ISSN 1982 - 0283
MÍDIA-EDUCAÇÃO E CURRÍCULO ESCOLAR
Ano XXIII - Boletim 20 - OUTUBRO 2013
Mídia-educação e currículo escolar
SUMÁRIO
Apresentação .......................................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Introdução .............................................................................................................................. 4
Alexandra Bujokas de Siqueira
Texto 1: Teorias do jornalismo aplicadas à mídia-educação .................................................. 19
Danilo Rothberg
Texto 2: A produção de texto publicitário radiofônico em ambiente escolar: uma proposta
de mídia-educação ................................................................................................................25
Lígia Beatriz Carvalho de Almeida
Roseane Andrelo
Texto 3: Mídia, educação e comunicação como direito humano ..........................................33
Celma Tavares
3
FinanciaMento da educação apresentação
A publicação Salto para o Futuro comple-
menta as edições televisivas do programa
de mesmo nome da TV Escola (MEC). Este
aspecto não significa, no entanto, uma sim-
ples dependência entre as duas versões. Ao
contrário, os leitores e os telespectadores
– professores e gestores da Educação Bási-
ca, em sua maioria, além de estudantes de
cursos de formação de professores, de Fa-
culdades de Pedagogia e de diferentes licen-
ciaturas – poderão perceber que existe uma
interlocução entre textos e programas, pre-
servadas as especificidades dessas formas
distintas de apresentar e debater temáticas
variadas no campo da educação. Na página
eletrônica do programa, encontrarão ainda
outras funcionalidades que compõem uma
rede de conhecimentos e significados que se
efetiva nos diversos usos desses recursos nas
escolas e nas instituições de formação. Os
textos que integram cada edição temática,
além de constituírem material de pesquisa e
estudo para professores, servem também de
base para a produção dos programas.
A edição 20 de 2013 traz como tema Mídia-
-educação e Currículo Escolar e conta com a
consultoria de Alexandra Bujokas de Siquei-
ra, jornalista, Doutora em Educação com
pós-doutorado em Estudos de Mídia pela
Open University, Inglaterra e Coordenadora
do Centro de Educação a Distância e Apren-
dizagem com Tecnologias da Informação e
Comunicação da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro.
Os textos que integram essa publicação são:
1. Teorias do jornalismo aplicadas à
mídia-educação
2. A produção de texto publicitário
radiofônico em ambiente escolar:
uma proposta de mídia-educação
3. Mídia, educação e comuni-
cação como direito humano
Boa leitura!
Rosa Helena Mendonça1
1 Supervisora Pedagógica do programa Salto para o Futuro (TV Escola/MEC).
4
Sinopse
Este texto apresenta a proposta da
mídia-educação, uma área ainda emergen-
te no Brasil, mas já estabelecida em países
como Canadá, Estados Unidos, França e In-
glaterra. A educação para a mídia não deve
ser confundida com o uso de mídias na edu-
cação. Enquanto este usa as mídias para en-
sinar componentes curriculares estabeleci-
dos, aquela faz da cultura midiática em si
um objeto de estudos. Internacionalmente,
este estudo costuma ser guiado por quatro
conceitos-chave: linguagem, audiências,
instituições de mídia e representação. Diver-
sas experiências no Brasil procuram adaptar
referenciais internacionais à realidade local,
ao mesmo tempo em que pesquisadores
investigam a emergência de uma proposta
brasileira.
Palavras-chave: mídia, educação, leitura crí-
tica, produção de conteúdo
Introdução
Embora no Brasil ainda não seja
um termo comumente encontrado em do-
cumentos oficiais do campo educacional,
“mídia-educação” (e variantes como educo-
municação, media literacy, educação para a
mídia, educomídia) vem se popularizando
em eventos acadêmicos, artigos, livros, pá-
ginas de organizações não governamentais
e blogs na internet.
A educação para mídia ainda é um
campo emergente no Brasil, mas já está esta-
belecida internacionalmente, em especial no
Canadá, na Inglaterra e na França. Até nossa
vizinha Argentina, desde 1984, mantém um
programa nacional financiado pelo Ministé-
rio da Educação chamado “Escola e Meios”2.
Conforme a pesquisadora argentina Roxana
Morduchowicz, ele foi criado “porque a de-
mocracia havia sido restabelecida em 1983
introdução
Mídia: quer estudar essa Matéria?
Alexandra Bujokas de Siqueira1
1 Jornalista, doutora em Educação com pós-doutorado em Estudos de Mídia pela Open University, Inglaterra. Coordenadora do Centro de Educação a Distância e Aprendizagem com Tecnologias da Informação e Comunicação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e Consultora desta Edição Temática. E-mail: [email protected]
2 Informações sobre o programa estão disponíveis em www.me.gov.ar/escuelaymedios/. Acesso 16 fev. 2013.
5
e as crianças que tinham vivido sob um rí-
gido regime militar precisavam aprender
o sentido da liberdade de expressão, liber-
dade de imprensa e direito à informação”
(MORDUCHOWICZ, 2009, p. 182).
Apesar de ainda não termos uma po-
lítica específica, a exemplo do caso argenti-
no, nossas iniciativas na área são bastante
antigas. Um marco importante foi o projeto
“LCC – Leitura Crítica da Comunicação”, que
a União Cristã Brasileira de Comunicação
Social idealizou em 1979 e ministrou para
mais de 40 mil comunicadores populares
(SOUZA e PEREIRA, 2003). Em 1985, a Socie-
dade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação (Intercom) elegeu o tema
“Comunicação e Educação – Caminhos Cru-
zados” como tema do seu congresso anual
e, um ano depois, reuniu trabalhos que fo-
ram publicados, relatando experiências, em
andamento, em áreas que os organizadores,
à época, chamaram de “didática da comuni-
cação” (algo mais próximo do que estamos
chamando de mídia-educação), e “didática
dos meios” (sobre o uso de mídias nas áreas
tradicionais do currículo) (KUNSCH, 1986).
A UNESCO vem se preocupando
com a educação para a mídia há cerca de
30 anos. Em 1982, a organização realizou
um simpósio em Grunwald, Alemanha,
que gerou uma declaração clamando às
autoridades competentes de cada país a
lançarem e darem suporte a amplos pro-
gramas de mídia-educação, da educação
infantil à universidade, e também na edu-
cação de adultos. Em 2008, a Unesco reu-
niu um grupo de especialistas para discutir
as bases de um referencial curricular para
a formação de professores. O resultado foi
a publicação do documento “Alfabetização
Midiática e Informacional - Currículo para
Formação de Professores” (UNESCO, 2011),
que já foi traduzido para o português3.
Embora variem na forma como são
concretizadas, as propostas de mídia-educa-
ção têm o objetivo comum de “empoderar”
pessoas de diferentes idades e grupos sociais
para usar criticamente a mídia, o que impli-
ca saber reconhecer o modo como as men-
sagens são feitas, tecer hipóteses sobre as
relações entre a mensagem e as disputas de
poder no contexto em que elas foram cria-
das e publicadas e avaliar o impacto dessas
mensagens para diferentes audiências. Nes-
se processo, os educadores para a mídia se
valem de abordagens pedagógicas baseadas
no questionamento e na investigação, orien-
tados por perguntas como: “Quem é a audi-
ência dessa mensagem e por quê?”, “De que
perspectiva esse fato está sendo narrado?”;
“De que modo os elementos específicos da
linguagem contribuem para gerar os sen-
tidos predominantes na mensagem?”; “De
3 Disponível em http://goo.gl/GQGPd
6
que maneira diferentes grupos poderiam
interpretar a mesma mensagem?”; “Como
essa mensagem me afeta?”, etc.
As atividades de mídia-educação de-
vem mover os aprendizes, de uma posição
de consumidores cotidianos, para “analistas
de mídia”, pressupondo que a capacidade de
desmontar e analisar produtos da cultura
midiática à luz dos seus contextos de ori-
gem, dê às pessoas autonomia para decidir
se gostam ou não, e se concordam ou não,
com os pontos de vista apresentados e por
que pensam desse jeito. Essa é a natureza da
leitura crítica.
Por fim, deve-se ressaltar que, tal
como será apresentada a seguir, a mídia-
-educação se integra com facilidade ao cur-
rículo escolar brasileiro, em especial para o
Ensino Médio, porque, no final das contas,
foca as mesmas competências gerais de co-
municar e representar, investigar, compre-
ender e contextualizar, social e historica-
mente, os conteúdos (BRASIL /MEC, 1999).
Os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais de Língua Portuguesa para o Ensino
Fundamental 2 colocam, como prática fun-
damental para o ensino da língua, promover
a “recepção ativa” que, conforme o docu-
mento “torna-se uma necessidade, especial-
mente no que diz respeito aos textos veicula-
dos pelos meios de comunicação de massa”
(BRASIL, MEC, 1997, p. 54). Logo, há espaço
para ampliar o estudo da mídia na escola.
Um pouco de teoria
Uma diversidade de conceitos vin-
dos das áreas de Sociologia, Psicologia, Co-
municação, Semiótica e Didática têm sido
usados para fundamentar as propostas de
mídia-educação. Aqui, vamos tratar de três
fundamentos: a democracia radical, faci-
litada pela popularização das ferramentas
web 2.0 e pelas redes sociais; a apropriação
e a negociação de sentidos, tal como expli-
cadas pelos Estudos Culturais britânicos e
pela abordagem latino-americana das Me-
diações; e a multimodalidade como suporte
para concepções atuais de ensino da leitura
e da escrita. Esses fundamentos se somam
aos chamados “conceitos-chave da mídia-
-educação”: linguagem, audiências, institui-
ções de mídia e representação, que, juntos,
criam um corpus teórico consistente, por-
que: 1. permitem o estudo da mídia em ter-
mos de extensão, variedade e profundidade;
2. concentram esforços em algo relevante
para leitura crítica, que é o distanciamento
necessário para refletir sobre as próprias es-
colhas; 3. orientam o estudo sistemático, in-
dependentemente das constantes inovações
tecnológicas e do surgimento e desapareci-
mento de produtos que viram moda.
É conhecida entre educadores bra-
7
sileiros a tese do português Boaventura de
Souza Santos (1999), segundo a qual, na con-
temporaneidade, os princípios da igualdade,
da liberdade e da fraternidade, que criaram
o arcabouço dos direitos individuais e coleti-
vos nas democracias liberais modernas, não
são suficientes para sustentar o respeito a
uma esfera pública pluralista, que contem-
ple todas as diferenças. No contexto brasi-
leiro, particularmente a partir do início da
década de 1990, ganharam força os discur-
sos em favor de uma política de reconhe-
cimento de identidades que se integram a
uma ampla revisão da ideia de democracia
na escola. Alguns desses discursos se mate-
rializaram nas reformas educacionais rea-
lizadas a partir da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que
contemplaram, desde mecanismos de par-
ticipação da comunidade na gestão escolar
até flexibilização do currículo e autonomia
para a construção de projetos pedagógicos
locais.
Esse movimento coincide, no cenário
mais amplo, com a emergência do concei-
to de “democracia radical” segundo o qual
a sociedade não é uma identidade estática,
mas sim uma possibilidade de transforma-
ção e amadurecimento, fruto da interação
entre diversidades. Promover a cidadania
nesse contexto não é só dar acesso aos di-
reitos garantidos pelo Estado, mas também
facilitar possibilidades de auto-realização
(DAHLBERG e SIAPERA, 2007). É a cidadania
que emerge dos movimentos sociais, “em-
poderados” pelas conexões e agrupamentos,
facilitados, por exemplo, pelas redes sociais
na internet.
Considerar o preceito da democracia
radical na educação para a mídia implica
em ofertar aos estudantes ferramentas cog-
nitivas para que façam a prospecção do que
precisa ser melhorado no espaço em que
vivem, para que suas vidas também melho-
rem. E as metodologias da mídia-educação
parecem promissoras para essa empreitada
porque ensinam os jovens a identificar pro-
blemas, transformá-los numa pauta, coletar
informação e materializar essa investigação
numa mensagem para ser compartilhada na
rede. Ao concluir todas as etapas desse pro-
cesso, os estudantes acessam uma diversi-
dade de fontes de informação, selecionam
e ordenam dados, discutem e constroem
pontos de vista, numa dinâmica na qual se
deve fomentar a apropriação crítica, e onde
não cabe a imposição de uma única leitura
correta.
Adquirir consciência sobre os pro-
cessos que usamos para atribuir sentido a
uma mensagem é a base que fundamenta a
ideia de leitura crítica da mídia, construída
no diálogo com duas teorias que se com-
plementam: codificação e decodificação na
perspectiva dos Estudos Culturais (HALL e
WHANNEL, 1964; HALL, 2003) e a teoria das
mediações, numa perspectiva latino ameri-
8
cana (MARTIN BARBERO, 2004).
Na tentativa de superar a aborda-
gem “inoculativa”4 do estudo da mídia, Hall
e Whannel (1964) defendiam que a escola
deveria se preocupar em entender, não o
que as mídias faziam com as pessoas, mas o
que é que as pessoas faziam com as mídias.
Embora estivessem falando do que hoje cha-
mamos de “velhas mídias”, muitos dos insi-
ghts continuam atuais.
Para os autores, as mídias fornecem aos jo-
vens informações e idéias conflitantes so-
bre a sociedade em que vivem e cabe aos
estudantes, guiados pelo professor, testar
algumas dessas descrições e interpretações
da realidade, comparando os produtos da
cultura de massa com suas próprias experi-
ências. Desmontar esse processo de codifi-
cação e decodificação das mensagens midiá-
ticas parece ser um caminho produtivo para
promover habilidades críticas para o uso da
mídia. É nessa tarefa que reside a essência
da mídia-educação. Conforme Hall e Whan-
nel (1964, p. 46, tradução da autora):
Precisamos prestar atenção às formas
pelas quais as novas experiências são
apresentadas, discriminar valores e
analisar nossas respostas a elas, cui-
dadosamente. Em termos educacio-
nais, pelo menos, este é o único tipo
de controle moral que pode ser aplica-
do à rápida expansão que tem aconte-
cido. O processo da avaliação é o ne-
gócio próprio da educação, começa no
sistema formal, mas não acaba nele.
Na perspectiva sistêmica dos Estu-
dos Culturais, a comunicação se realiza sob
a forma de “signos-veículo”, inseridos num
circuito de produção, distribuição, repro-
dução. Signos-veículo podem ser caracte-
rizados como algo em que o sentido ainda
não foi fixado e está sujeito à apropriação
(HALL, 2003). Para que a mensagem possa
ser distribuída para diferentes audiências,
ela precisa estar sob a forma discursiva. Em
uma reportagem que investiga problemas
na oferta de um serviço público ao jovem,
por exemplo, o modo como os diversos ato-
res sociais são representados pode resultar
na atribuição de culpa a um ou outro ator,
dependendo do modo como as informações
e ideias são ordenadas na mensagem.
Quando chega ao seu destino, o dis-
curso deve ser transformado em práticas
sociais para que o circuito de produção,
circulação e reprodução se complete e pro-
duza efeitos. A questão é saber que práticas
sociais a emissão gera e como o público se
apropria e faz uso desses signos-veículo. O
4 O termo “inoculação” é usado para descrever a abordagem segundo a qual o professor deve ensinar seus alunos a rejeitar produtos da cultura midiática tidos como ruins.
9
produtor nem sempre tem controle dos efei-
tos, e é assim que se realiza o uso da infor-
mação: se nenhum sentido é absorvido, não
pode haver consumo; se ele não é transfor-
mado e articulado em alguma prática, não
tem efeito.
Nesse processo, Hall argumenta que
sempre haverá leituras individuais e varian-
tes. A percepção seletiva reforça o que ele
chama de “não necessária correspondên-
cia”, uma vez que o sentido é construído
como produto de articulação de dois mo-
mentos distintos: a codificação e a decodifi-
cação. A codificação, por si só, não garante
que a decodificação acontecerá conforme
previsto. O resultado são três posições hipo-
téticas a partir das quais a decodificação de
um discurso pode ser construída.
O autor fala em uma “posição hege-
mônica”, caracterizada pela absorção direta
e integral, quando o receptor se apropria do
sentido conotado, decodificando a mensa-
gem nos termos do código referencial no
qual ela foi codificada. Nessas situações,
pode-se dizer que o receptor está operando
de acordo com o código dominante, que ser-
ve de caminho para reproduzir as definições
dominantes “precisamente porque coloca
entre parênteses seu caráter hegemônico e
opera com códigos profissionais deslocados,
que destacam questões aparentemente téc-
nicas e neutras, como as da qualidade visu-
al, dos valores da notícia, da apresentação,
da qualidade televisiva, do ‘profissionalis-
mo’, etc” (HALL, 2003, p. 400). Essas defi-
nições estão interligadas, explícita ou impli-
citamente, a grandes visões de mundo que
atribuem perspectivas globais. São também
as definições que carregam consigo o selo
da legitimidade e parecem coincidir com o
que é natural, inevitável ou óbvio a respeito
da ordem social.
Quando não acata integralmente
a posição da mensagem, o receptor opera
com o chamado “código negociado”. Nes-
ta versão, o ato de decodificar contém uma
mistura de elementos de adaptação e opo-
sição. É a decodificação que absorve, reco-
nhece a legitimidade e uma certa legalidade
das definições hegemônicas para produzir
as grandes significações, e que, porém, tem
capacidade para fazer suas próprias regras
sintagmáticas. Esse código opera através de
lógicas específicas ou localizadas, que se ca-
racterizam por seu desacordo, sua relação
diferencial com os discursos e lógicas de po-
der. Na prática são os mal-entendidos, que
surgem das contradições e disjunções entre
codificações hegemônico-dominantes e de-
codificações negociadas. É o que os profis-
sionais da mídia chamam de falha na comu-
nicação.
Há, por fim, as situações em que a
decodificação gera um sentido oposto à pro-
posta hegemônica originalmente codificada.
Na prática, o receptor desvia a mensagem
10
do código preferencial porque tem bagagem
cultural suficiente para deslocá-la até um
referencial alternativo. “Esse é o caso do
telespectador que ouve um debate sobre a
necessidade de limitar os salários, mas ‘lê’
cada menção ao ‘interesse nacional’ como
‘interesse de classe’. Ele está operando com
o que chamamos de código de oposição”
(HALL, 2003, p. 402). Esse pode ser conside-
rado um momento político significativo no
circuito de produção-distribuição-reprodu-
ção porque a codificação (e possivelmente o
efeito) começa a ter uma leitura contestató-
ria, uma espécie de luta no discurso.
A moral dessa história é que a ideia
de um público que aceita passivamente os
discursos ofertados pela mídia não se sus-
tenta, como tampouco se sustenta o livre-
-arbítrio absoluto. Mesmo as leituras de
oposição são construídas a partir de um
código hegemônico que já circunscreveu a
arena do debate. O que conhecemos e o que
temos capacidade de avaliar, em certa medi-
da, depende das experiências culturais que
nos são permitidas.
É nesse contexto que, paralelamente,
surge na América Latina a chamada “Teoria
das Mediações” de Martin-Barbero. Usando
a metáfora do “mapa noturno”, isto é, um
mapa pouco claro, descoberto no tatear, o
autor se empenha em situar o estudo dos
meios de comunicação a partir das “matri-
zes culturais, dos espaços sociais e das ope-
rações comunicacionais dos diferentes ato-
res do processo” (MARTIN-BARBERO, 2004,
p. 17).
Metodologicamente, ele propõe
deslocar o debate dos “meios para as arti-
culações entre práticas de comunicação e
movimentos sociais, para as diferentes tem-
poralidades e para a pluralidade de matrizes
culturais” (1987, p. 270). Essa tarefa começa
na análise dos discursos, mas não reduz a
comunicação à linguagem. Trata-se de ler os
discursos da mídia como situações de poder,
operando análises que ponham:
(...) o que se fala no discurso contra
o que se diz. O que nele fala – isto é,
os conflitos sociais, políticos, econô-
micos, libidinais – contra o que se diz,
isto é, a retórica da liberdade, da feli-
cidade, do bem-estar. Opor o que fala
o discurso da massmidiação ao que
se diz é descobrir o que ele censura e
nega, o que impede de nomear, mas
contra o qual não existe mais remédio
do que a ação” (MARTIN-BARBERO,
2004, p. 67).
Conforme o autor, tal metodologia
deve ter como base uma teoria que comece
a estabelecer relações “não mecânicas” en-
tre as diferentes etapas dos processos de co-
municação: a produção dos discursos com
as características de propriedade dos meios;
as diferentes relações que as corporações de
11
mídia estabelecem com o Estado; as moda-
lidades de decodificação e as respostas que
diferentes grupos sociais dão às mensagens
recebidas. Tal teoria exige que se mude, não
só o padrão de respostas, mas também os
tipos de perguntas a partir das quais formu-
lamos problemas.
Trazer as teorias de Hall e Martin-
-Barbero para o campo da mídia-educação
implica encontrar formas de promover o
aprendizado de habilidades de decodifica-
ção que fortaleçam leituras negociadas e
de oposição, ampliando a bagagem cultural
dos estudantes, de modo a contemplar ques-
tões de natureza política e cultural integra-
das à aprendizagem das técnicas e padrões
de uso da linguagem na mídia. Decodificar,
neste caso, vai além da mera leitura e alcan-
ça também as práticas de produção e enga-
jamento, usando as diversas linguagens. É
aqui que os estudos de recepção encontram
o conceito de multimodalidade.
O termo se refere a uma caracterís-
tica facilmente identificável nas páginas da
web, mas também presente num simples
ato de fala. Diversos em sua natureza, esses
dois exemplos podem ser reduzidos à cate-
goria de multimodais, isto é, de textos que
usam mais de um modo semiótico ou ca-
nal de comunicação (KRESS, 2000). Páginas
da internet que contenham clipes de áudio,
juntamente com fotos e animações acom-
panhando o texto, são facilmente reconhe-
cíveis como multimodais, assim como o é a
fala, que vem acompanhada de entonação e
expressões faciais. Para a semiótica social,
o campo que dá fundamento ao conceito
de multimodalidade, toda comunicação hu-
mana é multimodal, uma vez que raramen-
te recebemos ou enviamos uma mensagem
usando um modo exclusivo.
Estudar criticamente a mídia na
perspectiva da multimodalidade envolve
olhar cada um dos componentes da mensa-
gem para compreender o modo como cada
um deles comunica significados, em separa-
do e/ou combinados, uma vez que é da com-
binação que emergem as conotações.
Um exemplo dessa dinâmica é a fotografia
publicada pelo portal brasileiro de notícias
UOL5 sobre ação do Batalhão de Operações
Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, retrata-
do no filme “Tropa de Elite” do diretor José
Padilha.
Trata-se de um plano médio de dois
soldados do Bope. Eles seguram armas de
guerra em posição de descanso e conver-
sam entre si. Ao fundo, vê-se uma imagem
estilizada do palhaço Bozo, com os olhos
5 Imagem disponível em http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/627-agentes-do-bope-ocupam-morro-no-rio#foto-11620
12
vidrados, segurando uma arma com diver-
sos canos e uma cinta de balas. No muro
está escrito: “A alegria do palhaço é ver o
circo pegar fogo”. A análise do modo se-
miótico não-verbal nos permite enxergar a
pose em que os soldados foram retratados,
conversando descontraidamente, as armas
de guerra valorizadas na composição e o
enquadramento que une os soldados à ima-
gem e ao texto ao fundo. Ao associar os dois
soldados relaxados, o desenho do palhaço e
a frase: “A alegria do palhaço é ver o circo
pegar fogo”, emerge uma imagem que de-
bocha do Bope: enquanto eles conversam
distraidamente, o tráfico atua por trás. Ou
que esses soldados somente vão à favela
para gerar mais violência. A legenda sob a
foto diz “Agentes do Bope (Batalhão de Ope-
rações Especiais da PM) ocupam o morro do
Turano, no Rio, para a implantação da 12ª
UPP (Unidade de Polícia Pacificadora)”. A es-
colha pela combinação da informação deno-
tada (ocupação do morro para implantação
de Unidade de Política Pacificadora ) com a
imagem depreciativa corrobora uma leitura
de que a política de pacificação não irá re-
solver o problema. Mas esse é um sentido
sutil, somente detectável após uma cuida-
dosa análise e síntese do discurso semiótico.
Para além desses preceitos gerais, é
necessário levar em conta também propos-
tas específicas de ensino da mídia-educação.
Defini-las requer oferecer respostas consis-
tentes à pergunta: “Como a mídia ensina?”.
Uma resposta preliminar é oferecida por
Cortés (2005): a mídia apresenta informa-
ção, organiza ideias, dissemina valores, cria
e reforça expectativas, fornece modelos de
comportamento. Ter uma atitude autônoma
neste contexto implica saber reconhecer a
natureza da informação disseminada pelos
meios de comunicação, identificar os mo-
dos como a mídia cria suas representações,
criar hipóteses sobre os tipos de aprendiza-
gem que podem ocorrer através de nossa
exposição constante aos textos ficcionais e
não ficcionais, ao longo da vida.
Converter essas questões em ativi-
dades de ensino e aprendizagem é algo que
pode ser feito com o uso dos chamados
“conceitos-chave da mídia-educação” (LUS-
TED, 1991; BUCKINGHAM, 2003; QCA, 2003,
UNESCO, 2011). Aqui, vamos tratar de quatro
deles: linguagem, audiências, instituições de
mídia e representação.
O primeiro conceito propõe inves-
tigar em que medida as características da
linguagem produzem sentido e que este não
é algo óbvio e transparente em relação à re-
alidade, mas resultado do emprego de uma
série de procedimentos técnicos e simbóli-
cos que reconstroem a realidade na tessitu-
ra da mensagem. As atividades pedagógicas
são planejadas para se deslocarem da ideia
de transparência para uma abordagem ana-
lítica e questionadora de como o significa-
do foi construído por práticas profissionais
13
estabelecidas. O distanciamento, provocado
pela análise objetiva daquilo que nos toca
emocionalmente e dos exercícios propos-
tos pela análise estrutural das mensagens,
podem trazer à tona aspectos sutis que
passam despercebidos sobre, por exemplo,
incoerências, fatos importantes que foram
negligenciados ou pelos que passaram como
simplesmente naturais ou inevitáveis.
O conceito de audiência se concentra
no estudo dos usuários da mídia e é útil para
investigar a ideia comum de falta de senso
crítico e de ausência de atividade mental do
público quando consome produtos da cultu-
ra midiática. Para tanto, navega entre dois
extremos: o pressuposto da mensagem todo-
-poderosa e a audiência vulnerável; e o pres-
suposto dos espectadores todo-poderosos
e a mensagem como praticamente incapaz
de determinar crenças e comportamentos.
As atividades pedagógicas devem exercitar a
capacidade de construir um ponto de equi-
líbrio que relacione as estruturas do texto e
as comunidades interpretativas, levando a
uma compreensão dialética do comporta-
mento da audiência que, ora é, sim, aliena-
da, ora é crítica e engajada. Criar hipóteses
sobre qual tipo de mensagem encoraja cada
tipo de resposta é um exercício produtivo
para superar a visão moralista criticada por
Hall e Martin-Barbero.
Instituições de mídia referem-se ao
estudo de ações e processos que se repetem
até que se tornem um conceito geral e abs-
trato, passando a descrever algo aparente-
mente objetivo. Nesse ponto, as instituições
se tornam ideológicas, e cabe ao pensa-
mento crítico refazer o percurso histórico,
do processo inicial à abstração, trazendo à
tona relações de poder. A naturalização de
algo cultural resulta, por exemplo, na defini-
ção de critérios para o que merece e para o
que não merece ser notícia, o que é ético ou
antiético na indústria do entretenimento; e
quais são os parâmetros que separam a cen-
sura, a regulação de mídia e a liberdade de
expressão.
Finalmente, as atividades para o es-
tudo da representação também transitam
entre dois extremos: mensagens como espe-
lho e fidelidade ou como fantasia e distorção.
Entre esses dois pontos, podemos localizar a
representação ligada à ideia de identidade,
isto é, a grupos diversos que codificam e de-
codificam a realidade usando as linguagens
midiáticas e criando aparências diversas para
o mesmo assunto. Cabe à mídia-educação
propiciar modos de entender como as con-
venções de cada segmento criam representa-
ções, e como tais representações variam de
acordo com a intencionalidade do produtor e
as expectativas do público.
14
Teoria na prática
O plano de trabalho a seguir usa a
publicidade como tema, e procura integrar
os quatro conceitos-chave da mídia-educa-
ção, dialogando com os fundamentos da
democracia radical, da negociação de sen-
tidos e da multimodalidade apresentados
anteriormente. São oito atividades previstas
para 8 horas de aula.
Plano de trabalho: estudando a publicidade
OBJETIVOS
ATIVIDADES
Compreender como a publicidade usa imagens, música, diálogos e personagens para criar
narrativas que associam valores a produtos e serviços;
Compreender a ideia de apelo na publicidade;
Produzir conteúdo experimentando a linguagem publicitária
Conhecer mecanismos de regulação que asseguram ao público o direito de reclamar quando
se sentir ofendido por um anúncio publicitário.
1. Estudar as propagandas “Ursos e Pinguins” e “Vídeo-game” da Coca-cola1, e responder
questões sobre o modo como a propaganda foi feita: quem são os personagens? O que acon-
tece no começo, no meio e no fim de cada propaganda? Que valores associamos aos perso-
nagens e, consequentemente, ao produto anunciado? Quem interpretou o anúncio de modo
semelhante? Quem fez interpretações diferentes? Por que isso acontece?
2. Estudar o conceito de apelo na propaganda e identificar o apelo de propagandas das quais
o grupo se lembre.
3. Estudar o modo como diversos anúncios usam animais para criar apelos: o coelho na pro-
paganda de pilha, o cachorro na velha propaganda dos amortecedores, o tigre na propaganda
de cereal, a águia na propaganda de serviços de segurança.
4. Usando uma seleção de fotos de animais, identificar os valores associados a cada um deles
e que tipo de produtos ou serviços poderiam anunciar.
5. Estudar os anúncios dos medicamentos Neosaldina e Tylenol, disponíveis no Youtube.
15
O conjunto de atividades sobre a pu-
blicidade aplica os conceitos-chave de lin-
guagem (estudo das propagandas da Coca-
-cola e dos medicamentos), representação
(uso de animais em anúncios), audiência
(produção de uma campanha para um públi-
co específico) e instituições de mídia (ques-
tões éticas e de regulação). Assim, é possível
estudar a publicidade com relativa extensão
e variedade e também aprofundar certos as-
pectos, como a linguagem e os mecanismos
de regulação. Ao concentrar esforços no
distanciamento necessário para refletir so-
bre as próprias escolhas, os estudantes têm
oportunidade de desenvolver habilidades de
leitura crítica. A atividade de produção re-
quisita o uso de multimodalidades, já que é
preciso criar um texto coerente usando as
linguagens verbal e não-verbal da imagem,
da forma, das cores etc. Por fim, procurar
canais institucionais para reclamar de abu-
sos da publicidade é uma forma de se en-
gajar em questões de caráter público, pa-
vimentando o caminho para o exercício da
democracia na sua versão radical.
Considerações finais
Este texto procurou apresentar, ain-
da que resumidamente, um quadro geral da
mídia-educação no mundo, recuperando as-
pectos históricos e teóricos e convertendo
depois, esse quadro, na descrição de uma
experiência prática. Trazido para o contexto
da educação brasileira contemporânea, esse
quadro deve ser especificado para se ajustar
às nossas demandas e características especí-
ficas. Essa é a tarefa dos três artigos a seguir,
escritos por professores e pesquisadores que
articulam a mídia-educação a três aspectos
relevantes para a escola brasileira.
O primeiro artigo se chama Teorias
do jornalismo aplicadas à mídia-educação e
foi escrito pelo professor Danilo Rothberg. A
proposta é mostrar que, no contexto profis-
sional, a produção de mensagens midiáticas
é moldada por fatores externos à vontade
dos jornalistas. Entre esses fatores estão os
critérios institucionalizados do que pode e
do que não pode ser notícia e do tempo dis-
Identificar o modo como cada um deles representa a ideia de dor de cabeça. Quais são os
argumentos de cada anúncio? Há problemas na forma como construídos os apelos?
6. Conhecer a proposta de autorregulação do Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária (Conar) e as normas do código de ética.
7. Usando o código de ética e o conhecimento adquirido sobre a linguagem da propaganda,
escolher um anúncio controverso e escrever uma carta de reclamação para o Conar.
8. Criar uma campanha de incentivo ao estudo em casa, focada no público formado pelos
“baderneiros” da escola. Identificar um apelo ao qual esse público se sensibilize e associar o
hábito de estudar a esse apelo, através do texto e da imagem.
16
ponível para se produzir uma reportagem.
Conhecendo as práticas profissionais por
trás da produção de conteúdo, o professor
amplia seu referencial de leitura crítica, ao
mesmo tempo em que ganha experiência
para realizar atividades de produção que sir-
vam também ensinar seus alunos a conhe-
cer a mídia “por dentro”.
O segundo artigo se chama A pro-
dução de texto publicitário radiofônico em
ambiente escolar: uma proposta de mídia-
-educação e foi escrito pela professoras
Lígia Beatriz Carvalho de Almeida e Roseane
Andrelo. Pensando na demanda criada pelas
rádio-escolas vinculadas ao programa “Mais
Educação” do MEC7, as autoras tratam do
texto publicitário radiofônico em ambiente
escolar, discorrendo sobre os fundamentos
dessa linguagem, seu potencial pedagógico
e propõem atividades práticas.
Mídia, educação e comunicação como
direito humano é o último artigo, escrito
pela pesquisadora Celma Tavares, da Univer-
sidade Federal de Pernambuco. O texto rela-
ciona dois acontecimentos importantes no
cenário político brasileiro: a Lei de Acesso à
Informação e a criação da Comissão Nacio-
nal da Verdade e argumenta como a mídia-
-educação pode ser uma ferramenta produ-
tiva para levar esses assuntos para a sala de
aula.
Em conjunto, este artigo intro-
dutório e os três específicos procuram
levar ao leitor um quadro abrangente
do que é e de como se faz mídia-educa-
ção, relacionando leitura crítica, produ-
ção de conteúdo e engajamento cívico.
7 O Programa Mais Educação tem como objetivo oferecer atividades optativas para estudantes de escolas públicas de Educação Básica, agrupadas em campos como meio ambiente, esporte e lazer, direitos humanos, cultura e artes, cultura digital, prevenção e promoção da saúde, educação científica e educação econômica. Uma dessas atividades é a produção da chamada “rádio escola”, na qual estudantes produzem e veiculam conteúdos radiofônicos.
17
REFERÊNCIAS
BRASIL. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 - Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Documento eletrônico disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/L9394.htm>. Acesso 14 Fev. 2013.
______. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PCN Ensino Médio – Orientações Educacionais
Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Linguagens, Códigos e Suas
Tecnologias. Brasília: MEC, 1999. Documento eletrônico disponível em < http://portal.mec.gov.
br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf> . Acesso 22 nov 2012.
______. PCN Ensino Fundamental 2. Brasília: MEC, 1997.
BUCKINGHAM, David. Media education – literacy, learning and contemporary culture.
Cambridge: Polity Press, 2003.
CORTÉS, C. E. How the Media Teach. In: SCHWARZ, GRETCHEN e BROWN, Pâmela. Media
Literacy: transforming curriculum and teaching – 104º Yearbook of the National Society for the
Study of Education. Malden: Blackwell, 2005.
DAHLBERG, L. e SIAPERA, E. Radical Democracy and the Internet - Interrogating Theory and
Practice. New York: Palgrave Macmillan, 2007.
HALL, S.; WHANNEL, P. The popular arts. Londres: Hutchinson Educational, 1964.
HALL, S. Da diáspora. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2003.
KRESS, Gunter. Multimodality – A social semiotic approach to contemporary com-munication.
Londres: Routledge, 2010.
KUNSCH, M. M. Comunicação e Educação: caminhos cruzados. São Paulo: Loyola, 1986.
LUSTED, David (org.). The Media Studies Book – A Guide for Teachers. Londres: Routledge, 1991.
MORDUCHOWICZ, Roxana. When Media Education is State Policy. In ONU / UNESCO /
ALLIANCE OF CIVILIZATIONS / GRUPO COMUNICAR. Mapping Media Education Policies in the
World. Nova York: ONU, 2009.
18
SANTOS, B. S. Pela mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1999.
SOUZA, H. R. e PEREIRA, J. A. C. Da Academia para as Comunidades: a mudança de perfil
do trabalho da UCBC na gestão Pedro Gilberto Gomes. Trabalho apresentado no CELACOM
2003. Documento eletrônico disponível em http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista16/
perfis%2016-1.htm. Acesso 16 fev. 2013.
UNESCO. Media and Information Literacy Curriculum for teachers. Paris: UNESCO, 2011.
Sites para consulta:
www.uftm.edu.br/redeci
www.medialiteracybrasil.net
vamoslerjornaldamanha.com.br
www.worldpressphoto.org
19
Sinopse
O estudo científico das práticas jor-
nalísticas é útil às atividades de mídia-edu-
cação à medida que fundamenta exercícios
estimulantes, com capacidade de promover
um aprendizado significativo. Este texto re-
visita teorias do jornalismo, relevantes para
a análise crítica de mídia e propõe direções
para o professor realizar atividades diversas,
que conduzam a um questionamento siste-
mático da qualidade da notícia diante das
exigências da cidadania.
Introdução
Quando o jornalismo é estudado
cientificamente, se buscam responder ques-
tões que, embora pareçam triviais, são, na
verdade, muito complexas. Por exemplo: por
que as notícias são como são? Por que en-
focam determinados fatos, enquanto outros
são abandonados? Por que certas perspecti-
vas são adotadas pelos jornalistas, ao passo
que outras são desconsideradas, como se
não existissem? Neste texto, vamos indicar,
em linhas gerais, quais têm sido as respos-
tas dadas para questões como estas pelas
pesquisas no campo do jornalismo.
Muitos pensam que as escolhas
que orientam a produção das notícias têm
a ver com os interesses políticos e econô-
micos das empresas jornalísticas. Se um
comando empresarial decide apoiar um
prefeito, governador ou presidente da Re-
pública, por exemplo, poderá promovê-lo
através da criação de uma imagem positiva
em torno de suas realizações. Ao mesmo
tempo, as ações de seus adversários se-
rão ignoradas ou caracterizadas de forma
negativa. Embora esta visão possa, obvia-
mente, explicar parte do problema, não é
suficiente para dar conta da densidade da-
quilo a que se convencionou chamar de cri-
térios profissionais de produção da notícia.
texto 1
teorias do jornalisMo aplicadas à Mídia-educação
Danilo Rothberg1
1 Jornalista e doutor em Sociologia pela Unesp (Universidade Estadual Paulista). Docente da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp. Coordenador do Plural: Observatório de Comunicação e Cidadania. (www.unesp.faac.unesp.br/observatorio). E-mail: [email protected]
20
Os pesquisadores da comunicação
convergem atualmente para o reconheci-
mento de três ordens de fatores de influên-
cia sobre a formação e a aplicação daqueles
critérios. Elas serão revisitadas a seguir. O
percurso será concluído com propostas de
atividades para o professor do ensino básico
(fundamental e médio) orientar a leitura e
a produção de conteúdo de caráter jorna-
lístico na escola, explorando oportunidades
para seus estudantes compreenderem os
bastidores da produção de notícias. No final
do texto, você vai encontrar uma lista co-
mentada de artigos e livros que resumem as
principais fontes desta perspectiva científica
de compreensão do jornalismo.
Três explicações para a origem da notícia
De acordo com o primeiro fator de
influência sobre a formação e a aplicação
dos critérios de produção noticiosa, uma
seleção particular de informações em uma
notícia se deve ao fato de que as organiza-
ções jornalísticas são, majoritariamente, em
países como o Brasil, empresas capitalistas à
procura de lucro, em um cenário de compe-
tição acirrada pelos consumidores. Por isso,
elas tendem a defender de maneira delibera-
da os interesses das elites políticas e econô-
micas que mais poderão ajudá-las nesse pro-
pósito. As empresas tenderão a representar
positivamente no cenário noticioso aquelas
políticas e propostas que, na visão de seus
grupos proprietários, poderão resultar em
uma forma de sociedade na qual a venda
de notícias e outros produtos de mídia seja
crescente e gere cada vez mais retorno fi-
nanceiro. Ao mesmo tempo, não serão co-
bertas pelas empresas jornalísticas, ou serão
negativamente representadas, as políticas e
propostas que possam, ainda segundo a vi-
são de seus acionistas, contribuir para criar
uma sociedade na qual o livre consumo de
mídia seja prejudicado. Essa vertente tam-
bém pressupõe que cada organização jorna-
lística represente determinados setores so-
ciais, de modo que se prevê uma associação
automática e inevitável entre o sentido da
notícia e a localização da mídia que a produz
no cenário político.
No âmbito do segundo fator de in-
fluência sobre os critérios profissionais de
produção da notícia, estão as característi-
cas do trabalho diário dos jornalistas, or-
ganizado em função de atender exigências
de eficiência industrial. Suas práticas e roti-
nas profissionais consagraram, ao longo do
tempo, um conjunto de valores que permite
aos jornalistas distinguir que é notícia e o
modo como esta deve ser noticiada. Tais va-
lores funcionam como guias para selecionar
os aspectos que mereçam destaque entre
os acontecimentos e excluir aqueles traços
que, supostamente, não vão atrair o público.
Para ser eficiente, o processo requer aten-
ção às singularidades do meio: afinal, render
belas ou explosivas imagens é importante
para a TV, por exemplo. Também é preciso
prestar atenção ao público: se determinada
faixa etária e de renda aparentemente pre-
21
ferir certo enfoque, este será o caminho se-
guido pelos editores. E a concorrência deve
ser vigiada: se um jornal avaliar como mais
lucrativo atender determinada faixa de pú-
blico, seu produto deverá se adaptar à tarefa
de buscar e manter ali seus clientes.
Os valores de produção da notícia
são úteis ao processo de transformação in-
dustrial da matéria-prima (o fato em si) em
produto (a notícia), e atendem às necessi-
dades de rapidez e praticidade para atingir
o maior número possível de pessoas. Eles
compõem operações “industriais” necessá-
rias para retirar um fato ou acontecimento
de seu contexto original e permitir sua re-
construção dentro das dimensões limitantes
do noticiário. Por isso, a descontextualiza-
ção da notícia, que muitos percebem e cri-
ticam, não é um acidente de percurso, mas
faz parte da rotina de produção no setor.
E a aplicação de valores da notícia à busca
pela maximização do público tem resultado
justamente em perfis editoriais muito criti-
cados atualmente, centrados na exploração
de enfoques dramáticos, com tendência ao
entretenimento, e acusados com frequência
de promover o sensacionalismo e a banali-
zação da vida cotidiana.
Ainda sob este segundo fator, está
a dimensão dos recursos humanos e téc-
nicos disponíveis em uma redação. Se um
jornal possuir um número insuficiente de
jornalistas para a apuração de um aconte-
cimento ou não dispuser de recursos técni-
cos adequados e competências necessárias,
é possível que as diversas visões relevantes
à compreensão abrangente do ocorrido não
possam comparecer à matéria. Neste caso,
a insuficiência se deverá não a uma omis-
são planejada do jornalista, mas será sim-
plesmente explicada pela escassez de meios
adequados para uma investigação completa.
O terceiro fator de influência sobre
a formação e a aplicação dos critérios de
produção noticiosa está relacionado às vi-
sões culturais que permanecem subjacentes
à atividade jornalística. Segundo esta pers-
pectiva, os julgamentos sobre como certos
acontecimentos devem ser noticiados vi-
riam de um extenso estoque de concepções
que moldam a experiência da vida cotidiana.
Tais pontos de vista compartilhariam, em al-
guma medida, aspectos da consciência que
os indivíduos constroem sobre sua própria
condição em uma dada época, envolven-
do, por exemplo, a autodeterminação sobre
o próprio destino, dever de solidariedade,
compromisso político, responsabilidade so-
bre crianças e adolescentes, família, traba-
lho, etc.
Nesta perspectiva, é comum que ne-
gros, minorias e homossexuais sejam, com
frequência, caracterizados de forma nega-
tiva pelo jornalismo, em coberturas estere-
otipadas e preconceituosas. Organizações
de defesa do meio ambiente e sindicatos de
trabalhadores também seriam alvo de es-
tereótipos, que se reproduziriam de forma
22
surpreendentemente constante: greves, por
exemplo, costumam ser cobertas não como
evidências da instabilidade das relações en-
tre capital e trabalho, mas como fatores de
perturbação do trânsito e da tranquilidade;
eventos como a Rio+20 ganham destaque
não por sua relevância para a governança in-
ternacional, mas sim pela extravagância de
líderes de organizações não governamentais
e pelo colorido de suas
manifestações. Adoles-
centes em conflito com
a lei são objeto de ma-
térias que praticamente
ignoram seus direitos, e
assim por diante.
Teoria e prática
Sob o olhar siste-
mático trazido pelo es-
tudo científico do jorna-
lismo, emergem formas
mais sofisticadas para
analisar a origem de
uma notícia, para além
das explicações simplifi-
cadas que a associam a manipulações com
interesses político-partidários.
Ainda assim, restam indagações so-
bre qual dos três fatores de explicação da in-
formação jornalística descritos acima pode
ser mais adequado para cada caso. Ciências
da comunicação não são exatas e nem sem-
pre podem indicar, com precisão, causas e
consequências. Mas nem por isso o público
que deseja exercer a crítica responsável da
mídia está perdido.
É justamente o contrário: uma críti-
ca coerente e fundamentada deve se valer
do saber estabelecido na área. A educação
para mídia pode se apropriar dele para pro-
por atividades estimulantes e bem orienta-
das, que contornem o
problema comum da
indefinição de méto-
dos e propósitos que
às vezes acompanha
o debate sobre a qua-
lidade da mídia, uma
questão, afinal, muito
complicada.
Como primeiro passo
para lastrear uma ati-
vidade de mídia-edu-
cação focada no jorna-
lismo, é preciso deixar
claro que, no estágio
atual do conhecimen-
to sobre a mídia, um
valor jornalístico especialmente valorizado
é a pluralidade de visões e interpretações,
a ser buscada e defendida pelos meios de
comunicação, segundo as exigências con-
temporâneas de cidadania. A vitalidade dos
sistemas democráticos depende da existên-
cia de uma diversidade de perspectivas no
cenário midiático, a fim de dar sustentação
à liberdade de formação de crenças e opini-
“(…) um valor
jornalístico
especialmente
valorizado é a
pluralidade de visões
e interpretações,
a ser buscada e
defendida pelos meios
de comunicação,
segundo as exigências
contemporâneas de
cidadania.”
23
ões. Pluralidade, abrangência, profundidade
e contexto são qualidades a serem exigidas
pelos cidadãos.
As diferentes explicações da notícia
podem, assim, ser utilizadas na busca pela
compreensão dos fatores que tenham con-
tribuído para que uma notícia não cumprisse
o que se espera do jornalismo, atualmente,
nas democracias, ou seja, uma abordagem
contextualizada, plural e abrangente do fato
ou acontecimento enfocado.
Neste ponto, deve ficar claro que
as várias formas de compreender a origem
da notícia não são necessariamente incom-
patíveis ou excludentes entre si. É possível,
por exemplo, que as exigências de eficiência
industrial sejam conciliadas com a persis-
tência de uma dada visão cultural entre os
jornalistas. É o caso da cobertura de greves,
protestos e manifestações de movimentos
sociais. Ao promover a exploração sensacio-
nalista dos supostos transtornos trazidos
por esses acontecimentos, um jornal pode
estar praticando um valor de produção de
notícia que supostamente maximiza a atra-
ção de leitores. Mas, ao mesmo tempo, tal
escolha editorial revela que podem perma-
necer ativas, na consciência dos jornalistas,
visões que, diante dos direitos atuais de ci-
dadania, estão ultrapassadas, ao condena-
rem de antemão a legítima reação da socie-
dade ao poder do Estado.
De maneira geral, a proposta aqui
indicada passa pela realização de ativida-
des de educação para mídia que levem os
educandos a questionar por que razão uma
notícia não cumpre os ideais democráticos
de pluralidade, abrangência, contexto e pro-
fundidade. Durante o transcorrer da ativida-
de, o professor pode utilizar os três fatores
de influência sobre a produção jornalística
como eixos para orientar o questionamento,
e conduzir debates e trabalhos em busca de
respostas adequadas no âmbito de cada um
dos três eixos.
Conclusões
Este texto trouxe uma revisão das
teorias da notícia como forma de embasar
atividades de mídia-educação que levem os
estudantes a produzir, de maneira fundamen-
tada, questionamentos sobre a qualidade do
jornalismo. As indagações deverão conside-
rar os requisitos da notícia segundo a pers-
pectiva do aprofundamento da cidadania e
poderão ser orientadas pelo professor para
transitar entre três ordens de explicação da
origem da informação jornalística. O percur-
so de produção e realização das atividades foi
pensado para gerar resultados palpáveis, que
gerem reflexão e aprendizado significativos.
24
REFERÊNCIAS COMENTADAS
ROTHBERG, D. Jornalistas e suas visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no contexto dos In-
dicadores de Desenvolvimento da Mídia da Unesco. Série Debates CI (Unesco), v. 4, p. 1-44, 2010.
Disponível em: http://tinyurl.com/podk67y
Este artigo resume relevantes teorias do jornalismo e fornece uma pesquisa das visões de jornalistas
brasileiros sobre a qualidade da notícia no país.
______. Jornalismo e informação para democracia: parâmetros de crítica de mídia. In: CHRISTO-
FOLETTI, R. (org.). Vitrine e vidraça: crítica de mídia e qualidade no jornalismo. Covilhã: Labcom
Books; Universidade da Beira Interior, 2010, p. 21-34. Disponível em: http://tinyurl.com/nvqth9p
Este capítulo apresenta uma síntese de parâmetros adequados para a construção de uma crítica de
mídia com método e sistematização.
SCHUDSON, M. Descobrindo a notícia: uma história social dos jornais nos Estados Unidos. Petró-
polis, RJ: Vozes, 2010.
Este livro é uma das obras fundadoras das abordagens contemporâneas das teorias do jornalismo.
25
Sinopse: O presente texto aborda a produ-
ção de texto publicitário radiofônico em
ambiente escolar, como uma importante
metodologia de mídia-educação. Desta for-
ma, discute as características do rádio, os
elementos que compõem a linguagem ra-
diofônica, os vários formatos publicitários,
o potencial educativo do rádio e, por fim,
apresenta uma atividade para ser desenvol-
vida com alunos dos ensinos fundamental e
médio.
Palavras-chave: rádio; linguagem radiofôni-
ca; texto publicitário.
Começando a conversa: para entender so-
bre o rádio
O rádio, presente há nove décadas
nos lares brasileiros, com o objetivo de en-
treter, informar, educar ou vender algo, ca-
racteriza-se pela sua condição sonora. Ou
seja, esse meio de comunicação de massa
emite som, um fenômeno físico de origem
mecânica, devido às vibrações do ar. Essa
pode ser considerada, do ponto de vista téc-
nico, a essência do rádio, o que influencia
suas demais características, considerando
seu uso social.
Sem o aparato da imagem, o rádio
exige um único sentido do ouvinte – a au-
dição, o que define uma de suas principais
características, a oralidade. Tal condição é
relativa, porque se dá principalmente no
âmbito da audiência, já que a maior parte
dos enunciados radiofônicos é lida. Ou seja,
primeiro é escrito um texto que só poste-
riormente será falado.
Outra característica é a sensoriali-
dade. Como o que se divulga é apenas som,
ao ouvinte é permitido que use a imagina-
ção para decodificar a mensagem. “O rádio
texto 2
a produção de texto publicitário radioFônico eM aMbiente escolar: uMa proposta de Mídia-educação
Lígia Beatriz Carvalho de Almeida1
Roseane Andrelo2
1 Radialista e pedagoga, mestre em comunicação midiática e doutora em educação. É professora nos cursos de Comunicação Social da Universidade Sagrado Coração. E-mail: [email protected]
2 Jornalista, mestre em comunicação midiática e doutora em educação escolar. É professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-mail: [email protected]
26
envolve o ouvinte, fazendo-o participar por
meio da criação de um ‘diálogo mental’ com
o emissor” (ORTRIWANO, 1985, p.80).
No que diz respeito à penetração,
o rádio pode ser considerado o veículo de
comunicação com maior alcance. Sua men-
sagem pode ser captada mesmo em locali-
dades sem energia elétrica. Além disso, é o
que mais contempla o regionalismo. É co-
mum a existência de emissoras, inclusive
nas pequenas cidades e, apesar do formato
de rede, esse veículo
permite a existência de
programações que res-
peitem a cultura local
ou, que, pelo menos,
atuem na prestação de
serviços à comunidade
em que estão inseridas.
O rádio também
é o veículo de comuni-
cação com maior mobi-
lidade, tanto do ponto
de vista do emissor quanto do receptor. No
primeiro caso, ele pode transmitir informa-
ções com agilidade, bastando para isso o
uso de um aparelho celular, o que remete
a outra característica – o imediatismo. Para
Mcleish (2001), trata-se de um meio simples,
flexível e que, em geral, funciona melhor
numa situação imediata ‘ao vivo’.
Com a instantaneidade, ao contrário
do que acontece com o meio impresso, o ou-
vinte não pode deixar para ouvir determina-
da informação na hora em que quiser, como
também não pode voltar atrás da notícia, se
não tiver entendido direito. É preciso estar
com o rádio ligado no momento da trans-
missão.
Essas condições devem ser conside-
radas ao escrever um texto para o rádio. É
preciso ter em mente, por exemplo, que ele
será oralizado, o que significa que o resul-
tado final será diferente daquele que está
no papel, pois contará
com outros recursos,
como a própria voz hu-
mana.
A linguagem radio-
fônica é resultado de
uma combinação entre
a palavra escrita, mú-
sicas, efeitos sonoros
e silêncio que, juntos,
ganham nova caracte-
rística. “[...] estes ele-
mentos perdem sua unidade conceitual à
medida que são combinados entre si a fim
de compor uma obra essencialmente sono-
ra com o ‘poder’ de sugerir imagens auditi-
vas ao imaginário do ouvinte” (SILVA, 1999,
p.71).
Um dos recursos utilizados é o silên-
cio, pois seu uso, “[...] quando contextualiza-
do dentro de uma estrutura sintática, tem
a possibilidade de adquirir significados que,
“A linguagem
radiofônica é resultado
de uma combinação
entre a palavra escrita,
músicas, efeitos
sonoros e silêncio que,
juntos, ganham nova
característica.”
27
por sua vez, podem realçar a importância da
continuidade sonora, ou podem atuar como
um signo, ou seja, representar um mistério,
uma dúvida, a morte, a expectativa” (SILVA,
1999, p. 73; 74).
Já os efeitos sonoros ajudam a que-
brar a monotonia de um veículo de comu-
nicação unisensorial e a sugestionar a ima-
ginação do ouvinte. Eles visam à associação
ao objeto que é representado sonoramente
(SILVA, 1999). O som de pássaros cantando
representa um cenário de natureza e o mo-
tor de carro, buzinas e pessoas falando com-
põem um ambiente urbano.
A música é outro recurso essencial
e pode ser usada de várias formas, além da
transmissão de uma canção. Ela tem papel
de fundo musical, também chamado de BG
(back ground). Trata-se de um som, normal-
mente instrumental, sobre o qual fala o lo-
cutor. Em um radiojornal, tem função fática
ou gramatical, de pontuação – separando
uma notícia da outra. No radioteatro, pode
ter papel descritivo, tanto do ponto de vis-
ta espacial, ao representar o local em que
acontece a cena, quanto temporal, ao indi-
car seu momento histórico. Também tem
função expressiva, criando um clima emo-
cional, de alegria, tristeza, mistério ou que
vise levar o ouvinte à reflexão.
Por fim, existe a palavra. O texto ra-
diofônico fica entre a espontaneidade e a
informalidade do estilo oral e a correção da
norma culta, empregada pela escrita. Isso
requer que ele seja enxuto, claro, objetivo
e simples. A recomendação é que o redator
escreva como se estivesse contando uma
história a alguém: com simplicidade, co-
loquialismo, frases curtas, concisão, ordem
direta, voz ativa e atenção à sonoridade - é
preferível usar formas no singular, que vão
evitar o “chiado” formado pelo excesso de
“s”, e evitar rimas.
O gênero publicitário no rádio
Diversos gêneros de programas po-
dem ser encontrados nas emissoras de rá-
dio: publicitário ou comercial, jornalístico
ou informativo, musical, dramático ou fic-
cional e educativo-cultural (BARBOSA FI-
LHO, 2003, p. 89-144). O gênero publicitário
se apropria das características das lingua-
gens dos outros gêneros para a construção
de suas mensagens. Assim, às vezes, a pro-
paganda radiofônica parece que é notícia;
outras vezes, que é música; pode soar como
uma história, ou mesmo como um ensina-
mento.
Com a intenção de levar o ouvin-
te a construir uma paisagem imaginária, é
possível, ao se criar um anúncio para rádio,
utilizar todos os recursos da linguagem ra-
diofônica. Imagine a cena descrita por essa
música: “Pipoca na panela, começa a arre-
bentar, pipoca com sal, que sede que dá, pi-
poca e guaraná, que programa legal!”
28
A soma de alguns fatores faz com
que a publicidade no rádio adquira carac-
terísticas específicas: como o ouvinte não
se dedica exclusivamente à audição das
mensagens, apenas um sentido humano
(audição) é estimulado e muitas mensa-
gens são veiculadas em um mesmo inter-
valo comercial, nas emissoras comerciais,
as mensagens são repetidas diversas vezes.
A publicidade radiofônica tem sua
matriz na tradição oral, portanto as men-
sagens mais eficazes são aquelas com texto
coloquial, intimista, com frases curtas e em
estilo direto. A publicidade usa a persuasão,
faz apelo à emoção, à razão, ou a ambas.
Visa chamar a atenção, se apropriando, não
raro, do humor, da dramaticidade, da poe-
sia, como no exemplo a seguir:
Altas horas. Procuro noite adentro.
Ruelas escuras. Ecoar de passos. Te
acho num sujo bar, gelada. Homens
à tua volta desejosos. Nó no peito.
Sorriem. Nas mãos, pedaços teus ex-
perimentam. Nó no peito. Basta! Fora
todos! Roubo-te. És apenas metade do
que mereço, mas basta-me. Olho-te.
Lábios próximos. Como-te. Opa! Mor-
tadela Sadia desperta paixões. (SILVA,
1999, p. 95).
A propaganda costuma ser a maior
fonte de renda das emissoras comerciais,
que disponibilizam diversos formatos de
anúncio para agradar todo tipo de anun-
ciante. Vejamos alguns deles:
- Spot: é o formato mais tradicional. Um ou
mais locutores falam um texto ou utilizam
técnicas de dramatização, envolvendo per-
sonagens criados. Como pano de fundo (BG),
incluem-se trilhas sonoras, efeitos e ruídos.
- Jingle: assemelha-se a uma música por ser
cantado. Eficazes para memorização das
mensagens, alguns ficam bastante famosos
e marcam época, como o Pipoca com guara-
ná, sendo cantados, até involuntariamente,
por pessoas de todas as idades. Há formatos
mistos que reúnem numa só peça radiofôni-
ca, locução e jingle. Tanto os spots como os
jingles duram, na maior parte das vezes, 30
ou 15 segundos, sendo gravados e editados.
- Vinhetas: são mensagens de efeito, curtas,
normalmente compostas pelo nome do pro-
duto e um slogan que o qualifica. São usadas
na abertura e encerramento do programa e
de seus blocos, caracterizando o que se cha-
ma de patrocínio dos programas. Exemplo:
Este programa é um oferecimento da Escola
Crescer: o lugar ideal para aprender!
- Testemunhais: o apresentador do progra-
ma dá, ao vivo, um depoimento “espontâ-
neo” favorável a um produto ou serviço.
Esse formato tem uma secundagem menos
rígida, pois se utiliza das características dis-
cursivas naturais do apresentador.
29
- Entrevistas: também ao vivo, o radialista,
no estúdio, conversa com o anunciante so-
bre o produto/serviço, ou sobre uma promo-
ção. Dura em média três minutos.
- Blitz – ao vivo, o radialista aborda o públi-
co em um determinado local, onde pergun-
ta sobre um produto ou serviço e distribui
amostras ou sorteia o produto anunciado.
Potencial pedagógico do rádio
Experiências diversas e o referencial teóri-
co apontam para o uso do rádio enquanto
ferramenta pedagógica. De forma resumida,
podem-se elencar as seguintes possibilida-
des: abertura do espaço escolar ao que acon-
tece na sociedade; exercício de cidadania (os
alunos vão se informar sobre os aconteci-
mentos do mundo e discutir a relevância
de abordá-los na rádio da escola); despertar
da responsabilidade (a atividade não ficará
restrita ao professor, já que será veiculada);
trabalho em equipe; melhora na produção
textual; poder de síntese; hierarquização
das informações; expressão oral; incentivo
à pesquisa e gosto pela leitura; visão crítica
à realidade e à mídia; expressão dos jovens;
integração dos alunos à escola; transdisci-
plinaridade (conteúdos de várias disciplinas
podem ser trabalhados de forma natural e
espontânea) e desenvolvimento da imagi-
nação e espaço à criatividade (ASSUMPÇÃO,
1999, 2002; CLEMI, 2002; DAY, 2007; ÉTIENNE,
2006; LUCAS, 1997).
Desta forma, o quadro 1 traz uma
proposta pedagógica para ser desenvolvida
em ambiente escolar.
30
TÍTULO
NÍVEL
OBJETIVOS
ATIVIDADES
COMPETÊNCIAS A
SEREM ADQUIRIDAS,
EM DIVERSOS NÍVEIS:
PERCEPÇÃO SENSO-
RIAL; CRIATIVIDADE;
EDUCAÇÃO ÀS MÍDI-
AS; LINGUAGENS ETC
CONTEÚDOS
TRABALHADOS
Campanha educativa sobre prevenção de uso das drogas
Alunos do ensino fundamental e do ensino médio.
- Distinguir linguagem verbal e não-verbal;
- Refletir sobre o tema em questão: prevenção do uso de drogas;
- Compreender os elementos da linguagem radiofônica e da mon-
tagem de roteiro;
- Analisar as etapas da produção publicitária, como adequação ao
público-alvo e criação para meio impresso e meio radiofônico.
1ª.) Discussão sobre o papel e o processo de criação publicitária
no rádio. O professor pode gravar material publicitário radiofôni-
co e passar para os alunos escutarem.
2ª.) Dividida em grupos, a turma é incentivada a criar uma cam-
panha educativa de prevenção às drogas para ser veiculada na
escola. Para isso, discute o perfil do público-alvo e os argumen-
tos que podem ser usados. Posteriormente, redigem um roteiro,
indicando texto, efeitos sonoros e trilha.
3ª.) O material é gravado e editado pelos grupos, usando soft-
wares gratuitos de edição de som. Caso a escola não tenha recur-
sos tecnológicos, a transmissão pode ser feita ao vivo, bastando
o uso de microfones conectados a caixas de som.
- Identificar os elementos que compõem a linguagem radiofônica
e utilizar esses elementos de forma criativa para produzir outros
formatos (radioteatro, textos publicitários etc);
- Selecionar, organizar, relacionar, interpretar dados e informa-
ções representados de diferentes formas, utilizando-os para
elaborar novos documentos;
- Aplicar as tecnologias da comunicação e da informação nos
diversos contextos;
- Desenvolver a capacidade de argumentação, de pesquisa e de
trabalho em grupo;
- Aplicar conceitos de várias áreas do conhecimento para
produções tecnológicas.
- A linguagem em vários aspectos: verbal e não-verbal (sons);
publicitária e do rádio.
- Prevenção do uso de drogas.
Quadro 1 - Ficha pedagógica
31
MATERIAIS
AVALIAÇÃO
- Um aparelho de rádio com tocador de CD (no caso de o pro-
grama ser gravado e posteriormente reproduzido em sala);
- Um microfone e equipamento de gravação de sons;
- Caixas acústicas colocadas no pátio da escola;
- Cartolinas e canetas coloridas para a produção de cartazes.
Deve ser considerado mais o envolvimento e a compreensão dos
conceitos aplicados às atividades do que o resultado do ponto
de vista técnico. Os próprios alunos envolvidos, em conjunto,
podem ser convidados a avaliar o trabalho, em todas as etapas.
Fonte: Produção das autoras
REFERÊNCIAS
ASSUMPÇÃO, Z. A. de. Radioescola: uma proposta para o ensino de primeiro grau. São Paulo:
Annablume, 1999.
____________________. A rádio no espaço escolar: um estudo de caso comparativo. Revista de
Estudos da Comunicação, Curitiba, no. 5, mar. 2002, p. 61-68.
BARBOSA FILHO, A. Gêneros radiofônicos: os formatos e os programas em áudio. São Paulo:
Paulinas, 2003.
Centre de Liaison de l’Enseignement et des Médias d’Information [CLEMI]. La radio, média des
jeunes – en milieu scolaire et associatif. Paris: CFPJ Éditions, 2002.
DAY, K. Radio, télé, cinéma ... ouverture sur le monde au CDI. Revue Inter CDI, Etampes
(França), no. 207, p. 12-15, mai/jun. 2007.
ÉTIENNE, B. La radio en cours de français – élaboration d’une parole radiophonique. Les
cahiers innover e réussir, Créteil (França), no. 12, p. 20-24, mar. 2006.
32
LUCAS, É. «Ce n’est pas parce qu’on est jeune qu’on n’a rien à dire». In: CHENEVEZ,
O. (Coord.). Les élèves acteurs de leurs médias. Paris: Centre National de Documentation
Pédagogique, 1997.
MCLEISH, R. Produção de rádio: um guia abrangente da produção radiofônica. São Paulo:
Summus, 2001.
ORTRIWANO, G. S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 3
ed. São Paulo: Summus, 1985.
SILVA, J.L. de O. A. Rádio: oralidade mediatizada: o spot e os elementos da linguagem radiofônica.
São Paulo: Annablume, 1999.
33
Sinopse: Este texto parte de dois eventos re-
centes no cenário político brasileiro: a Lei
de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 18 de
novembro de 2011) e a criação da Comissão
Nacional da Verdade, relacionando-os com
o exercício dos Direitos Humanos Funda-
mentais, em especial o Artigo 19 (liberdade
de expressão ou direito de receber e emitir
informações livre de barreiras) e descreven-
do algumas possibilidades para incluir essas
questões no ensino escolar, usando referen-
ciais da mídia-educação.
Palavras-chave: Direitos humanos; liberda-
de de expressão; leitura crítica da mídia.
Direitos, mídia e educação
A temática que orienta este texto
nos abre um leque de possibilidades. A op-
ção para desenvolvê-la parte do entendi-
mento de que a comunicação, a informa-
ção, a opinião e a expressão são direitos
humanos.2Estes direitos estão assegurados
na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, na Constituição Federal de 1988, no Pro-
grama Nacional de Direitos Humanos, entre
outros instrumentos nacionais, interameri-
canos e internacionais existentes.3Mas, para
exercê-los, além de conhecer os documen-
tos, necessitamos não apenas ter acesso à
comunicação e à informação, mas também
à possibilidade de produzi-las.
Nesse sentido, é preciso considerar o
contexto onde as informações circulam, em
que a comunicação pública se faz presente.
A realidade brasileira é marcada por restri-
ções à liberdade de informação e expressão,
pelo monopólio e oligopólio dos meios de
comunicação e pela invisibilidade da diver-
sidade social e cultural. As mídias apresen-
tam-se também como espaço de relações
assimétricas de poder, onde se estabelecem
texto 3
Mídia, educação e coMunicação coMo direito huMano
Celma Tavares1
1 Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca, Espanha. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Educação em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco.
2 Para aprofundar essa discussão, ver TAVARES; MORAES, 2010.
3 Esses documentos estão disponíveis nos sites: http://www.un.org/; http://www.oas.org/pt/; http://www4.planalto.gov.br/legislacao
34
mecanismos de controle que vulnerabilizam
direitos, assim como estratégias de manu-
tenção das estruturas de dominação presen-
tes nos diferentes espaços.
A expressão mídia-educação apare-
ce em documentos internacionais nos anos
1960 e seu conceito vem evoluindo ao longo
do tempo. Nessa trajetória, dois aspectos se
destacaram: a leitura crítica das mídias e a
apropriação das mídias como meios de ex-
pressão da opinião (BÉVORT; BELLONI, 2009).
Deste modo, a relação mídia e edu-
cação é fundamental para o processo de for-
mação da cidadania ativa (BENEVIDES, 1991),
que possibilite transformar a lógica desigual
de poder. A formação cidadã, assim enten-
dida, em termos de uma prática contínua,
requer um trabalho coletivo e participativo
que perpassa todos os conteúdos, articu-
lando teoria e prática da realidade social,
cultural, econômica e política. Consequen-
temente, na concretização deste processo
são requisitos: o conhecimento dos direitos,
a formação de valores e atitudes para seu
respeito e a vivência dos mesmos.
Integrar as mídias nos processos
educacionais, com seu uso em situações de
aprendizagem, é o primeiro passo, mas não
o único. É preciso criar formas de nos apro-
priarmos das mídias, na perspectiva da au-
tonomia, da criatividade, da dialogicidade e
da criticidade (FREIRE, 2005).
Além disso, no âmbito específico de
uma educação promotora dos direitos hu-
manos, o tema mídia-educação integra um
dos eixos do Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos. O Plano reconhece que
as mídias são “espaços de intensos embates
políticos e ideológicos”, mas que também
podem constituir-se em “espaço estratégico
para a construção de uma sociedade fun-
dada em uma cultura democrática, base-
ada nos direitos humanos”. Por isso, entre
outras questões, no documento é indicada
a necessidade de uma atuação responsável
dos meios de comunicação, de formação de
profissionais da educação e áreas afins, e de
desenvolvimento de mídias comunitárias,
visando à democratização da informação
(BRASIL, 2006, p. 53).
O fortalecimento do direito à informação
Considerando que vivemos em uma
sociedade em rede, em uma sociedade me-
diada (influenciada pelas mídias), o proces-
so de formação da cidadania ativa deman-
da um conjunto de capacidades para que
todos(as) nós, cidadãos e cidadãs, consiga-
mos nos integrar aos contextos sociais, cul-
turais e políticos, caracterizados por serem
cada vez mais ágeis e complexos. No desen-
volvimento dessas capacidades, o papel da
mídia-educação é central, ao possibilitar a
apropriação das mídias e das tecnologias da
informação e comunicação (TICs) como fer-
ramentas de poder para expressar a diversi-
dade sociocultural que permeia nosso país.
35
Isso implica a articulação entre o acesso e a
utilização da informação e a sua ressignifi-
cação, adequada às realidades e demandas
sociais existentes.
Dois exemplos recentes, relaciona-
dos à garantia do direito à informação, indi-
cam a relevância dessas questões ao exercí-
cio da cidadania ativa: a aprovação da Lei de
Acesso à Informação e a criação da Comis-
são Nacional da Verdade.
O direito humano à informação,
como indicado antes, está previsto desde
a Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos, em 1948, que em seu artigo 19 estabe-
lece: “Toda pessoa tem direito à liberdade
de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões
e de procurar, receber e transmitir informa-
ções e ideias por quaisquer meios e indepen-
dentemente de fronteiras” (ONU, 1948).
A Lei nº 12.527, de 18 novembro de
2011, conhecida como Lei de Acesso à Infor-
mação, veio, portanto, regulamentar este
direito humano, igualmente assegurado na
Constituição brasileira. A lei dispõe sobre
os procedimentos a serem observados pela
União, Estados, Distrito Federal e Municí-
pios, com o fim de garantir o acesso a infor-
mações, previsto no inciso XXXIII do art. 5º,
no inciso II do § 3º do art. 37, e no § 2º do
art. 216 da Constituição Federal. Em outras
palavras, garante-se o acesso amplo a qual-
quer documento produzido ou custodiado
pelo Estado, desde que não sejam de ordem
pessoal e não estejam protegidos por sigilo.
Na prática, os órgãos públicos ficam obri-
gados a facilitar a divulgação de suas infor-
mações (como suas políticas e atividades, a
utilização de seus recursos, etc) e a agilizar
o seu acesso para qualquer pessoa.
Ao mesmo tempo, o trabalho da Co-
missão Nacional da Verdade (CNV) possibili-
ta o acesso às informações essenciais ao res-
gate histórico e ao processo de consolidação
da democracia no país. A CNV foi criada pela
Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011, a fim
de efetivar o direito à memória e à verdade
histórica. Seu principal objetivo é o esclare-
cimento dos fatos e das circunstâncias dos
casos de graves violações de direitos huma-
nos praticadas pelo Estado brasileiro no pe-
ríodo de 1946 a 1988, como torturas, mor-
tes, desaparecimentos forçados e ocultação
de cadáveres. A investigação e divulgação
destes dados possibilitará o conhecimento
aprofundado sobre nosso passado, que é
condição de legitimidade para uma nação
democrática, permitindo modificar as ‘ver-
sões oficiais’ impostas à sociedade brasileira
ao longo de décadas, inclusive nos livros di-
dáticos.
Consequentemente, instrumentos
como estes demandam cidadãos e cidadãs
informados e conscientes da necessidade
da vivência de processos participativos, da
governança democrática, para que possam
expressar suas opiniões e exigir seus direi-
36
tos, como também exercer o controle social
sobre as políticas e os poderes públicos.
Pensando a mídia-educação no ambiente
escolar
Para uma abordagem sobre a mídia-
-educação no ensino formal, inicialmente é
importante assinalar que, apesar de a escola
não ser o único lugar onde são construídos
os conhecimentos sobre direitos humanos,
incluindo-se entre eles a mídia-educação,
consideramos, de acordo com as Diretrizes
Nacionais para a Educação em Direitos Hu-
manos, que esse é o espaço onde tais conhe-
cimentos podem estar presentes de forma
mais sistemática (BRASIL, 2012, p.13).
Ao mesmo tempo, é necessário des-
tacar dois princípios que devem orientar as
ações nesta área: o princípio da dignidade
humana e o princípio da laicidade do Esta-
do. O primeiro é o fundamento dos nossos
direitos. O segundo constitui elemento cen-
tral para evitar preconceitos e discrimina-
ções, garantindo a pluralidade de ideias e de
crenças.
Nesta perspectiva, Bévort e Belloni
(2009, p.1093), citando documento da Unes-
co, indicam os aspectos principais que de-
vem ser considerados no trabalho de mídia-
-educação: a) esta “significa pensamento
crítico e deve levar à construção de compe-
tências de análise crítica, sendo necessária
à participação e à democracia, ou seja, fun-
damental para a cidadania”; b) “deve ema-
nar dos interesses dos(as) estudantes”, em
especial porque “a produção de mensagens
pelos(s) estudantes é um elemento essencial
para a construção do pensamento crítico e
da expressão”; c) deve ter o cuidado de “in-
cluir todas as mídias”; d) “deve considerar
que a globalização, a desregulação e a priva-
tização das mídias levaram à necessidade de
novos paradigmas de educação”.
Aprofundando essas questões, Kell-
ner e Share apontam a necessidade de ado-
ção de uma “pedagogia democrática” para
as atividades de mídia-educação, de manei-
ra a possibilitar a partilha do poder entre
professores(as) e estudantes, e a “busca de
métodos para produzir sua própria mídia al-
ternativa”. Dessa forma, indicam os autores,
é possível oportunizar aos(às) estudantes o
papel de protagonistas, “de se tornarem su-
jeitos com o poder de contar suas próprias
histórias e coletivamente desafiar mitos do-
minantes e opressivos” (KELLNER; SHARE,
2008, p. 705, p.707).
É neste sentido que a informação e a
comunicação transformam-se em ferramen-
tas de poder, dando oportunidade para que
as pessoas não representadas pelos meios e
excluídas do processo de produção das no-
tícias encontrem espaço para expressar sua
cultura, suas demandas e suas vozes.
Para promover a mídia-educação no
ambiente escolar é necessário um conjunto
37
de ações participativas e colaborativas. Isto
requer a inserção deste tema no projeto po-
lítico pedagógico da escola, com o objetivo
de articular essas ações na dinâmica escolar
e em suas práticas pedagógicas.
No âmbito da leitura crítica da mí-
dia, que possibilita a
compreensão da ide-
ologia, do poder e da
dominação (KELLNER;
SHARE, 2008), é neces-
sário que os conteúdos,
explícitos ou sublimi-
nares, que são divulga-
dos nas mídias, sejam
objetos permanentes
de estudo no currículo
escolar, como forma de
contribuir para o/a es-
tudante ler, decodificar
e entender as diferentes
mensagens, nos textos
e nos contextos. Por-
tanto, é preciso pensar
alguns procedimentos
que possam contribuir
para a compreensão dos discursos veicula-
dos nas mídias que, no âmbito da formação
cidadã, ajudem a entender o que está por
trás da notícia e que fomentem uma percep-
ção crítica da mesma.
Assim, no desenvolvimento do traba-
lho de leitura crítica da mídia, é importante:
1) identificar quem manda a mensa-
gem (quem é o responsável pelo veí-
culo)
2) saber quem produz a informação e
para quem (quem é o jornalista respon-
sável e o público de determinado veícu-
lo de comunicação)
3) conhecer como foi
construída a informa-
ção (por exemplo, se foi
produzida na redação
local ou recebida de
alguma agência de no-
tícias)
4) saber quem financia
determinado veículo
5) identificar o que está
em destaque nas man-
chetes, títulos, fotos e
imagens
6) distinguir as fontes
(as pessoas que emitiram as opiniões)
7) ler toda a matéria atentamente
8) reconhecer o conteúdo e a forma
das notícias (o que é dito e como é
dito)
9) analisar o que não foi publicado
“(...) é preciso pensar
alguns procedimentos
que possam contribuir
para a compreensão
dos discursos
veiculados nas mídias
que, no âmbito da
formação cidadã,
ajudem a entender o
que está por trás da
notícia e fomentem
uma percepção crítica
da mesma.”
38
(compreender os fatos que ocorreram
mas não foram publicados)
10) comparar sempre as notícias em
meios distintos (TAVARES; MORAES FI-
LHO, 2010, p. 150-151).
Ao mesmo tempo, e complementan-
do a etapa anterior, no campo da apropria-
ção das mídias como meios de expressão
da opinião, os(as) professores(as) poderiam
adotar um conjunto de estratégias para que
o trabalho de mídia-educação proporcione
situações de aprendizagens significativas e
gerem as capacidades exigidas no processo
de formação da cidadania ativa. As possibi-
lidades são amplas e devem ser pensadas a
partir dos contextos específicos. De forma
geral, é possível realizar ações como:
• articular os conteúdos curriculares com a
discussão dos direitos à comunicação, infor-
mação, opinião e expressão, partindo, por
exemplo, de reportagens sobre a criação da
Comissão Nacional da Verdade, avaliando os
diferentes modos como esse fato foi repre-
sentado;
• debater a legislação sobre direitos huma-
nos em aula, como por exemplo, a Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos; a
Constituição Federal; o Estatuto da Criança
e do Adolescente; enfatizando os direitos à
comunicação, à informação, à opinião e ex-
pressão;
• utilizar o site oficial da Comissão Nacional
da Verdade como fonte de informação pri-
mária para produzir conteúdo para jovens,
tais como pequenos programas de rádio,
vídeos de bolso e revistas em PDF, usando
ferramentas web 2.0 que facilitem esse tra-
balho;
• promover discussões sobre mídia-educa-
ção em espaços como o conselho escolar e o
grêmio estudantil;
• articular trabalhos de mídia-educação
que envolvam a família e a comunidade do
entorno da escola. Isso pode ser feito, por
exemplo, trazendo familiares para serem en-
trevistados em pautas sobre direitos huma-
nos ou produzindo documentários fotográfi-
cos sobre problemas do bairro e sobre como
enfrentar esses problemas;
• incluir o tema mídia-educação nas diver-
sas atividades programadas anualmente.
Assim, uma atividade como a feira
de ciências pode ser um ótimo espaço para
o(a) professor(a) instigar os(as) alunos(as) a
apurar informações disponíveis nos sites do
Ministério da Educação e no Ministério da
Ciência e Tecnologia sobre o ensino de ciên-
cias. De posse dessas informações, é possí-
vel fazer um amplo debate sobre o que foi
encontrado nos sites e a realidade da escola.
Algumas questões podem orientar a discus-
39
são: de tudo o que o governo diz oferecer na
área de ciências, o que de fato chegou à es-
cola? Quais são os caminhos para que a es-
cola se beneficie de todos os programas do
governo para melhorar o ensino de ciências?
Qual é a qualidade da informação disponibi-
lizada pelo governo sobre o assunto?
Por fim, é preciso sempre recordar
que no cerne de toda a discussão em torno
da mídia-educação encontram-se duas ques-
tões que respondem ao porquê de se traba-
lhar com ela: possibilita “lutar contra as de-
sigualdades (sociais e regionais) de acesso
às diferentes mídias” e permite desenvolver
as capacidades necessárias “ao domínio téc-
nico e à compreensão crítica, não apenas
das mensagens das mídias, como também
das forças político-econômicas que as estru-
turam” (BÉVORT; BELLONI, 2009, p.1099).
O Estado brasileiro deu um impor-
tante passo ao promulgar a Lei de Acesso à
Informação e ao criar a Comissão Nacional
da Verdade. A escola deve se engajar na dis-
seminação dessas iniciativas e as abordagens
da mídia-educação parecem ser um caminho
bastante produtivo para tal realização.
REFERÊNCIAS
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BÉVORT, Evelyne; BELLONI, Maria Luiza. Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas.
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Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 nov. 2011.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 49 reimp. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
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TAVARES, Celma; MORAES FILHO, Ivan. O direito humano à comunicação como base para
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http://www.donosdamidia.com.br/
http://www.unesco.org/new/es/communication-and-information/
http://www.cnv.gov.br/
41
42
Presidência da RepúblicaMinistério da EducaçãoSecretaria de Educação Básica
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Supervisão Pedagógica Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento pedagógico Grazielle Bragança
Coordenação de Utilização e AvaliaçãoMônica Mufarrej Fernanda Braga
Copidesque e Revisão Milena Campos Eich
Diagramação e Editoração Bruno NinValeska Mendes Siqueira
Consultora especialmente convidada Alexandra Bujokas de Siqueira
E-mail: [email protected] Home page: www.tvbrasil.org.br/salto Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro. CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Outubro 2013