VIVIEN SCHMELING PICCIN Efeitos da lesão pulmonar induzida ...

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VIVIEN SCHMELING PICCIN Efeitos da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica sobre o epitélio das vias aéreas de condução e sua influência no aparelho mucociliar : modelo experimental em coelhos Tese apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Ciências Área de concentração: Patologia Orientadora: Profa. Dra. Elnara Márcia Negri São Paulo 2010

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  • VIVIEN SCHMELING PICCIN

    Efeitos da leso pulmonar induzida pela ventilao mecnica sobre o epitlio das vias

    areas de conduo e sua influncia no aparelho mucociliar : modelo experimental em coelhos

    Tese apresentada Faculdade de Medicina

    da Universidade de So Paulo para obteno

    do ttulo de Doutor em Cincias

    rea de concentrao: Patologia

    Orientadora: Profa. Dra. Elnara Mrcia Negri

    So Paulo 2010

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Preparada pela Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    reproduo autorizada pelo autor

    Piccin, Vivien Schmeling Efeitos da leso pulmonar induzida pela ventilao mecnica sobre o epitlio das vias areas de conduo e sua influncia no aparelho mucociliar : modelo experimental em coelhos / Vivien Schmeling Piccin. -- So Paulo, 2010.

    Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo. Departamento de Patologia.

    rea de concentrao: Patologia. Orientadora: Elnara Mrcia Negri.

    Descritores: 1.Depurao mucociliar 2.Muco 3.Clios 4.Ventilao mecnica 5.Traumatismo pulmonar induzido por respirador 6.Mecanotransduo celular

    USP/FM/SBD-026/10

  • DE D I C A T R I A

  • Ao meu marido Roberto Buckhazi Piccin

    Voc mais que especial. meu parceiro, meu grande amor, meu melhor

    amigo. Sempre incentivou minhas idias, me deu apoio e conselhos sbios.

    Minha admirao por voc enorme. O seu companheirismo fundamental

    para minhas conquistas e estas somente tm significado porque tenho voc

    ao meu lado. Eu te amo.

    minha filha Priscila Schmeling Piccin

    Voc minha companheira de uma jornada que no incio foi muito rdua e

    difcil. Aprendi com voc, amadureci com voc. Minha filha, eu te admiro

    muito, pela sua coragem, dedicao aos seus ideais, pelo seu corao

    bondoso. Obrigada pela sua compreenso e pelo seu carinho. Eu te amo.

    minha filha Andressa Schmeling Piccin

    Meu chicletinho. Inteligente e amorosa. Sempre grudada na mame.

    Sempre ligando para me contar as novidades da escola ou para saber onde

    estou e a que horas vou chegar. Minha companheirinha de todos os

    momentos. Eu te amo.

    minha me Felicia Schmeling

    Eu admiro sua coragem para sozinha criar trs filhos, sua fora em tantos

    momentos difceis da vida, sua disciplina para voltar a estudar e se formar.

    Me, eu tambm me orgulho muito de voc. Eu te amo.

  • AG R A D E C I M E N T O S

  • Profa. Dra. Elnara Mrcia Negri, pelo acolhimento e ensinamentos

    valiosos. Muito obrigada por sua orientao e pacincia e, acima de tudo,

    pela ajuda na concretizao do meu sonho de vida. Que Deus sempre

    ilumine os seus caminhos.

    querida Cludia Simeire Albertini Yagi que eu admiro tanto. A primeira que

    acreditou em mim e, se estou aqui hoje, por culpa sua! Obrigada por tudo

    Clau! Desejo-lhe sempre tudo de bom!

    s amigas muito especiais Regiani Carvalho de Oliveira e Maringela

    Macchione, minhas mestras do Laboratrio do Muco e Defesa Pulmonar.

    Obrigada pelo carinho e pelo acolhimento. Vocs foram meus anjos da

    guarda nessa jornada.

    Susimeire Gomes pela sua luz, sua pacincia, seus ensinamentos

    grandiosos. Voc o exemplo de profissionalismo, dedicao e respeito

    pesquisa cientfica.

    Ao Prof. Dr. Paulo Hilario Nascimento Saldiva pelo incentivo e disposio em

    ajudar.

    Aos Profs. Marcelo Amato e Carlos Carvalho pelo interesse, incentivo e

    amplo apoio no desenvolvimento desse estudo na UTI Animal.

  • Profa. Elia Garcia Caldini meu muito obrigado pelos preciosos

    ensinamentos. Hoje eu vejo o microscpio com outros olhos.

    s Dras. Marisa Dolhnikoff e Maria Lcia Garcia pelos ensinamentos e

    observaes construtivas.

    Ao Prof. Dr. Raymundo Soares de Azevedo Neto pelo exemplo, pela

    simpatia e pelas dicas sempre pertinentes.

    s amigas Christiane Calciolari, Kelly Yoshizake, Luciana Rabello, Andrea

    Cristina Pereira, Lcia Akinaga, Alessandra Choqueta, Naomi Nakagawa,

    Danielle Goto, Gabriela Manfrim, Mary Anne Olm, Karina Andrighetti,

    Dolores Rivero, Ana Julia Lichtenfels, Eliane Tigre, Heloisa Bueno, Janana

    Proena, Aretha de Souza, Mrcia Sueli Bento, Maria Dalva Gomes

    Santana, Eunilda Cavalcante, Tatiana Lanas, Raquel Annoni, Ana Laura

    Carvalho, Mana Morales, Bianca de Arajo, Denise Carnieli, Miriam Lemos,

    Cibele Berto, Adriana Lunardi, Fabiana Leoratti, Renata Leite e aos amigos

    Ruy Neto, Digenes Ferreira e Rogrio Pazetti pelo apoio e ajuda

    incondicional.

    Agradeo igualmente aos companheiros do LIM 09, Marcelo do Amaral

    Beraldo, Neide Ribeiro, Otlia Batista, Karina Timenetsky e Raquel Belmino

    que me auxiliaram e me ensinaram tanto. Obrigada de corao!

  • A todos os amigos do Laboratrio de Biologia Celular FMUSP: Marcelo Alves

    Ferreira, Nilsa Regina Damaceno Rodrigues, Maria res Amorim Mendes,

    Ado Caetano Sobrinho, Felipe Garcia Alves, Valria Veiga Sales, Cristina

    Viveiros Cordeiro da Fonseca, Mirian Regina Simone, Maria Ceclia

    Marcondes, Maria Margarida Monteiro e Gildsio Vieira Rocha.

    s dedicadas Liduvina de Barros, Vera Lcia Carvalho, Weluma de Souza,

    Emlia de Araujo e Anna Mary Zenker Brando pela excelncia do trabalho e

    disposio com os alunos e orientadores desse programa de ps-graduao.

    Agora o mexidinho com vocs.

    Profa. Cida Basile e estimadas Silvia Itzcovici Abensur, Gladis dos Santos,

    Maria Snia Patrcio de Almeida e Gisela Aparecida Dantas de Macedo que

    sempre me acolheram to bem e participaram dos meus momentos

    maravilhosos no PAE Programa de Aperfeioamento de Ensino.

    Profa. Raquel Casarotto, Prof. Celso Carvalho e Prof. Carlos Augusto

    Pasqualucci pelos exemplos de docncia, pelos ensinamentos e pela

    oportunidade de aprender.

    FAPESP pelo apoio financeiro e pela liberao do estgio docente, de

    extrema importncia para a formao do ps-graduando.

  • A realizao de uma pesquisa requer somatrio de recursos, tempo e

    disposio. Agradeo tambm o apoio da Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo FMUSP e dos Laboratrios de Investigao

    Mdica: LIM 05 e LIM 59 Departamento de Patologia, LIM 09

    Departamento de Crdio-Pneumologia e LIM 51 Departamento de

    Emergncias Clnicas, sem os quais a disponibilidade de tempo e a

    motivao no seriam suficientes para a colheita dos frutos desse estudo.

    s amigas e amigos no citados aqui em nome, mas guardados com carinho

    no corao. Agradeo ao sorriso, ao bom dia caloroso, ao aceno de cabea

    afetuoso. Estes gestos, muitas vezes annimos, tornavam um dia difcil bem

    mais leve e agradvel.

    Aos amigos to queridos dessa jornada: Maria Aparecida Nogueira, Maria

    Jlia Pinto Porto, Ester Almeida (In Memoriam), Dra. Ises Abrahamsohn, Dr.

    Paulo Abrahamsohn, Dr. Granadeiro Guimares (In Memoriam), Maria

    Helena Motta Rodrigues Alves, Eliana Marchi Azevedo, Luiza Dante Marchi,

    Juliana Marchi de Castro e Azevedo. Agradeo a Deus a oportunidade de ter

    conhecido estas pessoas especiais!

    minha av Miriam Cuglovici (In Memoriam) e minha me Felicia

    Schmeling, pela fora e pelo incentivo sempre.

  • minha irm Monica Schmeling Barbosa e pelo nosso reencontro. Monica,

    eu te adoro!

    s minhas tias Lori Schmeling, Regina e urea que achavam que o meu

    marido um dia ia acordar com um livro ao lado.

    minha sogra Helena Buckhazi Piccin e meu sogro Paschoalino Piccin pelo

    carinho, compreenso e pela disposio em ajudar sempre.

    s minhas filhas Priscila Schmeling Piccin e Andressa Schmeling Piccin,

    estrelas da minha vida.

    Ao meu marido Roberto Buckhazi Piccin, meu sol.

    A Deus que permite o sentido de nossa vida.

  • Cada um como Deus o fez.

    (Citado por Jos Granadeiro Guimares)

    A acepo desse fato talvez seja o nosso maior desafio dirio.

  • Esta pesquisa recebeu subsdio financeiro da

    FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo

    Bolsa de Doutorado Direto: Processo n 2006/50725-8

  • Esta tese est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta publicao: Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors (Vancouver) Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias. Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 2a ed. So Paulo: Servio de Biblioteca e Documentao; 2005. Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in Index Medicus.

  • SU M R I O

  • S U M R I O

    Lista de abreviaturas, smbolos e siglas Lista de figuras Lista de grficos Lista de tabelas Resumo Summary

    1 INTRODUO............................................................................. 2

    1.1 Ventilao mecnica e leso pulmonar induzida pela ventilao mecnica...................................................................................... 2

    1.2 O sistema respiratrio e suas defesas......................................... 13

    1.3 Aparelho mucociliar...................................................................... 17

    1.4 Hiptese e justificativa.................................................................. 33

    2 OBJETIVO................................................................................... 35

    3 MTODOS.................................................................................... 37

    3.1 Protocolos de ventilao mecnica.............................................. 39 3.1.1 Critrios para definio de LPIV................................................... 43 3.2 Avaliao da funo mucociliar.................................................... 43 3.2.1 Transporte mucociliar in situ......................................................... 44 3.2.2 Frequncia do batimento ciliar...................................................... 45 3.2.3 Transportabilidade pelo mtodo palato de r............................... 46 3.2.4 ngulo de contato......................................................................... 48 3.3 Morfometria e morfologia.............................................................. 50 3.3.1 Infiltrado inflamatrio.................................................................... 50 3.3.2 Muco cido e muco neutro........................................................... 51 3.3.3 Microscopia eletrnica.................................................................. 54 3.4 Anlise estatstica......................................................................... 55

    4 RESULTADOS............................................................................. 57

  • 4.1 Ventilao e sinais vitais............................................................... 57 4.2 Efeitos da ventilao mecnica sobre o pulmo.......................... 60 4.2.1 Avaliao macroscpica............................................................... 60 4.2.2 Infiltrado inflamatrio.................................................................... 62 4.2.3 Leso pulmonar induzida pela ventilao mecnica.................... 66 4.3 Funo mucociliar......................................................................... 66 4.3.1 Muco cido e muco neutro........................................................... 71 4.3.1.1 Traquia........................................................................................ 71 4.3.1.2 Bronquolos................................................................................... 75 4.3.2 Microscopia Eletrnica.................................................................. 78

    5 DISCUSSO ............................................................................... 82

    5.1 Funo mucociliar......................................................................... 83 5.1.1 Transportabilidade em traquia.................................................... 83 5.1.2 Transportabilidade em palato....................................................... 84 5.1.3 Frequncia de batimento ciliar...................................................... 86 5.1.4 ngulo de contato......................................................................... 88 5.2 Muco cido e muco neutro........................................................... 90 5.3 Morfologia celular do aparelho mucociliar.................................... 92 5.4 Ventilao mecnica e pulmo..................................................... 95 5.5 Limitaes..................................................................................... 102

    6 CONCLUSO............................................................................... 107

    7 ANEXOS ...................................................................................... 109

    8 REFERNCIAS ........................................................................... 121

  • LI S T A S

  • ABREVIATURAS, SMBOLOS E SIGLAS

    % por cento & e < menor que = igual a mais ou menos l microlitro m2 micrmetros quadrados 1:1 um para um Cdy complacncia dinmica cmH2O centmetros de gua cmH2O/L/seg

    centmetros de gua por litro por segundo

    Com comrcio et al. e outros EtCO2 dixido de carbono ao fim da expirao FC frequncia cardaca FiO2 frao inspirada de oxignio FMUSP Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo Fr French FR frequncia respiratria HE Hematoxilina-Eosina HZ Hertz Ind indstria L/m litros por minuto Ltda limitada m2 metros quadrados ME microscopia eletrnica mg/Kg miligramas por kilogramas ml mililitros ml/cmH2O mililitro por centmetro de gua ml/Kg mililitros por quilograma

  • mm milmetros mm/min milmetros por minuto mm/s milmetros por segundo mmHg milmetros de mercrio mmol/L milimol por litro n nmero C graus Celsius graus p probabilidade (estatstica) PaCO2 presso parcial de gs carbnico no sangue arterial PaO2 presso parcial de oxignio no sangue arterial PAS/AB combinao de cido peridico de Shiff e azul alciano PEEP presso expiratria final positiva pH potencial de hidrognio Pmdia presso mdia Ppico presso de pico Pplat presso de plat rpm respiraes por minuto Rti resistncia tecidual SaO2 saturao arterial da oxihemoglobina VC volume corrente Vt volume corrente x vezes

  • FIGURAS

    Figura 1 Foras de tenso e cisalhamento geradas pela ventilao mecnica e sua participao em diferentes setores do sistema respiratrio.................................... 6

    Figura 2 Estrutura do epitlio respiratrio................................... 17

    Figura 3 Esquema representando o mecanismo de transporte

    mucociliar com a camada sol e camada gel do muco respiratrio.................................................................... 19

    Figura 4 Esquema mostrando detalhes da estrutura em corte

    transversal do clio envolto pela membrana plasmtica ................................................................... 20

    Figura 5 Ciclo do batimento ciliar visto de perfil e do topo da superfcie...................................................................... 22

    Figura 6 Diagrama esquemtico do polmero constituindo um

    gel................................................................................. 24

    Figura 7 Representao esquemtica do modelo jack-in-the-box para a secreo de mucina.................................. 25

    Figura 8 Regulao da gene transcrio do MUC5AC............... 27

    Figura 9 Mecanismo proposto de ativao autcrina de EGFR

    em clulas epiteliais de brnquios aps estresse mecnico...................................................................... 28

    Figura 10 Muco recobrindo o epitlio respiratrio........................ 31

    Figura 11 Mecanismos de absoro e secreo de ons, gua e

    eletrlitos do epitlio respiratrio.................................. 32

    Figura 12 Esquema demonstrando as reas da traquia dos coelhos onde foram coletadas as amostras de muco e amostras de tecido traqueal para avaliao histopatolgica e da funo mucociliar......................... 42

    Figura 13 Representao esquemtica do transporte mucociliar em palato de r............................................................. 47

    Figura 14 Representao esquemtica do equipamento

    utilizado para a medida do ngulo de contato.............. 48

    Figura 15 Anlise macroscpica de pulmes de coelhos............. 61

  • Figura 16 Parnquima pulmonar dos grupos: Sham (A), Baixo Volume (B), Alto Volume (C) e Alta Presso (D) - (HE 400x)............................................................................. 65

    Figura 17 Muco observado no epitlio traqueal dos grupos: Sham (A), Baixo Volume (B), Alto Volume (C) e Alta Presso (D) - (PAS/AB 400x)....................................... 73

    Figura 18 Muco observado no epitlio de bronquolos dos

    grupos: Sham (A), Baixo Volume (B), Alto Volume (C) e Alta Presso (D) - (PAS/AB 400x)............................. 77

    Figura 19 Microscopia eletrnica dos grupos Sham (A), Baixo Volume (B), Alto Volume (C) e Alta Presso (D) 79

  • GRFICOS

    Grfico 1 Nmero de clulas polimorfonucleares (infiltrado inflamatrio) observado em parnquima pulmonar dos animais do grupo Sham e grupos expostos aos protocolos de VM............................................................... 63

    Grfico 2 Reproduo grfica da transportabilidade do muco in situ

    (traquia de coelho) nos grupos ventilados (Baixo Volume/BV, Alto Volume/AV e Alta Presso/AP).............. 67

    Grfico 3 Reproduo grfica da transportabilidade do muco in

    vitro (palato de r) nos grupos ventilados (Baixo Volume/BV, Alto Volume/AV e Alta Presso/AP).............. 68

    Grfico 4 Reproduo grfica da frequncia de batimento ciliar

    observada na traquia de coelho nos grupos ventilados (Baixo Volume/BV, Alto Volume/AV e Alta Presso/AP)... 69

    Grfico 5 Reproduo grfica da medida do ngulo de contato do

    muco dos animais dos grupos ventilados (Baixo Volume/BV, Alto Volume/AV e Alta Presso/AP).............. 70

    Grfico 6 Relao rea de muco/frao de parnquima observada

    no epitlio traqueal dos grupos Sham, Baixo Volume (BV), Alto Volume (AV) e Alta Presso (AP)...................... 72

    Grfico 7 Espessura do epitlio traqueal de coelhos nos grupos

    Sham e grupos ventilados (Baixo Volume/BV, Alto Volume/AV e Alta Presso/AP).......................................... 74

    Grfico 8 rea de muco observada no epitlio de bronquolos de

    coelhos nos grupos Sham, Baixo Volume (BV), Alto Volume (AV) e Alta Presso (AP)...................................... 76

    Grfico 9 Espessura do epitlio de bronquolos de coelhos nos

    grupos Sham, BV, AV e AP (Mdia e Desvio Padro)...... 78

  • TABELAS

    Tabela 1 Sinais vitais.................................................................... 57

    Tabela 2 Parmetros ventilatrios................................................. 58

    Tabela 3 Ventilao mecnica (VM)............................................. 59

    Tabela 4 N de clulas polimorfonucleares por rea de parnquima pulmonar (m2).......................................... 62

    Tabela 5 Transportabilidade em traquia de coelho (TMCT)....... 67

    Tabela 6 Transportabilidade em palato de r (TMC).................... 68

    Tabela 7 Frequncia de batimento ciliar (FBC)............................. 69

    Tabela 8 ngulo de contato (AC).................................................. 70

    Tabela 9 Muco em traquia de coelhos (em m2)........................ 71

    Tabela 10 Muco em bronquolos de coelhos (em m2)................... 75

  • RE S U M O

  • Piccin VS. Efeitos da leso pulmonar induzida pela ventilao mecnica

    sobre o epitlio das vias areas de conduo e sua influncia no aparelho

    mucociliar: modelo experimental em coelhos [tese]. So Paulo: Faculdade de

    Medicina, Universidade de So Paulo; 2010. 135p.

    A ventilao mecnica (VM) pode ser causa de leso pulmonar sendo este

    fato reconhecido na literatura como Leso Pulmonar Induzida pela

    Ventilao Mecnica (LPIV), onde alteraes tanto fisiolgicas quanto

    morfolgicas so evidenciadas no pulmo. O objetivo desse trabalho foi

    avaliar a repercusso das foras envolvidas na ventilao mecnica atravs

    de diferentes mecanismos de LPIV sobre o sistema mucociliar pela anlise

    funcional e histopatolgica desse aparelho. Em um estudo controlado e

    randomizado vinte e sete coelhos machos da raa Nova Zelndia foram

    separados em quatro grupos. Nos primeiros trinta minutos foram submetidos

    VM com volume corrente de 8 ml/kg peso, fluxo de 3 L/minuto, e presso

    positiva expiratria final (PEEP) de 5 cm H2O e FIO2 de 0,4, sendo que o

    grupo Sham (n=6) foi ventilado por apenas 10 minutos. Os grupos Baixo

    Volume/BV (n=6; Vt 8, Ppico 17, Pmdia 9, PEEP 5, Fluxo 3), Alto

    Volume/AV (n=7; Vt 16, Ppico 27, Pmdia 12, PEEP 5, Fluxo 5) e Alta

    Presso/AP (n=8; Vt 8, Ppico 30, Pmdia 20, PEEP 12, Fluxo 9) foram

    ventilados por mais 3 horas. A mecnica do sistema respiratrio foi

    registrada pelo sistema Labview. Foram acompanhados os valores de

    gasometria e sinais vitais. Amostras de tecido pulmonar foram coradas com

    H&E para anlise de infiltrado inflamatrio. Analisou-se a frequncia de

    batimento ciliar (FBC), transporte mucociliar na traqueia (TMCT),

    transportabilidade em palato de r (MCT) e ngulo de contato (AC).

    Amostras de pulmo e traquia foram coradas pela tcnica PAS/AB para

    avaliao do muco. Observamos diminuio da complacncia do sistema

    respiratrio (p

  • comparao com o grupo Sham. No foram observadas diferenas quanto

    ao TMCT e AC nos grupos ventilados. A transportabilidade em palato

    diminuiu no grupo BV (p=0,007) ao final do protocolo de ventilao (1,42

    com variaes de 2,11-0,99 para 0,95 com variaes de 1,15-0,92). A FBC

    diminuiu (p=0,047) no grupo AP quando comparamos os valores iniciais

    (13,51 variao de 14,49-11,62) e finais ao protocolo de VM (11,69 variao

    de 14,18-10,12). Respostas fisiolgicas e microscopia eletrnica (ME) da

    traquia corroboram a disfuno da FBC no grupo AP. Na traquia os

    grupos ventilados apresentaram uma diminuio da quantidade de muco

    total (BV 2.018, AV 3.219 e AP 2.883) e de muco cido (BV 672, AV 240 e

    AP 480) por m2 de tecido pulmonar por campo estudado (p

  • SU M M A R Y

  • Piccin VS. Effects of ventilator-induced lung injury on airway-ciliated epithelia

    and the influence on mucociliary transport system [thesis]. So Paulo:

    Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2010. 135p.

    Mechanical ventilation (MV) can result in a medical complication named

    Ventilator-Induced Lung Injury (VILI), where physiologic and morphologic

    alterations in the lungs have been reported. In this study, we have

    hypothesized that MV-induced injury can have a major impact on the

    mucociliary system. In a randomized controlled trial twenty-seven male New

    Zealand rabbits were separated into four groups. During the first thirty

    minutes all rabbits were subjected to MV with tidal volume of 8 ml/kg of body

    weight, 3 L/minute of flow, positive end expiratory pressure (PEEP) of 5 cm

    H2O and FIO2 of 0.4. After that the study animals were divided into 4 groups:

    Sham (n=6) was ventilated for ten minutes, Lower Volume/LV (n=6; Vt 8, P

    peak 17, P mean 9, PEEP 5, Flow 3), High Volume/HV (n=7; Vt 16, P peak

    27, P mean 12, PEEP 5, Flow 5) and High Pressure/HP (n=8; Vt 8, P peak

    30, P mean 20, PEEP 12, Flow 9) and ventilated for 3 hours more.

    Respiratory system mechanics was recorded using Labview. Blood

    gasometry and vital signals were monitored. Lung tissue sections were

    stained by H&E to analyze inflammation. We also studied the ciliary beating

    frequency (CBF), tracheal mucociliary transport (TMCT) in situ and in vitro,

    mucus contact angle (CA) and respiratory mucus viscosity. To quantify

    mucosubstances, tracheal samples were stained with PAS/AB. As a result

    we have that the respiratory system compliance decreased (p

  • range of 14.49-11.62) and final (11.69 range of 14.18-10.12) measurements

    were compared. Physiological data and tracheal electronic microscopy

    confirm the CBF dysfunction observed in the AP group. In the trachea all

    ventilated groups showed a significant decrease in total mucus (LV 2,018,

    HV 3,219 and HP 2,883) and acid mucus (LV 672, HV 240 and HP 480) per

    um2 of lung tissue (p

  • 1 INTRODUO

  • I N T R O D U O

    Vivien Schmeling Piccin

    2

    1.1 Ventilao mecnica e leso pulmonar induzida pela ventilao

    mecnica

    Desde a utilizao do fole manual por Paracelso (1530) para insuflar

    pulmes de pessoas recentemente falecidas at os dias atuais, quando

    intensivistas dispem de modernos equipamentos de suporte ventilatrio, o

    tema Ventilao Mecnica (VM) tem sido objeto de muitos estudos. No

    obstante, ainda apresenta lacunas quanto a sua atuao e impacto em

    mltiplos rgos e sistemas do organismo humano (Terzi e Carvalho, 2003).

    De forma conceitual a ventilao mecnica pode ser entendida como

    a manuteno da oxigenao e da ventilao em pacientes portadores de

    insuficincia respiratria aguda, de maneira artificial, at que estejam

    capacitados a reassumi-las (Barbas et al., 2002). Indiscutivelmente trata-se

    do mais importante aspecto de suporte de vida para pacientes com falncia

    respiratria.

    Como qualquer outra terapia, a ventilao mecnica apresenta efeitos

    colaterais (Villar, 2005). Um desses efeitos, denominado Leso Pulmonar

    Induzida pela Ventilao Mecnica (LPIV), tem sido grande item de

    investigao, uma vez que representa um potencial fator de risco em

    pacientes ventilados mecanicamente (Lionetti et al., 2005). O conceito de

  • I N T R O D U O

    Vivien Schmeling Piccin

    3

    LPIV foi estabelecido a partir de evidncias visveis, como a disperso

    area, e evidncias mais sutis, como o desenvolvimento de edema

    intersticial, edema alveolar e ruptura epitelial. Alm disso, recentes

    pesquisas apontam para o papel das clulas inflamatrias e mediadores na

    leso pulmonar, bem como a prpria resposta intracelular ao estresse

    mecnico (Sibilla et al., 2002) como fatores relacionados LPIV.

    Geralmente, a assistncia ventilatria ao paciente crtico realizada

    atravs de um modo ventilatrio determinado por um conjunto de ajustes no

    ventilador que faz com que o equipamento de ventilao mecnica obedea

    a regras especficas. O modo volume controlado permite o ajuste do fluxo e

    do volume corrente, sendo a presso da via area consequncia da

    mecnica pulmonar do paciente. Se a complacncia for baixa ou a

    resistncia elevada, ter valores de presso elstica ou resistiva elevados e

    o ventilador dever desenvolver presses mais altas para suplant-la e fazer

    com que o volume de ar previamente determinado entre nos pulmes. Por

    outro lado, se o aparelho for ajustado para controlar a presso na via area,

    o fluxo e o volume corrente decorrero da mecnica pulmonar do paciente.

    Se o paciente tiver uma complacncia baixa, seu componente de presso

    elstica se elevar. Como o ventilador no permite que a presso ultrapasse

    o limite previamente determinado pelo operador, o volume corrente

    automaticamente cair (Pomplio e Carvalho, 2003). Como pode ser

    observado, no so pequenos os desafios de uma adequada estratgia

    ventilatria, mas de forma geral preconiza-se a utilizao de baixos volumes

    correntes (7 8 ml/Kg), associado a uma presso expiratria final positiva

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    (PEEP) previamente determinada. Para diminuio da presso inspiratria a

    estratgia recomendada a mudana do padro do fluxo inspiratrio (fluxo

    decrescente). Evidentemente trata-se de uma maneira simplificada de

    demonstrar o gerenciamento do paciente com suporte ventilatrio, que

    envolve vrios outros estratagemas. De qualquer forma a questo

    fundamental j demonstrada em situao experimental que altos volumes

    correntes e altas presses inspiratrias podem ser responsveis por leses

    pulmonares graves durante a ventilao mecnica, caracterizadas por

    membrana hialina, infiltrao de granulcitos, e extravasamento das

    hemcias, associadas a uma permeabilidade vascular pulmonar bastante

    aumentada, entre outros. Volumes correntes de 12 ml/Kg em humanos

    assim como presses inspiratrias habitualmente utilizadas na ventilao

    mecnica (25 - 40 cmH2O) parecem ser capazes de produzir leses

    pulmonares mais graves do que aquelas decorrentes do uso de altas fraes

    inspiradas de oxignio. Perodos to curtos como 30 minutos so suficientes

    para desencadear essas leses em pulmes normais. Associado a estas

    leses observa-se tambm o aparecimento de hipotenso arterial sistmica

    e disfuno de mltiplos rgos (Barbas et al., 2002).

    Entretanto, antes de considerarmos mais aprofundadamente a

    influncia do volume corrente e da presso inspiratria no sistema

    respiratrio, pertinente ponderar que, na fisiologia normal, as clulas no

    pulmo esto normalmente sujeitas a uma variedade de foras mecnicas

    como resultado da natureza dinmica da funo pulmonar (Schumacker,

    2002). Uma dessas foras de tenso denominada fora de cisalhamento

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    (shear stress) e ocorre nas vias areas de conduo devido ao fluxo areo.

    Sendo produzida quando o ar move-se pela superfcie celular, gera uma

    tenso paralela membrana plasmtica acarretando em uma deformao

    dessa membrana. Uma segunda forma de deformao sofrida pelo pulmo

    refere-se tenso mecnica. A tenso ocorre quando determinada fora

    aplicada a uma clula que, sendo elstica, causa um estiramento ou uma

    deformao mecnica. Em estados patolgicos como leso pulmonar aguda,

    onde a diminuio da elasticidade pulmonar relevante, a magnitude da

    fora de tenso mecnica est aumentada, com consequente ampliao do

    nvel de esforo (Schumacker, 2002).

    importante observar que as clulas sujeitas fora de tenso

    mecnica ou cisalhamento apresentam diversos e extensos nveis de

    resposta.

    A Figura 1 apresenta de forma ilustrativa como estas foras esto

    distribudas no sistema respiratrio.

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    FONTE: Modificado de Fishman AP, pulmonary diseases and disorders em Welsh MJ, 1988.

    Figura 1 Foras de tenso (setas vermelhas) e cisalhamento (setas

    azuis) geradas pela ventilao mecnica e sua participao em diferentes setores do sistema respiratrio.

    NOTA: EP: Epitlio; BM: Membrana basal; SM: Glndula submucosa; FC: Fibrocartilagem.

    Durante a ventilao mecnica as foras de tenso e cisalhamento

    no representam mais aquelas observadas na atividade normal da funo

    respiratria. Estas foras, devido a um princpio de gerao mecnica de

    fluxo, esto diminudas ou aumentadas de acordo com o padro ventilatrio

    adotado e seus ajustes especficos, seja este modo volume controlado ou

    presso controlada. Schulz (1959) foi o primeiro autor a descrever as

    consequncias patolgicas nos pulmes mecanicamente ventilados,

    sugerindo que o estresse mecnico da camada interna dos alvolos

    (causado pela hiperdistenso) pode mudar as caractersticas surfactantes

    (citado por Duarte et al., 2003). A partir de ento vrias pesquisas se

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    seguiram com o objetivo de entender melhor a transformao do sinal

    mecnico gerado pelo ventilador em sinal biolgico (mecanotransduo), e

    suas possveis consequncias ao organismo.

    O significado e impacto da mecanotransduo no sistema pulmonar

    bem como os mecanismos moleculares dos mecanossensores celulares

    ainda no esto totalmente estabelecidos. Desde que o mecanossensor

    definido como um sistema que detecta tenso mecnica na clula e converte

    esta deformao em um sinal biolgico, os mecanismos apontados como

    responsveis por esta interpretao de sinais de distoro incluem os canais

    inicos sensveis ao estiramento, interaes citoesquelticas e outros

    sistemas. Parte da dificuldade em identificar a chave do processo

    mecanossensor est em identificar qual exatamente o estgio em que este

    mecanossensor ativado (Schumacker, 2002).

    O papel da falncia por estresse e reparo da membrana plasmtica

    epitelial tem sido discutido como importante mecanismo de base mediador

    da leso pulmonar por estresse mecnico. As clulas experienciam a

    falncia por estresse da membrana plasmtica quando a matriz qual esto

    aderidas sofre uma grande deformao (Matthay et al., 2002). No pulmo,

    semelhante mecanismo pode ajudar a explicar a leso celular decorrente de

    ventilao mecnica. Vlahakis e Hubmayr (2002) demonstraram que a

    deformao mecnica dos pulmes induz o trfego de lipdios para a

    membrana plasmtica de clulas epiteliais dos alvolos, acarretando

    aumento da superfcie celular. Esse mecanismo um processo dependente

    de temperatura e, consequentemente, de energia e envolve o movimento de

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    vesculas atravs da membrana. Condies associadas que inibem este

    processo de defesa envolvem baixa temperatura, baixo colesterol e

    enfraquecimento citoesqueltico. Esses pesquisadores, ainda considerando

    o papel de proteo do trfego de lipdios, recentemente demonstraram que

    a leso celular por estresse significativamente aumentada quando esse

    trfego inibido (Vlahakis e Hubmayr, 2002). Devido observao das

    propriedades mecnicas das clulas, onde se constatou a associao entre

    a inibio da resposta de remodelao e a leso, foi levantada a hiptese de

    que a remodelao celular um mecanismo mais importante para a

    citoproteo contra a deformidade ou ruptura por tenso do que os

    elementos de conectividade e resistncia representados pelos componentes

    celulares de suporte de tenso (Vlahakis e Hubmayr, 2002). Os autores

    sugerem que o movimento dos lipdios deve ser considerado em pesquisas

    de agentes de proteo contra a leso pulmonar induzida pela ventilao

    mecnica. Em outro estudo, Atabai et al. (2002) sugerem que o fator de

    crescimento de clulas epiteliais (Keratinocyte Growth Factor KGF) pode

    intensificar o reparo do epitlio alveolar por mecanismos que no incluiriam o

    de multiplicao celular. Foi administrado KGF (5 mg/Kg), via intratraqueal,

    em ratos 48 h antes do isolamento de pneumcitos do tipo II. As clulas

    previamente tratadas com KGF apresentaram um expressivo nvel de reparo

    epitelial quando comparadas com as do grupo controle, sugerindo que

    experimentalmente esta protena auxilia na recuperao da leso pulmonar

    aguda. Lim et al. (2002) apresentaram evidncias, em estudo in vivo, de que

    a tenso excessiva em vias areas pode induzir o movimento de clulas

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    inflamatrias para a microcirculao local de ratos. Neste estudo, os autores

    desenvolveram uma nova aplicao da microscopia intravital em ratos

    anestesiados, mecanicamente ventilados, possibilitando a direta observao

    do influxo leucocitrio na circulao traqueobronqueal. Neste estudo a

    ventilao normal foi mantida com 80 respiraes por minuto, com 6 ml/Kg

    de volume e 0 cmH2O de presso positiva expiratria final (PEEP). O

    aumento da tenso pulmonar foi induzido pelo aumento da PEEP para 8

    cmH2O em diferentes intervalos de tempo. A ventilao normal no alterou a

    velocidade de recrutamento leucocitrio e tampouco o nmero de ligaes

    celulares. Em contraste, o aumento do PEEP por uma hora induziu um

    considervel decrscimo na presso sangunea, com recuperao dos

    valores de base em trinta minutos. O evento de reduo tempo-dependente

    da velocidade de recrutamento leucocitrio permanece assim mesmo aps a

    reduo da PEEP excessiva. No entanto, o nmero de receptores

    endoteliais atinge seu patamar em uma hora de observao, retornando aos

    valores de base em duas horas, o que sugere que o endotlio no

    irreversivelmente ativado com a sustentao da tenso pulmonar devido

    utilizao da PEEP. Os autores especularam que o recrutamento leucocitrio

    o resultado direto do aumento da tenso no pulmo resultando no

    desencadeamento local de mediadores inflamatrios e na ativao do

    endotlio das vias areas. Para confirmar esta hiptese, foram apresentados

    dados demonstrando que o aumento da tenso no pulmo no modifica o

    trfego leucocitrio no mesentrio de ratos, no obstante a similar reduo

    da presso sangunea. Esses dados confirmam a hiptese de que a

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    excessiva tenso no pulmo durante a ventilao mecnica pode

    desencadear eventos deletrios em pacientes com patologias em vias

    areas. Frank et al. (2002) induziram dano pulmonar em ratos ventilados

    com diferentes protocolos de ventilao mecnica. Os ratos foram

    randomizados em trs grupos, com 12, 6 ou 3 ml/Kg de volume corrente na

    ventilao e PEEP de 10 cmH2O. Como esperado, o grupo de 12 ml/kg de

    volume corrente apresentou um visvel extravazamento de gua no pulmo

    aps 4 horas. O grupo com volume corrente de 6 ml/Kg de peso corpreo,

    similar ao grupo com estratgia protetora de ventilao mecnica utilizada

    pelo National Institutes of Health, notadamente apresentou reduo do

    edema pulmonar. O grupo de 3 ml/kg de volume corrente igualmente

    apresentou reduo do edema pulmonar. Existem evidncias de que o

    adicional efeito de proteo do uso de 3 ml/Kg de volume corrente pode ser

    explicado pelo favorecimento da proteo contra leses epiteliais alveolares,

    baseadas em estudos biomecnicos sobre antgenos de clula epitelial do

    tipo I bem como pela expresso melhorada do surfactante protena C e a

    normalizao da capacidade de transporte do fludo alveolar.

    Histologicamente pode ser observada a diminuio do edema e da

    inflamao com estratgias de baixo volume corrente. Dessa maneira, existe

    um efeito de proteo relacionado s estratgias ventilatrias que

    possibilitam a reduo de leso no endotlio pulmonar, mas o adicional

    efeito de proteo do uso de baixo volume corrente parece ser explicado

    pela limitao de leso no epitlio alveolar. Sabe-se atualmente que

    estratgias protetoras de ventilao mecnica conduzem a um declnio na

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    mortalidade de pacientes com sintomas clnicos de leso pulmonar aguda

    (Matthay et al., 2002).

    Na literatura cientfica percebe-se que o estiramento somente afetar

    o pulmo se esta fora for suficiente para acarretar falncia mecnica dos

    elementos estruturais. De modo significante, no existe dvidas da

    importncia da distoro mecnica na fisiologia ou fisiopatologia do pulmo

    (Schumacker, 2002), porm a questo continua a requerer a colaborao de

    vrios profissionais para sua resposta.

    Adicionalmente ao estudo do impacto das foras mecnicas da VM

    sobre o pulmo distal, surgiram pesquisas in vitro com foco no estudo do

    efeito da estimulao mecnica sobre clulas do aparelho mucociliar e sobre

    as propriedades do muco. Sanderson e Dirksen (1986) observaram que a

    estimulao mecnica da superfcie de cultura de clulas ciliadas derivadas

    da traquia de coelhos resultava em um aumento transitrio do batimento

    ciliar de vinte por cento ou mais no apenas na clula estimulada, mas at

    mesmo nas clulas vizinhas quela. Sanderson et al. (1990) tambm

    mostraram que a estimulao mecnica em culturas de clulas ciliadas do

    epitlio respiratrio de coelhos desencadeia uma onda de propagao de

    clcio (Ca2+) atravs de mecanismos de comunicao intercelular. Esta

    comunicao capacita as clulas na coordenao de suas atividades

    fisiolgicas estabelecendo um padro de colaborao mtua. A abertura dos

    canais de clcio atravs do estresse mecnico e sua participao na

    regulao do batimento ciliar foi tambm explorada por Winters et al. (2006)

    em tecido mucociliar extrado da traquia de ratos. Estes pesquisadores

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    concluram que complexas interaes de componentes fsicos e bioqumicos

    regulam a viscosidade do muco e a mobilidade ciliar. Moores et al. (1992)

    pesquisaram a ao da ventilao de alta frequncia sobre muco

    expectorado de pacientes com bronquite crnica observando que o aumento

    da viscosidade e da elasticidade observados no muco aps a aplicao

    desse estmulo especfico poderia acarretar na reduo do clearance

    pulmonar in vivo. Even-Tzur et al. (2008) verificaram que culturas de clulas

    humanas do epitlio nasal expostas a uma cmara simulando o estresse

    causado por diferentes fluxos de ar apresentavam um aumento na secreo

    de muco em relao as clulas no submetidas a tal estresse mecnico,

    sugerindo que o estmulo mecnico representativo na funo do epitlio

    nasal.

    Porm, apesar de muito ter sido estudado sobre o impacto das foras

    de tenso e cisalhamento geradas pela ventilao mecnica sobre o

    parnquima pulmonar distal, e tambm alguns estudos in vitro terem sido

    desenvolvidos para pesquisar sobre o tema, existem poucos estudos in vivo

    que abordam as consequncias das diferentes foras tensionais geradas

    pela ventilao mecnica sobre o aparelho mucociliar. Estes estudos

    envolvem ou pacientes com diferentes histrias clnicas geralmente

    abordando um padro ventilatrio em particular (Konrad et al., 1995;

    Nakagawa et al. 2000, Nakagawa et al. 2005; de Oliveira et al., 2006); ou

    pesquisas experimentais focando a ao no aparelho mucociliar de drogas

    especficas ou do posicionamento do corpo durante a ventilao mecnica

    (Nakagawa et al, 2004; Bassi et al., 2007).

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    13

    Sabe-se, no entanto, na comunidade cientfica, que os achados de

    edema por aumento de permeabilidade, processo inflamatrio com liberao

    de mediadores, congesto, inundao alveolar e atelectasias observados na

    LPIV (Duarte et al., 2003) acarretam acrscimo da quantidade de secrees

    no pulmo, dificuldade de depurao dessa secreo e proporcional

    aumento na ocorrncia de infeco pulmonar. Assim, um melhor

    entendimento sobre leso pulmonar induzida pela ventilao mecnica e sua

    influncia sobre o aparelho mucociliar pode auxiliar no desenvolvimento de

    medidas para a defesa e clearance pulmonar.

    Neste contexto, faremos uma breve reviso sobre o sistema

    respiratrio e o aparelho mucociliar, bem como sobre os fatores

    determinantes para um adequado clearance pulmonar, como o epitlio

    respiratrio, constituio do muco respiratrio e transporte inico.

    1.2 O sistema respiratrio e suas defesas

    O sistema respiratrio possui uma arquitetura voltada para a

    otimizao de sua funo primordial que o de efetuar as trocas gasosas

    (Saldiva et al., 1990). As estruturas componentes desse sistema podem ser

    divididas entre aquelas que promovem a entrada e sada do ar do organismo

    e que fazem parte da zona condutora (o nariz, a nasofaringe, a laringe, a

    traquia, os brnquios e os bronquolos); e aquelas que facilitam o trnsito

    gasoso para o sangue e do sangue para o ambiente e esto situadas na

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    zona respiratria (os bronquolos respiratrios ou terminais, os ductos

    alveolares e os sacos alveolares).

    As vias areas representam a maior rea de superfcie epitelial do

    corpo humano em contato direto com o meio externo e, como consequncia,

    so as que mais sofrem com as agresses advindas desse contato

    (Nakagawa, 2006). Em 24 horas um indivduo adulto inala aproximadamente

    12.000 litros de ar ambiente. Ao final de uma inspirao profunda 80% do

    volume pulmonar ser composto de ar, 10% de sangue e 10% de tecido

    pulmonar propriamente dito, porm disposto de forma a otimizar a interface

    de troca (com extenso equivalente de 70 a 100m2). O ar inalado contm

    uma srie de elementos potencialmente nocivos, tais como partculas

    orgnicas e inorgnicas, organismos vivos e mortos, vapores e fumaas, que

    so frequentemente depositados na superfcie do trato respiratrio (Saldiva

    et al., 1990; Nakagawa, 2006).

    Entretanto, apesar da inalao contnua de agentes nocivos, os

    pulmes so limpos e estreis. Isso ocorre porque as vias de conduo so

    estruturadas anatmica e fisiologicamente para proteger a regio alveolar

    (Lorenzi et al., 1991), seja atravs de respostas imunolgicas inatas (no-

    especficas) ou adquiridas (especficas) (Nakagawa, 2006). O sistema de

    defesa inato responsvel pelo transporte de partculas e microorganismos

    depositados na superfcie das vias areas e pela eliminao de patgenos

    nos alvolos atravs do condicionamento do ar inspirado (umidificao,

    aquecimento e filtrao), transporte mucociliar (ou transporte pela tosse) ou

    fagocitose pelos macrfagos na regio alveolar. O sistema de defesa

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    15

    adquirido antgeno-especfico, incluindo respostas imunolgicas mediadas

    pela clula e pelo anticorpo (Nakagawa, 2006).

    Concentramos nosso estudo na zona condutora, basicamente

    traquia e bronquolos, para efeito de anlise e comparao dos efeitos da

    LPIV em partes distintas do sistema de defesa inato com funo de

    transporte mucociliar.

    A traquia o principal segmento condutor de ar nas vias areas,

    sendo formada por anis cartilaginosos em formato de meia-lua que se

    subdividem at chegar aos sacos areos. Sua convexidade frontal, sendo

    apenas cilndrica em sua parte anterior. Posteriormente a traquia plana e

    coberta por uma membrana. Na traquia existe um revestimento interno

    mucoso e outro ciliar, onde os clios se movem em direo faringe, levando

    as impurezas e o excesso de muco. As paredes externas da traquia so

    revestidas por musculatura lisa e recebem fibras dos ramos simpticos e

    parassimpticos do sistema neurovegetativo para regulao da resistncia

    das vias areas e da intensidade do fluxo de ar. Existem receptores beta-

    adrenrgicos (2) no tecido desta musculatura lisa que quando estimulados

    pela noradrenalina da fibra simptica produzem relaxamento e consequente

    aumento do calibre da traquia. Os receptores muscarnicos por suas vezes

    ligam-se a acetilcolina da fibra parassimptica e promovem a contrao da

    musculatura com consequente diminuio da rea livre de entrada do ar

    (Savarese e Rosinha, 2006).

    A traquia subdivide-se em dois ramos denominados respectivamente

    brnquio principal direito e brnquio principal esquerdo. Ocorrem, ento,

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    sucessivas divises dicotmicas e aproximadamente entre a 9 e 19

    geraes encontram-se os bronquolos (Leff e Schumacker, 1996).

    importante observar que, medida que as subdivises avanam, os

    brnquios perdem cartilagem e ganham musculatura lisa comandada pelo

    sistema neurovegetativo. O nmero de clulas mucosas do revestimento

    interno permanece, mas o nmero de clulas ciliadas vai diminuindo at que

    estas desaparecem no bronquolo terminal (Savarese e Rosinha, 2006).

    Os bronquolos so segmentos com 1 mm ou menos, com epitlio que

    varia desde cilndrico simples ciliado at cbico simples na sua poro final.

    As clulas caliciformes diminuem progressivamente, estando mesmo

    ausentes da medida em que os bronquolos adquirem menor dimetro. O

    epitlio dos bronquolos apresenta regies especializadas denominadas

    corpos neuroepiteliais que recebem inervao colinrgica. Estes corpos

    possuem clulas com grnulos de secreo que provavelmente esto

    envolvidas na resposta do bronquolo frente a alteraes na composio dos

    gases na luz bronquiolar. A lmina prpria dos bronquolos delgada e rica

    em fibras elsticas. Abaixo da mucosa encontra-se a camada muscular que

    relativamente mais desenvolvida do que nos brnquios e est sob controle

    do sistema nervoso autnomo. A estimulao parassimptica aumenta o seu

    grau de contrao diminuindo o dimetro destes tbulos, ocorrendo o oposto

    com a estimulao simptica. Os menores bronquolos com carter condutor

    so revestidos por um epitlio cbico simples contendo clulas de clara.

    Estas clulas secretam lipoprotenas com funo de prevenir adeses no

    lmen (Moriscot et al., 2004).

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    17

    1.3 Aparelho mucociliar

    O epitlio das vias de conduo pseudoestratificado ciliado e as

    clulas comprometidas com o transporte mucociliar podem ser divididas

    didaticamente em secretoras e ciliadas. As clulas ciliadas possuem cerca

    de 200 clios, com cerca de cinco a sete micrmetros na regio da traquia,

    tornando-se progressivamente menores ao caminhar para a periferia do

    pulmo. Locais onde as principais fontes de secreo pulmonar esto

    presentes: 1. glndulas da submucosa, onde so encontradas as clulas

    mucosas e serosas (presentes somente nas vias areas cartilaginosas); 2.

    epitlio das vias areas: clulas mucosas (ou globet cells), serosas e

    clulas de clara. Existem atualmente dez tipos celulares descritos no epitlio

    respiratrio, incluindo-se clulas com papel ainda pouco conhecido (special

    type e brush) (Jeffery et al., 1983; Lorenzi et al., 1991) (Figura 2).

    FONTE: Modificado de Morgenroth, 1988.

    Figura 2 Estrutura do epitlio respiratrio. 1: clula ciliada; 2: clula secretora; 3: camada gel do muco respiratrio; 4: capilares da submucosa; 5: fibras musculares da submucosa.

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    18

    O muco respiratrio reveste o epitlio pulmonar desde a traquia at

    as unidades de troca gasosa, formando um filme lquido impermevel a gua

    e medindo cerca de dois a cinco micrmetros de espessura (Figura 2).

    composto por duas camadas; uma camada inferior denominada camada sol

    (fluido periciliar), que consiste de um fluido seroso, e a camada superior,

    denominada fase gel, que constituda por um material visco-elstico.

    O transporte mucociliar o principal mecanismo de defesa pulmonar

    (Silberberg, 1990). As partculas inaladas, potencialmente nocivas ao

    organismo, se impactam ao longo das vias areas de conduo e so

    adsorvidas pela camada de muco que recobre o epitlio (King et al., 1989;

    Lorenzi et al., 1991). Desta forma, uma questo muito relevante diz respeito

    aos mecanismos de retirada do muco das vias areas. Estes devem ser

    eficientes, pois a sua falncia pode ter mltiplas implicaes, tais como:

    1. Facilitar a colonizao de bactrias, aumentando-se o risco de

    infeces respiratrias (Braga, 1990);

    2. Aumentar o tempo de contato de agentes agressores com o

    epitlio respiratrio. Existem hipteses que associam a falncia do

    transporte mucociliar carcinognese pulmonar, por potencializar a

    ao de substncias inaladas (Zayas et al., 1990).

    3. A estase de muco pode acarretar graves distrbios na

    ventilao, com aumento da resistncia ao fluxo areo (Braga, 1990).

    O mecanismo de transporte mucociliar pode ser comparado

    grosseiramente ao de uma esteira rolante. O motor do sistema dado pelos

    clios que batem continuamente, propiciando energia para o deslocamento

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    da camada de muco (Figura 3). Este transporte feito nas vias areas

    respiratrias; o batimento ciliar impulsiona o muco no sentido cranial, em

    direo orofaringe, onde deglutido ou expectorado (Lorenzi et al., 1991;

    Saldiva et al., 1992).

    FONTE: Modificado de Macchione, 1998.

    Figura 3 Esquema representando o mecanismo de transporte mucociliar

    com a camada sol e camada gel do muco respiratrio. O batimento ciliar segue uma orientao rgida em direo a orofaringe.

    O perfeito funcionamento do transporte mucociliar depende de fatores

    ligados ao clio, ao muco e interao adequada entre clio e o muco

    (Houtmeyers et al., 1999). Portanto, para um transporte mucociliar eficiente

    necessria a ao coordenada de trs funes celulares: gerao de fora,

    funo secretora, e transporte de gua e ons. Uma falha em qualquer

    destes elementos pode ser suficiente para o colapso do transporte como um

    todo (Saldiva et al., 1992). medida que ocorre falncia do transporte

    mucociliar, o indivduo passa a depender de uma forma progressivamente

    maior do transporte do muco realizado pela tosse (Puchelle et al., 1981). A

    tosse, portanto, constitui um mecanismo alternativo de eliminao das

    secrees.

  • I N T R O D U O

    Vivien Schmeling Piccin

    20

    Os clios so prolongamentos citoplasmticos com estrutura bem

    definida. Em corte transversal apresentam nove pares de microtbulos

    perifricos e um par central (Figura 4). O mecanismo de batimento ciliar

    bastante complexo, dependendo basicamente de um deslizamento dos

    pares de microtbulos, e ocorre com um grande gasto energtico (Satir e

    Sleigh, 1990). Esta estrutura ideal dos clios pode estar alterada tanto em

    condies de doenas congnitas (ex: sndrome da hipomotilidade ciliar),

    assim como resultado de agresses crnicas do epitlio respiratrio

    (Houtmeyers et al., 1999).

    FONTE: Modificado de Macchione, 1998.

    Figura 4 A: esquema mostrando detalhes da estrutura em corte transversal

    do clio envolto pela membrana plasmtica contnua clula. Neste corte so observados nove pares de microtbulos conectados entre si por pontes de nexina e dispostos ao redor de um par central. Ao lado podemos ver uma microscopia eletrnica mostrando um corte transversal de clio de r, conforme representado no esquema A (aumento de 84000 X).

  • I N T R O D U O

    Vivien Schmeling Piccin

    21

    A frequncia de batimento ciliar normal de 10 a 20 Hz. A eficincia

    da propulso do fluido brnquico pelos clios conseguida pelo fato do

    batimento ciliar ser assimtrico. O seu batimento pode ser decomposto em

    duas fases, na primeira o clio se estende totalmente e a extremidade do

    clio penetra parcialmente na camada gel (fase do batimento efetivo). Em

    uma segunda fase, de recuperao, o clio se dobra e coloca o seu eixo

    principal paralelamente superfcie epitelial. Desta forma, retorna

    posio original lentamente, com uma velocidade cerca de duas vezes

    menor que a do batimento efetivo, por uma fase de menor impedncia, sem

    qualquer contato com a camada gel (Figura 5). O batimento ciliar respeita

    uma coordenao, onde os clios se movem em ondas metacrnicas

    (Lorenzi et al., 1991; Satir e Sleigh, 1990).

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    22

    FONTE: Modificado de Lorenzi Filho, 1993.

    Figura 5 Ciclo do batimento ciliar visto de perfil e do topo

    da superfcie. a: batimento efetivo; b e c: fase de recuperao o clio se movimenta lentamente e em direo contrria ao transporte do muco.

    A secreo de muco uma importante atividade biolgica, confirmada

    pelo fato de que ao longo da escala evolucionria serem encontradas clulas

    especializadas na sua produo. Em qualquer situao em que seja

    produzido o muco sua principal funo isolar e proteger a superfcie

    tecidual do ambiente que o cerca.

    O muco respiratrio exerce as funes de lubrificar e umidificar a

    superfcie das vias areas; isolar e proteger o epitlio de agressores

    exgenos; promover um ambiente adequado ao batimento ciliar e diminuir a

    tenso superficial nas pequenas vias areas de maneira semelhante ao

  • I N T R O D U O

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    23

    surfactante nos alvolos, pois as mesmas tendem a colapsar ao final da

    expirao (Sad et al., 1970; Saldiva, 1990; Welsh, 1987). O muco uma

    mistura heterognea de diferentes secrees que formam um polmero

    hidroflico com propriedades viscoelsticas. Sua composio de

    aproximadamente 95% do seu peso de gua; eletrlitos, incluindo Na , o

    principal componente, K , Mg +2, Ca +2 e Cl-, e ainda componentes orgnicos,

    como protenas, carboidratos, lipdeos e aminocidos (Lorenzi-Filho, 1993;

    Verdugo, 1990).

    Como qualquer gel, o muco respiratrio consiste em uma matriz e um

    solvente. Neste caso, o solvente a gua, e a matriz composta de vrios

    polmeros que se agrupam aleatoriamente. O principal componente desta

    matriz uma famlia de macromolculas chamadas mucinas e secretadas

    pelas clulas mucosas das glndulas da submucosa, clulas caliciformes e

    clulas secretoras. Alm das mucinas outras substncias tambm se agregam

    a essa matriz, como os proteoglicanos, lipdeos, substncias antioxidantes,

    proteases e antiproteases, tampes, imunoglobulinas (IgA secretora, IgG,

    IgM), lisozima, peroxidase, lactoferrina, antileucoprotease, protenas ricas em

    prolina, albumina, DNA, actina e, possivelmente, outras substncias como o

    surfactante (Houtmeyers et al., 1999; Lorenzi-Filho e Saldiva 1991; Verdugo,

    1990).

    Mucinas so glicoprotenas altamente heterogneas, consistindo de

    um filamento protico e nas quais pequenas cadeias laterais de

    polissacardeos esto ligadas. A estrutura central do peptdeo representa

    aproximadamente 20% do peso, enquanto os 80% restantes so

  • I N T R O D U O

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    24

    carboidratos. A estrutura central (core) inclui regies densamente

    glicosiladas e tambm regies desnudas, isto , no glicosiladas. As

    regies glicosiladas representam 70 a 80%, enquanto as no glicosiladas

    representam 20 a 30%, estas contm resduos de cistena e so suscetveis

    clivagem. As cadeias laterais de oligossacardeos esto ligadas ao corpo

    protico central atravs de ligaes O-glicosdicas pela N-

    acetilgalactosamina nas cadeias laterais de acar (Figura 6). As cadeias

    laterais contm de 2 a 20 monossacardios que podem ser lineares ou

    ramificadas, e variam imensamente na composio. So, em geral,

    sulfatados e/ou contm terminais silicos, determinando as caractersticas

    polinicas das mucinas (Silberberg, 1990, Verdugo, 1990) (Figura 6).

    FONTE: Modificado de Lorenzi Filho, 1993.

    Figura 6 Diagrama esquemtico do polmero constituindo um gel. Podemos observar a natureza das ligaes entre as cadeias que se encontram entrelaadas, enquanto as ligaes S:S se encontram na estrutura do polmero.

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    25

    As propriedades fsicas dos polmeros no estado gel so

    primariamente determinadas pela configurao macromolecular na qual as

    cadeias de polmeros esto interligadas matriz de gel, assim como pela

    conformao (tamanho e formato), carga, flexibilidade e concentrao dos

    polmeros constituintes (Houtmeyers et al., 1999; Lopez-Vidriero, 1987).

    As mucinas so mantidas nos grnulos das clulas secretoras graas

    a um mecanismo de anteparo, onde as cargas negativas so

    contrabalanadas por uma grande quantidade de cargas positivas (no caso,

    o Ca++). Uma pequena abertura seria suficiente para a entrada de gua,

    difuso do clcio e exocitose promovida por perda do anteparo, por um

    mecanismo conhecido como jack-in-the-box (Figura 7) (Verdugo, 1990).

    FONTE: Modificado de Macchione, 1998.

    Figura 7 Representao esquemtica do modelo jack-in-the-box para a secreo de mucina. O granulo secretor primeiro instala-se junto membrana plasmtica (a). A exocitose iniciada pela abertura de um poro na membrana (b). A gua no espao extracelular entra atravs deste orifcio, permitindo a difuso do escudo (anteparo) de

  • I N T R O D U O

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    26

    ctions. A perda do escudo de carga leva a uma catastrfica reao atravs da malha dos polmeros sobre a fase de transio, quando ento uma carga de repulso promove uma rpida hidratao da malha polinica, liberando o produto secretrio (c).

    Recentes estudos tm tambm relacionado a secreo de mucinas

    como resultante de uma resposta mecanotransduo. Um exemplo seria a

    observao de que em eventos de compresso mecnica como o que ocorre

    durante a bronquioconstrio na asma, gradualmente aumentam a

    expresso da protena de MUC5AC (expresso gnica de mucina 5AC) nas

    clulas (Voynow et al., 2009; Park e Tschumperlin, 2009) (Figura 8).

    A compresso mecnica igualmente resultaria no colapso do espao

    intercelular, aumentando a concentrao de ligantes de EGFR (receptores

    de fator de crescimento epidrmico). Esta estimulao sinalizada via MAPK

    (proteno-quinases ativadas por mitgenos) levaria a uma expresso de

    ligantes especficos de EGFR que retornam a ativao de seus prprios

    receptores de modo autcrino ou parcrino, perpetuando os sinais, em um

    ciclo que se mantm mesmo aps o trmino do estmulo de compresso

    (Chu et al., 2005) (Figura 9).

    http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Receptor_de_fator_de_crescimento_epid%C3%A9rmico&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Receptor_de_fator_de_crescimento_epid%C3%A9rmico&action=edit&redlink=1

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    FONTE: Imagem cedida pela Dra. Maringela Macchione, modificado de Voynow e Rubin, 2009.

    Figura 8 Regulao da transcrio do MUC5AC. Seguido a um estmulo mecnico, ligantes de EGFR (receptores de fator de crescimento epidrmico) desencadeariam uma cascata de eventos culminando no aumento da expresso da MUC5AC (mucina gene expresso 5AC).

    Mas essa regulao da transcrio de sinais no seria a nica forma

    de mecanismo da expresso de mucinas. Vrios mediadores inflamatrios,

    incluindo a elastase neutroflica, TNF (fator de necrose tumoral alfa) e IL-8

    (interleucina 8) aumentam igualmente a expresso de MUC5AC (mucina

    gene expresso 5AC) pelo aumento do RNA (cido ribonuclico) mensageiro

    no epitlio das vias areas. Alguns estudos tambm apontam para

    mecanismos genticos na regulao da expresso de mucinas (Voynow e

    Rubin, 2009).

    http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Receptor_de_fator_de_crescimento_epid%C3%A9rmico&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Receptor_de_fator_de_crescimento_epid%C3%A9rmico&action=edit&redlink=1

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    FONTE: Modificado de Chu et al., 2005.

    Figura 9 Mecanismo proposto de ativao autcrina de EGFR (receptores

    de fator de crescimento epidrmico) em clulas epiteliais de brnquios aps estresse mecnico. Veja texto para maiores detalhes.

    A matriz de gel provavelmente secretada como um polmero

    condensado, e se torna um hidrogel somente aps hidratao. Este

    mecanismo ocorre por causa da presena de cross-linking e do

    emaranhado existente entre as cadeias de macromolculas; a matriz do

    polmero funciona como sua prpria membrana semipermevel, impedindo

    que as cadeias polinicas migrem para fora do gel. esta caracterstica

    polinica das mucinas que fornecer a energia necessria para sua

    hidratao; essa fora contrabalanada pelos ons livres e polictions que

    http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Receptor_de_fator_de_crescimento_epid%C3%A9rmico&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Receptor_de_fator_de_crescimento_epid%C3%A9rmico&action=edit&redlink=1

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    podem penetrar na rede de polmeros e neutralizar as cargas polinicas das

    mucinas (Lorenzi-Filho e Saldiva, 1991; Verdugo, 1990).

    Alm das glicoprotenas, os proteoglicanos, polmeros secretados pelas

    clulas serosas, tambm participam da caracterstica viscoelstica do muco. De

    maneira anloga s mucinas, as lisozimas provavelmente tambm atuam para a

    condensao do muco (Verdugo, 1990).

    As vrias possibilidades de ligaes entre os polmeros que compem o

    muco respiratrio fazem com que possam assumir configuraes bastante

    peculiares quando livres nas vias areas. A presena de ligaes estveis,

    como as pontes dissulfeto e as ligaes O-glicosdicas, ao lado de interaes

    inicas de menor estabilidade, preenchem os requisitos moleculares para a

    existncia de um componente elstico (ligaes estveis) e um deformvel,

    viscoso, representado pelas ligaes menos estveis (King et al., 1974). Esses

    mesmos autores demonstraram que outras macromolculas que apresentam

    cross-linking so perfeitamente transportveis pelo epitlio ciliado. Outros

    fatores como o grau de hidratao do muco, teor de imunoglobulinas, o pH e a

    composio inica tambm interferem na conformao espacial das molculas

    de glicoprotenas e, consequentemente em seu comportamento mecnico

    (King, 1980; Saldiva, 1990).

    O comportamento mecnico ideal do muco respiratrio o que

    prescreve a existncia de um componente elstico, capaz de transferir a

    energia cedida pelo clio camada de muco, ao lado de um componente

    deformvel, que pode se alterar e propiciar o deslocamento do filme de

  • I N T R O D U O

    Vivien Schmeling Piccin

    30

    muco diante da energia a ele transmitida e com consequente perda dessa

    energia (Sleigh et al., 1988).

    Portanto, o muco respiratrio no pode ser caracterizado somente

    como um lquido ou um slido, mas uma combinao de ambos. O slido

    responde a uma fora com deformao totalmente recupervel aps a

    remoo do stress. O lquido se deforma continuamente enquanto durar a

    fora, porm, aps sua remoo, o fluxo cessa e no h recuperao desse

    deslocamento. Por ser um material viscoelstico, a deformao do muco

    sofre um retardo em relao forca aplicada. A magnitude dessa defasagem

    indica a proporo do comportamento viscoso e elstico (King,1980).

    O controle da secreo da hipofase sol de importncia fundamental

    para o correto funcionamento do transporte ciliar, de forma a manter os clios

    em contato ideal com a epifase gel. Um aumento da espessura da hipofase

    sol promoveria o desacoplamento entre o muco e o clio. Por outro lado, uma

    hipofase sol de espessura reduzida tambm levaria a prejuzos do transporte

    ciliar, por interferncia mecnica do clio no seu retorno configurao inicial

    aps o batimento efetivo (Satir e Sleigh, 1990; Welsh, 1988) (Figura 10).

  • I N T R O D U O

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    31

    FONTE: Modificado de Morgenroth, 1988.

    Figura 10 Muco recobrindo o epitlio respiratrio.Os clios esto

    envoltos pela camada sol (no visualizada) e no topo da figura pode-se ver a camada gel recobrindo a camada sol. Eletromicrografia de varredura: 12.000x.

    A regulao da quantidade de fluido da hipofase sol depende das

    clulas epiteliais (em especial das clulas ciliadas), que possuem a

    capacidade tanto de secretar como de absorver lquido, utilizando a energia

    celular para movimentaes inicas contra um gradiente eletroqumico. As

    clulas epiteliais so polarizadas anatmica e funcionalmente, o que

    fundamental para que exeram suas funes (Boucher, 1994a; Boucher,

    1994b). Essas clulas possuem uma membrana apical que se mantm em

    contato com a luz e uma membrana baso-lateral, que mantm contato com o

    espao intersticial e vasos sanguneos. As clulas so alinhadas lado a lado

    e so separadas por um espao intercelular. Prximo ao pice o espao

    intercelular estreitado por junes firmes, as tight junctions, que

    determinam uma difuso seletiva do espao intercelular (Boucher, 1994a;

  • I N T R O D U O

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    32

    Boucher, 1994b). O transporte de solutos atravs de epitlios gera

    gradientes osmticos que movimentam a gua, o que ocorre aparentemente

    atravs dos espaos intercelulares (Welsh, 1988).

    Existem dois mecanismos bsicos de transporte inico atravs do

    epitlio respiratrio: um que determina a capacidade de absoro de lquido

    e outro oposto, que determina a secreo de lquidos (Boucher, 1994a;

    Boucher, 1994b; Welsh, 1987).

    A absoro de lquidos efetuada atravs de um canal especfico na

    membrana apical que facilita a entrada de sdio, a favor do gradiente

    eletroqumico. Uma vez dentro da clula, o sdio sair pela membrana

    basolateral, atravs da bomba Na-K-ATPase. A passagem do Na provoca

    um desequilbrio de cargas, gerando energia para a passagem passiva de

    Cl (Barroso et al., 1992). (Figura 11)

    FONTE: Modificado de Wine, 1999.

    Figura 11 Mecanismos de absoro e secreo de ons, gua e eletrlitos do epitlio respiratrio (TJ: tight-junction).

  • I N T R O D U O

    Vivien Schmeling Piccin

    33

    A secreo de lquidos ocorre a partir de um mecanismo de co-

    transporte que, ao colocar na membrana basolateral Na a favor de um

    gradiente eletroqumico, acopla a entrada de K e Cl . O Na e o K saem

    novamente pelo mesmo plo, atravs da Na-K-ATPase e por um canal

    especfico para o K , respectivamente. Por outro lado, o Cl sai pela

    membrana apical atravs de um canal especfico de Cl (Barroso et al.,

    1992; Boucher, 1994a; Boucher, 1994b) (Figura 11).

    Os canais inicos, alm de regularem a quantidade de lquido na

    camada sol, provavelmente regulam o grau de hidratao do muco,

    modulando suas propriedades reolgicas (Gastaldi et al., 2000; Verdugo,

    1990).

    1.4 Hiptese e justificativa

    A hiptese do presente estudo baseia-se no fato de que as foras

    fsicas geradas pela ventilao mecnica possam afetar diretamente o

    desempenho do aparelho mucociliar. Justificamos o desenvolvimento deste

    estudo baseados no fato de que o impacto da VM sobre esse sistema no

    est ainda completamente esclarecido na literatura cientifica. Sendo o

    aparelho mucociliar um dos mais importantes mecanismos de defesa

    pulmonar, o conhecimento desse impacto pode trazer repercusses no

    manejo de pacientes sob ventilao mecnica.

  • 2 OBJETIVO

  • O B J E T I V O

    Vivien Schmeling Piccin

    35

    O objetivo do trabalho foi avaliar a repercusso das foras envolvidas

    na ventilao mecnica atravs de diferentes mecanismos de LPIV sobre o

    sistema mucociliar pela anlise funcional e histopatolgica desse aparelho.

  • 3 MTODOS

  • M T O D O S

    Vivien Schmeling Piccin

    37

    Esse projeto foi aprovado pela Comisso de tica em Pesquisa do

    Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So

    Paulo.

    Foram utilizados vinte e sete coelhos da linhagem Nova Zelndia

    (albinos, machos, adultos), provenientes do Biotrio Central da Faculdade de

    Medicina da Universidade de So Paulo. Os animais foram alimentados e

    mantidos de acordo com normas j padronizadas, havendo controle de

    temperatura, umidade e ciclo de luz adequada para essa espcie

    (Weisbroth, Flatt e Kraus, 1974). Todos os animais foram pesados no incio

    do experimento, a fim de preparar a anestesia e avaliar os valores de

    ventilao mecnica de acordo com os objetivos do experimento.

    Os animais foram randomicamente divididos em quatro grupos,

    sendo: seis animais no grupo de baixo volume (BV), onde foi realizada

    ventilao mecnica com menor volume corrente; oito animais no grupo de

    leso pulmonar induzida por ventilao mecnica por mecanismo de alta

    presso (AP); sete animais no grupo de leso pulmonar induzida por

    ventilao mecnica por mecanismo de alto volume corrente (AV) e seis

    animais para o grupo no-ventilado (Sham).

    No incio de cada experimento os coelhos receberam medicao pr-

    anestsica intramuscular composta por Acepromazina (0,1 mg/Kg) e

  • M T O D O S

    Vivien Schmeling Piccin

    38

    Cloridrato de Cetamina (2,5 mg/Kg). Aps sedao inicial foram obtidos os

    acessos auriculares (venoso e arterial). Os sinais vitais (oximetria,

    frequncia cardaca e presso arterial mdia) foram monitorados atravs de

    monitor Portal DX 2020 (Dixtal Biomdica Indstria e Comrcio Ltda

    Brasil).

    Aps anestesia os animais foram posicionados em decbito dorsal em

    mesa cirrgica com foco de luz adequado e ento submetidos

    traqueotomia, com colocao de cnula de polietileno com dimetro interno

    mdio de 3,5 mm, ajustada perfeitamente luz traqueal de maneira que no

    houvesse vazamentos. A seguir, verificou-se, atravs da ausculta, se os

    pulmes estavam ventilando bilateralmente e simetricamente e ento a

    cnula foi fixada parede da traquia com o auxlio de fios de algodo 2-0.

    Em seguida foi iniciada a manuteno anestsica administrada em

    bomba de infuso e infundida pelo acesso venoso auricular, sendo composta

    por Midazolam (0,1 mg/Kg), Cloridrato de Cetamina (1,8 mg/Kg/h),

    Acepromazina (0,1 mg/Kg/h) e Brometo de Pancurnio (0,2 mg/Kg/h),

    diludos em 20 ml de soluo fisiolgica. O Anexo A exemplifica a planilha

    utilizada para clculo do protocolo de anestesia de acordo com o peso de

    cada animal. Trata-se de protocolo padro desenvolvido anteriormente pela

    equipe do LIM 09 - Departamento de Crdio-Pneumologia. Paralelamente

    um pequeno fragmento da traquia anterior cnula de traqueotomia foi

    retirado para avaliao imediata do transporte mucociliar e da frequncia de

    batimento ciliar naquele tecido biolgico.

  • M T O D O S

    Vivien Schmeling Piccin

    39

    Para controle de diurese os coelhos foram submetidos sondagem

    vesical com utilizao de sonda Foley (8 Fr), previamente lubrificada com

    Cloridrato de Lidocana a 2%.

    3.1 Protocolos de ventilao mecnica

    Os animais dos grupos BV, AP e AV foram ventilados inicialmente no

    modo volume controlado com o ventilador mecnico Newport Modelo e500

    Wave Ventilator (Newport Medical Instruments Costa Mesa, CA 92627

    USA), pelo perodo de trs horas e meia, sendo os trinta minutos iniciais

    despendidos para a acomodao no ventilador mecnico e estabilizao dos

    sinais vitais (frequncia cardaca de 240 a 300 batimentos por minuto,

    presso arterial mdia ao redor de 70 mmHg, oximetria de pulso acima de

    95% e capnometria entre 45% e 35%) (Kozma et al., 1974). Durante os

    primeiros trinta minutos de ventilao os animais foram ventilados com

    volume corrente (VC) de 8 ml/kg de peso corpreo, fluxo de 2 L/min, presso

    expiratria final positiva (PEEP) de 5 cmH2O, frequncia respiratria (FR) de

    30 rpm e com frao inspirada de oxignio (FiO2) de 40% (Kozma et al.,

    1974; Broccard et al., 1999; Sinclair et al., 2002; Kotani et al., 2004a; Kotani

    et al., 2004b; Lpez-Aguilar et al., 2005; Meinhardt et al., 2005). Aps esses

    primeiros trinta minutos para estabilizao o protocolo de ventilao

    especfico de cada grupo foi instaurado.

    Os coelhos sorteados para o grupo BV foram mantidos no modo

    volume controlado com volume corrente (VC) de 8 ml/kg de peso corpreo,

  • M T O D O S

    Vivien Schmeling Piccin

    40

    fluxo de 2 L/min, PEEP de 5 cmH2O, frequncia respiratria (FR) de 30 rpm

    e com frao inspirada de oxignio (FiO2) de 40%. Aqueles sorteados para o

    grupo AV foram ventilados com VC de 16 ml/kg de peso corpreo, com fluxo

    de 2 L/min, PEEP de 5 cmH2O, FR de 30 rpm e com FiO2 de 40% ou o

    necessrio para manter SaO2 mnima de 90%. Os animais sorteados para o

    grupo AP tiveram o modo ventilatrio modificado para presso controlada e

    foram ventilados com presso inspiratria controlada de 30 cmH2O, PEEP

    de 12 cmH2O (ou o suficiente para manter o VC de 8 ml/Kg), FR de 30 rpm e

    com FiO2 de 40% ou o necessrio para manter uma saturao arterial da

    oxihemoglobina (SaO2) mnima de 90%. (Meinhardt et al., 2005; Lpez-

    Aguillar et al., 2005; Suzuki et al., 2004; Maeda et al., 2004; Simonson et al.,

    2004; Kotani et al., 2004a; Kotani et al., 2004b; Sinclair et al., 2002; Suh et

    al., 2002).

    Durante o perodo de ventilao mecnica, em caso de quadro de

    hipotenso do animal, com presso arterial mdia inferior a 50 mmHg, era

    feita reposio volmica controlada pelo peso do animal com soro fisiolgico

    a 0,9 %. Os gases inspirados tambm foram aquecidos e umidificados em

    sistema de aquecimento de gua temperatura de 33 C e umidade relativa

    de 100% (termo higrmetro digital MTH-1380 Minipa Ind. e Com. Ltda

    Brasil) durante todo o perodo de ventilao mecnica (Nakagawa et al.,

    2000; Nakagawa et al., 2004; Eckerbom et al., 1991).

    Foram acompanhados tambm os valores de gasometria, com coleta

    de sangue arterial em trs tempos, a saber: aps os trinta minutos de

    estabilizao no ventilador mecnico, uma hora e meia aps instalao do

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    protocolo de ventilao mecnica e ao final do protocolo de ventilao. Para

    a realizao da gasometria foi coletado 0,5 ml de sangue arterial em seringa

    preparada (PicoTM 50 - Radiometer Copenhagen) e a anlise dos gases

    sanguneos foi realizada imediatamente aps coleta no aparelho de

    Gasometria ABL 835 Flex Radiometer Copenhagen, Dinamarca.

    As medidas de mecnica respiratria foram coletadas atravs do

    sensor para neonato (CO2/Flow Sensor Neonatal Novametrix Medical

    Systems Inc. USA) ligado ao equipamento NICO2TM Dixtal. Os sinais

    analgicos foram gravados imediatamente antes da instalao do protocolo

    de ventilao mecnica e ao final do experimento, em um microcomputador

    (Pentium III-600) atravs de um programa para captao e anlise dos

    dados feito em linguagem LabView 6.0 (National Instruments), desenvolvido

    especificamente para a monitorizao respiratria.

    Os animais selecionados para o grupo Sham foram, aps

    procedimento inicial semelhante aos demais grupos relativos preparao

    anestsica e traqueotomia, foram ventilados em volume controlado pelo

    perodo de 10 minutos com volume corrente (VC) de 8 ml/kg de peso

    corpreo, fluxo de 2 L/min, presso expiratria final positiva (PEEP) de 5

    cmH2O, frequncia respiratria (FR) de 30 rpm (Kozma et al., 1974) e com

    frao inspirada de oxignio (FiO2) de 40%, tempo esse necessrio para a

    coleta de dados vitais e amostra de muco, sendo em seguida sacrificados

    pelo mtodo de exsanguinao. Os animais dos demais grupos igualmente

    foram sacrificados pelo mtodo de exsanguinao ao trmino do perodo de

    exposio ao protocolo de ventilao mecnica.

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    Em seguida ao sacrifcio, em todos os grupos os pulmes ainda

    conectados cnula de traqueotomia foram mantidos em presso positiva

    contnua (CPAP) de 20 cmH20 e, aps remoo em bloco da caixa torcica

    por esternotomia, o pulmo direito foi clampeado com pina Kelly

    imediatamente abaixo da interseco do brnquio fonte direito com a

    traquia, separado do pulmo esquerdo e mergulhado em um Becker com

    paraformaldedo 4% em tampo fosfato para posterior estudo em

    microscopia de luz. Um fragmento da traquia distal foi igualmente

    mergulhado em paraformaldedo 4% em tampo fosfato para estudo em

    microscopia de luz. Pequenas pores da traquia distal foram fixadas com

    glutaraldedo a 2% para posterior anlise em microscopia eletrnica de

    transmisso e uma pequena amostra tambm separada para avaliao

    imediata da funo mucociliar (Figura 12).

    Figura 12 Esquema demonstrando as reas da traquia dos coelhos onde foram coletadas as amostras de muco e amostras de tecido traqueal para avaliao histopatolgica e da funo mucociliar.

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    3.1.1 Critrios para definio de LPIV

    Sabe-se que existem basicamente trs mecanismos de leso

    pulmonar induzida pela ventilao mecnica: volutrauma (pela expanso

    alveolar secundria ao uso de alto volume corrente, com ou sem alta

    presso), atelectrauma (pelo repetitivo recrutamento e no-recrutamento

    alveolar) e biotrauma (secundrio ao aumento de citocinas pela leso

    mecnica no tecido pulmonar). No entanto, a contribuio relativa de cada

    um desses mecanismos ainda no conhecida e os critrios para definio

    da LPIV ainda so inespecficos (Carney et al., 2005; Dreyfuss e Saumon,

    1998). Alteraes no balano hdrico, aumento da permeabilidade endotelial

    e epitelial, alm de severos danos teciduais entre outros so descritos na

    LPIV. Assim, para efeito deste estudo, consideramos como indicativos da

    ocorrncia da leso induzida pela ventilao mecnica a presena de

    aumento do nmero de clulas polimorfonucleares no parnquima pulmonar,

    alteraes macroscpicas do pulmo, alteraes hemodinmicas e alterao

    da mecnica respiratria (Dreyfuss e Saumon, 1998; Carney et al., 2005;

    Wolthuis et al., 2009).

    3.2 Avaliao da funo mucociliar

    As amostras de muco respiratrio foram coletadas na traquia, na

    poro imediata ao final da cnula de ventilao mecnica, atravs de um

    pequeno tubo cilndrico flexvel conectado a uma seringa (Figura 12). Esta

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    coleta foi efetuada em dois momentos: ao incio do protocolo de ventilao

    mecnica (ou seja, imediatamente aps os trinta minutos de estabilizao

    inicial) e ao trmino da exposio dos animais (ou seja, aps mais trs horas

    de ventilao mecnica). Gentilmente, o muco foi aspirado e colocado em

    um tubo plstico tipo Eppendorf, submerso em vaselina lquida para evitar a

    desidratao, identificado e armazenado em congelador -70 C, para anlise

    posterior.

    3.2.1 Transporte mucociliar in situ

    O transporte mucociliar in situ foi verificado em dois momentos:

    imediatamente aps a traqueotomia um pequeno fragmento da traquia foi

    retirado da poro anterior cnula; ao final do protocolo, a traquia foi

    dissecada e uma poro cartilaginosa prxima a Carina foi extrada. Em

    ambas as situaes a velocidade do transporte mucociliar no tecido traqueal

    foi prontamente avaliada, sendo aquele tecido biolgico mantido

    temperatura ambiente dentro de uma cmara de acrlico com 100% de

    umidade, garantida por uma nebulizao ultra-snica de soluo salina (NaCl)

    (Macchione et al., 1995). A velocidade de transporte ciliar foi aferida pela

    observao direta de carbono coloidal (tinta nanquim filtrada em papel de

    filtro comum) colocado sobre o epitlio ciliado da traquia (aproximadamente

    1 l). O deslocamento do fio de carbono coloidal pelo percurso de 1,2 mm

    foi visualizado atravs de uma lupa estereoscpica (Zeiss) equipada com

    uma objetiva com aumento de 0,8 vezes, com ocular reticulada e com

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    aumento de dez vezes. O tempo de progresso tambm foi cronometrado,

    sendo o valor final relatado como distncia percorrida versus tempo (mm/s)

    (Rivero et al., 2001).

    3.2.2 Frequncia do batimento ciliar

    Para a mensurao da frequncia de batimento ciliar no epitlio da

    traquia utilizamos um aparelho composto pr uma cmera filmadora (Sony-

    3CCD - color vdeo cmara), acoplada a um microscpio tico (Olympus BX

    50), sob o qual foi colocada uma pequena poro cartilaginosa da traquia.

    Igualmente ao mencionado no item 3.2.1 a frequncia do batimento ciliar in

    situ foi verificada em dois momentos. Em ambas as situaes a frequncia

    do batimento ciliar no tecido traqueal foi prontamente avaliada pela tcnica

    descrita a seguir. Um estroboscpio emitindo flashes de luz a uma

    frequncia inicial de 30.30 Hertz foi direcionado para a superfcie do epitlio.

    A imagem do epitlio, iluminada pela luz estroboscpica e capturada pela

    cmera filmadora, foi transmitida para um monitor que permitiu, ento, uma

    perfeita observao do epitlio e do batimento ciliar. Observando o epitlio,

    diminuamos a frequncia da luz estroboscpica at no conseguirmos ver o

    movimento dos clios (o equipamento possui um programa de computador

    que permite controlar a frequncia da luz emitida), significando que o

    batimento ciliar estava em concordncia com a frequncia da luz emitida

    pelo estroboscpio. A frequncia foi ento anotada e o processo repetido por

    trs vezes em reas diferentes do epitlio.

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    3.2.3 Transportabilidade pelo mtodo palato de r

    O mtodo de anlise de transporte do muco em palato de r

    classicamente aceito como mtodo in vitro para determinar a velocidade de

    transporte do muco em epitlio ciliado (King e Festa, 1998; Rubin et al.,

    1990b). Utilizando-se hipotermia como anestesia, a Rana catesbiana adulta

    foi rapidamente decapitada, a sua mandbula foi desarticulada e o palato

    removido atravs do corte completo da juno da faringe posterior e esfago

    at a pele das costas. O palato removido foi ento colocado sobre uma gaze

    saturada com uma mistura de ringer e gua destilada na proporo de 1:1

    (Ringer) em um recipiente de vidro, vedado com um filme plstico e ento

    armazenado em refrigerador a 4 C por dois dias. No terceiro dia uma

    amostra de muco foi coletada atravs da extremidade posterior do palato

    com estilete e imediatamente imerso em leo mineral para evitar a

    desidratao. Todos os experimentos foram realizados a partir do terceiro

    dia para a mxima remoo do muco da r, mantendo-se a integridade da

    atividade ciliar (Macchione et al., 1995; Rubin, 1998). Este muco foi ento

    coletado para servir como controle, em relao ao muco a ser testado. Durante

    os procedimentos o palato de r foi mantido temperatura ambiente, dentro