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21Autor: Affonso Romano de Sant'Anna
Um amigo ia passando pela Avenida Atlântica quando viu um homem batendo numa mulher dentro de um carro estacionado. Resolveu parar e chamar a polícia. Mas iam passando pelo calçadão dois garotões atléticos que vendo o tumulto pararam também para saber. Meu amigo então lhes explica que o sujeito estava batendo na mulher.
— Mas a mulher não é dele? - indagou o garotão.— E só porque é dele pode bater? - diz o amigo.— É, nessa você me pegou, cara.Nesta semana a OAB descobriu que em Imperatriz, no Maranhão, nos últimos cinco
anos, maridos mataram 30 mulheres. Mas o fizeram por uma razão muito clara: não queriam pagar pensão nem partilhar os bens na separação. Diante desta estatística da terra de Sarney, os machos da terra de Tancredo ficam humilhados, porque eles só matam mulher por "traição", e, mesmo assim, em menor escala.
Mas vou lhes contar outra estória: uma amiga estava em São Paulo numa conversa sobre espancamento de mulheres. De repente, falou-se de um conhecido professor que havia espancado a mulher (coisa, aliás, que acontece em várias faculdades do país). Reparem bem, estamos falando de gente fina. Não se trata de cachaceiros na subida do morro, do sujeito massacrado pela vida que chega em casa escorraçando as crianças, cães e mulheres. Estamos falando de gente inteligente, formada, com anel no dedo, que toma coquetéis com a gente e cita Marx, Hegel et caterva. Vai daí, alguém, comentando a razão por que o professor teria batido na mulher, sendo ele uma pessoa célebre, indaga: - Mas, afinal, ele é ele, e ela quem é?
Na primeira estorinha vocês viram que um acha que a mulher é propriedade privada do marido, e por isto pode apanhar. Quer dizer: é igual quando a gente tem um cavalo ou cão. Já na segunda narrativa, a titulação acadêmica ou a importância hierárquica justifica a violência sobre o mais fraco. E a mulher, do ponto de vista muscular, é geralmente mais fraca que o homem. Por isto faz muito sentido quando na favela ao lado ouço as mulheres que apanham gritar: "Covarde! Vai bater num homem". E um garotão esclarecido, que estuda lutas marciais, ao ouvir a estória do professor espancador, observou: "Eu queria ver esse professor crescer para cima de mim".
«Até hoje só bati numa mulher,mas com singular delicadeza."
Vinicius de Moraes
Nem com uma flor
continua...
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22Autor: Affonso Romano de Sant'Anna
As estorinhas como essas são intermináveis. Lá vai outra. Uma amiga estava dando uma entrevista à televisão e o assunto era exatamente o espancamento de mulheres e a necessidade de se criar uma delegacia especial no Rio, como Franco Montoro criou em São Paulo, só para atender mulheres. E lá ia explicando o bê-a-bá da violência dos homens sobre as mulheres, lembrando que, quando uma mulher é violentada ou espancada, nas delegacias comuns têm que passar por vexames e cantadas, que os homens vêem a vítima como culpada, porque nossa sociedade nos convenceu de que a mulher é sempre uma Eva pecadora. Lembrava que em alguns países, além das delegacias para mulheres, há associações estruturadas para esconderem as vítimas, porque sabem que se muitas delas voltarem para casa serão até assassinadas. E foi explicando que em alguns lugares dos Estados Unidos existe um tratamento para maridos violentos, em sessões comuns, uma espécie de Associação de Alcoólatras Anônimos (os Espancadores Anônimos), que se curam e se tratam em grupo, porque isto é uma doença pessoal e social.
Mas enquanto minha amiga dava a entrevista, os câmeras estavam indóceis. Parecia que o assunto era com eles. E aí, não agüentaram, interromperam a entrevista e um disse: — A gente trabalha na rua o dia inteiro, chega em casa cansado e a comida não está pronta, o que é que há? Ela está querendo apanhar! E a amiga tentou explicar: — Então é só você que trabalhou? Ela não batalhou por aí em dupla jornada? Imagine se toda mulher fosse bater em marido que traz pouco ou nenhum dinheiro para casa?
Os câmeras continuaram resmungando durante a entrevista. Não sei o que aconteceu quando eles chegaram em casa. Mas se houvesse na cidade uma delegacia para defender o direito das mulheres certamente pensariam duas vezes. Talvez não chegassem em casa sobraçando flores. Mas seguramente chegariam menos arrogantes.
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23Autor: Anderson Higino
Venha a nós o reino da paz
Através deste alimento
Filho da terra e do sol
Ungido da água
Bendito do vento
Aqui novamente bento
Seja energia e nos torne rebento
Do amor ao pensamento
De um mundo mais irmão
Em cada chão, todo momento.
Ao alimento
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24Autor: Carlos Heitor Cony
Já me perguntaram e eu mesmo me pergunto qual seria a imagem mais completa e dramática do abandono, da desgraça, da miserabilidade. Respondo aos outros, mas nem sempre tenho coragem de responder a mim: a do cão cego e sem dono. Ou pior: a do cão sem dono e cego.
Deve parecer exagero atribuir a um cão um dos atributos mais comuns à espécie humana. Mas o homem tem sempre uma alternativa, a de acabar com tudo quando nada mais suportar. Já disseram que o único problema que realmente enfrentamos é o suicídio, uma capacidade que os animais não têm, exceto, segundo já me disseram, mas não tenho certeza, o escorpião.
Além de dispor de uma saída radical para a miséria e o abandono, o homem é responsável, até certo ponto, pelo seu destino. Há sempre uma esquina errada que ele dobrou pela vida afora e cujo preço pagará inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde.
O cão sem dono e cego é uma coisa viva e sofredora, sem apelação, pior do que inútil e desgarrado, pior do que desesperado, pois adquire a mansa lucidez de sua tristeza, de seu abandono, e desconfia de que nada possa mudar o seu destino.
À esta altura da crônica, antes que o possível leitor me faça, faço eu mesmo a pergunta: por que estou escrevendo um texto tão triste, tão despropositado e, acima de tudo, tão discutível? Afinal, eu não sou cego, ainda não cheguei ao ponto de me considerar um cão e tenho muitos donos, donos demais. De que estou reclamando? Não sou pago para escrever sobre um assunto que nem merece a condição de assunto. Mas escrito está.
Ontem, esbarrei com um cão sem dono e cego, que mancava de uma das patas, os olhos vazados não me viram, mas ele deve ter sentido o meu cheiro, a minha catinga humana. Vagava sem rumo aqui na Lagoa. Não o trouxe para casa. Quem é mais miserável?
SEM OLHOS E SEM DONO
Folha de São Paulo, 16/10/2003
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25Autor: Coelho Neto
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração! Ser mãe é ter no alheio lábio que suga, o pedestal do seio, onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.
Ser mãe é ser um anjo que se libra sobre um berço dormindo! É ser anseio, é ser temeridade, é ser receio, é ser força que os males equilibra!
Todo o bem que a mãe goza é bem do filho, espelho em que se mira afortunada, Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser mãe é andar chorando num sorriso! Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! Ser mãe é padecer num paraíso!
Ser mãe
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Autor:Simone Andere 26
Já faz certo tempo que encaminho animais para doação. Certo dia ofertaram um para adoção. Um cocker de sete anos. Tinha leve glaucoma. Com estas características tinha atéencontrado um adotante para o sujeito. Fui buscar.
Conheci neste momento o NIF. Cocker. 14 anos. Completamente cego. Uma pequena d i ferença na descr ição do bichinho.Diferença que pessoas usam para facilitar a sua vida, não a do animal. Cancelei a adoção. Afinal Nif já era meu. Parecia Zé Buscapé. Andava a esmo resmungando como tal. Só faltava a cartucheira no cenário. Com o tempo passoua fazer xixi na calça. Completou 15. Morreu no meu colo, como que em agradecimento aos cuidados. Não iria sem dizer tchau. Doce Nif. Saudades de você.
Nif Zé Buscapé
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Autor:Darlan 27
Vencido o robusto jatobá vai ao chão
Sob o charco de suas folhas
Aos pés do ipê pálido e florido
O jatobá inunda-se do que resta da floresta.
Arrastado tronco afora
Devastado corpo corrompido
O sangue verde no jatobá germina
A floresta geme
Sangue cinzento contamina.
A empilhadeira fúnebre enraivecida
Aquece a fornalha viva
Arrancando fagulhas de vida
Que sucumbida morre e vira cinzas.
O jatobá adormece...
Floresta
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Autor:Ítalo Chesley 28
Vamos lá meninaVoltas às páginas que não escrevemosRetornar e preencher as lacunas da lembrançaAbrir mão das nossas promessasE antes que o mundo acabe, acabar com essa dúvida:Somos ou não um pro outro?
Não suporto mais ter que suportar essa nostalgiaSaudade de nós doisSaudade de mim mesmo quando estive com vocêSaudade de você comigo
FlorDeclaraçãoPoesiaCançãoAmor e mais amor
Se é bem mais difícil te reconquistarDeve ter bem mais graça
Fim da nostalgia
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Autor:Frederico Salvo 29
...mas apesar do vento
há também a brisa leve
que vem inebriar os sentidos,
ventilar incompletudes,
oxigenar compassada os desejos.
Vem se instalar no centro do peito
onde a energia se transforma em vida...
E põe-se a circular pelo corpo
num rio vermelho,
a umidificar cada célula remota,
cada milímetro sedento.
Queres, brisa, encontrar em mim a liberdade?
Queres em mim fazer mais sentido?
Ou vens até aqui apenas naturalmente,
num encontro comum e inevitável?
Mas independente do que seja, brisa:
Sopra.
Sopra porque respiro-te bem.
Brisa
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30Autor: Anderson Tadeu
Mídia reflexiva, impulsiva, que cativa
Diga, não minta, não brinca, sem gíria
Teu papel, no banco dos réus, dita, apita
Não és caixa vazia, matéria fria
Palpita
Na tua sombra, textos são feitos,
roteiros eleitos
Quadrantes mágicos, público ávido,
vende o teu espaço
Onde eu me encaixo?
Fazer pensar não é o teu prato
Auto-retrato, digestão de idéias, muitas
até sinceras
Faz-me rir se estou de férias
Aquela matéria veiculada, esparramada
Será convite à reflexão?
Acho que não, sou mais um na multidão
Não há outro lugar para o meu controle
da televisão
Minha mão
Homem classe-mídia
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31Autor: Machado de Assis
Em certo dia do mês de março do ano da graça de 1863 encontravam-se na rua do Ouvidor, cidade do Rio de Janeiro, dois rapazes, ambos acompanhados de um criado carregando as respectivas malas.
- Luís!- Alberto!- Que é isso?- A que horas chegas!- Não pôde ser mais cedo. Venho do caminho de ferro neste momento. Mas tu, chegas também de
Minas, ou partes para lá?- Não chego nem vou para lá. Vou para o Rio Grande. Está a sair o vapor.- Que volta tão repentina é essa?- Assim é preciso.- Isto só pelo diabo. Se eu soubesse de semelhante coisa tinha vindo mais cedo.- De lá te escreverei. Adeus!- Adeus!E os dois amigos, depois de se abraçarem, separaram-se, tomando um para a hospedaria, outro para
a praia dos Mineiros.Alberto foi fazendo consigo as reflexões seguintes:- Que diabo leva o Luís ao Rio Grande tão repentinamente? Este rapaz tem o juízo a arder...Tempos depois Alberto recebia a seguinte carta de Porto Alegre, escrita pelo amigo Luís."Luís a Alberto. - Prezado amigo. - Só agora te escrevo porque só agora me é dado dispensar alguns
minutos."Se fosses alguma destas suscetibilidades que tantas vezes encontrei dava-te outra razão, mentirosa
decerto, mas suficiente para acalmar-te o espírito e consolar-te o coração."Mas prefiro a verdade. Eu te conheço, tu me conheces, nós nos conhecemos."Queres então saber que motivo me trouxe ao Rio Grande tão repentinamente? Um motivo simples:
receber um legado. Tive notícia de que meu padrinho morrera e me deixara em testamento certa quantia assaz avultada para colocar-me acima das atribulações da vida.
"Que tal? É ou não uma tigela de maná que me veio do céu? Eu bem te dizia muitas vezes que tinha fé na minha estrela, e que estava certo de que não havia de ganhar fortuna pela simples posição de advogado provinciano.
"Mas já te ouço dizer contigo mesmo: Que tivesse um legado, concebe-se; mas que fosse ele próprio arrecadá-lo, isto é que eu acho esquisito.
"Respondo à tua reflexão:"Podia dar procuração a alguém e ficar comodamente na corte à espera que lá me fosse ter às mãos a
quantia legada por aquele chorado padrinho. Se não fiz isto foi por virtude de uma cláusula que o meu referido padrinho incluiu no testamento.
"Esta cláusula é a seguinte:
Diana
continua...
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32Autor: Machado de Assis
"esforços, descoberto em certo lugar, situado na casa tal, em Pelotas, um segredo que lá conservo.
Deves compreender que eu não podia, estando na corte, descobrir o segredo de Pelotas.Por isso embarquei apenas recebi a notícia.Muitas vezes te falei neste padrinho como o mais singular e extravagante dos padrinhos. Sobre a
condição que ele punha tinha eu a curiosidade de saber qual era esta nova excentricidade do velho.E parti.Ainda não fui a Pelotas, mas tratei de indagar que casa era aquela e quem residia lá. Disseram-me
que a casa era propriedade de meu padrinho e estava vazia há cinco anos.Isto aguçou a minha curiosidade.Decididamente temos um mistério neste negócio.O que sobretudo me causa ainda maior assombro é não haver na cláusula a designação em que
lugar da casa se acha o segredo. Será nas salas, nas alcovas, no terreiro, no teto ou no chão? Não sei. Mas o legado vale a pena, e eu tenho forças e tenacidade para levar a obra ao cabo.
Disponho-me a partir dentro de alguns dias, munido de instrumentos e acompanhado do meu guasca.
De tudo o que ocorrer dar-te-ei conta.Adeus. Não sejas preguiçoso. Escreve-me".
Alberto leu e releu esta carta. Sorriu à idéia de que Luís se achava envolvido em um mistério de romance. Ele sabia que o padrinho do advogado era um homem excêntrico, desta longa família que se ramifica por todas as raças e todos os países.
Direi em duas palavras quem eram os dois amigos.Luís, advogado provinciano, como ele próprio diz, tinha tomado grau na faculdade de S. Paulo e
tinha vindo advogar na corte. Fazia um ano que se achava aí sem ter conseguido nome nem fortuna. Alguma coisa que trouxera ia-se já gastando e o legado do padrinho veio na melhor ocasião.
Alberto, natural do Rio de Janeiro, era advogado, como ele, sem nome e sem fortuna, como ele filho da academia de S. Paulo, havendo em tanta harmonia e identidade uma única diferença: era o legado do padrinho de Luís.
A viagem a Minas feita por Alberto era por motivo de ir colher informações minuciosas para servir em processo.
O encontro de ambos já o leitor teve notícia no começo destas linhas.
Este legado só será entregue ao meu afilhado Luís depois que ele tiver, por virtude dos próprios
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Autor:Edmar Alves 33
Pela primeira vez assisti a uma convulsão no ônibus. Um jovem senhor, não sei como nem porque: assisti e só. Três foram ao seu socorro; foi a sua salvação. Eu não saberia o que fazer.
Olhei e percebi como somos frágeis.
Duas meninas já moças riam e riam, e só: como se não fosse com elas... e não era mesmo!?
História no ônibus
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34Autor: Cláudio Bento
A casa iluminada de sol
Amanhece
Como amanhecem os pássaros
O sol ilumina o chão de terra batida
Ilumina uma antiga peça de barro
Do mestre Ulisses de Itinga
Ilumina as paredes gastas
As frutas sobre a mesa da cozinha
As roupas jogadas sobre a cama
A casa iluminada de sol
Desamanhece em auroras
Depois anoitece
Confeitando estrelas
A CASA ILUMINADA DE SOL
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35Autor: Machado de Assis
Nem sempre respondo por papéis velhos: mas aqui está um que parece autêntico; e, se o não é, vale pelo texto, que é substancial. É um pedaço do evangelho do Diabo, justamente um sermão da montanha, à maneira de São Mateus. Não se apavorem as almas católicas. Já Santo Agostinho dizia que "a igreja do Diabo imita a igreja de Deus". Daí a semelhança entre os dois evangelhos. Lá vai o do Diabo:
"1º E vendo o Diabo a grande multidão de povo, subiu a um monte, por nome Corcovado, e, depois
de se ter sentado, vieram a ele os seus discípulos."2º E ele, abrindo a boca, ensinou dizendo as palavras seguintes."3º Bem-aventurados aqueles que embaçam, porque eles não serão embaçados."4º Bem-aventurados os afoitos, porque eles possuirão a terra."5º Bem-aventurados os limpos das algibeiras, porque eles andarão mais leves."6º Bem-aventurados os que nascem finos, porque eles morrerão grossos."7º Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem e disserem todo o mal, por meu respeito."8º Folgai e exultai, porque o vosso galardão é copioso na terra."9º Vós sois o sal do money market. E se o sal perder a força, com que outra coisa se há de salgar?"10. Vós sois a luz do mundo. Não se põe uma vela acesa debaixo de um chapéu, pois assim se
perdem o chapéu e a vela."11. Não julgueis que vim destruir as obras imperfeitas, mas refazer as desfeitas."12. Não acrediteis em sociedades arrebentadas. Em verdade vos digo que todas se consertam, e se
não for com remendo da mesma cor, será com remendo de outra cor."13. Ouvistes que foi dito aos homens: Amai-vos uns aos outros. Pois eu digo-vos: Comei-vos uns
aos outros; melhor é comer que ser comido; o lombo alheio é muito mais nutritivo que o próprio."14. Também foi dito aos homens: Não matareis a vosso irmão, nem a vosso inimigo, para que não
sejais castigados. Eu digo-vos que não é preciso matar a vosso irmão para ganhardes o reino da terra; basta arrancar-lhe a última camisa.
"15. Assim, se estiveres fazendo as tuas contas, e te lembrar que teu irmão anda meio desconfiado de ti, interrompe as contas, sai de casa, vai ao encontro de teu irmão na rua, restitui-lhe a confiança, e tira-lhe o que ele ainda levar consigo.
"16. Igualmente ouvistes que foi dito aos homens: Não jurareis falso, mas cumpri ao Senhor os teus juramentos.
O SERMÃO DO DIABO
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36Autor: Machado de Assis
indecente, é dura de roer; mas jurai sempre e a propósito de tudo, porque os homens foram feitos para crer antes nos que juram falso, do que nos que não juram nada. Se disseres que o sol acabou, todos acenderão velas.
"18. Não façais as vossas obras diante de pessoas que possam ir contá-lo à polícia."19. Quando, pois, quiserdes tapar um buraco, entendei-vos com algum sujeito hábil, que faça treze
de cinco e cinco."20. Não queirais guardar para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e
donde os ladrões os tiram e levam."21. Mas remetei os vossos tesouros para algum banco de Londres, onde a ferrugem, nem a traça os
consomem, nem os ladrões os roubam, e onde ireis vê-los no dia do juízo."22. Não vos fieis uns nos outros. Em verdade vos digo, que cada um de vós é capaz de comer o seu
vizinho, e boa cara não quer dizer bom negócio."23. Vendei gato por lebre, e concessões ordinárias por excelentes, a fim de que a terra se não
despovoe das lebres, nem as más concessões pereçam nas vossas mãos."24. Não queirais julgar para que não sejais julgados; não examineis os papéis do próximo para que
ele não examine os vossos, e não resulte irem os dois para a cadeia, quando é melhor não ir nenhum."25. Não tenhais medo às assembléias de acionistas, e afagai-as de preferência às simples comissões,
porque as comissões amam a vanglória e as assembléias as boas palavras."26. As porcentagens são as primeiras flores do capital; cortai-as logo, para que as outras flores
brotem mais viçosas e lindas."27. Não deis conta das contas passadas, porque passadas são as contas contadas, e perpétuas as
contas que se não contam."28. Deixai falar os acionistas prognósticos; uma vez aliviados, assinam de boa vontade."29. Podeis excepcionalmente amar a um homem que vos arranjou um bom negócio; mas não até o
ponto de o não deixar com as cartas na mão, se jogardes juntos."30. Todo aquele que ouve estas minhas palavras, e as observa, será comparado ao homem sábio,
que edificou sobre a rocha e resistiu aos ventos; ao contrário do homem sem consideração, que edificou sobre a areia, e fica a ver navios..."
Aqui acaba o manuscrito que me foi trazido pelo próprio Diabo, ou alguém por ele; mas eu creio
que era o próprio. Alto, magro, barbícula ao queixo, ar de Mefistófeles. Fiz-lhe uma cruz com os dedos e ele sumiu-se. Apesar de tudo, não respondo pelo papel, nem pelas doutrinas, nem pelos erros de cópia.
"17. Eu, porém, vos digo que não jureis nunca a verdade, porque a verdade nua e crua, além de
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37Autor: Augusto dos Anjos
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamentoQue em suas fronetais células guarda!
Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda!E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a fardaNo desespero do último momento!
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...E como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra
Febre de em vão falar, com os dedos brutos Para falar, puxa e repuxa a língua, E não lhe vem à boca uma palavra!
O MARTÍRIO DO ARTISTA
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Autor:Marta 38
Eu e Sônia éramos iniciantes no tabagismo, então não
comprávamos cigarro, pedíamos para todos os fumantes da
turma e íamos juntando. Em uma determinada noite, tínhamos
conseguido uns 30 cigarros, de várias marcas, com filtro e
sem filtro. Para nós, qualquer um servia. Nessa noite ficamos
até mais ou menos 4 da manhã conversando e fumando.
Imaginem o quarto como ficou! No outro dia, como era de
hábito, depois do Sr. Alaor ter esmurrado a porta umas 500
vezes, levantamos. Então ele chegou na porta do quarto, deu
uma cheirada e falou bem bravo: Esse quarto tá cheirando a
inhaca! Com que cara nós ficamos? Com cara de tacho e sem
nenhuma resposta plausível para dar.
Fumando escondido
Do livro A vida como ela era, Uberlândia.
Aqui você vai encontrar importantes
obras da riquíssima Literatura
Brasileira. Agora ela está nos ônibus
de Belo Horizonte e contamos com a
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Patrocínio: Realização: Incentivos:Se você quiser opinar sobre
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(31) 3586-2511www.letras.ufmg.br/atelaeotexto
[email protected] Realizado com os benefícios da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte
39Autor: Florbela Espanca
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,A essa hora dos mágicos cansaços,Quando a noite de manso se avizinha,E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinhaA tua boca... o eco dos teus passos...O teu riso de fonte... os teus abraços...Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca, Traça as linhas dulcíssimas dum beijo E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...Quando os olhos se me cerram de desejo...E os meus braços se estendem para ti...
SE TU VIESSES VER-ME...
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40Autor: Éderson Batista Balbino
Tudo permanecerá do mesmo jeitoamor perdido,
talvez vira-lata,sem sonhos, sem dono,
amor clandestino.
Tudo permanecerá assim,quatro horas entre nós.você presente, ausente.
E eu...sem querer imaginar o que vem depois.
Tudo do mesmo jeito,
tem sido assim,vai permanecer assim.A fadiga do dia-a-dia
a incerteza da partilha. Eu aqui,
você distante.Dois amantes, dois amores
amor recente, antigo, amor amigo.
Duas vidas se cruzaramdois amores, dois sonhos, duas vidas
tudo com duas medidas.
Seis será número de sorte?
E agora minha vida inserida em sua vida.Sua vida, minha vida.
Você distantepresente num sorriso,
num abraço.E eu sozinho, receosome calo, me castro.
E o tempo?O tempo passa
e a distância inimiga dos amantesnos afasta.
Sua vida minha vidae tudo permanecerá assim
rio de lágrimas.O consolo?
O fio.Amigo presente, confidente.
E o tempo passasem graça.
Devagar ele insiste e passa.Passa o sol,Passa a lua.tudo passa,
dia-a-dia do mesmo jeito
T u d oP a s s a...
TUDO PASSA