Universidade Estadual de Maringá 07 a 09 de Maio de 2012
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A FORMAÇÃO DO HOMEM EM ATANÁSIO
SILVA, Ruy Gustavo da (UEM)
MELLO, José Joaquim Pereira (UEM)
1 INTRODUÇÃO
O texto tem por objetivo pesquisar a proposta de formação do homem no
cristianismo primitivo, na perspectiva de Santo Atanásio (295-373 d.C.). Nele, a
educação assumiu características morais e religiosas, porque representava respostas às
necessidades de sua época vivenciada por crises que levaram a decadência do Império
Romano. As transformações que ocorreram no mundo romano, entre os séculos III e IV,
deram possibilidades para o cristianismo pensar na educação do homem segundo dois
critérios: o primeiro, a formação do homem tinha por fundamento a imitação de Cristo;
o segundo, os conteúdos da educação, além do religioso, eram de natureza moral. Os
cristãos ensinavam à humildade, a obediência das regras comunitárias, a caridade e as
constantes orações. Também propuseram o desapego aos bens materiais por acreditar
que a salvação dependia da incorporação de valores religiosos.
O cenário do mundo romano e grego nos séculos III e IV era de profundas
transformações. As bases econômicas e sociais da antiguidade clássica sofriam os
impactos da crise do sistema escravista, da diminuição do sistema agrícola e também da
pressão exercida pelos povos germânicos nas fronteiras romanas. Junto ao
desmantelamento de certa ordem social, também se encontrava mudanças no âmbito da
moralidade e da religiosidade, especialmente com a expansão do cristianismo. Foi nesse
ambiente de mudanças no mundo Greco-romano que o cristianismo encontrou espaço
para o seu desenvolvimento, já que ele apresentou respostas para as crises daquele
momento. Dentre elas, os cristãos elaboraram uma proposta formativa segundo novos
valores, tais como: propuseram o abandono das riquezas, a humildade e a submissão do
homem à vontade de Deus, como alternativas para a sociedade.
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É neste contexto que se situa Santo Atanásio (295-373). Natural de Alexandria,
Atanásio é o mais célebre dos bispos alexandrinos e principal defensor da fé em Nicéia
(325), o primeiro Concílio Ecumênico da Igreja que convocado pelo Imperador Flavius
Valerius Constantinus (285-337 d.C). Esse Concílio, além de ter rejeitado outras
crenças que faziam parte do mundo romano, propôs a unidade dos cristãos e o
estabelecimento do cristianismo como única religião.
Atanásio, que participou no Concílio de Nicéia, teve pouca formação nas letras
clássicas, mas o suficiente para aprender algumas línguas como a koiné e o grego
clássico. Essa formação o instrumentalizou a discutir questões candentes do pensamento
cristão. Segundo Frangiotti, Atanásio “se aplicou, desde sua conversão, às sérias e
profundas meditações sobre as Escrituras, que se tornaram, a partir de então, sua
principal fonte de inspiração e saber” (Frangiotti, 2002).
Em sua obra “Contra os pagãos”, Atanásio atacou as práticas consideradas
pagãs, tais como a idolatria e os sacrifícios, que ainda permaneciam vivas em sua época.
. Para o pensador cristão, era necessário mostrar aos adeptos desses cultos, a
superficialidade e as contradições de suas crenças. Ele parece acreditar que as crenças se
originavam em parte na ignorância humana e em parte no desconhecimento dos
chamados textos sagrados.
Que outra forma, efetivamente, os escultores lhes dão a não ser as de homens e mulheres e até de seres bem inferiores e sem razão, pássaros de toda a espécie, quadrúpedes domésticos e selvagens, répteis, tudo o que a terra, o mar e todo o mundo das águas possuem? Como os homens estavam lançados na loucura das paixões e dos prazeres e só viam os prazeres e desejos da carne, e os seus pensamentos estavam ligados a estas coisas insensatas, imaginaram também a divindade sob forma de animais sem razão, segundo a diversidade das suas paixões, e tornaram-se totalmente como deuses (SANTO ATANÁSIO, 2002, p. 72).
Para o bispo de Alexandria, os homens, tendo a razão obscurecida e esquecendo
o conhecimento de Deus, imaginaram coisas aparentes, glorificando a criatura no lugar
do Criador. As superstições, portanto, são provocadas pelos erros dos sentidos. É dos
sentidos do corpo e dos prazeres que deles resultam que se originam as paixões e, por
conseguinte, o pecado (SANTO ATANÁSIO, 2002).
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Segundo Atanásio, com uma vida dedicada aos prazeres, os homens se afastaram
da contemplação das coisas inteligíveis, que estão ligadas a Deus, para buscar no prazer
a meta de vida. Assim, segundo o pensador cristão, se originou o mal e o sofrimento.
Desorientados, os homens perderam o caminho que, em seu entendimento,
poderiam conduzi-los a uma vida virtuosa e feliz. Por isso, fazia-se necessário introduzir
nos homens outra perspectiva que os orientassem no verdadeiro conhecimento. No
cumprimento dessa finalidade, a fé cristã se tornou a referência que nortearia a
formação do homem cristão. Ao repensar os fundamentos da sua educação, os cristãos
rejeitaram a especulação filosófica, do paganismo e afirmaram a fé em Cristo e a
observância de seus mandamentos. Além disso, Santo Atanásio propôs o amor ao
próximo, à igualdade entre os homens e o desapego material como valores educativos.
A proposta formativa dos cristãos pouco se assemelhava aos do mundo clássico,
principalmente da enriquecida elite romana. Se se apropriaram dos meios educativos,
diferenciaram-se quando aos objetivos. Os cristãos, quando interessava aos seus fins, se
apropriaram da cultura clássica e do modelo educativo dos gregos. Valeram-se da
filosofia grega, nela cotejando os elementos que lhes pareciam aproveitáveis
(SPINELLI, 2002).
A educação, na perspectiva do cristianismo primitivo, tinha por objetivo
construir uma nova identidade dos cristãos. Eles conceberam o homem com base em
outra cidadania, a celeste e, para isso, buscavam fundamentar sua proposta pedagógica
na doutrina religiosa. Apoiados nas Escrituras, eles priorizaram mais a ação moral do
que a atividade intelectual. Procuraram, em termos compreensíveis, divulgar a novidade
cristã, elevando a verdade do cristianismo acima de qualquer outra pretensão filosófica
(SPINELLI, 2002).
Ao defender a fé cristã como princípio educativo, Atanásio se fundamentou na
tradição bíblica e nos seus princípios morais. Assim, ao repensar a educação do homem
com vistas a satisfazer suas necessidades, o cristianismo, representado por Atanásio,
estabeleceu a base para o desenvolvimento do mundo ocidental e suas influências ainda
hoje permanecem e podem ser observadas.
O método para o entendimento das fontes, no caso Santo Atanásio, implica no
cotejamento do texto, segundo a perspectiva histórica, para identificar as lutas e
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oposições que levaram o cristianismo e seus representantes a formar um perfil de
homem que correspondesse em suas necessidades materiais e espirituais.
O estudo das práticas morais e dos valores propostos pelo cristianismo
primitivo, especialmente a obra de Santo Atanásio, justifica-se pela influência que
marcou na formação do mundo ocidental e que ainda contém seus traços: seja no âmbito
das relações humanas, nas crenças ou modo de comportamentos. Além disso, permite
resgatar, em face da tecnologia atual, a valorização dos estudos clássicos para a
formação acadêmica daqueles que se propõem a pensar as origens da educação e
especialmente da Antigüidade Clássica.
2 O AUTOR E SUA ÉPOCA
Como é apresentado por Frangiotti (2002), Santo Atanásio, um homem
contundente, apologista e polemista, lutador incansável, nasceu em Alexandria em 295
da era cristã e morreu depois de uma longa e conturbada existência, nesta mesma
Alexandria aos 2 de maio de 373. Se converteu ao cristianismo muito jovem e dedicou-
se a uma séria e profunda meditação sobre as Escrituras.
Atanásio converteu-se ainda na juventude, pois, aos dezessete anos foi escolhido pelo bispo Alexandre para ocupar o cargo de leitor. Em 318, aos 23 anos, torna-se diácono e secretário episcopal. Ainda por Gregório de Nazianzo sabemos que ele se aplicou desde sua conversão, às sérias e profundas meditações sobre as Escrituras, que se tornaram, a partir de então, sua principal fonte de inspiração e saber (FRAGIOTTI, 2002, p.10).
Atanásio viveu períodos conturbados e de perseguições em seu episcopado,
porém, mesmo com tão pouco tempo, possui uma vasta contribuição literária para seu
período, escrevendo inúmeras obras.
Embora levasse vida de peregrino, de exílio em exílio, as vicissitudes ininterruptas não lhe impediram de escrever inúmeras obras. Sua produção literária é ampla abrangendo os gêneros apologéticos, histórico, exegético, homilético e epistolar. Mal se pode pensar como, no meio de tantas tribulações, de uma vida tão agitada, encontrava
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lugar e tempo para redigir tantas obras que exigem calma e reflexão (FRANGIOTTI, 2002, p.22-23).
O autor também é apresentado como um grande homem para seu período, um
verdadeiro exemplo de firmeza e constância na ortodoxia cristã, visto por muitos de
seus fiéis como um verdadeiro herói, um homem de espírito justo, capaz de conduzir o
rebanho em segurança, pelo caminho da verdade e da fé cristã.
A tradição eclesiástica resume o gênio e o caráter de Atanásio como homem extraordinário, afirmando que ele fora, do ponto de vista da defesa da ortodoxia cristã, o maior homem de seu século. Possuía um espírito justo, vivo e penetrante, um coração generoso e desinteressado. Não lhe faltou coragem para transformar-se, aos olhos de seus fiéis, num herói. Persistente, incansável, manteve sempre uma fé viva, um cristianismo viril, simples e nobre. Maior era sua fé que sua erudição (FRANGIOTTI, 2002, p.35).
Toda via, para introduzir no pensamento de Santo Atanásio, antes faz necessário
caminhar pelo contexto histórico que o Império Romano atravessou neste período.
Sendo que, o último período do Império Romano, de 284 a 476, começa com a
ascensão de Diocleciano, quando o governo de Roma se tornou uma autocracia. É
verdade que desde algum tempo, o governo constitucional pouco mais era que uma
ficção, mas a partir dessa data qualquer pretensão de manter a república foi posta de
lado. Tanto na teoria quanto na prática, à mudança foi completa. Não mais prevaleceu a
doutrina de ser o governante um mero agente do senado e do povo, era agora tido como
soberano absoluto, presumindo-se que o povo lhe confiara todo o poder. É
desnecessário dizer que o senado foi abolido por completo do governo, não foi
formalmente abolido, mas reduzido à situação de um conselho municipal. A principal
razão dessas mudanças políticas encontra-se indubitavelmente no declínio econômico
do século III. O povo perdera a confiança em si próprio, como freqüentemente acontece
em tais circunstâncias, e estava pronto a sacrificar todos os seus direitos por um tênue
vislumbre de segurança (ANDERSON, 2002).
Como nos apresenta Anderson (2002), os sucessores de Diocleciano
continuaram a manter o sistema despótico. Os mais conhecidos entre eles foram
Constantino I, Juliano e Teodósio. Constantino é mais conhecido por ter fundado uma
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nova capital, chamada Constantinopla, no lugar da antiga Bizâncio, e pela sua política
de tolerância religiosa para com os cristãos. Contrariamente à crença comum, não fez do
cristianismo a religião oficial do Império, sendo que seus vários editos, expedidos em
313, davam simplesmente ao cristianismo uma igualdade de situação com os cultos
pagãos, pondo fim à política de perseguição. Posteriormente, concedeu certos
privilégios ao clero cristão e determinou que seus filhos fossem educados na nova fé,
mas continuou a manter o culto imperial. Embora tenha sido aclamado pelos
historiadores da Igreja como Constantino o Grande, sua ação favorável ao cristianismo
foi originalmente ditada por motivos políticos. Uma geração após a morte de
Constantino, o imperador Juliano tentou estimular uma reação pagã. Sofrera a influência
da filosofia neoplatônica e considerava o cristianismo um produto de superstições
judaicas. Como último dos grandes imperadores pagãos, foi estigmatizado pelos
historiadores cristãos com o nome de Juliano, o Apóstata. Outro soberano proeminente
de Roma, nesse período de declínio, foi Teodósio I. A principal importância deste
reinado reside em seu decreto de 380, ordenando que se tornassem cristãos todos os
seus súditos, e alguns anos depois condenou a participação em qualquer dos cultos
pagãos como um ato de traição.
Em relação ao ambiente cultural e literário, os poucos trabalhos literários dessa
época se caracterizam por uma demasiada preocupação com a forma e pelo descuido do
conteúdo. Uma retórica estéril e artificial tomou, nas escolas, o lugar do estudo dos
clássicos, ao passo que a ciência se extinguia completamente. À parte, os ensinamentos
dos Padres da Igreja, junto a Santo Atanásio, que serão discutidos mais adiante, a
filosofia dominante da época era o neoplatonismo. O primeiro dos ensinamentos básicos
deste último era o emanatismo, no qual tudo o que existe procede de Deus numa
corrente contínua de emanações. A fase inicial do processo é a emanação da alma do
mundo. Desta provém as Idéias divinas ou formas espirituais e depois as almas das
coisas particulares. A emanação final é a matéria, mas esta não tem forma ou qualidade
própria, é simplesmente a privação do espírito. Segue-se que a matéria deve ser
desprezada como símbolo do mal e da escuridão. A segunda grande doutrina
neoplatônica era o misticismo. A alma do homem constituía originalmente uma parte de
Deus, mas separou-se dele devido a sua união com a matéria. O mais alto fim da vida
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seria a reunião mística com o divino, que pode ser realizada pela contemplação e pela
libertação da alma da sua condição de escrava da matéria. Conseqüentemente o terceiro
ensinamento principal dessa filosofia era o asceticismo (MEEKS, 1997).
O neoplatonismo ganhou presença através de Plotino. Nos últimos anos de sua
vida ele ensinou em Roma e fez muitos discípulos entre as classes superiores, sendo que
cada um deles passou a substituir a estrutura clássica da filosofia em diversas
superstições. A despeito do seu ponto de vista antiintelectual e da sua completa
indiferença pelo estado romano, o neoplatonismo tornou-se tão popular em Roma, nos
séculos III e IV, que quase suplantou o estoicismo1. Dessa forma se exprime a extensão
do declínio social e intelectual experimentado pela nação romana.
A queda de Roma não ocorreu de forma súbita, mas prolongou-se durante cerca
de dois a três séculos, sendo que o sistema econômico, social e político do Império
Romano correspondem às necessidades do mesmo nos dois primeiros séculos da Era
Cristã, mas a partir do século III começou uma crise que levou esse sistema à
desintegração no século V.
A economia do Império baseava-se no trabalho escravo, tanto em Roma como
nas províncias. Toda a produção vinha das grandes propriedades de terra, ou seja, os
latifúndios. As mercadorias eram vendidas nas cidades e, sobretudo no mercado
internacional, sendo que o Mar Mediterrâneo servia de laço de união desse mercado.
Esse sistema de produção dava muitos lucros aos proprietários de terra e aos
comerciantes. E o governo recolhia grandes somas em impostos. Com esses recursos, o
Estado pagava a administração pública e sustentava os legionários. Os salários dos
legionários aumentavam constantemente, e a eles cabia uma função muito importante,
uma vez que, através das guerras de conquista ou das expedições em territórios além das
fronteiras, eles abasteciam de escravos o Império.
Deste modo, pode-se perceber toda a degradação que o Império atravessava.
Dentro de toda a crise o Estado não consegue mais atender as demandas do povo, não
1Segundo Abbagnano (2007, p.437): Uma das grandes escolas filosóficas do período helenista, assim chamada pelo pórtico pintado (Stoá poikíle) onde foi fundada, por volta de 300 a.C., por Zenão de Cício. Os principais mestres dessa escola foram, além de Zenão, Cleante de Axo e Crisipo de Soles. Com as escolas da mesma época, epicurismo e ceticismo, o E. compartilhou a afirmação do primado da questão moral sobre as teorias e o conceito de filosofia como vida contemplativa acima das ocupações, das preocupações e das emoções da vida comum. Seu ideal, portanto, é de ataraxia ou apatia.
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respondendo as necessidades vigentes, sendo assim, o mesmo começa a definhar frente
às novas realidades que surgem (ANDERSON, 2007).
Um Novo e singular problema surgia neste período: o religioso, no qual
prevalecia um debate sobre a idéia da divindade de Cristo. Embora Tertuliano tivesse
outorgado à igreja a idéia de que Deus é uma única substância e três pessoas, de
maneira alguma isso serviu para que o mundo tivesse compreensão adequada da
Trindade. O fato é que essa doutrina confundia até os maiores teólogos.
Logo no início do século IV, Ário, presbítero de Alexandria, no Egito, afirmava
ser cristão, porém, também aceitava a teologia grega, que ensinava que Deus é um só e
não pode ser conhecido. De acordo com esse pensamento, Deus é tão radicalmente
singular que não pode partilhar sua substância com qualquer outra coisa: somente Deus
pode ser Deus. Na obra intitulada Thalia, Ario proclamou que Jesus era divino, mas não
era Deus. De acordo com Ario, somente Deus, o Pai, poderia ser imortal, de modo que o
Filho era, necessariamente, um ser criado. Ele era como o Pai, mas não era
verdadeiramente Deus.
Muitos ex-pagãos, agora convertidos ao cristianismo, se sentiam confortáveis
com a opinião de Ario, pois, assim, podiam preservar a idéia familiar do Deus que não
podia ser conhecido e podiam ver Jesus como um tipo de arquétipo, não muito diferente
dos heróis humanos-divinos da mitologia grega, por exemplo, como Hércules.
Alexandre, bispo de Ário, entendia que para que Jesus pudesse salvar a
humanidade pecaminosa, ele precisava ser verdadeiramente Deus. Alexandre conseguiu
que Ário fosse condenado por um sínodo, mas esse presbítero, muito popular, tinha
muitos adeptos. Logo surgiram vários distúrbios em Alexandria devido a essa disputa
teológica, e outros clérigos começaram a se posicionar em favor de Ário.
Em função desses distúrbios, o imperador Constantino não podia se dar ao luxo
de ver o episódio simplesmente como uma "questão religiosa". Essa "questão religiosa"
ameaçava a segurança de seu império. Assim, para lidar com o problema, Constantino
convocou um concilio, a ser realizado na cidade de Nicéia, na Ásia Menor.
Embora Ário tivesse ficado temporariamente fora do cenário, sua teologia
permaneceria por décadas. Um diácono de Alexandria chamado Atanásio tornou-se um
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dos maiores opositores do arianismo. Em 328, Atanásio tornou-se bispo de Alexandria e
continuou a lutar contra a doutrina posta por Ário.
No entanto, a guerra continuou na igreja do Oriente até que outro concílio,
realizado em Constantinopla, no ano 381, reafirmou o Concilio de Nicéia. Ainda assim,
traços dos pensamentos de Ário permaneceram na igreja.
O Concilio de Nicéia foi convocado tanto para estabelecer uma questão
teológica quanto para servir de precedente para questões da igreja e do Estado, além de
propor a unidade dos cristãos e o estabelecimento do cristianismo como única e oficial
religião. A sabedoria coletiva dos bispos foi consultada nos anos que se seguiram,
quando questões espinhosas surgiram na igreja. Constantino deu início à prática de unir
o império e a igreja no processo decisório.
3 A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO EM ATANÁSIO
Santo Atanásio foi uma figura muito importante neste processo de crise e
transição do Império Romano, uma vez que lançou mão de novos conceitos e propôs
uma nova formação cristã na Era Patrística. Reconhecido como um dos maiores e mais
ilustres padres e doutores da Igreja, foi o maior nome na defesa do Credo de Nicéia, o
pilar da ortodoxia cristã. Nasceu em Alexandria em 295 de nossa era e morreu aos 78
anos de idade em 2 de maio de 373 (FRAGIOTTI, 2002).
No ambiente de degradação social, econômica e política do mundo romano, o
cristianismo encontrou espaço para o seu desenvolvimento, uma vez que oferecia
respostas para as crises porque passavam: propuseram o abandono das riquezas, a
humildade e a submissão à vontade de Deus, como alternativas para o homem e a
sociedade. Neste contexto, estava o Santo Alexandrino, o qual teve pouca formação nas
letras clássicas, mas o suficiente para aprender algumas línguas como a koiné e o grego
clássico (FRANGIOTTI, 2002).
Segundo Frangiotti (2002), Atanásio “converteu-se ainda na juventude, pois, aos
dezessete anos foi escolhido pelo bispo Alexandre para ocupar o cargo de leitor. Em
318, aos 23 anos, torna-se diácono e secretário episcopal. Ele se aplicou desde sua
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conversão, às sérias e profundas meditações sobre as Escrituras, que se tornaram, a
partir de então, sua principal fonte de inspiração e saber” (Frangiotti, 2002).
Em sua obra “Contra os pagãos”, Atanásio ataca as práticas consideradas pagãs,
tais como a idolatria e os sacrifícios, que ainda permaneciam mesmo depois do Concílio
de Nicéia, que havia proibido essas práticas. Para o pensador cristão, era necessário
mostrar aos adeptos desses cultos, a superficialidade e as contradições de suas crenças.
Que outra forma, efetivamente, os escultores lhes dão a não ser as de homens e mulheres e até de seres bem inferiores e sem razão, pássaros de toda a espécie, quadrúpedes domésticos e selvagens, répteis, tudo o que a terra, o mar e todo o mundo das águas possuem? Como os homens estavam lançados na loucura das paixões e dos prazeres e só viam os prazeres e desejos da carne, e os seus pensamentos estavam ligados a estas coisas insensatas, imaginaram também a divindade sob forma de animais sem razão, segundo a diversidade das suas paixões, e tornaram-se totalmente como deuses (SANTO ATANÁSIO, 2002, p. 72).
Para o bispo de Alexandria, os homens, tendo a razão obscurecida e esquecendo
o conhecimento de Deus, imaginaram coisas aparentes, glorificando a criatura no lugar
do Criador. As superstições, portanto, são provocadas pelos erros dos sentidos (SANTO
ATANÁSIO, 2002).
Segundo Atanásio (2002), fazia-se necessário introduzir os homens em uma
outra perspectiva: a da fé cristã. Para isso, exigia repensar sua educação com base nos
fundamentos cristãos, dos quais se destacam: a rejeição à especulação filosófica, como a
filosofia grega, e o próprio título da obra “Contra os Pagãos” propõe isso, que na
verdade em sua tradução original, se lê “Contra os Helenos, isto é, os gregos”
(FRAGIOTTI, 2002); a rejeição ao paganismo; exaltação do espírito e desprezo do
corpo; afirmação da fé em Cristo e a observância de seus mandamentos. Além disso,
tinha como proposta estimular o amor ao próximo, à igualdade entre os homens e o
desapego material. Muitos desses princípios eram divergentes da vida cotidiana da
enriquecida elite romana daquele período.
A educação, na perspectiva de Atanásio, tinha por base construir uma nova
identidade dos cristãos, em todos os níveis, quer no social, religioso e no moral. Ele
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concebeu o homem com base em uma outra cidadania, a celeste e, para isso, buscavam
fundamentar sua proposta pedagógica na doutrina religiosa.
Atanásio buscando fundamentar uma proposta de vida voltada a Deus e nos
valores cristãos, procura apresentar a fraqueza dos homens ao se afastar de Deus, se
abandonando em suas paixões e desejos sensíveis. Deixando a contemplação superior,
ou seja, espiritual, e vivendo apenas pelas coisas corporais.
Tal foi dito, o Criador tinha formado o gênero humano e quis que permanecesse. Mas os homens, negligenciando as realidades superiores e lentos para compreendê-las, procuraram de preferência aquelas que estavam mais próximos deles. Ora, o que está mais próximo, é o corpo e seus sentidos: assim desviaram o seu espírito dos inteligíveis e se olharam para se considerarem eles próprios. Considerando-se a si próprios, apegando-se aos seus corpos e às outras coisas sensíveis, e enganando-se, por assim dizer, na sua própria causa, chagaram a se desejar a si próprios, preferindo seu próprio bem à contemplação das realidades divinas. Eles permaneceram aí, recusando a se afastar dos prazeres imediatos, aprisionaram a sua alma nas volúpias corporais que a deixaram perturbada e enlameada em toda a espécie de desejos; porque eles haviam completamente esquecido o poder que no início tinham recebido de Deus (SANTO ATANÁSIO, 2002, p. 48-49).
O bispo alexandrino a partir de uma nova proposta de educação, de formação do
homem, sempre apresenta os valores corporais como sendo inferiores aos espirituais.
Conforme a proposta do cristianismo se dá a valorização da alma, do espírito, e em
contraposição uma grande desvalorização ou até negação do corpo.
Sem se contentar de ter inventado o mal, a alma humana a pouco e pouco foi-se lançando no pior. Aprendeu a variedade dos prazeres e mergulhando no esquecimento das coisas divinas, fez consistir o seu prazer nas paixões do corpo e somente nos bens presentes; olhando para suas aparências, acreditou que nada existisse se não o que se vê, e que só as coisas passageiras e corporais era o bem (cf. 2Cor 4, 18) (SANTO ATANÁSIO, 2002, p. 55).
Para a realização deste projeto de educação neste período, a base e
fundamentação é sempre voltada para as sagradas escrituras, sendo que esta passa a ser
a fonte de inspiração para a educação e o meio de regulamentação da vida social em
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todos os ambientes. As escrituras são as principais fontes de alimento intelectual para o
autor estudado, como pode ser visto:
Toda esta loucura dos ídolos, a Escritura o tinha predito antigamente e desde há muito tempo, quando dizia: “A idéia de fazer ídolos foi o principio da fornicação, e a sua invenção a perda da vida. Não existiam no principio e nem durarão para sempre. Foi à vaidade dos homens que os introduziu no mundo, por isso foi decidida para breve a sua destruição [...] Tudo isto, a Escritura inspirada por Deus no-lo prega de maneira muito mais clara e forte; e é fundamentada nela que escrevemos com plena segurança; e se tu a lês poderás te persuadir do que dizemos. Um discurso apoiado em razão mais forte oferece-nos uma demonstração irrefutável (SANTO ATANÁSIO, 2002, p. 61).
Toda inteligência provém de Deus, ou seja, só Deus é a fonte da inteligência e
fora dele o homem não pode alcançar a verdadeira sabedoria, como diz Santo Atanásio
(2002, p. 90): “Porque negar a Deus, o autor e o criador da inteligência é não ter
inteligência”.
O autor também tem uma grande preocupação em apresentar Jesus como modelo
de homem, de vida e de plenitude. Uma herança que provém não só da idéia do
cristianismo, mas também de toda a luta travada entre o bispo alexandrino e o presbítero
Ário, sendo assim, Atanásio empenha grande força em apresentar o Verbo de Deus, ou
seja, Jesus, como o grande e ideal modelo a ser seguido e imitado por todos, uma vez
que é Deus e se tornou homem para salvar a humanidade, e a partir disso, se torna um
ícone de perfeição para ser alcançado.
Quem, portanto, poderia contar todos os atributos do Pai, para descobrir o poder do Verbo? Ele é o Verbo e a Sabedoria do Pai e ao mesmo tempo condescende com as criaturas, e para dar-lhes a conhecer seu Pai, ele se faz a própria santidade e a vida, a porta, o pastor, o caminho, o rei, o guia e, enfim e sobretudo o salvador, o vivificante, a luz e a providência universal. Ora, tendo o Pai este Filho tão bom e demiurgo, provindo dele mesmo, não o escondeu para que ficasse invisível às criaturas, mas todos os dias o revela a todos pela ordem e a vida que reinam em toda a parte graças a ele. É nele e por ele que se manifesta, como diz o Salvador: “Eu estou no Pai e o Pai está em mim”(Jo 14,10) de modo que necessariamente o Verbo está naquele que o gerou e o gerado está eternamente com seu Pai. E sendo assim, e nada subsistindo fora dele, mas o céu e a terra e todos o seres neles contidos estão ligados a ele, entretanto os homens
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na sua loucura recusaram o conhecimento e a piedade a seu respeito, e honraram o que não existe no lugar do que existe e no lugar do Deus que existe realmente, eles divinizaram o nada, “adorando a criatura no lugar do Criador”(Rm 1,25), eis a loucura e a impiedade. É como se alguém admirasse uma obra e não o artista que a fez, admirasse os edifícios duma cidade e desprezasse o arquiteto ou elogiasse um instrumento de música e rejeitasse aquele que o fez e afinou. Loucos e cegos! (SANTO ATANÁSIO, 2002, p. 115-116).
Com essas características, o cristianismo propôs uma formação que se distinguia
da educação clássica. Ela era fundamentada na tradição bíblica e em princípios morais.
Sendo que o homem era convidado a ignorar as coisas externas a sua alma, e sempre
buscar as respostas em seu interior, em seu espírito, pois é somente lá que ele pode ter
acesso a verdade. Deus habita dentro do homem e este deve mergulhar dentro de si para
encontrar-lo e contemplar a verdadeira sabedoria. Essa era a idéia transmitida pelo
cristianismo primitivo, em especial nas obras de Santo Atanásio, sobre a formação do
homem na realidade em que se encontrava. Ao repensar a educação do homem com
vistas a satisfazer suas necessidades espirituais e econômicas, o cristianismo estabeleceu
a base para o desenvolvimento do mundo ocidental e suas influências ainda hoje
permanecem e podem ser observadas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados do estudo indicam, a princípio, que Santo Atanásio representava
naquele momento a defesa das idéias e valores do cristianismo. Essa opção do autor não é
uma ação isolada, de caráter pessoal: ela é histórica. É histórica porque se verifica, ao
longo dos séculos III e IV d.C., a transformação do mundo antigo: as sociedades grega e
romana apresentavam profundas mudanças internas no âmbito econômico, político, social
e intelectual. Assim, a posição assumida e defendida por Atanásio já representa o
predomínio de outra forma de vida que não corresponde mais à antiguidade clássica. Em
lugar de defender a especulação filosófica e os modelos políticos ainda vigentes, os
cristãos privilegiaram uma vida simples, em pequenas comunidades. Eles acreditaram,
sobretudo, na preparação moral e religiosa para uma vida feliz, mas não neste mundo.
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Além disso, no cumprimento dessa finalidade, o autor manifestou a preocupação
em apresentar Jesus Cristo como modelo de homem, de vida e de plenitude. Ele era o
grande ideal e modelo a ser seguido e imitado por todos.
Atanásio propôs uma educação centrada na defesa dos valores espirituais e na
negação dos valores materiais. Ele concebeu uma proposta educativa que tinha a finalidade
de preparar o homem segundo os ideais representados pelo cristianismo. Nesse caso, ao
rejeitar os prazeres do corpo como meta de vida, Atanásio entendeu que o caminho estava
no preparo da inteligência, já que ela é capaz de compreender a natureza divina.
Essa proposta formativa, que tinha como fundamento a busca pelas verdades
cristãs, representava uma nova concepção da natureza humana: o homem é imagem de
Deus. Diferente dos gregos e romanos, cuja concepção estava fundamentada na capacidade
racional de entendimento e na participação do indivíduo na vida política, os cristãos
compreenderam o homem a partir de uma nova cidadania, a celeste. Os esforços por eles
realizados tinham o propósito de ajustar a vida segundo a crença na salvação, por isso,
propuseram uma educação que os preparassem para essa finalidade.
Assim, ao conceber este mundo sujeito ao pecado e ao sofrimento, Santo Atanásio
articulou uma nova educação, cuja prioridade era educar com base nos princípios
religiosos e morais.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2007. FRANGIOTTI, Roque. História das heresias: séculos I-VII: conflitos ideológicos dentro do cristianismo. São Paulo: Paulus, 1995. _________, Introdução. In. SANTO ATANÁSIO. Contra os pagãos - A encarnação do Verbo - Apologia ao imperador Constâncio - Apologia de sua fuga - Vida e conduta de S. Antão. São Paulo: Paulus, 2002.
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SANTO ATANÁSIO. Contra os pagãos - A encarnação do Verbo - Apologia ao imperador Constâncio - Apologia de sua fuga - Vida e conduta de S. Antão. São Paulo: Paulus, 2002. SPINELLI, Miguel. Helenização e recriação de sentidos: a filosofia na época da expansão do cristianismo – séculos II, III e IV. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
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