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www.institutoculturalfreud.com.br Caderno de Ideias outubro/novembro 2013 Número 8 COMENTANDO "SOBRE NIETZSCHE E FREUD" com Elizabeth Cabral Portella CRÔNICA "DO ENCONTRO" com Álvaro Correa de Oliveira DIVAGANDO "ORA DIREIS, CONTAR HISTÓRIAS..." com Vera Perestrello NOVIDADES NA CASA DE CULTURA EM CONJUNTO COM OS ESTUDOS HUMANÍSTICOS Está completa a grade de mini-cursos ao longo do primeiro semestre de 2014 DE ACORDO COM A ASSEMBLEIA DE 16/SET/13 FOI CONSTITUÍDO UM NOVO CONSELHO E

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COMENTANDO "SOBRE NIETZSCHE E FREUD" com Elizabeth Cabral PortellaCRÔNICA "DO ENCONTRO"

com Álvaro Correa de Oliveira DIVAGANDO "ORA DIREIS, CONTAR HISTÓRIAS..." com Vera Perestrello

LEVY AGRADECE AS MANIFESTAÇÕES DE CARINHO

NOVIDADES NA CASA DE CULTURA

EM CONJUNTO COM OS ESTUDOS

HUMANÍSTICOS

Está completa a grade de mini-cursos ao longo do primeiro

semestre de 2014

DE ACORDO COM A

ASSEMBLEIA DE

16/SET/13 FOI

CONSTITUÍDO UM NOVO CONSELHO

E UMA

www.institutoculturalfreud.com.br Caderno de Ideias outubro/novembro 2013 Número 8

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Nesse número tivemos a participação de Álvaro C. de Oliveira, Elizabeth Cabral Portella e Luiz Lévy

Edição Vera Perestrello

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INFORMANDO

Estudo Humanístico, com o auxílio da Casa de Cultura está oferecendo para o ano que vem, já

no primeiro semestre de 2014, uma série de mini-cursos sobre a obra de Freud, sendo convidados vários professores que falarão sobre temas diversos. O horário será sempre o mesmo, isto é, às quartas-feiras, de 14:45 às 16:15.

O

No mês de março temos nos dias 12,19, e 26, Jaime Daisson, psiquiatra, psicanalista e fundador do ICF, falando sobre o "Projeto de uma Psicologia para Neurologistas"

Em abril, nos dias 02, 09, 16, 23 e 30, receberemos Abram Eksterman, psiquiatra, psicanalista da SBPRJ, que falará sobre os eixos teóricos que fundamentam a prática psicanalítica; a diferenciação entre a prática psicoterápica geral e a prática psicanalítica, e também sobre a contribuição de Freud ao conhecimento da vida psíquica e sua influência na cultura.

Em maio, Ligia Mendonça, professora substituta da UERJ e membro do ICF, discorrerá sobre a Perversão vista pela psicanálise e sua diferenciação da chamada perversidade, nos dias 07, 14, 21, e 28.

O mês de junho será dividido em duas partes. Nos dias 04 e 11, Vera Perestrello, psicanalista e membro do ICF, discutirá sobre o tema da Angústia como afeto básico, sua conceituação e desenvolvimento na clínica. E nos dias 18 e 25, recebemos José Roberto Bastos, psicólogo e membro do ICF, que falará sobre a Psicanálise no Campo das Psicoterapias.

A Casa de Cultura também oferecerá ainda nesse semestre de 2013 uma palestra com a Psicanalista da SPCRJ e SPID, Lidia Levy de Alvarenga, sobre a Homoparentalidade, um tema que gera

reflexões, no dia 23 de outubro, quarta-feira, às 19:45. Algumas outras atividades estão sendo programadas, mas ainda não tem a data acertada.

PALAVRAS DOS EDITORES

sse último número do Caderno de Ideias do ano de 2013, está recheado de novidades,

mudanças e informações.EDe acordo com as decisões tomadas na Assembleia Geral Ordinária do dia 16/set/2013, uma nova Diretoria e um novo Conselho foram escolhidos para dar continuidade aos trabalhos do ICF.Luiz Levy, Maria Fernanda Borges, que compunham a Diretoria juntamente com Eduardo Pernambuco, entregaram seus cargos, sendo substituídos por Sig Perestrello, que assumiu o cargo de Presidente da Diretoria; Eduardo Pernambuco permaneceu no cargo de Tesoureiro, e Vera Perestrello assumiu a função de Secretário.O Conselho ficou formado por Lucia Maia com o cargo de Presidente do Conselho além dos componentes da Diretoria, isto é, Sig Perestrello, Vera Perestrello e Eduardo Pernambuco e também de Beatriz Salomão, Alice Tigre e Ligia Mendonça.

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Beatriz Salomão aceitou o convite e está agora na direção da Casa de Cultura.Agradecemos aos antigos Diretores e membros do Conselho pelo enorme trabalho que fizeram durante os anos que estiveram à frente do ICF e saudamos à nova Diretoria assim como o Conselho, e desejamos sucesso na gestão que se inicia.Nos dirigimos também ao ICF como um todo esperando muita colaboração e aproveitando para lembrar que o Instituto pertence a todos nós e depende de cada um em particular para crescer sem perder suas características essenciais de liberdade de expressão e livre pensar.

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AGRADECIMENTO

Meus amigos e minhas amigas,

Tenho vários hábitos estranhos. Hoje me limito a falar de apenas um deles, é uma mania ou lá o que seja. Explico. Eu conto minha idade sem acompanhar exatamente o ano em que nasci. Quase sempre antecipo minha idade! Algum psi de plantão interpretará: Defesa! Não tenho porque discordar. Não sei bem, mas acho que conto minha idade aos travancos. Aos 37 eu dizia 40 e isso durava até os 42. Aí eu dava um tranco para 45 e assim por diante. Como consequência, eu já estava com 80 há pelo menos alguns anos.

Deve ter sido essa forma doida de contar que me fez, num primeiro momento, estranhar o que vislumbrei no último Caderno de Ideias. Havia um comemorar meus 80 anos. Ué, disse eu com meus botões, mas eu já não fiz esses 80? Bem, para ser honesto com vocês, essa tal conversa com botões não é de todo verdadeira. Tenho que admitir é que tive uma baita emoção. A emoção foi tanta que só consegui ler, ler mesmo o Caderno de Ideias no dia seguinte e me emocionei ainda mais.

Dentre os muitos escritos lá estava o de um velho amigo que me remeteu a quase 50 anos atrás. Nessa época, eu me dedicava a cuidar de pessoas com sequelas neurológicas, baseado em princípios de neurofisiologia e psicofisiologia. Hoje, em retrospecto, penso que eram os primeiros e tímidos passos naquilo que atualmente consagrou-se como neurociência e o José

Carlos Cabral, consagrado endocrinologista, também se iniciava em genética. A titulo de curiosidade lembro que, naquela época, quem tratava das sequelas neurológicas eram os ortopedistas. Faziam

transplantes de músculos para corrigir déficit de movimentos.

Também fixavam articulações para facilitar uma ou outra atividade. Não era considerado estranho porque afinal o ortopedista fazia o que a etimologia (do grego) indicava. Em termos aproximados: endireitar de ortho(s) a criança de paido(s).

Mas retornar a algo tão, tão remoto provocou susto, surpresa e gratidão e o que vivi ao ler a mensagem de... gratidão... ! Li também lindas mensagens me saudando. Li, sobretudo, algo totalmente inesperado. Uma pessoa aqui do ICF que não me conhece pessoalmente, nem eu a ela, teceu elogios e elogios a minha pessoa... Como é que pode? Essa inacreditável surpresa também tocou fundo! Guardo, igualmente, na minha lembrança as carinhosas expressões oferecidas de diversas formas vindas de velhos e de novos amigos. Meu muito, muito obrigado a todos!

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Agradeço especialmente à Vera, amiga de muitos e muitos encontros, editora do Caderno de Ideias, que bolou toda essa travessura.

Beijo todos.

Agosto de 2013.

Luiz Lévy

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 CRÔNICA

DO ENCONTRO, DA SOLIDARIEDADE E DA ESPERANÇA

Encontro: em busca de; em favor de; na direção de.

Solidariedade: laço, vínculo ou dependência recíproca de pessoas; vínculo de um indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da própria humanidade.

Esperança: expectativa, espera; fé, confiança em conseguir o que se deseja.

Recorri ao dicionário para não me alongar na conceituação dos vocábulos titulares desta crônica. Meu espaço é limitado.

Fi-lo, também, porque o que importa mesmo é o sentido dessas palavras nos pronunciamentos de Francisco durante a visita que fez ao Brasil, no mês de julho passado.

Francisco não falou apenas como Papa, chefe espiritual da Igreja Católica. Falou, de forma contundente, como chefe de estado e de governo, sensível à desordem econômica, política, social e ambiental que assola o planeta. Sua preocupação procede na medida em que, aparentemente, a humanidade ainda não se deu conta do grave momento pelo qual estamos passando.

Viviane Forrester há muitos anos já alertava no seu livro “O Horror Econômico”:

__“Em que sonho somos mantidos, entretidos com crises, ao fim das quais sairíamos do pesadelo? Quando tomaremos consciência de que não há crise, nem crises, mas mutação? Não mutação de uma sociedade, mas mutação brutal de uma civilização? Participamos de uma nova era, sem conseguir observá-la.

Sem admitir e nem sequer perceber que a era anterior desapareceu.”

Será possível um novo mundo, uma nova sociedade, uma nova civilização? Como reinventá-la? Que caminhos trilharemos para redirecionar a economia mundial? Que medidas radicais adotaremos para vencer a miséria/pobreza e a desesperança de dois terços da humanidade? Que instrumentos utilizaremos para acabar com os sangrentos conflitos regionais e locais, nascidos da ambição, da avareza, dos ódios raciais e da intolerância religiosa? Como enfrentaremos o flagelo das drogas? Como impediremos a destruição da Mãe Terra nada mitológica? Enfim, como construiremos uma nova ordem mundial, senão perfeita, pelo menos com um aceitável clima de harmonia e concórdia?

O mundo vive num imenso vazio e Francisco nos aponta os caminhos da nova era, a partir de opções pessoais radicais e revolucionárias: a busca respeitosa do outro, o espírito solidário, a confiança inabalável no poder da inclusão. Não importam as crenças. Estamos falando de atitude! De

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responsabilidade! Da não aceitação da globalização da indiferença!

Mesmo que não haja garantia que um mundo absolutamente amável seja alcançável, que alternativa temos? Não se trata de fantasia, utopia, sonho ou ingenuidade. É a realidade. Não é mais uma questão de escolha. Quem sabe faz a hora!

Ou o caos planetário ou uma civilização viável. É preciso acreditar que podemos.

Quando há esperança há felicidade. Ou, pelo menos, alegria, sua singela manifestação.

Álvaro Corrêa de Oliveira, setembro de 2013.

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DIVAGANDO

"ORA DIREIS, CONTAR HISTÓRIAS..."

ser humano é, antes de tudo, um contador de histórias. O

Mais que isso. Ele precisa contar histórias para estar no mundo. Para sobreviver.Eu estou aqui para contar uma história para vocês. A minha história.Até hoje, de tudo que li, estudei, vivi, senti, experienciei ou percebi, me fez compreender que somos uma espécie que tem como característica, isto é, como especificidade, contar histórias.Cada espécie tem sua maneira de sobreviver. Alguns são grandes, outros minúsculos ou ágeis ou possuem carapaça ou são velozes ou venenosos ou têm asas, enfim, sua própria especificidade que lhes permite, uma vez vivo, permanecer vivo tempo suficiente para produzir descendência e assim se perpetuar.É possível que muitos estejam se perguntando: mas o que isso teria a ver com Freud ou com a Psicanálise?E eu direi que penso assim por causa de Freud.Penso que contamos histórias de tudo que sentimos seja por palavras, pensamentos, sons, cores, formas, atos, sonhos, fantasia, sintomas... Tudo isso são histórias que contamos.Aliás, nós "psis", temos como ofício ouvir as histórias de nossos pacientes e, de alguma forma, interferimos nessas histórias, seja pontuando, sublinhando,

destacando, invertendo o sentido de passivo a ativo ou desvelando o sujeito oculto da frase, isto é, construindo a quatro mãos ou a duas vozes, uma história diferente.

Na verdade, não estou me referindo em simplesmente contar uma história clássica que começa com o eterno "era uma vez...", mas no contar histórias como significado e, sobretudo, como produtora de sentido.Nós, pertencentes à Homo sp., somente nos tornamos humanos quando temos condições de desenvolver nossa característica principal, esse "órgão" virtual, o qual chamamos de psiquismo e que Freud também chamou de alma.Esse aparelho psíquico tem como função primordial produzir sentido, o que quer dizer, organizar os estímulos exógenos e endógenos, sensações e pulsões, transformando-os em representações que possam ser compreendidas e metabolizadas pela psiquê, permitindo assim, o surgimento da ação minimamente adequada ou específica para que o ser humano consiga se inserir no mundo e sobreviver nele.Ao que tudo indica, essa especificidade tão inovadora, foi de um sucesso incontestável!

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Então, o que eu chamo de "contar história" é essa capacidade humana de representar os estímulos no interior do seu aparelho psíquico para ter a possibilidade de agir sobre ele sem o dispêndio energético de uma ação inadequada.Sem dúvida, organizar o percebido que nos invade e nos devasta, seja de dentro ou de fora, é o que podemos chamar de "produzir sentido" e é a única ferramenta que temos para impedir o estabelecimento do caos produtor de angústia. Isto significa - ou produzimos sentido à todo custo ou mergulhamos numa angústia mortal.E, porque contamos histórias para podermos dar sentido e transformar o caos destruidor em cosmos construtor, diremos que, não só contamos histórias, mas, sobretudo, elas nos contam sobre nós.

Vera Perestrello - 19/ago/13

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COMENTANDO

SOBRE NIETZSCHE E FREUD

emestre passado tivemos o pensamento de Friedrich Nietzsche no ICF.S

Pensador instigante, apresentado pelo filósofo amigo Auterives Maciel Jr.Noites de quintas cheias de conceitos, no mínimo provocantes, para uma platéia de psicanalistas: Impulso, Vontade de Potência, Eterno Retorno, Transmutação de Valores, este último talvez o mais relevante.Ao final do último encontro ainda não tínhamos aplacado a curiosidade de uma insistente comparação entre o filósofo alemão e Freud.Lembrei do livro que serviu de base para um trabalho na Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC - “Freud & Nietzsche, semelhanças e dessemelhanças” de Paul-Laurent Assoun. Pensei que seria um bom ‘retorno’ rever o que Assoun nos ensina sobre estes dois humanistas.Nietzsche era doze anos mais velho que Freud. Ambos frequentaram os livros de Arthur Schopenhauer, o que nos faz imaginar a possibilidade de algo em comum em suas teorias. Sabemos que estas semelhanças foram recusadas por Freud, mas ainda assim, Assoun conta que o próprio Freud percebeu algo diferente nos escritos nietzschianos. Parece que não aplicava às ideias de Nietzsche sua lei contra a “gentinha filosofante”.Um mediador entre estes dois pensadores, Thomas Mann, no ensaio “Freud e o pensamento moderno” (1929), parte do anúncio de Nietzsche no texto “Humano, demasiado humano” de uma nova relação com a Cultura. Neste trabalho, Mann apresenta Freud como “um explorador das profundezas e psicólogo do instinto” apontando sua oposição ao racionalismo. Ao mesmo tempo, chama atenção: “acentuando o lado noturno da natureza e da alma como elemento determinante e criador da vida, o faz como uma investigação científica, diferentemente do irracional nietzschiano que rompe com a primazia da razão, depreciando-a, fazendo triunfar as forças do instinto e do irracional”.

O que Thomas Mann revela é o interesse de cientista de Freud. Seu anti-racionalismo prioriza o domínio da esfera afetiva sobre o espírito, sem caçoar da razão, prevendo para o futuro a revolucionária ideia de um mundo inconsciente permeando as relações humanas. Para Mann, Friedrich e Sigmund tinham apenas “afinidades inconscientes”. Chegando a dizer que Nietzsche não conhecera Freud, mas sua obra está cheia de “antecipações-relâmpago” do texto freudiano.Em 1934, Arnold Zweig recebe uma carta de Freud mencionando a obra de Nietzsche como algo que “representava para mim uma nobreza que estava fora do meu alcance já na juventude. Mais tarde, tentei lê-lo. Buscava encontrar ali palavras para muitas coisas que permaneciam mudas em mim”.

Assoun fala em Nietzsche como um “duplo brilhante” para Schopenhauer, o que parece não ter sido nada fácil de aceitar por Freud. Para distanciá-los ainda mais, existia uma recusa de Freud em entrar no jogo do entusiasmo da obra nietzschiana, expressando certa desconfiança com o excesso de sentimentalismo do filósofo, além de não se deixar enganar pelas tentações da “embriaguez dionisíaca”.Estas diferenças mostram que a sensibilidade traça uma linha divisória entre Nietzsche e Freud, a mesma que separa o trágico do chiste. Assoun vai mais além, enquanto Nietzsche cultua a música, escreve hinos à vida, Freud é avesso à música, pratica o lirismo e o tom satírico, não se dedicando às odes seja à vida, ao inconsciente ou à morte.Se na maioria dos textos, Nietzsche usou uma perspectiva social ao analisar a racionalidade filosófica clássica e a racionalidade científica de seu tempo, a diferença entre elas não ficam bem claras. Parece não existir em Nietzsche uma elaboração do conceito de Ciência. Roberto Machado, por exemplo, fala numa relação suspeita e questionável de Nietzsche com a Ciência.

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A oposição entre Arte e Ciência percorre toda a obra de Nietzsche sempre valorizando a Arte e combatendo a pretensão da Ciência de instituir uma dicotomia total de valores entre a verdade e o erro.Durante o curso, Auterives ponderou que a crítica de Nietzsche era com a Ciência do século 18, vista como uma hermenêutica religiosa e bíblica apresentando uma única verdade. O que Freud também não aceitava. Tanto um quanto o outro valorizavam a interpretação, recusando a Psicologia Explicativa de seu tempo.Vimos que a interpretação aparece também em Nietzsche quando ele emprega o aforismo e o poema como meios de expressar sua ideias. Daí em diante, não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro e absoluto, mas sim de interpretar, avaliar. O aforismo nietzschiano é arte de interpretar ao mesmo tempo em que é a coisa a ser interpretada. O mesmo com o poema, arte de avaliar e ser avaliado. O intérprete seria uma espécie de fisiologista, médico que considera os fenômenos como sintomas, o avaliador seria o artista que cria perspectivas através da Arte. Com sua Psicanálise, Freud faz um conjunto teórico do espírito. Não uma Ciência explicativa e comprovável termo a termo, porque o fenômeno do espírito se caracteriza pela sua imprevisibilidade.Para Assoun, a única certeza que se tem sobre um encontro teórico entre Nietzsche e Freud é a origem comum na filosofia de Schopenhauer. E segue dizendo que a presença de Nietzsche não é necessária para Freud, já que as ideias de Schopenhauer são centrais

na obra freudiana. O próprio Freud teria dito que as ideias de Nietzsche poderiam afetar a identidade autoral da Psicanálise.Pena que não haja espaço para conhecermos o pensamento de Schopenhauer! Fica a sugestão, se há a curiosidade...Seguindo a descrição de Assoun, a filosofia do alemão Arthur fala em “afetos intermediando as representações do sujeito, da importância destas representações na sua vida mostrando que uma aspiração levaria à felicidade e como obstáculos impedem que ela se realize completamente”. Mostra ainda, que “existe uma repugnância para pensar

nas coisas que ferem fortemente nossos interesses, nosso orgulho e nossos desejos. Com que dificuldade decidimos submetê-las ao exame preciso e sério do nosso intelecto e com que facilidade, ao contrário, nos afastamos bruscamente delas”. E continua: “baseado nesta recusa, o espírito rompe o fio da memória e a loucura se estabelece”. A loucura seria “recusar o acesso à consciência de algo contrário aos nossos interesses, este mecanismo é tão forte, que é mais fácil esquecer o indesejado”. Aqui se pode constatar as origens da economia dos afetos, a prevalência das representações simbólicas, o mecanismo do recalque, a influência de inibições, sintomas e angústias presentes na teoria freudiana.O encontro de Nietzsche com Schopenhauer se deu com a leitura de “O mundo como representação e vontade” onde encontra o primado da vontade sobre a inteligência. Mesmo entendendo o mundo como fenômeno intelectual representado pelo sujeito, Schopenhauer aponta a incerteza em que vive o homem diante dos enigmas do mundo e é esta posição antiintelectualista que toca Nietzsche. Auterives foi bem claro ao explicar que o interesse de Nietzsche é realizar uma crítica radical ao racionalismo encontrado em Platão, Kant, Descartes e outros. Quando Nietzsche fala de um novo homem que se expressa através da Transmutação de Valores, fala no Além-Homem. Não como um ser cuja vontade é dominar, mas de uma vontade que busca a superação vencendo os obstáculos que Schopenhauer localiza entre a aspiração e o objetivo atual. A natureza desta Vontade de Potência é o princípio plástico de poder se avaliar de várias maneiras, junto com a força criadora, muito além do bem e do mal. A Vontade de Potência para Nietzsche significa avaliar, dar e criar. O Além-Homem se desprende de todos os valores de uma cultura decadente que nega a vida terrena, não valorizando a transcendência. A moral do Além-Homem é uma constante luta entre a ânsia de liberdade e a moral do escravo e do rebanho. Em oposição ao ‘status quo’, Nietzsche propõe a ‘virtude’ dos renascentistas italianos ‘orgulho, risco, personalidade criadora’, acrescentando “admiração ao invés da inveja”.Por fim, podemos dizer que o confronto entre a Psicologia de Nietzsche e a Psicanálise de Freud guarda “semelhanças e dessemelhanças” junto com a diferença maior: Nietzsche pensa o social e Freud o individual.

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Nietzsche com sua psicologia filosófica quer destruir horizontes estreitos e oferece espaço ilimitado para o pensar criativo. Ensina a coragem de enfrentar o desafio de viver o impensado e experimentar o acaso, que instigam o Além-Homem artista-criador. Vê a vida como um jogo e entende a Vontade de Potência como Vida. O que Freud mais temia no pensamento de Nietzsche, parece ser o mais sedutor ao leitor do filósofo: “o entusiasmo dionisíaco” que afirma a vida mesmo com o eterno retornar daquilo que vivemos, seja bom ou mal. Mas como evitar a magia de um momento delirante que desordena o sofrimento, trazendo a oportunidade de criar novos valores e sentidos em nossa vida?E o que dizer da repetição em Freud? Repetição patológica do mesmo momento traumático recalcado sem elaboração? E o papel da Transferência? Será que podemos pensar numa semelhança entre eles aqui? Se para Nietzsche o sentido e o valor da vida surgem nos encontros, o que pensar da Transferência?Se tudo der certo, o encontro entre analista e analisando pode, também, ser um momento revelador e oportuno para reavaliar a situação traumática. E quantas vezes, de forma delirante, o paciente cria, como o artista nietzschiano, novos valores e novos sentidos para sua vida?

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Bibliografia: - Assoun, Paul-Laurent – “Freud &Nietzsche, semelhanças e dessemelhanças” Editora Brasiliense, SP, 2ª edição, 1991 - Anotações de aulas do curso: “Nietzsche e o trágico” – Profº Auterives Maciel Jr. Instituto Cultural Freud, 2013

Elizabeth Cabral PortellaJulho de 2013

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SÓ...RINDO