A CAMINHO DE BOMBAIM
Ruth Jeyaveeran
A meio da noite, o macaco de Shoba, Patel, o Peludo, fez-lhe cócegas na face. Patel estava todo coberto de pelo, exceto num pedacinho da cauda, que Shoba utilizava como pega para o transportar.
— Temos de partir para Bombaim, hoje à noite — disse Patel. — A minha querida prima Poori casa-se amanhã.
— Adoro casamentos! — exclamou Shoba, que já tinha ido uma vez à Índia, com os pais, a bordo de um jumbo.
— Shh… — sussurrou Patel. — Este casamento é ultrassecreto. A presença de pessoas vulgares seria considerada extremamente inoportuna.
Shoba sabia que Patel era algo snobe. Contudo, antes que pudesse levantar objeções ao que ele dissera, já o macaco desenrolara um mapa da Índia.
— Enquanto dormias, estive a assinalar o destino da nossa viagem.
— Vamos levar antes a nossa cama. Os aviões são tão abafados — queixou-se Shoba, enquanto se metia debaixo dos cobertores.
Envolta numa nuvenzinha de fumo, a cama deu um salto, começou a zumbir e a rodar, e lá foram eles pela noite fora. Algumas horas mais tarde, aterraram com suavidade num local longe de Bombaim.
— Meu Deus! — exclamou Patel, torcendo a cauda. — Parece que os meus cálculos estavam incorretos. Seria uma catástrofe chegarmos atrasados ao casamento e perdermos as canções, as danças e a comida deliciosa!
Um camelo curioso, de nome Ismael, ouviu Patel e ofereceu-se para os levar a Bombaim. Enquanto se arrastavam pelo deserto árido, Shoba ficou cheia de
calor e de sede. Finalmente, encontraram o caminho para Bombaim e um rapaz chamado Anil, que vendia sumo de coco fresco. Mal
Shoba bebeu um pouco, sentiu-se logo invadida por uma cascata de água fresca da cabeça aos pés.
Enquanto sorvia as últimas gotas, teve uma ideia e sorriu.
— Vamos convidar o Ismael e o Anil para o casamento — sugeriu.
— Nem pensar! Iam aborrecer-se imenso! — disse Patel, de forma brusca, enquanto saltava da bossa do camelo. — Aliás, agora que estamos no caminho certo
para Bombaim, não precisamos de os incomodar mais. Muito obrigado, caro camelo, e adeusinho!
Shoba apertou a mão de Anil e deu a Ismael um beijo cheio de areia.
Momentos mais tarde, Shoba e Patel tiveram de parar para deixar passar uma manada de elefantes. O
macaco torceu a cauda, impaciente.
— Que maçada! — exclamou.
— Desculpem, mas estamos atrasados para um casamento — disse Shoba, de forma educada, a um
elefante. Em seguida, subiu pela tromba, correu pelo dorso e saltou para o outro lado da estrada.
— Espera por mim! — chamou Patel.
Depois, virando-se para o elefante, disse:
— Para o caso de se pôr com ideias, aviso-o já de que este casamento vai ser bastante enfadonho. Não vai
haver canções nem danças, e as porções de comida serão demasiado pequenas para um elefante.
Ao virar da esquina, Shoba deparou com um grupo de monges, que pareciam flutuar sobre a estrada.
— É este o caminho para Bombaim? — perguntou a um deles. — Estamos à procura
de uma grande festa de casamento.
O monge não respondeu.
— Fizeram voto de silêncio — murmurou Patel, que acrescentou, num tom de voz mais
elevado:
— De certeza que estes sábios monges preferem passar o tempo em oração, jejum e
contemplação do que em canções, danças e comida saborosa. Não devemos importuná-los com perguntas
sem importância.
Um pouco mais adiante, Shoba e o macaco encontraram um velho sentado
junto de um grande cesto.
De repente, a tampa do cesto saltou.
Antes que Shoba gritasse, o encantador de serpentes disse-lhe:
— Não tenhas medo de Asha! Os ruídos alteram a sua digestão.
Entretanto, Patel e Asha tinham começado a dançar o tango e o velho tocou uma melodia popular com a flauta,
em jeito de acompanhamento.
— A que distância fica Bombaim? — perguntou Shoba. — Vamos ao casamento de um macaco.
— Que evento mais interessante! — exclamou o encantador de serpentes, batendo palmas.
— De modo algum! — apressou-se a dizer Patel. — Tenho a certeza de que será um acontecimento assaz infeliz, sobretudo para uma serpente com um temperamento artístico e um estômago sensível. Nunca me perdoaria se a cauda de Asha fosse pisada durante as danças.
— Bombaim fica na direção oposta — disse o homem. — Mas não se preocupem, porque o Expresso de Bombaim deve estar mesmo a chegar.
Nesse momento, a camioneta chegou. Correndo o mais depressa que podia, Shoba agarrou em Patel, fechou os olhos e saltou.
Anoitecia quando, finalmente, chegaram a Bombaim. Viram passar carros, motas, bicicletas, cães, vacas, ratazanas, galos e riquexós. Os saris brilhantes das mulheres flutuavam como asas de borboletas.
Patel acercou-se de uma delas e perguntou:
— Desculpe, por acaso viu
uma tenda às riscas?
— Há uma ao fundo da rua. É uma tenda de
casamento? — perguntou a mulher, curiosa.
— É, mas vai ser um dos casamentos
mais enfadonhos da história do universo —
respondeu o macaco, afastando-se dela,
apressado.
Diante da tenda, os primos de Patel, Cecil, Kumar e Raja, tocavam música de macacos. Patel olhou em volta, excitado:
— Onde estão os distintos convidados?
— Bem — disse Kumar — os Balrajes têm a avó macaca doente, os Tamarinds estão à espera de um bebé, os Jaipurs foram de férias para Bali e…
— Valha-me Deus! — interrompeu Patel, torcendo a cauda. — Este casamento vai ser um desastre de proporções catastróficas.
Porém, antes que o macaco torcesse a cauda de vez, Shoba exclamou:
— Olha! Acho que os convidados estão a chegar!
E, de facto, aproximavam-se Ismael e Anil, uma manada de elefantes, um grupo de monges, o encantador de serpentes, a cobra Asha e mulheres de saris brilhantes como asas de borboletas. Foi a melhor festa de casamento a que Shoba e Patel tinham jamais assistido. Havia no ar um cheiro a doces e a salgados e todos comeram pratos típicos. Depois, começaram as canções e as danças. Poori e o marido, Bikram, deram a cada convidado uma pena de pavão luzidia, antes de entrarem para o riquexó que os levaria para a lua de mel.
Na manhã seguinte, Shoba acordou sobressaltada. Na almofada a seu lado, Patel, o Peludo, ressonava suavemente e sonhava com as amizades que tinham feito a caminho de Bombaim.
Um mapa da Índia e da viagem de Shoba e
Patel
O sumo fresco do coco é translúcido e doce, retirando-se do coco verde antes deste ficar castanho.
Sari é a roupa tradicional usada pela mulher indiana. É feito de uma longa peça de tecido que é dobrada e enrolada à volta do corpo.
Riquexó é um pequeno carrinho puxado por uma pessoa, a pé ou de bicicleta, normalmente usado para deslocações curtas.
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