BRUNO AUGUSTO PRENHOLATO
A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA COMO INSTITUTO
DE GARANTIA E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS PARA AS ENTIDADES ASSISTENCIAIS.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação ―Stricto Sensu” em
Direito da Universidade Católica de
Brasília, como requisito para a obtenção
do Título de Mestre em Direito
Econômico Internacional.
Orientador: Professor Dr. João Rezende
Almeida Oliveira.
Brasília-DF
2007
12,5 cm 7,5 cm 7,5cm Ficha elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Católica de Brasília – UCB 16/11/2009
P926 i Prenholato, Bruno Augusto.
A imunidade tributária como instituto de garantia e efetivação dos direitos humanos para as entidades assistenciais / Bruno Augusto Prenholato, 2007.
189 f.; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito, 2007.
Orientação: João Rezende Almeida Oliveira.
1. Imunidade tributária. 2. Direitos humanos. 3. Terceiro setor. I. Oliveira, João Rezende Almeida, orient. II. Título.
CDU 341.231.14: 336.22
Dedico este trabalho a Deus, nosso
protetor, e a todos aqueles que puderam,
de alguma forma, nutrir minha vontade e
meu desejo por trilhar a vida acadêmica.
Agradeço aos professores e funcionários
da instituição Universidade Católica, cuja
colaboração, incentivo e respeito
souberam transformar as horas de
dificuldade e dúvida em importantes
momentos de reflexão.
―Nullas ex omnibus rebus, quae in
potestate mea non sunt, pluris facio, quam
cum Viris veritatem sincere amantibus
foedus inire amicitiae”.
―Nada estimo mais, entre todas as coisas
que não estão em meu poder, do que
contrair uma aliança de amizade com
homens que amam sinceramente a
verdade‖.
Baruch de Spinoza
RESUMO
A presente dissertação tem por objetivo específico analisar os desdobramentos da
imunidade tributária como um instrumento legal de garantia e efetivação dos Direitos
Humanos, confrontando a realidade normativa das limitações ao poder de tributar e o
respectivo entendimento esposado pelos tribunais brasileiros. Neste estudo, serão
tratadas, ainda, a importância e a alta relevância das entidades assistenciais brasileiras,
em razão da situação social e econômica em que o país se encontra. Com vistas a situar a
imunidade tributária no campo social e junto ao Terceiro Setor, a pesquisa traz as
conseqüências sociais decorrentes da aplicação do instituto da imunidade tributária, com
enfoque nos direitos humanos econômicos de segunda geração. Sem desvincular o caráter
legal da aplicação da imunidade tributária, o estudo busca justificar a necessidade de se
dividir as responsabilidades sociais do Estado com entidades, notadamente, mais
eficientes na gestão de programas assistenciais, como, por exemplo, as entidades
assistenciais descritas na Constituição.
PALAVRAS-CHAVE: Imunidade Tributária, Direitos Humanos, Entidades
Assistenciais, Terceiro Setor.
ABSTRACT
The especific objective of the present dissertation study is to examine questions about the
ramifications of the tributary immunity like a legal instrument of guarantee to the Human
Rights, confronting legal reality of the limitations to the power of taxing and the
respective understanding judged by Brazilian courts. In this study, there will be treated,
still, the importance and the high relevance of social Brazilian entities, on account of
social and economical situation in which the country is. With sights to situate the
tributary immunity in the social field and in the Third Sector, the inquiry brings the social
resulting consequences to application of the institute of the tributary immunity, with
approach in the economical human rights of second generation. Without divesting the
legal character of the application of tributary immunity, the study looks to justify the
necessity of social responsibilities of the State being divided with entities, especially,
more efficient in the management of social programs, like the social entities described in
the Constitution.
KEYWORDS: Tributary Immunity, Human Rights, Social Entities, Third Sector.
LISTA DE SIGLAS
ABCR: Associação Brasileira de Captadores de Recursos.
ADI: Ação Direta de Inconstitucionalidade.
CF: Constituição Federal.
CNAS: Conselho Nacional de Assistência Social.
CTN: Código Tributário Nacional.
LOAS: Lei Orgânica da Assistência Social.
MP: Ministério Público.
OMC: Organização Mundial do Comércio.
ONU: Organização das Nações Unidas.
OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
RE: Recurso Extraordinário.
RESP: Recurso Especial.
STF: Supremo Tribunal Federal.
STJ: Superior Tribunal de Justiça.
SUMÁRIO
Introdução: ___________________________________________________________ 12
Capítulo 1 – O poder do tributo e sua perspectiva de Direitos Humanos:
1.1 - Evolução histórica dos Direitos Humanos _________________________ 19
1.2 – Acontecimentos históricos à criação dos Direitos Humanos ___________ 27
1.3 – Os fundamentos e finalidades dos Direitos Humanos ________________ 36
1.4 – Os Direitos Humanos e o Direito Natural _________________________ 42
1.5 – O Direito e o Fenômeno Econômico _____________________________ 45
1.6 – O poder do tributo ___________________________________________ 50
1.7 – A tributação, a economia e suas repercussões sociais_________________55
Capítulo 2 – Os direitos fundamentais e o ordenamento jurídico:
2.1 – Os direitos do homem e os direitos fundamentais __________________ 61
2.2. – O papel e o significado dos direitos fundamentais __________________ 65
2.3 - A teoria dos ―status” de Georg Jellinek ___________________________ 70
2.4 – Os direitos fundamentais como direito de defesa ___________________ 73
2.5 – O Poder Legiferante e os direitos fundamentais_____________________ 76
2.6 – Os limites constitucionais aos direitos fundamentais ________________ 80
2.7 – A estrutura dos limites imanentes _______________________________ 83
2.8 – As teorias a respeito do conteúdo essencial dos direitos fundamentais ___84
2.8.1 – As teorias relativa e absoluta ____________________________86
2.8.2 – As teorias subjetiva e objetiva ___________________________88
Capítulo 3 – Os Direitos Humanos e a sistemática internacional aplicada:
3.1 – O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais______90
3.2 – A Declaração Universal dos Direitos Humanos _____________________94
3.3 – O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador_
________________________________________________________________95
3.4 – A Declaração sobre o direito ao desenvolvimento ___________________98
Capítulo 4 – A imunidade tributária:
4.1 – A conceituação de imunidade tributária __________________________101
4.2 – A imunidade tributária como garantia dos Direitos Humanos _________ 106
4.3 – A análise constitucional das imunidades tributárias – As Imunidades
Condicionadas ____________________________________________ 110
4.4 – O Princípio da capacidade econômica, capacidade contributiva e a
imunidade tributária ______________________________________________113
4.5 – As limitações ao poder de tributar: Imunidades____________________ 116
Capítulo 5 – As entidades assistenciais:
5.1 – O Estado e a concepção social _______________________________________ 118
5.2 - Terceiro Setor e as entidades assistenciais ______________________________ 122
5.3 – As entidades assistenciais no Brasil ___________________________________ 128
5.4 – Fundações _______________________________________________________130
5.4.1 – Criação e Classificação _____________________________________ 132
5.5 – Associações ______________________________________________________137
5.5.1 – Conceito e criação _________________________________________139
5.6 - Cooperativas Sociais – introdução pela Lei 9.867/1999 ____________________140
5.7 – Organização da Sociedade Civil de interesse Público: Lei 9.790 de 1999 ______142
5.7.1 – Entidades que podem se qualificar como OSCIP _________________ 143
5.7.2 – Entidades que não podem se qualificar com OSCIP ______________ 144
5.8 – Organizações Sociais – Lei 9.637/1998 ________________________________ 146
5.9 – As imunidades tributárias destinadas às entidades assistenciais ______________149
5.10 – Fundos das entidades assistenciais ___________________________________154
5.11 – LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social e a base principiológica _______ 158
5.12 – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social ________________160
Capítulo 6 – A imunidade tributária para os tribunais brasileiros:
6.1 – O posicionamento dos tribunais brasileiros a respeito do tema ________166
Conclusão ___________________________________________________________172
Referências __________________________________________________________180
12
Introdução:
Com a globalização do mundo contemporâneo, muitas foram as
alterações estruturais realizadas no âmbito da economia e das políticas sociais existentes.
Como diz Flávia Piovesan1, as alterações lançadas pelo novo modelo político instaurado
com a globalização, a luta e defesa de alguns direitos, sobretudo os direitos econômicos,
passaram a assumir papel relevante para as políticas públicas. Contudo, cada vez mais, a
responsabilidade do Estado passaria por severas modificações, ante a necessidade de
implementação de direitos sociais, culturais e em especial os direitos econômicos.
Jayme Benvenuto Lima Júnior2 adverte que, em se tratando de Brasil, o
país sempre chega atrasado nas grandes questões colocadas pelo mundo moderno, e, para
os direitos humanos, econômicos e sociais, parece não ter sido a exceção.
A abordagem do tema: ―direitos humanos e a questão da imunidade
tributária como forma de garantia para as entidades assistenciais‖, não é tarefa das mais
simples. Hodiernamente, existem diversos questionamentos a respeito, entre os quais, se
a imunidade tributária pode ser entendida como apenas uma limitação constitucional ao
poder de tributar. Sabe-se, no entanto, que o referido obstáculo, encontra-se disposto na
Constituição Federal como imposição legal de natureza limitativa que proíbe e veda a
ação estatal, especialmente com relação a tributação de alguns sujeitos passivos, dentre os
quais destacam-se: as entidades assistenciais sem fins lucrativos, entidades filantrópicas,
as fundações e as associações culturais e recreativas que buscam, tão somente, atingir
seus objetivos, sem, contudo, a obtenção de lucro. Todavia, esta limitação lança seus
efeitos em uma intricada rede de ramificações econômicas, com resultados e conclusões
de grande destaque para a atividade assistencial brasileira.
Assim, o objetivo principal desta dissertação é centralizar a
conceituação da imunidade tributária frente aos direitos humanos e econômicos, traçando,
1 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e justiça internacional. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 23.
2 LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Editora
Renovar. 2001, p. 48.
13
como objetivo secundário, as conseqüências advindas do emprego da imunidade como
incentivo às entidades assistenciais e seus delineamentos.
A análise que se pretende fazer levará em conta os aspectos políticos,
sociais e principalmente econômicos, tomando-se, como questão central, a imunidade
tributária como garantia e proteção destes direitos humanos de segunda geração. Como
primeiro problema a ser estudado nesta pesquisa, temos a verdadeira conceituação da
natureza jurídica da imunidade tributária, identificando este instituto como garantia de
direitos humanos, e não meramente simples regra de limitação ao poder de tributar. A
ciência jurídica é dinâmica e deve acompanhar todos os passos evolutivos de nossa
história. Para os Direitos Humanos e o Direito Econômico, este conceito paradigmático
também se revela verdadeiro, na medida em que os anseios sociais clamam pela evolução
das normas e do próprio direito em si.
Como problema igualmente importante, mas a ser analisado em
segundo momento nesta pesquisa, temos a necessidade de definir se a imunidade
tributária pode, também, ser considerada como um ônus para quem a recebe, pois, quem
dela se beneficia, assume paralelamente a árdua tarefa de encampar atividades sociais em
que o Estado notadamente não dá conta. Frisaremos, ainda, associando a estas discussões,
a importância da imunidade tributaria como instrumento delimitador capaz de estabelecer
direcionamentos e parâmetros para os quais a sociedade deve convergir energias,
especialmente para o equacionamento de problemas sociais. Neste sentido, será
importante analisarmos o papel das entidades assistenciais de cunho caritativo, voltadas,
essencialmente, à assistência de necessidades básicas do ser humano.
Diante de tal problemática, surgem como hipóteses de estudo,
destinadas a solucionar os problemas propostos, os seguintes aspectos: i) as imunidades
tributárias, embora representem em certo sentido verdadeira renúncia fiscal, trazem,
como corolário dos direitos fundamentais e o bem-estar social e econômico, o estímulo
para certas entidades, na medida em que as poupa da ação do fisco; ii) como instituto de
garantia dos direitos humanos de segunda geração, as imunidades tributárias podem ser
investimentos indiretos patrocinados pelo Estado, que notadamente, não consegue gerir
com qualidade os programas sociais propostos; e, por fim iii) a transferência de
responsabilidades sociais do Estado para a iniciativa privada, pode ser atribuída a
14
ineficiência estatal. Neste caso, este mesmo fenômeno poderá fomentar o crescimento e o
atendimento proporcionado pelas entidades assistenciais de Terceiro Setor em níveis mais
satisfatórios.
Sem deixar de lado os problemas propostos, ao longo do exame
proposto estudaremos os movimentos sociais e históricos, que sabidamente tiveram papel
fundamental à motivação e deflagração de novas perspectivas jurídicas, especialmente no
que diz respeito aos direitos humanos. Com a evolução, até mesmo os direitos humanos
foram erigidos a categoria de ramo jurídico, pois entre outras mudanças, passaram a
contar com subdivisões e classificações especializadas.
Os direitos humanos foram evidenciados com o passar dos tempos, daí,
a razão de a doutrina majoritária dividi-los em três, até quatro, Gerações de
Direitos. Os direitos humanos, com a evolução sócio científica do homem,
tendem, da mesma forma, a evoluir, sofrendo modificações e se adaptando às
novas realidades sociais. Caso típico desta situação são os chamados direitos
ecológicos. Ninguém pode duvidar de que o meio ambiente sempre esteve
presente, ao longo de toda a história do homem. Só recentemente, porém, devido
aos avanços econômicos e sociais, bem como do avanço científico, passaram
estes direitos a ser incluídos nas Declarações de Direitos Humanos, e a receber o
devido tratamento doutrinário, legislativo e jurisprudencial, no que se refere à
sua proteção3.
Nos dizeres de Fernando Facury Scaff4, os direitos humanos também
evoluíram, portanto, acompanharam a história humana. Mesmo com as mudanças
políticas, guerras, conflitos e outros, os direitos humanos ainda persistiram de forma
bastante evidente e foram incorporados aos novos ordenamentos existentes. Como
defende o autor, os direitos humanos, ao longo de sua evolução, foram divididos em
categorias, tais como os direitos humanos de primeira geração — onde são contempladas
as liberdades e a igualdade como manifestações gerais, tais como a liberdade de ir e vir, a
liberdade religiosa, políticas e de opinião. Para os direitos humanos de segunda geração,
existem os diretos econômicos e sociais, sendo que, para os segundos, a Constituição
Federal de 1988 teria reservado capítulo a parte. Para esta proposta de pesquisa, nos
limitaremos a examinar as circunstâncias históricas sobre as quais os tributos têm
3 SCAFF, Fernando Facury. Constitucionalismo, tributação e direitos humanos. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 2007. p. 88. 4 SCAFF, op.cit., p. 90.
15
evoluído, suas perspectivas e, principalmente, o papel das imunidades tributárias para a
sociedade contemporânea, em especial para as entidades assistenciais.
Neste trabalho, cuja metodologia empregada busca, como finalidade,
embasar a coleta de informações sobre o tema, pautando-se pelo método hipotético-
dedutivo de Karl Popper5, propõe-se a solucionar o problema doutrinário a respeito do
alcance social das imunidades tributárias, buscando, com esta incursão, posicionar de
forma técnica os delineamentos econômicos que decorrem da benesse fiscal tratada.
Bem se sabe que a sociedade moderna adota modelo político em que os
tratamentos diferenciados funcionam como instrumento capaz de corrigir distorções
sociais. Como menciona Luiz Moreira6, citando Jünger Habermas, os direitos
fundamentais e as garantias sociais, técnica e ecológicas, são necessárias para o
aproveitamento, em igualdade de chances, de direitos, tais como a proteção individual, a
liberdade, dignidade, enfim, todos aqueles que são necessários à autonomia política, que
é fundamental à criação de um direito legítimo.
Para os direitos humanos, as garantias fundamentais e os direitos sociais
não é diferente. A inserção jurídica deste modelo, funciona como contrapeso às diversas
desigualdades sociais existentes em uma dada sociedade. O papel das imunidades
tributárias não restringirá, com será analisado, apenas à concessão de uma benesse, ou
ainda, a limitação à ação do Estado. O direito existe, no caso, para promover a
harmonização social, permitindo-se uma convivência pautada pela paz e o entendimento.
Sob a égide do primado da cidadania, a presente pesquisa busca analisar
a imunidade tributária, também, como forma de integração social, especialmente por
garantir a determinados grupos o exercício e pleno gozo da igualdade, o que não seria
plenamente possível com um modelo sem flexibilizações ou regras de tolerância a
respeito.
Certamente, como diz Ives Gandra Martins, a luta entre a sociedade e o
tributo não é um fenômeno que se possa dizer recente. O tributo, desde há muito, sempre
5 De acordo com o Autor Orides Mezzaroba e Claudia Servilha, a Karl Popper é atribuído o método
hipotético-dedutivo. In: MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia
de pesquisa no direito. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 163. 6 HABERMAS, Jünger. Direito e democracia: entre facticidade e validade. t. I, p.160. In: MOREIRA,
Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, p.
169.
16
exerceu grande força e pressão junto à sociedade, em razão da força que se encontrava
por traz de sua exigibilidade.
Neste quadro, a pesquisa proposta busca trazer contornos ao tributo,
não sob a ótica fria e positivista da lei. Ao contrário, quer trazer à lume todos os
delineamentos sociais que o tributo incorpora, seu poder, sua repercussão social e
principalmente, a importância que tem para a sociedade.
No capítulo dois e três, trataremos ainda das garantias fundamentais,
sua justificação e os direitos econômicos e a forma como estes se inserem em nosso
ordenamento. Sem deixar de lado a importância dos eventos históricos, traremos ainda a
discussão a respeito dos principais movimentos, tratados, e documentos que integraram
de uma vez por todas o fenômeno dos direitos humanos, enfatizando alguns pontos
especiais, como, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador, e, por fim, a Declaração sobre o Direito
ao Desenvolvimento.
Como o tema tratado busca não apenas desvendar aspectos econômicos
das imunidades tributárias para as entidades assistenciais, realizaremos, no segundo
capítulo, importante incursão junto à teoria dos direitos fundamentais, traçando a
caracterização destas garantias, com vistas a identificar neste estudo, o eixo de equilíbrio
entre a proteção conferida pelas imunidades, e os direitos humanos de segunda geração.
Robert Alexy7, já dizia que, a contraposição dos direitos de defesa e proteção, quando
opostos, contemplam ações positivas e negativas. Neste sentido, abordaremos as
imunidades não apenas como proteção, defesa ou estimula de determinado setor, mas
também a problemática que envolve a sua complexa sistematização em nossa sociedade e
seus desdobramentos.
Diante deste contexto, onde os direitos humanos de segunda geração
serão melhor explicados, a pesquisa alcançará sua maturação com os capítulos quatro,
cinco e seis, onde, finalmente, abordaremos com precisão a questão das imunidades
7 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. 3ª edição. Madrid: Centro de Estúdios
Políticos y Constitucionales, 2002. p. 441.
17
tributárias, como a doutrina a analisa e, principalmente, de que forma se pode conceituar
as imunidades tributárias como instituto ou regra de proteção para os direitos humanos às
entidades assistenciais.
Para o último capítulo, acreditamos na necessidade de se analisar o
posicionamento dos tribunais sobre o tema. Como menciona Norberto Bobbio, a
jurisprudência, é, em verdade, momento em que a ação da lei ou norma, materializa um
entendimento a respeito de certa matéria ou tema que é submetido a julgamento.
Na atividade relativa ao direito, podemos distinguir dois momentos: o
momento ativo ou criativo do direito e o momento teórico ou cognoscitivo do
próprio direito; o primeiro momento encontra a sua manifestação mais típica na
legislação, o segundo na ciência jurídica ou (para usar termo menos
comprometedor) na jurisprudência. Esta pode ser definida como a atividade
cognoscitiva do direito visando à sua aplicação8.
Associando-se a definição de Bobbio aos objetivos principais desta
pesquisa, buscaremos ainda conhecer a sistemática normativa empregada pelo estado
brasileiro às instituições de assistência social de cunho caritativo, especialmente para
avaliar, estudar e demonstrar a importância destas entidades para Estado, cujas políticas
sociais não parecem ter o alcance necessário à crescente demanda.
Com a presente pesquisa, não ousaremos classificar ou mesmo
conceituar o que vem a ser a assistência social. Aliás, do estudo das entidades
assistenciais, sabemos que a intenção do legislador foi a de conferir a maior amplitude
possível a este conceito, trazendo, por conseguinte, verdadeira pluralidade de modelos.
Mesmo assim, a justificativa desta pesquisa centra-se na idéia também lançada por
Leandro Marins de Souza9, no sentido de que nossa sociedade não é homogênea. Na
verdade, é composta por uma diversidade de interesses, por grupos sociais distintos
economicamente, demandando do Estado direitos e garantias, também diferenciadas.
Assim sendo, centraremos nosso exame para as entidades cujo fim último é atender
àqueles que na maioria das vezes não possuem condições de manter a sua subsistência.
8 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio
Pugliesi. São Paulo: Editora Ícone, 2006. p.11. 9 SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética,
2004. p. 145.
18
Buscando defender a utilidade das imunidades tributárias para estas
entidades, analisaremos o contexto dado por tributaristas, inserindo a necessidade do viés
humanitário que, em verdade, mantêm-se associado à idéia da assistência para as
atividades desempenhadas pelas entidades assistenciais.
19
Capítulo 1 - O poder do tributo e sua perspectiva de Direitos
Humanos:
1.1 – Evolução Histórica dos Direitos Humanos:
Analisando a história evolutiva do homem, parece vir associada à
evolução dos direitos humanos a figura da tragédia como marco inicial de toda a
caminhada destinada a compreender, aplicar e proteger determinados aspectos da vida
humana, que, são considerados valores primordiais, e, por assim dizer, inafastáveis da
verdadeira essência humana.
Com estes delineamentos, tanto a história clássica, como a moderna e
contemporânea, estabeleceram paradigmas indissociáveis do processo de harmonização e
respeito da vida humana.
Como destaca Fábio Konder Comparato, a compreensão da dignidade
da pessoa humana, e seu papel em nossa sociedade, somente conseguiu alguma
importância ou relevância a partir da violência, da dor e do sofrimento. Vejamos:
A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à
vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o
remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as
explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a
exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.
Além dessa chave de compreensão histórica dos direitos humanos, há outro fato
que não deixa de chamar a atenção, quando se analisa a sucessão das diferentes
etapas de sua afirmação: é o sincronismo entre as grandes declarações de
direitos e as descobertas científicas ou invenções técnicas.10
A concepção histórica do homem nos permite saber que, todos os seres
humanos, apesar de suas diferenças biológicas, físicas, culturais, étnicas e sociais,
10
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2003. p. 37.
20
merecem respeito como seres únicos, dotados de grande capacidade e potencial para as
realizações mais significativas de uma vida. Deste paradigma, cujas origens remontam o
novo testamento dos textos bíblicos, sobressai-se a importância da dignidade humana e a
própria ética, que mereceu destacado estudo por filósofos da história humana.
Como objetivo principal desta pesquisa, buscaremos analisar as
questões atinentes aos direitos humanos e a imunidade tributária. No entanto, antes de
estudarmos a evolução histórica dos direitos humanos e os direitos fundamentais,
convém, neste momento, elaborarmos pequena diferenciação entre os institutos, a fim de
evitarmos confusões posteriores. Embora para este trabalho tal filigrana não comporte
tanta importância, vale mencionarmos um dos vários debates a respeito desta
classificação. As expressões ―Direitos do Homem‖ e ―Direitos Fundamentais‖, como
defende Franco Nogueira11
, quase sempre acabam sendo utilizadas de forma similar, na
medida em que alguns estudiosos consideram, tão-somente, o núcleo comum a estes
institutos, no caso, a própria liberdade. Prossegue o autor, citando Blanca Martinez de
Vallejo Fuster12
, onde se afirma que os direitos humanos existem em uma esfera
internacional, enquanto que os ditos direitos fundamentais encontram-se inseridos em
uma ordem jurídica interna, ou seja, dentro de ordenamentos jurídico-positivos estatais.
Embora relativamente cartesiana a classificação utilizada pelo autor
citado, preferimos nos ater a classificação defendida por Ricardo Lobo Torres, que,
embora de forma mais generalista, diz que ―os direitos naturais são sinônimos dos
direitos fundamentais, ou direitos individuais, ou direitos civis, ou liberdades públicas‖13
.
Assim, com estes esclarecimentos, cabe-nos registrar a evolução histórica dos direitos
humanos, na medida em que sob este aspecto aprofundaremos nossas pesquisas.
Para Fábio Konder Comparato14
, a dignidade humana e sua posição no
mundo atual gira em torno de três centros que convergem. No caso, a religião, a filosofia
e a ciência, as quais comporiam a base teórica à formação do conceito pessoa, que,
11
NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 1997. p. 11. 12
VALLEJO FUSTER, Blanca Martinez. apud NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos
humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1997. p. 12. 13
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro:
editora Renovar, 1995. p. 8. 14
COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 1.
21
evidentemente, integram base de importância singular para a definição e evolução dos
direitos humanos como um todo.
A primeira grande discussão conceitual entre os doutores da Igreja, no
entanto, não ocorreu a respeito do ser humano, e sim da identidade de Jesus
Cristo. No primeiro concílio ecumênico, reunido em Nicéia em 325, cuidou-se
de decidir sobre a ortodoxia ou heterodoxia de duas interpretações antagônicas
da identidade de Jesus: a que o apresentava como possuidor de uma natureza
exclusivamente divina (daí o nome de monofisistas atribuído aos partidários
dessa crença), e a doutrina ariana, segundo a qual Jesus fora efetivamente gerado
pelo Pai, não tendo portanto, uma natureza consubstancial a este.
[...] A segunda fase na história da elaboração do conceito pessoa inaugurou-se
com Boécio, no início do século VI. Seus escritos influenciaram profundamente
todo o pensamento medieval. Ao rediscutir o dogma proclamado em Nicéia,
Boécio identificou de certa forma prósopon com hypóstasis, e acabou dando à
noção pessoa um sentido muito diverso daquele empregado pelo concílio. Em
definição que se tornou clássica, entendeu Boécio que persona proprie dicitur
naturae rationalis individua substantia (―diz-se propriamente pessoa a
substância individual da natureza racional‖). Aqui, como se vê, a pessoa já não é
uma exterioridade, como máscara de teatro, mas a própria substância do homem,
no sentido aristotélico; ou seja, a forma (ou fôrma) que amolda a matéria e que
dá ao ser de determinado ente individual as características de permanência e
invariabilidade.15
As primeiras confrontações existenciais ocorridas trariam, como ponto
de interconexão, o próprio Jesus Cristo, que em sua imagem e semelhança apresentava,
também, as suas falibilidades, especialmente o homem, que, em verdade, era comparável
somente à imagem. Neste ponto, aliás, é que se encontra a diferenciação. Para a tradição
bíblica antiga, Deus serviria como modelo de pessoa para todos os homens. Para algumas
religiões como o catolicismo, este modelo ainda continua sendo considerado como
válido, especialmente porque o modelo de bondade humana deve-se revestir da caridade,
do amor e do apoio ao próximo.
A este respeito, ou seja, da influência representativa da igreja e da
religião, alguns autores são categóricos em afirmar a grande influência do direito
canônico — Corpus Iuris Canonici — na construção do direito como o conhecemos hoje.
Norbert Horn16
, acredita que muitas das concepções atuais de nosso direito remontam a
idéias que foram cultivadas e desenvolvidas na filosofia do Renascimento do século
XVIII. Neste período, como ressalta o autor, as idéias eram efetivamente contrárias às
15
COMPARATO, op.cit., p. 18-19. 16
HORN, Norbert. Introdução à ciência do direito e a filosofia jurídica. 2ª edição. Porto Alegre: Editora
Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 116.
22
autoridades eclesiásticas da época, no entanto, os ideais defendidos encontravam-se
amplamente orientados pelo Cristianismo, como o meio espiritual dominante de nossa
cultura.
Fase seguinte deste modelo de criação da pessoa, como sujeito de
direitos universais, superiores, inclusive ao ordenamento estatal, teria surgido com a
filosofia Kantiana17
.
O primeiro postulado ético de Kant é o de que só o ser racional possui a
faculdade de agir segundo a representação de leis ou princípios; só um ser
racional tem vontade, que é uma espécie de razão, denominada razão prática. A
representação de um princípio objetivo, enquanto obrigatório para uma vontade,
chama-se ordem ou chamado (Gebot) e se formula por meio de um imperativo.
Segundo o filósofo, há duas espécies de imperativo. De um lado, os hipotéticos,
que representam a necessidade de prática de uma ação possível, considerada
como meio de se conseguir algo desejado. De outro lado, o imperativo
categórico, que representa uma ação como sendo necessária por si mesma, sem
relação com a finalidade alguma exterior a ela.
[...] a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente
das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e
nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta
também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em
condições de autonomia, isto é, como se capaz de guiar-se pelas leis que ele
próprio edita18
.
Assinala-se, nesta transcrição, que todo ser humano possui claramente
os elementos de dignidade, já que não pode ser considerado em si mesmo. Na verdade, a
pessoa, como ente dotado de características próprias e singulares, termina por
desenvolver a sua autonomia de acordo com as próprias regras, as quais são criadas e
executadas de acordo com um plano individual próprio que merece a proteção,
reconhecimento e o respeito da sociedade.
A autonomia, tratada na filosofia Kantiana, na verdade, tem no homem
um sujeito de razão geral, um indivíduo que tem personalidade independente das
determinações físicas, possuindo, inclusive, liberdade interna. Este pensamento, como
17
Neste trecho em especial, o autor Fábio Konder Comparato, na obra A Afirmação Histórica dos Direitos
Humanos, destacou a contribuição da filosofia Kantiana para a construção da figura da pessoa. Cita, ainda,
Fundamentos para a Metafísica dos Costumes (Grundlegungzur Metaphysik der Sitten), que é, na verdade,
uma introdução à Crítica da Razão Prática (Kritik des praktischen Vernunft). In: COMPARATO, Fábio
Konder. op.cit., p. 21. 18
COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 21.
23
ensina Wilson Engelmann19
, busca integrar o homem como um conjunto, estando sua
autonomia não necessariamente vinculada à razão.
Outro campo encarregado de construir e criar o modelo de pessoa como
conhecemos, é a própria ética.
A oposição ética entre pessoas e coisas, sustentada por Kant, alarga e
aprofunda a tradicional dicotomia, herdada do direito romano, entre persona e
res. Nas Institutas de Gaio (1,8), por exemplo, o direito é classificado, em sua
totalidade, em função de três categorias: pessoas, coisas e ações: ‘omene autem
ius, quo utimur, vela de personas pertinet vel ad res vela de actiones’ (todo
direito de que usamos ou respeita às pessoas, ou às coisas, ou às ações). Mas o
jurisprudente acrescenta, imediatamente (1,9), que a summa divisio do direito
pertinente às pessoas é entre homens livres e escravos (‘Et quidem suma divisio
de iure personarum haec est, quod omnes homines aut liberi sun aut servi’)20
.
A ética, como ciência humana, tem revelado inúmeras nuances acerca
da identidade da pessoa humana e seu constructo, especialmente como entidade de
valores e direitos. ―Os direitos humanos representam, no plano jurídico, uma inversão da
figura deôntica originária, ou seja, significam uma passagem do dever do súdito para o
direito do cidadão‖21
. Ainda, neste sentido, prossegue Celso Lafer em sua lição:
Esta mudança do dever do súdito, determinada pelo soberano, para o
direito do cidadão representa a legitimação plena da perspectiva dos governantes
e promove uma domesticação da perspectiva dos governantes. Contém e limita,
consequentemente, o realismo da ‗razão do Estado‘, pois o governo é
democraticamente para o indivíduo e não o indivíduo para o governo. Daí uma
atenuação do dualismo entre a ética dos princípios. Isto permite a identificação
de um terreno comum entre a Ética e a Política, que podem se colocar numa
relação de convergência e complementaridade, através da associação de três
grandes temas: democracia e direitos humanos no plano interno, e paz no plano
internacional22
.
Segundo Amartya Sent23
, que parece ter captado Celso Lafer, a idéia da
ética como elemento formador dos direitos humanos, transcende mais a intenção de
apenas materializar certas garantias vinculadas aos direitos humanos, pois, em verdade,
19
,ENGELMANN, Wilson. Direito natural, ética e hermenêutica. Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado, 2007. p. 70. 20
COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 22. 21
LAFER, Celso. Desafios: ética e política. São Paulo: Editora Siciliano, 1995. p. 235. 22
LAFER, Celso. Idem. p. 235. 23
SEN, Amartya Kumar. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1999. p. 96.
24
integra uma série de objetivos maiores a serem realizados. Para este sistema de proteção,
se reconhece o caráter de complementaridade de todo um complexo sistema
principiológico, pois firma a necessidade de se reafirmar os valores éticos e humanos,
através de valores que elege e considera relevantes ao respeito e dignidade da pessoa.
Para o autor, a ética traria, em princípio, a supremacia do bem-estar de
uma pessoa, e teria prevalência considerável sobre outros aspectos da economia, tudo em
razão da necessidade de se manter e permitir a coexistência deste fecundo sistema de
garantias, com a maximização de outros objetivos ligados à economia como um todo24
.
Norberto Bobbio25
, apoiado nas afirmações de Locke, traça paralelo a respeito. Segundo
o Autor, o argumento ético, consistente na afirmativa de que se não fosse a lei natural,
não existiria vício ou virtude. Em verdade, o homem seria levado a agir não de acordo
com o bem, mas sim conforme a maior utilidade possível, que poderia ser a negação da
lei natural que levaria a certo utilitarismo.
Os direitos humanos, desde o seu surgimento, colocam em segundo
grau de prevalência este utilitarismo, que, confrontado com outros interesses, acabam por
valorizar a pessoa humana, sua dignidade e aspectos individuais a ela associados.
Apoiado em Kant, Fábio Konder Comparato26
traz a relativização das
coisas em detrimento do valor absoluto da dignidade humana, ponto que significa o
prenúncio de uma nova elaboração do conceito de pessoa, com a descoberta de novos
valores, havendo, conseqüentemente, a transformação da ética em um mundo de
preferências valorativas.
A partir de então, para o sistema existente, o conjunto de direitos
humanos passaria a gozar de uma hierarquia construída dentro de um sistema jurídico
normativo, que, em muitas ocasiões, não contemplava todos estes direitos no sistema
normativo anterior.
24
Na obra de Amartya Kumar Sent, embora o texto do trabalho cuide de defender a teoria econômica como
meio de garantir a viabilidade do sistema de circulação de mercadorias, lucros e outros fenômenos que
interessam às ciências econômicas, não se pode descartar, evidentemente, a preocupação com a realização
do bem-estar social. Como abordaremos na presente pesquisa, os delineamentos deste pensamento guardam
importância singular com a necessidade proteção que deve ser destinado às entidades de assistência social
de cunho caritativo. In: SEN, Amartya Kumar. Sobre Ética e Economia. São Paulo: Editora Companhia
das Letras, 1999. p. 96. 25
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1997. p.112. 26
COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 23-24.
25
A ética, como fenômeno social, incorpora ao direito aquilo que se
costuma nomear de hierarquia de valores e princípios, cujas bases centrais buscam
fortalecer uma dada dogmática jurídica, que, certamente, encontra os seus objetivos
voltados ao direcionamento de uma dada sociedade. A evolução dos direitos humanos
encontra apoio na própria história do homem, cujas passagens mais estarrecedoras estão
repletas de exemplos de má-conduta, desrespeito e violação de valores da vida humana,
que sequer encontrava qualquer amparo legal ou correspondente jurídico, capaz de frear
atos ou omissões que pudessem ofender direitos humanos e valores sociais.
Por outro lado, a história da vida humana revela grande motivação para
a sistematização dos direitos fundamentais e humanos. Como lembra João Bosco
Leopoldino da Fonseca27
, as relações humanas não se criam sempre da mesma maneira,
mas ao contrário. Estas possuem um elemento estático e outro dinâmico. Neste ponto,
podemos considerar como estática a própria figura legal, e, como dinâmica, a própria
vontade consubstanciada na evolução dos valores humanos.
A valoração de determinada relação humana ou fato histórico é o que
criará, ou não, a necessidade de se valorar certa circunstância ou elemento. A história traz
evoluções ao longo de toda a cadeia temporal da existência humana. Em certos períodos28
ou eventos, algumas relações não tiveram, necessariamente, a devida avaliação e
valoração, tornando-se relação jurídica pouco pertinente. Com os direitos humanos, a
mesma hipótese teria ocorrido. Somente com determinados eventos históricos é que
houve a verdadeira necessidade de se criar e valorar determinados aspectos ou direitos,
que passaram, então, a usufruir de determinada importância antes não encontrada.
A igualdade política só deu passos significativos imediatos em
poucos Estados, embora, comparativamente com a Inglaterra, uma
proporção maior de pessoas já pudesse votar desde antes da
independência, pois o número de pequenos fazendeiros era muito maior
na América do Norte. As constituições estaduais surgidas após a
27
LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2003. p. 1. 28
Neste aspecto, Emer de Vattel, na obra, ―O direito das gentes traz como ponto motivador da valoração de
direitos fundamentais do ser humano, o elemento histórico, que, em muitas ocasiões, inspirara a reflexão a
respeito da pouca valorização da pessoa humana e seu conceito como indivíduo dotado de qualidades,
direitos e, principalmente da necessidade de proteção. Essa motivação teria desenvolvido a necessidade de
se proteger direitos básicos da pessoa. In: VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora
Universidade de Brasília. 2004. p. 193-194.
26
independência regularam de modo bastante diversificado essa questão.
Algumas delas, como a da Pensilvânia e a da Geórgia, chegaram a
reduzir muito as barreiras econômicas para a obtenção de voto a
brancos do sexo masculino. Mas a pressão popular pela ampliação do
direito de voto surtiria efeitos antes do que na Europa, obtendo
consideráveis progressos nos cinqüenta anos seguintes à independência,
o que colocaria os Estados Unidos, por volta de 1830 (no período
jacksoniano), não posição em que o sufrágio mais havia-se
universalizado – sempre entre o sexo masculino. Na época, isso foi tido
como ‗uma espantosa inovação, e os pensadores do liberalismo
moderado, que eram realistas o suficiente para saber que, mais cedo ou
mais tarde, as ampliações do direito de voto seriam inevitáveis,
examinaram-na de perto e com muita ansiedade, notadamente Aléxis de
Tocqueville, cuja obra Democracia na América, de 1835, chegou a
melancólicas conclusões sobre ela.
[...] seja pela profundidade das transformações sociais e políticas que
provocaram no país de origem, seja pelas dramáticas e imediatas
conseqüências internacionais que suscitaram — diretamente, em toda a
Europa; indiretamente, até na América ibérica —, foram a Revolução
Francesa de 1789 e sua Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão que terminaram exercendo maior influência no mundo
galvanizando o imaginário de várias gerações de revolucionários29
.
José Damião de Lima Trindade descreve em sua obra, pequeno trecho
da história americana, onde a questão da liberalização do voto como direito social, sofria
grandes pressões populares para que pudesse ser ampliado, tudo em razão não apenas dos
reclamos sociais, mas, também, através das influências provenientes da Europa, que
caminhava paulatinamente, para um virtuoso progresso industrial e econômico.
Acompanhar este desenvolvimento social significava, para muitos,
também, ampliar a rede de direitos e proteções aos cidadãos. A extensão do voto traria
transformações sociais profundas em uma sociedade que, recentemente, lutava contra o
estigma escravagista de alguns sulistas, precisamente a partir do século XVII e início do
século XVIII.
A evolução dos direitos da pessoa encontra sua gênese não apenas com
o surgimento do pensamento religioso, filosófico, histórico e ético. Centra também suas
bases com a evolução da própria ciência, que com suas criações, descobertas e modelos
científicos cuidou de trazer uma nova perspectiva evolutiva aos direitos da pessoa30
. ―O
29
TRINDADE, José Damião de Lima. História social dos direitos humanos. São Paulo: Editora
Peirópolis, 2002. p. 101-103. 30
No direito pátrio, importante registrar, que a evolução da ciência trouxe importantes reflexos legais, pois,
no que concerne a proteção e individuação dos direitos da pessoa o próprio Código Civil de 2002,
incorporando as evoluções científicas mais recentes, incluíram a proteção ao nascituro. Certamente o
27
caráter único e insubstituível de cada ser humano, portador de um valor próprio, veio
demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo o indivíduo‖31
. Neste
contexto, constataremos, em algumas declarações relativas a tais direitos, que a figura da
individualidade da pessoa humana, ganha contornos essencialmente de direitos humanos.
1.2 – Acontecimentos históricos à criação dos Direitos Humanos:
Os direitos humanos não surgiram a partir de um único evento ou
episódio isolado, nem mesmo como criação única e individual de uma teoria. ―Se
considerarmos a visão jusnaturalista, os direitos humanos surgem como direitos naturais,
em Roma com os estóicos, recebendo, depois, do Cristianismo, o conceito de dignidade
humana, na linha de pensamento de Santos Tomás de Aquino‖32
.
Os direitos humanos, conforme afirma Cançado Trindade, parecem ser
tão antigos como a própria história do homem.
A idéia dos direitos humanos é assim, tão antiga como a própria
história das civilizações, tendo longo se manifestado, em distintas culturas e em
momentos históricos sucessivos, na afirmação da dignidade da pessoa humana,
na luta contra todas as formas de dominação e exclusão, opressão e, em prol da
salvaguarda contra o despotismo e arbitrariedade e, na asserção da participação
na vida comunitária e de princípio de legitimidade33
.
Para a criação e evolução dos direitos humanos, não foi apenas a
vontade de alguns Estados e o interesse social reivindicado por algumas classes operárias
que auxiliaram na criação efetiva dos direitos humanos. Houve, certamente, grande
legislador do Código de 1916, sequer cogitava a possibilidade de geração de vida humana fora de um útero
natural. 31
COMPARATO, Fábio Konder. op.cit., p. 31. 32
SILVA, Marcelo Guimarães da Rocha e. Direitos Humanos no Brasil e no Mundo: criação de um
Tribunal Internacional Permanente. São Paulo: Editora Método, 2002. p. 29. 33
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Porto Alegre: Editora Sérgio Fabris, 1997. p.17.
28
contribuição de certos acontecimentos históricos à evolução e desenvolvimento destes
direitos.
A eclosão da consciência histórica dos direitos humanos só se deu após
um longo trabalho preparatório, centrado em torno da limitação do poder
político. O reconhecimento de que as instituições de governo devem ser
utilizadas para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos
governantes foi o primeiro passo decisivo na admissão da existência de direitos
que, inerentes à própria condição humana, devem ser reconhecidos a todos e não
podem ser havidos como mera concessão dos que exercem o poder.
Neste sentido, deve-se reconhecer que a proto-história dos direitos humanos
começa nos séculos XI e X a.C., quando se instituiu sobre Davi, o reino
unificado de Israel, tendo como capital Jerusalém34
.
A preocupação com as liberdades e garantias individuais era vista, neste
período, não apenas como meras garantias concedidas, ou ainda como benesses
patrocinadas por governantes, mas direitos básicos que se ligavam à própria concepção
da pessoa humana. Segundo Fábio Konder Comparato, na vida política ateniense, por
mais de dois séculos (de 501 a 338 a.C.), o poder daqueles que governavam seria
extremamente limitado, não apenas por decorrência das severas leis que vigeram à época,
mas também pelo jogo complexo de uma série de instituições de cidadania que, a todo
instante, participavam ativamente da vida política. Vejamos:
A democracia ateniense e a república romana foram destruídas pela
vaga imperial que se estabeleceu a partir do século IV antes de Cristo: primeiro,
com Alexandre Magno e em seguida com Augusto e seus sucessores. Com a
extinção do império romano do Ocidente, em 453 da era Cristã, teve início uma
nova civilização, constituída pelo amálgama de instituições clássicas, valores
cristãos e costumes germânicos. Era a Idade Média.
Os historiadores costumam dividi-la em dois períodos, cuja linha de separação
se situa na passagem do século XI ao século XII. Nessa época, volta a tomar
corpo a idéia de limitação do poder dos governantes, pressuposto do
reconhecimento, a si feito somente alguns séculos depois, da existência de
direitos comuns a todos os indivíduos, qualquer que fosse estamento social —
clero, nobreza e povo — no qual eles se encontrassem.
Toda a Alta Idade Média foi marcada pelo esfacelamento do poder político e
econômico, com a instauração do feudalismo. A partir do século XI, porém,
assiste-se a um movimento de reconstrução da unidade política perdida. Duas
cabeças reinantes, o imperador carolíngio e o papa, passaram a disputar
asperamente a hegemonia suprema sobre todo o território europeu. Ao mesmo
tempo, os reis, até então considerados nobres de condição mais elevada que os
outros (primi inter pares), reivindicaram para as suas coroas poder e
prerrogativas que, até então pertenciam de direito à nobreza e ao clero.
34
COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 40.
29
Foi justamente contra os abusos dessa reconcentração do poder que surgiram as
primeiras manifestações de rebeldia: na Península Ibérica com a Declaração das
Cortes de Leão de 1188 e, sobretudo, na Inglaterra com a Magna Carta de
121535
.
E prossegue o autor, explicando que, aproximadamente no final deste
período, com surgimento dos burgos, tinha-se notícia da concentração de uma série de
mercadores, estes totalmente desvinculados do falido sistema feudal, que até então teria
dominado grande período da idade média. Combinando-se este fenômeno à ocorrência de
inúmeras descobertas científicas que ocorreram entre os séculos XI e XIII, a Europa vivia
ainda intensa produção agrícola, tudo em razão da racionalização das técnicas até então
utilizadas naquele período. Com a navegação ocorrida na última fase da Idade Média,
havia cada vez mais, a necessidade de se conferir certa segurança aos negócios que eram
constantemente realizados entre os mercados comerciais que atravessavam o mar
mediterrâneo.
Naquele período, a crise da consciência européia fez ressurgir na
Inglaterra o sentimento de liberdade, alimentado pela memória da resistência à tirania,
que o tempo se encarregou de realçar com tons épicos. Por outro lado, as devastações
provocadas pela guerra civil reafirmaram o valor da harmonia social e estimularam a
lembrança das antigas franquias estamentais, declaradas na Magna Carta36
. Generalizou-
se a consciência dos perigos representados pelo poder absoluto, tanto na realeza dos
Stuart quanto na ditadura republicana do Lord Protector.
No entanto, as liberdades pessoais, que se procuraram garantir pelo
Hábeas Corpus e o Bill of Rights do final do século, não beneficiavam
indistintamente todos os súditos de Sua Majestade, mas, preferencialmente, os
dois primeiros estamentos do reino: o clero e a nobreza. A novidade é que, pela
sua formulação mais geral e abstrata do que no texto da Magna Carta, a garantia
dessas liberdades individuais acabou aproveitando, e muito, à burguesia rica.
Pode-se mesmo afirmar que, sem esse novo estatuto das liberdades civis e
políticas, o capitalismo industrial dos séculos seguintes dificilmente teria
prosperado.
A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das
liberdades na sociedade civil foi o parlamento. A partir do Bill of Rigths
britânico, a idéia de um governo representativo, ainda que não todo o povo, mas
35
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2003. p. 44. 36
A Magna Carta de 1215, poderia ser considerada como marco inicial de inserção de direitos
fundamentais no direito inglês.
30
pelo menos de suas camadas superiores, começa a afirmar-se como garantia
institucional indispensável das liberdades civis37
.
Significativamente, após estes desdobramentos históricos, os
movimentos que mais se destacaram à construção de um modelo jurídico dotado de
garantias mínimas, foram efetivamente a Revolução Francesa e a Independência
Americana. Georg Jellinek38
, em seu estudo a respeito dos direitos do cidadão, traz crítica
contundente a respeito de ambas as declarações. Para Jellinek, a declaração Francesa
pecava em um aspecto. É que para a liberdade religiosa, a declaração americana
proclamava tal liberdade de forma mais ampla. Mesmo assim, como conclui o autor,
ambas tinham de positivo a limitação ao poder do Estado.
O banho de sangue, proporcionado por ambas as revoluções, teria
despertado a atenção de seus idealizadores e observadores, especialmente sobre a
necessidade de se prover, ainda que em um estado minimalista, a proteção e a guarda de
determinados direitos, entre eles a dignidade e a integridade humana. ―a filosofia dos
direitos humanos triunfa no final do século XVIII na Europa Ocidental e na América do
Norte. Seu sucesso se deve ao fato de estar de acordo com o ‗espírito da época‘ e por
aquilo que hoje se chama de cultura dominante‖39
.
Na Inglaterra, embora houvesse inegável resistência da nobreza e do
clero em ceder os mesmos direitos e garantias outrora exercidos pelas camadas mais
favorecidas, houve épocas em que os governos monárquicos se encontravam mais
suscetíveis, tanto é que, em muitos deles foram conseguidos textos famosos para o
exercício e instituição de certos direitos, como, por exemplo, a Carta Magna de 1215, a
Petição de Direitos em 1627 e o não menos conhecido Bill of Rights de 1688 e o Ato de
Sucessão de 1701.
Para Jean Morange40
, tais declarações não representam, no caso,
grandes conquistas, na medida em que estas apenas estabelecem procedimentos jurídicos,
que permitiriam preservar certo direito ou certa liberdade.
37
COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 47-48. 38
JELLINEK, Georg. La declaración de los derechos del hombre y del ciudadano. Madrid: Librería
General de Victoriano Suárez. Tradução de Adolfo Posada, 1908. p 133, 134-135. 39
MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Públicas. 5ª edição. França: Editora Manole. 2004,
p.3. 40
MORANGE, Jean. op. cit., p. 5.
31
Na América do Norte, por exemplo, muitos outros motivos
contribuíram para que surgissem, também, documentos ou declarações que
reconhecessem direitos em favor da população. É que, na antiga colônia americana,
vários eram os colonos provenientes de terras inglesas, e as comunidades formadas,
possuíam, em sua construção, ideais trazidos também da Europa, especialmente da
Inglaterra, onde a afirmação das liberdades individuais ganhava, cada vez mais,
importância e relevância para as massas. Fábio Konder Comparato traz algumas
ponderações a respeito deste momento histórico, ressaltando o marco inicial que constitui
os direitos humanos.
O artigo I da Declaração da Independência dizia que ‗o bom povo da
Virgínia‘ tornou pública, em 16 de junho de 1776, constitui o registro de
nascimento dos direitos humanos na História. É o reconhecimento solene de que
todos os homens são igualmente vocacionados, pela sua própria natureza, ao
aperfeiçoamento constante de si mesmos. A ‗busca da felicidade‘, repetida na
Declaração de Independência dos Estados Unidos, duas semanas após, é a razão
de ser desses direitos inerentes à própria condição humana. Uma razão de ser
imediatamente aceitável por todos os povos, em todas as épocas e civilizações.
Uma razão universal, como a própria pessoa humana41
.
Como rememora Franco Nogueira42
, além destes direitos postulados
pelas antigas colônias inglesas, em 17 de setembro de 1787, onde já se lançava a idéia de
um modelo constitucional globalizado, planetário e universal, teria sido aprovada a
Constituição Norte-americana, a mais antiga em vigor no mundo. Atualmente, embora a
atual Constituição Norte-americana conte com poucos artigos, esta possui um modelo
simples, mas incorpora a liberdade como uma das garantias mais defendidas no direito
americano.
Movimento não menos importante, teria ocorrido alguns anos após a
Declaração da Independência Americana. Em 1789, a Revolução Francesa chocava o
mundo com os famosos dizeres, Liberté, e Igualité43
.
41
COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 49. 42
NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 1997. p. 49-51. 43
Como ressalta Fábio Konder Comparato, o termo fraternidade somente teria sido reconhecido em 10 de
dezembro de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas. A afirmação faz parte do estudo intitulado In: COMPARATO, Fábio Konder. A
Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, p. 49.
32
A Revolução Francesa de 1789, iniciada anos antes com o
descontentamento das massas, teria sido provocada por guerras intermináveis, fome,
pobreza e miséria, enquanto monarcas gozavam da tranqüilidade da vida palaciana.
Certamente, a saliência deste evento histórico é de considerável relevância no processo
de incorporação e criação do modelo jurídico em que eram contemplados os direitos
humanos. Para Jean Morange44
, a Declaração de 1789 teve um alcance
consideravelmente maior do que as declarações americanas. No caso, as inovações
contidas na Carta Francesa possuíam contornos e influências provenientes das condições
geográficas, econômicas e até mesmo culturais e políticas.
No entanto, a Declaração de 1789 não teve repercussão unicamente por
ser francesa. A qualidade formal de sua redação é muito importante. Talvez
porque ela foi obra de juristas plenos de cultura literária. Nada impede que esta
obra coletiva surpreenda pela concisão do estilo e a força da repercussão de
certas fórmulas. Tanto mais surpreendente que os numerosos projetos de
declarações, que a inspiram, são em geral muito mais suaves.
Quanto ao conteúdo das declarações francesa e americana, ele é amplamente
comparável, senão idêntico. Isto se deve provavelmente ao fato de os franceses
terem, efetivamente, sofrido a influência americana. Eles não esconderam disso
de forma alguma e as discussões na Assembléia Constituinte o atestam. Os
americanos, por sua vez, se inspiraram nas concepções inglesas que muitos
dentre eles reivindicavam, mas igualmente nas idéias francesas veiculadas na
Europa e na América do Norte. De fato, tanto estas como as outras são,
inicialmente, filhas do espírito do século XVIII e de seu individualismo‖45
.
Importante lembrarmos, como defende Júlio Marino de Carvalho46
, que
tanto a Revolução Francesa como o liberalismo político ocorridos na França do século
XVIII, teriam sofrido grandes influências do trabalho desenvolvido por Rosseau. A teoria
do ―contratualismo‖, exposta na obra Contrato Social, apresentava uma justificação para
o poder estatal e sua gênese de poder frente aos direitos individuais. De qualquer forma,
tal teoria não parece ter ficado no esquecimento. Em artigo publicado pela revista
―Human Rights Brief‖, Aryeh Neier47
acredita que os direitos sociais e econômicos não
são um conceito abstrato. Defende o autor do artigo que estes são frutos de um contrato
44
MORANGE, Jean. op. cit., p. 7. 45
MORANGE, Jean. op. cit., p. 8-9. 46
CAVALHO, Júlio Marino de. Os direitos humanos no tempo e no espaço: visualizados através do
direito internacional, direito constitucional, direito penal e da história. Brasília: Editora Brasília
Jurídica, 1998. p. 35-36. 47
NEIER, Aryeh. Social and Economic Rights: A critique. Washington, DC: Center for Human Rights
and Humanitarian Law, v. 13, n.2, 2006. p. 1-2.
33
entre o cidadão e o Estado, ou ainda, o cidadão e sua comunidade. Assim, a antiga teoria
do contratualismo não pode simplesmente ser ignorada.
A Declaração Francesa, embora possua conteúdo similar ao documento
elaborado pelos americanos, evidenciava algumas idéias que podem ser destacadas
diretamente do texto. Jean Morange48
reconhece, entre elas a transcendência, que aparece
diretamente no preâmbulo. Através da transcendência, os direitos do homem e do cidadão
são reconhecidos sob a presença do Ente Supremo. Existe ainda a idéia do universalismo,
pelo qual os direitos proclamados não são exclusividade dos cidadãos franceses, mas sim
de todos os seres humanos.
O autor destaca, ainda, o individualismo, que pode ser compreendido
como sendo a idéia segundo a qual apenas o indivíduo é titular de direitos. Nenhum
grupo parece ter sido mencionado. E, por fim, a abstração. Através deste entendimento, a
Assembléia Nacional teria exposto os princípios de liberdade, de igualdade, de segurança
e do direito de propriedade. Como se observa, os acontecimentos históricos
desempenharam papel singular, para não dizer o mais importante para a criação dos
direitos humanos, especialmente porque, através destes, pôde-se iniciar a construção de
um modelo jurídico que pudesse atender a toda a diversidade cultural e econômica
existente naquele dado momento — e que ainda hoje existem —, pois o modelo
desenvolvido assentava suas bases em premissa comum a todos os interesses e culturas
existentes, na medida em que o que se busca é a proteção, segurança e a própria
dignidade.
Por fim, com o pós Segunda Grande Guerra Mundial, observou-se a
ocorrência da internacionalização da economia mundial, decorrente da redução de
barreiras ao comércio estrangeiro, propiciada por evidentes inovações tecnológicas, as
quais teriam exigido das nações envolvidas em transações comerciais, mudanças efetivas
na atuação com o comércio internacional, em especial, com os direitos de estrangeiros.
Entretanto, tais mudanças obedeceram não apenas a certos interesses políticos e
comerciais existentes entre as nações que compunham o mercado internacional, mas
sobretudo a certos princípios inerentes ao direito internacional, como normas específicas,
as quais se encontram materializadas por intermédio de tratados internacionais.
48
MORANGE, Jean. op. cit., p. 11.
34
A globalização apresentava diversos aspectos positivos para as nações,
provocando maior equilíbrio competitivo e comercial. Neste contexto, tornava-se
relevante o papel cada vez mais imprescindível das políticas industrial, de comércio
exterior e de defesa da concorrência, articulando, na agenda da globalização da
economia, aspectos tributários e econômicos, que, como se sabe, revelam importante
etapa a ser vencida no processo de integração tributária. Neste importante contexto
histórico, é válido lembrar que o processo de globalização deveria contar com a
necessária ingerência estatal, com o objetivo de humanizar este processo mundial. Como
defende Maria Luiza P. de Alencar Mayer Feitosa49
, o Estado pode desempenhar uma
papel mais essencial no processo de desenvolvimento econômico, procurando preservar
valores mais importantes, como, por exemplo, o bem-estar econômico, a liberdade
democrática, a justiça social e a auto-estima dos cidadãos, de forma a minorar os efeitos
decorrentes dos insucessos do mercado.
Aliada a estas necessidades, os direitos humanos, então surgentes a
partir de importantes eventos históricos, se reafirmava cada vez mais, diante da ameaça
ocasionada pelo holocausto judeu e seus desdobramentos nocivos à economia e
segurança jurídica, destruída pelo ―Terceiro Reich”.
Com o período posterior à Segunda Grande Guerra, ―surgiram
problemas como: o desemprego, fome, baixa produtividade industrial, ou seja, uma
infinidade de problemas de natureza interna, cuja solução não mais parecia se encontrar
dentro de uma órbita regional, ou mesmo doméstica‖50
. De fato, neste período, notou-se
certa conscientização dos dirigentes de Estado, de que o equacionamento dos problemas e
reflexos reverberados com o pós-guerra seriam alcançados a partir de uma solução
conjunta internacional. Lançava-se, então, a motivação para o estreitamento das relações
internacionais e comerciais existentes. Estava lançada a semente da integração
econômica, que viria, necessariamente, associada ao interesse de proclamar a proteção e a
defesa da pessoa humana.
49
FEITOSA MAYER, Maria Luiza P. de Alencar. Globalização: alguns aspectos conceituais analíticos.
In: Revista Verba Júris – Anuário da Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da
Paraíba. Pós-Graduação em Ciências Jurídicas. Volume 3, n.º 3, 2004. p. 111.
50 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003. p.
83.
35
Ainda sob os reflexos destes acontecimentos históricos, criava-se o
princípio da autodeterminação dos povos — incorporado ao Direito Constitucional no
artigo 4º, III da CF de 1988 — e o princípio da justiça e do progresso social para todos os
países integrantes desta comunidade internacional.
O princípio da autodeterminação dos povos veio registrado em nosso
ordenamento constitucional como um dos vetores regentes das relações
internacionais brasileiras. Embora ele sempre tenha sido mencionado como um
dos paradigmas tradicionais de nossa política externa, inexiste nas constituições
passadas a sua disciplina no sentido de estabelecer compromisso do Brasil
perante outros Estados, com vistas ao desenvolvimento de relações exteriores.51
A partir de então, as nações ―coligadas‖52
ou simplesmente irmanadas
em um mesmo interesse de cooperação internacional, cuidaram, sistematicamente, de
criar mecanismos capazes de unificar e fazer surgir uma associação mais concreta,
estruturando, de forma mais apropriada, o progresso econômico aliado à preservação de
direitos fundamentais, especialmente, os direitos humanos.
Assim, uma vez criada a atmosfera propícia ao desenvolvimento e
progresso de tais relações, surgiam, então, os primeiros acordos ou tratados destinados a
plasmar e convergir o interesse das nações, fomentando, dessa forma, a ―cooperação
internacional no domínio econômico, social, cultural, educacional e da saúde, a fim de
favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, para todos
os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião‖53
. Surgia, então, a conhecida
Carta das Nações.
Após esta síntese histórica, da qual não se podia prescindir, observou-se
que a globalização apresentava diversos aspectos positivos para as nações envolvidas, o
51
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 4ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
Página 60. 52
Diga-se coligadas, uma vez que tal expressão se refere a um direcionamento centrado na busca de um
determinado fim, seja ele econômico, militar ou comercial. No caso da OMC, por exemplo, o que se busca
é um sistema igualitário onde um certo privilégio será estendido aos membros desta organização, salvo
alguns casos específicos, onde a principiologia aplicada é diversa, como por exemplo os tratados ou
acordos de tratamento diferenciado. 53
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Editora Forense. pp. 117 e
118. No trecho examinado, o Autor cuida de citar, na íntegra, o artigo 13 da conhecida Carta da Nações,
que, até então, surgia em um momento em que as nações integrantes desta nova ordem econômica e
internacional, sentiam no sentido de conferir certa concretude às relações ali celebradas, especialmente
buscando a proteção e a preservação da integridade de seus povos.
36
que acabou por provocar certa preocupação com a integridade dos povos, outrora
massacrados pelos constantes e incessantes ataques promovidos durante a Segunda
Guerra Mundial. Segundo Fábio Konder Comparato54
, meio século após a Segunda
Guerra Mundial, vinte e uma convenções a respeito de direitos humanos teriam sido
editadas no âmbito da ONU ou das organizações regionais. Neste contexto, ainda com
relação à afirmação e criação dos direitos humanos, não poderíamos deixar de mencionar
a importância e o reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social, os
quais foram incorporados pelo movimento socialista, iniciado ainda na primeira metade
do século XIX. Embora não seja este o tema recorrente na presente pesquisa, a menção a
este período da história fica condicionada apenas aos movimentos proletários e de
trabalhadores que reivindicavam melhores condições de trabalho. Os movimentos sociais
criados e articulados pelos trabalhadores, os quais não podemos deixar de notar, foram
essencialmente anticapitalistas, portanto, inovadores no que diz respeito ao reforço da
defesa e proteção dos direitos sociais e econômicos frente ao desenvolvimento capitalista
desenfreado.
1.3 – Os fundamentos e finalidades dos Direitos Humanos:
A idéia de direitos humanos, surgente após catastróficos episódios
históricos protagonizados pelo homem, teria como gênese a preocupação e intolerância a
todo ato que maculasse a dignidade e a própria figura da pessoa. Estas manifestações,
sendo regramentos legais ou simplesmente comunitários, vieram em socorro do próprio
homem, que não mais permitia a ocorrência de situações em que o ser humano pudesse
ser violado em sua expressão máxima de individualidade, no caso, a própria saúde,
integridade e a dignidade em si.
54
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2003. p. 55-56.
37
Os ofícios de humanidade são esses socorros, esses deveres, a que os
homens estão obrigados reciprocamente, na qualidade de serem feitos para viver
em sociedade, os quais têm necessidade de ajuda mútua, para a própria
preservação e felicidade e para viverem de maneira adequada à sua natureza.
Ora, desde que as Nações não estão menos submetidas que os particulares às leis
naturais, os deveres que um homem tem para com outros homens, uma Nação os
tem de maneira própria para com as outras Nações. Tal é o fundamento desses
deveres comuns, desses ofícios de humanidade, aos quais nas Nações estão
mutuamente obrigadas umas para com as outras. Em geral, eles consistem em
fazer tudo o que está em nosso poder para o bem-estar e felicidade alheio, à
medida que esse dever possa conciliar-se com os deveres acerca de nós
mesmos55
.
Os direitos humanos surgiram, então, de uma necessidade primária de
se promover o bem-estar social e a harmonia das comunidades que habitavam ou
integravam determinada região. Contudo, com base nesta justificação, os direitos
humanos devem ser enxergados sob uma perspectiva um pouco mais abrangente, do que
simplesmente barrar a agressão estatal, ou mesmo aquela que é perpetrada por um
determinado grupo contra outro menos aparelhado para se defender.
Os direitos humanos podem ser vistos como argumentos para justificar
o status quo e a dominação social. No fundo, visam dispolitizar a cultura e os
processos sociais, canalizando todo antagonismo e conflito social — de classe,
de sexo, cor, raça ou etnia —, para as formas limitadas do direito‖. O discurso
dos direitos humanos mascararia para elas as verdadeiras condições estruturais
que levam a desigualdade social, ao mesmo tempo em que se acena
ilusoriamente com as suas ‗possibilidades emancipatórias‘, pondo a
transformação e não a revolução como destino das mudanças. Esses direitos
fragmentam a sociedade em ‗interesses particulares e concorrentes‘ que
demandam mediação e conciliação estatal, na mesma medida em que
fragmentam a própria consciência desses interesses e das alternativas de seu
atendimento. Partem todos da idéia de que o Direito não é um conjunto de
normas vinculantes, que resultam de processos legislativos imparciais para, de
forma neutra, resolver conflitos, mas é antes ‗parte de uma maneira distinta de
imaginar o real‘ e de constituí-lo de acordo com uma determinada visão de
mundo (Gabel. 1984.1577). É neste ambiente que os direitos humanos surgem,
como uma densidade consensual de valores compartilhados, sem embargo,
desligados dos contextos sociais que produzem. São impostos, portanto, como
um núcleo axiológico homogêneo, quando díspares são os interesses e valores
da sociedade, tornando necessária a desessencialização dessa multiplicidade que
habita sob o rótulo de ‗burguesia‘ de um lado e de ‗operariado‘ de outro56
.
55
VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 2004. p. 193. 56
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direitos fundamentais: retórica e historicidade. Belo Horizonte:
Editora Del Rey, 2004. p. 47-48.
38
José Adércio Sampaio segue criticando o modelo criado a partir do
surgimento dos direitos humanos, afirmando que estes não são como um ramo específico,
que visa buscar proteção — os direitos humanos, como matriz de proteção geral e
relativamente específica em determinados casos, confere proteções contra discriminação,
violência, violação de direitos básicos, além, é claro, de prever e proteger a própria ação
ou inação do Estado em determinados casos. Para o Autor, os direitos humanos são de
matéria fluída e instável, pois sua estruturação se apóia em teorias incoerentes57
.
Horácio Wanderley Rodrigues58
, em obra coordenada por Danielle
Anonni, defende severas críticas ao uso indiscriminado dos direitos humanos, que, muitas
vezes escondem interesses e objetivos de ordem política, e não a sua efetiva aplicação
nos Estados. Com a crise mundial do capitalismo e o evidente paradoxo criado por
problemas econômicos não solucionados, um sem número de movimentos sociais, todos
destinados a reivindicar direitos sociais, teriam surgido como forma de conter a crescente
onda de descontentamento das massas de proletariado.
Esta concepção de crise realça o seu momento político. A falha na
definição dos objetivos sociais passa a ser mais importante que a falha na sua
concretização.
A questão está na direção política a ser tomada. O apoio dado pelos países
capitalistas desenvolvidos aos regimes autoritários e totalitários de governo do
terceiro mundo, em nome da segurança nacional e do bem comum das
populações, começa a mostrar suas conseqüências. Esta estratégia serviu num
determinado momento da história em que o desenvolvimento econômico
legitimava o sistema político e encobria a dominação.
Em verdade, o mundo bipolarizado exigia que, por meio da força, os Estados
impusessem sua ideologia, seus valores e seu discurso. O processo, desta forma,
foi o mesmo para ambos os lados. Agora, à crise econômica, soma-se a crise
política, em especial, após o fracasso da doutrina socialista.
Assim, a defesa dos direitos humanos, contemporaneamente, por parte dos
Estados desenvolvidos representa a crise de confiança e governabilidade pela
qual passa o sistema capitalista, ou seja, representa uma crise de legitimação59
.
José Adércio Leite Sampaio60
invoca, para a fundamentação dos
direitos humanos, diversas teorias61
, entre as quais confere destaque especial para as
57
SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 49. 58
RODRIGUES, Horácio Wanderley. O uso do discurso de proteção aos direitos humanos como veículo
da dominação exercida pelos poderes centrais. In: ANNONI, Danielle (Organizadora). Direitos
Humanos & Poder Econômico: conflitos e alianças. Curitiba: Editora Juruá, 2005. p.16. 59
ANNONI, Danielle. op. cit., p. 19. 60
SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 58-61.
39
teorias subjetivista, transubjetivista e, finalmente, a intersubjetivista. Para a primeira, a
subjetivista, o apoio ideológio-teórico centra-se no jusnaturalismo deontológico pelas
doutrinas neoliberais e emotivistas.
A Idade Moderna promoveu significativa alteração no conceito de
direito natural, com o reforço de suas feições mais racionais e mais humanas,
que terminariam com o reconhecimento da pessoa como portadora de dignidade
e titular de pretensões oponíveis às demais pessoas e à organização política62
.
Como defende José Adércio Leite Sampaio63
, a fundamentação da
teoria transubjetivista vincula-se a existência de direitos como algo externo ao indivíduo
e independente de sua vontade, quando, muito, a depender de suas interações, ainda que
não haja qualquer participação ativa e consciente das individualidades. O termo
intersubjetivismo é usado para designar o que se refere às relações de vários sujeitos
humanos, à interação e a comunicação. Serve, portanto, para descrever juízos morais
universais. A teoria intersubjetiva tem este paradigma: a formação de juízos universais,
que, aliás, são a base dos direitos humanos.
Embora para a presente pesquisa nos pareça serem mais apropriados os
aspectos econômicos da imunidade tributária frente aos direitos humanos, não podemos
deixar de reconhecer que um dos fundamentos existentes para tais é a própria proteção
que o cidadão busca contra as arbitrariedades e ingerências estatais nas esferas
particulares. ―O Estado ofende a liberdade relativa do cidadão e o princípio da isonomia,
quando cria, na via legislativa, administrativa ou judicial, desigualdades fiscais
infundadas, através dos privilégios odiosos ou das discriminações‖64
.
Uma das discussões a respeito dos direitos humanos e a sua
fundamentação é a relação deste com o Direito Natural. É que o Direito Natural, como
61
Em seu estudo, José Adércio Sampaio faz referências a Luke, que nos Estados Unidos teria catalogado
cinco principais teorias morais dos direitos: a utilitária, a comunitária, a proletária, a liberal e a igualitária,
cujas designações apontavam, inicialmente, à valorização da utilidade do direito comunitário, como projeto
de emancipação de classe, como defesa da liberdade, da propriedade e como via de nivelamento de
oportunidades. In: SAMPAIO, José Adércio Leite. op.cit., p. 58. 62
SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 59. 63
SAMPAIO, José Adércio Leite. op. cit., p. 77. 64
BENDA, E.; MAIHOFER, W; VOGEL, K., 1983 apud KRIELE, Martin. [19__] apud TORRES, Ricardo
Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999.
Volume III: os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. p. 340.
40
defende Hans Kelsen65
, sempre tenta fornecer uma solução para o que é certo ou errado,
especialmente às relações humanas. Além, disso, como destaca Aristóteles, o Direito
Natural, como era definido na antiga Grécia, estava vigente em todos os lugares, ou seja,
possuía validade universal.
Norberto Bobbio66
, em seus estudos a respeito do tema, lembra as lições
de Santo Tomás de Aquino, onde a supremacia do Direito Natural sobre o direito positivo
devia tornar-se muito mais clara com o advento do cristianismo. Para Santo Tomás, em
sua Summa Theologica67
, a lei natural seria oriunda de uma ordem cósmica, emanada
diretamente da vontade de Deus. Segundo este pensamento, como menciona Santo
Tomás, a lei humana abrangeria todos os preceitos particulares que a razão consegue
inferir em diversas circunstâncias, com a finalidade de enfrentar as diversas diferenças
que eram provenientes do relacionamento humano, donde, conseqüentemente, surgiriam
as leis naturais. Neste sentido, Kelsen defende:
Se a doutrina do Direito natural for coerente, deve assumir um caráter
religioso. Ela pode deduzir da natureza regras justas de conduta humana apenas
porque e na medida em que a natureza é concebida como uma revelação da
vontade de Deus, de tal modo que examinar a natureza equivale a explorar a
vontade de Deus68
.
O caráter universal dos direitos humanos traz consigo grande identidade
com o Direito Natural, que, como visto, traz a dicotomia do que é certo ou errado, além
da confrontação que poderia surgir em face da lei positivada na norma. Como se sabe,
muitas vezes os direitos humanos vêm alicerçados em regras que não encontram
correspondentes em uma esfera de direito interno, contudo, sua aplicação é imediata e
irrestrita.
Roberto Armando Ramos de Aguiar, incorporando estas delimitações
de Direito Natural, destaca:
65
KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução de
Luiz Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p. 136. 66
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1999. p. 37-38. 67
AQUINO, Santo Tomás. Summa Theologica apud BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural.
Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 38. 68
KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução de
Luiz Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p. 138.
41
Normalmente, consideram-se os direitos humanos como aqueles
naturalmente emergentes do próprio ser de seus titulares. Para uns é o direito
que se cristaliza a partir do nascimento do homem, para outros é o corolário da
própria dignidade intrínseca do homem. Ainda terceiros acreditam que tais
direitos existem e devem ser respeitados em virtude do homem ter sido criado à
imagem e semelhança de Deus.69
Neste sentido, como se observa, os direitos humanos, como os direitos
naturais, não vinculam sua eficácia e efetividade à lei. Em verdade, os direitos humanos
compõem-se de um conjunto de princípios norteadores, que têm como finalidades
essenciais, o propósito de conferir proteção através de garantias, tais como a
inviolabilidade da pessoa, a dignidade e a autonomia. Neste sentido, Valério de Oliveira
Mazzuoli70
esclarece que a inviolabilidade da pessoa estaria traduzida na idéia de serem
vedados sacrifícios a um indivíduo, especialmente quando tratamos a respeito do tema
inviolabilidade da pessoa. Para a autonomia da vontade, o autor afirma que toda pessoa é
livre para a realização de qualquer conduta, contanto que tais atos não prejudiquem a
terceiros. Por fim, o autor discorre a respeito da dignidade da pessoa, considerando este
aspecto como núcleo central de todos os direitos do cidadão, a forma e o tratamento
condizente com o respeito e o valor do ser humano. Esta é a essência de um dos
componentes dos direitos humanos.
Com este exame, constatamos que a fundamentação e a finalidade dos
direitos humanos não parecem ser das tarefas mais fáceis, na medida em que a sua
estruturação possui bases sociais, econômicas e políticas, o que impede definir
aprioristicamente um modelo teórico conciso e livre de ambigüidades.
69
AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, poder e opressão. 2ª edição. São Paulo: Editora Alfa-
omega, 1990. p. 153. 70
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos e cidadania: à luz do novo direito internacional.
Campinas: Editora Minelli, 2002. p. 62.
42
1.4 – Os Direitos Humanos e o Direito Natural:
Para o presente ponto, buscaremos identificar algumas semelhanças e
aspectos relativos aos direitos humanos e o próprio Direito Natural. Cumpre-nos salientar
que, apesar da importância que se verifica nesta abordagem, não temos aqui a pretensão
de escrever verdadeiro tratado a respeito do Direito Natural, até porque, do ponto de vista
teórico, a principal abordagem desta monografia é com relação a imunidade tributária
como garantia e efetivação dos direitos humanos.
O Direito Natural é compreendido como o direito da natureza, ou
aquele que Deus nos infunde em nossa concepção. Resguardado pela consciência, o
Direito Natural lança suas bases nas próprias ações humanas, fundamentando-se,
também, na natureza. Embora não se componha em um sistema classificatório ou diretivo
no sentido de dizer o que é certo ou errado.
O Direito Natural possui íntima relação com Deus. Como defende
Tomás Antônio Gonzaga71
, ―a existência de Deus é a base principal de todo o Direito‖.
Hans Kelsen, por sua vez, defende:
[...] pode-se supor que o Direito deduzido da natureza é um Direito
eterno e imutável, em contraposição do Direito positivo, que, criado pelo
homem é apenas uma ordem temporária e mutável; que os direitos estabelecidos
pelo Direito natural são direitos sagrados inatos ao homem porque implantados
no homem por uma natureza divina72
.
Thomas Hobbes73
, ao analisar a questão da lei natural — nature of law
— defende que a lei natural não deve apenas ser confrontada com as noções mais sábias e
civilizadas. Na verdade, esta deve vir analisada sob o enfoque da razão e da própria
natureza humana e de suas ações.
71
GONZAGA, Tomás Antônio. Tratado de direito natural (Organização e apresentação de Keila
Grinberg). São Paulo: Editora Martins Fontes, 2004. p. 15. 72
KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o Direito e a Política no espelho da ciência. Tradução de
Luiz Carlos Borges. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001. p. 138-139. 73
HOBBES, Thomas. Os elementos da lei natural e política: tratado da natureza humana. Tradução de
Fernando Dias Andrade. São Paulo: Editora Ícone, 2002. p. 100.
43
Neste sentido, Miguel Reale74
lembra as palavras de Hugo Grócio, onde
o Direito Natural, com verdadeiro código da razão, é capaz de conter soluções adequadas
para todos os problemas e indagações jurídicas da experiência real. Em verdade, como
menciona o autor, ―o Direito Natural clássico não se apresenta como uma duplicata do
Direito Positivo, mas se resume em alguns preceitos que, sendo base da vida prática,
condicionam também o mundo jurídico‖.
O Direito Natural, sob muitas vertentes, cuida de estabelecer o mínimo
de regramento possível, pois, ao homem, não lhe é dado viver em harmonia sem qualquer
espécie de regra. A associação e a convivência social do ser humano fazem cair a
igualdade outrora existente, tudo em favor de uma proteção conferida pela sociedade.
Daí, desta associação, as pulsões sociais decorrentes dos anseios individuais parecem
fazer acentuar cada vez mais as desigualdades, a fome, a miséria e todos os males
decorrentes da desigualdade.
O Direito Natural, a exemplo dos Direitos Humanos, é aquele que está
em toda a parte e, muitas vezes prescinde de regras escritas. Para o pensamento clássico,
segundo relata Norberto Bobbio75
, o Direito Natural prescreve ações cujo valor não
depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, no entanto, existe sem qualquer relação
de dependência ao fato de serem classificadas como boas e algumas más.
Para o Direito Internacional, a melhor das distinções é aquela que é
trazida por Hugo Grotius76
, que, a respeito do Direito Natural, acredita que este pode ser
facilmente deduzido não da constituição física do mundo, mas das palavras de Deus para
a humanidade. Como o próprio autor assim define, o Direito Natural decorre de um ato
voluntário de Deus. Para o Hugo Grotius, a imutabilidade do Direito Natural é tamanha,
que nem o próprio Deus seria capaz de mudá-lo.
Para a pesquisa em questão, não convém nos perdermos em explicações
a respeito de direito particular, muito embora alguns autores como Norberto Bobbio,
Celso Lafer e o próprio Aristóteles, tenham reservado comentário acerca do tema. De
qualquer forma, o direito particular teria surgido a partir da necessidade geral de se
74
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. p. 629. 75
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio
Pugliesi. São Paulo: Editora Ícone, 2006. p. 17. 76
GROTIUS, Hugo. The rights of war and peace. United States of América: Editora Liberty Fund., 2005.
p. 26.
44
autorizar ao Estado interferir na esfera privada, e, assim, regular as relações jurídicas
decorrentes de interesses particulares.
A correlação mantida entre o Direito Natural e os Direitos Humanos
surge da necessidade de se manter certa e determinada sintonia entre o direito ideal e o
direito real, que em muitas ocasiões, acabam se afastando em razão das peculiaridades e
individualidades de cada situação concreta. Os Direitos Humanos, infelizmente, não
possuem o alcance que se esperava ter em suas diversas nuance. Ao contrário, quase
sempre encontra barreiras criadas pela própria falta de sistematização ou de
reconhecimento.
Este fenômeno, tratado por Georg Jellinek77
, teria como explicação o
fato de a doutrina do Direito Natural não ter criado, por si só, todo o sistema de direitos
do homem, pois, para alguns direitos, como a liberdade e igualdade, tais direitos são
considerados como natos, inerentes à própria natureza humano. Quanto a outros, criados
a partir de ficções doutrinárias, são regulados a partir da lei, para, então, formarem um
freio ao arbítrio ilegal, mas não para o legislador.
Mesmo assim, esta conquista política e histórica, que é consubstanciada
nos Direitos Humanos como o conhecemos, garante e sustenta um sistema jurídico capaz
de nos conduzir ao ideal de igualdade e cidadania. A este respeito, Celso Lafer traça
interessantes considerações. Vejamos:
Na esfera do público, que diz respeito ao mundo que compartilhamos
com os outros e que, portanto, não é propriedade privada de indivíduos e/ou do
poder estatal, deve prevalecer, para se alcançar a democracia, o princípio da
igualdade. Este não é dado, pois as pessoas não nascem iguais e não são iguais
nas suas vidas. A igualdade resulta da organização humana. Ele é um meio de se
igualizar as diferenças através das instituições. [...]
Aquele que se vê destituído de cidadania, ao ver-se limitado à esfera do privado
fica privado de direitos, pois estes só existem em razão da pluralidade dos
homens, ou seja, da garantia tácita de que os membros de uma comunidade dão-
se uns aos outros78
.
O Direito é uma ciência dinâmica, e como tal, adere aos interesses e as
necessidades sociais. Neste aspecto, o sistema de proteções que integram aos Direitos
77
JELLINEK, Georg. La declaración de los derechos del hombre y del ciudadano. Tradução de Adolfo
Posada. Madrid: Librería General de Victoriano Suaréz, 1908. p. 173-174. 78
LAFER, Celso. A Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998. p. 152.
45
Humanos representa importante garantia para o ser humano. Originalmente, impregnado
pelas impressões decorrentes da lei natural, os Direitos Humanos inserem toda uma
categoria de direitos para o sistema jurídico internacional e doméstico, o qual é
caracterizado, principalmente, pela universalidade.
Para as entidades assistenciais, muito embora a universalidade esteja
mais próxima de um direito ideal do que de um direito real, o certo é que tal projeção
lança as bases para a evolução e a extensão destes direitos, que garantem a igualdade e a
cidadania para todos.
1.5 – O Direito e o Fenômeno Econômico:
O ramo jurídico econômico como ciência multidisciplinar integra,
certamente, a economia, na medida em que as suas diversas ramificações normativas
deixam a economia mundial à mercê dos inúmeros regramentos e efeitos existentes neste
sentido. Embora reconheçamos a impossibilidade teórica e prática de uma codificação
neste sentido79
, sabemos que as Ciências Econômicas percorrem caminhos e perspectivas
que a legislação comum dificilmente acompanharia, ou mesmo conseguiria materializar
em uma determinada norma. A Economia possui contornos que impossibilitam uma
sistematização normativa rígida ou mesmo positiva, embora se admita a previsibilidade
em alguns aspectos. Muito embora não se queira aqui invadir terreno pouco pertinente
aos debates propostos nesta pesquisa, vale reconhecer que as Ciências Econômicas têm,
como guia, apurada rede principiológica, que, nos dizeres de Humberto Ávila, ―são
aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja
79
A economia, como fenômeno mundial dinâmico, volátil e por assim dizer mutável, dificilmente seria
contida por qualquer espécie de código de regência ou regra legal imposta através de decreto ou forma de
exteriorização de norma similar, pois, como se sabe, flutua ao sabor dos mercados, sem qualquer barreira
ou fronteira conhecida.
46
encontrado‖80
. Estes mandamentos — princípios e paradigmas — são as verdadeiras
bases do sistema econômico.
Mesmo assim, ―entre as forças modeladoras do direito, o fator
econômico é o que exerce uma influência a mais decisiva e a mais palpável‖81
. Para
Cláudio Souto e Joaquim Falcão, ―a ordem econômica e a jurídica se encontram
mutuamente na mais íntima relação, tal significa que esta última não se estende no
sentido jurídico, senão sociológico: com validez empírica‖82
. A Ciência Econômica, que
pode também ser compreendida como um fenômeno de repercussões sociais, deve ser
percebida como instrumento capaz de influenciar as ciências jurídicas, especialmente
com relação aos efeitos lançados na sociedade.
Em uma gênese histórica das ciências jurídicas, não poderíamos deixar
de considerar que a economia exerce influência considerável em outros ramos jurídicos,
especialmente àqueles em que se encontra descrito o fenômeno da patrimonialidade83
.
Se abandonarmos o campo da sistemática jurídica pelo da história do
direito, aí, então, iremos verificar mais detalhadamente a importância do
econômico no influenciar a formação do direito. Não houve importante alteração
do quadro jurídico de uma dada sociedade que não tivesse tido, em suas raízes,
um capital de interesse de ordem econômica84
.
A interferência do ramo econômico, não apenas sobre o Direito, como
também sobre os aspectos sociais, humanos e por assim dizer culturais, é uma
característica histórica da qual não se pode esta análise se afastar.
Para Karl Marx e Friederich Engels, criadores do materialismo
histórico, o econômico era a mola mestra da história, todos os demais
fenômenos culturais não passando de simples reflexos superestruturais das
80
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 5ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 35. 81
MACHADO NETO, Antônio Luis. Sociologia Jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 1973. p. 243. 82
SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim. Sociologia e Direito: Textos Básicos para a Disciplina de
Sociologia Jurídica. 2ª edição. São Paulo: Editora Pioneira Thompson Learning, 1999. p. 118. 83
O conteúdo relativo à patrimonialidade será visto de forma mais ampla e específica no tomo referente à
imunidade tributária e seus desdobramentos, contudo, o termo patrimonialidade constitui caráter específico
da obrigação. JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES acrescenta que este dever é uma categoria de Direito
Positivo, correspondente ao ―dever jurídico‖ da Teoria Geral do Direito revestido de conteúdo
administrativo, sendo mais próprio nomeá-lo como ―dever administrativo tributário‖. In: BORGES, Souto
Maior. Obrigação Tributária – Uma Introdução Metodológica. 1ª. Edição. São Paulo: Editora Saraiva.
1984, p. 33. 84
MACHADO NETO, op.cit., p. 244.
47
forças genéticas armazenadas pelas relações econômicas de produção,
verdadeiro deux ex machina do movimento dialético da história.
No famoso prefácio à sua Crítica da Economia Política, Marx nos ensina que os
homens travam em sociedade relações necessárias e independentes de sua
vontade. Que tais relações são as de produção, solidárias do grau de
desenvolvimento social, e, em seu conjunto, essas relações que formam a infra-
estrutura econômica da sociedade, constituem a base real sobre a qual se eleva a
superestrutura jurídica, política e intelectual das sociedades85
.
Engels, segundo descrição de Antônio Luis Machado Neto86
, combina
suas teorias ao primado econômico com a filosofia dialética, fazendo com que as
antíteses deste sistema representem as forças criadoras da produção, enquanto que as
sínteses são determinadas pela superação dos diversos sistemas sociais e políticos, que
entre si aparecem também engajados em um jogo dialético.
Além desta perspectiva histórica que o direito possui com o fenômeno
econômico, suas estruturas e pressupostos — sociais, culturais e principalmente
econômicos — são, por assim dizer, indissociáveis, na medida em que o conjunto de
diretrizes de um pressuposto acaba por interferir em outro. A dinamicidade da economia,
as transformações sociais e as manifestações culturais projetam toda uma gama de efeitos
sobre o Direito, criando um sistema multidisciplinar, que, em verdade, é a própria ciência
jurídica que possui suas ramificações em diversos setores, especialmente os mencionados
acima.
No Direito, como em outras ciências sociais, os comportamentos, regras
e princípios ditam obrigações positivas ou negativas, e com este modelo, criam estrutura
de funcionamento, cujos alicerces delimitadores buscam apoio em tudo aquilo que possui
relevância e pertinência a uma dada sociedade. Para a economia, como para o direito, não
é diferente.
O sistema normativo, por exemplo, estabelece regras ou comandos
legais que atendam aos interesses de determinada sociedade, com a finalidade última de
85
MACHADO NETO, op.cit., p. 245. 86
Neste aspecto, Emer de Vattel, na obra, ―O direito das gentes”, Brasília, Editora Universidade de
Brasília, 2004, p. 193-194, traz como ponto motivador da valoração de direitos fundamentais do ser
humano, o elemento histórico, que, em muitas ocasiões, inspiraram a reflexão a respeito da pouca
valorização da pessoa humana e seu conceito como indivíduo dotado de qualidades, direitos, e
principalmente da necessidade de proteção. Essa motivação teria desenvolvido a necessidade de se proteger
os direitos básicos da pessoa. In: VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 2004. p. 193-194.
48
se estabelecer regras mínimas de convivência. A normatização ou incorporação de
direitos fundamentais, ou ainda a materialização de direitos econômicos em determinada
esfera jurídica — a Constituição, por exemplo —, determinam a estrutura organizacional
jurídica do Estado.
Além destes pressupostos — que condicionam, mas que, em rigor, não
fazem parte do regime jurídico deste direito —, existem outros elementos que
poderemos designar por elementos estruturais e elementos configuradores dos
direitos econômicos, sociais e culturais. Temos aqui em vista um conjunto de
elementos — desde elementos individuais até aos dados normativos-
constitucionais — que numa sociedade concreta estão na base da proteção dos
direitos sociais. Assim, a concepção da dignidade da pessoa humana e do livre
desenvolvimento da personalidade pode estar na origem de uma política de
realização de direitos sociais, ativa e comprometida, ou de uma política quietista
e resignada consoante, se considere que, abaixo de um certo nível de bem-estar
material, social, de aprendizagem e de educação, as pessoas não possam tomar
parte na sociedade como cidadãos e, muito menos, como cidadãos iguais, ou se
entenda que a ‗cidadania social‘ é basicamente uma ‗conquista individual‘. De
igual forma, a concretização destes direitos é indissociável de dimensões
histórico-sociais, como, por exemplo, o enraizamento de associações e
organizações de defesa de direitos sociais (movimento operário, movimento
cooperativo, movimento mutualista, formação de partidos laboristas).
A proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais é também indissociável
de elementos juridicamente configuradores deste tipo de direitos. É diferente a
perspectiva e o modo de alicerçar juridicamente os direitos sociais dentro de um
enquadramento constitucional dotado de um catálogo individualizador de
direitos sociais ou num enquadramento político-constitucional sem positivação
constitucional desses mesmos direitos87
.
Sempre acompanhada do crescimento econômico, a liberdade da
economia tem gerado, em certos modelos, preocupação fundada no bem-estar social de
toda uma comunidade globalizada e interdependente.
Os reflexos de uma economia globalizada são óbvios, especialmente
aqueles mais nocivos às camadas sociais menos elitizadas, educadas, e por assim dizer,
menos privilegiadas em termos de acesso e facilidade à educação e saúde. Para alguns
modelos econômicos, especialmente o europeu, que aliás serve como exemplo singular,
dadas as intrigantes peculiaridades, parece que a preocupação com os direitos da
comunidade, ou mesmo os direitos humanos revela prevalência considerável frente a esta
hierarquia valorativa, cuja integração econômica não poderia deixar de inserir.
87
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª edição. Coimbra-Portugal: Editora
Almedina, 2003. p. 473-474.
49
Tem sido repetido que a integração européia promoveu a liberdade
econômica deixando o direito social e política em uma posição secundária. O
impacto da lei da Comunidade junto aos direitos sociais surgiu com a função de
integrar economicamente, promovendo liberdade econômica, desafiando direitos
sociais nacionais. Até foi argumentado que o programa da integração de
mercado europeu era também um programa a favor de liberdade econômica e
competição. Nesta luz, o Tratado de Roma é concebido como uma constituição
neo-liberal econômica, cujo objetivo é proteger a liberdade de mercado do poder
público, cuja legitimidade está subjacente à operação de mercado voluntário
também tem sido concebida como uma medida de salvaguarda do Estado social.
Na última perspectiva, a União Européia é o novo fórum em direitos sociais, os
quais são mais viáveis ao nível nacional, devido à competição econômica entre
Estados. Além disso, a integração européia confere voz mais forte aos estados
europeus na formação das regras de competição econômica global e proteção da
‗essência‘ do estado de prosperidade88
.
Como citado, Philipp Alston, ao analisar a questão relativa ao
movimento integracionista operado na Europa, menciona claramente a preocupação em
se manter o bem-estar social e econômico das comunidades envolvidas neste movimento,
que, num primeiro momento, parece que tais direitos sociais tivessem sido relegados a
segundo plano. A razão desta inquietação é, na verdade, bastante óbvia. O movimento de
integração, como precursor de inúmeras outras tentativas, sempre buscou a liberdade
econômica, tendo como fórmula a elevação e valorização dos direitos sociais, já que a
competição exagerada entre os Estados, geraria prejuízos de ordem social e comunitária
muito maior do que o cuidado e o respeito com estes direitos. A evolução do processo
comunitário europeu certamente priorizou este tipo de relação, especialmente porque a
instituição de uma entidade supranacional deveria ser, também, um ente harmonizador,
lembrando que em um processo de harmonização e integração comunitária, existem
diversidades culturais, peculiaridades econômicas e conjunturas sociais, que,
88
ALSTON, Philipp. The EU and Human Rights. Great Britain: edited by Oxford Univertisty Press,
1999. p. 449. Tradução nossa. (It has been repeatedly started that European integration has promoted
economic freedom while leaving social rights and policies in a secondary position. The impact of
Community law on social rights has been as a function of economic integration, promoting economic
freedom and deregulation, while challenging national social rights. It has even been argued that the
programme of European market integration is also a programme in favour of economic freedom and
competition. In this light, the Treaty of Rome is conceived as an economic neo-liberal constitution whose
aim is to protect market freedom from public power and whose underpinning legitimacy lies in voluntary
market transaction has also been conceived as a safeguard of the welfare state. In the latter perspective, the
European Union is the new forum in which social rights, no longer viable at national level due to economic
competition among states, are re-introduced. Moreover, european integration gives a stronger voice to the
European States in shaping the rules of global economic competition and protecting the ‗essencials‘ of
welfare state).
50
eventualmente, poderiam ser violadas por uma ou outra atividade deste ente
supranacional.
1.6 – O poder do tributo:
No âmbito da Ciência Política, o poder funciona como a capacidade ou
a possibilidade de agir, de produzir efeitos, ou mesmo determinar o comportamento do
homem. Dessa maneira, interessa à Ciência Política o estudo das relações e fenômenos
envolvidos, especialmente quando, de uma dada sociedade, emanam variantes do poder.
Pode se dizer que não existe, praticamente, relação social na qual não esteja presente. De
qualquer forma, há a influência voluntária de um indivíduo ou mesmo de um grupo sobre
o comportamento de outro indivíduo ou de outro grupo. ―O poder não necessita de
justificação, mas requer legitimidade‖89
. Para a Ciência Política o estudo do conceito de
poder e seus desdobramentos representa uma maneira ou forma de se compreender os
mais diversos aspectos da sociedade.
Verifica-se, também, a fundamentalidade do poder no estudo das
relações internacionais, onde o conceito de poder, quando não é considerado como
instrumento privilegiado de interpretação, fornece, de certa maneira, um critério de
análise de que não se pode prescindir, especialmente onde o estudo do poder encerra no
estudo da natureza e composição das elites políticas e suas relações com outros setores da
população, v.g., a econômica, que, para a nossa pesquisa, mais nos interessa.
De certa forma é importante conhecer o conceito de poder, uma vez que
regula as relações resultantes da convivência em sociedade. O poder funciona como
―moeda‖ se comparado à economia, pois todos o almejam de certa maneira, e ter em
mãos alguma concentração de poder representa um diferencial. Para a Ciência Política é
89
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998. p. 25.
51
necessário conhecer não só o poder em sua base e essência, mas também compreender os
recursos ou meios de manipulá-los, de forma a interpretar as ações daqueles que o detêm,
ou mesmo daqueles que desejam possuí-lo. Bobbio, ao analisar o tema, considera que o
poder, muitas vezes, não é suficientemente exercido através da força. Ao contrário, é a
própria exclusividade do uso deste direito que cria o poder. Com a instituição do tributo,
não é diferente, ao menos sob nosso ponto de vista.
O uso da força é a condição necessária para a definição do poder
político, mas não a condição suficiente. Segundo a doutrina que vai se
afirmando na grande controvérsia entre o Estado e a Igreja, o que diferencia o
Estado da Igreja é o exercício da força. Mas uma outra controvérsia não menos
decisiva para a definição do poder político é a que contrapõe os regna ao
império universal, as civitates aos regna. Aqui o problema é o diverso. Não é o
do direito de usar a força, mas o da exclusividade deste direito sobre um
determinado território. Quem tem o direito exclusivo de usar a força sobre
determinado território é o soberano. Desde que a força é o meio mais resolutivo
para exercer o domínio do homem, quem detêm o uso deste meio com a
exclusão de todos os demais dentro de certas fronteiras é quem tem, dentro
destas fronteiras, a soberania entendida como summa potestas, como poder
supremo: summa no sentido de superiorem non recognoscens, suprema no
sentido de que não tem nenhum outro poder além de si90
.
Para a Ciência Política como para a Ciência Econômica e Tributária,
conhecer a fundo a dinâmica do poder dentro de uma determinada sociedade significa
melhor conhecermos o poder econômico e suas formas nuances — como, por exemplo,
poder Legal, que é especificamente característica da sociedade moderna.
Conhecer o conceito de poder e suas variantes permite estruturar a
relação entre os homens ou grupos sociais bem como determinar a esfera de atividade à
qual o poder se refere, ou ainda, como a esfera de poder se manifesta em um dado
momento.
Desde a gênese da civilização moderna e contemporânea, o poder
exercido pelos governantes era recompensado, por assim dizer, por intermédio da
instituição de severos tributos, estes, inclusive, impostos aos Estados que eram derrotados
em guerras pela disputa de terras, riquezas, ou mesmo pela possibilidade de se
escravizarem uns aos outros.
90
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. 7ª edição. Rio de
Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999. p. 80-81
52
Para Ives Gandra Martins, o tributo representa o mais importante
elemento ao exercício do poder, especialmente porque àqueles que possuem o interesse
em se perpetuar nesta posição de dominação, a utilização do tributo como forma de
reforço e ingerência, mesmo nas relações privadas, os capacita a assumir determinada
posição de controle. ―O tributo é, portanto, a transferência de recursos da sociedade
desprivilegiada para o sustento dos governantes, não sendo a prioridade maior destes a
prestação de serviços públicos, mas a sua própria manutenção no domínio das gentes e
dos que os apóiam‖91
.
O controle sobre determinado povo ou nação, quase sempre contou com
a exploração do trabalho ou da possibilidade de retirar do povo dominado o máximo de
proveito, seja através do tributo, ou ainda, da exploração da própria força de trabalho. Na
Idade média, onde muito antes já se tinha notícia a respeito da instituição de tributos, a
―talha, a banalidade e a corvéia‖, consubstanciavam-se em prestações indiretas, mas com
o nítido interesse de explorar e controlar aqueles que se submetiam a este tipo de
obrigação, possui identidade similar ao de tributo.
Os tributos não possuem apenas esse caráter indireto de controle. Em
verdade, sob uma ótica moderna, temos que os tributos ingressam em esfera de social,
com uma finalidade também específica. No caso, sustentar toda uma atividade estatal.
[...] Mesmo nas democracias mais representativas, todo o aumento da
carga tributária é sempre contestado pelo povo, pela sociedade como um todo,
mas como quem decide são os governantes, tem sido ela constantemente elevada
em todo o mundo, no interesse dos governos mais do que no interesse do povo.
O diagnóstico do quanto que da carga tributária em cada país retorna em
serviços para a sociedade, ou do que fica para sustentar as estruturas do governo
— que se multiplicam muitas vezes na imposição de obrigações inúteis sobre o
povo para justificar o aumento do quadro de seus servidores — não se sabe, mas
é certamente um retrato dantesco. O Governo consome mais com as estruturas
que com a efetiva prestação de serviços públicos.
A visão Kantiana da paz perpétua, nas repúblicas, à luz de um ‗povo
governante‘, não se revelou procedente, muito embora seu diagnóstico tivesse
sido o correto, se os governos representassem a sociedade e não os próprios
detentores do poder, atuando em causa própria.
O certo é que, mesmo nas sociedades democráticas, não é a sociedade quem
decide seus destinos, mas os governos, que não a representam, e, neles, o tributo
91
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.
51.
53
— que o povo sempre desejaria menor — é sempre maior, para atender mais as
necessidades do Poder e seus detentores, e não a comunidade92
.
Em posicionamento moderno, Franco Nogueira93
defende que o tributo
corresponde, também, a um direito do Estado, em verdade, um direito fiscal, respeitados
os direitos do contribuinte.
Apesar das críticas que são lançadas sobre todo o sistema tributário
nacional, em especial a respeito da onerosidade excessiva que opera com o sistema
produtivo, é certo que não poderíamos deixar de considerar um outro aspecto que integra
a instituição de tributos, no caso, o financiamento das políticas públicas. Neste particular,
que visivelmente mais nos interessa nesta pesquisa, alguns autores como Fernando
Facury Scaff94
descrevem o fenômeno. Para o autor, nenhum direito é exercido
livremente, sem custos e ônus. Para Stephen Holmes e Cass Sustein, em obra citada por
Facury95
, afirma-se que mesmo os direitos básicos de primeira dimensão possuem altos
custos que devem ser efetivamente sustentados por todos, como, por exemplo, a
manutenção do sistema de segurança, o próprio judiciário e, especialmente, onde
determinadas matérias são reservadas à competência do Estado, o próprio sistema de
saúde, entre outros. Pela doutrina americana, para a implementação dos ―Civil Rights”,
acredita-se na necessidade de um sistema tributário ágil, forte, e por assim dizer eficiente
para a garantias de todos estes direitos.
Como se observa, a manutenção da harmonia, paz social e a sustentação
de um modelo jurídico calcado em garantias fundamentais — como no caso do Brasil —,
exige-se um alto custo de manutenção, que não poderia ser arcado sem a instituição de
tributos.
O tributo é o mais importante instrumento de poder, em sociedade em
que há pessoas de 1ª e 2ª classe, ou seja, os governantes e os governados.
92
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.
59-60. 93
NOGUEIRA, Franco. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Editora
Renovar, 1997. p. 158. 94
SCAFF, Fernando Facury. op. cit., p. 11. 95
HOLMES, Stephen e SUSTEIS, Cass. The Cost of Rigths – Why Libert Depends on Taxes. New
York, Norton, 2000. In: SCAFF, Fernando Facury. op. cit., p.11.
54
Sempre a decisão que pertine ao nível da carga tributária é exclusivamente do
governo, em quase todos os países, em todos os períodos históricos, em quase
todos os espaços geográficos, sem nenhuma participação popular96
.
Assim, diante desta dura constatação, a discussão de toda e qualquer
carga tributária parece não ser defendida em favor do contribuinte, ao revés, em favor do
governo ou daqueles que se aproveitam da carga excessiva de tributos.
O poder é, essencialmente, um fenômeno social. Dalmo de Abreu
Dallari defende ainda a existência de um poder social, que é atrelado a variantes
históricas, compondo um importante fenômeno para as organizações sociais existentes
em uma dada sociedade. E a respeito do tema, prossegue o autor:
Essa ocorrência do fenômeno em circunstâncias infinitamente variáveis
torna extremamente difícil chegar-se a uma tipologia do poder. Não obstante, é
possível e conveniente, numa larga síntese, apontar algumas características
gerais, úteis para que se chegue a uma noção, mais ou menos precisa, do poder.
A primeira característica a ser estabelecida é a socialidade, significando que o
poder é um fenômeno social, jamais podendo ser explicado pela simples
consideração de fatores individuais. Outra importante característica é a
bilateralidade, indicando que o poder é sempre a correlação de duas ou mais
vontades, havendo uma que predomina. É importante que se tenha em conta que
o poder, para existir, necessita da existência de vontades submetidas. Além
disso, é possível considerar-se o poder sob dois aspectos: ou como relação,
quando se procede ao isolamento artificial de um fenômeno, para efeito de
análise, verificando-se qual a posição dos que nele intervêm; ou como processo,
quando se estuda a dinâmica do poder97
.
O poder, essencialmente constituído na atividade tributária, relaciona-se
diretamente com a sociedade através de suas repercussões junto ao mundo jurídico e
social. As percepções a respeito do tema verificam-se, na prática, através de atividades
que o Estado tenciona ou não fomentar, além, é claro, da submissão ou aceitação que
parte da sociedade tem em relação aos tributos.
96
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.
72. 97
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 26ª edição. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 34.
55
O tributo é forma de controle, e como tal, ―necessita de normas,
sanções, força distanciamento, organização e, principalmente, deve se colocar sempre
como tutor dos interesses da coletividade‖98
.
É inegável, certamente, o caráter patrocinador que os tributos
desempenham em uma sociedade, especialmente quando consideramos a necessidade de
se manter a atividade estatal. Esta manutenção, logicamente, possui também as suas
divergências e os seus respectivos desvios. Muitas das vezes os governos embasam
aumentos na necessidade de arcar com o alto custo de seus funcionários ou de sua pesada
folha de pagamentos. Contudo, como dito por Ives Gandra Martins, esquece-se que a
máquina administrativa é falha, perdulária e muitas vezes, convive com fraudes e
aposentadorias milionárias, jamais permitidas ou consentidas no âmbito da moralidade
administrativa.
1.7 – O tributo, a economia e suas repercussões sociais:
Alheio às discussões e lutas intestinas travadas em busca do poder, o
tributo tem exercido papel de destaque dentro e fora de uma comunidade que se pretende
dominar. Como instrumento de poder, e limitação de quem deve pagá-lo, o tributo, desde
os tempos da Roma antiga, tem apresentado considerável evolução frente às necessidades
e aparentes mudanças sociais ocorridas. Certamente, como defende Antônio Roberto
Sampaio Dória99
, o tributo teria acompanhado o ser humano desde as mais remotas e
primitivas organizações sociais.
98
AGUIAR, Roberto Armando Ramos de. Direito, poder e opressão. 2ª Edição. São Paulo: Editora Alfa-
omega, 1990. p. 72. 99
DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e “Due Processo of Law”. 2ª
edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1986. p. 37-38.
56
Com a evolução histórica, a antiga política confiscatória dos tributos
cedia espaço, cada vez mais, às inovações e aplicações sociais e econômicas que os
tributos passavam a conferir a uma sociedade organizada.
O processo de industrialização do Ocidente, levou, simultaneamente, o
mundo a uma evolução tecnológica nunca antes conhecida, como a exploração
fantástica do operariado, sujeito às leis de mercado e sem proteções sociais. Do
embate entre o progresso e a necessidade de valorizar os direitos sociais,
formatou-se a concepção crescente de que todos os seres humanos são titulares
de direitos, que devem ser respeitados pelo Estado, com o que enunciar o
respeito à ‗liberdade‘ e à ‗igualdade‘ é insuficiente, se não houver legislação
para os mais fracos100
.
Para os direitos humanos, convém destacar, como defende Ricardo
Lobo Torres101
, que estes se expressam através de princípios, e, como tal, são direitos
preexistentes a ordem positiva, sendo imprescritíveis, inalienáveis, além de serem
dotados de uma eficácia erga omnes, absolutos e auto-aplicáveis.
A política protecionista, cobrada por aqueles que eram considerados
mais fracos, direcionava, cada vez mais, a atenção para a realização de política pública
destinada à consecução destes objetivos tidos como sociais. Como explica Ives Gandra
Martins102
, teria sido Karl Marx quem teria atentado, inicialmente, para estas questões
sociais, polemizando o direito da classe operária, especialmente nos pontos em que se
chocavam com a massa dominante, no caso, os burgueses, que a rigor, teriam substituído
os antigos exploradores, no caso, a nobreza, que ainda assim possuíam grande parte dos
negócios e terras antes da Revolução Francesa. A Igreja, no mesmo sentido, também teria
observado de perto estas modificações sociais.
A Igreja não ficou alheia ao debate gerado entre os socialistas que
pretendiam — sem o exagero de Marx — melhores condições para os
trabalhadores, e os liberais, de Adam Smith, que entendiam estar nas leis do
mercado o autêntico caminho para a economia e para o desenvolvimento. É de
se lembrar que sua atuação social, através de missões em outros continentes e
intenso trabalho social no continente europeu, antecipava o surgimento da
encíclica ‘Rerum Novarum’, de 1891, verdadeira cartilha dos direitos sociais
100
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma Teoria do Tributo. São Paulo: editora: Quartier Latin, 2005. p.
200. 101
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e a isonomia. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 1995. p. 13. 102
MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p. 201.
57
decorrentes da evolução dos costumes e contraponto à geração de ódios e
ressentimentos promovida pelas teorias de Marx. Nada obstante viver à custa de
artigos publicados em jornais burgueses e da fortuna da mulher, uma nobre
alemã, Marx extravasava a repugnância ao capitalismo e sugeria rupturas
sangrentas. Estas terminaram ocorrendo, na Rússia, com Lenine, seguido de
genocidas famosos, discípulos de Marx, na Rússia com Stálin, e espalhados pelo
mundo, como Fidel Castro, os líderes da Revolução Espanhola, Ceascescu, Mao
e uma lista não pequena exterminadores da vida dos que pensavam diferente103
.
Diante dos choques políticos travados entre as classes dominantes e as
menos favorecidas — tudo em razão da péssima qualidade de vida que era impingida
àqueles que se submetiam à exploração praticada contra os trabalhadores —, o Estado
passava a enxergar estes movimentos não como avesso a própria institucionalização do
Estado. Em verdade, os governantes sentiram a necessidade de se manterem políticas
públicas, inicialmente com a finalidade de sufocar movimentos contra.
O princípio da igualdade, tal como o conhecemos, passava a integrar o
rol de direitos protegidos pelos Estados, que, ainda de forma relutante, deixava tais
políticas em segundo plano.
Como descreve Ives Gandra Martins104
, começaram a surgir, em fins do
século XIX e começo do século XX, as grandes teorias tributárias e o exame primordial
dos tributos dentro de uma sociedade democrática, nada obstante a existência de regimes
de exceção encontrados em alguns países. Nota-se que a partir deste período, o Estado
não mais desenvolvia suas atividades para atingir exclusivamente os seus interesses ou de
seus governantes. Existia, sim, uma crescente preocupação em se atender aos interesses
da população. Neste sentido, desenvolvia-se uma cultura voltada ao incremento das
políticas públicas e a defesa dos direitos sociais.
É comum considerar que os direitos econômicos e sociais e culturais
constituem unicamente aspirações e objetivos a serem cumpridos
progressivamente pelos Estados encarregados de garanti-los, devido a
implementação destes ditos direitos, que estão sujeitos à disponibilidade de
escassos recursos. Este conceito de progressividades implica na não
exigibilidade dos mencionados direitos; em outras palavras, os Estados somente
adquirem a obrigatoriedade de implementá-los paulatina e progressivamente. Os
Direitos econômicos, sociais e culturais têm sido comparados com os direitos
civis e políticos de acordo com certas características que parecem diferenciá-los.
Geralmente, os direitos civis e políticos são considerados imediatamente
103
MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p. 202-203. 104
MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p. 206-207.
58
exigíveis por parte de seus titulares. Os Estados não podem condicionar sua
vigência à escassez de recursos. É assim com o direito à vida, à integridade
pessoal, à liberdade, entre outros, que devem ser respeitados e garantidos em sua
integridade sem condicionantes. Internacionalmente, a efetividade e a vigência
dos direitos econômicos, sociais e culturais está muito mais vinculada a
princípios e ao direito civil e político, tais como a igualdade e a não
discriminação, assim como as garantias judiciais necessárias. A expectativa
internacional acerca dos direitos econômicos, sociais e culturais e que o Estado
implemente medidas legislativas de modo distributivo e igualitário. Da mesma
maneira, é internacionalmente relevante que os tribunais internos outorguem as
garantidas dos direitos econômicos, sociais e culturais105
.
Como defendido por Claudia Martin e Tomás Ojéa Quintana, as
preocupações do Estado passavam para outra dimensão, exigindo dos governantes algo
que se denomina de estratégia organizacional, a fim de que estas políticas sociais
vencessem o campo da cogitação, e pudessem ser planejadas e implementadas.
É o planejamento que confere consistência racional à atuação do Estado
(previsão de comportamentos, formulação de objetivos, disposição de meios),
instrumentando o desenvolvimento de políticas públicas, no horizonte do longo
prazo, voltadas à condução da sociedade a um determinado destino.
O planejamento de que cogito expressa, nestas condições, uma imposição da
Constituição dirigente. Por isso que — estou disso convencido — é mais do que
reorganização das funções públicas de governo, mediante a revisão da teoria da
separação dos Poderes, o que se reclama.
O desafio que se impõe, no clima instalado pela Constituição dirigente, desde
que sejamos capazes de analisar as funções do Estado materialmente — não as
classificando apenas segundo critério subjetivo —, está ancorado na necessária
compreensão de que a construção, do Estado Liberal, do Estado da lei, reclama
105
RODRIGUEZ PINZÓN, Diego; MARTIN, Claudia; QUINTANA, Tomás Ojea. La dimensión
internacional de los derechos humanos – guia para la aplication de normas internacionales em el
derecho interno. Washington D.C.:Editora IDB Bookstore, 1999. p. 340. Tradução nossa. (És común
considerar que los derechos económicos, sociales y culturales constituyen únicamente aspiraciones u
objetivos a ser cumplidos pregressivamente por los Estados encargados de garantizarlos, debido a que la
implementación de dichos derechos está sujeta a la disponibilidad de recursos escasos. Este concepto de
progresividad implica la no exigibilidad de dichos derechos; en otras palabras, los Estados sólo adquieren
la obligación de ir implementándolos paulatina y progressivamente.
Los derechos económicos sociales e culturales há sido comparados com los derechos civiles y políticos de
cuerdo com ciertas características que parecen diferenciarlos. Generalmente los derechos civiles y políticos
son considerados inmediatamente exigibles por parte de los titulares. Los Estados no pueden condicionar su
vigencia a la escasez de recursos. Es así como el derecho a la vida, a la integridad personal, a la libertad,
entre otros, deben ser respetados y garantizados en su integridad y sin condicionantes.
Internacionalmente, la efectiidad y la vigencia de los derechos económicos, sociales e culturales está muy
vinculada a princípios y derechos de carácter civil y político tales como la igualidad y na no
discriminación, así como las garantias judiciales necesarias. La expectativa internacional acerca de los
derechos económicos, sociales e culturales es que el Estado implemente medidas lesgislativas y de outro
carácter con un sentido distributivo e igualitário. De la misma manera, es internacionalmente relevante que
los tribunales internos otorguen las debidas garantias a los derechos económicos, sociales y culturales).
59
formulação. Substitui-o o Estado das políticas públicas, que se impõe atue nos
quadrantes.
E mais: impõe-se também a percepção de que emerge, ao lado da função
normativa, da função jurisdicional e da função administrativa, delas distintas, a
função de planejar106
.
Para o sistema tributário brasileiro, onde notadamente se adere à teoria
da ―carga desmedida‖,107
a falta de planejamento adequado reflete-se na própria atuação
do Estado na condução das ditas políticas públicas. A incapacidade do Estado para a
assunção destas políticas revela-se através da absoluta ausência de incentivos às
entidades assistenciais, que, como muitos, se encontram praticamente à míngua de
programas medíocres e sem nenhuma expressão do ponto de vista de resultados.
Como destaca Anna Cynthia Oliveira, parece que a criação de uma
política filantrópica seja, realmente, a saída para a inação e incapacidade do Estado para
resolver todos os problemas sociais.
Hoje, não pode restar dúvida de que no Brasil, como nos demais países
latino-americanos, é urgente construir uma cultura filantrópica de corte
moderno; e para que isso aconteça em escala relevante, são imprescindíveis
incentivos de impacto.
A filantropia individual ou ‗estratégia‘ com base na solidariedade pessoal ou na
responsabilidade social das empresas, implica, ela mesma, um tripé: participam
o Estado, o contribuinte-doador e a organização donatária, cada qual com o seu
papel, possibilidades e limitações108
.
A condução das políticas sócias, muitas vezes, não significa,
necessariamente, a utilização incondicional de todo volume da arrecadação tributária de
um país. Não apenas se pode, como devem, os governantes prever incentivos ou mesmo
dotações orçamentárias para programas que estarão, de alguma forma, cuidando de
106
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª edição. São Paulo: Editora
Malheiros, 1997. p. 343. 107
A teoria da ―carga desmedida‖ é explicada por Ives Gandra Martins, como sendo a utilização de
tributos, sempre que possível, em carga acima do realmente necessário, ou seja, em carga desmedida. Em
sua obra Uma Teoria do Tributo, Ives Gandra Martins enumera seis razões para justificar a carga
desmedida: Objetivos mal colocados, gastos supérfluos, contribuintes apenados, sonegação fiscal e
tratamento prático diferencial e, por fim, a fiscalização. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. op. cit., p.
285-286. 108
OLIVEIRA, Anna Cynthia. Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil. In: OLIVEIRA,
Anna Cynthia. Mudança Social e Reforma Legal: Estudos para uma nova legislação do Terceiro
Setor. Brasília, Conselho Comunidade Solidária/ UNESCO. (Série Marco Legal do Terceiro Setor), 1999.
p.126.
60
atividades de interesse comum e geral, como é o caso das entidades assistenciais sem fins
lucrativos, cujo funcionamento é efetivamente destinadas a promover o bem social, e
atividades que, embora pouco organizadas pelos governantes, interessam a todos.
As instituições de caráter caritativo renovam a esperança de quem não
pode contar com um governo de recursos escassos, ao mesmo tempo em que dá
consecução a princípios básicos de uma Constituição democrática, especialmente no que
diz respeito ao bem-estar geral, o respeito a dignidade humana e o próprio individualismo
da pessoa humana, considerando-se ainda, às necessidade básicas do cidadão.
61
Capítulo 2 - Os direitos fundamentais e o ordenamento jurídico:
2.1 – Os direitos do homem e os direitos fundamentais:
Antes de iniciarmos nossos estudos a respeito dos direitos
fundamentais, para que o leitor não os confunda com direitos humanos e vice-versa, faz-
se necessária pequena diferenciação entre um e outro. Esta diferenciação auxiliará a exata
compreensão do tema estudado. Para isto, Willis Santiago Guerra Filho traça interessante
paralelo a respeito.
[...] De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os
direitos fundamentais são, originariamente, direitos humanos. Contudo,
estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os direitos
fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do
Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados
direitos humanos, enquanto pautas ético-políticas, ‗direitos morais‘, situados em
uma dimensão supra-positiva, deonticamente diversa daquela em que se situam
as normas jurídicas — especialmente aquelas de Direito Interno109
.
Segue o autor110
defendendo que, no âmbito interno, os direitos
fundamentais são distintos dos direitos da personalidade, na medida em que estes
demonstram um viés privatista, enquanto que os direitos fundamentais são garantias
também contra o Estado, embora sua eficácia seja também estendida a terceiros.
Boaventura de Sousa Santos111
, ao analisar a postura do Estado diante
da sociedade civil, lembra que, por vezes, a ação estatal é considerada como uma
verdadeira e potencial inimiga das liberdades individuais. Neste ponto, os direitos
fundamentais exercem importante papel de contensão do Estado.
109
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4ª edição. São
Paulo: editora RCS, 2005. p. 43-44. 110
GUERRA FILHO, Willis Santiago. op. cit., p. 44-45. 111
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 5ª
edição. São Paulo: Editora Cortez, 1999. p. 118.
62
Os ditos direitos fundamentais, motivados muitas vezes por
acontecimentos históricos, funcionam como forma ou regramento capaz de barrar e
limitar a atividade estatal em detrimento de direitos cuja importância revela-se muito
mais importante. De qualquer forma, sabe-se que os direitos fundamentais não tutelam
direitos absolutos, comportando, em algumas situações a possibilidade de serem
limitados. Como menciona José Afonso da Silva112
, a doutrina francesa indicaria
pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais como as principais fontes de
inspiração das declarações de direitos. Contudo, segundo o autor, esta concepção não se
revela suficiente para abarcar a problemática em questão, sob a influência dos aspectos
econômicos, sociais e culturais.
Em verdade, observa-se verdadeiro jogo de contrapesos entre poder e
não poder limitar os direitos fundamentais. Para Antônio Augusto Cançado Trindade113
,
os grandes desafios de nosso tempo, que são a proteção do ser humano e do meio
ambiente, o desarmamento, a erradicação da pobreza crônica e o desenvolvimento
humano, e a superação das disparidades, que, apenas para registro, revelam-se bastante
evidentes em nosso país, têm incitado não apenas a renovação e revitalização de um
direito internacional contemporâneo, como também a necessidade de fortalecer o
processo de democratização deste direito. Em exposição relevante sobre o tema, Cançado
Trindade defende:
Em meados do século reconheceu-se a necessidade da reconstrução do
direito internacional com atenção aos direitos do ser humano, do que deu
eloqüente testemunho à adoção da Declaração Universal de 1948, seguida, ao
longo de cinco décadas, por mais de 70 tratados de proteção hoje vigentes nos
planos global e regional. Na era das Nações Unidas consolidou-se,
paralelamente, o sistema de segurança coletiva, que, no entanto, deixou de
operar a contento em razão dos impasses gerados pela Guerra Fria. O direito
internacional passou a experimentar, no segundo meado deste século, uma
extraordinária expansão, fomentada em grande parte pela atuação das Nações
Unidas e agências especializadas, ademais das organizações regionais,
estendida, também, ao domínio econômico e social, a par do comércio
internacional114
.
112
Cf. Jacker Robert. Libertes publiques, pp. 32 e ss; Jean Rivero, Lês libertes publiques — 1. Les droits
de l´homme. p. 33 e ss. In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª
edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2000. p. 176. 113
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte:
Editora Del Rey, 2006. p. 110-111. 114
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. op. cit., p. 110.
63
Com a expansão global das relações comerciais e econômicas,
obviamente, as diferenças quase sempre causam certo desequilíbrio, onerando às
populações menos favorecidas, seja pelo acesso aos meios de produção, ou como
preferimos defender, ao próprio crédito concedido por instituições financeiras. De
qualquer forma, a internacionalização da economia trouxe a necessidade de se
protegerem determinados direitos, especialmente os econômicos, hoje inseridos na
categoria de direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais e os direitos do homem não podem ser
entendidos como expressão sinônima, embora utilizados regularmente neste sentido. Para
Canotilho, a diferença é evidente. Em sua obra defende:
As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são
freqüentemente utilizadas como sinônimas. Segundo sua origem e significado
poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos
válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-
universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-
institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do
homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável,
intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos
objetivamente vigentes numa ordem jurídico concreta115
.
Para Alexandre de Moraes116
, os direitos fundamentais são
essencialmente constitucionais, na medida em que se inserem no contexto de uma dada
Constituição cuja eficácia e aplicabilidade dependem muito de seu enunciado, uma vez
que a Constituição acaba dependendo, muitas vezes, de legislação necessária a
determinar o alcance, validade e vigência do exercício de determinados direitos. Alerta,
ainda, que para o direito pátrio, as normas que consubstanciam os diretos fundamentais
possuem eficácia e aplicação imediatas117
. Continua o autor, dizendo ainda que apesar da
prevalência que os direitos fundamentais possuem em uma dada esfera jurídica, estes não
são ilimitados. Com relação ao conflito entre estes direitos, Alexandre Moraes afirma:
115
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª edição. Portugal: Editora Almedina,
2003. p. 393. 116
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2002. p. 60. 117
Embora nos filiemos a este posicionamento, Gilmar Ferreira Mendes acrescenta que, para as relações
privadas, os direitos fundamentais possuem eficácia mediata. In: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos
Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora
Celso Bastos. 1998, p. 220.
64
[...] Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias
fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática
ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em
conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma
redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos
princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia
do texto constitucional com sua finalidade precípua118
.
Embora seja preferencial abordarmos a classificação e o
posicionamento dos direitos fundamentais nos capítulos subseqüentes, tudo em razão da
melhor lógica cartesiana, não podemos deixar de mencionar que os direitos ditos
fundamentais são coisa recente. Para José Afonso da Silva119
, o reconhecimento destes
direitos fundamentais, em verdade, corresponde à reconquista e reconhecimento do que
há muito havia se perdido, quando a sociedade se dividira em proprietários e não
proprietários. Como se observa, uns conjuntos de fatores históricos, sociais e sociológicos
motivaram uma crescente necessidade para uma validação de direitos mínimos, contudo,
mais humanos para as comunidades assoladas pelo crescimento invasivo do capitalismo
dos séculos XVIII a XIX.
Conforme abordado do capítulo anterior, alguns documentos120
como o
―Bill of Rights” (1688), o ―Hábeas Corpus Amendment Act” (1679), a ―Magna Carta”
(1215 – 1225), e a ―Petition of Rights” (1628), embora não possam ser considerados
como declarações de direitos e sentido moderno, condicionaram, naquele dado momento
histórico, a formação de regras consuetudinárias à criação de bases para direitos mais
humanos e fundamentais, cujo alcance e reflexo fora incorporado em outros movimentos
históricos.
118
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2002. 12ª edição. p. 61. 119
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros. 19ª
edição, 2000. p. 153. 120
Embora a presente pesquisa busque traçar um delineamento específico entre a base principiológica dos
direitos humanos e o direito econômico-tributário, é certo que vale mencionarmos, alguns documentos que
também contemplaram certos direitos e liberdades. Principalmente aqueles que puderam ser ligados às
antigas Colônias Inglesas na América, como, por exemplo, Charter of New England, 1632; Charter of
Connecticut, 1662; Charter or Maryland, 1632; Charter of Carolina, 1663, Charter of Geórgia, 1732; e
ainda: MassachusetsBody of Liberties, 1641; New York Charter of Liberties; Pennsylvania Charter of
Privilegies, 1701. Todos estes exemplos são encontrados em Bernard Schawrtz, The great rigths of
mankind: a history of the American Bill of Rigths, In: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros. 19ª edição, 2000. p. 176
65
2.2. – O papel e o significado dos direitos fundamentais:
Os direitos fundamentais, como se sabe, servem ao interesse da pessoa
humana, pois tutelam, em diversos níveis, garantias e direitos considerados essenciais à
harmonia e segurança sociais.
Para Claudia Perotto Biagi, os direitos fundamentais possuem
importância muito maior do que a simples limitação da atividade estatal. Em verdade, os
direitos fundamentais compõem base de princípios, contendo essência e natureza também
positiva, na medida em que comete ao Estado, especialmente aos poderes públicos, o
dever de promover a aplicação dos direitos fundamentais. Vejamos:
Analisando o direito comparado, verifica-se que a Lei Fundamental
alemã (1949), a Constituição Portuguesa (1976) e a Constituição espanhola
(1978) consagram expressamente a garantia do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais, buscando resguardá-los de medidas normativas que pudessem
restringi-los a ponto de desfigurar suas características básicas e essenciais e,
então, comprometer a sua eficácia.
Por outro lado, a doutrina estrangeira entende que a garantia do conteúdo
essencial se traduz, também, num mandado, de natureza positiva, aos poderes
públicos para que haja a adequada promoção dos direitos fundamentais121
.
Completando esta idéia lançada, Norberto Bobbio122
, acredita que
exista uma eterna dicotomia entre o público e o privado. Nesta ordem, inúmeras seriam as
possibilidades de que o público violasse o privado, especialmente se levássemos em
conta a teoria que defende a eterna prevalência do público sobre o privado — ius
publicum privatorum pactis mutari non potest ou privatorum convencio iuri public non
derogat.
Sob outro aspecto, Bobbio123
trata ainda da individualidade exacerbada
de nossa sociedade, pois, se constata que a afirmação dos direitos do homem derivaria de
121
BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na
jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 15. 122
BOOBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política. Tradução de
Marco Aurélio Nogueira. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1999. p. 15-16. 123
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1992. p. 4-118.
66
certa modificação da perspectiva social, além da própria representação da relação política
moderna.
Claudia Perotto Biagi124
, mencionando a obra de Bobbio, diz que a
concepção individualista do homem — que apresenta alguma oposição à concepção
organicista, segundo a qual, na afirmação de Aristóteles, o todo (a sociedade) é anterior à
suas partes (indivíduos) — altera consideravelmente a relação entre o todo e a parte,
considerando que, para se entender a sociedade, necessário se faz partir de baixo, ou seja,
dos indivíduos que a compõem, pois o todo seria, na verdade, o resultado da livre vontade
das partes.
Para Canotilho125
, a evolução histórica trazia algumas perspectivas
relativas à afirmação dos direitos fundamentais. A primeira delas dizia respeito à
necessidade de segurança jurídica para o franco e pleno desenvolvimento do capitalismo,
que, como se sabe, era prejudicado a todo instante, pelas constantes intervenções do
príncipe na economia. Tece ainda, importantes considerações a respeito do
individualismo. Vejamos:
As constituições liberais costumam ser consideradas como códigos
individualistas exalantes dos direitos individuais do homem. A noção de
indivíduo, elevado à posição de sujeito unificador de uma nova sociedade,
manifesta-se fundamentalmente de duas maneiras: (1) a primeira acentua o
desenvolvimento do sujeito moral e intelectual livre; (2) a segunda parte do
desenvolvimento do sujeito econômico livre no meio da livre concorrência.
A consideração do indivíduo como sujeito da autonomia individual, moral e
intelectual (essência da filosofia das luzes), justificará a exigência revolucionária
da constatação ou declaração dos direitos do homem, existentes a priori. O
sentido destas declarações não se reconduzirá à reafirmação de uma teoria de
tolerância, ou seja, de apelos morais dirigidos ao soberano, tendentes a obter
garantias para os súditos. A tolerância ficava sempre no domínio reservado do
soberano e, consequentemente, na sua completa disponibilidade. As declarações
dos direitos vão mais longe: os direitos fundamentais constituem uma esfera
própria e autônoma dos cidadãos, ficam fora do alcance dos ataques legítimos
do poder, e contra o poder podiam ser defendidos.
A segunda perspectiva do individualismo, diretamente mergulhada nas doutrinas
utilitaristas, conduz-nos ao individualismo possessivo ou proprietarista126
: o
indivíduo é essencialmente o proprietário da sua própria pessoa, das suas
capacidades e dos seus bens, é daí que a capacidade política seja considerada
como uma invenção humana para proteção da propriedade do indivíduo sobre a
sua pessoa e dos seus bens. Conseqüentemente, para a manutenção das relações
124
BIAGI, Claudia Perotto. op. cit., p. 17-18. 125
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 111-112. 126
Cf. C.B. Machperson. La Teoria Política des Individualismo Posesivo, Barcelona, 1970, p. 22 e ss.
In: CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 111.
67
de troca, devidamente ordenadas entre indivíduos, estes eram considerados
como proprietários de si mesmos. Trata-se, no fundo, do individualismo
ideológico do liberalismo econômico127
.
Diante destas considerações, onde se avalia especificamente o caráter
individualista, não podemos deixar de mencionar que o papel dos direitos fundamentais
também se insere na categoria destinada à proteção contra a atividade privada nociva ou
abusiva. Embora para esta pesquisa tenhamos centrado o foco nas relações públicas —
lembremos que, neste trabalho, buscamos considerar as imunidades tributárias frente os
princípios de direitos humanos e a concepção assistencial de algumas entidades
pertencentes ao Terceiro Setor —, o viés privado não poderia ser desconsiderado, ainda
mais quando temos em consideração que as regras de direito fundamental tem aplicação
para todos.
Os direitos fundamentais têm como finalidade a proteção de certos
interesses ou bens, que, tuteladas pela Lei Maior gozam ou não de um maior grau de
relevância. Como afirma Georg Jellinek128
, ―tudo aquilo que, considerado objetivamente,
aparece como um bem, subjetivamente se torna um interesse‖.
Contudo, para que tais interesses restem protegidos, estes devem vir
positivados na norma, sob pena de nada serem. Como menciona Canotilho129
, sem a
devida positivação da norma jurídica, os direitos do homem são esperanças, aspirações,
idéias, impulsos, ou mesmo mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a
forma de uma lei, por exemplo. Neste sentido, como ensina este constitucionalista, tais
direitos assumem certa proporção de fundamentalidade, especialmente por serem
efetivamente reconhecidos em Constituições. É este o caráter da fundamentalidade
tratado por Canotilho.
Para Cláudia Perotto Biagi130
, a fundamentalidade material dos direitos
fundamentais apenas conferem a certeza de que tais mandamentos constituem a formação
basilar do Estado e da Sociedade, caracterizando-se, dessa forma, como o fundamento de
127
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 110-111. 128
JELLINECK, Georg. Sistema dei diritti pubblici subbiettivi. Tradução de Gaetano Vitagliano. Milão:
Societá Editrice Libraria, 1912 apud SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais.
7ªedição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007. p. 168. 129
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 376. 130
BIAGI, Claudia Perotto. op. cit., p. 21.
68
todo o ordenamento jurídico, que, conforme explica Martinez-Pujalte, se baseia na
Constituição como norma jurídica suprema e expressão dos valores básicos que guiam a
comunidade política.
Essa é a dimensão jurídica capital dos direitos fundamentais:
constituem o fundamento supremo da comunidade política e, em conseqüência,
não operam tão só como limites à atuação dos poderes públicos, mas também
como critérios orientadores da ação política de tal forma que os poderes públicos
adquirem a missão fundamental de fazer possível o gozo efetivo dos direitos
fundamentais131
.
Como marca predominante deste registro ou barreira à atuação estatal,
parece nítido o conflito entre o liberalismo e intervencionismo. Aliás, a intervenção
estatal serve tanto aos interesses destinados à preservação dos direitos fundamentais,
como também à proteção da própria atuação do Estado. Para os direitos econômicos, que
é foco principal desta pesquisa, a proteção dos direitos fundamentais assume papel de
suma importância na medida em que os parâmetros da economia são sensivelmente
afetados pela decisão política que comanda os estados. Márcio Iório Aranha traça
interessante paralelo histórico entre o intervencionismo e o liberalismo, valendo análise a
respeito de suas ponderações.
Atenta-se, ainda, para a teoria que privilegia os ciclos históricos,
mediante a chamada atenção aos conceitos de liberalismo e intervencionismo, na
configuração que hoje detêm, de liberalismo construtor, ou neoliberalismo, e
intervencionismo social132
.
A dicotomia criada entre ambas as teorias pode levar à interpretações
equivocadas a respeito da extensão e aplicabilidade dos direitos fundamentais, no
entanto, para este problema, Canotilho traz a solução através da interpretação realizada
através do princípio da harmonização, que, em verdade, busca, tão somente, o ponto de
equilíbrio deste sistema jurídico acreditando na coexistência de sistemas e teorias
131
MARTINEZ-PUJALTE, Antonio Luis apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo
essencial dos direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora
Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 22. 132
ARANHA, Márcio Iório. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos
fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p. 99.
69
antagônicas, que na verdade, são complementares. Ou seja, onde uma delas não tem
alcance, a outra se encarregará de suprir a deficiência da outra.
Para este problema, Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel
Cavalcanti Machado entende ser possível outro conteúdo à necessária coexistência destas
teorias. Vejamos:
Os princípios são mandamentos que determinam a promoção de
determinados valores ou objetivos com a maior intensidade possível. Muitos
estão consagrados, implícita ou explicitamente, no texto constitucionais; na
determinação da norma aplicável ao caso, o intérprete há de realizar a
conciliação dos princípios aplicáveis, de modo a adotar a solução que os realize
de forma ‗ótima‘, vale dizer, com a maior intensidade possível. Em caso de
conflito entre os princípios implicados, deve haver uma ponderação, de sorte a
que se adote a solução que os realize da forma mais equilibrada possível; os
direitos fundamentais, até por serem consagrados em norma com estrutura de
princípio, não tem como ser prestigiados de forma absoluta. Têm de ser
conciliados, ou ‗relativizados‘, com aplicação do postulado da
proporcionalidade133
.
Como se observa, a complementaridade de um sistema necessita de
normas ou princípios cujo alcance seja relativamente maior, tudo com vistas a observar a
proporcionalidade. A Teoria dos Direitos Fundamentais, como se observa, necessita dos
parâmetros lançados pela proporcionalidade, especialmente aquela que é encontrada em
sentido estrito, já que a proporcionalidade subdivide-se em necessidade, adequação e
própria proporcionalidade.
De qualquer forma, convém atentarmos para o fato de os direitos
fundamentais serem parâmetros e princípios norteadores à aplicação de normas. Embora
a Constituição Federal de 1988 os traga de forma exemplificativa, os princípios que
balizam os direitos fundamentais não podem ser entendidos unicamente como normas, na
medida em que estes, como outros, comportam limitações jurídicas, tudo em nome de um
bem maior que se pretende proteger ou tutelar.
Os direitos fundamentais, como se verifica de nosso estudo, não mais
podem ser entendidos de forma individualizada, especialmente para conferir uma
tradicional concepção de defesa. Como observa Canotilho134
, aos direitos fundamentais
133
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado; MACHADO et al. In: FOLMANN, Melissa. (Organizadora).
Tributação e direitos fundamentais. 1ª edição. Curitiba: Editora Juruá. 2007. p. 160-161. 134
CANOTILHO. op. cit., p. 1384.
70
deve-se atribuir uma multifuncionalidade, especialmente para acentuar cada uma das
funções que as diferentes teorias dos direitos fundamentais captam.
Claudia Perotto Biagi135
, calcada em Ingo Wolfgang Sarlet, observa que
a constatação da multifuncionalidade dos direitos fundamentais não constitui nenhuma
novidade em especial, tendo o seu ponto de partida na importante teoria dos status de
Georg Jellinek.
Mesmo assim, apesar da multifacetada aplicação dos direitos
fundamentais, não podemos deixar de destacar a idéia preconizadora de toda a sua
existência, no caso, a defesa de interesses. Como menciona Paulo Márcio Cruz136
, ―a
tarefa dos parlamentos, enquanto representantes, no Estado Democrático de Direitos, de
todos os cidadãos, de delimitar os direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
reconhecidas, é uma forma de evitar uma excessiva liberdade de ação por parte do Poder
Executivo‖.
Para o exame subseqüente, analisaremos a teoria dos quatro ―status‖ de
Jellinek, com vistas a melhor entender o alcance e funcionalidade dos direitos
fundamentais, já que, neste momento, exaurimos o papel e o significado dos direitos
fundamentais de uma forma geral.
2.3 – A teoria dos “status” de Georg Jellinek:
Georg Jellinek foi um jurista alemão responsável por importantes obras
a respeito das ciências jurídicas. A razão de reservamos ponto especial neste trabalho
para tratarmos de sua teoria é bastante simples. Este jurista, como menciona Ana Maria
135
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria do
Advogado, 2002. apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris,
2005. p. 41. 136
CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. Curitiba: Editora Juruá, 2001. p. 153.
71
D‘ávila Lopes137
, desenvolveu toda uma doutrina no sentido de considerar que o
indivíduo possui outra esfera de atuação, além daquela que lhe é inerente — a privada —,
no caso, uma esfera pública, especialmente em razão de ser o indivíduo um membro da
comunidade política.
Através dessa teoria, como menciona Ana Maria D‘ávila Lopes, os
direitos fundamentais assegurariam ao indivíduo quatro esferas de atuação. A primeira
delas sendo o status subjectionis, o status libertatis, o status civitatis, e, por fim, o status
activus civitatis.
Para a primeira, como menciona a autora, o status subjectionis
determina uma posição de submissão ou sujeição do indivíduo em relação ao Estado, em
verdade, estado este capaz de gerar deveres para o cidadão.
Para o status libertatis, existe sim, a criação de uma barreira frente a
atividade estatal. Como menciona Gilmar Ferreira Mendes, ―enquanto direitos de defesa,
os direitos fundamentais asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências
ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo, ou mesmo do
Judiciário‖138
.
Com relação ao status civitatis, Claudia Perotto Biagi traz os
esclarecimentos de Jellinek a respeito, que o vincula ao direito de exigir prestações do
Estado. Neste sentido, existe a possibilidade de o cidadão exigir, conforme o seu
interesse, ações estatais, cujos reflexos deste ―pedir‖, podem ou não encontrar um
respaldo de natureza negativa, como, por exemplo, um não fazer. E quanto aos direitos
sociais, estes podem, também, serem exigidos. Em nossa pesquisa, entendemos que sim.
Contudo, nos capítulos subseqüentes explicaremos as razões disso.
Por fim, existe ainda o status activus civitatis. Para Ana Maria D‘Ávila
Lopes139
, significa a participação do cidadão na vida política de sua comunidade. Em
sentido específico, entendemos que este último estágio guarda íntima relação com o
princípio democrático, onde a participação do cidadão na vida política integra o quadro
de garantias do regime democrático.
137
LOPES, Ana Maria D‘Ávila. Direitos fundamentais como limites do poder de legislar. Porto Alegre:
Editora SAFE, 2001. p. 38. 138
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de
direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 33. 139
LOPES, Ana Maria D‘Ávila. op. cit., p.38
72
José Afonso da Silva140
entende não ser suficiente a um regime
democrático a garantia de determinados direitos, como, por exemplo, o direito a
igualdade, liberdade e principalmente a cidadania. Necessário se faz a participação dos
indivíduos, exercendo plenamente o poder popular. Segundo Ana Maria D‘Ávila
Lopes141
, ―a concepção de cidadania como um direito que demanda a participação do seu
titular na vida em sociedade está presente na Constituição Federal Brasileira de 1988‖.
Com estes delineamentos classificamos os direitos fundamentais não
apenas como sendo direitos de defesa, mas também direitos que permitem aos
jurisdicionados exigirem prestações estatais, fiscalizar, como também serem destinatários
de obrigações de fazer, portanto de deveres existentes em uma sociedade. Logicamente
que, sob uma ótica harmonizadora, o sistema em que se permite a cobrança de prestações,
há também a contrapartida dos deveres. Neste sentido, o status subjectionis se faz de
forma mais presente e evidente.
Robert Alexy142
, embora reconheça a grandiosidade da teoria de
Jellinek, faz críticas muito pertinentes a respeito do alcance e da dificuldade, em certos
momentos, de se determinar as diferentes posições encontradas por Jellinek. Em verdade,
como diz o autor, nas relações elementares de classificação, nem sempre se consegue
identificar com clareza os status. Mesmo assim, apesar da crítica, Alexy acredita que tal
debilidade possa ser superada através de uma teoria fundamentada em bases deônticas
fundamentais, fazendo surgir um sistema complementar e mais claro à teoria de Jellinek.
Pelo que se compreende da teoria de Jellinek, podemos constatar o
importante papel que o povo — destinatários principais dos direitos fundamentais —,
exerce junto à estruturação política e constitucional de um país, especialmente para
reforçar o papel dos direitos fundamentais. Como defende Jellinek143
, nos Estados onde
se tenha ocorrido uma democratização progressiva da sociedade, existem instituições que
140
SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular. : estudos sobre a Constituição. São
Paulo; Editora Malheiros, 2000. p. 157. 141
LOPES, Ana Maria D‘Ávila. A Cidadania na Constituição Federal brasileira de 1988: redefinido a
Participação Política. apud BONAVIDES, Paulo; MARQUES DE LIMA, Francisco Gérson; BEDÊ,
Fayga Silveira (Coordenadores). Estudos em homenagem ao prof. J.J. Canotilho. São Paulo: Editora
Malheiros, 2006. p. 25. 142
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. 1ª edição. 3ª reimpressão. Madrid: Centro
de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 261-262. 143
JELLINEK, Georg. Reforma y Mutacion de la Constituicion. Madrid: Centro de Estudios
Constitucionales, 1991. p.88.
73
alcançaram o reconhecimento constitucional, as quais reconhecem, inclusive, a
participação direta do povo no poder público, implicando, por conseguinte, em certa
limitação do poder legislativo. Certamente, o ingrediente popular tem servido
consideravelmente para a criação e reforço dos direitos fundamentais, na medida em que
seu desenvolvimento, quase sempre, fora motivado por iniciativas e revoluções sociais. É
assim que evoluem os direitos humanos. As necessidades, a valoração de novos conceitos
provoca a evolução desta categoria de direitos.
2.4 – Os direitos fundamentais como direito de defesa:
Ao analisarmos a criação e o desenvolvimento histórico dos princípios
que balizam os direitos fundamentais, observamos a intensa fragmentação deste sistema
de princípios junto aos sistemas constitucionais existentes. Como visto, os direitos
fundamentais não servem especificamente à sustentação de um sistema jurídico estatal,
mas também confere poder de ação para os indivíduos destinatários deste tipo de norma
ou princípio. Evidentemente, a importância maior dos direitos fundamentais centra-se
também no direito de defesa. Gilmar Ferreira Mendes traz alguns complementos a
respeito deste tema, principalmente ao analisar tais idéias sob a inflexão do
posicionamento de alguns doutrinadores, como, Alexy, Battis e Gusy.
Como observado, enquanto direitos de defesa, os direitos fundamentais
asseguram a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do
Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo, ou mesmo do
Judiciário. Se o Estado viola este princípio, então dispõe o individuo da
correspondente pretensão que pode consistir, fundamentalmente, em uma: (1)
pretensão de abstenção (Unterlassungsanspruch)144
; (2) pretensão de revogação
(Aufthebungsanspruch), ou ainda, em uma; (3) pretensão de anulação
(Beseitigungsanspruch).
144
Cf. BATTIS;GUSY. Einfurung in das Staatsrecht. 3ª edição. Heidelberg. 1991 apud MENDES,
Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 33.
74
Embora não haja mais lugar para dúvida quanto ao efeito vinculante dos direitos
fundamentais em relação ao legislador, as normas disciplinadoras dessas
situações remetem, não raras vezes, à lei, que poderá, assim, estabelecer
restrições ao âmbito de proteção desses direitos145
.
Segundo Claudia Perotto Biagi146
, os direitos fundamentais, em sua
função primária, asseguram ao indivíduo um espaço de auto-determinação perante o
poder público, outorgando-lhe, em dadas situações, mecanismos capazes de refrear
qualquer invasão ou violação destes direitos.
Para Canotilho, os direitos fundamentais servem essencialmente para a
defesa de direitos básicos como, por exemplo, a defesa da pessoa humana e a dignidade.
Neste ponto, vale examinar as palavras do constitucionalista.
A primeira função dos direitos fundamentais — sobretudo dos direitos,
liberdades e garantias — é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade
perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coativos).
Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa de cidadãos
sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas
de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente
as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano
jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais
(liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar
agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)147
.
Neste sentido, Mazzuoli também defende que os direitos fundamentais
sejam a ―expressão afeta à proteção constitucional dos direitos do cidadão. Ligam-se,
assim, aos aspectos ou matizes constitucionais (internos) de proteção‖148
.
Pelo que se pode analisar, os direitos fundamentais compõem não
apenas um complexo sistema de defesa, mas também, essencialmente, características
inerentes a um sistema democrático, notadamente pela possibilidade de participação de
seus indivíduos junto à exigência de direitos e garantias legais. Os direitos fundamentais,
em verdade, vinculam não apenas o Estado, como seu garantidor, mas também o próprio
145
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de
direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 33 146
BIAGI, Claudia Perotto. op. cit., p. 44. 147
CANOTILHO. op. cit., p. 407-408. 148
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006. p. 480.
75
cidadão, que, como seu destinatário, tem o direito subjetivo de buscar as prestações
devidas.
A problemática da vinculação dos poderes públicos e das entidades
privadas aos direitos fundamentais encontra-se estreitamente ligada ao tema da
eficácia e aplicabilidade, já que a vinculatividade dos direitos fundamentais
constitui precisamente uma das principais dimensões da eficácia149
.
Como diz Suzana Toledo de Barros, os direitos fundamentais, portanto,
não representam um poder e devem, desse modo, serem vistos como um feixe de
diferentes possibilidades de comportamentos150
.
Apesar da beleza sedutora da teoria dos direitos fundamentais,
especialmente como regras de proteção, prevenção e defesa, outro ponto que convém
levantar nesta pesquisa diz respeito ao próprio aspecto prático que a defesa destes direitos
representa para o Estado. Para Dieter Grimm151
, ―os direitos fundamentais foram
originariamente criados para que essa autonomia contra a tendência onipresente de
instrumentalização política pudesse ser defendida‖. Por outro lado, apesar desta
justificativa, o autor segue sua argumentação defendendo que, para o Estado, é muito
mais barato proteger e aplicar tais princípios fundamentais, do que simplesmente repelir
perigos provenientes da atividade estatal, ou pior, indenizar danos ocasionados. Esta
visão bastante atual, como diz o autor, revela, certo esgotamento dos direitos
fundamentais, que se seguiu após o encantamento propiciado pelos movimentos
revolucionários mais importantes da história mundial. Não se pode dizer, por outro lado,
que o excesso de direitos fundamentais possa, em tese, causar certa insegurança jurídica,
especialmente para a atividade estatal. Contudo, esta dicotomia parece ser arrefecida
pelos princípios da proporcionalidade e da harmonização como visto em capítulos
anteriores.
149
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2007. p.386. 150
BARROS, Suzana Toledo de. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2000. p. 136. 151
GRIMM, Dieter. Constituição e Política. Tradução de Geraldo de Carvalho. Belo Horizonte: Editora
Del Rey, 2006. p. 87-89.
76
Aliás, sobre o tema segurança jurídica, válido relembrar que, para Ives
Gandra da Silva Martins152
, a segurança jurídica é direito fundamental, pois se revela
como alicerce para os demais direitos.
2.5 – O Poder Legiferante e os direitos fundamentais:
Questão posta em diversos debates é a respeito da omissão relativa às
garantias e direitos fundamentais, especialmente quando o poder legislativo se omite em
relação à sua regulamentação e aplicação. Àqueles, cuja visão formalista deturpa a
verdadeira essência dos direitos fundamentais, estes somente seriam aplicáveis a partir de
positivação explícita na norma. Contudo, através dos exames realizados, discordamos de
qualquer posicionamento neste sentido, tudo em razão de os direitos fundamentais serem
a base principiológica de um sistema normativo, e, como tal, não necessariamente devam
vir regulamentados em um sistema jurídico, para então poderem ter a eficácia desejada.
Embora os direitos fundamentais possam ser entendidos também como
princípios, é certo que a omissão legislativa pode ocasionar não apenas o impedimento,
mas também dificultar o próprio exercício de um direito fundamental, principalmente
porque, nesta hipótese, ao Estado não será vedada determinada atividade. Embora nociva,
não encontrará óbice legislativo.
Antes de prosseguirmos com o presente estudo, embora tenhamos
deixado aos manualistas a tarefa de definir a diferença entre garantias e direitos, optamos
por fazer breve menção a esta discussão, na medida em que dúvidas podem ser suscitadas
a respeito deste aspecto. No exame de Rui Rebello Pinho e Amauri Mascaro
152
HERNANDES, Fernanda Guimarães. Princípios Constitucionais Fundamentais – segurança
jurídica. In: AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do; ROSAS, Roberto; VELLOSO, Carlos Mário da
Silva (coordenadores). Princípios Constitucionais Fundamentais: Estudos em homenagem ao
professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Lex Editora, 2005. p. 436.
77
Nascimento153
, os direitos são aspectos, manifestações da personalidade humana em face
de sua existência subjetiva, ou ainda, nas relações para com a sociedade ou os indivíduos
que a integram. Por sua vez, as garantias constitucionais são as solenidades tutelares onde
a lei circunda alguns desses direitos contra os excessos do Estado. Com estes
delineamentos, passaremos a analisar a importância da legislação a respeito dos direitos
fundamentais e suas garantias que estes trazem arraigados. Importante observar, neste
capítulo, que a omissão legislativa desencadeia uma série de conseqüências para o
cidadão, ponto no qual pretendemos focar para o presente exame.
Para o direito pátrio, a omissão legislativa guarda importância singular.
Como defende Gilmar Ferreira Mendes154
, a omissão capacita o manejo de ação direta de
inconstitucionalidade, em razão da omissão legislativa. ―A omissão inconstitucional
pressupõe um dever constitucional de legislar‖.
De qualquer forma, para Claudia Perotto Biagi, compete ao legislador
definir os parâmetros sob os quais os direitos fundamentais assentaram o seu plano de
eficácia, de forma que tais contornos possam, enfim, ser aplicados aos diversos setores da
sociedade.
Mostra-se, então, necessária uma intervenção normativa do legislador
ordinário, tanto para definir os contornos do âmbito de proteção e a forma de
exercício dos direitos fundamentais, como também para assegurar aos outros
membros da sociedade o gozo de mesmos direitos.
Afinal, há que se reconhecer uma tendência do homem ao despotismo, pois
acaba lançando mão de sua parcela de liberdade, mas, também, usurpando a
liberdade dos outros155
.
Como se observa, os direitos fundamentais auxiliam a composição
básica de um estado democrático?, pois estabelecem um conjunto de regramentos e
obrigações não apenas para o Estado, mas também para os indivíduos que compõem a
sociedade. A existência de normas a respeito dos direitos fundamentais garante ao titular
destes direitos a possibilidade de um agir, ou de como se proteger em casos de violação.
153
PINHO, Rui Rabelo e NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Instituições de direito público e privado:
introdução ao estudo do direito e noções de ética profissional. 20ª edição. São Paulo: Editora Atlas.
1997. p. 127. 154
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de
direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 48. 155
BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na
jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sergio Antonio Fabris, 2005. p. 56.
78
Canotilho, sabedor deste aspecto, subdivide as normas consagradoras dos direitos
fundamentais como sendo um direito subjetivo. Vejamos:
Diz-se que uma norma garante um direito subjetivo quando o titular de
um direito tem, em face ao seu destinatário o direito a um determinado ato, e
este último tem o dever de, perante o primeiro, praticar esse ato. O direito
subjetivo consagrado por uma norma de direito fundamental reconduz-se, assim,
a uma relação trilateral entre o titular, o destinatário e o objeto do direito156
.
A importância da norma é conferir não apenas a eficácia de um
interesse a ser protegido pelo ordenamento positivo, mas também, garantir aos titulares
de um direito, a possibilidade de agir em caso de violação.
Nas lições de José Afonso da Silva157
, as normas seriam consideradas
como preceitos responsáveis pela tutela de determinadas situações, ou ainda, o
reconhecimento de certos interesses garantidos a determinadas pessoas ou entidades,
onde o detentor desta garantia pode, então, cobrar do Estado a prestação relativa ao
cumprimento de determinado dever, ou ainda a abstenção de suas atividades sob pena de
violação de direitos garantidos pela norma. No mesmo texto, o autor ressalta que os
direitos fundamentais, mesmo que não inseridos em normas, servem à sustentação do
Estado, especialmente traçando a sua estrutura, os princípios estruturantes do regime
político, os princípios caracterizadores da forma de governo, além da própria organização
política em geral.
A este tema, Gilmar Ferreira Mendes158
traz algumas notas a respeito
do trabalho a ser desempenhado pelo Poder Legislativo no que diz respeito à atividade
legiferante. Para o autor, o legislador não está apenas autorizado a fixar certos limites
para determinados direitos individuais, como também está obrigado a obedecer de forma
rigorosa os limites estabelecidos pela Constituição à imposição de restrições e limitações.
Como se observa, a atividade do legislador desempenha papel importante para a
consideração dos direitos fundamentais.
156
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 1254. 157
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19ª edição. São Paulo: Editora
Malheiros, 2000. p. 95-96. 158
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de
direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 210.
79
Para o Terceiro Setor, ou propriamente para as entidades assistenciais, o
que se busca, em verdade, é saber primeiramente quais os objetivos buscados por uma lei,
quando de sua aprovação ao término de um processo legislativo. Os efeitos, que podem
muitas vezes serem confundidos com os resultados, ressalte-se que não são, funcionam
como diretrizes para o Terceiro Setor. Neste sentido, como defendem Joaquim Falcão e
Carlos Cuenca159
o Estado não apenas pode como deve incentivar o Terceiro Setor
através de isenções, imunidades, transferência de recursos e outros. Ocorre que, em razão
do respeito ao princípio da legalidade, obviamente tais ocorrências dependem sim da
formação de normas que incentivam estas operações.
Em se tratando de direitos humanos assim como para os direitos
fundamentais, os incentivos fiscais devem ser perseguidos pela atividade legislativa a fim
de que sejam fornecidos subsídios e estímulos ao crescimento do setor.
Assim, a existência de direitos fundamentais é importante à regulação
dos sistemas jurídicos, para a delimitação de barreiras ou obstáculos à aplicação de
direitos, além de conferir, a certos titulares, a possibilidade de exigir ou não uma
contraprestação do Estado. Por estas razões, a normatização dos direitos fundamentais
importam não apenas em seu expresso reconhecimento, mas também na limitação de sua
aplicação e a própria formação do Estado nas relações políticas estabelecidas. Nos
dizeres de Canotilho, os direitos fundamentais são essencialmente regras matrizes da
Constituição. Daí a necessidade de sua expressão ou reconhecimento na Lei Maior.
Portanto, o reconhecimento destes direitos é de suma importância à formação do Estado e
o exercício de garantias.
159
FALCÃO, Joaquim ; CUENCA, Carlos. Mudança cocial e reforma legal: Estudos para uma nova
legislação do Terceiro Setor. Brasília-DF: Comunidade Solidária – UNESCO, 1999. p. 15.
80
2.6 – Os limites constitucionais aos direitos fundamentais:
Os direitos fundamentais, como regras de garantia e proteção ao
indivíduo, não se inserem na categoria de normas ilimitadas. Como defende Alexandre de
Moraes160
, os direitos humanos fundamentais, dentre os direitos e garantias individuais e
coletivos consagrados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, não permitem, por
exemplo, que sejam utilizados como uma espécie de escudo destinado à prática de atos
ilícitos, ou, ainda, a redução da responsabilidade penal ou civil. Mesmo assim, havendo a
colidência entre regramentos de direitos fundamentais, como examinado em capítulos
anteriores, caberá ao intérprete harmonizar a aplicação destes princípios.
[...] quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias
fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática
ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em
conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma
redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos
princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia
do texto constitucional com sua finalidade precípua161
.
Como se observa, muito embora os direitos fundamentais tenham
surgido da necessidade de se limitar a ação estatal, a sua aplicação e utilização sofrem o
barramento de outros princípios, com os quais possam entrar em conflito. Para a solução
deste problema, Humberto de Ávila162
traz equacionamento bastante plausível à solução
destes conflitos. Em primeiro lugar, ao se estabelecer determinado choque, o hermeneuta
deverá perquirir qual o bem tutelado pelos princípios conflitantes. Após a especificação
de cada um dos princípios e a determinação de seus respectivos âmbitos de limitação,
poderá o aplicador da lei examinar o caso concreto, confrontando-o com as similaridades
eventualmente existentes entre outros casos, além de verificar a existência de critérios
capazes de identificar os bens jurídicos ideais, considerando a harmonização de todas as
regras envolvidas.
160
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2002. p. 60- 61. 161
MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 60-61. 162
ÁVILA, Humberto de. Teoria dos Princípios. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 92-93.
81
Da análise dos direitos fundamentais, pode-se extrair a conclusão
errônea de que direitos, liberdades, poderes, garantias são passíveis de ilimitada
limitação ou restrição. É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições
são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou ‗limites dos
limites‘ (Schranken-Schranken), que balizam a ação do legislador quando
restringe direitos fundamentais. Esses limites, que decorrem da própria
Constituição, referem-se tanto à necessidade de proteção de um núcleo essencial
(Wesensgehalt) do direito fundamental, quanto à clareza, determinação,
generalidade e proporcionalidade das restrições impostas163
.
Os direitos fundamentais, ao serem limitados, devem observar certos
cuidados, como, por exemplo, obedecerem a um critério de clareza tal, que não se
permite ao legislador deixar ao alvedrio do intérprete o alcance das limitações. Tal
observância existe em razão do interesse em se preservar a segurança jurídica das
relações existentes entre o Estado e seus integrantes como um todo.
Quando nos preceitos constitucionais se prevê expressamente a
possibilidade de limitação de direitos, liberdades e garantias através de lei, fala-
se em direitos sujeitos à reserva de lei restritiva. Isto significa que a norma
constitucional é simultaneamente: (1) uma norma de garantia, porque reconhece
e garante um determinado âmbito de proteção ao direito fundamental; (2) uma
norma de autorização de restrições, porque autoriza o legislador a estabelecer
limites ao âmbito de proteção constitucionalmente garantidos164
.
Segundo o entendimento defendido por Canotilho, as normas que
cuidam de direitos fundamentais possuem um caráter dúplice na medida em que podem
conter, ao mesmo tempo, regras de garantia e defesa, bem como restrições impostas
através da atividade legislativa, que é plenamente autorizada.
Observando-se a idéia das restrições aos direitos fundamentais, Robert
Alexy165
adverte que o plano das restrições deve ser feito da mesma forma que o
reconhecimento de um dado direito fundamental. Em síntese, sua idéia centra-se na
possibilidade de restrições, desde que a partir de normas também constitucionais. A teoria
desenvolvida por Alexy, contempla, ainda, a hipótese de restrições realizadas a partir de
normas infraconstitucionais. Cita, como exemplo, lei que eventualmente, venha a regular
o direito de associação, embora se reconheça como direitos fundamentais a possibilidade
163
Cf. PIEROTH e SCHLINK apud MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de
constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1998. p. 34. 164
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op. cit., p. 1278. 165
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. 1ª edição. 3ª reimpressão. Madrid: Centro
de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 273-281.
82
de as pessoas de associarem. Continuando o autor, este defende a idéia de que a
contraposição de princípios ou direitos fundamentais possam encontrar restrições em
outros direitos e garantias, tendo como forma de ponderação o próprio peso e medida do
direito confrontado. Vejamos o texto de Alexy.
[...] O caráter inicial das normas fundamentais resulta, não apenas, em
vista de princípios opostos na restrição dos direitos fundamentais, pois estes são
restringíveis, assim como as restrições. Uma restrição dos direitos fundamentais
somente é admissível no caso concreto, em que certo princípio fundamental
possui peso maior. Através desse princípio fundamental, pode-se dizer que os
direitos fundamentais são restringíveis de acordo com sua própria limitação e
restringibilidade166
.
O modelo jurídico da teoria dos direitos fundamentais criado por Robert
Alexy está calcado no princípio da igualdade de iure, onde se determina a igualdade
quanto à necessidade de um tratamento igualitário e, por assim dizer, equânime entre dois
indivíduos ou situações. Com relação a essas conclusões, baseando-se nos apontamentos
de Alexy, Marciano Seabra de Godoi167
traz algumas críticas a este modelo.
Segundo Godoi, o modelo elaborado por Alexy, não contemplaria todas
as situações possíveis. Em suas primeiras análises, o autor conclui que Alexy privilegia o
modelo de igualdade de iure, tratando a igualdade de forma estanque, sem muito
considerar a igualdade de fato. De outra banda, o autor considera que Alexy equivoca-se
ao considerar que, ao lado da igualdade, vigora também o princípio da desigualdade.
Contudo, este modelo se dissolveria, já que a razoabilidade serviria para tratar situações
em que houvesse a real necessidade de se dispensar um tratamento diferenciado para
certo indivíduo ou situação.
Prossegue Godoi, em sua crítica, dizendo ainda que ―Alexy é um dos
poucos autores que não vêem a igualdade como um princípio de hierarquia superior no
conjunto dos princípios fundamentais, e por que não dizer um dos mais elevados na
166
ALEXY, Robert. op. cit., p. 286. Tradução nossa. (Del caráter de principio de las normas ius
fundamentales resulto no sólo que, en vista de los princípios opuestos, los derechos fundamentales están
restringidos y son restringibles sino también que su restriccíon y restringibilidad son restringidas. Una
restricción de los derechos fundamentales es sólo admisible si em el caso concreto a princípios opuestos les
corresponde un peso mayor que al principio ius fundamental. Por ello, se puede decir que los derechos
fundamentales, en tanto tales, son restricciones a su restricción y restringibilidad). 167
GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Editora Dialética,
1999. p. 158-161.
83
ordem hierárquica‖168
. Por fim, o autor considera que a obra de Alexy é vaga e obscura,
quando utiliza a expressão ―razão suficiente‖ para justificar um ato de desigualdade.
Neste ponto em particular, ousamos discordar de Marciano Seabra de
Godoi, na medida em que, tanto a lei como a doutrina, trazem, como ingredientes, certo
grau de subjetividade, pois, nesta medida, é que a sociedade poderá escolher o alcance e
limitação daquilo que vem a ser considerado como razão suficiente para este ou aquele
ato de desigualdade. Na verdade, as influências culturais e sociais auxiliam na escolha
destes parâmetros, do que vem a ser a razão suficiente.
Apesar das inúmeras discussões acadêmicas a respeito do tema, os
direitos fundamentais, como regras e garantias de um determinado sistema jurídico, têm,
na restrição, não apenas a colidência de princípios ou direitos. Em verdade, é no próprio
choque que estes direitos encontram o seu verdadeiro alcance e eficácia. Para o direito
pátrio, embora sejam considerados normas de eficácia plena, muitos deles encontram
barreiras em outros princípios de direito, ou ainda, na própria segurança jurídica.
2.7 – A estrutura dos limites imanentes:
Podemos admitir que alguns direitos, apesar de suas limitações e
alcance, possuem restrições diretas e indiretas, sendo que para determinados casos,
admite-se ainda, através de reserva de lei, as restrições legislativas, o que mesmo assim,
não eliminaria a possibilidade de conflitos de direitos da vida prática e, por conseguinte, a
necessidade de se imporem restrições além daquelas já determinadas direta ou
indiretamente169
.
168
GODOI, Marciano Seabra de. op. cit., p. 161. 169
STEINMETZ, Wilson Antônio apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos
direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sergio
Antonio Fabris, 2005. p. 69.
84
Para Canotilho170
, os limites imanentes estariam justificados em virtude
da existência de limites originários ou primitivos, que se imporiam a todos os direitos,
como, por exemplo, limites sociais, limites constituídos por outros direitos, ou ainda, as
limitações éticas. Contudo, prossegue o autor, neste ponto caberia aqui uma ressalva:
através desta lógica de restrições, se estaria inserindo uma série inesgotável de outras
garantias ou direitos fundamentais, incluindo a possibilidade de deixar ao alvedrio do
Poder Público a escolha e a própria aplicação destes direitos fundamentais.
Quanto a estas limitações de ordem imanente, Cláudia Perotto Biagi171
esclarece que os limites imanentes balizariam, a partir do interior, a possível
concretização do conteúdo dos direitos fundamentais, tratando-se, em verdade, de limites
inseridos na própria natureza dos direitos fundamentais, e, neste sentido, se identificariam
com os limites internos, que cada direito fundamental possui.
2.8 – As teorias a respeito do conteúdo essencial dos direitos fundamentais:
Como estudado em capítulos anteriores, concluímos que os direitos
fundamentais não podem ser compreendidos como regras absolutas, sem qualquer
espécie de limitação. As limitações, no caso, não ocorrem apenas para o legislador ou
para o Estado. Ela ocorre também para o próprio cidadão, que não poderá extrapolar as
garantias que lhe são postas à disposição.
Como defende Gilmar Ferreira Mendes172
, ―alguns ordenamentos
constitucionais consagram a expressa proteção do núcleo essencial, como se lê no art. 19,
II, da Lei Fundamental alemã de 1949 e na Constituição Portuguesa de 1976173
‖.
170
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. op.cit., p. 1280. 171
BIAGI, Claudia Perotto. op.cit., p. 7. 172
MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.
Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 241. 173
Artigo 18 da Constituição Portuguesa.
85
Para tanto, as limitações impostas ao legislador, como também aos
destinatários, visam a proteção de outro direito fundamental, no caso, a segurança
jurídica.
Como dito em capítulos anteriores, os direitos fundamentais, além da
proteção; defesa e a própria limitação dos direitos fundamentais em si, servem ainda ao
balizamento e suporte à criação do próprio estado democrático de direito.
Claudia Perotto Biagi174
, citando Ignácio de Otto y Pardo, assinala que
o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, determina a verdadeira fronteira que o
legislador não poderia ultrapassar, delimitando, por conseguinte, terreno onde a lei
limitadora não poderia invadir.
Para o direito pátrio, a observância desta preocupação aparece de forma
explícita no artigo 60, § 4º, IV da Carta Política de 1988, na medida em que a atuação do
Poder Legislativo derivado não poderá debater proposta de emenda destinada a abolir
direitos e garantias, criando, no caso, limitação de ordem material, da qual o poder
constituinte derivado não poderia ultrapassar. Neste ponto, em especial, preserva-se a
segurança jurídica, impedindo reformulações da norma, que efetivamente fossem capazes
de alterar o conteúdo das garantias conferidas pela Carta Política.
Para a proteção do núcleo essencial de um direito fundamental, busca-
se, em verdade, a proteção do próprio conteúdo, evitando-se o desvirtuamento do
instituto. A respeito deste tema, Gilmar Ferreira Mendes traz importantes considerações.
Vejamos:
[...] enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou
enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo
essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental
decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais175
.
Com este tipo de restrição, o próprio conteúdo motivador de um dado
direito fundamental poderá ser preservado, evitando-se, assim, a sua desnaturação, ou
174
DE OTTO Y PARDO, Ignácio apud BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos
direitos fundamentais na jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio
Antonio Fabris, 2005. p. 77. 175
MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.
Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 243.
86
ainda, qualquer interpretação casuística a respeito do tema. Para as entidades
assistenciais, revela-se importante tal nível de preocupação, isso porque as imunidades
tributárias poderiam ter o seu conteúdo essencial caso o núcleo de sua formação fosse
vulnerado por interpretações desconexas, casuísticas, ou demasiadamente restritivas
quanto ao seu alcance.
2.8.1 – As teoria relativa e absoluta:
Com bem sabemos, os diretos fundamentais, postos da forma como
consta de nossa Carta Política, podem receber, em certas ocasiões, limitações a seu
exercício. Alguns doutrinadores admitem tal ocorrência, baseando tal exceção em duas
teorias: a relativa e a absoluta. Conforme conceitua Claudia Perotto Biagi176
, a teoria
relativa parte do pressuposto que toda restrição operada para os direitos fundamentais
exige uma justificação ou fundamento explícito na norma constitucional.
Os sectários da chamada teoria relativa (‗relative Theorie‘) entendem
que o núcleo essencial há de ser definido para cada caso, tendo em vista o
objetivo perseguido pela norma de caráter restritivo. O núcleo essencial seria
aferido mediante a utilização de um processo de ponderação entre meios e fins
(‗Zweck-Mittel-Prufrung‘), com base no princípio da proporcionalidade177
.
Para a teoria absoluta, sustenta-se a idéia a respeito da existência de um
plano permanente do direito fundamental, o que constituiria o seu núcleo essencial. ―Os
adeptos da chamada teoria absoluta (‗absolute Theorie‘) entendem o núcleo essencial dos
176
BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na
jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 78. 177
MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.
Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 244.
87
direitos fundamentais (‗substantieller Wesensgehalt‘) como unidade substancial
autônoma‖178
.
Estas teorias, como se observa, buscam em verdade uma proteção maior
dos direitos fundamentais, especialmente em razão da possível deturpação ou má
interpretação destes direitos por parte do Poder Legislativo. Como se sabe, a história
humana é rica em exemplos de tristes acontecimentos em que houve a supressão ou
negação à utilização dos direitos fundamentais. Neste sentido, as preocupações das
teorias relativa e absoluta são bastante pertinentes.
Segundo as lições de Willis Santiago Guerra Filho, a idéia da
proporcionalidade revela-se fundamental à construção de certas limitações, especialmente
em razão de seu caráter dúplice e multifacetado. Aliás, quando mencionamos o caráter
multifacetado, nos referimos às subdivisões encontradas para o princípio da
proporcionalidade, que, no caso, são: o princípio da adequação, o princípio da
necessidade e o princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Vejamos:
O reconhecimento dessa ‗dupla dimensionalidade‘ ou ‗duplo caráter‘
(Doppelcharakter – Hesse) dos direitos fundamentais resulta da percepção da
tarefa básica a ser cumprida por uma comunidade política, que seria a
harmonização dos interesses de seus membros, individualmente considerados,
com aqueles interesses de toda a comunidade, ou de parte dela, donde se tem? a
possibilidade de individualizar três ordens distintas desses interesses: interesses
individuais, interesses coletivos (ou ‗supra-individuais, onde se incluem os
chamados ‗interesses difusos‘) e interesses gerais ou públicos. Note-se que
apenas a harmonização das três ordens de interesses possibilita o melhor
atendimento dos interesses situados em uma casa já que o excessivo
favorecimento dos interesses situados em algumas delas, em detrimento
daqueles situados nas demais, termina, no fundo, sendo um desserviço para a
consagração desses mesmos interesses, que se pretendia satisfazer mais que aos
outros179
.
Integrando a conceituação da teoria absoluta, Claudia Perotto Biagi180
defende que esta poderia ser entendida e justificada como toda limitação de um direito
fundamental, além, é claro, respeitando o seu núcleo essencial. Pois ainda que certa
178
MENDES, Gilmar Ferreira. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. 1ª edição.
Brasília: editora Brasília Jurídica, 2002. p. 243. 179
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4ª edição. São
Paulo: editora RCS, 2005. p. 88-89. 180
BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na
jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 81.
88
limitação se encontre bem fundamentada, certo é que esta será considerada ilegítima se
atingir o conteúdo mínimo ou essencial do direito.
Pelo que se pode compreender, contrapondo-se as teorias objetiva e
relativa à diferença, segundo Ana Maria D‘Ávila Lopes181
, é que a teoria relativa
aceitaria que a limitação de um direito fundamental dependeria apenas dos interesses
contrapostos. No entanto, para a teoria absoluta haveria o respeito ao conteúdo essencial
do direito fundamental protegido, não importando o caso concreto.
No caso, ambas as teorias cuidam de analisar o valor da proteção em si,
e, como tal, centram o foco de suas análises na preservação do núcleo essencial dos
direitos fundamentais.
2.8.2 – As teorias subjetiva e objetiva:
Para a idéia de proteção do núcleo essencial, outra classificação parece
ser feita quanto a este tema. No entanto, o centro do estudo não mais se encontra focado
junto ao valor da proteção. Ao contrário, no próprio objeto da proteção. A este respeito,
Canotilho traz as seguintes considerações:
[...] A teoria objetiva considera dever referir-se à proteção do núcleo
essencial ao direito fundamental como norma objetiva e não como direito
subjetivo individual. Por outras palavras: o objeto de proteção do preceito é a
garantia geral e abstrata prevista na norma, e não a posição jurídica concreta do
particular. A teoria subjetiva toma como referente a proteção do núcleo essencial
do direito fundamental na sua dimensão de direito subjetivo do indivíduo. De
acordo com a primeira teoria, visa-se assegurar a eficácia de um direito
fundamental na sua globalidade; de acordo com a segunda, pretende-se afirmar
que, em caso algum, pode ser sacrificado o direito subjetivo de uma pessoa, a
ponto de, para ele, esse direito deixar de ter qualquer significado182
.
181
LOPES, Ana Maria D‘Ávila. Direitos fundamentais como limites do poder de legislar. Porto Alegre:
Editora SAFE, 2001. p. 175. 182
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7ª edição. Portugal: Editora Almedina,. p.
458.
89
As teorias subjetivas e objetivas, conforme ressaltado, encontram-se
ligadas e se complementando. Como ensina Claudia Perotto Biagi183
, ―há que se admitir
que o confronto das teorias objetiva e subjetiva do conteúdo essencial dos direitos
fundamentais não se pode resolver fundado em um esquema de exclusão (ou – ou)‖. Ao
contrário, prossegue a autora, este problema de confrontação, deve ser resolvido através
de um raciocínio de ampliação ou complementaridade.
183
BIAGI, Claudia Perotto. A garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais na
jurisprudência constitucional brasileira. Porto Alegre: Editora Sérgio Antonio Fabris, 2005. p. 86-87.
90
Capítulo 3 - Os Direitos Humanos e a sistemática internacional
aplicada:
3.1 – O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:
Para o desenvolvimento da presente pesquisa, entendemos ser
necessária pequena incursão a respeito dos Tratados Internacionais em matéria de direitos
humanos, especialmente àqueles que se enquadram na segunda geração184
.
Os direitos econômicos, como categoria examinada neste tomo, busca
verificar a paulatina evolução histórica dada aos direitos humanos em matéria econômica,
de forma a melhor entendermos os aspectos social e cultural que nortearam a criação e
evolução desta importante categoria de direitos.
A integração econômica promovida entre os povos exigiu, como
verificaremos, a adequação e a tomada de medidas no sentido de preservar importantes
aspectos econômicos e sociais, os quais parecem ser indispensáveis à busca de um
mínimo de segurança para as nações envolvidas em qualquer processo integracionista. De
fato, as razões desta preocupação revelam-se bastante óbvias, pois de nada adiantaria a
ratificação de tratados ou termos de cooperação se as economias dos países interessados
neste entendimento não funcionassem de acordo e em sintonia com a nova dinâmica
aplicada.
Além desta importante preocupação, surgia, ainda, a necessidade de se
preservarem aspectos e princípios mínimos, de forma a também se permitir a proteção e
respeito aos direitos sociais e culturais que eventualmente pudessem ser prejudicados
com algum processo de integração qualquer.
Lembre-se, ainda, que antes mesmo destes movimentos integracionistas
— históricos —, com o término da Segunda Guerra Mundial, houve grande necessidade
184
―Os direitos de terceira geração podem ser entendidos como aqueles postulados pela própria ONU‖.
Lafer, classifica-os como sendo de terceira e quarta geração. In: LAFER, Celso. A Reconstrução dos
direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Editora Companhia
das Letras. 1998. p. 131.
91
de se criarem mecanismos eficazes destinados à proteção de direitos fundamentais do
homem. ―Já não se podia mais admitir o Estado nos moldes liberais clássicos de não
intervenção‖185
. Em síntese, o Estado passaria a desenvolver laços internacionais. Neste
sentido, os mecanismos desenvolvidos estariam voltados à busca de uma harmonização
global, a qual somente seria alcançada através de tratados, acordos e a criação de regras
de proteção. Assim, os direitos humanos receberiam considerável valorização. Tanto do
ponto de vista social, como econômico, as regras de proteção cresceriam na mesma
proporção em que os entendimentos mantidos entre os Estados estrangeiros se
aprofundavam. Os direitos econômicos passariam a assumir maior dimensão a partir da
criação das primeiras regras protetivas.
Para Jayme Benvenuto Lima Júnior existe, ainda, outras considerações
a respeito da preservação dos direitos econômicos. E sobre este ponto, assim se
manifesta:
A idéia de proteção a essa categoria de direitos envolve a crença de que
o bem-estar individual resulta, em parte, de condições econômicas, sociais e
culturais, bem como da visão de que o governo tem a obrigação de garantir
adequadamente tais condições para todos os indivíduos186
.
Criado em 1966, e assinado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992187
, o
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais traz um extenso rol de
direitos e garantias, dentre os quais destacamos a proteção ao trabalho (que deveria ser
em condições justas e favoráveis); a proteção especial de crianças e adolescentes contra a
fome; a cooperação internacional; o respeito para a cultura de cada povo; o progresso
científico e técnico e outros mais.
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
divide-se em cinco partes, sendo que toda a sua extensa composição confere direitos e
garantias das mais variadas formas e categoriais, incluindo-se, principalmente, os direitos
185
MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Direitos Humanos: sua história, sua garantia e a questão da
indivisibilidade. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000. 34. 186
LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2001. p. 30. 187
O referido Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, embora assinado em 24 de
janeiro de 1992, desde o ano de 1966 vem trazendo extenso rol de direitos, que vão muito além dos direitos
econômicos propriamente ditos. No Brasil foi aprovado pelo Decreto número 226 de 12.12.1991 e
promulgado pelo Decreto 591 de 06.07.1992, quando, então, teria passado a viger em nosso país.
92
da pessoa humana ser livre da miséria, que, para o trabalho em questão, tem plena
relevância. Afinal de contas, as imunidades servem como instrumento estimulador de
entidades que lidam com a assistência social e sua diversa penetração nos campos sociais
de nosso país.
Ao fundamentar sua criação, o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, no seu preâmbulo, reconhece que ‗o ideal do
ser humano livre, liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado a menos
que se criem condições que permitam a cada um gozar de seus direitos
econômicos, sociais e culturais, assim como de seus direitos civis e políticos‘. O
mesmo reconhecimento é feito pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos aos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, também em seu
preâmbulo. Essa foi a fórmula encontrada para articular as duas categorias de
direitos, afastadas pela intolerância ideológica dos governantes da época188
.
Embora não seja o objeto desta pesquisa tratar a respeito de direitos
civis e políticos, intrinsecamente, estas categorias parecem vier associadas, uma vez que
o tema econômico depende, também, da ingerência política dos representantes eleitos
pelo povo, ou seja, os governantes ou dirigentes do Estado.
De qualquer forma, preferimos centrar nossos estudos entorno das
repercussões eminentemente econômicas que o presente Pacto possa ter representado
para a sociedade.
Como conseqüência da criação do Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, criou-se, ainda, um sistema de monitoramento destinado
a avaliar e acompanhar a implementação dos parâmetros eleitos pelo referido Pacto.
Assim, precisamente no ano de 1987, teria sido criado o Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais das Nações Unidas, tendo como meta primordial a implementação dos
conceitos e garantias estabelecidas pelo pacto nos países signatários.
A ONU189
, como entidade responsável pelo acompanhamento das
políticas econômicas globais, tem seguido atentamente a evolução das economias
188
LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2001 p. 34. 189
Hodiernamente, a ONU, através da comissão denominada WESP — World Economic Situation and
Prospects —, juntamente com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais tem estabelecido uma
visão ampla a respeito do desenvolvimento econômico, elaborando importantes perspectivas de
crescimento e questões a serem resolvidas. Este trabalho desempenhado pela ONU, serve, em verdade,
como um ponto de referência para as discussões relativas às economias e aspectos sociais criados.
93
existentes, especialmente para traçar um posicionamento e medidas necessárias à
manutenção do equilíbrio e o desenvolvimento sólido dos mercados. O referido Pacto,
como destaca Flávia Piovesan190
, apresenta uma peculiar sistemática de monitoramento e
implementação dos direitos que contempla. Em verdade, esta sistemática inclui o
mecanismo dos relatórios, os quais seriam enviados por parte dos Estados signatários.
O Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece apenas
algumas perspectivas ou ideais a serem perseguidos pelos países signatários, mesmo
sabendo que, em alguns, como é o caso do Brasil, as condições à aplicação de alguns
conceitos ainda não encontram a situação econômica adequada à sua perfeita integração,
embora exigíveis, já que o Brasil é signatário do Pacto. De qualquer forma, o que se
busca proteger ou regular não é efetivamente a atividade econômica em si. Cada Estado
possui modelo econômico vinculado aos aspectos sociais e culturais, de modo que
qualquer legislação ou tratado que tencione exaurir o tema a respeito de economia,
sofrerá, invariavelmente, com certas imperfeições.
Como bem pondera Ana Letícia Barauna Duarte Medeiros, ―qualquer
construção teórico-dogmática dos direitos humanos deve ter como premissa que o
destinatário de suas preocupações sempre será o ser humano‖191
.
Ao analisarmos a história dos direitos fundamentais e a criação dos
direitos humanos, verificaremos um ponto em comum. Para todos os dispositivos e textos
que cuidam de examinar o tema, que é, na verdade, a preocupação que se dispensa a
figura humana, ponto frágil em diversas relações, já que destinatária dos efeitos nefastos
de uma economia mal gerida.
190
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional. São Paulo: Editora Max Limonad.
5ª edição, 2002. p. 181. 191
DUARTE MEDEIROS, Ana Letícia Barauna. Direito internacional dos direitos humanos na américa
latina: uma reflexão filosófica da negação da alteridade. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2007. p.
218.
94
3.2 – A Declaração Universal dos Direitos Humanos:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 surge como
uma das manifestações mais notáveis em termos de preocupação com os direitos
humanos, especialmente aqueles voltados a conferir um mínimo de garantias.
Como ensina Valério de Oliveira Mazzuoli192
, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos teria sido proclamada na cidade de Paris, em 10 de dezembro de
1948, tendo como um dos principais fundamentos a dignidade da pessoa humana. A
Declaração seria um código de conduta humana a ser seguida em todo o planeta e em
qualquer circunstância.
Trazendo, em seu texto, um mínimo de garantias, os direitos humanos
visam, também, a inviolabilidade da pessoa, a autonomia e a dignidade. Sem deixarmos,
logicamente, o conteúdo econômico que poderá vir associado a estes propósitos.
Construída com exatos trinta artigos, a Declaração Universal dos
Direitos do Homem traz um extenso rol de direitos, dentre os quais destacamos o direito
de propriedade, o direito de nacionalidade, liberdade, ao trabalho, opinião, entre outros
mais. Tecnicamente, como ensina Mazzuoli, a Declaração Universal dos Direitos do
Homem não poderia ser entendida como sendo um tratado, eis que, para sua
formalização, algumas etapas não puderam ser verificadas. Apenas rememorando
Mazzuoli conceitua o tratado internacional como sendo um ―acordo formal concluído
entre os sujeitos de direito internacional público, regido pelos direitos das gentes, visando
a produzir imprescindivelmente efeitos jurídicos para as partes contratantes‖193
.
Em seus trinta artigos, a Declaração Universal de Direitos Humanos
unge à condição de ‗inalienáveis‘, direitos humanos tanto civis e políticos, como
econômicos, sociais e culturais que visam estabelecer um padrão mínimo de
192
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2006. p. 519. 193
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira,
2001. p.21.
95
sociabilidade e respeito aos cidadãos, por meio de um instrumento internacional
civilizatório194
.
A Declaração garante, ainda, a toda pessoa o direito a um padrão
mínimo de conforto que seja capaz de garantir para si e sua família a alimentação, o
vestuário, habitação e outros. A preocupação com o bem-estar do ser humano é ponto
primordial da Declaração, contudo, como no artigo XXV, existe a exteriorização da
vontade de se permitir a todos o mínimo de garantias econômicas para o seu sustento e de
seus familiares. A família também é foco neste código de conduta. Vejamos o dispositivo
da Declaração:
Artigo XXV — 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz
de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive a alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o
direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice
ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de
seu controle195
.
A grande importância de que se observa com a criação da Declaração
Universal dos Direitos Humanos é o alcance e a influência que este texto traz para os
tratados subseqüentes a este, pois além do conforto mínimo de garantias, trouxe certos
paradigmas para o campo do direito internacional, de forma que alguns países, passaram
a adotar tais paradigmas como preceitos e fundamentos constitucionais. A exemplo disso,
temos o Brasil, que, praticamente, transcreveu uma série de dispositivos da Declaração
para o artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
3.3 – O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – Protocolo de San Salvador:
194
LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de
Janeiro: Editora Renovar. 2001, p. 27. 195
Artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
96
Os tratados internacionais sobre direitos econômicos nos trazem
importantes delineamentos a respeito da intenção e alcance que algumas nações conferem
a estes tipos de pactos, lançando, para a economia e o direito, modelo capaz de afinar
plena sintonia com a ética e o bem-estar social.
Como alinhavado por Ives Gandra da Silva Martins196
, economia, de
fato, segue os seus próprios caminhos, assim como Estado também o faz. No entanto,
respeitar as regras impositivas contidas em lei não pode significar a criação de obstáculos
que sejam contrários à sociedade. Para o Brasil, a ética no Direito e na Economia
encontram-se bem definidas na Constituição Federal de 1988, fazendo crer que desde a
sua edição, os princípios éticos são inerentes à própria Economia, valorizando a iniciativa
privada e a livre concorrência, evitando qualquer forma de abuso do poder econômico.
Certamente que com tais preocupações, o legislador desejou imprimir
certa atenção a certos aspectos, na medida em que os dispositivos que contêm estes
princípios — limitações, no caso — protegem a economia da própria atuação do Estado,
que poderia se revestir de uma conduta predatória às bases lançadas.
No entanto, esta preocupação, quanto a ordem econômica, não existiu
apenas na Constituição Federal de 1988. O Protocolo Adicional à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, também
conhecido como o Protocolo de San Salvador197
, trouxe como inovações ao Sistema
Interamericano de Direitos Humanos a proteção ao trabalho; a condições justas; a
seguridade social; a alimentação e uma série de outros direitos. Entretanto, ainda que com
o Protocolo de San Salvador se tenha demonstrado interesse na preservação de direitos
econômicos e sociais, Jayme Benvenuto Lima Júnior defende que o Protocolo não
atribuiu a mesma importância a tais direitos, como no caso do Pacto Internacional de
Direitos Econômicos e Sociais e Culturais. E prossegue o autor, dizendo:
Comparativamente ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, o Protocolo não atribui a mesma importância a tais direitos,
minimizando a sua capacidade de contribuir para a construção de um mundo
melhor e mais justo. De forma retórica, no entanto, o Protocolo abriu a
196
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Ética no direito e na economia. In: FISCHER, Octávio Campos
(coordenador). Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Dialética, 2004. p. 135-136. 197
Os artigos 6º ao 7º do Protocolo de San Salvador, trazem, realmente, uma série de garantias e proteções
aos trabalhadores, como a criação de sindicatos e formas mais eqüitativas de trabalho.
97
possibilidade, no seu artigo 22, de incorporar outros direitos ou de ampliar os
direitos nele reconhecidos198
.
De forma geral, o Pacto de San Salvador, ao ser criado, teria sofrido
nítida influência de muitos dos dispositivos do Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, já que, desde o seu preâmbulo ou suas razões, existe
menção clara a este Protocolo, além dos mais importantes, como, por exemplo, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A criação de protocolos, acordos ou mesmo tratados internacionais, é,
de fato, base de apoio à criação e defesa de inúmeros direitos, mas, como muitos
especialistas defendem, a proteção internacional do indivíduo acarreta alguns problemas,
que até o presente momento, não parecem ser solucionados de forma razoável.
A proteção internacional do indivíduo acarreta uma grave ameaça à
soberania do Estado. Em razão da sua competência pessoal e da sua
competência territorial, é a ele que compete o poder exclusivo de agir no que
respeita aos indivíduos nacionais ou estrangeiros que vivam sobre o seu
território. Ora, é evidente que nenhum Estado reconhece senão a sua própria
legislação — ordinária e constitucional — que ignora os direitos individuais e
não basta constituir, só por si, uma proteção eficaz desses direitos199
.
Mesmo assim, a criação destes Protocolos avaliza o interesse global
pela defesa dos direitos humanos, também os econômicos, especialmente porque a
soberania, neste aspecto, poderá sofrer certa flexibilização em face da defesa dos direitos
cuja prevalência ressoa muito maior.
198
LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 2001. p. 46-47. 199
DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª edição.
Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian. 2003. p. 673.
98
3.4 – A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento:
A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, a qual teve bases de
elaboração os princípios da Carta das Nações Unidas e Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
teria como motivação primária a valorização do indivíduo e seu desenvolvimento,
criando-o como um verdadeiro princípio.
Para tanto, a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento
vislumbrou contar com ferramentas como a cooperação internacional, ‗para
resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou
humanitário, e para promover e encorajar o respeito dos direitos humanos e às
liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião‘, em vinculação com mecanismos (não nominados) tendentes à
―descolonização, à prevenção da discriminação, ao respeito e à observância dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais, à manutenção da paz e
segurança internacionais e maior promoção das relações amistosas e cooperação
entre os Estados200
.
A importância da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento,
apesar de sua diminuta força jurídica, visto tratar-se apenas de uma declaração, é, em
verdade, a associação que o manifesto traz entre o desenvolvimento, o desarmamento e,
por conseguinte, a paz entre as nações. A exemplo disso, o artigo 7º onde consta o
indicativo de que ―os Estados devem tomar, a nível nacional, todas as medidas
necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento e devem assegurar, inter alia,
igualdade de oportunidade para todos em seu acesso aos recursos básicos, educação,
serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda‖.
Editada em 1986, a Declaração teria surgido em um turbulento período
da história humana, onde eram graves as violações aos direitos humanos, especialmente
os das minorias. Como consta do preâmbulo, a referida Declaração buscava, entre outras
coisas, combater e criticar as ações ―resultantes do colonialismo, neocolonialismo,
200
LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. op.cit., p. 39-40.
99
‗apartheid’, de todas as formas de racismo e discriminação racial, dominação estrangeira
e ocupação‖.
A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento reacendeu o debate a
respeito das diferenças entre os países subdesenvolvidos e os países de primeiro mundo.
Para os países mais pobres, a Declaração objetivava conscientizar estes Estados a respeito
da necessidade de proteção e respeito aos direitos humanos, a preservação da igualdade
de condições e, sobre tudo, a importância da dignidade humana frente às necessidades
econômicas.
Já para os países de primeiro mundo, ou desenvolvidos, a intenção era a
de criar um ideal de cooperação e ajuda àqueles que, não necessariamente, possuíssem
condições materiais e de logística para desenvolver um plano de progresso e
desenvolvimento no plano econômico e social.
No Brasil, como a história nos revela, somente a partir da Constituição
de 1988 é que os direitos humanos passaram a receber um tratamento de maior
importância. O artigo 4º da Constituição Federal traz explicitamente o princípio da
prevalência dos direitos humanos. George Rodrigo Bandeira Galindo201
, a respeito do
princípio, defende que a interpretação deste deve ser realizada de forma mais ampla
possível, a final de contas, vincula a ação diplomática brasileira e deveria ser respeitado
em quaisquer acordos ou atos unilaterais, implicando, ainda, na obrigação de o Governo
brasileiro colaborar com qualquer órgão estabelecido para monitorar a situação dos
direitos humanos, notadamente nos sistemas onde o Brasil for parte.
Os direitos humanos, como defende Bobbio202
, não nascem de uma
única vez, muito menos de uma vez por todas. Como resposta óbvia às barbáries humanas
protagonizadas pela história, surgiu a necessidade de se criarem sistemas de proteção
contra estas agressões. Como ensina Flávia Piovesan203
, com o rompimento do paradigma
dos direitos humanos — tudo através da negação do valor da pessoa humana como fonte
201
GALINDO, George Rodrigo Bandeira. Tratados internacionais de direitos humanos e constituição
brasileira. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002. p. 120. 202
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1992. p. 32. 203
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ª edição. São Paulo:
Editora Max Limonad, 2000. p. 129.
100
de direito —, criou-se a necessidade de construir os direitos humanos como uma espécie
de fonte ou paradigma ético que aproxime o direito da moral.
De qualquer forma, observa-se que os direitos humanos,
independentemente de sua categorização, precisam ser difundidos de forma mais efetiva,
ainda que através de tratados internacionais. A exemplo da Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento, cujos direitos ficam a depender da ação do Estado, para que todos
possam gozar do direito de desenvolvimento, alguns direitos humanos precisam ser
introduzidos e globalizados em uma escala mais agressiva. Tal posicionamento é
defendido por Felipe Gómez Isa204
. Em artigo publicado, o autor acredita na necessidade
de globalização dos direitos humanos, especialmente aqueles que contam com a atuação
do Estado para a efetiva implementação ou proteção.
Após a segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos, ocorrida
em Viena, Philip Alston e Henry J. Steimer205
concluíram que a comunidade
internacional deveria tratar os direitos humanos de forma global, de forma igualitária e
justa, em um mesmo patamar e com a mesma ênfase, cabendo ao judiciário, como
também aos diversos setores políticos e públicos dos países, se esforçarem para tratar de
forma mais adequada estas posturas.
Os protocolos estudados, assim como os tratados, representam uma
manifestação clara do interesse global em proteger os direitos humanos, quaisquer que
sejam os destinatários e o grau ou elemento deste direito. Seja ele social, econômico, civil
ou político, o interesse à defesa destes valores sempre é levada em conta em debates que
envolvem a categorização dos direitos humanos e sua extensão.
204
ISA, Felipe Gómez. Derechos Humanos y Globalización. In: Revista Direito e Democracia. Volume 2,
n.º 2. 2º Semestre de 2001. p. 377. 205
ALSTON, Philip.e STEINER, Henrt J. International human rights in context. United States –
NewYork: Oxford Press Inc., 2000. p. 237-238.
101
Capítulo 4 - A imunidade tributária:
4.1 - A conceituação de imunidade tributária:
Centro de calorosos debates, as imunidades tributárias assumem papel
de acentuada relevância em nosso ordenamento jurídico, especialmente em razão da
condução da política econômica. Vista pela ótica da efetividade, as imunidades
conservam em sua natureza questões de alta complexidade, na medida em que colidem
com outros institutos jurídicos, especialmente aqueles destinados à proteção generalista
conferida por alguns princípios de direito tributário, como, por exemplo, o princípio da
não-discriminação, que será melhor estudado nos capítulos subseqüentes.
Antes, porém, de iniciarmos o estudo e a classificação das ditas
imunidades tributárias, convém, neste primeiro exame, analisarmos algumas questões
referentes ao surgimento da problemática relativa às imunidades tributárias, bem como a
aplicação do princípio da capacidade contributiva. Regina Helena Costa, em seu estudo a
respeito das imunidades tributárias, traz algumas considerações históricas que valem ser
repetidas. Vejamos:
Na constituição de 1824 — que pouco cuidava da matéria tributária —
já se encontram as raízes das noções de capacidade contributiva e de imunidades
fiscal. Após dedicar alguns dispositivos à Fazenda Nacional (arts. 170 a 172),
traz, em seu art. 179, inicialmente, determinação de que ‗ninguém será isento de
contribuir para as despesas do Estado em proporção de seus haveres‘ (inciso
XV), preceito consagrados da essência dos princípios da isonomia e da
capacidade contributiva.
[...] A Carta de 1891 contempla, originariamente, a ‗isenção‘ da produção dos
outros Estados no Estado por onde se exportar (art. 9º, 2º § 2º), além de vedar
aos Estados e à União criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou
na passagem de um para o outro, sobre produtos de outros Estados da República,
ou estrangeiros, e bem como estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício
de cultos religiosos (art. 11, 1º e 2º). A imunidade recíproca entre Estados
membros e a União (art. 10) — a qual, saliente-se, é a única imunidade presente
em todas as Constituições Republicanas — não abrangia os Municípios, uma
102
vez que o sistema federativo adotado nesse Texto Fundamental não os
considerava206
.
Já a partir da Constituição de 1824, com o advento do liberalismo,
como diz Ricardo Lobo Torres207
, surgem os ―socorros públicos‖ — artigo 179, XXI —,
que seriam formas primitivas de o Estado garantir o mínimo aos menos favorecidos.
Analisando a Carta Política de 1934, já no artigo 17 daquele diploma,
constava vedação de caráter constitucional, onde era vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios criarem qualquer embaraço à situação dos cultos
religiosos, além da criação, no inciso ―X‖, onde existia a imunidade recíproca entre as
pessoas políticas, incluídos os Municípios. Já para a Constituição de 1937, que,
timidamente teria tratado a questão das imunidades, mesmo para os cultos religiosos,
vedava, também, o embaraço ou a prestação de subvenções a estes cultos, relegando as
entidades assistenciais ao esquecimento.
Somente com o advento da Constituição de 1946, precisamente no
artigo 31, V ―b)‖, é que as entidades assistenciais passariam a gozar de um tratamento
constitucional condizente e a altura da tarefa social que era exigida. Tanto é verdade, que
o referido dispositivo mencionava de forma clara e precisa a vedação à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, o lançamento de impostos e não tributos,
aos templos de qualquer culto, bens e serviços de Partidos Políticos, instituições de
educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente
no País para os respectivos fins. Já o Texto Fundamental de 1967, traria disposições
semelhantes ao contido na Carta de 1946, com nenhuma ou pouca alteração para as
entidades assistenciais.
Já com relação à Constituição de 1988, as imunidades tributárias vieram
dispostas nos artigos 150, VI, ―a‖ a ―d‖ e nos §§ 2º e 4º, inserindo-se a imunidade a
respeito das entidades de fins assistenciais. Esta, em particular, que mais nos interessa no
âmbito desta pesquisa.
206
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2ª
edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 28. 207
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de
Janeiro: editora Renovar, 1995. p. 224.
103
As imunidades tributárias, a exemplo de outras garantias fundamentais,
servem, em verdade, como forma de estimular e desenvolver a aplicação de outros
princípios e direitos também importantes em nosso ordenamento. Sacha Calmon208
, ao
analisar a imunidade tributária conferida aos livros, lembra, neste quesito, que a
imunidade tributária, constitucionalmente assegurada aos livros, jornais, periódicos e
papel destinado à sua impressão, nada mais é que forma de viabilização de outros direitos
e garantias fundamentais, como, por exemplo, a livre manifestação do pensamento e da
atividade intelectual, entre outros.
Por outro lado, para o caso das entidades assistenciais, a imunidade
tributária funcionaria como forma de desenvolver, em verdade estimular o sentimento
caritativo manifestado nas pessoas, ou ainda favorecer e fomentar atividades voltadas à
assistência social, já que, muitas vezes, os governos atuais se mostram insuficientes no
atendimento das comunidades mais carentes. Seja pela falta de investimento no próprio
setor, ou a excessiva burocracia aplicada na alocação de recursos financeiros para este
tipo de programa.
Ao analisarmos as imunidades tributárias, não podemos deixar de
mencionar o caráter vinculado que este instituto possui com a capacidade tributária, ou
seja, a possibilidade de um ente tributante em criar, ou não, tributos de acordo com suas
competências ou limitações. Roque Antônio Carrazza, ao tratar do tema, traz alguns
delineamentos que entendemos pertinentes aos objetivos desta pesquisa.
Competência tributária é a faculdade que as pessoas políticas têm de
criar, in abstracto, tributos. Para isto, devem descrever, legislativamente, suas
hipóteses de incidências, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases
de cálculo e suas alíquotas.
A competência tributária tem suas fronteiras perfeitamente traçadas pela
Constituição Federal, que, inclusive, apontou, direta ou indiretamente, as regras-
matrizes dos tributos.
Pois bem, a imunidade tributária ajuda a delimitar o campo tributário. De fato,
as regras de imunidade também demarcam (no sentido negativo) as
competências tributárias das pessoas políticas.
208
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado e THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Direito tributário contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
p. 211-212.
104
Noutras palavras, a competência tributária é desenhada também por normas
negativas, que veiculam o que se convencionou chamar de imunidades
tributárias209
.
Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho traz a conceituação das
imunidades tributárias como sendo:
[...] A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas,
contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso,
a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para
expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e
suficientemente caracterizadoras210
.
Fernando José Dutra Martuscelli211
categoriza as imunidades tributárias
como sendo normas jurídicas de matriz essencialmente constitucionais, não podendo, de
outra forma, serem expressas em normas de caráter infraconstitucional.
Hugo de Brito Machado212
, por sua vez, entende que ―imunidade
tributária é o obstáculo decorrente de regra da Constituição, à incidência de regra jurídica
de tributação. O que é imune não pode ser tributado‖.
Amílcar de Araújo Falcão213
acredita que a imunidade tributária seja
uma forma qualificada de não-incidência, ou ainda, uma espécie de supressão
constitucional da competência tributária instituída pela Carta de 1988. Quanto à
incidência tributária, algumas ponderações devem ser feitas a respeito do tema. Geraldo
Ataliba analisa a hipótese de incidência realizando interessante confrontação com as
regras de imunidade e a própria obrigação tributária. Vejamos:
Sendo o direito uma realidade abstrata, não pode ter por objeto coisas
concretas. Assim, o dinheiro, como as coisas em geral, jamais pode ser objeto do
209
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª edição. São Paulo:
Editora Malheiros, 2006. p. 681-682. 210
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2004. p. 181. 211
MARTUSCELLI, Fernando José Dutra. Elementos de direito tributário. 1ª edição. Campinas: Editora
Bookseller, 2001. p. 153-154. 212
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 15ª edição. São Paulo: Editora Malheiros,
2000. p. 221. 213
FALCÃO, Amílcar José apud COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da
jurisprudência do STF. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros., 2002. p. 33.
105
direito, das normas jurídicas, das obrigações jurídicas (porque o direito e suas
realidades são abstratos).214
Observe-se que o autor, neste ponto em particular, cuida em aplicar a
moderna principiologia de direito civil para explicar a relação de abstração do direito em
confronto com os ditos casos concretos. A concretude de alguns casos, se contrapostos à
realidade, demonstram a necessária interação que a norma deve possuir com o interesse
social. Em verdade, a norma em si é apenas expressão ―fria‖ e sem valor da vontade do
legislador, se não reflete a vontade e o interesse social.
Para Geraldo Ataliba, tem-se que a própria norma de direito tributário
cuida, especificamente de nominar e classificar o que vem a ser o tributo. Ao menos de
forma generalista, a norma elenca algumas situações que podem ser configuradas como
tributos. Ressalta-se, como menciona o mesmo autor, poderá a lei especificar,
hipoteticamente, um estado de fato. Um fato ou um conjunto de circunstâncias de fato, e
dispõe que a realização concreta, no mundo fenomênico, do que foi descrito, determina o
nascimento de uma obrigação de pagar um tributo.215
Há, portanto, dois momentos lógicos (e cronológicos): primeiramente, a
lei descreve um fato e di-lo capaz (potencialmente) de gerar (dar nascimento a)
uma obrigação. Depois, ocorre o fato; vale dizer: acontece, realiza-se.
Se ele revestir as características antes hipoteticamente descritas (previstas) na
lei, então determina o nascimento de uma obrigação tributária colocando a
pessoa ( que a lei indicou) como sujeito passivo, ligado ao estado até obter a sua
liberação, pela prestação do objeto da obrigação (tendo o comportamento de
levar aos cofres públicos a quantia de dinheiro fixada pela lei).
Preferimos designar fato gerador in abstrato por ‗hipótese de incidência‘ e in
concretu por ‗fato imponível‘, pelas razões já expostas.216
Para o caso das imunidades, não há que se falar em hipótese de
incidência ou mesmo inexigibilidade ou ausência de fato gerador. Em verdade, fala-se em
absoluta incompetência para a instituição de tributos, pois a regra constitucional
limitadora impõe ficção jurídica onde não há a hipótese de incidência.
214
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros,
2002. p. 31. 215
ATALIBA, Geraldo. op.cit., p. 53. 216
ATALIBA, Geraldo. op.cit., p. 55.
106
A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As
normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto, fixam,
por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com
exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque
coligadas a determinados fatos, bens ou situações217
.
Ricardo Lobo Torres218
, ao se pronunciar no XXX Simpósio Nacional
de Direito Tributário, do qual fora coordenador, o professor Ives Gandra Martins teria
ainda classificado a imunidade tributária como sendo a intributabilidade, impossibilidade
de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos de liberdade, incompetência
absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação da
liberdade, ou ainda a não incidência ditada pelos direitos humanos. Para Ricardo Lobo
Torres219
, com relação às entidades assistenciais, a não incidência constitucional de
tributos seria verdadeira imunidade tributária.
4.2 – A imunidade tributária como garantia dos direitos humanos:
Certamente, a tarefa de identificação de direitos fundamentais e
humanos, tendo como base o Direito Internacional, não é tarefa das mais fáceis, ainda
mais se levarmos em conta que, no direito pátrio, a Carta de 1988 possui rol bastante
extenso. Mesmo assim, para o caso nossos estudos, melhor nos interessam os debates a
respeito das imunidades tributárias como instituto de direitos humanos e garantia para as
entidades assistenciais. Para o momento, nos limitaremos às analises relativas ao direito
tributário e os direitos humanos, ponto essencial às conclusões de nosso trabalho.
217
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª edição. São Paulo:
Editora Malheiros, 2006. p. 681. 218
TORRES, Ricardo Lobo. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. XXX Simpósio
Nacional de Direito Tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e
segurança jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitárias, 2005.
p. 62. 219
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de
Janeiro: editora Renovar, 1995. p. 224.
107
Os direitos humanos surgem como categoria destinada a proteger e
prover garantias mínimas ao ser humano, não apenas no aspecto das dignidades humanas,
ou ainda, na própria concepção e existência da pessoa humana. Os direitos humanos
sociais e econômicos, classificados como de segunda geração, tencionam não apenas
garantir a subsistência através de sua própria economia, mas, também, a existência digna
e social, em que se permita ao indivíduo o acesso a outros direitos, também considerados
de suma importância, sendo eles o meio ambiente equilibrado, saúde, educação e
assistência social.
A respeito da terminologia utilizada para designar previdência social e
assistência social, algumas dúvidas foram levantadas pela doutrina. Como diz Sacha
Calmon, ―o conceito de assistência social é fugidio e ambíguo no corpo da Constituição
de 1988‖220
. A imprecisão da norma, como verificaremos, dificulta sobremaneira a
aplicação das imunidades para as entidades assistências. A Constituição Federal, no caso,
reconhece a figura das imunidades tributárias, no entanto adota uma série de requisitos e
interpretações que prejudica a utilização deste instituto junto às entidades assistências.
As imunidades tributárias não podem ser entendidas como mera
delimitação constitucional ao poder de tributar. Servem, também, para resguardar outros
princípios e direitos maiores do que a própria arrecadação tributária, na medida em que
fomentam entidades que atuam na defesa de valores tão importantes quanto a dignidade
humana, estimulando, ainda, a evolução e o progresso da cultura, o desenvolvimento da
economia entre outros direitos sociais.
Os direitos humanos, como se sabe, evoluíram e se adaptaram às novas
realidades sociais, fazendo surgir uma nova necessidade de proteção e defesa, como é o
caso do direito ambiental e os direitos econômicos, que, para nossa pesquisa, mais nos
interessam.
Os direitos humanos de segunda geração são os chamados direitos
econômicos e sociais. Inseridos nesta geração de direitos, têm-se os direitos dos
220
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado e THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Direito tributário contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
p. 359.
108
trabalhadores, os direitos à assistência social, o direito à educação, à saúde e o
direito ao desenvolvimento econômico-social221
.
Neste sentido, como adverte Flávia Piovesan222
, os perigos da
globalização, como, por exemplo, crises econômicas, o desmantelamento da economia
interna, o desemprego e outras calamidades de ordem social, têm agravado sensivelmente
os aspectos negativos desse fenômeno, como a miséria, a pobreza e principalmente a
exclusão social.
Políticas sociais efetivas reduzem o impacto destas ocorrências. Mesmo
assim, a ação estatal não tem se revelado efetivamente suficiente para contemplar todas
as populações necessitadas, o que justificaria a atuação da iniciativa privada à consecução
de alguns objetivos, como por exemplo a promoção do bem social, proteção à família, à
velhice e outros. No Brasil, a Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993 traz alguns dos
objetivos a serem alcançados. O diploma em questão será analisado detidamente nos
capítulos subseqüentes desta pesquisa. De qualquer forma, a imunidade é, sim,
instrumento de garantia, senão vejamos:
Os Direitos Humanos de Terceira Geração correspondem aos conceitos
de direitos difusos e coletivos. Exemplo clássico dos direitos humanos de
terceira geração são os chamados direitos ecológicos (Direito Ambiental).
[...] Caracterizados, ainda que sucintamente, os Direitos Humanos, veja-se como
o instituto da Imunidade Tributária, serve de instrumento para a proteção, e
mesmo efetivação destes direitos223
.
Em trabalho publicado pela revista Jurídica da Universidade Católica de
Campinas, Carlos Otávio F. de Almeida224
defende que, em uma sociedade econômica,
como parece ser o caso do Brasil, o sistema tributário, no geral, apresenta caráter híbrido,
na medida em que pode ser meio e fim simultaneamente. Para o caso das imunidades
tributárias, parece que o caráter meio adequa-se à necessidade de incentivos às políticas
221
TRINDADE, Caio de Azevedo. A imunidade tributária como instrumento de garantia e efetivação
dos direitos humanos. In: SCAFF, Fernando Facury. Constitucionalismo, tributação e direitos
humanos. Rio de Janeiro: Editora Renovar. 2007. p. 90. 222
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas
regionais europeu, interamericano e africano. São Paulo: Editora Saraiva, 2006. p. 23. 223
Id. A imunidade tributária como instrumento..., op.cit., p. 91. 224
ALMEIDA, Carlos Otávio F. Tributação – Um instrumento para a ordem social. In: Revista
Jurídica. PUC Campinas. V. 21. n. 2 de 2005. p. 29.
109
sociais, especialmente por servir como estímulo àqueles que atuam junto às entidades
assistenciais.
Por outro lado, as imunidades tributárias podem ser compreendidas
como modalidade de proteção e preservação de direitos humanos de segunda geração,
especialmente por protegerem valores e direitos superiores à ordem hierárquica tributária.
Os direitos humanos e seu caráter universal possuem, integrado a sua
estrutura de criação, a figura dos direitos econômicos, que podem ser entendidos como o
interesse globalizado de se proteger a manutenção social do desenvolvimento, garantidos
direitos mínimos, dentre os quais, o direito ao emprego, à greve, à assistência social para
os necessitados, à velhice e outras.
O fundamento da imunidade tributária, como garantia de direitos
humanos, em verdade, centra-se no princípio da proteção da liberdade. Como defende
Ricardo Lobo Torres225
, para o caso das entidades assistenciais, a imunidade tributária
pouco tem a ver com a capacidade contributiva, que é princípio de justiça. A imunidade
visa a proteger os direitos de liberdade, os quais se encontram inseridos na categoria do
mínimo existencial nas condições iniciais para a garantia da igualdade de chance. Estas
entidades, que atuam altruisticamente encampam verdadeira atividade social, destinada à
proteção dos mais pobres e menos favorecidos, por isso, devem gozar da proteção
imunizante.
Poderíamos dizer, ainda, que as imunidades tributárias podem servir
como instrumento à materialização de outros objetivos, como, por exemplo, a
subsistência daqueles que não possuem a condição mínima de sobreviver em sociedade,
dadas as precárias condições econômicas em que vive, o grau de pobreza, desemprego e
miserabilidade.
Os direitos humanos econômicos servem a este propósito, defender
aqueles que não possuem condições mínimas de manutenção da própria vida.
225
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de
Janeiro: editora Renovar, 1995. 226.
110
4.3 – A análise constitucional das imunidades tributárias – As Imunidades
Condicionadas:
Como vimos anteriormente, a questão das imunidades tributárias
desperta toda uma gama de debates acerca do tema, não apenas em razão do caráter
especial que este instituto carrega consigo, mas também em razão de ser classificada
como uma forma especial de não-incidência, efeito este consubstanciado na vedação
contida na imunidade tributária.
As imunidades tributárias, como previstas na Carta de 1988, trazem
consigo destinação voltada a determinadas entidades, ou ainda, atividades consideradas
relevantes pelo legislador, como por exemplo a imunidade de templos, entes sindicais,
ou, como mais nos interessa, as entidades de assistência social.
Tecnicamente, alguns autores como Regina Helena Costa226
chamam
esta vinculação como sendo imunidade subjetiva. As entidades assistenciais, que são
classificadas pela autora como sendo entidades formadas com o propósito de servir à
coletividade, colaborando com o Estado ao suprir suas deficiências, sendo, portanto,
pessoas de Direito Privado que exercem, sem fim lucrativo, atividades de colaboração
com o Estado, em funções cujo desempenho seria atribuído ao próprio Estado ou ente
tributante.
As imunidades condicionadas são identificadas em função do
cumprimento de requisitos estabelecidos em leis infraconstitucionais, tendo como
parâmetros as atividades desempenhadas pelo beneficiário da imunidade, ou ainda a
qualidade da própria pessoa jurídica ou física que deve suportar o tributo. Na
Constituição Federal de 1988, temos, expressamente, o que diz o artigo 150, VI, ―c‖.
As entidades assistenciais, como outras descritas no artigo 150, VI, ―c‖
da Constituição Federal pressupõem a presença de alguns requisitos. Aldemário Araújo
Castro nos faz lembrar em artigo publicado. Vejamos:
226
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p.
173.
111
Portanto, a imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea
―c‖ da Constituição pressupõe a presença dos seguintes ―elementos‖: (a)
patrimônio, renda ou serviços; (b) relação dos aspectos anteriores com as
finalidades essenciais; (c) entidade sindical de trabalhador; partido político,
incluindo suas fundações; instituição de educação ou de assistência social; (d)
ausência de finalidade lucrativa; (e) atendimento dos requisitos legais227
.
O sistema de imunidades de nossa Constituição parece trazer regras e
aspectos gerais ao sistema classificatório de aplicação, especialmente por trazer apenas
uma pequena base circunstancial, deixando a cargo do intérprete da lei até que ponto as
imunidades podem ser aplicadas para o quesito do patrimônio, renda ou serviço, ou ainda,
as finalidades essenciais.
O Código Tributário Nacional, por sua vez, estabelece penalidade de
suspensão do benefício caso a entidade deixe de preencher os requisitos elencados.
Certamente, o instituto das imunidades funciona não apenas como uma
regra de proibição ao poder tributante, mas também, sob outro ângulo, a imunidade
representa uma estimulação normativa para que pessoas jurídicas ou mesmo físicas
assumam, com vantagem, o papel do Estado para questões sociais — saúde, esportes,
cultura, lazer e outros mais — das quais sabidamente não dão conta.
Para o caso da terminologia empregada para designar as entidades de
assistência social, como citamos em tomos anteriores desta dissertação, constatamos que
a Constituição de 1988, embora pareça tratar a terminologia de forma genérica, não é o
caso. Em certos dispositivos, a questão da assistência social vem vinculada a previdência
social, como no artigo 201 da Carta Política de 1988. Em outros dispositivos, como o
artigo 195, cuidam de direcionar o tema assistência social para a seguridade social.
Diante deste exame, temos que o conceito de assistência social ora é
inserido na Constituição de forma ampla e genérica, pois visa abarcar a melhor amplitude
jurídica do instituto, ora vem explicitado e vinculado a determinada seara, seja da saúde
ou mesmo da previdência social. Certo é que, em todos os sentidos, não podemos deixar
de considerar que este insere-se na categoria de direitos sociais. A respeito deste tema,
Regina Helena Costa traça interessante paralelo. Vejamos:
227
CASTRO, Aldemário de Araújo. Imunidades, Isenções e Incentivos Fiscais. In: PAES, José Eduardo
Sabo. Terceiro Setor e Tributação. Brasília: Editora Fortium, 2006. p. 22-23.
112
A nosso ver, a Constituição de 1988 é bastante didática ao estampar o
conceito de seguridade social, o qual compreende a previdência social a
assistência social e a saúde pública. Distingue, assim, perfeitamente a Lei Maior
essas três atividades de relevo para a coletividade.
Pensamos que a dicção constitucional impõe a conclusão de que a assistência
social não se confunde com a previdência social, ainda que ambas componham o
conceito de seguridade social. É verdade não se poder desconhecer a ampla
extensão da moderna concepção de assistência social. Fala-se em assistência
médica, hospitalar, odontológica, jurídica, psicológica etc. — todas, sem dúvida,
compreendidas no conceito de assistência social228
.
Para nossa pesquisa, o exame aprofundado da terminologia é de assaz
importância, especialmente porque se buscará examinar as nuances tributárias das
entidades de assistência social em sentido estrito, ou seja, aquelas que dizem respeito a
atividades de importância e grande relevância para o Estado, contudo, realizadas por
entidades de natureza privada.
As imunidades tributárias, notadamente, prestigiam e valorizam
aspectos e valores realmente tidos por fundamentais. As pessoas jurídicas e físicas que se
enquadram na classificação de entes ou entidades prestadoras de assistência social,
buscam, na verdade, encampar atividades pertencentes ao Estado. Portanto, os entes que
assumem a responsabilidade sobre dadas atividades assistenciais devem perseguir
continuamente a realização destes propósitos, não se afastando do objetivo social a ser
alcançado, que é o atendimento de uma necessidade humana imediata ou plena, ou ainda
a construção de ideais cívicos, religiosos ou culturais.
Muito embora se reconheça que as entidades assistenciais tenham
patrimônio e renda — o que obrigaria a incidência de tributos —, é certo que a regra
geral não poderia ser aplicada.
Sacha Calmon229
, ao analisar o tema, lembra que a Lei Complementar
número 104, de 10 de janeiro de 2001, modificou o artigo 14 do CTN, apenas para
precisar que a não ocorrência de distribuição de lucros estender-se-ia, também, à
inexistência de distribuição de patrimônio, a qualquer título. Prossegue ainda o mesmo
autor, dizendo que as pessoas que cumprem esses requisitos, ainda que tenham renda e
patrimônio, restam amputadas de capacidade contributiva, afinal de contas, toda a renda
228
COSTA, Regina Helena. op.cit., p. 177. 229
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado e THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Direito tributário contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
p. 350-351.
113
auferida seria e na verdade é, destinada à manutenção das atividades desempenhadas.
Ocorre, neste sentido, a imunidade, que deve ser condicionada às atividades focadas e
centralizadas no alcance dos objetivos sociais.
O tratamento constitucional dado às imunidades é consenso geral de
que se trata de regra delimitativa, de sede constitucional, que baliza a atividade legislativa
do ente instituidor do tributo, por exemplo.
Sacha Calmon adverte ainda que, apesar deste consenso, a palavra
imunidade não vem mencionada em nenhuma vez no capítulo referente ao nosso sistema
tributário, de forma que sua utilização e emprego ficaram condicionados às interpretações
realizadas pela doutrina e jurisprudência.
4.4 - O princípio da capacidade econômica, capacidade contributiva e a imunidade
tributária:
O Estado, como criação de uma ficção jurídica é, na verdade, uma
realidade social e política, onde suas facetas são inúmeras e variáveis. Como
administrador e mantenedor da coisa pública, o Estado, por vezes, luta pela garantia de
sua estabilidade e funcionamento, e, em outras ocasiões, luta pela efetividade dos direitos
sociais e suas garantias, estabelecendo mesmo que contra si, regras e limitações à sua
atividade.
Para o direito tributário não é diferente. Admitem-se regras limitativas,
mas, também, regras e princípios gerais de direito. Neste sentido Bobbio já teria
advertido que o problema maior do legislador não seria mais com relação à
fundamentação de direitos, ao revés, no desenvolvimento de mecanismos destinados à
proteção destes.
Para a incidência de tributos, alguns problemas de natureza
interpretativa foram criados, especialmente com relação as entidades, onde
114
reconhecidamente haviam patrimônio e às vezes renda. A existência de tais pressupostos
fez surgir equivocadamente a idéia a respeito da capacidade contributiva, especialmente
no tocante aos impostos.
Sob tal argumento, alguns negaram o direito da regra imunizante.
Para Regina Helena Costa230
a capacidade econômica e contributiva não
são sinônimos. Em verdade, revelam conceitos bastante distintos. Para a autora, a
capacidade contributiva pressupõe a capacidade econômica, não existindo o primeiro sem
o segundo. Para Ricardo Lobo Torres231
, o princípio da capacidade contributiva é
princípio de justiça.
Em conceituação um pouco mais didática, Paulo de Barros Carvalho232
entende que a capacidade tributária é a aptidão que as pessoas têm para serem sujeitos
passivos de relações jurídicas de índole tributária. Desta forma, como diz o autor, a
capacidade tributária passiva é a habilitação que a pessoa, titular de direitos
fundamentais, tem para ocupar a posição de sujeito passivo de relações jurídicas de
natureza fiscal.
Alfredo Augusto Becker, em completo estudo sobre a capacidade
contributiva, teoriza:
A capacidade contributiva é aferida, a priori, mediante a relação que se
estabelece entre a riqueza de um indivíduo e a carga tributária por ele suportada.
Viu-se que a primeira constrição que sofre o princípio da capacidade
contributiva, ao ser juridicizado, relaciona exclusivamente um único tributo (e
não a totalidade dos tributos vigentes). Agora, verifica-se que, no outro pólo
desta relação de capacidade contributiva, não se situa a totalidade da riqueza do
contribuinte, mas exclusivamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou
capital233
.
Segundo Luciano Amaro234
, o princípio da capacidade contributiva é a
manifestação da isonomia no direito tributário, concluindo que "hão de ser tratados, pois
230
COSTA, Regina Helena. op. cit., p. 86. 231
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de
Janeiro: Editora Renovar, 1995. 226. 232
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª edição. São Paulo: Editora Saraiva.,
2004. p. 305. 233
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Editora
Noeses, 2007. p. 529. 234
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2005 p. 138.
115
com igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, e com desigualdade os
que revelem riquezas diferentes e, portanto, diferentes capacidades de contribuir."
Aliomar Baleeiro235
diferencia a capacidade econômica objetiva da
subjetiva. A capacidade econômica objetiva seria aquela cuja medição da base econômica
repousa em circunstâncias concretas, tais como a renda ou o patrimônio, com abstração
das condições individuais dos contribuintes. Em contrapartida, a capacidade econômica
subjetiva seria aferida com auxílio da apreciação de fatores subjetivos, como a idade,
saúde, estado civil, encargos de família, individualmente considerados. Sob tal
perspectiva, o valor do patrimônio ou da renda, isoladamente considerados, não é índice
seguro de capacidade econômica contributiva.
Para o caso das imunidades tributárias destinadas às entidades
assistenciais — art. 150, inciso VI alínea ―c‖ da Constituição de 1988 — defende-se a
existência, sim, de capacidade econômica. Contudo, a despeito desta constatação, temos
que a capacidade contributiva, por si só não enseja a cobrança de tributos. A imunidade,
classificada como a verdadeira incompetência tributária, não permite a existência de
tributos.
As entidades de cunho assistencial, ao menos aquelas que perseguem
fielmente os seus objetivos são protegidas, sim, pela imunidade tributária,
independentemente da capacidade contributiva. Pois, como mencionado, os recursos
geridos por uma entidade assistencial destinam-se à manutenção da própria atividade
explorada.
235
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 5ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1977. p. 368-369.
116
4.5 – As limitações ao poder de tributar: Imunidades
Problema da mais alta relevância para esta pesquisa é abordar a questão
da imunidade tributária como obstáculo à própria tributação. Neste trabalho,
esquadrinhamos alguns aspectos da imunidade tributária, como por exemplo, o aspecto
social, econômico e sociológico dos incentivos tributários, para atividades consideradas
de grande relevância. Nesta fase, abordaremos o ponto relativo ao entendimento
tributário propriamente dito, contudo, ressalvando o aspecto da limitação às competências
tributárias.
Conforme José Eduardo Soares de Melo236
, o poder de tributar significa
a titularidade dos tributos, que outorgada às pessoas políticas de direitos públicos, em
conformidade com os princípios federativos e da autonomia municipal, disciplinando os
direitos que lhe são conferidos mediante determinadas competências. Prossegue ainda o
mesmo autor dizendo:
A competência é a aptidão para criar tributos (legalmente e de forma
abstrata), indicando todos os elementos da hipótese de incidência,
compreendendo o aspecto pessoal (sujeitos ativos e passivos), a materialidade, a
base de cálculo e a alíquota.
A instituição de qualquer espécie tributária só pode ser exercida pela pessoa
política eleita pela Constituição Federal, que fixa os respectivos estados, fatos,
situações e atividades, de modo a assegurar-lhe a decorrente receita
financeira237
.
Por sua vez, Sacha Calmon Navarro Coêlho238
defende que ―a
imunidade é congênita à Constituição, sua sede é inelutavelmente constitucional.
236
MELO, José Eduardo Soares de. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais e Centro de Extensão universitária. (Pesquisas tributárias. Nova Série; 11),
2005. p. 183-184. 237
Id. Limitações ao poder impositivo..., op.cit., p. 183-184. 238
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Forense., 2003. p. 258.
117
Costuma-se dizer que a imunidade é um prius em relação ao exercício da competência
tributária, e a isenção239
, um posterius”.
As limitações ao poder de tributar representam normas de caráter
inibitório, limitativo e, em verdade, proibitivo, na medida em que ocorre a limitação ou
mesmo exclusão das competências tributárias. Para o caso da imunidade tributária, esta
constitui-se como forma de exclusão de competências, hipótese de não incidência, ou
ainda, regra de princípio constitucional.
Convém destacar ainda que, tributar é também um direito
reconhecidamente em favor do Estado. Como lembra Paulo Haus Martins240
, ―hoje em
dia a carga tributária é obtida para o financiamento dos deveres do Estado, e até para
garantia do exercício de seu arbítrio‖. Indiretamente, as imunidades servem, sim, como
investimento indireto em atividades exploradas pelo Terceiro Setor, especialmente
porque tudo aquilo que não se arrecada em razão das imunidades acaba sendo reutilizado
na própria atividade explorada pela entidade assistencial.
Para o caso do Terceiro Setor, como verificaremos nos capítulos
subseqüentes, o incentivo tributário, conferido através de imunidades, representa também
limitação ao poder de tributar, sendo, portanto, exceção ao direito de tributar que é
inerente à figura do Estado. A tributação, como um todo, deve ser instituída através de
norma, ou seja, lei em sentido estrito. Isso nos leva a crer que a própria lei, ou o princípio
da legalidade, funcionam concomitantemente a este sistema constitucional, como
parâmetro limitador de tributos. Este raciocínio é, na verdade, bastante simples. Se para
tributar, necessária é a sua instituição através de lei, significa que a tributação sem lei é
inadmissível, especialmente em razão do princípio da legalidade.
239
A isenção tributária seria a dispensa do pagamento de tributo, ou do que seria devido. Embora se
reconheça a ocorrência do fato gerador, como conseqüência lógica, a obrigação tributária. Contudo, o
contribuinte é dispensado do pagamento em razão de lei isentiva. Segundo Paulo de Barros Carvalho: ―a
isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela,
regra de isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da
conseqüência da regra-matriz do tributo […]‖. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito
tributário. 16ª edição. São Paulo, 2004. p. 183. 240
HAUS MARTINS, Paulo. Os tributos e a natureza das imunidades e isenções tributárias. In:
Ministério Público do Espírito Santo. Procuradoria Geral de Justiça. Centro de Estudos e Aperfeiçoamento
Funcional. Terceiro Setor: Fundações e entidades de interesse social. Vitória: Editora CEAF, 2004. p.
325.
118
Capítulo 5 - As entidades assistenciais:
5.1 – O Estado e a concepção social:
O Estado, de certa forma, evoluiu de sua concepção política medieval,
que era caracterizada por evidente instabilidade institucional e social. Em verdade, como
relembra Leandro Martins de Souza241
, essa instabilidade criada pelo antigo Estado
Medieval teria inspirado a criação de um sistema organizacional, cuja característica
principal seria a unidade. Estavam lançadas as bases para o Estado Moderno, onde se
esquematizavam a soberania e a territorialidade.
Como defendem alguns autores242
, despertou-se a busca por um modelo
em que houvesse certa unidade. Assim, os tratados de paz de Westfália243
tiveram o
caráter de documentação de existência de um novo tipo de Estado, o qual teria como
característica um poder soberano. Além da soberania e territorialidade, fez-se surgir a
figura da pessoa estatal. No entanto, este primeiro arquétipo de Estado, como relata a
história, teria dado lugar a modelos mais conservadores, e, por assim dizer, absolutistas.
Neste caso, a intervenção do Estado era uma constante, ao ponto de
haver regulamentação sob os mais diversos tipos de conduta. A instabilidade e a
insatisfação com este modelo fizeram surgir um ideal neoliberal, o qual era
absolutamente contrário ao modelo absolutista. A principal motivação desta nova
doutrina era a limitação ou certa contenção da atividade do Estado, que, em muitas vezes,
241
SOUZA, Leandro Marins. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética, 2004.
p.54. 242
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2007. p. 70. 243
Os Tratados de Westfália, juntamente com os tratados de ―Osnabrück‖ e o de ―Münster‖ — 14 e 24 de
outubro de 1648, respectivamente —, que constituíram os Tratados Westfália, são qualificados como a
verdadeira Carta Constitucional da Europa, na medida em que consagraram a dupla derrota do papa e do
imperador, que até então, comandava os Estados outrora existentes. Os Tratados em questão lançavam as
primeiras bases para um direito público europeu. Nguyen Quoc Dinh; PAtrick DAillier e Alain Pellet.
Direito Internacional Público. 2ª edição. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 53.
119
conduzia a organização político-social com excessiva interferência. O Estado apenas
cobrava tributos, penalizava com rigor e excesso, mas dava pouco em troca, além da
proteção contra invasões estrangeiras. Invariavelmente, para estes modelos, existia uma
forte concepção, no sentido de haver certa superioridade da vontade do Estado Soberano,
que, dominado pelos monarcas, faziam da atividade de império e gestão de seus
governos, verdadeira extensão de suas propriedades.
De fato, o Estado inglês teria sido o primeiro a se libertar deste modelo.
O Estado inglês, cronologicamente, o primeiro a forma-se porque a
monarquia inglesa se libertou antes das outras da tutela do papa. Por outro lado,
o fenômeno feudal não constituía, na Inglaterra, fonte de enfraquecimento do
poder central. No que diz respeito à França, só no reinado de Luiz XI (1461 a
1483) se completa a unificação territorial sob a autoridade do rei. O país
encaminhava-se para a posse dos mecanismos essenciais do Estado. No século
XVI, a monarquia francesa ganhou o combate pela conquista e organização do
poder estatal244
.
Com este ideal, ou seja, de diminuição de intervenção do Estado, a
doutrina do liberalismo ganhava força, especialmente após a edição da Constituição
Norte-americana em 1787, e a Revolução Francesa ocorrida em 1789. O Estado Liberal
de Direito surgia, assim, como resposta ao exacerbado abuso cometido pelos Estados
absolutistas, que, quase sempre revelam-se excessivamente presentes ao intervir nas
liberdades individuais. Surgia, então, o Estado Liberal de Direitos.
No entanto, este novo Estado não apresentava características que
pudessem garantir o mínimo de compromisso com os interesses sociais e as liberdades
individuais, na medida em que sua composição não passava de uma ficção legalista pura,
não havendo qualquer comprometimento com os anseios sociais.
O Estado liberal, com um mínimo de interferência na vida social,
trouxe, de início, alguns inegáveis benefícios: houve um progresso econômico
acentuado, criando-se as condições para a revolução industrial; o indivíduo foi
valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade
humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo-se a idéia
do poder legal em lugar do poder pessoal. Mas, em sentido contrário, o Estado
liberal criou as condições para sua própria superação. Em primeiro lugar, a
valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo, que ignorou a natureza
244
DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª edição.
Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 52.
120
associativa do homem deu margem a um comportamento egoísta, altamente
vantajoso para os mais hábeis, mas audaciosos ou menos escrupulosos. Ao lado
disso, a concepção individualista da liberdade, impedindo o Estado de proteger
os menos afortunados, foi a causa de uma crescente injustiça social, pois,
concedendo-se a todos o direito de ser livre, não se assegurava a ninguém o
poder de ser livre. Na verdade, sob pretexto de valorização do indivíduo e
proteção da liberdade, o que se assegurou foi uma situação de privilégio para os
que eram economicamente fortes245
.
Diante de toda esta perspectiva, e a frustração de uma proteção efetiva
aos indivíduos — garantias, ainda que mínimas —, surgia, então, o Estado Liberal de
Direito. Como classifica Leandro Marins de Souza246
, este ―caracteriza-se pela ruptura
sistemática promovida nos ideais da concepção liberalista de Estado de Direito,
atribuindo-lhe a noção de integração social e transformando-a em Estado material de
Direito‖.
Neste modelo, o Estado também se engajaria na busca pela realização
da chamada justiça social, na medida em que traria, um mínimo de garantias. Com estas
bases, abria-se caminho para aquilo que a doutrina teria nominado como o Estado Social
de Direito, onde conceitualmente seria o modelo jurídico onde se busca a realização dos
objetivos sociais, concomitantemente aos interesses sociais e econômicos. Paulo
Bonavides identifica grande dificuldade de se harmonizar sistemas que buscam a plena
realização social e os modelos econômicos capitalistas, na medida em que os resultados
de um ou de outro, podem interferir, chocarem-se, e muitas vezes conflitarem. De
qualquer forma, o autor reconhece a importância do Estado social e teoriza a respeito:
A clara opção constitucional de alguns sistemas pluralistas por um
Estado social tem levado a fazer da ordem econômica e social, se não o mais
importante capítulo da Constituição, pelo menos aquele onde se escreve a
verdadeira essência e finalidade de um novo modelo de Estado, que adotando a
fórmula de consenso, pretenda lograr a consecução de objetivos sem os quais
princípios da importância fundamental da igualdade ficariam consideravelmente
deficitários ou desfalcados de seus componentes democráticos. Nesse caso, a
liberdade seria privilégio ou ilusão de teoristas247
.
245
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 26ª edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2007. p. 280-281. 246
SOUZA, Leandro Marins. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética, 2004.
p.57. 247
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros., 2007. p. 353.
121
Nesse contexto, diferentemente dos Estados com características
absolutistas, a intervenção do Estado se faria necessária, não com relação às ingerências
realizadas no âmbito das liberdades individuais. Ao contrário, a intervenção do Estado
era voltada à concretização do interesse social, e o alcance de seus objetivos. O Estado
Liberal cedia espaço ao Estado Social, onde, mais tarde, surgiria a concepção do Estado
de Bem-estar Social ou ―welfare state”.
Segundo Leandro Marins de Souza248
, buscava-se, no ―welfare state”,
garantias como saúde, educação, moradia, alimento, renda entre outros igualmente
importantes. A partir de então, o ―welfare state” seria conhecido com o estado da
providência, onde a ingerência estatal estaria voltada a proteger e preservar o indivíduo
do próprio Estado e de seus excessos.
Contudo, este assistencialismo, como defendido por Carlos Montaño249
,
teria criado verdadeira crise fiscal para o Estado, pois este, engajado na tentativa de
atender aos reclamos e às demandas sociais, estaria sufocado pela falta de recursos,
causando verdadeiro colapso de suas atividades sociais. Bem, é verdade, que
contramedidas neste sentido teriam sido tomadas, como, por exemplo, o aumento da
carga tributária e o estancamento de recursos para programas sociais, no entanto, a
exemplo do modelo brasileiro, tais medidas se revelaram insuficientes.
Como fruto dessa evolução histórica, o Terceiro Setor teria surgido a
partir da intervenção do Estado na economia e em diversos outros setores. Este é o fruto
da evolução da doutrina do Estado. Bernardo Kliksberg traz algumas ponderações a
respeito do tema, cujos papéis vêm assim definidos:
[...] agregar aliados ao esforço de enfrentar os problemas sociais. O
Estado deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço
dos atores sociais básicos, empresa privada, sindicatos, universidades e
sociedade civil em todas as suas expressões. Um Estado inteligente na área
social não é um Estado mínimo, nem ausente, nem de ações pontuais de base
assistencial, mas um Estado com uma ‗política de Estado‘, não de partidos, mas
sim de educação, saúde, nutrição, cultura, orientado para superar as graves
248
SOUZA, Leandro Marins. op. cit., p. 59. 249
MONTAÑO, Carlos E. Tercer Sector y Custión Social: crítica al patrón emergente de
internvención social. São Paulo: Editora Cortez – Biblioteca Latino americana de Serviço Social. 2005, p.
278.
122
iniqüidades, capaz de impulsionar a harmonia entre o econômico e o social,
promotor da sociedade civil, com um papel sinergizante permanente250
.
Neste aspecto em particular é que o Terceiro Setor tem se inserido e
desenvolvido sua atividade complementar e paralela na defesa dos interesses sociais, e,
do próprio Estado, que, a final de contas, incentiva a atuação destas entidades vinculadas
ao Terceiro Setor.
5.2 – Terceiro Setor e as entidades assistenciais:
Ponto da mais alta relevância para a presente pesquisa, é o trabalho a
ser desenvolvido a respeito das entidades assistenciais e os desdobramentos que
envolvem o seu funcionamento. Neste ponto em particular, centraremos nossas análises
não apenas na forma e desenvolvimento das entidades assistenciais, mas, principalmente,
no modelo jurídico existente no direito pátrio, a fim de que possamos melhor examinar as
repercussões tributárias existentes no artigo 150, III, c) da Constituição Federal de 1988.
Como observaremos, as entidades assistenciais encampam importante tarefa social que,
se deixada a cargo unicamente do Estado, entraria em colapso, dada a ineficiência estatal
à gestão de questões sociais.
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho251
, a assistência social será
prestada para todos aqueles que precisarem. ―Tem por objetivos a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência, à velhice, às crianças e adolescentes carentes‖.
Entretanto, afastando-nos dessa ficção jurídica, temos que a realidade social é bastante
diversa.
Hodiernamente, como observamos de nossa vida cotidiana, a vida diária
tem sido palco de incessantes embates da vida social e da vida civil, na medida em que os
250
KLIKSBERG, Bernardo. apud SOUZA, Leandro Marins. op. cit., p. 63. 251
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 24ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 1997. p. 364.
123
anseios, vontades e interesses das diversas camadas sociais restam setorizados e voltados
a buscar a plena satisfação desses interesses. Esta é a realidade social, onde as minorias e
as camadas sociais menos favorecidas buscam o atendimento, ainda que mínimo, de
certas condições de vida e subsistência.
Como abordado em diversas oportunidades nesta pesquisa, temos que o
Estado, como modelo jurídico burocrático e excessivamente complexo, não tem
demonstrado muita facilidade em gerir a atividade pública sem comprometer os
programas sociais. Parece consenso que o gigantismo estatal prejudica, e em muito, o
desenvolvimento das atividades sociais na medida que a maior preocupação centra-se nos
aspectos econômicos e tributários.
A máquina administrativa revela-se ineficiente no atendimento das
necessidades sociais da sociedade organizada tal qual a conhecemos. Algumas
perspectivas econômicas atribuem esta dificuldade à existência de uma verdadeira crise
fiscal, ocasionada pelo excesso de empregos informais e o próprio fenômeno da evasão
fiscal que tem contribuído, ou pior, agravado a situação arrecadatória da máquina
administrativa. No entanto, para Carlos Montaño, as razões desta crise vão mais além.
Na realidade, o fundamento da crise fiscal do Estado, tem mais ver com
o uso político e econômico que as autoridades, representantes de classe, têm
feito historicamente com o capital (inclusive em proveito próprio): pagamento
da dívida pública (interna e externa), renúncia fiscal, superfaturamento de obras,
resgate de empresas falidas, vendas subvencionadas de empresas estatais,
clientelismo político, corrupção, , compras supervalorizadas e sem licitação,
empréstimo de capital produtivo com devolução de valores já afetados pela
inflação, taxas elevadíssimas do capital financeiro especulativo, construção de
infra-estrutura publica necessária para o capital produtivo e comercial252
.
A crise fiscal a qual se tem atribuído a responsabilidade pelo mau
funcionamento do Estado, em verdade, revela-se como um conjunto de fatores que,
252
MONTAÑO, Carlos E. Tercer Sector y Custión Social: crítica al patrón emergente de
internvención social. São Paulo: Editora Cortez – Biblioteca Latinoamericana de Serviço Social. 2005, p.
279. Tradução nossa (En realidad, el fundamento de la crisis fiscal del Estado tiene más que ver con el uso
político y económico que las autoridades, representantes de clase, han hecho históricamente a favor del
capital (e inclusive en provecho propio): pago de la deuda pública (interna y externa), renuncia fiscal,
sobrefacturación de obras, rescate de empresas quebradas, ventas subvencionadas de empresas estatales
subvaluadas, clientelismo político, corrupción, compras sobrevaluadas y sin licitación, préstamos al capital
productivo con retorno corroído por la inflación, tasas elevadísimas de interés al capital financeiro
especulativo, construcción de infraestructura pública necesaria pra el capital produtivo y comercial).
124
associados, prejudicam sensivelmente a atividade do Estado na gestão de obras sociais. A
corrupção, a falta de infra-estrutura governamental, o clientelismo político e a falta de
controle e comprometimento dos gestores da coisa pública com as metas sociais,
assoberbam a crise vivida pelos programas sociais do governo, abrindo-se oportunidade
para que as entidades sociais possam, efetivamente, se desenvolver. Curiosamente, é a
própria ineficiência estatal que tem fomentado o crescimento de entidades assistências.
Mesmo assim, o crescimento e a evolução do Terceiro Setor, como são
classificadas as entidades de interesse social, crescem motivadas não apenas pela
crescente demanda das massas menos favorecidas, mas, também, pela considerável
transferência de responsabilidades por parte do Estado para com as entidades
assistenciais.
Para alguns autores, como, Eloísa Helena253
, no Brasil, a evolução e a
expansão do regime de proteção social teria sido de forma descontínua e centralizada,
pois, ainda durante os governos totalitários ocorridos no país, buscou-se, por meio de
uma política assistencialista, o atendimento a setores corporativos e organizados,
legitimando o governo até instituído, apesar da forma como alguns tenham alcançado o
poder. Prossegue a autora, identificando um dos marcos iniciais da preocupação social no
Brasil. Somente com o advento da República, iniciada com o Decreto nº 119-A, de
janeiro de 1980, que a proteção social ganha status de atividade de Estado ainda que de
modo embrionário. A constituição de 1891, que proibiu a transferência de recursos
públicos para custear as atividades de assistência patrocinadas pelos cultos religiosos, é
concomitante com a manifestação da doutrina social da Igreja na encíclica Rerum
Novarum, onde se determinava a movimentação das organizações associativas, criando
um conceito de subsidiariedade.
A revolução industrial em São Paulo, ocorrida como resposta à crise
mundial então existente nos anos de 1930, rompia com o modelo agrário até então
vigente, dando azo à criação de organizações de trabalhadores, que desde aquela época,
possuíam demandas sociais. Começava, então, a difusão de políticas voltadas ao
253
CABRAL, Eloísa Helena de Souza. Terceiro Setor: gestão e controle social. São Paulo: Editora
Saraiva, 2007. p. 55-57.
125
atendimento destas necessidades sociais. Autores como Vera Lúcia Marta Miranda254
,
defendem que no Brasil, o desenvolvimento do Terceiro Setor estaria associado a
repressão sistemática operada nos anos de 1964, portanto durante os regimes ditatoriais,
opressões políticas e toda espécie de agressão social que era praticada pelos governantes,
fez inserir na mentalidade da época, a possibilidade de que lutar por melhorias de vida era
uma hipótese aceitável, não deixando tal ônus apenas para o governo.
Contudo, com o passar dos anos, estas mesmas políticas, não mais se
revelavam suficientes ou adequadas ao modelo da massa inserido no sistema econômico
capitalista até então existente. Como relata Eloísa Helena255
, já no início dos anos de
1980, as dificuldades do sistema previdenciário eram patentes, de tal modo que o Estado
brasileiro já enfrentava uma crise política com o fim dos governos militares. Como
descreve a autora, muito embora a Constituição Federal de 1988 tivesse inserido entre
suas preocupações a questão da saúde e educação, houve, num primeiro momento, a
extensão das garantias previdenciárias, de caráter contributivo determinando a
organização do Estado. Certamente, o tema desta pesquisa não comportaria qualquer
digressão a respeito do complexo sistema previdenciário nacional, pois, o que se busca é
verificar o tratamento imunizante conferido às entidades assistências. Neste ponto em
particular, Eloísa Helena faz importante reflexão a respeito do sistema previdenciário e
suas repercussões junto a assistência social. Contudo, no capítulo anterior, já havíamos
discutido que a terminologia utilizada pela Carta Política de 1988 é ampla e não se refere
de forma explícita e específica à assistência social, como previdência. Ainda assim, não
se podem considerar estas conclusões como um equívoco, na medida em que o legislador
constitucional buscava, em verdade, conferir maior amplitude a assistência social.
No Brasil, a exemplo do que teria ocorrido em outros países, como o
México256
, o Terceiro Setor teria surgido não apenas a partir de movimentos proativos
254
MIRANDA, Vera Lúcia Marta. Imunidades e isenções no âmbito do poder público: benefícios e
beneficiários. In: Ministério Público do Espírito Santo. Procuradoria Geral de Justiça. Centro de Estudos e
Aperfeiçoamento Funcional. Terceiro Setor: Fundações e entidades de interesse social. Vitória: Editora
CEAF, 2004. p. 334. 255
CABRAL, Eloísa Helena de Souza. Terceiro Setor: gestão e controle social. São Paulo: Editora
Saraiva, 2007. p. 60. 256
Jorge Cadena Roa, em interessante paper publicado pela revista eletrônica do sítio de internet
www.istr.org, teria trazido algumas digressões a respeito da forma de surgimento das entidades
assistenciais no México, classificando-as, como, ―proativas‖ e ―reativas‖. Adotamos esta classificação por
entender que, muitas vezes, movimentos socais encontram-se também motivados por aspectos políticos e
126
destinados a conter as diferenças sociais existentes, mas também, de forma reativa, no
sentido de encampar atividades onde notoriamente o Estado se fazia ausente.
Para conceituar o Terceiro Setor e as entidades assistenciais, Carlos
Montaño257
aponta, inicialmente, uma falta de regularidade teórica para tal conceituação,
especialmente porque os conceitos ou modelos existentes são superficiais e, por assim
dizer, pouco epidérmicos. Como crítica a conceituação existente, o autor rejeita a idéia de
que o Terceiro Setor tenha vindo especificamente para resolver um problema de
dicotomia entre o público e o privado, pois, se existe uma crise governamental e o
mercado opera com vistas a uma atividade lucrativa, logicamente o Terceiro Setor viria a
atuar como uma intersecção de ambos os setores. Outra dúvida que Carlos Montaño traz
em sua obra, é a respeito de quais entidades podem ser consideradas como integrantes
deste Terceiro Setor. Questiona se movimentos eminentemente políticos poderiam
ingressar nesta esfera classificatória, na medida em que muitos buscam a satisfação de
interesses sociais, como, por exemplo, o MST — Movimento dos Sem Terra —, ou
ainda, movimentos que a força e a violência venham a fazer parte de sua história.
Nesta pesquisa, para nós, não entendemos que tais movimentos, como
as FARC‘s da Colômbia, possam ser entendidos como movimentos integrantes do
Terceiro Setor, na medida em que o fenômeno da violência não é componente de
qualquer interesse social ou assistencial. Aliás, a voluntariedade é muito mais forte do
que a coerção ou outra espécie de conduta coativa. A outro giro, como a história tem
confirmado, estes movimentos, quase sempre, vêm associados a tráfico de drogas, armas,
prostituição e outros variados tipos de delitos que corrompem o ideal social do Terceiro
Setor.
Como terceira crítica às idéias classificatórias do Terceiro Setor, o autor
explica a impossibilidade de se manterem instituições tão distintas entre si como uma
mesma categoria de Terceiro Setor. Em último posicionamento, Carlos Montaño alerta
sociais, ocasionando, invariavelmente, respostas a estas situações concretas. O artigo, intitulado
―Evaluación del desempeño de los movimientos sociales‖, encontra-se no sítio da ISTR. Disponível em: <
http://www.istr.org/conferences/bangkok/WPVolume/CadenaRoa.Jorge.pdf >. Acessado em 26.11.2007. 257
MONTAÑO, Carlos E. Tercer Sector y Custión Social: crítica al patrón emergente de
internvención social. São Paulo: Editora Cortez – Biblioteca Latinoamericana de Serviço Social. 2005. p.
64-67.
127
sobre a generalidade que os autores agregam ao Terceiro Setor, dificultando o
entendimento a respeito dos modelos que são criados.
Leandro Marins de Souza258
defende que o Terceiro Setor seja o setor
solidário, o que lhe atribui a característica de vinculação ao conceito de solidariedade.
Segundo Rubem César Fernandes, termos que:
[...] o Terceiro Setor é composto de organizações sem fins lucrativos,
criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-
governamental, dando continuidade às praticas tradicionais da caridade, da
filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios,
graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas
manifestação na sociedade civil259
.
Para o Terceiro Setor, a palavra instituições designa pessoa jurídica, e
como tal, teria sido utilizada pelo legislador constituinte como sendo termo técnico
generalista, relativo a determinada categorização de pessoas. No caso do artigo 150, VI,
c) da CF de 1988, as imunidades tributárias são destinadas às entidades assistenciais e
educacionais como um todo, de forma a não se permitir a exclusão de uma ou de outra.
Para Sacha Calmon260
o termo instituições não parece muito técnico. Em verdade, o autor
menciona que a palavra não se adequa à designação de entes jurídicos, na medida em que
a expressão não possui um conceito jurídico fiscal próprio.
Nestas bases, José Eduardo Sabo Paes261
traz conceituação mais
didática e aprofundada sobre o tema. Antes mesmo de formular o seu conceito, o autor
esclarece que, juntamente com o Estado (Primeiro Setor), e o Mercado (segundo Setor),
verifica-se a existência de um Terceiro Setor, que é aquele em que se constata uma
grande movimentação de recursos humanos e materiais para impulsionar iniciativas
destinadas a prover o desenvolvimento social. Mais adiante, prossegue classificando o
Terceiro Setor como:
258
SOUZA, Leandro Marins. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética, 2004.
p.72. 259
FERNANDES, Rubem César. O que é Terceiro Setor. In: IOSCHPE, Evelyn (Coordenadora).
Terceiro Setor: desenvolvimento social sustentável. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra S.A.,
2000. p. 27. 260
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6ª
Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1995, p. 369. 261
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 88.
128
[...] o Terceiro Setor é aquele que não é público e nem privado, sentido
convencional desses termos; porém, guarda uma relação simbiótica com ambos,
na medida em que ele deriva sua própria identidade da conjugação entre a
metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o Terceiro Setor é
composto por organizações de natureza ‗privada‘ (sem o objetivo de lucro)
dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja
integrante do governo (Administração Estatal).
Podemos, assim, conceituar o Terceiro Setor como o conjunto de organismos,
organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e
administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar
voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento262
.
O Terceiro Setor tem se constituído em fenômeno de grande e relevante
importância, pois, no suporte das atividades sociais destinadas ao desenvolvimento
social, supre a carência governamental evidente, especialmente porque o Estado se revela
insuficiente para o atendimento das demandas sociais.
As entidades assistenciais, como modelo vinculado ao Terceiro Setor,
são a resposta para esta ineficiência declarada contra o Estado, além de serem, sob outra
ótica, modelo capaz de controlar as políticas públicas, já que dependem, em certos
aspectos, de incentivos e fundos governamentais. De qualquer forma, trataremos deste
assunto nos tomos subseqüentes.
5.3 – As entidades assistenciais no Brasil:
No Brasil, a evolução do Terceiro Setor, embora constante e em franco
desenvolvimento, não é difícil constatar que este tenha ficado, por longo período, à
margem da sociedade, na medida em que pouco ou nenhum governo cuidou de fomentar
a atividade vinculada ao Terceiro Setor, especialmente porque a pressão política e social
nunca foram suficientemente grandes para estimular a produção e evolução deste campo
de atuação, principalmente das entidades assistenciais.
262
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 88.
129
Para Aristeu de Oliveira e Valdo Romão263
, a explicação para esta
demora no progresso do Terceiro Setor do Brasil ocorreu em razão da mentalidade
defendida por alguns colonizadores, que motivados pelo lucro rápido e interesses
meramente comerciais, visavam apenas a exploração ilimitada dos recursos naturais,
pouco importando os resquícios o os resultados deixados a partir deste tipo de postura. E
neste sentido, prosseguem os autores:
Esse comportamento egoísta não deu espaço para o trabalho voluntário,
e para as ações voluntárias, logo tornando estes temas distantes das
preocupações dos homens; como conseqüência, essas preocupações não ficaram
enraizadas na nossa tradição histórica. Historicamente, esse tipo de trabalho
esteve vinculado à atuação das damas caridosas da sociedade, essencialmente
tratando-se de um trabalho feminino.
Só recentemente, nas últimas décadas, em decorrência da luta por direitos
humanos, civis e sociais é que este trabalho começou a ser visto, em algumas
esferas da sociedade civil, como possibilidade de ação cívica, bem como de ação
voltada para o bem alheio ou público.
(...) Ao contrário, as organizações da sociedade sem fins lucrativos tiveram
quase sempre papel marginal, vistas ou como forma de assistencialismo e
caridade, associada sobretudo à religião, ou como forma de movimento político,
associada à organização não governamental, ou, ainda, de defesa de interesses
corporativos, relacionada a sindicatos e associações264
.
Pela natureza jurídica do Terceiro Setor, temos que, pelo campo de
atuação e as atividades desenvolvidas, no Brasil, tem-se encontrado momento histórico e
político privilegiado ao fomento e incentivo das atividades do Terceiro Setor. Na
verdade, a evolução e criação do Setor não se deu apenas em razão da atividade caritativa
de algumas senhoras, ou ainda, do trabalho voluntário desenvolvido por alguns
indivíduos.
De qualquer forma, embora tenhamos mencionado em tomos anteriores
que a incapacidade do Estado é, sob outro ângulo de análise, importante motivo ao
crescimento do Terceiro Setor, não podemos considerar as entidades integrantes — as
assistenciais, por exemplo — do Terceiro Setor como sendo substitutivas da própria
atuação estatal. Em verdade, o Terceiro Setor desenvolve-se a partir de uma relação de
complementaridade do Estado.
263
OLIVEIRA, Aristeu e ROMÃO, Valdo. Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas:
trabalhista, previdenciária, contábil e fiscal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 36 264
OLIVEIRA, Aristeu e ROMÃO, Valdo. op. cit., p.36.
130
Muitas vezes, o próprio Estado define as políticas públicas, o campo de
atuação, os parâmetros e as medidas necessárias, os quais funcionam como vetores a
serem seguidos, não necessariamente em regime de exclusividade por parte do Estado.
As entidades assistenciais das quais se tenciona abordar nesta pesquisa,
dizem respeito àquelas voltadas ao apoio e suporte dos mais necessitados, concentrando-
se especificamente naquelas que são destinadas a auxiliar aqueles que vivem em estado
de pobreza e miserabilidade. Por tais razões, as entidades de cunho caritativo das quais
examinaremos, concentrarão suas atividades no campo assistencial voltado ao suprimento
das necessidades primárias do ser humano.
Para os próximos itens integrantes deste capítulo, analisaremos as
formas jurídicas sob as quais algumas entidades assistenciais podem ser criadas, de forma
a conferir maior amplitude a respeito da assistência social como forma integrante do
Terceiro Setor.
5.4 – Fundações:
Nesta primeira análise, cuidaremos de verificar algumas características
básicas de crescimento e evolução das fundações, especialmente aquelas voltadas à
assistência social.
Maria Helena Diniz265
, ao cuidar do novo Código Civil de 2002, traz
em suas digressões a respeito do tema, a origem da palavra fundação. Para a autora, o
termo fundação seria originário do latim fundatio, ou ainda, ação ou efeito de fundar.
Complementa, ainda, dizendo que a fundação seria um ―complexo de bens livres
(universitatis bonorum) colocado por uma pessoa física ou jurídica a serviço de um fim
lícito e especial com alcance social pretendido pelo seu instituidor, em atenção ao
disposto em seu estatuto‖.
265
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Editora Saraiva. 9ª edição, 2003.p. 77.
131
Neste contexto, Roberto de Ruggiero266
acrescenta que o patrimônio
criado pode ser constituído não apenas através de propriedades, mas também de créditos
ou mesmo dinheiro. Mesmo assim, não basta apenas a vontade do instituidor, a intenção
de fundar deve ser acompanhada de bens necessários à consecução dos fins da fundação.
Em conceito um pouco mais sintético, Eduardo Szazi267
explica que
―uma fundação é um tipo especial de pessoa jurídica, pois pode ser constituída a partir da
decisão de um só indivíduo‖. Para a conceituação das fundações, adotamos as
explicações de Carlos Maximiliano, que assim se posiciona sobre o assunto:
Denomina-se fundação um instituto com objetivo religioso,
humanitário ou cultural, oriundo de liberdade feita por meio de ato intervivos ou
causa mortis. Diverge da corporação ou sociedade; porque estas são formadas
pela convergência da vontade de diversas pessoas, que administram e dirigem o
conjunto; ao passo que advém aquela da resolução magnânima ou piedosa de um
só indivíduo, que destina vultoso patrimônio para se constituir e manter a
instituição por ele almejada. Em regra, ele mesmo indica o modo de
funcionamento e a direção geral; não raro, incumbe sociedade já existente, do
encargo de organizar e orientar a fundação268
.
Para a prestação de serviços de natureza assistencial, é inegável o papel
das fundações para o atingimento destes objetivos. Seja qual for o modo de criação ou
instituição, as fundações assistenciais revelam seu importante papel assistencial, na
medida em que assumem o atendimento de necessidades primárias de seus atendidos, seja
através de ajuda educacional, saúde, e até mesmo na intermediação de emprego e
alimentação. Em um país como o Brasil, onde as atividades assistenciais sofrem com a
impiedosa massa de necessitados e o desatendimento por parte do Estado, as fundações
ocupam espaço de destaque no apoio aos excluídos, não apenas assumindo o cuidado e
atenção aos planos sociais, mas também auxiliando o processo de integração daqueles
que sofrem com alguma espécie de infortúnio, seja ele de natureza educacional ou mesmo
de saúde ou qualificação profissional.
266
RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Tradução de Paolo Capitanio. 6ª edição.
Campinas: Editora Bookseller, 1999. p. 563. 267
SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.
p. 37. 268
MAXIMILIANO, Carlos. apud PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse
Social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília
Jurídica., 2003. p. 156.
132
José Eduardo Sabo Paes lembra, com sabedoria, a história sob a qual o
movimento fundacional é erigido. Neste ponto, vale a transcrição. Vejamos:
As origens do instituto fundação podem ser inicialmente explicadas
pelo espírito de solidariedade — atributo do ser humano — dirigido a uma busca
de meios ou formas de auxílio às pessoas necessitadas.
Com efeito, desde os primórdios da história da humanidade, registraram-se
atitudes de homens que, imbuídos de pelo amor às artes, à sabedoria, à cultura
ou ao singelo, mas profundo amor ao próximo, destinavam bens para uma
finalidade social269
.
Como defende o Eduardo Szazi270
, as fundações são instrumentos
capazes da realização de trabalhos sociais. Criadas pelo Estado, assumem a natureza
jurídica de direito público. Instituídas através de indivíduos ou empresas, , passam a
assumir a natureza de direito privado.
Diante destas análises primárias, com relação a criação e a classificação
das fundações, reservamos ponto especial para os exames necessário, sem que, com isso,
se queira exaurir o tema, pois o que se busca com este trabalho científico é análise das
imunidades tributárias frente às entidades assistenciais, sob o enfoque de direitos
humanos econômicos.
5.4.1 – Criação e Classificação:
Conforme consta do Código Civil de 2002, para que se crie uma
fundação, o instituidor fará, por intermédio de escritura pública, dotação especial de bens
livres, especificando o fim a que se destina, bem como declarando a maneira de
269
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 141. 270
SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.
p. 37.
133
administrá-la. Por fim, o parágrafo único do artigo 62271
, esclarece que a fundação poderá
constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Como menciona
Maria Helena Diniz, a fundação possui, além de um marco, algumas características
quando de sua criação. Vejamos:
Até o momento do registro do ato de instituição da fundação, o
instituidor pode desistir da liberalidade a que se propõe, porque o bem continua
no seu patrimônio, uma vez que, ainda, não existe a pessoa jurídica, mas, após
isso, o patrimônio fica vinculado ao escopo fundacional e às normas estatutárias.
Personificada a Fundação [...] seus instituidores têm de cumprir a promessa de
transferir os direitos sobre imóveis e móveis e efetuar os pagamentos assumidos.
Não mais lhes será, portanto, permitida a revogação das liberalidades feitas272
.
A grande polêmica que gira em torno das fundações é com relação à
determinação de sua natureza jurídica. Como reconhece a doutrina e a jurisprudência,
apesar do tecnicismo jurídico, ainda está longe a pacificação a respeito da discussão da
natureza jurídica. José dos Santos Carvalho Filho273
apresenta duas correntes doutrinárias
a respeito da natureza jurídica das fundações. A primeira delas, que é a mais dominante,
acredita na existência de dois tipos de fundações públicas, ou seja, fundações de direito
público e de direito privado, sendo que as primeiras possuem personalidade jurídica de
direito público e as segundas de direito privado274
.A respeito desta corrente doutrinária, o
próprio STF se posicionou a seu favor. Por estas razões, as fundações de direito público
são caracterizadas como autarquias, ou mesmo autarquias fundacionais.
Para a segunda corrente, as fundações, mesmo que instituídas pelo
Poder Público, continuam a ser sempre de personalidade jurídica de direito privado.
Conforme explicam os defensores desta teoria, em razão de o Estado ser o instituidor, a
caracterização destas entidades, como detentoras de personalidade jurídica de direito
privado, não restaria afastada, na medida em que o Estado também crias as empresas
271
Comparativamente, o Código de 1916, no artigo 24, trazia redação semelhante, onde constava: ―art. 24.
Para criar uma fundação, far-lhe-á o seu instituidor, por escritura pública ou testamento, dotação especial
de bens livres, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la‖. Com o novel Código, a inovação fica
por conta do parágrafo único do artigo 62, onde se encontra certa delimitação de campo. 272
DINIZ, Maria Helena. Direito fundacional. apud SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no
Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006. p. 39. 273
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Lúmen Júris, 2007. p. 447-448. 274
RE número 101.126 RJ.
134
públicas e faz parte das sociedades de economia mista, onde, nitidamente, impera a
característica do que é privado.
Para Hely Lopes Meirelles275
, era essa a corrente mais adequada. Para
esta pesquisa, nos pareceu mais lógica e coerente a posição defendida pelo mestre na
medida em que, com a edição da Constituição de 1988, a referência a fundações públicas
permitiria se inferir a idéia de que tais entidades teriam personalidade de direito público.
Classificar as fundações como espécie do gênero autarquias implica em uma verdadeira
crise conceitual, na medida em que não se pode permitir, ao mesmo tempo, que uma dada
entidade seja fundação e autarquia, ou ainda, ser de direito privado, embora possua
personalidade jurídica de direito público. Assim adotamos a segunda corrente, como
sendo a mais próxima a realidade jurídica existente em nosso país.
Assim, as fundações podem ser instituídas por intermédio do Poder
Público, ou ainda, através da iniciativa privada. Para o primeiro caso, teríamos
instituições com personalidade jurídica de direito privado, ou ainda, com personalidade
jurídica de direito público, como por exemplo, o caso das autarquias, que é citado por
José Eduardo de Sabo Paes276
. Segundo o mesmo autor, para as fundações instituídas
através da iniciativa privada, teríamos, no caso, aquelas que foram criadas por empresas,
por pessoas físicas ou jurídicas, fundações de apoio a instituições federais de ensino
superior ou mesmo de previdência privada; e, por fim, aquelas que vierem a ser
instituídas por partido político.
Como explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro277
, o Decreto 200/1967
não fazia qualquer menção às fundações, especialmente para colocá-las no rol dos órgãos
que faziam composição da administração indireta. Ao contrário, como constava do
Decreto número 900/1969, o próprio artigo 3º declarava que as fundações instituídas por
lei federal não integravam a Administração Indireta, embora tivessem que se submeter à
supervisão ministerial da qual tratam os artigo 19 e 26 do Decreto 200/1967.
Posteriormente, com o Decreto-lei de número 2.299/1986, as fundações públicas
275
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª edição. São Paulo: Editora
Malheiros, 1999. p. 177. 276
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 159. 277
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
p. 377.
135
passaram a contar com mais fôlego. É que este decreto reformulava o artigo 4º do
referido Decreto 200/1967, incluindo o § 2º, onde, o dispositivo determinava que as
fundações instituídas em virtude de lei federal, ou de cujos recursos a União participasse,
integrariam a Administração Indireta.
Como menciona a autora, a Lei 7.596/1987, teria novamente
introduzido alterações no Decreto 200/1967, especificamente no artigo 4º. É que através
da referida lei, houve a inclusão da alínea b), ao inciso II, inserindo-se o termo
―fundações públicas‖. Afora as características que parecem ser comuns às fundações
mantidas pelo Poder Público e àquelas mantidas pela iniciativa privada, algumas
merecem destaque. Entre elas citamos: submissão à Lei 8.666/1993 para o caso de
licitações e contratos; no que diz respeito a finanças públicas, as exigências contidas nos
artigos 52, VII, 169 e 165, §§ 5º e 9º, da Constituição Federal; constituição permitida por
lei, na forma do artigo 1, inciso II, da Lei 7.596/1987 e o artigo 37 da CF; a equiparação
de seus funcionários ou colaboradores ao status de funcionários públicos; a submissão de
seus dirigentes à mandado de segurança, quando no exercício de suas funções estejam
inseridas atividades delegadas pelo poder público, ou ainda, o cabimento de ação popular
e a legitimidade para propor ação civil pública; e principalmente, a imunidade tributária
referente ao imposto sobre o patrimônio, a renda ou serviços vinculados a suas
finalidades essenciais, na forma do § 2º do artigo 150 da Constituição Federal.
Para Di Pietro278
, além destas características citadas, existem ainda
outros pontos que podem ser abordados à caracterização das fundações de direito público.
Entre elas, a autora menciona a presunção de veracidade e executoriedade dos seus atos
administrativos, além da inexigibilidade de inscrição de seus atos constitutivos no
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, não submissão à fiscalização por parte do Ministério
Público; a impenhorabilidade de seus bens e a sujeição de processo especial de execução,
estabelecido no artigo 100 da Constituição.
Com relação à fundação de direito privado, ou seja, instituída por
pessoas físicas ou jurídicas, partidos políticos, empresas e outros, algumas ponderações
devem ser feitas a respeito do assunto. José Eduardo Sabo Paes descreve:
278
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
p.380.
136
A fundação de direito privado, instituída por pessoas físicas, é a gênese
do instituto fundacional que posteriormente foi-se personificado, atribuindo-se-
lhe personalidade jurídica a um patrimônio que a vontade humana destinou a
uma finalidade social279
.
A fundação de direito privado, essencialmente, possui sua forma de
criação regulada pelo Código Civil. O artigo 62 do Código Civil de 2002 e seguintes do
mesmo diploma legal. Pelas fundações mantidas pela iniciativa privada, velará o
Ministério Público. Contudo, apesar desta regra geral, § 1º do artigo 66 do Código Civil
de 2002, estabelece que o encargo ficaria ao Ministério Público Federal.
Esta diferenciação contida no Código, em verdade, não faz muito
sentido lógico, eis que parece vulnerar o sentido do artigo 128 da Constituição Federal.
Tanto que, na ADI 2794-8280
, movida pela Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público — CONAMP —, cujo julgamento teria se dado em dezembro de
2006, o STF teria entendido, em unanimidade, que o referido § 1º do artigo 66 do Código
Civil de 2002 era inconstitucional, o que necessariamente implicará em algumas
mudanças no entendimento do dispositivo questionado. A decisão definitiva acata o
posicionamento contido na peça inicial, que, como tese de violação, afirma que o
dispositivo contido no Código Civil estabelece atribuições ao MP, embora tal encargo
fique sob responsabilidade da Lei Complementar, o que não é o caso do Código Civil de
2002. Para o caso do dispositivo, existe inconstitucionalidade formal, na medida em que
o § 5º do artigo 128 estabelece a exigência de Lei Complementar à atribuição de funções
do MP. O julgamento, certamente, é paradigmático, na medida em que refreia o conteúdo
violador do dispositivo mencionado, implicando, muito possivelmente, na regra geral,
onde o Ministério Público Estadual cuidará das fundações mantidas ou instituídas pela
iniciativa privada.
Característica importante das fundações instituídas pelo direito privado
é a impossibilidade de revogação do ato instituidor. A respeito deste tema Maria Sylvia
279
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 167. 280
ADI 2794-8, teve decisão unânime sob relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, contando ainda com o
voto da Ministra Presidente, Ellen Gracie Northfleet.
137
Zanella Di Pietro281
tece importantes considerandos. Segundo a autora, o ato do Poder
Público, ao menos como instituidor, não é irrevogável, tanto que o Poder Público poderá
extingui-la em qualquer momento, como previsto no artigo 178 do Decreto-lei número
200. Ao contrário, para as fundações instituídas por particular, tal modificação parece ser
impossibilitada pelo que determina a lei.
Sendo as fundações instituídas pelo Poder Público ou por iniciativa
privada, estas buscam a certa utilidade pública na medida em que congraçam interesses
religiosos, morais, científicos e assistenciais, diferindo das associações ou corporações,
pois o atendimento destas fica, invariavelmente, vinculado a seu próprio proveito,
enquanto as fundações têm como objetivo a universalização de sua proposta,
logicamente, nos moldes de suas determinações estatutárias.
Diante da realidade social do Brasil, entendemos que as fundações
prestam importante contribuição ao desenvolvimento e progresso de atividades
assistenciais, especialmente para auxiliar e colaborar com o Estado à consecução das
políticas sociais brasileiras que demandam muita atenção e trabalho por parte das
fundações.
5.5 – Associações:
Com relação as associações, o Código Civil de 2002 as estabelece como
sendo pessoas jurídicas de direito privado, constituídas, inicialmente, para fins não
econômicos. A associação, em verdade, é a materialização do princípio constitucional
inscrito no inciso XVII do artigo 5º da Constituição Federal que prevê, expressamente, a
liberdade para a associação.
281
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
p.375.
138
Para a Constituição de 1967, o direito de associação vinha previsto no
artigo 153, § 28, e também no artigo 150 § 27. Segundo Paulino Jacques282
, para a
Constituição de 1967, a liberdade de reunião é complementar da liberdade de expressão,
pois as pessoas se reúnem para expressar o seu pensamento no interesse comum, sendo
possível a associação para fins lícitos, excluindo-se, por conseguinte, qualquer associação
destinada a fins contrários à moral ou à legalidade.
Ao estudar as associações, Leandro Marins de Souza defende que estas
entidades ―são, portanto, associações que congregam pessoas com os mesmos interesses
profissionais, com fito de estudar, defender e coordenar estes interesses, em evidente
expressão social ao trabalho‖283
.
As associações, diferentemente das fundações, possuem aspectos
intrínsecos a sua formação, embora estas possam assumir, em determinados sentidos,
conteúdo assistencial. De qualquer forma, o atendimento da coletividade parece não ser
regra geral. Eduardo Szazi, disserta sobre o tema da seguinte forma:
[...] as principais características de uma associação são a reunião de
pessoas e a finalidade não-lucrativa. Entretanto, o fato de criarmos uma
associação não implica necessariamente a criação de uma entidade de cunho
social, pois diversos propósitos podem não visar ao lucro, mas, mesmo assim,
não servir de proveito de todos. Casos típicos são os clubes recreativos, de
acesso restrito aos sócios, eventualmente com critérios rígidos de admissão, e as
associações que visam divulgar interesses particulares de seus associados, como
os clubes de colecionadores de selos ou automóveis importados284
.
Neste ponto, é importante a distinção do cunho associativo e o social. O
primeiro, como se observa, visa ao atendimento exclusivo dos associados ou integrantes
de uma associação. Já o segundo caso, ou seja, o aspecto social, visa ao atendimento
assistencial, onde toda a coletividade poderia vir a usufruir de alguma atividade de caráter
social ou assistencial.
282
JACQUES, Paulino. A constituição explicada. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1976. p. 163. 283
SOUZA, Leandro Marins de. Tributação do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Editora Dialética,
2004. p. 118. 284
SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.
p. 28.
139
5.5.1 – Conceito e criação:
Como consta da Lei Civil em vigor, a associação pode ser conceituada
como a reunião de pessoas em torno de objetivos, contanto que não esteja inserida nesta
constituição a finalidade lucrativa. Para a conceituação das associações, Eduardo Szazi
explica, a partir de Jero Oliva:
Uma associação pode ser definida como uma pessoa jurídica criada a
partir da união de idéias e esforços de pessoas em torno de um propósito que não
tenha finalidade lucrativa. A sociedade civil existente no Código Civil de 1916,
por sua vez, era uma pessoa jurídica criada pela união de pessoas, porém, via de
regra, com finalidade de lucro, tais como as sociedades de profissões
regulamentadas (advogados, arquitetos, contadores, etc.) ou as sociedades de
gestão de patrimônio próprio e atividades afins. É importante notar que o
Código Civil de 1916 não fazia nenhuma distinção entre sociedade e associação.
As sociedades civis foram extintas no Código Civil de 2002285
.
A criação de uma associação, como dito no Código Civil de 2002,
dependerá da associação de pessoas, portanto, mais de uma, especialmente para constituir
entidade sem fins lucrativos e destinada a fins lícitos.
Contudo, a existência da pessoa jurídica somente se iniciará com o
registro dos atos constitutivos junto ao Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas de onde
a associação esteja sediada e funcionando. O artigo 45 do Código Civil de 2002, traz os
delineamentos necessários à criação e nascimento de uma associação, lembrando que seu
estatuto deverá conter algumas condições, que dentre as quais Eduardo Szazi286
menciona: as condições para a alteração do estatuto; as causas para a dissolução; a (não)
responsabilidade subsidiária dos associados pelas obrigações assumidas pela associação;
as fontes e os recursos; os direitos e deveres dos associados; as condições para admissão;
a denominação e os fins a que se destina; as atribuições e a forma de composição e
funcionamento, deliberações e participantes e a representação ativa e passiva da entidade
em juízo e fora dele, em geral exercida pelo presidente.
285
OLIVA, Jero. apud SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo.
Editora Peirópolis, 2006. p. 27. 286
SZAZI, Eduardo. op.cit., p. 30.
140
5.6 – Cooperativas Sociais – introdução pela Lei 9.867/1999:
Antes de iniciarmos nossos estudos sobre o que vem a ser
cooperativismo, é importante definirmos a qualificação teórica do termo cooperativa ou
cooperativismo.
Para Maria Helena Diniz287
, cooperativa é uma associação sob forma de
sociedade — portanto é uma associação —, com número aberto de membros que tem por
escopo estimular a poupança, a aquisição de bens e a economia de seus sócios, mediante
atividade econômica comum. Segunda esta mesma autora, a cooperativa é uma
modalidade especial de sociedade simples (CC, art. 982, parágrafo único) sujeita,
inclusive, a inscrição na Junta Comercial (Enunciado n. 69, aprovado na jornada de
direito civil, promovida, em setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do
Conselho da Justiça Federal).288
Etimologicamente, cooperação é um termo derivado do verbo cooperar
— do latim cooperari, de cum operari289
, que significa operar com alguém —,
significando a prestação de um auxílio para um fim comum. De qualquer forma, para a
presente pesquisa, adotamos conceito utilizado em artigo publicado em livro organizado
por José Eduardo Sabo onde definimos:
O cooperativismo, doutrina secular fundada nos valores da
solidariedade, igualdade, democracia, eqüidade, auto-ajuda e auto-
responsabilidade, tem, como núcleo, a busca pela dignificação do ser humano.
287
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 696. 288
No mesmo sentido, o projeto de Lei nº 7.160/02 altera o artigo 1.150 para esclarecer que as cooperativas
estão sujeitas a inscrição nas Juntas Comerciais. Quanto às cooperativas é importante salientar que o art. 6º
da Lei nº 5.764/71 exigia, para a constituição de cooperativas singulares, o mínimo de 20 (vinte) sócios. O
inciso II do art. 1.094 do NCC flexibilizou tal exigência, podendo a sociedade cooperativa ser constituída
com o número de sócios necessário, apenas, para compor a administração da sociedade. O Prof. Ronald A.
Sharp Jr. entende que a regra contida no citado inciso II do art. 1.094 não pode prevalecer sobre a regra do
art. 6º da Lei nº 5.764/71 em face do princípio da razoabilidade, já que, ―a priori‖, a constituição de uma
cooperativa deve interessar a um número relativamente amplo de sócios. Daí a exigência mínima de 20
(vinte) pessoas prevista na lei especial. 289
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Editora Objetiva, 2001.p. 829.
141
Esse objetivo é alcançado pelo cooperativismo por meio de técnica que,
conformada por esses valores, sublima a ação, instrumentalizando o capital290
.
As cooperativas, na acepção pura do instituto, servem e se destinam a
juntar forças para que seus associados consigam, de alguma forma, alcançar determinada
finalidade ou objetivo. A doutrina já identificou uma diversidade incrível que estas
cooperativas podem assumir. Sejam elas destinadas à obtenção de um crédito291
, ou
mesmo uma cooperativa de trabalho, ou produção, o trabalho cooperado centraliza o
truísmo, e a vontade de unir forças à diminuição dos obstáculos empresariais e negociais
por exemplo. As cooperativas sociais, também inspiradas neste modelo, buscam facilitar
às pessoas menos favorecidas, a inserção ou acesso ao mercado de trabalho.
As cooperativas sociais são uma nova forma associativa incluída no
ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 9.867, de 10-11-99, com a específica e
expressa finalidade de promover a integração social aos cidadãos brasileiros, nas
formas previstas292
.
A própria Lei 9.867/1999 cuida de classificar os indivíduos que,
efetivamente, o legislador teria considerado como sendo desfavorecidos, entre eles os
deficientes físicos e sensoriais, os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes
de acompanhamento psiquiátrico permanente, e os egressos de hospitais psiquiátricos, os
dependentes químicos, os egressos de prisões, os condenados a penas alternativas à
detenção e, os adolescentes em idade adequada ao trabalho e situação familiar difícil do
ponto de vista econômico, social ou afetivo.
Embora a referida lei não mencione de forma expressa aqueles que se
encontram em estado de pobreza extrema, o legislador considerou estarem abarcados pela
norma aqueles que estivessem enfrentando séria dificuldade econômica, o que denota o
caráter de pobreza.
As entidades assistenciais, como se observa, não protegem apenas
aqueles que se encontram em estado de pobreza. Em verdade, cuidam de garantir o
290
PRENHOLATO, Bruno Augusto. Cooperativas – Economia solidária e o tratamento diferenciado
conferido pela Constituição Federal. In: PAES, José Eduardo Sabo (Coordenador). Terceiro Setor e
Tributação. Brasília: Editora Fortium, 2006. p. 76. 291
O regime jurídico geral das cooperativas é dado pela Lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971. 292
OLIVEIRA, Aristeu; ROMÃO, Valdo. Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas:
trabalhista, previdenciária, contábil e fiscal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 23.
142
acesso à educação, saúde, alimentação, apoio ao idoso, ao menor abandonado, enfim. As
entidades assistenciais encampam toda uma gama de setores onde evidentemente o
Estado se mostra insuficiente ao atingimento de suas finalidades e fundamentos.
As cooperativas sociais, espécie do gênero cooperativa, na medida em
que possui lei específica — a Lei 9.867/1999 traz em seu texto toda a principiologia
vinculada ao direito cooperado, como a união, o truísmo, solidariedade e o apoio
cooperado —, possuem sua atividade voltada para o campo do trabalho cooperado, de
forma que a associação dos trabalhadores tenha condições de melhor lutar por uma
colocação profissional, ou mesmo por um trabalho do qual todos os associados possam
tirar proveito.
5.7 – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP:
Lei 9.790 de 1999:
As organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, mais
comumente conhecidas como OSCIP, ingressam oficialmente no cenário jurídico
nacional a partir da edição da Lei 9.790 de 23 de março de 1999. A lei em questão, como
menciona o artigo 1º, traz as Organizações da Sociedade como sendo pessoas jurídicas de
direito privado e sem fins lucrativos, destinadas a atuarem nos limites de seus estatutos,
buscando fins sociais.
De forma similar à Lei 9.637/1998293
, a Lei das OSCIP destina-se a
viabilizar o desenvolvimento de setores de interesse público, tudo em regime de parceria
293 A Lei 9.637/1998 cuida das organizações sociais, e como tal, traz a qualificação ou forma exigida a uma
organização social. Logo no artigo 2º, exige-se a comprovação de um registro de seu ato constitutivo,
dispondo, ainda, sobre a natureza social de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; a
finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no
desenvolvimento das próprias atividades; previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação
superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto,
assegurando-se àquela composição, atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;
previsão de participação no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e
143
com a iniciativa privada, conforme consta do disposto no artigo 9º, que assim compõe o
regime:
Art. 9o Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o
instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades
qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e
a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3o desta Lei.
Segundo José Eduardo de Sabo Paes294
, em verdade, com a edição desta
lei, criou-se um marco legal englobando todas as entidades que formam o Terceiro Setor,
que, apresentem, em seus estatutos, o objetivo, ou as finalidades sociais, tais como a
execução de projetos no campo da assistência social, da educação, da saúde, voluntariado
entre outras mais, relacionando-se com as mais variadas esferas do Poder Público —
estadual, municipal ou mesmo federal —, tudo através de um termo de parceria, como
define o dispositivo transcrito.
5.7.1 – Entidades que podem se qualificar como OSCIP:
De acordo com a própria Lei 9.790/1999, podem classificar-se como
entidades de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as pessoas jurídicas
de direito privado, sem fins lucrativos, contanto que suas disposições estatutárias
contemplem a busca ou o atingimento de finalidades sociais.
Segundo José Eduardo Sabo Paes295
, são possíveis de receber a
qualificação em questão as pessoas jurídicas de direito privado constantes do artigo 44 do
de membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; composição e
atribuições da diretoria entre outros requisitos. 294
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 114. 295
PAES, José Eduardo Sabo. op.cit., p. 115.
144
Código Civil, como as associações, as sociedades civis sem fins lucrativos e as
fundações.
Importante ressaltar, neste estudo, que as entidades ou Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público devem buscar é a utilidade pública de seus serviços
de uma forma geral. A respeito da utilidade pública, analisaremos este princípio nos
capítulos subseqüentes, especialmente quando formos analisar a LOAS e a certificação
conferida pelos órgãos oficiais.
Segundo Leandro Marins296
, uma vez cumpridos os requisitos descritos
nos artigos 2º, 3º e 4º da Lei 9.790/1999, a entidade que esteja enquadrada na forma
descrita, poderá, então, requerer a sua classificação, passando a gozar de um status de
OSCIP, que necessariamente será uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, a qual desenvolverá atividades sociais.
5.7.2 – Entidades que não podem se qualificar como OSCIP:
Com relação as entidades que não podem ser classificadas como
OSCIP, a Lei 9.790/1999 traz o regramento, inclusive lista aquelas que não a integram. O
artigo 2º diz:
Art. 2o Não são passíveis de qualificação como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma
às atividades descritas no art. 3o desta Lei:
I - as sociedades comerciais;
II - os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria
profissional;
III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos,
práticas e visões devocionais e confessionais;
IV - as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações;
V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços
a um círculo restrito de associados ou sócios;
296
SOUZA, Leandro Marins de. op. cit., p. 136.
145
VI - as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e
assemelhados;
VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras;
VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas
mantenedoras;
IX - as organizações sociais;
X - as cooperativas;
XI - as fundações públicas;
XII - as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas
por órgão público ou por fundações públicas;
XIII - as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com
o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição
Federal297.
Vale destacar que a lei em questão menciona as entidades que não
podem ser classificadas como OSCIP, no entanto, apesar dessa restrição, cujos reflexos
lançam seus efeitos apenas na constituição, criação e certificação, nada afasta o trabalho
social que pode ser desenvolvido pelas entidades excluídas pela lei. A respeito deste
tema, José Eduardo Sabo Paes298
defende que ―nessa relação, que é de numerus clausus,
ou seja, fechada, porque não comporta a inclusão de mais nenhuma entidade‖, temos as
instituições privadas de caráter comercial ou não assistencial e as entidades públicas ou
entidades privadas instituídas pelo Poder Público.
297
BRASIL. Lei n. 9.790/1999, de 24 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas
de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui
e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências . Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9790.htm >. Acessado em 29.11.2007. 298
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 116.
146
5.8 – Organizações Sociais – Lei 9.637/1998.
As Organizações Sociais, instituídas pela Lei 9.637299
de 15 de maio de
1998, criam instituição social destinada a desempenhar serviços sociais. Como o próprio
artigo 1º da lei menciona, o Poder Executivo poderá qualificar como organizações
sociais, pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e
preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.
Para Maria Sylvia Zanella de Pietro300
, as Organizações Sociais
descritas na Lei 9.637/1998 são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos,
instituídas por iniciativa de particulares com a finalidade de desempenhar serviços sociais
não exclusivos do Estado, mediante um contrato de gestão.
Hely Lopes Meireles301
, no entanto, adverte que a organização social
não é um novo ente administrativo. Em verdade, é uma qualificação ou um título que a
Administração outorga a uma entidade privada, sem fins lucrativos, para que ela possa
receber determinados benefícios, como, por exemplo, dotações orçamentárias, isenções
fiscais e outros. No mesmo sentido, como defende José Eduardo Sabo Paes302
, objetivam
as Organizações Sociais serem um modelo de parceria do tipo público e privada, ou seja,
entre o Estado e a Sociedade, mas não constituem uma nova pessoa jurídica.
A Lei 9.637 de 1998, em seu artigo 1º, define-se o campo de atuação
destas Organizações sociais. No entanto, para o artigo 2º, exige-se a comprovação da
natureza social e de seus objetivos relativos à respectiva área de atuação; finalidade não-
lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no
299
BRASIL. Lei n. 9.637/1998 de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades
que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9637.htm >. Acessado em 29.11.2007. 300
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2003.
p.419. 301
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª edição. São Paulo: Editora
Malheiros, 1999. p. 338. 302
PAES, José Eduardo Sabo. ob. cit., p. 101.
147
desenvolvimento das próprias atividades; previsão expressa de a entidade ter, como
órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma
diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquela composição, atribuições
normativas e de controle básicas previstas nesta Lei; previsão de participação, no órgão
colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da
comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral; composição e
atribuições da diretoria; obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União,
dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; no caso de
associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; proibição de
distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive
em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade;
e, finalmente, a previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das
doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de
suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra
organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao
patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção
dos recursos e bens por estes alocados
José Eduardo Sabo Paes303
, ao analisar a lei que introduz as
Organizações Sociais, critica a ausência de requisito relativo à impossibilidade de atuação
das organizações sociais em atividades estranhas aos seus estatutos, bem como às
referidas no artigo 1º, de modo que seria possível, em tese, que uma organização social
atuante em um segmento empresarial, e, valendo-se de uma declaração de utilidade
pública, pudesse contratar com o Poder Público sem os procedimentos licitatórios
normais.
De qualquer forma, ainda que verossímil a hipótese levantada pelo
autor, certamente, o Ministério Público, como encarregado da manutenção e legalidade
de todo o ato que envolve o interesse público, poderá, em últimas análises, acompanhar a
atuação destas Organizações Sociais. Embora o artigo 8º da Lei 9.637/1998 atribua o
dever de fiscalização à um órgão ou entidade supervisora, sabe-se que a função
institucional do Ministério Público permitiria, então, a fiscalização por parte do MP. Em
303
PAES, José Eduardo Sabo. ob. cit., p. 103.
148
verdade, as Organizações Sociais funcionariam por intermédio de um contrato de gestão,
conforme os artigos 5º ao 7º, que assim dispõem:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o
instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como
organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para
fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1o.
Art. 6o O contrato de gestão, elaborado de comum acordo entre o órgão ou
entidade supervisora e a organização social, discriminará as atribuições,
responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social.
Parágrafo único. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo
Conselho de Administração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade
supervisora da área correspondente à atividade fomentada.
Art. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e,
também, os seguintes preceitos:
I - especificação do programa de trabalho proposto pela organização social, a
estipulação das metas a serem atingidas e os respectivos prazos de execução,
bem como previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho
a serem utilizados, mediante indicadores de qualidade e produtividade;
II - a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e
vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e
empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.
Parágrafo único. Os Ministros de Estado ou autoridades supervisoras da área de
atuação da entidade devem definir as demais cláusulas dos contratos de gestão
de que sejam signatários304.
Pelo contrato de gestão, o qual seria elaborado de forma conjunta entre
os órgãos envolvidos e a entidade supervisora, haveria necessidade de se estipularem as
metas, objetivos a serem alcançados, bem como a estrita observância aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, por fim, a economicidade, entre
outros descritos no mesmo dispositivo.
Conforme mencionado por José Eduardo Sabo Paes305
, a Lei
9.637/1998 é objeto de duas ações Diretas de Inconstitucionalidades. Em ambas as ações,
pede-se liminar para suspender a execução parcial de dispositivos considerados
inapropriados, frente ao ordenamento institucional da Administração. Para a primeira aça,
distribuída sob o número 1923, parte do princípio de que, para que se possa garantir a
qualidade e a eficiência dos serviços públicos — os sociais, no caso —, o princípio a ser
304
BRASIL. Lei n. 9.637/1998 de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades
que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9637.htm >. Acessado em 29.11.2007. 305
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 106-107.
149
seguido é o da reforma do aparelho do Estado por meio da transferência das
responsabilidades exercidas por entidades públicas para entidades privadas, não
integrantes da Administração Indireta.
Prossegue o autor dando conta da Ação Direta de Inconstitucionalidade
de número 1943, cujos defeitos apontados seriam os mais diversos. Conforme consta da
peça de ingresso, a parte autora teria pedido a declaração de inconstitucionalidade contra
os artigos 5º, 6º, e finalmente o artigo 7º, com seus dois incisos, onde estaria configurado
a violação ao princípio da igualdade, na medida em que seria permitida a celebração de
contrato com as entidades arbitrariamente qualificadas como organizações sociais, sem
qualquer espécie de procedimento licitatório. Seguem as discussões, ainda, a respeito da
inconstitucionalidade do artigo 12, caput, com seu § 3º, e no artigo 13, onde se estaria
configurando a violação ao artigo 5º, caput, e o inciso I, o artigo 37, inciso XXI e o artigo
175, caput, todos da Lei Maior.
As discussões a respeito da referida norma, certamente possuem
fundamento constitucional necessário à analise do Supremo Tribunal Federal,
especialmente para que seja conferida a devida guarda ao patrimônio público, que, por
intermédio de leis mal elaboradas, acabam dando vazão à corrupção e outros vícios
capazes de dilapidar o dinheiro público.
5.9 – As imunidades tributárias destinadas às entidades assistenciais de Terceiro
Setor:
As imunidades tributárias constituem-se, como já vimos, em um dos
mais importantes institutos motivadores da assistência social, muito embora saibamos,
também, que esse tipo de proteção constitucional traz consigo uma grande
responsabilidade, especialmente para aqueles que se propõem a qualquer atividade de
cunho caritativo ou assistencial.
150
Como menciona Sacha Calmon Navarro Coêlho306
, ―A Constituição
juridiciza determinados valores éticos, garante-os e protege-os‖. No entanto, prossegue o
autor, conquanto o regime econômico capitalista, pela sua própria dinâmica, utilize o
homem como forma destinada à obtenção de riquezas, as Constituições brasileiras têm
incorporado aspectos humanistas, os quais não podem ser considerados como originários
do modo capitalista de produção. De fato, bem se sabe que a Constituição lança a base de
princípios e fundamentos do Estado, garantindo aos jurisdicionados a parcela e a medida
que o Estado pode interferir na vida privada ou mesmo a pública.
Consoante reza o artigo 150, VI, c) a imunidade tributária vem prevista
na Carta Política de 1988, como sendo regra destinada a garantir a imunidade de
entidades de assistência social e outros. Vejamos o dispositivo na íntegra:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte,
é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação
profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que
os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que
os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos
interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela
utilização de vias conservadas pelo Poder Público;
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei307;
A imunidade garantida pela alínea c) do inciso VI, destina-se a
preservar valores nobres e, por assim dizer, necessários à consecução da atividade estatal.
306
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2003. p. 265. 307
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado Federal, 1988.
151
Assim, a imunidade atribuída às entidades assistenciais destina-se ao patrimônio, renda
ou serviços ligados à própria atividade da entidade assistencial, por exemplo. Contudo, a
respeito da aplicação da norma tributária, algumas importantes análises são realizadas por
Sacha Calmon, cuja transcrição se faz necessária.
A regra imunitória, é, todavia, not self enforcing ou no self executing,
como dizem os saxões, ou ainda, não bastante em si, como diria Pontes de
Miranda. Vale dizer, o dispositivo não é auto-aplicável e carece de acréscimo
normativo, pois a Constituição condiciona o gozo da imunidade a que sejam
observados os requisitos da lei308
.
Partidário desta opinião, temos Francisco Renato Codevila Pinheiro
Filho, que defende ―tratar-se de imunidade condicionada, ou seja, a depender de
legislação integrativa que a torne eficaz e aplicável. Melhor dizendo, a imunidade
prevista no art. 150, VI, ‗c‘, da CF, não é auto-aplicável‖309
. Em síntese, o dispositivo em
questão estaria condicionado à edição de Lei Complementar destinada a resolver o
problema referente à aplicação do dispositivo imunizante.
Regina Helena Costa310
defende se tratar de regra de eficácia plena, na
medida em que as normas imunizantes teriam recebido do legislador constituinte carga
normativa suficiente para sua aplicação imediata, não sendo necessária qualquer
intermediação legislativa para tal fim. Para tanto, a autora embasa suas reflexões em José
Afonso da Silva311
, que, a respeito das regras de eficácia plena, defende que muito
embora a Constituição se refira à lei complementar para normatizar as limitações
constitucionais do poder de tributar — art. 146, II da CF —, a própria Carta Política de
1988 já traz princípios constitucionais que são, evidentemente, plenamente eficazes.
Contudo, toda essa discussão faz erigir a imunidade tributária como
sendo um princípio constitucional, e não meramente uma regra de limitação ao poder de
308
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op. cit., p. 266. 309
PINHEIRO FILHO, Francisco Renato Codevila. Direito Tributário Constitucional. Doutrina e
jurisprudência. Brasília: Editora Fortium. 2005. p. 309. 310
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. São
Paulo: Editora Malheiros, 2006. p. 97. 311
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros. 19ª
edição, 2000.p. 693.
152
tributar. Em verdade, como declarado pelo próprio STF312
, a imunidade tributária não
pode ser entendida de forma absoluta, especialmente como colocada na Constituição.
Embora as discussões a este respeito tenham certo fundamento,
preferimos nos filiar a opinião de Sacha Calmon313
, que traz a resposta para esta suposta
omissão legislativa. Como menciona o autor, não há qualquer omissão, ―há tão-somente
uma insuficiência literal no texto do art. 150, VI‖. Em verdade, a lei pedida pela
Constituição é o próprio Código Tributário Nacional, que é a norma que possui
competência para regular e estabelecer a forma de funcionamento do dispositivo.
O próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 9º descreve:
Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I - instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à
majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65;
II - cobrar imposto sobre o patrimônio e a renda com base em lei posterior à data
inicial do exercício financeiro a que corresponda;
III - estabelecer limitações ao tráfego, no território nacional, de pessoas ou
mercadorias, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais;
IV - cobrar imposto sobre:
a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas
fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos
fixados na Seção II deste Capítulo314.
A Lei Complementar número 104 de 10 de janeiro de 2001, traz a
inovação relativa à alínea ―c‖, especialmente para que fosse observado a Seção do CTN,
especialmente o art. 14 que assim se manifesta:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado
à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a
qualquer título;
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
312
No julgamento da ADI 3105/DF, a Ministra Ellen Gracie Northfleet, do Supremo Tribunal Federal, teria
abordado a questão da imunidade tributária como regra não absoluta. 313
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. op.cit., p. 266-267. 314
BRASIL, Código Tributário Nacional. Lei 5.172/1966 de 25 de outubro de 1966. Institui o Código
Tributário Nacional. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm >.
153
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a
autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§ 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são
exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das
entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos
constitutivos315.
A preservação dos valores sociais, como observamos, encontram-se
dispostos não apenas na Constituição Federal de 1988, mas também no próprio CTN. As
inovações trazidas pela Lei Complementar 104 de janeiro de 2001 integram, na verdade,
o rol de requisitos necessários à qualificação do imune. Paulo de Barros Carvalho316
, por
sua vez, defende que as regras constitucionais possuem eficácia contida, ficando,
portanto, a depender de regra regulamentora. Contudo, para o caso das imunidades,
prossegue o autor, a própria Lei 5.172/1966 cuida de preencher os requisitos necessários
à regulamentação do dispositivo constitucional. Assim, a aparente discussão não encontra
respaldo plausível.
Ao realizarmos um estudo a respeito das entidades de benemerência,
aspecto que não parece transparecer muita relevância é a classificação do que vem a ser
uma entidade de assistência social ou de educação. Como questionado por Eduardo
Sazazi317
, a norma inscrita no CTN e na própria Constituição Federal apenas traz, de
forma explícita, os requisitos necessários àqueles que venham, então, a se candidatar à
imunidade desejada. Contudo, a norma tributária não cuida de classificar de forma
objetiva quem compõem efetivamente o rol das entidades assistenciais. Na verdade, a lei
cuida de nomear os requisitos, não os beneficiários.
Leopoldo Braga traz importantes considerações a respeito desta
complexa definição, e assim se posiciona:
O legislador constituinte brasileiro teve em mira imunizar as entidades
de fim público, desinteressadas e altruísticas, inspiradas e criadas pelo desígnio
de colaborar com o Estado, suprindo-lhes as diferenças e secundando-lhes a
315
BRASIL. Lei Complementar 104 de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos do CTN. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp104.htm >. Acessado em 29.11.2007. 316
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 16ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2004. p. 188. 317
SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.
p. 46.
154
ação paternalista na obra de educação e de assistência social. Preferiu o uso da
palavra ―instituições‖ ao da palavra fundações, não só porque — enquanto raras
— fundações há de interesse puramente privado, como ainda porque também
existem associações ou corporações de tipo institucional, isto é, instituídas ou
fundadas visando ao interesse geral da coletividade e, pois, com fins públicos,
humanitários, beneficentes, ou filantrópicos, e não ao interesse comum dos seus
próprios membros associados318
.
A interpretação que se deve dar à imunidade tributária deve ter em
conta a questão da interpretação literal, na forma do artigo 111 do CTN. Desta forma,
para a aplicação da regra imunizante, deve-se atentar — além dos requisitos contidos no
artigo 14 do CTN — para o destino da receita, cuja motivação é invocada à concessão da
benesse tributária.
A imunidade tributária é, também, uma espécie de renúncia fiscal, na
medida em que o Estado, incapaz de prover todas as necessidades e demandas sociais,
atribui, ou pelo menos permite, que a iniciativa privada venha a encampar atividade que,
essencialmente, deveria ser desenvolvida pelos órgãos de planejamento e execução de
projetos sociais.
O Estado, dada a sua incapacidade, prefere a renúncia fiscal ao caos
social, decorrente de sua inabilidade para gerir de forma isonômica e eficaz as demandas
sociais submetidas ao seu conhecimento. O custo social é dividido, também, com o
Estado, embora a execução, muitas das vezes, fique a cargo da iniciativa privada.
5.10 – Fundos das entidades assistenciais:
Problema da mais alta relevância às entidades assistenciais tem sido a
questão dos fundos de financiamento destas entidades, bem como a sustentabilidade
destas. Toda atividade desempenhada, seja ela pública ou privada, necessita de fundos à
318
BRAGA, Leopoldo apud SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo.
Editora Peirópolis, 2006. p. 46.
155
manutenção e incremento do serviço. As entidades assistenciais, muitas vezes, possuem
fonte de recursos única, ou pior, sobrevivem apenas da boa vontade de doares regulares,
que acabam por sustentar e participar da atividade social desenvolvida.
O grande desafio que parece surgir deste modelo é a questão da
sobrevivência e manutenção de entidades assistenciais que convivem com uma demanda
absolutamente crescente, enquanto que os recursos, quando existentes, não são
suficientes para dar conta dos anseios da população mais necessitada.
Daniel Yoffe319
, em artigo publicado em forma de livro pela Editora
SENAC de São Paulo, traz alguns modelos que podem, eficazmente, trazer recursos ao
desempenho destas atividades assistenciais. Entre estes, o autor elenca: as fontes
internacionais, pública local, fonte privada, e, por fim, a venda de produtos ou serviços.
A fonte internacional ou a ajuda que é proveniente de entidades
internacionais representa grande apoio às entidades assistenciais que, muitas vezes, não
possuem certidão ou inscrição que comprove o caráter assistencial, ou ainda, àquelas cuja
carência de recursos e apoio financeiro é bastante escasso.
Com relação à fonte pública local, sabe-se que a atividade social muitas
vezes não é bem realizada pelo Estado. Na verdade, este tem deixado ou permitido que,
importantes obras sociais fiquem a cargo de entidades assistenciais. Assim, em muitas
ocasiões, é preferível que o Estado invista ou financie estas atividades, pois desta forma,
se estará privilegiando uma gestão mais eficaz.
A fonte privada, muitas vezes, é aquela que pode, também, ser
identificada como a própria atividade da entidade assistencial, a qual acaba levantando
recursos através de financiadores ou mesmo doadores, que integram a grande massa de
apoiadores do Terceiros Setor. Por outro lado, como identificam Aristeu de Oliveira e
Valdo Romão320
, muitos destes recursos podem ser oriundos das próprias empresas que
constituíram as entidades assistenciais, ou ainda, parcerias que têm se revelado bastante
útil à captação de recursos.
319
YOFFE, Daniel. Captação de recursos no campo social. In: VOLTOLINI, Ricardo (Organizador).
Terceiro Setor: planejamento & gestão. 2ª edição. São Paulo: Editora Senac, 2004. p. 213. 320
OLIVEIRA, Aristeu; ROMÃO, Valdo. Manual do Terceiro Setor e Instituições Religiosas:
trabalhista, previdenciária, contábil e fiscal. São Paulo: Editora Atlas, 2006. p. 37.
156
Como examina José Eduardo Sabo Paes321
, com o amadurecimento do
Terceiro Setor no Brasil, a atividade de captação tem se desenvolvido a tal ponto de se
criarem profissionais especializados nesta área. Além disso, a atividade de captação já
tem contado com outras iniciativas, como, por exemplo, a ABCR que é a Associação
Brasileira dos Captadores de Recursos. A respeito deste estudo José Eduardo Sabo Paes
teria concluído:
Uma das iniciativas para o desenvolvimento da atividade de captação
de recurso foi a criação da Associação Brasileira dos Captadores de Recursos —
ABCR, que tem como missão promover, desenvolver e regulamentar a atividade
de captação de recursos, segundo o seu Código de Ética. Entre suas principais
metas destacam-se a de trabalhar para assegurar a credibilidade e
representatividade da profissão e a de apoiar organizações sociais na tarefa de
construir uma sociedade mais justa322
.
Por sua vez, o Estado também fomenta de forma indireta a captação de
recursos, especialmente por conceder, através de leis, incentivos fiscais àqueles que doam
parte de seus recursos às atividades assistenciais.
O artigo 26 da Lei 8.313/1991, por exemplo, traz os percentuais de
doações e patrocínios dedutíveis do imposto de renda, por exemplo. Vejamos:
Art. 26. O doador ou patrocinador poderá deduzir do imposto devido na
declaração do Imposto sobre a Renda os valores efetivamente contribuídos em
favor de projetos culturais aprovados de acordo com os dispositivos desta lei,
tendo como base os seguintes percentuais:
I – no caso das pessoas físicas, oitenta por cento das doações e sessenta por
cento dos patrocínios;
II – no caso das pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, quarenta por
cento das doações e trinta por cento dos patrocínios.
§ 1º A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá abater as doações
e patrocínios como despesa operacional.
§ 2º O valor máximo das deduções de que trata o caput deste artigo será fixado
anualmente pelo Presidente da República, com base em um percentual da renda
tributável das pessoas físicas e do imposto devido por pessoas jurídicas
tributadas com base no lucro real323.
321
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 467-468. 322
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 468. 323
BRASIL. Lei 8.313/1991, de 24 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de
julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/QUADRO/1991.htm>. Acessado em
28.11.2007.
157
As doações constituem-se em importante mecanismo de captação de
recursos às entidades de Terceiro Setor, contudo, como menciona José Eduardo Sabo
Paes324
, as doações encontram, também, algumas limitações. O autor destaca que
nenhuma aplicação de recursos poderá ser feita com intermediação. Lembra ainda que a
doação, bem como o patrocínio, não poderão ser efetuados se a pessoa ou instituição for
vinculada ao agente, como, por exemplo: i) se a pessoa jurídica da qual o doador ou
patrocinador seja titular, administrador, gerente, sócio, ou acionista, lembrando que
deverá ser considerado um prazo de 12 (doze) meses para a data da doação ou anteriores;
ii) o cônjuge ou os parentes até 3º grau, considerando-se, ainda, os afins, bem como
aqueles que guardem algum grau de parentesco com o doador ou patrocinador; por fim,
iii) qualquer outra pessoa jurídica da qual o doador ou patrocinador venha integrar o seu
quadro societário.
Como se observa, as vedações visam a evitar a ocorrência de fraudes ou
mesmo negócios simulados, dos quais os doadores e patrocinadores venham a obter
vantagens fiscais em detrimento do próprio ato de doação que, sequer chegaria a se
oficializar com a entrega de recursos ou mesmo a aplicação destes.
De qualquer forma, independentemente de onde se identifique a origem
dos recursos, sabe-se que todo e qualquer empreendimento assistencial não funciona bem
apenas com recursos financeiros. Tanto para as entidades assistenciais, como àquelas que
integram o Terceiro Setor. Necessária se faz a existência de mão-de-obra qualificada,
técnicos, especialistas, e, enfim, toda uma gama de profissionais capacitados a gerir os
recursos destinados a estas entidades.
Embora se saiba que o voluntariado faça parte integrante do corpo de
profissionais que integram as entidades de Terceiro Setor, a exigência de profissionais
especializados é também imprescindível, ante a necessidade de se maximizar os
resultados dos recursos destinados.
324
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 470.
158
5.11 – LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social e a base principiológica:
O poder constituinte originário, ao editar a Constituição Federal de
1988, teria trazido, em sua essência normativa, princípios voltados à proteção e
preservação de valores sociais, não apenas àqueles que dizem respeito a própria
dignidade humana, mas, também, como menciona Aliomar Baleeiro325
, valores
destinados à cimentação do regime moral consolidando direitos à personalidade,
liberdade e à própria solidariedade humana, tão escassa nos dias de hoje.
Já a Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS —, esta se compõe de
bases protetivas e de valores sociais, onde a responsabilidade pela preservação de
determinados grupos é dividida entre o Estado, a iniciativa privada e a própria sociedade.
O artigo 2º da Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993 traça os objetivos sociais tais como a
proteção às crianças e adolescentes carentes, a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência, à velhice, bem como a integração ao mercado de trabalho. O
referido dispositivo assim se posiciona a respeito:
Art. 2.º A assistência social tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a
promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora
de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família326.
A lei prevê ainda a atuação em conjunto e integrada das organizações
de assistência social, de forma a se atingir a melhor sintonia entre as políticas setoriais,
especialmente as ações sociais encampadas pelo Estado. Como se tem observado ao
longo dos estudos empreendidos a respeito do tema, sabe-se que o custo social não
325
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7ª edição. Rio de Janeiro:
Editora Forense. 1998. pp. 307 e 308. 326
BRASIL. Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá
outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8742.htm>. Acessado
em 29.11.2007.
159
poderia ser simplesmente arcado pela iniciativa privada ou o Terceiro Setor de forma
individualizada.
Como forma de fomentar o crescimento das atividades assistências, o
incentivo tributário, as parcerias e os subsídios governamentais dividem a repercussão do
custo financeiro à manutenção do atendimento das causas sociais, especialmente àquelas
voltadas aos mais desfavorecidos. Importante ressaltar que, a assistência social não
engloba apenas aqueles que carecem de recursos financeiros à sua própria subsistência.
Em verdade, a assistência social é setorizada a partir de diversos nichos sociais, como por
exemplo a assistência ao desenvolvimento das habilidades profissionais, ou ainda, a
qualificação profissional; de saúde; de esporte; educacionais, ou como mais nos interessa,
a assistência social voltada aos menos favorecidos ou os hipossuficientes de recursos.
A LOAS traz em seu corpo não apenas as diretrizes sob as quais
pretende guiar o funcionamento da assistência social no Brasil, mas lança uma série de
princípios sob os quais norteará o trabalho de assistência social. O artigo 4º do referido
diploma traz como referências principiológicas: a supremacia do atendimento às
necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; universalização dos
direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais
políticas públicas; respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária,
vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; igualdade de direitos no
acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se
equivalência às populações urbanas e rurais; divulgação ampla dos benefícios, serviços,
programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público
e dos critérios para sua concessão.
Embora se constate certa margem discricionária com relação ao uso e
oferta de recursos públicos, parece, realmente, que a intenção do legislador era permitir
certo grau de discricionariedade na repartição destes recursos, na medida em que tal
decisão, quase sempre, carrega o conteúdo político no mérito decisório. Assim, o inciso
V do artigo 4º da Lei 8.472/1993 teria permitido que os critérios escolhidos ficassem a
cargo de decisões mais políticas, do que propriamente técnicas do ponto de vista objetivo.
160
O artigo 6º e seguintes deste diploma trazem esta interpretação,
especialmente por atribuírem a análise de critérios ao um conselho especial denominado
Conselho Nacional de Assistência Social, o CNAS. O CNAS é na verdade o órgão
superior de deliberação colegiada, vinculado à estrutura do órgão da Administração
Pública Federal, responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência
Social, cujos membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois)
anos, permitida uma única recondução por igual período.
Ao Conselho Nacional de Assistência Social fica o encargo de decidir a
respeito da emissão de certificados que comprovem a condição de entidade beneficente
de assistência social, na forma do artigo 18, inciso IV da Lei 8.742/1993. Com as
alterações realizadas pela Medida Provisória 2.187-13 de 24 de agosto de 2001, o
Conselho Nacional de Assistencial Social passaria a dispor de mais esta incumbência.
A Lei que regula as entidades assistenciais, como se observa, não é
exaustiva em relação aos diversos temas que envolvem o funcionamento e gestão das
entidades beneficentes de assistência social, tanto que, necessária se faz a edição de
normas, regulamentos e portarias que tratam de assuntos relevantes às entidades tratadas.
Para o próximo tomo, analisaremos a certificação das entidades
beneficentes de assistência social, lembrando que, muitas vezes, para que estas entidades
gozem do benefício das isenções ou da imunidade, faz-se necessária a detenção de
certificação concedida pelo CNAS.
5.12 – Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social:
Da legislação pátria, temos que a LOAS não foi o primeiro regulamento
a prever a emissão de certificados destinados a comprovar a situação de entidade
161
beneficente. Como menciona José Eduardo Sabo Paes327
, o conhecido Certificado de
Entidade Beneficente de Assistência Social era anteriormente conhecido como sendo o
Certificado de Entidade Filantrópica, o qual teria sido introduzido pela Lei 3.577 de 04 de
julho de 1959, tendo sido regulamentado pelo Decreto n.º 1.117 de 1º de junho de 1982,
com a finalidade de responder a uma demanda relativa ao processo de isenção de parte da
cota patronal das entidades assistências e beneficentes junto ao INSS.
Com base na Constituição Federal de 1988, temos que o disposto no §
7º do artigo 195 estabelece, em favor das entidades beneficentes e de assistência social o
benefício da imunidade tributária referente à seguridade social.
Contudo, a discussão que se pretende trabalhar nesta pesquisa não é
sobre seguridade ou previdência social. Em verdade, o estudo visa a analisar a proteção
que as entidades de benemerência gozam através da concessão da imunidade tributária,
bem como as conseqüências legais desta previsão constitucional.
Como se observa, tanto da Lei 8.742/1993 como próprio texto da
Constituição Federal, existe a preocupação humanista em relação à preservação da
filantropia e das entidades que concentram suas atividades junto ao interesse social.
Antes, porém, de prosseguirmos com nossos estudos, importante realizarmos algumas
considerações a respeito de filantropia, entidades sem fins lucrativos ou com finalidade
de lucro e entidades beneficentes. Para a conceituação, nos filiamos ao posicionamos de
José Eduardo Sabo Paes, que assim as classifica:
Entidades com fins lucrativos são aquelas que perseguem interesse
próprio ou que desempenham atividades circunscritas àqueles que as integram,
como sócios.
Entidades sem fins lucrativos ou entidades beneficentes são aquelas que buscam
interesse de outrem ou atuam em benefício de outrem que não a própria entidade
ou os que a integram.
Entidade filantrópica é aquela que atua em benefício de outrem com dispêndio
de seu patrimônio, sem contrapartida ou, em outras palavras, pelo atendimento
sem ônus direto do beneficiado328
.
Sacha Calmon Navarro Coêlho329
traz estudo semelhante a respeito
deste tema. Para o autor, entendem-se como entidades sem fins lucrativos aquelas que
327
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2003. p. 495. 328
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 497.
162
não se apropriam do resultado das operações que desenvolvem, devolvendo o excedente
para a própria entidade, através de investimentos. Estas entidades, ou seja, sem fins
lucrativos também ficam sob a proteção da imunidade tributária, na medida em que, do
contrário, somente as entidades de caráter caritativo ou filantropia poderiam gozar da
regra imunizante.
Neste ponto em particular concordamos com o autor especialmente no
que diz respeito às vedações contidas no CTN. Em verdade, o que a regra tributária veda
é o animus distribuendi e não o animus lucrandi. Assim, estas entidades podem e devem
cobrar pelos serviços que venham a prestar, pois o lucro não é proibido ou vedado. O que
não se admite é a distribuição deste aos sócios, colaboradores, mantenedores ou
associados, pois, desta forma, se estaria desnaturando a finalidade destas entidades
assistenciais.
A Lei 8.742/1993, que complementa a regra inscrita no artigo 203 da
CF de 1988, instituiu o Conselho Nacional de Assistência Social, órgão responsável à
emissão de certificados às entidades de fins filantrópicos, bem como às entidades
assistenciais. Válido destacar, também, que a Lei 8.212/1991, em seu artigo 55, inciso I,
concede isenção tributária às entidades assistenciais que demonstrarem a utilidade
pública federal, estadual, municipal ou para o Distrito Federal. Neste ponto, com relação
à utilidade pública exigida pelo legislador, cabe uma ressalva. Talvez por questão de
ordem prática, o legislador tenha deixado certa margem de discricionariedade para
classificar o que entende como sendo de utilidade pública, na medida em que a lei não
exaure as hipóteses relativas ao que vem a ser utilidade pública. De qualquer forma, caso
a entidade beneficente não possua utilidade pública, não poderá fazer jus ao benefício da
isenção mencionado no artigo 55, I da Lei 8.212/1991.
Outra exigência à concessão do benefício é que a entidade de
beneficência possua Registro próprio e Certificado de Entidade Beneficente de
Assistência Social, que é conferido pelo CNAS330
, na forma do artigo 18, inciso IV da
Lei 8.742/1993 e deverá ser renovado a cada 3 (três) anos.
329
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 7ª
Edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1998. p 363. 330
Com a edição da Medida Provisório 2.187-13 de 24 de agosto de 2001, na forma do § 3º, passou-se a
exigir a inscrição da entidade no Conselho Municipal de Assistência Social, ou no Conselho de Assistência
163
Por fim, como última exigência, José Eduardo Sabo Paes331
esclarece
que para que se evite a mercantilização do empreendimento, propiciando assim, a
distribuição de lucros e dividendos para seus organizadores, existe o inciso IV no artigo
55 da Lei 8.212/1991, sendo, ainda, impedidos de obter vantagens ou benefícios de
qualquer natureza, os seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores a
que título for.
Para as entidades que buscassem o enquadramento no inciso III do
artigo 55 da Lei 8.212/1991, cuja redação teria sido dada pela Lei 9.732/1998, tal
possibilidade encontraria óbice em razão da ADI 2.028-5, requerida pela Confederação
Nacional de Saúde-Hospitais. O Ministro Relator teria concedido liminar para suspender
a eficácia da Lei questionada em julho de 1999. Submetida ao plenário do STF, o
Tribunal, por unanimidade, referendou a concessão da medida liminar para suspender, até
a decisão final da ação direta, a eficácia do art. 1º, na parte em que alterou a redação do
art. 55, inciso III, da Lei n.º 8.212, de 24/7/1991, e acrescentou-lhe os § § 3º, 4º e 5º, bem
como dos artigos 4º, 5º e 7º, da Lei n.º 9.732, de 11/12/1998.
De qualquer forma, à obtenção de registro junto ao CNAS o artigo 2º da
Resolução 31 de 24 de fevereiro de 1999 do CNAS estabelece que terá acesso ao referido
registro, a entidade sem fins lucrativos que promover, por exemplo, a proteção à família,
à infância, à maternidade, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes
carentes; ações de prevenção, habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária de
pessoas portadoras de deficiência; a integração ao mercado de trabalho; a assistência
educacional ou de saúde; o desenvolvimento da cultura; o atendimento e assessoramento
aos beneficiários da Lei Orgânica da Assistência Social e a defesa e garantia de seus
direitos.
José Eduardo Sabo Paes332
lembra ainda que, para o caso do Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social a que se refere o inciso IV do artigo 18 da
Lei 8.742/1991, haverá a exigência de certos requisitos, estes estabelecidos pelo Decreto
2.536/1998, com as últimas alterações realizadas pelo Decreto 3.504/2000, sendo:
Social do Distrito Federal, como sendo condição essencial para o encaminhamento de pedido de registro e
de certificado de entidade beneficente de assistência social junto ao Conselho Nacional de Assistência
Social. 331
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 499-501. 332
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit., p. 507.
164
proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice; amparar crianças
e adolescentes carentes; promover ações de prevenção, habilitação e reabilitação de
pessoas portadoras de deficiências; promover, gratuitamente, assistência educacional ou
de saúde; promover a integração ao mercado de trabalho.
E prossegue o autor dizendo que, cumulativamente, a entidade
beneficente terá que demonstrar, nos três anos anteriores ao pedido de registro, ter
cumprido com o disposto no artigo 3º do Decreto 2.536/1998 que exige: estar legalmente
constituída no País e em efetivo funcionamento nos três anos anteriores à solicitação do
Certificado; estar previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do
município de sua sede se houver, ou no Conselho Estadual de Assistência Social, ou
Conselho de Assistência Social do Distrito Federal; estar previamente registrada no
CNAS; aplicar suas rendas, seus recursos e eventual resultado operacional integralmente
no território nacional e manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos
institucionais; aplicar as subvenções e doações recebidas nas finalidades a que estejam
vinculadas; aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos vinte por cento da receita
bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações
financeira, de locação de bens, de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e
de doações particulares, cujo montante nunca será inferior à isenção de contribuições
sociais usufruída; não distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou
parcelas do seu patrimônio, sob nenhuma forma ou pretexto; não perceberem seus
diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalente remuneração,
vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão
das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos
constitutivos; destinar, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, o
eventual patrimônio remanescente à entidades congêneres registradas no CNAS ou à
entidade pública; não constituir patrimônio de indivíduo ou de sociedade sem caráter
beneficente de assistência social, e, por fim, seja declarada de utilidade pública federal.
A renovação dos certificados teria ficado a cargo do que determina a
Resolução 177 de 10 de agosto de 2000 do CNAS, cujos procedimentos, ressalte-se,
apenas sistematizam de forma mais adequada o disposto no Decreto 2.536/1998, que
regula a Concessão de Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social.
165
A vantagem de todo este procedimento é a utilização de benefícios
fiscais relativos ao recolhimento da cota patronal, lembrando que, para outros tributos,
como o IR, por exemplo, as entidades ficam a depender da regulação dada pelo CTN e o
próprio artigo 150, VI, ―c‖ da Constituição Federal e o Decreto 3.000 de 26/03/1999. A
este respeito, Eduardo Szazi333
lembra que em virtude da imunidade, os rendimentos
produzidos a partir de aplicações financeiras também deverão ser dispensados da
retenção do imposto de renda na fonte, podendo a instituição requerer a sua restituição,
caso a instituição financeira proceda a retenção. Por fim, o autor adverte que para
algumas, caso estas não estejam se dedicando a educação ou a assistência social
recreativas, culturais, científicas, e caso prestem serviços para os quais houveram sido
instituídas, o caso seria de isenção, que poderia ser concedida por lei federal, como é o
caso da Lei 9.532/1997, que, embora trate das isenções tributárias, teria revogado o
benefício concedido pelo artigo 30 da Lei 4.506/1964.
333
SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: regulação no Brasil. 4ª edição. São Paulo. Editora Peirópolis, 2006.
p. 53.
166
Capítulo 6 - A imunidade tributária para os tribunais brasileiros:
6.1 – O posicionamento dos tribunais brasileiros a respeito do tema:
Como fonte de aplicação do direito, a jurisprudência tem-se revelado
importante base de apoio à dissolução de dúvidas sobre a aplicação e respeito de normas
editadas pelo Poder Legislativo. A imprecisão técnica, muitas vezes aliada à falta de
previsibilidade quanto aos efeitos legais, tem causado uma verdadeira avalanche de
recursos junto aos tribunais brasileiros, que, como se sabe, vivem com sua capacidade
além do limite.
De qualquer forma, a jurisprudência traduz-se, ainda, em um
mecanismo interpretativo de normas, que busca, às vezes, a integração, por outras, a
simples composição do próprio sentido da lei. Nos dizeres de Norberto Bobbio334
, a
interpretação constitui tarefa própria da jurisprudência, consistindo em remontar os
signos contidos nos textos legislativos, qual a vontade real do legislador.
O estudo que tencionamos neste capítulo é justamente este, ou seja,
conhecer a dimensão que os tribunais superiores costumam conferir ao tema imunidade
tributárias às entidades assistenciais, especialmente, àquelas que desempenham papel de
cunho caritativo ou assistencial em níveis básicos para o ser humano.
O tema imunidade tributária, independentemente de sua destinação,
sempre foi motivo de acirrados debates acerca de seu alcance, especialmente por se tratar
de benefício fiscal que reduz a arrecadação tributária. Alterar o direito do fisco, é,
efetivamente, matéria sensível aos tribunais.
Como defende Carlos Maximiliano335
, o direito de lançar impostos e
taxas é um direto soberano para o Estado, contudo, a amplitude deste direito sofre
334
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. São Paulo: Editora Ícone.
Tradução de Márcio Pugliesi, 2006. p. 213. 335
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª edição. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2003.p. 269, 272.
167
pequenas limitações, lembrando que, toda vez em que surge determinada dúvida a
respeito de como se interpretar esta ou aquela norma, o aplicador deverá, inicialmente,
atentar para o fim colimado pela norma e as conseqüências prováveis de uma dada
interpretação, levando-se em conta os princípios jurídicos que embasaram a construção
da lei.
Mesmo assim, para o caso da imunidade tributária, alguns arestos têm
revelado grande alcance do disposto no artigo 150, VI, ―c)‖ da CF. Para o caso deste
referido dispositivo, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, tem entendido que a
repercussão tributária, ainda que de forma indireta, especialmente sobre a renda e o
patrimônio, são vedadas pela imunidade, como no caso do imposto instituído pela Lei
Complementar número 77 de 13 de julho de 1993. No julgamento do Agravo Regimental
211.790, o STF teria demonstrado este posicionamento da seguinte forma:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IPMF. INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO.
IMUNIDADE DO ART. 150, VI, C, E § 4.º, DA CONSTITUIÇÃO. Tributo
que, ao incidir sobre movimentação ou transmissão de valores, créditos e
direitos de natureza financeira, desenganadamente onera recursos relacionados
com as finalidades essenciais dos entes da espécie. Instituição cujas atividades,
no caso, foram expressamente reconhecidas pelo acórdão recorrido como
exercidas sem fins lucrativos. Configuração da hipótese de imunidade tributária
prevista nos dispositivos sob enfoque. Agravo desprovido336.
Com relação a outros tributos, como é o caso do IPTU, o mesmo
entendimento tem sido aplicado em relação a imunidade prevista no artigo 150, VI, ―c)‖,
da Constituição Federal. No julgamento do Agravo Regimental interposto em face do
Recurso Extraordinário de número 357.824, a Segunda Turma, sob relatoria do Ministro
Eros Grau, teria ementado o seguinte posicionamento:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. IPTU. IMUNIDADE. AUTARQUIA. SÚMULA N. 724
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Imunidade tributária prevista no
artigo 150, VI, "c", da Constituição de 1988. A circunstância de o imóvel
encontrar-se locado não impede o alcance do benefício, vez que a renda auferida
336
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra acórdão proferido em
Agravo de Instrumento. Artigo 105, VI, ―c‖ da Constituição Federal de 1988. Tributo incidente sobre
movimentação ou transmissão de valores, créditos e direitos de natureza financeira. Agravante União
Federal e Agravado PFN – Marúcia Miranda Corrêa. Relator Ministro Nelson Jobim. 23 de outubro de
1998.
168
está voltada às suas finalidades essenciais (Súmula n. 724 do STF). Agravo
regimental a que se nega provimento337.
Em verdade, o referido aresto diz respeito ao entendimento firmando
pela súmula 724 do STF, publicada no dia 09 de dezembro de 2003, cujo entendimento
seria: ―ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente
a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, ―c)‖, da Constituição, desde que o
valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades‖. O Superior
Tribunal de Justiça, por sua vez, também lança mão proteção conferida pela Constituição
Federal, especialmente quando analisa o uso de bens que venham a servir às entidades
assistenciais. No caso do RESP 782.305/ES, este entendimento parece ter prevalecido
ante a ação do fisco. O julgamento teve como base o artigo 14, § 2º do CTN em relação
ao artigo 9º, inciso IV, c)338
, também do Código Tributário Nacional.
Para as entidades sem fins lucrativos, ou seja, às instituições que
destinam o seu patrimônio e a sua renda para o benefício de outros — ou como define
José Eduardo Sabo Paes339
, para as Entidades sem fins lucrativos ou entidades
beneficentes, que são aquelas que buscam interesse de outrem ou atuam em benefício de
outrem que não a própria entidade ou os que a integram — o STF tem também estendido
o benefício da imunidade tributária para tais entidades com relação ao Imposto de Renda.
No julgamento do Agravo Regimental no RE 424.507, a Segunda Turma, sob relatoria do
Ministro Carlos Velloso, assim teria manifestado o seu entendimento:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA. ENTIDADE SEM FINS LUCRATIVOS. IMPOSTO DE
RENDA. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que
337
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra decisão monocrática do
Ministro Eros Grau, negando seguimento ao recurso interposto pela Fazenda do Município de Belo
Horizonte. Agravo de Regimental. Artigo 105, VI, ―c‖ da Constituição Federal de 1988. Extensão da
imunidade tributária concedida aos imóveis da entidade. Agravante Município de Belo Horizonte Agravado
IPSM – Instituto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais. Relator Ministro Eros Grau. 24
de maio de 2005. 338
A alínea c, do inciso IV do artigo 9º do CTN, teve redação dada pela Lei Complementar 104 de 10 de
janeiro de 2001, que alterou dispositivos do Código Tributário Nacional. 339
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades de Interesse Social: aspectos jurídicos,
administrativos, contábeis e tributários. 4ª edição. Brasília: Editora Brasília Jurídica., 2003. p. 496.
169
a imunidade tributária do art. 150, VI, c, da C.F., estende-se às entidades sem
fins lucrativos relativamente ao IR. II. - Agravo improvido340.
A proteção conferida pela imunidade tributária, poderá também ser
aplicada aos casos em que o imposto admite, v.g., a transferência do tributo. Por exemplo,
no caso do ICMS vinculado à mercadoria produzida por entidade beneficente. No
julgamento do RE 210.251 — também veiculado no informativo número 299 do STF—,
a Turma teria se manifestado pela desoneração da entidade recorrida, em razão da
proteção que se daria ao serviço prestado. Vejamos a ementa:
Prosseguindo no julgamento acima mencionado, o Tribunal, também
por maioria, rejeitou os embargos de divergência por reconhecer que a
imunidade tributária prevista pelo art. 150, VI, c da CF abrange o ICMS sobre
comercialização de bens produzidos por entidade beneficente. Considerou-se
que o objetivo da referida norma constitucional é assegurar que as rendas
oriundas das atividades que mantêm as entidades filantrópicas sejam
desoneradas exatamente para se viabilizar a aplicação e desenvolvimento dessas
atividades, e que a cobrança do referido imposto desfalcaria o patrimônio,
diminuiria a eficiência dos serviços e a integral aplicação das rendas de tais
entidades. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, Celso de Mello e
Moreira Alves, por entenderem que o ICMS não onera a renda auferida pela
entidade para a manutenção de seus objetivos institucionais, uma vez que
repercute economicamente no consumidor, que é quem arca com o tributo e
quem, em verdade, seria o beneficiário da imunidade341
.
Do julgamento em questão, o ponto nodal de todos os debates cinge-se
a possibilidade de se transferir a imunidade para as mercadorias eventualmente
comercializadas por uma entidade beneficente. O Ministro Gilmar Mendes, ao rejeitar os
embargos opostos pela Fazenda de São Paulo, teria invocado os ensinamentos de Aliomar
Baleeiro, sustentando a possibilidade da imunidade. Neste ponto, vale a transcrição do
voto do Ministro. Vejamos:
340
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra decisão monocrática do
Ministro Carlos Velloso, negando seguimento ao recurso interposto pela União. O mérito formal do recurso
voltava-se a mesma questão ventilada no RE 357.824, ou seja, a respeito do imposto de renda para
entidades beneficiadas pela imunidade tributária. Agravante União Federal Agravado SENAC. Relator
Ministro Carlos Velloso. 18 de junho de 2004. 341
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental interposto contra acórdão turmário da 2ª
Turma, tendo como Relator o Ministro Carlos Velloso. O recurso em questão, versava a respeito da
cobrança de ICMS vinculada à mercadoria produzida e comercializada por entidade beneficente. Agravante
União Federal Agravado SENAC/RO. Relator Ministro Carlos Velloso. 28 de setembro de 2004.
170
Sr. Presidente, estou em que os embargos não devem ser acolhidos.
Embora reconheça a seriedade da posição dos que defendem que se cuida de
ICMS, que, pela própria natureza, não incidiria diretamente sobre o patrimônio,
a renda ou serviços da entidade, entendo que essa distinção não se afigura
suficiente para afastar a aplicação da imunidade na espécie. A propósito,
continua atual, a meu ver, a lição de Baleeiro: ‗A imunidade, para alcançar os
efeitos de preservação, proteção e estímulo, inspiradores do constituinte, pelo de
serem os fins das instituições beneficiadas, também atribuições, interesses e
deveres do Estado, deve abranger os impostos que, por seus efeitos econômicos,
segundo as circunstâncias, desfalcariam o patrimônio, diminuiriam a eficácia
dos serviços ou a integral aplicação das rendas aos objetivos específicos
daquelas entidades presumidamente desinteressadas por sua própria natureza‖.
(Baleeiro, Aliomar. Limitações ao poder de tributar. 7ª ed. Ver. e compl. à luz da
Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional n.º 10/1996. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 313).
É claro, não se pode negar que se cuida de imposto que, pela repercussão
econômica e eventual, poderia não onerar o contribuinte de direito, mas, sim o
contribuinte de fato.
A despeito da possibilidade de se transferir ao comprador o pagamento efetivo
do imposto, o reconhecimento da imunidade tem relevância jurídico-econômica
para o vendedor, quanto não seja, como reconheceu o Ministro Sepúlveda
Pertence, para fins de concorrência, e por conseguinte, ampliar a eficiência dos
serviços prestados pela entidade beneficente.
Assim, antes de recomendar a adoção de uma interpretação que enfatize a
necessidade de uma redução teleológica do art. 150, VI, c da Constituição, a
própria teleologia da disposição parece recomendar uma interpretação
compreensiva do dispositivo, na linha enfatizada por Baleeiro e, mais
recentemente, pelo Ministro Oscar Corrêa, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso,
Sydney Sanches e Nelson Jobim.
Trago, aqui, a jurisprudência desta Corte, sobre a imunidade tributária de
entidades beneficentes, especificamente em relação ao Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços — ICMS.
Em reiterados julgamentos, a 2ª Turma decidiu que ‗não há para invocar, para o
fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos
impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é
adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do
conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no
mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela
imunidade‘ (RE 203.755/ES, DJ 08.11.06; RE 193.969/SP DJ 06.12.96; RE
186.175, DJ 13.12.96; RE 141.670/SP, DJ 02.02.01 e AgRg no RE 237.497/SP,
DJ 18.10.02, Rel. Nelson Jobim).
Nesses termos, o meu voto é pela rejeição dos embargos342.
Observando o voto do Ministro Gilmar Mendes, temos que a proteção
garantida pelo disposto no artigo 150, VI, ―c)‖ da CF teria prevalecido, ante a
argumentação de que o ICMS não admitiria a transferência do encargo para o consumidor
e que tal operação não representaria prejuízo às entidades beneficentes.
342
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Embargos opostos pela Fazenda de São Paulo. Cobrança de ICMS
decorrente da venda de mercadoria fabricada por entidade beneficente. Agravante Fazenda de São Paulo
Agravada Instituição Beneficente Lar de Maria Marcos Ferreira da Silva. Relatora Ministra Ellen Gracie.
28 de novembro de 2003.
171
Importante ressaltar, igualmente, que o voto do Ministro confere a exata
dimensão do que ocorre com as entidades assistenciais, especialmente por serem estas as
responsáveis por atividades que interessam ao Estado. As entidades beneficentes, como
se observa dos julgamentos trazidos, gozam, sim, da aplicação da imunidade tributária
conferida pela Carta Política de 1988, e como tal, lhes são asseguradas pelo Supremo
Tribunal Federal a benesse fiscal, em detrimento da ação danosa e pouco humana do
fisco.
172
Conclusão
A presente pesquisa, como se observa de seu prólogo, tenciona
relacionar os Direitos Humanos às imunidades tributárias previstas na Constituição e
demais legislações infraconstitucionais, atentando, especificamente, para a sua
classificação, modo de aplicação e sua recepção pelos tribunais superiores em relação às
entidades de cunho assistencial.
Direcionando a atenção para os objetivos principais deste trabalho, as
imunidades tributárias parecem revelar um caráter que vai muito além de uma mera
competência tributária, especialmente porque revela intrincada associação com os direitos
econômicos e sociais defendidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos
documentos subseqüentes — O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Protocolo de
San Salvador e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.
Além disso, a imunidade tributária, como demonstrado, serve de
garantia indireta aos direitos econômicos e sociais, direitos estes inseridos na categoria de
direitos humanos de segunda geração. O seu fundamento, como defende Ricardo Lobo
Torres343
, é a proteção da liberdade, calcada na necessidade de se prover o mínimo e o
suficiente para uma existência digna.
A luta pelos direitos humanos baseia-se em uma longa tradição
histórica, especialmente se levarmos em conta os grandes acontecimentos sociais.
Hodiernamente, não podemos negar que os direitos humanos são uma realidade jurídica,
dado que, em nossa sociedade, como defende Júlio Marino de Carvalho344
, existem as
condições necessárias ao desenvolvimento e proteção dos Direitos Humanos, no caso, a
organização da Sociedade sob a forma de um Estado, a existência de um quadro jurídico
343
TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de
Janeiro: editora Renovar, 1995. p. 226. 344
VASAK, Karel. As dimensões internacionais dos direitos do homem. In: CAVALHO, Júlio Marino
de. Os direitos humanos no tempo e no espaço: visualizados através do direito internacional, direito
constitucional, direito penal e da história. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1998. p. 45.
173
de direitos e garantias do homem, e, por fim, o exercício desses direitos por parte destes
titulares.
Como estudado, a história mundial revela que somente a partir de
eventos de notória violação, agressividade e violência é que se desenvolveu a necessidade
de protegermos certos aspectos da vida humana, como a dignidade, a liberdade e a
própria integridade do ser humano. A perversidade das guerras e movimentos sociais
ocorridos ao longo dos séculos revelaram que o ser humano possui grande capacidade
destrutiva, maior ainda se considerarmos o interesse econômico e religioso, que, muitas
vezes, têm sido os ingredientes motivadores de massacres, guerras e intolerância entre as
variadas nações.
Comparato destacou a compreensão da dignidade da pessoa humana e
seu papel em nossa sociedade, que somente conseguiu alguma importância ou relevância
a partir da violência, da dor e do sofrimento.
A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à
vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o
remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as
explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a
exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.
Além dessa chave de compreensão histórica dos direitos humanos, há outro fato
que não deixa chamar a atenção, quando se analisa a sucessão das diferentes
etapas de sua afirmação: é o sincronismo entre as grandes declarações de
direitos e as descobertas científicas ou invenções técnicas‖].345
Em um plano generalista, realmente, as guerras, insurgências sociais e
demais movimentos foram imprescindíveis à germinação da idéia relativa ao conceito de
direitos humanos. Tudo em uma perspectiva destinada a lançar as bases de uma proteção
mais efetiva e eficaz para as gentes. Mas de nada adianta a criação de uma perspectiva
jurídica sem a preservação de seu principal destinatário: o homem.
De fato, somente com a ruptura do totalitarismo, onde o ser humano era
considerado como supérfluo346
, é que se teria desenvolvido certo valor à dignidade e a
própria pessoa humana, fundamento este dos direitos humanos. As influências de Kant,
associadas a uma ética protecionista dos interesses humanos e sociais, a religiosidade,
345
COMPARATO, Fábio Konder. op. cit., p. 37. 346
LAFER, Celso. A Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt. São Paulo: Editora Companhia das Letras. 1998. p.118.
174
que tinha como base ideais semelhantes àqueles defendidos à época do Renascimento —
incentivadas pelo cristianismo — e a própria evolução científica ocorrida nos últimos
anos, fomentaram, cada vez mais, a vontade e o interesse das nações em prover as
comunidades sociais com direitos e garantias mínimas, que pudessem garantir a
integridade destes grupos.
Com a rendição incondicional do ―Terceiro Reich” e o fim da Segunda
Grande Guerra Mundial, em 1945, observou-se a ocorrência da internacionalização da
economia mundial, decorrente, principalmente, da redução de barreiras ao comércio
estrangeiro, propiciada por evidentes inovações tecnológicas. Diante de tais mutações,
exigiu-se das nações envolvidas em transações comerciais, mudanças efetivas na atuação
com o comércio internacional, em especial, com os direitos de estrangeiros. Tais
mudanças passariam a postular a existência, também, de um mínimo de garantias sociais
e econômicas, na medida em que seria necessária a proteção do bem-estar social e o
equilíbrio econômico, e a manutenção de condições mínimas.
A globalização, fenômeno mundial do qual o Estado não podia se
apartar, trouxe consigo uma nova estruturação no campo econômico e social. Neste
contexto, tornava-se relevante o papel cada vez mais imprescindível das políticas
industrial, de comércio exterior e, também, de defesa da concorrência, articulando-se, na
agenda da globalização da economia aspectos tributários e econômicos, que, como se
sabe, revelam importante etapa a ser vencida no processo de integração tributária. Aliada
a estas necessidades, os direitos humanos, então surgentes a partir de importantes eventos
históricos, se reafirmavam, cada vez mais, diante da ameaça ocasionada pelo holocausto
judeu e seus desdobramentos nocivos à economia e segurança jurídica, destruídas pelo
―Terceiro Reich”.
Com o período posterior à Segunda Grande Guerra, ―surgiram
problemas como: o desemprego, fome, baixa produtividade industrial, ou seja, uma
infinidade de problemas de natureza interna, cuja solução não mais parecia se encontrar
dentro de uma órbita regional, ou mesmo doméstica‖347
. De fato, neste período, notou-se
certa conscientização dos dirigentes de Estado, de que o equacionamento dos problemas e
reflexos reverberados com o pós-guerra seriam alcançados a partir de uma solução
347
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 83.
175
conjunta e internacional. Lançava-se, então, a motivação para o estreitamento das
relações internacionais e comerciais existentes. Propagava-se a semente da integração
econômica, que viria, necessariamente, associada ao interesse de proclamar a proteção e a
defesa da pessoa humana.
Já no final dos anos 60, como lembra Boaventura Sousa Santos348
, teria
ocorrido a crise do Estado-providência, onde ao Estado eram incumbidas todas as
políticas sociais. Ao menos na América do Norte, este modelo Estado-providência
assentava suas bases na crise do regime de acumulação consolidado com o pós-guerra, o
citado ―regime fordista‖, como é hoje conhecido. Esta crise do fordismo ou do
capitalismo349
organizado teve conseqüências em uma dimensão político-cultural e,
segundo o autor, esta crise reverberaria reflexos contrários a cidadania, a subjetividade
pessoal e solidária. O compromisso social-democrático teria sucumbido à incessante
obsessão das populações pelo consumo e a produção, além do que, a redução da
participação popular nos processos políticos da época teria reduzido, quase que à
irrelevância, a interferência do povo nas decisões políticas.
As políticas sociais teriam sido reduzidas e relegadas a segundo plano,
deixando as classes menos favorecidas a sorte de programas pouco eficazes à solução e o
equacionamento das crescentes demandas sociais. Tal fenômeno, evidentemente, seria
contrária à própria formação e fundamentação dos direitos humanos e aos direitos
fundamentais, na medida em que ambos teriam como principal objeto a defesa e a
extensão da cidadania e da dignidade humanas.
De fato, ciente das demandas sociais manifestadas a partir de diversos
movimentos sociais, ao Estado competiria a assunção das políticas sociais, com vistas à
diminuir as pulsões sociais que eram cada vez maiores. Mesmo assim a experiência teria
demonstrado que estas políticas não atingiram a gigantesca massa de demandantes. Como
conseqüência deste desarranjo organizacional, muitos dos recursos destinados a
atividades sociais acabavam se perdendo nos longos caminhos burocráticos, ou pior,
348
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 5ª
edição. São Paulo: Editora Cortez, 1999. p. 247-249. 349
Em artigo publicado pela Revista de Informação Legislativa de número 35 de outubro a dezembro de
1998, página 06, Josaphat Marinho já advertia para a crise do capitalismo, que trazia consigo a fome, a
miséria e o desemprego, mesmo para os países desenvolvidos, onde a massa de subalimentados era
crescente. In: MARINHO, Josaphat. Revista de Informação Legislativa. Editora Senado Federal,
Subsecretaria de Edições Técnicas. Número 140, ano 35. Outubro/dezembro de 1998. p. 06.
176
quando chegavam, tinham destinação pouco condizente com as expectativas dos
programas sociais desenvolvidos.
Como visto, dada a ineficiência estatal, a solução mais adequada seria a
transferência das responsabilidades estatais para as organizações de cunho social, ou seja,
as entidades assistenciais, cujo objetivo maior é a redução das desigualdades existentes.
Mesmo neste sentido, temos que o Estado sequer dispõe de condições para dar o mínimo
à promoção dos direitos humanos, especialmente os econômicos e sociais.
Para o problema levantado na presente pesquisa, é de se concluir que a
imunidade tributária não serve apenas como mera competência tributária. Sua aplicação e
sua carga social imprimem neste instituto características que transcendem a órbita
tributária e econômica, embora a imunidade tributária possa, efetivamente, trazer junto de
sua aplicação, verdadeiro ônus para quem dela se beneficia, principalmente porque a
carga de responsabilidade decorrente da assunção de trabalhos sociais não é das mais
simples.
É de se reconhecer, entretanto, que implementações de políticas
econômicas e sociais graduam diferentes necessidades assistenciais. Para a imunidade
tributária, apenas para termos a dimensão a respeito de sua importância às entidades
assistenciais, sabe-se que este instituto não apenas incentiva a atividade assistencial
caritativa, mas também protege e permite a criação de condições, ainda que mínimas, de
oportunidades para aqueles que são dependentes destes serviços de socorro social.
Neste plano, a igreja, oficialmente a instituição que teria iniciado
muitos dos trabalhos sociais, perderia espaço para os diversos modelos jurídicos, sob os
quais as entidades de benemerência passaram a assumir. De qualquer forma, tal
ocorrência não representa uma perda ou prejuízo, especialmente, porque a demanda,
proporcionalmente, teria aumentado em muito, pelas causas examinadas ao longo do
trabalho, como, verbi gratia, o fracasso dos planos econômicos, a dificuldade do Estado
em lidar com a massa de necessitados, a insuficiência dos projetos sociais entre outros.
Como observamos, deste estudo, o Estado, como o conhecemos, passa
por uma necessária reformulação de suas atividades, especialmente porque busca alterar a
relação mantida com os cidadãos, justamente para que o mínimo de dignidade seja, então,
permitido. Neste sentido, as mudanças de infra-estrutura, serviços e atendimento
177
acabaram por ser redefinidos ante a nova ordem social criada. As demandas, como dito,
eram realmente crescentes, desta forma, exigia-se do Estado melhor coordenação e
eficiência. O Terceiro Setor, que é essencialmente um setor de serviços, encontrava um
nicho para o desenvolvimento de suas atividades.
O judiciário, através de sua jurisprudência, como constatamos, traz em
seu posicionamento inegável carga de humanidade quando da aplicação destes conceitos,
embora a questão legislativa das imunidades tributárias mereça um direcionamento mais
agressivo aos incentivos destinados à captação de recursos. No Brasil, apesar da timidez
com que os incentivos são tratados em relação às entidades assistenciais, acredita-se que
os primeiros passos tenham sido dados. Com a edição da Emenda Constitucional de
número 53, de 19 de dezembro de 2006, introduziu-se, a partir do parágrafo único do
artigo 23 da Constituição Federal, o sistema federativo cooperativo, onde a busca do
bem-estar nacional é de responsabilidade de todos. Com isto, o bem-estar social, e, por
óbvio as entidades assistenciais buscam, certamente, a proteção constitucional que ganha
mais força.
A interpretação que se faz perante os tribunais, como se depreende de
algumas decisões analisadas, vincula um posicionamento sistemático — permeado por
certo um pragmatismo ideológico — voltado a atender, de certo ponto, as reais
necessidades das entidades assistenciais, isso de um modo geral. Mesmo assim, a
concepção jurídica que se tem a respeito das imunidades leva em conta a própria lei.
Portanto, se não existe norma protegendo os interesses das entidades assistenciais, ao
judiciário não é dado resguardar tais entidades, dada a ausência normativa. De qualquer
forma, no caso brasileiro, não é o que ocorre.
Embora de forma tímida e um tanto quanto burocrática350
, as entidades
assistenciais contam com a proteção do Estado, atraindo para si uma enorme
responsabilidade institucional e social, mesmo sabendo que o Estado divide tais
responsabilidades, embora em um nível mais amplo.
A imunidade tributária assume, como vimos, instrumento de
materialização dos direitos humanos, especialmente porque suas ramificações assentam-
350
Dizemos burocrática, em razão dos inúmeros percalços administrativos que são exigidos à certificação
oficial das entidades assistenciais. Nesta pesquisa, fizemos uma abordagem relativa a alguns procedimentos
junto ao capítulo 5.
178
se nos mais diversos níveis econômicos e sociais, possuindo conotações que vão muito
além de uma simples benesse tributária, ou limitação constitucional ao direito de o Estado
tributar. A repercussão das imunidades tributárias para as entidades assistenciais, é,
portanto, um meio e um fim em nosso sistema tributário nacional, lembrando que estas
podem ser consideradas, ainda, um investimento indireto no setor.
Como debatido nas linhas anteriores, vivemos em um sistema tributário,
onde, o poder de tributar ou não, acaba possuindo um caráter híbrido e heterônomo. A
imunidade, quando de sua concessão visa também um investimento do Estado em seus
planos sociais, embora a gestão, direcionamento e conclusão fique a cargo de algumas
entidades assistenciais. Neste quesito, a imunidade tributária, é, portanto, meio de
consecução de projetos sociais e sistematiza um ciclo de investimentos, sendo, portanto,
meio.
Como finalidade, a imunidade tributária, por sua vez, confere a justa
proteção e limitação constitucional ao poder de tributar do Estado, impedindo, em certos
níveis, a invasão do Estado. De outra banda, como projeto do Estado brasileiro, a
positivação dos direitos sociais confere a faculdade de exigir e mesmo postular junto ao
Estado, o cumprimento dos objetivos e fundamentos constitucionais, voltados ao
atendimento do interesse social. As imunidades, como tal, podem e devem ser exigidas
diante da regra positiva.
As imunidades tributárias, como um todo, não apenas figuram para o
Estado um não fazer — cobrar tributos, por exemplo —, mas também, direcionar? o fazer
estatal, rumo ao atendimento das necessidades mais básicas de seus cidadãos, o que
implica em dizer, proteger as entidades assistenciais que desenvolvem programas
voltados ao atendimento das populações mais necessitadas.
Destas conclusões, note-se, que a aplicação de tal instituto traz junto da
regra imunizante caráter humanizador para as relações econômicas mantidas entre o
Estado e os cidadãos, de forma a não apenas direcionar o sucesso dos planos econômicos
às estatísticas matemáticas. Afinal, o que se busca é o bem-estar social, a promoção da
igualdade, da liberdade e do espírito de solidariedade, que, atualmente, encontra-se
tolhido diante das limitações materiais do próprio Estado e das entidades assistenciais que
se dedicam a um trabalho altruístico como este, ou seja, de auxiliar aquele que não tem as
179
condições mínimas e necessárias a um desenvolvimento justo, regular e principalmente
digno.
180
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