Artrite Reumatoide
INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕESA artrite reumatoide (AR) pode ser definida como uma doença inflamatória sistêmica, crônica
e progressiva, com acometimento preferencial da membrana sinovial. A doença pode acarretar
destruição óssea e cartilaginosa e, eventualmente, acometer outros sistemas.
Trata-se de condição de elevada morbidade e mortalidade, sendo a sobrevida das formas
graves, poliarticulares, de 40% em 5 anos. A doença acarreta grande impacto para qualidade de
vida do indivíduo acometido, ocasionando limitações nas atividades sociais, de lazer e profissionais,
bem como para a sociedade como um todo, em função de seu considerável ônus sócio-econômico.
Estima-se que até 5% das pessoas possam apresentar a doença, sendo que sua frequência
média é de 0,5 a 1% da população mundial. Todas as faixas etárias podem ser acometidas, mas a
doença é mais prevalente nos pacientes entre a 4ª e 6ª décadas de vida, com nítido predomínio no
sexo feminino (2,5 a 3 vezes em relação ao sexo masculino).
Houve, nos últimos anos, notável evolução nos conhecimentos da fisiopatogenia da doença,
o que acarretou mudanças na forma de abordagem e na terapêutica da artrite reumatoide, com a
utilização de novas classes de drogas. Apesar disso, o fator limitante à boa resposta terapêutica
continua sendo o retardo no diagnóstico e na instituição do tratamento adequado. Cabe ao médico,
diante de um paciente com artrite, saber conduzi-lo corretamente e encaminhá-lo ao reumatologista
quando necessário, a fim de evitar a evolução para formas graves e incapacitantes.
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIAA etiologia exata da artrite reumatoide ainda não é conhecida. É provável que diversos
fatores estejam envolvidos no desencadeamento e perpetuação do processo inflamatório crônico,
incluindo características genéticas, fatores ambientais, estímulos antigênicos infecciosos e
alterações imunológicas (Figura 1).
Figura 1: Fatores envolvidos na etiopatogênese da artrite reumatoide.
FATORES GENÉTICOS
FATORES AMBIENTAIS
Agente infeccioso?
Antígeno endógeno?
DESREGULAÇÃO DO SISTEMA IMUNE
SINOVITE CRÔNICA
macrófagos
Th1BCD8Th2B: linfócitos B
CD8: Linfócitos T CD8
Th1: Linfócitos T helper 1
Th2: Linfócitos T helper 2
Fatores GenéticosFatores genéticos são importantes para a suscetibilidade à artrite reumatoide, além de se
correlacionarem com o fenótipo e a gravidade da doença, tendo um possível papel como
marcadores prognósticos. A associação da artrite reumatoide com o antígeno leucocitário humano
(HLA) DR4 e a sequência de aminoácidos das posições 70 a 74 do HLA-DRB1 (epítopo
compartilhado ou epítopo reumatoide) é bem conhecida. Supõe-se que haja, na verdade,
participação de múltiplos e diferentes genes, com contribuições diversas à suscetibilidade, além de
efeitos genéticos interativos que poderiam modular o impacto do risco individual.
Fatores AmbientaisO fato de a artrite reumatoide em geral não apresentar agregação familiar e a concordância
de ocorrência entre gêmeos monozigóticos não passar de 15 a 30% sugerem a interferência de
outros fatores, possivelmente ambientais (incluindo o tabagismo), na prevalência e na gravidade da
doença.
Fatores InfecciososSugere-se que, além da suscetibilidade genética e da participação dos fatores ambientais,
seria necessária a presença de um antígeno específico, que desencadearia o processo inflamatório
contra a membrana sinovial. Esse antígeno poderia ser endógeno e/ou exógeno, sendo que
diversos agentes já foram arrolados como possíveis causadores: parvovírus, vírus da rubéola,
Epstein-Barr vírus, HTLV-1, micoplasma e micobactérias. Apesar da indução de sinovite crônica em
modelos experimentais por esses agentes, ainda não há provas conclusivas do seu papel na
fisiopatogenia da doença.
Fatores ImunológicosA reação inflamatória contra a sinóvia seria desencadeada pela apresentação de um antígeno
a um linfócito sinovial e possivelmente mantida pela presença do próprio antígeno desencadeante e
da produção de mediadores, como interleucinas ou citocinas.
Os linfócitos T CD4 positivos (predominantes na membrana sinovial) são capazes de produzir
citocinas, atraindo e ativando macrófagos. Os macrófagos, por sua vez, produzem citocinas
implicadas no desenvolvimento da artrite reumatoide e na manutenção do processo inflamatório
como interleucina (IL) 1 e fator de necrose tumoral (TNF). Além destas, outras citocinas, como
fatores de crescimento, produzidas pelos macrófagos, sinoviócitos, fibroblastos e células endoteliais,
mantêm o processo inflamatório.
A produção de anticorpos é também um elemento da patogênese da artrite reumatoide,
havendo formação de complexos antígeno-anticorpo e ativação do sistema do complemento. O
exemplo clássico é o chamado fator reumatoide (FR), que é um anticorpo dirigido contra o
fragmento Fc da imunoglobulina. O FR, embora não de maneira obrigatória nem específica,
frequentemente está presente nos pacientes com AR. A formação de imunocomplexos entre o FR e
imunoglobulinas, com desencadeamento da cascata de ativação do complemento e de mecanismos
de fagocitose, é importante tanto para a ocorrência da inflamação articular quanto dos processos
extra-articulares.
Outros fatores estudados incluem a participação dos linfócitos B na patogênese da artrite
reumatoide, as alterações endoteliais e a deficiência de inibidores (como o inibidor de IL-1, de IL-2 e
de TNF) associada à superprodução de citocinas.
Características PatológicasEm resposta à inflamação tissular, a membrana sinovial sofre modificações, com hipertrofia e
hiperplasia das células sinoviais e extensa neoangiogênese. As células endoteliais são ativadas
para expressar moléculas de adesão. As citocinas e fatores de crescimento produzidos durante o
processo inflamatório, como o fator derivado de plaquetas (PDGF), fator de crescimento de
fibroblastos (FGF) e o fator de transformação de crescimento beta (TGF-beta) facilitam o influxo de
células inflamatórias adicionais. Forma-se um infiltrado linfocitário proeminente, podendo
estabelecer-se verdadeiros folículos linfoides, ricos em linfócitos T e plasmócitos.
Surge assim, a partir da membrana sinovial, o pannus – tecido granulomatoso com
características tumorais, capaz de invadir e destruir os tecidos cartilaginoso e ósseo e responsável
pela extensa destruição articular frequentemente observada na artrite reumatoide. As propriedades
destrutivas do pannus são relacionadas à produção de metaloproteinases de matriz (MMP) e outras
enzimas que são capazes de degradar colágeno e proteoglicanos.
Os neutrófilos mostram tendência à compartimentalização na artrite reumatoide, constituindo
a maior parte do componente celular do líquido sinovial. Os neutrófilos são atraídos para o líquido
sinovial por citocinas produzidas pelo tecido sinovial, sendo as mais importantes o fator de
crescimento (TGF) beta e a IL-8, além dos clássicos fator C5a do complemento e leucotrieno B4.
Como resultado, observa-se acúmulo de proteinases ativadas e metabólitos do oxigênio que
contribuem para o processo.
ACHADOS CLÍNICOSAs manifestações clínicas da artrite reumatoide podem ser divididas em articulares e extra-
articulares. Sendo uma doença sistêmica, não é incomum que sintomas gerais como febre, astenia,
fadiga, mialgia e perda ponderal precedam o início das manifestações próprias da doença.
Manifestações ArticularesAs manifestações articulares da artrite reumatoide podem ser divididas em:
manifestações reversíveis: relacionadas à sinovite inflamatória em sua fase inicial;
danos estruturais irreversíveis: deformidades causadas pela sinovite persistente,
destruição óssea e cartilaginosa, imobilização e alterações musculares, tendíneas e
ligamentares.
SinoviteA característica básica da manifestação articular da artrite reumatoide é a inflamação da
sinóvia (sinovite), podendo acometer qualquer uma das articulações diartrodiais do corpo.
A queixa clínica é de dor, edema e limitação dos movimentos das articulações acometidas.
Ao exame físico, observa-se presença de dor e edema das articulações e, eventualmente, sinais de
derrame intra-articular. Articulações profundas, como quadris e ombros, podem não mostrar sinais
evidentes de inflamação ao exame.
São características da artrite na artrite reumatoide:
acometimento poliarticular: geralmente mais de 4 articulações estão envolvidas. No
entanto, a doença pode ser oligo ou até monoarticular;
artrite em mãos: o acometimento de punhos, metacarpofalângicas (MCF) e interfalângicas
proximais (IFP) é frequente, desde o início do quadro. O acometimento das interfalângicas
distais (IFD) é raro, o que é útil para diferenciar a AR de outras condições, como a
osteoartrose e a artrite psoriásica;
artrite simétrica: acometimento simétrico das articulações dos dois lados do corpo é a
regra, embora nos casos das MCF e metatarsofalângicas (MTF), a simetria não necessite
ser completa;
artrite cumulativa ou aditiva: a sinovite costuma ter padrão cumulativo (acometer
progressivamente novas articulações, sem deixar de inflamar as anteriormente afetadas);
rigidez matinal: a rigidez matinal prolongada, caracterizada por enrijecimento e sensação
de edema, percebida sobretudo pela manhã, é um aspecto quase universal da inflamação
sinovial. Diferente da breve rigidez observada na osteoartrose (5 a 10 minutos), no caso
das doenças inflamatórias, a rigidez dura mais de 1 hora. Este fenômeno relaciona-se à
imobilização que ocorre durante o sono ou repouso e não à hora do dia. A duração tende
a se correlacionar com o grau da inflamação, sendo um parâmetro que deve ser
documentado para acompanhar a evolução da doença.
Manifestações em Articulações Específicas1. Mãos
Mãos e punhos são acometidos em quase todos os pacientes com artrite reumatoide. A
sinovite habitualmente envolve os punhos, MCF e IFP. As características clínicas desse
acometimento são alargamento e edema das articulações afetadas e, posteriormente, atrofia dos
músculos interósseos, achados que configuram a chamada “mão reumatoide”. Deformidades podem
se estabelecer nas fases mais avançadas, sendo as mais típicas, mas não patognomônicas, o
desvio ulnar das MCF e radial dos punhos, o dedo em pescoço de cisne (hiperextensão da IFP e
flexão da IFD) e o dedo em boutonniere ou casa de botão (flexão da IFP e hiperextensão da IFD).
Outra manifestação decorrente da artrite em mãos são as compressões de nervos periféricos em
decorrência da sinovite dos tendões do punho, como a síndrome do túnel do carpo (compressão do
nervo mediano) e síndrome do canal de Guyon (compressão do nervo ulnar). Tenossinovites
estenosantes ocasionando dedo em gatilho e rupturas tendíneas também podem ser observadas.
2. Ombros
Sinais inflamatórios típicos não são facilmente detectáveis ao exame físico do ombro.
Habitualmente, o achado objetivo é a perda de mobilidade pela restrição por dor, podendo evoluir
para a síndrome do “ombro congelado” (capsulite adesiva).
3. Cotovelos
Ao contrário dos ombros, os sinais de inflamação e derrame articular são facilmente
percebidos ao exame físico do cotovelo. Precocemente, pode haver bloqueios à extensão ou flexão
do cotovelo, bem como à prono-supinação, que podem evoluir para limitação permanente.
Neuropatias compressivas (ulnar) também são observadas.
4. Coluna cervical
O envolvimento da coluna cervical é comum (15 a 90% dos casos), mas a coluna torácica,
lombar e sacroilíacas são geralmente poupadas. A manifestação mais precoce é a cervicalgia, com
rigidez ao exame físico. Pode ocorrer instabilidade C1-C2 por tenossinovite do ligamento transverso
de C1, levando, em graus extremos, à subluxação atlantoaxial, com mielopatia cervical. Os sintomas
dolorosos e o acometimento neurológico não estão necessariamente associados.
5. Quadris
O envolvimento dos quadris na artrite reumatoide é relativamente comum, embora, nas fases
iniciais, a única alteração ao exame seja a redução da amplitude de movimento das coxofemorais.
Sinais inflamatórios não são habitualmente percebidos, pela profundidade da articulação. As queixas
dos pacientes incluem dor e limitação para movimentos como calçar sapatos. Com a evolução da
doença e destruição cartilaginosa, pode haver bloqueio completo dos quadris e limitação à
deambulação.
6. Joelhos
Os joelhos são frequentemente acometidos e sinais de edema e derrame são facilmente
detectáveis. A herniação posterior da cápsula pode ocasionar um cisto poplíteo, ou cisto de Baker,
que pode eventualmente romper-se, produzindo um quadro semelhante à trombose venosa
profunda. História clínica, exame físico cuidadoso e exames complementares podem ajudar no
diagnóstico diferencial.
7. Pés e tornozelos
As manifestações em pés e tornozelos são frequentes e geralmente bastante incapacitantes,
uma vez que são estruturas com a função de suportar peso. A artrite uacomete mais as articulações
MTF, talonaviculares e tornozelos. Em muitos pacientes, as MTF e interfalângicas dos artelhos
parecem ser as primeiras articulações acometidas, ao menos radiologicamente. Além de
deformidades dos dedos, desvios e subluxação das cabeças das MTF em direção à região plantar, a
inflamação ocasiona modificação no sistema natural de transmissão de força entre as articulações,
causando distúrbios da marcha. Outra alteração encontrada é a compressão do nervo tibial
posterior, configurando a síndrome do túnel do tarso.
8. Articulação temporomandibular
O acometimento é relativamente frequente. Pode cursar com cefaleia, dor referida no ouvido
e dificuldade de mastigação.
9. Articulação cricoaritenoidea
A lesão da articulação cricoaritenoidea é rara, sendo a sintomatologia mais frequente dor
local, disfonia e dor à deglutição.
10. Articulação esternoclavicular
Quando acometida, pode-se observar dor e edema sobre a articulação esternoclavicular.
Manifestações Extra-articularesEmbora as manifestações articulares sejam as mais características, a artrite reumatoide pode
ocasionar acometimento específico em outros órgãos e sistemas. As manifestações extra-articulares
são mais frequentes em pacientes com doença grave e poliarticular, FR positivo e com nódulos
reumatoides. Há também uma possível predisposição genética (HLA-DRB1*0401).
Manifestações CutâneasNódulos reumatoides: presentes em cerca de 30% dos pacientes com artrite reumatoide
(95% são FR positivo), os nódulos reumatoides são nodulações subcutâneas de tamanhos variados
(mm a cm). São mais frequentemente observados em zonas de atrito, nas faces extensoras do
antebraço, tendão do calcâneo, ísquio, metatarsofalângicas e superfícies flexoras dos dedos. Já
foram descritos em vísceras. Guardam relação com a atividade da doença, tendendo a desaparecer
com a remissão do quadro articular. Podem, no entanto, persistir mesmo após melhora dos demais
sintomas.
Outras manifestações cutâneas: púrpura palpável (possivelmente por vasculite
leucocitoclástica), úlceras isquêmicas e equimoses (por plaquetopenia pela doença ou associada ao
uso de drogas para tratamento) são menos frequentes.
Manifestações Oculares
As mais frequentes são ceratoconjuntivite seca (associada à síndrome de Sjögren, uma
superposição comum com a artrite reumatoide), episclerite (de curso geralmente benigno) e esclerite
(de evolução mais grave, podendo levar à erosão da esclera em direção à coroide, causando
escleromalácia perfurante).
Manifestações RespiratóriasA mortalidade por doenças respiratórias é 2 vezes maior na população com AR do que na
população em geral.
Embora estatísticas de necrópsias apontem para um acometimento intersticial pulmonar na
maioria dos pacientes, as exteriorizações clínicas são menos frequentes, sugerindo que muitos
casos sejam assintomáticos. Os quadros pulmonares podem ser decorrentes da própria artrite
reumatoide ou da terapia utilizada (metotrexato, sais de ouro e penicilamina) que causam doença
intersticial semelhante à artrite reumatoide.
As manifestações mais características incluem:
fibrose intersticial: predomina em bases;
nódulos pulmonares: podem ser solitários ou múltiplos. A presença de nodulose pulmonar
em pacientes com pneumoconiose (mineradores de carvão) recebeu a denominação de
síndrome de Caplan;
derrame pleural: o líquido pleural nestes casos tem baixos níveis de glicose e
complemento, altos níveis de desidrogenase lática e contagem leucocitária inferior a
5.000/mm3, com predomínio de linfócitos. Em estudos de necrópsias, alterações pleurais
podem ser observadas em até 50% dos pacientes.
bronquiolite obliterante: manifestação rara.
Manifestações Cardíacas
Efusão pericárdica assintomática ocorre em até 50% dos casos, mas pericardite sintomática é
rara, estando relacionada a episódios de atividade da doença. Pericardite constritiva é ainda menos
frequente.
Acometimento da aorta, com aortite envolvendo segmentos da aorta, aneurismas e
insuficiência aórtica por dilatação do anel valvar são descritos.
Outras manifestações raras incluem lesões similares a nódulos reumatoides no miocárdio e
folhetos valvares, disfunção valvular, fenômenos embólicos, defeitos de condução e miocardiopatia.
Manifestações GastrintestinaisAs manifestações relacionadas diretamente à artrite reumatoide são xerostomia (associada à
síndrome de Sjögren) e complicações vasculares intestinais por vasculite. No entanto, diversos
sintomas dispépticos, sobretudo gastrite e úlcera péptica, são eventos frequentes e de alta
morbimortalidade, estando associados principalmente à terapia com AINH e esteroides.
Manifestações RenaisO achado histopatológico mais comum em biópsias renais é a glomerulonefrite mesangial,
geralmente sem expressão clínica. Glomerulopatias podem ocorrer em pacientes com amiloidose
secundária à artrite reumatoide de longa duração ou por efeito de terapias (ouro, penicilamina).
Doença intersticial tubular renal associa-se com mais frequência à síndrome de Sjögren ou ao uso
de certos AINH.
Manifestações HematológicasAnemia hipocrômica e microcítica com ferritina sérica reduzida e saturação da transferrina
normal ou baixa é achado frequente (até 70% dos pacientes). Apesar de sua fisiopatogenia ser
ainda incerta, é considerada como uma variante da anemia da doença crônica. Trombocitose é
observada frequentemente, sendo um indicativo de processo inflamatório crônico. Trombocitopenia
em geral decorre de reações adversas à terapia medicamentosa.
Linfadenopatia local ou generalizada e esplenomegalia são manifestações vistas em até 10%
dos casos. Deve-se estar atento para a ocorrência de linfomas.
Manifestações NeurológicasManifestações neurológicas são, em geral, subdiagnosticadas na artrite reumatoide. As duas
principais situações são a mielopatia cervical decorrente de instabilidade cervical e as neuropatias
compressivas periféricas (túnel do carpo, canal de Guyon, túnel do tarso).
A síndrome da mononeurite múltipla é caracterizada por início abrupto de uma neuropatia
periférica persistente, não modificada por mudança na posição articular ou redução do processo
inflamatório sinovial. Frequentemente é concomitante à vasculite reumatoide.
Manifestações PsiquiátricasAlém da dor crônica decorrente da inflamação articular, outros fatores, como a presença de
deformidades e a limitação para atividades laborais e sociais, contribuem para a ocorrência de
depressão e alterações comportamentais nesses pacientes. Também é frequente a associação com
síndromes dolorosas funcionais, como a fibromialgia.
Manifestações OsteometabólicasAlterações da densidade mineral óssea (osteopenia e osteoporose) são frequentes em
pacientes com artrite reumatoide. Observa-se tanto desmineralização óssea localizada, próximo às
articulações acometidas, decorrente do processo inflamatório, quanto perda óssea global. Esta
última se associa a múltiplos fatores: sexo, raça, idade, alterações hormonais, duração e gravidade
da doença, hábitos alimentares e de atividade física, composição corpórea e tipo de terapia utilizada
(esteroides, metotrexato). Deve-se sempre estar atento para a prevenção/tratamento precoce da
osteoporose nesses pacientes, a fim de prevenir fraturas.
Outras ManifestaçõesA síndrome de Felty é uma condição relatada em pacientes com formas graves da doença.
Originalmente foi descrita como a combinação de AR, esplenomegalia, leucopenia e úlceras em
membros inferiores, ocorrendo também linfadenopatia e trombocitopenia. Há associação com o
HLA-DR4 e a presença de nódulos reumatoides, sendo a incidência de linfomas de Hodgkin mais
elevada nesse subgrupo de pacientes.
Embora a doença de Still seja uma das formas clínicas da artrite idiopática juvenil (AIJ), ela
pode eventualmente ser observada em adultos. Caracteriza-se por febre alta, rash evanescente
(muitas vezes associado à febre), sintomas constitucionais, poliartralgia ou artrite, mialgia,
odinofagia, serosites (pericardite e pleurite), linfadenopatia, esplenomegalia, além de alterações
laboratoriais como anemia, neutrofilia e trombocitose.
Vasculite ReumatoideA vasculite reumatoide é uma manifestação rara, mais frequente em pacientes com FR
positivo. Não há necessariamente relação com a atividade articular da doença. As manifestações
incluem neuropatia periférica (por vasculite da vasa nervorum), vasculite cutânea (púrpura palpável,
úlceras em membros inferiores, infartos periungueais, necrose de extremidades) e raramente
vasculite de vasos coronarianos, mesentéricos, cranianos e renais.
Artrite Reumatoide e GravidezA artrite reumatoide, por si só, não altera a fertilidade, embora algumas medicações possam
reduzir a taxa de ovulação. Também não há aumento na ocorrência de complicações fetais ou
maternas pela doença, excetuando-se as formas graves que cursam com vasculite sistêmica.
Durante o período gestacional, observa-se geralmente uma melhora das manifestações
clínicas da artrite reumatoide em até 75% das pacientes, embora 90% apresentem recaída nos
primeiros 6 meses do puerpério.
A maioria das drogas utilizadas no tratamento da artrite reumatoide são contraindicadas
durante a gestação e lactação, com exceção da hidroxicloroquina e da sulfassalazina, que parecem
ser relativamente seguras. Pacientes em uso de metotrexato, leflunomida, agentes
imunossupressores e modificadores da resposta biológica devem ser sempre orientadas a utilizar
métodos contraceptivos seguros, a fim de evitar a gestação.
EXAMES COMPLEMENTARESDiversos exames complementares podem ser utilizados para auxiliar no diagnóstico,
diagnóstico diferencial, determinação de prognóstico e acompanhamento do tratamento na artrite
reumatoide.
Exames LaboratoriaisHemograma
São achados frequentes anemia hipocrômica e microcítica (concentração de hemoglobina em
torno de 10 mg/dL), trombocitose e eosinofilia (indicadores de atividade da doença). Leucocitose
pode ser observada nos períodos de atividade e leucopenia decorre, em geral, de efeitos adversos
das medicações utilizadas.
Provas de Atividade InflamatóriaA elevação das provas de atividade inflamatória, sobretudo da velocidade de
hemossedimentação (VHS) e da proteína C reativa (PCR), embora inespecífica, é utilizada como
parâmetro para avaliar a atividade do processo inflamatório. A normalização dos valores durante o
tratamento sugere eficácia terapêutica.
Função Hepática e Função RenalDevem ser avaliadas periodicamente para detectar efeitos colaterais das medicações
utilizadas.
Perfil LipídicoA aterosclerose é um importante fator de morbimortalidade para os pacientes com doenças
inflamatórias crônicas, de forma que a dislipidemia deve ser diagnosticada e tratada. Embora a
hiper-homocisteinemia também seja prevalente, seu significado na artrite reumatoide ainda não está
completamente esclarecido.
Eletroforese de ProteínasObserva-se na eletroforese de proteínas um aumento da alfa-2-globulina e da gamaglobulina,
indicando respectivamente a vigência do processo inflamatório e a estimulação antigênica, sendo,
portanto, inespecíficos.
Anticorpos AntinuclearesAnticorpos antinucleares (ANA) – o mesmo que fator antinuclear (FAN) – estão presentes em
até 50% dos pacientes com artrite reumatoide, não significando concomitância de outras doenças
autoimunes.
Dosagem de ComplementoA redução dos níveis de complemento não é comum, só ocorrendo em casos muito graves ou
nos casos de vasculite reumatoide.
Fator ReumatoideO FR é um anticorpo (mais frequentemente da classe IgM, embora possa ser de outros
isotipos) dirigido contra a porção Fc de outra imunoglogulina (IgG). É encontrado no soro de cerca
de 70% dos pacientes com artrite reumatoide e correlaciona-se estatisticamente com pior
prognóstico (níveis mais elevados associam-se à doença agressiva, presença de nódulos
reumatoides e manifestações extra-articulares). Pode ser pesquisado pelos métodos do látex,
Waaler-Rose, nefelometria e ELISA. A positividade do fator reumatoide faz parte dos critérios do
Colégio Americano de Reumatologia (ACR) para diagnóstico de artrite reumatoide.
Individualmente, no entanto, o valor diagnóstico do FR é limitado. Até 30% dos pacientes com
artrite reumatoide são soronegativos para FR, sendo que, na fase inicial da doença, essa cifra pode
chegar a mais de 50%. Além da sensibilidade, a especificidade do exame também é limitada. O FR
pode ser positivo em pessoas sem artrite (5% até 40% dos indivíduos normais, aumentando a
prevalência com o envelhecimento) e em diversas outras condições, reumatológicas ou não,
conforme mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Condições associadas à positividade do fator reumatoide (FR)
Condição
Positividade do fator reumatoide
(%)
artrite reumatoide, síndrome de Sjögren, crioglobulinemia,
doença mista 50 a 85
Lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica,
endocardite bacteriana subaguda, hanseníase,
hepatopatias 25 a 50
Dermato/polimiosites, artrite idiopática juvenil, doenças
pulmonares, tuberculose, neoplasias 10 a 25
Espondilite anquilosante, febre reumática, osteoartrite,
artrite psoriásica, gota 5 a 10
Indivíduos normais 5 a 40
Assim, a negatividade do FR não exclui o diagnóstico de artrite reumatoide, e sua
positividade deve ser cuidadosamente interpretada de acordo com os achados clínicos.
A variação dos títulos de FR não serve como marcador de atividade da doença, não havendo,
portanto, necessidade de dosagens repetidas durante o acompanhamento da doença.
Anticorpos contra Peptídios Citrulinados CíclicosRecentemente, diversos anticorpos contra antígenos do sistema filagrina-citrulina foram
estudados na artrite reumatoide, sendo que os anticorpos contra peptídeos citrulinados cíclicos (anti-
CCP) demonstraram maior aplicabilidade clínica. Trata-se de um exame com elevada sensibilidade
(81%) e especificidade (até 98% – ELISA II) para artrite reumatoide, sendo útil sobretudo no
subgrupo de pacientes com artrite na fase inicial e FR negativo. Sua pesquisa é útil na investigação
de artrites inflamatórias indiferenciadas e parece agregar valor prognóstico adicional ao FR.
Outros ExamesOutros exames vêm sendo utilizados na investigação da artrite reumatoide. O objetivo é
desenvolver métodos com sensibilidade e especificidade para o diagnóstico mais precoce da
doença, marcadores de atividade mais confiáveis e indicadores de prognóstico. Esses métodos
incluem estudos genéticos, dosagem de marcadores do metabolismo ósseo e cartilaginoso (os mais
promissores são as metaloproteinases de matriz – MMP 1 e 3), outros marcadores (lecitina ligadora
de manose, selectina E) e outros anticorpos (anti-IL1, anti-1-alfa-enolase, anti-produtos finais da
glicação avançada), entre outros. A maioria desses exames, no entanto, ainda não é utilizada na
prática clínica diária.
Exames RadiológicosDiversos métodos de imagem são utilizados na avaliação da artrite reumatoide, sendo os
principais a radiografia convencional, a ultra-sonografia e a ressonância magnética.
Radiografia ConvencionalA radiografia óssea convencional é ainda o método mais utilizado, sendo que as alterações
radiológicas fazem parte dos critérios diagnósticos da artrite reumatoide. Embora o método seja
relativamente insensível para as fases precoces da doença, alterações como edema de partes
moles e rarefação óssea (osteopenia) justa-articular podem ser vistos nos estágios iniciais da artrite.
Os locais primeiramente acometidos radiograficamente costumam ser as articulações MCF
(sobretudo a 2ª e a 3ª), MTF (em especial a 5ª), IFP e processos estiloides da ulna e rádio.
As lesões mais características só aparecem mais tardiamente à radiografia e incluem redução
do espaço articular (por destruição da cartilagem), cistos subcondrais e erosões ósseas. Em
pacientes com artrite reumatoide avaliados precocemente, apenas 13% apresentam erosões à
radiografia convencional na primeira avaliação, 28% após 12 meses, 75% após 24 meses e 90%
após 60 meses de acompanhamento.
Com a evolução do processo, sequelas e deformidades como anquilose e subluxações
podem ser notados.
Nenhuma dessas alterações é patognomônica, mas a sua presença, sobretudo se simétrica e
associada ao quadro clínico, sugere fortemente a doença.
O acompanhamento radiográfico é necessário para avaliar a progressão da doença e a
resposta ao tratamento.
UltrassonografiaA ultrassonografia tem a vantagem de ser um método barato e permitir detecção de
alterações inflamatórias (sinovite), presença de líquido em articulações, bursas e bainhas tendíneas,
anormalidades em tendões, ligamentos e ênteses, além de ser até 6 vezes mais sensível que a
radiografia convencional para detecção de erosões. É, no entanto, um método que depende do
examinador, de difícil reprodutibilidade e ainda não inteiramente padronizado para avaliação da
artrite reumatoide.
Ressonância Magnética
A ressonância é, sem dúvida, entre os métodos de imagem atualmente disponíveis, o mais
sensível para detectar as alterações próprias da artrite reumatoide. Permite avaliar todas as
estruturas acometidas (incluindo partes moles, ossos e cartilagens) e detectar erosões muito
precocemente (até 3 anos antes das radiografias convencionais). Sugere-se que o padrão e o local
da alteração observada possam ter implicação prognóstica.
Entre as desvantagens, além do alto custo e do acesso ainda limitado a essa tecnologia,
estão a falta de padronização do método e de determinação do ponto de corte para definição de
lesão (alterações semelhantes à erosões e sinovite já foram descritas em indivíduos normais, sem
qualquer evidência clínica da artrite reumatoide).
A Tabela 2 compara as vantagens e desvantagens dos principais métodos de imagem
utilizados na avaliação da AR.
Tabela 2: Vantagens e desvantagens dos métodos de imagem utilizados para avaliação da
artrite reumatoide
Método de imagem Vantagens Desvantagens
Radiografia
convencional
Baixo custo, grande disponibilidade,
padronização disponível, fácil
reprodutibilidade, métodos validados de
avaliação, critério do ACR, permite
alguns diagnósticos diferenciais
Representação bidimensional
de lesão tridimensional,
radiação ionizante, relativa
insensibilidade para dano
ósseo precoce, insuficiente
para avaliação de partes
moles (sinovite)
Ultrassonografia
Método não invasivo, baixo custo,
ausência de radiação ionizante,
detecção de alterações inflamatórias e
estrutivas, permite exame de várias
articulações, guia intervenções,
complementação com Doppler
Dependência do examinador,
dificuldade na documentação
objetiva, baixa
reprodutibilidade, ausência de
padronização, difícil
visualização de algumas
articulações (p.ex., punhos),
valor prognóstico questionável
Ressonância
magnética
Método seguro, ausência de radiação
ionizante, grande sensibilidade,
avaliação de todas as estruturas
comprometidas, diagnóstico diferencial
de poliartrite indiferenciada,
monitoração da resposta terapêutica,
complementação com contraste e uso
de técnicas dinâmicas
Alto custo, disponibilidade
limitada do equipamento,
tempo de exame prolongado,
limitação a uma articulação
por exame, correlação com
prognóstico clínico ainda
questionável
DIAGNÓSTICOO diagnóstico da artrite reumatoide é estabelecido considerando-se uma associação de
achados clínicos. Nenhum teste laboratorial, achado histológico ou característica radiológica
confirma isoladamente o diagnóstico.
Diversas condições podem cursar com poliartralgia ou poliartrite, fazendo diagnóstico
diferencial com a artrite reumatoide, conforme mostra a Tabela 3.
Tabela 3: Diagnóstico diferencial de poliartrite
Infecções
Virais (parvovírus, citomegalovírus, vírus da hepatite)
bacterianas (N. gonorrhoeae, Staphylococcus aureus),
micobacterianas (tuberculose), fúngicas, outras (doença de
Lyme)
Artrites
reativas/espondiloartropatias
soronegativas
Artrite reativa (Chlamydia, Salmonella, Shigella, Yersinia),
síndrome de Reiter, espondilite anquilosante, artrite
psoriásica, enteroartropatias
Doenças reumáticas sistêmicas
Lúpus eritematoso sistêmico, polimiosite/dermatomiosite,
artrite inflamatória juvenil, esclerose sistêmica, síndrome de
Sjögren, doença de Behçet, polimialgia reumática, vasculites
sistêmicas
Sinovite induzida por cristais Gota, pseudogota, hidroxiapatita
Doenças endócrinas Hipertireoidismo, hipotireoidismo, hiperparatireoidismo
Doenças neoplásicas Doença neoplásica metastática, mieloma múltiplo
Outras
Osteoartrose, fibromialgia, osteomalácia, síndromes de
hipermobilidade articular, sarcoidose, síndrome de Sweet,
doença do soro
Quando a artrite reumatoide se apresenta em sua forma bem definida, com todos os
comemorativos clássicos, o reconhecimento é simples. O diagnóstico na fase precoce da doença,
contudo, é especialmente difícil, já que alterações sorológicas e radiológicas características muitas
vezes estão ausentes.
O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) estabeleceu critérios para o diagnóstico de
artrite reumatoide em 1987 (Tabela 4). Esses critérios não foram designados para manejo de
pacientes individuais, e sim para uniformizar estudos clínicos e populacionais. No entanto, como os
critérios destacam os principais aspectos da doença, sobretudo as manifestações clínicas, são muito
utilizados na prática diária.
Tabela 4: Critérios do Colégio Americano de Reumatologia para classificação da artrite
reumatoide
Critério Definição
Rigidez matinal
Rigidez matinal com duração de pelo menos 1 hora até a melhora
máxima
Artrite de 3 ou mais
áreas articulares
Ao menos 3 áreas articulares simultaneamente afetadas, observadas
pelo médico (interfalângicas proximais, metacarpofalângicas, punhos,
cotovelos, joelhos, tornozelos e metatarsofalângicas)
Artrite das
articulações das
mãos Artrite em punhos ou metacarpofalângicas ou interfalângicas proximais
Artrite simétrica Envolvimento simultâneo de áreas de ambos os lados do corpo
Nódulos reumatoides
Nódulos subcutâneos sobre proeminências ósseas, superfícies
extensoras ou em regiões justa-articulares
Fator reumatoide
sérico positivo Presença de quantidades anormais de fator reumatoide
Alterações
radiográficas
Radiografias posteroanteriores de mãos e punhos demonstrando
rarefação óssea justa-articular ou erosões
Para o diagnóstico da artrite reumatoide, o paciente deve satisfazer pelo menos 4 dos 7
critérios. Os critérios 1 a 4 devem estar presentes por, no mínimo, 6 semanas. (sensibilidade: 91 a
94%; especificidade: 89%).
Esses critérios foram desenvolvidos utilizando-se indivíduos com quadro de artrite reumatoide
bem estabelecido. Considerando-se os pacientes na fase inicial da doença, apenas 38% preenchem
os critérios do ACR nos primeiros 12 meses de acompanhamento, e não mais do que 66% após 4
anos. Por isso, novos critérios estão sendo propostos para a artrite em sua fase inicial.
TRATAMENTOOs principais objetivos do tratamento de um paciente com artrite reumatoide são: reduzir a
dor, o edema articular e os sintomas constitucionais, como a fadiga; melhorar a função articular;
interromper a progressão do dano osseocartilaginoso; prevenir incapacidades e reduzir a
morbimortalidade.
Houve significativa mudança na abordagem terapêutica da artrite reumatoide nas últimas
décadas, incluindo:
reconhecimento da importância do diagnóstico e tratamento precoce da artrite reumatoide:
uma vez que a maior parte das lesões erosivas se estabelece nos dois primeiros anos da
doença, o reconhecimento e tratamento adequado nesta fase podem evitar ou retardar a
progressão da doença;
importância da estratificação de risco de evolução para formas graves: há diferentes
subgrupos e subpopulações de pacientes com artrite reumatoide que evoluem de maneira
diversa, com maior ou menor gravidade. Tenta-se hoje estabelecer modelos de
estratificação a fim de tratar mais agressivamente os pacientes com pior prognóstico;
mudança na forma de prescrição dos esquemas terapêuticos: a antiga pirâmide (uso
sequencial de antiinflamatórios, drogas de ação lenta e imunossupressores) deu lugar à
terapia combinada com múltiplas drogas modificadoras anti-reumáticas (DMARD). Tal
abordagem evita que o paciente mais grave (com maior potencial erosivo) fique por longos
períodos sem tratamento adequado;
utilização de novos agentes terapêuticos: dentre estes agentes estão as drogas
modificadoras da resposta biológica.
As estratégias terapêuticas atualmente empregadas no manejo da artrite reumatoide são
multidisciplinares e incluem: medidas gerais, como educação do paciente e de seus familiares,
terapia medicamentosa, terapia física e reabilitação, terapia ocupacional e cirurgias (quando
necessárias).
Medidas GeraisDesde o diagnóstico da artrite reumatoide, o paciente e sua família devem ser informados
sobre o caráter crônico da doença. Eles devem estar seguros de que, embora atualmente não exista
possibilidade de cura, é possível, com o tratamento adequado, obter um bom controle da doença ou
até a sua remissão. Assuntos a serem discutidos incluem: prognóstico, mudanças no estilo de vida e
no ambiente doméstico, orientação vocacional, manejo da dor e de incapacidades, cessação de
tabagismo, imunizações, tratamento de infecções e manejo de comorbidades, como hipertensão e
diabetes.
Terapia MedicamentosaA terapia medicamentosa visa obter o controle da dor e da inflamação e limitar o dano
articular, melhorando o prognóstico funcional a longo prazo. Entre as drogas utilizadas destacam-se
os antiinflamatórios não-hormonais (AINH), os corticoides, as drogas modificadoras anti-reumáticas
(DMARD), os agentes imunossupressores e as terapias modificadoras de resposta biológica. Essas
drogas são utilizadas em combinação, sendo introduzidas sequencialmente (step-up) ou retiradas
progressivamente (step-down) quando já se obteve o resultado terapêutico desejado.
Durante o tratamento, é necessário acompanhar o paciente clínica e laboratorialmente,
avaliando parâmetros como contagem de articulações dolorosas e inflamadas, duração da rigidez
matinal, escala visual analógica de dor, questionários de qualidade de vida e impacto das
manifestações articulares e provas de atividade inflamatória, para determinar a eficácia da
terapêutica utilizada.
Deve-se considerar que todas as drogas prescritas podem desencadear efeitos colaterais,
sendo recomendada monitoração clínica e laboratorial para detectá-los precocemente. É necessário
estratificar os indivíduos de acordo com o risco para cada evento adverso e estabelecer protocolos
laboratoriais específicos para cada droga.
Anti-inflamatórios Não Hormonais (AINH)Os antiinflamatórios são as drogas mais utilizadas no tratamento da artrite reumatoide. Eles
reduzem a dor e a inflamação, mas não previnem a lesão tecidual ou a progressão do dano articular
e não eliminam completamente os sinais e sintomas de atividade da artrite.
As drogas atualmente disponíveis agem inibindo um ou os dois tipos da enzima cicloxigenase
(COX). A COX-1 é expressa de maneira constitutiva na mucosa gastrintestinal, rins, plaquetas e
endotélio vascular, enquanto a COX-2 é expressa funcionalmente e promove a elaboração das
prostaglandinas nos tecidos inflamados.
A premissa básica do uso dos AINH é utilizá-los para controle sintomático e descontinuá-los
quando o paciente estiver assintomático, considerando-se sua significante toxicidade.
Em termos de potência, embora haja variações entre as diferentes classes, a resposta ao uso
de AINH é essencialmente individual e variável de acordo com o paciente. Deve-se prescrever a
medicação conforme a experiência do médico, tolerância prévia do paciente, comodidade do
esquema posológico e preço.
Os efeitos colaterais possíveis são múltiplos, incluindo manifestações gastrintestinais
(gastropatia, úlceras pépticas e sangramentos), disfunção renal (elevação dos níveis de ureia e
creatinina, aumento da pressão arterial, nefrite intersticial, necrose papilar), broncoespasmo,
erupções urticariformes e disfunção plaquetária, com sangramentos. Deve-se estar atento à
ocorrência desses para-efeitos, sobretudo em pacientes idosos, do sexo feminino, com história de
sangramento gastrintestinal prévio, disfunção renal, portadores de insuficiência cardíaca, diabetes,
cirrose hepática descompensada e em uso crônico de diuréticos.
O uso dos inibidores seletivos da COX-2 (celecoxibe, rofecoxibe, etoricoxibe,
valdecoxibe/parecoxibe e lumiracoxibe) reduz a ocorrência de manifestações gastrintestinais,
sobretudo sangramentos. No entanto, a ocorrência dos demais efeitos colaterais, inclusive renais,
mantém-se estável em relação aos outros AINH. Há dúvidas sobre o aumento do risco
cardiovascular com o uso desses agentes em longo prazo.
A Tabela 5 resume os principais AINH e sua dosagem habitual.
Tabela 5: Principais antiinflamatórios utilizados e dosagens habituais
Anti-inflamatório Dosagem (mg/dia)
Diclofenaco sódico 100 a 200
Diclofenaco potássico 150 a 200
Diflunisal 500 a 2.000
Etodolaco 800 a 1.200
Flurbiprofeno 200 a 300
Ibuprofeno 1.200 a 3.200
Indometacina 50 a 200
Cetoprofeno 150 a 200
Ácido mefenâmico 500 a 1.500
Nabumetona 1.000 a 2.000
Naproxeno 500 a 1.500
Piroxicam 10 a 20
Tolmetina 800 a 1.200
Celecoxibe* 200 a 400
Rofecoxibe* 25 a 50
Etoricoxibe* 60 a 120
Valdecoxibe/parecoxibe* 40
Lumiracoxibe* 100 a 400
*Inibidores seletivos da COX-2.
CorticoidesOs corticoides são potentes supressores da inflamação, usados para o manejo da dor e das
limitações funcionais de indivíduos com doença articular inflamatória ativa. Alguns estudos sugerem
que os esteroides possam retardar a evolução da lesão articular. Indubitavelmente, no entanto, os
esteroides são insuficientes e inadequados para controlar a doença quando prescritos isoladamente.
Sua utilização no tratamento deve ser temporária, enquanto se aguarda o início de ação dos
DMARD ou durante surtos de atividade inflamatória. O uso contínuo deve ser sempre evitado, dados
os efeitos colaterais desses fármacos (síndrome de Cushing, osteoporose, hipertensão, alteração do
metabolismo da glicose, catarata, necrose avascular, entre outros).
Os corticoides podem ser usados por via oral, intravenosa, intramuscular ou intra-articular. A
via oral é a mais utilizada, recomendando-se doses de até 10 mg de prednisona ou equivalente
(prednisolona, dexametasona) para controle das manifestações articulares, em situações
específicas. Os usos intramuscular (betametasona, metilprednisolona) e intravenoso
(metilprednisolona) ficam reservados para quadros articulares mais graves, que requerem
intervenção mais pronta, ou manifestações extra-articulares. O uso intra-articular justifica-se no caso
de acometimento mono ou oligoarticular. A infiltração com esteroides de ação rápida ou de ação
mais prolongada (como hexacetonida triancinolona) é segura e, se associada a outras medidas,
como proteção articular, proporciona um alívio prolongado da inflamação articular.
Deve-se ter em mente que a melhora obtida com o uso de corticoides, por qualquer via, é
temporária, sendo necessárias outras medidas para controle da atividade da doença em médio e
longo prazos.
Drogas Modificadoras Antirreumáticas (DMARD)Para um DMARD ser efetivo, ele deve ser capaz de reduzir a ocorrência de erosões e dano
articular e controlar a sinovite ativa e os sintomas constitucionais da doença. Até o momento, não há
evidência de que nenhum DMARD disponível possa cicatrizar erosões, reverter deformidades
articulares ou “curar” a artrite reumatoide.
As drogas classificadas como DMARD variam em seu mecanismo de ação (bem
compreendido para alguns agentes, mas obscuro em outros casos), estrutura química, toxicidade e
indicações para uso.
De maneira ideal, os DMARD devem ser usados assim que o diagnóstico de artrite
reumatoide for estabelecido e antes que as erosões radiográficas sejam detectadas, podendo ser
usados em combinação com antiinflamatórios e/ou corticoides.
1. Antimaláricos
Os antimaláricos vêm sendo usados no tratamento da artrite reumatoide há mais de 50 anos,
sendo seguros e eficazes, sobretudo para formas iniciais e leves.
O mecanismo de ação ainda é pouco conhecido, mas parece envolver múltiplos fatores:
atividade antiinflamatória (estabilização das membranas lisossomais, inibição de enzimas
lisossômicas e da quimiotaxia e fagocitose de polimorfonucleares), interferência na produção de
prostaglandinas, atividade antienzimática, entre outros.
As duas formas disponíveis são o difosfato de cloroquina e a hidroxicloroquina, sendo a
última preferível devido a seu melhor perfil de segurança, sobretudo oftalmológico. A dose diária do
difosfato de cloroquina é de até 4 mg/kg/dia e da hidroxicloroquina de 6 mg/kg/dia. O início de ação
é lento, levando de 3 a 4 meses para atingir o pico de eficácia em cerca de 50% dos pacientes.
Os efeitos colaterais são diversos e incluem, entre outros, intolerância gastrintestinal
(náuseas, vômitos, epigastralgia), hiperpigmentação da pele, exacerbação de psoríase, cefaleia,
tontura, miopatia, neuropatia, agranulocitose e retinopatia. Este último é especialmente temido,
sendo indicada monitoração oftalmológica regular (a cada 6 a 12 meses).
2. Metotrexato
O metotrexato é uma droga eficaz mesmo em monoterapia, havendo melhora objetiva com
seu uso em 60 a 70% dos casos. Apesar de haver controvérsias, é considerada droga de primeira
escolha por muitos autores, sendo geralmente prescrito em combinação com outros DMARD ou com
os agentes modificadores da resposta biológica.
O mecanismo de ação não é completamente conhecido. Sabe-se que o metotrexato inibe a
enzima di-hidrofolato redutase e outras enzimas dependentes do folato, reduzindo a síntese de
DNA, RNA e proteínas. Essa inibição é acompanhada por aumento nos níveis de adenosina, que,
por sua vez, inibe a função neutrofílica e a síntese de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-alfa e
IL-6.
A dose utilizada habitualmente varia de 7,5 a 25 mg/semana, sendo a resposta terapêutica
observada após 4 a 10 semanas. Deve-se iniciar o uso com doses mais baixas e titulá-las
progressivamente, até obter resposta adequada. É necessário acompanhamento laboratorial
(hemograma, enzimas hepáticas e função renal). As vias de utilização mais habituais são a via oral
e a via intramuscular.
Embora seja bem-tolerado, o uso crônico de metotrexato pode ocasionar efeitos colaterais
em até 70% dos pacientes, sendo os mais comuns intolerância gastrintestinal (náuseas, vômitos,
dor abdominal, diarreia), úlceras orais, queda de cabelo e supressão da medula óssea. Esses
efeitos indesejáveis são reduzidos pela suplementação de ácido fólico (1 mg/dia) ou ácido folínico
(2,5 mg/semana).
A elevação de enzimas hepáticas é observada em 10 a 20% dos pacientes, mas
hepatotoxicidade mais grave (fibrose ou cirrose hepática) é um efeito infrequente, recomendando-se
evitar a prescrição para indivíduos com hepatopatia prévia, alcoolistas, diabéticos ou obesos
mórbidos.
Doença intersticial pulmonar aguda, decorrente de hipersensibilidade à droga, com risco de
óbito, é descrita em até 10% dos casos em algumas séries isoladas. Requer tratamento intensivo e
imediato com altas doses de esteroides. Pacientes tabagistas e com hipoalbuminemia apresentam
maior risco. Doença intersticial crônica ou nódulos pulmonares, muitas vezes assintomáticos, são
mais frequentemente observados, sendo muitas vezes de difícil diagnóstico diferencial com as
alterações pulmonares decorrentes da própria artrite reumatoide.
Outras manifestações possíveis são alterações do sistema nervoso central, nodulose
cutânea, aumento da chance de infecções oportunísticas e de linfoma não Hodgkin.
Metotrexato não deve ser prescrito a pacientes gestantes, em razão de sua teratogenicidade,
e todas as pacientes do sexo feminino são orientadas a evitar a gestação durante seu uso. Também
deve ser evitado em pacientes com insuficiência renal, já que essa é a via de excreção da droga.
3. Sulfassalazina
A sulfassalazina é uma droga eficaz para o tratamento da artrite reumatoide, com perfil de
toxicidade bastante aceitável, sendo utilizada no tratamento de formas leves a moderadas. Embora
possa ser prescrita em monoterapia, é mais usada em associação a outros DMARD
(hidroxicloroquina e metotrexato).
O mecanismo de ação também não é conhecido. Supõe-se que o radical sulfapiridina seja o
principal componente ativo para o tratamento da artrite reumatoide. A sulfapiridina tem vários efeitos
imunomodulatórios, como inibição da produção de prostaglandinas, de diversas funções
neutrofílicas e linfocitárias e da quimiotaxia. É também um inibidor de enzimas dependentes do
folato.
A dose utilizada é de 40 a 50 mg/kg/dia, geralmente iniciando-se com 500 a 1.000 mg/dia,
raramente ultrapassando os 4.000 mg/dia. A observação dos efeitos terapêuticos ocorre em média
entre 8 e 12 semanas de uso.
Os efeitos colaterais incluem intolerância gastrintestinal (anorexia, náuseas, vômitos), rash
cutâneo, úlceras orais e mielossupressão (leucopenia com neutropenia). Raramente observa-se
pneumonite de hipersensibilidade, manifestações neurológicas ou alterações da fertilidade
masculina. A maioria dos efeitos é de caráter benigno e reversível com a retirada da droga.
4. Leflunomida
A leflunomida é uma droga com eficácia comparável ao metotrexato, retardando a velocidade
de progressão radiológica da artrite reumatoide erosiva. Pode ser usada em monoterapia ou em
combinação a outros DMARD, mais fequentemente ao próprio metotrexato.
A leflunomida apresenta propriedades imunomoduladoras, antiproliferativas e
antiinflamatórias. O mecanismo de ação mais importante é a inibição da biossíntese de pirimidinas,
por meio da inibição da enzima di-hidrofolato desidrogenase. Isso acarreta uma redução da
produção de uridina (essencial para a síntese de DNA, RNA e proteínas). A leflunomida também
parece modificar a transdução do sinal pela fosforilação da tirosina-quinase e inibir o fator nuclear ?
B, influenciando a apoptose. Dessa forma, ela inibe a expressão de moléculas de adesão, produção
de citocinas e migração de neutrófilos.
Utiliza-se uma dose de indução de 100 mg/dia por 3 dias (nem sempre prescrita) seguida por
uma dose de manutenção de 20 mg/dia, podendo-se indicar 20 mg em dias alternados para
pacientes que apresentem efeitos colaterais. Seu início de ação clínica é mais rápido do que de
outros DMARD, estando em torno de 4 semanas.
Os efeitos colaterais mais comuns incluem rash cutâneo, reações de hipersensibilidade,
alopecia, perda ponderal, trombocitopenia e diarreia. Pacientes em idade fértil devem ser orientadas
a evitar a gestação, devido à teratogenicidade da droga.
5. Penicilamina
A penicilamina é uma droga comprovadamente eficaz no tratamento da AR, mas atualmente,
devido a seu início de ação lento, à alta frequência de efeitos colaterais e ao surgimento de outros
DMARD, essa medicação praticamente deixou de ser prescrita.
A dose habitualmente utilizada é de 250 a 500 mg/dia. Entre os efeitos colaterais destacam-
se úlceras orais, rash cutâneo, proteinúria, trombocitopenia e fenômenos de autoimunidade.
6. Sais de ouro
Os sais de ouro, especificamente sob as formas injetáveis (aurotioglicose e aurotiomalato)
são capazes tanto de reduzir os sintomas constitucionais e articulares quanto de retardar a evolução
radiológica. A forma de apresentação oral não apresenta a mesma eficácia. Podem ser usados em
monoterapia ou em combinação a outros agentes.
A dose habitual é de 50 mg/semana, iniciando-se habitualmente com 25 mg/semana. A dose
cumulativa não deve ultrapassar 3 g.
Seu perfil de toxicidade inclui mielotoxicidade (marcadamente trombocitopenia), úlceras orais,
reações cutâneas (dermatite esfoliativa), nefropatia (podendo haver proteinúria nefrótica) e doença
intersticial pulmonar.
Atualmente os sais de ouro são pouco utilizados, tendo sido substituídos pelos novos
DMARD, imunossupressores e pelos agentes modificadores da resposta biológica.
7. Minociclina
A minociclina, único antibiótico cuidadosamente estudado para uso na artrite reumatoide,
atualmente não é mais utilizada no tratamento. Há evidências de melhora sintomática em casos
leves a moderados, mas não há clara documentação de propriedades como DMARD.
A descontinuação da droga era frequente pela falta de eficácia a longo prazo e aos efeitos
colaterais (alterações da cor da pele, tonturas, distúrbios gastrintestinais e fenômenos autoimunes).
Drogas Imunossupressoras
A base fisiológica do uso de imunossupressores para o tratamento da artrite reumatoide é a
evidência de múltiplos mecanismos imunológicos mediando a sinovite e outras manifestações extra-
articulares da doença.
Diversos mecanismos de ação são descritos, incluindo redução da resposta celular (e menos
efetivamente da humoral) e propriedades antiinflamatórias (interferência sobre a migração e a ação
de neutrófilos, linfócitos e monócitos).
Os imunossupressores devem ser utilizados nas formas mais severas da artrite reumatoide,
já que a maioria dessas drogas apresenta considerável toxicidade (mielossupressão grave, aumento
da ocorrência de infecções, esterilidade, toxicidade vesical, aumento da ocorrência de neoplasias).
1. Azatioprina
Embora tenha um perfil de segurança aceitável, há controvérsias sobre sua ação como
DMARD. A dose habitual é de 2 a 3 mg/kg/dia. É usada no tratamento de formas moderadas a
severas da artrite reumatoide, refratárias a outros tratamentos ou para controle de manifestações
extra-articulares graves, como a vasculite.
2. Ciclofosfamida e clorambucil
Agentes alquilantes com perfil de toxicidade desfavorável e limitado benefício para controle
da sinovite. A ciclofosfamida pode ser usada por via oral (1 a 2 mg/kg/dia) ou intravenosa (pulsos
de 0,5 a 1 g/m2 de superfície corpórea) e o clorambucil, por via oral (2 a 6 mg/dia). Seu uso só se
justifica nas formas extra-articulares graves, sobretudo na vasculite.
3. Ciclosporina
A ciclosporina é um agente efetivo no controle das manifestações articulares e pode retardar
a progressão do dano articular mesmo em pacientes com artrite reumatoide grave e refratária a
outros tratamentos. Pode ser usada em monoterapia, mas é geralmente prescrita em associação
(com o metotrexato ou a leflunomida, por exemplo).
O mecanismo de ação proposto é de uma ação imunomoduladora, relativamente específica
para os linfócitos T.
É prescrita por via oral, sendo a dose utilizada de 3 a 5 mg/kg/dia. As limitações ao uso da
ciclosporina incluem seu alto custo, potencial de causar ou agravar hipertensão arterial sistêmica,
toxicidade renal e necessidade de monitoração frequente.
Coluna de ImunoadsorçãoUma coluna de imunoadsorção (Prosorba) foi aprovada para tratamento da artrite reumatoide.
Preconiza-se trocas semanais por um período inicial de 12 semanas. Apenas uma minoria dos
pacientes responde a este tratamento, e os efeitos colaterais incluem risco de tromboflebite,
tromboembolismo e síncope, o que limita muito sua utilização.
Agentes Modificadores da Resposta BiológicaUm dos mais notáveis avanços recentes em termos de terapia na artrite reumatoide foi o
desenvolvimento dos agentes modificadores da resposta biológica (agentes biológicos). Embora
essas drogas pareçam ser hoje as medicações mais efetivas no controle da artrite reumatoide, ainda
são necessários estudos de segurança a longo prazo.
Atualmente, os agentes biológicos mais utilizados são os antagonistas do fator de necrose
tumoral alfa (anti-TNF-alfa). O TNF-alfa é uma potente citocina inflamatória expressa em grandes
quantidades no soro e no líquido sinovial de indivíduos com artrite reumatoide. Ela promove a
liberação de outras citocinas inflamatórias, particularmente as interleucinas IL-1, IL-6 e IL-8 e
estimula a produção de proteases. A inibição dessa citocina demonstrou ser uma forma efetiva e
rápida de controlar a atividade da doença.
Três anti-TNF-alfa estão disponíveis para uso clínico: infliximabe, etanercepte e
adalimumabe. Seu mecanismo de ação está sumarizado na Figura 2. Eles são geralmente
prescritos em associação ao metotrexato.
1. Infliximabe
É um anticorpo monoclonal anti-TNF-alfa quimérico (humano/murino) que se liga ao TNF-alfa
solúvel ou ligado à membrana. Sua administração é intravenosa (3 a 5 mg/kg/dose), realizando-se,
após a infusão inicial, novas infusões na segunda e sexta semanas e a partir daí a cada 8 semanas.
A dose pode ser aumentada (até 10 mg/kg) e o intervalo de infusão reduzido (a cada 4 semanas),
caso não haja resposta satisfatória.
2. Etanercepte
É um receptor solúvel humano para o TNF-alfa, capaz de se ligar ao TNF-alfa circulante ou
ligado às células. É utilizado em aplicações subcutâneas na dose de 50 mg/semana.
3. Adalimumabe
É um anticorpo humanizado contra o TNF-alfa, prescrito para aplicação subcutânea na dose
de 40 mg quinzenalmente.
Figura 2: Mecanismo de ação dos agentes anti-TNF-alfa no tratamento da artrite reumatoide.
Infliximabe: anticorpo monoclonal anti-TNF-alfa quimérico (humano/murino); etanercepte: receptor
solúvel humano para o TNF-alfa; adalimumabe: anticorpo humanizado contra o TNF-alfa.
Todos os agentes são eficazes em controlar as manifestações articulares e deter a
progressão radiológica da doença, embora possa haver falha terapêutica, sobretudo com o
tratamento continuado, em até 30 a 40% dos pacientes. A falha de um agente anti-TNF-alfa não
prediz necessariamente ausência de resposta à outra droga da mesma classe.
Alguns dos efeitos colaterais possíveis incluem reações infusionais (rash, hipotensão, prurido,
reação anafilática), aumento da ocorrência de infecções, sendo mais notável a tuberculose, doenças
desmielinizantes, insuficiência cardíaca, ocorrência de fenômenos auto-imunes e um questionável
aumento da incidência de neoplasias sólidas e hematológicas.
É necessário avaliar adequadamente os pacientes antes do início dos agentes biológicos e
realizar acompanhamento clínico e laboratorial rigoroso, para prevenir ou detectar e tratar
precocemente as complicações. A profilaxia/tratamento da tuberculose deve ser realizada em casos
selecionados, sendo que todos os pacientes devem ser submetidos ao teste tuberculínico e à
radiografia de tórax antes do início do tratamento com terapia anti-TNF-alfa, seguindo o algoritmo
preconizado pela Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Outro fator a ser considerado, especialmente em nosso meio, é o alto custo dessas
medicações. São necessárias maiores análises de fármaco-economia, incluindo custo-efetividade,
custo-utilidade e custo-benefício desta terapia.
Outras terapias biológicas em utilização incluem anticorpos contra a IL-1 (anakinra),
antilinfócitos B (rituximabe), anti-CTLA-4 (abatacepte) e anti-IL-6 (toclizumabe).
Não há consenso formal sobre a sequência de introdução das medicações, sendo esta
variável de acordo com a gravidade do caso e a resposta obtida. O Algoritmo 1 mostra uma
possível abordagem terapêutica farmacológica para o tratamento da artrite reumatoide.
Algoritmo 1: Tratamento farmacológico da artrite reumatoide.
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FT: falha terapêutica (com doses máximas, após 8 a 12 semanas).
Modificado de Cardiel et al.
Terapia Física e ReabilitaçãoÉ importante saber a indicação precisa do repouso terapêutico e de programas de exercício
no tratamento da artrite reumatoide.
Durante as fases de atividade da doença, o repouso contribui para a redução do processo
inflamatório, devendo-se estar atento, porém, para a possibilidade de complicações como rigidez
articular e deformidades em flexão.
Os meios físicos podem ser utilizados como adjuvantes no controle da dor, da contratura
muscular e da rigidez da articulação.
Já a cinesioterapia pode incluir exercícios passivos, nas fases iniciais, e exercícios ativos,
isométricos e/ou isotônicos. A finalidade destes programas de exercício é garantir a manutenção ou
ganho da amplitude de movimento articular, fortalecimento e alongamento muscular.
Terapia OcupacionalO uso de órteses de repouso (para punhos, por exemplo) previne a ocorrência de contraturas
em flexão.
Adaptações nos ambientes doméstico e de trabalho auxiliam na preservação da
independência do indivíduo com limitações pela artrite reumatoide.
CirurgiasO tratamento cirúrgico bem indicado contribui para a melhora da função, mobilidade, controle
da dor e qualidade de vida do paciente com artrite reumatoide. É importante que a indicação
cirúrgica seja precoce, tanto para as cirurgias preventivas quanto para as curativas.
Os procedimentos cirúrgicos incluem, entre outros: sinovectomia, liberação de neuropatias
compressivas (p.ex., túnel do carpo), reparo e transferência de tendões, artroplastia total e
estabilização de vértebras cervicais instáveis.
Terapias Alternativas ou ComplementaresPacientes com doenças crônicas, como é o caso da artrite reumatoide, frequentemente
buscam terapias alternativas, algumas vezes em detrimento do tratamento tradicional. Essas
terapias incluem dietas, meditação, biofeedback, acupuntura, massagens, quiropraxia, homeopatia,
entre outras. Na maioria das vezes, faltam estudos científicos sobre a segurança e a eficácia destes
tratamentos.
O paciente deve ser orientado a sempre consultar o seu médico antes do início de uma
dessas terapias. Ao médico, cabe avaliar se o pretendido tratamento alternativo pode induzir algum
dano ao paciente e orientá-lo no sentido de que tais métodos não devem substituir a terapia
tradicional para a artrite reumatoide.
Tratamento das Manifestações Extra-articulares da Artrite Reumatoide
O tratamento da maioria das manifestações extra-articulares graves da artrite reumatoide
(vasculite reumatoide, esclerite, alguns subtipos histológicos da doença intersticial pulmonar,
serosite recalcitrante) inclui corticoides sistêmicos (orais ou venosos) e imunossupressores,
incluindo ciclofosfamida, ciclosporina e azatioprina.
Transplante de Células AutólogasAté o momento, faltam dados conclusivos para referendar o papel do transplante de células-
tronco hematopoiéticas como indutor de remissão prolongada na artrite reumatoide do adulto. Como
a toxicidade e a mortalidade associada ao procedimento ainda são significativas, o transplante fica
reservado para formas graves, com múltiplas manifestações extra-articulares, refratária aos
tratamentos instituídos e com risco de óbito.
PROGNÓSTICOA progressão da artrite reumatoide é bastante variável, não havendo estatísticas precisas.
Descrevem-se desde formas muito leves ou subclínicas, com remissão espontânea, muitas vezes
não diagnosticadas (cerca de 10%) até formas rapidamente progressivas e mutilantes (10 a 15%). A
maioria dos pacientes apresenta uma evolução intermediária, com episódios de exacerbação
intercalados por períodos de relativa inatividade, evoluindo com perda funcional progressiva.
Fatores que sugerem um pior prognóstico articular e funcional incluem início precoce ou
tardio da doença, grande número de articulações envolvidas, marcadores inflamatórios
persistentemente alterados, altos títulos de fator reumatoide, presença de nódulos reumatoides e
aparecimento precoce de erosões radiológicas. A procura por outros marcadores de prognóstico,
incluindo estudos genéticos, é atualmente um vasto campo de pesquisa.
O afastamento temporário ou definitivo do trabalho é uma consequência grave da artrite
reumatoide, com sérias repercussões para o indivíduo e para a sociedade. Já durante o primeiro
ano dos sintomas, descreve-se que até 30% dos pacientes são afastados das atividades laborais,
cifra que sobe para cerca de 60% após 5 anos de doença.
Numerosos estudos nos últimos anos demonstraram o aumento da mortalidade em
decorrência da artrite reumatoide. Pacientes com formas graves têm sua sobrevida reduzida em 10
a 15 anos, em média. As causas de morte incluem doença cardiovascular, infecções, doenças
pulmonar e renal, doenças linfoproliferativas e sangramento gastrintestinal.
TÓPICOS IMPORTANTES A artrite reumatoide é uma doença com elevada morbimortalidade, e o retardo no
diagnóstico e tratamento adequados pode levar a evolução para formas graves e
incapacitantes.
O pannus é um tecido granulomatoso que invade e destrói os tecidos cartilaginoso e
ósseo, sendo o responsável pela destruição articular na artrite reumatoide.
As principais características clínicas da artrite reumatoide são acometimento poliarticular,
artrite de mãos, artrite simétrica, artrite cumulativa ou aditiva e rigidez matinal.
O acometimento das IFD é útil para diferenciar artrite reumatoide de outras condições,
como osteoartrose e artrite psoriática, uma vez que é raro na artrite reumatoide.
As manifestações extra-articulares são mais frequentes em pacientes com doença grave e
poliarticular, com FR positivo e com nódulos reumatoides.
Provas de atividade inflamatória (particularmente VHS e PCR) são usadas como parâmetro
para avaliar atividade inflamatória e resposta terapêutica.
O fator reumatoide não é um exame com sensibilidade e especificidade elevadas para
diagnóstico de artrite reumatoide. Desta forma, negatividade do FR não exclui o
diagnóstico de artrite reumatoide e sua positividade deve ser cuidadosamente interpretada
de acordo com os achados clínicos.
A variação dos títulos de FR não serve como marcador de atividade da doença, não
havendo necessidade de dosagens repetidas durante o acompanhamento da doença.
Níveis elevados de FR associam-se à doença agressiva, presença de nódulos reumatoides
e manifestações extra-articulares.
Recentemente, os anticorpos contra peptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP)
demonstraram maior aplicabilidade clínica do que o FR. Trata-se de um exame com
elevada sensibilidade (81%) e especificidade (até 98% - ELISA II) para artrite reumatoide,
sendo útil para o diagnóstico sobretudo no subgrupo de pacientes com artrite em fase
inicial e FR negativo. Sua pesquisa é útil na investigação de artrites inflamatórias
indiferenciadas e parece agregar valor prognóstico adicional ao FR.
O diagnóstico de artrite reumatoide pelos critérios da ACR necessita de pelo menos 4 dos
7 critérios (Tabela 4) por pelo menos 6 semanas.
Os AINH devem, idealmente, ser utilizados para controle sintomático, devendo ser
descontinuados assim que possível, em virtude de sua toxicidade.
O uso contínuo de corticoides deve ser evitado, recomendando-se sua utilização
temporária enquanto se aguarda o início de ação dos DMARD.
DMARD efetivo deve reduzir a incidência de erosões e dano articular, controlar a sinovite
ativa e reduzir os sintomas.
Embora os agentes modificadores da resposta biológica pareçam ser, atualmente, as
drogas mais efetivas no controle da artrite reumatoide, são drogas de custo elevado e
ainda são necessários estudos de segurança a longo prazo.
A artrite reumatoide permanece hoje como uma doença crônica, com potencial de dano
ósseo e cartilaginoso irreversíveis, acarretando altos custos para o indivíduo acometido e para a
sociedade.
É inegável que a compreensão da fisiopatogenia da artrite reumatoide, seus métodos
diagnósticos e manejo terapêutico sofreram consideráveis avanços nos últimos anos. Apesar desses
avanços, no entanto, os indicadores diagnósticos e prognósticos atuais (clínicos, laboratoriais e
radiológicos) têm valor restrito para o diagnóstico precoce e estabelecimento de prognóstico
individual, o que limita os benefícios terapêuticos.
É possível que a evolução nos conhecimentos de etiopatogênese, redundando no
desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, com maior sensibilidade e especificidade, e no
surgimento de terapias mais específicas, torne possível a redução do dano estrutural e limite os
impactos sociais e econômicos da artrite reumatoide.
Compreender, sobretudo, as relações entre fatores genéticos e a suscetibilidade à doença e
sua gravidade pode permitir um tratamento individualizado para a doença. Assim, podemos esperar
que, em um futuro próximo, com tratamento precoce, adequado e individualizado, a evolução
esperada da artrite reumatoide seja a remissão.
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