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Estasinstrw;:6es inquisitoriais que refletem uma preQcu-pa~ao de apartar a bruxariadas outras pniticas nao constituemuma nova problematica. No seculo anterior, a questao ja se faz
evidente para a Alemanha, na obra do legista, ja citado, Johann..Godelmann que diz em seu prefacio:
Mas como nestes muitos generos de maleficios dos inimigosfanaticos e pestileIitos sejam feitos juizos precipitados ao maisleve indicio de sua existencia, e digno de louvor aquele que discri-minarentre os profanos assim como infames magos, feiticeiras elamias [bruxas] que estao confundidos e ate aqui sem qualquerdistin~ao. e perfeito conhecimento de seus atos e pronunciamen-tos (N6s Alemaes denominamos sem estabelecer diferenc;:a ma-gos, adivinhos, encantadores, feiticeiras, esconjuradores, e, namesma casta os semidem6nios denominados sagas, lamias e bru-xas, "Schwartzkiinstler, Zauberer, Hexen, Unholden"); por isto,para que nao se denominem confusamente neste tratado, e semantenham os erros que geram e imp oem tormentos, devem serseparados em primeiro lugar todos os I11agose reiticeiras e em se-guida as bruxas. 28
As origens da bruxaria ainda constituem um assunto
controvertido, que retomaremos nos capitulos posteriores; porora nos contentamos com a questao de seu posicionamentofrente as outras prciticasmagicas. 0 termo lJ;ruxariaaparece pela
prinieira vez no ana de 589, diz respeito as campinas e e funda-
mentalmente no meio rural que permanecera localizado, levan-
do a qu~ Charles Lancelin, em sua obra La sorcellerie des campa~-nes, afirme: '~Porsua pr6pria essencia,a bruxaria s6 pode evolmr
em um meio·carente de instru~ao como a popula~ao campone-sa. Nao e na cidade onde se encontra a verdadeira bruxa, mas
sim nos campos".30Seu desenvolvimento e sua conceitua~aocomo pratica magica estao intimamente ligados ao triunfo do
cristianismo, e os pr6prios inquisidores a colocavam como uma
"nova seita".Jean Vineti, que foi inquisidor em Carcassone, r :oseu Tractatus contra daem~num invocatoresde ·1450argumenta
que 0 Canon - que proclamava ~om autoridade irrefutavel a il~-
sao de cavalgadas noturnas em companhia de Diana -nada tl-
nha a ver com os modernos hereticos:
Para 0 entendimento da bnixaria europeia, como vimos,e necessario ter em mente que esta envolve, a priori, um pactodemoniaco; e uma continua legisla~ao por toda a Europa esfor-~ou-se para diferencia"la de outras prciticas magicas - pois abruxaria representava 0 grande mal, nao sendo apenas uma pra-tica heretica, contraria a religiao -, mas tambem a repudiou, tro-cando a boa o~todoxia pela adoras:ao do Mal, incidindo na abo-mina~ao das abomina~6es, 0 nefando crime de apostasia}9
Pois com autoridade suficientemente patente, 0 que esta esta-belecido no capitulo Episcopi nao trata dos hereticos modernos,
que nas horas noturnas invocam dem6nios, os adoram, destes es-perando e recebendo respostas, aos mesmos pagando tribu:os. e,com selvageria que ultrapassa a ferocidade, imqlam aos derr:-0mosalgumas vezes os pr6prios filhos e freqiientemente os alhelOs,os
vomitando e tornahdo a come-los. 31
28. Op. cit., p. 764.
29 Cf. KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. Malleus Maleficarum(1486). Trad. de MontagueSummers. London, 1971.v. III, p. 424"428.
30 Paris, 1911. p. 48-49.
31 Texto em HANSEN, Joseph. Quellen ... , p. 125.
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Oito anos depois, Nicholas Jacquerius, inquisidor de Tournay,Bohemia e Lille,em seu Flagellum Haereticorum Fascinariorum
de 1548, ap6s admitir EJueas ilus6es proclamadas pelo Canon
Episcopi nao existem de fato, procura demonstrar que a pre-
sente seita e distinta da dos antigos seguidores de Diana, a que
se refere 0 canone:
E evidente deste modo que as apari~5es [do Diabo] sao reais,nao ocorrendo em sonhos, mas na vigilia. [... ] Portanto, a assem~bleia celebrada pelos perversos bruxos [fascinariorum] nao e fan-
tastica ilusao mas real, corporal, ou pessoalmente exercitam"se em
um culto em presen~ado Demonio. 32
Em 1409, na regiao de Dauphine e nas localidades em
torno do lago de Genebra, a Inquisi~ao acusa a grupos de judeus
e cristaos de praticarem, juntos, rituais contnirios as duas cren-~as. Esta alusao parece apontar no sentido daforma~ao de urn
estere6tipo diab6lico que come~ani a tomar corpo nos trafados
32 Texto em HANSEN, Joseph. Quellen ... ,p. 133-134. Cabe acre scen-tar que Carlo Ginzburg, em suas "Presomptions sur Ie Sabbat",An-nales (ESC),39 (2): 341-354, 1984, apresenta, na p. 342, JohannesNider como 0 primeiro a afirmar a apari~ao de uma nova seita. Se-gundo Ginzburg, Nider, em 1437, a partir da informa~ao de uminquisidor de Evian e de um juiz de Berna (acreditamos que sejaPedro de Berna), tra~a no cap. 4 0 perfil de uma nova seita dotada
de um ritual que continha a homenagem ao Demonio, ja existin-do ha sessenta anos. Contudo, a exemplo do que diz H. C. Lea, em Materials ... ,p. 261-263, nao encontramos em Nider essas afirma-~5es, ficando claro inclusive que Nider acredita no Canon Episco-
pi e que as reuni5es noturnas eram ilus5es. Ver NIDER, Johannes ..Formicarium de maleficis et deceptionibus. In: Malleus M alefica-rum Maleficas et earum ex variis avetoribus compilatus in quator Tomas iuste distributus.T. L Lugduni, Sumptibus Claudii Bour-geat, 1669. p. 301-354, esp. p, 317-320.
Figura 3 - Motivos de bruxaria(Henry Grossius, Magica de Spectris).(A. C.Kors e E. Peters, Witchcraft in Europe1100-1700, p. 302.)
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dos inquisidores, como uma nova forma de maleficio que surge,dotado de urn ritual que preve a homenagem ao Diabo e a pro-fanas;aoda cruz e dos sacramentos cristaos. As noticias mais an-tigas desle culto, cujo prop6sito e servir ao Diabo em seus inten-tos infames e inconfessaveis, aparecem nos processos levados acabo pelos tribunais se~ulares em 1428, no cantao suis;o de Ve-
l~is,q~e.constituem os primeiros registros de uma perseguis;aoSIstematICaa bruxaria. Ali, quando as comunidades aldeas deci-diram, sob a inspiras;ao de seu suser~no, 0 bispo de Sion, queto~o 0 individuo acusado de maleficio por mais de duas pessoassena preso e, em se apurando a culpa, levado a fogueira, apare-ce pela primeira vez - nas confissoes arrancadas sob tortura aosacusados - a imagem da bruxa voadoni que vai nutrir, mais tar-
de, a grande caya as bruxas:33
a imagem do Sabbat.A partir de entao, uma vez eliminados os obstaculos im~
postas pelo antigo canone de Ancyra, constroem -se teorias teo-l~gicas, estabelecem-se discussoes filos6ficas na reconstituis;aoda "seita das bruxas" e seu modus operandi.0 nascimento destaimagem de Uma associayao satanica
enxerta-se entre aquelas do encantador e da feiticeira isolados semsubstitui-los, devendoser considerado como urn capitulo -desti-nado a uma grande fortuna - da segregas:ao ou da expulsao dosgrup,os marginais, que, caracterizam a sociedade europeia a partir
do seculo XlV. As reumoes noturnas de bruxos e bruxas, vindos delugares as vezes mliito longinquos, para urdir seus maleficios dia-b6licos, encarnarao a imagem de urn inimigo organizado, onipre-sente e dotado de poderes sobre.humanos.34
o uso frequente do termo "sinagoga" nos registros dostribunais para designar a assembIeia bruxesca indica como os juizes identificavam urn parentesco pr6ximo das bruxas cotn
outros tipos de infieis-eheretic9s, equiparando0
seu "culto per-verso" a conhecida e odiosa assembleia,dos judeus. Intitulandosinagogas as reunioes e frequentemente denominando de val-denses os seus participantes, a nomenclatura oscila entre.os maispopulares hereticos ou os judeus infieis, terminando pela opyaopor estes ultimos, por sua qualidade demoniaca intrfnseca,co~o traidores e ass, assinos de,Cristo, logo, acirrados inimigos
,. .
de toda cristandade. Tendencia que ja se esboya no inici9 do se"culo, como citado acima, e se tnaterializa definitivamente em1475, em Bressuire, onde alem da adis;ao de um~ nova prcitica
diap6lica - a inicia~ao atraves de urn novo batismo e a outorgade urn novo nome a "bruxa ne6fita" - aparece a primeira refe-rencia ao termo Sabbat, de "rara felicidade" - pois combina 0
antigo e odiado culto com a "nova" e nefanda seita -, que se vin-culou definitivamente a assembIeia das bruxas. Cabe ressaltarque em Brianyon, em 1437, a reuniao das bruxas e levada a caboem uma noite de sabado, evidenciaclara dodesenvolvimento de
uma vinculayao com 0 judaismo.A irrupyao da bruxaria se da no meio rural fundamental-
mente, onde a presenya de antigas tradiyoes e a ausencia da tu-
tela ortodoxa lhepermite exercer as suas atividades, se na" ma-Ieficas (pois 0 mundo circundante nao admite outra conotas;aopara as suas atividades) ao menos magicas. A coletividade do fi-nal da Idade Medi~, influenciada pelo dualismo religioso propa~gada pela heresia Catara, que tornou 0 Mal tao poderoso quan-to 0 Bern, amplia 0 dominio do Mal, ampliando par conseguin-te a as;aodos agentes de Sata, ou seja, a bruxaria, 0 cuho ao De-monio - confirmado e atestado pelos juizes cristaos, testemu-
33 FRUND, Hans. Texto em HANSEN, Joseph. Quellen ... ,p.533-537.
34 GINZBURG, Carlo. Presomptions ... ,p. 342-343.
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nhas eloqiientes da repressao aos poderes malignos. 0 dualismoDeus e Demonio faz parte do proprio universo medieval, ondea sociedade se divide sempre em duas facs:oese~ constante pe-leja em todas as atividades cotidianas e em cada uma delas, e 0
Diabo assume 0 seu lugar em uma hierarquia feudal, aparecen-do como suserano que concede amparo e protes:ao em troca dasubmissao absoluta e entrega total. Deste.modo, a bruxaria en-contra-se em franca rebeliao contra a ortodoxia, 0 que a diferen-cia e afasta da feitis:ariae da magia, apesar destaspniticas vive-rem ao seu lado, quando nao estreitamente interligadas, Os atosmaleficos (maleficium) constituem uma atividade puramentesecundaria naquestao da bruxaria, urn subproduto de uma fal-sa religiao., E a nos:ao de que a bruxa recebe os seus poderes deurn pacto deliberado com 0 Diabo que a distingue das outrasatividades magicas, Em troca deseu juramento de fidelidade, elarecebe os meios de executar sua vingans:a sobrenatural sobre osseus inimigos (ou seja, toda a cristandade). Desse modo, 0 cara-ter essencial da bruxaria nao e 0 dano que.ela causa as outraspessoas,mas 0 seu carater heretico, 0 cuIto ao Demonio, que atransforma no maior dos pecados, pois, renunciando a Deus eadorando ao Diabo, ameas:atoda a cristandade que se ve amea-s:ada da impossibilidade de conclusao da obra do Redentor e
---.:tentapurificar-se, purgando os pecadores atraves do fogo. Ten-do lesado ou nao a outras pessoas, a bruxa merece morrer, porsua trais:ao para com Deus.
A vista do exposto, pode-se dizer que a bruxaria exerceduas funs:oes aparentemente contraditorias e que se completamao nfvel de urn imaginario coletivo: do ponto de vista do statusquo, assume uma funs:ao compensatoria, influindo decisiva-mente no meio social, pela institucionalizas:ao das reas:oes demedo e panico coletivos. Ao nfvel da"realidade" da bruxaria, da-
d'tam bruxos esta e urn "ritual coletivo",naoqueles que se acre 1 ., . dcomo uma ofensa impossivel, pois vivemo~ em urn mundo on e
os desejos adqui!em vida propria, corponfica~-se, :ra,n~pon::
b . de resto J'abastante permeavel- do lmagmano, pa arrelra - p £.. 0 seu devido lugarno cotidiano dos homens, re e-assumlrem .d
rimos eritende-la como urn ato psiquico, como um~ n,ecessl a-de vital a serpreenchida pela companhia do ~emomo ~~obaotica crista ortodoxa), a adoras:ao deste e a pratlca de uma do~-
do 0 que 0 cristianismo· prometla,trina" para obter, nesse mun ,de modo impreciso e distante, em uma vida post-mortem.