Welington Almeida Pinto - Santos-Dumont - No Coração da Humanidade

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O Pai da Aviao

SANTOS-DUMONTSANTOS-DUMONT - NO CORAO DA HUMANIDADE

NO CORAO DA HUMANIDADEWelington Almeida Pinto

1 Edies Brasileiras

SANTOS-DUMONTNO CORAO DA HUMANIDADE

Welington Almeida Pinto

SANTOS-DUMONTNO CORAO DA HUMANIDADE

Edies Brasileiras

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DO MESMO AUTOR Coleo Infantil Vitria Rgia: A guia e o Coelho - Clin-Clin, o Beija-Flor Mgico - Tufi, o Elefante Equilibrista - Seu Coelhino, em Viagem ao Sol - O Gatodo-Mato e o Pre - A Caada - Edies Brasileiras/1973 Malta, o Peixinho-Voador no So Chico - Edita/1976 Flicts - adaptao do livro Flicts, de Ziraldo Pinto, para Teatro -Edita O Pequeno Prncipe - adaptao do livro O Pequeno Prncipe, de Antoine Saint Exupery para Teatro - Edita /1974 Histria do Brasil, em Aula Viva - adaptao de temas histricos para o Teatro aplicado em sala de aula - Edita/1978 A Cela - Obra para Teatro de Arena - Pscodrama - Helbra/1971 Poesia - Antologia Potica - Edita/1980 Dicionrio Geogrfico e Histrico do Estado de Minas Gerais - Edita/1983 Dicionrio Geogrfico e Histrico do Estado de So Paulo - Edita/1984 Condomnio e suas Leis - Edies Brasileiras/1993 Licitaes e Contrataes Administrativas - Edies Brasileiras/1993 A Empregada Domstica e suas Leis - Edies Brasileiras/1994 Lei do Inquilinato - Edies Brasileiras/1994 Assdio Sexual no Local de Trabalho - Edies Brasileiras/1996 A Saga do Pau-Brasil - Edies Brasileiras/2000 Ficha Catalogrfica Pinto, Welington Almeida, 1949 Santos-Dumont, no Corao da Humanidade Welington Almeida Pinto - Belo Horizonte : Edies Brasileiras, 1997. 80 p. : II. Contm fotografias do perodo de 1895 1910. 1. Santos-Dumont, Alberto, 1873-1932. 2. Contos brasileiros. I. Ttulo. CDD : B 869.35 CDU : 869 (81) - 3 Bibliotecria responsvel: Maria da Conceio Arajo - CRB/6 - 1236

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Copyright 1997 by Welington A. Pinto Reservados todos os direitos de publicao a Edies Brasileiras Sociedade Brasileira de Cultura Ltda Rua da Bahia, 1148 - conj. 1740 - Belo Horizonte/MG Telefax.: (031)224-6892 - 271-3088 Impresso no Brasil - Printed in Brazil"O livro um instrumento indispensvel no desenvolvimento de uma Nao"- W.A.Pinto

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Nunca um Brasileiro foi to completa glria universal, consagrado pelos sbios, pelos reis, pelos artistas.Gilberto Freyre

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INTRODUO

Em pases mais desenvolvidos, a preocupao do Governo estimular seu povo a guardar a memria de seus grandes vultos, personalidades responsveis por realizaes, que, de uma ou outra forma, foram teis Humanidade. Nesses pases, despertar o sentimento de cidadania, j na escola, garantia futura de manter a sociedade organizada, coesa e evoluda. O objetivo desta e de publicaes subseqentes da srie tornar conhecidos e permanentes na memria do brasileiro homens que engrandecem nosso orgulho de cidados. Iniciamos com Alberto SantosDumont, resgatando a nossa memria das realizaes aeronuticas do Iinventor Brasileiro e tambm fundamentar, de forma incontestvel, pela idoneidade dos documentos consultados, as razes que levaram o Aeroclube do Brasil a defender a prioridade nacional na descoberta do vo com um aparelho mais pesado que o ar. O Cel. Deoclcio Lima de Siqueira, ento Diretor do Instituto HistricoCultural da Aeronutica, ao comentar o livro Santos-Dumont, A Conquista do Ar, do Embaixador Aluzio Napoleo, declarou: ..." Diante dos documentos histricos, indiscutvel o grande valor das realizaes de Alberto SantosDumont. Esquec-las ou distorc-las imperdovel, pois, alm de injusto, prejudicial ao futuro, que no deve ignorar as verdadeiras causas das conquistas humanas. Na verdade, o sucesso de nosso patrcio baseia-se nas suas qualidades bem brasileiras: na persistncia do mineiro que era; na audcia do paulista que tanto conheceu; na perspiccia do caboclo em seu raciocnio; na sagacidade do nosso ndio em seu povo; no gnio de inventor que possua; no desprendimento do brasileiro de toda hora; no idealismo do idealista de sempre." Este novo livro sobre o Pai da Aviao est elaborado em linguagem viva, construtivista. Estimular no aluno grande interesse participativo no contedo, alm de despertar o sentimento de orgulho por um grande cientista, que colocou o Brasil no pdio permanente da Cincia universal, de todos os tempos.5

Reproduo de uma das pginas da Revista Flying, de novembro de 1915 - Paris7

"O livro um instrumento indispensvel no desenvolvimento de uma Nao"- W.A.Pinto

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Alberto Santos-Dumont nasceu em 20 de julho de 1873, na Fazenda Cabangu, localizada no Distrito de Joo Aires, prximo antiga Cidade de Palmira, atual Santos Dumont, em Minas Gerais, onde o pai se instalara para construir um trecho de estrada de ferro da Central do Brasil. Consagrado Pai da Aviao por ser o primeiro inventor na Histria da Aviao Mundial a levantar vo por meios mecnicos prprios, oficialmente homologado. Entre outras invenes, Santos-Dumont criou o Relgio de Pulso, industrializado pela Relojoaria Lecoultre com o nome de Sant e esquis dotados de motor, aprovados por alpinistas na Sua. Foi o primeiro aeronauta a possuir quatro cartas homologadas pela Federao Aeronutica Internacional, sediada em Bruxelas, Blgica. So elas: Piloto de Balo Livre, de Balo Dirigvel, de Biplano e de Monoplano. Santos-Dumont bateu todos os recordes de velocidade at 1909, quando fez o primeiro raid da aviao reconhecido do Mundo, voando de Saint-Cyr at Buc, na Frana, pas que tambm o condecorou com o grau mximo de Grande Oficial da Legio de Honra. Eleito para Academia Brasileira de Letras, em 1931. Autor de trs livros: A Conquista do Ar (1901), Meus Bales (1903) e O Que Eu Vi - O Que Ns Veremos (1918). Alberto Santos-Dumont passou a figurar, de forma permanente, no Almanaque do Ministrio da Aeronutica, compondo seu quadro de oficiais-aviadores, no posto de Tenente Brigadeiro. Em 23 de setembro de 1959, foi aprovado pelo Congresso Nacional o projeto de lei que concedia ao cientista brasileiro o posto honorfico de Marechal-do-Ar da Fora Area9

Brasileira, consagrando de forma sem precedentes, o nome de quem to alto elevou o Brasil, com o feito extraordinrio do 14-Bis. o patrono da Fora Area Brasileira. A INFNCIA Nascido no campo, filho do engenheiro de estrada de ferro e produtor de caf, Henrique Dumont e de Dona Francisca de Paula Santos, seus irmos mais velhos eram Henrique, Maria Rosalina, Virgnia, Luis e Gabriela; depois dele, nasceram Sofia e Francisca. Desde cedo, passou a admirar a Natureza, despertando exacerbado interesse pela fauna alada. Imerso em seus pensamentos, passava horas e horas observando o movimento dos pssaros, principalmente quando alavam vo, cortando o cu, com rapidez, facilidade e segurana. Tambm era seu passa-tempo predileto assistir a subida dos pequenos bales de papel, soltos nas festas juninas. Momentos mgicos que seduziam seu esprito curioso. A famlia era grande, unida. Os pais preocupados, mantinham-se atentos s indagaes e curiosidades dos filhos, principalmente com Alberto, ativo e interessado por tudo, queria sempre um esclarecimento para suas dvidas: - Pai, me explica por que o homem no tem asas que nem os pssaros? - perguntava com os olhinhos cheios de curiosidade. - Meu filho, o homem no foi dotado de asas, mas foi dado a ele o dom da inteligncia - respondia o pai. - Quem sabe um dia voaremos atravs de uma mquina qualquer!... Para os passarinhos o poder de voar foi timo, pois alm de ser lindo ver um pssaro voando, mais bonito ainda admirar um bando em revoada. Mas, o mais importante que nesse vo o pssaro presta um grande servio Natureza. Sabem qual ? - estendeu a pergunta a todos, sorrindo. - Eu sei - respondeu Virgnia. Eles comem as frutinhas e saem por a espalhando suas sementes. - Isso mesmo!... bradou a me orgulhosa. - No entendi - franziu a testa Alberto, alisando os cabelos. - Eu explico - tomou da palavra Henrique. - Pelo coc - riu com deboche. - O qu!... assustou-se Alberto, corado. Pelo qu?... - Isso mesmo, seu irmo est certo - interferiu o pai, sacudindo suavemente a cabea. - pelas fezes dos pssaros que muitas sementes de rvores so esparramadas pelos campos, garantindo a formao de florestas ricas em vrias espcies de plantas; cada uma milhares de metros da outra. - Pai, o homem deveria ou no voar ? - tornou Alberto a insistir10

na pergunta, invadido por um desejo inquietante de saber. - Seria tudo mais fcil. As distncias entre lugares ficariam imensamente curtas. Que bom, hein ?... Meu filho, voar sempre foi o sonho do homem desde o princpio da civilizao. caro, colou penas no corpo com cera e tentou imitar as aves. Agora, inventar uma mquina para voar!... - fez o pai um minuto de silncio, coando a cabea, enquanto esboava um ligeiro sorriso. - Isso, eu no sei!... Mas, tudo indica que um dia o homem dominar o espao areo. Ser !?... Vamos aguardar. - Quem foi caro ? - indagou Alberto. - Sua me pode falar melhor do que eu, ela tem mais talento para contar estrias - apontou o pai o dedo indicador para Dona Francisca, piscando o olho direito. - Eu!... Muito bem. Conto, mas quero selar um compromisso. A conversa est boa, mas j est chegando a hora de criana dormir. Assim que eu terminar de falar de caro, cada um chispa para sua cama. Certo? Concordaram todos. CARO - caro!.. - impostou a voz Dona Francisca - era filho do Arquiteto e Escultor Ddalo, da Mitologia Grega. Um dia, por inveja, Ddalo matou um dos seus discpulos, um dos muitos homens que trabalhavam com ele nas construes. Procurado pela Justia, ele e o filho fugiram de Atenas para Creta. L chegando, foram contratados pelo Rei Minos, de Creta, para construir um enorme e misterioso labirinto. Depois de pronto, por um ou outro motivo, Ddalo desentendeu-se com o rei. Este, furioso e sentindo-se ofendido, imediatamente mandou prender os dois numa ilha bem afastada do Continente, impossvel de fuga. - Ddalo, inconformado de estar preso, imaginou que s poderia sair dali com o filho, pelo ar. Por terra, no dava. Por mar, era impossvel. Um dia, observando os pssaros, ele sentiu que se pudessem voar seria a salvao deles. Pensou... Pensou... at que uma idia brilhou na sua11

cabea, que logo foi colocada em prtica com a ajuda de caro: construiram dois pares de grandes asas de penas, ligadas entre si por cera endurecida. Depois de prontas, Ddalo recomendou: - Filho, com essas asas vamos voar que nem os grandes pssaros. Mas, olhe l, no v se embriagar pelas delcias do vo e se esquecer da vida, pois ter que ficar atento e no se elevar a grandes alturas, aproximando-se muito do Sol. Cera derrete... ouviu, caro? - O filho, super entusiasmado, - continuou Dona Francisca prometeu ao pai ter responsabilidade e zelar por sua segurana. - Dona Francisca fez uma pausa como se para tomar flego e logo continuou. Muito bem, subiram no ponto mais alto da mais alta montanha da ilha. Amarraram nos ombros as asas e lanaram-se aos ventos. Seria uma grande fuga, se caro, esquecido das recomendaes do pai no voasse to alto. No deu outra, o calor dos raios solares derreteu a cera, despencando penas para todos os lados. Desamparado no espao, caro caiu no mar e, no mar morreu. - Gostaram ? - Lindo, mame!... - aplaudiu Alberto com os olhos midos de emoo. - Papai, - quis saber Rosalina - isso foi mesmo verdade ? - No - respondeu o pai bocejando por baixo do sorriso. - Isso faz parte da Mitologia Grega, so fbulas criadas pelo povo grego. - Hein!... Explique melhor - pediu Alberto com uma curiosidade inteiramenrte fora do comum. - Mitologia - retomou o pai explicao, - a estria fabulosa dos deuses, semi-deuses e heris da Antiguidade. A cincia dos mitos. Entenderam ? - Uai!... tudo de mentirinha... - exclamou Luis, fazendo muxoxo de pouco caso. - Isso mesmo!... Agora, vamos todos dormir, conforme prometeram - relembrou a me levantando-se da cadeira. - S uma perguntinha mais, mame ? - pediu Rosalina. - Uma s ?... - a me esfregou o nariz com uma das mos num sinal de consentimento. - A senhora falou que Ddalo e caro construram em Creta um labirinto, explique melhor o que isso. - Pois sim, Rosalina. Labirinto uma construo cheia de caminhos e passagens dispostos um ao lado do outro. Assim... Assim, confusamente. Um caminho que vai para l, outro para c. Uns tm saida; outros, no: uma tremenda confuso - Dona Francisca gesticulava com as mos no ar tentando dar forma e imagem de um labirinto. - Mas, e a ? Para que o Rei de Creta queria o labirinto ? perguntou Henrique. - Isso estria para outro dia, - interrompeu o pai a retorcer com12

os dedos a ponta da barba, bocejando. - Ah!... pai. A gente vai dormir com esse mistrio todo sem explicao!... - protestava Alberto com pesar. - Muito bem, filhos - voltou a sentar-se a me. Henrique, meu filho, o Rei Minos, de Creta, mandou construir o labirinto para aprisionar um terrvel monstro chamado Minotauro. O pior que, para alimentar o monstro, todo ano, o rei mandava sacrificar sete moas e sete rapazes gregos e os dava de comer ao Minotauro. Isso fazia parte de um ritual, que no poderia ser quebrado. Caso contrrio, acreditava-se que uma terrvel maldio cairia sobre Creta. - Me, o monstro... ia perguntar alguma coisa Henrique, mas fora imediatamente interrompido por Dona Francisca. - O monstro, meu filho, foi desafiado por um heri filho do rei grego, chamado Teseu. Era um jovem robusto, guerreiro gil e, apaixonado por Ariadne, filha do Rei Minos. O heri resolveu encarar o monstro perseguindo-o pelo labirinto. S que, para no se perder, Ariadne deu ao seu amado um novelo com milhares de metros de linha, para que fosse sendo desenrolado medida que entrasse no sinistro lugar. Teseu encontrou o monstro, lutou bravamente com ele e o derrotou com sua ferina espada. Para escapar, foi rebobinando a linha at que conseguiu sair so e salvo. Uma festa! O jovem grego, aclamado heri, desposou Ariadne, filha do Rei Minos. Ul...lal. Agora, todos para cama. JJ!.. J-J!.. - Dona Francisca dava sinais de impacincia. De p, apoiando-se ora num p, ora no outro, como se para tapear o sono, Doutor Henrique tomou a deciso de encerrar a sesso de estrias por aquela noite. Levantou a esposa pelos ombros e, rapidamente, os dois puxaram com as mos, um a um dos filhos, pondo-os de p. Carinhosamente, os pais beijaram os meninos na fronte, despedindo-se. E foram dormir. Alberto era um menino talentoso, extremamente curioso, demonstrando gosto pelas coisas raras e originais. Brincava com os irmos pelos arredores da casa da fazenda, mas tambm gostava de folhear os livros da biblioteca do pai. No campo, sua maior diverso era olhar para o cu em busca de um pssaro voando. Observava que uns batiam asas com uma velocidade incrvel e havia aqueles, com suas longas e imveis asas, que planavam por um longo tempo no ar, bem l no alto. Isso intrigava o menino. Da, ele comeou a soltar pipas de papel. Criou vrios modelos e passava horas e horas examinando, com mincias, o comportamento de cada uma no ar, tirando suas concluses. PRIMEIROS ESTUDOS13

Com dez anos, iniciou seus estudos no Colgio Culto Sciencia em Campinas, onde ficou at 1885. Depois, passou por vrios colgios em So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, encerrando suas atividades estudandis na Escola de Minas de Ouro Preto, sem ter-se formado em nvel superior. Estudante ponderado, Alberto comentava com os colegas sobre o ensino fundamental: - Precisamos da Escola Fundamental, pelo menos para aprender um pouco, e de tudo. O Mundo assumia complexidade tamanha, Alberto, em 1894, aos 21 anos impossvel de ser acompanhada por espritos no iluminados atravs da cultura e da educao. Portanto, era indispensvel aprender. Na fazenda, durante a adolescncia, seu lugar preferido era ficar sombra de uma frondosa mangueira lendo um bom livro, ou estendido de costas ao p de uma rvore, entretidamente olhando as nuvenzinhas difanas, que deslizavam suavemente, no firmamento infinito, repleto de idias e desejos. Assim, consumia parte de seu tempo refletindo sobre o trecho do livro que acabara de ler, enquanto escutava a melodia magistral do canto dos pssaros, principalmente o silvo repicado dos Chapinhas, aos milhares, que coloriam de amarelo, verde e vermelho os galhos das rvores, o terreiro cevado, os moures das cercas e currais e as cumeeiras das dezenas de casas da fazenda. Outro local que adorava e o divertia muito era passar horas e horas na oficina mecnica da fazenda, montando ou desmontando uma ou outra pea, enquanto conversava com os mecnicos. Incomodado, o chefe da oficina perguntava-lhe: - No possvel entender voc, Alberto. Seu pai j lhe deu os melhores e mais caros colgios do Brasil, e voc sempre volta para esta oficina para sujar as mos de graxa!... Meu patrozinho, por qu ? - Uai... No entende, meu caro escocs Arthur Brown ? Vou explicar-lhe melhor - respondia Alberto com um sorriso irnico. - Espero que me convena - disse Brown, hasteando os clios loiros, compactos e compridos que tremiam ligeiramente ao falar, desacreditado. Alberto assumia uma expresso sria e pronunciava:14

- Os estudos regulares, em todas as escolas, em todos os pases, em todos os tempos, so os que se referem ao j feito. Com eles, a gente aprende atos que os outros j praticaram, pesquisas que os outros fizeram, conquistas que os outros efetuaram, intuies que os outros tiveram, ou que os outros coordenaram. Com eles, a gente aprende sabedoria j pronta, completa em si. - Que discurso!...Me convenceu - dizia batendo palmas o mecnico. - Essa espcie de sabedoria que me querem incultar nada tem com minha personalidade ntima. Eu quero fantasia. E, ao mesmo tempo, quero realizao. meu pai quem manda que eu estude por essa forma. Que assim prossiga meus estudos!... - deixou escapar um risinho maroto. - Ento, voc vai voltar para a Escola de Minas ? - Para aprender, entretanto basta aprender. Simplesmente isso. No se requer aprendizagem-prodgio. Basta a aprendizagem normal, de boa vontade. - Voc no me respondeu, patrozinho ? - insistia o encarregado. - Vou conversar com meu pai - franziu o sobrolho. - Mas... se ele consentir, garanto que nunca mais me dedicarei aos estudos metdicos, programticos, curriculares. Agora, tenho que seguir o caminho de minhas pretenses futuras. Preciso de Fsica, Matemtica, Mecnica, Eletricidade. Preciso me especializar. - Oh!... Meu patrozinho, entender assim seu pai ? Aqui na oficina, faa o que quiser. Use e abuse de tudo, estarei sempre por perto. - Patrozinho!... - riu da cumplicidade do amigo Brown. Agradeo. Aprendi muito com voc, Brown. - Mocinho, esse palavreado todo cheio de palavras bonitas me convenceu. Para mim, voc j doutor em montar e desmontar mquinas. Doutor com mos atoladas na graxa... Ah... Ah... Ah... Dos bons!... gargalhava Brown, alegre com a amizade de Alberto. - Voc bom no que faz, quero t-lo sempre ao meu lado. Tiau... Vou estar com minha me, depois eu conto a voc se volto ou no para Ouro Preto. Alberto lia muito e, entre seus livros de cabeceira, estavam os de Jlio Verne (1828-1905), o escritor francs que antecipava muitos progressos da Cincia, narrando aventuras e conquistas futuristas. Era a leitura da rapaziada da poca, empolgando a todos com suas mirabolantes idias sobre o destino da Humanidade. Atravs da fico cientfica, o escritor previa a inveno do avio, do submarino, da televiso, dos msseis teleguiados e dos satlites artificiais. As previses de Jlio Verne encontraram na inteligncia aguada de Alberto receptividade profunda. Mexiam com seu esprito vido de grandeza, principalmente quando o autor profetizava que: Um dia, o15

homem h de voar." Entre as obras de Verne, as que mais o impressionaram foram Cinco Semanas em um Balo e Rbur, o Conquistador, narrando aventuras sobre navegao area. Alberto justificava sua predileo: - A sadia imaginao deste escritor verdadeiramente grande, atirando com magia sobre as imutveis leis da matria, me fascinou desde a infncia. Nas suas concepes audaciosas eu via, sem nunca me embaraar em qualquer dvida, a mecnica e a cincia dos tempos do porvir, em que o homem, unicamente pelo seu gnio, se transformaria em um semideus. Durante todas as frias escolares, impreterivelmente, passava seus dias mergulhado nos trabalhos da fazenda do pai, principalmente revolvendo as oficinas, o grande universo do singular e apaixonado Alberto. Rapidamente, se interressou pelo maquinrio empregado no campo, dominando seu mecanismo, a ponto de desmontar e montar uma engenhoca daquela, com o domnio de quem possua larga experincia no assunto. Uma engrenagem, sozinha ou em jogo, era capaz de roubar vrias horas do rapaz. Meditava muito sobre o mecanismo dessa pea, como se fosse uma pea mgica, capaz da multiplicao de velocidade do movimento. Ficava fascinado com a ao de uma roda grande engrenada numa outra menor; a maior girava lentamente, enquanto a pequena imprimia uma velocidade brutal. Ou vice-versa. - Fantstico! - gritava apertando mais ainda o livro de Jlio Verne ao peito. Chegava a comentar com o escocs Brown, encarregado da locomotiva que circulava pelos trilhos da Fazenda Dumont, que estas mquinas movidas trao de vapor, poderiam ser o embrio do Trem Lunar, uma nave espacial imaginada por Jlio Verne para conquistar o espao atmosfrico da Terra. Alberto era extremamente inteligente; j conhecia tudo sobre todas as mquinas instaladas na fazenda do pai: a roda dgua do monjolo, a m de um moinho, as barras excntricas das rodas de uma locomotiva, a roda de uma manivela de uma rudimentar mquina de costura de seu tempo. Parecia ele prprio um dnamo, corpo pequeno, mas vibrtil. Sempre atento, examinava tudo com a certeza de que muita coisa estaria para ser descoberta, aperfeioada. Imerso em tais pensamentos estava convencido de que "existia muito espao para criar, inventar outras possibilidades no universo mecnico." Certo dia, Doutor Henrique, procurou Alberto para conversar sobre seus estudos. Foi encontr-lo sentado e lendo sombra de um abacateiro prximo do casaro da fazenda. Ao ver o pai, levantou-se e saudou-o, carinhosamente: - Ol, papai! Creio que veio estar comigo.16

Alberto, em 1896, aos 23 anos

- Por qu ? - o pai passou a mo pelos cabelos. - Ora!... Quem vai para algum compromisso mais srio no tem as passadas to curtas - filosofou Alberto sorrindo. - Acertou. Eu sempre sei onde encontr-lo. Por aqui ou nas oficinas, no ? Precisamos ter uma conversa - adiantou o pai. - Aqui ou l dentro ? - Vamos aproveitar o dia que est lindo e caminhar um pouco. Concorda? - Lgico - assentiu animado Alberto. Saram os dois caminhando distraidamente. Logo, o Doutor

Henrique comeou a falar: - Filho, orgulha-me saber que gosta de mecnica. Est atento, observando todos os avanos nessa rea. Mas, na escola!... J estudou nos colgios Culto Sciencia, Menezes Vieira, Morethzon, Kopke, Morton. Contratei preceptores, nacionais e estrangeiros, para facilitar seu aprendizado... Agora, soube por sua me que pretende largar o curso na Escola de Minas, verdade? - indagou o pai disfarando um sorriso nervoso nos lbios. - Sim, papai. Estou pensando, mesmo reconhecendo seu esforo!... Quero que o senhor entenda minha vocao - respondeu Alberto com a voz acanhada, enquando coava as costas com uma varinha, apanhada de um p de caf, para disfarar seu nervosismo ao falar daquele assunto. - Posso entender. Mas, no seria bom formar-se em um Curso Superior ? - A escola importante, muito importante... Sei disso. Aprendi um pouco de tudo. Pai, no sinto necessidade de mais aulas de Geografia, de Qumica, de Histria. Assimilei o necessrio. Nunca fui um aluno prodgio, mas sempre procurei corresponder com um boletim de notas razoveis - explicava passeando os olhos pela plantao de caf, evitando encarar o pai. - Compreendo, filho. Olhe aqui... percebo sua falta de jeito para cincias no ligadas a Fsica, Matemtica, Mecncia. Voc j nasceu com uma habilidade extraordinria para desenhar e, sobretudo, um observador dedicado, nada lhe escapa. O que voc pretende fazer, se17

deixar a Escola de Minas ? - Bem!... - o estudante ficou um instante pensativo e voltou a olhar o pai de frente. - Pai, meus anseios esto longe dos currculos escolares. Meu desejo de realizao imenso, pede mais coordenao de meus msculos, longe dos poucos trabalhos que as escolas me exigiram. Tudo na escola curricular diverso do que penso, do que quero. Lutarei para efetivar o que aspiro. Tenho sonhos... Quero tirar os ps do cho respondeu com desenvoltura. - Hein!... No entendi, explique melhor - pediu o pai levantando as sobrancelhas, atento. - Tenho sonhos. Sonhos!... Muitos sonhos!... - pronunciou em voz alta, respeitosamente. - Mas, filho... - Isso tem razes especiais - afirmou apontando o dedo para o alto. - Filho, voc sabe bem o que est dizendo ? - Doutor Henrique meneou a cabea em sinal de dvida. - Pai, quero mais. Muito mais que a escola pode me oferecer. O que j aprendi ser imensamente til. Meu crebro ferve - declarou com obstinao. - No seriam influncias das aventuras contadas por Jlio Verne, despertando sua jovem imaginao ? Dever ler outros autores, os que exploram o lado romntico da vida. Na sua idade, cultiva-se muito o amor... - insistia o pai numa cordial maneira de exprimir-se. - No nego!... - Alberto virou os olhos para o cu, assumindo uma expresso sria. - Leio tambm outros autores, como Machado de Assis, Castro Alves, Toms Antnio Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Vieira, Ea de Queirs, Balzac, Flaubert, Lorde Byron, Garret, Victor Hugo...devo citar mais ?... Me divertem, adquiro cultura e experincia. So bons autores, mas... - Preciso entender melhor voc, rapaz!... - fitou o filho com um ar inquieto. - Papai, no tem nada de errado. S que, na sua cabea, eu preciso ter um ttulo de doutor. Isso o que o senhor me passa - resmungou o filho. - Talvez, tenha razo. Pai assim mesmo, sempre traando o futuro dos filhos. No sei porque, mas achei que deveria seguir a carreira poltica. O Brasil respira novos ares e precisa de boas cabeas na direo poltica da Nao, no acha ? - Carreira poltica, pai !... - censurou Alberto. - Nunca me interessei por nenhum partido. Admiro a classe, mas da a ser um membro do Congresso muito para mim. Me desculpe!... - Bem, esquece o que eu disse. - Apaga, ouviu?!... 18

carinhosamente, bateu as mos nos ombros do filho abrindo o sorriso. Fale-me do que pretende, realmente. - Assim melhor - brincou Alberto. Papai, eu vibro mesmo com as cincias exatas. So matrias que me absorvem inteiramente. A Mecnica, principalmente. Sinto que com um pouco de raciocnio matemtico e um pouco de imaginao, posso refazer, para minha satisfao e uso, traados e clculos sugeridos ou resolvidos pelas obras de Jlio Verne. - Jlio Verne!... Deve ser mesmo um gnio para sugestion-lo tanto. No importa. Agora, entendo melhor suas mos sujas de graxa, seu rosto enlameado de leo, mexendo nessa e naquela mquina com uma curiosidade de mestre. Posso dizer, com orgulho, depois de tudo que ouvi, que tenho em casa um forte candidato a cientista - brincou sorrindo Doutor Henrique, alongando os braos no vazio. - Cientista!... Eu, pai!...O senhor est caoando de mim! exclamou com humor. Os dois caram na gargalhada, descontraidamente. - Pai, o senhor est exagerando. Sabe como se chama isso ? Corujisse!.. Pai coruja!... Isso que o senhor !... - brincou dando uma palmada nos ombros do velho pai. - Meu filho, sempre fui atento aos seus movimentos. Desde Cabangu, observava que, quando olhava para as aves, voc queria mais do que v-las, queria voar. Seus olhinhos acompanhavam, uma a uma, em sua trajetria, voando de um lugar para outro. Era fcil prever que tambm queria voar, voar com elas. Sempre foi inconformado com o homem no voar. Quando completou quinze anos, visitamos a Feira Industrial de 1888, em So Paulo. Ficou fascinado ao ver um balo voar sobre a cidade. No desgrudou os olhos das peripcias do aerstato. Recorda ? - relembrava o pai com ternura especial. - Como poderia esquecer. Naquele dia, descobri minha aptido, tive a sensao que poderia fazer alguma coisa pela aerostao. Em Paris, durante o ano de 1891, quando acompanhamos o senhor para tratamento de sade, pude ver mais bales voando, fiquei doido. Percebi meu destino, incontestavelmente, ligado navegao area - declarou com firmeza. - Uai!... - surpreendeu-se o pai. - E sua paixo pelo motor a petrleo da exposio do Palcio e Indstria, de Paris ?... Ficou to entusiasmado com o auto-motor, que me fez comprar uma Peugeot, da Usina Valentigney. Por mim, j havia esquecido os bales e sentia-se feliz por ter trazido para nossa terra o primeiro automvel. - Oh, papai!... Qual no foi meu espanto quando vi, pela primeira vez, um motor a petrleo!... Pequeno, compacto e leve, com a fora de 3 cavalos, funcionando! Parei diante dele, completamente, fascinado. O senhor tem razo.19

- E o carro ? - Fabuloso. Entretenho-me a estudar seus diversos rgos e a ao de cada um. Fascina-me desmont-lo e depois, tornar a mont-lo. Mas, o motor em si que me atrai. Sonho alto. Na minha cabea, alguma coisa me diz que balo e motor fazem boa parceria. Sinto que um pode ser atrelado ao outro, e o balo possa ser dirigvel. Percebo que uma mquina produzindo fora pode controlar a direo e o movimento dessa mesma fora - Alberto falou com os olhos cheios de entusiasmo. - Hein ? Onde voc quer chegar ? - espantou-se o pai, surpreso. - So apenas conjecturas, hipteses. Nada mais. Eu penso que a imaginao to importante como o conhecimento. - Opa!...Isso conversa longa. Teremos muito tempo pela frente. - Com certeza, meu velho. Que seria de mim, sem o apoio de minha famlia. - Alberto, animosamente, alisou os cabelos brancos do pai com uma das mos. - Meu filho, eu e sua me sempre estivemos bem pertinho de voc, admirando seu interesse por tudo; seu carinho para com todos de nossa famlia, sua disposio e respeito para com os empregados, sua perseverana em defender seus ideais... Portanto, achamos... Alberto interrompeu o pai, imaginando que ele ia falar sobre a volta para a Escola de Minas ou outra qualquer, para garantir seu diploma e disse com esperteza: - Fico meditando sobre as mquinas de nossa fazenda. Gostaria de modificar seu mecanismo, sinto que podem dar mais, produzir mais, ter uma manuteno mais fcil e bem mais econmica. Mas, papai, esperar de seu filho um cientista!... Alberto expressava com admirao, rindo alto. - E por que no !... Meu Deus, voc fala como quem sabe o que quer - Doutor Henrique passou o brao no ombro do filho, e caminharam, voltando rumo varanda da casa da fazenda. Depois revelou com um sorriso amvel e corts: - Bem, vamos rever nossos planos. - Que planos ? - indagou o rapaz, curioso. - Vamos mand-lo estudar em Paris. Pensvamos que no estava mais se adaptando a Ouro Preto. Em Paris, terminaria seus estudos curriculares. Mas, diante do que conversamos, sua sabedoria convenceume do contrrio. Na Capital da Cincia, poder escolher o que aprender, como e da forma que melhor lhe convier. -Verdade!... recebeu eufrico a notcia e abraou o pai, demoradamente - o que eu mais quero. Meu pai, voc o melhor pai do mundo. timo!... timo!... Vou agradecer e abraar mame, sei que o dedo dela est nesta deciso. De sbito, um zumbido forte e inesperado interrompeu a conversa dos dois deixando-os trepidamente assustados, ensaiando correr. Eram algumas abelhas desgarradas da colmia. Ambos, atrapalhadamente,20

apertaram os passos em direo ao alpendre, enquanto o Doutor Henrique enxotava aos gemidos uma abelha que se lhe enredara nos cabelos e outra que lhe zumbia por cima da orelha. No perderam o humor, pondo-se os dois a rir da cena e xingar as danadinhas ao mesmo tempo. - Ufa!... Diabo de abelhas!... disse o pai, j livre delas, trotando seus passos rumo varanda. Alberto tambm correu ao encontro da me, que j aguardava por eles no alpendre da casa, assistindo comdia deles para se livrarem das abelhas. Emocionada, abraou o filho longamente, perguntando-lhe preocupada: - Foi picado, meu filho ? - No brao, de leve. Papai sim, teve que lutar. Uma abelha o atacou para valer. - Vou buscar lcool. bom passar um pouquinho no local prontificou a me, - Que nada - adiantou Doutor Henrique - na roa a gente usa terra mesmo. Estendeu uma das mos at um vaso e colheu um pouco de terra esfregando-a no brao de Alberto e disse: - Isso bom, meu filho, no deixa inchar. - Pode inflamar, Henrique!... protestou Dona Francisca, surpresa. - Depois ele lava com lcool. Valeu a brincadeira. Deixe eu avisar sua me que acertamos sua ida para Paris - falou o pai contendo o riso. - mesmo!... exclamou a me. - Vou mesmo, mame. E quanto antes, melhor. - Meu corao - disse Dona Francisca com olhos vtreos, ameaando verter lgrimas - est batendo apertado, mas feliz porque essa deciso ser para o seu bem, meu filho. -Para o bem da Humanidade - apartou o pai orgulhosamente, e levando as duas mos ao peito concluiu: - As fronteiras do futuro vo-se abrir pelo esprito criativo de nosso filho. -Papai, tambm no assim, seu corujo!... brincou Alberto, esfregando ligeiramente os olhos com os punhos da camisa. -Amanh, iremos Capital e mando lavrar escritura de sua emancipao. Caso contrrio, no poder embarcar - disse o pai. -Obrigado. Junto aos nossos parentes saberei me comportar em Paris - procurou Alberto tranqilizar seus pais. - Lembre-se que voc tem pouco mais 18 anos de idade - franziu a testa o pai, cofiando os bigodes. - Saiba usar a liberdade e o dinheiro que lhe estou proporcionando. Tenho ainda alguns anos de vida, quero ver como voc se conduz. Paris um lugar perigoso para um rapaz. Vamos ver se voc se faz um homem. Em Paris, com o auxlio de nossos parentes, conhecer especialistas em Fsica, Qumica, Mecnica e Eletricidade. Estude essas matrias, o futuro do Mundo est na Mecnica.21

Voc no precisa ganhar a vida, eu lhe deixarei o necessrio para viver. - Oh!... emocionou-se Alberto. Muito, muitssimo obrigado. Saberei me comportar altura dos Dumont. Em seguida, chegaram os irmos que logo se comoveram com a satisfao de Alberto e o capricho dos pais. Ali, permaneceram muito tempo fazendo os planos da viagem do ente querido. Alberto Santos-Dumont estava preparado para sentir-se bem num pas como a Frana. Dotado de talento e cultura, era um rapaz comedido; no fumava e s bebia socialmente, em ocasies festivas, quando apreciava um copo de bom vinho ou de champagne. Metdico, rigorosamente aplicado aos deveres e obrigaes de um bom cidado, exercia perfeito controle sobre si. Seu maior prazer social era escolher uma braada de flores e envi-la, acompanhada de um carto em que redigia frases oportunas e exatas, destinatria cortejada. Fazia isso com a mesma elegncia, correo e respeito com que beijava as mos de uma dama ou senhora da sociedade. FAZENDA DUMONT, ANTIGA ARINDEVA Henrique Dumont, mineiro de Diamantina, filho de famlia francesa, formou-se em Engenharia na cole Centrale de Arts et Mtiers, de Paris, em 1853. De volta ao Brasil, tomou por empreitada a construo de vrios trechos de estrada de ferro da Central do Brasil. Mas, seu verdadeiro sonho era fazer fortuna desenvolvendo a agricultura e a pecuria. Mudando-se para Cabangu, comeou explorando a terra nos moldes europeus. O terreno acidentado de Minas e a terra fraca, pouco contriburam para o sucesso do negcio. Logo, pensou em transferir-se com a famlia para o Estado de So Paulo, onde corria a fama de terras mais prprias para a agricultura. Encerrada a empreitada com a Central do Brasil, em 1879, vendeu o stio de Cabangu. Com o dinheiro, somado s suas economias, conseguiu juntar mais de 300 contos de ris. Reuniu a famlia e, com 80 escravos, transferiu-se para regio de Ribeiro Preto, comprando as terras da Fazenda Arindeva. A fazenda, rebatizada de Fazenda Dumont, era uma das mais frteis da regio, onde imediatamente preparou a terra para plantio de caf, dentro das mais avanadas tcnicas agrcolas de que o Mundo civilizado dispunha. O solo rico, aliado ao impulso criador do novo proprietrio, e uma administrao arrojada, fizeram da fazenda um magnfico imprio do caf, realizando para sua famlia as riquezas a que aspirava. Antes mesmo da Lei urea, a Fazenda Dumont no mais trabalhava com mo-de-obra escrava, todos j haviam sido alforriados. Os trabalhadores, entre eles os imigrantes, recebiam salrios pelo trabalho22

prestado. Em 1890, a Fazenda Dumont atingia o seu auge, formando um colossal complexo empresarial com mais de cinco milhes de ps de caf em produo, sessenta quilmetros de estrada de ferro interna, alm de mais de cem quilmetros de linhas suplementares. O sucesso era tanto que logo despertou interesse em empresas estrangeiras. Em 1891, Henrique Dumont no resistiu a oferta de uma organizao financeira inglesa e vendeu a Fazenda Dumont, pela fabulosa quantia de doze mil contos de ris, o maior preo, at ento, pago no Brasil por uma propriedade agrcola. Mas, com uma exigncia: que o nome Dumont fosse mantido, pela projeo que o Doutor Henrique Dumont tinha no mercado nacional e internacional do caf. Fundou-se ento a Dumont Coffee Company. Em 1942, a fazenda no mais produzia caf. Foi loteada, surgindo no lugar o povoado de Dumont, no Municpio de Ribeiro Preto, elevado a Distrito, em 30 de dezembro de 1953, e a Municpio em 1964. PARIS - FRANA Em 1892, partiu Alberto Santos-Dumont, com apenas dezenove anos, para conquistar em Paris conhecimentos para sua formao. L, viviam os melhores mestres do Mundo moderno, desenvolvendo teorias para o progresso das cincias. A febre estava, naquele momento, concentrada na evoluo da Fsica, da Matemtica, da Eletricidade e, principalmente da Mecnica. Logo que chegou a Paris, Alberto contratou como preceptor o Professor Garcia, francs de origem espanhola, paciente e culto, de barbicha rala. Olhos serenos, de um azul-claro, que se assomavam debaixo de uma densa e castanha sobrancelha, dando-lhe um ar paternal e fraterno. Sua voz era afvel e amiga. O motor a exploso, que estava sendo testado com grande sucesso, foi o primeiro tema que Alberto procurou desenvolver com o professor. Mostrava-se fascinado pela mquina; um motor de combusto interna, sem fornalhas para lenha ou carvo, sem caldeira ou tubos para gua fervente, construdo com pequenas peas. Bastava um pouquinho de gasolina para funcionar. Mais tarde, preocupado em aprimorar seus conhecimentos, fez um curso avanado sobre Mecnica, na Universidade de Bristol, na Inglaterra. De volta a Paris, mergulhou fundo no aperfeioamento de suas teorias sobre a Mecnica, principalmente, navegao area. Naquela poca, em Paris, a moda entre a rapaziada era andar de mototriciclo, automveis que invadiam a Frana para substituir a trao animal. Alberto aderiu e comprou seu veculo motorizado. Divertia e23

Santos Dumont testando seus invetos, ao lado de uma amiga

tirava proveito cientfico e psicolgico do esporte. Sobre as trs rodas, testava o sentimento de liberdade e movimento, de afrontamento ao perigo e, sobretudo, conquistava a confiana em si mesmo, diante do desafio. Logo, construiu seu triciclo motorizado, mais potente e muito mais veloz. Apesar do entusiamo pelo automobilismo, no tirava os bales aerstatos do pensamento, imaginava que seu destino era desafiar o cu, navegando pelos ares. Era palpitante, irresistvel sua atrao pelas alturas. Resolveu procurar os clubes especializados em bales, onde foi desestimulado

Revista La Natura, Paris.

de voar. Desapontado, resolveu dedicar-se inteiramente ao automobilismo. AUTOMOBILISMO 1892 Inicialmente frustadas as tentativas de voar em um balo, Alberto reclamava com os amigos e parentes que os aeronautas mantinham um grupo muito fechado, sem o menor interesse em conduzi-lo ao universo dos bales. Certo dia, conversando com o Professor Garcia, passou a maior parte do tempo discutindo o assunto: - Professor, esperei encontrar em Paris bales dirigveis. Apenas vejo os bales esfricos, como os de Charles, desde 1873! Ningum se interessou pelos bales de Giffard, alongados e propelidos por motor trmico? Pelos bales dos irmos Tissadier em 1883 ? - Verdade! - confirmou o professor. - Isto me intriga, vou retomar meu interesse pelos bales esfricos. - s vezes, me pergunto onde vai chegar o meu aluno Alberto, com tanta obstinao pelo vo. Entre todos, voc o nico que pensa firme no que quer. De onde vem tanta tenacidade ? - No posso explicar, mas desde criana eu ficava mergulhado em pensamentos curtindo as compridas tardes ensolaradas do Brasil, minado pelo zumbido dos insetos e pelo grito distante de algum pssaro. Deitado sombra de uma varanda, eu me detinha horas e horas a24

contemplar o cu brasileiro e a admirar a facilidade com que as aves, com suas longas asas abertas, atingiam as grandes alturas. E ao ver as nuvens que flutuavam alegremente luz pura do dia, sentia-me apaixonado pelo espao livre. Assim, meditando sobre a explorao do grande oceano celeste, eu criava aeronaves e inventava mquinas. - Bom!... Muito bom! Mas... - Estou tentando realizar meu sonho, professor. Ainda ontem, folheando o Anuaire Bottin descobri o endereo de um aeronauta profissional. Fui at l e expus a ele minha vontade de voar. Inicialmente, ele duvidou de minha coragem. Insisti e ele aceitou dizendo que seus honorrios seriam de 1.200 francos. E mais, seria eu responsvel por qualquer dano tripulao, a terceiros, ao balo e aos seus acessrios desabafou Alberto, irritado. - Brincadeira!... zombou o professor cofiando a barbita pontiaguda. - Ento, o que estava coberto pelos 1.200 francos ? - Espere a... no terminei. O transporte do balo tambm seria por minha conta e risco. - Um absurdo, rapaz! Voc topou ? - perguntou o professor, surpreso. - Lgico que no. Pensei comigo: se arrisco 1.200 francos pelo prazer de uma tarde de vo, obviamente julgarei se valeu a pena. Se no gostasse, teria perdido o dinheiro. Caso contrrio, ficaria tentado a repetir a dose. A, no teria dinheiro suficiente para manter minha emoo nas alturas. - E o Clube dos Aeronautas, desistiu deles ? - indagou o professor. - Fui rejeitado. Evidentemente, esto decididos a guardar a aerostao s para eles, como um segredo de Estado - concluiu Alberto, irritado. - No entendo!... - retrucou o Professor Garcia. - Cheguei triste concluso que eles evitam, a todo custo, que outros aprendam sua profisso. Isso me atazana!... - um tipo de defesa mesquinha, muito comum no ser humano de hoje - riu timidamente o professor. - Tem alguma coisa errada - queixou-se o aluno aborrecido. Exageram os riscos, os perigos, os danos. Isso me incomoda. - Alberto, nisso eles tm razo - observou o professor. - Nem tanto. Quero correr meus riscos, minhas perdas. o meu sonho. Em conseqncia, me limitei a comprar um novo automvel. - O maior problema deve ser sua idade. Solt-lo pelos ares ao sabor dos ventos uma grande responsabilidade, no acha ? - indagou o mestre. - No importa. No vou desistir. Outro dia tentarei de novo - o25

rapaz falou com firmeza, repetindo a frase de Jlio Verne - o homem voar pelos seus prprios meios. Voarei... ainda que tardia - aludiu frase do Movimento da Inconfidncia Mineira, de Tiradentes, estampada na Bandeira de Minas Gerais. - Jlio Verne!... interrompeu o professor demonstrando sabedoria. - Foi ele quem profetizou isso, no foi ? - Sim, meu autor de cabeceira. Professor, de voar no vou desistir. - O ser humano um animal egocntrico - filosofou o professor. Alberto ao ouvir o pensamento do mestre, meneou a cabea em sinal de aprovao, depois voltou a falar: - Sinto que tenho energias de sobra. Preciso fazer alguma coisa, seja l o que for. Por hora, talvez me dedique ao automobilismo. Quero movimento, ao. Quero desafio. - E como est com o novo automvel? - Divirto-me bessa. Em contrapartida, realizo minhas experincias. - Bravo!... gosto de aluno com vises amplas - bradou o professor. - Ver ainda o que farei, Mestre Garcia - sorriu triunfante. - Por hoje, sinto que nossa aula est no fim. Concorda, professor ? - Como queira, amanh veremos matria nova. - At logo, disse apertando-lhe a mo com fora e saiu. Durante vrios dias Alberto passou realizando corridas de mototriciclo pelas ruas tranqilas da Cidade-Luz, despertando curiosidade a todos que assistiam ao Brasileiro dirigir seu automvel. PRIMEIRA CORRIDA AUTOMOBILSTICA DO MUNDO O sucesso sobre as trs rodas era tanto, principalmente entre a juventude da poca, que logo Alberto pensou criar um evento aproveitando o momento. Reuniu parentes e amigos e revelou a eles sua inteno de promover uma grande corrida de mototriciclos em Paris, com premiao e tudo mais para fazer brilhar um belo espetculo. Indito e emocionante. Apoiado por um grupo de interessados, inicialmente alugou para uma tarde de domingo o Veldromo do Parque dos Prncipes, em Paris , e promoveu a primeira competio de automvel que se tem notcia no Mundo. Foi um sucesso de pblico e de bilheteria, com excelente cobertura pelos jornais da poca. Sentiu-se realizado ao perceber que a Humanidade estava vida por avanos na Mecnica. Queria o desenvolvimento, pedia a integralizao do Planeta. Apesar do grande xito promovendo eventos automobilsticos,26

aplaudido por grandes multides, Alberto abandonou logo o empreendimento. Cada vez mais se convencia de que no teria paz interior enquanto no entrasse para a aerostao. Tentou o iatismo e o tnis, esportes a que se entregava com imensa alegria, colocando prova seu fabuloso potencial energtico. Rapidamente, conquistou a Frana. Na estrada, no mar, nos clubes esportivos, nos sales freqentados pela alta sociedade, nos teatros, nas exposies, nos centros de recreio, Alberto Santos-Dumont era a figura de destaque, reconhecidamente um jovem bem sucedido. Mesmo assim, resolveu voltar ao Brasil, onde passou todo seu tempo sem se envolver com bales, motores e vos. Amargava o arrependimento por no ter insistido at conseguir a ascenso balonstica, na Frana. PARIS EM 1897, PELA TERCEIRA VEZ Somente em 1897, pela terceira vez, reinstalou-se em Paris. Durante a travessia martima, leu o livro recm-lanado Andre - Au Ple Nord en Ballon, de Lachambre e Machuron, retomando seus interesses pela navegao area. Alberto Santos-Dumont desembarcou em Paris e logo se instalou num pequeno, porm muito confortvel apartamento da Avenida Champs Elyses, esquina com Rua Washington, bem ao lado do Arco do Triunfo, distante poucas quadras da Torre Eiffel. Sua inteno era permancer naquela cidade por um longo tempo e realizar todas experincias mecnicas que fervilhavam em seu crebro. O clima social de Paris era de muita festa. A Frana estava mergulhada na euforia dos avanos tecnolgicos do fim do Sculo XIX, prometendo para o prximo Sculo um substancial desenvolvimento, patrocinado pelas novas descobertas nas reas de Engenharia Eltrica e Mecncia. Paris acomodava os mais influentes formadores de opines do Mundo, entre eles grandes lderes empresariais e culturais, como os romancistas mile Zola, Gide, Proust, Collete, Mallarm, Valry, Claudel, Geraudoux; msicos, como Maurice Ravel; pintores, como Auguste Renoir, Picasso e tantos outros nomes, que garantiam Frana infinita capacidade criativa, para detonar uma nova revoluo cultural e social no Planeta. A Cidade era conhecida como a Capital das Novidades, das Artes, da Sabedoria e da Cincia. Uma Cidade-Luz acolhendo em seu seio tudo que fosse moderno, extravagante e progressista. A primeira experincia em lanar aos ares um balo de hidrognio foi em Paris, em 1783, e tambm foi l que, em 1852, Henri Giffard demonstrara, pela primeira vez, a possibilidade de dirigir um balo. So fatos e personalidades que febrilmente atraram Alberto quela terra.27

Agora, com 25 anos, mais maduro e bastante seguro, estava certo de que faria tudo na perseguio de seus objetivos. Queria voar. Decididamente, viera engrossar essa corrente de modernistas. Era um jovem de gnio ambicioso, educado para conquistar um bom e definitivo espao na aristocracia parisiense. Da primeira vez que esteve na Capital francesa, em 1891, conheceu o motor a gasolina e observou, do cho, os primeiros vos em bales. Da segunda vez, em 1892, aperfeioou seus estudos de Fsica, Qumica, Eletricidade e Mecnica. No conseguiu voar, ficou frustado e acusou os aeronautas profissionais do Clube de Paris de podarem seu desejo. No entanto, descobriu nos automveis uma forma de expandir sua paixo pela mecnica. Promoveu acirradas competies de mototriciclos. Conquistou grandes multides e ganhou as pginas dos principais jornais da Europa. Desta vez, voar e voar, pensava obsessivamente. Logo, procurou os autores do livro Andre, senhores Lachambre e Machuron, que mantinham uma oficina, bem equipada e em plena atividade nos subrbios da Cidade. O brasileiro apresentou-se como interessado nos bales construdos pela empresa e foi logo elogiando o livro dos construtores: - Gostei imensamente do livro Andre e vejo que a oficina est cheia de servio - o rapaz virava os olhos em todas as direes do local, observando os operrios montando bales. - Obrigado pelo elogio. Mas, voar ainda uma aventura. Estamos avanando - Lachambre abriu um sorriso esperanoso. - Eu no tenho a menor dvida - confirmou o brasileiro, sacudindo a cabea. - Voc no quer entrar para o escritrio ? - sugeriu Lachambre. - No, prefiro ficar aqui de p sentindo o cheiro forte do leo e ouvindo o som da bigorna - brincou Alberto. - No Brasil, como que esto as tentativas em navegar pelos ares? - perguntou Machuron. - Poucas experincias, sem entusiasmo. Tmidas. - declarou Alberto. - Muito bem, em que podemos ajudar o cavalheiro ? - perguntou Lachambre com simpatia. - Quero voar em um de seus bales. - Voar!... Voc ter coragem de sair por a desgovernado pelos ares da Frana, ao sabor do vento ? - brincou rindo Machuron. - o meu maior sonho - declarou Alberto com satisfao. - Muito bem - Lachambre coou a barba com a palma da mo Mas, alm da coragem, voc ter que despender 250 francos.28

- Duzentos e cinqenta francos !... - exclamou o Brasileiro, surpreso. - Uma ascenso de trs ou quatro horas, com todas as despesas pagas, incluindo o transporte de volta do balo em caminho de ferro, custar-lhe- apenas 250 francos. Caro ? - perguntou Lachambre. - E as avarias ? - arrisca Alberto, apoiando-se ora num p, ora no outro. - Mas, - retrucou Machuron, rindo - no vamos ocasionar nenhuma avaria. - Que bom - sentiu-se aliviado o Brasileiro. - Fique tranqilo. No vamos expor ao perigo uma vida humana sem tomarmos as precaues necessrias para absoluta segurana do vo. Tudo checado at o ltimo minuto da ascenso - Lachambre procurou acalmar Alberto. - E quem sobe comigo ? - Eu.... o bastante para confiar, ou no ? - brincou Machuron. - Pago agora ou depois do vo ? - perguntou Alberto j enfiando a mo no bolso. - Como quiser. - Metade agora e o resto, depois do vo. Combinado? - sugeriu Machuron. - Perfeitamente - concordou Alberto. A quantia estipulada foi paga e ficou estabelecido o vo para a manh do dia seguinte, dependendo apenas do tempo. Satisfeito, Alberto deixou os dois construtores e caminhou para casa do Professor Garcia para anunciar o fato. - Professor!... Professor!... - gritou Alberto ainda da porta de sua casa. - Entre e torne a fechar a porta - recomendou o professor. - Estou feliz, mestre. Muito feliz!... - Que foi? - perguntou surpreso o Professor Garcia. - Amanh, vou realizar meu primeiro vo de balo. Afinal, ou no ocasio para uma bela comemorao ? - claro. Claro... Mas, balo!... - o professor ficou um minuto pensativo olhando para o teto. - Voc no estava meio desentendido com os aeronautas ? - Com os profissionais do Clube, sim. Mas, no Brasil, lastimei amargamente no ter insistido no meu projeto de ascenso. Longe de todas as possibilidades, as excessivas pretenses dos aeronautas, pareciamme de pequena monta. - Hein!... e da ? - Desta vez, percebi que Paris comeava a ser um centro de experimentaes aerostticas. Animei-me. Pensei comigo que no enganaria29

mais meus verdadeiros anseios. Voaria, custasse o que custasse. Procurei diretamente os construtores de balo. Foi timo. Digo, com toda sinceridade, que encontrei neles o acolhimento que desejava. Temos pensamentos e idias parecidos. Tanto, que j decidimos para amanh a minha primeira ascenso num balo construdo pela dupla. - Que dupla ? - Lachambre e Machuron. - Lach... o qu ? - titubeou o professor no nome do balonista. - Ento o mestre no conhece os dois autores mais vendidos na Frana? - surpreendeu-se Alberto. - O nome no estranho... - Esto a com o livro Andre - Au Ple Nord en Ballon fazendo o maior sucesso. Comprei um exemplar no Brasil e li durante a viagem de volta. Continuava a trabalhar em segredo, sem coragem de pr em prtica as minhas idias. Esse livro ajudou-me a decidir, de forma irrevogvel, a voar. Vou emprest-lo a voc. - Muito bem, quero ler. Voltando aos bales, voc no teme por sua vida ? J houve tantos acidentes com mortes !... - Com eles, at ento no foi registrado nenhum acidente. So bons. Sabem como fazer o balo subir, permanecer no ar e descer com segurana. Me garantiram que no corro o menor perigo. - Muito bem, se isso lhe faz bem !... sorriu otimista o Professor Garcia, passando serenidade ao seu aluno. - Com sua avidez de realizar modernidades, nada melhor do que isso - concluiu batendo a mo no ombro de Alberto. - Professor, preciso tentar. S assim saberei se meu ideal vivel. Preciso dessa ascenso. Esse o momento.. - Desejo sucesso a voc, meu jovem. Sei que capaz - declarou o Professor Garcia com um sorriso orgulhoso. - Vou assistir a sua subida, caso no me aparea compromisso pela manh. - Sentirei honrado com o estmulo, professor. - Voc pode contar com meu apoio - prontificou o Professor Garcia. - Obrigado - murmurou Alberto. Falaram ainda um bom tempo sobre bales. Depois, Alberto retirou-se para sua casa. Estava ansioso, mergulhado em entusiasmo e alegria por ter conseguido marcar sua primeira subida de balo. PRIMEIRO VO O dia amanheceu em boas condies climticas, e, logo, Alberto apresentou-se no parque de aerostao de Vaugirarde. No queria perder nenhum detalhe dos preparativos. Somente por volta das onze horas, o30

balo esfrico de 750 metros cbicos de capacidade encontrava-se pronto para subir: inflado, lastro pronto, uma cestinha com comida para duas refeies, alm de champagne, caf, duas mquinas fotogrficas, o estreante Alberto e o veterano Machuron a bordo. Uma brisa fresca acariciava a barquinha, que balanava brandamente sob o balo, enquanto Alberto esperava com impacincia o momento da partida. Ao redor da aeronave, aguardavam o sinal de partida Lachambre, auxiliares e o Professor Garcia. - Larguem tudo! - ordenou Machuron. E subiram aos cus, suavemente. Alberto sorria confiante. Sem demonstrar medo, experimentava sensaes inditas de uma viagem area. Paris do alto mostrava-se mais bela ainda, um panorama indescritvel. Sua alegria estava visivelmente espelhada nos seus olhos. Faiscantes e ligeiros conferiam cada movimento do balo e, conseqentemente do companheiro de vo. O dia estava timo. Cu limpo. Vento soprando devagar, favorecendo um excelente passeio pelos ares ao sabor da leve corrente area. O balo atingiu mais de 3 mil metros de altura. Silncio total. Alberto deleitava-se com a viagem, tudo era novo, absolutamente fantstico, pensava o Brasileiro, fotografando tudo, acompanhando, minuciosamente, as manobras do piloto. - Machuron - chamou Alberto pelo companheiro que olhava distraidamente para o lado de fora da barquinha. - Oi!... respondeu virando-se para Alberto com uma das mos protegendo os olhos. - Nosso lanche! J podemos aproveitar a solenidade do cu e fazer nosso piquenique nas alturas, longe dos terrqueos - brincou com ar sereno. - Pensa em tudo, meu caro Alberto. Voc acaba de lembrar ao meu estmago que estou com fome. Afinal, estamos voando h mais de duas horas. - Como nunca dantes no cu feito, prepare-se para participar do primeiro piquenique no espao. Celebraremos o passeio no melhor estilo - falou Alberto satisfeito. - Meu Deus!... Brasileirinho esperto! Mas, o que tem de gostoso nesse cesto ? - perguntou o astronauta num gesto guloso. - Ovos cozidos - Alberto abriu o cesto. - S ovos!... - supreendeu-se o francs. - J seria um sucesso comer ovos entre as nuvens e degustar o prazer de ver c de cima os acidentes geogrficos do territrio francs. Apontar o dedo l para baixo e dizer: como lindo o serpentear do Rio Sena, ou do Rio Loire. No!?... Fique animado, pois aqui tenho carne31

de vaca, frango assado, queijo, frutas e doces - gritava entusiasmado, retirando do cesto um sanduche para Machuron. - Isso muito bom ! - exprimiu o francs, que depois, passou a assobiar uma toada alegre do popular Can-Can. Deixaram de lado as mquinas fotogrficas e, com o prazer da gula, saborearam aquele inesperado e gostoso piquenique. Livres e leves. Soltos no ar. Depois, abriram o champagne e celebraram a conquista do espao. O jovem Alberto no se continha diante da beleza natural do panorama, sem esquecer de aproveitar o momento como uma grande experimentao aeronutica, atento em lucrar-se com a valiosa experincia de navegao. Observava as correntes de ar, as nuvens, os nevoeiros, as mudanas de temperatura, enfim, todos os fenmenos atmosfricos, tomando nota e registrando tudo, passo a passo. Depois justificou-se: - Homem nenhum realiza uma grande obra sem estudos, observao, deciso e valentia para driblar as dificuldades e os perigos. - Voc no sentiu vertigem hora nenhuma ? - perguntou o piloto. - Em nenhum momento. Nem medo. Acho que nasci mesmo para voar - respondeu Alberto sorridente. Aps um cafezinho, concluram a refeio e retomaram sesso de fotografias, registrando imagens da exuberante topografia francesa. Permaneceram no ar por trs horas e, ento, resolveram descer. Para a aterrissagem, escolheram um recanto do parque do Castelo de La Ferrire, ento propriedade do senhor Afonso de Rothschild, que, ao perceber a descida do balo em suas terras, reuniu a famlia, amigos e servidores para receber os balonistas. - Ora viva, quem me aparece por estas bandas, o pequeno Sant!... Que prazer!... - cumprimentou-o o Senhor Afonso, que o aguardava de p, de mos estendidas. - Ufa!.. Foi esse o primeiro vo do moo do mototriciclo. Aterramos bem, senhor ? - adiantou Machuron ao ser tambm abraado pelo Baro. - Muito bem!... Muito bem!... - falava entusiasmado o Senhor Afonso. - um prazer conhec-lo e sua dignssima famlia - Alberto, num sorriso elegante, foi cumprimentando a todos: - Sinto-me imensamente feliz por ter feito meu primeiro vo e t-los como testemunhas da segurana e tranqilidade da descida. - Ora, o prazer nosso. Convido-os a tomar um lanche em nossa casa, enquanto mando meu pessoal juntar tudo com o devido cuidado, acondicionar todos o apetrechos numa charrete e, depois deix-los na estao - ofereceu o nobre. - No precisa se incomodar tanto, senhor. Mas, aceitaremos32

com prazer, ser um brinde nossa aventura - agradeceu Alberto, bem disposto. Aos dois balonistas, recebidos como gente de coragem por uma famlia da mais fina estirpe francesa, foi motivo de incentivo, principalmente para Alberto. Conversaram muito e depois partiram para a Estao na conduo oferecida pelo generoso senhor. Rapidamente, embarcaram no trem-deferro e partiram contentes de volta a Paris. Depois de certa distncia percorrida, Alberto comentou: - Machuron, achei simptica a famlia do senhor Afonso de Rothschild. - Muito - respondeu Machuron distraidamente, olhando a paisagem pela janela do carro. - O que voc est pensando ? - interrogou Alberto curioso. - O quanto sobrevoamos. Calculo que distanciamos mais de cem quilmetros do ponto de partida. - Ser!... - admirou-se Alberto. - Pode registrar: como primeira viagem, foi um sucesso. Logicamente, j brindada. No ar e na terra - Machuron brincou, passando a lngua nos lbios. - Magnfico!... Magnfico para a primeira viagem - tornava-se animar Alberto. - E agora, pretende fazer novas ascenses ? - indagou Machuron. - E com sua equipe - confirmou o Brasileiro com serena convico. - Estamos prontos. - Amigo, meu entusiasmo no tem limites. J ando matutando um novo empreendimento. Quero construir um balo para meu uso. Um balo menor, no mximo com cem metros cbicos. O que acha? - Cem metros!... - surpreendeu-se o construtor de bales. - muito pequeno. Pode ter problemas com a estabilidade. - E Lachambre, ser que vai pensar como voc ? - Com certeza, a gente pesquisa bales h bastante tempo. J pensamos constru-los com a esfera menor. Calculamos ser o projeto arriscado, impossvel. Alberto ergueu os olhos, fitou o piloto e disse, com segurana: - Nada absolutamente impossvel, Machuron. - Bem!... - Seria um balo extremamente instvel no ar. O aspecto fsico de um balo impossvel de ser modificado - explicava o construtor. - Machuron, me descreve um balo com todos seus detalhes pediu em tom perspicaz, demonstrando apurado senso investigativo. - Ora !... Ora, um balo !... Bem, nossos bales so construdos com a mais alta tcnica. Usamos ar quente ou gs mais leve que o ar para encher a esfera, que leva presa atravs de cordas a barquinha para os33

tripulantes, capaz de suportar at duas pessoas. Nossos bales dispem de duas nicas manobras. Para subir mais, solta-se o lastro. Para descer, abre-se a vlvula que deixa escapar o gs. Simples, no ? - conclua o construtor, sorridente. - Prometo pensar, parafusar mais a idia. Depois darei um retorno. Se possvel, contrato sua oficina para a construo do meu balo. - Ah!... Balozinho de cem metros!... - Machuron olhou para ele com expresso crtica e riu, irnico. Chegando a Paris, fatigado e muito excitado pela bem sucedida experincia de ascenso, Alberto foi descansar em casa. No dia seguinte, procurou o Professor Garcia. Discutiram a construo do balo de cem metros cbicos que havia idealizado. Traaram vrios e vrios projetos em busca de ngulos para assegurar a estabilidade de um balo esfrico de pequeno porte. - Professor, - anunciou pensativo Alberto - Machuron me disse que o equilbrio de um balo pequeno poder ser perturbado facilmente, porque o seu centro de gravidade est localizado muito perto do bojo. Isto , da esfera que constitui o prprio balo. Aqui comigo, imagino transferir o centro de gravidade mais para baixo. - Mas, como ? - inquiriu o professor, recolhendo sua barbicha na palma da mo. - Isso!...Como ?... Como modificar as condies naturais de uma lei natural ? - questionava seriamente Alberto ao professor e a si mesmo. - Eis a questo!... - Podemos aumentar o comprimento das cordas de suspenso da barquinha - esclareceu Alberto coando o nariz. - Mas... - ia perguntar o professor, quando Alberto interrompeuo concluindo seu raciocnio: - Nesse caso, a barquinha vai operar como se fosse um pndulo, aqui em baixo de um relgio que seria o corpo esfrico do balo, l em cima - Alberto gesticulava com as mos tentando desenhar no ar o que imaginara. - Eureka!... exclamou o professor. Voc achou o ponto de estabilidade. Essa a frmula para colocar em p o ovo de Colombo!... brincou com Alberto batendo com uma das mos nos seus ombros, rindo. Depois calou-se de repente, pensou e disse: - No podemos mais perder tempo. . - Isso, professor ! - confirmou Alberto com ardor. - Vamos desenhar o projeto, efetuar os possveis clculos fsicos e matemticos e tentar convencer os construtores a confeccionar meu balo de cem metros cbicos. - Bem, s provamos se a teoria boa, servindo da mesma para34

ultrapass-la. Voc uma guia que voa alto, jovem Alberto!... Bravo, solucionado o problema. - Obrigado pelo elogio. Preciso ter certeza do que estou dizendo. - Alberto, mudando de assunto, at para aliviar um pouco o raciocnio. H dias li uma pequena notcia sobre uma tentativa de assassinato do Presidente de seu pas. - Hein!... Tentativa!... onde est o recorte do jornal ? - Est por a, vou ach-lo. No se preocupe. Ele saiu ileso, mas o seu Ministro da Guerra foi esfaqueado pelo agressor e morreu. Imagine que o criminoso era um soldado!... - admirou-se o professor. - Naturalmente, devia ter queixas do Presidente Prudente de Morais. Muito bem, obrigado pela notcia. - O Presidente Prudente foi prudente - brincou o professor fazendo trocadilho. - Certamente!... A vida continua. Professor, tenho que ir - disse e segurou as mos do mestre nas suas, apertando-as com fora, agradecidamente. Depois, dirigiu-se para porta de sada e, ao fech-la atrs de si, abanou uma das mos, despedindo-se: - At amanh, professor. Vai dar certo!... gritou. Passados vrios dias, o projeto do novo balo ficou pronto. Com ele nas mos, Alberto procurou a oficina de Lachambre e Machuron, munido tambm de todos os clculos possveis para defender sua idia. Sem argumentos contrrios, os construtores foram convencidos e aceitaram a encomenda para construir um balo esfrico de mais ou menos 100 metros cbicos, elaborado com a resistente seda japonesa, devidamente testada no dinammetro, a presso por dentro e por fora. Alberto, mesmo sem ser engenheiro, sabia encontrar as respostas mais originais e amalucadas para solues de seus projetos. No se desencorajava diante dos obstculos.

O meu primeiro balo, O menor, O mais lindo O nico que teve o nome: Brasil.Alberto Santos-Dumont

BALO BRASIL35

Em meados de maio de 1898, o balo esfrico projetado por Alberto Santos-Dumont ficou pronto. Pequeno como imaginara, de fcil manobra e bem equilibrado nas cordas de sustentao da barquinha, bem mais longas. Nascia o Balo Brasil, com 6 metros de dimetro, usando pela primeira vez a seda japonesa envernizada, que tornava o balo mais leve e com capacidade de suportar uma tenso bem maior. Dia 4 de junho de l898, diante de uma multido de curiosos reunidos no Jardim da Aclimao, jornalistas e membros de uma comisso oficial do Aeroclube da Frana, Alberto realizou a primeira subida aos cus da Cidade-Luz, em um balo trazendo novidades: menor e mais prtico. Ao descer declarou: - O Brasil muito manejvel no ar e muito dcil. , alm do mais, fcil de embalar aps a descida: foi com razo que espalharam que eu o carreguei numa maleta. Para se ter idia do que esse balozinho em comparao com os outros, basta dizer-se que tem 113 metros cbicos de capacidade, pesando o invlucro somente 3 quilos e meio, que, acrescido das camadas de verniz, davam-lhe um peso de 14 quilos. A rede, que geralmente pesava 50 quilos, no passou de 1.800 gramas. A barquinha, que era de 30, pesa apenas 6 quilos. Finalmente, a ncora, substituda por um arpu de ferro, que pesa 3 quilos.. At a construo do Brasil, Alberto realizou mais de 30 ascenses em bales a ele confiados para provas tcnicas, ou alugados, por ele, para comprovaes ou refutaes de idias que emergiam de seu crebro. Eram ascenses corajosas, cheias de imprevistos. Diariamente, enfrentava um constante desafio: ora um comportamento inesperado do balo, sem motivo aparente, ora uma tempestade sbita, ou aterragens distantes, muitas vezes noite. Enfim, problemas inevitveis que contriburam para aperfeioar seu domnio tcnico de pilotagem balonstica, como tambm para adquirir maior segurana e confiana ao assumir seus desafios. Iniciativas, quase sempre, criticadas pelas autoridades em aerostao ( a arte de construir ou dirigir bales aerstatos - aeronutica ainda no existia). A tranqilidade com que o balozinho Brasil portou-se no cu, veio celebrar o talento inquestionvel de seu projetista. O sucesso foi imediatamente reconhecido. A consagrao veio com a vitria de uma prova em que participaram 12 competidores. O Brasil atingiu uma altitude superior a todos, mantendo-se no ar 21 horas e 50 minutos, antes de aterrissar no interior da Frana. O Brasil foi um smbolo, uma mostra vigorosa de suas lutas futuras, devidamente enquadradas no esprito que se baseou a construo do seu primeiro balo: estudos profundos, mtodos, audcia, coragem, convico,36

gnio criativo e intuio especial para soluo dos problemas aeronuticos. O xito do seu balo determinou sua carreira de inventor e abriu espao no seleto grupo de cientistas estabelecidos na Frana. A partir da, Santos-Dumont aprensentou vrios ensaios sobre o aperfeioamento da aerostao, projetando bales de formas oblonga, ovide ou charutiforme: os dirigveis. Desenvolvia a teoria do inventor francs Henri Giffard, que, em 1852, demonstrou a possibilidade de dirigir um balo, propelido por uma hlice adaptada Detalhe da parte mecnica do S.D. 1. a um motor a gasolina. - um absurdo que outros inventores ainda no tenham feito o balo dirigvel - criticava Alberto nas reunies entre aeronautas. Portanto, caberia a ele colocar em prtica as hipteses defendidas por Giffard, seria o responsvel pela dirigibilidade do balo de hidrognio. OS DIRIGVEIS At ento, uma ascenso balonstica era feita sem previso do destino do aparelho, muito menos onde aterraria, totalmente dependente dos fenmenos atmosfricos. At ento, homem nenhum havia conseguido partir de um local, subir aos ares e retornar ao local da partida. Vrias foram as tentativas pelo Mundo, todas frustadas. Coube ao Brasileiro a tarefa de dar dirigibilidade a bales. Em setembro de 1898, ele exibiu ao pblico parisiense um engenho totalmente novo, de forma ovide, mais parecido a um charuto, o Santos-Dumont N. 1. Partindo da tese conhecida por Princpio de Arquimedes "...pelo qual um corpo imerso em um fluido sofre a ao de uma fora de empuxo igual ao peso do fluido deslocado, aplicando seus conhecimentos de Fsica, de Matemtica, de Navegao Area e de inventor, ele construiu o primeiro dirigvel. Em sua prpria bigorna, modelou um leme para governar a hlice, composta de uma p de duas pontas torcidas, capaz de remar no ar, com a funo de impulsionar o balo para frente, acionado por um motor movido a gasolina ( o mesmo de automvel) leve ( 30 K ) e potente (3,537

L'Ilustration -1/out/1898

HP ). Para test-lo, Alberto adaptou o motor a um triciclo, reuniu seus mecnicos e foram todos para o parque Bois de Boulogne. L, mandou dependurar o mototriciclo num galho horizontal de uma grande rvore, fazendo-o funcionar por um bom tempo. Ficou surpreso com o resultado, ao verificar que a trepidao no ar era bem menor do que em terra. - Nesse dia, - declarou - comeou minha vida de inventor. O motor de meu triciclo ali suspenso vibrava to agradavelmente que parecia parado. Entre os acessrios vitais ao bom desempenho do novo balo, outro desafio estava em descobrir um local seguro para o cano de descarga do motor. Foi necessrio projet-lo invertido, encurvado para baixo, para garantir a proteo do invlucro de hidrognio, gs altamente inflamvel, que se atingido por uma fagulha poderia provocar uma exploso. Dia 18 de setembro de 1898 Alberto demonstrou, pela primeira vez na histria da aerostao, a dirigibilidade dos bales aerstatos. Paris assistiu subida de um aeromvel, o S.D. 1, com 25 metros de comprimento, 3,5 metros de dimetro, 180 m3 de capacidade e muitas inovaes, principalmente a dirigibilidade atravs da trao de uma hlice acionada por um motor a gasolina. O S.D. 1 chegou atingir 400 metros de altura, voando contra o vento sem perder gs. Mas, a operao no se completou. Houve falha e seu aparelho sofreu um acidente, devido contrao do hidrognio que o inflava. O balo perdeu altura, dobrou-se lentamente e foi jogado contra as rvores do Jardim da Aclimao, no Bois de Boulogne, em Paris. Chapu amarrotado, puxado para trs e coberto de lama at os joelhos, o piloto saiu ileso, apesar do susto e da frustrao. O fracasso do vo comandado ecoou como uma bomba, por Paris e toda parte do Mundo. Mas, o acidente no desanimou o Inventor. Pelo contrrio, serviu de estmulo para aperfeioar seu invento. A queda no abalou seu prestgio, continuava sendo uma criatura aplaudida por todos. A partir daquele dia, passou a surgir nos lugares mais cobiados de Paris. Sempre bem vestido em traje de passeio, de smoking ou de casaca, ia em busca do calor do povo, o combustvel de que precisava para avanar na busca de seu ideal, que era tambm o ideal do Mundo moderno: voar com autonomia. Dias depois, consertadas as avarias, voltou a fazer evolues nos cus de Paris, comandando a aeronave para diversas direes. Ao aterrar, informou aos jornalistas, diante de uma multido que pouco acreditava no que via, boquiaberta: - Sob a ao combinada do propulsor que lhe imprimia movimento do leme, que lhe permitia a direo, do guide-rope que eu deslocava, e38

dos dois sacos de lastro que eu fazia deslizar conforme a minha fantasia, ora para diante, ora para trs, logrei a satisfao de evoluir em todos os sentidos, da direita para a esquerda, de cima para baixo e de baixo para cima. Trata-se de uma experincia pioneira, era a primeira vez que um motor roncava nos ares. Eu, naveguei no ar. Meses mais tarde, apresentou o balo S.D. 2. Mas, em 11 de maio de 1899, ao tentar elevar-se, sofreu um acidente, provocado por uma inesperada rajada de vento, projetando-o sobre as rvores do Jardim da Aclimao. Em seguida, em 13 de novembro de 1899, apresentou o S.D. 3 com uma novidade: capacitao para 500 metros cbicos, empregando o gs comum de iluminao, cuja fora ascensional mais ou menos a metade da fora do hidrognio. Nesse dia, a ttulo de teste, parte do Campo de Marte, ultrapassa a Torre Eiffel e pousa no Parque dos Prncipes. Ao descer, seus admiradores, que presenciaram a faanha, dedicaram-lhe fervilhantes aplausos. Mas, o balo ainda apresentava problemas. Certo dia, desgovernado pela perda de um leme de direo, desceu em pssimas condies na plancie de Ivery. No cho, abriu os braos, disfarando o desalento, esboou um sorriso tmido e disse aos jornalistas: - Desta vez, ainda no deu. Mas, vou conseguir com o S.D. 4. Santos-Dumont observava cada falha apresentada pelos bales, transfomando-a em lio ao seu esprito sagaz e vigilante de inventor. Aperfeioar sempre para atingir a segurana total da dirigibilidade dos bales - pensava. O bom desempenho do S.D. 3 levou o Inventor a confessar: - Reconheci que ia, para toda minha vida, dedicar-me construo de aeronoves. Precisava ter minha oficina, minha garagem aeronutica, meu aparelho gerador de hidrognio e um encanamento, que comunicasse minha instalao com os condutos do gs de iluminao. Logo depois, adquiriu em St. Cloud, prximo ao Aeroclube de Paris, um enorme terreno, onde projetou e instalou sua oficina, inaugurando o primeiro hangar do Mundo. Construiu o S.D. 4. Maior, com um eixo de 33 metros de comprimento, capacidade para 420 m3 e um motor de 9 cavalos de fora, portanto mais rpido e seguro. Leme hexagonal de 7 m2 e equipado com um selim de bicicleta, em torno do qual reunia cordas e maquinismos para todas as manobras do piloto. Entusiasmado com o desempenho do S.D.4, Santos-Dumont convidou os membros do Congresso Aeronutico Internacional, reunidos em Paris em 19 de setembro de 1900, para assistirem suas exibies com a aeronave no parque do Aeroclube. Todos compareceram e aplaudiram o inventor, principalmente, o clebre Professor Langley, ao v-lo contornar39

a Torre Eiffel. Depois da apresentao aos congressistas, inscreveu-se para concorrer ao Prmio Deutsh, de 100 mil francos, institudo pelo empresrio Deutsh de la Meurth, sob os auspcios do Aeroclube da Frana, a quem partir de St. Cloud, contornar a Torre Eiffel e retornar ao ponto de partida em 30 minutos, perfazendo um percurso de 11 quilmetros. A prova foi realizada em 13 de julho de 1901. Outra derrota: aps contornar a Torre, foi colhido de frente por uma forte corrente de vento, que prejudicou a rota do seu balo. Depois, o motor parou e o aparelho despencou-se sobre uma enorme castanheira nos jardins da casa do empresrio Baro Edmond de Rothschild. Alberto perdeu o prmio, mas no perdeu a confiana, muito menos a pose. Sem nenhum arranho, imediatamente ajeitou no corpo o terno, a gravata refeita no colarinho alto, recolocou na cabea o chapu, mesmo amarrotado, e dirigiu-se ao encontro dos jornalistas com um sorriso confiante. Deu entrevistas e foi fotografado pela imprensa que cobria o acontecimento. Em 8 de agosto de 1901, j como o S.D.5, ao sobrevoar a Cidade, desgovernou-se e foi jogado contra a quina da platibanda do Hotel Trocadero; saiu do acidente sem maiores problemas, salvo pelo Corpo de Bombeiros, pois ficou preso numa altura de 20 metros na estrutura do prdio. Relembra o inventor: - Salvei-me por verdadeiro milagre, pois fiquei dependurado por algumas cordas, que faziam parte do balo, em posio incmoda e perigosa, de que me vieram tirar os bombeiros de Paris. Mais um acidente sem perturbar o Brasileiro de apenas 28 anos, jovial e simples, em busca do domnio total da dirigibilidade do balo. Nada alteraria seus planos. Trabalhava com esse objetivo, empregando somas fabulosas de dinheiro, sem auxlio de empresas, amigos ou de Governos. Esperava realizar-se pela sua capacidade intelectual, seus acertos e enganos, ainda que lhe custasse a riqueza toda ou a prpria vida. Sentia que, sobre seus ombros, pesava a responsabilidade de resolver o sonho de milhares de anos do homem: voar por meios mecnicos. - Apesar do incidente, - declara o piloto - nesse dia, a imprensa anunciava ao Mundo inteiro que estava resolvido o problema da dirigibilidade dos bales. O prmio Deutsch no foi conquistado, mas, o problema da dirigibilidade j era uma questo vencida. Santos-Dumont havia provado, passeando no espao como se anda em terra ou no mar em aparelhos mecnicos. Contornou a Torre Eiffel vrias vezes. A imprensa registrou tudo. A revista cientfica La Nature e dezenas de outros veculos de imprensa dedicaram vrias pginas aos triunfos do inventor brasileiro.40

PRMIO SANTOS-DUMONT Interessado em proporcionar a outros aeronautas oportunidades para competir, como tambm para estimular e encorajar os pretendentes em realizar navegaes areas, Santos-Dumont resolveu instituir o Prmio Santos-Dumont, que seria dado a todo membro do Aeroclube da Frana, menos a ele, que partindo de St. Cloud, contornasse a Torre Eiffel e voltasse ao ponto de partida, sem tocar em terra e por qualquer espao de tempo. O concurso seria realizado de 1 de maio a 1 de outubro todos os anos. Porm, o prmio jamais foi ganho, deixando claro que SantosDumont estava sozinho na dianteira dos primeiros dias da aeronutica. PRMIO DEUTSCH COM O NOVO BALO: O NMERO 6 O S.D. 6 foi construdo. Entre as novidades, substituiu-se a tradicional barquinha por uma quilha de 14 metros, pea de madeira que se estende na parte inferior do balo, para basear um motor de 20 cavalos, resfriado a gua, o tanque de combustvel, o lastro e o piloto com seu sistema de comando. E ainda, uma hlice de duas ps, com quatro metros de envergadura. Os testes confirmaram as boas condies da mquina. Mas, o teste maior seria, novamente, tentar o Prmio Deutsch: que premiaria quem levantasse vo em St. Cloud, contornasse a Torre Eiffel, e depois, retornasse ao ponto de partida em 30 minutos, sem ter tocado o cho. A prova foi marcada para 19 de outubro de 190l. Dia feio. Condies atmosfricas desfavorveis: ventos soprando do sudeste velocidade de 6 metros por segundo, ameaando chuvas. To desfavorvel que, at duas horas da tarde, hora preliminarmente fixada para incio da prova, dos 20 membros da comisso de juzes, apenas 5 compareceram no Campo St. Cloud: os senhores Deutsch de la Meurthe, de Aion, de Fonvielle, Besanon e Aim. Alberto mostrava-se despreocupado, aguardando o incio do desafio com um sorriso confiante nos lbios. Atento, andava de um lado para outro, sempre com as mos s costas e os dedos fortemente cerrados, passando recomendaes aos seus auxiliares. Em cada gesto, a certeza da vitria. Seria ali, naquela tarde, naquele cu cinzento de Paris, com ou sem chuvas, que selaria seu encontro definitivo com o destino: navegar no ar com total domnio de seu aparelho, oficialmente reconhecido pensava, a todo momento dirigindo um olhar desafiante para a Torre. Passados 30 minutos, Santos-Dumont checou com os mecnicos mais uma vez a aeronave e decidiu tomar seu lugar a bordo. O povo41

aguardava pacientemente. Ao primeiro sinal da Comisso, o motor foi ligado. Rapidamente, o barulho roncoso da mquina misturou-se s exclamaes de euforia dos espectadores. Alberto demonstrava, apesar de sereno, impacincia para partir e registrar na histria da aviao mais uma das suas realizaes. Um ar de orgulho estava estampado em seu rosto. Sentia-se brasileiro at na alma e mineiro no jeito silencioso de ser, senhor absoluto de seus atos. Sorria para o povo, mas seus olhos continuavam pregados na direo da Torre Eiffel, at que um Capa da revista Fgaro em Maro de 1902 grito do Senhor Deutsch, vindo da mesa julgadora anunciava: - Ateno!... Ateno!... Senhor Alberto, est pronto?... Podemos dar o sinal da partida ? - o Senhor Deutsch j consultava o cronmetro. - S i m - balanou a cabea, j com as mos pregadas no leme da aeronove. Soou a hora da partida. - Ateno!... Ateno!... J ! - gritou o Senhor Deutsch, simultaneamente, atirando para o ar com um revlver de plvora seca. Depois, virou-se para mesa e ordenou, - anotem: a partida deu-se exatamente s 14 horas e 42 minutos. O balo, imediatamente decolou. Alberto acelerou o motor e, iniciou suavemente a cortar os cus de Paris. Voou 12 minutos numa confortvel trajetria linear, at aproximar-se do monumento. O vento, agora soprava mais forte, ameaando jogar o balo contra o corpo da gigantesta torre de ferro. Alberto, com a confiana de um exmio navegador ereo, no teve medo; aplicou um decisivo e brusco golpe no leme, fazendo com que a aeronave, sem objetivar nenhum capricho, obedecesse seus comandos. Deu certo, e com a majestade de um vencedor, contornou a Torre Eiffel e tomou a linha do retorno. A multido l em baixo vibrava, acompanhando o trajeto do S.D. 6 no ar. Era gente por todo lado, nas ruas, nas caladas, nas janelas, nas sacadas. Acenando com as mos, chapus, boinas, bengalas, lenos de todas as cores, uma empolgao nunca antes vista, prestando homenagens a uma outra criatura humana, l nas alturas. Sozinha e nica, perto das nuvens. Voando... voando... dirigindo o seu prprio percurso.42

L de cima, Alberto assistia a multido, como um cordo de formiguinhas, acompanhando o trajeto do seu balo, saudando-o numa alegria contagiante. Um clamor humano indescritvel. Pessoas que choravam, que se abraavam e, num coro nico, gritavam: - Salve Petit Sant!.... Petit Sant!... Alberto pensava: Que bom, tenho o apoio do Mundo. O Brasileiro, envolvido por um forte sentimento, deixou que de seus olhos vertessem lgrimas de emoo. Com a voz engasgada, mantinha uma das mos acenando para seu povo o leno branco da vitria e com a outra, manobrava com percia o S.D. 6 no caminho de volta. O vento, agora soprava de frente, fazendo com que o motor rendesse menos. Logo em seguida, o primeiro imprevisto: o motor ameaava falhar, rateava. Tarefa difcil. Se largasse o leme, poderia desviar muito da rota e prejudicar seu tempo de prova. Pensou rpido no que poderia ser. No teve dvidas em dispor de alguns minutos fora do leme e verificar a haste do carburador e a alavanca reguladora da fasca eltrica. Descobriu o defeito. Regulou as peas e o motor voltou a funcionar normalmente, recobrando a velocidade da nave. Aliviado, retomou o leme. Olhou para baixo e observou que a multido nada percebera, no parava de aplaudi-lo. Nesse momento, cruzava o Sena, em tima altitude. Pouco depois, outro contratempo: o motor tornou a desacelerar, enquanto o aparelho ia perdendo altura. Alberto, rapidamente detectou e consertou o novo defeito, impelindo o balo a riscar o cu com toda velocidade ao sobrevoar o Campo de Corridas de Cavalos de Auteuil. L embaixo, numa extensa e vibrante procisso, os espectadores comemoravam a vitria, acercando-se cada vez mais do ponto final da prova. O aparelho aproximava-se com o motor nos seus limites, velozmente. Mantendo a calma, o piloto preparava-se para descer, conferindo o tempo de percurso. Exatamente s 15 horas, 11 minutos e 30 segundos Santos-Dumont, com o S.D. 6, cruzou a linha de chegada, passando pelas cabeas dos juzes numa altura de 150 metros. _ Ufa!... consegui - Alberto festejava ao ouvir com nitidez a aclamao da multido que o esperava l em baixo. A aeronave, arrastada pelo seu prprio impulso, continuou a voar mesmo depois de cruzar a linha de chegada. Santos-Dumont fez uma curva no ar e aterrissou o S.D. 6, tranqilamente. Sob aplausos enlouquecidos,Alberto desceu do balo, enxugando com um leno, o rosto e os olhos umedecidos pela emoo de ver toda aquela gente se acotovelando para chegar mais prximo dele. Num gesto vibrante, levantou o punho da mo direita para cima e gritou cheio de vigor e convico: - Minha gente, ser que ganhei a prova ?43

Santos-Dumont contornando a Torre Eiffel, em 19 de Outubro de 1901 e ganha o prmio Deutsch

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_ Sim!... Siiiiiiim!... Viva Petit Sant - respondeu-lhe um eco entusiasmado de milhares de vozes, com intensidade de robustecer seu ego. O povo deu o veredicto. Mas, na Comisso de Juzes, havia uma divergncia: ele cruzou com 29 minutos e 30 segundos, 30 segundos a menos. Porm, numa altitude de 150 metros. Achava o piloto, e com acerto, que a reduo de altitude jamais influenciaria o resultado da prova, mesmo porque no estava previsto no regulamento. Houve juiz que quis computar o final da prova quando o Balo pousou no cho, s 15 horas, 12 minutos e 40 segundos, perfazendo o percurso em trinta minutos e 40 segundos, isto , 40 segundos alm do tempo regulamentar, ultrapassando o tempo da prova. De sbito, ouviu-se um murmrio seco na multido que emitia um clamor de insatisfao. Abriu-se uma polmica, mas o bom senso venceu. Dias aps, o Aeroclube reuniu-se sob a presidncia do Prncipe Roland Bonaparte. E, na votao, Santos-Dumont ganhou o prmio. A resposta do povo foi imediata. A alegria explodiu por todo canto de Paris, consagrando-o atravs de uma calorosa manifestao pblica. Ainda na porta do Aeroclube, Santos-Dumont, aps momentos de grande expectativa, levantou os dois braos em sinal de vitria e disse sensibilizado: - Um homem da cincia no s da cincia, pertence ao seu povo. Pois, para ele que cria, inventa e torna possvel o desenvolvimento de nosso Planeta. Dedico a vitria ao povo de Paris. Em coro, a multido voltou a gritar seu nome: - SANT !... SANT !... SANT !... Poucos dias depois, o galardo do Prmio Deutsch foi-lhe entregue na forma de 129 mil francos. Outra festa na sede do Aeroclube, abrilhantada por uma banda de msica entoando La Marseillaise, o hino nacional da Frana, fazendo novamente vibrar o pblico. Depois, visivelmente comovido Santos-Dumont falou: - Muito mais me custou receber este prmio, que, entretanto, era coisa instituda, certa e ganha, do que contornar a Torre Eiffel, que, todavia, era tento de realizao imprevisvel e sem precedentes. Imediatamente tomou a palavra Gustave Eiffel, idealizador e construtor da Torre Eiffel, um presente dos Estados Unidos Frana para homenagear a Exposio Mundial de 1899. Emocionado, Eiffel soergue os claros olhos, ainda vidrados e declarou numa voz apertada: - Disse meu particular amigo Santos-Dumont, nesse empreendimento o que mais o emocionou foi contornar a Torre Eiffel. Portanto, quero declarar para que o Mundo possa ouvir: a faanha foi marcante, me emocionou. Senhores e Senhoras, ele conseguiu contornar45

o extremo de nossa Torre da forma mais ambiciosa possvel: Voando !... Voando! O povo, nesse momento, tomado por uma forte comoo, interrompeu o discurso do Doutor Eiffel com aplausos esfuziantes. Desistindo de concluir seu pensamento, o engenheiro abraou, calorosamente, o Brasileiro que acabava de colocar a sociedade humana em uma nova, surpreendente e promissora era. O anncio do ganhador encontrou respaldo no Mundo inteiro. Jamais um empreendimento de um homem, lutando contra todas adversidades naturais, tivera tamanha repercusso. O ser humano j poderia erguer-se do cho, sustentar-se no espao areo e comandar seus movimentos em todos os sentidos, todas as direes. Era a materializao de um sonho milenar da Humanidade: voar. A imprensa internacional divulgou o fato com nfase, popularizando mais ainda a figura de Santos-Dumont, principalmente na Frana. De repente, o Mundo foi tomado por uma febre delirante de entusiasmo. Nas lojas apareciam para vender cartes postais, bibelots e outros objetos de recordaes, estampando os feitos do Inventor, desde as primeiras ascenses at seu ltimo triunfo. Dos Estados Unidos um especial telegrama do mago da luz, teve sabor especial para o gnio brasileiro, felicitando-o: Santos Dumont, o pioneiro dos ares, homenagem de Edison." Do Brasil, dois outros, entre milhares, encheram seu peito de orgulho, afagando-lhe o sentimento cvico: Bravo Brasileiro, O Conquistador dos Ares - Rui e o outro: Agora o Cu tambm rende homenagens ao Brasil, por conta de um gnio brasileiro que desafiou e venceu a mgica do vo dirigido - Machadinho." Outra mensagem, que o deixou profundamente emocionado, foi a de Jlio Verne, seu escritor de cabeceira desde a adolescncia. Considerado o gnio de todos os tempos, seguiram-se mensagens calorosas do cientista italiano Marconi, de Langley, do Presidente do Brasil, Campos Sales, da Princesa Izabel, filha de Dom Pedro II e de seu esposo, o Conde DEu, exilados em Paris, da Imperatriz Eugnia, do Rei Leopoldo I, da Blgica, da soprano Maria Barrientos e da artista de Teatro Cleo de Mrode, a maior entre todos os admiradores do piloto. Dos jornalistas Georges Goursat, Gordon Bennett e Jaurs. Dos escritores russos Anton Tchekhov, Lon Tolsti,Vladimir Korolenko e outros, engrossando uma lista de milhares de congratulaes manifestadas por simples admiradores annimos e tambm por membros da mais elevada nata social e intelectual daquele tempo. E para enaltecer mais ainda a glria de uma grande figura humana, ao receber os 129 mil francos, Alberto anunciou o destino do dinheiro,46

demonstrando profunda preocupao com o social: - Meu maior prmio foi vencer o desafio. Quanto recompensa de 129 mil francos, quero que 54 mil sejam destinados aos meus mecnicos e aos operrios de Paris, que esto com suas ferramentas de trabalho penhoradas, para que possam retir-las e retomar suas atividades sem dvidas. O restante, 75 mil francos eu fao destinar de forma igual e certa aos pobres registrados pela Polcia de Paris. Santos-Dumont, rapaz pacato e simples, com apenas 28 anos de idade, foi glorificado e endeusado pelo Mundo. O seu nome reluzia em todos os lugares. Era convidado especial para banquetes, festas, espetculos, sa