África em José Afonso
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Ana DomingasPardilhó, Portugal
2011
José Manuel Cerqueira
Afonso dos Santos
nasceu a 2 de Agosto
de 1929 em Aveiro. Das
suas variadas estadas
em Angola e
Moçambique, que
tiveram inicio em 1933,
destaca-se a que
decorre entre 1964 e
1967. Para Zeca Afonso
esta foi uma fase de
grande criatividade
musical desencadeada
pelo contacto com os
ritmos africanos que
marcariam para sempre
as suas canções.
O ano de 1964 tem
bastante importância
na vida de Zeca Afonso
devido a vários
factores: casa-se com
a segunda mulher
Maria Zélia, muda-se
com ela para Lourenço
Marques (actual
Maputo - Moçambique)
onde começa a dar
aulas de História e
escreve o poema
“Grândola, vila
morena” dedicada à
Sociedade Musical
Fraternidade Operária
Grandolense.
Ao chegar a
Lourenço Marques
instalou-se no bairro
pobre do Alto Maé,
onde ficou sob
vigilância do chefe
da subdelegação
local da PIDE, que
deu a conhecer à
direcção que esta foi
«a oportunidade de
trocar impressões
com aquele
“fadista”»,
verificando se ele
continuava «hostil às
instituições
vigentes».
Após quinze dias do nascimento da
filha Joana a 8 de Agosto de 1965, a
família partiu para a cidade Beira
onde José Afonso foi colocado após ter
sido de certa forma corrido de
Lourenço Marques por dar aulas
nocturnas gratuitas a uma associação
local. Quando chegou, foi logo emitida
da direcção da PIDE de Lisboa uma
ordem de apreensão de todos os seus
discos que estivessem à venda.
Instalou-se em Ponta Gea, perto da
praia e nas traseiras da sua casa
ouvia-se música africana que dava na
Rádio Pax.
Aos fins-de-semana ia com o irmão João e
amigos até ao caniço de Xipangara para filmar,
fotografar e recolher músicas populares de
pessoas que encontrava. Destas pesquisas
guardou influências dos ritmos africanos e fez
uma canção que descreveu como uma
«meramente rememorativa - evocativa de
personagens e
lugares» intitulada «Lá
no Xipangara» (Coro dos
tribunais, 1975). O álbum
Coro dos
tribunais foi o
seu primeiro trabalho
gravado sem censura.
Encontramos mais alusões a
Moçambique na canção «Carta
a Miguel Djéjé» (Traz um
amigo também, 1970), onde
existem referências ao bairro
de Ponta Gea e à Manga na
Beira e ao mercado
Xipamanine em Lourenço
Marques. Quando regressou a
Portugal, integrou nos
acompanhamentos das suas
músicas os mais variados
instrumentos de percussão de
raiz Africana.
O que mais o marcou nas suas estadas em
Moçambique foi a realidade colonial, à qual se deve
o seu baptismo político. Disse que quando partiu já
estava preparado e sabia qual o seu papel como
professor e quais os alunos que ia ensinar,
intitulando-se como um “veículo de transmissão
ideológica de uma classe dominante”. Era-lhe muito
penoso fazer parte do “meio do branco colonizador”
por isso
ia-se infiltrando em alguns meios e através
das suas cantigas conseguia passar a
mensagem que pretendia. Face a todos os
episódios que lá passou, ficou
extremamente ligado àquela realidade
física que era o colonialismo.
A influência da música africana ficou sempre
presente na sonoridade de José Afonso.
Canções como “Galinhas do mato” (Galinhas
do mato, 1985), “Um homem novo veio da
mata” e “Eu, o Povo” (Enquanto há força,
1978) têm claramente influências de estilos
musicais Moçambicanos como a kwela e a
marrabenta. A utilização do xilofone, da
marimba, do djembe e de vozes de crianças e
mulheres utilizando vocábulos como na canção
“Galinhas do mato” remetem-nos
automaticamente para África.
http://www.youtube.com/watch?v=SjGHOU-k4j
Y
Ao visualizarmos o DVD do concerto no Coliseu
dos Recreios a 29 de Janeiro de 1983, é com
grande gozo que nos apercebemos que a
sonoridade africana está quase sempre
presente. Neste concerto, ele afirma que a
música das beiras e os ritmos africanos têm
muitas semelhanças.
http://www.youtube.com/watch?v=gh0co2F-Q8c
Para mim, a canção “Galinhas do mato” é dos
melhores exemplos da influência que a música
africana fruiu sobre Zeca Afonso. Ele considerou-
a completamente africana, reflectindo de tal
forma a sua passagem por África que o reportava
à sua infância no Planalto do Bié.
Numa primeira audição, fica-mos com uma série
de dúvidas, mas podemos dizer que não é Zeca
Afonso porque não é ele a cantar mas sim
música tradicional africana, com timbila e vozes.
Todo o álbum Galinhas do mato, de 1985, é
constituído por 10 temas e praticamente todos
eles contêm um elemento que nos remete para
África. Seja na letra, no ritmo ou na utilização de
instrumentos tradicionais africanos.
http://www.youtube.com/watch?v=NEdC2t0
Hb3Y
A canção “Escandinávia Bar – Fuzeta” é a
escolhida para o clip de promoção do álbum,
onde, segundo a minha interpretação, Zeca
Afonso tenta inverter os papéis do
colonizado e do colonizador, apresentando
os pescadores brancos da Fuzeta a serem
fotografados pelo turista africano negro.
Devido ao avançado estado de doença do cantor, também
colaboraram neste álbum Júlio Pereira, Fausto, Luís
Represas, Helena Vieira, Janita Salomé, José Mário Branco,
Né Ladeiras, Catarina e Marta Salomé. Zeca só cantou dois
temas – “Década de Salomé” e “Escandinávia Bar - Fuzeta”
e inclui composições que gravou dispersamente em
cassetes e «faixas exclusivamente instrumentais onde
combinava experiências sonoras novas e cantigas de
temática social e política». Por sua vez, a canção “Tu gitana”
foi feita com a letra de uma canção de Vila Viçosa que José
tinha cantado nos tempos de Coimbra e gozava uma
tessitura que só uma voz educada como a de Helena Vieira
podia cantar.
Já “Tarkovsky” foi feita com o intuito de transmitir um
pouco do ambiente de África e da Rússia de maneira a
homenagear o cineasta russo Andrei Tarkovsky, pois José
admirava o seu trabalho devido à «ligação telúrica à
“mãe”»-terra dos seus filmes. O Diário de Notícias titulou
um artigo sobre este álbum, comentando que o disco
remetia para os “dias de maior inspiração do autor de
Cantigas do Maio, no final dos anos 60 e início dos 70”. “A
diversidade e a riqueza deste disco faziam dele uma
verdadeira festa onde havia ternura e agressividade
(agora doseada com um certo sarcasmo), o surreal e o
popular”, sem esquecer os ritmos africanos e sons que
remetiam à Europa Oriental.
O crítico Manuel Pedro Ferreira considerou a canção “Década de Salomé” sobre a entrada
de Portugal na CEE explicando que era a canção mais sofisticada e de difícil audição e
manifestou a ideia de se abordar este trabalho de Zeca Afonso de forma analítica, tarefa
raras vezes feita. Considerado o derradeiro disco de originais de José Afonso, valeu-lhe
um disco de prata.
Bibliografia
•“José Afonso”, Fotobiografias Século XX, Irene Flunser Pimentel, Temas e Debates
e Autor (Círculo de Leitores), Março de 2010
•“José Afonso – Todas as Canções”, Guilhermino Monteiro, João Lóio, José Mário
Branco e Octávio Fonseca, José Afonso/ SPA, 2010, Assírio e Alvim, Novembro
2010
•"Os lugares de Zeca Afonso" artigo de Ana Margarida de Carvalho, Visão nº 729
•“Zeca Afonso e a Malta das Cantigas”, José Jorge Letria, Terramar Abril de 2002
Discografia
•“Traz outro amigo também” – José Afonso, 1970 Orfeu, 1996 Movieplay
•“Coro dos tribunais” – José Afonso, 1974 Orfeu, 1996 Movieplay
•“Com as minhas tamanquinhas” – José Afonso, 1976 Orfeu, 1996 Movieplay
•“Galinhas do mato” – José Afonso, 1985, mvm records
Videografia
•“José Afonso ao vivo no coliseu – Ao Vivo no Coliseu dos Recreios 29 de Janeiro
1983”, 2010 Companhia Nacional de Música
“Sou, no fundo,
fruto de muitas
gentes,
de muitos
lugares,
de muitos
dissabores”.
José Afonso
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