A perspectiva da governança em rede de políticas públicas no campo da saúde: fragilidades e potencialidades das Comissões Intergestores Regionais (CIR)
RESUMO
No intuito de dinamizar e apoiar a regionalização da política de saúde e o processo
de governança, o SUS instituiu no ano de 2011 as Comissões Intergestores Regionais
(CIR). Destarte, o objetivo deste estudo é analisar o padrão de coordenação das CIR,
verificando se desafios como a representação contínua de todos os municípios, a não
imposição da agenda dos municípios com maior capacidade instalada e a centralização da
discussão em temas relacionados à implantação de serviços de Média e Alta complexidade,
equiparam-se às potencialidades encontradas na coletivização dos temas críticos ao SUS e
na perspectiva da governança em Redes de Políticas Públicas no Estado da Bahia.
Palavras-chave: Comissões Intergestores Regionais; Redes de Políticas Públicas;
Governança.
The perspective of network governance of health public policies: weaknesses and potential of Regional Interagency Committees (RICs)ABSTRACT
In order to stimulate and support the regionalization of health policy and the
governance process, in 2011 the SUS instituted the Regional Interagency Commissions
(RICs). Therefore, the objective of this study is to analyze the coordination pattern of the
RIC, verifying that challenges such as the continuous representation of all municipalities, the
non-imposition of the agenda of municipalities with greater installed capacity and the
centralization of the discussion on issues related to the implementation of services of
Medium and High complexity, are equated with the potentialities found in the collectivization
of the themes critical to SUS and in the perspective of governance in Public Policy Networks
in the State of Bahia.
Key words: Regional Interagency Commissions; Public Policy Networks; Governance.
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1. IntroduçãoEmbora o Estado brasileiro, oficialmente, detenha uma organização político-
institucional na qual seus entes federados não obedeçam a uma relação hierarquizada,
esta situação, por sua vez, não diminuiu as dificuldades para efetivação das políticas
públicas no âmbito regional. Diante deste e de outros impasses que dificultaram
historicamente a gestão compartilhada de projetos e políticas de interesses comuns a toda
sociedade, na última década, novos espaços de coordenação de políticas públicas
surgiram, tendo como objetivo aproximar ainda mais a decisão e a implantação das ações
governamentais àqueles e àquelas que serão beneficiados (as) por sua execução
(ABRÚCIO, 2011).
Esse processo de governança, à medida que se estende regionalmente sob a tutela
de redes de políticas públicas, segundo Massardier (2006), ocasiona o desenvolvimento
das mesmas mediante a horizontalização entre diferentes organizações que acabam
permitindo trocas e acúmulo de informações entre atores que historicamente só teriam
relações baseadas na hierarquia. Por este motivo, isto é, atendendo a esta autonomia
calcada no conhecimento acerca dos temas de interesses daqueles e daquelas que se
inserem neste processo político-pedagógico, as redes de políticas públicas significam nos
dias de hoje um elemento cultural para uma mudança substancial no arcabouço político-
institucional brasileiro, uma vez que elas introduzem uma nova forma de hierarquia
baseadas nas trocas e no compartilhamento de ações conjuntas entre os assistidos por
essas políticas públicas, corroborando o contínuo acúmulo de conhecimento acerca dos
direitos e deveres dos cidadãos na gestão compartilhada de suas demandas, e
fomentando outros processos de legitimidade social através da descoberta do
conhecimento técnico acerca do desenho institucional das políticas e programas que os
cidadãos desejam se inteirar (AVRITZER; PEREIRA, 2002).
Segundo Klijn (1998), as redes de políticas públicas representam uma intenção da
Ciência Política em analisar a relação entre o contexto e o processo de construção de
políticas. Börzel (1997), numa interpretação parecida, afirma que os participantes de uma
rede compartilham um entendimento comum, num conjunto de relações relativamente
estáveis não hierárquicas e que possuem interdependência, que compartilham interesses
comuns em relação a uma política e recursos, e reconhecem a cooperação como valor e
método que possibilitará o alcance de seus objetivos.
Percebe-se, assim, que a concepção das redes de políticas públicas representa uma
nova ótica dos estudos das relações intergovernamentais que historicamente tinha como
ponto de partida o federalismo, isto porque, nas palavras de Klijn (1998), as redes enfocam
uma possibilidade de superação entre a dicotomia política/administração, pois a existência
de uma rede de políticas públicas delimita a agenda e os resultados desta por meio da
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diversidade de atores sociais que influenciam no processo político e nas etapas de
decisão, execução e controle das atividades públicas, remontando à estruturação de uma
sociedade multicêntrica (FLEURY, 2002). Esses atores se organizam em diferentes
espaços unitários, tendendo a alterar a estrutura vertical do Estado e suas políticas,
colaborando para o surgimento de outra característica destas redes: a elaboração de um
multicentrismo social (KLIJN, 1998; FLEURY, 2002).
A criação e a manutenção das redes reportam para desafios administrativos que
estão atrelados a diversos processos, como os de negociação e geração de consensos, o
estabelecimento de regras de atuação, a distribuição de recursos materiais e financeiros, a
interação, a construção de processos coletivos de decisão, e, por fim, o estabelecimento
de prioridades. Isto significa que os processos tradicionais do ciclo da política pública
adquirem novos desenhos e, consequentemente, novas formas de gerenciamento
(FLEURY, 2002). Mais do que as classificações, o elemento analítico principal que
perpassa às qualificações de uma rede de políticas públicas e permite examinar o porquê
das diferenças entre elas refere-se à seguinte suposição: que a estrutura da rede define o
processo político enquanto lógica de interação entre seus membros.
A análise de redes é um instrumento para compreender a união de atores
interdependentes, é um mecanismo para conceber como se dão os movimentos de
interação, a governabilidade e a governança das políticas públicas. É uma inovação à
medida que possibilita a avaliação dessa nova configuração do Estado, e neste sentido, o
Sistema Único de Saúde (SUS) foi pioneiro ao introduzir no arcabouço de sua política
diversos elementos que integram um sentido de descentralização e de governança, pois,
ao reconhecer em 2011 por meio da instauração das Comissões Intergestores Regionais
(CIR) 1 a necessidade de se ter no desenho institucional de suas políticas e programas
uma esfera de planejamento que viabilize esses espaços de governança para a efetivação
de políticas públicas de saúde.
Portanto, as CIR conferiram a esta perspectiva uma chance de mudança, todavia,
após seis anos de sua implantação, e como era de se esperar, questionamentos entorno
da implantação, eficácia e eficiência apareceram perante o SUS e diante da comunidade
acadêmica e dos gestores de políticas públicas. Dentre tantas indagações, a efetividade
quanto os desafios que orbitam nesta mudança político-institucional foram, salutarmente,
elencadas, como as perguntas a seguir: as CIR cumprem o seu papel de ser um promotor
da formulação e implementação das políticas públicas em saúde em âmbito regional?
Quais foram, nestes últimos anos, os seus principais desafios para proporcionar o alcance
regional de suas propostas e intenções? Não obstante, o que foram destacados em termos
1 A partir de agora, iremos nos referir às Comissões em questão por meio da sua sigla, CIR.
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de potencialidades destas propostas na perspectiva de se efetivar um planejamento
regional de políticas de saúde no estado da Bahia?
Tendo em vista estas perguntas, o artigo em questão objetiva analisar as CIR na
perspectiva da coordenação da governança em Redes de Políticas Públicas no Estado da
Bahia, cujos dados aqui referidos dizem respeito ao ano de 2013, ano de implantação
desta estrutura no estado em questão. Para tanto, metodologicamente, deu-se início a uma
busca por elementos teóricos que embasassem o contexto analisado com os pontos de
vista dos autores que versam sobre o tema, o que, inexoravelmente, remeteu-se nos
seguintes desdobramentos: os estudos sobre o conceito de Rede, encontrando por meio
das perspectivas advindas da geografia e da ciência política, um meio termo para
correlacionar por meio da tecnicidade das Redes de Políticas Públicas, a forma como as
mesmas se dão sob a tutela do desenho institucional do SUS (ciência política), ao mesmo
tempo em que tal desenho institucional se especializa, ou melhor, se regionaliza no
território baiano (geografia); o imbricamento destas duas disciplinas é o ponto de partida
para o entendimento acerca dos desafios e potencialidades desta rede específica.
Igualmente necessário, foram as análises acerca do conceito de Governança, para
compreender como esta dinâmica de compartilhamento de poderes e decisões poderia,
sob a tutela das Redes de Políticas Públicas, se fazer presente nos espaços
institucionalizados no SUS, o que apresentará os elementos característicos das CIR. E por
fim, por meio da leitura das todas as atas disponíveis das CIR2 e tendo em vista a
metodologia da análise de discurso, interpretaram-se através de dados quantitativos e
qualitativos, as fragilidades e potencialidades das comissões para o fortalecimento da
governança do SUS na perspectiva de Redes de Políticas Públicas.
A análise quantitativa e qualitativa das Atas de reuniões das CIR do Estado da Bahia,
a partir do referencial teórico destacado, será a metodologia-macro deste estudo. Com
isso, pretende-se que a pesquisa contribua para a disseminação do conceito de
governança em rede no âmbito regional e forneça subsídios para a realização de estudos
mais amplos sobre a temática no campo da saúde. O estudo sobre as CIR e a respeito das
estruturas colegiadas mais novas no arcabouço legal do SUS, mostram-se pertinentes
para discutir o quanto seu objetivo principal, que é o fortalecimento da implementação das
políticas de saúde em âmbito regional, está sendo cumprido (BRASIL, 2011). O
fortalecimento advém dos mecanismos participativos e deliberativos dessas estruturas de
pactuação descentralizada em rede, no entanto, cabe refletir se a organização federativa
do país e a fragilidade da representação desses entes influenciam esse espaço, isto
porque, a capacidade institucional do município, no que se refere à capacidade instalada
2 Disponíveis no Observatório Baiano de Regionalização da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia.
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dos serviços de saúde, assim como a competência da gestão também podem ser fatores
que incidam nesses processos. Da mesma maneira, justifica-se essa análise pela
potencialidade desse espaço para o desenvolvimento do planejamento territorial/regional
no campo da saúde. Essa participação na perspectiva da representatividade (MENDES,
2001) é um dos elementos que fortalecem a análise da cidadania hoje presente no Estado
brasileiro. Em vista de todas essas questões e pontos de vista colocados em evidência,
este trabalho, ao estudar esse novo espaço/modalidade de atuação da política de saúde
no estado da Bahia, tendo como eixo as Redes de Políticas Públicas, trata-se de mais uma
contribuição para este campo de pesquisa no Brasil.
2. Análise da centralidade da Política de Saúde no BrasilA conformação do Sistema Único de Saúde (SUS) constitui-se como um marco de
mudança no modelo de estruturação das políticas públicas pautado na centralidade do ente
federal. Esse modelo se encontra em permanente construção ao longo das duas décadas
de existência, isto é, desde a promulgação da Lei 8.080/90. Portanto, são de suma
importância a discussão do conceito de centralidade e seus eixos de análise. Segundo o
IPEA (2013), a definição do geógrafo alemão Walter Christaller cunhada a partir de
princípios da física e da economia, como a teoria do equilíbrio, aponta que a centralidade é
um fenômeno fundamental para a organização das regiões. A partir desta afirmação, haveria
a necessidade primária em determinar o lugar central de um espaço para possibilitar a
definição de regiões complementares. Essa complementaridade permitia a ideia de
superioridade.
Para autoras como Dias (2007), por exemplo, a autoridade política do Estado e o
exercício do poder são divididos de acordo com uma determinada unidade territorial e são
coordenados entre eles. Com isso, não existiria uma ideia de poder central, mas um governo
nacional que salvaguardasse o interesse coletivo, mantendo a diversidade espacial de
interesses. De acordo com a mesma autora, nos estados unitários, por exemplo, há
possibilidade das decisões fora do polo de poder, entretanto, estas estão condicionadas aos
interesses e controle do governo central. O federalismo, por sua vez, propõe uma quebra
desse modelo, assim como assegura o poder para cada nível de governo e a definição clara
de atribuições (DIAS, 2007).
Bronzo (2010), no que lhe concerne, afirmou que a centralidade do território para as
políticas públicas reside justamente no seu potencial de criar estratégias em que diferentes
setores são interligados em busca de um objetivo resultante. Ainda de acordo com a autora,
a construção de um modelo gestionário focado na gestão intersetorial e “do governo
multinível, em suas formulações mais densas, exigem a alteração de estruturas
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institucionais e organizacionais ou a adoção de estratégias de gestão integradas”
(BRONZO, 2010, p. 129).
Num contexto histórico, as regiões, segundo Albuquerque (2013), possuíam critérios
para suas conformações, como a densidade populacional, comércio e equipamentos,
intensidade de fluxos e relações de complementaridade com as regiões rurais. Ela
representaria um campo de ação com capacidade de decisão e impulsão. Porém, a mesma
autora aponta que esse desenvolvimento se chocou com os desequilíbrios regionais
oriundos da dicotomia entre o econômico e social, sem contar, em particular, no caso
brasileiro, o desenvolvimento desigual e outras discrepâncias entre as regiões no âmbito
nacional e dos estados (THEIS, BUTZKE, 2017).
Diante disso, refletir sobre em que modelos governamentais essas regiões se
desenvolve é necessário para saber as potencialidades e limites dessas estruturas, da
mesma forma que a análise em relação às redes que atuarão nessas regiões e quais os
modelos de governança as mesmas carregam também se faz indispensável.
3. Governança e o seu panorama conceitual: as redes como alternativas – mas, o que é uma rede?
Governança, segundo Matias-Pereira (2009), possui diversos conceitos de acordo com
a sua matriz ideológica de origem, assim, dentre os apresentados, e exibe aqui a
representação da gestão compartilhada e interinstitucional que envolve o setor público na
atualidade a partir do reconhecimento que nenhum ator domina inteiramente os elementos
necessários à governabilidade. Schneider (2005) aponta que as redes são o espaço onde se
dão o contexto de interação no qual os atores se fazem visíveis e são informados de seus
interesses, conformam suas ações e podem ou não estabelecer cooperação à longo prazo.
De acordo com Bevir (2011), a governança surge como resposta à crise do Estado
modernista, que desafiou o modus operandi da burocracia, do corporativismo e do Estado
de Bem Estar-Social. Seriam teorias que fornecem respostas à crise supracitada ao propor a
reformulação do setor público em contraste às reformas associadas ao neoliberalismo, à
terceirização e à Nova Administração Pública, de cunho economicista (BEVIR, 2001). Mas a
governança não está apenas concatenada somente às questões elencadas acima, tem-se a
sua correlação a outras teorias de cunho sociológico, diretamente conectadas à
racionalidade, tal quais os princípios que inspiraram a Terceira Via3, onde se destacam as
redes e parcerias de um modelo de governança denominado joined-up, onde a atuação
3 A terceira via é uma corrente que tenta reconciliar os posicionamentos de uma política econômica ortodoxa e políticas sociais progressistas, defendendo: "Estado necessário” (nem máximo como no socialismo, nem mínima como no neoliberalismo); a responsabilidade fiscal dos governantes, o combate à miséria, uma carga tributária proporcional à renda, com o Estado sendo o responsável pela segurança, saúde, educação e a previdência (RÉGIS, 2002).
6
governamental é intra e intersetorial no planejamento, na coordenação e na implementação
de políticas governamentais (RÉGIS, 2002).
Outra abordagem do conceito, proposta por Procopiuck (2013), é a chamada
governança multinível, que procura avaliar as relações existentes nas políticas públicas por
níveis institucionais de diferentes esferas administrativas e seus atores. O autor aponta que
essa abordagem discute a centralidade do Estado, e que possuem o papel de guardião das
políticas públicas, e é resistente às consequências não desejadas advindas da integração
governamental, por outro lado, diz que os governos tendem a ser capturados por redes de
interdependência que possuem interesses de garantir o sucesso de suas pautas
(PROCOPIUCK 2013). Tendo o foco nos entes estatais, a governança multinível se propõe
a analisar as relações advindas entre os diferentes níveis de governos, nos lócus local e
regional, assim como a autoridade existente neste processo, a partir de duas dimensões: a
vertical e a horizontal. A horizontal avalia os arranjos cooperativos formados por regiões em
conjunto com atores não estatais, a exemplo de consórcios prestadores de serviços
públicos, como de saúde e tratamento de resíduos sólidos. A vertical aborda as conexões
entre níveis de governo no que se refere a questões institucionais, financeiras e
informacionais. Consequentemente, pode-se avaliar a eficácia na prestação de serviços
públicos e a eficácia da atuação dos entes subnacionais na melhoria da estruturação e
implantação de políticas públicas.
Para compreender a governança no campo das políticas públicas é importante
entender que a partir do momento em que esses arranjos são institucionalizados, pode-se
alterá-los ao ponto de se transformarem em atividades rotineiras das organizações, o que é
prejudicial à dinâmica proposta. Um dos arranjos que tem sido incentivados e desenvolvidos
para promoção da governança no campo da institucionalização das ações governamentais
são as redes. Redes podem ser conceituadas como uma metodologia que permite o estudo
das conexões sociais específicas por meio das conexões sociais que ali existentes
(MARQUES, 2007). Existem algumas formas de análise, mas, para este trabalho
adotaremos o enfoque no estudo dos efeitos das posições dos atores e entidades sobre os
fenômenos políticos e como estas influenciam nas ações e estratégias, nas propensões
cognitivas dos atores e nos resultados de suas atividades - no nosso interesse, nas políticas
(MARQUES, 2007).
Diante disso é necessário que se considere que as interações entre esses atores são
variadas devido às posições deles nos grupos, e também pelos espaços geográficos onde
se situam, ou seja, pode-se dizer que a espacialidade influencia o desenvolvimento das
políticas públicas quando se queira programa-las via Redes. Assim, antes de se adentrar
nessas considerações, necessita-se, no mínimo, de vislumbrar o debate sobre o tema
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Redes, caro à discussão presente, e que será analisado sob dois vieses: o da ciência
geográfica e o da ciência política.
4. Redes: um conceito geográficoA partir de uma revisão da literatura, Dias (2001; 2007) apresenta que o termo rede é
um conceito-chave no pensamento do filósofo e economista Francês Saint-Simon, que, à
sua época, séculos XVII e XVIII, defendeu a criação de um Estado organizado pelos ideais
do Iluminismo, de forma racional e conduzido por cientistas e industriais. O mesmo tinha a
ideia que o corpo humano se solidifica e morre quando a circulação é suspensa. Ao fazer a
analogia de organismo-rede, ele a toma como ferramenta analítica para propor um projeto
de desenvolvimento da França, pois, a partir da circulação dos diversos fluxos, o país
enriqueceria e com a melhoria das condições de vida, seria um instrumento de inclusão
social. Saint-Simon influenciou diversos pensadores e cientistas através da crença no
desenvolvimento tecnológico e racionalidade técnica.
Porém, no que se referem às redes, alguns autores influenciados por eles alteraram o
conceito de rede com um fim em si mesmo, como se a rede técnica em si produzisse a
transformação social (DIAS, 2001). Porém, o conceito ficou esquecido e atualmente retomou
sua importância em diversos campos disciplinares. Um dos motivos apontados para esta
retomada estaria ligada aos procedimentos de planejamento territorial e a evolução da
pesquisa nesta área (Dias, 2007). Daí, a importância das análises geográficas, onde Pereira
e Kahil (2006), por exemplo, delimitam um conceito operacional para o fenômeno das redes
como
uma estrutura organizacional e técnica, mas, também, e principalmente, como um instrumento de organização política e social, constituída e diferenciada pelos agentes para o estabelecimento de fluxos tangíveis e intangíveis, materiais ou de informação, produzindo um controle vertical da produção e dos territórios em que ela se distribui (PEREIRA; KAHIL, 2006, p. 219).
A tipificação das redes, internas, regionais, nacionais ou internacionais, surge como
condição que se impõe à circulação de tecnologia, capitais, dentre outros. As redes se
adaptam às mudanças que ocorrem ao longo do tempo, de forma que esse movimento seria
infinito. “A rede faz e desfaz as prisões do espaço tornado território: tanto libera como
aprisiona. É porque ela é ‘instrumento’, por excelência, do poder” (RAFFESTIN, 1993 apud
DIAS, 2001, p.185). Os nós das redes seriam lugares de conexões, lugares de poder e de
referência. Ao mesmo tempo em que a rede tem o potencial de solidarizar, também tem o de
excluir. Os organismos de gestão da rede, seja de gestão técnica, econômica ou jurídica,
não são neutros, eles colocam em jogo relações sociais entre os elementos solidarizados e
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aqueles que permanecem marginalizados, ou seja, a rede nunca estará em seu potencial
máximo (DIAS, 2001). Milton Santos (1997) aponta que o conceito de redes não é único. Ele
as divide em duas matrizes: a primeira considera somente o seu aspecto e sua realidade
material e a segunda também leva em conta o dado social. Diante disso, cita N. Curien
(1998) que define o termo de acordo com o primeiro aspecto, ou seja, que toda
infraestrutura permite
o transporte de matéria, de energia ou de informação, e que se inscreve sobre um território onde se caracteriza pela topologia dos seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcação ou de comunicação (SANTOS, 1997, p.262).
No segundo aspecto, aponta que a rede também é social e política, pelas pessoas,
mensagens e valores que a permeiam. Sem isso, a rede seria uma mera abstração.
Destacando o nível local, é nesse espaço que a rede se torna socialmente concreta devido a
fenômenos sociais baseados na solidariedade, consequência da diversidade numa
frequência repetitiva dada num determinado espaço (SANTOS, 1997). A questão do poder é
inseparável da questão das redes. A divisão territorial do trabalho dá a determinados atores
um papel privilegiado na organização do espaço e a própria estrutura do espaço constitui
uma condição fundamental ao exercício do poder e a natureza local ou regional desse.
Milton Santos trabalha o conceito de poder na perspectiva dos autores Taylor e Thrift (1982),
que o define como “a capacidade de uma organização para controlar os recursos
necessários ao funcionamento de outra organização” (TAYLOR & THRIFT, 1982 apud
SANTOS, 1997, p. 271). Neste sentido, há a compreensão que as políticas públicas não
podem ser avaliadas sem a avaliação do contexto territorial, pois, sua composição
geográfica, socioeconômica, produtiva e política influenciará na maneira que as políticas são
formuladas e implementadas.
5. Redes de políticas públicas no campo da Ciência Política
As redes de políticas públicas representam, segundo Klijn (1998), uma intenção da
Ciência Política em analisar a relação entre o contexto e o processo de construção de
políticas. Retornando à discussão sobre as relações entre atores, no texto de Börzel (1997),
a autora afirma que os participantes de uma rede compartilham um entendimento comum,
num conjunto de relações relativamente estáveis e não hierárquicas, que possuem
interdependência e compartilham interesses comuns em relação a uma política e seus
recursos, reconhecendo a cooperação como valor e método que possibilitará o alcance de
seus objetivos. Redes de políticas públicas agregam diferentes atores de diversos
subsetores sociais e políticos no contexto da elaboração e implementação de uma política.
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Neste caso, a ação do próprio Estado não é oriunda de uma movimentação isolada, a ação
estatal é considerada um sistema de múltiplos atores. A constituição de redes, segundo
Fleury (2002), agrega nesse novo contexto a participação de organizações não
governamentais. Na América Latina, principalmente no contexto da redemocratização e do
aumento da mobilização da sociedade civil, essas organizações reivindicam uma maior
atuação na formulação e na participação dessas políticas públicas a fim de contemplar suas
necessidades, que em muitos casos foram historicamente negligenciadas, neste sentido,
Schneider (2005) apresenta a definição de Kenis e Schneider (1991) que afirmam:
Redes de políticas públicas são novas formas de governança política que reflete uma relação modificada entre Estado e sociedade [...] Redes de Políticas Públicas são mecanismos de mobilização de recursos políticos em situações em que a capacidade da tomada de decisão, de formulação e implementação de programas é amplamente distribuída ou dispersa entre atores públicos ou privados (KENIS; SCHNEIDER, 1991, p.41).
Fleury (2002) apud Börzel (2002) coloca que para cada tipologia de rede haverá
diferentes atributos, a seguir apontaremos essas características e sua classificação,
respectivamente:
Nível de institucionalização: estável ou instável.
Número de participantes: restrita ou aberta.
Configuração das políticas: setorial ou intersetorial.
Função principal da rede: centradas em problemas, redes profissionais ou redes
intergovernamentais.
Tipo de atores interessados.
Equilíbrio de poder: redes heterogêneas ou homogêneas.
Autores como Bruijn, Heuvelhof e Klijn (1998), citados por Fleury (2002), postulam que
a definição de espaços e desenho dos processos de negociação faz parte da dimensão da
estrutura de uma rede e estão relacionados com a institucionalização dos padrões de
interação. Neste contexto, a afirmação de regras formais ou informais é um importante
instrumental para a gestão de redes. Massardier (2002), por exemplo, afirma que a análise
de redes, primeiramente, deve identificar os atores que as compõe e numa segunda etapa
pontuar os princípios presentes na sua estruturação. O mesmo autor destaca os princípios
que utiliza para realizar esse estudo:
Poder: só pode ser relacional, ou seja, as interações que expressarão menor ou
maior poder aos donos de recursos (perspectiva da interdependência).
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Estabilidade: à medida que a rede se constitui, os atores tendem a partilhar o sentido
e os interesses da rede. O risco desse processo é a perda da riqueza da pluralidade
de ideias.
Ambiente de análise: como consequência dos fatores anteriores, as redes são
sistemas autônomos e a análise é endógena.
Por conseguinte, conforme discutido por Fleury (2002) e pela Organização Pan-
Americana de Saúde (2008), estruturar canais de comunicação dentro das redes é fator
decisivo para o compartilhamento de valores coletivos e o desenvolvimento dos objetivos.
Isso permite a estruturação de espaços que permitam a interdependência e o crescimento
da coordenação interorganizacional sem que se ameace o equilíbrio das redes.
6. Modelos de aplicação do conceito de Rede no SUS: a Rede de Atenção à Saúde e a Comissão Intergestores Regional.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), uma Região de Atenção à
Saúde é definida como uma rede de organizações
que presta, ou faz arranjos para prestar, serviços de saúde equitativos e integrais a uma população definida e que está disposta a prestar contas por seus resultados clínicos e econômicos e pelo estado de saúde da população a que serve. (OPAS, 2011, p.15).
Na última década, diversos estudos e normas legais vêm consolidando a importância
dos mecanismos de governança apoiados às redes de serviços de saúde para a
implementação adequada do SUS e de suas diretrizes. Nesse sentido, pode-se aproximar a
discussão do conceito de redes de políticas públicas com o sistema público de saúde
brasileiro. A CF/88, nos artigos voltados ao setor saúde, 196 a 200, já apresenta uma
preocupação com a questão regional, ainda que não traga um conceito de forma direta. Nos
instrumentos jurídicos posteriores, Lei Orgânica da Saúde e nas Normas Operacionais
Básicas, esse padrão se mantêm. Somente em 2002, com a Norma Operacional de
Assistência à Saúde, é que há claramente uma definição de região no contexto do
planejamento de políticas públicas de saúde, e mais do que isso, a sua importância para os
processos de gestão. Essa importância aumenta no Pacto pela Saúde, até se consolidar na
definição de Redes no SUS apresentada no Decreto n.º 7.508/11, que regulamentou a Lei
Orgânica da Saúde – 8.080/90, ou seja, um “conjunto de ações e serviços de saúde
articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a
integralidade da assistência à saúde” (BRASIL, 2011). Mesmo assim, essas redes estão
inseridas em uma ou mais regiões de saúde que o decreto supracitado também conceitua
como:
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espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde (BRASIL, 2011).
As redes de atenção à saúde, segundo a OPAS, devem possuir 14 atributos que estão
divididos em quatro blocos. O bloco 2, chamado Governança e Estratégia, possuem três
elementos de suma importância a este debate, a saber: “atributo 7: um sistema de
governança único para toda a rede; atributo 8: participação social ampla e; atributo 9: ação
intersetorial e abordagem dos determinantes sociais da saúde e da equidade em saúde”
(OPAS, 2011, p.18). No caso do Decreto n.º 7.508/2011, o mesmo traz um capítulo que
discorre sobre a articulação entre os entes federados através da reafirmação que as
comissões intergestores têm como função a pactuação da organização e funcionamento dos
serviços e ações de saúde e componentes das redes de atenção à saúde. A maior inovação
trazida pelo decreto é a criação de mais uma comissão de cunho regional, as CIR, composta
exclusivamente por gestores do sistema e que dispõem de poder para: a deliberação de
aspectos operacionais, financeiros e administrativos da gestão compartilhada do SUS;
diretrizes gerais sobre Regiões de Saúde; diretrizes de âmbito nacional, estadual, regional e
interestadual a respeito da organização das redes de atenção à saúde; responsabilidades
dos entes federativos na Rede de Atenção à Saúde; referências das regiões intraestaduais e
interestaduais de atenção à saúde (BRASIL, 2011).
A CIR soma-se aos outros espaços colegiados intergestores tradicionais do SUS,
como a Comissão Intergestores Tripartite e a Comissões Intergestores Bipartites presentes
em cada estado da federação. Esses espaços foram apontados como os elementos
decisivos no processo de governança, e, por conseguinte, possuem uma influência
importante na qualidade dos serviços prestados pelo SUS. Cabem ressaltar que parte das
funções da CIR já era exercida pelos Colegiados de Gestão Regional (CGR), dispositivo
anterior as CIR, no entanto, os CGR não tinham o cunho deliberativo, daí a inovação
oriunda do Decreto 7508/11.
7. Fragilidades e potencialidades das Redes: Governança Regional no setor de saúde do Estado da Bahia
O estado da Bahia possui 417 municípios, que, no setor saúde, são divididos em 28
regiões. Em conformidade com o Observatório Baiano de Regionalização, órgão da
Secretaria Estadual de Saúde do Estado da Bahia - SESAB (BAHIA, 2013), essas regiões
equivalem as 28 Comissões Intergestores Regionais. As CIR, segundo a SESAB, têm como
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função promover o planejamento regional através dos mecanismos de governança regional.
Esta secretaria estadual afirma que,
o que há de novo no processo de planejamento regional é a ênfase no cumprimento das responsabilidades, a disponibilização de recursos pelos três entes federativos e a construção de redes interfederativas, para que a Região de Saúde seja mais que um território geográfico, e sim um espaço programático - assistencial (BAHIA, 2013).
A regionalização proposta segue o conjunto de diversos fatores como número de
habitantes, capacidade instalada de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar,
fluxos existentes de atendimento, dentre outros. Cada região de saúde, além dos seus
componentes assistenciais, deve ter um espaço de governança regional, ou seja, as
Comissões Intergestores Regionais (CIR). Elas devem ter representantes nos municípios e
na secretaria estadual do estado onde se situam. Porém, podem ter arranjos diferenciados
no que se refere à secretaria estadual, à coordenação e à secretaria executiva, às câmaras
ou grupos técnicos temporários ou permanentes. Considera-se para fins de análise
quantitativa e qualitativa, os dados a partir do mês de abril, após a publicação da Resolução
CIB 088 de 11 de abril de 2013, que aprovou o regimento interno da Comissão Intergestor
Bipartite e das Comissões Intergestores Regionais do estado da Bahia. No entanto,
verificou-se que não há uma uniformidade. À medida que em algumas comissões, do total
dos nove meses de funcionamento, somente foi realizada reuniões em cinco meses. A
média de reuniões é superior a 01 reunião por mês.
Tabela 1: Distribuição de reuniões das Comissões Intergestores Regionais.
Reuniões Regiões %
Até 09 01 3,6
10-15 18 64,3
16-20 09 32,1
Total 28 100
Fonte: SESAB, 2013.
Acima, nota-se a distribuição do número de regiões, e pode-se apontar que a maioria
das comissões realizou entre 10 a 15 reuniões ao longo de nove meses de funcionamento.
Em relação às discussões, destacam-se as avaliações realizadas pela Diretoria Regional de
Saúde (DIRES) sobre temas relacionados à Vigilância em Saúde, seguidos da atuação da
Escola Técnica Estadual e a Pactuação Pactuada Integrada. Já nas pactuações, as
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implantações ou credenciamento de serviços são a maioria dos assuntos pactuados. Cabe
assinalar que os serviços de média complexidade é que tiveram mais número de solicitação
de implantação ou credenciamento.
Tabela 2: Assuntos discutidos nas Comissões Intergestores regionais que realizaram as menores médias de reuniões mensais, 2013.
DiscussãoRepetições
Vigilância em Saúde 3Falta de acesso a serviços de maior complexidade 3Escola Técnica Estadual 2Rede de Atenção às Urgências 2Não participação do secretário da sede da CIR nas reuniões 2Pactuação Pactuada Integrada 1Recomendação aos Conselhos Municipais de Saúde 1Avaliação de Desempenho dos Hospitais 1Observatório Baiano de Regionalização 1Formação de Câmara Técnica - CIR 1Implantação de NASF 1Termo de Ajustamento de Conduta com Ministério Público 1
Fonte: SESAB, 2013.
Tabela 3: Assuntos discutidos nas Comissões Intergestores regionais que realizaram as maiores médias de reuniões mensais, 2013.
DiscussãoRepetições
Redes Temáticas 7SAMU (custeio, acesso) 5Avaliação das Campanhas de Vacinação 4Oficinas de Atenção Básica 4Hospital Regional 4Situação da Dengue 3Sistemas de Informação ( Alimentação, Prestação de Contas) 3Assistência Farmacêutica 3Vigilância em Saúde 3Programa de Indicadores da Qualidade da Vigilância em Saúde 2Rede de Atenção às Urgências 2Credenciamentos 2SISPACTO e Programação da Vigilância em Saúde 2Utilização de Recursos Financeiros da Atenção Básica 1Informe do Conselho Municipal de Saúde 1Medicamentos e Insumos do Programa de Diabetes 1Disponibilização de Equipamentos pelo Ministério da Saúde 1Avaliação das condições de trabalho - Agentes de Controle de Endemias 1Avaliação do Conselho Municipal de Saúde 1
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Informe das Câmaras Técnicas 1Programa Mais Médicos 1PPI 1Solicitação de técnicos municipais para compor a câmara técnica 1Faturamento das Cirurgias Eletivas 1Situação do Hospital Filantrópico da região 1Contrato Organizativo da Ação Pública 1Recursos Financeiros da UTI do hospital privado de atendimento regional 1Regulação de Leitos da Região Interestadual 1
Fonte: SESAB, 2013.
Tabela 4: Temas pactuados nas Comissões Intergestores Regionais que realizaram as menores médias de reuniões mensais, 2013.
PactuaçãoRepetições
Implantação/Credenciamento de Serviços - Média Complexidade 9Implantação/Credenciamento de Serviços -Atenção Básica 5Implantação de Hospitais de Pequeno Porte 2SISPACTO e Programação da Vigilância em Saúde 2Rede de Urgência 2Aquisição de equipamentos 1PPI 1Revisão de Teto Financeiro Municipal 1Formação de Câmara Técnica 1
Fonte: SESAB, 2013.
Tabela 5: Temas pactuados nas Comissões Intergestores regionais que realizaram as maiores médias de reuniões mensais, 2013.
Pactuação RepetiçõesImplementação de equipamento/serviço Atenção Básica 19Redes Temáticas 8Definição de Integrantes de Comissões e Redes Temáticas 7Implementação de equipamento/serviço Média Complexidade 7Alteração de Modalidade de Serviço 5Implementação de Serviço de Urgência 4Projeto - Ampliação do Acesso à Procedimentos de Traumatortopedia de Média Complexidade 3Aumento de repasses de recursos financeiros para um município específico 3 Agentes Comunitários de Saúde ( salário, jornada de trabalho, credenciamento) 3Regulação para Hospital Regional 2Plano de Cirurgias Eletivas 2Educação Permanente 2Proposta de Reunião com a Secretaria Estadual 2Vigilância em Saúde 2Medicamentos e Insumos para o Programa de Diabetes 1
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Atraso de repasses financeiros da Secretaria Estadual de Saúde 1Programação Pactuada Integrada 1Rede de Frio 1Proposta de Reunião com a Secretaria Estadual e Prestadores Terapia Renal Substitutiva 1Indicação de instalação de curso de Medicina 1Assistência Farmacêutica (recursos financeiros) 1Ampliação de vagas da Terapia Renal Substitutiva 1Indicadores SISPACTO 1Alto percentual de cesárias 1Avaliação dos contratos das Organizações Sociais pelos Conselhos Municipais de Saúde 1
Fonte: SESAB, 2013.
A consolidação dos dados das CIR com mais reuniões, naturalmente, traz mais
assuntos abordados e pactuados, no entanto há o destaque de assuntos relacionados à
Vigilância da Saúde no item apresentações ou discussões e nos pactuados há a
concentração na implantação de serviços da Atenção Básica, a definição de integrantes em
Comissões Técnicas criadas nas CIR ou para representações em congressos, seguidos das
Redes Temáticas (Cegonha, Atenção Psicossocial ou Urgência) e implantação de serviços
de média complexidade. É essencial discutir outros elementos que possam evidenciar ou
não como o espaço geográfico influencia na governança advinda das CIR, como os
desdobramentos das discussões dos grandes temas apresentados, assim como
características das comissões estudadas, como serão analisados nos pontos da próxima
seção.
8. Interação entre as redes políticas no contexto geográfico da Bahia: desafios e possibilidades para a Governança Regional e Política na Saúde
Ao se apresentar o número de reuniões realizadas, temas discutidos, pactuados e a
importância dos mesmos, a partir da inferência do número de vezes que se repetem nas
CIR, traz-se a discussão dos objetivos esperados pelo Decreto n.º 7.508/11 e seu
cumprimento. No entanto, também há a finalidade de avaliar o quanto esses espaços têm
influência de priorização de pautas para as regiões em questão, assuntos relevantes para a
organização dos sistemas de saúde regionais (BRASIL, 2011).
Os protagonistas da governança regional na saúde serão aqueles dotados de
influência e possuidores de instrumentos, funções e mecanismos na condução e
organização do sistema de saúde. A característica da governança de um determinado
espaço demonstrará a institucionalidade dos espaços decisórios – sua abrangência, suas
decisões, tipos de relações desenvolvidas pelos seus atores e as formas de atuação
(instrumentos e estratégias) dos atores (LIMA, et. al, 2013). Segundo Albuquerque (2013), a
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questão geográfica contribui para a análise regional das políticas de saúde à medida que
essas são condicionadas pelo uso do território, além de evidenciar as direções históricas
acerca do processo de implantação e consolidação do SUS.
Cabe ressaltar que não houve grandes variações em relação aos grandes temas
(implantação ou credenciamento de serviços de atenção básica e média complexidade,
Redes Temáticas de Atenção à Saúde, Vigilância em Saúde) discutidos nos grupos de CIR
avaliados, ou seja, com maiores e menores número de reuniões, no entanto, nas CIR com
mais reuniões houve um o detalhamento dos grandes temas, o que pode ser natural, já que
o número de horas de discussão será muito maior. Não se pode avaliar nesse trabalho a
questão qualitativa da presença dos integrantes, pois nem todas as quatro CIR avaliadas
possuíam dados, porém, destaca-se um ponto de discussão acerca de faltas recorrentes do
secretário de um município sede da região de saúde das CIR com menos reuniões. Isso é
importante, pois, tal fato gera dificuldade de discutir o acesso de serviços mais complexos,
pois geralmente os municípios sede de regiões são justamente os municípios que
concentram serviços de maior complexidade.
Nas CIR com mais reuniões também se evidenciou a discussão sobre a falta de
integrantes, mas, neste caso, é de um município não sede. Similarmente, há a discussão
sobre os hospitais da região, em especial o regional, de responsabilidade da secretaria
estadual. Assim, ao refletir sobre esses dois últimos parágrafos, traz-se o conceito de
conectividade inerente ao das redes, referido por Dias (2001). Essa conectividade não é
necessariamente pautada no consenso, mas, nos projetos comuns, então, a falta de algum
elemento, nesse caso a falta de um dos municípios, prejudicaria a concretização desse
projeto coletivo. Em relação ao nível de atenção ou eixo do SUS discutido, observa-se que
há fortemente o debate sobre temas da Vigilância em Saúde, oriunda da indução a partir
das apresentações das Diretorias Regionais de Saúde.
No entanto, quando se avalia a pactuação, esse tema praticamente desaparece,
dando lugar à implantação de serviços, com o destaque da média complexidade nas CIR
com menos reuniões, e atenção básica nas CIR com mais reuniões. Quando relembramos
que a Atenção Básica à Saúde deve ser à base do sistema de saúde e relacionarmos que o
grupo de municípios que realizam mais CIR pode ter o entendimento da necessidade de
discutir com mais profundidade os assuntos da região, pode-se pensar em possíveis
relações com o número de reuniões e temas abordados. Mesmo com a presença de
representação estadual nas CIR foi apontada a necessidade de outras representações
estaduais para mediar alguns processos, como o do secretário estadual para discutir
diversas pautas, assim, como a Comissão Estadual de Terapia Renal Substitutiva - TRS
para mediar a solicitação de mudança de polo de atendimento de pacientes, assim como a
cota de atendimento.
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A questão dos conflitos gerados a partir da relação com município polo, assim como, a
Secretaria Estadual de Saúde é destacada no artigo de Lima et al, 2017, visto a importância
que esses atores teriam na condução da coordenação da governança regional diante dos
recursos e serviços sob sua gestão. Oficialmente, a CIR é composta somente por gestores
da área, mas, verificou-se que algumas representações tiveram presença em momentos
pontuais no período estudado, ou foram citados em processos importantes, são elas:
Ministério Público, Conselhos Estadual e Municipais de Saúde, Comissão Estadual de
Terapia Renal Substitutiva e o Secretário Estadual de Saúde. O MP foi importante em um
processo discutido na CIR a respeito da questão do acesso a serviços mais complexos
pactuados anteriormente na região. Já o CES, utilizou o espaço das comissões para apontar
recomendações a serem apresentadas aos conselhos municipais de saúde (CMS).
Os conselhos municipais foram indicados para avaliar os contratos de Organizações
Sociais, no entanto, houve questionamento em relação à regularidade jurídica de alguns
CMS. Pode demonstrar que os municípios, em relação aos CMS, ao mesmo tempo em que
consideram a representação legítima, apresentam questionamentos em relação à sua
legitimidade. Cabe destacar que, em nenhum momento, houve discussões no sentido de
incorporar essas representações para discussão conjunta com a CIR. Albuquerque (2013)
destaca em sua tese de doutorado que o estado do Rio do Grande do Sul foi o único que, no
momento da pesquisa, refletia a possibilidade de inserir a população nas CIR. As presenças
de atores não previstos inicialmente, além de desenhos regionais adaptados às
problemáticas específicas, como serviços de alta complexidade, demonstram que as regiões
não podem ser consideradas uma organização administrativa estática, pois, como afirmado
por Albuquerque (2013), que, ao trazer um aspecto do conceito de região do Pacto pela
Saúde vigente antes do Decreto n.º 7.508/11, no qual era afirmado que todos os elementos
regionais deveriam ser considerados, além de possíveis diferentes configurações, o autor
demonstra tal dinâmica que, a nosso ver, embora necessite constantemente de
averiguações, mudanças e, especialmente, a inclusão da sociedade civil em seu âmbito,
demonstra uma organização regional proativa em busca dos elementos comuns às
demandas no campo das políticas públicas de saúde.
9. Considerações Finais: longe de finalizar as considerações
O Sistema Único de Saúde aproxima-se de completar 30 anos, no entanto, esse
período ainda se faz muito recente para um arcabouço que propôs muitas alterações ao
modelo anterior, como a gestão conjunta entre diversos atores através da governança em
rede, participação social, dentre outros. Apesar de o território e as regiões serem elementos
constituintes dessa política, mesmo com as diversas as formas em tentar reconhecê-lo e
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viabilizá-lo, a tentativa atual que reconhece a gestão regional e oficializa essa representação
nas CIR, ainda é muito recente.
As CIR possuem diversos desafios e potencialidades como podemos visualizar na
experiência do estado da Bahia. Desafios como a representação contínua de todos os
municípios, a não imposição da agenda dos municípios com maior capacidade instalada,
assim como da Secretaria Estadual de Saúde. Outra questão a ser enfrentada é a
centralização da discussão e consequentemente tomada de decisão em temas de
relacionados à implantação de serviços de Média e Alta complexidade e o não
aprofundamento nos temas relacionados à Atenção Básica e principalmente à Vigilância à
Saúde. Todavia, como essas estruturas podem melhorar a interlocução com outros atores
presentes nas regiões, como a população usuária dos SUS, por exemplo, à medida que
essa participação não está prevista na legislação que configura as comissões? Este também
é um ponto crítico dessa experiência.
Destarte, o maior desafio que se identificou está na dificuldade das CIR em
contribuírem como vetor de superação dos desafios de implementação no SUS em face de
falta de recursos humanos e financeiros destacados também nas experiências. Apesar
disso, as experiências da CIR devem ser celebradas à medida que possibilitam a
coletivização dos temas críticos ao SUS pelo estado inteiro, e isso é salutar, principalmente
quando refletimos no tamanho e diversidade do território baiano e as suas características
regionais. Também se pode destacar a possibilidade de atualização profissional dos
gestores e técnicos da alta gestão municipal a partir das apresentações realizadas pela
secretaria estadual, através das Diretorias Regionais. A interlocução dos municípios com a
secretaria estadual também deve ser enfatizada.
Diante disso, podemos apontar que as Comissões Intergestores Regionais podem ser
consideradas um avanço no fortalecimento da Governança em Rede no âmbito do Sistema
Único de Saúde. Observar possíveis mudanças pode contribuir no seu processo de
amadurecimento a fim de potencializar as dinâmicas territoriais nas regiões, promovendo
desta forma, a consolidação do modelo a enquanto conceito, quanto o próprio
desenvolvimento regional.
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