Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
1 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
INTRODUÇÃO ao tratado sobre os princípios
do conhecimento humano, de Berkeley
PARÁGRAFOS 1 A 16
ARGUMENTANDO COM
TAUTOLOGIAS – PERCEBER É
PERCEBER O SIDO
Harry Edmar Schulz
Texto iniciado em Novembro de 2012
Texto concluido em Dezembro de 2012
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
2 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Nota Explicativa
Este texto contém resumos e comentários dos
primeiros dezesseis parágrafos da Introdução do Tratado
sobre os Princípios do Conhecimento Humano, de George
Berkeley.
A presente elaboração representa um primeiro
ensaio acerca tanto do desenvolvimento dogmático do texto
como de seu entorno genético. O discurso do autor,
apontando para os erros de seus iguais na dificuldade de
entendimento da natureza das coisas (nas palavras do autor
mencionado), apresentando as suas contraposições, mostra
uma personalidade segura de suas idéias ou, pelo menos, da
posição que ocupa para expor suas idéias. Esta situação
surge como potencialmente interessante ao projeto
Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas
exatas.
Os resumos aqui contidos são colocados com o
intuito de deixar mais claros os comentários efetuados.
Esses resumos não são opinativos e constituem uma leitura
dogmática. Vale mencionar que a leitura genética
(histórica) foi feita em conjunção com a leitura dogmática
(filosófica), mas pretendeu-se efetuar as contestações
históricas apenas nos comentários aqui apresentados. Essa
contestação é feita em separado porque crê-se que a
objetividade das áreas exatas pede esse tipo de condução,
considerando o contexto da composição mista adotada
(dogmática e genética).
Adicionalmente, lembra-se aqui que toda leitura
apenas é possível em havendo o objeto a ler (concebido
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segundo um questionamento). O objeto lido, por usa vez,
reflete realidades de época. Para a presente leitura este
iniciante está envolto pelas influências de sua própria época
(presente), as quais talvez ele próprio não consiga avaliar
em detalhes. Assim, sempre haverá um valor intrínseco
tanto na obra como na leitura, ainda que uma, ou outra, ou
as duas, se mostrem afetadas pelo seu entorno, porque pelo
menos se terá aprendido algo dessas épocas ou de seus
protagonistas.
Foi perguntado a este iniciante se era lícito
questionar eventuais conclusões de obras relevantes, que se
remetiam a problemas de época.
Esse iniciante respondeu que, até onde entendia,
sendo problemas de época, suas conclusões poderiam ser
conclusões válidas para determinadas condições, mais
prevalentes talvez naquela época. Por outro lado, apenas
questionando é que se poderia avançar para além dos
contornos, ou mesmo compreender a razão de sua
imposição. No sentido entendido pelo iniciante, isto talvez
seria uma tentativa de avançar no conhecimento daquilo
que foi discutido por um ou outro autor, considerando a
base fornecida pelo próprio autor. Interessantemente, o
“avançar do conhecimento” (ainda que não tenha sido
definido o que seja conhecimento) é uma proposta que não
parece ser compreendida, uma vez que se sentiu uma defesa
bastante intensa daquilo que seriam os contornos assumidos
pelos diferentes autores.
Provavelmente os eventuais enganos residem
neste iniciante. Mas vale mencionar: este iniciante se
admite reconhecer seus enganos onde eles se apresentarem,
e evoluir a partir deles.
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Para comparações ou comentários, por favor
entrar em contato com o presente autor, através de
[email protected], ou [email protected].
Harry Edmar Schulz
São Carlos, 25 de Novembro de 2012 Projeto: Humanização como ferramenta de
de aumento de interesse nas exatas
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Sumário Nota Explicativa...............................................................(2)
Os Prolegômenos Genéticos – Felizmente Apenas
História (ou Equilibrando Geneticismo
e Dogmatismo)..................................................................(7)
1 – Primeiro parágrafo: ...........................................(11)
2 – Segundo parágrafo:.............................................(13)
3 - Terceiro parágrafo:..............................................(15)
4 - Quarto parágrafo.................................................(17)
5 - Quinto parágrafo:................................................(18)
6 – Sexto parágrafo:..................................................(19)
7 – Sétimo parágrafo:................................................(23)
8 – Oitavo parágrafo:................................................(25)
9 – Nono parágrafo:...................................................(27)
Aposto aos primeiro nove parágrafos:.........................(31)
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10 – Décimo parágrafo: ..........................................(32)
11 – Décimo-primeiro parágrafo:............................(35)
12 – Décimo-segundo parágrafo:.............................(41)
13 – Décimo-terceiro parágrafo:.............................(44)
14 – Décimo-quarto parágrafo:..............................(47)
15 – Décimo-quinto parágrafo:...............................(51)
16 – Décimo-sexto parágrafo:.................................(53)
Aposto aos parágrafos décimo a décimo-sexto:..........(58)
17 – Nota final:.........................................................(60)
18 - Referência Bibliográfica:.................................(61)
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Objeto de estudo: Introdu-
ção do Tratado sobre os
Princípios do Conhecimento
Humano.
Autor: George Berkeley.
Os Prolegômenos Genéticos –
Felizmente Apenas História.
(ou Equilibrando Geneticismo e Dogmatismo)
George Berkeley nasceu em 1685. A Europa
vivia o aporte das riquezas do novo mundo. Além mar as
sociedades desse novo mundo estavam experimentando os
horrores dogmáticos de uma “civilização” europeia, que se
apropriava do que via com os direitos auferidos pela
instituição da igreja, soberana sobre todos os reinos. Ou
pela subserviência “devida” ao único Deus, ou pela heresia
por adorar outros Deuses, não havia forma de não se
submeter.
Berkeley lecionou hebraico, grego e teologia,
voltando-se ao estudo da filosofia. Em 1710, portanto aos
25 anos, publicou o texto motivador do presente opúsculo.
Sua frase ser é ser percebido (esse est percipi) ganhou o
mundo. Esta frase se estabeleceu em uma época em que a
discussão acerca da possibilidade de conhecermos o que
nos cerca estava no cerne daquilo que se considerava
relevante para o “conhecimento”. Note-se que se estava em
uma Europa retrógada, violenta, sujeita à vontade de
poucos que se auferiam o direito de julgar a maioria. As
riquezas do novo mundo tinham acabado de permitir a
renascença (assim como as riquezas concentradas na Grécia
e em Roma tinham permitido o “primeiro nascimento”,
termo que me permito usar, devido à semelhança das
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situações de exploração do homem pelo homem que
levaram ao “florescimento” do pensamento nessas duas
épocas). Sem parâmetros para relativizar, ou sem vontade
de fato para fazê-lo, esse ambiente é o “tudo” no qual a
Europa se desenvolvia.
Berkeley era ministro da Igreja Anglicana.
Estava, portanto, amparado por uma das vertentes da
instituição da igreja que tinha se estabelecido na Inglaterra
para garantir o poder do monarca local e de uma eventual
linha sucessória do próprio. Em Londres escreveu uma série
de artigos contra os livre-pensadores. Note-se que a
liberdade do pensamento é vista como um direito destinado
a poucos. Havia os que podiam publicar seus pensamentos
e havia os que eram criticados, na época, por representantes
do poder “sacro (?)”, algo que tinha uma conotação ainda
assustadora, considerando as execuções doentias das
décadas precedentes, vinculadas aos tribunais seculares.
Berkeley assumiu uma postura de crítico
religioso. Lançou-se à polêmica religiosa, atribuindo todos
os males de seu país à incredulidade. Vale mencionar que,
no presente texto, estamos colocando o ambiente geral
momentâneo de uma Europa e de uma Inglaterra (ou um
reino unido) em evolução. Entende-se aqui que o ser
humano evolui em suas observações acerca do mundo, e
que opiniões podem ser sujeitas à revisão. Assim, de 1732 a
1734 Berkeley escreveu “O analista: ou um discurso
destinado a um matemático infiel” (título bastante
sugestivo), uma obra na qual o autor critica Newton e o
cálculo diferencial e integral (desenvolvido por Newton e
Leibniz), muito mais porque, limitado por sua própria
opinião, não consegue aceitar um mundo mecanicista. Seus
historiadores lhe são complacentes, e esclarecem que essas
críticas fizeram com que os matemáticos revissem os
fundamentos do cálculo diferencial e integral. Aqui vale
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9 São Carlos, 2012.
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fazer um aposto: as ciências práticas se auto-corrigem (são
corrigidas pelos cientistas que se sucedem). Princípios
físicos ou matemáticos são enunciados e são entendidos
como sujeitos aos contornos do conhecimento daquele
momento, admitindo-se sua evolução (o que, segundo as
observações do presente iniciante, não parece ser uma
postura “eminentemente” filosófica – mas, friso, também
me permito evoluir). Assim, vale lembrar que uma crítica
emitida por algum representante da casta dominante sempre
é vista com cuidado na época em que é emitida, o que pode
levar a comentários de aquiescência, mas não
necessariamente leva a reconduções conceituais de um
conhecimento que se mostra útil e prático. Em suma, com
ou sem Berkeley o cálculo diferencial e integral teria se
imposto, revendo-se e corrigindo-se, de acordo com a
absorção e modificação dos conceitos pelas gerações
sucessivas de cientistas e matemáticos. Tendo criticado
anteriormente outros livre-pensadores, Berkeley gera ainda
o texto “Uma defesa do livre pensamento em matemática”,
o que talvez mostre uma posição arbitrária naquela época e
lugar acerca de quem pode e quem não pode pensar
“livremente”. Seus trabalhos “profundos” em matemática e
na filosofia em geral lhe abriram o espaço para, ainda em
1734, ser nomeado bispo de Cloyne, na Irlanda. Contava
então com 49 anos.
Seus conhecimentos em farmácia (eventualmente
conheci-mentos práticos) fizeram com que, durante a fome
e a epidemia de peste entre 1737 e 1741, Berkeley tenha se
ocupado com os doentes (frisa-se que esta postura é aqui
sinceramente enaltecida, porque o sofrimento humano deve
ser motivo de preocupação por aqueles que governam, ou
lideram, ou simplesmente dominam), tentando curá-los com
água de alcatrão (os métodos, todavia, podem ser
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10 São Carlos, 2012.
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discutíveis, mas sempre estarão refletindo os usos de um
aépoca).
Berkeley faleceu em 1752, aos 67 anos.
No tocante ao desenvolvimento das idéias
humanas relativas à natureza que nos cerca, vale lembrar
que o embate entre os conceitos dogmáticos e os conceitos
práticos possui conotações de domínio e manutenção de
poder. Estabelecer uma verdade como dogma, sem a
necessidade de prova que não seja o próprio entendimento
dos raciocínios que levam ao dogma, é mais útil (sim, útil –
não queiramos ser ingênuos) ao detentor do poder (dogma
segundo a conotação usual de ser considerado um ponto
fundamental e indiscutível de uma crença ou de uma
doutrina). O sistema que aponta esta verdade se sustenta a
si mesmo, não importando o mundo em volta, do qual se
diz que apenas de forma imperfeita conseguimos ter alguma
informação. A perfeição está no sistema! Esta postura é
conveniente para qualquer conceito que permita o alcance
ou a manutenção do poder. Nesse contexto, é interessante
lembrar que a época aqui retratada tinha visto, em 1633,
Galileu ser acusado de suspeito de heresia, uma realidade
que se manteve até 1983, 350 anos depois, quando foi
absolvido. Nessas situações, pensar livremente (de fato)
pode ser perigoso. Felizmente, tudo isso é apenas história.
(Parte das informações aqui apresentadas
encontram-se na Wikipedia, em diferentes verbetes
vinculados a Berkely).
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1 – Primeiro Parágrafo:
1 Português - A Filosofia, nada mais sendo que
o estudo da sabedoria e da verdade, pode com razão levar à
expectativa de que aquele que gasta mais tempo e
sofrimento nela deve desfrutar de uma maior tranquilidade
e serenidade da mente, uma maior clareza e evidência de
conhecimentos, e ser menos perturbado com dúvidas e
dificuldades do que outros homens. E assim é, vemos os
iletrados da humanidade que seguem a rodovia do senso
comum, e são regidas pelos ditames da natureza, sendo fácil
e imperturbado para a maior parte. Para eles, nada do que é
familiar aparece inexplicável ou difícil de compreender.
Eles não se queixam de qualquer falta de provas
(necessidade de evidência) em seus sentidos, e estão fora de
todo o perigo de se tornar céticos. Mas assim que nos
afastamos do senso comum e dos sentidos para seguir a luz
de um princípio superior, para raciocinar, meditar e refletir
sobre a natureza das coisas, milhares de escrúpulos
(dúvidas) crescem em nossas mentes a respeito dessas
coisas que antes pareciam totalmente compreendidas.
Preconceitos e erros de sentido (julgamento) de todas as
partes descobrem-se para nossa visão, e, esforçando-nos
para corrigir isso pela razão, estamos insensivelmente
sendo arrastados para paradoxos grosseiros, dificuldades e
inconsistências, que se multiplicam e crescem sobre nós à
medida que avançamos na especulação, até que, tendo
vagado por muitos labirintos intrincados, nós nos
encontramos exatamente onde estávamos, ou, o que é pior,
“sentados” (abandonados) em um ceticismo desesperado
(tradução nossa).
1 Inglês - Philosophy being nothing else but the
study of wisdom and truth, it may with reason be expected
that those who have spent most time and pains in it should
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enjoy a greater calm and serenity of mind, a greater
clearness and evidence of knowledge, and be less disturbed
with doubts and difficulties than other men. Yet so it is, we
see the illiterate bulk of mankind that walk the high-road of
plain common sense, and are governed by the dictates of
nature, for the most part easy and undisturbed. To them
nothing that is familiar appears unaccountable or difficult to
comprehend. They complain not of any want of evidence in
their senses, and are out of all danger of becoming Sceptics.
But no sooner do we depart from sense and instinct to
follow the light of a superior principle, to reason, meditate,
and reflect on the nature of things, but a thousand scruples
spring up in our minds concerning those things which
before we seemed fully to comprehend. Prejudices and
errors of sense do from all parts discover themselves to our
view; and, endeavouring to correct these by reason, we are
insensibly drawn into uncouth paradoxes, difficulties, and
inconsistencies, which multiply and grow upon us as we
advance in speculation, till at length, having wandered
through many intricate mazes, we find ourselves just where
we were, or, which is worse, sit down in a forlorn
Scepticism.
HES - Berkeley introduz inicialmente a falsa idéia
de que o estudioso possui mais certeza sobre as coisas do
que os iletrados. Esses últimos dificilmente se vêem em
uma situação de questionamento que os conduziria ao
ceticismo. Mas o estudioso, ao se afastar do senso comum
para raciocinar sobre a natureza das coisas, passa a ter
dúvidas. Os preconceitos e erros acumulam-se, levando a
incongruências, que podem tornar céticos esses letrados.
(Moto do parágrafo: crenças usuais sobre os
estudiosos e dúvidas que neles despontam)
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Comentário HES – O parágrafo nos coloca diante de
uma descrição de época. Há uma distinção estabelecida
entre o iletrado e o culto, utilizada para expor que o
primeiro não se envolve com ambiguidades “existenciais”,
as quais despontam no segundo. O que é a realidade da
época? A subserviência ao monarca local e a Deus, ou antes
aos seus representantes na Terra. Há a impossibilidade de
um questionamento aberto, o que, evidentemente, cria uma
maioria calada, submissa a uma minoria que dita aquilo que
pode ser dito. Esse retrato de época surge na tão natural
menção aos iletrados. Não se diz aqui que Berkeley os
desconsidera, mas apenas que ele os descreve segundo os
moldes descritos por outros, nessa época. Em outros
termos, Berkeley é a ponte entre o seu texto e a sua época.
2 – Segundo Parágrafo:
2 Português - Supõe-se que a causa disso seja a
obscuridade das coisas, ou as naturais fraquezas e
imperfeições do nosso entendimento. Diz-se: as faculdades
que temos são poucas, e projetadas pela natureza para o
suporte e conforto da vida, e não para penetrar na “essência
interior” e na constituição das coisas. Além disso, sendo a
mente do homem finita, quando trata de coisas que
participam do infinito, não é de admirar que incorra em
absurdos e contradições, dos quais é impossível que ela
venha a libertar-se, sendo da natureza do infinito não ser
compreendido por aquilo que é finito (tradução nossa).
2 Inglês - The cause of this is thought to be the
obscurity of things, or the natural weakness and
imperfection of our understandings. It is said, the faculties
we have are few, and those designed by nature for the
support and comfort of life, and not to penetrate into the
inward essence and constitution of things. Besides, the
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mind of man being finite, when it treats of things which
partake of infinity, it is not to be wondered at if it run into
absurdities and contradictions, out of which it is impossible
it should ever extricate itself, it being of the nature of
infinite not to be comprehended by that which is finite.
HES - Berkeley menciona as causas geralmente
apontadas para as nossas incertezas (dúvidas) como estando
na obscuridade das coisas, na imperfeição de nosso
entendimento, na carência de faculdades (as que temos são
vinculadas a nossa sobrevivência e bem estar), não estando
nós constituídos para entender as coisas detalhadamente.
Adicionalmente, somos finitos, o que nos impede de
entender o infinito.
(Moto do parágrafo: usual designação das causas
das dificuldades)
Comentário HES – O autor descreve, neste
parágrafo, a concepção de outros autores (anteriores ou da
própria época) que se ocupavam do entendimento da
natureza das coisas, acerca da causa de nossas dificuldades.
A imperfeição humana, a finitude humana, despontam
como causas na argumentação de terceiros. Mais uma vez
forma-se um pano de fundo, um reflexo de época. Auto
imolar-se, reconhecer-se limitado diante de uma grandeza
infinita ou divina, submeter-se a Deus (ou a seus
representantes) mostrava uma predisposição a aceitar o
domínio daquilo que era considerado divino. Não explicar
utilizando o artifício do “inexplicável divino” é uma forma
de não se comprometer com idéias que possam ser
consideradas, posteriormente, inadequadas ao divino.
Berkeley não defende esse pano de fundo (pelo menos não
neste parágrafo), mas deve-se lembrar que ele representa o
lado dominante. No quadro da época, ele ainda está
escrevendo seus artigos contra os livres-pesadores.
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3 – Terceiro Parágrafo:
3 Português - Mas, talvez, sejamos demasiado
parciais para conosco mesmos ao colocar a culpa
originalmente em nossas faculdades, e não, ao invés disso,
no mau uso que fazemos delas. É uma coisa difícil de supor
que deduções corretas derivadas de princípios verdadeiros
devam terminar em conseqüências que não possam ser
mantidas ou tornadas consistentes. Nós devemos crer que
Deus tratou mais generosamente os filhos dos homens do
que dar-lhes um forte desejo para aquele conhecimento que
ele teria colocado fora de seu alcance. Isso não seria
coincidente aos habituais métodos indulgentes da
Providência, que, qualquer que sejam os apetites que tenha
implantado nas criaturas, geralmente forneceu-lhes meios
que, se bem usados, não falharão em satisfazê-las. Ao todo,
eu estou inclinado a pensar que a maior parte, se não todas,
dessas dificuldades que até agora divertiu os filósofos, e
bloqueou o caminho para o conhecimento, é inteiramente
devida a nós mesmos - que primeiramente levantamos a
poeira e depois reclamamos que não podemos ver (tradução
nossa).
3 Inglês - But, perhaps, we may be too partial to
ourselves in placing the fault originally in our faculties, and
not rather in the wrong use we make of them. It is a hard
thing to suppose that right deductions from true principles
should ever end in consequences which cannot be
maintained or made consistent. We should believe that God
has dealt more bountifully with the sons of men than to give
them a strong desire for that knowledge which he had
placed quite out of their reach. This were not agreeable to
the wonted indulgent methods of Providence, which,
whatever appetites it may have implanted in the creatures,
doth usually furnish them with such means as, if rightly
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made use of, will not fail to satisfy them. Upon the whole, I
am inclined to think that the far greater part, if not all, of
those difficulties which have hitherto amused philosophers,
and blocked up the way to knowledge, are entirely owing to
ourselves- that we have first raised a dust and then
complain we cannot see.
HES - Berkeley lança a idéia de que fazemos mau
uso das nossas faculdades. Não parece correto que boas
deduções levem a inconsistências e que Deus nos daria o
desejo de um conhecimento inalcançável. Isto não é
corroborado pela ação da providência, que permite
satisfazer todos os apetites das criaturas. Nós é que, na
opinião de Berkeley, geramos as dificuldades e não
conseguimos sair delas.
(Moto do parágrafo: dificuldades do conhecimento
causadas por nós mesmos)
Comentário HES – O parágrafo tangencia o sensato.
Em se admitindo a existência de um ser superior, uma
providência, qual seria o sentido de criar expectativas
inatingíveis nos seres inferiores? A sequência é mais
pragmática: criamos idiotices e não sabemos como nos
desvencilhar delas depois. Essa linha de raciocínio é
aprazível ao leitor. Tanto mais aprazível seria se fosse dada
vazão à indicação de mais idiotices subjacentes, nas quais
as espirais de pensamentos se enovelam em questões que se
retroalimentam, gerando um eterno círculo vicioso que
alimenta um imenso número de frases de efeito sem
nenhum sentido que não seja o estético. Mas isso é a
opinião deste iniciante, datada 302 anos após o texto de
Berkeley.
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4 – Quarto parágrafo:
4 Português - Meu objetivo, portanto, é tentar
descobrir quais são esses Princípios que introduziram toda
essa dúvida e incerteza, esses absurdos e contradições, nas
várias seitas (escolas) da filosofia, de maneira que os
homens mais sábios apontaram nossa ignorância como
incurável, concebendo-a como surgindo da estupidez
natural e limitação de nossas faculdades. E, certamente, é
um trabalho muito merecedor dos nossos sofrimentos, fazer
um inquérito rigoroso sobre os Primeiros Princípios do
Conhecimento Humano, para peneirá-los e examiná-los de
todos os lados, especialmente porque podem haver algumas
razões para suspeitar que esses obstáculos (eventualmente:
liberdades ou abusos) e dificuldades, que permanecem e
embaraçam a mente em sua busca da verdade, não brotam
de qualquer escuridão e complexidade nos objetos, ou de
um defeito natural na compreensão, ou ainda de falsos
Princípios sobre os quais se insistiu, tendo isso podido ser
evitado (tradução nossa).
4 Inglês - My purpose therefore is, to try if I can
discover what those Principles are which have introduced
all that doubtfulness and uncertainty, those absurdities and
contradictions, into the several sects of philosophy;
insomuch that the wisest men have thought our ignorance
incurable, conceiving it to arise from the natural dulness
and limitation of our faculties. And surely it is a work well
deserving our pains to make a strict inquiry concerning the
First Principles of Human Knowledge, to sift and examine
them on all sides, especially since there may be some
grounds to suspect that those lets and difficulties, which
stay and embarrass the mind in its search after truth, do not
spring from any darkness and intricacy in the objects, or
natural defect in the understanding, so much as from false
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Principles which have been insisted on, and might have
been avoided.
HES - Berkeley coloca o seu objetivo na elaboração
desse texto, que é a busca dos princípios geradores das
dúvidas e absurdo, os quais fizeram com que sábios nos
apontassem como ignorantes incuráveis. O trabalho tem
mérito, considerando que podem haver outras causas para
essas dificuldades, confusões, do que algo complexo nos
próprios objetos, do nosso entendimento defeituoso, além
de princípios falsos que poderiam ter sido evitados.
(Moto do parágrafo: o objetivo de Berkeley é
apresentado, considerando que as causas apontadas
anteriormente podem não ser aquelas que empanam o nosso
entendimento)
Comentário HES – Nesse parágrafo Berkeley
anuncia a que veio. De forma rebuscada, novamente remete
às dificuldades apontadas por autores precedentes,
propondo uma busca de princípios por ele definidos.
5 – Quinto parágrafo:
5 Português - Mesmo parecendo difícil e
desanimadora esta tentativa neste momento, quando eu
considero quantos grandes e extraordinários homens
abraçaram antes de mim tais projetos, ainda assim possuo
alguma esperança - sobre a consideração de que as visões
mais amplas nem sempre são as mais claras, e que aquele
que é míope é obrigado a trazer o objeto para mais perto, e
pode, talvez, por uma pesquisa próxima e estreita, discernir
o que tinha escapado de olhos muito melhores (tradução
nossa).
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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
5 Inglês - How difficult and discouraging soever this
attempt may seem, when I consider how many great and
extraordinary men have gone before me in the like designs,
yet I am not without some hopes- upon the consideration
that the largest views are not always the clearest, and that
he who is short-sighted will be obliged to draw the object
nearer, and may, perhaps, by a close and narrow survey,
discern that which had escaped far better eyes.
HES - Berkeley comenta acerca da dificuldade
eventual da empreitada, colocando-se como uma pessoa
mais limitada frente a pesquisadores anteriores, mas
argumentando que uma visão mais próxima poderá
desvendar algo não visto á distância.
(Moto do parágrafo: é um parágrafo de valorização
dos esforços anteriores – um parágrafo “político” - mas
valorizando a análise detalhada)
Comentário HES – Berkeley ironiza. Ele não é uma
pessoa que, estando amparado por uma instituição
dominante, necessite se colocar abaixo de terceiros. Nesse
caso, o texto pretende divertir o leitor. Mas também é o
retrato de uma época. Berkeley pode fazer isso e será bem
visto. Outros talvez não pudessem.
6 – Sexto parágrafo:
6 Português - Com o intuito de preparar a mente do
leitor para uma mais fácil concepção daquilo que se segue,
é apropriado adiantar algo, a título de introdução, sobre a
natureza e o abuso da linguagem. Mas o desenrolar desta
questão leva-me em alguma medida a antecipar o meu
projeto, denotando o que parece ter tido um papel principal
na geração de intrincadas e perplexas especulações,
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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
ocasionando inúmeros erros e dificuldades em quase todas
as partes do conhecimento. E isto é a opinião de que a
mente tem poder para moldar idéias abstratas ou noções de
coisas. Aquele que não é um perfeito estranho aos escritos e
as disputas dos filósofos deve necessariamente reconhecer
que grande parte deles é escrita em torno de ideias
abstratas. Estas são, de uma maneira muito especial,
pensadas como sendo o objeto das ciências que atendem
pelo nome de Lógica e Metafísica, e de tudo aquilo que
passa sob a noção de uma aprendizagem mais abstrata e
sublime, em tudo aquilo no qual alguém escassamente
encontrará uma questão tratada de tal maneira que não
suponha a sua existência na mente, e que está bem
familiarizado com elas (tradução nossa).
6 Inglês - In order to prepare the mind of the reader
for the easier conceiving what follows, it is proper to
premise somewhat, by way of Introduction, concerning the
nature and abuse of Language. But the unravelling this
matter leads me in some measure to anticipate my design,
by taking notice of what seems to have had a chief part in
rendering speculation intricate and perplexed, and to have
occasioned innumerable errors and difficulties in almost all
parts of knowledge. And that is the opinion that the mind
hath a power of framing abstract ideas or notions of things.
He who is not a perfect stranger to the writings and disputes
of philosophers must needs acknowledge that no small part
of them are spent about abstract ideas. These are in a more
especial manner thought to be the object of those sciences
which go by the name of Logic and Metaphysics, and of all
that which passes under the notion of the most abstracted
and sublime learning, in all which one shall scarce find any
question handled in such a manner as does not suppose
their existence in the mind, and that it is well acquainted
with them.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
21 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
HES - Berkeley prepara o leitor para aquilo que vai
tratar. Após mencionar os abusos da linguagem, volta-se
para aquilo que pode ser a causa das complexidades, erros,
dificuldades nas diferentes partes do conhecimento, que
seria o fato de a mente poder criar idéias abstratas. Berkeley
comenta que grande parte da literatura em lógica e
metafísica ocorre em torno de idéias abstratas, com a noção
de sublimidade.
(Moto do parágrafo: informar que a capacidade de
mente de gerar idéias abstratas pode ser a raiz do
sproblemas de enetendimento)
Comentário HES – Os abusos da linguagem parece
terem suas causas na capacidade assumida (por outros) de
que a mente possa gerar idéias abstratas. Estamos hoje, em
2012, já há 302 anos de distância temporal deste texto.
Como iniciante nos textos filosóficos, pergunto: avançamos
no conhecimento das coisas da natureza? Como atuante nas
ciências práticas, minha resposta é: sim. Avançamos pouco
a pouco, aprendendo com nossos erros e acertos. Nas
opiniões manifestadas por diferentes pessoas ao longo
desses trezentos e dois anos, podemos encontrar aqueles
que falam de um avanço incremental e aqueles que falam
de mudanças de paradigmas. Há os que defendem que as
questões se formam e geram a base para mudanças e há os
que defendem que conceitos novos surgem quando não há
respostas. Eu acho (portanto é opinião) que todas as formas
de avanço coexistem. Berkeley tinha uma visão limitada
pela época em que viveu. As questões, as curiosidades, as
permissões para a exploração em busca de algum
conhecimento (o que quer que se entendesse por
conhecimento naquela época) estavam condicionadas
àquilo que se sabia ou que se impunha como sabido. Nessa
condição, de sabermos que estamos em meio a um processo
que nos levará a outros conhecimentos práticos, pode-se
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
22 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
perguntar se a linguagem empanou o entendimento acerca
daquilo que conseguimos responder (ainda que, sempre,
aproximadamente). Em termos objetivos, não. Conhecemos
hoje fenômenos naturais como o eletromagnetismo, as
forças nucleares, os eventos quânticos. Berkeley não tinha
informações acerca disso. Nós nos comunicamos em torno
desses conhecimentos e continuamos gerando mais formas
de interagir com o meio físico. Avançamos e utilizamos
conceitos acerca de coisas que não conseguimos ver, mas
que se mostram controláveis, trazendo-nos benefícios.
Sobrevivemos hoje com mais facilidade às mazelas usuais
do que na época de Berkeley. E isso conseguimos através
de diferentes formas de linguagem.
Em termos subjetivos, ou termos filosóficos, a
linguagem empanou o entendimento? Nesse caso, sempre
que se colocou um sistema de busca de verdade como o
sistema que contém a verdade, em detrimento dos demais,
seja o que for a “verdade” que se “prega” nesse sistema,
talvez o entendimento tenha sido prejudicado. Note-se que,
em algum momento da história, que este iniciante não sabe
ainda precisar, houve um rompimento entre a aplicabilidade
do pensamento filosófico e o ato de pensar. De tal forma
isso nos atinge que não raro se ouvem afirmações do tipo:
“quem faz filosofia buscando o sustento não deve fazer
filosofia” (particularmente cruel para o jovem que inicia
seus estudos); ou “quem busca uma profissão não vá fazer
filosofia”, ou ainda “a filosofia não pretende ser útil, ou
aplicada, ou resolver problemas práticos – ela é a essência
da busca da verdade”, ou ainda “ciência é a busca da
verdade – se alguém não tem essa visão de ciência, tem
uma visão muito particular do que ela seja (e errada)”. E a
isso se somam as incongruências que surgem quando se
exemplifica que a ciência é multifacetada, havendo aqueles
que buscam respostas muito específicas para problemas
reais. Em respondendo, por exemplo, que as vacinas e os
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
23 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
antibióticos permitiram superar muito do sofrimento
humano, a resposta dos pretensos filósofos deprecia a visão
utilitarista do conhecimento. No entanto, esses mesmos
filósofos se deixam operar nos hospitais que usam os
antibióticos desenvolvidos por mentes questionadoras, que
de fato atuam em prol de um bem maior. Geralmente são
colocadas questões paradoxais, por esses argumentadores
da filosofia vã, vinculadas à mecânica quântica e exemplos
que indicam que filósofos de diferentes épocas entenderam
esses paradoxos e os “responderam”. Mas quem assim
argumenta provavelmente nunca resolveu um problema
quântico, ou criou um sistema de comunicação
intercontinental, ou mesmo entendeu o seu computador
pessoal como um produto do conhecimento humano
aplicado. Não obstante, quem assim argumenta, usa tudo
isso. Seria mais honesto que ou se calasse em suas opiniões
absurdas em defesa de uma filosofia vã, ou se abstivesse de
usar os recursos gerados pela ciência que resolve problemas
de fato.
Mas isso talvez nos tenha tirado do contexto de
Berkeley. Tendo reconhecido que há problemas de
linguagem quando se discute filosoficamente um sistema
filosófico, volta-se à situação de que Berkeley tinha razões
para propor a sua análise.
7 – Sétimo parágrafo:
7 Português - É aceito de todas as maneiras que as
qualidades ou modos das coisas nunca existem realmente
em si próprios e separados dos demais, mas são misturadas,
como que fundidas juntas, algumas no mesmo objeto. Mas,
é dito, a mente sendo capaz de considerar cada qualidade
isoladamente, ou abstraída das outras qualidades às quais
está unida, pode dessa maneira engendrar para si idéias
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
24 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
abstratas. Por exemplo, a vista observa um objeto extenso,
colorido, e móvel: a mente, resolvendo essa idéia mista ou
composta em suas partes constituintes, simples, e vendo
cada um por si, exclusivo do resto, engendra as idéias
abstratas de extensão, cor e movimento. Não que seja
possível para a cor ou o movimento existirem sem a
extensão, mas apenas que a mente pode moldar a si mesma,
por abstração, a idéia de cor exclusiva da extensão, e do
movimento exclusivo da cor e da extensão (tradução nossa).
7 Inglês - It is agreed on all hands that the qualities
or modes of things do never really exist each of them apart
by itself, and separated from all others, but are mixed, as it
were, and blended together, several in the same object. But,
we are told, the mind being able to consider each quality
singly, or abstracted from those other qualities with which
it is united, does by that means frame to itself abstract
ideas. For example, there is perceived by sight an object
extended, coloured, and moved: this mixed or compound
idea the mind resolving into its simple, constituent parts,
and viewing each by itself, exclusive of the rest, does frame
the abstract ideas of extension, colour, and motion. Not that
it is possible for colour or motion to exist without
extension; but only that the mind can frame to itself by
abstraction the idea of colour exclusive of extension, and of
motion exclusive of both colour and extension.
HES – Berkeley informa que se aceita que as
qualidades das coisas nos surgem misturadas, como que
fundidas em um mesmo objeto. Mas é informado que a
mente pode separá-las. Assim, vendo um objeto extenso,
colorido em movimento, a mente pode abstrair as idéias de
extensão, cor e movimento. Isto é posto como “fato”.
(Moto do parágrafo: exemplo de como a mente
isolaria qualidades existentes em conjunto)
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
25 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Comentário HES – A partir de uma aceitação geral,
que envolve a mistura das “qualidades” nos objetos,
Berkeley comenta que outros consideram que a mente pode
separar essas qualidades.
Este é mais um retrato de época. Vale a pena
avançar nesse retrato? “Qualidades” são hoje vistas como
propriedades ou variáveis físicas. E também as
descrevemos isoladamente.
Nesse caso, vale a pena continuar para verificar
aonde a discussão de Berkeley pretende nos levar. A assim
chamada leitura dogmática pode ser efetuada, mas não
precisamos assumir a postura de que desconhecemos os
conceitos construídos em 302 anos (ainda que sejam, como
todo o conhecimento que geramos, meramente
aproximativo). Mais uma vez Berkeley serve de ligação
entre suas idéias e sua época.
8 – Oitavo parágrafo:
8 Português - Mais uma vez, a mente tendo
observado que nas extensões particulares percebidas pelo
sentido há algo em comum e igual em tudo, e algumas
outras coisas peculiares, como esta ou aquela figura ou
magnitude, que os distingue entre si, ela considera separado
ou separa por si mesma o que é comum, gerando daí uma
idéia mais abstrata de extensão, que não é nem uma linha,
uma superfície, ou um sólido, nem tem qualquer valor ou
magnitude, mas é uma idéia que prescinde inteiramente de
todos estes conceitos. Da mesma forma a mente, deixando
de lado cores particulares percebidas pelo sentido que
distingue uns dos outros, e retendo apenas o que é comum a
todos, faz uma ideia abstrata da cor, que não é nem
vermelho, nem azul, nem branco, nem de qualquer outra
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
26 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
cor determinada. E, da mesma forma, por considerar o
movimento abstraído não só do corpo se movia, mas
igualmente da figura que ele descreve, e de todas as
direções e velocidades particulares, a idéia abstrata de
movimento é engendrada, que também corresponde a todos
os movimentos específicos que podem ser percebido pelos
sentidos. (tradução nossa).
8 Inglês - Again, the mind having observed that in
the particular extensions perceived by sense there is
something common and alike in all, and some other things
peculiar, as this or that figure or magnitude, which
distinguish them one from another; it considers apart or
singles out by itself that which is common, making thereof
a most abstract idea of extension, which is neither line,
surface, nor solid, nor has any figure or magnitude, but is
an idea entirely prescinded from all these. So likewise the
mind, by leaving out of the particular colours perceived by
sense that which distinguishes them one from another, and
retaining that only which is common to all, makes an idea
of colour in abstract which is neither red, nor blue, nor
white, nor any other determinate colour. And, in like
manner, by considering motion abstractedly not only from
the body moved, but likewise from the figure it describes,
and all particular directions and velocities, the abstract idea
of motion is framed; which equally corresponds to all
particular motions whatsoever that may be perceived by
sense.
HES – Berkeley agora discorre como a mente pode,
a partir das observações, abstrair idéias, ou, o que é o
mesmo, gerar idéias abstratas. A extensão, a cor, o
movimento passam a ser essas idéias abstratas, que são
mais gerais e que correspondem a qualquer manifestação
individual. Isto é posto como “processo” sobre um objeto.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
27 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
(Moto do parágrafo: descrição da geração de idéias
abstratas)
Comentário HES – Berkeley descreve uma
sequência de passos para a formação de conceitos. Seus
exemplos são os conceitos de cor, movimento e extensão.
Se esses conceitos foram desenvolvidos segundo esses
passos, é-nos difícil dizer agora. Eventualmente seja
necessário nos reportarmos a estudos feitos com crianças
em diferentes faixas etárias, para localizar os momentos em
que esses conceitos se firmam no ser humano. Nesse caso,
este iniciante não fez a devida procura desses estudos,
faltando-lhe a base para argumentar. Assim, é preciso
admitir a possibilidade levantada por Berkeley, na
descrição daquilo que seus iguais sugerem, como uma
possibilidade de fato.
9 – Nono Parágrafo:
9 Português - E como a mente elabora para si
mesma idéias abstratas de qualidades ou modos, também o
faz, com a mesma precisão ou separação mental, para
alcançar idéias abstratas dos seres mais compostos
(complexos), que incluem várias qualidades coexistentes.
Por exemplo, a mente tendo observado que Pedro, Jaime e
João, se assemelham em determinadas coincidências de
forma e outras qualidades, exclui a idéia complexa ou
composta que tem de Pedro, Jaime e qualquer outro homem
particular, aquilo que é peculiar a cada um, mantendo
apenas o que é comum a todos, e assim elabora uma idéia
abstrata, em que todos os elementos igualmente participam,
“abstraindo inteiramente” e “excluido” todas as
circunstâncias e diferenças que podem determinar uma
existência particular. Desta maneira, é dito que chegamos à
idéia abstrata do homem, ou, se se quiser, da humanidade,
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
28 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
ou da natureza humana; onde, é verdade está incluída a cor,
porque não há homem sem alguma cor, mas então não pode
ser nem branco, nem preto, nem nenhuma cor, porque não
há uma cor especial da qual todos os homens participam.
Assim também está incluída a estatura, mas não sendo nem
a estatura alta, nem a baixa estatura, nem tampouco a
estatura média, mas algo abstraído de todas essas. E assim
ocorre com o resto. Além disso, havendo uma grande
variedade de outras criaturas que participam de algumas
partes, mas não todas, da idéia complexa do homem, a
mente, deixando de fora as partes que são peculiares aos
homens e mantendo somente aquelas que são comuns a
todas as criaturas vivas, elabora a idéia do animal, a qual (a
mente) abstrai não só de todos os homens em particular,
mas também de todos os pássaros, “bestas”, peixes e
insetos. As partes constituintes da idéia abstrata de animal
são o corpo, a vida, o sentido e o movimento espontâneo.
Pelo corpo se entende corpo sem qualquer forma particular
ou figura, não havendo qualquer forma ou figura comum a
todos os animais, nem a cobertura, ou de cabelo, ou penas
ou escamas, etc, nem ainda nu: Cabelos, penas, escamas, e
nudez, são propriedades distintivas de animais em
particular, razão pela qual isto é deixado de fora da idéia
abstrata (de animal). Da mesma forma, o movimento
espontâneo não deve ser nem andar, nem voar, nem
rastejar; é, no entanto, um movimento, mas o que é que o
movimento não é fácil de conceber. (tradução nossa).
9 Inglês - And as the mind frames to itself abstract
ideas of qualities or modes, so does it, by the same
precision or mental separation, attain abstract ideas of the
more compounded beings which include several coexistent
qualities. For example, the mind having observed that Peter,
James, and John resemble each other in certain common
agreements of shape and other qualities, leaves out of the
complex or compounded idea it has of Peter, James, and
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
29 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
any other particular man, that which is peculiar to each,
retaining only what is common to all, and so makes an
abstract idea wherein all the particulars equally partake-
abstracting entirely from and cutting off all those
circumstances and differences which might determine it to
any particular existence. And after this manner it is said we
come by the abstract idea of man, or, if you please,
humanity, or human nature; wherein it is true there is
included colour, because there is no man but has some
colour, but then it can be neither white, nor black, nor any
particular colour, because there is no one particular colour
wherein all men partake. So likewise there is included
stature, but then it is neither tall stature, nor low stature, nor
yet middle stature, but something abstracted from all these.
And so of the rest. Moreover, their being a great variety of
other creatures that partake in some parts, but not all, of the
complex idea of man, the mind, leaving out those parts
which are peculiar to men, and retaining those only which
are common to all the living creatures, frames the idea of
animal, which abstracts not only from all particular men,
but also all birds, beasts, fishes, and insects. The constituent
parts of the abstract idea of animal are body, life, sense, and
spontaneous motion. By body is meant body without any
particular shape or figure, there being no one shape or
figure common to all animals, without covering, either of
hair, or feathers, or scales, &c., nor yet naked: hair,
feathers, scales, and nakedness being the distinguishing
properties of particular animals, and for that reason left out
of the abstract idea. Upon the same account the
spontaneous motion must be neither walking, nor flying,
nor creeping; it is nevertheless a motion, but what that
motion is it is not easy to conceive.
HES – Berkeley explica a transição da idéia abstrata
da qualidade para a idéia abstrata de objetos complexos,
contendo várias qualidades. Se antes um objeto tinha várias
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
30 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
qualidades, agora vários objetos possuem qualidades
comuns e se abstrai uma idéia geral do que seja o objeto.
Sua descrição parte da observação das coisas comuns nos
seres humanos, retirando deles tudo o que viria a ser uma
particularidade pessoal. Com isso se chegaria à idéia
abstrata de ser humano, ou humanidade. Adicionalmente,
retirando dessa idéia abstrata aquilo que a torna um ser
humano, e observando as qualidades de outros seres que
possuem coincidências com o ser humano, atinge-se a idéia
abstrata do animal. Nesse caso o comum seria o corpo, a
vida, os sentidos e o movimento espontâneo, todos
independentes de suas particularidades. Isto é posto como
“processo” sobre vários objetos.
(Moto do parágrafo: generalização da geração de
idéias abstratas, partindo de coisas simples para atingir
coisas complexas)
Comentário HES – Berkeley parte para a descrição
daquilo que seria a geração de um conceito de um objeto.
Note-se que há apenas a descrição, e não a defesa dessa
sequência de passos. Mais uma vez, se esses conceitos
foram desenvolvidos segundo esses passos, é-nos difícil
dizer. Eventualmente seja necessário buscar autores que
tenham estudado isto de forma mais profunda,
cientificamente, testando hipóteses em ambientes de
pesquisa. Mais uma vez este iniciante não fez a devida
procura desses estudos, faltando-lhe a base para
argumentar, seja afirmativamente ou questionando. De
novo, é preciso admitir a possibilidade levantada por
Berkeley, na descrição daquilo que seus iguais sugerem,
como uma possibilidade de fato.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
31 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Aposto aos primeiro nove parágrafos:
O texto pode ser resumido, nisto que talvez
possamos denominar de primeiro movimento, observado
nos nove primeiros parágrafos, em três momentos (está-se
resumindo a leitura dogmática, não os comentários):
1) Há a constatação de que é difícil para a mente
entender a natureza das coisas;
2) O objetivo do texto é colocado como buscando
entender a origem dessa dificuldade, o que leva à descrição
de uma tese inicial (de outros autores), de que a dificuldade
reside na mente gerar abstrações;
3) Descreve-se como a mente estaria gerando
abstrações. Mas aponta-se para a possibilidade de que
fazemos uso errado de nossas faculdades, e isto poderia ser
a causa das dificuldades. Em suma, isso aponta para a
conveniência do tratado. A figura piramidal a seguir visa
ilustrar figurativamente esta sequência de momentos.
Esse tipo de estrutura pictórica é também usado
mais adiante, quando se efetuar o resumo dos parágrafos
décimo a décimo-sexto. Pretende-se, com a sequência das
leituras no presente Projeto, efetuar um esquema mais
geral.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
32 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Figura 1: O movimento do texto nos primeiros nove parágrafos,
conforme descrito no “aposto aos nove primeiros parágrafos” (vide
texto).
10 – Décimo parágrafo:
10 Português - Se os outros têm essa faculdade
maravilhosa de abstrair suas idéias, eles podem falar melhor
(sobre isso): para mim, acho que na verdade tenho uma
faculdade de imaginar, ou de representar a mim mesmo, as
idéias dessas coisas particulares que percebi, e de compô-
las diversamente e de dividí-las. Posso imaginar um homem
com duas cabeças, ou as partes superiores de um homem
unidas ao corpo de um cavalo. Posso considerar a mão, o
olho, o nariz, cada parte por si só ou abstraída (separada) do
resto do corpo. Mas então o que quer que seja a mão ou o
olho que eu imagino, deve ter alguma forma particular e
cor. Da mesma forma a idéia de homem que eu elaboro
para mim mesmo deve ser ou de um branco, ou um negro,
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
33 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
ou um mestiço (mulato), um ereto, ou um corcunda, um
homem alto, ou baixo, ou um homem de tamanho médio.
Eu não posso, por qualquer esforço do pensamento,
conceber a idéia abstrata descrita acima. E me é igualmente
impossível formar a idéia abstrata de um movimento que
seja distinta de um corpo em movimento, que não é nem
rápido nem lento, nem curvilíneo nem retilíneo, e o mesmo
pode ser dito de toda e qualquer outra idéia geral abstrata.
Para ser sincero, eu me considero capaz de abstração
(abstrair) em um sentido, como quando considero algumas
partes ou qualidades particulares separadas de outras, mas
com estas, uma vez que devem estar unidas em algum
objeto, porém sendo possível que umas possam realmente
existir sem as outras. Mas eu nego que seja capaz de
abstrair um de outro, ou conceber separadamente, aquelas
qualidades que é impossível que existam assim separadas,
ou que eu possa elaborar uma noção geral, abstraindo dos
particulares da maneira acima mencionada, as duas últimas
maneiras sendo as acepções apropriadas (adequadas) de
abstração. E há razões para pensar que a maioria dos
homens se identificará com o meu caso. Os homens em
geral, que são simples e analfabetos, nunca pretenderão
abstrair noções. É dito que elas são difíceis e não podem ser
alcançadas sem dores e estudo; podemos, portanto,
razoavelmente concluir que, se é assim, elas estão
“confinadas” (destinadas) apenas aos cultos. (tradução
nossa).
10 Inglês - Whether others have this wonderful
faculty of abstracting their ideas, they best can tell: for
myself, I find indeed I have a faculty of imagining, or
representing to myself, the ideas of those particular things I
have perceived, and of variously compounding and dividing
them. I can imagine a man with two heads, or the upper
parts of a man joined to the body of a horse. I can consider
the hand, the eye, the nose, each by itself abstracted or
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
34 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
separated from the rest of the body. But then whatever hand
or eye I imagine, it must have some particular shape and
colour. Likewise the idea of man that I frame to myself
must be either of a white, or a black, or a tawny, a straight,
or a crooked, a tall, or a low, or a middle-sized man. I
cannot by any effort of thought conceive the abstract idea
above described. And it is equally impossible for me to
form the abstract idea of motion distinct from the body
moving, and which is neither swift nor slow, curvilinear nor
rectilinear; and the like may be said of all other abstract
general ideas whatsoever. To be plain, I own myself able to
abstract in one sense, as when I consider some particular
parts or qualities separated from others, with which, though
they are united in some object, yet it is possible they may
really exist without them. But I deny that I can abstract
from one another, or conceive separately, those qualities
which it is impossible should exist so separated; or that I
can frame a general notion, by abstracting from particulars
in the manner aforesaid- which last are the two proper
acceptations of abstraction. And there are grounds to think
most men will acknowledge themselves to be in my case.
The generality of men which are simple and illiterate never
pretend to abstract notions. It is said they are difficult and
not to be attained without pains and study; we may
therefore reasonably conclude that, if such there be, they
are confined only to the learned.
HES – Neste parágrafo Berkeley se contrapõe à
defesa feita nos parágrafos anteriores, e diz que não possui
esta faculdade de abstração geral, mas possui imaginação
que adiciona e divide. Ainda informa que, ao imaginar, não
consegue imaginar algo que não tenha qualidades. Os
exemplos versam sobre homens e o movimento. Berkeley
assume que pode abstrair qualidades que estão juntas,
considerando que estas possam existir separadamente. Mas
nega poder abstrair uma de outra, nem as idéias gerais das
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
35 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
particulares. E uma vez que os homens simples não tem
intenções de abstrair idéias, isso deve ser uma característica
dos letrados.
(Moto do parágrafo: a abstração colocada como uma
impossibilidade (para Berkeley e para homens simples))
Comentário HES – Berkeley, então, se contrapõe
àquela possibilidade de criar conceitos que descreveu. Ou
seja, aqueles passos não são considerados viáveis por ele.
Note-se que provavelmente é a sequência apresentada que
não é defendida, porque seguramente há o conceito de
humanidade, que foi aventado sem haver necessidade de
grandes explicações, bem como o conceito de animais, de
corpo, enfim, os conceitos gerais. Ainda que critique a
possibilidade da formação do conceito de extensão, assim
como foi descrito, o conceito de extensão existe, e já existia
na época de Berkeley. Como o presente iniciante já
mencionou, a discussão encontra-se em um passado em que
talvez tais questionamentos fossem considerados
relevantes.
11 – Décimo-primeiro parágrafo:
11 Português - Passo a examinar o que pode ser
alegado em defesa da doutrina da abstração, e tentar
descobrir o que leva os homens de especulação a abraçar
uma opinião tão distante do senso comum como esta parece
ser. Houve um filósofo tardiamente e merecidamente
estimado que, sem dúvida, deu-lhe muito suporte, por
parecer que pensava que ter idéias gerais abstratas é o que
mais diferencia, no ponto do entendimento, o homem e o
animal. "Aquele que tem de idéias gerais", disse ele (o
filósofo), "é aquilo que permite uma perfeita distinção entre
o homem e os brutos (os animais), e é uma excelência que
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
36 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
as faculdades dos brutos (ou animais) de maneira nenhuma
atingirá. Pois é evidente que não vemos nenhuma pista de
que façam uso de signos gerais para idéias universais, o que
nos dá razão para imaginar que eles não têm a faculdade de
abstrair, ou fazer ideias gerais, uma vez que não fazem
nenhum uso de palavras ou de quaisquer outros signos
gerais". E algo adiante: "Por isso, eu acho, podemos supor
que é neste quesito que as espécies dos brutos (ou animais)
são diferenciadas dos homens, e é por causa dessa diferença
que eles são totalmente separados, e, finalmente, que ela (a
diferença) aumenta ainda mais essa distância. Pois, se eles
(os animais) têm de fato alguma idéia, e não são meras
máquinas (como alguns gostariam), não podemos negar que
têm alguma razão. Parece-me evidente que eles
demonstram, alguns deles, em certas ocasiões, razão de que
tenham senso, mas é apenas em idéias particulares, assim
como as recebem de seus sentidos. Estes (animais) são os
melhores deles, presos nesses limites estreitos, e não têm
(como eu acho) a faculdade de ampliá-los por qualquer tipo
de abstração"- Ensaio sobre o Entendimento Humano, II. xi.
10 e 11. Eu prontamente concordo com este sábio autor,
que as faculdades dos brutos (animais) de maneira nenhuma
podem atingir a abstração. Mas, então, se disso for feita a
propriedade distintiva deste tipo de animais, temo que uma
grande quantidade daqueles que se passa por homens deve
ser reconsiderada em seu número (dos animais). A razão
atribuída aqui para não termos motivos para pensar que os
brutos (animais) têm idéias abstratas gerais, é que não
observamos neles o uso de palavras ou quaisquer outros
signos gerais, o que é construído sobre a suposição de que o
uso de palavras implica em ter idéias gerais. Da qual
(suposição) resulta que os homens que usam a linguagem
são capazes de abstrair ou generalizar suas idéias. Que este
é o sentido da discussão do autor aparece mais tarde em sua
resposta à questão: "Se todas as coisas que existem são
apenas particulares, como é que chegamos aos termos
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
37 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
gerais?" Sua resposta é: "As palavras se tornam gerais por
terem sido feitas os signos de idéias gerais." - Ensaio sobre
o Entendimento Humano, IV. iii. 6. Mas parece que a
palavra se torna geral ao ser feito o signo, não de uma idéia
abstrata, mas de várias idéias particulares, qualquer das
quais indiferentemente sugerida para a mente. Por exemplo,
quando se diz "a mudança do movimento é proporcional à
força impressa", ou que "tudo o que tem extensão é
divisível", estas proposições deveriam ser entendidas para
movimentos e extensões em geral, e, no entanto, não segue
daí que elas sugiram aos meus pensamentos uma idéia de
movimento sem um corpo que se mova, em qualquer
direção determinada e com velocidade, ou que eu deva
conceber uma idéia abstrata de extensão, que não seja nem
uma linha, uma superfície, nem um sólido, nem grande nem
pequeno, preto, branco, nem vermelho, nem de qualquer
outra cor determinada. Apenas está implícito que qualquer
movimento que eu considere, seja rápido ou lento,
perpendicular, horizontal ou oblíquo, em qualquer objeto
que se aplique, o axioma mentem-se igualmente verdadeiro.
Do mesmo modo que o outro (axioma) da extensão, não
importa se trata de uma superfície, linha, ou um sólido, se
desta ou daquela magnitude ou figura. (tradução nossa).
11 Inglês - I proceed to examine what can be alleged
in defence of the doctrine of abstraction, and try if I can
discover what it is that inclines the men of speculation to
embrace an opinion so remote from common sense as that
seems to be. There has been a late deservedly esteemed
philosopher who, no doubt, has given it very much
countenance, by seeming to think the having abstract
general ideas is what puts the widest difference in point of
understanding betwixt man and beast. "The having of
general ideas," saith he, "is that which puts a perfect
distinction betwixt man and brutes, and is an excellency
which the faculties of brutes do by no means attain unto.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
38 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
For, it is evident we observe no foot-steps in them of
making use of general signs for universal ideas; from which
we have reason to imagine that they have not the faculty of
abstracting, or making general ideas, since they have no use
of words or any other general signs." And a little after:
"Therefore, I think, we may suppose that it is in this that the
species of brutes are discriminated from men, and it is that
proper difference wherein they are wholly separated, and
which at last widens to so wide a distance. For, if they have
any ideas at all, and are not bare machines (as some would
have them), we cannot deny them to have some reason. It
seems as evident to me that they do, some of them, in
certain instances reason as that they have sense; but it is
only in particular ideas, just as they receive them from their
senses. They are the best of them tied up within those
narrow bounds, and have not (as I think) the faculty to
enlarge them by any kind of abstraction."- Essay on Human
Understanding, II. xi. 10 and 11. I readily agree with this
learned author, that the faculties of brutes can by no means
attain to abstraction. But then if this be made the
distinguishing property of that sort of animals, I fear a great
many of those that pass for men must be reckoned into their
number. The reason that is here assigned why we have no
grounds to think brutes have abstract general ideas is, that
we observe in them no use of words or any other general
signs; which is built on this supposition- that the making
use of words implies the having general ideas. From which
it follows that men who use language are able to abstract or
generalize their ideas. That this is the sense and arguing of
the author will further appear by his answering the question
he in another place puts: "Since all things that exist are only
particulars, how come we by general terms?" His answer is:
"Words become general by being made the signs of general
ideas."- Essay on Human Understanding, IV. iii. 6. But it
seems that a word becomes general by being made the sign,
not of an abstract general idea, but of several particular
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
39 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
ideas, any one of which it indifferently suggests to the
mind. For example, when it is said "the change of motion is
proportional to the impressed force," or that "whatever has
extension is divisible," these propositions are to be
understood of motion and extension in general; and
nevertheless it will not follow that they suggest to my
thoughts an idea of motion without a body moved, or any
determinate direction and velocity, or that I must conceive
an abstract general idea of extension, which is neither line,
surface, nor solid, neither great nor small, black, white, nor
red, nor of any other determinate colour. It is only implied
that whatever particular motion I consider, whether it be
swift or slow, perpendicular, horizontal, or oblique, or in
whatever object, the axiom concerning it holds equally true.
As does the other of every particular extension, it matters
not whether line, surface, or solid, whether of this or that
magnitude or figure.
HES –Berkeley emula uma defesa à doutrina da
abstração, referindo-se a John Locke, no seu Ensaio sobre o
Entendimento Humano. Nas palavras de Locke, a
capacidade de abstração separa o ser humano do animal. Se
os animais têm idéias e não são máquinas, estas são
decorrentes apenas dos sentidos, sem possibilidade de
abstração. Isto é fundamentado no fato de que animais não
fazem uso de palavras, que são gerais por serem os
símbolos das idéias gerais. Berkeley então argumenta que
as palavras são gerais porque são símbolos de muitas idéias
particulares. Seus exemplos de movimento e extensão
voltam-se ao fato de não poder pensar em movimento sem
pensar em algo que se movimenta, ou de uma extensão
desassociada de alguma dimensão. Não obstante, a idéia
geral (axioma) de movimento e de extensão deve existir
independente de um corpo ou de dimensões desse corpo.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
40 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
(Moto do parágrafo: Uso de exemplo conveniente de
um autor anterior, introduzindo a explicação generalista da
palavra para a sua posterior argumentação)
Comentário HES – Berkeley comenta o que não
consegue fazer em termos de abstração. Não podendo
imaginar o movimento sem algo que se movimente,
naturalmente não poderá entender a definição da velocidade
conforme Newton (algo que manifestará e condenará em
1734, imediatamente antes de ser sagrado bispo). Uma onda
sonora, invisível, que se propaga em todas as direções com
a velocidade do som, talvez representasse uma dificuldade
para a sua descrição de movimento. Assim, enquadrado em
sua época, Berkeley critica aqueles que exploram outras
possibilidades. Não se afirma que esses outros estivessem
corretos (provavelmente não estavam), mas não crê este
iniciante que qualquer pretenso filósofo exija de si mesmo a
verdade última e indubitável. Não, muito longe disso, a
filosofia se move pelas crenças, pela fé na própria
capacidade de julgamento daquele que propõe.
Berkeley utiliza o artifício argumentativo que as
afirmações de Locke lhe oferecem. Nesse caso, passando de
uma proposta voltada para os conceitos, utilizará
afirmações que vinculam os conceitos às palavras para
consubstanciar suas posições.
Entretanto, é preciso cuidado: Pode haver uma
busca de generalização utilizando um exemplo particular.
Isso seria contrário àquilo que o próprio Berkeley condena
aqui.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
41 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
12 – Décimo-segundo parágrafo:
12 Português - Ao observar como as idéias se
tornam gerais, podemos melhor julgar como as palavras são
feitas assim (são generalizadas). Enfatizo aqui que não nego
absolutamente haver idéias gerais, mas apenas que existem
idéias abstratas gerais, pois, nas passagens citadas em que
há menção de idéias gerais, é sempre suposto que elas são
formadas pela abstração, seguindo o modo previsto nas
seções 8 e 9. Se quisermos agregar um significado às nossas
palavras, e falar apenas do que podemos conceber, acredito
devermos reconhecer que uma idéia que, considerada em si
mesma, é particular, torna-se geral por impor-se que
represente ou substitua todas as outras idéias particulares do
mesmo tipo. Para tornar isto claro através de um exemplo,
suponhamos que um geômetra demonstre o método de corte
de uma linha em duas partes iguais. Ele desenha, por
exemplo, uma linha preta de uma polegada de
comprimento: esta, que em si mesma é uma linha particular,
mas é, no entanto, no que diz respeito ao seu significado
geral, uma vez que assim é aí usada, uma representação de
todas as linhas particulares; assim a demonstração
demonstra para todas as linhas, ou, em outras palavras, para
uma linha em geral. E, como essa linha particular se torna
geral ao ser um signo, assim o nome de "linha", que é
tomado absolutamente particular, é tornado geral por ser
um signo. Como o primeiro deve sua generalidade não por
ser o sinal de uma linha abstrata ou geral, mas de todas as
linhas específicas que podem eventualmente existir,
também o último deve ser pensado como tendo sua
generalidade derivada da mesma causa, ou seja, das várias
linhas particulares que indiferentemente denota. (tradução
nossa).
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
42 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
12 Inglês - By observing how ideas become general
we may the better judge how words are made so. And here
it is to be noted that I do not deny absolutely there are
general ideas, but only that there are any abstract general
ideas; for, in the passages we have quoted wherein there is
mention of general ideas, it is always supposed that they are
formed by abstraction, after the manner set forth in sections
8 and 9. Now, if we will annex a meaning to our words, and
speak only of what we can conceive, I believe we shall
acknowledge that an idea which, considered in itself, is
particular, becomes general by being made to represent or
stand for all other particular ideas of the same sort. To
make this plain by an example, suppose a geometrician is
demonstrating the method of cutting a line in two equal
parts. He draws, for instance, a black line of an inch in
length: this, which in itself is a particular line, is
nevertheless with regard to its signification general, since,
as it is there used, it represents all particular lines
whatsoever; so that what is demonstrated of it is
demonstrated of all lines, or, in other words, of a line in
general. And, as that particular line becomes general by
being made a sign, so the name "line," which taken
absolutely is particular, by being a sign is made general.
And as the former owes its generality not to its being the
sign of an abstract or general line, but of all particular right
lines that may possibly exist, so the latter must be thought
to derive its generality from the same cause, namely, the
various particular lines which it indifferently denotes.
HES – Berkeley agora passa a contrapor-se
declaradamente à ideía de que hajam idéias abstratas gerais.
As idéias gerais não são abstratas e se formam porque
substitutem todas as idéias particulares similares. Daí expõe
uma metáfora de uma linha dividida em partes iguais. O
exemplo é de uma linha em particular, mas porque é usada
com o sentido de substituir todas as linhas, ela se
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
43 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
generaliza. E isso ocorre também, e do mesmo modo, com a
palavra “linha”.
(Moto do parágrafo: A idéia geral como substituta
de idéias particulares similares. A palavra seguindo o
mesmo preceito)
Comentário HES – Berkeley utiliza de um jogo de
palavras. Não se pode abstrair o geral do particular. Não é
abstraindo de uma idéia as coisas que tornam individual o
indivíduo que se atinge uma idéia abstrata geral, mas
usando uma idéia particular que substitui todas as idéias
particulares similares (of the same sort). Frisa-se, é claro,
que Berkeley está falando de “idéias gerais”, e não de
“idéias abstratas gerais”. Enfim, é uma idéia geral que não é
abstrata. Seria concreta? Seria uma idéia real? Será o início
de sua argumentação para chegar à percepção como ser?
Mas então teria sido preciso explicar com muito mais vagar
o que é “semelhante”. Não será aquilo que desconsidera as
particularidades que tornam o indivíduo individual? Então
não se está desprezando parcelas que tornam diferente?
Porque se se está considerando as diferenças presentes,
então se está utilizando uma palavra para denotar coisas
essencialmente diferentes. Certamente não é isso que
Berkeley está afirmando. Não! São coisas “of the same
sort”, of course! Portanto, coisas em que as diferenças
foram suprimidas, descartadas, abstraídas de antemão.
Apenas Berkeley não quis colocar dessa forma. “Of the
same sort” possui a palavra “same”, que implica uma
operação mental de equalização. Caso contrário, não teria
sido usada (ou teria sido usado algo semelhante, “of the
same sort”). Mas uma operação de equalização, ainda que
implícita no uso da palavra, implica (permitam a repetição)
em desativar diferenças. Berkeley sabia disso (não é
possível não ter sabido) porque estava usando a
argumentação da palavra de Locke no seu caminho para
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
44 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
expor as dificuldades da comunicação (digamos, da
linguagem, em seus termos). O argumento não convence
hoje e é um exercício de retórica. Mas convenceu na época
em que foi exposto. “Ser é ser percebido” teve o seu efeito
entre os filósofos. Se esta fórmula ajudou na construção da
ciência prática, em suas várias vertentes (medicina,
farmácia, física, matemática, direito, etc.), permitindo-nos
viver mais e melhor, é preciso pesquisar mais
profundamente. Mas que o seu impacto estético é forte, não
resta dúvida.
13 – Détimo-terceiro parágrafo:
13 Português - Para dar ao leitor uma visão mais
clara ainda da natureza das idéias abstratas, e os usos aos
quais são tidas como necessárias, vou acrescentar mais uma
passagem do Ensaio sobre o Entendimento Humano, (vii
IV. 9.), que é a seguinte: "idéias abstratas não são tão
óbvias ou fáceis para crianças ou a mentes particulares
ainda não exercitadas. Se elas parecem assim (óbvias) para
homens adultos é só pelo uso constante e familiar que isto
ocorre. Pois, quando refletimos melhor sobre elas, veremos
que as idéias gerais são ficções e invenções da mente, que
carregam dificuldades com elas, e não se oferecem tão
facilmente como somos capazes de imaginar. Por exemplo,
não é necessário certa dor e habilidade para formar a idéia
geral de um triângulo (que ainda não é das mais abstratas,
abrangentes e difíceis); por não poder ser nem
obliquângulo, nem retângulo, nem equilátero, isósceles,
nem escaleno, mas todos e nenhum deles ao mesmo tempo?
Com efeito, é algo imperfeito que não pode existir, uma
idéia em que partes de várias idéias diferentes e
inconsistentes são postas juntas. É verdade que a mente
neste estado imperfeito tem necessidade de tais idéias, e
desloca-se para elas com toda pressa, para a conveniência
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
45 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
de comunicação e da ampliação de conhecimentos, para as
quais é naturalmente muito inclinada. Mas ainda se tem
razão para suspeitar que tais idéias são marcas de nossa
imperfeição. Pelo menos é o suficiente para mostrar que as
idéias mais abstratas e gerais não são aquelas que a mente
primeiro e mais facilmente reconhece, nem como sua
primeira versão do conhecimento". Se alguém tem a
faculdade de elaborar em sua mente a idéia do triângulo
descrita aqui, é vão pretender disputar com ele sobre isso,
nem eu o faria. Tudo o que eu desejo é que o leitor
totalmente e certamente se informe se ele tem essa idéia ou
não. E isso, me parece, não é tarefa difícil de ser executada
por qualquer pessoa. O que é mais fácil do que olhar um
pouco nos próprios pensamentos, e lá tentar observar se
tem, ou pode vir a ter, uma idéia que deve corresponder à
descrição dada aqui da idéia geral do triângulo, que não é
"obliquângula nem retângulo, equilátero, isósceles nem
escalena, mas todos e nenhum deles de uma vez?" (tradução
nossa).
13 Inglês - To give the reader a yet clearer view of
the nature of abstract ideas, and the uses they are thought
necessary to, I shall add one more passage out of the Essay
on Human Understanding, (IV. vii. 9) which is as follows:
"Abstract ideas are not so obvious or easy to children or the
yet unexercised mind as particular ones. If they seem so to
grown men it is only because by constant and familiar use
they are made so. For, when we nicely reflect upon them,
we shall find that general ideas are fictions and
contrivances of the mind, that carry difficulty with them,
and do not so easily offer themselves as we are apt to
imagine. For example, does it not require some pains and
skill to form the general idea of a triangle (which is yet
none of the most abstract, comprehensive, and difficult); for
it must be neither oblique nor rectangle, neither equilateral,
equicrural, nor scalenon, but all and none of these at once?
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
46 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
In effect, it is something imperfect that cannot exist, an idea
wherein some parts of several different and inconsistent
ideas are put together. It is true the mind in this imperfect
state has need of such ideas, and makes all the haste to them
it can, for the conveniency of communication and
enlargement of knowledge, to both which it is naturally
very much inclined. But yet one has reason to suspect such
ideas are marks of our imperfection. At least this is enough
to show that the most abstract and general ideas are not
those that the mind is first and most easily acquainted with,
nor such as its earliest knowledge is conversant about."- If
any man has the faculty of framing in his mind such an idea
of a triangle as is here described, it is in vain to pretend to
dispute him out of it, nor would I go about it. All I desire is
that the reader would fully and certainly inform himself
whether he has such an idea or no. And this, methinks, can
be no hard task for anyone to perform. What more easy
than for anyone to look a little into his own thoughts, and
there try whether he has, or can attain to have, an idea that
shall correspond with the description that is here given of
the general idea of a triangle, which is "neither oblique nor
rectangle, equilateral, equicrural nor scalenon, but all and
none of these at once?"
HES – Berkeley novamente se volta ao texto de
John Locke, que agora defende a dificuldade de gerar idéias
abstratas, sendo isso uma tarefa de homens adultos e não de
crianças. Locke passa então a descrever a geração da idéia
abstrata geral de triângulo, que não deve possuir nenhuma
das qualidades de um triângulo, algo difícil e que mostra
nossa imperfeição. Berkeley então convida o leitor a fazer
esse exercício “incomum”.
(Moto do parágrafo: Descrição de um exemplo de
idéia abstrata geral a ser usado na argumentação seguinte
que a critica)
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
47 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Comentário HES – Após reproduzir um texto de
Locke sobre a concepção de um triângulo genérico,
Berkeley sugere que isso seja impossível. Talvez seja,
conforme consta na descrição de Locke. Mas Berkeley usou
várias vezes a palavra triângulo sabendo que o leitor
entenderia exatamente o conceito subjacente. Isto é, o leitor
não faria as perguntas sobre ângulos ou outras
propriedades. Berkeley usou o conceito para falar
genericamente. E o usou para falar contra a idéia abstrata
geral que a palavra evoca. Ou não será uma idéia abstrata
que evocamos ao mencionar a palavra triângulo em uma
conversa ou narrativa? Estaremos sempre reconfigurando
um triângulo em nossas mentes e, a partir dele, gerando o
conceito? Entretanto, não é o que parece, nessa leitura de
Locke via Berkeley, que Locke tenha dito. No momento
não é possível estabelecer se estamos caminhando junto
com Berkeley, Locke, ou em outra direção. Entretanto, após
o uso da operação de equalização da expressão “of the same
sort” para contestar a operação de desprezar o que é
particular, que são operações essencialmente semelhantes,
este iniciante prefere efetuar leituras mais demoradas antes
de concluir pelo sentido deste parágrafo no que tange às
afirmações de Berkeley sobre Locke. Note-se que a leitura,
de forma geral, é linear. Berkeley usa trechos de Locke para
dar base à sua própria forma de ver a ação mental de
percepção e idealização. O que é dubitável aqui é se os
excertos de Locke utilizados correspondem à idéia geral de
Locke, e nisso é preciso suspender o juízo tanto de Locke
como de Berkeley.
14 – Décimo-quarto parágrafo:
14 Português - Muito foi dito aqui da dificuldade
que as idéias abstratas levam com elas, e das dores e
habilidades necessárias para a formação delas. E todos
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
48 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
concordam que há necessidade de grande esforço e trabalho
mental para emancipar os nossos pensamentos a partir de
objetos particulares e elevá-los a essas especulações
sublimes que são associadas a idéias abstratas. De tudo isso
a conseqüência natural parece ser: que tão difícil coisa
como a formação de idéias abstratas não foi necessária para
a comunicação, que é tão fácil e familiar para todos os tipos
de homens. Mas, dizem, se parecem óbvias e fáceis para
homens adultos, é somente pelo uso constante e familiar
que se tornam óbvias. Agora, eu de bom grado gostaria de
saber em que momento os homens se habilitam a superar
essa dificuldade e a fornecer a si mesmos as necessárias
ferramentas para o discurso. Não pode ser quando estão já
crescidos, porque então parece que não estão conscientes de
qualquer esforço meticuloso. Portanto resta que isto seja de
responsabilidade de sua infância. E, certamente, o grande e
multifacetado trabalho de elaborar noções abstratas será
visto como uma tarefa difícil nesta tenra idade. Não é uma
coisa difícil de imaginar que um par de crianças não possa
tagarelar acerca de seus algodões-doces e chocalhos e do
resto de suas pequenas bugigangas, até que tenham
primeiro unidas as inúmeras inconsistências, e assim
elaborado em suas mentes idéias abstratas gerais, e as
agregado para qualquer nome comum que usam? (tradução
nossa).
14 Inglês - Much is here said of the difficulty that
abstract ideas carry with them, and the pains and skill
requisite to the forming them. And it is on all hands agreed
that there is need of great toil and labour of the mind, to
emancipate our thoughts from particular objects, and raise
them to those sublime speculations that are conversant
about abstract ideas. From all which the natural
consequence should seem to be, that so difficult a thing as
the forming abstract ideas was not necessary for
communication, which is so easy and familiar to all sorts of
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
49 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
men. But, we are told, if they seem obvious and easy to
grown men, it is only because by constant and familiar use
they are made so. Now, I would fain know at what time it is
men are employed in surmounting that difficulty, and
furnishing themselves with those necessary helps for
discourse. It cannot be when they are grown up, for then it
seems they are not conscious of any such painstaking; it
remains therefore to be the business of their childhood. And
surely the great and multiplied labour of framing abstract
notions will be found a hard task for that tender age. Is it
not a hard thing to imagine that a couple of children cannot
prate together of their sugar-plums and rattles and the rest
of their little trinkets, till they have first tacked together
numberless inconsistencies, and so framed in their minds
abstract general ideas, and annexed them to every common
name they make use of?
HES – Aqui Berkeley ironiza sobre a suposta
dificuldade de gerar idéias gerais abstratas, argumentando
que a comunicação com palavras é fácil para qualquer ser
humano, sem ser necessária a formação de idéias abstratas
gerais. Acerca do momento em que o ser humano passa a
poder discursar, Berkeley, considerando a necessidade da
consciência da dificuldade, conclui que isto deve ser tarefa
da infância. Nesse caso, uma conversa entre crianças seria
possível apenas após as idéias abstratas terem sido geradas,
permitindo assim a comunicação entre elas, algo difícil de
imaginar.
(Moto do parágrafo: Contraposição às afirmações de
Locke, a partir de consequências dessas afirmações)
Comentário HES – Berkeley caminha no sentido de
que as palavras são “simples” e que qualquer letrado ou
iletrado as usa sem qualquer dificuldade. Não há esforços
no sentido de formar idéias abstratas gerais antes de usá-las.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
50 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Este iniciante sem dúvida concorda com Berkeley quanto
ao uso de um conceito sedimentado, autor este que efetuou
estudo tão profundo (parafraseando o seu estilo). Apenas
não ficou claro se Locke de fato supõe que seja necessário
efetuar este esforço em cada momento de uma conversação.
Nas palavras de Berkeley, outros (talvez Locke) afirmam
que o hábito conduz ao uso simples. What the heck! Ainda
que seja algo contestável, é preciso ir mais adiante na
argumentação antes de apontar para a sua incorreção. Ao
mencionar a infância e os trabalhos mentais que as crianças
teriam que executar antes de entabular uma conversação
utilizando idéias gerais abstratas, Berkeley emite uma
opinião. Mas é apenas uma opinião. Não há status de
ciência ou de verdade em seus argumentos. Este iniciante
preferiria antes buscar estudos sobre o aprendizado da
linguagem e da lógica nos humanos, para argumentar sobre
a evolução dos conceitos e do domínio das línguas entre os
humanos. É sabido que há um período de percepção das
palavras e de crescimento intelectual intenso do recém-
nascido. Ele não nasce falando e com as conexões da
realidade já estabelecidas (o que é quente, o que é molhado,
o que é claro, o que é escuro, etc.) Assim, há um período
em que as “respostas” do meio são catalogadas e
processadas, para então se passar à comunicação e interação
(de eterno aprendizado, se me é permitida também uma
opinião) com o meio. E o uso da palavra está sendo
processado nesta tenra fase. Se o adjetivo “abstrato” se
aplica ao resultado do trabalho mental do recém-nascido e
da criança em seus primeiros meses, este iniciante necessita
de mais base para argumentar. Mas também Berkeley a
teria necessitado. No contexto de sua época, entretanto,
essas informações não estavam disponibilizadas como
“conhecimento”, o que nos mostra, reiteradamente, que o
autor é um vínculo entre suas idéias e seu momento
histórico.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
51 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
15 – Décimo-quinto parágrafo:
15 Português - Também não penso que elas sejam
em qualquer medida mais necessárias para a ampliação do
conhecimento do que para a comunicação. Sei tratar-se de
um ponto muito enfatizado, de que todo o conhecimento e
demonstração são acerca de noções universais, com o que
concordo plenamente: mas daí não me parece que essas
noções sejam formadas pela abstração da forma como foi
proposto (pressuposto) – universlidade, tanto quanto eu
possa compreender, não consiste na natureza absoluta,
positiva ou na concepção de qualquer coisa, mas sim na
relação que mantém com os elementos significados ou
representados por elas; em virtude disso é que as coisas,
nomes, ou noções, sendo particulares em sua própria
natureza, são convertidos em universais. Assim, quando eu
demonstrar qualquer proposição sobre triângulos, é de se
supor que eu tenha em vista a idéia universal de um
triângulo, o que não deve ser entendido como se eu pudesse
formar uma idéia de um triângulo que não seja nem
equilátero, nem escaleno, nem isósceles, mas apenas que o
triângulo particular que eu venha a considerar, seja desta ou
daquela espécie, não importa, podendo igualmente
substituir ou representar todos os triângulos retilíneos,
sendo nesse sentido universal. Tudo isso parece muito
simples e não inclui qualquer dificuldade em si mesmo.
15 Inglês - Nor do I think them a whit more needful
for the enlargement of knowledge than for communication.
It is, I know, a point much insisted on, that all knowledge
and demonstration are about universal notions, to which I
fully agree: but then it doth not appear to me that those
notions are formed by abstraction in the manner premised -
universality, so far as I can comprehend, not consisting in
the absolute, positive nature or conception of anything, but
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
52 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
in the relation it bears to the particulars signified or
represented by it; by virtue whereof it is that things, names,
or notions, being in their own nature particular, are
rendered universal. Thus, when I demonstrate any
proposition concerning triangles, it is to be supposed that I
have in view the universal idea of a triangle; which ought
not to be understood as if I could frame an idea of a triangle
which was neither equilateral, nor scalenon, nor equicrural;
but only that the particular triangle I consider, whether of
this or that sort it matters not, doth equally stand for and
represent all rectilinear triangles whatsoever, and is in that
sense universal. All which seems very plain and not to
include any difficulty in it.
HES – Berkeley menciona que idéias gerais são
importantes para o conhecimento e para a comunicação e
confirma a noção de que conceitos são relevantes. Nesse
caso, o conceito universal de triângulo é apresentado com
sua simplicidade, já existente como conceito. A isso já foi
referido no comentário do 13º parágrafo. A simplicidade do
conceito, ou da idéia universal, aqui colocada substituindo a
idéia “abstrata” (ou não?) geral, é enfatizada ao final do
parágrafo.
(Moto do parágrafo: Retomada da descrição do
triângulo sem características de triângulo. Ênfase na
simplicidade de idéias universais)
Comentário HES –. Considerando o dito no
comentário do 13º parágrafo, parece que caminhamos no
mesmo sentido que Berkeley. A leitura de Locke, nos
parágrafos escolhidos por Berkeley, entretanto, não permite
concluir se Locke descreve a formação inicial do conceito,
ou se é necessário efetuarmos as operações continuamente.
A conversão das coisas particulares em universais é
defendida como sendo diferente da abstração anteriormente
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
53 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
descrita (aqui Berkeley evita o uso de “idéia geral” ou de
“idéia abstrata geral” – parece que o termo universal desvia
da questão da abstração). Há, é dito, uma relação entre a
idéia geral e os elementos a que dá significado. Mais uma
vez essa relação está oculta nas palavras usadas. Sim,
porque afinal como essa relação se impõe? Não terá sido
isso o que Locke estava tentando desvendar? (Se conseguiu
ou não é uma outra questão). Apenas dizer que há uma
relação subentende, nesta altura do texto, que essa relação
considera algo comum entre a idéia geral (que não é
abstrata, segundo Berkeley) e o elemento ou o conjunto de
todos os elementos que ela possa representar. Como já foi
comentado anteriormente, isso passa pela palavra “same”,
ou seja, há uma operação de equalização, que Berkeley não
evidencia.
16 – Décimo-sexto parágrafo:
16 Português - Mas aqui se exige explanar: como
podemos saber que qualquer proposição para todos os
triângulos particulares possa ser verdadeira, exceto que
tenhamos primeiro visto demonstrada a idéia abstrata de um
triângulo que também concorda com todos? Por que, se
pode ser demonstrado que uma propriedade concorda com
um triângulo particular, não seguirá daí que igualmente
pertença a qualquer outro triângulo, que em todos os
aspectos não será similar ao primeiro. Por exemplo, tendo
demonstrado que os três ângulos de um triângulo isósceles
retangular igualam dois retos, não posso daí concluir que
esta propriedade concorde com todos os demais triângulos
que não têm nem um ângulo reto nem dois lados iguais.
Parece, portanto, que, para ter certeza de que esta
proposição é uma verdade universal, temos que fazer uma
demonstração especial para cada triângulo particular, o que
é impossível, ou, de uma vez por todas, demonstrá-la para a
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
54 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
idéia abstrata de um triângulo, em que todos os elementos
indiferentemente participam e pela qual todos estão
igualmente representados. Ao que eu respondo, que,
embora a idéia que tenho em vista enquanto faço a
demonstração ser, por exemplo, a de um triângulo isósceles
retangular cujos lados são de um comprimento
determinado, posso, contudo, ter a certeza de que se estende
a todos os demais triângulos retilíneos, de qualquer tipo ou
tamanho. E isso porque nem o ângulo reto, nem a
igualdade, nem determinado comprimento dos lados estão
por fim envolvidos na demonstração. É verdade que o
esquema que tenho em vista inclui todos estes detalhes, mas
não há a menor menção deles na prova da proposição. Não
se disse que os três ângulos são iguais a dois retos porque
um deles é um ângulo reto, ou porque os lados que o
englobam são do mesmo comprimento. Isto mostra
suficientemente que o ângulo reto poderia ter sido oblíquo,
e os lados desiguais, e para todas (as variações) a
demonstração teria se mantido bem. E por isso é que eu
concluo que é verdade para qualquer triângulo obliquângulo
ou escaleno aquilo que demonstrei para um triângulo
retângulo isósceles em particular, e não porque eu
demonstrei a proposição da idéia abstrata de um triângulo.
E aqui se deve reconhecer que um homem pode considerar
uma figura meramente como triangular, sem atentar para as
qualidades particulares dos ângulos, ou relações dos lados.
Até aqui ele pode abstrair, mas isso “nunca” prova que ele
pode gerar uma idéia abstrata geral, inconsistente de um
triângulo. De maneira semelhante, podemos considerar
Pedro tanto como homem, ou como como animal, sem
engendrar a mencionada idéia abstrata de homem ou
animal, na medida em que tudo o que é percebido não é
considerado.
16 Inglês - But here it will be demanded, how we
can know any proposition to be true of all particular
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
55 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
triangles, except we have first seen it demonstrated of the
abstract idea of a triangle which equally agrees to all? For,
because a property may be demonstrated to agree to some
one particular triangle, it will not thence follow that it
equally belongs to any other triangle, which in all respects
is not the same with it. For example, having demonstrated
that the three angles of an isosceles rectangular triangle are
equal to two right ones, I cannot therefore conclude this
affection agrees to all other triangles which have neither a
right angle nor two equal sides. It seems therefore that, to
be certain this proposition is universally true, we must
either make a particular demonstration for every particular
triangle, which is impossible, or once for all demonstrate it
of the abstract idea of a triangle, in which all the particulars
do indifferently partake and by which they are all equally
represented. To which I answer, that, though the idea I have
in view whilst I make the demonstration be, for instance,
that of an isosceles rectangular triangle whose sides are of a
determinate length, I may nevertheless be certain it extends
to all other rectilinear triangles, of what sort or bigness
soever. And that because neither the right angle, nor the
equality, nor determinate length of the sides are at all
concerned in the demonstration. It is true the diagram I
have in view includes all these particulars, but then there is
not the least mention made of them in the proof of the
proposition. It is not said the three angles are equal to two
right ones, because one of them is a right angle, or because
the sides comprehending it are of the same length. Which
sufficiently shows that the right angle might have been
oblique, and the sides unequal, and for all that the
demonstration have held good. And for this reason it is that
I conclude that to be true of any obliquangular or scalenon
which I had demonstrated of a particular right-angled
equicrural triangle, and not because I demonstrated the
proposition of the abstract idea of a triangle And here it
must be acknowledged that a man may consider a figure
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
56 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
merely as triangular, without attending to the particular
qualities of the angles, or relations of the sides. So far he
may abstract; but this will never prove that he can frame an
abstract, general, inconsistent idea of a triangle. In like
manner we may consider Peter so far forth as man, or so far
forth as animal without framing the fore-mentioned abstract
idea, either of man or of animal, inasmuch as all that is
perceived is not considered.
HES – Berkeley abusa do exemplo de Locke do
triângulo, adaptando-o aos seus argumentos. Talvez melhor
seja que o leitor leia o comentário HES seguinte.
(Moto do parágrafo: Mais uma retomada da
descrição do triângulo. Ênfase da não necessidade da
abstração)
Comentário HES – Berkeley parte para defender a
sua proposta, ou o seu ponto de vista contrário à abstração,
utilizando a idéia do triângulo no que tange á soma de seus
ângulos. Esta é uma argumentação que se fundamenta em
uma verdade sob qualquer interpretação. O triângulo plano
tem sua propriedade de seus ângulos somarem em geral.
É uma “tautologia no sentido geométrico”. Se quisermos
particularizar a interpretação como sendo dos triângulos
isósceles, a tautologia valerá. Se for a interpretação dos
escalenos, a tautologia valerá, e assim por diante. Afirmar
isso de um triângulo é afirmar isso sempre. Berkeley faz
então suas afirmações paralelas e associa suas idéias de
abstração às conclusões do triângulo que, nesse aspecto,
sempre serão verdadeiras. Não se trata de uma
demonstração. É um artifício retórico. Nesse caso
específico, é o uso de uma “tautologia” em benefício de
suas afirmações. Do pouco que foi dado a conhecer do texto
de Locke, este autor busca explicar um caminho para a
formação da idéia do triângulo, e não usa as propriedades
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
57 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
do triângulo para justificar suas idéias. Berkeley sabe de
antemão que a soma dos ângulos de um triângulo igual a
dois ângulos retos (como todos sabemos). Portanto, isso
não é um argumento para qualquer proposição (mas
Berkeley com isso justifica suas idéias). A construção feita
é, de forma simplificada, isto:
Premissa Condicional 1: A pedra cai para cima se os
ângulos de um triângulo somarem dois retos.
Premissa 2: A soma dos ângulos de um triângulo
iguala dois retos.
Conclusão: Portanto a pedra cai para cima.
Poderia ter sido construída uma argumentação sobre
outras propriedades de triângulos, que não são gerais.
Poderia ter sido dito que há triângulos em que o
comprimento de um lado elevado ao quadrado produz como
resultado a soma dos comprimentos dos outros dois lados
elevados ao quadrado. Em que medida isso conduz a uma
idéia geral? Seria essa uma idéia geral “concreta”? Ou isso
exige alguma “abstração”? O termo “universal” resolve
isso? Trata-se apenas de usar ou não a palavra “abstrata”?
Berkeley termina seu parágrafo considerando “na
medida em que tudo o que é percebido não é considerado”.
Parece uma preparação para o seu “ser é ser percebido”.
Entretanto, a percepção do triângulo aqui exemplificada
considerou o “ser” mais geral com suas propriedades já
conhecidas e estabelecidas. Nesse contexto, Berkeley
mostrou que “perceber é perceber o sido”, ou seja, perceber
o que já é, o que já está definido, com suas propriedades
perfeitamente estabelecidas. Melhor teria sido não usar uma
tautologia.
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
58 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
Aposto aos parágrafos décimo a décimo-sexto:
O texto pode ser resumido, nisto que talvez
possamos denominar de segundo movimento, observado
nos parágrafos décimo a décimo-sexto, em três momentos
(está-se resumindo a leitura dogmática, não os
comentários):
1) Negação da abstração, conforme defendida
anteriormente;
2) Introdução de John Locke para exemplificar a
defesa da abstração, com fixação no uso da palavra;
3) Negação do sentido do exemplo de Locke. Tanto
o exemplo da palavra como gerada pelos esforços de
abstração descritos, sendo esta usada pelos mais simples e
pelas crianças, como o exemplo do triângulo.
O texto desses parágrafos termina em tom de
expectativa: qual será o próximo passo na argumentação de
Berkeley? Ele partiu de um pressuposto, de que a mente
tinha dificuldades para o entendimento da natureza das
coisas. Discorreu sobre as convicções de autores
precedentes, para os quais a mente gera abstrações, mas isto
seria uma “ação mental” para os letrados, ficando a plebe
ignara (em maior número) livre dessas necessidades de
abstrações.
Posteriormente Berkeley se coloca de forma
contrária a este ponto de vista, utilizando agora o exemplo
de John Locke, talvez um “abstracionista convicto”,
mostrando que as afirmações de Locke não são verificáveis
na prática (para Berkeley). Isso é apresentado com o
exemplo da palavra para as crianças e para o exemplo da
soma dos ângulos de um triângulo. Entretanto, o texto ainda
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
59 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
não apresenta a própria idéia de Berkeley. Daí estes
parágrafos terminarem em um tom de expectativa. Isto está
ilustrado na figura 2.
Figura 2: O movimento do texto parágrafos décimo a décimo-sexto,
conforme descrito no “aposto aos parágrafos décimo a décimo-sexto”
(vide texto).
Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz
60 São Carlos, 2012.
Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
17 – Nota final:
O texto lido é interessante. A sua continuação
deverá ser efetuada nos estudos subsequentes do Projeto:
Humanização como ferramenta de aumento de interessa nas
exatas.
Em termos de estratégia de ensino, ou de
transmissão de idéias complexas, o que se observa é a
apresentação de uma contestação e, posteriormente, o uso
de passagens de terceiros (que parecem ser particulares, ou
seja, restrita a uma visão do autor original) para construir
uma argumentação em defesa dessa posição contestatória.
Os argumentos, entretanto, são mais opinativos e, quando
deveriam ser fundamentados em uma base diferente,
utilizam-se de omissões (no caso, por não mostrar que há
uma operação de equalização ao utilizar “same”) ou de
construções efetuadas com paralelismo a tautologias (o
exemplo da pedra que cai para cima explica o que foi
entendido da leitura). Para a área de exatas os argumentos
retóricos atrapalham, a menos que de fato se baseiem em
eventos demonstráveis.
De forma geral, o texto emana um “espírito de
época”, tanto pelas menções dos iletrados, como pela
própria descrição do problema abordado. Uma leitura
dogmática foi feita (atestada pelos resumos), mas o
contexto genético foi também explorado, no sentido de
evidenciar que podemos pensar diferente hoje.
Berkeley cunhou a expressão “ser é ser
percebido”. A leitura aqui feita considera aspectos que
sugerem uma posição atingida em que “perceber é perceber
o sido”, algo talvez elementar. Entenda-se esta forma de
colocar as conclusões como a evolução desta leitura que
questiona. Outros poderão concluir diferentemente.
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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas
18 – Referência Bibliográfica:
Berkeley, George. A treatise concerning the
principles of human knowledge, p. 3-6. Obtido de http://philosophy.eserver.org/berkeley.html em 20/11/2012.
Imagem da capa:
O retrato de Berkeley foi trabalhado para parecer forjado
em baixo-relevo. Tem-se dois retratos, um percebido de
forma impressionista e outro de forma quase
expressionista. Trata-se de um jogo figurativo das duas
construções vinculadas às leituras efetuadas: ser é ser
percebido, perceber é perceber o sido.
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