A PROPOSTA PEDAGÓGICA DE LORIS MALAGUZZI: REGISTROS
NO COTIDIANO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
PRADO, Clarina Alves do1 - INESA
MIGUEL, Marelenquelem2 - INESA
Grupo de Trabalho - Educação da Infância
Agência Financiadora: Bolsa Pesquisa do Artigo 171 da Constituição do Estado de Santa Catarina
Resumo A abordagem pedagógica adotada pela cidade de Reggio Emilia, localizada ao norte da Itália, para Educação Infantil é referência de qualidade reconhecida mundialmente. Teve como idealizador o professor Loris Malaguzzi, no qual delineou a abordagem pedagógica centrada na criança e em todas as suas linguagens. Esse artigo apresenta a pesquisa de iniciação científica, concedida pelo Instituto de Ensino Superior Santo Antônio (INESA) e financiada por meio de Bolsa Pesquisa do Artigo 171 da Constituição do Estado de Santa Catarina, sobre a pedagogia voltada para crianças de até seis anos em Reggio Emilia. Dentre tantos aspectos notáveis dessa abordagem, a pesquisa foi direcionada para a questão dos registros no cotidiano da Educação Infantil partindo da seguinte questão: Qual o papel dos registros das crianças e professores na proposta pedagógica de Loris Malaguzzi? Buscou-se na pesquisa bibliográfica, em autores como Edwards (1999), Gandini (2002; 2012) e Barbosa (2008), fundamentos teóricos que oportunizaram esclarecer a história da Educação Infantil na cidade italiana, a importância dos registros no processo educacional, bem como a importância de todos os agentes envolvidos nesse processo. Foi possível ainda realizar uma pesquisa de campo, com a aplicação de um questionário na Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) Águas Claras em Belo Horizonte, Minas Gerais, com o intuito de verificar a influência da abordagem Reggiana no processo de construção dos registros pedagógicos. A pesquisa buscou compreender a importância dos registros na Educação Infantil, nos quais possibilitam aos professores verificar, analisar, contextualizar, reformular e refletir o trabalho desenvolvido com as crianças. E para as crianças, permitem sua inserção no próprio processo de aprendizagem, como agente participativo e construtor de sua história e identidade. Palavras-chave: Registros. Educação Infantil. Loris Malaguzzi.
1 Acadêmica do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto de Ensino Superior Santo Antônio (INESA) Joinville - Santa Catarina. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Educação pela UDESC. Professora do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto de Ensino Superior Santo Antônio (INESA) Joinville - Santa Catarina. Orientadora da presente pesquisa. E-mail: [email protected]
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Introdução
Não existe na Educação Infantil brasileira um currículo obrigatório ou proposta
curricular para seguir como, por exemplo, tem no Ensino Fundamental e Médio. Existem,
porém, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (2010) e o Referencial
Curricular Nacional para Educação Infantil - RCNEI (1998), que são documentos norteadores
para esta etapa de educação básica.
Na ausência de um currículo obrigatório, o educador tem liberdade para planejar e
avaliar o desenvolvimento da criança na escola, nesse momento surge à necessidade dos
registros na Educação Infantil, que possibilitará ao professor uma análise e reflexão sobre sua
prática e o progresso das crianças no processo educativo. Além de proporcionar as crianças,
diversas formas de representar a construção de seu conhecimento, tanto de forma particular
como coletiva, através dos projetos educacionais desenvolvidos, nos quais buscam a
utilização de diversas linguagens.
A abordagem pedagógica da cidade italiana de Reggio Emilia, nesse sentido de
documentação pedagógica, contribui muito para reflexão de como os registros são
importantes para formação do currículo, planejamento, além de proporcionar transparência
sobre o processo educativo a toda comunidade escolar, possibilitando a participação de todos.
A documentação pedagógica direciona a ação que a escola deve tomar, dessa forma, o que
guia o planejamento são os registros.
Muito mais que simplesmente documentar, a reflexão sobre os registros realizados
pelos professores e crianças, são indispensáveis para pensar a realidade educacional e, a partir
daí, ter possibilidades de formular novas estratégias e concepções sobre uma aprendizagem
realmente significativa.
Direciona-se esta pesquisa para a importância e possibilidades que os registros trazem
à Educação Infantil e, como base comprobatória dessa afirmação, buscar na abordagem
pedagógica de Loris Malaguzzi os subsídios necessários para compreensão e reflexão desse
processo no cotidiano da Educação Infantil.
O caminho da pesquisa
Determinou-se como objetivo geral para esta pesquisa, compreender a função dos
registros na proposta pedagógica de Loris Malaguzzi, e como objetivos específicos, estudar a
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pedagogia de Loris Malaguzzi e a Educação Infantil na cidade de Reggio Emilia, Itália,
identificar a importância da documentação construída pelas crianças para compreensão de sua
experiência e progresso na Educação Infantil, verificar a função dos registros para o trabalho
dos professores na Educação Infantil, pesquisar o registro na prática pedagógica adotada pela
Unidade Municipal de Educação Infantil Águas Claras - Belo Horizonte – MG.
A pesquisa tem uma abordagem de cunho qualitativo, pois trata-se do campo
educacional formado por sujeitos em constante processo de crescimento, e que não pode ser
traduzido em números. Compreender de que forma a documentação pode contribuir para uma
eficaz compreensão do processo pedagógico na Educação Infantil e, desta forma, entender o
problema apresentado na pesquisa.
O procedimento de pesquisa iniciou-se a partir de um estudo bibliográfico, visto que
se faz necessário o entendimento do processo e do desenvolvimento da educação em Reggio
Emilia e da parceria com a instituição brasileira UMEI Águas Claras. Segundo Fachin (2001,
p.125) "a pesquisa bibliográfica é a base para as demais pesquisas e pode-se dizer que é uma
constante na vida de quem se propõe a estudar". Dessa forma, a pesquisa está fundamentada
em autores como: Carolyn Edwards (1999), Lella Gandini (2002; 2012), Maria Carmem
Silveira Barbosa (2008), Carlina Rinaldi (1999), entre outros que contribuíram para a reflexão
da pesquisa.
Além disso, foi realizada uma pesquisa de campo com a aplicação de um
questionário, conforme Gil (1999, p.72), "[...] no estudo de campo estuda-se um único grupo
ou comunidade em termos de sua estrutura social, ou seja, ressaltando a interação de seus
componentes." Além disso, a pesquisa de campo teve o intuito de observação para
identificação da presença dos registros na UMEI Águas Claras e a influência da abordagem
Reggiana.
Reggio Emilia e Loris Malaguzzi: a gênese de uma abordagem pedagógica
Para esclarecer como a Educação Infantil se desenvolveu na cidade de Reggio
Emilia, localizada na região de Emilia Romagna, norte da Itália, até chegar ao patamar de
excelência reconhecida mundialmente, acredita-se que seja importante contar paralelamente a
história do pedagogo Loris Malaguzzi, que delineou a prática pedagógica adotada pela cidade.
Na Itália, o sistema educacional público sempre esteve muito ligado a direção da
Igreja Católica, segundo Edwards (1999, p.30) "historicamente, a educação precoce na Itália
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tem sido uma presa da emaranhada teia de relações entre a Igreja e o Estado." O rompimento
do monopólio da Igreja Católica sobre a educação da primeira infância italiana começa após o
fim da Segunda Guerra Mundial.
Loris Malaguzzi presenciou e participou desse processo de transição da
administração da Educação Infantil. Tudo começa seis dias após o fim da Segunda Guerra
Mundial no ano de 1945, (EDWARDS, 1999) em uma cidade vizinha, Malaguzzi ouve que
pais haviam se unido para construção de uma escola para as crianças. O cenário das cidades
nesse período era de devastação, Loris intrigado com a história decide ir até a Reggio Emilia
para conferir o fato, e conta o que viu:
Esta ideia pareceu-me incrível! Corri até lá em minha bicicleta e descobri que tudo aquilo era verdade. Encontrei mulheres empenhadas em recolher e lavar pedaços de tijolos. As pessoas haviam-se reunido e decidido que o dinheiro para começar a construção viria da venda de um tanque abandonado de guerra, uns poucos caminhões e alguns cavalos deixados para trás pelos alemães em retirada. (MALAGUZZI, 1999, p.59)
Em 1963 que foi entregue a primeira escola (estrutura física) para primeira infância
com iniciativa do município para o sistema de administração dos pais. Segundo Malaguzzi
(1999) era um prédio de madeira e foi dado o nome de Robinson, com atendimento para 60
crianças. Três anos após da entrega, a escola incendiou-se, mas novamente com a iniciativa e
esforço da comunidade um ano depois a escola estava reconstruída. Com todos esses fatores,
a educação de Reggio Emilia foi construindo sua própria identidade, sua própria abordagem.
A Igreja Católica era resistente a nova forma de lecionar nas escolas de Reggio
proposta por Malaguzzi. Loris (1999) relata que em 1976 a Igreja iniciou uma campanha
pública difamando a escolas municipais para primeira infância com a acusação que as escolas
corrompiam as crianças. Malaguzzi (1999) então, como resposta as acusações, convidou a
Igreja a conhecer as escolas e a um debate que durou cerca de cinco meses. Os resultados
foram positivos para ambas as partes, na qual o que prevaleceu foram os interesses da
comunidade em geral. Para Malaguzzi algumas conquistas do trabalho educacional
desenvolvido na cidade de Reggio Emilia desencadearam os ataques católicos.
Outro fato, ainda, que em minha opinião explica o ataque sobre nossas escolas, foi o rápido crescimento da influência cultural de nossa experiência. Nosso trabalho, os seminários, os encontros e as publicações haviam contribuído para um reconhecimento nacional de nossas escolas operadas pela municipalidade. (MALAGUZZI, 1999, p.65).
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Loris Malaguzzi sempre apoiou a pesquisa como prática no âmbito da educação, para
ele "educação sem pesquisa ou inovação é educação sem interesse." (EDWARDS, 1999,
p.83). Ainda segundo o pedagogo, "os professores devem aprender a interpretar processos
contínuos, em vez de esperar para avaliar os resultados. [...] deve incluir o entendimento das
crianças como produtoras e não como consumidoras".
Esse conceito de infância citado por Malaguzzi, como produtoras e não
consumidoras, ainda são possíveis de serem revistas na atualidade. Ao longo da história,
verifica-se a invisibilidade dessa fase importante do desenvolvimento humano. De acordo
com Sarmento (2007, p. 25):
A infância tem sofrido um processo idêntico de ocultação. Esse processo decorre das concepções historicamente construídas sobre as crianças e dos modos como elas foram inscritas em imagens sociais que tanto esclarecem sobre seus produtores [..], quanto ocultam a realidade dos mundos sociais e culturais da criança, na complexidade da sua existência social.
Foi em 1991 com a edição de dezembro da revista norte-americana Newsweek
(1991, p. 50-59) que Reggio Emilia ganhou destaque mundial. Em artigo publicado pela
revista, na qual listava as 10 melhores escolas do mundo, a Escola Diana, da rede de Reggio
Emilia, foi eleita a melhor do mundo para crianças de até seis anos.
Como referência na Educação infantil, além da cidade de Reggio Emilia, Loris
Malaguzzi ganhou destaque e suas teorias e pesquisas são consideradas riquíssimas fontes de
estudo sobre a prática pedagógica para Educação Infantil para vários países.
Mesmo com a morte de Loris Malaguzzi em 1994, o sistema municipal de Educação
Infantil da cidade de Reggio Emilia, bem como as pessoas envolvidas nesse processo que
trabalhavam com Malaguzzi, continuaram a estudar e a desenvolver pesquisas que deram
continuidade a essa abordagem pedagógica.
No Brasil, mais precisamente em 10 de março de 2009, foi inaugurada a Unidade
Municipal de Educação Infantil (UMEI) Águas Claras, em Belo Horizonte - MG, resultado da
parceria entre a Prefeitura de Belo Horizonte, a Prefeitura de Reggio Emilia e as instituições
italianas: UNIECO Società Cooperativa, COOPSELIOS - Servizi Alla Persona di Reggio
Emilia, GVC - Gruppo di Volontariato Civile e do projeto Infanzia-infância: cooperação
Itália-Brasil na Educação Infantil.
Além da estrutura física e mobiliário da instituição, a parceria trouxe treinamento e
intercâmbio de experiências entre educadores brasileiros e italianos. Essa parceria entre Brasil
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e Itália para construção da UMEI Águas Claras, até o momento única no país, proporcionou
maior conhecimento sobre as práticas pedagógicas utilizadas na cidade italiana, seus recursos
e fundamentos. Nesse mesmo período, em Reggio Emilia, também foi construída uma escola
para crianças da Educação Infantil também intitulada Águas Claras e, dessa forma, são
chamadas escolas-irmãs.
A importância dos registros no cotidiano da Educação Infantil
Acredita-se que os registros pedagógicos tornam-se uma ferramenta essencial para o
trabalho do professor, tanto os registros confeccionados pelas crianças, como o dele próprio.
De acordo com Barbosa (2008, p.93) "é preciso criar instrumentos que registrem aquilo que
acontece com o grupo de forma compartilhada para que todos tenham conhecimento e possam
intervir [...]". Outras questões elevam a importância dos registros, segundo Helm (2005,
p.145) "Alguns dos propósitos da documentação são a condução do ensino, a avaliação
individual da criança, o estudo de pedagogia e a comunicação sobre o processo educacional.".
Em Reggio Emilia os registros são diários e efetuados de diversas formas, conforme
Gandini & Goldhaber (2002, p. 150):
Podemos fazer anotações rápidas que posteriormente reescrevemos de maneira extensa, gravar em fitas cassetes as vozes e palavras das crianças ao interagirem entre si ou conosco. Também podemos tirar fotografias ou slides, ou até mesmo gravar fitas de vídeo que mostrem as crianças os professores em atividades.
Após a atividade em sala de aula e os registros efetuados, o professor verifica e
edita as informações para que, em conjunto com outros professores da instituição, possam
examinar, refletir e incorporar em sua prática. "Através dessa prática reflexiva, os educadores
experimentam um contínuo crescimento profissional junto com o prazer de operar e aprender
em conjunto" (GANDINI; GOLDHABER, 2002, p.154).
Verifica-se que essa constante prática de reflexão e compartilhamento das
informações, contribui significativamente para a ação dos professores italianos, além de
oferecer uma contínua formação, algo essencial para a profissão docente.
Para Barbosa (2012, p.01) "[...] a prática de observar e registrar o que as crianças
fazem na educação infantil não é algo novo. Muitos educadores já fazem algum tipo de
registro". Mas a autora ressalta ainda:
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Contudo, nenhuma dessas formas de observação ou modos de registro, por si só, constitui uma prática de documentação pedagógica tal como é proposta na abordagem italiana. Além de dar visibilidade ao que acontece na escola, essa abordagem ainda possibilita realizar, analisar e problematizar, de forma pública ou coletiva, aquilo que foi observado e registrado, assim como a inseparabilidade entre o documentado e o processo de planejamento, a definição do currículo, a escolha das atividades, a participação das crianças e das famílias no processo de documentação.
A documentação pedagógica formam um elo de ligação entre todos os agentes
envolvidos no processo educacional. De acordo com Malaguzzi (1999, p.73) “Em toda a
escola, as paredes são usadas como espaços para exibições temporárias e permanentes do que
as crianças e os professores criaram: nossas paredes falam e documentam.” Essa exposição
constante nas escolas italianas promove transparência quanto as atividades desenvolvidas na
instituição.
Nesse processo de registros e documentação pedagógica, o professor tem papel
fundamental, pois é ele o responsável por observar, colher informações, dados, que o auxiliará
a identificar pontos importantes ao longo processo de ensino aprendizagem. Segundo o
RCNEI, demanda do profissional:
[...] uma formação bastante ampla do profissional que deve tornar-se, ele também, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática, debatendo com seus pares, dialogando com as famílias e a comunidade e buscando informações necessárias para o trabalho que desenvolve. São instrumentos essenciais para a reflexão sobre a prática direta com as crianças a observação, o registro, o planejamento e a avaliação. (1998, p. 41, Vol. I).
No dia a dia, o professor trabalha como observador e instigador aos trabalhos e
projetos desenvolvidos pelas crianças. Madalena Freire (2007, p.21) diz que o papel do
professor deve ser de organizador “[...] no sentido, porém, de quem observa, colhe os dados,
trabalha em cima deles, com total respeito aos educandos que não podem ser puros objetos da
ação do educador.".
As escolas de Educação Infantil na cidade de Reggio Emilia valoriza a construção no
processo de aprendizagem, essa construção do conhecimento é motivada por diversos fatores,
um dos principais é a presença do ateliê de arte nas escolas. O ateliê oferece as crianças e aos
professores, diversos materiais e subsídios para as atividades desenvolvidas nos projetos
educacionais.
Dessa forma, o escola bem como o ateliê, promovem a interação social não só entre
os agentes do processo educativo, mas também a interação com diversos materiais e
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instrumentos, em busca de uma aprendizagem realmente significativa. Para Vygotsky (apud
OLIVEIRA 2002, p.57):
[...] a ideia de um processo que envolve, ao mesmo tempo, quem ensina e quem aprende não se refere necessariamente a situações em que haja um educador fisicamente presente. A presença de outro social pode se manifestar por meio dos objetos, da organização do ambiente, dos significados que impregnam os elementos do mundo cultural que rodeia o indivíduo.
O ateliê oferece esse tipo de interação, nesse espaço a criança tem a possibilidade de
exercer as diferentes linguagens que a arte pode oferecer, a partir da disponibilidade de
materiais diversos que proporcionam à criança sua expressão de criatividade com liberdade.
Além disso, as escolas contam com a presença importante do atelierista, profissional
responsável pelo local e pelo apoio aos professores e crianças.
De acordo com Malaguzzi (1999, p.84) sobre a importância do ateliê, afirma:
"Queríamos mostrar como as crianças pensavam e se expressavam, o que produziam e
inventavam, por meio de suas mão e de sua inteligência [...]". Além disso, segundo a
atelierista Vea Vecchi (1999, p.131) "Outra função importante do ateliê era de oferecer uma
oficina para documentação. A documentação era vista então como uma possibilidade
democrática de informar o público sobre os conteúdos da escola.".
Muito mais que simplesmente a oferta dos materiais, o ateliê trouxe a possibilidade
de observação e reflexão sobre os processos e caminhos percorridos pela criança na
construção de sua identidade, de seu conhecimento. Para Carlina Rinaldi (apud GANDINI,
2012, p.191) "o ateliê [...] promoveu ao máximo a ideia da diversidade, incentivando uma
nova pedagogia que enfatizasse a subjetividade (e interconectividade) da criança".
Para os professores, esse espaço proporciona elementos importantes para pesquisar e
verificar o desenvolvimento das crianças, os percursos dos projetos entre outros. Para Vea
Vecchi (1999, p.130):
[...] ele ajuda que os professores compreendam como as crianças inventam veículos autônomos de liberdade expressiva, de liberdade cognitiva, de liberdade simbólica e vias de comunicação. O ateliê tem um efeito importante, provocador e perturbador sobre ideias didáticas ultrapassadas.
Desse modo, percebe-se que a filosofia educacional de Reggio Emilia para Educação
Infantil, centrada na criança, reconhecendo-a como um ser ativo, cultural e social é
amplamente respeitada e explorada pela presença do ateliê.
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Para sintetizar a importância dos registros na prática pedagógica das escolas de
Reggio Emilia, e compreender como acontece esse processo, apresenta-se o seguinte ciclo
conforme Figura 1:
Figura 1 - O processo de documentação como ciclo de investigação Fonte: Gandini (2002, p.162)
O ciclo inicia-se com a formulação das perguntas (GANDINI 2002, p.161), esses
questionamentos são trazidos pelos professores antes do início das atividades escolares, como
por exemplo, quais são os interesses das crianças? A partir daí, surge um currículo com o
intuito de investigação.
A observação, registro e coleta de materiais é importante para formulação e
direcionamento dos projetos. De acordo com Vea Vecchi (apud GANDINI 2012, p.160)
"Observar e documentar as estratégias de compreensão e descoberta, os modos de raciocinar e
os processos de aprendizagem do indivíduo e das crianças em grupos pequenos, são aspectos
extremamente ricos da aprendizagem.".
A organização das observações e dos materiais é uma ação que objetiva reunir o que
de mais significativo foi coletado. Conforme Barbosa (2008, p.62) "[...] selecionam-se e
coletam-se materiais e evidências, as quais são planejadas, registradas e transformadas em
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experiências sob a forma de diferentes linguagens.". A análise e interpretação das observações
permite "[...] interpretar e coordenar as ideias encontradas, bem como de formular conceitos, a
a partir de uma organização difusa, e montar um conjunto com sentido." (BARBOSA 2008,
p.62).
Na finalização do ciclo com a reformulação das perguntas e planejamento das
respostas, é possível perceber a participação das criança, a escuta pelos professores e o
direcionamento das ações. Conforme Helm (2005, p.144):
Á medida que o assunto é explorado e as crianças começam a elaborar questões para investigação, a documentação torna-se uma peça fundamental para o projeto. A documentação do trabalho, dos pensamentos e das reações das crianças ajuda os professores a conduzir o trabalho do projeto.
Esse processo de registros e, consequentemente, documentação pedagógica, trazem
um sentido que é entendido por todos os agentes envolvidos no processo educativo das
escolas de Educação Infantil de Reggio Emilia.
Verifica-se que a troca de experiência entre as instituições italiana e brasileira
proporcionou a UMEI Águas Claras incorporar em seu cotidiano várias formas de registro e
reflexão. Das crianças os registros estão espalhados por toda instituição, nos corredores,
paredes, sejam do refeitório ou até no banheiro, existem trabalhos confeccionados por elas,
não somente com os professores, mas também em conjunto com as famílias. A organização da
documentação em todo o espaço escolar proporciona maior interação com a família e
comunidade escolar.
Na instituição brasileira os registros dos professores são efetuados durante os
projetos desenvolvidos pela turma, principalmente através de anotações e fotos. Destaca-se
algumas formas de registro no cotidiano da instituição, como por exemplo o "memorial", na
qual corresponde a um mural que são registrados as atividades significativas dos projetos
desenvolvidos no momento, cada turma tem seu memorial.
Outro registro organizado pelos professores são os chamados portfólios individuais,
esse registro acompanha o ciclo de três anos da criança na instituição. Conforme Shores &
Grace (2001, p.15):
A Avaliação baseada em portfólios pode e deve concentrar a atenção de todos (das crianças, dos professores e dos familiares) nas tarefas importantes do aprendizado. O processo pode estimular o questionamento, a discussão, a suposição, a proposição, a análise e a reflexão.
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Outro dispositivo de registro utilizado pela UMEI Águas Claras é o chamado "livrão
da turma", que é composto por atividades realizadas pela turma durante o ano letivo.
Inicialmente esse livro era confeccionado em cartolina, atualmente o livro é desenvolvido
virtualmente e cada criança, ao final do ano, recebe um CD com as atividades significativas
da turma.
Outras formas de registro foram identificadas como as agendas das crianças, os
corações em tela que são móbiles que expõe as atividades em vários pontos da instituição, o
ateliê que centraliza e organiza os diversos materiais e registros, os planejamentos do projetos
desenvolvidos na instituição, entre outros.
Importante fazer uma reflexão quanto as comparações das escolas, italiana e
brasileira, realizadas ao longo da pesquisa. Paulo Freire (1979, p.24) diz que "Não há técnicas
neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro". O educador afirma ainda que
o compromisso do profissional "[...] se desfaz na medida em que o instrumento para sua ação
é um instrumento estranho, às vezes antagônico, à sua cultura.". Isso não quer dizer que não
possa-se conhecer novas abordagens para educação, pelo contrário, mas ter consciência da
realidade em que se está inserido é vital. A UMEI Águas Claras desenvolve um trabalho que
envolve toda comunidade escolar, de forma com que todos os agentes sintam-se participativos
e inseridos no processo educacional, nesse sentido os registros contribuem fortemente para a
comunicação da escola e comunidade.
Considerações Finais
A história da construção da abordagem Reggiana, com destaque ao professor Loris
Malaguzzi e seus estudos sobre as cem linguagens da criança, fazem a diferença dessa
abordagem pedagógica que, cada vez mais, nos ensinam e nos fazem refletir sobre o potencial
das crianças e o respeito quanto aos seus direitos. Mais que isso, essa pedagogia traz a criança
como protagonista, construtor de sua aprendizagem. O professor como mediador que trabalha
com a escuta, para direcionar e caminhar ao lado da criança no processo de ensino
aprendizagem.
Percebe-se que a peculiaridade cultural italiana, bem como a pesquisa que unem
todos os agentes da relação pedagógica, proporciona a essas escolas um alto nível de
rendimento das atividades propostas. Foi possível com essa pesquisa, comparar os principais
conceitos dessa abordagem com a instituição brasileira construída a partir da parceria entre os
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municípios de Reggio Emilia e Belo Horizonte, a UMEI Águas Claras. A pesquisa buscou
verificar como os registros são tratados na escola brasileira, após a troca de conhecimento que
a parceria proporcionou aos educadores brasileiros e italianos.
Dessa forma verificou-se que, mesmo com as grandes diferenças sociais e culturais
dos dois países, é possível praticar diversas formas de registro que beneficiam as crianças,
como protagonistas de sua aprendizagem, e os professores que aperfeiçoam sua prática
pedagógica com a reflexão dos dados obtidos de seus registros.
Entender a história da Educação Infantil de Reggio Emilia e a presença de Loris
Malaguzzi nesse contexto de construção, a parceria Itália-Brasil que resultou na construção da
UMEI Águas Claras, bem como a presença dos registros no processo de ensino
aprendizagem, na qual tornam esse processo realmente significativo para todos os agentes
envolvidos. Esses foram os fatores que possibilitaram, a partir da pesquisa, a observação e o
aprendizado sobre novas perspectivas para Educação Infantil.
Os estudos sobre Loris Malaguzzi, Reggio Emilia e UMEI Águas Claras,
oportunizou observar e acreditar que é possível oferecer uma educação às crianças de zero a
seis anos de qualidade, que respeite seus direitos e que dê subsídios necessários para que
desenvolvam suas cem, ou mais, linguagens.
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