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PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA
BertiogaForte de São João da
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Em 1551, os índios atacaram e destruíram a paliçada,
edificada em 1532. O Rei D. João III mandou
reconstruir no mesmo local, o que seria a primeira fortaleza
real com projeto arquitetônico enviado de Portugal.
As obras foram iniciadas no ano seguinte para
atender às condições locais e ao novo povoamento.
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Após o descobrimento do Brasil, a política de Por-
tugal estava voltada para o investimento no lu-
crativo comércio das Índias.
A existência de ouro e prata a oeste da linha
de Tordesilhas provocou o interesse imediato da
Espanha nos seus territórios. A costa brasileira,
sem esses atrativos imediatos de lucro, foi entre-
gue à administração privada com a implantação
do regime das capitanias hereditárias.
Os investimentos na colonização das terras
portuguesas foram muito incipientes, não haven-
do interesse da metrópole em construir fortes e
fortalezas para proteger o território, entretanto,
Portugal tinha um objetivo estratégico: o domí-
nio do Atlântico Sul.
Bertioga revestia-se de grande importância
para a defesa das Vilas de Santos e de São Vicente,
eram colônias que haviam prosperado muito na
época. O Canal de Bertioga, de aproximadamen-
te trinta quilômetros, era o melhor acesso para
atingi-las, uma vez que o mar aberto era de difícil
navegação. Assim, os portugueses decidiram en-
viar uma expedição, com o propósito de edificar
um forte naquele local.
O Forte
Está localizado no Canal de Bertioga, no con-
tinente, nas proximidades da Bacia de Santos, em
frente à Ilha de Santo Amaro, na atual região su-
deste, no Estado de São Paulo.
A sua primeira instalação era uma paliçada
e foi construída por Martin Afonso de Souza, em
1532, que partira de Portugal, por ordem do Rei
D. João III, comandando a primeira expedição
Localização
do Forte
de São João
da Bertioga.
FOTO: RENATA DE BRITO
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colonizadora ao território brasileiro, e recebeu
o nome de São Tiago de Bertioga.
O seu objetivo era protegê-los contra os ín-
dios, os quais consideravam os portugueses inva-
sores das suas terras.
Tem o formato de um polígono retangular
com guaritas nos vértices, um terrapleno e o edi-
fício dos quartéis. Sua construção foi feita com
argamassa, produzida com a mistura de óleo de
baleia, conchas e areia. Em 1751, o terrapleno, onde
os canhões estavam posicionados, foi ampliado
de 100m2 para 250m2.
A substituição do nome Forte São Tiago para
Forte de São João ocorreu a partir de 1765, devido à
presença de uma pequena capela, próxima ao forte,
construída em homenagem a São João. Por motivo
D. João III, Rei de Portugal.
Acima, o Forte antes das obras de restauração iniciadas em 1997. Abaixo, a restauração concluída
em 2000, baseada na obra do Engenheiro Rufino Felizardo da Costa, em 1817.
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de uma forte ressaca, os moradores transferiram a
imagem de São João, que era abrigada dentro da
capela, para dentro do Forte de São Tiago. Desde
então, os moradores da região passaram a se re-
ferir ao forte que abrigava o santo pelo seu nome.
Assim, o forte que era denominado São Tiago, pas-
sou a ser intitulado e conhecido até os dias atuais,
como Forte de São João da Bertioga.
Em 1871, foi executada a última grande re-
forma. Houve modificação no antigo desenho
do edifício dos quartéis, do telhado de duas para
quatro águas, sendo acrescentadas uma cozinha
e uma despensa. No século XX, foi tombado pelo
IPHAN que executou uma restauração, situação
em que se encontra até hoje, incorporando as
modificações ocorridas no século XIX. A restau-
ração foi concluída em 2000, baseada na obra do
engenheiro Rufino Felizardo e Costa, em 1817.
História
A história do Forte de São João da Bertioga
teve início no ano de 1531, quando Portugal enviou
Expedição
armada
chefiada por
Martim Afonso
de Souza, no
ano de 1532,
quando fundou
a Vila de
São Vicente.
Ao lado,
Hans Staden,
arcabuzeiro
e aventureiro,
lutando contra
os índios.
Os combates
com os índios
eram
constantes.
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ao Brasil uma expedição armada comandada por
Martin Afonso de Souza, fidalgo português que
recebeu plenos poderes do rei para atuar na terra
do Brasil. O grande objetivo era o de atingir e con-
quistar o Rio da Prata pelas informações do aces-
so a regiões de imensas riquezas. A colonização
de São Vicente, nos limites meridionais das terras
portuguesas, fazia parte desse plano.
Martin Afonso de Souza teria chegado ao
Canal de Bertioga no dia 22 de janeiro de 1532,
denominando o local de Rio São Vicente, em
homenagem ao santo do dia. Ali edificou uma
instalação de defesa muito precária, para dar
proteção contra os indígenas, ameaça presen-
te à segurança dos colonizadores, cujos confli-
tos prosseguiriam durante vários anos. Os ín-
dios eram hostis, praticavam a antropofagia e
fizeram muitas vítimas entre os portugueses.
O forte aquartelou o alemão Hans Staden,
arcabuzeiro e aventureiro que embarcou para o
Brasil em busca de riqueza, em 1547. Prisioneiro
dos índios, convenceu-os a não devorá-lo, usan-
do de astúcias para mudar os planos dos tupinam-
bás. Conseguiu ser resgatado por uma nau fran-
cesa. Na Alemanha, escreveu um livro contando
todas as aventuras vividas no Brasil. É conside-
rado o primeiro e mais importante historiador do
início da colonização brasileira.
Em 1551, os índios atacaram e destruíram a
paliçada. Levaram as peças de artilharia e puseram
fogo nas casas de palha. Ainda nesse ano, o Rei
D. João III mandou construí-la e foi a primeira
A Expedição
chefiada por
Estácio de Sá,
partiu em
1565 para
fundar a
Cidade do
Rio de Janeiro
e combater os
franceses.
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fortaleza real com projeto arquitetônico enviado
de Portugal e foi edificada em alvenaria. As obras
foram iniciadas no ano seguinte com algumas
modificações no projeto original, para atender às
condições locais e ao novo povoamento que se
pretendia reedificar.
A realidade local vivenciada pelo governa-
dor-geral, onde os indígenas ainda desconheciam
a balestra ou catapulta, levou-o a construir um
forte de transição que defendesse tanto das ar-
mas de fogo das naus francesas, como das fle-
chas dos tamoios.
Em 1557, foi construído o Forte de São Felipe,
no outro lado do canal, destinado a cruzar fogos
com o de Bertioga.
Em 1563, visando à pacificação dos índios,
foi firmado um tratado que ficou conhecido
como “Armistício de Iperoig”, na época da pri-
meira invasão francesa. Seus mentores foram os
padres Manuel da Nóbrega e José Anchieta que
contaram com a ação decisiva do Governador
Geral Mem de Sá e seu sobrinho Estácio de Sá.
Em 1o de março de 1565, Estácio de Sá fun-
dou a cidade do Rio de janeiro. A expedição par-
tiu de Bertioga, no dia 27 de janeiro, um marco
de grande importância histórica para o forte. O
principal objetivo da fundação da cidade era dar
início à expulsão dos franceses que já estavam na
área há dez anos e servir de base de operações para
os portugueses.
A expulsão dos franceses do Rio de Janei-
ro, em 1567, transformou a área de conflito em
região de grande calmaria nos anos seguintes.
Com a união das coroas portuguesa e espa-
nhola, no período de 1580 a 1640, a costa brasi-
leira ficou exposta aos ataques dos ingleses e ho-
landeses, inimigos da Espanha. O cenário dos con-
flitos foi transferido para o Canal da Barra Gran-
de, que era o principal acesso ao Porto de Santos.
Em 1583, foi construída a Fortaleza de Santo
O amanhecer no forte. Abaixo, no final da muralha, a guarita
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Amaro e a partir daí pouca importância se deu
ao Canal de Bertioga e ao seu forte.
No século XVII, a incipiente economia pau-
lista estava voltada ao comércio escravo e aprisio-
namento de índios, trazendo, como consequência,
uma despreocupação com respeito à segurança da
área, permanecendo quase inalterada, com as mes-
mas fortificações construídas no século anterior,
dentre as quais, a primeira delas, o Forte de São João.
A descoberta do ouro em Minas pelos pau-
listas, em 1638, e o ataque dos espanhóis à Colô-
nia Portuguesa de Sacramento em 1735 levariam
a coroa a reforçar as defesas militares das capita-
nias do sul no decorrer do século XVIII e também
mudar a capital do Vice-reinado de Salvador para
o Rio de Janeiro, em 1763, ficando mais próxima
do escoamento e controle do ouro e das ameaça-
das fronteiras do sul, cobiçadas pelos espanhóis.
Entre 1712 e 1714, o governo português en-
viou o Brigadeiro João Massé a Santos para proje-
tar um sistema de defesa do porto e reformar as insta-
lações militares existentes. Bertioga era uma delas.
Em 1738, foi enviado o Brigadeiro Silva Paes,
pelo Rei D. João V, para fortificar o sul do país. Nessa
ocasião, esteve no Canal de Bertioga e ali encon-
trou instalações em péssimas condições de defe-
sa. O Forte de São Felipe, defronte ao de São Tiago,
estava completamente destruído, como também
o de Bertioga.
Em 1751, o governador da Praça de Santos,
Luís Antonio de Sá Queiroga, reedificou a torre
do forte. A pequena plataforma de armas qui-
nhentista com cerca de 100m2 foi demolida e subs-
tituída pela atual com cerca de 250m2. A tenalha
voltada para o norte foi elevada para nove pal-
mos e complementada por uma estacada para-
lela. O edifício do quartel foi apenas reformado.
Em 1871, o Engenheiro Rufino José Felizar-
do e Costa projetou e executou a última grande
obra da reforma do forte. Esquecido durante os
Canhões em posição de tiro. Abaixo, a vigilância pelas guaritas alertava a ameaça do inimigo
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séculos XVII e XVIII, somente no século XIX é
que foi concluída. Alterou-se o antigo desenho do
telhado e houve o acréscimo de outras instalações.
No início do século XX, as fortificações da
Barra de Bertioga estavam esquecidas e arrui-
nadas. O escritor e jornalista Euclides da Cu-
nha fez referência em artigos publicados, mos-
trando as péssimas condições do forte. Outros
autores também expuseram seus comentários.
Em 1940 foi tombado pelo IPHAN e dois
anos depois iniciaram-se obras de reparação das
cortinas e do terrapleno. O estrago do maremo-
to de 1769 foi solucionado, sendo construída
uma residência com três quartos para o zelador
do forte. O restante das paredes antigas perma-
neceu descoberto.
A partir de 1960, a administração do forte
ficou a cargo do Instituto Histórico e Geográ-
fico Guarujá-Bertioga e hoje a responsabili-
dade é da Secretaria de Turismo. A residência
Vista parcial
do Forte de
São João
da Bertioga.
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FOTO: DU ZUPPANI
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do zelador foi adaptada e transformou-se
num espaço cultural, passando a chamar-se
Museu João Ramalho.
Foram realizadas também obras à re-
velia do IPHAN, contrariando a autentici-
dade do projeto original, tornando-se um
falso documento da história.
Em 1997, foi demolido o telhado da
casa do zelador. O forte foi reaberto no dia
22 de abril de 2000, readquirindo a confi-
guração do projeto do engenheiro militar
Rufino José Felizardo e Costa.
Desde o início da colonização, os ín-
dios sempre foram muito agressivos. A po-
lítica de Portugal não era de aliminá-los, pelo
contrário, era de integrá-los aos coloniza-
dores. Os jesuítas, dentre os quais destaca-
mos José de Anchieta e Manoel da Nóbre-
ga, tiveram papel importante na educação e
catequização indígena.
A população nativa, na época, era bas-
tante homogênea em termos culturais, lin-
guísticos e distribuída ao longo de toda a
costa e na Bacia Paraná-Paraguai. Os tupi-
niquins e tupinambás pertenciam a mes-
ma etnia, ou seja, falavam a mesma língua,
possuíam costumes similares e eram fisica-
mente parecidos. Entretanto, eram adver-
sários obstinados e estavam sempre em
guerra entre si. Os tupiniquins apoiavam os
portugueses e os tupinambás os franceses.
Ambos os grupos realizavam rituais
antropofágicos. Os prisioneiros eram leva-
dos para as suas tribos, onde eram recebi-
dos hostilmente e, após cumprirem ritual
macabro, eram abatidos e comidos pelos opo-
nentes. A execução pública do rival era o even-
to central da vida social dos grupos tupis.
A ameaça dos índios era uma preo-
cupação na segurança dos colonizadores.
Acima, quartel do
forte, após restauração
no período
de 1997/2000.
A observação
dos índios ao forte
era constante.
Abaixo, silhueta do forte,
ao entardecer.
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Bibliografia
BARRETO, Anibal. Fortificações do Brasil. Biblioteca do Exército Editora, RJ, 1958.
CASTRO, Carlos Eduardo de – História de Bertioga.
CORREIA, João Rosado. Fortificações portuguesas no Brasil, Monsaraz: Centro de Estudos
Patrimoniais Lusófonos da Fundação Convento da Orada, 1998.
FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos anos da História do Brasil. Biblioteca do Exército
Editora, RJ: 2000.
MORI, Vitor Hugo – Arquitetura Militar: Um panorama Histórico a partir do Porto de Santos.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: 2003.
Encerramento
O Forte de São João da Bertioga, construído em 1551, é o mais antigo
das fortificações coloniais. Foi o primeiro forte real construído no
Brasil, cujo projeto arquitetônico foi enviado de Portugal. Ocupou
uma área de grande importância estratégica nos primeiros anos da
colonização do Brasil.
Ao longo da história, passou por um processo de transfor-
mação e reparos, melhorando a sua capacidade de defesa, com a
ampliação do forte, reforço na sua estrutura e aumento do número
de peças de artilharia.
Hoje, a Prefeitura de Bertioga, por intermédio da Secretaria
de Turismo, administra o forte, cuja direção realiza excelente traba-
lho de conservação e manutenção, proporcionando ao turista a opor-
tunidade de conhecer o precioso legado deixado pelos portugueses.
Atualmente, aproveitando o valioso acervo cultural, a Prefei-
tura tem-se empenhado na divulgação do forte. Um dos projetos, já
em execução, envolve três secretarias: Educação, Turismo e Meio
Ambiente. Recebeu o nome de Forte Expressão. O seu objetivo é o
de fomentar o turismo e a cultura por intermédio de eventos, cursos
e palestras técnicas e culturais, direcionados a diferentes públicos e
segmentos da sociedade, proporcionando diversas atividades volta-
das para atrair o visitante durante todo o ano. Dessa maneira, toda a
riqueza natural, cultural e histórica de Bertioga tem sido divulgada.
Até hoje, o Forte de São João da Bertioga guarda as suas ca-
racterísticas originais e está aberto para visitação, acolhendo diaria-
mente expressivo número de turistas que se encantam com o belís-
simo patrimônio e o valioso acervo, que caracterizam os momentos
históricos vividos pelos colonizadores, rememorando um passado
de lutas e vitórias que marcaram a colonização na Baixada Santista.
PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA – Coronel de Infantaria e Estado-Maior,
é natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior de Guerra.
Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da revista DaCultura.
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Panorâmica
do Forte
de São João
da Bertioga.
Ao fundo,
parte central
da cidade.
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