A QUALIDADE SOCIAL NA EDUCAÇÃO PELA LENTE DOS GESTORES DA
ESCOLA PÚBLICA
Geisa do Socorro Cavalcanti Vaz Mendes - PUC-Campinas
Margarida Montejano da Silva - Prefeitura Municipal de Campinas
Mara Regina Lemes De Sordi - Unicamp
Resumo
As políticas educacionais de avaliação instituídas na realidade brasileira nas últimas
décadas, efetivadas por meio dos exames em larga escala, têm revelado elementos
inerentes a lógica empresarial ao se responsabilizar as escolas pelos resultados, tais como:
performatividade, gerencialismo, entre outros. Isso se fortaleceu com o incremento do
índice de desenvolvimento da educação básica, para medição do desempenho dos
estudantes em duas áreas do conhecimento e no controle do fluxo escolar. Objetiva-se
nessas políticas elevar os indicadores de rendimento dos estudantes, nos exames de larga
escala nacional e internacional. Constata-se os limites do modelo avaliativo por se reduzir
a medida dos resultados alcançados pelos estudantes em alguns componentes curriculares
como sinônimo de qualidade social. Levando-se em conta que qualidade e avaliação é
tema complexo e não pode se reduzir a indicadores quantitativos, propomo-nos, neste
texto, trazer para reflexão um recorte de pesquisa, em andamento, realizada com a equipe
gestora de oito escolas de uma rede municipal, paulista, a qual tem defendido processos
de avaliação institucional participativa, como política pública. Os dados emergem de
entrevistas semiestruturadas realizadas com dezesseis sujeitos, entre novembro/2013 à
fevereiro/2014. Dados preliminares apontam que a qualidade se alcança por meio de uma
formação ampliada dos estudantes, da participação dos estudantes nas decisões da escola,
da inclusão social, do comprometimento com as aprendizagens, da organização coletiva
do trabalho escolar, da integração da família na escola. Esses elementos, de acordo com
as equipes gestora, são sinalizadores do que vem a ser qualidade para a escola pública,
não mensurados nos exames externos.
Palavras-chave: Avaliação em larga escala. Avaliação Participativa. Qualidade social.
Introdução
A preocupação com a elevação dos índices de desenvolvimento humano e em
especial no que concerne aos níveis de escolaridade tem ocupado, nas últimas décadas,
espaço considerável nas agendas políticas dos governantes e seguimentos não
governamentais, ocasionando adoção de medidas gerencialistas em defesa da qualidade
da escola pública. A tônica tem sido elevar a qualidade das redes de ensino e melhorar os
indicadores de rendimento dos estudantes nos exames de larga escala nacional e
internacional. Sob a égide neoliberal, tais medidas são acompanhadas, quase sempre de
“boas intenções”, contudo, visam atender as lógicas regulatórias do mercado, uma vez
que delimita o conceito de qualidade, realoca sentidos – do econômico para o educacional
e ressignifica valores, produzindo a competitividade e a exclusão. Como afirma Carbonell
(2002) o neoliberalismo têm, enquanto projeto hegemônico, regulado toda a economia
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em escala global e esta, tem exercido domínio poder sobre a educação, em detrimento da
cultura e da política.
Levando em conta que qualidade é tema complexo e polissêmico,
propomo-nos, neste recorte da pesquisa, (Observatório da Educação - CAPES) realizada
em oito escolas municipais, em uma cidade do interior paulista, apresentar alguns
elementos para a reflexão sobre a educação na escola pública, a partir de indicadores
apontados pela equipe gestora como sendo de qualidade social, não mensurados nos
exames externos. Os dados emergem dos depoimentos dos sujeitos, em entrevistas
realizadas entre o período de novembro/2013 e fevereiro/2014. Entrevistou-se 16
gestores, sendo 06 diretores, 04 vice-diretores e 06 Orientadores Pedagógicos que
relatam como compreendem a qualidade social.
Para tratar do que os gestores anunciam como outros elementos que contribuem
para a qualidade da educação, os quais não são identificados nos exames, discorreremos
inicialmente sobre algumas significações ao termo qualidade e avaliação, implícitas às
políticas públicas; na sequência são apresentados as vozes dos gestores; e finalizamos
confirmando os limites do atual modelo de avaliação.
Qualidade e avaliação: considerações acerca de seus singnificados
Refletir sobre a qualidade da educação nos remete, inevitavelmente a verificar os
mecanismos utilizados pelas políticas públicas para a impressão da ideologia pretendida,
constando a lógica neotecnicista atribuída à avaliação. Nessa esteira, a relação avaliação
e qualidade se estreitam definindo rumos da educação.
No final da década de 1980 e início da década de 1990, podemos dizer que se
inscreve no País uma “cultura da avaliação”, ancorada na medida, por meio de exames
em larga escala, que abarca todos os níveis de ensino. A criação do Sistema de Avaliação
da Educação Básica (SAEB) vem consolidar a avaliação externa na educação básica, com
o objetivo de construir dois tipos de medidas, a saber: da aprendizagem dos estudantes,
e dos fatores de contexto relacionados com o desempenho escolar. Pretende subsidiar a
formulação de políticas públicas, a partir do diagnóstico da eficiência dos sistemas no
processo de ensino-aprendizagem e a equidade da educação oferecida (BRASIL, 1994).
Observa-se ao longo dos anos mudanças nesses objetivos e nos desenhos avaliativos da
política de avaliação, abre-se espaços para a introdução de sistemas de responsabilização,
a partir de 2007, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica -
IDEB. Segundo Freitas (2013, p. 149), "neste novo estágio, modelos estatísticos são
usados para apoiar as concepções de educação baseadas em responsabilização".
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No IDEB há a combinação de dois indicadores para monitoramento do sistema de
ensino, a saber: a) indicadores de fluxo - taxa média de aprovação em determinada etapa
de ensino (promoção, repetencia e evasão) - obtidos no Censo Escolar; e b) pontuações
em exames padronizados (língua portuguesa e matemática) obtidas por estudantes ao final
do ensino fundamental (anos iniciais e finais) e ensino médio, a partir das médias de
desempenho nos exames do SAEB e da Prova Brasil (BRASIL, 2007). Constata-se um
reducionismo do conceito de qualidade educacional ao que é testado em duas disciplinas,
e a aprovação/reprovação, como referido acima, conduzindo ao estreitamento curricular,
reforçando fragmentação do currículo, bem como o abandono a perspectiva
interdisciplinar de formação (OLIVEIRA, 2013).
A divulgação e o uso dos resultados desse índice, como o indicador de qualidade
do ensino, trouxeram consigo implicações para as relações entre União e entes federados,
sobretudo, para as redes municipais, que estão na ponta de todo esse processo. Diversos
autores (FREITAS et al, 2009; FREITAS, 2012, 2013; SOUSA & ARCAS, 2010;
OLIVEIRA, 2013, e outros.) tem afirmado que, a partir dessa política, verifica-se a
introdução e aprimoramento de mecanismos de gestão educacional assentados no
monitoramento dos resultados educacionais para elevar os índices, que levam aos
seguintes efeitos: redefinição do currículo escolar; incorporação de premiação e punição
de escolas e seus agentes; ranqueamento das escolas, alunos, redes; responsabilização das
escolas, professores, alunos; preparação/treinamento dos alunos para fazer o teste ou o
estímulo a não fazê-lo àqueles que a priori terão notas menores; sistemas de terceirização
de serviços, de parcerias público-privado etc.
Pode-se inferir que essa situação apresenta ainda um dos limites, por exemplo do
IDEB, quando desconsidera as condições socioeconômicas em que ocorre o processo
educativo. Isso instiga os defensores da qualidade social a colocar no debate a influência
do nível sócio econômico (NSE), na constituição dos indicadores de desempenho. O NSE
dos estudantes e suas famílias marca indelevelmente os resultados que estes obtêm nos
exames nacionais ou internacionais que regem as políticas de regulação da qualidade
educacional. É possível afirmar que uma vez conhecido este indicador e disposto na forma
de tabela classificatória, haverá coincidência da distribuição dos estudantes ao se
comparar com as notas obtidas nos exames (FREITAS et al 2009).
Ressalta-se que não se trata de ser contrários às avaliações, tampouco ao
diagnóstico que elas oferecem, o que se põe em relevo é o uso que se tem feito delas e a
lógica que as percorre. O problema se instala quando as políticas educacionais, o sistema
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de ensino (federal, estadual, municipal) se vale dos dados para acirrar a competitividade
entre suas redes. Cria-se uma corrida desenfreada para ver quem chega nos primeiros
lugares do topo do ranking em função ora da recompensa via bonificação ora se livrar da
punição via execração pública, sem se questionar mais os balizamentos do diagnóstico
que acabam dando forma a concepções de qualidade desprovidas de pertinência social.
Demarca-se que não está em discussão a qualidade da educação oferecida na
escola. A qualidade é condição de existência desta escola e a aprendizagem significativa,
dela, é consequência. Partindo deste pressuposto as alterações pedagógicas coadunam-se
com o dever de se garantir o direito constitucional de educação a todos. O Estado, a escola
e a família se constituem em instituições responsáveis para a realização desse direito
inalienável às crianças e jovens.
Por fim, o significado de avaliação é bem mais amplo do que lhe é atribuído nessas
políticas, consiste em um processo que pode tomar a medida como uma de suas
dimensões, valendo-se dela para prover análises que deem sustentação a tomada de
decisão. É mister considerar que a qualidade educacional aqui defendida, é a “Qualidade
Negociada” fundamentada no conceito de Anna Bondioli (2004, apud FREITAS et al,
2009), por ser detentora de uma natureza: negociável, participativa, autorreflexiva,
contextual e formadora, a qual não se limite a indicadores que medem a proficiência em
componentes curriculares e a taxas de aprovação, mas que abarque uma formação ampla
em que seja contemplados todos os componentes curriculares, a construção de valores, as
regras de socialização, formação para cidadania, processos de gestão que viabilize a
participação democrática, condições de funcionamento das escolas em termos de
infraestrutura física, e de pessoal (quadro de professores completos, jornada de trabalho
etc.).
Indicadores de qualidade: olhando a escola pela ótica dos gestores
Indicadores são sinais que revelam aspectos de determinada realidade e que
podem qualificar algo e servem para medir situações diversas. A variação dos indicadores
nos possibilita constatar mudanças para uma condição de melhoria/satisfação ou, para
resultados abaixo do desejado, representando uma situação de piora. Quando se avalia a
escola, por exemplo, pode-se dizer que os indicadores apresentam a sua qualidade em
relação a importantes elementos de sua realidade, que abarcam várias dimensões.
O fato é que não basta “medir” a qualidade da escola, os dados de avaliação devem
produzir sentidos e estes se ampliam quando estão próximos dos atores da escola.
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Esquecidos nos relatórios, eles acabam inertes e desprezíveis, truncando-se as
possibilidades de transformação qualitativa da realidade das instituições escolares.
Com base nestas indagações e constatações, algumas questões nos provocam no
espaço da pesquisa, levando-nos a investigar: como a escola produz qualidade social?
Como os alunos se desenvolvem em seus espaços? Como se verificam as aprendizagens?
O que o aluno aprende quando não aprende? Como os gestores identificam ou elementos
reveladores de qualidade social que não são “medidos” pelos exames em larga escala?
Na tentativa de elucidar essas questões destacamos das falas dos gestores, aquelas
que revelavam noções de elementos que podem compor indicadores de qualidade social
da educação que a escola valoriza, não são considerados pela avaliação externa. Dentre
as ideias selecionamos aquelas que traduzem conceitos de qualidade, quais sejam:
formação ampliada; participação dos alunos; comprometimento com as aprendizagens;
inclusão social; organização coletiva do trabalho escolar; e integração da família na
escola.
Considerando que a escola é um espaço de relações e de finalidade clara e, os
sujeitos que a descrevem a vivenciam, tomamos emprestadas as palavras de Zabalza,
quando diz que a “qualidade, [...] não é tanto um repertório de traços que se possuem,
mas sim algo que vai sendo alcançado. A qualidade é algo dinâmico [...] algo que se
constrói dia a dia e de maneira permanente” (1998, p. 31- Grifos do autor).
Respeitando a sequência das informações coletadas sobre qualidade, a formação
ampliada, emerge como um dos seus elementos, representando todas as situações que,
segundo os gestores, envolvem as aprendizagens não captadas nas avaliações externas,
tais como: atividades curriculares diversificadas, formação além da dimensão cognitiva e
do conteúdo disciplinar, formação para a construção de valores (respeito, solidariedade),
formação para a cidadania (consciência cívica, participação, organização, compromisso
com o coletivo). Vejamos a voz dos gestores:
Conteúdos procedimentais, os atitudinais. A participação no Grêmio,
por exemplo, isso não é medido pelo IDEB.
A questão de que ele, o aluno, pode avaliar o ambiente em que ele
estuda e este tipo de percepção, de consciência política, de autonomia,
de pró-atividade mesmo, de fazer as coisas, de conversar, reclamar, ter
uma voz, saber que tem esta voz e que é escutado e pode ver resultado.
[...] O poder de ter essa criatividade, a iniciativa de pedir e depois
assim...de até detalhar o que eles querem. [...] Vai se fazer um sarau
de música, com apresentação de canto, de instrumentos, de danças,
festa com músicas pra dançar.
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A gente tem sempre um tema geral que pega algum assunto de valores,
valores humanos, então um ano a gente trabalho direitos humanos, no
outro a solidariedade, esse ano foi a responsabilidade.
Atenção, honestidade: valores que fazem toda diferença na escola, que
fazem muita diferença na sala de aula, no comportamento do aluno.
A formação ampliada a partir de olhares e perspectivas diferentes dos sujeitos
aproxima-se do campo dos valores, uma vez que extrapolam o conhecimento formal.
Apontam que, sem uma métrica razoável, os testes revelam a sua impotência na
identificação daquilo que tem significado e marca a vida dos alunos. Daquilo que pode,
de fato, produzir a superação das dificuldades de aprendizagem e das relações sociais
dentro da instituição. Freire (1996) nos ajuda a avançar para além do currículo formal
rumo à formação ampliada quando questiona:
Porque não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva
associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em
que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior
com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma
“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm com os indivíduos? (p. 30)
A participação dos alunos vem à tona como sendo outro elemento essencial para que
se alcance um patamar de qualidade. Ela se efetiva nos processos coletivos de
planejamento, de reflexão, de avaliação, conforme anunciam os gestores, os alunos estão
aprendendo a pautar:
Porque os alunos vêm com reivindicações, demandas… eles demandam
para a escola […].
Eles [alunos] têm uma coletividade maior, uma convivência maior e
uma consciência do que precisa ser feito.
Os alunos se propõem a fazer atividades, por exemplo, esse ano
começou o grêmio. [...] os pequenininhos tão pleiteando, assim,
pleiteando certas coisas, que eu estou achando legal.
Os gestores olham para a escola e concordam que o comprometimento com as
aprendizagens é fundamental para melhorar a qualidade e cabe, aos adultos responsáveis
pelas crianças, pais, educadores, funcionários, direcionar maior atenção às dificuldades e
à realidade dos alunos. O estabelecimento de práticas pedagógicas diferenciadas pode
fazer a diferença na construção do conhecimento e enfrentamento das dificuldades de
aprendizagem das crianças. Realçam também que a escola não pode se furtar a rever o
projeto pedagógico e de repensar outras atividades para promover as aprendizagens.
E a gente às vezes vê que o aluno está enfrentando um conflito que se
arrasta e não acaba; como ele vai ter cabeça pra produzir uma
redação, um teste de matemática. Eu vejo que têm alunos que não
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conseguem parar; é um turbilhão de ações; não conseguem se
organizar... Isso os testes não medem.
Nós temos que ter um olhar diferenciado pra cada um dos alunos;
porque a minha necessidade não é a mesma que a sua, a minha forma
de aprender não é a mesma que a sua. Então, a minha fala é o olhar
diferenciado.
Essas ideias, relacionadas às práticas pedagógicas voltadas ao atendimento
individual dos alunos são potentes, e podem resultar na melhoria das aprendizagens. A
boa qualidade do trabalho pedagógico é obrigação dos profissionais da educação e deve
ser assim exigido, uma vez que: “A prestação pública de contas daquilo que fazemos em
prol da aprendizagem das crianças é condição imperativa para o desenvolvimento de um
projeto educativo consistente e socialmente eficaz” (FREITAS et al., 2009, p. 38).
Silva (2009) nos lembra que a qualidade social da educação não se limita às
fórmulas matemáticas, tampouco a resultados estabelecidos a priori e a medidas lineares
descontextualizadas. Esta afirmação nos conduz à inclusão social como outro elemento
importante reconhecido pelos gestores para se entender e se perseguir a qualidade
educacional. Identifica-se em suas falas a preocupação com os alunos no que tange a
permanência dos mesmos na unidade educacional. Essa preocupação, além do
entendimento da garantia de acesso e permanência, apareceu relacionada à aprendizagem
de conteúdo formal, pois a infrequência compromete as aprendizagens e impede o aluno
de avançar na construção do conhecimento e seguir em frente, desmotivando-o.
[em relação à infrequência] A escola vai atrás. A escola comunica. A
escola manda até o funcionário nosso levar cartinha, quando a gente
não consegue, porque eles dão... às vezes, o telefone ou o endereço
errado.
Os esforços que você faz para recuperar um aluno evadido, a prova
não mede.
Leva-se em conta ainda a complexidade da escola, do entorno social, das
condições socioeconômicas e culturais das crianças, que muitas vezes se encontram em
situação de desvantagem ou, em situação de risco, as quais carecem de receber uma
educação diferenciada daquela que geralmente se oferece, quando se defende a
homogeneidade entre os sujeitos. Os gestores apresentam iniciativas tomadas pelas
escolas que consideram essas condições, que promovem o acolhimento e o diálogo com
eles e seus familiares, em especial aqueles em situações de envolvimento com drogas
lícitas e ilícitas, e em situação de vulnerabilidade social; vejamos,
Nosso grande desafio é a questão social... é a inclusão social e, às
vezes, isso extrapola até mesmo a questão da aprendizagem. [...] quem
vai socorrer esses alunos do 9º ano que estão saindo? A gente fez um
trabalho aqui, de resgate, com situações de família muito
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problemáticas, envolvidas com droga... com o trabalho de toda a
escola eles estão se formando.
Que ele [aluno] saiba que há uma outra possibilidade para ele e isso
nenhuma prova, nenhuma avaliação externa vai conseguir medir... E
não é uma coisa só minha... todo mundo que vem para cá sabe... você
se apaixona pelo desafio de encontrar essas crianças e que eles nos
contem que eles têm uma esperança. Nosso desafio maior é aliar as
duas coisas... esse trabalho conjunto de conversar, de autoestima, de
‘perder tempo’ com o aluno... não teria como ser de outra forma. Isso
nenhum indicador de avaliação externa vai medir.
Verifica-se, pelos depoimentos que a dinâmica do cotidiano escolar, na sua
complexidade, absorve o tempo e a atenção de gestores impedindo-os, muitas vezes de
auxiliar os alunos nas suas necessidades. Contudo, enfaticamente reforçam o que os
exames não medem: os esforços deles próprios na realização da gestão da educação; dos
professores que não desistem da escola pública e dos alunos que, apesar de tudo, traduzem
a esperança nas várias formas de participação.
Com isso e com base na essência da profissão, os gestores apontam a organização
coletiva do trabalho escolar como sendo fundamental para o enfrentamento dos
problemas de aprendizagens e, ao mesmo tempo, compreendem que, nos espaços
coletivos reside a possibilidade de melhorar a qualidade educacional, o que não é captado
nos exames. Sinalizam que, por meio da discussão coletiva dos problemas que afetam as
aprendizagens; da valorização dos espaços coletivos (Comissão Própria de Avalição,
Conselho de Escola e outros colegiados) será possível promover outra prática pedagógica.
Dizem os gestores que, a todo momento os problemas da escola chamam a atenção
dos professores e mesmo quando não estão reunidos nos espaços coletivos, estão a pensar
e a buscar alternativas para a a melhoria do ensino aprendizagem:
Usamos os espaços, TDC (Trabalho Docente Coletivo), CPA
Comissão Própria de Avaliação), RPAIS (Reunião Pedagógica de
Avaliação Institucional), Conselho... para desenvolver um trabalho
docente significativo. Quando a gente ressignifica aqui o resultado das
provas [SAEB], nós estamos valorizando aquilo que nós fizemos aqui,
nós estamos nos autoavaliando. Repensamos o que nós deixamos de
fazer e o que nós podemos fazer para avançar com relação aquele
dado.
Na autoavaliação dos alunos, aparece muita coisa em relação ao
trabalho dos professores. Eu acho que a autoavaliação é um
instrumento valiosíssimo, tanto que o aluno pode refletir sobre a
postura dele enquanto aluno e também revela muita coisa a respeito
das aulas, da qualidade do ensino.
Não obstante, os gestores assinalam que a escola não pode se responsabilizar
sozinha pela educação das crianças e adolescentes. Assim, apontam que a integração da
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família na escola é outro elemento potente na defesa da educação pública. Reconhecem
que a presença dos pais na escola fortalece o direito constitucional de acesso ao
conhecimento e permanência dos filhos na escola, bem como os envolvem nas questões
de disciplina e aprendizagem, num compromisso compartilhado. Eles afirmam:
A presença dos pais é muito importante e estamos sempre buscando
que tenha a participação deles na escola, que estejam presentes.
Rinaudi (1985 apud BONDIOLI, MANTOVANI, 1998) compreende a
participação da família como sendo uma parte imprescindível do projeto educacional.
Para a autora os três sujeitos da educação – a criança, os educadores, a família – são
considerados inseparáveis em sua integração: “o sistema de relação é de tal forma
integrado que o bem-estar ou desconforto de um dos três protagonistas não é somente
correlato, mas até interdependente do bem-estar ou desconforto dos dois outros
protagonistas” (p. 327).
Na percepção dos depoentes a escola é compromisso de todos e a qualidade das
ações educacionais está relacionada ao envolvimento de outros atores externos a ela,
como por exemplo o Conselho Tutelar, os postos de Saúde e demais Secretarias
Municipais, assim como associações de bairro, igrejas, vizinhos. Assim, a escola se
fortalece e os alunos serão os maiores beneficiados, por meio da relação escola e
comunidade externa traduzindo em outro elemento para se alcançar a qualidade.
Percebe-se, na fala dos sujeitos, um indicativo de que os exames também não
conseguem identificar as reais condições em que as escolas trabalham, a saber: existência
de uma equipe de profissionais para organização do trabalho pedagógico e da sua
efetivação, e de condições materiais e físicas que minimamente permitem o
desenvolvimento do ensino aprendizagem. Isso corrobora o que é defendido por Oliveira
(2013), quando defende que um indicador de qualidade social, para além de avaliar o
desempenho em todas as áreas do conhecimento, deveria avaliar o processo e os insumos
que lhe são necessários. Isto posto, entendemos que a forma como os gestores veem a
qualidade da escola em que atuam e como a organizam nos possibilita avançar rumos as
considerações a que este estudo leva.
Considerações finais ainda que provisórias
Vimos ao longo deste texto que as políticas educacionais, baseadas em índice de
medição da qualidade, promovem o ranqueamento e a responsabilização das escolas,
fazendo com que se cumpram os objetivos dos processos de reformas educacionais sob a
lógica do capital. Nas quais se defende um conceito hegemônico de qualidade baseado
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EdUECE - Livro 300757
em um critério de eficiência, ancorada em princípios do campo econômico, transpondo-
se o conceito de qualidade própria dos negócios comerciais, para o campo dos direitos
sociais e, nestes, para a educação pública que remetem a utilidade, praticidade e
comparabilidade, por meio de padrões de medidas e níveis (SILVA, 2009).
Os gestores nos ajudam a compor o mosaico da qualidade perseguida, contudo e
não menos importante, trata-se de um ponto de vista ainda em movimento, uma vez que
a pesquisa está em processo. Para eles alguns elementos são indicativos de qualidade na
escola em que atuam e reforçam que os exames externos passam ao largo sem
possibilidades de percebê-los, quiçá, medi-los. Eles trazem a ideia de formação ampliada
como elemento de qualidade, nota-se que eles percebem o quanto as avaliações estão
distantes daquilo que entendem ser significativo às crianças e adolescentes da escola
pública. Fornecem elementos para que se pense sobre o reducionismo presente nas
avaliações e que a vida na escola extrapola a medição do desempenho em português e
matemática. Por mais que a escola se arvore em preparar os alunos para melhorar seu
IDEB, não pode desconsiderar que os alunos carecem de um currículo ampliado para a
sua formação. Quando enfatizam que a participação dos estudantes nas decisões da escola
faz diferença, os gestores reforçam o que a literatura já vem apontado há muito, ou seja,
a participação dos alunos é que dá sentido ao conhecimento produzido na escola,
conforme os autores já citados neste texto.
A inclusão social, apresentada como elemento de valor dentro dos muros da
escola, sinaliza que a ação de incluir vai além da ideia de inclusão do aluno com
deficiência, pois busca-se se recuperar o aluno ausente e ou considerado perdido pelo
caminho, assim como possibilitar a participação ativa dos mesmos nos espaços de decisão
da escola. Isso, como enfatizam: os testes não conseguem medir!
Os gestores, de modo recorrente, compreendem a organização coletiva do trabalho
escolar como a peça chave para o desenvolvimento da qualidade na escola, possibilitando-
nos inferir que, para eles, a melhoria da aprendizagem passa antes pela melhoria do
trabalho pedagógico e organização da escola. Assim como passa também pela
indispensável participação da família na vida escolar dos filhos. Esta forma de ver anuncia
que a qualidade que não é medida pelos testes, envolve os sujeitos da escola como um
todo.
Sobre esses e outros elementos pontuados pelos gestores cremos que, quando
outros sujeitos da pesquisa revelarem o que fazem para a construção de uma educação de
qualidade, novas indagações emergirão, possibilitando continuar o debate.
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
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Conclui-se que, apesar da força indutora do mercado sobre as redes de ensino, a
qualidade da educação pública tem também constituído um desafio à aqueles que
compreendem a educação como prática social e ato político, suscitando indagações sobre
o sentido da qualidade que se tem e que se quer produzir na escola pública. Assim como
faz um convite à sociedade de um modo geral e aos educadores, especialmente, a não se
furtarem ao debate sobre a que qualidade as políticas públicas tem se curvado,
construindo reações que levem a outra lógica avaliativa, na qual haja a participação de
todos os atores.
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