no 5.289, de 29 de novembro de 2004, e dá outras providências.
59www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
estudos ambientais que estavam em andamento na AHE São Luiz do Tapajós independem da realização da
consulta prévia às comunidades indígenas, considerando que a Convenção ° 169 da OIT estabelece, em seu art.
6º, 1, a, que os governos deverão "consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,
particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas
ou administrativas suscetíveis de afetá-‐los", devendo a consulta ser prévia a qualquer ato administrativo que
autorize a implantação do empreendimento.
Todavia, o processo de consulta estabelecido o art. 6º, 1, a, da Convenção ainda não foi objeto de
regulamentação pelo país, e que, portanto, existiria certa liberdade de forma no processo de consulta, desde
que observados os núcleos essenciais dos direitos insculpidos no concerto internacional.
Foi destacado que a Secretaria Nacional de Articulação Social da Secretaria-‐Geral da Presidência da
República, antes mesmo do ajuizamento da demanda pelo Parquet Federal, já havia iniciado a articulação dos
entes públicos envolvidos no projeto do Aproveitamento Hidroelétrico de São Luiz do Tapajós para viabilizar a
realização da Consulta aos povos indígenas potencialmente afetados pelo empreendimento.
Assevera-‐se, também, não ser necessária a paralisação dos estudos de viabilidade do
aproveitamento hidrelétrico, pois não teria sido editado qualquer ato tendente a autorizar o empreendimento,
de modo que a consulta às comunidades indígenas poderia se dar concomitantemente aos estudos de
viabilidade, uma vez que somente após os estudos é que será possível analisar a viabilidade ou não do
empreendimento.
Desse modo, a suspensão causaria, no entender da União e ANEEL, grave lesão à ordem e à
economia públicas, tendo em vista que: i) desconsidera todo o conjunto de normas que regem os estudos de
viabilidade de um aproveitamento hidrelétrico, que vem sendo observado à risca; e ii) a paralisação dos
estudos inviabiliza o planejamento estatal para suprimento da demanda de energia elétrica.30
O Presidente do STJ, Feliz Fischer, decidiu31 que os estudos preliminares – atinentes à viabilidade do
empreendimento – não afetam diretamente as comunidades envolvidas. Afirma que a situação proibida pela
norma da OIT seria, no caso, das comunidades envolvidas não serem ouvidas, ou não tenham tido
oportunidades de se manifestarem e comporem o processo participativo até no momento do início à execução
de um empreendimento que pode as afetar diretamente.
Uma vez que não há regulamentação específica que exija que a consulta seja efetuada antes de
começarem os estudos de viabilidade do empreendimento, o “princípio de preservação dos direitos
fundamentais dessas comunidades”32 pode ser observado concomitantemente com às avaliações dos estudos,
considerando que não haveria medida administrativa.
30 “No tocante à grave lesão à economia pública, sustentam que "a suspensão do licenciamento ambiental da UHE São Luiz do Tapajós, e o consequente atraso da entrada em operação da usina, implicará no planejamento estratégico um custo econômico adicional da ordem de R$ 2,49 BILHÕES por ano, ou seja, R$ 6,8 MILHÕES por dia, por conta da substituição da fonte hidráulica por fonte térmica" (fl. 21). Salientam que "Para atender às exigências feitas pelo Ibama para a elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA), com a realização dos estudos de campo em todos os transectos definidos pelo órgão licenciador, foi mobilizada, para a região de Tapajós, uma equipe de aproximadamente 80 pessoas, dentre as quais pesquisadores, responsáveis pela obtenção das informações sobre ecossistemas no período da cheia, e pessoas de apoio logístico e de segurança" (fl. 24). Até o presente momento, destacam que já foram despendidos, aproximadamente, R$ 10 milhões e os prejuízos, se mantida a r. decisão atacada, seriam irreparáveis, "pois os estudos em apreço, caso não realizados no presente momento, só poderão ser realizados no próximo período de cheias" (fl. 25)”. Suspensão de Liminar e de Sentença nº 1.745 -‐ PA (2013/0107879-‐0). 31 Ressalta-‐se que a Lei nº 8.437/1992 estabelece que compete ao Presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, saúde, segurança e economia públicas. 32 Sobre princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro ver: Virgílio Afonso da Silva. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009; Oscar Vilhena Vieira. “Supremocracia”, Revista de Direito GV 4 (2): 441-‐464; Oscar Vilhena Vieira. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros; e Marcelo Neves. “O abuso de princípios no Supremo Tribunal Federal”, In.: Observatório Constitucional. Conjur, 2012, disponível em: www.conjur.com.br/2012-‐out-‐27/observatorioconstitucional-‐abuso-‐principios-‐supremo-‐tribunal, último acesso em 27 de junho de 2013.
60www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Além disso, destaca que UHE São Luiz do Tapajós se trata de um projeto energético, que ainda está
em fase embrionária de verificação da viabilidade técnica, econômica e ambiental, e, ao menos enquanto se
tratar de um simples projeto, sem início de execução efetiva, não possui o condão de afetar, de modo negativo,
as comunidades locais. Por outro lado, argumenta que a realização dos estudos seria benéfico para as
comunidades, pois possibilitam o conhecimento dos impactos ambientais, caso o projeto seja efetivamente
implantado.
Por fim, Fisher conclui que interromper o planejamento do Governo destinado ao setor energético
do país, estratégico para o desenvolvimento da nação, causaria grave lesão à ordem pública, em sua esfera
administrativa, especialmente por poder comprometer a prestação dos serviços públicos que dependem dessa
fonte de energia, afetando o interesse público na medida em que poderá obstar a expansão do setor elétrico e,
consequentemente, o crescimento da economia brasileira.
Inobstante à atuação do STJ e TRF1 para a resolução do conflito, ele permanece gerando novas
consequências. No mês de Maio de 2013 lideranças indígenas invadiram o canteiro de obras da AHE Belo
Monte reivindicando a suspensão de todos os projetos hidrelétricos na Amazônia, incluindo o AHE São Luiz do
Tapajós. Em seguida, foram levados para Brasília, a fim de discutir com o Governo uma solução para esse
impasse. A tentativa falhou.33
Em seguida foram sequestrados três pesquisadores que estavam fazendo o levantamento para a
elaboração do EIA/RIMA. Após a libertação dos reféns, o Governo anunciou a suspensão dos estudos para o
projeto AHE São Luiz do Tapajós.34
5. AS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS E O CONSENTIMENTO LIVRE, PRÉVIO E INFORMADO E
A PROPOSTA DE PAGAMENTO DE ROYALTIES À POPULAÇÃO INDÍGENA
O princípio do consentimento livre, prévio e informado; ou Free, Prior and Informed Consent (FPIC) é
um instrumento na busca pelo equilíbrio e conciliação dos interesses das populações tradicionais com os dos
empreendedores, neste caso, das barragens.
O relatório da ONU “An Overview of the Principle of Free, Prior and Informed Consent and
Indigenous Peoples in International and Domestic Law and Practices” 35 lista os documentos internacionais que
reconhecem o FPIC, esses são36, dentre outros37:
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que se refere ao princípio, em seu
artigo 6º, no contexto da realocação da população indígena de suas terras. No mesmo artigo, assim como nos
artigos 7 e 15, a Convenção busca assegurar que todos os esforços sejam feitos pelos Estados para consultar as
populações afetadas no contexto de desenvolvimento, terras e recursos naturais. 33 Secretaria Geral da República. “Ministro Gilberto Carvalho renova proposta de diálogo e negociação com lideranças Munduruku”, notícia disponível em: < http://www.secretariageral.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/05/29-‐05-‐2013-‐ministro-‐gilberto-‐carvalho-‐renova-‐proposta-‐de-‐dialogo-‐e-‐negociacao-‐com-‐liderancas-‐munduruku>, último acesso 27/06/2013. 34 Folha de São Paulo. “Governo suspende estudos de usinas no rio Tapajós; índios liberam biólogos”, notícia disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1300183-‐governo-‐suspende-‐estudos-‐de-‐usinas-‐no-‐rio-‐tapajos-‐indios-‐liberam-‐biologos.shtml, último acesso 27/06/2013. 35 Presented at Workshop on Free, Prior and Informed Consent and Indigenous Peoples, organized by the Secretariat of UNPFII, 17-‐19 January 2005,UN Headquarter, New York, USA 36 Instrumentos listados em Parshuram Tamang. “An Overview of the Principle of Free, Prior and Informed Consent and Indigenous Peoples in International and Domestic Law and Practices”, p. 5-‐10. 37 Outros documentos listados como preconizadores do FPIC são: a Convenção de Rotterdam; relatório de 1997 do Comitê para a Eliminação de Discriminação Racial; relatório de 2001 do Comitê sobre Direitos Econômicos e Culturais; Workshop sobre Populações Indígenas, Setor Privado e Recursos Naturais, Energia e Companhias Mineradoras e Direitos Humanos; Quinta Conferência das Partes (COP); Subcomitê da ONU sobre Promoção e Proteção de Direitos Humanos; Painel Intragovernamental sobre Florestas; relatório de 1992 da UNCED para implementação da Agenda 21, entre outros, em Parshuram Tamang . “An Overview of the Principle of Free, Prior and Informed Consent and Indigenous Peoples in International and Domestic Law and Practices”, p. 5-‐10.
61www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
A Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Povos Indígenas de 2006 regulamenta
que os povos indígenas não serão removidos à força de suas terras ou territórios. E no artigo 10 consagram que
qualquer transação será feita com base no consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas
interessados e com um acordo prévio sobre uma indenização justa e eqüitativa e, sempre que possível, com a
opção do regresso.
O Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança (2000) também reconhecem que o FPIC é aplicado no
movimento transfronteiriço, e o transporte de organismos geneticamente modificados (OGM) entre os países
membros do acordo.
Ademais, o FPIC foi adotado como parâmetro em documentos de instituições privadas, como no
Relatório Final da Comissão Mundial de Repressas (WCD), fundada pelo Banco Mundial e pela União pela
Conservação da Natureza. 38
Há mais de um modelo de implementação do FPIC, como o do Canadá onde o governo tem o dever
de efetuar a consulta que não pode ser delegado; e na Austrália, onde o Estado age como um expectador
enquanto a empresa e os indígenas chegam a um acordo, entre outros. No entanto, é consensual que, quando
o instrumento falha, cabe ao Judiciário a resolução da disputa, apesar de ele nem sempre ser capaz de chegar a
uma solução duradoura, como se viu na Índia em 2008 e na Austrália em 2007.39
A atuação das Cortes das Comissões Africana de Direitos Humanos (2010) e da Inter-‐Americana
sobre Direitos Humanos (Awas Tingni vs. Nicaragua 2001; Yanomami vs. Brasil 1985) tem paulatinamente
fortalecido a sua jurisprudência no sentido da defesa dos direitos aos povos indígenas. 40
O princípio do FPIC, independentemente de tutelar o direito dos povos indígenas, tem a finalidade,
sobretudo como instrumento de controle de organismos internacionais, e potencialmente nacionais, para a
viabilidade e segurança de seus investimentos.
No Brasil ele foi nacionalizado por meio do Decreto Federal n° 5.051/2004, todavia, nem o Decreto
nem a própria Convenção regulamentam a forma que se dará a consulta. Há, portanto a possibilidade de
flexibilização de certos conceitos presentes nos dois instrumentos normativos, viabilizando que diferentes
países possuam maneiras e graus variados para a concretização desse princípio.
A experiência nacional tem se mostrado tumultuosa, com atrasos de obras e insegurança jurídica
para os participantes dos leilões desses empreendimentos, essa situação não é desejosa em ambas as frentes,
seja em termos de garantir o desenvolvimento energético do país, seja para realizar o direito das populações
tradicionais.
Ressalta-‐se que o FPIC não foi regulamentado quanto aos seus procedimentos, não é possível
afirmar categoricamente como ele deve ser realizado, portanto, a posição do Governo brasileiro sobre a
implementação desse princípio por meio de Audiência Pública em fase de licenciamento ambiental é legitima.
Uma vez que o licenciamento ainda é um procedimento discricionário da administração pública, i.e. não há
obrigatoriedade teórica para a concessão da licença.
38 O Banco Mundial comissionou dois documentos, em ocasiões diferentes, que visavam tratar desse princípio. O primeiro foi o relatório final da Comissão Mundial de Represas (2000), que detalhava recomendações em relação a FPIC, e o segundo foi o Relatório do Banco Mundial sobre Indústrias Extrativas (2004). Para saber mais sobre a atuação do Grupo Banco Mundial ver: Jalia Kangave. “Investigating the Failure of Resettlement and Rehabilitation in Developed Projects: a Critical Analysis of the World Bank’s Policy on Involuntary Resettlement Using Lessons from Uganda’s Bujagali Hydroelectric Project”. 45 UBC Law Review, 2012, p. 329. Assim como: Fergus MacKay. “Indigenous People’s rights to Free, Prior and Informed Consent and the World Banks’s Extractive Industries Review”. 4 Sustainable Dev. L. & Pol’y. 43, 2004. 39 Parshuram Tamang . “An Overview of the Principle of Free, Prior and Informed Consent and Indigenous Peoples in International and Domestic Law and Practices”, p. 4. 40 George K. Foster. “Foreign Investment and Indigenous People: Options for Promoting Equilibrium Between Economic Development and Indigenous Rights”, 33 Michigan Journal of International Law, (2012-‐2013), p.663.
62www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Ao tratar de Audiências Públicas, analisa-‐se a Constituição Federal Brasileira de 1988, a qual dispõe,
no inciso IV, do §1º, do artigo 225, que para assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
o Poder Público está incumbido de exigir estudo de impacto ambiental para instalação de obra potencialmente
causadora de degradação do meio ambiente, ao qual se dará publicidade.
Nesse sentido, a Resolução CONAMA nº 01/1986, a qual trata de critérios básicos e diretrizes gerais
para os estudos ambientais (EIA/RIMA), dispõe que o RIMA deverá ser acessível ao público, bem como que o
IBAMA deverá promover a realização de Audiência Pública para informar à população acerca do projeto, seus
impactos ambientais e discutir o RIMA.
A Audiência Pública encontra-‐se disciplinada na Resolução CONAMA nº 09, de 03 de dezembro de
1987, e “tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA,
dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito”.41
A Instrução Normativa IBAMA nº 184/2008 prevê no artigo 22, caput, que o IBAMA deverá
providenciar a publicação de edital informando sobre os locais onde o RIMA estará disponível, abrindo prazo
de 45 (quarenta e cinco) dias para o requerimento de realização de Audiência Pública, quando solicitada.
O IBAMA deverá convocar a Audiência para discussão do relatório de impacto ambiental,
preferencialmente com antecedência mínima de 15 (quinze dias). O RIMA deverá ficar disponível no site do
Instituto na Internet e nos locais indicados na publicação. Ademais, para a realização de Audiência Pública, o
IBAMA deverá também providenciar a publicação de Edital de Convocação, informando data, horário e local.42
Os procedimentos descritos acima compreendem a exigência formal do FPIC, qual seja: a consulta
prévia a tomada de decisão administrativa. Uma vez que as informações relativas ao empreendimento, tais
como impactos e área afetada, são disponibilizadas com antecedência, juntamente com o Edital de Convocação
para participação do processo de licenciamento. Nesta ocasião, as populações afetadas terão oportunidade de
dar ou não o seu consentimento ao empreendimento, contudo, tal declaração de anuência não vincula ação
estatal do licenciamento, apenas a informa.
Com intuito de evitar a judicialização de demandas relativas ao FPIC, há atualmente um projeto do
Governo de regulamentar o art. 231 da Constituição Federal de 1988, o qual fala no pagamento de royalties
para os índios sobre a exploração de recursos hídricos nas suas terras.
O plano prevê o repasse de parte do que é arrecadado com a Compensação Financeira pela
Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH), encargo que arrecada 6,75% do valor total de energia mensal
produzida por uma usina.
De acordo com o Valor Econômico, 43 anualmente, cerca de R$ 2 bilhões são arrecadados pela
CFURH. Na divisão atual desse dinheiro, a fração de 0,75% é direcionada para a Agência Nacional de Águas
(ANA). Dos demais 6%, 45% ficam com os municípios atingidos pelo empreendimento, 45% seguem para os
Estados e 10% vão para a União.
A proposta em análise perante uma comissão especial para tal estudo prevê que os índios passariam
a receber 15% da CFURH. Para chegar atingir tal número seria redestinados metade dos recursos
correspondentes à União e 10% do total que é repassado aos Estados. Os municípios manteriam o mesmo
percentual.
Nesse sentido, a regulamentação do artigo 231, e em especial do FPIC é necessária, a fim de definir o
que consultar, quem e quando. As indefinições atuais sobre como lidar com o impacto dos empreendimentos
levam à insegurança jurídica, que atrapalha as comunidades indígenas e o país. 41 Artigo 1º da Resolução CONAMA nº 09/1987. 42 Artigo 22, §§1º, 2º e 3º, da Instrução Normativa IBAMA nº 184/2008. 43 Valor Econômico, disponível em http://www.valor.com.br/brasil/2908922/para-‐liberar-‐obras-‐governo-‐quer-‐pagar-‐royalty-‐para-‐indios, último acesso em 01/07/2013.
63www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Concluí-‐se que a impossibilidade de se chegar a um equilíbrio ótimo do desenvolvimento do FPIC e
do princípio do Desenvolvimento Nacional consagrado pelo artigo 3° da Constituição Federal de 1988.
Finalmente, tendo em vista a insegurança trazida por relações desgastadas, não há garantias de que o
instrumento dos royalties seja bem sucedido em evitar situações como a do AHE São Luiz do Tapajós.
6. RESULTADOS
Os resultados da pesquisa foram os seguintes:
a) Os entraves jurídicos das demandas socioambientais para impedir a construção de novas
barragens, no caso da AHE São Luiz do Tapajós, foram em larga parte atribuídos ao princípio do consentimento
livre, prévio e informado -‐ FPIC, previsto na Convenção n° 169 da OIT;
b) Não há instrumento, nacional ou internacional, que regulamente o FPIC, de forma que
legalmente vincule o Governo brasileiro a um procedimento para sua realização. Nesse sentido as Audiências
Públicas podem ser interpretadas como satisfatórias para o cumprimento da FPIC, desde que a consulta seja
anterior à tomada de decisões administrativas, situação que não é caracterizada pela inicialização de
procedimento licenciatório.
c) A solução estudada pelo Governo não ataca o principal ponto judicializado no caso da AHE
São Luiz do Tapajós, e, portanto, não é certo que tal instrumento seja eficiente em evitar demandas parecidas.
7. CONCLUSÃO
A hidroeletricidade é considerada, pelo Governo brasileiro, como uma fonte sustentável de energia e
de baixa emissão de carbono, apesar de se ter conhecimento de seus impactos no meio ambiente. Dessa forma
as hidrelétricas no Brasil ainda possuem um papel protagonista na matriz energética, apesar de que sua
participação vem caindo paulatinamente nos últimos anos.
Com a implementação de novos empreendimentos na região Amazônica – que possui maior
potencial hídrico do Brasil e tomando como exemplo o AHE São Luiz do Tapajós – o desenvolvimento nacional
entra em conflito com os interesses locais da população, em parte, indígena, que é em regra contra a
construção de barragem. Nesse sentido, a Convenção da OIT n° 169 provêm um arcabouço normativo para as
demandas sociais, as quais acabaram sendo discutidas no Judiciário.
Essa situação traz insegurança jurídica aos empreendedores do setor, assim como para o Poder
Público, o qual estuda uma solução na forma de pagamento de royalties à população indígena pela exploração
dos recursos hídricos, com base no artigo 231 da Constituição Federal do Brasil. Contudo, os argumentos
levantados em processo são sustentados pelo princípio da consulta livre, prévia e informada às comunidades
afetadas, matéria que não é contemplada pela regulamentação do dispositivo constitucional.
Concluí-‐se que o pagamento de royalties aos indígenas não ataca a questão principal da
judicialização dessa demanda em particular, o que leva a crer nas suas poucas chances de eficácia na resolução
do embate judicial, colocando em dúvida sua capacidade de trazer equilíbrio ao conflito em geral.
64www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERMANN, Célio. “A perspectiva da sociedade brasileira sobre a definição e implementação de uma política
energética sustentável – uma avaliação da política oficial”, Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2002.
COEN, Davic C.; THORMEYER, Robert J. “Should Large Hydroeletric Projects be Treated as Renewable
Resources”, 32 Energy L.J. 541-‐551, 2011.
FOSTER, George K. “Foreign Investment and Indigenous People: Options for Promoting Equilibrium Between
Economic Development and Indigenous Rights”, 33 Michigan Journal of International Law, (2012-‐2013).
KANGAVE, Jalia. “Investigating the Failure of Resettlement and Rehabilitation in Developed Projects: a Critical
Analysis of the World Bank’s Policy on Involuntary Resettlement Using Lessons from Uganda’s Bujagali
Hydroelectric Project”. 45 UBC Law Review, 2012, p. 329.
MACKAY, Fergus. “Indigenous People’s rights to Free, Prior and Informed Consent and the World Banks’s
Extractive Industries Review”. 4 Sustainable Dev. L. & Pol’y. 43, 2004.
MOREIRA, Susana. “Brazil: Keeping the Lights on”, 9 Whitehead J. Dipl. & Int’l Rel. 115, 2008.
NEVES, Marcelo. “O abuso de princípios no Supremo Tribunal Federal”, In.: Observatório Constitucional.
Conjur, 2012, disponível em: www.conjur.com.br/2012-‐out-‐27/observatorioconstitucional-‐abuso-‐principios-‐
supremo-‐tribunal, último acesso em 27 de junho de 2013.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros,
2009.
TAMANG, Parshuram. “An Overview of the Principle of Free, Prior and Informed Consent and Indigenous
Peoples in International and Domestic Law and Practices”
VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros.
2006.
____. “Supremocracia”, Revista de Direito GV 4 (2): 441-‐464. 2008.
Documentos consultados:
International Energy Agency, “Technology Roadmap: Hydropower”, 2012.
IPEA, “Energia e Meio Ambiente no Brasil: Oferta Interna e Padrão de Consumo Energético”, Série: Eixos do
Desenvolvimento Brasileiro, Comunicado IPEA n° 77, 2011.
World Commission on Dams, “Dams and Development: A new framework for Decision-‐making”, 2000.
Sítio visitados:
Folha de São Paulo. “Governo suspende estudos de usinas no rio Tapajós; índios liberam biólogos”, notícia
disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1300183-‐governo-‐suspende-‐estudos-‐de-‐usinas-‐
no-‐rio-‐tapajos-‐indios-‐liberam-‐biologos.shtml, último acesso 27/06/2013
Plano Decenal de Expansão de Energia 2021 / Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética.
Brasília: MME/EPE, 2012. Disponível em: http://www.epe.gov.br/PDEE/20120924_1.pdf
Plano Nacional de Energia 2030. Geração Hidrelétrica. Brasília, 27 de abril de 2006. Disponível em:
http://www.mme.gov.br/mme/menu/todas_publicacoes.html.
Secretaria Geral da República. “Ministro Gilberto Carvalho renova proposta de diálogo e negociação com
lideranças Munduruku”, notícia disponível em: <
http://www.secretariageral.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2013/05/29-‐05-‐2013-‐ministro-‐gilberto-‐carvalho-‐
renova-‐proposta-‐de-‐dialogo-‐e-‐negociacao-‐com-‐liderancas-‐munduruku>, último acesso 27/06/2013.
Valor Econômico, disponível em http://www.valor.com.br/brasil/2908922/para-‐liberar-‐obras-‐governo-‐quer-‐
pagar-‐royalty-‐para-‐indios, último acesso em 01/07/2013.
65www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
O SETOR ELÉTRICO, AS COMUNIDADES LOCAIS E OS POVOS TRADICIONAIS: POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
Daniela Garcia Giacobbo∗
RESUMO
O ordenamento jurídico brasileiro vincula a pessoa humana, observados os direitos constitucionais à vida e à
dignidade, aos bens ambientais, “essenciais à sadia qualidade de vida” (artigo 225, caput, da CF/88), adaptada
ao local onde vive. Apesar de o Brasil possuir normas de natureza material avançadas, quanto à proteção a
direitos individuais e coletivos, e uma extensa legislação ambiental, essas leis, contudo, não só não se
interrelacionam, como só são observadas quando já instaurados os conflitos socioambientais, por falta de
políticas públicas efetivas, incumbindo ao Poder Judiciário resolvê-‐los. O presente artigo procurará mostrar a
necessidade do debate das questões envolvendo o desenvolvimento socioeconômico e o uso dos recursos
naturais com as comunidades diretamente atingidas, de acordo com uma legislação a ser construída pelo
Estado, em especial com a imediata regulamentação do artigo 231 da Constituição Federal, bem como por
meio do procedimento da resolução consensual, com a presença do Poder Público, de forma a reduzir a
insegurança jurídica e o risco na implantação dos empreendimentos hidrelétricos que sustentarão o
crescimento do Brasil.
PALAVRAS-‐CHAVE: Empreendimentos hidrelétricos, Conflitos socioambientais, Resolução Consensual.
∗Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidade Federal do Rio Grande do Sul -‐ UFRGS) e bacharel em Comunicação Social (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -‐ PUCRS). Possui Especialização em Direito Público (Faculdade IDC/RS). Técnica Judiciária no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desde 1994. Contatos: (51) 8421.0330/3213.3000 -‐ [email protected] e [email protected].
O SETOR ELÉTRICO, AS COMUNIDADES LOCAIS E OS POVOS TRADICIONAIS: POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
Daniela Garcia Giacobbo∗
RESUMO
O ordenamento jurídico brasileiro vincula a pessoa humana, observados os direitos constitucionais à vida e à
dignidade, aos bens ambientais, “essenciais à sadia qualidade de vida” (artigo 225, caput, da CF/88), adaptada
ao local onde vive. Apesar de o Brasil possuir normas de natureza material avançadas, quanto à proteção a
direitos individuais e coletivos, e uma extensa legislação ambiental, essas leis, contudo, não só não se
interrelacionam, como só são observadas quando já instaurados os conflitos socioambientais, por falta de
políticas públicas efetivas, incumbindo ao Poder Judiciário resolvê-‐los. O presente artigo procurará mostrar a
necessidade do debate das questões envolvendo o desenvolvimento socioeconômico e o uso dos recursos
naturais com as comunidades diretamente atingidas, de acordo com uma legislação a ser construída pelo
Estado, em especial com a imediata regulamentação do artigo 231 da Constituição Federal, bem como por
meio do procedimento da resolução consensual, com a presença do Poder Público, de forma a reduzir a
insegurança jurídica e o risco na implantação dos empreendimentos hidrelétricos que sustentarão o
crescimento do Brasil.
PALAVRAS-‐CHAVE: Empreendimentos hidrelétricos, Conflitos socioambientais, Resolução Consensual.
∗Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidade Federal do Rio Grande do Sul -‐ UFRGS) e bacharel em Comunicação Social (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul -‐ PUCRS). Possui Especialização em Direito Público (Faculdade IDC/RS). Técnica Judiciária no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desde 1994. Contatos: (51) 8421.0330/3213.3000 -‐ [email protected] e [email protected].
66www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
1 INTRODUÇÃO
O Direito Ambiental Constitucional Brasileiro trata da relação jurídica que vincula a pessoa aos bens
ambientais, “essenciais à sadia qualidade de vida” (artigo 225, caput, da CF/88). Também a definição do meio
ambiente ecologicamente equilibrado refere à tutela da pessoa humana, adaptada ao local onde vive. Assim, a
tutela do meio ambiente associa-‐se ao direito à vida e à dignidade humana, conforme o artigo 1º, III, CF/88. A
Constituição Federal, ao mesmo tempo em que permite, como regra, o livre exercício da atividade econômica
pela iniciativa privada (artigo 170, parágrafo único), por outro lado, fixa a função social da propriedade (artigo
170, III) e a defesa do meio ambiente (artigo 170, VI), como princípios gerais da atividade econômica.
E como os direitos humanos e fundamentais não são optativos, devendo sempre ser assegurados
pelos Estados e comunidades internacionais, importa também referir o papel do Estado Brasileiro na
regulamentação do parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal e, a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, o único instrumento jurídico internacional a tratar especificamente dos direitos dos
povos indígenas e tribais e sobre a inclusão e mecanismos de consulta, propriamente dita. Tem-‐se, ainda, o
Princípio 10 da Declaração aprovada em 1992, na Conferência Nacional das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Eco92), que ocorreu no Rio de Janeiro, o qual fala da participação dos cidadãos
nas questões ambientais por meio do seu acesso a informações sobre o meio ambiente.
Verifica-‐se, ainda, que as nossas leis infraconstitucionais têm como princípios promover pesquisas e
estimular ações dos entes públicos das três esferas, assim como o poder produtivo, o meio acadêmico e a
sociedade civil organizada a desenvolverem programas e ações relacionados à proteção ambiental.
Mas não basta um ordenamento jurídico de tutela do meio ambiente, sendo necessário um sistema
interligado de políticas públicas visando à interrelação da pessoa humana com o meio ambiente onde vive, com
base em regras claras, discutidas previamente e estáveis.
O setor elétrico, nas formas de geração, transmissão e distribuição, é o que provoca maior efeito no
meio ambiente. Toda forma de produção de energia vai impactar, de alguma forma, o ambiente natural e a
sociedade diretamente atingida, mas, se tivéssemos políticas públicas efetivamente voltadas à inclusão, de
acordo com uma legislação socialmente construída, poder-‐se-‐ia evitar os conflitos que, muitas vezes, esse tipo
de empreendimento gera, face à difícil compatibilização do desenvolvimento econômico e social com o uso dos
recursos naturais.
Apesar de o Brasil possuir normas de natureza material avançadas, em matéria de proteção a direitos
individuais e coletivos, e uma extensa legislação ambiental, essas leis, contudo, não só não se interrelacionam,
como só são observadas quando já instaurados os conflitos, por falta de políticas públicas efetivas, incumbindo
ao Poder Judiciário resolvê-‐los, uma vez que tem o dever constitucional de controlar, sempre que provocado,
as omissões na implementação das políticas, quando essas já estão integralmente previstas em lei.
Registre-‐se que até hoje não foi regulamentado o parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal,
que assim dispõe:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tracionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-‐las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
[...]
§ 3º. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa
e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização
do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-‐lhes assegurada
participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
67www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
E, diante da omissão da Administração Pública na promoção do debate e na elaboração de uma
política pública que resolva, definitivamente, a questão fundiária, bem como diante da falta de uma legislação
socioambiental integrada, uma vez que os direitos originários dos povos indígenas se encontram hoje
subsumidos à legislação ambiental, a mesma que rege os procedimentos para o licenciamento dos
empreendimentos, as divergências acabam sendo resolvidas na via judicial, quando já instaurados os conflitos.
2 OBJETIVO E MÉTODO
O presente artigo procurará mostrar que a resolução de conflitos socioambientais causados em razão
da instalação de empreendimentos do setor elétrico, com a inclusão das comunidades envolvidas, poderia ser
feita de modo consensual.
A partir da constatação de que a ordem jurídica brasileira atribui ao Ministério Público características e
instrumentos que permitem a utilização dessas abordagens na resolução dos conflitos socioambientais, antes
da propositura de ação judicial (art. 129, III, da CF/88) analisar-‐se-‐á os casos de recentes conflitos em
complexos hidrelétricos na Região Amazônica. Será abordada a doutrina que defende a utilidade de uma
solução consensual de conflitos que envolvem o Poder Público na esfera do Inquérito Civil Público ou
procedimentos correlatos, por meio do Termo de Ajustamento de Conduta, quando poderão ser negociadas
mudanças em procedimentos da Administração. Nesse caso, o representante do Ministério Público funciona
também como órgão mediador e indutor de mudanças, porquanto representa a sociedade como um todo.
Contudo, dadas certas funções institucionais do Ministério Público, como por exemplo, a de defender
judicialmente os direitos e interesses indígenas (artigo 129, V, da CF/88), tem-‐se, por meio da análise dos
conflitos ocorridos na UHE de Belo Monte e quando da realização dos estudos do Complexo Tapajós, que nem
sempre a posição do órgão ministerial se encaixa no conceito estrito da figura do mediador, a exemplo de
outros países.
Será analisada doutrina que defende os meios consensuais de resolução de conflitos envolvendo entes
públicos, principalmente na fase administrativa, mesmo em se tratando de controvérsias que envolvam
interesses transindividuais e coletivos, defendendo-‐se o entendimento que o debate pela inclusão das
comunidades locais e povos tradicionais deve ser anterior ao processo licitatório, quando planejada a
implantação de grandes empreendimentos, ou seja, antes da concessão para exploração das bacias
hidrográficas.
3 ANÁLISE DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS NA IMPLANTAÇÃO
DE EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS NO BRASIL
O Brasil tem nos rios a sua principal fonte de geração de energia elétrica. De todo o potencial
hidrelétrico brasileiro, de cerca de 250 mil MW de potência, 30% foram aproveitados. O maior potencial
disponível está na bacia do Rio Amazonas (100 mil MW), do qual em torno de 17% já foram explorados. No
entanto, explorar o potencial hidrelétrico da bacia do Amazonas representa um grande desafio, porque parte
dos aproveitamentos potenciais interfere em unidades de conservação ou terras indígenas (EPE, 2013).
No Brasil existem 505 terras indígenas, que cobrem uma extensão de mais de 100 milhões de hectares
e representa cerca de 13% do território nacional. Nessas terras, cuja maior parte se encontra na Amazônia
Legal, vivem 58% da população indígena. Fala-‐se em uma população de 897 mil pessoas, divididas entre 305
povos que falam 274 línguas diferentes e que possuem características socioculturais muito diversas entre si
(FUNAI, 2013).
68www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Ofende o princípio da dignidade humana o fato de indígenas e integrantes de populações ribeirinhas e
quilombolas, entre outros que constituem as comunidades locais e povos tradicionais, estarem à margem do
processo decisório de projetos que envolvam o uso das terras em que habitam. Se houve um movimento
historicamente forte em sua defesa, que começou com o Movimento dos Atingidos por Barragens, nos anos 70,
por outro, nos dias atuais, esses grupos e povos tradicionais encontram-‐se em meio a uma disputa de
interesses: por um lado o Governo Federal, por meio da FUNAI e outros órgãos da Administração Pública direta
e indireta e, de outro, organizações não-‐governamentais e entidades internacionais, que possuem posição
doutrinária nem sempre claramente identificada. De outro lado, ainda, estão os empreendedores,
construtoras, seguradoras e todos os demais envolvidos nos empreendimentos do setor elétrico.
O mais recente estudo do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) demonstra que estão
planejadas 19 UHEs, que somam 19.673 MW de potência adicional de energia elétrica prevista para 2017-‐2021
e que pelo menos duas delas interferem diretamente em terras indígenas (EPE, 2013). Isso mostra a
complexidade de explorar o potencial hidráulico na Amazônia, tendo em vista a falta de definições e a pouca
experiência sobre este tema no Brasil. Outro estudo, realizado em 2012 pelo Observatório dos Investimentos
na Amazônia, do INESC, evidencia que os investimentos planejados no âmbito do Programa de Aceleração do
Crescimento – PAC, financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDES, provocarão
grandes transformações no modo de vida e nos territórios onde vivem os povos indígenas (INESC, 2012).
Portanto, o planejamento e a construção de hidrelétricas precisam incorporar a avaliação das
interferências de tais usinas em terras indígenas e comunidades locais e propor alternativas para reduzir esse
impacto, com a imediata regularização fundiária das suas terras e a adoção de um estudo ambiental
estratégico para o uso dos recursos hídricos.
Na lição de Luciane Moessa de Souza (2012) há a possibilidade de resolução consensual para obtenção
da solução para os problemas na regulamentação fundiária e os referentes ao aproveitamento hídrico em
terras indígenas (art. 231, § 3º, CF/88).
Refere a autora que:
[...] a demarcação de terras indígenas, dever constitucionalmente atribuído à União (artigo
231 da CF), que deveria ter sido concluída no prazo de 5 anos após a promulgação da
Constituição (artigo 67 do ADCT), assim como a emissão de títulos de propriedade aos
ocupantes de comunidades quilombolas que também foi determinada pela Constituição
(artigo 68 do ADCT), são assuntos igualmente sensíveis na questão fundiária, que dão ensejo a
inúmeros conflitos em sede administrativa e judicial, o que demonstra a imensa necessidade
e utilidade de se utilizar um mecanismo consensual para obter a solução preconizada pelo
texto constitucional (SOUZA, 2012, p. 241).
A falta dessa regulamentação tem sido a causa dos conflitos mais graves na história deste país, na
implementação das obras de infraestrutura do setor elétrico. E assim como na discussão sobre a demarcação
das terras indígenas ou remanescentes de quilombos, é também na discussão sobre as avaliações de impacto
ambiental, vinculadas aos processos de licenciamento ambiental para implantação desses grandes
empreendimentos, que surgem as oportunidades para a prevenção e solução dos conflitos socioambientais.
O art. 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981,1 introduziu o processo de licenciamento ambiental
1 Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
69www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
na legislação ordinária. Desse modo, no que se refere à utilização de recursos ambientais, a construção, a
instalação, a ampliação e o funcionamento de estabelecimentos e atividades passaram a ser, em princípio,
legalmente disciplinados. Mas essa regulação parece estar longe de ser a adequada, a começar pela
subjetividade que envolve os processos, ocasião em que surgem as divergências, abrindo espaço para o debate
e a mediação.
Embora a doutrina pouco se dedique ao assunto, existe, sim, uma relação entre a licitação e o
licenciamento ambiental. É que na maioria das vezes as obras públicas somente são submetidas ao
licenciamento ambiental depois da licitação. O fato de uma usina possuir outorga de concessão não significa
que ela será construída. Duas condições são necessárias para viabilizar a implantação do empreendimento: a
Licença de Instalação (LI) emitida pelo órgão ambiental e o contrato para a venda de energia (PPA), que garante
a solidez econômica e financeira do investimento. Em outras palavras, o processo de licenciamento ambiental
no Brasil é iniciado na fase de implantação do projeto do empreendimento, quando já se encontra prejudicada
a possibilidade de serem consideradas possíveis alternativas ao projeto. E é aí que surgem os conflitos.
Mas se o licenciamento determinará como, quando e se a obra será realizada, a licitação só poderia
ocorrer posteriormente -‐ mesmo porque o próprio projeto executivo dependerá daquele processo
administrativo. Inverter a ordem é transformar o licenciamento ambiental em uma mera formalidade
administrativa, desrespeitando a Lei n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) e a Constituição
da República.
Sendo um complexo processo de obtenção de três documentos obrigatórios (Licença Prévia, Licença
de Instalação e Licença de Operação), o licenciamento demanda estabelecimento de largos prazos e recursos
financeiros, agravado pelo fato de que a licença necessária para o início é imprescindível para a obtenção dos
financiamentos e os incentivos governamentais para o empreendimento. Ocorre que o atendimento à
legislação ambiental, por si só, não dá ao empreendedor a segurança de que seu planejamento será cumprido
sem embargos e paralisações, pelas questões socioambientais.
A insegurança jurídica, nesses casos, é resultante do fato de o licenciamento ser feito na fase de
projeto. A LP deve ser obtida antes de elaborados os projetos de engenharia pois o órgão licenciador pode
impor uma alternativa locacional ou uma concepção diferente. Nesse caso, o projeto deverá, obrigatoriamente,
ser refeito. Desse modo, a decisão de iniciar as obras antes da emissão da LI poderá acarretar a paralisação da
construção.
As licenças emitidas são, com frequência, alvos de críticas e contestações judiciais por parte dos
opositores dos empreendimentos. O Ministério Público Federal, por exemplo, disponibilizou em seu sítio a
relação das Ações Civis Públicas que foram ajuizadas em razão de problemas nas análises técnicas nos
processos de licenciamento das grandes obras hidrelétricas na Região Amazônica (BRASIL, 2013b).
Há a necessidade de uma análise ambiental ampla, que identifique os potenciais impactos
socioambientais do projeto com a descrição do empreendimento, do ambiente que por ele será afetado, da
natureza das alterações ambientais previstas e, também, das formas de minimizar os efeitos negativos e de
maximizar os efeitos positivos. No caso do Brasil, apesar de a hidroeletricidade se constituir na solução técnica
mais utilizada, em vista dos benefícios econômicos e ambientais, em comparação com a termoeletricidade a
combustíveis fósseis e as usinas nucleares, por ser renovável e disponível no país ao menor custo e risco, deve
haver uma preocupação muito grande na sua implementação e estudos estratégicos.
A principal fonte de regulação jurídica é a Lei nº 9.433/97 que instituiu a Política Nacional de Recursos
Hídricos, apresentando importantes avanços como a gestão participativa, a criação de um Sistema Nacional de
Informações sobre Recursos Hídricos, a elaboração de um Plano Nacional de Recursos Hídricos e,
principalmente, adotou a bacia hidrográfica como unidade de planejamento. Todo e qualquer estudo de
avaliação de impacto ambiental deverá levar em conta a bacia hidrográfica como unidade de planejamento,
70www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
pena de ser invalidado o ato, assim como a audiência pública que o antecipou, como já decidiu a Terceira
Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (BRASIL, 2009b).
Com a Lei nº 10.847/04, a União criou a Empresa de Pesquisa Energética -‐ EPE, vinculada ao Ministério
de Minas e Energia, com a finalidade de prestar serviços na área de estudos e pesquisas, destinados a subsidiar
o planejamento do setor energético, inclusive com a melhoria dos estudos socioambientais. A empresa
instituiu um ciclo de um projeto hidrelétrico e, para o início do processo de licenciamento ambiental, impôs a
realização de: a) estudos de inventário; b) avaliação ambiental integrada; c) estudos de viabilidade; d) estudos
de impacto ambiental.
Os Estudos de Avaliação Integrada têm como objetivo identificar e avaliar os efeitos resultantes dos
impactos ambientais ocasionados pelo conjunto de aproveitamentos hidrelétricos na bacia hidrográfica e, em
consulta ao sítio da EPE, é possível constatar que várias bacias já tiveram seus estudos concluídos (EPE, 2013).
Carlos Tucci e Carlos Mendes destacam que a avaliação ambiental tem sido realizada com base no
instrumento básico denominado EIA, tratando-‐se de avaliação relativa a um processo de decisão de
empreendimentos individuais. Porém, o EIA não tem a habilidade para antecipar decisões, por não considerar
as políticas estratégicas, além de não avaliar os efeitos integrados do conjunto de empreendimentos. Assim,
numa bacia hidrográfica com disponibilidade hídrica limitada, pequenos empreendimentos podem não ser
relevantes, "mas na medida em que os empreendimentos se somam, o problema de conflito pode se agravar.
O resultado de um ou mais dos projetos podem ser limitados, mas sua avaliação para o conjunto de uma bacia
permite melhor entender os impactos integrados no espaço e na política" (TUCCI; MENDES, 2011)
Para os referidos autores, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) teria a função de minimizar os
impactos e oportunizar a gestão ambiental relacionada com o Plano ou Programa, estabelecendo as bases de
outorga e licenciamento ambiental. Por sua vez, a Avaliação Ambiental Integrada subsidiaria os elementos
técnicos pela avaliação integrada dos efeitos sinérgicos na bacia. No setor elétrico estabeleceu-‐se a exigência
da LP para a licitação de novas hidrelétricas. Desse modo, introduziu-‐se no setor a Avaliação Ambiental
Integrada (AAI), o que fez com que a elaboração de inventários de bacias hidrográficas para fins de geração de
energia elétrica incorporasse a dimensão ambiental.
Assim, uma forma de evitar os problemas causados pelo fato de o licenciamento ser realizado na fase
de projeto é a adoção do processo de AAE indicada para ser utilizada para políticas, programas e projetos de
caráter estruturante, antes que decisões irreversíveis ou de difícil reversão tenham sido tomadas. A AAI,
embora considere os efeitos cumulativos dos impactos ambientais, é restrita ao conjunto de aproveitamentos
hidrelétricos em uma determinada bacia hidrográfica e, por isso não tem abrangência da AEE. Ademais, não há
um estudo da dimensão social.2
De acordo com o recente Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), que compreende o período de
2012-‐2021, haverá um aumento de 42.040 MW na potência instalada do parque hidrelétrico brasileiro,
segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Isso exigirá um grande esforço de compatibilização do
planejamento desse setor com as exigências do licenciamento ambiental (EPE, 2013).
Há, ainda, o problema da definição das competências legais de licenciamento, a ser conduzido por
órgão integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O art. 23 da CF/88 concede à União,
Estados, Municípios e o Distrito Federal competência comum. Devem prevalecer as regras gerais estabelecidas
pela União, mas as eventuais lacunas poderão ser sanadas, por exemplo, pelas normas estaduais. Há ainda a
2 Em alguns setores da sociedade – e, também, no setor público – há certa confusão de conceitos no que se refere à AIA e ao EIA. Há quem considere, por exemplo, que a primeira está contida no segundo. Há quem considere o termo AIA a mensuração de danos ambientais que já aconteceram. Por fim, há os que tratam os dois termos como sinônimos. Na realidade a AIA é um instrumento de planejamento que engloba procedimentos como a elaboração de um estudo (EIA), cujo caráter é técnico, e de um processo de comunicação com a sociedade, cujo documento impresso é o RIMA – o objeto principal dos debates nas audiências públicas.
71www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Lei Complementar nº 140/2011, que trata da gestão ambiental e descentraliza as atuações do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA. Essa lei complementar que fixaria normas de
acordo com o referido dispositivo constitucional, também não é precisa e, na lição de Adir Ubaldo Rech (2012)
nada tornou efetivo, concreto e eficaz em termos ambientais e nada criou de novo, a não ser regulamentar o
inciso IX do art. 7º da CF/88, que determina que uma das atribuições administrativas da União é elaborar o
zoneamento ambiental, nos âmbitos nacional e regional bem como que dispõe o inciso IX do art. 8º, quando
afirma que cabem aos estados elaborarem o seu zoneamento ambiental estadual, em conformidade com o
zoneamento ambiental nacional e o regional.
A falta de regras claras sobre o zoneamento ambiental atinge também as populações locais e povos
tradicionais, na medida em que interfere nas atividades de energia e mineração, ressaltando-‐se que o órgão
ambiental do Executivo é o responsável pelo zoneamento, devendo ser feito antes do licenciamento.
O licenciamento ambiental é potencialmente um poderoso instrumento de mediação de conflitos,
uma vez que os projetos que estão sendo licenciados trazem e deslocam comunidades inteiras e beneficiam
setores, e deveria ter como pré-‐requisito um constante e fundamentado diálogo entre as instituições setoriais,
a sociedade civil e os entes federados, devendo os envolvidos estar articulados dentro de uma visão de
desenvolvimento social.
Ademais, se amparado por sólidas bases legais, e com a intensificação da capacitação dos técnicos dos
órgãos licenciadores, deve apresentar qualidade compatível com as dimensões dos empreendimentos que
pretendem caracterizar e, mais do que isso, oportunizar aos empreendedores formas eficientes de
comunicação com as comunidades afetadas. Nesse contexto, o cuidado com a elaboração do Relatório de
Impacto Ambiental (RIMA) assume particular importância, ao menos enquanto a legislação não for
aperfeiçoada, criando mecanismos que substituam ou aprimorem o papel desse relatório. A atuação das ONGs,
dos movimentos sociais e do Ministério Público, como todo o legitimado coletivo, no processo de
licenciamento ambiental deve partir do princípio de que é importante reconhecer as dificuldades inerentes aos
procedimentos de previsão de impactos e a complexidade das ciências aplicadas ao ambiente.
O modelo de elaboração do RIMA, documento que, segundo as normas, é um instrumento voltado
para democratizar a informação, nos termos do que preconiza o Princípio 10 da Declaração aprovada em 1992
na Conferência Nacional das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco92), demonstrou
inúmeras falhas desde que foi instituído há trinta anos, tempo suficiente para justificar uma reavaliação do
processo conhecido como EIA/RIMA. O mesmo se pode dizer com relação às audiências públicas, que poderiam
ser melhor utilizadas no processo de participação da sociedade.
No caso das usinas hidrelétricas, por exemplo, a simples notícia de sua construção provoca um
sentimento de apreensão e incerteza junto às comunidades da área de influência direta ou indireta do
empreendimento. Especulações sobre áreas passíveis de serem inundadas criam um clima hostil para os
empreendedores. Movimentos sociais e, principalmente de povos indígenas, como os que vêm ocorrendo nos
últimos anos com as reiteradas ocupações do canteiro de obras da Usina de Belo Monte e os movimentos
impedindo a realização de estudos no Complexo de Tapajós, se posicionam contra o desenvolvimento das
atividades previstas no projeto. Grupos ambientalistas protestam preventivamente. Quando o RIMA começa a
exercer o seu papel, quase nada poderá mudar – ainda que seja adequadamente compreendido pelas
comunidades atingidas, o que raramente ocorre.
Se utilizado como um instrumento de mediação e negociação de conflitos, o processo de
licenciamento ambiental tem um grande potencial para contribuir com a consolidação das variáveis sociais e
ambientais no desenvolvimento. No entanto, ocorrendo tardiamente no processo de planejamento, o
licenciamento não dá garantia de que foram adequadamente consideradas todas as alternativas possíveis e
relevantes ao projeto. Além do mais, quando o RIMA é apresentado às comunidades, muitas opiniões e
72www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
impressões já foram internalizadas nas comunidades locais. Assim, caberia a criação de um regramento geral
que consolidasse o processo de licenciamento de modo a estimular a adesão da comunidade científica,
estabelecesse parâmetros para a atuação do Ministério Público, no sentido de evitar eventual desequilíbrio de
poder entre as partes, democratizando a informação e promovendo a participação da sociedade.
Ademais, o fato de as licenças ambientais serem dotadas dos atributos da presunção de legalidade,
veracidade e legitimidade não implica a legalidade da atividade licenciada. A presunção de que goza a licença,
por ser relativa, admite que prova em contrário a afaste. Nesse sentido, a decisão da Terceira Turma do
Tribunal Regional Federal da 4ªRegião. (BRASIL, 2013e).
Além disso, há um excesso de normas na área ambiental, sem a devida preocupação com a inclusão
social, e vácuos legislativos, com a falta de regulação legal do setor sendo substituída por legislação infralegal,
como as resoluções emitidas pelo CONAMA, que determinam o rito do licenciamento. As recorrentes
contestações judiciais evidenciam as limitações do processo, que criam insegurança jurídica pela interpretação
subjetiva, como por exemplo, os conflitos de competência entre União, Estados e Municípios.
Há, ainda, o problema da excessiva subjetividade e imprecisão do texto legal que prejudica a previsão,
a mensuração e a avaliação dos impactos socioambientais.
Na lição de Adir Ubaldo Rech:
[...] no Brasil, tem sido uma constante as iniciativas de multiplicar a legislação sobre o meio
ambiente, sem nenhuma preocupação com a sua efetividade, eficácia e cientificidade.
Projetos sobre a tutela do meio ambiente são sempre polêmicos e simpáticos à população o
que fascina e multiplica as iniciativas. O fato tem criado uma profusão de normas ambientais
que não cumprem com seus objetivos e têm gerado conflitos entre os entes federativos, não
se verificando nenhuma eficácia quanto à sociedade local [...] (RECH, 2012, p. 134).
É importante que as leis sejam legítimas e efetivas. Mas é fundamental que sejam eficientes e
que não venham a comprometer a dignidade, a saúde, a vida e a segurança da presente e das
futuras gerações. O positivismo, por si, há muito tempo deixou de ser segurança jurídica
absoluta e está longe de ser eficiente, pois, muitas vezes, as leis são feitas para atender a
alguns interesses econômicos e corporativos, não tendo nenhuma preocupação com a
sociedade e com a eficiência (RECH, 2012, p. 133).
O setor elétrico é regido por uma complexa regulamentação em suas atividades de geração,
transmissão, distribuição, comercialização, mas sem um marco regulatório definido. Esse é um dos problemas
mais antigos que o setor enfrenta e, também, uma causa primária dos conflitos associados aos processos de
instalação dos empreendimentos, sendo que o que torna mais complexa a implantação de empreendimentos
do setor elétrico é a multiplicidade de atores envolvidos, como: órgãos vinculados ao Ministério das Minas e
Energia (ANEEL, EPE, ONS); órgãos como a FUNAI e entidades que representam as comunidades atingidas;
IBAMA, CONAMA, ICMBio e os órgãos ambientais estaduais e municipais; e empresas geradoras, transmissoras
e distribuidoras; e consumidores, construtoras e seguradoras.
No caso específico das hidrelétricas, o parágrafo 3º do art. 231 da CF/88 estabelece que o Congresso,
após ouvir as populações afetadas, é quem deve permitir ou não a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em
terras indígenas e a exploração de seus recursos hídricos e de seu potencial energético. Assim, a atual falta de
regulamentação do artigo 231 provoca insegurança jurídica tanto para os povos indígenas quanto para os
empreendedores que desenvolverão os projetos. Não fica claro como deve ser feita a consulta, em que
momento e para quais povos indígenas, abrindo, desta forma, uma possibilidade para a contestação subjetiva
da regularidade do processo de licenciamento ambiental. Só para ficar no exemplo mais recente, o Ministério
73www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Público Federal requereu à Justiça Federal de Santarém que suspendesse o licenciamento ambiental das usinas
do Rio Tapajós, alegando a falta de consulta aos povos indígenas (BRASIL, 2013c).
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, define alguns
critérios para a consulta aos povos indígenas. Adotada na 76ª Conferência Internacional do Trabalho, em 1989,
foi internalizada no Brasil por meio do Decreto n.º 5.051, de 19/04/2004. Entre outras obrigações, os países
signatários da Convenção 169 se comprometem a consultar os povos interessados, por meio de procedimentos
adequados, quando sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-‐los
diretamente, garantindo a efetiva participação dos povos indígenas e tribais na tomada de decisões. Em 2007,
o Brasil foi um dos 143 países a assinarem a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, fruto de
longo processo de negociação iniciado em 1985. Em 2007, pelo Decreto 6.040, foi criada a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. E, mais recentemente, em 2012, talvez
em decorrência da pressão da sociedade e dos povos indígenas, foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial
do Poder Executivo.
Assim, a solução jurídica deve ser dada com a regulamentação imediata do artigo 231 da Constituição,
de forma a reduzir a insegurança jurídica e o risco na implantação dos projetos hidrelétricos que sustentarão o
crescimento do Brasil. Ela deve definir como e quando serão ouvidas as comunidades afetadas e quais serão os
critérios científicos e objetivos para estabelecer quais povos indígenas que devem participar.
Ainda, há que se analisar que a questão das terras indígenas traz à tona a vigência da Portaria 303 da
Advocacia Geral da União (AGU), publicada em julho de 2012, a qual vem sendo questionada pela tribo
Munduruku (PA). A partir dela, a implantação de hidrelétricas e estradas poderá ser feita independentemente
de consulta às populações indígenas afetadas quando esses empreendimentos forem considerados
“estratégicos” pelo Ministério da Defesa e o Conselho de Defesa Nacional. A Portaria ainda não foi revogada e
o governo federal alega o julgamento no Supremo Tribunal Federal dos embargos sobre as condicionantes do
caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, entre as quais se encontra a que limita o exercício do direito de
consulta dos povos indígenas (CANALENERGIA..., 2013).
Desde o início da concessão para a construção da hidrelétrica Belo Monte, com a outorga à empresa
Norte Energia S/A, no município de Vitória do Xingu, objeto de leilão realizado no dia 20 de abril de 2010,
inúmeras foram as manifestações contrárias por parte dos atingidos pelo complexo hidrelétrico. As ocupações
indígenas no canteiro não foram pacíficas e têm sido constantes, apesar das diversas ações judiciais de
reintegração de posse.
Além de pedir a suspensão das obras da hidrelétrica de Belo Monte, os indígenas exigiam a suspensão
de estudos relacionados às barragens nos rios Tapajós e Teles Pires e que fosse feita consulta aos povos da
região antes da decisão sobre a construção do Complexo Tapajós, que prevê cinco hidrelétricas para essa bacia.
Os índios ali acampados reivindicavam a suspensão das obras e a presença do governo federal para discutir
principalmente o direito à consulta livre, prévia e informada, previsto na Convenção 169 da OIT, sobre as
decisões administrativas capazes de afetá-‐los, tais como a decisão de barrar os rios onde eles moram e dos
quais dependem para sua subsistência física e cultural. Em novembro de 2012, o Juízo Federal de Santarém
reconheceu a ausência de consulta prévia aos indígenas atingidos pelas usinas planejadas para o Rio Tapajós e
proibiu a concessão de licenças ambientais até que fossem ouvidos. Contudo, após tal decisão, a União enviou
tropas militares para assegurar a sequência de estudos de impacto ambiental da usina São Luiz do Tapajós (PA).
Depois, e em razão dessas ocupações, o Governo Federal editou o Decreto nº 7.957, de 12/03/2013, o qual
instituiu o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente e regulamentou a
atuação das Forças Armadas na proteção ambiental. Tal regramento representa a institucionalização do uso da
força e graves ameaças aos direitos indígenas.
James Anaya, relator especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos e das
74www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Liberdades Fundamentais dos Indígenas, afirmou, em entrevista ao site Terramérica/Agência Envolverde, que
consultar tais povos “é criar processos abertos nos quais os indígenas possam opinar, influir nas decisões e haja
boa vontade para buscar consensos”. Anaya destacou a importância de os Estados respeitarem e aplicarem
medidas relacionadas com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada em
2007, e a implantação da consulta prévia aos povos indígenas, bem como o desafio de conceber modelos de
desenvolvimento que permitam aos países acesso à prosperidade e respeito aos direitos das comunidades
nativas. Para Anaya, não é “exigível” que os Estados aprovem leis e somente então começarem a consultar. O
maior requisito é ter “vontade” de respeitar os direitos, ressaltou (SALAZAR, 2013).
O atual modelo de crescimento e implantação de empreendimentos de energia não leva devidamente
em conta os impactos sociais e o resultado é o crescimento cada vez maior de demandas judiciais envolvendo
conflitos socioambientais, em especial no setor elétrico, que é um dos pilares do Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC) no Brasil. Assim, tem-‐se visto a paralisação constante dos empreendimentos e decisões
judiciais de caráter liminar, assim como a intervenção de cunho político do Executivo, quando a sua atuação
deveria se dar anteriormente à instauração dos conflitos, na fase de planejamento estratégico e de estudos de
pesquisa dos impactos dos referidos empreendimentos, bem como na atividade de realizar, por meio de seus
órgãos e instituições, a devida regularização e demarcação das terras indígenas.
Em seu sítio, a Norte Energia S. A. (NORTEENERGIASA, 2013), composta por empresas estatais,
empresas privadas e por fundos de pensão e de investimento, afirma que firmará grandes contratos de
comercialização de energia elétrica no ambiente regulado, com as concessionárias de distribuição, relativos ao
fornecimento de 795 mil MWh. Para explorar o potencial hidrelétrico, a concessionária recolherá à União,
como pagamento pelo uso de bem público, um valor vultoso, além do montante que será pago à União, ao
Estado do Pará e aos municípios impactados, referentes à compensação financeira pela utilização de recursos
hídricos. Com estimativa de iniciar as operações no dia 31 de dezembro de 2014 e a comercialização do serviço
em fevereiro de 2015, Belo Monte será a maior usina hidrelétrica brasileira e a terceira maior do mundo.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, sua construção deve gerar cerca de 20 mil empregos diretos.
Afirma a Norte Energia que a UHE de Belo Monte terá capacidade instalada de 11.233,1 MW de
potência e geração anual prevista de 38.790.156 MWh ou 4.428,1 MW médios e reservatório com área de
502,8 km quadrados e que, para compatibilizar os interesses energéticos com a sustentabilidade ambiental, a
área alagada foi diminuída. Informa que a usina teve o reservatório reduzido em relação ao projeto inicial e a
área de alagamento diminuiu mais de 60%, e que enquanto a média nacional de áreas alagadas pelas usinas
hidrelétricas é de 0,49 km2 por MW instalado, Belo Monte impactará apenas 0,04 km2 por MW instalado.
Contudo, relativamente à questão dos impactos sociais, a empresa não é tão otimista, uma vez que, após as
ocupações do canteiro de obra e protestos pelos Índios Jurunas/Mundurukus, pouco avançou o acordo feito
com as lideranças indígenas, em reunião acompanhada por um representante da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI). A empresa se comprometeu a atender às reivindicações dos índios, no sentido de que as obras
deixaram as águas do Rio Xingu turvas, impedindo-‐os de pescar. Para liberar a pista, exigiam, segundo a Norte
Energia, o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) a título de compensação ambiental e mais a construção
de poços artesianos nas aldeias Paquiçamba, Muratu e Furo Seco. Em nota, a empresa admitiu que a turbidez
da água, causada pela obra, impediu os moradores das três aldeias de pescar. Além de servir à alimentação, a
pesca é a principal fonte de renda dos índios.
Classificando o fato de uma “situação nova”, não prevista no Projeto Básico Ambiental que estabelece
as compensações ambientais às populações afetadas pelo empreendimento, a Norte Energia se comprometeu
a compensar os índios pelas perdas. Depois disso, em 06/05/2013, a empresa ajuizou ação na Justiça Federal
da 1ª Região (Subseção Judiciária de Altamira), solicitando a reintegração de posse de um dos canteiros da
usina de Belo Monte ocupado por indígenas, sendo que a empresa já havia conseguido por força de decisão
75www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
judicial que não indígenas que estavam no local fossem retirados.
Representantes da FUNAI disseram à Agência CanalEnergia que enviaram um procurador federal
ligado ao órgão para negociar com os indígenas. No blog oficial da ocupação de Belo Monte, os indígenas
afirmaram que não sairiam do canteiro, mesmo com decisão judicial, uma vez que nunca foram consultados,
conforme a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT, para que pudessem dizer se querem ou não o
empreendimento. Segundo os indígenas, o mesmo ocorre nos rios Tapajós e Teles Pires. Por essa razão,
decidiram unificar as lutas contra as hidrelétricas na Amazônia como forma de serem ouvidos. Na
determinação judicial, o juiz federal Sérgio Wolney de Oliveira Batista Guedes, da Subseção Judiciária Federal
de Altamira, estipulou multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) aos participantes da ocupação e à
FUNAI em caso de não desocupação do sítio Belo Monte e indicou que fosse oficiado imediatamente à Polícia
Federal para apurar a possível participação de não-‐índios e de membros de organizações durante a ocupação
do canteiro. Depois disso, os indígenas recorreram da decisão judicial de reintegração e a Advocacia Geral da
União (AGU) procurou demonstrar, novamente, a legalidade do licenciamento de Belo Monte, em ação civil
pública em que o Ministério Público Federal do Pará pedia a anulação da LP, do edital do leilão e da declaração
de disponibilidade hídrica, tendo havido um acordo provisório com representantes da Secretaria Geral da
Presidência da República no sentido de permitir a retomada de atividades em Belo Monte (CANALENERGIA...,
2013).
Esses episódios de tensão e de situação de iminente violência poderiam ter ser sido evitados, se
regulamentado o § 3º do art. 231 da CF/88, com a participação direta de representantes indígenas. Como o
dispositivo constitucional ainda não foi regulamentado, esse seria um caso apropriado para a prática de
mediação de conflitos, em que estava em jogo, além dos interesses socioeconômicos, a integridade física dos
envolvidos. Um mediador capacitado e treinado, com habilidades nas áreas humanas da Psicologia,
Antropologia e Assistência Social e com sólidos conhecimentos jurídicos, teria condições de levar a bom termo
a negociação entre as partes envolvidas. No caso narrado, a interlocução foi feita por intermédio da FUNAI,
com a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – ambos
com forte atuação entre os indígenas.
6 CONCLUSÃO: A RESOLUÇÃO CONSENSUAL DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS
Tais conflitos socioambientais envolvendo populações tradicionais, como ribeirinhos, quilombolas e
indígenas são extremamente férteis para a utilização da mediação. Cumpre analisar-‐se qual o alcance e as
restrições da mediação, com o uso de tal abordagem em procedimentos como audiências públicas relacionadas
ao meio ambiente, ou no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) efetuado pelo Ministério Público. E em
sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo, segundo a Constituição Federal, a decisão sobre a sua
utilização compete à sociedade. Como poderiam particulares, mesmo que representantes dos indígenas e de
outros grupos como produtores rurais, atingidos por barragens, populações tradicionais, ribeirinhos,
quilombolas, pessoas cujo modo de vida e a própria sobrevivência está ligada a um uso histórico do meio
ambiente e dos bens naturais ao seu redor, negociar e dispor sobre um bem indisponível?
De fato, a mediação de conflitos ambientais submete-‐se à indisponibilidade dos bens ambientais,
definidos como bens transindividuais pela Constituição Federal. Não sendo parte legítima no conflito, não
poderia um terceiro elaborar acordos sobre a utilização desses bens, os quais poderiam ser revogados,
portanto, por ordem judicial. As audiências públicas são um exercício de cidadania, por meio das quais são
oferecidas oportunidades para que afetados e interessados possam ser ouvidos e fazer propostas para as
decisões das autoridades públicas, justificando-‐se em razão da publicidade que todo ato administrativo deve
ter, nos termos do artigo 37, caput, da CF/88. Mas tais procedimentos possuem diversas limitações, não sendo
76www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
neutras, nem objetivas, uma vez que as partes tentam verter o debate a seu favor. Isso porque a discussão
sobre os direitos de uso dos recursos naturais e sobre as políticas ambientais governamentais não são algo
puramente econômico e objetivo, mas também se referem ao modo de vida das pessoas e os meios de
produção dos quais dependem.
Ademais, ainda que a mediação possa ajudar no processo, a solução final ainda será dada pelo Poder
Público, o mesmo se aplicando ao TAC, previsto no artigo 5º, parágrafo 6º, da Lei n.º 7.347/85. Definido como
um acordo feito pelas partes, na prática normalmente é firmado após o dano ambiental já houver ocorrido e
sido comprovado, ou seja, quando já não há mais alternativas senão a autuação daquele que o causou, sendo
determinado de maneira unilateral pelo Ministério Público, com a correção do dano ou a sanção pelo
descumprimento, o que se afasta um pouco da gestão prévia dos impasses pela construção de consenso,
elemento essencial do conceito de mediação.
Isto não significa que o TAC não seja um instrumento hábil para garantir a proteção do meio ambiente
e evitar novos conflitos, uma vez que o Ministério Público, como fiscal da lei, ou ainda que como autor da ação
judicial, sempre atuará na defesa da ordem jurídica, em prol da sociedade, com o ajuste sendo ou não levado à
homologação judicial.
Édis Milaré (2002, p. 201), com base no próprio artigo 5º, § 6º, da Lei n.º 7.347/85, assim defende:
Com efeito, apesar da norma referir-‐se a ajuste extrajudicial (realizado no inquérito civil ou
em procedimento avulso, sem homologação judicial), nada obsta seja efetivado também em
juízo (realizado no processo ou levado em procedimento avulso à homologação judicial).
Com exceção da Resolução 125 do CNJ, de 29 de novembro de 2010, que trata deste procedimento no
âmbito do Poder Judiciário, como meio de diminuir a duração das demandas judiciais, mas de caráter
patrimonial, estimulando as partes a chegarem a um acordo sobre o conflito, o ordenamento jurídico brasileiro
atribui apenas ao Ministério Público instrumentos que permitam a utilização dessas abordagens na resolução
dos conflitos socioambientais (art. 129, III, CF). Por meio do Inquérito Civil, instrumento exclusivo do órgão
ministerial, e do TAC, o representante do Ministério Público poderia realizar a resolução de conflitos
ambientais sem a intervenção do Poder Judiciário, sendo a credibilidade social da instituição favorável à
utilização. Além disso, ao envolver bens e entes públicos, a mediação dos conflitos socioambientais encontra
obstáculo no Princípio da Legalidade o que significa que a Administração apenas poderá atuar caso haja
autorização legal.
Assim, o processo de resolução consensual que se defende pressupõe, além dos legitimados, a
presença do Poder Público, representado por seus órgãos competentes, como forma de evitar que distorções
eventualmente insertas no caso apresentado para mediação permitam a violação de normas cogentes e
valores do ordenamento jurídico.
Luciane Moessa de Souza (2012, p 142) sustenta a utilização da mediação em audiências públicas, ou
em toda e qualquer busca de solução de conflitos que envolvam políticas públicas. Refere a autora que
[...] o processo coletivo é o instrumento ideal para a busca de uma solução em juízo para
conflitos que envolvem políticas públicas, seja com a finalidade de garantir o acesso à justiça
da forma mais ampla, seja com o propósito de garantir o respeito ao princípio da isonomia,
evitando-‐se a prolação de decisões díspares sobre o mesmo assunto. (SOUZA, 2012).
Souza (2012) levanta, contudo, diversos pontos que ainda devem ser trabalhados para garantir a
implantação do procedimento, como: necessidade de capacitação técnica dos participantes antes das
77www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
audiências; aumento do papel de facilitadores treinados; maior trabalho com os diversos grupos, promovendo
reuniões prévias com cada um deles; esforço por maior treinamento de mediadores, trabalhando em parceria
com universidades, incentivando a incorporação da disciplina nos currículos e de programas de extensão sobre
meios alternativos de resolução de disputas. Sustenta a autora (SOUZA, 2012, p. 216), “como vantagens na
celebração do ajuste, a composição mais rápida do conflito (tornando mais viável a prevenção do ilícito), a
economia de recursos que se verifica com a adoção do método, bem assim a sua maior flexibilidade [...]”.
Observe-‐se que, no caso de uma negociação pela via da mediação, em se tratando de disputas
complexas envolvendo a instalação de grandes empreendimentos hidrelétricos, estariam negociando na
mesma mesa um grande número de indivíduos ou grupos com os mais variados interesses. Todavia, quanto
maior o número de partes inseridas em uma negociação, mais difícil será alcançar uma solução adequada.
Muito embora ainda não esteja prevista no nosso ordenamento jurídico, ao contrário de países como
Estados Unidos da América -‐ onde ganhou força a partir da década de 70, com o célebre caso da mediação no
conflito na Usina Hidrelétrica de Storm King -‐ Canadá, Índia, Japão, Argentina, Uruguai, Austrália, Itália,
Espanha e França, a mediação certamente seria útil em audiências públicas ou em procedimentos voltados a
construção de acordo em conflitos socioambientais, e a presença de mediadores treinados e capacitados
poderia contribuir, neste caso, para a melhoria da comunicação e para a construção de consenso – ainda que
muitas vezes isso possa parecer impossível.
No Brasil, no momento, está sendo elaborado o anteprojeto da Nova Lei de Arbitragem e Mediação,
cuja comissão é constituída de juristas e membros do Poder Judiciário, sob a presidência do ministro do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão, atentos à realidade de que a prática da arbitragem e da
mediação tem sido cada vez mais assimilada pela sociedade, até como forma de simplificar e reduzir o número
de demandas judiciais (BRASIL, 2013d). A mediação também foi objeto do II Pacto Republicano, assinado pelos
três Poderes da Federação em 2009, em que constava o compromisso de fortalecer a mediação e a conciliação,
estimulando a resolução dos conflitos por meios autocompositivos, voltados a maior pacificação social e menor
judicialização. Antes, tramitaram no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado (PLS) n.º 517/11 e o
Projeto de Lei da Câmara (PLC) n.º 4.827/98, que tratavam de disciplinar a mediação como método de
prevenção e solução consensual de conflitos.
Assim, enquanto inexistente previsão legal específica que discipline a atividade da mediação, a solução
jurídica passa pela imediata regulamentação do artigo 231 da Constituição Federal, como forma de reduzir a
insegurança jurídica e o risco na implantação dos empreendimentos hidrelétricos, que sustentarão o
crescimento do Brasil.
Igualmente, o debate pela inclusão das comunidades locais e povos tradicionais deve ocorrer quando
planejada a implantação desses empreendimentos, anteriormente ao procedimento licitatório, ou seja, antes
da concessão para exploração das bacias hidrográficas, com a discussão sobre as avaliações de impacto social e
ambiental vinculadas aos processos de licenciamento ambiental para a sua implantação, surgindo, então, as
oportunidades para a prevenção e a solução dos conflitos socioambientais.
78www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Complementar nº 140/11. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 2013.
BRASIL. Lei nº 6.938/81. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 2013.
BRASIL. Lei nº 9.433/97. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 2013.
BRASIL. Lei nº 10.847/07. 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 2013.
BRASIL. (Constituição, 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 2013.
BRASIL. Advocacia Geral da União. Portaria n.º 303 Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/templatesitehome.aspx>. Acesso em: 2013a.
BRASIL. Ministério Público Federal. 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. [Site] Disponível em: <http://4ccr.pgr.mpf.mp.br/>. Acesso em: 2013b.
BRASIL. Ministério Público Federal. 6ª Câmara de Coordenação e Revisão. [Site]. Disponível em: <http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/#&panel1-‐1>. Acesso em: 2013c.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. [Site]. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp>. Acesso em: 2013d.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº 5014647-‐20.2011.404.7100/RS Rel. Relator: Nicolau Konkel Junior. D.E. 16 jan. 2013. Disponível em: <http://www2.trf4.jus.br/trf4/>. Acesso em 2013e.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. APELREX n.º 2005.70.12.001067-‐7/PR. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Unânime. Julg. 22 set. 2009. D.E 30 set. 2009b. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php>. Acesso em 2013.
CANALENERGIA.COM.BR. [Site]. Disponível em: <http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/secoes/home.asp>. Acesso em: 2013
EPE. [Site]. Disponível em: <http://epe.gov.br/PDEE/Forms/EPEEstudo.aspx >. Acesso em: 2013.
FUNAI [Site]. Disponível em: <http://www.funai.gov.br/>, Acesso em: 2013.
INESC. [Site] Disponível em: <http://www.inesc.org.br/biblioteca/inesc-‐noticia/edicoes-‐2012/edicao-‐no38-‐28-‐09-‐2012/>. Acesso em: 28 set. 2012.
MILARÉ, Edis. A ação civil pública por dano ao meio ambiente. In: MILARÉ, Édis. (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85, 15 anos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002.
NORTEENERGIASA. [Site]. Disponível em: <http://norteenergiasa.com.br/site/>. Acesso em: 2013.
OIT. [Informações]. Disponível em: <http://www.onu.org.br/onu-‐no-‐brasil/oit/>. Acesso em: 2013.
RECH, Adir Ubaldo. O zoneamento ambiental e urbanístico como instrumentos de tutela efetiva e eficaz do meio ambiente. In: LUNELLI, Darlos Alberto; MARIN, Jefferson. (Org.). Estado, meio ambiente e jurisdição. Caxias do Sul: EDUCS, 2012
SALAZAR, Milagros. O Estado não perde soberania se respeita os direitos indígenas. 03 jun. 2013. Disponível em: < http://envolverde.com.br/ambiente/o-‐estado-‐nao-‐perde-‐soberania-‐se-‐respeita-‐os-‐direitos-‐indigenas>. Acesso em 2013.
SOUZA, Luciane Moessa de. Meios consensuais de solução de conflitos envolvendo entes públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
TUCCI, Carlos; MENDES, Carlos. Curso de avaliação ambiental integrada de bacias. Disponível em: <http://galileu.iph.ufrgs.br/aguasurbanas/Contents/Cursos/AAIB/PDF/AAIB_CAP05.pdf,>. Acesso em 2011.
USINA Belo Monte. Disponível em: <http://norteenergiasa.com.br/site/>. Acesso em: 2013.
79www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
A EXPLORAÇÃO DE APROVEITAMENTOS HIDRELÉTRICOS: PROPOSTAS DE REGULAMENTAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS À LUZ DO PRINCÍPIO FPIC.1
AUTORES E CONTATOS2
Maria Alice Doria: [email protected] / (21) 3523-‐9090
Leonardo Freire: [email protected] / (21) 3523-‐9090
RESUMO
Este trabalho visa apresentar propostas de regulamentação da participação das populações indígenas no
processo de implantação de projetos hidrelétricos que lhes afetem, buscando atender os requisitos
constitucionais e infraconstitucionais necessários à legítima execução da atividade no Brasil, notadamente
quanto à consulta destes povos para obtenção da autorização do Congresso Nacional. O estudo concluirá
pela necessidade de regulamentação apropriada da matéria (i) formalmente por Lei Ordinária ou Medida
Provisória, e (ii) materialmente, pela observação do princípio FPIC, previsto na Convenção OIT nº 169, para
determinação da natureza, momento, modo, responsáveis e destinatários, conteúdo e grau de vinculação da
consulta, bem como pela previsão de compensação financeira pelo compartilhamento da posse indígena
permanente e participação dos índios nos benefícios da atividade explorada. Por fim, se cogitará a sociedade
empresarial indígena como alternativa à solução de conflitos.
PALAVRAS-‐CHAVE : Povos indígenas, hidrelétricas, participação.
1 Na sigla em inglês FPIC (free, prior and informed consent). 2 Maria Alice Doria e Leonardo Freire são, respectivamente, sócia e advogado das áreas ambiental e de infraestrutura do escritório Doria, Jacobina e Gondinho Advogados.
80www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
O DESAFIO: A EXPANSÃO ENERGÉTICA E A OCUPAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
O Brasil apresenta uma matriz energética renovável e limpa.3 De toda energia elétrica ofertada em
2011, aproximadamente, 74% (setenta e quatro por cento) resultaram de aproveitamentos hidrelétricos.4
Não obstante, o país ainda possui uma larga margem de expansão a partir da exploração desta fonte.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), atualmente, apenas 33% (trinta e três por cento)
de todo potencial hidrelétrico brasileiro, estimado em 260.000 MW (duzentos e sessenta mil megawatts), são
explorados.5 Entretanto, diante das estimativas econômicas projetadas para o crescimento nacional nas
próximas décadas, calcula-‐se que a capacidade instalada atual6 não será suficiente para suprir a demanda
futura do mercado interno, sendo necessário o desenvolvimento de novos projetos.7
Ocorre que a maior parte do potencial hidrelétrico remanescente encontra-‐se em áreas com
condições socioambientais delicadas, sobretudo no bioma amazônico,8 onde 20% (vinte por cento) da região
correspondem a terras indígenas.9 Nessa via, o desafio da compatibilização entre a preservação ambiental, a
proteção dos interesses indígenas e a expansão energética tem sido tema recorrente de inúmeras
controvérsias, inclusive judiciais,10 em prejuízo à segurança energética nacional e à tutela dos direitos
indígenas.
Isto porque, a Constituição Federal (CF) em seu art. 231 reconheceu uma série de direitos e garantias
aos povos indígenas – tais como os direitos originais sobre as terras tradicionalmente ocupadas, sua posse
3 Segundo o Balanço Energético Nacional 2012, a produção energética em 2011 alcançou cerca de 256.740 tep (duzentos e cinquenta e seis mil, setecentos e quarenta toneladas equivalente de petróleo), dos quais 45% (quarenta e cinco por cento) foram provenientes de fontes renováveis, como usinas hidrelétricas, parques eólicos, pequenas centrais hidrelétricas e usinas térmicas movidas à biomassa. Os restantes 55% (cinquenta e cinco por cento) foram obtidos a partir de fontes fósseis. (Brasil. Balanço Energético Nacional 2012: Ano base 2011/Empresa de Pesquisa Energética. – Rio de Janeiro: EPE, 2012. p. 19/21. Disponível em <https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2012.pdf>. Acesso em 26 mar 2013.) 4 A geração de energia elétrica no Brasil atingiu cerca de 531 TWh (quinhentos e trinta e um terawatts hora) em 2011. (Ibid. idem, p. 16.) 5 Brasil. Empresa de Pesquisa Energética. Plano Nacional de Energia 2030. Rio de Janeiro: EPE, 2007. p. 148. Disponível em <http://www.epe.gov.br/PNE/20080111_1.pdf.>. Acesso em 27 mar 2013. 6 A capacidade instalada total até março de 2013 corresponde acerca de 123 mil MW (cento e vinte e três mil megawatts), considerando todas as fontes de energia. (Disponível em <http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/energia/setor-‐eletrico/geracao/print>. Acesso em 02 jun 2013.) 7 Ibid. p 147. 8 Neste sentido, o Plano Decenal de Energia 2021 prevê que: “A expansão da oferta de energia elétrica visualizada neste PDE 2021 compreende implantação de 34 usinas hidrelétricas (UHEs) no horizonte decenal, distribuídas por todas as regiões do país. Num primeiro período estão previstas 15 usinas, que somam 22.369MW. Trata-‐se de projetos que já dispõem de Licença Prévia (LP), isto é, passaram pelo leilão de expansão da oferta de energia, estando, portanto, em fase de implantação. Além dessas, estão planejadas outras 19 UHEs, somando 19.672MW. No total, prevê-‐se aumento de 42.040MW na potência instalada do parque hidrelétrico brasileiro. (...) Observa-‐se que a região Amazônica é a que concentra a expansão, tanto em número de projetos quanto, e principalmente, em termos de potência instalada (86,5%). Essa região constitui a fronteira hidrelétrica do país; nela se localiza grande parte do potencial hidrelétrico brasileiro ainda não explorado.” (Brasil. Plano Decenal de Expansão de Energia 2021/Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa Energética. Brasília: MME/EPE, 2012, p. 324. Disponível em <http://epe.gov.br/PDEE/20130326_1.pdf.>. Acesso 01 abr 2013.) 9 Segundo o Relatório do Instituto Socioambiental, de um total de 688 (seiscentos e oitenta e oito) terras indígenas identificadas no Brasil, estima-‐se que 98% (noventa e oito por cento) concentram-‐se na Amazônia Legal, ocupando uma área correspondente a pouco mais de 20% (vinte por cento) de toda Bacia Amazônia, ou o equivalente a, aproximadamente, 13% (treze por cento) de todo território nacional. (Disponível em <http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-‐indigenas/demarcacoes/localizacao-‐e-‐extensao-‐das-‐tis>. Acesso em 28 mar 2013.) 10 Nos últimos anos, acompanhamos o fenômeno da judicialização do licenciamento ambiental de hidrelétricas pelo país, tendo como cerne a ausência ou insuficiência de consulta aos povos indígenas. Nessa linha, a título exemplificativo, mencionam-‐se as seguintes ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal: 2006.39.03.000711-‐8, 2009.39.03.000575-‐6 e 25997-‐08.2010.4.01.3900 (Belo Monte); 2007.35.00.008826-‐8 (Serra da Mesa); 0003883-‐98.2012.4.01.3902 (São Luiz do Tapajós); 2006.70.01.004036.9 (Mauá); 3947-‐44.2012.4.01.3600 e 5891-‐81.2012.4.01.3600 (Teles Pires); 2007.41.00.001160-‐0 (Jirau); 2006.41.00.004844-‐1, 2009.41.00.000914-‐2, 2009.41.00.003928-‐2, 2008.36.00.014655-‐3 (Santo Antonio); 2006.38.13.010224-‐2 (Aimoré); 2009.71.17.000560-‐0 (Monjolinho); e 2002.72.02.003028-‐1 (Foz de Chapecó).
81www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes – que, aparentemente,
poderiam inviabilizar a exploração desses potenciais hidrelétricos.11
Neste ponto, sopesando a favor da segurança energética, o art. 231, §3º da CF criou um regime
jurídico excepcional ao usufruto exclusivo indígena, estabelecendo que “o aproveitamento dos recursos
hídricos, incluídos os potenciais energéticos, e a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-‐
lhes assegurada participação nos resultados da lavra na forma da lei.” Porém, até o momento, inexiste
texto legal, formal e materialmente, capaz de determinar, de modo claro, os parâmetros objetivos e
procedimentos necessários à realização destes requisitos constitucionais, principalmente no tocante ao
momento, modo, conteúdo, responsáveis, destinatários e grau de vinculação da consulta aos povos
indígenas.12
Assim, não resta alternativa, senão o enfretamento da questão. Dessa forma, a partir da análise dos
requisitos constitucionais e infraconstitucionais, pretenderá o presente trabalho, respeitados os limites
naturais de edição, apresentar propostas de regulamentação da participação dos povos indígenas na
implantação de projetos hidrelétricos, buscando contribuir com a criação de um ambiente jurídico estável
favorável à atração de investimentos, considerado tão necessário ao atendimento dos princípios de
modicidade tarifária, universalização do acesso e segurança energética, que baseiam o modelo do setor
elétrico nacional, sem, contudo, comprometer os direitos e garantias indígenas protegidos. A combinação
destes objetivos possibilitará o legítimo crescimento econômico brasileiro, pautado no princípio do
desenvolvimento sustentável, orientado pela Constituição em seus arts. 170, inciso VI e 225, caput.
A POSSIBILIDADE DE APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO EM TERRAS INDÍGENAS NO BRASIL PREVISÃO
CONSTITUCIONAL
Por razões de justiça histórica e compensação às violações cometidas no passado contra os povos
indígenas brasileiros, a CF de 1988 inovou ao reservar um capítulo inteiro aos índios e, nesse passo,
estabelecer um regime jurídico especial de proteção aos seus direitos.13 Pela primeira vez, reconheceu o
11 Nesse sentido, destaca Patryck Araújo Ayala: “A norma constitucional protege uma finalidade e espécies de uso definidos culturalmente, e sua incidência sobre todas as riquezas do solo, rio e lagos nelas existentes deve ser compreendida como obstáculo originário para a capacidade de intervenção do Poder Público e de todas as iniciativas privadas de sua exploração econômica, que restrinjam a possibilidade de usufruto exclusivo pelos próprios beneficiários (povos indígenas).” (AYALA, Patryck Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato [Org.]. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 288.) 12 A miscelânea de atos infralegais existente no país acerca do tema não se presta a regulamentá-‐lo, seja por vícios formais ou omissões materiais, contribuindo, na verdade, apenas para agravar o atual cenário de insegurança jurídica entorno da matéria. A edição da Portaria da Advocacia Geral da União (AGU) nº 303/2012, que pretendia uniformizar e vincular os órgãos da Administração Federal às salvaguardas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal na Pet. 3.388/RR quando da intervenção em terras indígenas, e sua posterior suspensão pelas Portarias AGU nºs 308 e 415, ambas de 2012, comprova esta percepção. Corroborando com nosso entendimento, constata Édis Milaré: “Fechando-‐se o parêntese, o fato de o dispositivo em análise (art. 231, § 3º da CF) não ter sido objeto da necessária regulamentação, tem ocasionado inúmeras controvérsias capazes de dificultar ou, até mesmo, de inviabilizar a instalação de empreendimentos que são essenciais para o Plano de Expansão do Setor Elétrico Nacional e, por decorrência, prejudicam sobremaneira o desenvolvimento econômico e social do país. (...) Não resta dúvida, outrossim, de que a regulamentação deste dispositivo constitucional traria a almejada segurança jurídica, não só para aqueles que pretendem empreender, mas também e, sobretudo, para as próprias comunidades eventualmente impactadas.” (MILARÉ, Édis. Aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas – análise adequada da aplicação do art. 231, § 3º da CF. Disponível em <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000013f1b07ffe15adbd2a7&docguid=I85d1c9d0f25311dfab6f010000000000&hitguid=I85d1c9d0f25311dfab6f010000000000&spos=6&epos=6&td=7&context=47&startChunk=1&endChunk=1#> Acesso em 08 mai 2013.) 13 Esta compensação histórica na verdade estaria relacionada com a proteção de minorias estabelecida em diversos dispositivos ao longo da Constituição. Nesse sentido, manifesta José Afonso da Silva: “O art. 231 reconhece a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos índios, com o que reconhece a existência de minorias nacionais e institui normas de proteção de sua singularidade étnica,
82www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
legislador originário a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, bem como os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, como direitos inerentes à identidade e cultura dos
povos indígenas, os quais devem ser protegidos e preservados, uma vez considerados essenciais a sua própria
manutenção e existência.14 Nesse viés, referiu-‐se a Constituição aos “índios” como os titulares desses
direitos.15
Com efeito, visando assegurar a proteção de tais direitos e conceder-‐lhes efetividade, o §2º do art.
231 da CF estabeleceu duas importantes garantias em favor dos direitos indígenas quais sejam, (i) a garantia
à posse permanente sobre as terras tradicionalmente ocupadas e (ii) o usufruto exclusivo sobre as riquezas do
solo, rios e nelas lagos existentes.
Em relação à posse permanente, a CF, em seu art. 20, inciso XI, determinou que as terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União, sendo sua posse concedida aos índios, de modo
permanente.16 É, pois, em razão desta garantia que, de modo harmônico, o art. 231, §5º, veda, em princípio,
a retirada dos índios destes locais contra sua vontade, bem como, na primeira parte do art. 231, §6º,
estabelece a nulidade e ineficácia dos atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras
tradicionalmente ocupadas.17
Por sua vez, o art. 231, §2º da CF estabeleceu ainda, que a faculdade de usar, fruir ou, explorar as
riquezas do solo, rios e lagos existentes nas terras indígenas, é exclusiva das comunidades que as
tradicionalmente ocupam. Ocorre que, há muito se debate sobre quais riquezas estaria a CF se referindo no
art. 231, §2º e, logo, salvaguardando sob a exclusividade de exploração pelos índios. Isto é, indaga-‐se se
especialmente de suas línguas, costumes e usos.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 852.) 14 A noção de terra indígena transpõe o conceito de áreas físicas efetivamente ocupadas, para se qualificar na ideia de habitat de um povo, inerente à sua própria existência, não se confundindo com uma noção meramente territorial. Assim, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal (STF): “Emerge claramente do texto constitucional que a questão da terra representa o aspecto fundamental dos direitos e das prerrogativas constitucionais assegurados ao índio, pois este, sem a possibilidade de acesso às terras indígenas, expõe-‐se ao risco gravíssimo de desintegração cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução de seus vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão de sua própria percepção e consciência como integrante de um povo e de uma nação que revência os locais místicos de sua adoração espiritual e que celebra, neles, os mistérios insondáveis do universo em que vive.” – grifou-‐se – (STF, Pleno, RE 183.188, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 10 dez 2006). É por esta razão que a concepção de ‘direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam’, remete à ideia de situação pretérita, imemorial, insuperável sob a qual os direitos indígenas estariam resguardados. Nessa ótica, quaisquer atos ou fatos que eventualmente violem esses direitos¸ ainda que aparentemente consolidados no tempo, restariam prejudicados e não gerariam direito adquirido a terceiros. Nessa via, o STF também já se posicionou no julgamento de mérito da Petição 3.388/RR, referente à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol: “Direitos ‘Originários’. Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente ‘reconhecidos’, e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-‐los chamado de ‘originários’, a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-‐índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como ‘nulos e extintos’ (§ 6º do art. 231 da CF).” (STF, Pleno, Pet. 3.388/RR, Rel. Min. Ayres Brito, Brasília, 19 mar 2009). 15 Como se vê, não é o índio, assim entendido em sua concepção individual, o sujeito beneficiado pelo regime constitucional especial, e sim “os índios” – em sua conjugação no plural – tal como topograficamente constante no Título do Capítulo VIII da Constituição Federal – assim compreendidos em seu aspecto coletivo. 16 A posse indígena não se confunde com aquela regulada pelos institutos privados, sendo considerada um instituto sui generis, pois embora seu domínio seja público (art. 20, XI da CF), sua posse é privada, porém coletiva à comunidade beneficiada. Nessa via, esclarece Regina Maria Macedo Neri Ferrari:“Como se vê, o constituinte originário, a partir de conceitos já sedimentados no ordenamento e na mentalidade jurídica brasileira, como a diferença entre o instituto da posse e da propriedade, criou, em relação às terras indígenas, uma situação especial, ou seja, a propriedade é pública e a posse é privada, mas coletiva, isto é, não é identificável individualmente.” (FERRARI, Regina Maria Macedo Neri. O aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas. Disponível em <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000013f2dd1cde3c506ddca&docguid=I903ac0a0008711e1968d00008558bdfc&hitguid=I903ac0a0008711e1968d00008558bdfc&spos=11&epos=11&td=467&context=33&startChunk=1&endChunk=1> Acesso em 24 mar 2013.) 17 Contudo, vale lembrar que a CF em nada veda a possibilidade de compartilhamento da posse indígena, limitando-‐se a qualificá-‐la como permanente. Como se verá, a exclusividade citada na CF refere-‐se apenas ao usufruto dos bens naturais dos rios, lagos e solos existentes nas terras tradicionalmente ocupadas, e em nada dispondo sobre a posse.
83www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
dentre a universalidade de recursos e potenciais inerentes aos bens naturais mencionados, existiriam certas
utilidades e potenciais excluídos do regime constitucional indigenista e, portanto, passíveis de exploração por
não-‐índios. Esta pergunta ganha maior ressonância quando por força do §1º do art. 231 da CF, áreas situadas
além dos limites conhecidos de terras indígenas podem ser consideradas, por ficção jurídica, como se terras
indígenas fossem, tendo em vista o amplo conceito estabelecido por aquele artigo ao definir terras
tradicionalmente ocupadas.18
A própria CF apresenta resposta ao citado questionamento quando, sistematicamente, adota a
teoria dual da propriedade, ao estabelecer que os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica
constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, reservando à
União o domínio sobre os mesmos, na forma dos artigos 176, caput c/c 20, incisos VIII e IX.19 Nesse sentido,
ao tratar sobre a exploração destes potenciais, considerados estratégicos à segurança e soberania nacional –
e, logo, justificantes da intervenção do Estado – a Constituição já adianta em seu o art. 176, §1º, que o
aproveitamento de potenciais hidráulicos somente poderá ser efetuado mediante autorização ou
concessão da União, no interesse nacional, cabendo à Lei Ordinária, estabelecer as condições específicas
quando essas atividades se desenvolverem em terras indígenas.
Desse modo, conferindo coesão e unidade à interpretação constitucional, ao dispor sobre os direitos
indígenas, o legislador reiterou seu posicionamento e privilegiou essas atividades afora do usufruto exclusivo
indígena, ao, propositalmente, regulá-‐las de forma específica e separada no §3º do art. 231 da CF e
estabelecer que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, e a pesquisa e
a lavra das riquezas minerais em terras indígenas podem ser efetivados com autorização do Congresso
Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-‐lhes assegurada participação nos resultados da lavra
na forma da lei.20
A ressalva constitucional prevista ao aproveitamento hidroelétrico e à mineração justifica-‐se por
questão de ordem fática, associada à rigidez locacional a que estas atividades estão atreladas.
Diferentemente de outras atividades, a exploração de potenciais hidrelétricos e a minerais depende
invariavelmente das formações geológicas e hidrológicas dadas pela natureza. Dessa forma, não cabe ao
Estado, ou mesmo ao particular interessado, decidir sobre o local onde tais empreendimentos serão
desenvolvidos. Esta opção lhes é negada pela natureza.
Logo, entende-‐se que os potenciais hidrelétricos e minerais não devem ser considerados como uma
hipótese de flexibilização da garantia indígena do usufruto exclusivo como se a este integrasse, e sim como
18 Ao conceituar terras tradicionalmente ocupadas, o art. 231, §1º da CF previu uma definição amplíssima, podendo-‐se entender estas também como aquelas áreas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem estar dos índios. Logo, mesmo as áreas que, embora situadas fora dos limites das terras conhecidas ou demarcadas, mas que exerçam função ecológica essencial ao equilíbrio dos atributos ambientais existentes no interior da terra indígena, poderão ser consideradas, para todos os efeitos jurídicos, sob proteção especial do regime indigenista posto pelo art. 231 e, dessa forma, submetidas à regra da exclusividade de exploração pelos índios. 19 A escolha por tal teoria fundamentadora do regime de propriedade no Brasil tem por objetivo ressalvar estes potenciais energéticos da apropriação privada direta e, assim, garantir o interesse público sobre o controle de bens e potenciais considerados estratégicos à segurança energética e soberania nacional. Tanto o faz dessa forma, que por diversos outros dispositivos, a Constituição retira a execução destas atividades econômicas do escopo da livre iniciativa e as estabelece como hipóteses clássicas de intervenção do Estado no domínio econômico, seja retendo sua exploração, originalmente, sob o regime de monopólio estatal ou, posteriormente, flexibilizando a concessão do interesse particular. 20 Na verdade, entende-‐se que o que Constituição guardaria sob o manto do usufruto exclusivo dos índios diz respeito àqueles bens proveitos à subsistência e manutenção alimentar, como vegetais, frutos, água, peixes e animais, em geral, e aqueles essenciais à preservação de sua cultura e formas de organização. Entretanto, mesmos tais direitos, bem como a posse permanente das terras tradicionalmente ocupadas, poderiam ser flexibilizados, apenas em caráter excepcionalíssimo, nas hipóteses de relevante interesse público, assim disposto em lei complementar, conforme previsão do art. 231, §6º da CF.
84www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
regime excepcional, dissociado desta proteção, haja vista o reconhecimento especial conferido pela própria
Constituição.21
Neste ponto, aliás, deve ser esclarecido o aparente conflito normativo entre as disposições do art.
231, §3º e art. 231, §6º, cuja exata compreensão sobre a dimensão e alcance de suas interpretações,
represente, talvez, o cerne de inúmeras controvérsias existentes no país acerca da exploração de potenciais
hidrelétricos em terras indígenas por não índios e seu modo de regulamentação.22 Enquanto a CF nos arts.
231, §3º, in fine, c/c ao 176, §1º, explicita verdadeira hipótese especial afora do alcance do usufruto exclusivo
indígena e prevê que as condições específicas para o aproveitamento de potenciais hidráulicos e lavra de
recursos minerais em terras indígenas sejam dispostas na forma da lei, isto é, Lei Ordinária, (ou mesmo
Medida Provisória),23 o §6º do art. 231, prevê, a possibilidade de realização de outras atividades24 – que não o
aproveitamento de potencias energéticos – que por serem consideradas de interesse público da União, e
gozadoras de liberdade locacional, poderão, estas sim, flexibilizar os direitos indígenas, desde que assim
reconhecidas por Lei Complementar. Na verdade, a qualidade dos instrumentos legais previstos pela
Constituição para a regulamentação de cada um daqueles dispositivos já indica a necessidade de
interpretação não comunicante entre os §§3º e 6º do art. 231.
Por fim, cabe asseverar que a exploração de potenciais hidrelétricos prevista na CF apenas constitui-‐
se em exceção ao regime de exclusividade de usufruto dos índios e, desse modo, restam intocados os demais
direitos e garantias indígenas previstos, como a posse permanente estabelecida pelo §2º do art. 231. Logo,
entende-‐se que a eventual mitigação desta garantia pelo compartilhamento da posse, ainda que somente
21 Ao indicar a adequação desta interpretação, o próprio o STF na Pet. 3.388/RR, em que pese sua pendência de trânsito em julgado, se manifestou pela exclusão da exploração dos recursos hídricos e seus potenciais energéticos do usufruto exclusivo dos índios, ao, ainda que de modo polêmico, aprovar as salvaguardas institucionais à demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, dentre as quais foi previsto: “Declarada, então, a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e afirmada a constitucionalidade do procedimento demarcatório, sob as seguintes salvaguardas institucionais majoritariamente aprovadas (...) b) o usufruto dos índios não abrange a exploração mercantil dos recursos hídricos e dos potenciais energéticos, que sempre dependerá (tal exploração) de autorização do Congresso Nacional;” (STF, Pleno, Pet. 3.388/RR, Rel. Min. Ayres Brito, Brasília, 19 mar 2009). 22 Confundindo a aplicação daqueles dois dispositivos, em consulta formulada pelo Procurador da República no Município de Londrina/PR, assim se manifestou 6ª Câmara de Coordenação e Revisão quanto à ilegalidade do Decreto Legislativo autorizador da implantação da UHE São Jerônimo diante da ausência de Lei Complementar regulamentando o tema:“1. A consulta, detalhada em sete indagações, gira, em síntese, em torno da possibilidade de oitiva, pelo Congresso Nacional, de comunidades indígenas afetadas por aproveitamento de potencial energético de recursos hídricos, na ausência de regulamentação do art. 231, §3º, da CF/88, que assegura a participação das comunidades nos resultados da lavra das riquezas minerais, na forma da lei.(...) 5. No caso de exploração de recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, existentes em terras indígenas, a edição de decreto legislativo de autorização, depois de ouvidas as comunidades indígenas (art. 231, §3º), depende da prévia definição, em lei complementar, dos critérios para aferir o relevante interesse público da União. O duplo requisito da lei complementar e do decreto legislativo visa assegurar a efetividade do princípio constitucional de que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-‐se a sua posse permanente, cabendo-‐lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.” (art. 231, §2º). (...) 7. Assim sendo, o processo que vem sendo encaminhado para edição de decreto legislativo autorizativo da construção da UHE São Jerônimo padece de nulidade absoluta, devendo serem tomadas providências administrativas e, eventualmente, jurídicas, para sustar as consultas às comunidades indígenas afetadas, enquanto não definidas previamente em lei complementar as hipóteses de relevante interesse público da União, permissivas da exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas.” – grifou-‐se – (Ministério Público Federal, Sexta Câmara de Coordenação e Revisão, Procedimento administrativo nº 08100.004936/98-‐61, Rel. Conselheira Ela Wiecko Volkmer de Castilho, data da reunião da Câmara 24 mai 2000.) 23 Desse modo, acende-‐se o debate quanto à possibilidade de regulamentação do art. 231, § 3º por Medida Provisória, cuja possibilidade entende-‐se procedente. Entretanto cabe esclarecer o risco desta viabilidade ser questionada pela Procuradoria Geral da República (PGR). Em cenário jurídico semelhante, em 2011 o Executivo Federal aprovou diversas Medidas Provisórias para alterar os limites territoriais de Unidades de Conservação, objetivando viabilizar a implantação de projetos energéticos na Amazonia. Nessa medida, entendendo que esta alteração somente poderia ser realizada por lei em sentido estrito, segundo interpretação do art. 225, § 1º, inciso III da Constituição, a PGR ajuizou diversas ações declaratórias de inconstitucionalidade contra aquelas medidas provisórias. A título exemplificativo, cita-‐se a ADI nº 4.717/DF ajuizada contra a MP nº 558/2011 que alterou os limites da Floresta Nacional de Itaituba I, para desafetar a área de influência do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) do Tapajós. (Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4197770.> Acesso em 12.06.2013.) 24 Nessa medida, citam-‐se a título ilustrativo as atividades de telecomunicações, a implantação de dutos, a expansão da malha viária, medidas de defesa do território nacional, etc.
85www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
pelo tempo necessário à exploração daqueles potenciais, previsto no contrato de concessão ou autorização,
poderá ser financeiramente compensada de modo a resguardar a legitimidade da intervenção momentânea
na terra indígena.25
Assim, uma vez demonstrada a previsão constitucional da exploração de potenciais hidrelétricos em
terras indígenas, passa-‐se à análise e proposta de regulamentação de suas condições, notadamente quanto
ao processo de consulta às comunidades indígenas afetadas e seu modo de realização.
A CONSULTA AOS POVOS INDÍGENAS AFETADOS: A CONVENÇÃO OIT Nº 169 E O PRINCÍPIO FPIC
O Brasil, juntamente com outros 20 países, ratificou a Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais (Convenção OIT nº 169), por meio do Decreto
Legislativo nº 143 de 20/06/2002, posteriormente internalizado pelo Decreto nº 5.051/2004, em 20/04/2004,
e atualmente vigente.26
Dentre as inovações introduzidas pela Convenção OIT nº 169 no Direito Brasileiro, o seu artigo 6º
incorporou o princípio da consulta livre, prévia e informada27 (FPIC) pelo qual os povos indígenas afetados por
quaisquer medidas legislativas ou administrativas devem ser previamente consultados,28 de maneira
apropriada segundo boa-‐fé e transparência, visando à formação de uma manifestação livre por parte dos
índios quanto ao teor destas medidas como modo de se buscar um acordo e consentimento29 acerca das
ações propostas. Nesse sentido, dispôs o artigo 6º:
Artigo 6º
1.º Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente,
através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou
administrativas suscetíveis de afetá-‐los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente,
pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de
decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis
pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos
casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
25 De qualquer forma, entende-‐se que todos estes temas devem ser disciplinados pela regulamentação própria, ora pretendida, para a segurança jurídica de suas relações. 26 A Emenda Constitucional nº 45/02, consolidando entendimento do STF, adotou a teoria dualista para a integração dos compromissos internacionais ao ordenamento jurídico nacional ao prever a necessidade de aprovação qualificada pelo Congresso Nacional para que os tratados e convenções internacionais sejam equivalentes a emendas constitucionais. 27 Na sigla em inglês FPIC (free, prior and informed consent). 28 Esta máxima é reiterada pela Convenção OIT nº 169, em seu art. 15, item 2, ao dispor que: 2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes nas terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades. – grifou-‐se – 29 Nesse viés, reforça Patrick Araújo Ayala: “Consentimento que deve ser livre, prévio e esclarecido, sempre que as decisões puderem afetar as condições para o exercício livre dos direitos originários sobre suas terras e recursos naturais.” (AYALA, Patryck Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 318.)
86www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de
maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o
consentimento acerca das medidas propostas. – grifou-‐se –
Ao menos quatro temas apresentam-‐se sensíveis à definição do processo de consulta: (i) momento
de sua realização, (ii) o modo, (iii) seus participantes (responsáveis e destinatários), e (iv) o grau de vinculação
das manifestações declaradas pelos povos indígenas à pretensão estatal intrínseca ao objeto consultado.
O momento da consulta
Segundo o texto do art. 6º, item 1, “a”, acima transcrito, a consulta aos povos indígenas deve ser
realizada cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-‐los
diretamente. Nessa via, poder-‐se-‐ia concluir, aparentemente, que a todo instante que um ato administrativo,
ou medida legal, seja capaz de afetar a comunidade indígena, esta deveria ser consultada previamente.
Entretanto, entende-‐se que a consulta, propriamente dita, e assim qualificada pelos preceitos da Convenção
OIT nº 169, apenas deverá ocorrer nos casos em que tais medidas possam afetar, efetivamente, as
comunidades. Nessa via, entende-‐se que estudos, meramente preparatórios, realizados nas primeiras etapas
de planejamento de um projeto hidrelétrico, não devem ser considerados como geradores da obrigação da
consulta, embora, possam ser objeto de comunicação prévia sobre os levantamentos de campo que serão
realizados na região estudada.
Isto porque, como se sabe, a implantação de um projeto hidrelétrico, por sua complexidade, precede
a um procedimento (isto é uma série de atos concatenados e subsequentes) envolvendo diversas etapas de
planejamento e estudos técnicos para a formulação do projeto, inerentes à sua própria concepção. O
primeiro passo consiste na elaboração dos Estudos de Inventário visando à avaliação do potencial de geração
de energia de uma unidade hidrográfica. Nesta fase, a análise técnica se dá de forma extremamente ampla,
sendo elaborados estudos para quantificar o potencial de geração de energia de uma bacia, considerando a
minimização de impactos socioambientais e o uso múltiplo dos recursos hídricos, dentre outros fatores, com
o objetivo de otimizar o seu aproveitamento energético.30 Com efeito, neste momento, sequer existe projeto
hidrelétrico suficientemente detalhado passível de ser apresentado à consulta, mas apenas dados
preliminares sobre os possíveis projetos, considerando a melhor alternativa de divisão de queda da bacia
hidrográfica analisada, não devendo aquela ser exigida.31
30 Cabe asseverar que, mesmo nesta fase do planejamento, as questões socioambientais, incluindo a identificação de terras indígenas na região, são consideradas ao se realizar a Avaliação Ambiental Integrada (AAI), exigida a partir de 2007, após a revisão do Manual de Inventário. Entretanto, ressalta-‐se que tal instrumento não possui previsão legal, sendo que em diversas ações civis públicas, o Ministério Público tem alegado a ilegalidade do licenciamento pela ausência de AAI. (Disponível em <http://www.cepel.br/ManualInventario07/Manual_inventario_port.pdf>. Acesso 08 mai 2013.) 31 Nesse sentido, recentemente, entendeu o Superior Tribunal de Justiça no âmbito da ação civil pública ajuizada pelo MPF contra o projeto da UHE São Luiz do Tapajós:“A meu sentir, a controvérsia que enseja o presente pedido de suspensão circunda na interpretação conferida ao art. 6º da Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais. (...) A Convenção em destaque, como relatado, foi promulgada pelo Decreto nº 5.051/2004, estando, portanto, passível de aplicação no país. Sendo assim, de acordo com o texto da Convenção, quando houver alguma medida administrativa tendente a afetar, de modo direto, as comunidades indígenas e tribais, o Governo deverá promover consultas de modo a inseri-‐las no contexto participativo de tomada de decisão. Trata-‐se, portanto, de consulta de natureza prévia que deve ser realizada pelo Poder Público sempre que o empreendimento que se pretende implantar puder, de algum modo, afetar diretamente as comunidades indígenas e tribais. Sem embargo, ao contrário do que decidido pelo em. Relator do Agravo de Instrumento nº 0019093-‐27.2013.4.01.0000, não vislumbro como meros estudos preliminares, atinentes tão-‐somente à viabilidade do empreendimento, possam afetar, diretamente, as comunidades envolvidas. O que não se mostra possível, no meu entender, é dar início à execução do empreendimento sem que as comunidades envolvidas se manifestem e componham o processo participativo com suas considerações a respeito de empreendimento que poderá afetá-‐las diretamente. Em outras palavras, não poderá o Poder Público FINALIZAR o processo de licenciamento ambiental sem cumprir os requisitos previstos na Convenção nº 169 da OIT, em
87www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Já na etapa seguinte, uma vez selecionado o aproveitamento ótimo de certa bacia hidrográfica e
individualizada a área de análise sobre cada eixo identificado, inicia-‐se a elaboração dos Estudos de
Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE), visando, agora, um projeto específico, objetivando sua eventual
oferta nos leilões de concessão. Concomitantemente, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) pode ser iniciado,
uma vez que, neste momento, já há maior grau de detalhamento suficiente do projeto hidrelétrico e dos
impactos que poderão efetivamente ameaçar os interesses indígenas. Assim, entende-‐se que o processo de
consulta pode ser realizado ao longo do EIA, iniciando-‐se na fase de diagnóstico e sendo concluído antes da
proposição das medidas compensatórias e mitigatórias.32
Ato contínuo, incorporado ao EIA os resultados do processo de consulta, este seria apresentado ao
órgão ambiental competente para avaliação da viabilidade do projeto hidrelétrico e emissão da Licença
Prévia e, desse modo, habilitar o projeto hidrelétrico a ser ofertado em leilão, no qual se conhecerá o
responsável pela implantação da usina, bem como pelas etapas seguintes do licenciamento. Neste aspecto,
seguindo a lógica da Convenção OIT nº 169, entende-‐se ainda que, posteriormente, os índios deverão ser
novamente consultados antes da emissão das Licenças de Instalação, condizente à observância das
condicionantes ambientais relacionadas à comunidade indígena afetada.
Com relação à autorização do Congresso Nacional, esta seria concedida após a conclusão da consulta
realizada durante a elaboração do EIA. Assim, as consultas ocorreriam nas seguintes etapas ao longo de todo
o planejamento de implantação de um projeto hidrelétrico:33
especial a realização de consultas prévias às comunidades indígenas e tribais eventualmente afetadas pelo empreendimento. Além disso, não há uma regulamentação específica que exija que a consulta deverá se dar antes mesmo do início dos estudos de viabilidade do empreendimento, decorrendo daí a possibilidade de, obedecido o princípio de preservação dos direitos fundamentais dessas comunidades, a consulta se dar concomitante às avaliação e estudos, pois, nesse caso, ao meu sentir, não haverá "medida administrativa" tendente a afetar diretamente as comunidades envolvidas. (...) Ademais, impende destacar que a UHE São Luiz do Tapajós se trata de um projeto energético, que ainda está em fase embrionária de verificação da viabilidade técnica, econômica e ambiental, e, ao menos enquanto se tratar de um simples projeto, sem início de execução efetiva, não possui o condão de afetar, de modo negativo, as comunidades locais. Nesse contexto, impedir que se promova o andamento dos estudos preliminares, que servirão de base para que o Governo possa planejar de modo adequado e eficiente sua política energética, ainda mais levando-‐se em consideração a crescente demanda por energia no país, afeta o interesse público na medida em que poderá obstar a expansão do setor elétrico e, consequentemente, o crescimento da economia brasileira. Conforme mencionado, inexiste, nesse momento, ato administrativo tendente a afetar, DIRETAMENTE, as comunidades envolvidas, a teor do que exige a Convenção. Nada obstante, entendo que, para se dar fiel cumprimento aos dispositivos da Convenção, o Governo Federal deverá promover a participação de todas as comunidades, sejam elas indígenas ou tribais, a teor do seu art. 1º, que podem ser afetadas com a implantação do empreendimento, não podendo ser concedida a licença ambiental antes da sua oitiva.” (STJ, Presidência, Decisão Monocrática, SLS 001745, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 18 abr 2013). Nada obstante, não ignoramos a existência de entendimento contrário externalizado pela Desembargadora Federal Selene Almeida no voto vencido da apelação cível nº 2006.39.03.000711-‐8/PA, referente à construção da UHE Belo Monte (TRF1, Quinta Turma, AC 2006.39.03.000711-‐8/PA, Rel. Des. Fed. Selena Almeida, Rel. para o acórdão Des. Fed. Fagundes de Deus, julgado em 01 ago 2012.) 32 Isto porque, o próprio EIA, devido à sua ampla dimensão, distingue-‐se em sub etapas, em regras, assim dividias cronologicamente: (i) diagnóstico ambiental; (ii) inserção do projeto; (iii) matriz de impacto, (iv) propostas de medidas de compensação e mitigação. Entende-‐se que a consulta se aperfeiçoaria após a definição da matriz de impacto, porém antes da elaboração das propostas de medidas de compensação e mitigação, para que seu resultado sirva também de orientação a estas. Caso seja exigida a elaboração do Estudo do Componente Indígena, como parte integrante do EIA, o processo de consulta às comunidades indígenas locais poderá ser fundamental ao seu desenvolvimento. 33 Atualmente a Instrução Normativa nº 01/2012 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) apresenta critérios semelhantes quanto à determinação do momento correto para realização da consulta aos povos afetados. Entretanto, dada à natureza infralegal deste ato normativo, o mesmo carece de legitimidade formal para estabelecer tais obrigações, as quais apenas podem ser impostas por Lei Ordinária, ou quiçá Medida Provisória, considerando as disposições dos arts. 176, §1º c/c 231, §3º da CF, como demonstrado. Visando encerrar as dúvidas quanto ao procedimento de consulta, em janeiro de 2012, a Secretaria Geral da Presidência e o Ministro Interino das Relações Exteriores editaram Portaria Interministerial s/nº instituindo Grupo de Trabalho Interministerial para estudar, avaliar e apresentar proposta de regulamentação da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, no que tange aos procedimentos de consulta prévia. Com efeito, de acordo com a Convenção OIT nº 169, a elaboração destas medidas legislativas, por sua vez, demandarão a realização da consulta FPIC.
88www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
O modo e conteúdo da consulta:
Dispõe o item 2 do art. 6º da Convenção OIT nº 169 que a consulta aos povos indígenas deve se
operar de maneira apropriada com boa-‐fé e transparência, para buscar um acordo e consentimento acerca
das medidas propostas. Assim deverá a consulta priorizar a clareza, pedagogia e linguagem adequada das
informações do projeto, de modo a assegurar o acesso das comunidades afetadas sobre as medidas que
poderão lhes causar impacto, para sobre estas, poderem emitir uma manifestação livre – isto é, espontânea,
voluntária e sem quaisquer vícios. A boa-‐fé, nesse sentido, representa o dever de conduta de lealdade do
Estado ou do interessado para com todas as informações do projeto visando sua compreensão por parte dos
povos afetados.
Os participantes da consulta (responsáveis e destinatários):
Os destinatários da consulta, naturalmente, serão todos os povos indígenas, direta ou
indiretamente, impactados pelo projeto. Os responsáveis deverão ser a União, quando conduza diretamente
a avaliação da viabilidade técnica e ambiental do projeto,34 ou mesmo o particular interessado no
levantamento desses dados, assim autorizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).35
O grau de vinculação da consulta:
Por fim, resta analisar o grau de vinculação da resposta indígena à consulta formulada. Isto é, diante
da realização da consulta no momento adequado, por quem e a quem de direito, e da livre resposta
concedida pelos índios poderia o Estado agir de modo contrário a esta na realização da medida administrativa
ou legislativa pretendida?
A resposta deve ser positiva, sob ressalvas. Ora, acima de qualquer qualificação que se possa fazer,
os índios são cidadãos brasileiros e, como quaisquer outros, se sujeitam aos atos de império do Estado e à
supremacia do interesse público. Nessa via, não há no ordenamento jurídico direito absoluto, ou não passível
de ser mitigado, segundo critérios da proporcionalidade e razoabilidade, que possa conceder ao cidadão
direito de veto vinculativo à decisão Estatal.
Conforme teleologia do art. 6º, item 2, da Convenção OIT nº 169, a consulta tem por finalidade
buscar um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. Nessa via, entende-‐se que a
consulta aos povos indígenas afetados, segundo a Convenção, tem natureza participativa, ou seja, tem como
propósito incluir os indígenas no processo decisório sobre a viabilidade e condições de execução das medidas
34 Usualmente executado pela EPE, acordo com a Lei nº 10.847/04. 35 Conforme Resolução ANEEL nº 395, de 04 de dezembro de 1998.
Inventário AAI EVTE EIA Autorização do
Congresso Leilão Construção /
operação
Termo de Referência LP
Audiências Públicas
CONSULTA
LI LO
CONSULTA CONSULTA
89www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
que possam lhes afetar. Neste sentido, aliás, esclarece a própria OIT em recente documento editado sobre a
interpretação de dispositivos da Convenção nº 169:36
“Conforme estipulado pelo artigo 6(2), as consultas devem ser conduzidas com boa-‐fé e objetivando
a obtenção de acordo ou consentimento. Neste sentido, a Convenção nº 169 não fornece às
comunidades indígenas o direito de veto, uma vez que o objetivo da consulta é a busca pelo acordo
ou consentimento. Por outro lado, os órgãos de supervisão da OIT estabeleceram claramente que o
simples encontro onde os povos indígenas poderiam ser ouvidos, sem qualquer possibilidade de
influenciar o processo decisório, não poderá ser considerado compatível com as disposições da
Convenção. (...)”
Dessa forma, dentre as diversas outras causas influentes no processo decisório, deverá o Poder
Público ponderar também sobre os resultados da consulta formulada, antes de permitir a medida
administrativa ou emitir a autorização legislativa, pois, embora não vinculada, a decisão estatal deverá ser
fundamentada, sob pena de arbitrariedade.37
Particularmente, para fins do presente estudo, entendemos que todos os temas, ora expostos,
deverão ser objeto da regulamentação própria do art. 231, §3º, via Lei Ordinária, ou ainda por meio de
Medida Provisória.
A PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES AFETADAS NO RESULTADO DA ATIVIDADE EXPLORADA
Ao final, restaria analisar a possibilidade de aplicação do segundo requisito constitucional previsto na
parte final do art. 231, §3º, referente à participação das comunidades afetadas no resultado da lavra, à
exploração de potenciais hidrelétricos, na medida em que, em princípio, pela terminologia específica utilizada
pela CF, este requisito se limitaria às atividades minerárias.
A Convenção OIT nº 169 enuncia em seu art. 15, item 2, parte final que os “povos interessados
deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber
indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.” Entretanto,
embora a Convenção possa apresentar natureza supralegal,38 esta mantém-‐se subordinada aos termos da CF,
36 Tradução livre. O texto original, em inglês assim, dispõe: “As stipulated by Article 6(2), consultations must be undertaken in good faith and with the objective of obtaining agreement or consent. In this sense, Convention nº. 169 does not provide indigenous peoples with a veto right, as obtaining the agreement or consent is the purpose of engaging in the consultation process, and is not an independent requirement. On the other hand, the ILO supervisory bodies have clearly stated that a simple information meeting, where indigenous peoples could be heard without having any possibility of influencing decision-‐making, cannot be considered as complying with the provisions of the Convention.(…)” (Understanding the Indigenous and Tribal People Convention, 1989 [No. 169]. Handbook for ILO Tripartite Constituents / International Labour standards Departmente. International Labour Organization. – Geneva, 2013. Disponível em <http://www.ilo.org/global/standards/subjects-‐covered-‐by-‐international-‐labour-‐standards/indigenous-‐and-‐tribal-‐peoples/WCMS_205225/lang-‐-‐en/index.htm>. Acesso em 04 jun 2013.) 37 Na verdade, excepcionalmente, entende-‐se que apenas haveria uma hipótese em que o consentimento dos indígenas, em princípio, deverá ser exigido à pretensão estatal, quando da necessidade de realocação das comunidades indígenas pela impossibilidade de permanência em suas terras, não havendo, alternativa viável. Nessa via, infirma o art. 16 da Convenção OIT nº 169: 2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados. 38 Caberia, prejudicialmente, decifrar a natureza jurídica e, logo o grau hierárquico ocupado pela Convenção OIT nº 169 dentro do ordenamento jurídico brasileiro de modo a determinar sua força e controle normativo frente aos demais atos infralegais atualmente existentes no país sobre a consulta de populações atingidas por empreendimentos hidrelétricos, bem como compreender os instrumentos jurídicos possíveis à sua regulamentação. Originariamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) havia firmado entendimento
90www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
a qual, originalmente, utiliza-‐se da terminologia “lavra” para se referir a participação dos povos indígenas no
resultado da atividade. Desse modo, entendemos que, como medida inclusiva dos índios na exploração de
aproveitamentos hidrelétricos, nada impede que o legislador ordinário trate deste tema quando da
elaboração da Lei Ordinária, ou Medida Provisória a regulamentar o art. 231, §3º, de modo a melhor
discriminar o alcance do termo constitucional.
Ademais, importa destacar que outras nações signatárias da Convenção OIT nº 169 também já
enfrentaram o desafio que ora se põe na pauta nacional e o responderam de modo criativo de acordo com
suas particularidades jurídico-‐institucionais.
Dotado de ampla riqueza de recursos naturais, e semelhante ao Brasil, assentado sobre uma matriz
energética eminentemente hidráulica, o Canadá permitiu que em alguns casos, empresas e comunidades
indígenas negociassem diretamente, desde que estas fossem supervisionadas pela Agência Reguladora local.
Em alguns desses casos os índios tornaram-‐se acionistas das empresas e dessa forma atuaram diretamente
desde o planejamento até o gerenciamento da área explorada, bem como foram beneficiados com o lucro
da atividade, cumprindo de uma só forma com o Princípio FPIC os objetivos da Convenção OIT nº 169,
garantindo não só sua participação, mas também sua inclusão no resultado da atividade explorada.39
Assim, a chamada sociedade empresarial indígena pode-‐se aventar como uma alternativa à
composição dos atuais conflitos no Brasil. No entanto, sua viabilidade pende de resolução de outra
controvérsia jurídica, esta a respeito da nova condição jurídica alçada aos índios pela CF e sua capacidade civil
para contratar. Todavia, dado o escopo do estudo, este é assunto poderá ser objeto de outro artigo.
que os Tratados e Convenções Internacionais se internalizavam ao direito interno sob o status de lei ordinária (STF, Pleno, ADI-‐MC 1.480-‐3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 27 jun 2001). Entretanto, posteriormente, com a edição da Emenda Constitucional nº 45/02 e inclusão do §3º ao artigo 5º da CF, os tratados ou convenções internacionais que versassem sobre direitos humanos e fossem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos e por mais de três quintos dos votos dos respectivos membros, seriam internalizados ao sistema interno sob status equivalente a emendas constitucionais. Todavia, o Decreto Legislativo nº 143 de 20/06/2002 não seguiu o rito qualificado exigido pelo art. 5º, §3º da CF, e, logo, em princípio, poderia se entender que a Convenção OIT nº 169 apresentaria a mesma força normativa de leis ordinárias e, portanto, poderia ser alterada por outras desta qualidade. Ocorre que, há um terceiro entendimento capitaneado pelo Ministro do STF, Min. Gilmar Mendes, segundo o qual “os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativas internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-‐los à legislação ordinária seria subestimar seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.” (STF, Pleno. RE 466.343/SP, Rel. Min. Cesar Peluso, julgado em 03 dez 2008). Assim, caso adote-‐se a teoria da supralegalidade dos tratados e convenções internacionais versantes sobre direitos humanos internalizados sob quórum ordinário, defendida pela terceira corrente, entende-‐se que a Convenção OIT nº 169 terá, em princípio, natureza supralegal, ao menos quanto às suas disposições referentes à consulta aos povos indígenas, devendo a regulamentação por Lei Ordinária, ou Medida Provisória, do art. 231, §3º da CF, ora pretendida, observar também as disposições daquela Convenção Internacional. 39 No caso da Usina Hidrelétrica de Keeyask, foi permitida a celebração de acordo, entre a empresa Manitoba Hydro e a comunidade aborígene “Tataskweyak Cree Nation”, prevendo a aquisição de 25% da participação acionária da usina pela comunidade. Outro acordo foi assinado com “Nisichawayasihk Cree Nation of Nelson House” sobre o desenvolvimento do projeto Wuskwatim, no qual a comunidade passará a deter 33% da usina. Canadian Environmental Assessment Agency, Canada-‐Manitoba Agreement on Environmental Assessment Cooperation (2007). (Disponível em http://www.ceaa.gc.ca/default.asp?lang=En&n=AAA97EB9-‐1, 2011 Acesso em 02 jun 2013.)
91www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
CONCLUSÃO
O presente trabalho visou analisar as condições de exploração de potenciais hidrelétricos em terras
indígenas no Brasil, apresentando, notadamente, propostas de regulamentação da consulta às comunidades
indígenas afetadas. Nesta via, diante do acima exposto e face à inexistência de texto legal apto a
regulamentar o tema, concluímos pela possibilidade de regulamentação formal da matéria por meio de Lei
Ordinária, ou Medida Provisória, segundo previsão constitucional, e material, em observância às
determinações da Convenção OIT nº 169.
Nessa linha, entende-‐se que a consulta aos povos indígenas deverá ser realizada (i) previamente a
quaisquer medidas administrativas ou legislativas que, efetivamente, afetem os interesses dos índios; (ii) de
maneira apropriada segundo boa-‐fé e transparência, dispondo sobre todo o escopo da medida pretendida e
seus efeitos, dotada de linguagem clara, acessível e ostensiva, visando à instrução e emissão pelos índios de
manifestação livre a respeito da medida pretendida; (iii) pela União ou suas empresas e autarquias, quando
diretamente conduzir os estudos de viabilidade, técnica e ambiental, pelo interessado, assim autorizado por
aquele ente federativo, ou mesmo pelo Congresso Nacional quando pertinente à emissão da autorização
legislativa; e (iv) visando buscar um acordo e consentimento dos índios, assegurando sua participação na
formação do processo decisório.
Ademais, outras previsões à apropriada regulamentação dos requisitos jurídicos exigidos ao legítimo
exercício da atividade de exploração de recursos hidrelétricos em terras indígenas no Brasil deverão ser
observados como à necessidade de compensação financeira, de natureza indenizatória, aos índios pelo
compartilhamento da posse permanente durante o período necessário à exploração daqueles potenciais, bem
como a participação destes no resultado da atividade. Nessa via, a chamada sociedade empresarial indígena
poderá se mostrar uma alternativa viável ao preenchimento dos requisitos jurídicos, como forma de inclusão
e participação dos índios na execução da atividade e solução às controvérsias atuais.
92www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
BIBLIOGRAFIA
AYALA, Patryck Araújo. Deveres ecológicos e regulamentação da atividade econômica na Constituição
brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional
Ambiental Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 446p.
Brasil. Empresa de Pesquisa Energética. Balanço Energético Nacional 2012: Ano base 2011 / Empresa de
Pesquisa Energética. – Rio de Janeiro: EPE, 2012. Disponível em
<https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2012.pdf> Acesso em 26/03/2013.
Brasil. Empresa de Pesquisa Energética. Plano Nacional de Energia 2030. Rio de Janeiro: EPE, 2007. Disponível
em <http://www.epe.gov.br/PNE/20080111_1.pdf.>. Acesso em 27 mar 2013.
Brasil. Plano Decenal de Expansão de Energia 2021 / Ministério de Minas e Energia. Empresa de Pesquisa
Energética. Brasília: MME/EPE, 2012. Disponível em <http://epe.gov.br/PDEE/20130326_1.pdf.>. Acesso 04
mar 2013.
Canadian Environmental Assessment Agency, Canada-‐Manitoba Agreement on Environmental Assessment
Cooperation (2007). Disponível em http://www.ceaa.gc.ca/default.asp?lang=En&n=AAA97EB9-‐1, 2011
Acesso em 02 jun 2013.
FERRARI, Regina Maria Macedo Neri. O aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas. Disponível
em
<http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000013f
2dd1cde3c506ddca&docguid=I903ac0a0008711e1968d00008558bdfc&hitguid=I903ac0a0008711e1968d000
08558bdfc&spos=11&epos=11&td=467&context=33&startChunk=1&endChunk=1> Acesso em 24 mar 2013.
MILARÉ, Édis. Aproveitamento de recursos hídricos em terras indígenas – análise adequada da aplicação do
art. 231, § 3º da CF. Disponível em
<http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000013f
1b07ffe15adbd2a7&docguid=I85d1c9d0f25311dfab6f010000000000&hitguid=I85d1c9d0f25311dfab6f01000
0000000&spos=6&epos=6&td=7&context=47&startChunk=1&endChunk=1#> Acesso em 08.05.2013.
Ministério Público Federal, Sexta Câmara de Coordenação e Revisão, Procedimento administrativo nº
08100.004936/98-‐61, Rel. Conselheira Ela Wiecko Volkmer de Castilho, data da reunião da Câmara 24 mai
2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2006. 924p.
STF, Pleno, ADI-‐MC 1.480-‐3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 27 jun 2001.
STF, Pleno, Pet. 3.388/RR, Rel. Min. Ayres Brito, Brasília, 19 mar 2009.
STF, Pleno, RE 183.188, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 10 dez 2006.
STF, Pleno. RE 466.343/SP, Rel. Min. Cesar Peluso, julgado em 03 dez 2008.
93www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
STATUS OF THE FREE, PRIOR AND INFORMED CONSENT (“FPIC”) IN PRIVATE SECTORS AND UNDER BRAZILIAN LAW Roberta Leonhardt, Daniela Stump and Carolina Castelo Branco Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados Telefone: (11)3150-‐7009 E-‐mail: [email protected]
KEY-‐ WORDS: FPIC; Brazilian Law; Indigenous People; Belo Monte Hydropower Plant
INTRODUCTION
As the interaction of human rights and the legal framework for the protection of environmental
resources evolve, one of the most debated issues at the crossroads is the Free, Prior and Informed Consent
(“FPIC”).
FPIC is the international principle that sets forth the right that a community has to give or withhold
its consent to proposed projects that may affect the lands they customarily own, occupy or otherwise use.
FPIC requires project developers enter into a balanced and respectful relationship with the affected people,
based on an informed consent.
Under international law, the FPIC is recognized by a number of intergovernmental bodies and the
respective conventions negotiated under their auspices.
The International Labor Organization Convention No. 169 on Indigenous and Tribal Convention (“ILO
Convention”), open to signatures and adoption by any country since 1989, is based on the principle of
consultation and participation.
The United Nations Declaration on the Rights of Indigenous People, adopted by the General
Assembly through Resolution No. 61/295 on September 13, 2007, sets forth that indigenous people shall not
be removed from their lands or territories without the “free, prior and informed consent”. The United
Nations Framework Convention on Biological Diversity has also reflected the idea of FPIC.
Not only the public organizations are concerned with assuring rights for the affected people by
projects of high impact on their living, but also private entities have been adopting the FPIC as one of the
cornerstones of their sustainability policies.
Under the Hydropower Sustainability Assessment Protocol, issued by the International Hydropower
Association (“IHA”) on November 2010, a hydropower project reaches the maximum score only if the consent
of indigenous people potentially affected is sought and gained.
The FPIC was also included in the updated version of the International Finance Corporation’s (“IFC”)
Sustainability Framework, which applies to all1 large infrastructure projects investment and advisory clients
whose projects have been reviewed since June 4, 2013.
1 The Equator Principles apply to the four financial products described below when supporting a new project: 1. Project Finance Advisory Services where total project capital costs are US$10 million or more. 2. Project Finance with total Project capital costs of US$10 million or more. 3. Project-‐Related Corporate Loans -‐ exclude Export Finance in the form of Supplier Credit (as the client has no Effective Operational Control). Furthermore, Project-‐Related Corporate Loans exclude other financial instruments that do not finance an underlying project, such as asset finance, acquisition finance, hedging, leasing, letters of credit, general corporate purposes loans, and general working
94www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
For projects with potential significant adverse impacts on indigenous peoples, IFC has adopted the
principle of FPIC, informed by the 2007 United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples.
According to the framework, the FPIC requirement will be triggered when there are impacts on traditional or
customary lands and natural resources; there is relocation of indigenous peoples from traditional lands and
natural resources; or significant impacts on the cultural resources of indigenous peoples. FPIC will be
established through good faith negotiation between the entrepreneur and adversely affected indigenous
peoples.
Although the protocols signed by the private sector are voluntary by nature, they reflect what is
deemed by the project developers as the best practices and convey to their governments the signs to be
followed when preparing binding agreements.
In Brazil, there are some relevant pieces of legislation that rule the indigenous people’s rights: (i)
Federal Constitution (section 231, §§ 3rd, 5th and 6th); (ii) Federal Law No. 6,001 of 1973 (sections 7th and 8th);
(iii) Federal Decree No. 6,040 of 2007; and, (iv) Normative Instruction No. 01 of 2012 from National Indian
Foundation (“Fundação Nacional do Índio or FUNAI”), which is the Federal Brazilian governmental protection
agency for indigenous people interests and culture.
In view of the recent conflicts caused by the interference of energy projects in indigenous lands, the
purpose of this essay is to present the legal status of FPIC under international and Brazilian law. For
illustrating how a Brazilian Court understands the FPIC, this essay approaches the decision rendered by the
Courts of Appeal of First Circuit2 (“Tribunal Regional Federal da 1ª Região”) in Belo Monte’s leading case.
1. FPIC’S OUTLINE UNDER INTERNATIONAL LAW
Under international law, FPIC is grounded on several conventions which seek to protect minorities’
rights. The common idea beneath them is reaching the agreement between the people to be affected by a
given project and the project developer.
The United Nations Framework Convention on Biological Diversity ("CBD"), adopted in 1992, has also
reflected the idea of FPIC. Pursuant to section 8, each party to CBD shall “respect, preserve and maintain
knowledge, innovations and practices of indigenous and local communities (...) and promote their wider
application with the approval and involvement of the holders of such knowledge, innovation and practices”3.
capital expenditures loans used to maintain a company’s operations (including Export Finance in the form of Buyer Credit) where all four of the following criteria are met: i. The majority of the loan is related to a single project over which the client has Effective Operational Control (either direct or indirect). ii. The total aggregate loan amount is at least US$100 million. iii. The EPFI’s individual commitment (before syndication or sell down) is at least US$50 million. iv. The loan tenor is at least two years. 4. Bridge Loans with a tenor of less than two years that are intended to be refinanced by Project Finance or a Project-‐Related Corporate Loan that is anticipated to meet the relevant criteria described above. While the Equator Principles are not intended to be applied retroactively, the EPFI will apply them to the expansion or upgrade of an existing project where changes in scale or scope may create significant environmental and social risks and impacts, or significantly change the nature or degree of an existing impact. Available at: http://www.equator-‐principles.com/resources/equator_principles_III.pdf 2 One of the Five Circuit Courts that exist in Brazil.
3 Convention on Biological Diversity, United Nations, 1992 “Section 8: In-‐situ Conservation: “Each Contracting Party shall, as far as possible and as appropriate: (j) Subject to its national legislation, respect, preserve and maintain knowledge, innovations and practices of indigenous and local communities embodying traditional lifestyles relevant for the conservation and sustainable use of biological diversity and promote their wider application with the approval and involvement of the holders of such knowledge, innovations and practices and encourage the equitable sharing of the benefits arising from the utilization of such knowledge, innovations and practices”.
95www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Further, the American Convention on Human Rights ("Pact of San Jose, Costa Rica” – 1969, adopted
by Federal Decree No. 678/1992) sets forth in its sections 1, 2 and 21 the respect to the rights and freedoms
recognized to all persons, including property rights, without any discrimination for reasons of race, color, sex,
language, religion, political or other opinion, national or social origin, etc.4In its section 21, the Convention
determines that no one shall be deprived of his/ her property except upon payment of just compensation, for
reasons of public utility or social interest, and in the cases and according to the forms established by law. In
this sense, the indigenous people can only be deprived of their property with appropriate procedures
established by laws and regulations.
The ILO Convention adopted by the Brazilian Government by means of the Federal Decree No.
5051/2004 is based on the principle of consultation and participation. It establishes in its sections 15 and 16
the consultation with indigenous people in the context of development, land and resources5. The ILO
Convention establishes that, before undertaking or permitting any exploration, the governments shall
establish or maintain procedures through which they shall consult the indigenous peoples. Also, when
relocation is considered necessary it can only take place with the indigenous people free and informed
consent. Where their consent cannot be obtained, the relocation can only take place with appropriate
procedures established by national laws and regulations, which provide the opportunity for effective
representation of the people concerned.
The section 10 of the United Nations Declaration on the Rights of Indigenous People, adopted by the
General Assembly through Resolution No. 61/295 on September 13, 2007, also guarantees the right of the
indigenous people to not be removed from their lands or territories without “free, prior and informed
consent”6.
4 “Section 1. Obligation to Respect Rights: The States Parties to this Convention undertake to respect the rights and freedoms recognized herein and to ensure to all persons subject to their jurisdiction the free and full exercise of those rights and freedoms, without any discrimination for reasons of race, color, sex, language, religion, political or other opinion, national or social origin, economic status, birth, or any other social condition. For the purposes of this Convention, "person" means every human being. “Section 2. Domestic Legal Effects: Where the exercise of any of the rights or freedoms referred to in Section 1 is not already ensured by legislative or other provisions, the States Parties undertake to adopt, in accordance with their constitutional processes and the provisions of this Convention, such legislative or other measures as may be necessary to give effect to those rights or freedoms”. “Section 21. Right to Property: Everyone has the right to the use and enjoyment of his property. The law may subordinate such use and enjoyment to the interest of society. No one shall be deprived of his property except upon payment of just compensation, for reasons of public utility or social interest, and in the cases and according to the forms established by law. Usury and any other form of exploitation of man by man shall be prohibited by law”. Emphasis added. 5 “Section 15: The rights of the peoples concerned to the natural resources pertaining to their lands shall be specially safeguarded. These rights include the right of these peoples to participate in the use, management and conservation of these resources. In cases in which the State retains the ownership of mineral or sub-‐surface resources or rights to other resources pertaining to lands, governments shall establish or maintain procedures through which they shall consult these peoples, with a view to ascertaining whether and to what degree their interests would be prejudiced, before undertaking or permitting any programmes for the exploration or exploitation of such resources pertaining to their lands. The peoples concerned shall wherever possible participate in the benefits of such activities, and shall receive fair compensation for any damages which they may sustain as a result of such activities”. Emphasis added “Section 16: Subject to the following paragraphs of this Section, the peoples concerned shall not be removed from the lands which they occupy. Where the relocation of these peoples is considered necessary as an exceptional measure, such relocation shall take place only with their free and informed consent. Where their consent cannot be obtained, such relocation shall take place only following appropriate procedures established by national laws and regulations, including public inquiries where appropriate, which provide the opportunity for effective representation of the peoples concerned. Whenever possible, these peoples shall have the right to return to their traditional lands, as soon as the grounds for relocation cease to exist. When such return is not possible, as determined by agreement or, in the absence of such agreement, through appropriate procedures, these peoples shall be provided in all possible cases with lands of quality and legal status at least equal to that of the lands previously occupied by them, suitable to provide for their present needs and future development. Where the peoples concerned express a preference for compensation in money or in kind, they shall be so compensated under appropriate guarantees. Persons thus relocated shall be fully compensated for any resulting loss or injury”. Emphasis added 6 “Section 10: Indigenous peoples shall not be forcibly removed from their lands or territories. No relocation shall take place without the free, prior and informed consent of the indigenous peoples concerned and after agreement on just and fair compensation and, where possible, with the option of return”. Emphasis added
96www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
The private sector has been developing its own methodologies to ensure that such supportive
measures be adopted during the environmental licensing of projects of significant social impact.
2. PRIVATE SECTOR’S BEST PRACTICES ON FPIC
Under the Hydropower Sustainability Assessment Protocol, issued by the IHA on November 2010
("IHA Protocol"), a hydropower project reaches the maximum score only if the consent of indigenous people
potentially affected is sought and gained.
It is important to highlight the meaning of “consent” in the glossary of the IHA Protocol: “Signed
agreements with community leaders or representative bodies who have been authorized by the affected
communities which they represent, through an independent and self-‐determined decision-‐making process
undertaken with sufficient time and in accordance with cultural traditions, customs and practices”7.
In addition, the most relevant initiative related to the financial institutions that must be taken into
consideration in the international arena is the Equator Principles (“EP”), which are defined as a credit risk
management framework for determining, assessing and managing environmental and social risk in project
transactions. The EP should be understood as a set of minimum voluntary criteria to allow the financial
standard related to credit concessions for a particular project.
The EP have gained importance and strength since its launch in 2002. Anchored on the performance
standards on social and environmental sustainability adopted by the IFC, and on the World Bank Group
Environmental, Health, and Safety Guidelines, the EP were first revised in 2006 and its recent revision of June
04, 2013 resulted in the EP III (EP III)8. The EP have greatly increased the attention and focus on
social/community standards and responsibility, including robust standards for indigenous peoples, labour
standards, and consultation with locally affected communities within the Project Finance market. They have
also promoted convergence around common environmental and social standards.
In this scenario, the FPIC was also included in the updated version of the IFC Sustainability
Framework, as one of the voluntary standards for projects of highly potentially polluting activities. The
voluntary standard applies to all investment and advisory clients whose projects have been reviewed since
June 4, 2013. From a Brazilian point of view, the insertion of FPIC into the EP is controversial, as its concept is
not welcomed by the domestic law in the way it is understood in the international rules (as explained below).
The IFC has officially published 8 performance standards, as follows: (i) PS 1 – Assessment and
Management of Environmental and Social Risks and Impacts; (ii) PS 2 – Labor and Working Conditions; (iii) PS
3 – Resource Efficiency and Pollution Prevention; (iv) PS 4 – Community Health, Safety, and Security; (v) PS 5
– Land Acquisition and Involuntary Resettlement; (vi) PS 6 – Biodiversity Conservation and Sustainable
Management of Living Natural Resources; (vii) PS 7 – Indigenous People; and, (viii) PS 8 – Cultural Heritage.
For the purposes of this Section, it is worth briefly summarizing the Performance Standards 7 and 8.
For project with potentially significant adverse impacts on affected communities, the Performance
Standards 7 and 8 set forth that an Informed Consultation and Participation (“ICP”) must be carried out.
7 The Hydropower Sustainability Assessment Protocol, Page 26, Available at: http://www.hydrosustainability.org/getattachment/7e212656-‐9d26-‐4ebc-‐96b8-‐1f27eaebc2ed/The-‐Hydropower-‐Sustainability-‐Assessment-‐Protocol.aspx 8 The EP II can be applied to new transactions (i.e. where the mandate is signed after June 4, 2013) up to the end of the transition period (i.e. December 31, 2013), Available at: http://www.equator-‐principles.com/index.php/about-‐ep/about-‐ep/38-‐about/about/352
97www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
In this context, the Performance Standards 7 and 8 set forth the mandatory protection of indigenous
people and their cultural heritage, which shall not be subject to any interference. Therefore, the project
developer shall identify, through an environmental and social risk and impact assessment, all the
communities of indigenous people within the project area of influence, as well as any risk of impacts to
cultural heritage. For projects whose impacts identified by the project developer may be deemed adverse to
indigenous people, FPIC is required.
According to the EP III: “there is no universally accepted definition of FPIC. Based on good faith
negotiation between the client and affected indigenous communities, FPIC builds on and expands the process
of Informed Consultation and Participation, ensures the meaningful participation of indigenous peoples in
decision-‐making, and focuses on achieving agreement. FPIC does not require unanimity, does not confer veto
rights to individuals or sub-‐groups, and does not require the client to agree to aspects not under their
control”9.
Considering that the EP are subscribed by 79 (seventy-‐nine) financial institutions around the world,
out of which 5 (five)10 are Brazilian, the inclusion of FPIC is an important tool for voicing the rights of the
affected communities by projects of significant impact. In the sequence, this essay looks into the FPIC outline
in the Brazilian legislation.
3. FPIC UNDER BRAZILIAN LAW
As already pointed out, the rational beneath FPIC is present in the following pieces of legislation: (i)
Federal Constitution (section 231, §§ 3rd, 5th and 6th); (ii) Federal Law No. 6,001 of 1973 (sections 7th and 8th);
(iii) Federal Decree No. 6,040 of 2007; and, (iv) Normative Instruction No. 01 of 2012 from FUNAI.
The Federal Law No. 6,001 of 1973 forests forth the Indigenous Statute. According to section 7th of
the mentioned Law, the indigenous individuals and the indigenous communities not yet integrated into the
national community are subject to a regime of tutelage. FUNAI is the entity responsible for the establishment
and implementation of Brazilian indigenous rights, as determined by the Brazilian Federal Constitution of
1988. FUNAI was created by the Federal Law No. 5,371 of 1967 and is an entity of private law, which has its
own assets. Since its creation, FUNAI has developed a relevant role as the indigenous people legal
representative.
In this sense, section 8th of the Federal Law No. 6,001 of 1973 establishes that the acts performed
between a non-‐integrated indigenous individual and a non-‐indigenous person shall be considered void and
invalid if not assisted by FUNAI. It means that, under Brazilian law, the FPIC of non-‐integrated indigenous
individuals shall be mandatorily rendered through FUNAI.
Moreover, the Brazilian Constitution protects the indigenous people’s social organization, practices,
languages, beliefs and traditions, as well as their original right on lands they have traditionally occupied. The
Brazilian Federal Constitution also sets forth that it is forbidden to remove groups of indigenous people from
their lands (Paragraph 5, Section 231, Federal Constitution). In case of catastrophes or epidemics that put
indigenous population under risk or in the name of the sovereignty interest of the country, the National
Congress shall approve the resettlement of indigenous population (Paragraph 3, Section 231, Federal
9 The Equator Principles, version in force from 4 June 2013, Page 9, Available at: http://www.equator-‐principles.com/resources/equator_principles_III.pdf 10 Banco Bradesco S.A.; Banco do Brasil S.A.; Banco Pine S.A.; Caixa Econômica Federal and Itaú Unibanco S.A. Available at: http://www.equator-‐principles.com/index.php/members-‐reporting/members-‐and-‐reporting
98www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Constitution)11. Furthermore, the Federal Public Prosecutor Office (“MPF”) is authorized by the Federal
Constitution to represent the rights and interests of indigenous people before the Courts12.
Moreover, the Brazilian Federal Constitution sets forth that the National Congress shall approve the
economical exploitation of natural resources situated in indigenous lands and that the indigenous people
shall be consulted in this regard (Paragraph 3, Section 231, Federal Constitution).
In addition, the Federal Decree No. 6040 of 2007 sets forth the National Policy for Sustainable
Development of Traditional People and Communities. Amongst its objectives, the policy aims at protecting
the right of traditional people and communities directly or indirectly affected by projects, works or
enterprises (section 3rd, IV).
The FUNAI’s Regulatory Instruction No. 01 of 2012 establishes rules for FUNAI’s participation in the
environmental licensing process related to activities that are likely to affect indigenous lands and people.
Accordingly, during the licensing process, both FUNAI and Public Prosecutor’s Office shall intervene in order
to protect the indigenous rights.
Public hearings are also meant to channel the claims and suggestions from the affected
communities. The Brazilian National Council for the Environment (“CONAMA”) Resolution No. 09 of 1987 sets
forth that a public hearing shall be held during the licensing process: (i) whenever the environmental
authority deems it necessary; or (ii) in case it is requested by the Public Prosecutor Office or by at least 50
(fifty) citizens. The public hearing aims to present the Environmental Impact Assessment and the
corresponding Environmental Impact Report (“EIA/RIMA”)13 to the stakeholders, collect opinions from the
11 Section 231. Indians shall have their social organization, customs, languages, creeds and traditions recognized, as well as their original rights to the lands they traditionally occupy, it being incumbent upon the Union to demarcate them, protect and ensure respect for all of their property. Paragraph 1. Lands traditionally occupied by Indians are those on which they live on a permanent basis, those used for their productive activities, those indispensable to the preservation of the environmental resources necessary for their well-‐being and for their physical and cultural reproduction, according to their uses, customs and traditions. Paragraph 2. The lands traditionally occupied by Indians are intended for their permanent possession and they shall have the exclusive usufruct of the riches of the soil, the rivers and the lakes existing therein. Paragraph 3. Hydric resources, including energetic potentials, may only be exploited, and mineral riches in Indian land may only be prospected and mined with the authorization of the National Congress, after hearing the communities involved, and the participation in the results of such mining shall be ensured to them, as set forth by law. Paragraph 4. The lands referred to in this section are inalienable and indispensable and the rights thereto are not subject to limitation. Paragraph 5. The removal of Indian groups from their lands is forbidden, except ad referendum of the National Congress, in case of a catastrophe or an epidemic which represents a risk to their population, or in the interest of the sovereignty of the country, after decision by the National Congress, it being guaranteed that, under any circumstances, the return shall be immediate as soon as the risk ceases”. Paragraph 6. Acts with a view to occupation, domain and possession of the lands referred to in this section or to the exploitation of the natural riches of the soil, rivers and lakes existing therein, are null and void, producing no legal effects, except in case of relevant public interest of the Union, as provided by a supplementary law and such nullity and voidness shall not create a right to indemnity or to sue the Union, except in what concerns improvements derived from occupation in good faith, in the manner prescribed by law. Paragraph 7. The provisions of section 174, paragraphs 3 and 4, shall not apply to Indian lands. “Section 174. A s the normative and regulating agent of the economic activity, the State shall, in the manner set forth by law, perform the functions of control, incentive and planning, the latter being binding for the public sector and indicative for the private sector. Paragraph 1. T he law shall establish the guidelines and bases for planning of the balanced national development, which shall embody and make compatible the national and regional development plans. Paragraph 2. T he law shall support and encourage cooperative activity and other forms of association. Paragraph 3. The State shall favour the organization of the placer-‐mining activity in cooperatives, taking into account the protection of the environment and the social economic furthering of the placer-‐miners. Paragraph 4. T he cooperatives referred to in the preceding paragraph shall have priority in obtaining authorization or grant for prospecting and mining of placer resources and deposits in the areas where they are operating and in those established in accordance with section 21, XXV, as set forth by law”. 12 According to section No. 129 of the Federal Constitution: “Section 129. The following are institutional functions of the Public Prosecution: V – to defend judicially the rights and interests of the indigenous populations”. 13 To be in compliance with the applicable law and some general guidelines, the EIA/RIMA must (i) present all technological and location alternatives for the project, confronting them with a scenario in which the project is not implemented; (ii) identify and evaluate, in a systematic manner, the environmental impacts generated during the implementation and operation phases of the undertaking or activity; (iii) define the limits of the geographical area to be directly or indirectly affected by the impacts, which shall be referred to as the
99www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
audience and provide further clarifications on the project to the affected people. The legislation states that
the minutes of the public hearing shall be attached to the licensing procedure and be taken into account by
the environmental authority in its final decision.
Also, it is important to mention the National Policy for Territorial and Environmental Management of
Indigenous Lands (“PNGATI”), published in the form of a Decree (Federal Decree No. 7,747/2012). The
warranty of the free, prior and informed consent is established as one of its objectives and guidelines, as
follows: “Section 3: The guidelines of the PNGATI are: XI – warranty of the right to consultation of indigenous
peoples, in accordance with the ILO Convention (Federal Decree No. 5051/ 2004)”. According to the PNGATI,
the indigenous people should be consulted in environmental licensing process of activities and projects that
directly affect their people and lands14.
In sum, although the Brazilian law does not set forth that a project that may impact a community
shall be preceded by the FPIC of its individual members, Brazilian law sets forth proper mechanisms to ensure
the protection of indigenous rights over land and culture.
4. BELO MONTE HYDROPOWER PROJECT’S LEADING CASE
The Belo Monte Hydropower Project is a national energy project of the Brazilian Federal
Government that will be located at the Xingu River in Brazil’s Northern State of Pará. Through this dam, the
government plans to add 11,000 mega-‐watts (MW) of installed capacity to the national energy grid. Such
energy output will put the dam at the second place in the Brazilian rank of the major energy producers, only
after the Itaipu bi-‐national power plant managed by Brazil and Paraguay (which produces 14,000 MW). The
Belo Monte Hydropower Project has raised many debates about the regularity of its environmental licensing
process and has been facing a strong opposition from environmentalists and local residents.
The Brazilian Government granted environmental approval, by the issuance of the Preliminary
License for the project in February 2010. Subsequently, the President Luiz Inacio Lula da Silva officially signed
a contract for the construction of the plant with Norte Energia in August 2010. Since that date, the
environmental licensing has developed fierce opposition by the Federal Public Attorney’s Office (“MPF”).
One of the most critical points raised by the MPF against Belo Monte Hydropower Project is the
alleged violation of indigenous rights. MPF has argued that there was lack of proper analysis of the impacts
on indigenous lands and populations, especially around the Municipality of Volta Grande, during the licensing
process.
It is important to highlight that the MPF’s challenges of the environmental licensing process of the
Belo Monte Hydropower plant have led to the filing of at least twelve class actions (“Ação Civil Pública or
ACP”).
Among such actions, the consultation to the indigenous people is the focus of the ACP No.
2006.39.03.000711-‐8, currently in progress at Courts of Appeal of the First Circuit. The plaintiffs are the MPF
and FUNAI, whereas, the defendants are the Institute for Environment and Natural Renewable Resources
(“IBAMA”), Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (“Eletrobras”) and Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A.
project area of influence; and (iv) consider the governmental plans and programs proposed and under implementation in the project area of influence, as well as their compatibility. 14 “Section 4: “The specific objectives of PNGATI, structured axes, are: II -‐ axis 2 -‐ governance and indigenous participation: f) conduct consultations with indigenous peoples in environmental licensing process of activities and projects that directly affect indigenous people and lands, in terms of joint act of the Ministries of Justice and Environment”.
100www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
(“Eletronorte”). The claim seeks IBAMA’s conviction to refrain from adopting administrative acts related to
environmental licensing of the Belo Monte Hydropower plant.
First of all, the Courts of Appeal of First Circuit ordered the immediate suspension of the
environmental licensing process developed before IBAMA. The tribunal argued that the authorization of the
project by Brazilian Congress in 2005 was illegal, because the indigenous peoples affected by construction
were not properly consulted in accordance with the Brazilian Constitution and the ILO Convention, to which
Brazil is party to. The defendants then appeared before the Federal Court and were able to obtain a decision
from the same judge reconsidering his first decision and reverting the preliminary injunction granted.
Then, the Federal Public Prosecutor's Office filed an interlocutory appeal against the decision from
the Federal Court and the Federal Court of Appeals of the First Circuit reversed again the decision and
granted injunction claimed by the plaintiffs.
Against this decision, the Federal Government filed a specific procedure before the Federal Supreme
Court (Suspension Injunction No. 125) to immediately stay the injunction granted by the Federal Court of
Appeals of the First Circuit. The Federal Supreme Court stayed in part such decision, nevertheless determined
IBAMA to proceed with the hearings of the indigenous peoples affected by construction.
At the same time the parties were discussing about the preliminary injunction, the lawsuit was going
forward before the Federal Court to be ruled on its merits. After the dully production of evidence the Federal
Court ruled against the plaintiffs on the merits.
Indeed, the main discussion brought before the Federal Court was about the regularity of the Belo
Monte Hydropower Project authorization by the National Congress by means of Legislative Decree No.
788/2005. MPF argued that such authorization has violated the right to FPIC guaranteed to the indigenous
peoples affected by the project. The counterparties defended that the FPIC was performed by the National
Congress. Moreover, the discussion involves the time when the FPIC should be performed.
The Federal Public Prosecutor's Office then filed an appeal to the Federal Court of Appeals of the
First Circuit, who partially reverted the decision from the lower court.
The final Federal Court of Appeals decision reinforced that the Brazilian Constitution protects the
indigenous people’s social organization, practices, languages, beliefs and traditions, as well as their original
right on lands they have traditionally occupied. It also highlighted that the Brazilian Constitution sets forth
that it is forbidden to remove groups of indigenous people from their lands without the National Congress
approving the economical exploitation of natural resources situated in their lands and that the indigenous
people shall be consulted.
Accordingly, the Court of Appeals considered that the hearing of the affected indigenous
communities shall be a condition precedent for the approval of the authorization by the National Congress.
The Court understood that indigenous peoples were not heard.
As the indigenous community cannot be replaced, the Court of Appeals ruled that the National
Congress could not delegate the act of hearing the indigenous community. It is the Congress who should
perform the inquiry procedures, since it has the power to authorize the construction.
In light of the above, the Courts of Appeal of First Circuit partly granted the claims of the plaintiff,
considering the Legislative Decree No. 788/2005 invalid. In this sense, according to the Brazilian Constitution
and the ILO Convention, the Court decided that the environmental licensing process of the Belo Monte
Hydropower plant had no effect.
101www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Then the Federal Government filed a constitutional claim (RCL14404) before the Federal Supreme
Court, requesting an advanced relief against the decision rendered by the Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (ACP No. 2006.39.03.000711-‐8). The constitutional claim questioned the prohibition of IBAMA to
practice any act of licensing of the hydroelectric plant of Belo Monte, in the State of Pará, as well as the
immediate termination of the activities that are necessary to implement the project.
Accordingly, the Federal Government asserted that besides disrespecting the decision of the Federal
Supreme Court issued in connection to the preliminary injunction claim, the decision of the Courts of Appeal
"completely invades the administrative discretionary sphere and reverberate in the formulation and
implementation of national energy policy."
In this sense, first, the Federal Government required the suspension of the effectiveness of the
judgment of the Federal Regional Tribunal in order to avoid irreparable damage to public property. The
constitutional claim seeks the annulment of the decision challenged by disrespecting the authority of the
decision previously rendered by the Federal Supreme Court in the trial of Suspension Injunction No. 125.
The Injunction focused on whether the hearing of "affected communities" should precede the
National Congress authorization for the use of water resources in indigenous lands or if, otherwise, the
authorization is the previous step to the environmental licensing process.
Although the examination of the Suspension Injunction No. 12515 has not entered into the merits of
the case, the Minister Ellen Gracie decided that: "in honor of the public and economy order, the acts of
IBAMA and other agencies responsible for the ongoing of environmental licensing process were authorized".
At last, the Federal Supreme Court, when deciding the constitutional claim (RCL14404), ruled that
the judgment of the Federal Regional Tribunal violated its authority vis-‐à-‐vis the decision of the Suspension
Injunction No. 125. In this sense, the injunction granted by the Federal Supreme Court stayed the effects of
the judgment of the Federal Regional Tribunal in Civil Appeal No. 2006.39.03.000711-‐8.
Although the constitutional claim (RCL14404) is still pending a final judgment, currently the
environmental licensing of the Belo Monte Hydropower plant is in progress, based on the mentioned decision
of the Federal Supreme Court.
CONCLUSION
It is clear that under international law, FPIC is recognized by a number of intergovernmental bodies
and respective conventions, as well as international human rights law.
Also, not only the public organizations are concerned with assuring rights for the affected people by
projects of high impact on their living, but also private entities have been adopting the FPIC as one of the
cornerstones of their sustainability policies. In this sense, the best practices show that FPIC should be
observed.
In its turn, the Brazilian law does not explicitly ensure the free, prior and informed consent.
However, as exposed, the Brazilian Constitution protects the indigenous people’s social organization,
practices, languages, beliefs and traditions, as well as their original right on lands they have traditionally
occupied. Also, the Brazilian Federal Constitution sets forth that the National Congress shall approve the
15 In that Suspension Injunction, the President of the Federal Supreme Court authorized IBAMA to proceed: "the hearing of the interested indigenous communities”. In the same decision, the Federal Supreme Court maintained the determination to conduct the EIA and the anthropological report, in order to allow the necessary acts for the viability the enterprise.
102www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
economical exploitation of natural resources situated in indigenous lands and that the indigenous people
shall be consulted.
Accordingly, it must be considered that the Brazilian law establishes sufficient mechanisms for the
protection of indigenous lands. As mentioned above, according to Brazilian law, during the environmental
licensing process, three institutions represent and protect the indigenous people interest: the National
Congress, the Federal Public Prosecutor Office and FUNAI. In this sense, the rational on which FPIC is ensured
by our legislation.
In light of the above and due to the precedent related to the Belo Monte Hydropower Project, it is
possible to conclude that the concept of FPIC is expanding and gaining strength under international and
Brazilian law. The international trend is to establish a procedure for consulting the affected communities by
potentially polluting projects. In Brazil, the legislation already protects the indigenous lands and interests
through their representatives, which has been reinforced by the recent case-‐law. Also, the private sector is
adhering to voluntary protocols which make the law indeed effective.
103www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
REFERENCES
Legislation
• International Labor Organization Convention No. 169 on Indigenous and Tribal Convention; • United Nations Declaration on the Rights of Indigenous People, adopted by the General Assembly through
Resolution No. 61/295 on September 13, 2007;
• United Nations Framework Convention on Biological Diversity;
• Hydropower Sustainability Assessment Protocol, issued by the International Hydropower Association on
November 2010;
• International Finance Corporation’s Sustainability Framework;
• Federal Constitution (section 231, §§ 3rd, 5th and 6th); • Federal Law No. 6,001 from 1973 (Section 7th and 8th);
• Federal Decree No. 6,040 from 2007;
• Federal Decree No. 7.747/2012; • FUNAI’s Normative Instruction No. 01/2012.
Sections
• Breyer, Erika; Expansão Energética e Populações Indígenas; June 25, 2013; Publication: Portal Fator Brasil – Sections;
• Justiça Assegura Legalidade de Licenciamento de Belo Monte; DCI -‐ Diário Comércio Indústria & Serviços -‐
May 25, 2013, p.A7;
• Questão indígena afeta imagem de Dilma; May 10, 2013; Publication: Valor Economico News -‐ 1st
Supplement Section;
• Planalto rejeita diálogo com invasores de Belo Monte; May 7, 2013; Publication: Diário Online – General;
• Ruralistas pressionam por terras indígenas; May 7, 2013; Publication: Valor Economico News -‐ 1st
Supplement Section;
• Índios decidem manter invasão em Belo Monte; May 6, 2013; Publication: Diário Online – General;
• Belo Monte: ministro Ayres Britto defere liminar requerida pela AGU; August 27,2012; Available at:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=216344
• AGU questiona acórdão sobre a Usina de Belo Monte; August 24, 2012; Available at:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=216138
Case Law
• Public Civil Action No. 2006.39.03.000711-‐8, currently in progress at Tribunal Regional Federal da 1ª Região;
• Suspension Injunction No. 125; Federal Supreme Court;
• Constitucional Claim No. 14404; Federal Supreme Court.
104www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
TARIFAÇÃO DINÂMICA PARA O MERCADO REGULADO Donato da Silva Filho EDP Brasil Dorel Soares Ramos Universidade de São Paulo Ewerton Guarnier Universidade de São Paulo Rafael Holanda Moura EDP Brasil
RESUMO
Na atual estrutura do Setor Elétrico Brasileiro, as distribuidoras de energia elétrica possuem tarifas que são
fixadas anualmente nas datas de aniversário de seus contratos de concessão. Os contratos de compra de
energia que servem para lastrear a venda de energia aos clientes cativos das distribuidoras são constituídos por
contratos por quantidade e por contratos por disponibilidade. Nos contratos por quantidade, a distribuidora
paga um preço fixo pelo volume de energia contratada, o qual é reajustado anualmente por algum índice de
preços (IGP-‐M e IPCA). Nos contratos por disponibilidade (sobretudo usinas termoelétricas), há uma parcela fixa
(encargos, tributos, etc.) e uma parcela variável (conjuntura energética). Se há abundância de chuvas, o custo
variável é baixo; em períodos mais secos, alto. Apesar da parcela variável ser fortemente dependente da
conjuntura hidrológica, os consumidores não tem a percepção do sinal econômico associado, pois as tarifas
somente variam uma vez ao ano. Neste contexto, os consumidores deixam de aproveitar a energia mais barata,
disponível nos períodos mais úmidos, como também deixam de reagir ao elevado custo da energia ao longo do
período seco. Assim, com a tarifa constante o sistema perde eficiência, pois não há resposta ao custo efetivo da
energia. Este artigo propõe uma estrutura tarifária em que os custos variáveis da compra de energia e os
encargos que variam com a conjuntura energética passam a compor uma parcela da tarifa que varia
mensalmente. A cada mês são publicadas as previsões destes custos variáveis para o mês seguinte e o
faturamento do mês seguinte teria esta parcela discriminada nas contas de luz, de forma adicional aos itens
fixos. O consumidor tem assim acesso a esta informação e pode ajustar o consumo em função do valor da
parcela variável. De forma geral, os impactos na conta de energia devido à parcela variável decorrente da
situação energética são inferiores a 10% do valor da conta de luz. No entanto, o fato dos consumidores terem
acesso rotineiro às condições energéticas do sistema passa a ser elemento indutor de uma utilização energética
mais eficiente.
PALAVRAS-‐CHAVE: Distribuidoras de Energia, Parcela A, Eficiência Energética, Risco, Tarifação Dinâmica
105www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
1.0 -‐ INTRODUÇÃO
O serviço de distribuição de energia elétrica no Brasil é regulado pelo sistema PRICE CAP, caracterizado pela imposição de tarifas teto às concessionárias, a cada quatro anos (normalmente), no processo de revisão tarifária, aplicando-‐se reajustes anuais de tarifas entre revisões, por índices de preço descontados dos ganhos de produtividade. A tarifa das distribuidoras é formada por duas parcelas: a parcela A, referente aos custos não gerenciáveis, ressarce a distribuidora pelos custos relativos aos encargos setoriais, custos de transporte e compra de energia; a parcela B, referente aos custos gerenciáveis, remunera a distribuidora pelos custos operacionais eficientes, pela remuneração dos investimentos prudentes e pela quota de reintegração regulatória (depreciação dos ativos). A parcela A deve ser neutra para efeito tarifário, ou seja, as distribuidoras não devem ter ganhos nem perdas com os itens que a compõem. Esta premissa só seria verificada se houvesse um perfeito casamento entre o que a distribuidora paga aos seus fornecedores e o que recebe dos consumidores por intermédio das tarifas. Na prática, alguns custos assumidos pelas distribuidoras não são totalmente cobertos pelos valores previstos na última revisão ou reajuste tarifário, devido a algumas características dos contratos ou dos encargos, como (i) diferença entre a data de reajuste do encargo/contrato e a data de reajuste da distribuidora, e (ii) riscos dos contratos de disponibilidade, que são assumidos pelas distribuidoras e que dependem do despacho das usinas térmicas e da situação energética do sistema interligado nacional. Mesmo sendo esse custo posteriormente repassado aos consumidores nos reajustes ou revisões tarifárias, a distribuidora arca com o ônus financeiro do seu carregamento durante o período de um ano. De fato, as diferenças entre os valores pagos aos fornecedores e os valores considerados na tarifa de cobertura fazem com que a distribuidora tenha prejuízos ou ganhos no curto prazo, que só poderão ser repassados aos consumidores no reajuste tarifário ou na revisão subsequente. Neste sentido, a distribuidora pode ficar descoberta durante um ano inteiro, captando recursos no curto prazo com altas taxas de juros, que não são consideradas integralmente no repasse aos consumidores, e consequentemente afetando a saúde financeira da empresa e a neutralidade da Parcela A. A variação dos custos da Parcela A acaba sendo subsidiada pela Parcela B, que remunera a distribuidora pelo serviço prestado e pelos investimentos realizados, caracterizando uma transferência de recursos e uma penalização ao investidor. Este efeito é ampliado com a metodologia aplicada no 3° Ciclo de Revisões Tarifárias, pois a Parcela B tem se reduzido sensivelmente (20% em média9 e as variações da Parcela A se tornaram proporcionalmente mais significativas. Em casos extremos, em alguns meses, mais do que 100% da Parcela B pode ser utilizada para cobrir variações da Parcela A. Ademais, este impacto na Parcela B gera redução do fluxo de caixa e de resultados para a empresa, compromentendo a sua financiabilidade, pois a relação dívida sobre EBITDA, utilizada para medir a saúde financeira das empresas, se eleva muito devido à redução de EBITDA. As distribuidoras que dispõem em seu “mix” de compra de uma parcela maior de contratos de disponibilidade são mais impactadas por estas variações no curto prazo. Esta situação se torna preocupante nos momentos em que o sistema brasileiro se encontra “estressado”, pois as distribuidoras devem arcar de forma antecipada com os custos de combustível das termelétricas despachadas até o momento do repasse às tarifas.
106www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
2.0 -‐ REPASSE DOS CUSTOS VARIÁVEIS E EFICIÊNCIA ENERGÉTICA
Na regulação brasileira, os consumidores cativos experimentam um sinal econômico constante ao longo do ano tarifário da distribuidora. No entanto, a energia que está sendo consumida possui um custo de produção que não é constante, pois depende das fontes que estão sendo utilizadas para supri-‐la. Apesar do aparente benefício da estabilização da tarifa ao longo de um ano, a cada ajuste no valor das tarifas o consumidor percebe variações – positivas ou negativas – às quais não faz mais sentido reagir reduzindo ou elevando o consumo, pois se tratam de eventos passados, não correlacionados com a situação energética momentânea ou futura. Para melhor explorar esta característica temporal das fontes de geração e o descasamento com os cálculos tarifários, a próxima seção apresenta como são realizados os cálculos da CVA, e a seção seguinte apresenta exemplos reais de falta de correlação entre tarifa e custo efetivo de produção da energia.
2.1 A Conta de Variação de Itens da Parcela A -‐ CVA
A Conta de Variação de Valores dos Itens da Parcela A, regulamentadada pela Portaria Interministerial MF/MME nº 296, de 25/10/2001 e posteriormente substituída pela Portaria Interministerial MF/MME nº 025, de 24/01/2002, foi criada para apurar as diferenças entre os custos e as receitas das distribuidoras para itens da Parcela A que apresentavam variações de preços entre os períodos de revisões e reajustes tarifários anuais. Os seguintes itens são contabilizados na CVA.
-‐ CVA Energia: Valores e montantes de compra e repasse de energia. -‐ CVA Rede Básica: Valores e montantes de compra e repasse da Rede Básica. -‐ CVA Transporte Itaipu: Valores e montantes de compra e repasse do Transporte de Itaipu. -‐ CVA CCC: Valores pagos e repassados da Conta de Consumo de Combustíveis dos sistemas isolados. -‐ CVA CDE: Valores pagos e repassados da Conta de Desenvolvimento Energético. -‐ CVA ESS: Valores pagos e repassados dos Encargos de Serviço do Sistema -‐ CVA PROINFA: Valores pagos e repassados do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas. -‐ CVA EER: Valores pagos e repassados do Encargo de Energia de Reserva.
A contabilização de cada um destes itens é feita mensalmente, apurando-‐se os custos mensais realizados pela distribuidora e a cobertura tarifária homologada no último reajuste ou revisão tarifária. A Figura 1 ilustra a contabilização da CVA para um determinado item.
107www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Figura 1 – Contabilização da CVA.
Quando a distribuidora, em um determinado mês, tem seus custos menores que o valor de cobertura tarifária para o item, apura-‐se um valor negativo de CVA, que resulta em um passivo regulatório. Por outro lado, quando os custos são maiores que a cobertura tarifária para um dado item em um determinado mês, apura-‐se um valor positivo de CVA, resultando em um ativo regulatório. Como exemplo, a Figura 2 apresenta a contabilização da CVA PROINFA para a distribuidora ESCELSA entre os meses de Agosto de 2012 e Março de 2013.
Figura 2 – Contabilização da CVA PROINFA.
A CVA não faz parte da base tarifária e é contabilizada nos reajustes e revisões tarifários através de um componente financeiro. Este componente reflete a contabilização das diferenças incorridas em todo o período passado e é adicionado à tarifa do período subsequente de 12 meses. Assim, a CVA acumulada em cada mês agrega as diferenças apuradas no mês vigente com as diferenças apuradas nos demais meses contidos no período de contabilização.
108www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Os itens que compõem a CVA podem ser divididos em 3 grupos: Compra de Energia; Encargos de Transporte e; Encargos Setoriais. A contabilização da diferença entre os custos realizados e a cobertura tarifária para cada um destes grupos é realizada de forma diferente. As equações a seguir apresentam a forma de apuração das diferenças (CVA) para estes grupos. 𝐶𝐶𝑉𝑉𝐴𝐴𝐶𝐶𝑜𝑜𝑚𝑚𝑝𝑝𝑟𝑟𝑎𝑎 𝐸𝐸𝑛𝑛𝑒𝑒𝑟𝑟𝑔𝑔𝑖𝑖𝑎𝑎=𝑃𝑃𝑟𝑟𝑒𝑒ç𝑜𝑜𝑃𝑃𝑟𝑟𝑎𝑎𝑡𝑡𝑖𝑖𝑐𝑐𝑎𝑎𝑑𝑑𝑜𝑜−𝑃𝑃𝑟𝑟𝑒𝑒ç𝑜𝑜𝐶𝐶𝑜𝑜𝑏𝑏𝑒𝑒𝑟𝑟𝑡𝑡𝑢𝑢𝑟𝑟𝑎𝑎�𝐸𝐸𝑛𝑛𝑒𝑒𝑟𝑟𝑔𝑔𝑖𝑖𝑎𝑎 𝑅𝑅𝑒𝑒𝑐𝑐𝑜𝑜𝑛𝑛ℎ𝑒𝑒𝑐𝑐𝑖𝑖𝑑𝑑𝑎𝑎 (1)
𝐶𝐶𝑉𝑉𝐴𝐴𝐸𝐸𝑛𝑛𝑐𝑐𝑎𝑎𝑟𝑟𝑔𝑔𝑜𝑜𝑠𝑠 𝑇𝑇𝑟𝑟𝑎𝑎𝑛𝑛𝑠𝑠𝑝𝑝𝑜𝑜𝑟𝑟𝑡𝑡𝑒𝑒=𝑇𝑇𝑎𝑎𝑟𝑟𝑖𝑖𝑓𝑓𝑎𝑎 𝑃𝑃𝑟𝑟𝑎𝑎𝑡𝑡𝑖𝑖𝑐𝑐𝑎𝑎𝑑𝑑𝑎𝑎𝑃𝑃𝑟𝑟𝑎𝑎𝑡𝑡𝑖𝑖𝑐𝑐𝑎𝑎𝑑𝑑𝑎𝑎−𝑇𝑇𝑎𝑎𝑟𝑟𝑖𝑖𝑓𝑓𝑎𝑎𝐶𝐶𝑜𝑜𝑏𝑏𝑒𝑒𝑟𝑟𝑡𝑡𝑢𝑢𝑟𝑟𝑎𝑎�𝐷𝐷𝑒𝑒𝑚𝑚𝑎𝑎𝑛𝑛𝑑𝑑𝑎𝑎 𝑅𝑅𝑒𝑒𝑎𝑎𝑙𝑙𝑖𝑖𝑧𝑧𝑎𝑎𝑑𝑑𝑎𝑎 (2)
𝐶𝐶𝑉𝑉𝐴𝐴𝐸𝐸𝑛𝑛𝑐𝑐𝑎𝑎𝑟𝑟𝑔𝑔𝑜𝑜𝑠𝑠 𝑆𝑆𝑒𝑒𝑡𝑡𝑜𝑜𝑟𝑟𝑖𝑖𝑎𝑎𝑖𝑖𝑠𝑠=𝐶𝐶𝑢𝑢𝑠𝑠𝑡𝑡𝑜𝑜−𝐶𝐶𝑜𝑜𝑏𝑏𝑒𝑒𝑟𝑟𝑡𝑡𝑢𝑢𝑟𝑟𝑎𝑎 𝑇𝑇𝑎𝑎𝑟𝑟𝑖𝑖𝑓𝑓á𝑟𝑟𝑖𝑖𝑎𝑎 (3)
Onde: PreçoPraticado=CustoEnergia Contratada TarifaPraticada=CustoDemanda Realizada A CVA Compra de Energia é um item de complexa contabilização, pois a apuração deve ser realizada individualmente para cada contrato firmado pela distribuidora, considerando o preço praticado, as regras de repasse específicas de cada contrato e o valor definido como preço de cobertura contratual na última revisão ou reajuste. A atual regulamentação estipula que a contabilização deve ser apurada para cada pagamento realizado, acarretando em aproximadamente 8.000 pagamentos contabilizados em cada período entre reajustes. Ainda, a CVA apura as diferenças de preços entre os contratos e o preço de cobertura para a energia correspondente a 100% da carga regulatória da distribuidora, aqui nomeada de energia reconhecida. O restante da energia contratada é apurada em outros componentes financeiros como a “Sobrecontratação” e o “Risco de Sazonalização”.
2.2 Repasse Tarifário e a Perda de Sinal Econômico
Para ilustrar a perda de sinal econômico decorrente do cálculo tarifário, a Figura 3 ilustra o preço da energia para uma distribuidora da Região Sudeste do Brasil, com aniversário tarifário no mês de outubro. A linha vermelha corresponde ao custo da energia presente na tarifa (chamado de Cobertura Tarifária), a linha azul corresponde ao custo efetivo da energia comprada pela Distribuidora, e a linha pontilhada verde corresponde ao custo médio pago pelo consumidor (diferença média entre a Cobertura Tarifária e o Custo de Compra). Analisando o gráfico, constata-‐se que entre outubro de 2010 e setembro de 2011, a linha vermelha foi sempre superior à linha azul, ou seja, o consumidor sempre pagou pela energia vendida no Ambiente Regulado (Cobertura Tarifária) um valor mais alto do que o efetivo custo de compra de energia (Compra). Neste período, possivelmente foi observada abundância de recursos hídricos, inclusive com vazões vertidas nas usinas hidroelétricas que poderiam ser turbinadas para a produção de energia a baixo custo. Como o consumidor não foi capaz de “sentir” economicamente os efeitos da hidrologia favorável, ele não pôde intensificar o consumo de energia, aproveitar a abundância do recurso e adquirí-‐lo a um preço mais baixo. É importante observar que este fato é ainda mais crítico para os consumidores industriais, que deixam de ter a oportunidade de ganhar competitividade graças ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis para a produção de energia.
5
Os itens que compõem a CVA podem ser divididos em 3 grupos: Compra de Energia; Encargos de Transporte e; Encargos Setoriais. A contabilização da diferença entre os custos realizados e a cobertura tarifária para cada um destes grupos é realizada de forma diferente. As equações a seguir apresentam a forma de apuração das diferenças (CVA) para estes grupos.
= ç − ç ∗ ℎ (1)
= − ∗ (2)
= − á (3)
Onde:
Preço =Custo
EnergiaContratada Tarifa =Custo
DemandaRealizada
A CVA Compra de Energia é um item de complexa contabilização, pois a apuração deve ser realizada individualmente para cada contrato firmado pela distribuidora, considerando o preço praticado, as regras de repasse específicas de cada contrato e o valor definido como preço de cobertura contratual na última revisão ou reajuste. A atual regulamentação estipula que a contabilização deve ser apurada para cada pagamento realizado, acarretando em aproximadamente 8.000 pagamentos contabilizados em cada período entre reajustes. Ainda, a CVA apura as diferenças de preços entre os contratos e o preço de cobertura para a energia correspondente a 100% da carga regulatória da distribuidora, aqui nomeada de energia reconhecida. O restante da energia contratada é apurada em outros componentes financeiros como a “Sobrecontratação” e o “Risco de Sazonalização”.
2.2 Repasse Tarifário e a Perda de Sinal Econômico
Para ilustrar a perda de sinal econômico decorrente do cálculo tarifário, a Figura 3 ilustra o preço da energia para uma distribuidora da Região Sudeste do Brasil, com aniversário tarifário no mês de outubro. A linha vermelha corresponde ao custo da energia presente na tarifa (chamado de Cobertura Tarifária), a linha azul corresponde ao custo efetivo da energia comprada pela Distribuidora, e a linha pontilhada verde corresponde ao custo médio pago pelo consumidor (diferença média entre a Cobertura Tarifária e o Custo de Compra). Analisando o gráfico, constata-se que entre outubro de 2010 e setembro de 2011, a linha vermelha foi sempre superior à linha azul, ou seja, o consumidor sempre pagou pela energia vendida no Ambiente Regulado (Cobertura Tarifária) um valor mais alto do que o efetivo custo de compra de energia (Compra). Neste período, possivelmente foi observada abundância de recursos hídricos, inclusive com vazões vertidas nas usinas hidroelétricas que poderiam ser turbinadas para a produção de energia a baixo custo. Como o consumidor não foi capaz de “sentir” economicamente os efeitos da hidrologia favorável, ele não pôde intensificar o consumo de energia, aproveitar a abundância do recurso e adquirí-lo a um preço mais baixo. É importante observar que este fato é ainda mais crítico para os consumidores industriais, que deixam de ter a oportunidade de ganhar
109www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
E ainda, perde o Setor Elétrico, pois os recursos hídricos excedentes são vertidos ao invés de serem utilizados pelos consumidores e gerarem receitas para remunerar os investimentos realizados e incentivar a produção de energia limpa e renovável.
Figura 3 – Perda de Sinal Econômico proporcionada pela Tarifa.
Infelizmente, a perda não se verifica somente no período de abundância de recursos. A partir de outubro de 2012, a situação se inverte: devido à baixa hidraulicidade, a curva azul (custo da Compra de Energia) se apresenta muito mais elevada do que a curva vermelha (Cobertura). Neste caso, o consumidor continua a utilizar o recurso energético a um preço constante, apesar do momento de elevada escassez hidrológica e elevada produção de usinas termoelétricas. A princípio, as distribuidoras de energia pagam aos geradores o custo efetivo da energia e contabilizam a diferença para ser recuperada no próximo evento tarifário, por meio da CVA. No próximo evento tarifário, a tarifa será forte e positivamente impactada e o consumidor deverá pagar esta conta, sem tido a possibilidade de reduzir seu consumo de forma tempestiva e assim contribuir para reduzir o custo de operação do Sistema Elétrico. Conclui-‐se que o mecanismo tarifário atual, sob a ótima de emitir sinais de preço de geração condizentes com a realidade energética, é extremamente falho e induz a sinais econômicos que não estimulam a eficiência, pois não incentivam a utilização dos recursos baratos no momento de abundância, tampouco inibem a utilização dos recursos caros nos momentos de escassez. Na tentativa de trazer sinais econômicos eficientes entre produção e consumo de energia elétrica, na próxima seção apresenta-‐se a metodologia de Tarifação Dinâmica proposta neste artigo.
3.0 -‐ METODOLOGIA DE TARIFAÇÃO DINÂMICA
A metodologia de Tarifação Dinâmica proposta neste trabalho visa estabelecer uma relação direta entre o custo da energia percebido pelo consumidor e o custo da energia efetivamente produzida. O objetivo é reduzir ao
110www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
máximo a defasagem anual existente hoje entre custo efetivo e repasse tarifário, de modo que o consumidor possa reagir aos sinais de preço e assim responder com seu nível de consumo. Em situações de hidrologia favorável, o consumidor usufruirá de energia a preço mais baixo, podendo intensificar a produção da indústria ou mesmo o consumo residencial, usufruindo do recurso que se encontra abundante. Em situações de seca severa, o preço da energia se elevará e o consumidor poderá adotar medidas para reduzir seu consumo e assim evitar o uso das fontes mais caras de produção, ou mesmo contribuir para que o uso seja menor. Estas duas situações ilustram de forma simplificada a sinalização econômica que a Tarifação Dinâmica busca trazer para o Setor Elétrico, refletindo de forma direta os custos efetivos de compra de energia de cada concessionária de distribuição. Embora a mudança de paradigma seja relevante, pois tarifa variável com os recursos hidroelétricos disponíveis muda de forma expressiva a situação atual do Setor Elétrico, metodologicamente o processo é simples, devendo-‐se seguir os seguintes passos:
1. No momento do reajuste ou revisão tarifária, passam a compor a tarifa somente a Parcela B e os valores de Parcela A que possuem baixa volatilidade (Encargos Setoriais, Encargos de Transmissão e Contratos de Compra de Energia com preços fixos). 2. Os custos da Parcela A que possuem volatilidade (CCEARs de Energia Nova na Modalidade Disponibilidade, Cotas de Energia, Itaipu (se ainda valor em dólar), etc) passam a ser calculados mensalmente. 3. Ao fim de cada mês, no momento em que os Custos Marginais de Operação são calculados, os custos variáveis de cada distribuidoras são previstos para o mês subquente. 4. Ao longo de cada mês, o faturamento é realizado com base em uma Tarifa Fixa e uma Tarifa Variável. 5. Eventuais diferenças entre a previsão do custo (com defasagem apenas de um mês) e o custo efetivo seriam compensadas em uma CVA de valor muito reduzido em relação aos valores observados atualmente.
Observa-‐se que esta metodologia é economicamente mais eficiente que as Bandeiras Tarifárias que se encontram em fase final de regulamentação, pois a Tarifação Dinâmica captura os custos efetivos de cada concessionária, intensificando ou amortecendo seus impactos sobre os consumidores. A Tarifação Dinâmica, no entanto, possui Aspectos Legais e Regulatórios que precisam ser observados. A próxima subseção apresenta estes aspectos, demonstrando que legalmente a proposta é viável.
3.1 Aspectos Legais e Regulatórios
É vedado, pela Lei 9.069/95 (Lei do Real), o reajuste de preços, provocado pela alteração dos custos das concessionárias dos serviços de distribuição de energia elétrica, em período inferior a 1 ano. Esta vedação está incorporada na íntegra em cláusulas específicas dos contratos de concessão. Em seu art. 70, a Lei determina que o reajuste e a revisão dos preços públicos e, em especial, das tarifas dos serviços públicos de energia elétrica, deverão realizar-‐se conforme atos, normas e critérios fixados pelo Ministro da Fazenda, mas sempre em intervalos anuais. Há ressalva observando a possibilidade do Poder Executivo reduzir o período previsto.
111www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Não obstante este comando legal, a sétima sub-‐cláusula da cláusula sétima, dos contratos de concessão dos serviços de distribuição de energia elétrica, estabelece a possibilidade, excepcional, de reajustes em períodos inferiores a um ano, nos casos em que se constatem alterações significativas nos custos das concessionárias, que afetem o equilíbrio econômico-‐financeiro de seu contrato. Do ponto de vista estrito da regulamentação vigente, fora a excepcionalidade da revisão extraordinária contratual, não se mostra possível o processamento dos reajustes ou revisões de tarifas em períodos inferiores a 1 ano. Observa-‐se que, mesmo no racionamento, o equacionamento dessa possibilidade não prescindiu da publicação de legislação específica, permitindo o ajuste das tarifas, em períodos menores, de modo a viabilizar o pagamento dos custos oriundos da contratação das térmicas emergenciais e de outras despesas, oriundas do Acordo Setorial, então firmado. No caso particular dos custos de aquisição de energia elétrica, a Lei nº 10.438/2002 autorizou que os mesmos fossem rateados para todos os consumidores finais (excepcionadas algumas classes) atendidos pelo Sistema Elétrico Interligado Nacional, na proporção do consumo individual verificado, mediante adicional tarifário específico. O Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial, em R$/kWh, seria então obtido pelo rateio da totalidade, estimada para o mês, dos custos aquisição de energia elétrica em proporção ao consumo projetado de cada consumidor final atendido pelo SIN. O valor deste encargo era publicado pela ANEEL, ao final de cada mês, para vigorar no mês seguinte, compensando-‐se, no mês, as eventuais diferenças ocorridas no mês anterior. De forma simplista, pode-‐se dizer que utilizou-‐se de uma Tarifação Dinâmica àquela época e a regulação necessária para sua aplicação continua vigente. Logo, a implementação da proposta deste artigo é viável. Como os custos voláteis da Parcela A referem-‐se sobretudo aos CCEARs na Modalidade Disponibilidade, propõe-‐se ainda um ajuste legal para fique clara a possibilidade do repasse dos custos mensais, a qual é apresentada a seguir.
3.2 Ajuste para Reforçar a Legalidade da Tarifação Dinâmica
Para a criação da CVA foi necessário o afastamento do disposto no §3º do art. 2º da Lei nº 10.192. Para configurar uma possível solução, com o alcance pretendido (regulamentação de mecanismo que reflita a variação dos custos de produção em periodicidade inferior a um ano), há de se utilizar o afastamento do §1º do art. 2º da Lei 10.192, já devidamente previsto na Medida Provisória (MP). Cumpre observar que embora essa MP não tenha sido transformada em Lei, suas disposições permanecem, em decorrência da Emenda Constitucional 32, de 11 de setembro de 2001 que determinou que todas as MPs produzidas até aquela data permaneceriam com duas disposições em vigor, até que o congresso nacional deliberasse sobre as mesmas ou MP posterior as revogasse. Como nenhuma alteração ocorreu, a referida MP, de 04 de setembro, portanto de data anterior à Emenda Constitucional, está em vigor. Os CCEARs por disponibilidade estão previstos na Lei 10.848, de 15/03/2004. Dispôs a Lei:
Art. 2º As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação, conforme regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, disporá sobre:
112www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
§ 1º Na contratação regulada, os riscos hidrológicos serão assumidos conforme as seguintes modalidades contratuais: I -‐ pelos geradores, nos Contratos de Quantidade de Energia; II-‐ pelos compradores, com direito de repasse às tarifas dos consumidores finais, nos Contratos de Disponibilidade de Energia.
Como se vê, a Lei já dispôs que a variação imprevista do custo de produção dos contratos por disponibilidade, embora assumida pelos compradores dos CCEARs, fosse repassada aos consumidores regulados. Assim, faltou apenas, na solução que se visualiza, que o art. 2º da Lei 10.848, expressasse um comando para que a Aneel fizesse o repasse imediato dessas variações de custo. Diante do exposto, PROPÕE-‐SE que o art. 2º da Lei nº 10.848, de 15/03/2004, passe a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
“§ 2º-‐A. Caberá à Aneel estabelecer mecanismo de repasse mensal, para os consumidores, das variações de custo de produção decorrentes do risco hidrológico, provocadas pelo despacho fora da ordem de mérito ou por variação do Preço de Liquidação de Diferenças, da geração associada aos Contratos por Disponibilidade de Energia.”
“§ 2º-‐B. Para os efeitos previstos no § 2º-‐A desse artigo, não se aplicam as disposições dos §§ 1º e 3º do art. 2º da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001.”
Deve-‐se enfatizar, conforme observado anteriormente, que o Parágrafo 2º B é, na prática, opcional, já que a Medida Provisória 2.227 / 2001 permanece em vigor. No entanto, entende-‐se prudente reforçar isso na redação de uma nova Lei.
4.0 -‐ RESULTADOS ALCANÇADOS
Para avaliar os impactos da Tarifação Dinâmica, trabalhou-‐se com informações de uma distribuidora real, que possui percentual expressivo de Contratos por Disponibilidade em seu portfólio. Trata-‐se da EDP Bandeirante. Para dar foco à questão do custo da energia e da eficiência do mecanismo de repasse destes custos, no que se refere a dar percepção dos clientes, realizou-‐se uma simulação dos eventos ocorridos no passado recente, mostrando o que o consumidor observou de tarifa de energia (Tarifa Vigente) e o que ele observaria caso a Tarifa Dinâmica estivesse em operação. Como passado recente utilizou-‐se o período de julho de 2010 a agosto de 2012. Este período é particularmente interessante porque em 2010 e 2011 observam-‐se custos efetivos de compra de energia inferiores à cobertura tarifária, enquanto que em 2012 a situação se inverte. O principal motivador desta volatilidade são os CCEARs na Modalidade Disponibilidade, pois a Parcela Variável depende do Preço de Liquidação de Diferenças – PLD, e este preço depende das condições hidrológicas e de mais uma série de condicionantes atrelados aos modelos computacionais utilizados em seu cálculo. Para explicitar esta volatilidade, na Figura 4 apresenta-‐se o custo dos CCEARs na Modalidade Disponibilidade, em R$/MWh, e a Tarifa Média de Cobertura, também em R$/MWh, ao longo do período de análise. Como pode-‐se observar, uma Tarifa Média de Cobertura de cerca de R$115/MWh (linha verde), o custo dos CCEARs
113www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
na Modalidade Disponibilidade variam de cerca de R$80/MWh, até a R$232/MWh em todo o horizonte, e de um mês para outro chegam a variar até 80% (variação de R$83/MWh para R$137/MWh no início de 2011, por exemplo).
Figura 4 – Variação do Custo das Termoelétricas em relação à Cobertura Tarifária.
O fato dos CCEARs Disponibilidade terem custos tão voláteis não significa que a Tarifa Dinâmica proposta neste artigo terá volatilidade semelhante, uma vez que estes contratos de compra de energia são apenas parte do portfólio de compra de energia das distribuidoras. Quando a volatilidade dos CCEARs Disponibilidade é somada a uma parcela de CCEARs com custos estáveis, o resultado é um custo de energia com volatilidade muito menor. Conforme pode ser observado na Figura 5, quando a Tarifa Dinâmica é comparada com a Tarifa Vigente (Tarifa Média de Cobertura de cada ano tarifário), as variações verificadas situam-‐se entre -‐10% e +25%, ou seja, muito menores do que os valores das variações dos CCEARs Disponibilidade. Assim, a Tarifa Dinâmica introduz sinais econômicos perceptíveis, com relativa razoabilidade, pois traz bônus e ônus aos consumidores. Observando a evolução temporal da Tarifa Dinâmica, observa-‐se que ela traria um custo mais elevado aos consumidores no período seco de 2010 e no período seco de 2012. No fim do ano de 2010, em todo o ano de 2011 e no início do ano de 2012, o consumidor observaria um custo de energia inferior ao praticado na metodologia vigente. Neste contexto, é importante enfatizar que a Tarifa Dinâmica a princípio não deixa a energia mais cara, tampouco mais barata que a Tarifa Vigente. Ela simplesmente altera a lógica de repasse de custos e permite que o consumidor reaja às variações de preço à medida em que estas variações ocorrem. Se houver esta reação, aí sim o valor da energia pode se alterar. Por exemplo, se os consumidores reduzirem o uso da energia durante as elevações de preço, menos termoelétricas serão necessárias para o atendimento ao mercado e o custo de operação será menor. De forma semelhante, se durante o período de Tarifa Dinâmica reduzida o consumidor elevar o seu consumo (uma fábrica antecipar sua produção, por exemplo), o custo da energia será menor para este consumidor e ele terá tido um benefício por ter se aproveitado do sinal econômico.
114www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Figura 5 – Comparação entre a Tarifa Dinâmica de Energia e a Metodologia Vigente.
Finalmente, é importante observar que a Tarifa Dinâmica é um incentivo ao aproveitamento das condições energéticas do Sistema Elétrico Nacional. Para que este incentivo seja realmente aproveitado pelos consumidores, é necessário que sejam desenvolvidas campanhas de comunicação e uma série de atividades de conscientização dos consumidores. Nesta linha de percepção das variações, a Tarifa Dinâmica apresenta-‐se como uma solução robusta, pois as variações no cenário energético são repassadas ao consumidor de forma gradativa, reforçando a cada mês o sinal econômico que deve originar resposta em prol da eficiência energética. Para mostrar de forma mais objetiva este papel da Tarifa Dinâmica proposta neste artigo, recorre-‐se à Figura 6. A linha vermelha é a Tarifa Dinâmica, a linha verde é a Tarifa Vigente (Tarifa Média de Cobertura para energia) e as barras azuis são as variações da Tarifa Dinâmica de um mês para outro. É notável que na maior parte do tempo as barras azuis são muito pequenas, o que significa que a Tarifa Dinâmica se mantém praticamente constante. No entanto, quando mudanças mais relevantes no preço da energia ocorrem, a Tarifa Dinâmica exerce o seu papel. Por exemplo, para o período compreendido no fim de 2010 e início de 2011, sublinhado pela área cinza rotulada A, há uma redução significativa no preço da energia. Neste período, mês a mês a Tarifa Dinâmica vai determinando reduções no custo da energia, de modo que o consumidor terá repetidos sinais de que a energia se tornou mais barata. De forma semelhante, no período sublinhado pela área cinza rotulada B, uma seca severa se apresenta e a Tarifa Dinâmica transmite este sinal ao consumidor com elevações mensais sucessivas do custo da energia. Trata-‐se de uma sinalização que auto alimenta mês a mês, estimulando a reação do consumidor e um comportamento que traz eficiência energética ao Sistema Elétrico Brasileiro.
115www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Figura 6 – Comparação entre a Tarifa Dinâmica de Energia e a Metodologia Vigente.
5.0 -‐ CONCLUSÕES
Este artigo apresentou uma proposta de Tarifa Dinâmica de energia que tem o objetivo de induzir comportamentos e hábitos de consumo que se traduzam no uso mais eficiente dos recursos energéticos disponíveis para a produção de energia elétrica. Além da eficiência energética sistêmica, a Tarifa Dinâmica também possui o benefício de reduzir a exposição das distribuidoras de energia elétrica do risco de variações da Parcela A sobre seus negócios. No Setor Elétrico Brasileiro, as distribuidoras são responsáveis pela expansão da oferta de energia ao garantir os Leilões de Energia Nova; no entanto, apesar de comprarem energia com até cinco anos de antecedência, os riscos assumidos com estas operações não são remunerados e ainda expõem os recursos financeiros das empresas quando há períodos de secas severas. Unindo estas duas vertentes, a Tarifa Dinâmica traz benefícios sistêmicos ao incentivar o uso eficiente da energia e também traz mais estabilidade ao fluxo de caixa das empresas de distribuição. Os resultados apresentados mostram que as variações impostas pela Tarifa Dinâmica variam de 10% a 25% do custo da energia. Como a tarifa ainda possui a componente da Parcela B e outros itens da Parcela A (encargos de transmissão e encargos setoriais, por exemplo), a conta final do consumidor variará de 3% a 8%. Logo, não se trata de um oneração ou sobrecusto significativo, mas sim de uma sinalização econômica. Aliás, na maioria dos meses apresentados, o impacto foi uma redução de custos para o consumidor.
Convém frisar que a proposta de solução visualizada neste artigo visualiza uma alternativa de cunho estrutural para o problema da alocação de custos de operação termelétrica associados aos Contratos de Disponibilidade
116www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
detidos pelas Distribuidoras. De fato, a solução recente dada pelo Governo, alocando à CDE – Conta de Desenvolvimento Energético -‐ os custos de operação térmica fora da ordem de mérito que foram adicionados à rubrica de Encargos de Serviço do Sistema, como também provendo empréstimo às Distribuidoras para fazer frente aos custos devido aos Contratos por Disponibilidade, não é sustentável e tem “fôlego” curto.
O ideal, no entender dos Autores, é se pensar em uma solução que envolva a alocação imediata de custos aos consumidores, podendo-‐se excepcionar algumas classes (por exemplo, Baixa renda), para as quais se manteria o repasse de custos anual, posto que isso efetivamente proporciona um sinal de preço aos consumidores que tem capacidade de reação. Esses consumidores, dependendo de sua elasticidade Preço x Consumo, reagiriam com redução de consumo, contribuindo para minorar o problema da alocação posterior, que terá que ser feita mais dia menos dia e, nesse momento, o impacto poderá ser muito maior do que aquele onde o consumidor já teria atuado ativamente ao longo do ano, reduzindo seu consumo, em resposta aos preços elevados, que no caso da solução conjuntural do Governo não seria de seu conhecimento a não ser no momento do repasse tarifário anual, quando eventualmente já teria consumido energia que teria podido evitar de consumir, se soubesse antes do patamar de preços sendo praticado.
6.0 -‐ REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) BRASIL. Portaria Interministerial MF/MME nº 296, de 25/10/2001. Disciplina o mecanismo de compensação das variações de valores de itens da "Parcela A", previstos nos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, ocorridas entre reajustes tarifários anuais. (2) BRASIL . Portaria Interministerial MF/MME nº 025, de 24/01/2002. Cria, para efeito de cálculo do reajuste da tarifa de fornecimento de energia elétrica, a Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da "Parcela A", e dá outras providências. (3) BRASIL. Lei 9.069, de 29/06/1995. Dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do REAL e os critérios para conversão das obrigações para o REAL, e dá outras providências. (4) BRASIL. Lei nº 10.438, de 26/04/2002. Dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição tarifária extraordinária, cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), dispõe sobre a universalização do serviço público de energia elétrica, dá nova redação às Leis no 9.427, de 26 de dezembro de 1996, no 9.648, de 27 de maio de 1998, no 3.890-‐A, de 25 de abril de 1961, no 5.655, de 20 de maio de 1971, no 5.899, de 5 de julho de 1973, no 9.991, de 24 de julho de 2000, e dá outras providências. (5) BRASIL. Lei nº 10.848, de 15/03/2004. Dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, altera as Leis nos 5.655, de 20 de maio de 1971, 8.631, de 4 de março de 1993, 9.074, de 7 de julho de 1995, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.648, de 27 de maio de 1998, 9.991, de 24 de julho de 2000, 10.438, de 26 de abril de 2002, e dá outras providências.
AGRADECIMENTOS
Os Autores gostariam de registrar seu agradecimento às contribuições dos Engºs. Luiz Carlos da Silveira Guimarães e Fernando Cesar Maia, da BENCH Consultoria e Assessoria em Energia, pelas importantes contribuições ao presente texto.
117www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
A ENERGIA NUCLEAR COMO ALTERNATIVA PARA O PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NACIONAL
Fernando Marques do Valle; Engenheiro, Programa de Pós Graduação em Ciências e Técnicas Nucleares da Universidade Federal de Minas Gerais, [email protected], (31) 3409-‐6666 Ricardo Brant Pinheiro Professor Doutor do Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade Federal de Minas Gerais, [email protected], (31) 3409-‐6666
RESUMO
Os resultados dos últimos leilões de energia evidenciam a dificuldade de licenciamento ambiental das usinas
hidrelétricas no Brasil. Além disso, as novas usinas de fonte hídrica não possuem capacidade de regularização,
o que torna o setor elétrico mais vulnerável à característica estocástica das afluências hidráulicas. Assim, as
fontes térmicas têm relevante importância na complementaridade da expansão da geração de energia elétrica.
No mundo, por questões econômicas e estratégicas, a fonte nuclear tem sido amplamente utilizada.
Considerando níveis de investimento similares àqueles observados para países com construções em curso, a
geração de energia nuclear pode alcançar preço de venda próximo de 140,00 R$/MWh. Além disso questões
estratégicas colocam a fonte nuclear como uma importante alternativa para o país, complementando junto
com as demais fontes uma expansão da geração de energia elétrica sustentável e adequada tanto em termos
econômicos quanto em termos de segurança de suprimento.
PALAVRAS-‐CHAVE: Planejamento energético, energia nuclear, análise econômica
118www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
1. INTRODUÇÃO
Apesar dos esforços para licitar novos empreendimentos hidrelétricos no Brasil, em princípio mais baratos e renováveis, os resultados dos últimos leilões de energia nova realizados para atendimento ao mercado regulado evidenciam a dificuldade de licenciamento ambiental dessas usinas. Além disso, as novas usinas de fonte hídrica são do tipo a fio d’água, ou seja, sem capacidade de regularização, o que torna o setor elétrico mais vulnerável à característica estocástica das afluências hidráulicas.
Dentro deste contexto, as fontes térmicas passam a ter papel cada vez mais relevante na expansão da matriz de geração de energia elétrica no Brasil. Dessa forma, se faz necessária uma ampla discussão em torno das fontes térmicas disponíveis tanto em termos econômicos, quanto ambientais e estratégicos.
No que se refere à fonte nuclear, a mesma tem sido amplamente utilizada no mundo para geração de energia elétrica tendo tido seu principal impulso nas décadas de 1960 e 1970 em função da crescente preocupação com questões ambientais e da crise do petróleo. Na França, a fonte foi responsável por 75% de toda a energia elétrica gerada em 2009 (IAEA(b), 2013).
Em 2011, o acidente nuclear ocorrido na usina de Fukushima, no Japão, alterou o cenário político e colocou em alerta os crescentes investimentos em geração nuclelétrica no mundo. A Alemanha, por exemplo, decidiu, após ter aprovado em 2010 o aumento da vida útil de suas 17 usinas nucleares, desligar todas as suas usinas nucleares até 2022. Entretanto, segundo reportagem do jornal espanhol El Mundo, os custos da decisão alemã poderiam chegar a 40 bilhões de euros, impondo ainda um aumento de 6% nas tarifas de energia, em função do aumento da participação de fontes renováveis, e de 9% na emissão de gases de efeito estufa motivado pelo incremento de produção de usinas a gás natural e a carvão mineral (SANCHEZ, 2011).
Apesar da decisão alemã, vários países vizinhos como França, Bélgica, Holanda e República Tcheca continuam mantendo em operação seus reatores nucleares e seguirão exportando energia para Alemanha. Na França, o então primeiro ministro François Fillon afirmou que, ainda que respeite a Alemanha, a energia nuclear seguirá sendo uma solução para o futuro (PÉREZ, 2011). Apesar dos efeitos negativos do acidente de Fukushima, diversos países mantêm a continuidade dos seus planos de expansão da fonte nuclear.
No Brasil, muito tem se discutido sobre a viabilidade econômica da geração de energia nuclear, principalmente desde a retomada do projeto de Angra 3. Considerando que o Brasil tem uma das maiores reservas mundiais de urânio (mesmo com apenas 25% do território nacional prospectado), o que permite o suprimento das necessidades domésticas no longo prazo e a disponibilização do excedente para o mercado externo, é importante avaliar a competitividade da geração termelétrica de forma a subsidiar o debate sobre a questão da expansão e diversificação da matriz elétrica no Brasil e, mais especificamente, do papel da geração nuclear no País. Dessa forma, as reservas brasileiras de urânio permitem o suprimento das necessidades domésticas em longo prazo e a disponibilização do excedente para o mercado externo (INB, 2013).
A usina nuclear Angra 3 teve suas obras retomadas conforme solicitação do Conselho Nacional de Política Energética, através da Resolução CNPE 3/2007 (CNPE, 2007) e sua energia será comercializada, conforme Portaria 980/2010 do Ministério de Minas e Energia, em um Contrato de Energia de Reserva pelo prazo de 35 anos com preço de 148,65 R$/MWh (MME, 2010). Vale destacar o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares – RENUCLEAR, instituído pela Lei 12.431, que confere isenção do Imposto sobre o Produto Industrializado e do Imposto de Importação para as vendas no mercado interno ou importação de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado (BRASIL, 2011).
A proposta deste artigo é realizar uma análise econômica da geração de energia nuclear a partir da avaliação dos custos de implantação e operação de uma nova usina. De forma complementar, o artigo busca destacar os aspectos estratégicos que abordam a independência energética, a estabilidade do custo de geração, o desenvolvimento teconológico nacional e a empregabilidade no País. Além disso, a questão ambiental também é tratada, utilizando uma avaliação comparativa com outras fontes de geração termelétrica convencionais.
119www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
De uma forma geral, a tecnologia de geração nuclelétrica pode desempenhar papel importante para o país, complementando junto com as demais fontes uma expansão da geração de energia elétrica sustentável e adequada tanto em termos econômicos quanto em termos de segurança de suprimento.
2. MÉTODO
Considerando as diferentes características de cada uma das fontes termelétricas convencionais, principalmente em termos de flexibilidades operacionais e de custos de investimento, operação e manutenção, o setor elétrico brasileiro tem utilizado o método da Razão Incremental Custo/Benefício para classificar os projetos de geração termelétrica de fontes diversas nos leilões de energia para novos empreendimentos. O índice resultado da aplicação deste método, que também é utilizado neste artigo, é chamado de Índice Custo Benefício (ICB).
Em resumo, o ICB pode ser interpretado como a estimativa de custo de fornecimento de energia elétrica por uma usina durante o prazo de vigência do contrato e definido como a razão entre seu custo total e o seu benefício energético, podendo ser calculado com a aplicação da formulação algébrica apresentada na Equação 1, onde EE corresponde à quantidade de energia para venda, limitado à garantia física da usina:
ICB = [Receita Fixa / EE] + [(COP + CEC) / Garantia Física] Equação 1 – Cálculo do Índice Custo Benefício
Fonte: Adaptado pelo autor de EPE, 2006
Segundo EPE (2006), em um sistema de geração predominantemente hidrelétrico, como o caso brasileiro, o benefício energético da operação integrada de um empreendimento de geração pode ser avaliado aproximadamente pelo acréscimo observado na energia assegurada do sistema existente devido à inclusão daquele empreendimento. No jargão do setor elétrico brasileiro, este benefício gerado pelo empreendimento é chamado de garantia física e sua metodologia de cálculo, baseada na Portaria 258/2008 (MME, 2008). Especificamente para a geração de energia nuclear, por ser uma fonte de geração que opera na base, ou seja, com despacho inflexível, sua garantia física é igual à disponibilidade máxima da usina, calculada conforme a expressão a Equação 2. De forma geral, a garantia física de usinas termelétricas depende fundamentalmente do custo variável de geração e da inflexibilidade de despacho.
Dmáx = Pot x FCmáx x (1-‐TEIF) x (1-‐IP) Equação 2 – Disponibilidade máxima de geração contínua de uma termelétrica
Fonte: MME, 2008
A parcela Pot se refere à potência instalada da usina e FCmáx, ao fator de capacidade máxima. Os parâmetros TEIF e IP representam, respectivamente, as taxas de indisponibilidade forçada e programada.
Ainda de acordo com EPE (2006), no que se refere aos custos de um projeto de investimento, o ICB contempla três parcelas:
(i) Receita Fixa, que representa a receita requerida pelo investidor de forma a cobrir o custo total de implantação do empreendimento, incluindo os custos socioambientais, os juros durante a construção e a remuneração do investimento, além de todos os custos fixos relativos à operação e manutenção da usina, tais como o custo fixo de combustível associado ao nível de inflexibilidade, o custo de conexão à rede básica e tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição;
(ii) custo de operação esperado – COP, que representa a expectativa de gastos futuros com a operação de um empreendimento para um dado período de tempo e é calculado em função do nível de inflexibilidade declarado pelo empreendedor e da expectativa futura de despacho; e
(iii) custo econômico de curto prazo esperado – CEC, que corresponde à expectativa dos custos futuros de liquidação financeira incorridos por um empreendimento na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), ou seja, resultado das diferenças mensais apuradas entre a estimativa de despacho efetivo da usina e sua garantia física multiplicadas pelos preços de liquidação calculados pela CCEE.
120www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Para uma geração com despacho inflexível como a geração de energia nuclear, as parcelas COP e CEC são nulas, restando apenas a parcela da receita fixa, que deve cobrir todos os custos de implantação e operação do empreendimento.
Para determinar a receita fixa requerida para remunerar de forma adequada os investimentos na implantação de uma usina térmica, pode-‐se utilizar o critério do Valor Presente Líquido (VLP) em que todo o fluxo de caixa do projeto, incluindo investimentos, receitas e custos é transformado em um valor monetário, conforme Equação 3. O VPL de um projeto representa então o benefício líquido a ser obtido como resultado do investimento a ser realizado (OLIVEIRA, 2009).]
VPL = -‐ I + ∑ [S / (1 + k)] Equação 3 – Cálculo do Valor Presente Líquido
Fonte: OLIVIERA, 2009
A parcela I representa o investimento, e as parcelas S e k se referem, respectivamente, ao fluxo de caixa livre, à vida econômica e à taxa de desconto. Dessa forma, a receita fixa mínima é aquela que resulta em VPL nulo para o projeto, ou seja, a receita necessária para remunerar o capital investido pela Taxa Mínima de Atratividade (TMA). Para o presente estudo, foi considerada uma taxa de desconto de 8% ao ano.
O fluxo de caixa livre é calculado com base num modelo econômico anual com a configuração apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 – Modelo econômico para cálculo da receita fixa mínima
Fonte: Adaptado pelo autor de OLIVEIRA (2009)
Para o cálculo do ICB mínimo, foi considerada uma usina nuclear do tipo PWR (Power Water Reactor). No mundo, cerca de 90% da capacidade de geração nuclear instalada em operação é do tipo PWR ou do tipo BWR (Boiled Water Reactor), sendo mais comuns aqueles do tipo PWR, correspondendo a 67%. Considerando os reatores em construção, 85% da capacidade de geração é do tipo PWR, confirmando a expressiva adoção desse tipo de reator no mundo (IAEA(b), 2013). No caso do Brasil, as usinas nucleares Angra 1 e Angra 2, e ainda Angra 3, em construção, também utilizam o reator do tipo PWR.
Atualmente, os reatores mais avançados que deverão dominar a tecnologia das novas usinas nucleares nas próximas duas décadas são os chamados de Geração III ou Geração III+, que contemplam uma série de reatores do tipo PWR desenvolvidos em vários países do mundo. Dentre estes tipos de reatores, destacam-‐se o AP-‐1000, desenvolvido nos EUA pela Westinghouse Electric Corporation, e o reator europeu a água pressurizada (European Pressurized Water Reactor – EPR), desenvolvido na Europa por meio de uma parceria entre Areva e Siemens (WEC, 2010).
Em relação aos custos, de acordo com EIA (2013), o custo de investimento para uma usina nuclear é de 5.530 US$/kW, considerando uma usina de 2.236 MW de capacidade instalada, sendo composta por dois reatores
121www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
nucleares do tipo AP-‐1000. Entretanto, WEC (2010) mostra que o custo de investimento de usinas nucleares varia dentro de uma ampla faixa de valores. A Figura 1, construída a partir da contribuição de 14 países e duas associações industriais, apresenta a expectativa de custo de investimento em novas usinas nucleares no mundo. Para Coréia, Suíça e China, são indicados dois ou três custos de investimento, o que se justifica pela consideração de mais de uma tecnologia ou, no caso do emprego de uma mesma tecnologia, pela consideração de diferentes valores de capacidade instalada.
Figura 1 – Custo de investimento em novas usinas nucleares Fonte: Adaptado pelo autor de NEA, 2010, e IEA, 2010; apud WEC, 2010
Nos países com construções em curso, como China, Japão, Coréia do Sul e Rússia, os custos de investimento são menores em função da experiência adquirida, não ultrapassando 3.000 US$/kW. Em alguns países, onde o projeto específico nunca foi construído ou onde a construção de usinas nucleares está abandonada há anos, o custo pode chegar a quase 5.900 US$/kW principalmente em função de maiores contingências para cobrir eventuais imprevistos (WEC, 2010). De forma complementar, a Tabela 2 apresenta uma consolidação elaborada por WNA (2011) de valores de investimento para usinas atualmente em construção ou planejadas.
Tabela 2 – Valores de investimento para usinas nucleares em construção ou planejadas
Fonte: Elaborado pelo autor com dados de WNA, 2011 e IAEA(a), 2011
No Brasil, a expectativa é de que o custo de investimento em novas usinas nucleares se mantenha em cerca de 3.800 US$/kW (WEC, 2010). Especificamente para Angra 3, o investimento previsto é de 9,9 R$ bilhões (cerca de 4,5 US$ bilhões utilizando câmbio de 2,50 R$/US$). Com os incentivos fiscais do RENUCLEAR, a expectativa é que os investimentos possam ser reduzidos em até 1 R$ bilhão, alcançando um investimento total 8,9 R$ bilhões (ou aproximadamente 4 US$ bilhões para um câmbio de 2,20 R$/US$) (BRASIL ENERGIA, 2011).
122www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Quanto aos custos de operação e manutenção, a Figura 2 apresenta o histórico de preços internacionais do mercado spot de urânio desde o final da década de 1980, que representam os preços negociados no curto prazo. Entre 2003 e 2007, a visão mais otimista da demanda e várias falhas técnicas nas principais minas produtoras, que afetaram a capacidade de produção de Austrália, Canadá e Cazaquistão, impulsionaram significativamente os preços no mercado de curto prazo. Após 2007, em função da normalização da capacidade de produção das principais minas de urânio e da perspectiva de capacidade adicional em função dos investimentos em mineração, houve redução dos preços spot. Adicionalmente, assim como a maioria das commodities, as condições de mercado mudaram significativamente com a crise econômica mundial deflagrada em 2008. No final de 2009, os preços no mercado spot foram cerca de 35% abaixo de seu máximo, ocorrido em meados de 2007, quando alcançou US$ 350/kg U. Além da drástica redução de demanda energética, a queda nos preços de curto prazo também foram influenciadas pelos fundos de hedge, que foram obrigados a vender suas posições devido à necessidade de caixa (WEC, 2010).
Figura 2 – Preços internacionais de urânio no mercado spot
Fonte: WEC, 2010
Apesar da expressiva flutuação nos preços spot, cerca de 85% do urânio fornecido no mundo está submetido a contratos de longo prazo, o que permite uma proteção contra as variações de preços no curto prazo. Entre 2006 e 2009, quando os preços no mercado spot alcançaram 350 US$/kg U, os preços no mercado de longo prazo permaneceram cerca de metade do preço do mercado de curto prazo (WEC, 2010).
No curto e médio prazos, preços acima de 80 US$/kg U devem ser suficientes para estimular o investimento na capacidade de exploração e produção. Alguns analistas esperam que a próxima geração de projetos de mineração de urânio tenha custos maiores do que as minas atualmente em operação. Em 2030, a mineração de urânio necessitará de preços em torno de 150 US$/kg U para justificar os investimentos em novos projetos (WEC, 2010).
Adicionalmente, para se obter o custo real do combustível nuclear, é necessário considerar os custos de conversão, enriquecimento e fabricação do combustível. Segundo WNA (2011), são necessários 8,9 kg de urânio beneficiado, chamado yellow cake, para a produção de 1 kg de combustível nuclear. Considerando o preço do yellow cake de 146 US$/kg U3O8, os custos de conversão, enriquecimento do urânio e fabricação do combustível, o custo total estimado para a fabricação de 1 kg de combustível é de US$ 2.769, o que significa, em outras palavras, um custo de combustível por unidade de energia de 7,70 US$/MWh.
Além dos custos de combustível, os custos de operação e manutenção contemplam ainda os custos de (i) mão de obra da operação, (ii) mão de obra e materiais para manutenção, e (iii) administração de pessoal. Estes custos podem ser divididos em custos fixos, independentes do fator de capacidade da usina, e variáveis, dependentes do nível de despacho da usina. De acordo com EIA (2013), para a tecnologia nuclear, pode ser considerado um custo variável de 2,14 US$/MWh e um custo fixo de 93,28 US$/kW.ano.
123www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
3. RESULTADOS
O primeiro aspecto importante a ser abordado é o reduzido impacto do preço do urânio no custo final do combustível, conforme mostrado na análise de sensibilidade apresentada na Figura 3. Para uma variação de 100% no custo do urânio, o custo final do combustível varia cerca de 38%.
Figura 3 – Variação do custo do combustível em relação ao preço do urânio
Fonte: Elaborado pelo autor com dados de WNA, 2011
Para usinas nucleares, BRASIL (2007) estima que o prazo de construção até o início da operação comercial seja de sete anos, sendo o desembolso anual de 8%, no primeiro ano, 20%, 21%, 27%, 12%, 7% e 5% nos anos subsequentes. Considerando (i) custo de investimento de 3.800 US$/kW e custos fixos e variáveis de operação e manutenção de 93,28 US$/kW.ano e 2,14 US$/MWh, respectivamente; (ii) câmbio de 2,20 R$/US$; (iii) incidência de tributos e encargos; (iv) perdas internas da usina e de transmissão de 2,5% cada e (v) vida econômica do empreendimento de 35 anos, o valor final do ICB é de 249,82 R$/MWh, impactado principalmente pelo alto custo de investimento e pela recente forte desvalorização do câmbio.
Conforme mostrado na Figura 1, há uma variabilidade considerável no custo de investimento de uma usina nuclear no mundo, girando entre 1.500 US$/kW e 5.800 US$/kW, sendo esperado para o Brasil valor em torno de 3.800 R$/kW. A Figura 4 mostra a análise de sensibilidade do preço da energia em relação ao custo de investimento. Considerando (i) o valor de investimento de referência para o Brasil de 3.800 R$/kW e (ii) a expectativa de redução em torno de 10% no valor do investimento em função do impacto da aplicação dos incentivos fiscais do RENUCLEAR, o preço de venda da energia poderia alcançar cerca de 231,23 R$/MWh. Para investimentos de 1.500 US$/kW a 2.500 US$/kW, como indicado para alguns países com usinas em construção, os preços chegam a valores próximo de 140 R$/MWh.
124www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Figura 4 – Análise de sensibilidade em relação ao custo de investimento
Fonte: Elaborado pelo autor
Considerando os preços de venda dos últimos leilões, próximos de 100 R$/MWh, e as análises realizadas, dificilmente a geração nuclelétrica teria condições de competir no cenário atual. Apesar da geração nuclelétrica não se apresentar como a mais competitiva economicamente no cenário atual brasileiro é importante ressaltar que externalidades como a emissão de CO2 não são consideradas na metodologia de cálculo do ICB.
Órgãos internacionais, na avaliação comparativa de custo de geração entre fontes, consideram uma taxa entre 25 US$/t CO2 e 30 US$/t CO2 como compensação ambiental pelas emissões (MIT, 2009 e WNA, 2011). Entretanto, é importante ressaltar que as emissões de CO2 respondem apenas por uma parte dos impactos causados pela indústria de geração de energia elétrica. De acordo com a European Commission (2003), há uma série de externalidades importantes que impactam no custo final de uma determinada tecnologia de geração.
Logicamente, o nível de conscientização dos impactos dos sistemas de geração de energia elétrica na saúde e no meio ambiente, assim como a capacidade técnica e econômica de mitigação desses impactos, varia conforme a prioridade de cada país e está intimamente ligado à regulação desenvolvida por cada nação. A Tabela 3 apresenta o valor das externalidades calculados para diversos países da Europa segundo a European Commission (2003). A geração nuclelétrica, incluindo os impactos do ciclo de combustível, é a que apresenta os menores custos associados às externalidades. A geração a gás natural, dependendo da eficiência da tecnologia empregada (ciclo combinado ou ciclo aberto), também pode ter impactos reduzidos com relação aos poluentes clássicos. Tecnologias de geração a carvão mineral são as de maior impacto em função principalmente das altas emissões de CO2.
125www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
Tabela 3 – Custo das externalidades por tecnologia de geração, em €/MWh
Fonte: Elaborado pelo autor com dados de European Commission, 2003
Considerando um câmbio de 2,90 R$/€, o custo total de externalidades seria em torno de 165 R$/MWh para a geração a carvão mineral, de 50 R$/MWh para a geração a gás natural e de 10 R$/MWh para a geração nuclelétrica.
126www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
5. CONCLUSÃO
Dada que a expansão de novas hidrelétricas se dá apenas com usinas a fio d’água, com total dependência das afluências hídricas, e que as demais fontes renováveis também são dependentes de fenômenos climáticos, a expansão termelétrica vem ganhando importância na matriz de energia elétrica em função do seu papel para a garantia da segurança de suprimento. Na realidade, a expansão ideal pressupõe um mix de fontes para que seja alcançada a segurança de suprimento desejada ao menor preço possível e atendendo aos requisitos ambientais. Cada tipo de fonte pode desempenhar um papel importante dentro da matriz de energia elétrica e é função do planejador determinar qual o volume de cada tipo de fonte deve ser inserido na matriz.
A partir da análise econômica desenvolvida por meio da metodologia de avaliação de empreendimentos termelétricos nos leilões de energia, incluindo o efeito dos impostos e considerando uma taxa de desconto de 8%, a geração nuclelétrica foi de aproximadamente 250 R$/MWh, impactado pelo alto custo de investimento e atualmente pela forte desvalorização cambial. Aplicando um desconto de 10% no valor do investimento no intuito de simular o efeito dos incentivos fiscais do RENUCLEAR, estima-‐se uma redução em torno de 20 R$/MWh, levando a um custo de geração de 230 R$/MWh.
Considerando os níveis de investimento observados nos países com usinas nucleares em construção, o ICB poderia chegar a valores próximos de 140 R$/MWh. Logicamente, na comparação com outros tipos de fonte, é importante a consideração das externalidades, que poderiam incrementar o preço de venda em até 165 R$/MWh no caso da geração a carvão mineral.
Extrapolando a questão do preço de venda, pois cada tipo de fonte tem um papel a desempenhar na matriz de energia elétrica, a discussão sobre a expansão da geração de energia elétrica no Brasil deve ir além dos aspectos econômicos, abordando questões como (i) característica de cada fonte de energia (ii) emissões de gases de efeito estufa, (iii) disponibilidade e localização de suprimento nacional de combustível em longo prazo, criando independência de fontes externas e evitando evasão de divisas com importação de combustível, (iv) sensibilidade do preço de energia em relação aos custos de combustível, (v) desenvolvimento tecnológico nacional e (vi) empregabilidade. Neste sentido, é importante reforçar a importância do desenvolvimento de um mix de geração que confira ao País a segurança de suprimento adequada com preços acessíveis de forma a manter a competitividade da indústria, a geração de empregos e o crescimento econômico.
Dada a complexidade que envolve a elaboração de um planejamento adequado da expansão da geração, por considerar diversos aspectos que vão além das questões econômicas, é extremamente importante que se consiga por meio dos leilões alcançar os objetivos traçados no planejamento. Uma alternativa que pode ser considerada no futuro pelo governo é a realização de leilões de energia nova por região e por tipo de fonte.
Certamente, a tecnologia de geração nuclelétrica pode desempenhar papel fundamental para o País, complementando junto com as demais fontes uma expansão da geração de energia elétrica adequada tanto em termos econômicos quanto em termos de segurança de suprimento.
Neste sentido, vale destacar a China, com 27 usinas nucleares em construção, utilizando principalmente reatores do tipo PWR. O País, que tem aplicado o conceito de padronização das usinas buscando menores prazos de construção e processos de licenciamento mais céleres, pode indicar a real dimensão do futuro do setor nuclear no mundo e fornecer lições importantes para um planejamento adequado da expansão nuclear no Brasil.
No que se refere aos custos de investimento, a redução dos mesmos está ligada (i) ao desenvolvimento de unidades de maior capacidade e mais eficientes, provendo economia de escala, (ii) à padronização dos projetos de reatores e (iii) à previsibilidade do processo de licenciamento ambiental, reduzindo custos inesperados e o tempo de construção das usinas. Além disso, o desenvolvimento de novas abordagens que reduzam o risco do investidor pode facilitar a obtenção de melhores financiamentos, trazendo maior competitividade econômica para a geração de energia elétrica a partir da fonte nuclear.
127www.acendebrasil.com.br
ANAIS BRAZIL ENERGY FRONTIERS 2013
6. REFERÊNCIAS
BRASIL, MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Plano Nacional de Energia 2030. Brasília: MME/EPE, 2007.
BRASIL. Lei 12.431. Brasília: 2011.
BRASIL ENERGIA. Angra 3 garante TIR da Eletrobras. Disponível em <http://www.energiahoje.com/brasilenergia/noticiario/2011/02/01/425278/angra-‐3-‐garante-‐tir-‐da-‐eletrobras.html>. Acessado em 28 de setembro de 2011.
CNPE. Resolução 3. Brasília: 2007.
EIA. Updated Capital Cost Estimates for Utility Scale Electricity Generating Plants. EUA: EIA, 2013.
EPE. Nota Técnica EPE-‐DEE-‐RE-‐023: Índice de Custo Benefício (ICB) de Empreendimentos de Geração Termelétrica – Metodologia de Cálculo. Rio de Janeiro: EPE, 2006.
European Comission. External Costs – Research results on socio-‐environmental damages due to electricity and transport. Bélgica: 2003.
IAEA(a). Power Reactor Information System. Disponível em <http://www.iaea.org/ programmes/a2/index.html>. Acessado em 21 de fevereiro de 2011.
IAEA(b). Power Reactor Information System. Disponível em <http://www.iaea.org/ PRIS/home.aspx>. Acessado em 04 de julho de 2013.
INB. Reservas – Brasil e Mundo. Disponível em <http://www.inb.gov.br/pt-‐br/ WebForms/interna2.aspx?secao_id=48>. Acessado em 04 de julho de 2013.
Massachusetts Institute of Technology (MIT). Update of the MIT 2003 Future of Nuclear Power Study. Estados Unidos: 2009.
MME. Portaria 258. Brasília: 2008.
MME. Portaria 980. Brasília: 2010.
OLIVEIRA, E. A. de. Perspectivas da Geração Termelétrica a Carvão no Brasil no Horizonte 2010-‐2030. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPE, 2009.
PÉREZ, I. Los Costos e Implicaciones del Apagón Nuclear en Alemania. El Tiempo, Colômbia, 05 de junho de 2011.
SANCHEZ, R. Alemania Fija su Apagón Nuclear para 2022. El Mundo, Espanha, 30 de maio de 2011.
WEC. 2010 Survey of Energy Sources. Reino Unido: WEC, 2010.
WNA. The Economics of Nuclear Power. Reino Unido: WNA, 2011. Disponível em <http://www.world-‐nuclear.org/info/inf02.html>. Acessado em 13 de março de 2011.
MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE
RENTABILIDADEOFERTA DE ENERGIA
TARIFA E REGULAÇÃO
GOVERNANÇA CORPORATIVA
LEILÕESIMPOSTOS EENCARGOS
AGÊNCIASREGULADORAS
MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE
RENTABILIDADEOFERTA DE ENERGIA
TARIFA E REGULAÇÃO
GOVERNANÇA CORPORATIVA
LEILÕESIMPOSTOS EENCARGOS
AGÊNCIASREGULADORAS
O Instituto Acende Brasil é um Centro de Estudos que desenvolve ações e projetos para aumen-tar o grau de Transparência e Sustentabilidade do Setor Elétrico Brasileiro.Para alcançar este objetivo, adotamos a abordagem de Observatório do Setor Elétrico Brasileiro.Atuar como um Observatório significa pensar e analisar o setor com lentes de longo prazo, bus-cando oferecer à sociedade um olhar que identifique os principais vetores e pressões econômi-cas, políticas e institucionais que moldam as seguintes dimensões do Setor Elétrico Brasileiro:
Presidente: Claudio J. D. SalesDiretor Executivo: Eduardo Müller MonteiroAssuntos Econômicos e Regulatórios: Richard Lee HochstetlerDesenvolvimento Sustentável: Alexandre UhligPesquisa e Desenvolvimento: Alia Rached Assuntos Administrativos: Eliana MarconCursos e Eventos: Melissa Oliveira
SÃO PAULORua Joaquim Floriano, 466 Ed. Corporate • Conj. 501 • Itaim BibiCEP 04534-004 • São Paulo • SPTelefone: +55 (11) 3704-7733
[email protected] www.acendebrasil.com.br
www.brazilenergyfrontiers.com
ISBN 978-85-65199-00-1
9 788565 199001
Top Related