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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade
23 a 25 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR)
GT04 - Políticas Públicas e Direitos Humanos
Modos de Organização das Práticas Institucionais no Cesef: uma análise genealógica.
Adriana Elisa de Alencar Macedo
UFPA (Universidade Federal do Pará)
2012
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INTRODUÇÃO
O interesse em elaborar esta pesquisa vem ao longo de minha graduação e
carreira profissional, pois aproximadamente há seis anos eu trabalho como Psicóloga
na Fundação de Atendimento socioeducativo do Pará (Fasepa) em um Centro de
Internação Provisório de Adolescentes Masculinos em Belém e no meu dia-a-dia
observo práticas institucionais na Fundação que quero analisar, além disto, questões
de gênero, infância e adolescência são interesses que me acompanha desde a
graduação, somado a isto, esta pesquisa está vinculada a uma pesquisa maior
realizada com as Coordenações do Prof. Dr. Luís Antônio Francisco de Souza e Profª.
Drª. Flávia Cristina Silveira Lemos, vinculada ao CNPQ, cujo titulo é “A Construção
Social da Vitimização: Perfil das mulheres vítimas de violência no sistema de justiça
criminal – Uma análise comparada São Paulo e Pará”. Desde março de 2011 participo
do grupo de estudos “transversalizando”, sob a coordenação da professora Dra. Flávia
Cristina Silveira Lemos, o que fomentou mais ainda meus motivos e que me levou a
questionar quais são os modos de organizações das práticas institucionais dirigidas às
adolescentes que cumprem a medida socioeducativa (MSE) de internação.
O tema desta pesquisa faz parte do habitual que se entrecruza com uma
cadeia política, como os juizados, os conselhos tutelares, os abrigos, os Cras e Creas
e etc, todavia, não explanaremos aqui sobre essa cadeia politica e sim, vamos nos
referir à organização das práticas dirigidas às adolescentes que estão privadas de
liberdade pelo fato de terem infringido a lei e se encontrarem no Centro
Socioeducativo Feminino (Cesef) no Estado do Pará. Esta pesquisa é um estudo do
cotidiano, é uma inquietação, mas não é uma inquietação vazia, pois é um tema atual
que cresce cada vez mais no meio acadêmico e na sociedade.
Escolhemos pesquisar sobre adolescentes do sexo feminino por serem
escassas as pesquisas relacionadas às adolescentes e mulheres que são autoras de
delitos. Além disso, não existem pesquisas femininas no enfoque Foucaultiano no
Pará.
Essa pesquisa também irá contribuir para a elaboração de políticas públicas
em consonância ao II plano nacional de políticas para as mulheres encarceradas e
relatório do grupo de trabalho voltado para as mulheres encarceradas.
A emergência da noção de gênero encontra-se implicada linguística e
politicamente nas lutas dos movimentos feministas contemporâneos. Quando se fala
do movimento feminista como um movimento social organizado, geralmente invoca-se,
no Ocidente, o sufragismo no século XIX, (reivindicação de mulheres pelo direito ao
voto), como a “primeira onda do feminismo”. Na chamada “segunda onda”, década de
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1960, o conceito de gênero aparece no âmbito do debate como preocupação teórica
além das preocupações sociais e políticas (LOURO, 2007).
Joan Scott (1995), historiadora, referência nos estudos feministas, elaborou a
noção de gênero como categoria analítica tomando como ponto de partida críticas
tanto às abordagens dos estudos feministas que descreviam as condições de vida e
de trabalho das mulheres, quanto aos estudos com dimensões explicativas, que se
fundamentavam nas teorias marxistas, com base no argumento de que a emancipação
das mulheres seria efetivada com o enfrentamento das causas centrais de sua
opressão. Segundo a autora, as abordagens descritivas utilizavam o termo gênero
como conceito associado aos estudos sobre coisas relativas às mulheres, lidando
superficialmente sobre as formas como as relações eram construídas e o modo como
funcionavam, buscando conseguir legalidade acadêmica nos anos 80, com uma
conotação mais neutra que “mulheres”, enquanto as abordagens explicativas ao tentar
elucidar as origens do patriarcado tratavam o gênero como uma categoria ahistórica,
universal, fora de construções sociais e culturais.
Desse modo, Scott (1995) propôs a noção de gênero como categoria analítica,
sendo um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças entre os
sexos e como uma forma primária de dar significado às relações de poder. O conceito
passa a servir como ferramenta analítica e política, inserindo um apelo relacional e,
embora os estudos priorizassem as análises sobre mulheres, estavam, nessa
acepção, referindo-se também aos homens.
Após referir um pouco sobre a questão de gênero, falaremos sobre a
problematização desta.
Problematizaremos estas práticas à luz dos aportes de Michel Foucault,
utilizando o método genealógico. Buscaremos ao longo deste projeto interrogar os
modos de organização das práticas institucionais dirigidas às adolescentes que
cumprem medida socioeducativa na internação.
Nos inquieta pensar sobre esses modos de organização das práticas
institucionais que são realizadas no Cesef, por este motivo perguntamos o que
pensam os profissionais que ali atuam? Quais os desdobramentos dos atendimentos
realizados? Quais os efeitos dessas práticas nas adolescentes que cumprem a medida
socioeducativa de internação? E, de que forma elas lidam com a maneira com que são
atendidas?
A escolha da genealogia não foi ingênua. Antes da genealogia, Michel Foucault
utilizava a arqueologia, em que se preocupava com as regras que regiam as praticas,
ou seja, a teoria prevalecia sobre as praticas e as instituições, posteriormente ele
passa a priorizar a pratica sobre a teoria.
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Logo, nesta pesquisa cabe a análise genealógica, pois não buscamos o porquê
e sim pretendemos problematizar e interrogar esses modos que organizam tais
práticas institucionais, pensando na construção e na origem do lugar onde a
adolescente que comete um ato infracional ocupa.
Nesta tarefa, escolheremos séries de documentos que nos permitirão analisar
os efeitos das práticas dirigidas às adolescentes através de uma perspectiva
genealógica, pois “A genealogia, como análise da proveniência está (...) no ponto de
articulação do corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de
história e a história arruinando o corpo” (Foucault, 1993, p. 22). Ainda sobre a
genealogia:
A genealogia busca a origem dos saberes, ou seja, da
configuração de suas positividades, a partir das condições de
possibilidades externas aos próprios saberes; ou melhor, considera-
os como elementos de um dispositivo de natureza essencialmente
estratégica. Procura-se a explicação dos fatores que interferem na
sua emergência, permanência e adequação ao campo discursivo,
defendendo sua existência como elementos incluídos em um
dispositivo político.
Neste sentido, esta tarefa investigativa buscará a origem dos saberes
produzidos nos modos de como as práticas institucionais se organizam, incorporando
uma análise interrogativa, escutando e prestando atenção a cada detalhe dito,
contextualizando-as historicamente e socialmente, abrindo espaços para contínuos
questionamentos.
Poderíamos ter escolhido trilhar por todas as medidas socioeducativas e mais a
internação provisória, todavia, este tema é amplo e precisa de folego maior para ser
pesquisado, por este motivo escolhemos apenas a internação. Pretendemos
desenvolvê-lo mais detalhadamente. Por nos interessar pensar nas práticas que são
desenvolvidas no Pará na medida de internação feminina, este recorte nos traz
lacunas, por isso sugerimos outras pesquisas a respeito deste tema.
Após explanar sobre o que nos motivou a fazer esta pesquisa, daremos
continuidade realizando uma síntese sobre as histórias institucionais para crianças e
adolescentes no Brasil.
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SÍNTESE DAS HISTÓRIAS INSTITUCIONAIS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NO BRASIL.
As instituições para a educação de meninos surgiram no Brasil colonial com a
ação educacional jesuítica, que implantou escolas elementares (de ler, escrever e
contar) para crianças pequenas das aldeias indígenas e vilarejos e criou colégios, para
a formação de religiosos e instrução superior de filhos das camadas mais
privilegiadas. Na segunda metade do século XVIII outros religiosos instalaram
seminários, colégios para órfãos e recolhimento de órfãos.
No período colonial surgiu o sistema Rodas de Expostos, iniciativa tomada pela
Santa Casa de Misericórdia, onde recebiam bebês abandonados, porém foi extinta na
República.
As meninas órfãs e desvalidas dos séculos XVIII e XIX contavam com a
proteção dos recolhimentos femininos, criados por religiosos.
No Pará, o bispo D. Manoel de Almeida Carvalho instalou em 1804 na Casa de
Caridade, 15 meninas indígenas com o intuito de educa-las.
O colégio da Imaculada Conceição acolheu em espaços separados “órfãs
brancas” e as “meninas de cor”, fundado em 1854 o estabelecimento “Órfãs Brancas
do Colégio Imaculada Conceição” e em 1872 o Orfanato Santa Maria.
Diante de tanta preocupação e cobrança do poder público quanto à infância e
juventude em 1923 foi aprovado o regulamento da assistência e proteção aos menores
abandonados e delinquentes. Quatro anos depois se criou no Rio de Janeiro o
primeiro juízo de menores do Brasil e a aprovação do Código de Menores em 1927,
idealizado por Mello Mattos, este juízo tinha diversas funções além da internação de
menores abandonados e delinquentes.
Até meados do século XX, os asilos femininos mantiveram o regime claustral, o
que dificultava enormemente o contato das internas com o mundo exterior. O controle
sobre a sexualidade feminina foi intensamente exercido nos asilos de meninas,
inclusive no século XX, quando foram criados os órgãos nacionais de assistência,
como o Serviço de Assistência a Menores (SAM), em 1941 e a Fundação Nacional de
Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em 1964. Ainda em 1964, a Politica Nacional de
Bem-Estar do Menor (PNBEM) teve suas diretrizes fixadas pelo governo Castelo
Branco (lei n.4.513, de 1/12/1964). (Rizzini, 2004).
Vale ressaltar também que o tratamento dado a uma criança do sexo
masculino era, em muitos casos, diferente do tratamento recebido por uma criança do
sexo feminino, pois “as meninas costumavam ser consideradas como o produto de
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relações sexuais corrompidas pela enfermidade, libertinagem ou a desobediência a
uma proibição” (HEYWOOD, 2004, p.76).
Acima fizemos um breve apontamento quanto à história das instituições no
Brasil, sem a pretensão de nos aprofundarmos sobre este assunto, apenas para fazer
um link até a data de criação da Fbesp no Pará.
Observa-se que desde aquela época as instituições eram pensadas por
aqueles que obtinham o saber para controlar as crianças e adolescentes que não
tinham condições sociais ou não se encaixavam nos moldes da sociedade.
A Fundação no Pará foi criada em 1967, com a denominação de Fundação do
Bem-Estar Social do Menor (Fbesp). Posteriormente, em 1993, passou a ser
denominada de Fundação da Criança e do Adolescente do Pará (Funcap) que hoje
passa a ser chamada de Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (Fasepa).
A mudança faz parte da nova estrutura administrativa do governo do Estado, que criou
ainda cinco secretarias especiais. O nome "criança" foi excluído da nova denominação
porque a fundação não mais assiste esse público, apenas adolescentes em conflito
com a lei. Hoje, a Fasepa tem cerca de 1.655 servidores nas 15 Unidades de
Atendimento Socioeducativo (Uases) na região metropolitana de Belém e nos
municípios de Marabá e Santarém, (Fasepa, 2011).
Com a nova organização, a Fasepa continua vinculada à Secretaria de Estado
de Assistência Social (Seas), novo nome da antiga Secretaria de Assistência e
Desenvolvimento Social (Sedes). A Seas, por sua vez, está vinculada à nova
Secretaria Especial de Estado de Proteção e Desenvolvimento Social.
A Fasepa, só em Belém, é composta por dez centros, entre eles estão as de
internação provisória, semiliberdades e as internações.
Ponderando que a Fundação existe há 45 anos, não possuem estudos sobre
esse tema em instituição no Pará específico de internação de adolescentes femininas
em uma perspectiva Foucaultiana e segundo Soares e Ilgenfritz (2002, p. 63) apontam
que os estudos criminológicos consagrados à criminalidade feminina são raros e,
quando existem, aparecem como títulos, acessórios, em curtos capítulos subsidiários
de obras que privilegiam sempre os criminosos masculinos.
Finalizamos aqui a síntese destas histórias até chegar a nossa
contemporaneidade. Logo, falaremos sobre o Sinase que é mais atual, pois desde
2006 ele vigora e orienta os serviços nas medidas socioeducativas.
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A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO E O SINASE (Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo).
Escolhemos aqui alguns recortes do Sinase, principalmente aqueles
relacionados às Diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo.
O SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter
jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o
processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa.
O SINASE se orienta pelas normativas nacionais (Constituição federal e
Estatuto da Criança e do Adolescente) e internacionais das quais o Brasil é signatário
(Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, Sistema Global e Sistema
Interamericano dos Direitos Humanos: Regras Mínimas das Nações Unidas para
Administração da Justiça Juvenil – Regras de Beijing – Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade). SINASE, 2007. Ou seja, o
Sinase preconiza a garantia de direitos iguais para os adolescentes que são autores
de atos infracionais de acordo com a declaração universal de direitos humanos.
Quando um adolescente comete um ato infracional, é cabido a este a aplicação
de uma medida socioeducativa, neste sentido o SINASE diz que: “Ao adolescente, a
submissão a uma medida socioeducativa, para além de uma mera responsabilização,
deve ser fundamentada não só no ato a ele atribuído, mas também no respeito à
equidade (no sentido de dar o tratamento adequado e individualizado a cada
adolescente a quem se atribua um ato infracional), bem como considerar as
necessidades sociais, psicológicas e pedagógicas do adolescente. O objetivo da
medida é possibilitar a inclusão social de modo mais célere possível e, principalmente,
o seu pleno desenvolvimento como pessoa”.
O Sinase propõe que quando se aplicar uma medida socioeducativa a um
adolescente deve-se respeitar a celeridade de cada processo e lidar com o
adolescente de forma singular, respeitando sua individualidade.
Em relação às Diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo, o
SINASE preconiza:
1- Prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente sancionatórios,
o projeto pedagógico como ordenador de ação e gestão do atendimento
socioeducativo e a participação dos adolescentes na construção, no monitoramento e
na avaliação das ações socioeducativas.
2 - Respeito à singularidade do adolescente, presença educativa e exemplaridade
como condições necessárias na ação socioeducativa.
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3 - Exigência e compreensão, enquanto elementos primordiais de reconhecimento e
respeito ao adolescente durante o atendimento socioeducativo, ou seja, respeitar a
singularidade de cada adolescente.
4 - Diretividade no processo socioeducativo - Autoridade diferente de autoritarismo.
Ter diretividade para com o adolescente sem ser autoritário nas tomadas de decisões,
sempre estimulando o diálogo com ele em seu processo socioeducativo, até porque
esse processo é do adolescente e não do técnico, gestor ou educador.
5 - Disciplina como meio para a realização da ação socioeducativa - A disciplina deve
ser considerada como instrumento norteador do sucesso pedagógico (...) A questão
disciplinar requer acordos definidos na relação entre todos no ambiente socioeducativo
(normas, regras claras e definidas). O que observamos na pratica em relação à
disciplina é que ela serve muito mais para se ter controle do que se ter um cunho
pedagógico, pois Foucault em vigiar e punir fala sobre as disciplinas nas prisões. A
disciplina é a própria (micro) física do poder, instituída para controle e sujeição do
corpo, com o objetivo de tornar o indivíduo dócil e útil: uma política de coerção para
domínio do corpo alheio, ensinado a fazer o que queremos e a operar como
queremos. O objetivo de produzir corpos dóceis e úteis é obtido por uma dissociação
entre corpo individual, como capacidade produtiva, e vontade pessoal, como poder do
sujeito sobre a energia do corpo.
6 - Dinâmica institucional garantindo a horizontalidade na socialização das
informações e dos saberes em equipe multiprofissional - Muito embora as ações
desenvolvidas pela equipe multiprofissional (técnicos e educadores) sejam
diferenciadas, essa diferenciação não deve gerar uma hierarquia de saberes,
impedindo a construção conjunta do processo socioeducativo de forma respeitosa,
democrática e participativa.
7 - Organização espacial e funcional das Unidades de atendimento socioeducativo que
garantam possibilidades de desenvolvimento pessoal e social para o adolescente - O
espaço físico e sua organização espacial e funcional, as edificações, os materiais e os
equipamentos utilizados nas Unidades de atendimento socioeducativo devem estar
subordinados ao projeto pedagógico, pois este interfere na forma e no modo de as
pessoas circularem no ambiente, no processo de convivência e na forma de as
pessoas interagirem, refletindo, sobretudo, a concepção pedagógica, tendo em vista
que a não observância poderá inviabilizar a proposta pedagógica.
Levando em consideração ao que se foi exposto sobre o Sinase e fazendo um
comparativo com a realidade do Cesef, (pois fomos ao Centro elaborar nossa
pesquisa), ainda se tem muito o que efetivar, pois foi possível observar que o Sinase
foi parcialmente implementado, pois ainda falta o funcionamento do Sistema de
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Informação para Infância e Adolescência (SIPIA).
O SIPIA – é um sistema informatizado de registro e tratamento de informações
que permite que os conselheiros tutelares registrem, acompanhem e encaminhem
medidas apropriadas para os casos de direitos violados de forma ágil e sistemática,
sob a garantia dos direitos fundamentais preconizados pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA - Lei: 8.069/90).
Além de servir como uma ferramenta facilitadora do trabalho dos Conselhos, o
SIPIA possibilita a geração de dados e estatísticas que tornam possível o
mapeamento da real condição em que se encontram crianças e adolescentes em
situação de risco pessoal e/ou social. Esses dados servem como suporte para que os
órgãos executores e/ou coordenadores de políticas públicas do Município, do Estado e
da União possam estabelecer prioridades de ação visando a implantação e o
financiamento de programas, projetos, serviços e benefícios necessários à realidade.
(http://portal.vanzolini-ead.org.br/default.aspx?SITE_ID=150&SECAO_ID=693)
Falamos acima sobre o Sinase, daremos continuidade sobre as leis dialogando
com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO E O ECA
Sabe-se que a lei 8.069 de 13.07.1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), estabelece as diretrizes para a responsabilização do adolescente infrator. Esta
questão apresenta-se, entretanto, bastante complexa e é alvo de controvérsias na
sociedade. De início a concepção de adolescência/juventude como construções
históricas e contextualmente situada e relacional deve necessariamente levar a uma
nova forma de olhar o sujeito.
No Lugar do adjetivo - infrator – o qual parece aglutinar uma essência, o olhar
relacional nos permite ver um sujeito jovem, adolescente, envolto em processos
diversos de formação e desenvolvimento, dentro de condições também diversas, nas
quais a infração cometida é um destes aspectos, dentre tantas outras possibilidades
de relações e construções as quais este sujeito é capaz de processar, se lhe forem
garantidas as condições e espaços para isto. Este é, ao que parece, o objetivo do Eca,
ao propor as medidas socioeducativas destro da noção da inimputabilidade penal.
(Unipop, 2011)
Foi com a indicação de 1978 como Ano Internacional da Criança que a história
da criança no Brasil e de sua repressão começou a ser pesquisada. Isso levou à
formação de diversas associações que articularam-se a outras na defesa dos direitos
da criança e que acabaram influenciando o Estatuto da Criança e do Adolescente de
1990.
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O Artigo 121 do Eca discorre que” A internação constitui medida privativa da
liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento” e no Artigo 123, diz que “a internação deverá
ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele
destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição
física e gravidade da infração” e no Parágrafo único do Artigo 123 diz que: “Durante o
período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas”.
As instituições apesar de manifestarem a garantia de direitos estabelecidos no
Eca, deixam a desejar na efetivação do referido a partir do momento que lá são
exercidas práticas de maus tratos, submissões dos corpos e omissões, quando partem
do principio que elas, por terem infrigido a lei “merecem” ser subjetivadas ao ato
cometido e punidas por isto, neste aspecto Passetti expressa preocupação quanto a
efetivação do Estatuto:
“O estado brasileiro desde a greve geral promovida pelos
anarquistas em 1917 transformou as criança e jovens em
problema social. Procurou governamentalizar gradativamente a
vida até que, com a constituição de 1988 e em particular, o
ECA, em 1990, defronta-se com um novo problema: conseguirá
desvencilhar-se da continuidade do atendimento totalitário num
regime politico que se declara democrático?” (2000, pg. 365)
Nesta ótica é possível pensar nos dispositivos de controle que colaboram para
o modo de organização das práticas no Cesef que definem as adolescentes como
delinquentes, uma vez que essas adolescentes por estarem privadas de atividades
externas, são mais controladas do que as que cumprem uma medida em meio
semiaberto, por exemplo.
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JUSTIFICATIVA
Para realizar a analise deste projeto propõem-se começar a falar sobre o
significado das palavras contidas no tema. Segundo o dicionário Aurélio Modo significa
maneira, forma, feitio, jeito; Organização significa ação ou efeito do organizar, de pôr a
funcionar; Prática significa processo, maneira de fazer, experiência, hábito; Instituição
significa ação de instituir, de estabelecer, conjunto de regras e normas estabelecidas
para a satisfação de interesses coletivos: o Estado, o Congresso, uma fundação.
A partir desses conceitos e considerando que os modos de organização das
práticas na instituição feminina produzem efeitos, desdobramentos, esta pesquisa terá
além de Foucault outros referenciais como os teóricos Edson Passetti, Cecilia Coimbra
e Estela Scheinvar, portanto, busca-se com esses autores problematizar as práticas
que são realizadas no Cesef e analisar os efeitos destas.
Através das práticas estabelecidas entre as adolescentes e a equipe técnica,
produzem-se um saber-poder, onde há uma relação de forças, pois Foucault (2006)
aponta sobre poder que:
[...] seria necessário saber até onde se exerce o poder, através
de que revezamentos e até que instâncias, frequentemente
ínfimas, de controle, de vigilância, de proibições, de coerções.
Onde há poder, ele se exerce. Ninguém é, propriamente
falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em
determinada direção, com um de um lado e outros do outro; não
se sabe ao certo que o detém; mas se sabe que não o possui (p.
75).
A equipe coleta dados sobre as adolescentes através de entrevistas que geram
discurso, que geram documentos, todavia, esses discursos são controlados e
selecionados, posteriormente elaboram documentos, isto é, relatórios que subsidiam a
decisão do juiz, interferindo diretamente sobre o futuro de cada adolescente ali
internada, privadas de liberdade que para Foucault, o encarceramento se daria através
de:
[...] um funcionamento compacto do poder de punir: ocupação
meticulosa do corpo e do tempo do culpado, enquadramento de seus
gestos, de suas condutas por um sistema de autoridade e de saber;
uma ortopedia concertada que é aplicada aos culpados a fim de corrigi-
los individualmente. (FOUCAULT, 2009, p.126).
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Portanto, esta pesquisa poderá contribuir para traçar o perfil da vitimização
feminina nas instituições da justiça criminal, além de trazer a luz questões que são
pouco discutidas, todavia, extremamente relevantes não só para o meio acadêmico
como também para a sociedade.
Levando em consideração o proposto neste projeto temos como objetivo geral
desenvolver uma pesquisa que problematize os modos de organização das praticas
institucionais que são realizados no Cesef, envolvendo a análise genealógica dos
documentos e analisando os processos de subjetivação e três objetivos específicos: 1
- Descrever quem é atendido no espaço da medida socioeducativa de internação no
Cesef. 2 - Analisar quais são os profissionais que atuam neste Centro e como atuam e
por último problematizar como é feita a distribuições dos setores no Cesef através da
análise da planta baixa desta unidade.
MÉTODO
As inquirições propostas neste projeto de pesquisa teórico-empírica serão
baseadas na genealogia como já citado anteriormente, atrelada aos principais
conceitos de Michel Foucault como a Biopolitica, saber, poder, disciplina e
subjetivação, pois Foucault (2006, p.22) enfatiza que na análise genealógica o corpo
está decisivamente ligado à história, por ser um fruto de suas relações deste saber,
poder e subjetivação.
O Mundo não é um jogo que apenas mascara uma realidade mais verdadeira
existente por trás das cenas. Ela é tal qual parece. Esta é a profundidade da visão
genealógica. (RABINOW; DREYFUS, 1995, P.122)
Ainda como ressalta Hall (2005), a produção de sujeitos generificados,
marcados por estigmas de raça, religião, etnia, escolaridade, geração e inserção social
trazem um campo analítico de uma complexidade da constituição das sociabilidades.
Logo, pretendemos fazer um mapeamento do assujeitamento dos corpos das
adolescentes que cumprem a MSE de Internação, pois estas se submetem a
formulários que as sujeitam e como isso as disciplinam, pois existe uma hierarquia
desses formulários relacionados à equipe técnica, equipe esta que se compõem de
Assistentes Sociais, Psicólogos e Pedagogos, pois para Foucault, (1995, p.235-6)
[...] atualmente, a luta contra as formas de sujeição – contra a
submissão da subjetividade – está se tornando cada vez mais
importante, a despeito das lutas contra as formas de
dominação e exploração não terem desaparecido. Muito pelo
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contrário. [...] Sem dúvidas, os mecanismos de sujeição não
podem ser estudados fora de sua relação com os mecanismos
de exploração e dominação.
E segundo (Sá-Silva; Almeida; Guindania, 2009, p. 02) sobre o uso dos
documentos diz que:
“o uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e
valorizado. A riqueza de informações que deles podemos
extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das
Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o
entendimento de objetos cuja compreensão necessita de
contextualização histórica e sociocultural”.
No centro de internação são organizados em prontuários e arquivados todos os
documentos referentes às adolescentes e é sobre esses documentos que haverá um
debruçar cauteloso, buscando saberes e problematizando os modos de organização
dessas práticas.
Cecilia Coimbra, 2001, p. 245-248 refere sobre o saber dos sujeitos que:
“Através de minuciosos e constantes registros, observações e
classificações dos comportamentos desses sujeitos em diferentes
situações e momentos vai sendo construído, em cima de seu saber-
experiência, um outro saber sobre ele, que fala dele, que o descreve,
diagnostica, que prescreve o que, como e quando deve agir, pensar,
sentir. Enfim, que rumos deve dar à sua vida. Aprende, com isto, a
caminhar neste mundo guiado por modelos, que dizem o que fazer e
como fazer e onde em nenhum momento é colocado em questão o
para quê fazer.”.
Os documentos analisados são os prontuários, como eles são organizados,
distribuídos, guardados e para que fim servem. (fotos em anexo)
Dessa maneira, os registros elaborados durante a Medida Socioeducativa de
internação no Cesef produzem verdades, mas que verdades são essas? Que modos
são produzidos que atravessam a vida de cada adolescente? Através da
problematização das práticas institucionais, serão analisadas essas formas de
subjetivação, uma vez que esses corpos são arremetidos pelas relações estabelecidas
do poder, pois o corpo “correlativo do exercício do poder sobre ele [...] Toda produção
de corpo é produção de poder para esse corpo [...]” (EDWALD, 1993, P.49).
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Pretendemos elaborar além da análise dos documentos, uma entrevista
semiestruturada com os profissionais do Centro, além da análise da planta do prédio
bem como o organograma dos profissionais, pois são documentos que consideramos
importantes para serem utilizados na pesquisa para alcançar os objetivos propostos,
além disto, levaremos em consideração à ética e a garantia do sigilo, pois
pretendemos gravar as entrevistas e transcrevê-las.
Foucault no livro em Defesa da Sociedade fala sobre a organização espacial
como dispositivo de controle dos corpos: “examinem, se quiserem, o problema da
cidade, ou, mais precisamente, essa disposição espacial pensada, concebida, que é a
cidade-modelo, a cidade artificial, a cidade de realidade utópica, tal como não só a
sonharam, mas a constituíram efetivamente no século XIX. Examinem algo como a
cidade operária. A cidade operária, tal como existe no século XIX, o que e? Vê-se
muito bem como ela articula, de certo modo perpendicularmente, mecanismos
disciplinares de controle sobre o corpo, sobre os corpos, por sua quadricula, pelo
recorte mesmo da cidade, pela localização das famílias (cada uma numa casa) e dos
indivíduos (cada um num cômodo)”. Neste sentido podemos refletir na organização da
construção do espaço arquitetônico do Cesef, em como ele foi pensado, em que
disposição está cada espaço onde as adolescentes transitam.
CONCLUSÃO
Este projeto está em andamento e será finalizado em dezembro de 2013,
todavia, já se encontra em duas fazes concomitantes: levantamento bibliográfica e
pesquisa no campo. Por conta disto, podemos fazer análises parciais quanto aos
objetivos desta pesquisa e o que conseguimos alcançar.
Analisando o Cesef e as práticas que ali são organizadas, nos vem à tona um
Centro que funciona como um dispositivo disciplinar, um dispositivo controlador, onde
lá são colocadas as adolescentes que cometem delitos, porém, o Estado é que
deveria ter a capacidade de gerir a violência e gerenciar as politicas públicas. (fotos
em anexo de algumas normas e regras da unidade).
Os técnicos que lá atuam também são alvos de vigilância e controle pelo
ministério público, defensoria pública, juizados, pelos próprios administradores da
fundação, dos adolescentes e seus familiares. Segundo Machado (1988) “O olhar que
observa para controlar, não é o mesmo que extrai, anota e transfere as informações
para os pontos mais altos da hierarquia de poder? O poder é uma relação de força.
P.195.
Todavia, o que faz o poder se manter é que ele não pesa apenas como uma
força negativa, mas de fato ele produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
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discurso. O poder se exerce mais do que se possui, sendo um modo de agir, que atua
sobre ações, diferente da violência que age diretamente sobre o corpo.
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REFERÊNCIAS
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ANEXOS
Os prontuários ficam guardados dentro de arquivos na secretaria do
adolescente.
As normas de visita ficam pregadas por fita gomada na parede logo na entrada,
próximo à portaria e a sala onde acontecem as revistas íntimas.
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Essas fotos são do cronograma de atendimento e da escala de limpeza das
adolescentes.
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