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ENCONTRO CATEQUISTAS - APARECIDA DO NORTE MARIA, CATEQUISTA DE JESUS, E JESUS, CATEQUISTA DO POVO
10 de fevereiro de 2019 frei Carlos Mesters, Carmelita
Introdução: 1. Perguntas para nós catequistas 2. Perguntas nossas para Jesus
1ª Parte: Perguntas para Jesus, como Catequizando 1. Jesus, quem foi a sua catequista?
2. O que você mais lembra dela?
2ª Parte: Perguntas para Jesus, como Catequista do povo 1ª Pergunta: Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de sua fala?
2ª Pergunta: Jesus, você fez algum curso para ser catequista?
3ª Pergunta: Quais os recursos que você usava para atrair tanta gente?
4ª pergunta: Por que alguns doutores não gostavam do seu jeito de ensinar?
3ª Parte: Perguntas para Jesus, como Formador de catequistas 1. Jesus, como você acompanhava cada um dos discípulos, seus catequizandos?
2. Jesus, como você formava os discípulos envolvendo-os na missão
3. Jesus, como você acompanhava o processo de formação deles?
4. Jesus, quais os Conteúdos e Recursos didáticos que você usava
5. Jesus, você fazia encontros para ensinar como transmitir a Boa Nova de Deus?
6. Jesus, qual o ponto mais importante que nós devemos levar em conta?
7. Jesus, como você define a sua missão como catequista c?
8. Jesus, como você usava a Bíblia na sua vida pessoal e na catequese?
4ª Parte: Os quatro lados da Palavra de Deus: Da Mensagem do Sínodo dos bispos
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Introdução: 1.
PERGUNTAS PARA NÓS CATEQUISTAS
Para começar, algumas perguntas para nós catequistas sobre nossa própria vida.
1. Por que você é catequista? Às vezes, a gente faz as coisas sem saber bem o
por quê. Faz por costume, por tradição, por necessidade, ou por opção. Muitas vezes,
os motivos se misturam. É bom conversar sobre o motivo que me leva a ser catequista.
2. O que você lembra da catequista que teve? O que lembra dela: doutrina ou
atitudes? Geralmente, lembra "atitudes!" As crianças vão lembrar o jeito que você
tinha de lidar com elas, de acolhê-las, de ser uma revelação bem pessoal daquilo que
você ensinava.
3. É mais fácil com os próprios filhos ou com os outros? Isto vale para as
catequistas casadas. Sempre se diz que a primeira catequista da gente é a própria mãe.
Outro dia, uma mãe me respondeu: "Para mim, é mais fácil com os outros".
4. Quem foi sua primeira catequista? Muitos dizem: foi minha mãe. Além da
mãe, vão lembrar uma ou mais pessoas que marcaram sua vida nos anos da infância.
5. Como você se relaciona com as crianças? Cada criança tem a sua história:
você consegue acompanhar cada uma? Em casa, a mãe consegue. Você catequista
consegue? A catequista que você teve conseguia acompanhar você? Cada criança tem
a sua família. Você consegue envolver os pais na formação das crianças? Consegue
fazer encontros com eles? O trabalho da catequese está integrado no conjunto da
pastoral da paróquia? Leva em conta as festas e o ano litúrgico?
6. Você faz hoje catequese igual ao que fazia 20 anos atrás? Sei que todas vão
responder: "Hoje, a gente faz diferente de ontem!" Pergunto: "Mas Jesus não mudou
de lá para cá. Por que você mudou sua catequese?" Uma catequista disse: "É verdade!
Mas quando o corpo cresce, a gente muda a roupa de acordo com o tamanho do
corpo. Mas mesmo diferente, o corpo estará sempre vestido! Isto não muda!"
7. Você gosta de ser catequista? Por quê? Qual o motivo mais profundo? Aqui,
cada uma responde conforme a resposta que lhe vem do coração.
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2. PERGUNTAS PARA JESUS
1. Para Jesus, o catequizando: Jesus, quem foi a sua catequista? O que você mais
lembra dela? Você também teve encontros de catequese na sinagoga? Você tinha que
fazer alguma prova para ser admitido na comunidade? Você teve catequistas de que
não gostava tanto?
2. Para Jesus, o catequista do povo: Jesus, o povo gostava quando você ensinava
para ele as coisas de Deus. Como é que você fazia? Você fez algum curso? Quais os
recursos que você usava para atrair tanta gente e tantas crianças? Por que alguns
doutores não gostavam do seu jeito de falar ao povo?
3. Para Jesus, o formador de catequistas: Você formou doze catequistas e
depois mais setenta e dois. Como você acompanhava cada um deles? Você também
fazia encontros como nós estamos fazendo hoje para aprender a transmitir melhor a
Boa Nova de Deus? Para você, Jesus, qual o ponto mais importante que nós
catequistas devemos levar em conta no nosso trabalho?
4. Para Jesus usando a Bíblia na catequese: Jesus, você usava a Bíblia? Você
tinha Bíblia em casa? Onde você aprendeu a ler e interpretar a Bíblia? Para nós nem
sempre é fácil, porque a Bíblia tem coisas difíceis que a gente não entende bem. Como
é que você fazia com os textos difíceis? Mais uma última pergunta bem pessoal: como
você usava a Bíblia para a sua vida pessoal? Desculpe tanta pergunta, Jesus. Mas é que
a gente quer aprender.
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1ª PARTE Perguntas para Jesus como Catequizando
Jesus, quem foi a sua catequista? O que mais você lembra dela? Você também teve catequese na sinagoga? Você tinha que fazer alguma prova para ser admitido na comunidade? Você também teve catequistas de que não gostava tanto?
1. Jesus, quem foi a sua catequista? O que você mais lembra dela?
Jesus responderia: "As minhas primeiras catequistas foram minha mãe e minha
avó". O que ele lembra delas é o que ele mesmo disse à mulher que elogiou sua mãe.
"Uma mulher levantou a voz no meio da multidão, e disse a Jesus: 'Feliz o ventre que te
carregou, e os seios que te amamentaram'. Jesus respondeu: "Mais felizes são aqueles
que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática." (Lc 11,27-28)
Jesus lembrava a felicidade da sua mãe de poder ouvir e praticar a palavra de
Deus: "Feliz quem ouve a palavra de Deus e coloca em pratica!" Uma mãe catequista
me disse: "Ser catequista é minha maior felicidade!" Uma criança disse: "Outro dia,
minha catequista não me falou sobre Deus, mas ficou meia hora comigo quando eu
estava triste. Foi tão bom. Foi Deus comigo!"
E a gente pergunta: "Como será que Maria foi a catequista de Jesus?" Difícil de
responder. Mas temos informações da própria bíblia de como Maria ouvia e praticava
a Palavra de Deus e também de como naquele templo era a transmissão da fé nas
casas e nas comunidades.
1. O testemunho de Maria, mãe e catequista de Jesus
A Bíblia fala muito pouco da Mãe de Jesus. Só sete livros a mencionam: Gálatas (Gl
4,4); Marcos (Mc 3,20-21.31-35); Lucas (Lc 1 e 2; 11,17); Atos (At 1,14); Mateus (Mt 1
e 2),;João (Jo 2,1-13; 19.25-26) e Apocalipse (Ap 12,1-17). Ela mesma fala menos
ainda. A bíblia conservou apenas sete palavras de Maria. Eis as sete palavras:
1ª Palavra: "Como pode ser isso se não conheço homem!" (Lc 1,34)
2ª Palavra: "Eis aqui a serva do Senhor!" (Lc 1,38)
3ª Palavra: "Minha alma louva o Senhor!" (Lc 1,46)
4ª Palavra: "Meu filho porque fez isso conosco?" (Lc 2,48).
5º Palavra: "Eles não têm mais vinho!" (Jo 2,3)
6ª Palavra: “Fazei tudo o que ele vos disser!" (Jo 2,5)
7ª Palavra: O silêncio ao pé da Cruz, mais eloquente que mil palavras! (Jo 19,25)
5 Quando fala de Maria, Lucas pensa nas Comunidades. Na maneira de Maria
relacionar-se com a Palavra de Deus, ele vê a maneira mais correta para a comunidade
relacionar-se com a Palavra de Deus: descobri-la, escutá-la, acolhê-la e encarná-la,
mesmo quando não a entende ou quando ela a faz sofrer. Eis um breve comentário
das sete palavras de Maria, mãe e catequista de Jesus:
1. "Como pode ser isso se não conheço homem algum!" (Lc 1,34)
Maria não se exalta. Ela escuta o apelo de Deus, confronta-o com a sua condição
e pergunta: “Como pode ser isso, se não conheço homem algum!” Não é falta de fé ou
medo, mas é realismo humilde, sem exaltação. Maria não quer ser a causa de que o
plano de Deus corra perigo de fracassar devido às limitações da sua condição humana.
Pois dentro da situação concreta em que ela se encontrava, a proposta do anjo não
poderia ser realizada: “Não conheço homem algum!”.
2. "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1,38)
Esclarecida pelo anjo, Maria se oferece: “Eis aqui a serva do Senhor!” Ela sabe
que vai trazer problemas. Como explicar a gravidez ao povo de Nazaré? Como explicá-
la a José? Ela correria o perigo de ser apedrejada. Apesar de todas estas dificuldades
reais, Maria se entrega à ação da Palavra de Deus: “Faça-se em mim segundo a tua
palavra!” O que conta não é o bem-estar dela mesma, nem as suas aspirações
pessoais, mas sim ser um instrumento eficaz na realização do plano de Deus.
3. "Minha alma louva o Senhor, exulta meu espírito em Deus, meu Salvador!" (Lc 1,46)
O Cântico de Maria está permeado de frases da bíblia. Ela conhece os salmos.
Além disso, ela tem consciência clara da situação do seu povo: as pretensões dos
soberbos (Lc 1,51), a ganância dos ricos (Lc 1,53), a opressão dos poderosos (Lc 1,52).
Unir o conhecimento crítico da realidade com a leitura orante da Bíblia é a chave que
abriu os olhos do coração de Maria para escutar os apelos de Deus nos fatos da vida.
4. "Meu filho porque fez isso conosco? Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos" (Lc 2,48)
Maria não tem medo de perguntar pelo motivo das coisas que ela não entende e
a fazem sofrer. Jesus responde: “Por que me procuravam? Então não sabiam que devo
estar na casa do meu Pai!” Maria não entendeu a palavra de Jesus. Maria é como
todos nós. Muitas vezes não entendemos os fatos da vida nem as palavras da Bíblia.
6 Importa imitar Maria. Ela continua buscando o sentido da palavra que não entendeu.
“Ela conservava no coração todas estas coisas” (Lc 2,19.51). Este é o caminho para
chegar à compreensão e aceitação da Palavra de Deus.
5. "Eles não tem mais vinho!" (Jo 2,3)
Maria é presença atenciosa. Despreocupada de si mesma, é capaz de perceber o
problema dos outros: “Eles não têm mais vinho!” Falta de bebida na festa de
casamento na roça era um problema sério que comprometia o bom nome dos noivos.
Maria recorre a Jesus, pois em Jesus chegou a possibilidade oferecida por Deus para
superar os limites e realizar, finalmente, as promessas da união entre Deus e seu povo.
6. “Fazei tudo o que ele vos disser!" (Jo 2,5)
Maria percebe o problema dos noivos e toma a iniciativa para solucioná-lo. Ela
recorre a Jesus. Jesus responde: “Mulher, o que há entre mim e ti? Minha hora ainda
não chegou”. Maria não entendeu a resposta de Jesus como recusa. Pelo contrário, ela
se dirige aos empregados: “Fazei tudo o que ele vos disser!” A realização plena das
promessas do AT se realizará através da “hora” de Jesus, isto é, sua morte e
ressurreição que transformarão a água da vida em vinho para a festa definitiva das
núpcias do Cordeiro (cf Apc 19,7;21,1.9). Seis ânforas cheias de água, cada uma com
cem litros. Seiscentos litros de vinho para uma festa que já estava no fim. É muito
vinho para pouca festa! O que fizeram com o vinho que sobrou? Estamos bebendo até
hoje!
7. O silêncio ao pé da Cruz, mais eloquente que mil palavras! (Jo 19,25)
Comentário silencioso
Estas poucas palavras e atitudes de Maria mostram como ela era catequista de
Jesus. Mostram como ela fazia para ouvir e praticar a Palavra de Deus e, assim,
encontrar a fonte da sua felicidade: olhar sempre com humildade a própria condição
humana; estar sempre disposto a entregar-se á ação da palavra, quando fica claro o
que Deus pede da gente; saber alegrar com os outros e não ser ingênuo, mas ter
consciência crítica a respeito da situação do país, onde existe tanta pobreza e
opressão; estar sempre atento às necessidades dos irmãos e das irmãs; ter Jesus como
norma da vida e da compreensão da Palavra: "Fazei tudo o que ele vos disser!"
7 2. A catequese no tempo de Jesus: em casa, na comunidade e no templo
* Em casa: na família, todos os dias.
Paulo escreve para Timóteo: “Lembro-me da fé sincera que há em você (Timóteo), a
mesma que havia antes na sua avó Lóide, depois em sua mãe Eunice e que agora,
estou convencido, também há em você” (2Tim 1,5). E diz ainda: “Desde a infância você
conhece as Sagradas Escrituras; elas têm o poder de comunicar a sabedoria que conduz
à salvação pela fé em Jesus Cristo” (2Tim 3,15).
Estas palavras de Paulo para seu amigo Timóteo deixam transparecer como era o
ambiente da transmissão da fé nas casas das famílias judias: seja em Nazaré na casa de
Jesus, Maria e José, seja na casa da família de Paulo em Tarso. A transmissão da fé era
a meditação constante da Palavra de Deus na convivência familiar. O povo rezava
muito. Todos os dias, de manhã, à tarde e à noite. Desde criança, eles aprendiam os
salmos. Eis o esquema da oração diária:
* As 18 bênçãos (de manhã, à tarde e à noite) * O Shemá, composto de três benditos e três leituras (de ma-
nhã e à noite) 1. Um bendito ao Deus Criador que gera o povo 2. Um bendito ao Deus Revelador que elege o povo 3. Três breves leituras: Dt 6,4-9: receber o jugo do Reino Dt 11,13-21: receber o jugo da Lei de Deus Nm 15,37-41: receber o jugo da consagração 4. Um bendito ao Deus Redentor que liberta o povo * Tudo misturado com Salmos
Esta meditação da Palavra transparece no Cântico de Maria (Lc 1,46-55), todo
recheado de citações de salmos e evocações bíblicas. Sinal de que Maria conhecia a
Bíblia e rezava os salmos a ponto de conhecê-los de memória. No cântico de Maria
transparece também uma visão bem crítica a respeito da situação social e política do
seu povo. Ela reza: "Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de
coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de
bens, e despede os ricos de mãos vazias" (Lc 1,51-53). Estes dois aspectos: meditação
orante da Palavra de Deus e visão crítica da realidade são as duas características da fé
que a catequista Maria transmitiu para seu filho Jesus.
* Na sinagoga: em comunidade, uma vez por semana.
Todo sábado, Jesus participava da celebração da Palavra na sinagoga. Era o
costume dele (Lc 4,16). Só havia uma única Bíblia na comunidade; era na sinagoga. O
8 conhecimento que as pessoas tinham da Bíblia vinha destas reuniões semanais na
sinagoga, onde se faziam duas leituras: uma da Lei e outra dos profetas (At 13,15). Em
Nazaré, naquele sábado, Jesus fez a segunda leitura do profeta Isaías (Lc 4,18,19; Is
61,1-2). Nos sábados, a bíblia era lida na reunião da comunidade e, em seguida, era
ruminada em casa, na família. Pelo que nos informam os evangelhos, a gente percebe
que Jesus conhecia muito bem a Bíblia. Se você for juntar todas as alusões ou citações
que ele faz da bíblia, vai perceber que Jesus conhecia a Bíblia quase de cor e salteado.
* No Templo: no meio do povo, nas romarias ao longo do ano.
Aqui se situam as romarias (Ex 23,14-17), nas quais Jesus participava desde doze
anos de idade e que o empolgavam tanto a ponto de ele permanecer em Jerusalém no
meio dos doutores para aprender mais as coisas de Deus, lembradas nas Escrituras (Lc
2,41-50). A celebração das três grandes festas, Páscoa, Pentecostes e Tendas,
mantinha no povo a memória das grandes etapas da sua história. Mantinha viva a
consciência da sua missão como povo de Deus.
Como fazer isto HOJE? Como catequistas é importante dar muita atenção a estas
três dimensões ou três ambientes da transmissão da fé: o ambiente diário em casa, na
família: todos os dias; o ambiente semanal da comunidade, na sinagoga: todos os
sábados; o ambiente anual das romarias ao Templo, três vezes ao ano, todos os anos.
* Nossa missão como catequistas está mais ligada ao ambiente semanal da
comunidade. Mas em nós deve estar presente a preocupação de manter uma estreita
ligação com o ambiente diário da casa e com o ambiente anual mais amplo do Templo,
da matriz, da paróquia, da diocese.
* Hoje nas reuniões semanais da comunidade as crianças aprendem as orações,
os cânticos, os salmos, o credo, etc. Nestes encontros semanais é muito importante
saber ser criativo: falar de Jesus, contar as histórias da Bíblia, usar um salmo, decorar
frases, fazer ler trechos das parábolas, mandar encenar episódios da vida de Jesus,
criar costumes, gincanas, etc.
* O ano litúrgico com suas festas ao longo dos doze meses oferece uma boa
oportunidade para ajudar as crianças a conhecer melhor a história de Jesus e das
várias etapas da história do Povo de Deus.
9 * Hoje, os catequizandos não vivem isolados, mas vivem integrados no contexto
mais amplo do bairro e da cidade com seus problemas e provocações. Você pergunta:
"No tempo de Jesus, como era o contexto mais amplo da vida dos catequizandos?"
3. O contexto mais amplo da catequese no tempo de Jesus.
1. A Convivência com o povo em Nazaré
2. O Trabalho na roça e na carpintaria
3. A Escola ou a Casa da Letra
4. A Galileia dos pagãos
* A Convivência com o povo em Nazaré. Nesta convivência de trinta anos Jesus
aprendeu as inúmeras coisas que todos nós aprendemos, como que naturalmente, ao
longo dos anos da nossa vida: as tradições, os costumes, as festas, os cânticos, os
tabus, as histórias, os medos, as doenças, os remédios. Quando Jesus, depois de
adulto, começou a agir e a falar diferente daquilo que os fariseus haviam ensinado nas
reuniões da sinagoga, o povo de Nazaré estranhou, não gostou nem acreditou (cf. Mc
6,4-6). E quando, numa reunião da comunidade, Jesus começou a ligar a Bíblia com a
vida deles (cf. Lc 4,21), a briga foi tanta que quiseram matá-lo (Lc 4,23-30). “Santo de
casa não faz milagre”. Maria, sua mãe, deve ter ficado muito reocupada.
* O Trabalho na roça e na carpintaria. Jesus se formou trabalhando. Servia ao
povo como carpinteiro (Mc 6,3). Naquela época, ser carpinteiro numa cidadezinha do
interior (como Nazaré) era o mesmo que ser o quebra-galho do povo, ao qual todos
recorriam para resolver os pequenos problemas caseiros. Jesus também trabalhava na
roça, tanto ele mesmo como Maria sua mãe. Pelas parábolas a gente percebe que
Jesus entendia as coisas da roça. Carpintaria e roça! Trabalho duro para viver,
sustentar a família e sobreviver. Na Galileia a terra não era ruim. Dava o suficiente para
o povo viver. Mas os impostos eram altos e o controle rígido. Havia muitos cobradores
de impostos (Mc 2,14.15). O povo não tinha defesa contra o sistema que o explorava.
* A Escola ou a Casa da Letra. Naquele tempo, nos povoados havia a Casa da
Letra. Era lá que os meninos aprendiam a ler e escrever. Jesus sabia ler, pois fazia a
leitura nas reuniões da comunidade (cf. Lc 4,16-17). Os meninos que deviam fazer a
leitura na celebração do sábado passavam a tarde da 6ª feira na sinagoga para se
preparar para fazer uma boa leitura no sábado. Pois, assim diziam, se a Lei de Deus é
perfeita (cf. Sl 19,7), perfeita deve ser também a sua leitura. Durante os anos da sua
10 juventude Jesus deve ter passado muitas tardes de sexta na sinagoga para preparar a
leitura do dia seguinte.
* A Galileia dos pagãos. O povo da Galileia era mais aberto, mais ecumênico que
o povo da Judeia no Sul. Galileia estava cercada de cidades pagãs. Os judeus da Galileia
tinham mais contato com os pagãos do que os do Sul. Os do Sul achavam que o povo
da Galileia era relaxado e lhe deram um apelido: “Galileia dos pagãos” (Is 8,23; Mt
4,15). A palavra “Galileia” significa “distrito”. Distrito dos Pagãos! Este contato mais
frequente com os outros povos teve influência na formação de Jesus. Por exemplo, ele
viajava e ia para as regiões de Tiro e Sidônia (Mc 7, 24.31), da Decápole (Mc 5,1.20;
7,31), de Cesareia de Filipe (Mc 8,27) e de Samaria (Lc 17, 11). Andando por esses
lugares, ele conversava com o povo pagão (Mc 7,24-29; Jo 4,7-42), o que era proibido
para os judeus (cf. At 10,28). Jesus chegou a reconhecer o valor e a fé de pessoas não
judias e aprendia delas (Mt 8,10). Por exemplo, ele aprendeu da mulher cananeia que
era de outra raça e de outra religião (cf. Marcos 7,26).
Como fazer isto HOJE? Este mesmo contexto existe hoje e influi muito na vida das
crianças e dos jovens: ajudar as crianças a se situar no contexto de hoje do Brasil, da
Igreja, da cidade, da roça, do bairro, das religiões. Aprender de Jesus como ser
ecumênico e não fechado. Ajudar a perceber os apelos de Deus nesta realidade que
vivemos em casa, no bairro, na escola.
2ª PARTE
Perguntas para Jesus, como Catequista do povo
Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de ouvir você falar sobre Deus? Vo-cê fez algum curso? Que recursos que você usava para atrair o povo? Por que alguns doutores não gostavam do seu jeito de dar aula de catecismo ao povo?
1ª Pergunta: Jesus, como você fazia para o povo gostar tanto de sua fala?
No relacionamento com o povo, Jesus não era "professor", mas era "mestre".
Professor tem alunos que frequentam as aulas do professor. Mestre tem discípulos
que convivem com ele. Jesus tinha o seu próprio jeito de anunciar a Boa Nova de Deus
e de revelar o rosto do Pai para o povo da sua terra. Vamos ver alguns aspectos de
como Jesus se relacionava com o povo na sua missão de catequista.
11 1. Jesus vai ao encontro das pessoas e as chama para segui-lo. Jesus vai ao
encontro das pessoas com sua bondade acolhedora. Onde há gente para escutá-lo, ele
fala e transmite a Boa Nova de Deus: nas sinagogas nos sábados (Mc 1, 21; 3,1; 6,2);
em reuniões nas casas de amigos (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho
com os discípulos (Mc 2,23); ao longo do mar, à beira da praia, sentado num barco (Mc
4,1); no deserto onde o povo o procura (Mc 6,32-34); na montanha, de onde proclama
as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas praças onde povo carrega seus doentes (Mc 6, 55-
56); no Templo de Jerusalém, nas romarias, diariamente, sem medo (Mc 14,49)! Em
vez de expor ou impor uma doutrina, Jesus propõe um caminho de vida, irradia uma
nova imagem de Deus.
2. Jesus recupera a dimensão caseira e festiva da fé. A religião oficial insistia
no espaço sagrado do Templo e nas coisas do culto. Jesus nunca aparece oferecendo
sacrifícios no templo. Até à idade de trinta anos, Jesus viveu no ambiente comunitário
e caseiro lá em Nazaré. Durante os três anos que andou pela Galiléia ele entrava e vivia
nas casas do povo: de Pedro (Mt 8,14), de Mateus (Mt 9,10), de Jairo (Mt 9,23), de
Simão o fariseu (Lc 7,36), de Simão o leproso (Mc 14,3), de Zaqueu (Lc 19,5). O oficial
reconhece: “Não sou digno de que entres em minha casa” (Mt 8,8). E o povo
procurava Jesus na casa dele (Mt 9,28; Mc 1,33; 2,1; 3,20). Em Betânia Jesus parava na
casa de Marta, Maria e Lázaro (Jo 11,3.5.45; 12,2). No envio dos discípulos e discípulas
a missão deles é entrar nas casas do povo e levar a paz (Mt 10,12-14; Mc 6,10; Lc 10,1-
9). Jesus recupera a dimensão sagrada e festiva da Casa. Ele participa da festa de
casamento em Caná (Jo 2,1-2) e é na sala superior da casa de um amigo que celebrou a
última páscoa com seus amigos (Mt 26,18-19). Depois da ressurreição, Jesus entrou
em casa com os dois discípulos em Emaús e foi reconhecido no gesto tão caseiro da
fração do pão (Lc 24,29-30).
3. Jesus reconstrói a vida comunitária nos povoados da Galiléia. Devida à
política dos romanos e ao sistema da religião oficial, a vida comunitária estava sendo
desintegrada. Mais da metade do orçamento familiar ia para os impostos e tributos.
Tais políticas excludentes geravam pobres e marginalizados. As famílias se fechavam
sobre si mesmas. A própria família de Jesus queria levá-lo de volta para Nazaré. Jesus
reage: “Quem é minha mãe e meus irmãos? É todo aquele que faz a vontade do Pai
que está nos céus” (Mc 3,34-35) Jesus alarga a família. Ele quer evitar que as famílias
se fechem sobre si mesmas e, assim, desintegrem a vida do clã, da comunidade. Por
12 isso ele diz: "Se alguém vem a mim, e não odeia seu pai, sua mãe, sua mulher, seus
filhos, irmãos, irmãs, e até mesmo à sua própria vida, esse não pode ser meu discípulo”
(Lc 14,26). Manda que as pequenas famílias se abram para a vida em comunidade.
4. Jesus acolhe os excluídos, sobretudo os doentes, e os trata com carinho.
Muita gente era marginalizada. Jesus recebe como irmão e irmã aqueles que a religião
e o governo excluíam: os imorais: prostitutas e pecadores(Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc
7,37-50; Jo 8,2-11); os hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo
4,7-42); os impuros leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 11,14-22; 17,12-14; Mc 1,25-
26); os colaboradores: publicanos e soldados (Lc 18,9-14; 19,1-10); os pobres: o povo
da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20.24; Mt 11,25-26). os marginalizados:
mulheres, crianças, doentes (Mc 1,32; Mt 8,17;19,13-15; Lc 8,2s). A doença era
considerada castigo divino. Eram afastados e marginalizados do convívio social.
Tocando no leproso para curá-lo, Jesus assumiu conscientemente uma marginalização
social, a ponto de já não poder entrar nas cidades (Mc 1,45).
5. Jesus recupera igualdade homem e mulher. Um grupo de mulheres seguia
Jesus e fazia parte da comunidade ao redor de Jesus (Lc 8,2-3; Mc 15,40-41). Aceitar
mulheres como discípulas dentro do grupo não era costume e não deve ter sido fácil
para os discípulos (Lc 24,11). Pelas suas atitudes Jesus tira o privilégio do homem
frente à mulher. Ele não permite que o homem se divorcie da sua mulher (cf. Mt 19,1-
12). A moça prostituída é defendida contra o fariseu (Lc 7,36-50). A mulher encurvada
é acolhida como filha de Abraão contra o dirigente da sinagoga (Lc 13,10-17). A mulher
adúltera, acusada pelos fariseus, não foi condenada por Jesus (Jo 8,1-11). A mulher
impura é acolhida e curada sem censura (Mc 5,25-34). A Samaritana, desprezada como
herética, é acolhida num longo diálogo (Jo 4,7-26). A mulher estrangeira de Tiro e
Sidônia é atendida por ele (Mc 7, 24-30). As mães com filhos pequenos são acolhidas e
abençoadas por Jesus (Mt 19,13-15; Mc 10,13-16). Maria Madalena, considerada
possessa, mas curada por Jesus (Lc 8,2), recebe a ordem de transmitir a Boa Nova da
ressurreição aos apóstolos (Jo 20,16-18). As mulheres, que ficaram perto da cruz de
Jesus (Mt 27,55-56.61), são as primeiras a experimentar a presença de Jesus
ressuscitado (Mt 28,9-10).
6. Jesus supera as barreiras de religião, raça e classe. Jesus não se fecha
dentro da sua própria raça e religião, mas sabe reconhecer as coisas boas que existem
13 nas pessoas de outra raça e religião e acolhe lições da parte deles. À Samaritana revela
o segredo maior de ser o messias (Jo 4,26). A Cananéia ajuda Jesus a abrir a visão sobre
a sua missão (Mt 15,27-28). No contato com um oficial romano, Jesus reconhece
"nunca encontrei uma fé tão grande em Israel" (Mt 8,10). Ele acolhe e conversa com
Nicodemos (Jo 3,1), que era um membro da alta classe judaica, com assento no
Sinédrio. Desafiando as leis religiosos Jesus acolhe pessoas leprosos, impuros e
deficientes físicos. E o publicano Zaqueu é acolhido como filho de Abraão (Lc 19,9).
Jesus fala para todos, indistintamente, mas fala a partir dos pobres.
7. Jesus reflete o humano universal. No acolhimento às pessoas Jesus é
universal. Não distingue a religião e acolhe a todos. Nas oito bem-aventuranças Jesus
não faz distinção entre Judeus e não judeus, mas fala de todos os seres humanos:
"Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os aflitos,
porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que
têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os que são misericordiosos,
porque encontrarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus.
Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que
são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu". (Mt 5,3-10). O
mesmo vale para o juízo final, onde ele não faz nenhuma distinção e se dirige ao ser
humano como tal (Mt 25,31-46).
2ª Pergunta: Jesus, você fez algum curso?
A palavra curso vem de correr: correr pela vida. Como todos nós, Jesus fez o
curso da vida; correu pela vida, desde o nascimento em Belém até a sua morte na cruz
em Jerusalém. A vida como tal foi o grande curso e o concurso de Jesus: Belém, Egito,
Nazaré, Galileia, Samaria, Judeia, Jerusalém. Todos os dias, durante trinta anos em
Nazaré: convivendo em casa, trabalhando na roça e na carpintaria, participando nas
reuniões da comunidade todos os sábados. Havia uma "escola da letra" onde os
rapazes aprendiam a ler. Era ministro da Palavra. Foi convidado para fazer a Leitura.
3ª Pergunta: Quais os recursos que você usava para atrair tanta gente?
Jesus tinha uma grande capacidade de contar parábolas para comparar as coisas
de Deus com as coisas da vida do povo. Isto supõe duas coisas na catequista: estar
14 bem por dentro das coisas da vida do povo, e estar por dentro das coisas de Deus, do
Reino de Deus.
A parábola é uma forma participativa de ensinar e de educar. Não dá tudo
trocado em miúdo. Não faz saber, mas faz descobrir. Ela muda os olhos, faz a pessoa
ser contemplativa, observadora da realidade. Leva a pessoa a refletir sobre sua
própria experiência e faz com que esta experiência a leve a descobrir que Deus está
presente no cotidiano da vida de cada dia. Por ex. o agricultor que escuta a parábola
da semente, diz: “Semente no terreno, eu sei o que é. Mas Jesus diz que isso tem a
ver com o Reino de Deus. O que será que ele quis dizer com isto?” E aí vem as longas
conversas do povo em torno das parábolas que Jesus contava.
A parábola provoca. Em algumas parábolas acontecem coisas que não costumam
acontecer na vida normal. Por exemplo, onde se viu um pastor de cem ovelhas
abandonar noventa e nove no deserto para encontrar aquela única ovelha que se
perdeu? (Lc 15,4) Você faria? Onde se viu um pai acolher com festa o filho devasso,
sem dar nenhuma palavra de censura? (Lc 15,20-24). Seu pai faria? Onde se viu um
samaritano ser melhor que o levita e o sacerdote? (Lc 10,29-37). A parábola provoca
para pensar. Ela leva a pessoa a se envolver na história a partir da sua própria
experiência de vida.
Um bispo perguntou numa reunião da comunidade: “Jesus falou que devemos ser
como sal. Para que serve o sal?” Discutiram e, no fim, partilhando entre si suas
experiências com o sal, encontraram mais de dez finalidades para o sal. Aí eles foram
aplicar tudo isto à sua própria vida e descobriram que ser sal é difícil e exigente! Com
outras palavras, a parábola funcionou e ajudou-os a dar um passo. Iniciaram a
travessia em direção ao Reino!
Só poucas vezes Jesus explica as parábolas. Geralmente, ele diz: "Quem tem
ouvidos para ouvir ouça!" (Mt 13,9; 11,15; 13,43; Mc 7,16). Ou seja: "É isso! Vocês
ouviram! Agora tratem de entender!" De vez em quando, em casa, ele dava
explicação aos discípulos (Mc 4,34-34). Isto significa que o ensino em parábolas era
um voto de confiança de Jesus na capacidade do povo e dos discípulos de
entenderem o seu ensinamento. É bom para o formando saber e experimentar que a
catequista acredita nele e na sua capacidade compreender as coisas.
15 4ª pergunta: Por que alguns doutores não gostavam do seu ensino?
Era o seu jeito de "ensinar com autoridade, diferente dos escribas e fariseus" (Mc
1,22). Para o povo, as autoridade daquele tempo ("escribas e fariseus"), não
ensinavam com autoridade. E Jesus, que não era uma autoridade, "ensinava com
autoridade". Eis o resumo da resposta nestes sete pontos da atitude de Jesus como
catequista:
1. Jesus irradiava uma nova imagem de Deus como Pai. Falava tanto do Pai que
Filipe chegou a dizer: "Mostra-nos o Pai e basta!" Jesus respondeu a Filipe: "Quem vê a
mim, vê o Pai!" Antes de falar do Pai, mesmo sem dizer uma só palavra, Jesus refletia o
Pai: "Quem vê a mim vê o Pai".
2. Jesus não fazia proselitismo, nem puxava o povo para o seu grupo, mas
irradiava um novo sentido da vida e da lei que atraía as pessoas. Aquilo que ele era
ensinava tocava o desejo mais profundo que todo ser humano sincero tem de justiça e
de verdade: "Quem é pela verdade escuta minha voz!" (Jo 18,37)
3. Jesus não trazia normas que fechavam e excluíam, mas abria as normas da lei
que fechavam e excluíam. Por seis (6) vezes ele repetia: "Antigamente foi dito, mas eu
digo!" (Mt 5,21.27.31.33.38.43).
4. Jesus não trazia uma nova doutrina, mas com um novo olhar ele relia e
explicava a doutrina dos antigos e corrigia suas limitações (cf. Mc 7,1-23).
5. Jesus, ajudado pela mulher Cananéia, descobriu que ele não veio só para as
ovelhas perdidas de Israel, mas para todos, também para os de outra raça e religião
(Mt 15,21-28).
6. Jesus se fazia irmão de todos. Diante da Samaritana, ele se declarava judeu (Jo
4,22). Para o evangelista João, Jesus não é o judeu que convida os pagãos, mas ele se
coloca do lado dos pagãos e convidava os judeus. Ele diz "vocês" (Jo 8,31), como se ele
não fosse judeu.
7. Jesus ensinava que não basta conhecer o sentido exato deste ou daquele texto
da Lei de Deus. Os textos devem ser lidos à luz dele mesmo, pois eles falam de Jesus
(Jo 5,46).
Por tudo isto, alguns doutores da lei não gostavam de Jesus e até procuravam
um jeito para matá-lo.
16
3ª PARTE Perguntas para Jesus,
como Formador de catequistas
Jesus, você formou catequistas, primeiro doze e depois mais setenta e dois. 1. Como você acompanhava cada um deles? 2. Como formava os discípulos envolvendo-os na missão? 3. Como você acompanhava o processo de formação deles? 4. Quais os conteúdos e recursos didáticos que usava? 5. Você também fazia encontros para eles aprender como transmitir a Boa Nova de Deus? 6. Qual o ponto mais importante que nós catequistas devemos levar em conta? 7. Como você define a sua missão? 8. Como você usava a Bíblia para a sua vida pessoal e para a catequese?
1ª Pergunta: . Jesus, como você acompanhava cada um dos discípulos?
Ao longo daqueles três anos, Jesus acompanhava os discípulos. Ele era o amigo (Jo
15,15) que convivia com eles, comia com eles, andava com eles, se alegrava com eles,
sofria com eles. Era através desta convivência amiga que eles se formavam. Muitos
pequenos gestos refletem o testemunho com que Jesus marcava presença na vida dos
seus catequizandos: o seu jeito de ser e de conviver, de relacionar-se com as pessoas e
de acolher o povo que vinha falar com ele. Era a sua maneira de dar forma humana à
sua experiência de Deus como Abba, Pai, Papai. Eis alguns:
* Amigo: comparte tudo, até mesmo o segredo do Pai (Jn 15,15).
* Carinhoso: provoca respostas fortes de amor: da moça do perfume (Lc 7,37-38); de
um grupo de mulheres Galileia (Lc 8,2-3; Mc 15,40-41); de Pedro (Jo 6,67; 21,15-17);
de Tomé (Jo 11,16); da mulher do frasco de perfume caríssimo (Mc 14,3-9); de
tantos e tantas...
* Atencioso: preocupa-se com a alimentação dos discípulos (Jo 21,9), cuida do
descanso deles e procura estar a sós com eles para repousar (Mc 6,31).
* Pacífico: inspira paz e reconciliação: "A Paz esteja com vocês!" (Jn 20,19); “Não
tenham medo, vocês valem muito mais do que muitos pardais” (Mt 10,26-33);
manda perdoar setenta vezes sete (Mt 18,22).
* Compreensivo: aceita os discípulos do jeito que eles são, até mesmo a fuga, a
negação e a traição, sem romper com eles (Mc 14,27-28).
* Comprometido: defende os discípulos quando são criticados (Mc 2,18-19; 7,5-13).
* Manso e humilde: convida os pobres e oprimidos: "Venham todos a mim" (Mt 11,28).
* Exigente: pede para deixar tudo por amor a ele (Mc 10,17-31).
17 * Sábio: conhece a fragilidade dos seus discípulos, sabe o que se passa no coração
deles e, por isso, insiste na vigilância e ensina-os a rezar (Lc 11,5-13; Mt 6,5-15).
* Homem de oração: reza nos momentos importantes de sua vida e desperta vontade
de rezar: "Senhor, ensina-nos a rezar!" (Lc 11,1-4; cf. Lc 3,21; 6,12; Jn 11,41-42; Mt
11,25; Jn 17,1-26; Lc 23,46; Mc 15,34)
* Humano: Jesus é humano, “tão humano como só Deus pode ser humano” dizia o
Papa Leão Magno (Séc. V).
Por este seu jeito de ser, Jesus encarnava o amor de Deus e o revelava aos
discípulos e discípulas (Mc 6,31; Mt 10,30; Lc 15,11-32). “Quem vê a mim, vê o Pai” (Jo
14,9). Tornava-se para eles uma pessoa significativa que os marcou pelo resto de sua
vida como "caminho, verdade e vida" (Jo 14,6).
2ª Pergunta: Jesus, como você formava os discípulos envolvendo-os na missão
Jesus não é um professor que tem alunos que o escutam. É mestre que tem
discípulos que convivem com ele. Jesus os envolve na missão que ele mesmo estava
realizando em obediência ao Pai. Esta participação efetiva no anúncio do Reino fazia
parte da catequese que Jesus dava a eles, pois a missão, isto é, a irradiação da Boa
Nova de Deus, era a razão de ser da vida comunitária ao redor de Jesus. (Lc 9,1-2;
10,1). Eis alguns aspectos desta sua atitude formadora com os discípulos:
* corrige-os quando erram e querem ser os primeiros (Mc 9,33-35; 10,14-15)
* sabe aguardar o momento oportuno para corrigir (Lc 9,46-48; Mc 10,14-15).
* ajuda-os a discernir porque não conseguem expulsar os demônios (Mc 9,28-29),
* interpela-os quando são lentos e não entendem as palavras (Mc 4,13; 8,14-21),
* prepara-os para o conflito e a perseguição (Jo 16,33; Mt 10,17-25),
* manda observar a realidade: "Quem dizem que eu sou?" (Mc 8,27-29; Jo 4,35)
* reflete com eles as questões do momento (Lc 13,1-5),
* confronta-os com as necessidades do povo (Jo 6,5),
* ensina que as necessidades do povo estão acima dos ritos e normas (Mt 12,7.12),
* esquece o próprio cansaço e acolhe o povo que o procura (Mt 9,36-38).
* tem momentos a sós com eles para poder instruí-los (Mc 4,34; 7,17; 9,30-31),
* sabe escutar, mesmo quando o diálogo é difícil: com a samaritana (Jo 4,7-30).
* ajuda as pessoas a se aceitarem a si mesmas: "Pedro, rezei por você!" (Lc 22,32).
* é severo com a hipocrisia (Lc 11,37-53).
18 * faz mais perguntas do que respostas (Mc 8,17-21).
* é firme e não se deixa desviar do caminho (Mc 8,33; Lc 9,54).
* desperta liberdade: "O homem não foi feito para o sábado" (Mc 2,18.23.27).
* depois de tê-los enviado em missão, na volta faz revisãos (Lc 9,1-2;10,1; 10,17-20)
* pelas parábolas desperta a atenção dos discípulos para as coisas da vida (Lc 8,4-8).
3ª Pergunta: Jesus, como você acompanhava o processo de formação deles?
Não é pelo fato de uma pessoa andar com Jesus que ela já seja santa. O “fermento
de Herodes e dos fariseus” (Mc 8,15), a ideologia dominante da época, tinha raízes
profundas na vida daquele povo. Não é pelo fato de a criança estar na catequese que
ela já seja melhor que as outras. A conversão que Jesus pede e a formação que ele dá
procuram tirar de dentro de nós esse “fermento” da ideologia dominante.
Hoje, a ideologia dominante do sistema neoliberal renasce sempre de novo na vida
das comunidades, na nossa vida e na vida das crianças. O "fermento do consumismo"
tem raízes profundas na vida, tanto dos formandos como dos formadores, e exige uma
vigilância constante. Jesus ajudava os discípulos a viverem num processo permanente
de formação, de vigilância e de revisão.
Eis alguns casos desta vigilância com que Jesus acompanhava os discípulos:
* Mentalidade de grupo fechado. Alguém usava o nome de Jesus para expulsar
os demônios. João viu e proibiu. Ele disse: “Impedimos, porque ele não anda conosco”
(Mc 9,38). João pensa ter o monopólio de Jesus e quer impedir que outros usem o
nome dele para realizar o bem. Era a mentalidade antiga de "Povo eleito, Povo
separado!" Jesus diz: "Não impeçam! Quem não é contra é a favor!" (Lc 9,39-40). O
que importa não é se a pessoa faz ou não faz parte da comunidade, mas sim se ela faz
ou não o bem que Deus pede de nós.
* Mentalidade do grupo que se considera superior aos outros. Os samaritanos
não queriam dar hospedagem a Jesus. A reação de alguns foi violenta: “Que um fogo
do céu acabe com esse povo!” (Lc 9,54). Queriam imitar o profeta Elias (cf. 2Rs 1,10-
11). Achavam que, pelo fato de estarem com Jesus, todos deviam acolhê-los.
Pensavam ter Deus do seu lado para defendê-los. Era a mentalidade antiga de “Povo
eleito, Povo privilegiado!”. Jesus os repreende: "Vocês não sabem de que espírito estão
sendo animados" (Lc 9,55).
19 * Mentalidade de competição e de prestígio. Os discípulos brigavam entre si
pelo primeiro lugar (Mc 9,33-34). Era a mentalidade de competição, que caracterizava
a sociedade do Império Romano. Ela já se infiltrava na pequena comunidade que
estava apenas nascendo ao redor de Jesus. Jesus reage e manda ter a mentalidade
contrária : "O primeiro seja o último" (Mc 9,35). É o ponto em que ele mais insistiu e
em que mais deu o próprio testemunho: “Não vim para ser servido, mas para servir”
(Mc 10,45; Mt 20,28; Jo 13,1-16).
* Mentalidade de quem marginaliza o pequeno. Mães com crianças querem
chegar perto de Jesus. Os discípulos as afastam. Era a mentalidade do medo de que as
mães e as crianças, tocando em Jesus com mãos impuras, causassem nele alguma
impureza. Mas Jesus diz: ”Deixem vir a mim as crianças!” (Mc 10,14). Ele os acolhe,
abraça e abençoa. Coloca a criança como professora de adulto: “Quem não receber o
Reino como uma criança, não pode entrar nele” (Lc 18,17). Jesus transgride as normas
da pureza legal que impediam o acolhimento e a ternura.
* Mentalidade de quem segue a opinião da ideologia dominante. Os
discípulos perguntam a Jesus: "Quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse
cego?" (Jo 9,2). Era opinião comum achar que sofrimento e doença fossem fruto de
pecado. Enquanto se pensa assim não é possível perceber todo o alcance da boa-nova
do Reino. Jesus os ajuda a ter uma visão mais crítica: “Nem ele, nem os pais dele, mas
para que nele se manifestem as obras de Deus” (cf. Jo 9,3). A resposta de Jesus supõe
uma consciência nova e uma leitura diferente da realidade.
Tudo isto mostra como Jesus estava atento ao processo de formação dos
discípulos. O catequista Jesus tinha visão crítica da sociedade em que vivia e do
“fermento” que os grandes comunicavam ao povo. Além disso, ele tinha uma
percepção clara de como este “fermento”, disfarçadamente, se infiltrava até na vida
dos discípulos.
4ª Pergunta: Jesus, quais os Conteúdos e Recursos didáticos que usava
O sistema educativo da época de Jesus era diferente de hoje. Jesus era Mestre. Não
era professor. Seus formandos não eram alunos, mas sim discípulos. Mesmo assim,
apesar das diferenças, vamos arriscar uma resposta para a pergunta: Quais eram os
recursos didáticos em que Jesus mais insistia e a que ele dava mais atenção no
processo de formação dos discípulos?
20 * O testemunho de vida. O recurso básico é o testemunho de vida: "Segue-
me"(Lc 5,27) “Venham e vejam” (Jo 1,39). "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jn
14,16). O discípulo tem na vida do Mestre sua norma (Mt 10,24-25). Jesus reflete para
os catequizandos o rosto de Deus: "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,9). A raiz da
catequese: a coerência: viver o que anuncia.
* A Vida e a natureza. Jesus descobre e revela a vontade do Pai nos fenômenos
da natureza: na chuva que cai sobre bons e maus (Mt 5,45); nos pássaros e nos lírios
(Mt 6,26-30). A parábola provoca a reflexão sobre as coisas mais comuns da vida (Mt
13,1-52; Mc 4,1-34). As parábolas de Jesus são um retrato da vida do povo e da
realidade conflituosa da época.
* As grandes questões do momento e as perguntas do povo. O crime de Pilatos
contra os romeiros da Galileia, a queda da torre de Siloé que matou 18 operários (Lc
13,1-4), a discussão em torno de quem é o maior (Mc 9,33-36), a fome do povo (Lc
9,13), o ensinamento dos escribas (Mc 12,35-37): estes problemas funcionavam como
gancho para Jesus levar os discípulos a refletir, a cair em si e a descobrir algum
ensinamento ou apelo de Deus.
* O jeito de ensinar em qualquer lugar. Nas sinagogas nos sábados (Mc 1, 21;
3,1; 6,2); em reuniões nas casas (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho
(Mc 2,23); na praia, sentado num barco (Mc 4,1); no deserto onde o povo o procurava
(Mc 1,45; 6,32-34); na montanha, onde proclamou as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas
praças, onde povo carregava seus doentes (Mc 6,55-56); no Templo de Jerusalém, por
ocasião das romarias, (Mc 14,49).
* Memorização na base da repetição. Não havia livros, nem manuais como
hoje. O ensina era baseado na repetição do conteúdo a fim de favorecer a
memorização. Isto ainda transparece em algumas partes dos discursos de Jesus,
conservados nos evangelhos. O final do Sermão da Montanha, por exemplo, repete
duas vezes, de maneira rítmica, com poucas diferenças, a mesma frase (Mt 7,24-25 e
26-27). Nós fazemos o mesmo com as crianças para ensinar certas orações ou para
decorar algumas frases importantes de Jesus.
* Momentos a sós com os discípulos. Várias vezes, Jesus convida os discípulos
para ir com ele a um lugar distante, seja para instruir (Mc 4,34; 7,17; 9,30-31; 10,10;
13,3), seja para descansar (Mc 6,31). Ele chegou a fazer uma viagem ao exterior na
21 terra de Tiro e Sidônia para poder estar a sós com eles e instruí-los a respeito da Cruz
(Mc 8,22-10,52).
* A Bíblia e a história do povo. É inegável o uso frequente que Jesus fazia da
Bíblia. Ele conhecia a Bíblia de cor e salteado. Jesus se orientava pela Bíblia para
realizar sua missão e a usava para instruir os discípulos e o povo.
* A Cruz e o sofrimento. Quando ficou claro que as autoridades decidiram matar
Jesus, ele começou a falar da cruz (Lc 9,31). Isto provocou reações fortes nos discípulos
(Mc 8,31-33), pois na lei estava escrito que um crucificado era um “maldito de Deus”
(Dt 21,22-23). Como um maldito de Deus poderia ser o Messias? Por isso, a partir
deste momento crítico, o eixo da formação que Jesus dava aos discípulos consistia em
ajudá-los a superar o escândalo da Cruz (Mc 8,31-34; 9,31-32; 10,33-34).
5ª Pergunta: Jesus, você fazia encontros para ensinar a transmitir a Boa Nova?
6ª Pergunta: . Qual o ponto mais importante que devemos levar em conta?
A resposta a esta pergunta está incluída nas palavras que Jesus dirigiu aos
setenta e dois discípulos ao enviá-los em missão. Aqui segue o texto e Lucs 10,1-9. Leia
o texto e tente descobrir a resposta para esta nossa 6ª pergunta:
1 O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos, e os enviou dois a dois, na sua frente, para
toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir. 2 E lhes dizia: "A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Por isso peçam ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita. 3 Vão! Estou enviando vocês como cordeiros para o meio de lobos. 4 Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não parem no caminho, para cumprimentar ninguém. 5 Em qualquer casa onde entrarem, digam primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ 6 Se aí morar alguém de paz, a paz de vocês irá repousar sobre ele; se não, ela voltará para vocês. 7 Permaneçam nessa mesma casa, comam e bebam do que tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não fiquem passando de casa em casa. 8 Quando entrarem numa cidade, e forem bem recebidos, comam o que servirem a vocês, 9 curem os doentes que nela houver. E digam ao povo: ‘O Reino de Deus chegou para vocês!’
Lucas 10,1-3: A Missão.
* Jesus escolheu: a escolha é dele.
* Setenta e dois: Números 11,16 e 26
* Jesus envia os discípulos na sua frente para os lugares aonde ele próprio deve ir.
O discípulo é porta-voz de Jesus. Não é dono da Boa Nova.
* Ele os envia dois a dois. Duas pessoas representam melhor a comunidade.
Lucas 10,2-3: A Corresponsabilidade.
* A primeira tarefa é rezar para que Deus envie operários. O discípulo deve sentir-
se responsável e rezar pela continuidade da missão.
22 * Jesus diz: "Vão!" É o envio. É importante criar consciência de enviado.
* Jesus envia seus discípulos como cordeiros no meio de lobos. A missão é difícil e
perigosa. O sistema era e continua sendo contrária à Boa Nova de Deus e
contrária a um vida em comunidades vivas e fraternas.
Lucas 10,4-6: A Hospitalidade.
* Não levar nada. Só devem levar a paz. Devem ser pessoas pacíficas, acolhedoras.
* Não levar nada significa confiar na hospitalidade do povo. O discípulo pacífico que
vai sem nada, mostra que confia no povo. O povo se sente respeitado.
* A Boa Nova não está só em nós, mas também na participação do povo.
* Deste modo o discípulo critica as leis de exclusão e resgata os antigos valores da
convivência comunitária.
* Não saudar ninguém pelo caminho: não perder tempo com coisas que não sã da
missão. Evoca Eliseu: a missão é uma missão de vida (cf. 2Rs 4,29)
Lucas 10,7: A Partilha.
* Não andar de casa em casa, mas permanecer na mesma casa. Conviver e parti-
cipar da vida e viver do que recebe, pois o operário merece o seu salário.
* Isto significa que devem confiar na partilha, na ajuda mútua.
* Assim, resgatam uma antiga tradição do povo, criticam a cultura de acumulação
que marcava a política do Império Romano (e marca a cultura consumista de
hoje) e anunciam um novo modelo de convivência.
* Lucas 10,8: A Comunhão de mesa.
* Os outros missionários não confiavam na comida do povo que nem sempre era
ritualmente “pura”, e enfraqueciam a vivência comunitária.
* Comer o que o povo lhes oferece. Não podem viver separados, comendo sua
própria comida. Aceitar a comunhão de mesa; convivência amiga.
* Não ter medo de perder a pureza legal. Agindo assim, criticam as leis da pureza
em vigor e anunciam um novo acesso à pureza, isto é, à intimidade com Deus.
Lucas 10,9a: A Acolhida aos excluídos.
* Devem tratar dos doentes, curar os leprosos e expulsar os demônios (Mt 10,8).
Isto é, devem acolher para dentro da comunidade os que dela foram excluídos.
* Esta prática solidária critica a sociedade excludente e aponta saídas concretas. É o
que hoje faz a pastoral que acolhe os excluídos, os migrantes, os marginalizados.
Lucas 10,9b: A chegada do Reino.
23 * Caso estas exigências forem preenchidas, podem gritar: O Reino chegou!
* Anunciar o Reino é levar as pessoas a uma nova maneira de viver e de conviver
como irmãos e irmãs a partir da Boa Nova de Jesus de que Deus é Pai.
* A gente sente algo desta atitude no jeito de ser e de conversar do Papa Francisco.
Ele cria proximidade com o povo, mesmo vivendo longe de nós lá em Roma.
7ª Pergunta: Jesus, como você define a sua missão como catequista?
Jesus definiu sua missão nesta frase: "O Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar sua vida em resgate para muitos" (Mc 10,45). Nesta
afirmação estão implicados os três títulos que Jesus mais gostava de usar: Filho do
Homem, Servo e Irmão mais velho. Foi através da janela destes três títulos, que os
primeiros cristãos descobriram o significado de Jesus para as suas vidas. Os três títulos
vem do Antigo Testamento.
O Filho do Homem se caracteriza pela humanidade. O Servo de Deus, pelo
serviço. O Irmão mais velho, pela acolhida aos irmãos menores. Humanizar, Servir,
Acolher. Estas três atitudes mostram como Jesus encarava a sua missão. Vejamos:
1. Jesus se apresenta como Filho do Homem
O nome que Jesus mais gostava de usar era “Filho do Homem”. Este nome
aparece 84 vezes nos evangelhos, uma única vez nos Atos dos Apóstolos (At 7,56) e
nenhuma vez nos outros escritos do Novo Testamento.
O nome Filho do Homem vem do livro do profeta Daniel, onde ele aparece depois
da visão dos grandes impérios mundiais dos Babilônios, Medos, Persas e Gregos (Dn
7,1-28). Nesta visão, os quatro impérios tem a aparência de “animais monstruosos” (cf.
Dn 7,3-8), pois são reinos animalescos, brutais, desumanos, que perseguem,
desumanizam a vida e matam (Dn 7,21.25).
Depois dos quatro reinos anti-humanos, aparece o Reino de Deus que é descrito
da seguinte maneira: "Eu continuava contemplando, nas minhas visões noturnas,
quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de Homem. Ele adiantou-se
até ao Ancião e foi introduzido à sua presença. A ele foi outorgado o império, a honra e
o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é um império eterno
que jamais passará, e seu reino jamais será destruído" (Dn 7,13-14)
24 O Reino de Deus tem a aparência, não de um animal, mas sim de um “Filho de
Homem”, isto é, de uma figura humana. É um reino com aparência de gente. Não é
animalesco, mas sim humano. Promove a vida; humaniza as pessoas.!
Na visão do profeta, a figura do Filho do Homem representa, não um indivíduo,
mas sim, como ele mesmo diz, o “povo dos Santos do Altíssimo” (Dn 7,27; cf Dn 7,18).
O povo de Deus não se deixa desumanizar nem enganar ou manipular pelo jeito de
pensar dos impérios animalescos. A missão do Filho do Homem, isto é, do povo de
Deus, consiste em realizar o Reino de Deus como um reino humano. Reino que não
persegue a vida, mas sim a promove! Um Reino que humaniza as pessoas.
* O Nome Filho do Homem no Novo Testamento
Apresentando-se aos discípulos como Filho do Homem, Jesus assume como sua
esta missão humanizadora do Povo de Deus. É como se dissesse a eles e a todos nós:
“Venham comigo! Esta missão não é só minha, mas é de todos! É do Povo de Deus!
Vamos juntos realizar esse Reino humano que Deus Pai sonhou para todos! Esta é a
nossa missão”.
Foi o que Jesus fez e viveu durante toda a sua vida, sobretudo, nos últimos três
anos. Dizia o Papa Leão Magno: “Jesus foi tão humano, mas tão humano, como só Deus
pode ser humano”. Quanto mais humano, tanto mais divino. Tudo que desumaniza
afasta de Deus. Tudo que humaniza aproxima de Deus. Jesus colocou o bem da pessoa
humana como prioridade acima das leis, acima do sábado (Mc 2,27). Só há uma única
maneira de a pessoa se divinizar, a saber: sendo profundamente humana! Esta é a
missão que recebemos de Deus como seres humanos: ser humano, humanizar! A
bíblia acentua o óbvio: a missão principal do ser humano é ser o que ele deve ser: ser
humano. Nada mais, nada menos!
Na hora de ser condenado pelo tribunal religioso, o Sumo Sacerdote perguntou:
“És tu o Messias, o Filho do Deus bendito?” Jesus respondeu: “Eu sou. E vocês verão o
Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu”
(Mc 14,62). Perguntado se era o “filho do Deus” (Mc 14,61), Jesus responde que é o
“filho do Homem”. Por causa desta sua afirmação ele foi declarado réu de morte. Jesus
realizou na sua vida aquilo que dizia a profecia: “O Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate para muitos” (Mc 10,45).
25 2. Jesus se apresenta como Servo de Deus
Naquele tempo, havia entre os judeus uma grande variedade de expectativas
messiânicas. Havia gente que esperava um Messias Rei (Mc 15,9.32), outros um
Messias Santo ou Sumo Sacerdote (Mc 1,24), Messias Guerrilheiro (Lc 23,5; Mc 15,6;
13,6-8), Messias Doutor (Jo 4,25; Mc 1,22.27), Messias Juiz (Lc 3,5-9; Mc 1,8), Messias
Profeta (Mc 6,4; 14,65). Cada um, conforme os seus próprios interesses ou classe
social, encaixava o messias nos seus próprios desejos e projetos. Mas por mais
diferentes que fossem, todas aquelas expectativas concordavam numa coisa: o
messias seria forte e glorioso.
Ao que tudo indica, ninguém se lembrava do Messias Servidor anunciado pelo
profeta Isaías. Somente os pobres souberam valorizar a esperança messiânica como
um serviço do povo de Deus à humanidade. Maria, a pobre de Yahweh, disse ao anjo:
“Eis aqui a serva do Senhor!” Foi de Maria, sua mãe, que Jesus aprendeu o caminho do
serviço. Nas três vezes em que ele anunciou a sua paixão, morte e ressurreição, Jesus
se orientou pela profecia do Servo de Yahweh, tal como transparece nos quatro
cânticos do livro de Isaías (Mc 8,31; 9,31; 10,33).
A origem destes quatro cânticos do Servo de Yahweh (Is 42,1-9; 49,1-6; 50,4-9;
52,13 a 53,12) remonta ao tempo do cativeiro na Babilônia em torno de 550 aC. No
livro de Isaías, a figura do Servo de Yahweh indica não um indivíduo, mas sim o próprio
povo do cativeiro (Is 41,8-9; 42,18-20; 43,10; 44,1-2; 44,21; 45,4; 48,20; 54,17),
descrito como um povo “oprimido, sofredor, desfigurado, sem aparência de gente e
sem um mínimo de condição humana, povo explorado, maltratado e silenciado, sem
graça nem beleza, cheio de sofrimento, evitado pelos outros como se fosse um leproso,
condenado como um criminoso, sem julgamento nem defesa” (cf. Is 53,2-8). Retrato
perfeito de uma grande parte da humanidade, até hoje!
Os quatro cânticos do Servo eram uma espécie de cartilha para ajudar o povo
oprimido a descobrir e assumir a sua missão. Jesus conhecia estes cânticos e por eles
se orientou. O primeiro cântico (Is 42,1-9) descreve como Deus chama o povo para ser
o seu Servo e irradiar a justiça no mundo. O segundo cântico (Is 49,1-6) descreve como
foi difícil para aquele povo exilado acreditar na sua vocação como Servo de Deus. O
terceiro cântico (Is 50,4-9) traz o testemunho do próprio Servo contando como realiza
26 a sua missão. O quarto cântico (Is 52,13 a 53,12) descreve o futuro do Servo: fiel a sua
missão, ele entrega sua vida pelos irmãos e Deus o confirma como o seu Servo,
ressuscitando-o da morte!
Deste povo-servo se diz no primeiro cântico: “Ele não grita, nem levanta a voz,
não solta berros pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio de
vela que ainda solta fumaça” (Is 42,2). Ou seja, perseguido, ele não persegue;
oprimido, não oprime; machucado, não machuca. Nele o vírus da violência do império
da Babilônia não conseguiu penetrar. Pelo contrário, ele promove o direito e a justiça
(Is 42,3.6). Esta atitude resistente do povo-servo é a semente da justiça que Deus quer
ver implantada no mundo inteiro. Por isso, Deus chama esse povo para ser o seu Servo
com a missão de irradiar a justiça de Deus e ser a “Luz do Mundo” (Is 42,2.6; 49,6).
É com este Servo que Jesus se identifica. Ele assume ser o Servo de Deus. O
testemunho do Servo, descrito no 3º cântico (Is 50,4-9), é quase um auto retrato de
Jesus:
"O Senhor me concedeu o dom de falar como seu discípulo, para eu
saber dizer uma palavra de conforto a quem está desanimado. Cada
manhã, ele me desperta, para que eu o escute,de ouvidos abertos,
como o fazem os discípulos. O Senhor me abriu os ouvidos e eu não
resisti, nem voltei atrás. Oferecei minhas costas aos que me batiam e o
queixo aos que me arrancavam a barba. Não escondi o rosto para
evitar insultos e escarros. O Senhor é a minha ajuda! Por isso, estas
ofensas não me desmoralizam. Faço cara dura como pedra, sabendo
que não vou ser um fracassado. Perto de mim está quem me faz justiça.
Quem tem coragem de depor conta mim? Vamos comparecer juntos no
tribunal! Quem tem algo contra mim? Que se apresente e faça a
denúncia! O Senhor é a minha ajuda!" (Is 50,4-9)
Não foi fácil viver a missão de Messias-Servo. Em Marcos 1,12-13, se diz que
Jesus foi tentado. Tentação é tudo aquilo que afasta alguém do caminho de Deus.
Mateus explicita a tentação: tentação do pão, tentação do prestígio, tentação do
poder (Mt 4,1-11). Foram estas as três tentações que derrubaram o povo de Deus no
deserto, depois da saída do Egito (Dt 8,3; 6,16; Dt 6.13). Orientando-se pela Palavra de
Deus, Jesus enfrenta as tentações. A carta aos hebreus diz: “Ele foi tentado em tudo
como nós, menos no pecado”(Hb 4,15). Em que consistia esta tentação e como ela se
manifestava a Jesus?
27 Na medida em que a Boa Nova do Reino se divulgava no meio do povo,
aumentava sobre Jesus a pressão (a tentação) para ser o messias do jeito que os
outros queriam: messias glorioso. messias rei, sacerdote, juiz, doutor da lei ou
guerrilheiro. Esta tentação acompanhou Jesus, do começo ao fim, mas ela não
conseguiu desviar Jesus da sua missão. Jesus continuava firme no caminho do Messias-
Servo. E neste ponto ele não teve medo de provocar conflitos. Os que tentavam
desviá-lo do caminho do Servo recebiam respostas duras e reações inesperadas:
* Pedro tentou afastá-lo do caminho da Cruz e propôs o caminho do messias sem a
cruz (Mt 16,22). Mas teve que ouvir: "Vai embora, Satanás!" (Mc 8,33).
* Os parentes queriam levá-lo para casa. Diziam que estava louco (Mc 3,21). Mas
ouviram Jesus dizer: "Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos?" (Mc 3,33).
* Seus pais se queixaram: “Filho, porque você fez isso?” Respondeu: “Por que me
procuravam? Então não sabiam que devo estar na casa do meu Pai?” (Lc 2,48-49)
* Os apóstolos queriam que Jesus voltasse. Jesus respondeu: "Vamos para outros
lugares! Pois foi para isto que eu vim!" (Mc 1,38)
* João Batista esperava um messias-juiz severo (Lc 3,9; Mt 3,7-12) e perguntava:
"És tu ou devemos esperar por um outro?" (Mt 11,3) Jesus mandou João conferir
as profecias e confrontá-las com os fatos (Mt 11,4-6 e Is 29,18-19; 35,5-6; 61,1).
* Os fariseus diziam: "Vai embora daqui, porque Herodes quer te matar!" (Lc 13,31.
Jesus deixou claro que ninguém ia impedi-lo de realizar sua missão (Lc13, 32).
* O povo queria forçar Jesus a ser o messias-rei (Jo 6,15). Ao percebê-lo, Jesus
simplesmente foi embora e se refugiou na montanha (Jo 6,15).
* O demônio propõe o caminho do messias-novo-Moisés: que alimenta o povo no
deserto (Mt 4,3); que se impõe publicamente (Mt 4,5-6; Jo 7,27); que conquista o
mundo (Mt 4,9). Jesus responde com palavras da Bíblia (Mt 4, 4.7.10).
Jesus percorreu até o fim o caminho do serviço, proposto pelo profeta Isaías.
Através desta sua atitude de serviço, ele nos revelou a face de Deus como Pai, que nos
atrai e nos indica o caminho de volta para a casa do Pai. A vida de Jesus é o melhor
comentário dos quatro cânticos de Isaías.
3. Jesus se apresenta como o irmão mais velho
No tempo de Jesus, por causa da situação política-social e por causa da visão errada
de Deus que a religião oficial comunicava ao povo, a vida em comunidade tinha muitas
28 falhas. Não havia mais aquela fraternidade que Deus deseja para todos. Havia muita
gente que era proibida de participar plenamente da comunidade: os doentes, os
deficientes físicos, os estrangeiros, as mulheres, as crianças, os publicanos. Por isso,
aquilo que o povo mais esperava do futuro Messias era ele resgatar os excluídos e
reintegra-los, novamente, na comunidade ou, como diziam naquele tempo,
“reconduzir o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais” (Mal
3,23; Eclo 48,10).
No Antigo Testamento, caso alguém, por motivo de pobreza ou de dívidas,
perdesse sua terra ou fosse vendido como escravo, o parente mais próximo ou o irmão
mais velho, chamado goêl na língua deles, devia entregar tudo de si para resgatar o
irmão mais novo (Lev 25,8-17; Dt 15,1-11). Assim, eles evitavam que a convivência
comunitária fosse quebrada. Era isto que o povo esperava do retorno do profeta Elias:
“reconduzir o coração dos pais para os filhos e o coração dos filhos para os pais” (Ml
3,23-24; Eclo 48,10), ou seja, restaurar a vida em família, em comunidade. Era este um
dos títulos mais antigos, que os primeiros cristãos tiraram do AT para expressar o
significado de Jesus para as suas vidas: Jesus é o Goêl, o redentor, o salvador, o
“primogênito", o irmão mais velho (Col 1,18; Apc 1,5).
O termo hebraico goêl é tão rico que não tem tradução perfeita na nossa língua.
No NT ocorrem os termos como libertador, redentor, salvador, consolador, advogado,
paráclito, defensor, parente próximo, irmão mais velho, primogênito. Todos estes
termos, quando usados para designar Jesus, referem-se, de uma ou de outra maneira,
a este costume antigo de Goêl, aplicado a Jesus, nosso irmão mais velho.
Jesus, nosso irmão mais velho, recebia como irmão e como irmã aqueles que
eram excluídos pela religião oficial, e os acolhia na sua nova família (Mc 3,34),:
os imorais: prostitutas e pecadores
Mc 2,15: Levi cobrador de impostos
Lc 7,37-50: a moça do perfume diante do fariseu
Jo 8,2-11: a mulher pega em flagrante de adultério
os hereges: pagãos e samaritanos
Lc 7,2-10: oficial romano: "Senhor não sou digno que entres em minha casa;
Jo 4,7-42: a conversa com a mulher samaritana
Lc 10,33: a parábola do bom Samaritano
29 os impuros: leprosos e possessos
Mt 8,2-4: cura leprosos e toca neles; "sinal de que chegou o Reino"
Mc 5,15: "endemoninhado vestido no seu perfeito Juízo" (legião)
Mc 1,25-26: ensinamento novo, dado com autoridade, manda até nos espíritos.
os marginalizados: mulheres, crianças e doentes
Mt 8,17: "Ele tomou sobre si nossas enfermidades" (Isaías)
Mt 19,13-15: Deixai vir a mim as crianças
Lc 8,2-3: mulheres são discípulas: Joana, Susana, Madalena, Salomé, Marta, Maria
os colaboradores: publicanos e soldados
Lc 18,9-14: a parábola do fariseu e publicano no templo
Lc 19,1-10: Zaqueu, o publicano
Lc 7,2-10: a cura do empregado do oficial romano;
os pobres: o povo da terra e os pobres sem poder
Mt 5,3: Felizes os pobres em espírito, porque deles é o reino do céu
Lc 6,20.24: Felizes vocês pobres, porque o reino de Deus é de vocês
Mt 11,25-26: a oração de Jesus: "Pai, eu te agradeço,...".
Todas estas pessoas tiveram a experiência concreta de terem sido resgatados por
Jesus, o irmão mais velho, que cumpriu o seu dever de goêl para com elas. Paulo
chegou a dizer: “Ele me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Jesus esvaziou-se a si
mesmo para nos enriquecer com a sua pobreza (2Cor 8,9), para que nós pudéssemos
recuperar a liberdade e retomar a vida. Apresentando-se como o goêl dos irmãos
menores, Jesus nos revela a face de Deus como Pai que acolhe a todos e vai atrás dos
abandonados e excluídos da convivência humana .
8ª Pergunta: Jesus, como você usava a Bíblia na vida pessoal e na catequese?
São três as características do uso que Jesus fazia da bíblia: Familiaridade,
Liberdade, Fidelidade. Vejamos de perto estas três características:
1. Familiaridade
O que caracteriza o uso que Jesus fazia da Bíblia é a familiaridade. Passando os
olhos pelos quatro evangelhos, a gente percebe que, para Jesus, a Bíblia não era um
livro estranho, nem um livro de estudo ou um manual a ser decorado, mas sim um
espelho onde encontrava refletida a vida do povo com seus problemas. Jesus ligava a
Bíblia com a vida do povo para iluminar os fatos e esclarecer as perguntas do povo. Ele
30 conhecia tanto os livros como as etapas e os personagens da história do seu povo.
Com a máxima facilidade ele usava e citava a Bíblia para esclarecer, ensinar, discutir,
rezar, formar, se defender, provocar.
Escutando os ensinamentos de Jesus, você escuta neles a história da Bíblia inteira:
desde Abraão, Isaque e Jacó (Mc 12,26), a história de Moisés na sarça ardente (Mc
12,26), as prescrições da Lei sobre a pureza legal (Mc 1,44; 7,10) e o divórcio (Mc 10,3),
até Jonas (Mt 12,39-41), a rainha do Sul (Mt 12,42), Salomão (Lc 11,31), Elias e a viúva
de Sarepta, Eliseu e as histórias de Naamã o Sírio e (Lc 4,25-27), e tantos outros.
Ao jovem rico Jesus lembra os mandamentos da lei de Deus (Mc 10,19). Na
expulsão dos vendilhões do templo ele cita textos de Jeremias: “Vocês fizeram do
templo uma toca de ladrões” (Mc 11,17 e Jr 7,11), e de Isaías: “Minha casa será
chamada casa de oração para todos os povos” (Mc 1,17 e Is 56,7). Cita Oséias: “Quero
misericórdia e não sacrifício” (Mt 9,13; 12,7 e Os 6,6). Cita o primeiro mandamento do
livro do Deuteronômio (Mc 12,29-30 e Dt 6,4-5) e a lei do amor ao próximo do livro do
Levítico (Mc 12,31 e Lv 19,18), etc. etc..
O resultado do longo aprendizado de trinta anos em Nazaré transparece,
sobretudo, na facilidade e na frequência com que Jesus usa, reza e cita os salmos. Os
salmos eram o livro de canto que todos sabiam de memória. Jesus os cita e evoca nas
bem-aventuranças, nas parábolas, no Sermão da Montanha: “Felizes os mansos,
porque herdarão a terra” (Mt 5,4; Sl 37,11); “Felizes os que choram porque serão
consolados” (Mt 5,5; Sl 126,5); “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt
5,8; Sl 24,3-4); O pai que vê em segredo, escutará a prece feita em segredo (Mt 6,4; Sl
139,2-3). O abandono à providência divina (Mt 6,25-34; Sal 127). A parábola da vinha
(Mc 12,1; Sl 80,9-19). “Eu sou o bom pastor” (Jo 10,11; Sl 23).
Nas discussões com os fariseus e doutores os textos da Bíblia que ele mais cita
espontaneamente são os salmos. Sinal de que os conhecia de memória. Eles estavam
na ponta da língua. “Da boca dos pequeninos e das criancinhas preparaste um louvor
para ti” (Mt 21,16; Sl 8,3 LXX). “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a
pedra angular” (Mt 21,42; Sl 118,23). “O Senhor disse ao meu Senhor: senta-te à
minha direita” (Mt 22,44; Sl 110,1). “Vereis o Filho do Homem sentado à direita do
Poderoso” (Mc 14,62; Sl 110,1)
31 Jesus revela sua união com o Pai através da reza dos salmos, sobretudo na hora do
sofrimento. No Horto, ele desabafa “Minha alma está triste” (Mc 14,34). A frase lhe é
fornecida por vários salmos (Sl 31,9-10; 42,5-6). Na cruz, ele reza dois salmos: “Meu
Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,1) e “Em tuas mãos
entrego o meu espírito” (Lc 23,46; Sl 31,6).
Nos três anos da sua atividade pastoral Jesus praticou o que aprendeu nos trinta
anos em Nazaré. Sua ação pastoral é o reflexo da leitura que fazia da Bíblia em casa e
na comunidade. Sem este ambiente orante comunitário não se entende o uso que
Jesus fazia da Bíblia. O Pai-Nosso é um resumo orante de tudo que Jesus ensinou e no
qual retoma os grandes ensinamentos que vinham desde o Antigo Testamento:
santificação do Nome, vinda do Reino, realização da vontade expressa na lei, o maná
ou o pão de cada dia, perdão das dívidas, resistência contra as tentações (Mt 6,9-13).
Na “Regra de Ouro” Jesus oferece um resumo prático de tudo que a lei e os profetas
ensinavam (Mt 7,12).
2. Liberdade
A característica da familiaridade indica não só o amplo conhecimento que Jesus
tinha da Bíblia, mas também a consciência de que a Bíblia não é um livro estranho que
pertence aos outros, mas é da nossa família. Esta consciência de “pertença familiar”
vinha do ambiente comunitário no qual se lia, usava e se transmitia a Bíblia. É nosso
livro, fala de nós! Eu não posso dispor de algo que não é meu. Mas quando uma coisa
me pertence, quando ela é nossa, aí tenho a liberdade de dispor dela. Jesus revela esta
liberdade frente às Escrituras Sagradas do seu povo, não para usá-las em seu próprio
benefício, mas para expressar a sua total fidelidade ao sentido mais profundo da
mensagem de Deus, revelada na Bíblia.
Jesus critica fortemente os doutores que insistem na observância da letra da lei e
que, por isso mesmo, já não percebem o objetivo da lei: “Ai de vocês, doutores da Lei e
fariseus hipócritas! Vocês pagam o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e
deixam de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a
misericórdia e a fidelidade. Vocês deveriam praticar isso, sem deixar aquilo. Guias
cegos! Vocês coam um mosquito, mas engolem um camelo” (Mt 23,23-24)
Jesus critica o fundamentalismo que em nome de uma pretensa fidelidade
transgride o objetivo da lei: “Vocês são bastante espertos para deixar de lado o
32 mandamento de Deus a fim de guardar as tradições de vocês. Com efeito, Moisés
ordenou: 'Honre seu pai e sua mãe'. E ainda: 'Quem amaldiçoa o pai ou a mãe, deve
morrer'. Mas vocês ensinam que é lícito a alguém dizer a seu pai e à sua mãe: 'O
sustento que vocês poderiam receber de mim é Corbã, isto é, consagrado a Deus'. E
essa pessoa fica dispensada de ajudar seu pai ou sua mãe. Assim vocês esvaziam a
Palavra de Deus com a tradição que vocês transmitem. E vocês fazem muitas outras
coisas como essas" (Mc 7,9-13).
Esta liberdade com que Jesus interpretava a Bíblia incomodava os doutores. Em
nome da compreensão fundamentalista da lei eles criticam a atitude pastoral de Jesus
e se recusam a crer nele (Mc 2,7.16.18.24; 3,2-4.22; 7,1-8). Eles o observam para poder
acusá-lo, e a acusação sempre vem da Bíblia, isto é, da interpretação que eles faziam
da Bíblia. As respostas de Jesus às acusações dos conservadores também são tiradas
da Bíblia. Nas respostas em torno do que pode e não pode em dia de Sábado, Jesus
cita as palavras de Oséias (Mt 9,11-13 e Os 6,6), lembra como o próprio Davi
transgredia a lei para atender à fome dos seus companheiros (Mc 2,25-26), e esclarece
o sentido exato da pureza, quebrando assim o literalismo das interpretações dos
doutores e fariseus (Mc 7,5-8.14-22). Esta liberdade no uso da Bíblia o colocou em
conflito com as autoridades religiosas e foi a causa da sua condenação à morte.
Ele esclarece João Batista que, em nome da sua maneira estreita de entender a
Bíblia, ficou na dúvida a respeito de Jesus: “É o senhor ou devemos esperar por
outro?” (Mt 11,2-3). Jesus usa textos de Isaías para ajudar o amigo a ler melhor os
fatos da vida: “Vão e digam a João o que estão vendo e ouvindo: Cegos vêem, coxos
andam, leprosos são limpos, e feliz quem não se escandalizar comigo!” (Mt 11,4-6 e Is
35,5-6)
Quando recebe a notícia da prisão de João Batista (Mc 1,14), Jesus capta a palavra
de Deus nos sinais dos tempos (cf. Mt 16,3) e diz: “Esgotou-se o prazo, o reino de Deus
chegou! Mudem de vida e acreditem nesta Boa Notícia” (Mc 1,15). Esta sua maneira de
ler os fatos à luz da Bíblia dá olhos novos para perceber a presença do Reino de Deus
no meio do povo. O Reino já estava aí, mas ninguém o percebia (Lc 17,20-21). Jesus o
percebe e o revela (Mt 16,1-3).
O anúncio do Reino é o centro do ensino de Jesus ao povo. Nas parábolas, ele usa
as coisas mais simples do dia-a-dia para ajudar o povo a perceber a presença do Reino
33 nos fatos da vida. Deste modo, a própria vida com todos os seus detalhes começa a ser
um instrumento para poder entender a mensagem mais central das promessas em
torno do Reino de Deus. Jesus sabe usar o “segundo livro de Deus” que é a Bíblia para
ajudar o povo a entender “o primeiro livro de Deus” que é a vida.
3. Fidelidade
Por causa desta sua liberdade na interpretação da Bíblia, Jesus foi criticado. Diziam
que ele estava acabando com a Lei de Deus e com a Tradição dos Antigos. Ele
responde: “Não vim para acabar com a Lei, mas para levá-la ao pleno cumprimento”
(Mt 5,17). E dizia: “Se a justiça de vocês não for maior do que a justiça dos escribas e
fariseus, vocês não vão poder entrar no Reino de Deus” (Mt 5,17).
Jesus ajuda o povo a ultrapassar a letra e descobrir o espírito da lei. O Sábado
servir à vida (Mc 2,27). No Sermão da Montanha, seis vezes em seguida ele tem a
coragem de dizer: “Antigamente foi dito, mas eu digo” (Mt 5,21-22.27-28.31-32.33-
34.38-39.43-44). Assim ele esclarece o objetivo último do mandamento “Não
matarás!” Só observa plenamente este mandamento aquele que for capaz de eliminar
de dentro de si tudo aquilo que de uma ou de outra maneira possa levar ao
assassinato, como raiva, xingamento e briga (Mt 5,21-22). E ele faz o mesmo com os
mandamentos que proíbem o adultério (Mt 5,27-28), o falso testemunho (Mt 5,33-37)
e com os costumes e práticas, como, por exemplo: “Olho por olho, dente por dente”
(Mt 5,38-39) e “Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo” (Mt 5,43-44). O ideal
supremo, diz Jesus, é “ser perfeito como é perfeito o Pai de vocês que está no céu!”
(Mt 5,48).
Na longa instrução aos discípulos no evangelho de Marcos (Mc 8,27 a 10,45), Jesus
os ajuda a entender o verdadeiro sentido da profecia de Isaías sobre o Servo de Javé.
Ele cita três vezes aquelas palavras da profecia que falam do sofrimento e da morte do
Servo e as aplica a si mesmo (Mc 8,31; 9.31; 10,33-34). Mas os discípulos não deram
conta de entender a interpretação de Jesus (Mc 8,32-33; 9,32). Em vez de pensar na
cruz, pensavam na sua própria promoção. Jesus tentou ajudá-los (Mc 10,35-45), mas
nem sempre o conseguia. A catequese tradicionalista os impedia de perceber a
novidade trazida por Jesus.
Em outras ocasiões, Jesus corrige a interpretação dos fariseus a respeito da lei
referente ao divórcio (Mt 19,3-9), critica a visão errada dos escribas sobre o retorno de
34 Elias (Mc 9,11-13) e provoca dúvida a respeito da exatidão do ensino dos
conservadores: “Como é que eles podem dizer que o Messias é filho de Davi se o
próprio Davi o chama de Meu Senhor?” (Mc 12,35-37). Para os discípulos Jesus
esclarece o sentido das parábolas e diz que a eles é dado conhecer o mistério do Reino
de Deus (Mc 4,10-11).
O evangelho de Lucas usa o episódio de Emaus para sugerir aos cristãos dos anos
80 o método que Jesus usava na interpretação da Bíblia (Lc 24,13-35). A primeira
atitude de Jesus é aproximar-se, caminhar junto e escutar a conversa. Ele faz
perguntas e quer saber o que estão falando (Lc 24,15-19). Ele só começa a usar a Bíblia
depois que eles conseguiram expressar o problema que os agitava por dentro. E ele
usa a Bíblia não para dar uma aula sobre a Bíblia, mas para iluminar o problema da
vida (Lc 24,25-27). E a Bíblia, ela sozinha, não abre os olhos, não faz enxergar. Ela faz
arder o coração (Lc 24,32), isto sim. Mas o que faz enxergar de fato é o gesto
comunitário da hospitalidade, de sentar juntos à mesa, de rezar juntos e de partilhar
juntos o pão. Aí os olhos se abrem e eles mesmos ressuscitam (Lc 24,28-31).
35
Conclusão Os quatro lados da Palavra de Deus
A mensagem final do Sínodo dos Bispos
Na mensagem final do Sínodo ao Povo de Deus, realizado em 2008, os bispos
sintetizaram todo o processo da descoberta, leitura e meditação da Palavra de Deus
em quatro símbolos muito sugestivos: a Voz da Palavra, o Rosto da Palavra, a Casa da
Palavra e o Caminho da Palavra.
A Voz da Palavra ressoa não só na Bíblia, mas também se faz ouvir na natureza, no
universo, na vida, nos fatos, “sem fala e sem palavras, sem que sua voz seja ouvida” (Sl
19,4). “De fato, desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como
o seu poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência,
nas obras que ele realizou” (Rom 1,20).
O Rosto da Palavra é Jesus de Nazaré, sua vida, seus gestos, suas palavras, seus
ensinamentos. Ele é a revelação do Pai. Nele a Palavra se fez carne e habitou entre nós
(Jo 1,14). Ele podia dizer: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,9).
A Casa da Palavra é a Comunidade, a Igreja. É onde o povo se reúne em torno da
Palavra de Deus: “Como pedras vivas, vocês vão entrando na construção do templo
espiritual, e formando um sacerdócio santo, destinado a oferecer sacrifícios espirituais
que Deus aceita por meio de Jesus Cristo” (1Pd 2,5). Jesus dizia: “Onde dois ou três
estão reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). A Casa da
Palavra de Deus somos nós, quando estamos reunidos no Círculo Bíblico.
O Caminho da Palavra é a missão que recebemos como discípulos e missionários
de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida. “Caminho” é a palavra usada
no livro dos Atos para identificar os cristãos (At 9,2; 19,9; 22,4; 24,14). Indica o
compromisso assumido de levar a Boa Nova pelo mundo afora.
Os bispos retomam o convite do Salmo 1:
“Feliz o ser humano, que não segue os conselhos dos ímpios, não anda no caminho dos maus, nem frequenta a companhia dos gozadores. Pelo contrário, encontra seu prazer na lei do Senhor, e nela medita dia e noite. Ele é como árvore plantada junto d'água corrente: dá fruto no tempo devido, e suas folhas nunca murcham. Tudo o que ele faz é bem sucedido. Feliz este homem!” (Salmo 1,1-3).
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