volume 10 - UFSM

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volume 10

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volume 10

André Soares Vieira

2009

Mário PeixotoO Escritor de Permeio

com a Crítica

ISSN 1981-6987

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

REITORClóvis Silva Lima

PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAHélio Leaes Hey

DIRETOR DO CENTRO DE ARTES E LETRASEdemur Casanova

COORDENADORA DO PROGRAMA DEPÓS-GRADUAÇÃO EM LETRASAmanda Eloina Scherer

EDITORPrograma de Pós-Graduação em Letras

DIREÇÃO DA SÉRIE COGITAREMirian Rose Brum-de-PaulaSílvia ParaenseGiovana Ferreira-Gonçalves

REVISÃOAndré Soares Vieira

PROJETO GRÁFICOLilian Landvoigt da Rosa

DIAGRAMAÇÃO/ARTE FINALNaieni Ferraz

P379V Vieira, André SoaresMário Peixoto : o escritor de permeio com a crítica / André

Soares Vieira – Santa Maria: UFSM, PPGL-Editores, 2009.89 p.; 19 cm. – (Série Cogitare; v. 10)

ISBN: 978-85-99527-18-4ISSN: 1981-6987 1. Literatura brasileira 2. Autores brasileiros 3. Crítica

literária I. Título. II. Série.

CDU 869.0(81)-31.09 – ed.1987 –

Ficha catalográfica elaborada porJosiane S. da Silva CRB-10/1858Biblioteca Central da UFSM

SUMÁRIO

Apresentação ......................................................................... 7

Introdução ............................................................................11

1 Dois horizontes de expectativas ..................................... 17

2 O horizonte de expectativa social ..................................21

2.1 Situação da literatura brasileira na década de 30 ....25

2.2 A recepção de O inútil de cada um pela crítica ..........29

3 O horizonte de expectativa literário ...............................43

3.1 Mário Peixoto artista moderno .....................................44

3.2 Um enfoque sobre a questão da identidade .............. 47

3.3 A estrutura de O inútil de cada um .............................53

4 Arte e iniciação: ...............................................................63

Obras de Mário Peixoto ........................................................81

Bibliografia ............................................................................83

Política Editorial....................................................................87

Volumes Publicados .............................................................88

ApReSentAçãO

O cOnvIte A leR MÁRIO peIxOtO

Foi Paulo Emílio Salles Gomes, figura luminosa da nossa crítica e então diretor da Cinemateca Brasileira, quem primeiro me falou de Mário Peixoto em meados dos anos 60.

Eu participava intensamente do Clube de Cinema de Porto Alegre junto a um grupo de amigos orientado por P.F. Gastal, nosso líder por critérios de idade e sabedoria. Catadores de raridades, tínhamos conseguido acesso a quase todo o acervo do cinema brasileiro e, remontando à pré-história, acabamos assistindo até aos filmes mudos de Humberto Mauro. Mas o caso de Mário Peixoto era di-ferente. Apenas um nome e um título: Limite, o filme que supostamente ele dirigira em 1931 e que ninguém (abso-lutamente ninguém ao nosso alcance) jamais tinha visto. Em torno disso criara-se um lendário inesgotável. Para al-guns o diretor recolhera ele próprio todas as cópias; para outros, todas haviam queimado num dos vários incêndios que assolaram a Cinemateca; e ainda para outros tratava-se mesmo de uma lenda stricto sensu - o filme nunca fora re-alizado. Veio de Paulo Emílio o testemunho indubitável: o filme existia, sim; era um filme brilhante até para os padrões internacionais e ele assistira a uma das raríssimas sessões promovidas no Rio de Janeiro por Plinio Sussekind, detentor da única cópia remanescente.

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Não bastasse, acrescentou que Mário Peixoto era tam-bém o autor de um extraordinário romance publicado em 1933, apenas dois anos após a rodagem do filme: O inútil de cada um. Mas acaso isto podia ser título de romance? Pior, o texto também era inacessível e nem Paulo Emílio possuía mais o seu exemplar, extraviado em alguma das suas intermináveis andanças pelo mundo. Assim, filme e livro passaram a fazer parte dos enigmas e interrogações da minha vida intelectual. Creio que ambos foram recuperados e finalmente vieram a público mais ou menos no mesmo momento, quarenta anos depois, lá no final dos anos 70. E só então se viu que o nosso depoente estava coberto de ra-zão, pois tratava-se de duas obras singulares, portadoras de imensa força expressiva. Muito caminho inútil teria sido pou-pado na literatura e no cinema, se tivessem sido usufruídas (quero dizer, se houvessem “circulado”) em sua época. Mas isto não aconteceu em que pesem algumas manifestações favoráveis ao livro no instante do lançamento. Todo o su-cesso de Mário Peixoto foi glória tardia, pouco antecedendo sua morte em 1992.

A partir daí o filme tornou-se peça emblemática da cultura brasileira. Tal não ocorreu com o romance, que con-tinuou a ser leitura para poucos. O atormentado universo psicológico de Mário Peixoto, a angústia existencial que o invade (muito próxima ao território de um Ingmar Bergman, de um Kierkegaard), o caráter fragmentário da narrativa que à maneira proustiana nem desconhece as imbricaturas da memória, tudo enfim parece desafiar a inclinação e o gosto médio do público leitor. No entanto, aí está uma grande narrativa, capaz de inserir o seu autor na família de Adelino Magalhães e Cornélio Pena, Clarice Lispector e Maura Lo-pes Cançado. Dentro da tradição brasileira, pertence mais à descendência machadiana do que à linhagem do reconhe-cimento sociológico. Tenho repetido que a história literária não se escreve por linhas retas. Mário Peixoto não foi lido em sua época, perpassada toda ela pelo “romance social”, e O inútil de cada um ainda permanece um romance quase desconhecido na nossa.

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Refiro tudo isto diante do ensaio de André Soares Vieira - Mário Peixoto, o escritor de permeio com a crítica. Ao escolher o tema deste trabalho, que foi inicialmente uma dissertação pós-graduada, ele assumiu a responsabilidade de um resgate urgente e necessário. A história literária não se há de compor pela biografia dos autores, mas pela impor-tância dos textos e estes muitas vezes ficam hibernando em certo ostracismo, principalmente num país de brilhos fáceis e memória débil. Vale a observação de Arnold Hauser que certa vez estabeleceu a distinção entre obras importantes (aquelas que moldaram o gosto público mercê do sucesso imediato) e obras primas (cujo valor literário se faz inegável, ainda que não se tenha propagado no calor da hora). Neste sentido, não tenho dúvidas em incluir a narrativa de Mário Peixoto nessa última categoria. E o estudo cuidadoso de An-dré Soares Vieira tudo confirma em tal direção.

Inteligentemente ele logrou equilibrar a análise da estrutura literária e a rede de suas conexões culturais. Ao traçar o panorama da ficção nos ‘anos 30’, evidencia o des-locamento da narrativa de Mário Peixoto diante dos padrões vigentes e imediatamente provoca uma questão: acaso não deriva justamente daí a força de sua “universalidade”, hoje naturalmente reconhecida? A proposta só será respondida num percurso de mão dupla, ora arguindo o processo da construção do discurso e, por outro lado, examinando a repercussão deste na amplitude do quadro histórico. André Soares Vieira realiza o duplo itinerário sem resvalar na ten-tação das simplificações. A argumentação que desenvolve é um convite a exercer o raciocínio dialético.

Justamente por isso, a investigação encontra um dos seus fundamentos teóricos na estética da recepção, cami-nho importantíssimo proposto por Hans Robert Jauss, mas raras vezes adotado no âmbito dos estudos culturais brasi-leiros. Aqui fica sobejamente comprovada a sua funcionali-dade, pois termina oferecendo uma resposta satisfatória ao obscuro, estranho destino da obra de Mário Peixoto quando confrontado à fortuna crítica que assinala o seu itinerário sempre truncado ao longo do tempo. Não se trata apenas

da valoração crítica do texto, pois esta termina operando um corte panorâmico num dado momento histórico. Nunca per-dendo de vista o exame da estrutura formal, André Soares Vieira também não renuncia projetá-la na rede dos relacio-namentos possíveis.

Vem daí também o instigante paralelo que ele sugere em dado momento, vinculando duas e diversas linguagens, a literária e a cinematográfica, que conviviam no projeto cria-dor de Mário Peixoto. Situa-se aí um dos espaços a explorar no campo da literatura comparada. Esta não abrange ape-nas a relação dialógica entre os textos, mas antes inclui o cruzamento de dois sistemas semióticos.

O importante é que ao tratar questões tão complexas atinentes a um texto de alta densidade psicológica, o en-saista conserva a elegância de seu estilo, mantendo-o ob-jetivo e direto, nunca enredando o leitor no cipoal da crítica hermética, verdadeira praga dos discursos acadêmicos. O resultado final é, a meu ver, altamente positivo. André So-ares Vieira quer recuperar um texto decisivo na literatura brasileira. E, por outro lado, nos mostra como é possível ser profundo sem abrir mão da clareza verbal que ilumina novas trilhas. Estas pertencem ao leitor que aí encontrará “o pra-zer do texto”.

Flávio Loureiro Chaves(Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, USP)

IntROdUçãO

Falar sobre as origens de Mário Peixoto já constitui, a priori, uma espécie de enigma. Segundo Saulo Pereira de Mello, o realizador de Limite teria nascido, “com quase toda a certeza”, em Bruxelas, na Bélgica, em 1908. O próprio Má-rio divertia-se em manter certa aura de mistério em torno de seu nascimento. Com dois anos e meio, vem ao Brasil, sendo colega de Octávio de Faria no primário. Em 1926, vai estudar na Inglaterra, mas já no ano seguinte está de volta ao Rio de Janeiro, onde entra em contato com figuras de destaque na época, como Álvaro Moreyra, Manuel Bandeira, Gilka Machado, Portinari, entre outros artistas e escritores modernistas. Em 1929, retorna à Europa em companhia do pai. De volta ao Brasil, realiza seu filme Limite, que é exibido pelo Chaplin Club em 17 de maio de 1931. Em novembro do mesmo ano publica um livro de poemas, Mundéu, e dois anos depois, em edição particular, o romance O inútil de cada um.

Mário Peixoto escritor. Faceta de um artista que, como poucos na história de nossa cultura, moveu-se com extrema habilidade e talento entre o cinema, o romance e a poesia. Exceção feita à Limite, que viria a se transformar no grande mito do cinema nacional, sua produção literária permane-ceu à margem da história da literatura brasileira. Autor de um único filme, Limite (1931), de um livro de poemas, Mun-

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déu (1931)1, e igualmente de um único romance, O inútil de cada um (1933), Mário Peixoto tornou-se, no entanto, objeto de culto para um grupo de intelectuais ligados ao cinema que viam em seu filme uma obra singular.

Com relação à sua produção literária, sobretudo a da fase inicial, poucos tiveram a chance de conhecê-la. Frag-mentado e subjetivo, O inútil de cada um fugia, igualmente, às expectativas de seu público, fundadas, sobretudo, no chamado romance social da década de 30, em que o con-teúdo primava sobre a forma, e essa se mostrava em geral linear e objetiva. Além disso, a produção em prosa de Pei-xoto afastava-se igualmente de uma tendência da geração de 30, representada pelo romance psicológico, tanto nos temas, quanto na forma em que fora concebida.

Quarenta anos após sua primeira edição, em 1933, Mário Peixoto lança uma segunda versão aumentada do ro-mance. Desta vez, a obra foi saudada pela crítica como um grande acontecimento editorial na década de 80. Tratava-se do lançamento do que seria o primeiro volume - Itamar - de uma série de seis obras, reunidas ainda sob o nome de O inútil de cada um. No entanto, o público leitor mais uma vez teve dificuldade em apreciar o que alguns críticos denomina-ram de roman fleuve. De fato, em seu romance, o narrador empreende uma longa dissecação de seus sentimentos, em uma atmosfera nitidamente proustiana, que não espera a adesão do leitor e se desdobra continuamente em planos sucessivos, que novamente serão desdobrados em outros, como em um jogo de espelhos, diluindo-se assim qualquer laço que possa unir obra e leitor, uma vez que o processo de identificação é comprometido. Quando de sua morte, em 1992, a obra de Mário Peixoto era ainda praticamente iné-dita: nem Limite, nem sua obra literária, exceto a segunda versão de seu romance, tiveram distribuição.

1 Consideramos aqui apenas as obras que foram publicadas durante a vida de Mário Peixoto. Em 2002, Saulo Pereira de Mello organizou e publicou a primeira edição de Poemas de permeio com o mar, escritos entre 1933 e 1955. Também foram publicados textos críticos sobre cinema, seis contos e duas peças de teatro pelo Arquivo Mário Peixoto.

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Para Umberto Eco, consumo, sucesso e prazer de lei-tura não representam uma alternativa ao experimentalismo, mas uma alternativa à vanguarda. Assim, todo artista aspira a formar ‘’um futuro leitor particular, capaz de entendê-lo e de saboreá-lo, sinal de que estava orquestrando sua obra como sistema de instruções para um leitor modelo que esti-vesse em condições de compreendê-lo, apreciá-lo e amá-lo” (ECO, 1989, p. 104). Toda obra de arte aspira, portanto, a ser apreciada e entendida pelo sujeito que a recebe. No caso específico de um texto literário, todo artista aspira a ser lido para, assim, proporcionar algum tipo de reação através de sua leitura.

O “sucesso” de uma obra está condicionado, nessa perspectiva, ao fato de dar ao público o que ele espera ou de criar um público que decide esperar o que o livro lhe dá. Em outros termos, para Eco, toda obra ‘pequena’ atende às so-licitações do público que individualizou, ao passo que toda ‘grande’ obra cria as solicitações do público que decide for-mar. Por outro lado, torna-se difícil estabelecer se um texto, quando de seu surgimento, satisfez um leitor já existente ou se criou um novo leitor.

Questionamentos dessa natureza vêm à tona, sobre-tudo, em se tratando de obras que, a exemplo de O inútil de cada um, caíram na obscuridade. Por mais temerário que seja apontar as possíveis causas para o ostracismo a que um texto é relegado, uma análise que pretenda pontuar o modo como uma obra foi recebida em sua época não pode prescindir de estabelecer sua relação com a situação cultu-ral em que a mesma se insere quando de seu surgimento, nem tampouco com as estratégias textuais em sua intera-ção com um horizonte de expectativas.

A presente análise propõe o mapeamento dos meios que permearam o surgimento do romance de Mário Pei-xoto, em sua primeira versão de 1933, e insere-se nesta complexa rede de implicações advindas da relação entre o texto e seu contexto. O objetivo de tal investigação reside na caracterização dos mecanismos sociais e textuais que nortearam o aparecimento da obra, e que teriam determi-

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nado o modo como a mesma foi recebida pelo público de sua época. Busca-se, assim, recuperar o romance de Mário Peixoto no que sua prosa de ficção oferece em termos de ruptura não somente com os modelos dos oitocentos, mas também com alguns avatares modernistas. Para a consecu-ção de tal projeto, levaram-se em consideração dois pressu-postos básicos.

O primeiro diz respeito às condições de produção literá-ria da época, que apontavam, no Brasil, para a formação de uma literatura de cunho social, representada pela geração de 30. Considera-se a forma como o romance de Peixoto, ao inscrever-se na contramão desta tendência, representou uma ruptura nas expectativas do público brasileiro. Para tanto, torna-se mister recorrer aos estudos desenvolvidos pela estética da recepção que, sobretudo na figura de Hans-Robert Jauss, privilegiou o texto inserido em um sistema dialético de questionamentos entre obra e leitor.

O segundo princípio, ao dar conta dos mecanismos que, no próprio texto, revelam uma singular concepção da arte, objetiva demonstrar alguns aspectos do processo de criação em um artista que passeou com extrema desenvol-tura entre o cinema e a literatura. Aqui, privilegia-se a obra em si, da linguagem utilizada pelo autor ao efeito causado no leitor, e que remete tanto a outras formas de expressão (notadamente o cinema), quanto às suas peculiaridades te-máticas e formais.

A escolha dos critérios adotados parte, assim, da tentativa de relacioná-los com o tema que norteia esta pesquisa, já anteriormente definido enquanto recuperação das condições de recepção de um romance relegado ao os-tracismo. Os procedimentos adotados neste estudo podem ser resumidos em duas perspectivas de abordagem. Por um lado, busca-se reconstituir o horizonte de expectativa social sob o qual o romance O inútil de cada um foi produzido e recebido na década de 30; por outro, procede-se à verifica-ção do texto de Mário Peixoto, naquilo que o mesmo oferece enquanto instância artística, no âmbito de suas particulari-dades estéticas. De acordo com esses princípios, o presente

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trabalho indica que a recuperação e legitimação de um texto devem ser concretizadas em sua relação não somente com o momento sociocultural em que surge, mas, igualmente, com a compreensão de suas estratégias narrativas. Da inte-ração entre os dois âmbitos - texto e contexto - será possível tecer algumas hipóteses que podem trazer esclarecimentos sobre o processo de legitimação do romance de Mário Pei-xoto na história de nossa literatura.

Enquanto tributária do método sociológico, a estética da recepção aproxima-se dos estudos da sociologia da lei-tura ou advém desta. O objeto da sociologia da leitura não é representado apenas pelas figuras do autor e da obra, mas, igualmente, pela figura do público. Assim, a sociologia da lei-tura e, pelo menos, uma tendência da estética da recepção, ocupam-se da acolhida coletiva de uma obra, bem como das relações dessa obra com o público leitor (TADIÉ, 1992, p. 184). Daí a importância da reconstituição do horizonte de expectativas em que a obra foi produzida e acolhida. Segundo Hans-Robert Jauss, ao se reconstituir o horizonte sob o qual a obra foi produzida, descortinam-se também as perguntas para as quais o texto constituiu uma resposta e o modo segundo o qual o leitor compreendeu e acolheu a obra (JAUSS, 1994, p. 35).

No que tange à reflexão de caráter poético ou estético, é necessária a aproximação com outra vertente da teoria da recepção, representada sobretudo por Wolfgang Iser, que postula a existência de uma estética do efeito. Tal efeito deve ser analisado em sua relação dialética entre texto, leitor e sua interação. Segundo Iser (1996), ‘’ele é chamado de efeito es-tético porque - apesar de ser motivado pelo texto - requer do leitor atividades imaginativas e perceptivas, a fim de obrigá-lo a diferenciar suas próprias atitudes” (ISER, 1996, p. 16).

1 dOIS hORIzOnteS de expectAtIvAS

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A leitura encontra-se no centro das atenções de Iser, pois é nela que podem ser observados os processos provo-cados pelos textos literários. Durante o ato da leitura, ocorre uma elaboração do texto na consciência do leitor. Portanto, segundo Iser, não é somente no texto, nem na conduta do leitor que se pode “captar” o efeito, pois se trata de “um potencial de efeitos que se atualiza no processo da leitura” (ISER, 1996, p. 15). Ao eleger o texto literário como ponto de partida para a análise do efeito produzido no leitor, Iser abre caminhos para alguns estudos que irão privilegiar aquilo que, no tecido da escritura, constitui o processo de enten-dimento da obra, determinando sua aceitação ou não por parte do público leitor.

Para se obter a resposta à pergunta sobre o modo como uma obra literária foi recebida pelo público, é neces-sário que se efetue a reconstituição do horizonte de expecta-tivas, determinando-se, segundo Jauss, o porquê de a obra ser recebida em uma dada época de um modo e, em outra, de modo diferente. Para Costa Lima,

Deve-se distinguir o horizonte de expectativas intraliterário, implícito na obra, com o qual se en-tende a “pré-compreensão dos gêneros” e a “con-traposição da linguagem poética e prática” e um horizonte de expectativas extraliterário, que é dado pelo mundo vital prático do leitor individual ou dos estratos dos leitores (COSTA LIMA, 1979, p. 50).

Conforme percebeu Nitrini (1997), “da recepção di-ferente de um texto literário por leitores contemporâneos e por leitores historicamente sucessivos se depreende o ‘ potencial de sentido’ da obra” (NITRINI, 1997, p. 171). Tadié (1992), por sua vez, ao analisar a teoria recepcional, afirma que a obra implica a presença de um “horizonte de expecta-tiva literária, função dela mesma, de seu efeito resultante, e um segundo horizonte, social, que tem a ver com o ’código estético’ dos leitores” (TADIÉ, 1992, p. 190). Nesse sentido, a compreensão da obra se inicia pelo primeiro horizonte, o

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texto em si, para, logo a seguir, concretizar essa compreen-são a partir do diálogo que o leitor estabelece com o mundo, conseqüência do grupo social a que pertence.

Como resultado, o leitor poderá assumir uma das se-guintes atitudes perante o texto: a) identificação imediata; b) distanciamento crítico com a conseqüente “descoberta do procedimento artístico” empregado pelo autor; ou c) sim-ples recusa à integração da nova experiência literária à dele. Esses procedimentos advêm da fusão dos dois horizontes de expectativas que pode ser sincrônica, contemporânea à obra, ou diacrônica, ao produzir-se a posteriori.

Do mesmo modo, Eco sublinha que “a obra deve ser examinada em conexão com a enciclopédia da época em que surge”. Assim, continua, “jamais se pode falar de su-cesso como fato sociológico e estatístico sem relacioná-lo com a situação cultural em que a obra surge e sem se veri-ficar no texto as razões da interação entre um horizonte de expectativas e a estratégia textual” (ECO, 1989, p. 106).

Finalmente, três indicadores determinam a proble-mática retórica no processo de legitimação de uma obra: a ideologia predominante no contexto social; o estilo, idéias e imagens inspiradas por seu discurso e a interação ou opo-sição entre discurso da obra e discurso da sociedade onde a mesma surgiu:

Desse confronto retórico pode surgir uma rejeição ou a legitimação ocasionada pela identificação e compatibilidade entre obra, poética individual e discurso social predominante, sendo no espaço de busca de interação que o escritor estrutura e institui o seu texto (GRAWUNDER, 1997).

Em sua obra de ficção, Mário Peixoto reflete tanto a

existência da retórica social, abstraindo a refração institu-cional, quanto a existência de uma retórica individual, poé-tica e subjetiva. Da interação ou confronto dos dois planos, o texto afirma sua peculiaridade, falando aos leitores e à instituição em que se insere.

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No entanto, conforme o que a estética da recepção preconizou acerca da distância entre um produto cultu-ral e o horizonte de expectativa no qual se insere, quanto maior a distância, menos o produto se presta ao consumo de massa. Tal constatação poderia explicar um dos fatores responsáveis pela trajetória da literatura de Mário Peixoto. De fato, percebe-se que o conjunto de sua obra se afasta do horizonte institucional de sua época, tornando-se comer-cialmente inoperante em um momento em que a literatura brasileira passa a privilegiar as mazelas sociais do país, ga-rantia de sucesso de público e crítica.

Para o crítico alemão Arnold Hauser, o século XX co-meça apenas com o término da Primeira Grande Guerra. Em termos econômicos e sociais, o crash da Bolsa americana em 1929 representa um divisor de águas: o mundo começa a perceber as mazelas de uma economia livre e de uma so-ciedade liberal, com a crise do capitalismo e a ameaça de uma revolução. A classe burguesa toma consciência da crise e imagina soluções radicais.

É o momento em que “a intelligentsia promete a si mesma estabelecer um contato direto com as grandes mas-sas populares e redimir-se de seu isolamento na sociedade” (HAUSER, 1995, p. 958). A arte produzida nesse início de século é antiimpressionista em sua essência, o que se ma-nifestará na renúncia a toda e qualquer ilusão de realidade e na expressão geral da vida por meio da deformação cons-ciente dos objetos naturais. Enfatiza-se, agora, o intelecto e não mais a emoção, em uma tentativa de se fugir ao este-ticismo sensual impressionista. Nesse sentido, a arte mo-derna busca novos valores e fontes de inspiração em uma luta contra os meios tradicionais de expressão.

Ainda de acordo com Hauser, o Dadaísmo configurar-se-á, nesse contexto, como protesto contra a sociedade que levou o mundo à guerra. O objeto de ataque preferido por dadaístas são as formas prontas e clichês lingüísticos res-

2 O hORIzOnte de expectAtIvA SOcIAl (cOndIçõeS de pROdUçãO

e de RecepçãO dA lIteRAtURA)

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ponsáveis, segundo eles, pela falsificação do objeto a ser descrito e pela destruição da espontaneidade de expressão. O surrealismo igualmente irá repudiar a arte oficial, apos-tando, para tanto, na arte enquanto veículo de conhecimento irracional e recorrendo ao método psicanalítico de livre as-sociação para atacar a censura racional, moral e estética.

O romance de cunho psicológico vive, ele também, sua maior crise, sendo talvez o fenômeno mais importante dessa época. A partir de Proust, Joyce e Kafka, o acento re-cai “na sumultaneidade dos conteúdos da consciência, na imanência do passado no presente,(...) na impossibilidade de diferençar e definir os meios através dos quais a mente se move” (HAUSER, 1995, p. 970). Prefere-se a descrição de um fluxo de idéias e de associações a simples enumeração dos acontecimentos.

Esboça-se, assim, uma relativização do tempo. Para exprimir o caráter relativo do tempo, concorrem, na narrativa em geral, o “abandono do enredo, a eliminação do prota-gonista, a renúncia à psicologia, o método automático da escrita e, sobretudo, a montagem técnica e a combinação de formas temporais e espaciais do filme”. Esta nova con-cepção do elemento temporal irá encontrar no cinema, mais do que na literatura, sua melhor manifestação.

Ao contrário do que ocorre em outras formas de ex-pressão da arte, como no teatro, por exemplo, em que o temporal e o espacial coexistem separadamente, o cinema relativiza as fronteiras de espaço e de tempo: o espaço tem um caráter quase temporal; o tempo, em certa medida, um caráter espacial. A fonte da nova concepção de tempo está, segundo Hauser, no fascínio pela simultaneidade dos acontecimentos:

A descontinuidade do enredo, (...) a súbita emer-são dos pensamentos e estados de ânimo, a rela-tividade e a inconsistência dos padrões de tempo são o que nos lembra, nas obras de Proust e Joyce, Dos Passos e Woolf, dos cortes, dissolvências e interpolações dos filmes, e é simplesmente magia

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do filme (...) quando Proust coloca dois incidentes, que podem estar a trinta anos de distância um do outro, tão juntos como se houvesse apenas duas horas entre eles (HAUSER, 1995, p. 975-76).

A mistura de espaços através da qual o filme se movi-menta corresponderia, conforme Hauser, à maneira como Proust, por exemplo, une passado e presente, sonhos e especulação por meio dos intervalos de espaço e tempo. Cinema e romance, pois, parecem destinados à interpene-tração de suas linguagens.

Dentro desse princípio, muitos romances não mais serão escritos seguindo uma cronologia linear de aconte-cimentos, mas, conforme é costumeiro na produção de fil-mes, na independência das seqüências. A espacialização do tempo permitirá que a leitura de Ulisses, por exemplo, se inicie onde se queira, sendo suficiente que o leitor disponha de um conhecimento apenas superficial do contexto. Como resultado desse processo, vários escritores verão no cinema uma gama ilimitada de possibilidades e experimentos esté-ticos que influenciarão a linguagem literária. Jeanne-Marie Clerc (1989) constata a esse respeito que, durante os anos 20, existe um entusiasmo crescente por parte de escritores em estabelecer trocas entre o trabalho literário e o trabalho cinematográfico.

De acordo com a autora, com o surgimento do cinema falado, ao final dos anos 20, os meios literários passam a repudiar as possibilidades de influência da arte cinema-tográfica. Nesses meios, a nova forma do cinema perde o prestígio artístico, sendo considerada apenas como um cartel de difusão comercial. Clerc destaca que, após a Se-gunda Grande Guerra, instaura-se uma terceira etapa, em que os antagonismos entre cinema e romance mostram-se ultrapassados através de um novo modo de colaboração en-tre escritores e cineastas. Alain Robbe-Grillet e Marguerite Duras entre os primeiros, e Alain Resnais, entre os últimos, constituem exemplos significativos, não mais da noção de influência, mas de “osmose” original entre os dois meios

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de expressão. Tal reconciliação entre o romance e o cinema exigirá, por outro lado, que os escritores passem a trabalhar também atrás das câmeras, buscando adaptar para a tela textos escritos para serem lidos (CLERC, 1989, p. 266-67). Nessa perspectiva, o romance do século XX será caracte-rizado pela freqüência da representação visual. Trata-se, com efeito, de uma nova sistemática, o que permite verificar nos mais diversos romances a presença de uma visualidade oposta àquela realizada pelo romance realista do século anterior.

No que se refere à análise comparatista entre as duas formas de arte - cinema e literatura -, é necessário determi-nar o que as imagens ditas “modernas” oferecem ao com-paratista. Para Clerc,

En transformant la nature et la fonction du visuel dans notre société et notre culture, les images industrielles semblent avoir des retentissements profonds sur la maniere dont l’homme contempo-rain se situe par rapport au monde et décrit ses relations avec le réel et avec l’imaginaire (CLERC, 1989, p 267).

O cinema carrega consigo uma nova maneira de ver o mundo, o que, de resto, já estava no âmago das tentativas de renovação do romance. Desde a segunda metade do sé-culo XIX, a evolução romanesca apresentava uma crescente depreciação do sistema tradicional de análise, au profit d’une perception immédiate et synthétique du réel, visant à rester fidele à la dynamique du temps vécu (CLERC, 1989, p. 268). Busca-se, assim, uma renovação da linguagem do romance. Flaubert é o exemplo mais importante desta fase.

A história da noção de “influência” do cinema na li-teratura é, portanto, segundo Clerc, a história das relações ambíguas e complexas que uma sociedade mantém com sua linguagem. Assim, o estudo, não da influência em si mesma, mas da idéia que cineastas e romancistas fizeram dela, permite a focalização de um dos aspectos do malaise

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référentiel, que é a chave da evolução das artes de repre-sentação no século XX.

Enquanto prática de representação, a sétima arte significou para muitos, desde seu despontar, uma solução possível para o problema da narração que, ao menos desde o século XVIII, tem no romance seu principal estandarte. O romance, no entanto, no início do século XX, começa a dar sinais de fraqueza e impotência frente a uma sociedade em crise.

2.1 Situação da literatura brasileira na década de 30

A década de 30, no Brasil, é responsável pelo surgi-mento de uma corrente que prega um tipo de arte desin-teressada pelo social, pelo menos do modo como vinha sendo praticada pela ficção regionalista nordestina. Essa tendência da segunda fase do Modernismo brasileiro se di-reciona aos problemas subjetivos e à sondagem psicológica, desviando-se das tentativas de se equacionar os aspectos sociais e políticos vividos pelo país àquela época. Assim, os escritores dessa tendência,

de certo modo, caracterizam uma reação, quer no sentido estético, quer no doutrinário, contra os autores empenhados em denunciar as mazelas da sociedade do tempo e conclamar os leitores para a sua extinção, inclusive por meio da violência (MOI-SÉS, 1989, p. 256).

Alguns escritores dessa corrente tendem para um pro-longamento do espírito que norteou o Grupo Festa e a ficção desengajada de 22. Sua proposta ético-literária apresen-ta-se ambígua: se, na ficção regionalista da década de 30, a forma é anti-modernista, e seu conteúdo, revolucionário, na prosa intimista dessa mesma época, o experimentalismo es-trutural alinha-se com o ideário modernista, sendo conser-

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vadora do ponto de vista ideológico. Assim, a prosa de ficção da década de 30 deve ser vista como bifurcada em duas linhas contrastantes, que constantemente se entrecruzam: uma de cunho social-realista e outra introspectiva.

Para Antonio Candido (1985), a década de 30 no Brasil caracteriza-se por uma intensa fermentação espiritualista. Teremos assim afirmadas várias tendências ideológicas e estéticas que vão desde o romance introspectivo de Corné-lio Penna e Lúcio Cardoso até o romance dramático de Octá-vio de Faria, e que exprimem tanto um inconformismo com o neo-realismo da corrente predominante, quanto com sua interpretação geralmente radical da sociedade (CANDIDO, 1985, p. 135-36).

O nome de Mário Peixoto é citado por Candido e Castello para exemplificar um dos grupos de romancistas oriundos do decênio de 1930, decênio esse responsável por um grande surto do romance, tão brilhante quanto o que se verificou nas duas últimas décadas do século XIX e primeira década do XX. Conforme os dois críticos, ainda que tal grupo apenas em parte tenha dependido da estética modernista, sem ela não teriam tido a chance de se exprimirem. Má-rio Peixoto é incluído no grupo ligado ao ambiente do Rio de Janeiro - ao lado de Barreto Filho, Enéias Ferraz, Lúcia Miguel-Pereira, José Geraldo Vieira e Octávio de Faria - que se alimentou da voga modernista sem radicalismo, o que possibilitou o aproveitamento criativo das lições do passado, com um espírito novo:

São escritores extremamente civilizados, situados numa posição moderna, aproveitando a tradição de análise psicológica e social herdada do século XIX, alguns deles com nítida inquietação meta-física e o senso dramático dos problemas do ho-mem. Além do mais, mantêm no estilo um corte de equilíbrio e certa fidelidade aos padrões de apuro lingüístico (salvo Otávio de Faria), o que reforça a idéia de que são atuais sem revolução (CANDIDO; CASTELLO, 1981, p. 26).

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O Modernismo terá, assim, seus frutos amadurecidos entre 1930 e 40, época em que se fundirão várias tendên-cias e correntes como a libertação do academismo, dos re-calques históricos, do oficialismo literário, e também as ten-dências de reforma social. Passados os primeiros anos da agitação modernista, quando o choque era essencial para desmantelar as velhas estruturas caducas da arte, o decê-nio de 30 concorrerá para a ascensão de duas tendências díspares em suas preocupações e abordagens: o romance de 30, de inspiração neo-naturalista e popular, visando aos dramas sociais próprios do país, e o romance dito “subjetivo ou introspectivo”, em que a ênfase desloca-se do social para o individual.

No primeiro tipo de ro mance é freqüente a prepon-derância do problema social sobre a personagem, deter-minando o caráter de movimento dessa fase do romance enquanto pesquisa social e humana. No segundo caso, a problemática das personagens readquire seu lugar de honra na obra literária, ainda que o histórico e o social determinem suas ações.

Alfredo Bosi (1987), por sua vez, assinala, com rela-ção ao romance psicológico, um renovado convite à intros-pecção operando-se no esteio da psicanálise: “difunde-se o gosto da análise psíquica, da notação moral, já agora radicada no mal-estar que pesava sobre o mundo de entre-guerras” (BOSI, 1987, p. 439). Bosi propõe ainda quatro ten-dências do moderno romance brasileiro a partir da década de 30, de acordo com o grau de tensão entre o “herói” e o seu mundo. Desta maneira, no romance de tensão mínima, o conflito configura-se em termos de oposição verbal ou sentimental, como ocorre em Clarissa e Música ao longe de Érico Veríssimo.

No romance de tensão crítica, “o herói opõe-se e resiste agonicamente às pressões da natureza e do meio social”: é o caso de Usina e Fogo morto, de José Lins do Rego, e de toda obra de Graciliano Ramos. Já no romance de tensão interiorizada, o herói prefere evadir-se na subjeti-

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vidade a ter que enfrentar o conflito entre seu eu e o mundo. Exemplificam essa tendência, segundo Bosi, os romances psicológicos de Octávio de Faria, Lúcio Cardoso, Cornélio Penna, Cyro dos Anjos, Lígia Fagundes Telles, entre outros.

Finalmente, no romance de tensão transfigurada, o he-rói busca resolver seu conflito existencial através da trans-mutação mítica ou metafísica da realidade, o que “força os limites do gênero romance e toca a poesia e a tragédia” (BOSI, 1987, p. 442). Como exemplo desse tipo de romance, Bosi (1987) apresenta as experiências de Guimarães Rosa e Clarice Lispector.

A prosa de Mário Peixoto estaria incluída na catego-ria dos romances de tensão interiorizada. Nesse tipo de romance, segundo Bosi, sobem ao primeiro plano os con-teúdos da consciência, “nos seus vários momentos de me-mória, fantasia ou reflexão, (...) e desloca-se o eixo da trama do tempo objetivo ou cronológico para a duração psíquica do sujeito” (BOSI, 1987, p. 443). Assim, tal como o fazem Proust, Faulkner, Mauriac, Mansfield e Virgínia Woolf, os escritores dessa tendência optam pelo narrar em primeira pessoa.

Para Wilson Martins (1978), O inútil de cada um inicia, ao lado de obras como Sob o olhar malicioso dos trópicos, de Barreto Filho; O Anjo, de Jorge de Lima e A Sucessora, de Carolina Nabuco, entre outras, a linhagem do romance psi-cológico e introspectivo, “muito mais vigoroso e persistente na década de 30, diga-se desde logo, do que à primeira vista poderíamos pensar” (MARTINS, 1978, p. 28-29). Por tênue e incipiente que fosse a respectiva psicologia nesses roman-ces, continua Martins, é evidente, em tais obras, o desejo de querer resistir ao avanço da chamada literatura realista e populista dos anos 30.

Com efeito, a tendência psicológica da literatura propõe-se a abordar aspectos da condição humana de modo subjetivo, sem a preocupação de problematizar o social, tal como se verifica em textos de José Lins do Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiroz e Amando Fontes. Desse modo, as tensões sentidas pela Europa, em função do contexto

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sócio-político-cultural, repercutem em nosso meio, de forma ponde rada, e não mais como simples transposição, como ocorreu durante a primeira fase modernista. A literatura, então, incorpora tanto aspectos sociais quanto tópicos indi-viduais, o que por si só já caracteriza a década de 30 como fase contraditória, em que esteticismo e ideologia convivem lado a lado com as reações espiritualistas e psicológicas.

2.2 A recepção de O inútil de cada um pela crítica Segundo a nota de Saulo Pereira de Mello à segunda

edição de O inútil de cada um, o romance de Mário Peixoto não obteve circulação porque seu pai teria comprado e quei-mado toda a edição, por não gostar da maneira pela qual seu filho o apresentava no livro. Desta primeira edição, no entanto, alguns exemplares foram adquiridos ou doados pelo próprio autor. Oficialmente, sabe-se que Octávio de Faria, Lúcia Miguel Pereira e Wilson Martins tiveram a opor-tunidade de ler a obra.

A situação de Mundéu, publicado dois anos antes do romance, não é muito diferente. O livro de poemas recebeu críticas de Mário de Andrade, Pedro Dantas, Manuel Ban-deira e Octávio de Faria. Ainda conforme Saulo Pereira de Mello, Mário Peixoto desgostou-se da obra, achando-a “por demais construída”, e não se interessou em fazê-la circular, ainda que tenha sido recebida de forma favorável por parte de seus críticos.

Não podemos, no entanto, esquecer que os mecanis-mos responsáveis pela difusão de uma obra, notadamente a crítica literária, desempenharam importante papel para que tal não ocorresse. Ainda que a circulação do romance de Peixoto tenha sido restrita, o aparelho responsável por sua difusão iniciou seu crivo no seio da própria família do autor. Ao ser reprovado pelo pai e por amigos “conselheiros”, como Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schimidt, O inútil de cada um encontrou o primeiro obstáculo para sua circula-ção. É evidente, nesse sentido, a importância que o autor

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dedicava a esses primeiros leitores, fruto, talvez, da inse-gurança característica de um jovem escritor. Em uma nota introdutória à edição aumentada de 1984, o próprio Mário Peixoto refere-se a esse episódio:

Remoto: - Os prováveis lugares dos capítulos cor-tados em 1935 e novamente encontrados num casual achado na ilha prendem-se, continuada-mente ainda, ao livro [...] que foi publicado então naquela data, e assim truncado pelos seus edi-tores (Augusto Frederico Schimidt) e conselheiros (Manuel Bandeira e meu pai) que recearam motivo de “reprovação” e assim de comum acordo agiram com aquela intenção “da época”. Voltando a obra a ser integrada 41 anos após [...] leva a possível vantagem de renascer à luz do dia, com outras possibilidades de seu sentido de integral liber-dade, dentro do que se convencionou ser – arte (PEIXOTO, 1984, p. 16).

A leitura desta nota oferece alguns subsídios impor-tantes para a compreensão do modo como o romance foi recebido em sua edição primeira. Assim, a nota funciona quase como um “desabafo” do autor, agora dotado de uma maturidade capaz de melhor vislumbrar os acontecimentos do passado. Em segundo lugar, é particularmente interes-sante perceber a maneira original de que o autor se vale para apresentar os capítulos cortados em 1935 e nova-mente reintegrados à nova edição: trata-se de um recurso da ficção em que o autor atribui a escrita da obra a outrem. Tal procedimento não é novo na história da literatura: muitos autores valeram-se de tal recurso ao alegarem haver encon-trado um diário ou um manuscrito perdido, por exemplo.

Tolhido do pleno exercício de sua liberdade artística, algo decorrente das inovações que seu texto apresentava com relação à forma, Mário Peixoto sucumbe às pressões de seus editores e conselheiros. Tal fato pode explicar a sua falta de interesse em fazer a obra circular, o que só irá acontecer novamente 50 anos depois da primeira edição

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“censurada”, quando do lançamento de Itamar, primeiro de uma série de seis volumes também intitulado O inútil de cada um.

Outro documento importante que revela o primeiro crivo censor a que a primeira edição de O inútil de cada um foi submetida está representado pelas anotações e corre-ções feitas por Octávio de Faria. Avesso à economia lingü-ística de Mário Peixoto – traço, aliás, característico de seu estilo telegráfico e fragmentado - Octávio de Faria opta pelo emprego da frase verbal e explicativa. Para efeito de análise, compare-se a versão original de Peixoto com a outra versão repleta de correções sugeridas por Faria:

Versão original de Mário Peixoto:

Tudo em equilíbrio — beco, lampião, botequim. Parede fóssil, com contas de multiplicar e no-mes... a carvão. O beco — “Cavalgada dos paralelepípedos”.

— Não compro o Uru, já disse!— Não tem outro no mercado, freguês!— …Caro p’rá chuchu!…bicho da terra…vergonha!— Fica por vinte, taí.Esperei no carro. A atenção, mal à toa, já para o botequim de novo. — …ahn.

Versão com as correções sugeridas por Octávio de Faria:

Tudo estava em equilíbrio — o beco, o lampião, o botequim. Parede fóssil, com contas de multiplicar e nom es a carvão. O beco assemelhava-se a uma cavalgada de paralelepípedos. Do carro, onde eu estava, teimei:

— Não compro o Uru, já disse!— Não tem outro no mercado, freguês!— …Caro p’rá chuchu!…bicho da terra… vergonha!

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— Fica por vinte, taí — e recuou, vacilante, a ave na mão.Continuei sentado, esperando. A atenção, à toa, voltou-se para o botequim de novo. E de lá vinham continuamente as vozes:

— …ahn.2

Torna-se evidente a diferença dos dois estilos aqui confrontados. A frase de Peixoto prima, conforme já exposto, pela economia e pela rapidez, como podemos perceber já no primeiro parágrafo, destituído de predicação verbal. Tal procedimento, típico de Peixoto, aproxima-se tanto da lingua-gem poética, que se caracteriza também pela subjetividade, pelo “sugerir”, muito mais do que pelo “contar”, quanto da linguagem do roteiro cinematográfico: direta, objetiva, fun-cionando quase como um “guia” de indicações a serem seguidas pelo diretor no momento da filmagem. Na edição ampliada do romance, publicada em 1984, as modificações sugeridas por Octávio de Faria estarão presentes. Os capí-tulos “cortados” pelos conselheiros, entretanto, lá estarão, conforme atesta a nota introdutória do autor.

Se retomarmos as idéias de Jauss, para quem a re-cepção de uma obra literária se inicia através do horizonte de expectativa de seu primeiro público, para então relacio-nar-se com a posição crítica do público receptor posterior, teremos resgatado algumas peculiaridades do processo de legitimação do romance de Mário Peixoto.

Assim, a análise das críticas produzidas pelos poucos leitores do romance, a grosso modo insípidas e superficiais, bem como das sugestões de seus editores e conselheiros, demonstram o papel desempenhado por instâncias inves-tidas do “poder” de legislar sobre o fazer artístico canoni-zado. Curioso notar que tais críticas partiram de segmentos em princípio opostos: de um lado oriundas de escritores de tradição católica, conservadora e avessa às inovações mo-

2 Grifo meu, indicando as modificações e acréscimos sugeridos por Octávio de Faria.

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dernistas, como Octávio de Faria e, por outro, de escritores e poetas engajados na causa modernista de ruptura com os moldes obsoletos e canônicos de escritura, como Manuel Bandeira, por exemplo.

Tal constatação nos leva a confirmar a teoria desen-volvida por João Alexandre Barbosa, para quem há de se diferenciar entre artistas modernos e artistas modernistas. Mário Peixoto, muito mais do que um artista modernista, configura-se como um verdadeiro artista moderno, preocu-pado em fixar um caráter diferenciador em nossa cultura através de procedimentos artísticos que irão de encontro às obsoletas e arcaicas normas do “bem escrever”. Para tanto, irá se valer, em seu fazer literário, daquilo que mais conhece: a linguagem subjetiva e fragmentada que caracte-riza seu cinema.

Em sua visão singular do processo de criação artística, encontraremos, no cinema e na literatura, a mesma preo-cupação em se fazer entender de forma lacunar e indireta, através do uso de imagens que significam por elas mesmas e por meio de frases adjetivadas. Mais uma vez, cabe ao leitor a tarefa de construir a significação segundo os dados que o texto oferece.

Publicado em 1933, O inútil de cada um foi objeto de um artigo de Octávio de Faria, no Boletim de Ariel, em 1934, e de uma referência de Lúcia Miguel Pereira, em sua coluna Livros, da Gazeta de Notícias, em 1935, não sendo, no en-tanto, analisado por nenhum dos dois críticos. Uma das ra-ras referências ao romance de Mário Peixoto encontra-se na História da inteligência brasileira, de Wilson Martins. A título de ilustração do papel desempenhado pela crítica quando do lançamento da obra, cumpre verificar em que medida o romance de Mário Peixoto foi saudado pela crítica, não sem antes traçar um breve esboço das condições sob as quais esta era produzida.

As críticas ao romance de Peixoto, com efeito - exceção talvez feita à de Wilson Martins - mostram-se ora superfi-ciais, ora ideologicamente direcionadas a uma causa outra, fazendo da obra um mero pretexto ou exemplo de algum po-

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sicionamento. O artigo de Lúcia Miguel Pereira, por exemplo, foi publicado na Gazeta de Notícias de 10 de março de 1935, em sua coluna Livros. Para a crítica, O inutil de cada um, de Mário Peixoto, marca, ao lado de Sob o olhar malicioso dos trópicos, de Barreto Filho, uma tendência da chamada “literatura confidencial”. Em seu longo artigo, Lúcia Miguel Pereira critica o último livro de Henri Massis3, Débats, ponto de partida para a discussão.

Massis refere-se à “literatura confidencial”, quando, segundo a autora, deveria classificá-la de “literatura interio-rizada”, ou seja, aquelas obras que, indo contra o ideário de arte pela arte, perseguem o individual, explorando os processos mentais, “para o que se chama o aprofunda-mento da representação psicológica.” Trata-se, segundo Miguel Pereira, “de uma literatura dedicada às paisagens interiores, a tudo que domina e fermenta dentro do homem, a tudo que existe em embrião sem lograr se exteriorizar em atos.” Para Massis, tal literatura caracteriza-se como fuga ao real. Miguel Pereira rebate as idéias do crítico francês afirmando que Massis confere à palavra real apenas uma significação sensorial e imediata, pois “uma ação só pode ser considerada mais real do que um sentimento por ser mais palpável.”

Nesse sentido, o real, compreendido apenas como re-alidade empírica, é muitas vezes uma negação da realidade integral. “Tudo o que pode ser pensado adere ao que não pode ser pensado”. A literatura introspectiva, nesse sentido, leva suas pesquisas às mais obscuras regiões do coração humano, o que, segundo Massis, representa um “perigo para o indivíduo, levando-o à uma introspecção mórbida”.

Essa morbidez, entretanto, argumenta Miguel Pe-reira, origina-se justamente da inquietação do ser humano perante a essência das coisas e, portanto, perante a sua realidade profunda: para além dos atos, busca as intenções;

3 Henri Massis. Crítico e pensador francês. Destacou-se como um dos de-fensores da chamada “Ação francesa”: doutrina de caráter nacionalista, inspirada no positivismo de Augusto Comte e de Taine, com tendências anti-semitas.

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para além das palavras, busca os instintos.A autora encerra seu artigo chamando a atenção para

dois escritores que lograram fazer parte da aludida tendên-cia introspectiva no Brasil: Barreto Filho e Mário Peixoto, com seu O inútil de cada um. Segundo a crítica, percebe-se em ambos a dolorosa fragmentação do homem moderno. Assim, Mário Peixoto enquadra-se naquilo que Lúcia Miguel Pereira denomina literatura confidencial. Atribui a impopu-laridade dos dois autores, “que se embrenharam pelos me-andros caprichosos da alma humana”, às condições de re-cepção do público brasileiro, uma vez que, no Brasil, “muito mais do que na França, pensa-se que a função da literatura é ‘distrair’ os leitores pacatos.”

Nenhuma das duas obras citadas é analisada pela autora, o que se deve, segundo ela, ao fato de não tê-las à mão, pois não se encontrava no Rio de Janeiro quando da redação do artigo em questão. Justifica-se, no entanto, afirmando não ser possível falar de literatura confidencial sem assinalar os nomes dos dois autores.

Já para Wilson Martins, O inútil de cada um pode ser considerado o romance mais original e moderno de 1933 no tema e na técnica, revelando pontos de contato com o filme Limite. Ao contrário de Octávio de Faria e de Lúcia Miguel Pereira, Wilson Martins esboça, em sua crítica, uma breve análise do romance, que apresentaria um caráter nitida-mente psicanalítico,

inclusive nas derivações laterais: assim, o protago-nista encara o seu amigo Cássio com evidente hos-tilidade, chamando-o insistentemente de “órfão”, o que era a forma desviada de invejá-lo por não ter pai (MARTINS, 1978, p 29).

O crítico aponta a presença, no livro, de temas delica-dos como o incesto. Esse será, segundo ele, o tema do ro-mance: o amor incestuoso que o narrador nutre pela mãe, já então separada do marido. No que respeita à forma, Martins sustenta que o romance é “algo confuso e obscuro, escrito

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na técnica do impressionismo cinematográfico”. Alude, tam-bém, ao título da obra que, segundo ele, decorre da referên-cia que faz o protagonista a um romance lido no passado.

É em novembro de 1934 que o segundo número do Boletim de Ariel publicava um artigo denominado O inútil de cada um, referindo-se ao lançamento, em 1933, da obra de mesmo nome. Seu autor é o ainda pouco conhecido escritor Octávio de Faria4, que inicia sua resenha apresentando os dois grandes romances que o ano de 1933 dera à literatura brasileira: Os Corumbas, de Amando Fontes, e O inútil de cada um, de Mário Peixoto (FARIA, 1996, p. 9). Para Faria, dos dois romances, apenas o primeiro obteve consagração e aplausos junto à crítica da época. O artigo carrega consigo não pouca dose de ironia e desprezo à crítica que consagrou Amando Fontes, em detrimento de Mário Peixoto. Anota que nosso meio literário preferiu insistir nos elogios à chamada “nova descoberta da sensação”: o romance proletário, para ele “um disparate de importação recente”.

O autor não se detém nas possíveis causas que teriam determinado o silêncio da crítica perante a obra de Mário Peixoto. A referência, entretanto, ao romance proletário, aponta para os escritores da geração de 30, contra os quais Octávio de Faria dirige suas críticas. Tal atitude provém do fato de o autor da Tragédia Burguesa filiar-se à tendência introspectiva e católica da década de 30, que preconizava, segundo Massaud Moisés, “um conceito de arte desinteres-sada, ou engajada em direção oposta à ideologia revolucio-nária ostensiva ou subjacente na obra dum Jorge Amado ou dum Amando Fontes”.

Assim, ao contrário dos adeptos do romance social e doutrinário, representados, sobretudo, pela escola regional-nordestina, Octávio de Faria, em sua produção ficcional, inclina-se mais para o equacionamento dos problemas sub-

4 Octávio de Faria (1908 - 1980). Escritor brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, amigo e colega de Mário Peixoto nos tempos de colégio. Autor de Mundos mortos, primeiro de uma série de treze volumes, sob o título de Tragédia burguesa. Sua extensa obra retrata a decadência da burguesia brasileira no início de século passado.

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jetivos que daqueles da coletividade, preferindo a sondagem intimista à descrição da realidade social. A esse respeito, João Luiz Lafetá sublinhou, entretanto, o descompasso exis-tente entre o projeto ideológico do crítico e o projeto estético do escritor.

Com relação às peculiaridades de O inútil de cada um, Faria afirma que

O livro do Sr. Mário Peixoto é um dos romances mais difíceis, mais trabalhados que se têm publi-cados entre nós. Não conhecemos nenhum outro mesmo que leve mais a sério as exigências do ver-dadeiro romance - no sentido em que os franceses e os ingleses escrevem romances, - no único sen-tido aliás em que é possível escrever romances, mesmo no Brasil...(FARIA, 1996, p. 11).

O “verdadeiro romance” a que se refere o crítico é uma constante em seus artigos publicados no Boletim de Ariel, sem que, no entanto, esclareça a contento a essência de tal romance. Todo o artigo centra seu ataque, portanto, no romance regional de 30. Nesse sentido, a obra de Mário Peixoto parece servir de pretexto para que Faria concretize seu objetivo maior: demonstrar sua repulsa pelo romance ideologizado da década de 30.

Para que se possa melhor entender a posição crítica de Octávio de Faria, cumpre verificar algumas peculiarida-des dos pontos de vista por ele adotados. Radical, polêmica e muitas vezes contestada, a teoria crítica de Octávio de Fa-ria sobre o romance acabou contribuindo de maneira nega-tiva para a recepção do romance de Mário Peixoto, uma vez que o nome desse último passou a ser associado à figura do crítico.

É no Boletim de Ariel que Octávio deixa registrada a maior parte de suas críticas e resenhas sobre os romances que então surgiam. Para João Luiz Lafetá (2000), suas críti-cas giram normalmente em torno de três pontos básicos: a tentativa de definição do romance, a acusação constante ao

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romance de cunho político, segundo ele incompatível com a própria essência do gênero e, finalmente, o desprezo pelo movimento modernista, visto por ele como desvio da verda-deira literatura.

Na medida em que vão surgindo os novos romances da época, os artigos de Faria no Boletim de Ariel primam por uma obsessão com o conceito de “romance”, também presente no artigo dedicado a O inútil de cada um, e que irá culminar em uma verdadeira campanha contra a ficção documentária dos escritores nordestinos. O crítico tenta, assim, construir uma teoria daquilo que seria para ele o ver-dadeiro “romance”. Em sua “guerra” contra o romance nor-destino, Faria lança mao de termos vagos como “narração perfeita” e “romance imperfeito” sem, no entanto, precisar no que consistem objetivamente:

As afirmações são jogadas dessa maneira, pressu-pondo uma definição nítida do gênero que, no en-tanto, não aparece. Conclui-se apenas que a forma romanesca deve transcender a mera narração dos fatos; o modo pelo qual se obterá essa transcen-dência, entretanto, não é explicado senão mais tarde, já em pleno vigor do chamado “romance documentário” (LAFETÁ, 2000, p. 231).

A distinção que Octávio de Faria estabelece entre o

que ele chama de “narração” e “romance”, acusando diver-sos escritores de apenas fazerem “narrações” – é o caso, segundo ele, de Saint-Exupéry -, parece se aproximar da divisão sugerida por Norman Friedman quanto ao showing (a ênfase na cena, característica da ficção moderna) e ao telling (a ênfase na sumarização narrativa onisciente). A tra-gédia burguesa, o romance cíclico de Faria, apresenta-se, como percebeu Lafetá, como um grande sumário narrativo, cobrindo extensos períodos de tempo. A tão pretendida e alardeada “objetividade” defendida em seus ensaios críticos vem abaixo em um texto com verbos no mais-que-perfeito, mediado por um narrador que se julga alheio aos fatos, mas

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que em verdade apenas aumenta a distância entre o leitor e a matéria narrada. Em suas críticas, Octávio de Faria dá a entender que o “verdadeiro romance” deve transcender a pura “narração” dos fatos. A técnica empregada em sua obra literária, entretanto, contradiz sua teoria, e Lafetá já mostrou isso de forma magistral, demonstrando o contraste entre os projetos crítico e estético.

Em 1933, ano da publicação de O inútil de cada um, também são publicados Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade; Cacau, de Jorge Amado e Os Corumbas, de Amando Fontes. O artigo de Octávio de Faria, publicado um ano depois, coloca o romance de Mário Peixoto em oposição ao de Amando Fontes, destacando novamente as qualida-des do “verdadeiro romance”, dentre as quais a preocupa-ção com a psicologia das personagens. Amando Fontes, aqui representando os autores da geração de 30, é acusado de simplificar a forma do romance, fazendo apenas “narração” dos fatos. A verdadeira “missão” do romancista sendo a de “dar o testemunho do homem” só poderia ser encontrada “no sentido em que os franceses e os ingleses escrevem romances.” Para ele, Mário Peixoto seria este romancista, usado em seu artigo para melhor exemplificar suas teorias e melhor centrar seus ataques violentos contra o romance de cunho social.

A recepção de O inútil de cada um, sobretudo na crí-tica de Octávio de Faria, parece confirmar a hipótese de que o livro de Mário Peixoto acabou sendo associado à figura e às teorias polêmicas do crítico/escritor que o defendia. Com efeito, Faria é visto por muitos, como é o caso de Álvaro Lins, como propagador de idéias desumanas e fascistas. Não esqueçamos, igualmente, da posição declaradamente anti-modernista de Faria ao atacar as vanguardas, responsáveis, segundo ele, pela aniquilação das idéias passadistas. Seu ideal de romance, proclamado nas páginas do Boletim de Ariel e posto em prática na Tragédia burguesa, precisa do aval das obras que surgem em seu tempo – Sob o olhar malicioso dos trópicos, de Barreto Filho; A mulher que fugiu de Sodoma, de José Geraldo Vieira; Salgueiro, de Lucio Car-

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doso e O inútil de cada um, de Peixoto – para confirmar suas teorias e atacar a corrente nordestina engajada. Para Oc-távio de Faria, tais obras confirmariam suas teorias acerca do “verdadeiro romance”, apresentando-os como possibili-dades criativas de se ir contra o romance de cunho social e proletário.

Nesse sentido, suas críticas dedicadas aos novos romancistas se mostram como ponto de apoio para o de-senvolvimento de um campo literário específico. O que ele não percebe é sobretudo o fato de que sem o aval dos experimentos modernistas iniciados em 22, nenhum dos escritores por ele repertoriados, incluindo Mário Peixoto, teria a chance de ousar esteticamente. Cumpre lembrar que Mundéu, publicado dois anos antes de O inútil de cada um, mereceu críticas extremamente favoráveis de Manuel Ban-deira e de Mário de Andrade. Esse último chega a declarar em um artigo intitulado A respeito de Mundéu que o livro de poemas de Mário Peixoto é a melhor revelação de poesia de 1931.5

Para um escritor e crítico como Mário de Andrade, sempre atento aos novos poetas que surgiam, a referência positiva a Mundéu evidencia o caráter modernista da obra. Interessante observar que suas impressões sagazes sobre os poemas de Peixoto parecem dar conta do itinerário poé-tico do autor que seria confirmado em O inútil de cada um. Ao perceber dois elementos líricos principais – a terra e o mistério - a nortearem a criação do poeta, Mário de Andrade capta com extremada acuidade o processo estético desen-volvido pelo realizador de Limite:

Utilizando quer nos poemas nascidos da terra flu-minense, quer nos que lhe vêm livremente do ser individual, urbano e civilizado, o mesmo jeito can-cioneiro, a mesma rapidez dos metros curtos, [...] essa unidade se justifica pela força convincente da expressão, por uma necessidade essencial de su-blimar em poesia tendências íntimas ou sensações

5 Publicado na Revista Nova, São Paulo, em 15 de dezembro de 1931.

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determinadas. [...] Os poemas, digamos legítimos, de Mário Peixoto, se caracterizam especialmente pela rapidez. Se tem a impressão do jato violento, golfadas irreprimíveis. São poemas que nascem feitos, explosões duma unidade às vezes exce-lente, em que o movimento plástico das noções e das imagens é incomparável dentro de nossa poesia contemporânea. [...] A elasticidade de sua dicção, a naturalidade com que escapa da análise gramatical e das convenções sintáticas é deveras notável (ANDRADE, 1997, p. 10-11).

Com efeito, os traços apontados podem ser estendi-dos ao fazer poético de Peixoto, seja na lírica, na prosa ou no cinema. A distinção entre a terra e o mistério também será uma constante em O inútil de cada um, ao alternar o uso de elementos ligados à terra brasileira com um cosmopolitismo de homem culto. Rápido, econômico, elástico, todos os atri-butos “corrigidos” por Octávio de Faria, Mário Peixoto é o ar-tista moderno por excelência. Ao contrário do que percebeu o autor de Mundos mortos, o itinerário poético de Peixoto, ainda que diferindo do romance nordestino, não se afasta dos ideais preconizados desde a Semana de 22, antes os confirma e abre caminho para a ficção introspectiva pós-45. Escritores como José Geraldo Vieira e Clarice Lispector se-riam, nessa perspectiva, tributários do projeto iniciado por Mário Peixoto.

No que diz respeito ao aspecto que privilegia o texto em suas manifestações particulares e inovadoras, caberá investigar, neste capítulo, o modo segundo o qual o romance de Mário Peixoto articula-se com o ideário literário de sua época. A análise em curso focaliza, nesse sentido, os ele-mentos de ruptura com os modelos dos oitocentos, apon-tando para a criação de uma estética que subverte os con-ceitos de busca da diferença e construção da identidade na literatura. Do mesmo modo, caberá esclarecer as relações que se estabelecem entre os textos literário e cinematográ-fico de Mário Peixoto e que influenciam a composição de O inútil de cada um. Finalmente, cumpre tecer algumas con-siderações a respeito do processo criador de Mário Peixoto como um todo que reflete um percurso iniciático do autor, por intermédio de sua visão particular do mundo.

Cumpre, para tanto, apresentar o romance. O inútil de cada um inicia-se com a compra de um pássaro - uru - pelo narrador. Esse será oferecido à Lia, amiga de infância. Por intermédio da memória, volta-se ao tempo em que o nar-rador reencontra sua mãe, por quem nutre uma profunda admiração, após um período de 10 anos. As lembranças do passado se sucedem de forma desordenada: as viagens com um grupo de amigos pelo interior do Brasil, o carnaval na fazenda da Bocaina e, finalmente, a morte por pneumonia

3 O hORIzOnte de expectAtIvA lIteRÁRIO (efeItO e técnIcA nO ROMAnce)

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de Adriana, sua mãe. Do mesmo modo, voltam as imagens da infância, a relação sádica do narrador com seu primo Cássio, a vida nas fazendas de café no interior do Estado do Rio de Janeiro.

A segunda parte do romance privilegia o tempo presente, sobretudo nos encontros com Lia, com quem o narrador descobre pontos a uni-los no que respeita à sua visão niilista da vida. O passado volta agora de maneira es-porádica, como que interpretando as lembranças. É o caso, por exemplo, da constatação de que Adriana mantinha um romance com César, amigo do narrador. Ao final da obra, esse mesmo narrador isola-se do mundo, perdido em suas memórias e refletindo sobre a condição humana.

3.1 Mário peixoto artista moderno

A análise de uma obra literária leva em conta os ele-mentos do texto que se aproximam daqueles adotados por uma escola ou tendência determinada na série evolutiva da história da literatura. Quando tal fenômeno se concretiza, público e crítica dão-se por satisfeitos ao verem a obra in-serida em um movimento literário, o que significa dizer que o texto responde às expectativas dos leitores. No entanto, pode ocorrer um fenômeno distinto, quando do surgimento de uma nova obra. Tal fato se opera no momento em que a crítica enfrenta dificuldades para inseri-la em um sistema comum de valores aceitos. Nessa perspectiva, o novo sem-pre causa algum embaraço naqueles que o recebem.

Ainda que tenha despontado em um momento de con-solidação do Modernismo brasileiro, carregando, com efeito, muitos elementos caros à estética da ruptura radical com as normas do “bem escrever”, O inútil de cada um, em sua essência, vai além de tais pressupostos, ao apresentar uma nova visão do processo criador.

Em seu ensaio A modernidade do romance, João Ale-xandre Barbosa questiona em que medida é possível carac-terizar o chamado Modernismo na literatura brasileira como moderno, ou seja, enquanto instância instauradora de uma

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ruptura com relação ao modelo literário oitocentista. Para o autor,

moderno indicia um fenômeno de bases uni-versais, apontando para tudo o que significou problematização de valores literários no amplo movimento das idéias pós-românticas, ao passo que Modernismo, ao se confundir com a idéia de vanguarda, já aponta para a retomada, num nível de intervenção cultural, dos desdobramentos do primeiro (moderno) (BARBOSA, 1982, p. 21-22).

Portanto, trata-se de um termo que designa, a partir da segunda metade do século XIX, aqueles autores que deixaram entrever alguns dos elementos que serviriam como caracterizadores de uma postura literária moderna. Dentre esses índices de caracterização, destaca-se o modo de articulação entre literatura e realidade, ou ainda, a ma-neira segundo a qual tal realidade é colocada em xeque. Para Barbosa, trata-se de uma “espécie de desarticulação percebida no nível de construção do texto como resultado das relações entre indivíduo e história”. Nessa perspectiva, moderno é aquele autor ou texto que leva para o princípio de composição e expressão um descompasso entre a reali-dade e a sua representação, o que determina uma série de reformulações e rupturas com os modelos dos oitocentos. O que está, agora, em jogo é não mais a realidade como matéria da literatura, mas o modo de articulá-la no espaço da linguagem.

Ao pôr em questão as noções de realidade e sua re-presentação, e ao introduzir em seus textos estruturas en abîme, instaurando, assim, a tensão no próprio tecido da composição, e não fora dela, o artista configura-se, con-forme Barbosa, como moderno. Claro está, portanto, que não existe uma vinculação necessária entre modernistas e modernos:

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São Modernos aqueles Modernistas que criaram as condições indispensáveis para uma reflexão acerca das relações entre realidade e representa-ção, abrindo o espaço para uma outra e fundamen-tal passagem, qual seja, a da reflexão a propósito do próprio sistema articulatório em que se fundam as duas noções de base (BARBOSA, 1982, p. 23).

Em termos de literatura brasileira, encontraremos primeiramente em Machado de Assis este descompasso permanente entre escritor e realidade ao nível da enun-ciação. Por isso, Machado, já em fins do século XIX, pode ser considerado nosso primeiro autor moderno, segundo Barbosa. Mais tarde, a partir da Semana de 22, destaca-se, principalmente, a figura de Oswald de Andrade, sobretudo em suas primeiras obras: Memórias Sentimentais de João Miramar e Os Condenados. Muito mais do que Mário de Andrade que, sob alguns aspectos, poderia ser visto como um artista de tese, preocupado em fixar um caráter brasi-leiro através de suas composições, Oswald de Andrade, ao articular com maestria o descompasso entre a realidade e sua representação na narrativa, apresenta-se como um dos grandes autores modernos do nosso Modernismo.

Nesse sentido, a modernidade do romance de Mário Peixoto traduz-se, principalmente, no modo como realidade e representação estão articuladas. A exemplo de Limite, em que uma imagem gera o tema do filme, temos no romance o mesmo tipo de recurso tomado de empréstimo à linguagem do filme: uma frase, uma imagem ou um objeto desenca-deiam toda uma série de lembranças e outras imagens. É o que encontramos já no terceiro capítulo de O inútil de cada um, em que a visão de uma cigarreira desencadeia a lembrança de um encontro com Adriana, mãe do narrador, quando este retorna da Europa, onde estivera por dez anos:

— É antiga — expliquei — Foi presente de Adriana.E curvando-se para a esquerda, com a mão segura no encosto:

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— Mamãe, sabe?Comecei a relembrar que havia já três anos que dela só possuía retratos, objetos...E então, estalou-me uma visão aguda de intuição (PEIXOTO, 1996, p. 21).

Também “a cor brique” representa uma imagem que proporciona um estranhamento no narrador:

A “cor brique” - uma frase sem procedência, sem expressão, sem vida, mas que pela segunda vez acordava em mim violento desespero, exaltação mórbida antes, pela submissão com que a ela me entregava, deixando-a crescer, instigando-a, até tornar-se prazer (PEIXOTO, 1996, p. 20).

Da mesma forma, o uso de fusões de imagens, cortes, flash-backs, idas e vindas, tal qual o movimento de uma câ-mera, traduzem a consciência cinematográfica do escritor, estabelecendo uma narrativa fragmentada e não-linear em sua estrutura. É o caso, por exemplo, da descrição do qua-dro de Rugendas.

Ao problematizar as relações entre a representação e a realidade na literatura por intermédio do questionamento dos modelos tradicionais de expressão, O inútil de cada um desponta como obra moderna em um cenário modernista. Os exemplos supracitados demonstram o cuidado do autor em trabalhar a ruptura através de estruturas en abîme, arti-culando-as de um modo peculiar ao nível da enunciação. O uso de tais elementos pelo autor determina uma obra ímpar que, em sua escritura, faz repensar o sistema em que se articulam as noções de representação da realidade, rom-pendo mais uma vez com o horizonte de expectativa de seus leitores, habituados a narrativas mais lineares.

3.2 Um enfoque sobre a questão da identidade

Tendo incluído Mário Peixoto na tradição moderna, ao

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criar condições de reflexão sobre a problemática da repre-sentação da realidade, repensando o próprio sistema em que se articulam tais noções, cumpre agora tecer algumas considerações acerca do sentimento de busca da diferença no texto analisado. Trata-se, pois, de verificar as formas pelas quais o romancista aborda a questão da identidade, presente à época do Modernismo e afirmada como preocu-pação em diferentes períodos de nossa literatura.

Em seu já célebre artigo crítico, Literatura Brasileira: instinto de nacionalidade, Machado de Assis chama a aten-ção para o problema do nacionalismo exacerbado na litera-tura que visa a instituir um caráter diferenciador em nossas letras. Para o autor de Dom Casmurro, o chamado “espírito nacional” não é apenas reconhecido em obras que tratam de assuntos locais, conforme pensavam escritores como Alencar, Macedo, Taunay, Guimarães, Távora, entre outros (MACHADO DE ASSIS, 1959, p. 32).

A referência à estética naturalista que, segundo Ma-chado, em alguns casos, “empobreceu” o manancial criador do artista brasileiro, é o ponto de partida para a questão da nacionalidade como forma de afirmação de uma identi-dade brasileira. Nessa perspectiva, se existe uma “missão” para o escritor brasileiro, essa deve fundar-se na intimidade mesma do escritor:

Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimen-tar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escri-tor, é certo sentimento íntimo, que o torne homem de seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço (MA-CHADO DE ASSIS, 1959, p 33).

As palavras de Machado de Assis referentes, portanto, à literatura real-naturalista dos oitocentos, parecem anteci-par, igualmente, a produção literária das décadas de 20 e

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30. Com efeito, os ideais da estética dita modernista, fruto da Semana de 22, bem como a produção literária da dé-cada de 30 apontam, em sua essência, e guardadas suas idiossincrasias, para a mesma preocupação em afirmar-se o nacional através do pitoresco e do regional.

Para Octávio de Souza, em um estudo dedicado à ques-tão da busca da identidade nacional, a preocupação com a afirmação da diferença é um traço determinante na história da literatura brasileira. Não se trata tanto de convencer os outros sobre o caráter nacional de nossa arte literária, mas, antes, de convencer a nós mesmos. Como resultado, tere-mos a dimensão estética da imaginação comprometida, e a arte privada daquilo que lhe confere um caráter universal.

Efetivamente, o sentimento de missão tem sido uma constante na evolução de nossa história literária, o que, segundo Candido (1985), prejudicou o exercício da livre fantasia por parte de escritores empenhados em retratar a realidade imediata. Assim, a literatura brasileira tem se desenvolvido dialeticamente entre a adaptação à realidade interna e a imposição de modelos estrangeiros. A primeira tentativa de ruptura com tais modelos foi representada pelo Romantismo que, ao imaginar uma literatura verdadeira-mente nacional, acabou por apenas substituir os modelos portugueses por modelos franceses (CANDIDO, 1985, p. 109-110).

No que diz respeito à nossa literatura, a busca da iden-tidade tornou-se, segundo Souza (1994), uma obsessão, comprometendo o próprio fazer artístico e criando, assim, um paradoxo:

a literatura brasileira, ao procurar a diferença atra-vés da descrição reiterada de um país diferente dos outros, mas homogêneo no seu todo, acaba por se distinguir da literatura ocidental de um modo inesperado - pela ausência da dimensão ficcional em seus romances, pela incapacidade de produzir diferenças (SOUZA, 1994, p 37).

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Desse modo, à tentativa em se responder a pergunta “o que faz a diferença diferente?”, suscitada por Souza, se o conteúdo ou se o próprio ato criador, revelou-se o cará-ter frágil de nossa literatura, pois, ao querer ser diferente, esqueceu-se da diferença. Essa “não pode ser retratada, mas somente produzida com o recurso da ficção.” Como conseqüência, teremos a mera repetição dos modelos que vêm de fora, criando-se outro paradoxo pois, ao projeto ini-cial de busca da diferença, sobrepõe-se a própria reiteração da dependência, o que de resto, historicamente, perpassa a história da ficção brasileira. Sendo a diferença, então, carac-terística do ficcional, o que lhe confere um valor universal, não pode ser da ordem do sentimento de nacionalidade. Ainda para Souza (1994, p. 42), “a literatura brasileira não só deve sair, como já saiu em muitos momentos, dos precei-tos da ideologia estética naturalista.”

Ao publicar O inútil de cada um, em 1933, Mário Pei-xoto inscreve seu romance na contracorrente que pretendia ainda fixar o nacional através da “cor local.” A ficção de Pei-xoto estabelece uma estética que se afasta tanto dos ideais nacionalistas de Mário de Andrade quanto dos defendidos pela geração de 30. Isso não significa afirmar, no entanto, que Peixoto não fixe um caráter brasileiro em sua obra ou que simplesmente “copie” o molde europeu. A particulari-dade de O inútil de cada um reside na prática de afirmar a diferença com o recurso mesmo da ficção. Para tanto, vale-se de elementos que ultrapassam o tema local para fi-xarem o universal. Nesse sentido, a linguagem fragmentada e cinematográfica que o autor utiliza com extrema familia-ridade, bem como a abstenção em partir do motivo local, conferem à obra um lugar especial em nossa literatura.

É através do uso de alguns elementos da linguagem cinematográfica que Mário Peixoto encontra seu lugar na literatura brasileira como escritor moderno, e não apenas modernista, o que por si só já instaura a diferença. O uso dessa linguagem, entretanto, longe de apenas representar uma cópia dos modelos europeus então vigentes no início deste século, e dos quais Peixoto toma conhecimento, repre-

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senta, isto sim, uma assimilação criativa de tais processos.A afirmação do nacional, presente em O inútil de cada

um, não se manifesta pela fixação do regional, mas através do livre exercício do ato de criação, dentro da própria ficção, o que torna o romance “diferente” em seu contexto. Macu-naíma pode ser considerado, nessa perspectiva, o arauto do Modernismo enquanto tese da ruptura, onde tudo é pré-con-cebido com o intuito de criar uma nova estética, calcada em motivos brasileiros. A obra de Peixoto, porém, não carrega em si essa preocupação. A ruptura, é certo, está presente, mas essa acontece de forma natural e não premeditada.

Também a preocupação com a brasilidade é apresen-tada em O inútil de cada um, fazendo geralmente alusão à falta de identidade cultural de nosso país. Passagem ilustrativa, a respeito disso, é aquela em que o narrador surpreende-se com a profusão de cartazes de propaganda estrangeiros que se apresentam aos seus olhos, quando seu motorista estaciona em um posto de gasolina no Rio de Janeiro:

“Texaco”, “Gargoyle”, “Dunlop”, uma estrangeirada de cartazes vivos passou-me pelos olhos como estandarte. Mas, nenhuma evocação da baiana gostosa, ou de ponta de praia com coqueiros(...) Sentado num “Stutz”, é verdade, mas lá no fundão da minha carne, que é desta terra, ainda mora o dono da raça, com a graça do santo (PEIXOTO, 1996, p. 19).

A necessidade de se mostrar brasileiro, ainda que sentado em um carro importado, contrasta com o estran-geirismo da paisagem, onde não há lugar para as imagens que identificam o país. Mais adiante, o narrador faz uma autocrítica de sua pretensa brasilidade em conflito com um ambiente totalmente europeizado. Afirma que, se possuísse uma casa com jardim, haveria de plantar uma bananeira em frente à janela de seu quarto. Imagina também uma carra-peteira e uma brejaúva junto à janela de sua sala de leitura.

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A realidade, entretanto, é bem outra, uma vez que ele pró-prio já se encontra impregnado de uma cultura híbrida:

E penso no meu apartamento, em tudo europeu, sem sobra de espaço sequer para um palito, quanto mais para plantação de coqueiros... Cuido de um cacto num viveiro pintado de esmalte, mas triste e encabulado da vida fácil que leva (PEIXOTO, 1996, p. 20).

A alusão ao cacto, única forma viva que decora seu apartamento, em nada carrega a identidade brasileira. Pelo contrário, o cacto triste não identifica nada senão a aridez, a ausência de uma identidade cultural. Representa, entre-tanto, a aridez de um país ainda em busca de sua diferença com relação à pátria mãe, a velha Europa. Dessa forma, a preocupação com o caráter brasileiro de nossa cultura não se mostra o mot norteador da obra, mas alude, de forma natural, à questão da identidade nacional, preocupação de quase todos os intelectuais do início do século no Brasil.

A afirmação da diferença que busca em última instân-cia a construção da identidade não se apresenta na obra de Mário Peixoto enquanto projeto ou ilustração de um mani-festo. Ao contrário, é no seio da própria linguagem, no que esta oferece em termos de possibilidades e experimentos que o autor constrói sua visão do mundo. Do mesmo modo, essa busca da diferença e da identidade não traduz nem reflete o engajamento ideológico ou político do autor, mas conclama para uma forma pura e natural do processo de criação, desvinculado de qualquer sujeição a padrões pré-concebidos do fazer artístico. A obra de Mário Peixoto, a exemplo da obra de José Geraldo Vieira, caracteriza-se por um extremo cosmopolitismo, operando rupturas com a apa-rência sensível e assim explorando os territórios mais recôn-ditos da alma humana.

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3.3 A estrutura de O inútil de cada um

Se me perguntassem por que nasci com esse dom de estar constantemente vendo em cada ser hu-mano o possível intérprete de um filme imaginário que inicio ao léu dos pensamentos, sem jamais saber quando irei terminar, responderia, após pe-queno exame comigo mesmo – não seria melhor denominar o dom pela palavra – “visão”?

Mário Peixoto

Semelhante às estruturas cinematográfica e poética, o romance de Mário Peixoto apenas “mostra” sem, no en-tanto, “orientar” ou interpretar. O mesmo procedimento se opera em Limite, conforme as observações de Saulo Pereira de Mello (1996), que situa o filme no âmbito da poesia:

Nada em Limite é apresentado, apontado, mos-trado ao espectador: ele é levado a viver o tema na sucessão das imagens. Sai, portanto, do âmbito do particular para o do universal, da alegoria para o símbolo.(...) O universal é então o “caso individual” e o particular “milhões de casos” - os múltiplos fil-mes exemplares de um tema que se expressa em uma história, em seguida em scenario e este em filme - filmes narrativos. Limite é de outra natureza - a da poesia, a do símbolo (MELLO, 1996, p. 95).

O filme de Peixoto é, então, visto por Mello como um poema, pois “não quer contar uma história e então exem-plificar com situações pessoais - particulares - um tema universal”, característica marcante do gênero épico ou romanesco.

Se Limite configura-se como um poema, dado seu ca-ráter subjetivo que exige a colaboração do leitor como sujeito que deve experienciar a atividade poética, O inútil de cada um aproxima-se tanto da poesia, por motivos semelhantes, quanto da ficção cinematográfica. Para Mukarovsky (1990),

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o que aproxima o espaço cinematográfico do espaço da poe-sia é justamente o caráter significativo do cinema: “o espaço cinematográfico não é um espaço real nem um espaço ilusó-rio, mas sim um espaço-significação” (MUKAROVSKY, 1990, p. 201-202). Assim, exemplifica Mukarovsky, um objeto imóvel no teatro pode ser um simples adereço. No cinema, no entanto, o mesmo objeto converte-se em símbolo de múl-tiplas possibilidades de significação, graças à mudança de planos ou de enquadramento. Também na poesia, o espaço é uma significação, uma vez que é representado pela pala-vra que pode assumir igualmente múltiplas significações.

Nessa perspectiva, o romance de Peixoto atualiza o espaço da poesia e do cinema. Ainda que o texto não possa ser configurado enquanto poesia, é enquanto romance subjetivo e intimista que tais categorias poderão encontrar eco para sua concretização. Nada na obra é apresentado de forma absoluta: ao contrário do que ocorre no romance tradicional, cabe ao leitor a interpretação das lacunas que o texto oferece. Exemplo dessas lacunas é representado pela forma como os episódios ou capítulos do livro se relacionam entre si, sem que, em princípio, nos seja oferecida explica-ção. Do mesmo modo, encontraremos capítulos contendo apenas duas frases, a segunda inacabada, como acontece no capítulo XI, que se resume a:

Uma corrente bem emendada não mostra a marca. Só quem sabe… (PEIXOTO, 1996, p. 61).

Sendo o livro composto de exatos 23 capítulos, é este o “capítulo” que de um modo geral divide a obra. Até então, o narrador relata alguns acontecimentos de sua vida, que vão desde sua amizade com Lia, a compra de um pássaro para ela, a lembrança do reencontro com a mãe, Adriana, os passeios à fazenda da Bocaina, as viagens pelo Brasil em companhia de Adriana e de um grupo de amigos, as lembranças de Cássio, primo do protagonista, a morte de Adriana após o carnaval e o reencontro, três anos depois, com César, seu amigo e, como se verá depois, amante de

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sua mãe. A partir do capítulo XI, as personagens já estão apresentados e a corrente a que o narrador alude parece servir para “amarrar” os episódios subseqüentes. Trata-se agora de retomar ou explicitar, ainda que de forma obscura por vezes, alguns dos episódios apresentados na primeira parte, ou nos primeiros elos da corrente.

Para tanto, o autor irá valer-se de recursos como o flash-back, voltando ao tempo em que Adriana ainda vivia e mostrando, pouco a pouco, e de forma fragmentária, os indícios que levarão à certeza de que César mantinha um relacionamento com a mãe do narrador.

Em O inútil de cada um, temos a figura de um narra-dor que relata desordenadamente fatos de sua vida, de sua infância, bem como sua relação com a família e alguns ami-gos. Não possui um nome que o identifique. Se Proust, por exemplo, ao longo de sua obra, nomina apenas duas vezes o narrador, Mário Peixoto prefere a total omissão do nome.

É esse narrador quem estabelece, conforme vai nar-rando, a relação entre os fatos, nem sempre facilmente apreendidos. Com relação ao narrador de um romance intimista, o narrador de O inútil de cada um apresenta as demais personagens como extensões de seu próprio “eu”, em torno do qual gravitam enquanto representações de seu mundo subjetivo.

Nada na obra é explícito: não há um momento de ten-são definido; somente a relação das partes entre si e com algumas frases do narrador prenunciam um tênue fio nar-rativo que, logo a seguir, é novamente desestruturado. Tal procedimento constitui outra característica do romance in-timista. Este apresenta um número ínfimo de cenas dramá-ticas (no sentido de seqüência de acontecimentos ou fatos enredados numa trama), pois quase todas as informações contextuais são dadas pelo próprio narrador, sob seu ponto de vista.

Dessa forma, o discurso do narrador é, em geral, o da própria personagem principal, apresentando o sujeito em seus devaneios pelo próprio passado, em busca de uma solução. O discurso do narrador em O inútil de cada um

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sustenta-se, portanto, na dispersão de elementos tidos por tradicionais no que tange à estrutura do romance.

A deliberada fragmentação da narrativa, bem como a recusa pela estrutura linear clássica do romance tradicio-nal, correspondem de perto ao projeto de Mário Peixoto em não ser explícito, mas econômico nas palavras. Para um artista acostumado ao cinema mudo, tal técnica aplicada ao romance somente vem confirmar o desejo de dizer muito com poucas imagens/palavras. Assim, o capítulo em que é narrada a morte de Adriana, mãe do protagonista, desen-volve-se em exatas 29 linhas, das quais 9 são escritas em forma de discurso direto e assim finalizando:

A coroa foi de lírios.Não vesti luto. Usei a cigarreira (PEIXOTO, 1996, p. 54).

Já em uma primeira leitura do romance, evidenciam-se, mesmo para o leitor leigo na linguagem cinematográfica, vários elementos da narrativa que destoam da estrutura tradicional do romance. Temos, em diversas passagens, a impressão de estar lendo as indicações daquilo que, um dia, será o roteiro de um filme, e a figura do narrador parece sempre ocultar-se por detrás de uma câmera. E é justa-mente enquanto câmera que registra friamente os aconte-cimentos que o narrador se distancia dos fatos registrados. Mesmo quando esses acontecimentos parecem dizer res-peito somente ao próprio narrador (o romance é narrado em primeira pessoa), percebe-se a distância imposta pela ótica de filme, como se aquele que narra estivesse sempre com a câmera à mão, filmando a sua própria imagem através de um espelho.

A estrutura dos capítulos do romance funciona, assim, como as diversas tomadas ou cenas de um filme, antes de ser feita a montagem final que dará sentido e coerência ao conjunto da obra. No romance, no entanto, Mário Peixoto prefere optar justamente por uma deliberada falta de conti-nuidade e ligação entre as partes que compõem a obra. As-

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sim, torna-se às vezes, sobretudo para o leitor desavisado, difícil a leitura do romance de Peixoto. Difícil para aqueles leitores que buscam a linearidade da narrativa, dentro dos pressupostos básicos de composição literária. Avesso às estruturas tradicionais de criação artística, Mário Peixoto exige, sempre, em sua obra, a participação ativa do leitor/espectador.

A ausência de ligação entre as partes do romance faz com que, em várias passagens, não se distinga exatamente quem está narrando. Ainda que narrado em primeira pes-soa, como já mencionado anteriormente, custa-se a crer que se trata sempre do mesmo narrador, pois este jamais se identifica objetivamente. Relata acontecimentos passados, ligados à sua vida, sem jamais apresentar-se na situação do presente, a partir da qual são narrados os fatos.

Tal procedimento equivale ao de uma câmera cinema-tográfica, que simplesmente registra a cena, sem no entanto assumir objetivamente um lugar em relação a esse registro. A estrutura do romance, nesse sentido, reflete as diversas cenas de um filme antes da montagem final: é a imagem em estado bruto, tal qual se apresenta no instante em que é captada.

Ao descrever um sonho, por exemplo, o autor desen-volve a sua verve de cineasta. Todo o episódio pode ser comparado, em sua linguagem, ao roteiro de um filme. Os intervalos que separam as cenas no sonho são represen-tados por um “branco”, o que equivaleria, no cinema, nota-damente nos primeiros filmes mudos - incluindo-se Limite - às quebras entre as seqüências. De fato, em Limite, ora as seqüências se ligam por intermédio de fusões, ora por meio desses “brancos” que, de certo modo, têm a função de separar as cenas. Trata-se de um recurso comum na lingua-gem cinematográfica do início do século.

Do mesmo modo, observa-se, na composição do ro-mance, o uso da fusão. Na linguagem cinematográfica, a fu-são é um efeito de transição entre duas tomadas de câmera, conseguido através da superposição de duas imagens. Ocorre, então, um escurecimento da primeira imagem com

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o clareamento da segunda. Como resultado, teremos uma superposição de imagens em que a primeira desaparece gradativamente enquanto a segunda está aparecendo.

Houve um branco, (no sonho) e passei a ver Lia. Colocava-me um pequeno revólver na palma da mão e dizia:

— Tome! Acabe com isso… Gente como nós não vale a pena!…(…)Fusão do revólver, para mão de Lia sobre a minha palma, junto com a impressão de que acabara de contar-lhe a minha vida (PEIXOTO, 1996, p. 90).

No romance, o recurso da fusão ora manifesta-se de forma natural, nem sempre percebida imediatamente, ora aparece de maneira explícita, como no caso da narração do sonho. A câmera que relata o fio condutor da narrativa tam-bém pode descrever uma paisagem tipicamente brasileira registrada em um quadro de Rugendas. Ao invés da simples descrição do quadro, Peixoto opta, mais uma vez, pelo uso da câmera que narra. Assim, o capítulo V de O inútil de cada um se inicia pela descrição de uma paisagem brasileira do final do século XIX: um engenho onde se revelam a escrava com um lenço na cabeça, a Sinhá Dona, as rodas da mo-enda, um carro de bois carregado de canas, um preto em plena atividade torcendo os bagaços.

Logo à soleira, as hastes delgadas e curvas da moita de cana real; ao fundo, uma mancha esmaecida de montanha. (…) Em frente à casa, descarrega um carro de boi cheio de canas. Trepada no varal, uma rapariga de chapéu de palha ajunta feixes que dá a um escravo de dorso nu (PEIXOTO, 1996, p. 31).

À medida que a “câmera” vai se afastando da paisa-gem, dando conta de outros aspectos até então não perce-bidos ao longo da descrição, o leitor começa a perceber que está diante de um quadro, no caso O Engenho de cana, de

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Rugendas. Ao longo de todo um parágrafo, que se estende por mais de 25 linhas, não existem indicações que permitam afirmar que se trata de uma pintura. Tal qual uma câmera, a técnica narrativa de Peixoto brinca com o leitor/especta-dor que, apenas no parágrafo seguinte, recebe as primeiras informações que o levarão a duvidar de suas hipóteses ini-ciais: “a tonalidade do desenho”, “o ouro da moldura”.

É através do movimento de distanciamento do quadro, quando a câmera se afasta lentamente do objeto, abrindo o close inicial e mostrando o quadro em sua totalidade, que o leitor captará o sentido global da paisagem descrita. A des-crição da obra de Rugendas apresenta personagens e ani-mais em plena atividade, o que se traduz nos movimentos que o quadro parece sugerir. O leitor não se situa diante de uma paisagem estática; ao contrário, é como se o narrador conseguisse entrever a mobilidade da obra.

O estudo que Mello (1996) dedica a Limite conclama para a organização das imagens no filme, chamando a aten-ção para a deliberada ausência de linearidade narrativa, o que remete à própria estrutura do romance de Mário Pei-xoto. Assim, não há em Limite um distanciamento entre o espectador e o filme, mas uma fusão entre eles, o que faz com que o filme seja vivido pelo espectador.

A fusão entre espectador e filme prevista por Mello (1996) corresponde de perto ao que se estabelece em O inútil de cada um, agora envolvendo leitor e romance. Se Limite, como um poema, não quer contar uma história para então exemplificar um tema universal através de situações pessoais, também o romance, valendo-se da essência da linguagem poética, não se pretende linear ou objetivo. O fundamental da intenção poética de Mário Peixoto traduz-se no uso que faz da idéia essencial da limitação humana e que perpassa filme e romance.

Com respeito à estrutura de O inútil de cada um, essa segue de perto a (des)organização formal já presente em Limite. Respeitadas as particularidades de cada uma das linguagens, o autor parece vencer as polêmicas dificul-dades que até hoje envolvem as relações entre cinema e

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literatura. Em Mário Peixoto, o ponto de partida para o processo

de criação não reside na intriga ou nas personagens. O que desencadeia a narrativa não é ação, mas sua ausência, ao contrário do que preconiza o romance tradicional. Conforme percebeu Mello (1990), o tema de Limite se origina de uma imagem - uma mulher com as mãos algemadas - a partir da qual se des(estrutura) a narrativa:

Imagem elementar, originária - protéica - geratriz de todas as imagens do filme, que serão metamorfoses dela, alegoria do tema. Essa seqüência, não-narra-tiva, dá o tom, esboça o ritmo de Limite que a seqü-ência-chave inicial vai desenvolver: lenta, de imagens longas, ligadas por fusões, estruturadas segundo um princípio não-narrativo (MELLO, 1990, p. 87).

Assim, o “tema” do filme se corporifica a partir de ima-gens oriundas da imagem primeira - “protéica” - e de sua correlação com as demais, representando sempre a limita-ção do ser humano. Ainda segundo Mello (1990),

as imagens são longas e dissolvem-se umas nas outras (...) esgotando toda a ação, isolando-se, recusando-se pela dissolvência técnica a organi-zar um fio narrativo, que seja aquele que todo o cinema tradicional buscou com mais ou menos empenho (MELLO, 1990, p. 88).

Substituindo-se “cinema tradicional” por “romance

tradicional”, estaria configurado o quadro em que O inútil de cada um foi construído. Assim como em Limite, O inútil de cada um não parte de uma ação efetiva de uma persona-gem ou de um fato dado como real aos olhos do leitor. Mário Peixoto realiza a passagem da linguagem do cinema para a literária movendo-se entre esses dois pólos, em princípio tão díspares, com extrema facilidade.

Se, em Limite, o que estabelece a ligação entre as se-

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qüências é uma imagem, a partir da qual as outras se articu-lam, em O inútil de cada um algumas frases desempenham o papel das imagens do filme, estabelecendo a ligação sim-bólica com vários outros temas: a morte, o sentimento inces-tuoso em relação à mãe, a figura forte do pai, a relação com Lia, as viagens pelo Brasil, as recordações da infância nas grandes fazendas de café no início do século.

Cabe, portanto, ao leitor do romance reconstituir a nar-rativa ou, então, abstrair seu conteúdo através da sucessão de situações que vão sendo apresentadas. Assim como em Limite, o que propicia a unidade da obra é o conjunto dos acontecimentos ligados de maneira aparentemente casual. Nada em O inútil de cada um é mostrado explicitamente; é o leitor quem deve reconstituir a história, vivendo-a.

A preocupação com o passar do tempo perpassa todo o texto de Mário Peixoto. Daí advém, inclusive, a origem do título, que se liga ao nome de um romance lido pelo nar-rador e que o teria impressionado. A inutilidade da vida e das ações humanas, perante o efeito inexorável do tempo que a tudo destrói, é o tema básico do romance e, também, do filme de Mário Peixoto. Com relação a este último, Mello sublinha que:

A intenção poética de Limite é simples e clara - didaticamente clara até - embora ampla e ambi-ciosa: exprimir, representar, provocar a vivência da idéia da essencial limitação humana. Tudo indica que Mário Peixoto não tinha, ele mesmo, essa ambiciosa intenção e não procurava mais do que expressar seus próprios sentimentos e vivências pessoais de limitação provocados pelo conflito com um pai amado e dominador (MELLO, 1996, p. 96).

De forma semelhante, teremos também em O inútil de cada um a mesma preocupação com a limitação do homem, premido, agora, pela ação devastadora do tempo. É o que atestam diversas passagens da obra, em que o narrador

4 ARte e InIcIAçãO:MÁRIO peIxOtO e A expeRIêncIA cRIAdORA

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põe-se a divagar sobre o estado dos objetos que, de uma forma simbólica, aproxima-os da tragédia da existência hu-mana: finitos, prontos a se esfacelarem:

Apóio-me na mesa; sondando a poeira da man-sarda. Há um relógio-armário, que julgou parar nas dez, e uma aranha seca, com cinco minutos de atraso… Debaixo da pele cinzenta do pó, o espelho-veneziano também pratica um gênero de equilíbrio. Com olhar nublado, debruça-se da pa-rede num eterno suicídio, contemplando as quinas dos caixotes no soalho, à espera do dia que há de vir. O baque, o esfacelamento — mais nada (PEI-XOTO, 1996, p. 67).

Elementos como o relógio parado, o pó, a aranha morta e o espelho representam claramente a inutilidade de toda e qualquer existência lutar contra o efeito impiedoso do tempo. A finitude está em todo o espaço circundante: o reló-gio, enquanto objeto e símbolo da passagem do tempo, os seres vivos/mortos (a aranha seca) e o espelho, igualmente visto como objeto e como reflexo da imagem do homem, tudo será um dia coberto pela “pele cinzenta do pó”.

Desta constatação trágica, advém o pessimismo cé-tico com relação à vida. No caso do romance, a idéia de inutilidade, tema básico da obra a partir do próprio título, re-vela a consciência niilista do autor. Conseqüência sobretudo da inexorável passagem do tempo, o niilismo peixotiano manifesta-se no conteúdo e na forma de O inútil de cada um. Nesse momento, o narrador pode converter-se em mero espectador de suas próprias angústias:

“Cor brique”? repetia surpreso, o pulso acelerado como que pressentindo alívio, em ter achado aquela solução enorme. Solução do “eu sofro”, por tudo e com tudo, inquietação perene da alma presa que não se identifica, que agoniza, que quer sempre. Solução do imenso “inútil de cada um”!

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Continuava a acompanhar, com dupla agudeza, o espetáculo interno das sensações, e não o sentia. Analisava-o com a segurança de um vidro inter-posto (PEIXOTO, 1996, p. 21).

O niilismo na obra de Mário Peixoto reflete as idéias de Nietzsche. Para o pensador alemão, o sentimento niilista se manifesta como estado psicológico quando da busca por um sentido que não está nele, fazendo com que aquele que o procura perca o ânimo:

Niilismo é então o tomar–consciência do longo des-perdício de força, o tormento do “em vão”, a insegu-rança, a falta de ocasião para se recrear de algum modo, de ainda repousar sobre algo — a vergonha de si mesmo, como quem tivesse se enganado por demasiado tempo… (NIETZSCHE, 1983, p. 380).

Ainda nessa perspectiva, o homem constata a inutili-dade do vir-a-ser, em que nada pode ser alvejado, restando, como única solução, “condenar esse inteiro mundo do vir-a-ser como ilusão e inventar um mundo que esteja para além dele, como verdadeiro mundo” (NIETZSCHE, 1983, p. 381). Entretanto, ao perceber o modo como esse mundo foi cons-truído, o ser humano descobre que não tem nenhum direito a ele, determinando a descrença em um mundo metafísico ou em falsas divindades: “não se suporta esse mundo, que já não se pode negar...”

Essa consciência niilista leva também à constatação do fim absoluto, proporcionada, por exemplo, durante a exi-bição de um espetáculo de trapezismo, em um circo. O nar-rador, ao lado de Lia, perscruta sua alma e empreende uma análise psicológica da amiga, para, em seguida, novamente, divagar sobre a condição humana:

Ao meu lado, Lia, de cabeça erguida, fitava o íma. Nesse momento, pude estudar-lhe as linhas, anali-sando-as com minúcia. No perfil do pescoço, nítida,

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compassada, a deglutição da saliva. Não há como a pessoa entregue a uma emoção dessas, para desnudar nas distensões do rosto, o segredo ali incrustado… Podia perceber o tumulto interno, que a prendia. O nariz afilando-se na meia luz, a testa, os olhos, tudo convergindo para o mesmo ponto — Ballerini! (a trapezista) (PEIXOTO, 1996, p. 86).

Ballerini equilibra-se. Um passo em falso e tudo será desfeito, destruído, esfacelado. Os dois espectadores, da mesma forma, buscam o equilíbrio, não sem uma grande porção de pessimismo, pela dificuldade em se equilibrar o que parece naturalmente fadado ao desequilíbrio: suas pró-prias vidas:

Ballerini não parecia a mesma, apesar das pernas afastadas como banzos de escadas sem traves-sas. Lastimava que ela não me olhasse mais, para lhe fazer ver… Afinal, aquela impressão terrível de acabar, que me persegue — acabar em silêncio, sem ter feito nada; impressão de marcha coletiva da humanidade, dentro do mesmo engano! Com ele, era uma lição… (PEIXOTO, 1996, p. 87).

Também Lia é invadida pelo mesmo ceticismo com relação à vida humana, o que é revelado ainda durante a exibição da trapezista. É o momento em que as duas perso-nagens, Lia e o narrador, descobrem laços a uni-los, na ma-neira como vêem o mundo. Ambos percebem a impossibili-dade de comunhão com o outro, uma vez que o ser humano encontra-se irremediavelmente fechado em si mesmo:

Presa à trapezista, Lia deixou escapar, como pro-longando meu eco: — E a gente não conseguir um pingo do outro, nem quando o possui!!! Sacudiu a mão cerrada com a razão dentro:— Isso é que desespera! — explicou exaltada — procura-se como quem cava, chega-se sem-

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pre quase!… mas qual! Com você não é assim? (PEIXOTO, 1996, p. 87).

Em outro encontro com Lia, a consciência da passa-

gem do tempo é revelada por sua suposta degradação física. Como resultado, atinge o narrador um momento de angústia frente à vida: “Ali estava o fim, o prenúncio do fim, antes, que eu nunca imaginara... Alucinante, é que continuava como se nada fosse” (PEIXOTO, 1996, p. 132). Diante da imagem que antecipa o fim absoluto, o narrador é tomado por uma sen-sação de angústia e nojo pela vida:

Fechei os olhos, para não continuar cego… Não poderia encará-la. A vida causava-me nojo! Tinha ímpetos de gritar! Mas subitamente, recomeçando a música, apesar daquele sabor antigo, enojou-me com o acento forçado de zombaria! (PEIXOTO, 1996, p. 132–33).

Em um ensaio intitulado O mundo imaginário de Cla-rice Lispector, Benedito Nunes analisa a náusea enquanto forma aguda da angústia, no sentido já desenvolvido por Kierkegaard. O sentido da existência é criado através do confronto entre uma vertigem da consciência, enquanto ser precário e falho, diferente de si mesmo (Para-si), e o modo de ser das coisas (Em-si). Da supremacia do Para-si, que então se manifesta de forma real, nasce o sentimento de angústia enquanto consciência exacerbada e paroxismo da liberdade.

Na náusea, no entanto, desaparece a supremacia do Para-si, sacrificando-se o nexo existente entre a consciência e o sentido. Sua verdadeira causa não é representada por um objeto ou ser determinado, mas pelo mundo e pela exis-tência absurda a que todos estão submetidos. Ainda para Nunes, mais transtornante do que a angústia, a náusea ou nojo não representa apenas a simples descoberta da exis-tência como fato absoluto, mas “a descoberta de que esse fato é contingente, totalmente gratuito, reduzindo-se ao

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Absurdo, que nenhuma razão, nenhum fundamento podem eliminar” (NUNES, 1976, p. 97).

A sensação de nojo experimentada pelo narrador de O inútil de cada um revela-se também enquanto estranha-mento frente a uma verdade absurda, porém absoluta: o curso do tempo. Trata-se de um momento de revelação pro-vocado pela súbita consciência de um mal-estar no mundo. Tal revelação assume também características epifânicas, fazendo com que a realidade imediata se torne estranha e até mesmo repugnante: é o caso dos “momentos” viven-ciados em sua plenitude por Lia e pelo próprio narrador. Ambos são conscientes da importância que tais momentos representam em suas existências. Assim, a simples visão de uma criança recém-nascida em seu berço irá provocar em Lia uma sensação de estranhamento, tomada de horror ao perceber a verdade do envelhecimento:

estremeceu horrorizada! Num lampejo, partindo do dia quente de sol, penetrou o mais que pode, no fu-turo daquele ente!… Estacava atônita! E naquele mo-mento precisamente, qualquer coisa de incrível se lhe encastoava para sempre! (PEIXOTO, 1996, p. 128).

Por sua vez, o “momento” do narrador liga-se ao seu primo, Cássio. Durante uma visita que faz a seu sítio, en-quanto ouve-o falar, é acometido por um instante único:

E de repente, a ouvir-lhe os projetos sensatos, contados a meia-voz, senti-me possuído daquela comoção única! Tinha afinidade com a de Lia… Fi-gurava Cássio desde quando brincávamos juntos, até o presente… Via-o então só, sem pai, sem mãe, fazendo projetos, falando, defendendo-se como os demais, com aquela inconsciência única dos fatais (PEIXOTO, 1996, p. 129-30).

Novamente, o momento de “revelação” se dá pela consciência do absurdo da existência humana, eternamente

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dependente da ação do tempo. A consciência da passagem do tempo manifesta-se no súbito vislumbre do passado, pre-sente e futuro dos seres, causando-lhes um horror à vida por meio de reações involuntárias de estranhamento.

Além dos elementos do romance que remetem para a constatação da inutilidade da vida e das ações huma-nas, podemos perceber em O inútil de cada um a presença quase obsedante de símbolos que traduzem a essência do processo de criação do autor. O mesmo se opera em Limite, em que nada é explicitamente apresentado, cabendo ao espectador, segundo Mello (1996), vivenciar o tema na su-cessão das imagens, em um percurso que vai do particular em direção ao universal, ou ainda, da alegoria em direção ao símbolo. Nessa perspectiva, Limite e O inútil de cada um são obras da natureza da poesia e do símbolo, uma vez que “a verdadeira simbologia é aquela em que o particular representa o universal, não como sonhos ou sombras, mas como revelação viva e instantânea daquilo que é investigá-vel”. Segundo Goethe, a função da poesia é a apreensão do inefável, daquilo que é discursivamente inexprimível através da produção de símbolos:

o simbólico transforma o fenômeno em Idee e a Idee em imagem, de tal maneira que a Idee permanece na imagem sempre infinitamente atuante e inatingí-vel — mesmo que expressa em todas as línguas — se mantém inexprimível (GOETHE, 1996, p. 97).

A luta contra a passagem do tempo pode manifes-tar-se, por exemplo, no jogo de “Bézigue” com o gato “Fu-lano”. A partida é realizada no sótão empoeirado, onde o narrador isola-se do mundo em busca do equilíbrio. Con-forme explicação do próprio narrador, o jogo, “no fundo, não é tão difícil. Desde que não se fique à margem, preferindo o entrechoque das cartas vizinhas ao próprio lance armado. Chama-se ‘bézigue’ “ (PEIXOTO, 1996, p. 63).

A partida de “Bézigue”, que se desenrola no sótão da casa, com o gato “Fulano”, parceiro ideal, segundo o narra-

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dor, simboliza a busca do passado em forma de rememo-ração. As cartas que devem ser viradas representam per-sonagens próximas ao narrador. Assim, a Dama de Copas simboliza Lia; o Valete de paus, Flávio; o Valete de ouros, Victor. A lembrança do dia em que conhecera Lia volta, mis-turada a outras recordações. “Fulano” representa, a partir de seu próprio nome, o desconhecido, o anônimo, talvez o destino do homem. Ao jogar com o gato, o narrador assume explicitamente sua solidão: prefere o diálogo com o ser irra-cional, mesmo que se constitua em um monólogo.

A incomunicabilidade do homem está ainda presente no refúgio do sótão, espaço destinado comumente a guar-dar objetos e utensílios que, um dia, também tiveram sua existência. Cercado por móveis velhos e objetos que hoje já não oferecem mais serventia, o narrador goza de sua presença como se estivesse em um cemitério. Na paz do sótão, ambiente inacessível e tranqüilo, a finitude também está presente no esquecimento, no pó que a tudo cobre e deteriora. Bachelard (1996) irá valer-se de alguns pressu-postos junguianos para desenvolver suas teorias acerca da casa enquanto ser vertical que se eleva do porão ao sótão. O porão, nessa perspectiva, representa o inconsciente, as trevas, o desconhecido. No sótão, por sua vez,

camundongos e ratos podem fazer o seu alvoroço. Quando o dono da casa chegar, eles voltarão ao silêncio da toca (...) No sótão, os medos “racionali-zam-se” facilmente (...) a experiência diurna pode sempre dissipar os medos da noite (BACHELARD, 1996, p. 37).

Todos esses elementos constituem, na obra de Mário Peixoto, um movimento em direção à arte como processo de iniciação. Nesse sentido, a criação artística é um meio atra-vés do qual ocorre uma possível transformação ontológica de seu autor, a obra nada mais sendo senão “a revelação do itinerário de autogeração do autor”, conforme percebeu Billen (1988). Ao não se preocupar com a difusão de sua

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obra, Mário Peixoto parece estar afirmando seu trajeto de iniciação, oferecendo ao leitor indícios desse itinerário poé-tico por meio de uma linguagem singular:

A experiência poética é, assim, considerada uma experiência específica, a que a criação de uma obra permitiria ter acesso, local de passagem da condição “profana” à “verdadeira vida” (BILLEN, 1988, p. 586).

Na luta que se estabelece entre o homem e o tempo, a literatura parece, com efeito, dispor dos melhores meios para que o primeiro vença ou, pelo menos, neutralize a ação do segundo. Nesse sentido, através da criação literária, pode o artista se fazer imortal, uma vez que suas personagens escapam aos desígnios do tempo. A leitura da obra literária segundo o pressuposto iniciático significa, assim, o acesso ao mundo dos símbolos e dos mitos. Para o autor da obra significa eternizar um momento, transcendendo a condição humana fadada à destruição.

Texto da juventude, O inútil de cada um constitui-se também em obra de formação do autor, rito de passagem de um estado de espectador da vida a um estado de parti-cipante. Segundo informações de Saulo Pereira de Mello6, Peixoto teria afirmado que, se em Limite, não havia logrado a expressão plena de sua visão do mundo, em O inútil de cada um tal problema teria sido, pelo menos em parte, resolvido.

Para um artista que, segundo declarações suas, es-crevia “em transe” e que, ao terminar o roteiro de um filme, alegava que o mesmo já estava pronto, não necessitando filmá-lo, torna-se evidente o papel que a literatura para ele as-sumia. Preocupado em “expurgar” sua visão singular da vida humana, Mário Peixoto cedo percebe a incapacidade de se expressar por intermédio do cinema, por mais que sua ótica esteja traduzida nos ângulos e tomadas inusitadas de Limite.

6 Conversa gravada com Saulo Pereira de Mello, no Arquivo Mário Peixoto, Rio de Janeiro, em fevereiro de 1998.

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À medida que a obra se faz, o escritor consegue viver sua experiência, passando a um estado de auto-regenera-ção, objetivo maior de sua empreitada:

Por conseguinte, a verdadeira personagem mítica já não é a personagem evocada pela obra, mas sim o autor da mesma, isto é, o indivíduo que efe-tivamente assumiu a condição mítica da iniciação (BILLEN, 1988, p. 588).

Em Mário Peixoto, as personagens existem enquanto extensões da vida interior do próprio autor, vivendo todos a experiência particular do mesmo. Nesse sentido, todas as personagens são Mário ele mesmo em uma busca, nem sempre bem-sucedida, da totalidade do ser, de uma univer-salidade intemporal e única negada pela realidade, mas tornada possível graças à linguagem.

O “nojo” que o autor experimenta pela realidade, ainda segundo palavras de Saulo Pereira de Mello, com-prova uma vez mais o desejo frenético de Peixoto em, por meio da criação artística, seguir seu caminho de iniciação, fomentado pela constante necessidade de liberdade do ser humano. Nessa aventura do “navegador solitário” em busca do seu renascimento, encontraremos em O inútil de cada um a eterna luta do homem pela vida e pelo amor, por meio da qual, retomando as palavras de Billen (1988), “a escrita igualaria a vida, tornada outra.”

Assim, a criação em Mário Peixoto representa sempre um passo adiante, um constante desejo de explicar aquilo que, por natureza, não pode ser explicado: a expressão mesma de seu mundo interior e de sua visão do mundo. Se no romance, em sua primeira versão, o autor pensa po-der “resolver” o que, em Limite, havia sido tratado de forma incompleta, o que se deve talvez ao espectro infinitamente maior de possibilidades que a palavra escrita oferece, na segunda versão de O inútil de cada um encontrar-se-á uma nova tentativa do autor em dizer o indizível. Daí advém a frase longa, explicativa, detalhista nas comparações inter-

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caladas por vírgulas, travessões, parênteses. O primeiro O inútil de cada um ainda não apresenta

a frase de estilo proustiano, fruto da maturidade do escri-tor. Entretanto, já está lá o germe daquilo que um dia será um verdadeiro roman fleuve: a preocupação com o passar do tempo expressa na dilatação dos momentos que um dia se perderão, tal como ocorre com suas personagens, na ”moagem do tempo”. Artista espontâneo e intuitivo, Mário Peixoto tem em seu processo criador uma forma de luta, mesmo que, às vezes quixotesca, contra uma realidade que o oprime e o angustia. Através da criação, o autor realiza a passagem da realidade para uma dimensão onírica.

Forçoso dizer que Mário Peixoto não visa imediata-mente a um leitor específico, mas tampouco escreve para si próprio; antes tem em mente a auto-regeneração do homem em um processo iniciático. A leitura de O inútil de cada um supõe um experienciar lento e doloroso por parte do leitor, o que, de resto, estava no fulcro da intenção poética do autor no momento da criação. Supõe a metamorfose e a recriação com vistas à transcendência, um verdadeiro “rito de passa-gem” do estado bruto à condição humana: frágil, contraditó-ria e confusa. Para tanto, Mário Peixoto irá valer-se de uma linguagem capaz de instaurar o caos e a dispersão, tradução exata dos estados de ausência, angústia, impessoalidade e ruptura por ele vividos, matéria-prima de sua obra.

Registra-se, desse modo, uma relação de reciproci-dade e de cumplicidade entre a obra e seu autor, a partir da criação de uma nova realidade que somente se torna pos-sível e vivenciável através das inúmeras e às vezes inexplo-radas possibilidades da linguagem poética. Estamos diante das concepções platônicas sobre o processo de inspiração. Tal qual um rapsodo, Mário Peixoto, enquanto poeta, é in-capaz de produzir se não for arrastado por um entusiasmo que o faz “sair de si mesmo”. Tal como os Coribantes que, segundo Platão, não dançam senão quando se encontram fora de si mesmos, os poetas tampouco estariam em seu juízo perfeito no momento em que compõem suas odes.

Para Max Billen, “o poeta, como o xamã, busca a

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solidão, vive na marginalidade, entrega-se a uma atividade onírica, recorre às drogas, é sujeito a visões e acredita-se eleito” (BILLEN, 1988, p. 587). Sendo a inspiração e não a arte quem preside sua reelaboração poética do mundo, o poeta assume o papel de intérprete dos deuses, cabendo ao rapsodo a interpretação dos intérpretes dos deuses.

Para Mircea Eliade, o rito da iniciação acompanha a história da literatura. Esta é, portanto, a expressão de uma revolta contra o tempo histórico e “a criação artística um esforço para recriar a linguagem a fim de permitir a passa-gem do verbal ao formal, o acesso à sacralidade, pois que se trata de viver o universal e o intemporal” (ELIADE apud BILLEN, 1988, p. 587).

Segundo esta visão, Mário Peixoto representaria o ar-tista inspirado por forças subterrâneas e ocultas que não hesita em utilizar a criação poética como um meio de auto-conhecimento e regeneração, o que faz com que sua obra não sirva a nenhuma ideologia ou poder instituído. Isso não impede, contudo, que seu romance apresente inúmeros in-dícios de busca de uma identidade brasileira por meio da afirmação de diferenças estéticas e temáticas, se compa-rado não somente com seus predecessores, mas também com obras de seu tempo. A ficção de Mário Peixoto reflete antes o artista puro e espontâneo que se realiza na procura da unidade do ser, através da passagem de um estado de caos e diminuição de si para um estatuto ideal de renasci-mento, coesão, alegria, liberdade e êxtase. O inútil de cada um é, em sua essência, o relato dessa difícil metamorfose.

Ao não compactuar com o sistema de valores estéticos que vigoravam no Brasil durante a década de 30, O inútil de cada um afastou-se do horizonte de expectativas do público, criando um problema para a crítica, que não conseguiu inseri-lo em um sistema de valores reconhecido. A questão mostrou-se ainda mais complexa em se tratando de um au-tor que pouco ou nada fez para ver sua obra difundida, fruto talvez da insegurança de um artista jovem perante a própria obra, ou quem sabe consciente ao extremo da distância que o separava da produção institucionalizada de seu tempo.

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Sua obra de ficção traduz a necessidade de formar um novo leitor que atenda aos chamados do texto e que tente decifrar o modo como se articulam razão e imaginação.

O inútil de cada um surge em uma época em que as vanguardas estéticas da Europa já haviam contribuído de forma contundente para a renovação da cultura brasileira, sobretudo ao longo da década de 20. No mesmo contexto, o aparecimento da sétima arte, ocorrido ao final do século XIX, fora decisivo para o desenvolvimento de uma estética cal-cada na imagem em movimento, enquanto representação da nova dinâmica do mundo ocidental. O elemento visual adquire, então, um novo conceito, influindo no modo como o homem contemporâneo se situa perante o mundo e des-creve suas relações com o real e com o imaginário.

No que diz respeito ao processo de criação artística, este sofrerá a influência da nova forma de representação oferecida pelo cinema. O romance, nesse sentido, é marcado por uma representação visual oposta àquela apresentada pelo real-naturalismo do século precedente. Assim, a influ-ência do cinema na literatura pode ser descrita na história das relações complexas que uma sociedade mantém com sua linguagem. Tanto O inútil de cada um quanto Limite es-tão inseridos nesse contexto de transformações, traduzindo diretamente o anseio do homem do século XX de explorar novas possibilidades de representação, bem como a busca pelo novo.

A obra de ficção de Mário Peixoto desponta ainda pre-mida por uma nova ordem que condiciona o fazer artístico à sua capacidade em retratar o momento histórico da época, representado pela geração de 30. O segundo momento do Modernismo irá coincidir com a crise de 1929, “que marcou em todo o mundo civilizado uma fase nova de inquietação social e ideológica” (CANDIDO, 1985, p. 124), determinando conseqüentemente o surgimento de uma pesquisa localista na literatura. Os experimentos dos primeiros modernistas preparam, pois, as investigações de caráter histórico-social do decênio de 30, marcado ainda pela instauração do Es-tado Novo. Para Candido (1985), trata-se do apogeu do

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chamado Modernismo ideológico e do recrudescimento das tendências espiritualistas.

As críticas escassas publicadas sobre O inútil de cada um revelaram acima de tudo a dificuldade em analisar a obra, limitando-se ao comentário superficial ou à mera exemplificação de alguma posição estética e ou ideológica por parte da critica. Tal fato se deve à incapacidade da crítica em situá-la em um sistema comum de referência, o que justifica as observações reticentes em relação ao romance. Mário Peixoto é inserido, a sua revelia, em uma luta do campo literário pela afirmação e reconhecimento da corrente introspectiva da geração de 30, ao lado de nomes como José Geraldo Vieira e Cornélio Penna, entre outros. Em sua batalha contra os romancistas engajados do nordeste, Octávio de Faria, em seus artigos críticos se vale constan-temente dos novos autores que então surgiam, dentre os quais Peixoto, para desse modo afirmar a existência de uma reação aos modelos consagrados pela critica intelectuali-zada da época.

A análise de O inútil de cada um demonstra a riqueza que o texto oferece em termos temáticos e formais e o modo como o mesmo se afasta da tradição instituída, seja por escritores engajados na causa social, seja por aqueles que teimaram em produzir, com maior ou menor sucesso, textos introspectivos durante a década de 30. Ainda que seja te-merário buscar as influências que teriam contribuído para a formação poética do artista, é evidente que sua obra reflete, mesmo que de modo refratário ou inconsciente, algumas tendências dissonantes encontradas na arte do início do século XX. Com efeito, na luta contra o modelo parnasiano, Mário Peixoto afirma seu fazer artístico dentro dos pressu-postos básicos da arte moderna, fato que não passou des-percebido de Mario de Andrade ao escrever sobre Mundéu.

Artista inovador, criou uma estética que remete às profundezas da imaginação humana, sem jamais curvar-se ante as determinações da crítica ou do público. Tal afirma-ção não impede, no entanto, que se perceba em sua produ-ção ficcional a presença de elementos que traduzem traços

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de uma “brasilidade”, preocupação recorrente da geração modernista. O inútil de cada um não se pretende um projeto de afirmação da diferença na arte brasileira; o país que lá vemos retratado não representa um fim em si, mas figura um meio para se atingir o universal, ou seja, os dramas que movem o romancista e a humanidade.

O cerne da intenção artística do romance encontra-se concentrado no vivenciar das emoções e sentimentos hu-manos. Mário Peixoto escreve não a partir da observação daqueles que o cercavam, mas antes segundo sua própria experiência, concebendo ou idealizando uma realidade outra, em que as personagens, extensões de seu eu, mo-vem-se em um mundo esfacelado à procura do equilíbrio interior. Neste percurso de iniciação, de luta constante con-tra a inutilidade da vida e a passagem inexorável do tempo, afloram símbolos, devaneios, desejos incontidos e proibidos que, como em um sonho, aparecem no romance de forma fragmentada e propositadamente confusa.

O cinema, então em sua fase inicial, vem em socorro do escritor, enquanto feixe de possibilidades para tentar dizer aquilo que diversas experiências anteriores não alcan-çaram fazer. Mário Peixoto inicia sua carreira com o cinema, explorando os recursos oferecidos pela imagem em movi-mento. Para muitos escritores da época, o cinema mudo representou uma saída para o problema da representação em um momento em que a palavra escrita passava por uma crise nas mãos dos “estetas” com seus cinzéis. O romance naturalista já não parece responder aos anseios de uma so-ciedade esfacelada por uma guerra mundial e desnorteada por uma crise econômica. A arte cinematográfica, ao lado das teorias de Freud, calcadas no poder do inconsciente humano, e das correntes surrealistas e dadaístas, influen-cia de forma decisiva os experimentos estéticos de muitos artistas das primeiras décadas dos novecentos.

Nesta mudança brusca de perspectivas e valores, o cinema será visto como a expressão viva do inconsciente, coletivo ou individual, do homem em busca de um mundo coerente. Na nova dimensão que a tela projeta, fundem-se

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desejos e medos, sonhos e experimentalismo. A relativiza-ção do tempo, tornada possível graças ao espetáculo bidi-mensional do filme, faz com que os conteúdos da consciên-cia se apresentem de forma simultânea, passado e presente confundindo-se tal qual os movimentos de nossa mente, agora perscrutada pela câmera cinematográfica.

Ao realizar Limite e, em seguida, escrever O inútil de cada um, Mário Peixoto ilustra os movimentos da mente humana, ou, pelo menos, os movimentos de sua própria mente. O romance, nesse sentido, representa uma exten-são do filme: aquilo que se esgotou pela incapacidade das imagens em retratar os conteúdos da mente é retomado, enquanto tema, na linguagem obscura do romance, no po-der que o autor confere à palavra, agora revigorada em sua amplitude infinita de representações.

A problemática do tempo e de seus efeitos sobre o ser humano povoa o universo da criação de Mário Peixoto de forma obsedante, fazendo com que o tempo real seja pau-latinamente dilatado no estabelecimento de uma narrativa atemporal. Os acontecimentos não se ligam entre si por in-termédio de uma ordem cronológica e linear, mas, ao contrá-rio, seguem o curso caótico da rememoração fragmentada. A composição de Mário Peixoto é marcada pelo descontínuo, símbolo das idas e vindas da mente humana em um estágio primitivo, pré-ordenado, instaurador do caos. Essa disper-são que busca a cumplicidade do leitor, durante o ato da leitura, parece pedir sua ajuda para ordenar um universo em formação.

Por outro lado, O inútil de cada um revela-se como um grande manifesto niilista da concepção do mundo do artista. Na inutilidade de qualquer ação humana em lutar contra o estado das coisas, reside o âmago da intenção de Mário Pei-xoto. A passagem do tempo é, mais uma vez, o mote nortea-dor da desilusão do escritor frente a uma verdade absurda, perdendo-se qualquer esperança em se atingir um alvo: “o homem não mais colaborador, quanto mais centro do vir-a-ser” (NIETZSCHE, 1983, p. 380). Enfim, o “em-vão” de toda ação do homem a que se refere Nietzsche.

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A solução do “imenso O inútil de cada um” reside no próprio ato criador, enquanto processo iniciático de compre-ensão de si e do mundo. Nesse sentido, O inútil de cada um simboliza uma viagem aos mais obscuros espaços da mente de seu autor, passagem para a dimensão mais re-côndita da alma humana. Para o leitor, a leitura do romance representa o ingresso no mundo sagrado do simbólico e dos mitos, cabendo-lhe a tarefa, nem sempre fácil, de reorgani-zar o caos. Ao reestruturar o mundo caótico da ficção, esse mesmo leitor poderá talvez vislumbrar seu próprio caos inte-rior. Nesses termos, o romance significa a transcendência a um estado tornado real pela linguagem, em um processo de iniciação: retorno individual às próprias origens, transição e, finalmente, renascimento.

Assim, lançado nos anos 30, o romance de Mário Pei-xoto rompe com as expectativas de leitura de seu tempo. O processo inovador de que se utiliza na composição artística, distancia-o tanto do consagrado modelo da tradição natu-ralista como da verve intimista de caráter psicologizante comum à época. O inútil de cada um representa um caso isolado na história de nossa literatura. Ao entrelaçar a nar-rativa ficcional com princípios da arte cinematográfica, pro-pondo uma linguagem com um alto teor de experimentação, o autor produz uma obra que se isola das tendências que criaram faixas próprias entre os hábitos de leitura estabe-lecidos no tempo. Resta saber até que ponto o horizonte de expectativas do público e crítica brasileiros modificou-se nestes 76 anos que nos separam do surgimento do texto de Mário Peixoto, criando condições para a aceitação, hoje, de uma obra da complexidade de O inútil de cada um.

A partir do modo como encara a vida e a arte, Mário Peixoto consolida seu valor não apenas nos aspectos ino-vadores de forma e temática, mas igualmente no caráter precursor de sua obra, afirmando a função do fazer artístico na trajetória da história literária

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pOlítIcA edItORIAl

A Série Cogitare foi criada com o objetivo de divulgar a contribuição de pesquisadores que tenham participado de atividades junto aos cursos de Mestrado e Doutorado em Le-tras da UFSM, na forma de palestras, conferências e outros trabalhos de pequena extensão. Também visam à produção de textos teóricos ou críticos produzidos por professores vin-culados às linhas de pesquisa do PPGL - UFSM.

Esses trabalhos devem ser resultado de projetos vincu-lados às linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Letras, permitindo, assim, a divulgação de alguns resul-tados produzidos pela investigação nas áreas de Estudos Lingüísticos e Literários da UFSM.

A publicação de traduções deverá complementar os textos já pertencentes ao domínio público, relacionados à pesquisa desenvolvida pelo Programa, e que contribuam para fomentar novas perspectivas. Devem apresentar pre-fácio que justifique a importância do texto e sua vinculação com o trabalho de pesquisa desenvolvido pelo tradutor.

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vOlUMeS pUblIcAdOS

A Dama, a Dona e uma outra Sóror(Maria Lúcia Dal Farra)

Sartoris:A História na Voz de quem Conta a História (Vera Lucia Lenz Vianna)

A Fronteira e a Nação no Séc. XVIII:Os Sentidos e os Domínios (Eliana Rosa Sturza)

O Outro no (In)traduzível / L’Autre dans l’Intraduisible (Edição Bilingüe)(Mirian Rose Brum-de-Paula)

Pero Sigo Siendo el Rey:Referente e Forma de Representação(Fernando Villarraga Eslava)

Aquisição, Representação e Atividade(Marcos Gustavo Richter)

Da Corpografia: Ensaio Sobre a Língua/Escrita na Materialidade Digital(Cristiane Dias)

Volume 1

Volume 2

Volume 3

Volume 4

Volume 5

Volume 6

Volume 7

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Perspectivas da Análise de Discurso Fundada por Michel Pêcheux na França: Uma Retomada de Percurso(Ana Zandwais)

Mitos, Héroes y Ciudades:Recorridos Míticos por Algunas Urbes Literarias(Pablo Molina)

Volume 8

Volume 9

pROgRAMA de póS-gRAdUAçãO eM letRASUniversidade Federal de Santa MariaCentro de Educação, Letras e Biologia

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2009