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i VIVIANE SOUZA MARTINS As Cores Negras da Lama: Etnoecologia Abrangente na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju, Recôncavo da Bahia Campinas 2014

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VIVIANE SOUZA MARTINS

As Cores Negras da Lama:

Etnoecologia Abrangente na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju,

Recôncavo da Bahia

Campinas

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

VIVIANE SOUZA MARTINS

As Cores Negras da Lama:

Etnoecologia Abrangente na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju,

Recôncavo da Bahia

Orientador: Dr. José Geraldo Wanderley Marques

Co-orientadora: Dra. Sônia Regina da Cal Seixas

Tese apresentada ao Programa de Doutorado em

Ambiente e Sociedade do Núcleo de Estudos e

Pesquisas Ambientais (NEPAM) e Instituto de Filosofia

Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP) como requisito para obtenção do

título de doutora em Ambiente e Sociedade na área de

concentração Aspectos Biológicos da Sustentabilidade e

conservação.

Este exemplar corresponde à tese final defendida pela aluna Viviane

Souza Martins, orientada pelo professor Dr. José Geraldo

Wanderley Marques e co-orientada pela professora Dra. Sônia

Regina da Cal Seixas, aprovada no dia 27 de outubro de 2014.

Campinas

2014

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RESUMO

A etnoecologia é um campo de pesquisas que visa elucidar as relações entre sociedades

humanas e natureza. Na margem oeste do Recôncavo Baiano, situa-se a Baía do Iguape,

localizada na interface da foz do rio Paraguaçu com a Baía de Todos-os-Santos. Na

localidade, onde em agosto de 2000 foi criada a Reserva Extrativista Marinha Baía do

Iguape, está situada a comunidade quilombola Salamina Putumuju. A renda e

subsistência de grande parte da comunidade se baseiam no extrativismo de recursos

naturais tais como pescado e espécies vegetais como dendê e piaçava. A reserva convive

atualmente com a operação de empreendimentos de infraestrutura com grande potencial

causador de impacto que incidem, sobretudo nas atividades pesqueiras. Optou-se por

abordar as relações pessoas/ambiente através de etnoecologia abrangente e

contextualizá-las no tempo e nos processos históricos vividos pelos extrativistas. Além

disso, foi verificada a percepção nativa a respeito dos impactos ambientais provocados

pela instalação e operação dos empreendimentos. Uma combinação de ferramentas de

coleta de dados qualitativos (entrevistas, observação direta, turnês guiadas) foi utilizada.

O território abrigou um quilombo de escravos fugidos no período colonial e o trabalho

escravo esteve presente na comunidade até a recente certificação quilombola. O

Conselho Pastoral dos Pescadores teve papel decisivo no processo de transformação

social. Os extrativistas possuem aprofundado conhecimento da dinâmica dos recursos

pesqueiros e do fenômeno das marés o que otimiza o exercício da atividade pesqueira.

Além disso, compreendem aspectos ecológicos do recurso piaçava que historicamente é

considerado como principal fonte de renda da comunidade local. Os empreendimentos

geradores de grandes impactos, principalmente a operação da Usina Hidrelétrica Pedra

do Cavalo têm sido interpretados pelos pescadores como principais responsáveis pela

diminuição dos estoques pesqueiros na região.

Palavras-chave: Etnoecologia abrangente, quilombola, pesca artesanal, piaçava.

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ABSTRACT

Ethnoecology is a field of research that seeks to elucidate the relationship between human

societies and nature. On the west bank of the Reconcavo Baiano, is located Baia do

Iguape, placed on the mouth of the river Paraguaçu interface with the Baía de Todos-os-

Santos. In this place, which in August 2000 was created the Marine Extractive Reserve

Baía do Iguape, is situated a quilombola community called Salaminas Putumuju. The

income and livelihood of much of the community is based on the extraction of natural

resources such as fish and plant species such as palm oil and palm fiber (dendê and

piaçava). The reserve is currently experiencing the operation of large infrastructure

projects with potential impact that caused concern, particularly in fishing activities. We

chose to analyze the relationships human/environment based on the comprehensive

ethnoecological proposal of Marques and contextualize them in time and historical

processes experienced by extractivists. Furthermore, we investigated the native

perception about the environmental impact of the installation and operation of projects. A

combination of qualitative data collection (interviews, direct observation, guided tours) tool

was used. The territory took a Quilombo of runaway slaves during the colonial period and

slavery labor was present in this community until the recent accreditation quilombola. The

Pastoral Council Fishermen (Conselho Pastoral dos Pescadores) played a decisive role in

the process of social transformation. The local extractivists have in-depth knowledge of the

dynamics of fish stocks and the phenomenon of the tides which optimizes the exercise of

fishing activity. Also, understand the ecological piaçava resource that is historically

regarded as the main source of income of the local community aspects. The generating

enterprises large impacts, especially the operation of the Hydroelectric Plant Pedra do

Cavalo have been interpreted by fishermen as primarily responsible for the decline in fish

stocks in the region.

Key words: Ethnoecology, quilombola, artisanal fishing, piaçava.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 1

OBJETIVOS .................................................................................................................................... 15

ASPECTOS METODÓGICOS DA PESQUISA ......................................................................... 17

Coleta de dados .......................................................................................................................... 17

Análise de dados ........................................................................................................................ 21

RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................................... 25

A COMUNIDADE DA SALAMINA ................................................................................................ 25

A Dimensão Espacial: área de estudo e aspectos da paisagem ........................................ 25

O nativo multi-estrategista ........................................................................................................ 29

A Dimensão temporal ................................................................................................................ 47

Breve contextualização histórica do Recôncavo Baiano e sua ocupação .................... 47

Uma história da Salamina tal como contada pelos nativos ............................................. 49

Os vários contextos das atividades produtivas .......................................................................... 75

Bases Conflitivas ........................................................................................................................ 75

Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo .................................................................................... 79

Canteiro de São Roque ......................................................................................................... 83

Estaleiro Paraguaçu ............................................................................................................... 85

Conflitos com fazendeiros ..................................................................................................... 89

Bases Emotivas .......................................................................................................................... 95

Etnoecologia Abrangente da Pesca do Camarão ..................................................................... 99

Bases Cognitivas ........................................................................................................................ 99

Hidrodinâmica ......................................................................................................................... 99

Aspectos biológicos e ecológicos ...................................................................................... 105

Indicadores vernáculos ........................................................................................................ 119

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Interpretação da paisagem ................................................................................................. 123

Bases Conexivas ...................................................................................................................... 127

Pessoa /Mineral .................................................................................................................... 127

Pessoa / Vegetal ................................................................................................................... 129

Pessoa / Animal .................................................................................................................... 137

Pessoa / Pessoa ................................................................................................................... 155

Pessoa / Sobrenatural ......................................................................................................... 161

Etnoecologia Abrangente do Extrativismo de Piaçava ........................................................... 163

Bases Cognitivas ...................................................................................................................... 163

Aspectos biológicos e ecológicos ...................................................................................... 163

Interpretação da paisagem ................................................................................................. 169

Bases Conexivas ...................................................................................................................... 171

Pessoa / Mineral ................................................................................................................... 171

Pessoa / Vegetal ................................................................................................................... 173

Pessoa/ Animal ..................................................................................................................... 183

Pessoa / Pessoa ................................................................................................................... 185

Pessoa / sobrenatural .............................................................................................................. 191

Temporalidade e apropriação dos recursos: conexões ao longo do tempo ....................... 193

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 201

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 205

Apêndices ...................................................................................................................................... 221

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Esta tese é dedicada:

aos quilombolas da Salamina Putumuju e sua trajetória de luta e resistência.

à minha família, razão primeira e última dessa jornada.

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Agradecimentos

“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”

Chico Science

Diz um poeta “Há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua” (Otto).

Estou certa de que um dos lados que flutua nessa conclusão de doutorado é a imensa

gratidão que sinto.

Agradeço a Deus por sua infinita generosidade e por ter me concedido tantas

oportunidades, por ter iluminado meus caminhos e por ter me dado força sempre que

achei que o lado que pesa, pesava demais.

À minha mãe, por todo amor que há nessa vida, pelos sacrifícios, dedicação,

conforto e compreensão. Ao meu pai pela vibração com cada conquista, por me erguer e

impulsionar. Aos meus irmãos que me ensinaram desde sempre o que é partilhar (dores e

alegrias!) e viver e aos meus sobrinhos por me encherem de felicidades. A minha querida

tia-dinda (in memorian) por ter me incentivado, ajudado e torcido por mim.

A todos e a cada um dos meus amigos da Salamina por terem me feito crescer

de forma tão generosa, por terem compartilhado seus saberes e seu dia-a-dia comigo e

ainda por toda atenção, todo afeto e toda a partilha. A Vidal, Carminha e Felipe também

por me hospedarem. A Raquel, Paula e Saúna também por me acompanharem nas

entrevistas.

Ao meu queridíssimo amigo e orientador José Geraldo W. Marques por ter sido

tão presente ao longo dessa jornada, por me aceitar, acolher, incentivar, orgulhar muito e

ainda me encher de poesias. Por ter sido tão compreensivo, companheiro e confidente,

sobretudo nos momentos em que Shiva fez as suas danças.

Ao querido amigo Franzé por acompanhar o desenvolvimento intelectual e afetivo

dessa tese, discutir assuntos, aguçar olhares e mais que tudo por seu companheirismo,

conselhos, amizade e carinho.

Ao meu querido companheiro Leonardo D’Icarahy, através de quem vi as coisas

mais lindas, agradeço além de tudo pela luz que traz aos meus dias.

Aos meus queridos amigos por existirem e serem tão especiais e fundamentais e

mais que tudo por todo amor, amparo e dedicação. Aos irmãos que me emprestaram as

asas: Sintia, Kleyson (Matin e Tales), Leo Macedo, Dani, Mony, Nara, Dea, Lala, Xande,

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Taty e Kátia por todo apoio, amizade, generosidade e pelos ouvidos emprestados.

Raquel, Gabi e Luziana por terem representado minha família campineira e por terem

compartilhado tantas emoções, frustrações, alegrias e ainda por gentilmente estarem às

voltas com documentos para resolver alguma pendência minha na Unicamp. Às meninas

do projeto Siris (Ana Teresa, Carol e Ketlen) por dividirem um trabalho de campo tão

divertido e compartilhar momentos ótimos no LETNO. A Gilsimar por ter me ajudado a

conduzir esse trabalho desde o início, agradeço pela partilha, pela torcida, pelo apoio

logístico e pelo grande afeto com o que fez tudo isso. Ao extra-bem e agregados (Mari,

Brena, Paulinha, Alan, Thaís, Thiago e os já citados) pela diversão garantida! A Libério,

Parísio, Cris, Jammili pelos bons e necessários momentos de terapia e descontração. A

João Ricardo pela “luz acesa no quarto escuro”. A Dani, Marcos e Patrícia por terem sido

além de tudo, um valioso suporte emocional na minha chegada a São Paulo. A Luciana e

Helena por terem tão generosamente me acolhido no primeiro mês em Campinas. A

minha família paulista (Nóbia, Céu & companhia) pelo carinho e acolhida aconchegante.

A Sônia Regina da Cal Seixas, por ter aceito me coorientar e por acolher o

desafio, sobretudo da minha distância física e por ter feito tudo isso com muita calma e

generosidade.

Aos queridos colegas da turma 2010 do NEPAM pelos divertidos e produtivos

momentos que passamos juntos. Aos professores do Doutorado Interdisciplinar em

Ambiente e Sociedade por suas importantes contribuições acadêmicas.

À CAPES pela concessão da bolsa de doutorado sem a qual não teria sido

possível desenvolver esse trabalho.

À UNEF, e em especial ao coordenador dos cursos de Comunicação Social,

Thiago Oliveira por terem gentilmente concedido afastamento para finalização dessa tese.

Aos amigos banda B pela alegria do convívio e amizade.

À UEFS através do Laboratório de Etnobiologia e Etnoecologia (LETNO) por

prestar estrutura e apoio logístico ao desenvolvimento dessa pesquisa.

Àqueles que de uma forma discreta, mas decisiva, emprestaram qualquer

momento de atenção para que fosse possível chegar até aqui. Sigo dizendo: é muita

gratidão!

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"O mangue é um paraíso, sem o côr-de-rosa e o azul do

paraíso celeste, mas com as cores negras da lama, paraíso

dos caranguejos" (GRIFO NOSSO)

Josué de Castro

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“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos

inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a

nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de

uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma

diferença que não produza, alimente ou reproduza as

desigualdades.”

Boaventura de Souza Santos

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xxi

“Se aí você teve estudo,

Aqui, Deus me ensinou tudo,

Sem de livro precisá

Por favô, não mêxa aqui,

Que eu também não mexo aí,

Cante lá, que eu canto cá.

Você teve inducação,

Aprendeu munta ciença,

Mas das coisa do sertão

Não tem boa esperiença.

Nunca fez uma boa paioça,

Nunca trabaiou na roça,

Não pode conhecê bem,

Pois nesta penosa vida,

Só quem provou da comida

Sabe o gosto que ela tem.”

Patativa do Assaré

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"...Liberdade, essa palavra

que o sonho humano alimenta

que não há ninguém que explique

e ninguém que não entenda..."

Cecília Meireles

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1 - Realização de entrevista semi-estruturada .................................................................. 4

Figura 2 - Observação direta do extrativismo da piaçava ........................................................... 17

Figura 3 - Esquema do processo de coleta de dados................................................................. 20

Figura 4 - Análise da dimensão Etológica (baseado em MARQUES, com.pess.) ..................... 20

Figura 5. Ilustração da análise de dados .................................................................................... 23

Figura 6 – Localização da Resex Baía do Iguape e Comunidade da Salamina Putumuju ........ 27

Figura 7 - Mapa de remanescentes florestais destacando a área de estudo – comunidade da

Salamina Putumuju (Baseado em mapa elabora do pela Fundação SOS Mata Atlântica e INPE,

2009) ........................................................................................................................................... 28

Figura 8 - Localização dos bairros que compõem a comunidade Salamina e principais pontos de

referência utilizados pelos extrativistas ....................................................................................... 31

Figura 9 – Portos de vilarejos da comunidade da Salamina (A- Porto do Tororó; B- Porto do

Ferreiro; C- Porto do Dunda; D – Porto da Olaria; E – Porto do Engenho Novo; F – Porto do Forte

da Salamina) ............................................................................................................................... 32

Figura 10 – Obtenção e transporte de água em riacho na comunidade do Tororó .................... 33

Figura 11 – Pescador obtendo água em bica para consumo durante pescaria ......................... 34

Figura 12- Atividades infantis na Salamina ................................................................................. 35

Figura 13- Residência de um extrativista com roça situada ao lado .......................................... 45

Figura 14 – Etapas da produção do azeite de dendê. A - cozimento dos frutos de dendê; B -

maceração em pilão. C – bagaco obtido após peneiração; D – Produto da peneiração pronto para

novo cozimento ........................................................................................................................... 46

Figura 15 – Locais utilizados pelo fazendeiro no tempo de Rosalvo Velho: A- Local onde

funcionava a venda; B – Local onde a os extrativistas entregavam a piaçava e onde eram feitas as

contas do pagamento; C – residência do fazendeiro .................................................................. 56

Figura 16 – Área e limites do território quilombola Salamina Putumuju (aguardando titulação) –

Elaborado com base em INCRA (2005) ...................................................................................... 74

Figura 17 - Localização dos empreendimentos geradores de grande impacto na Baía do Iguape77

Figura 18 – Canteiro de Obras de São Roque a partir do Rio Paraguaçu ................................. 84

Figura 19 – Faixa de manifestação contra a instalação do Estaleiro Paraguaçu durante o II

Encontro das Reservas Extrativistas do estado da Bahia, Maragogipe, 2009. .......................... 85

Figura 20 – Ilustração do ciclo hidrodinâmico segundo as luas na percepção êmica .............. 101

Figura 21 – Figura ilustrando o comportamento das marés de quebra (acima) e de lançamento

(abaixo) de acordo com a percepção êmica ............................................................................. 103

Figura 22 – Peixes de água escura (a. papa-terra, b. caratupanha, c. barbudo, d. sapoca-vermelha,

e. regalada) ............................................................................................................................... 121

Figura 23 – Referências utilizadas para localização de pesqueiros: A – Pedra do Angelim; B –

Pedra da Gameleira; C – Cais do Engenho .............................................................................. 124

Figura 24 – Utensílios de origem vegetal empregados na pesca: A – Cesto, que possui múltiplos

usos; B – Esteira para secagem e defumação de camarão; C – Panacum ou caçuá, utilizado para

transportar pescado; D – Cofo de isca, utilizado para armazenar iscas durante a pesca; E –balaio,

que também possui múltiplos usos ........................................................................................... 132

Figura 25 – Camboa de pau ...................................................................................................... 133

Figura 26 – Talas de dendê em processo de secagem para confecção de esteiras para camboa133

Figura 27 – Canoa de uma pau só- principal tipo de embarcação utilizado para pesca na

comunidade da Salamina .......................................................................................................... 136

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Figura 28 - Rede camarãozeira com detalhe do tamanho da malha ........................................ 140

Figura 29 – Pesca do Camarão com rede camarãozeira ......................................................... 142

Figura 30 – Processo de defumação do camarão. A- Ferventação (pré-cozimento); B- Separação

dos tamanhos; C1-Camarões graúdos sendo arrumados em “espetos” e C2- Espetos em cesta

para defumação; D1- Camarões miúdos prontos para arrumação em cesta de degumação e D2-

Camarões miúdos em defumador. ............................................................................................ 143

Figura 31 – Pindobeira (em primeiro plano) .............................................................................. 175

Figura 32 – Extrativistas realizando o processo de separação das fibras de piaçava (catação)177

Figura 33 – Partes da fibra de piaçava com as respectivas denominações êmicas ................ 178

Figura 34 – Vista da margem do rio ocupada por uma fazenda ............................................... 182

Figura 35 – Vista da margem do rio ocupada por quilombolas da Salamina ........................... 182

Figura 36 – “Quintal” de um extrativista com pindobeiras ........................................................ 188

Figura 37 – Camboa de paus em manguezal nas proximidades da cidade de Maragogipe .... 196

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INTRODUÇÃO

A etnoecologia é um campo de pesquisas relativamente recente,

eminentemente interdisciplinar, que visa conhecer, sob uma ótica particular, as

relações entre sociedades humanas e natureza. Como parte das etnociências -

folk science (BERKES, 2008), a etnoecologia estuda o conhecimento ecológico e

as relações entre culturas e ambiente (NAZAREA, 1999). Desta forma, busca-se

comparar duas tradições intelectuais distintas na interpretação da natureza: a

ocidental, através da ciência normal e a tradicional através do conhecimento

ecológico tradicional1 (TOLEDO e BARRERA-BASSOLS, 2009).

Sob a ótica da etnoecologia, conhecimentos locais e/ou tradicionais são

reconhecidos e valorizados, considerando o contexto cultural onde se inserem. Os

saberes sistematicamente produzidos por sociedades humanas a respeito da

natureza já haviam sido abordado por Levi-Strauss (1962) que os denominou de

“ciência do concreto”.

Os primeiros estudos sistemáticos do conhecimento ecológico

tradicional foram conduzidos por antropólogos (HUNN, 2006; BERKES, 2008) e

em seguida, o tema despertou o interesse de pesquisadores de outras áreas do

conhecimento, especialmente das ciências biológicas. Apesar de ter suas raízes

na antropologia e na biologia, a etnoecologia apresenta influências, tanto de

natureza teórica quanto metodológica, de outras áreas do conhecimento

(TOLEDO, 1992). Segundo Ellen (2006), há um discurso comum, mas não uma

teoria unificadora em etnobiologia.

1 Com a intenção de evitar o aprofundamento na questão conceitual em torno da tradicionalidade,

adota-se para efeito dessa tese a definição “operacional” de Conhecimento Ecológico Tradicional (Tradicional Ecological Knowledge – TEK) de BERKES (2008), segundo a qual TEK corresponde ao “conjunto de conhecimentos, práticas e crenças envolvendo processos adaptativos, difundidos através das gerações por transmissão cultural, sobre as relações de todos os seres vivos (incluindo seres humanos) entre si e com o seu ambiente”.

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2

Na definição de Marques (2001), etnoecologia é “o campo de pesquisa

(científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e

crenças), sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre

populações humanas e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem,

bem como dos impactos ambientais daí decorrentes”. Já segundo Toledo e

Barrera-Bassols (2009) a etnoecologia consiste em um enfoque interdisciplinar

“que estuda as formas pelas quais os grupos humanos veem a natureza, através

de um conjunto de conhecimentos e crenças; e como os humanos, a partir de seu

imaginário, usam e, ou, manejam os recursos naturais”.

Pesquisas em etnobiologia inicialmente produziam listas de nomes

populares e científicos de animais e plantas úteis para determinada cultura e tais

estudos representavam uma descrição do conhecimento ecológico dos até então

considerados “povos primitivos” (ELLEN, 2006). De acordo com este autor, em

uma segunda fase, as pesquisas buscavam contextualizar histórica e logicamente

esses conhecimentos, enfatizando em princípio, aspectos da classificação do

mundo natural. Nesse contexto, surgiu o trabalho de Harold Conklin sobre o uso

de vegetais pelo povo Hanunoo em 1954. A partir de então, emergiu o foco na

percepção nativa acerca do mundo natural e a expressão “abordagem

etnoecológica” começou a ser utilizada (NAZAREA, 1999).

Ellen (2006) afirma que hoje a etnobiologia atua muito mais numa

perspectiva analítica do que descritiva. Pode-se constatar o mesmo com relação à

pesquisa em etnoecologia, que atualmente além de contemplar temas

historicamente tratados, tem vivenciado o surgimento de novas temáticas.

Segundo Reyes-García e Sanz (2007), as principais linhas de pesquisa atuais

nesse campo são os sistemas locais de conhecimento ecológico, as relações

entre diversidade biológica e diversidade cultural, os sistemas de manejo de

recursos naturais e as relações entre desenvolvimento econômico e bem-estar

humano. Hoje os estudos estão focados no entendimento de como as culturas

interpretam, conceituam, representam, se relacionam, utilizam e manejam o

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ambiente (ELLEN, 2006) e para tanto, Hunn (2006) salienta a necessidade de

entendimento da linguagem local no sucesso dos trabalhos em etnociências.

Totalmente inserido em uma perspectiva descritiva e analítica, o

presente estudo utiliza o aporte teórico-metodológico da etnoecologia abrangente.

Tal teorização emergiu da prática (grounded theory) através das pesquisas

realizadas por José Geraldo Marques na Várzea da Marituba, estado de Alagoas

(MARQUES, 1995; 2001) e está em processo de construção e aperfeiçoamento.

Segundo o autor, essa teorização foi construída com o objetivo de proceder a

análise de dados quando nenhuma outra teoria testada, produzia resultados que

facilitassem a interpretação e sistematização dos mesmos.

A abordagem etnoecológica abrangente difere de outras abordagens

em etnoecologia principalmente por propor um modelo analítico que abrange

quatro dimensões das relações entre pessoas e ambiente2 como categorias:

1. Bases Conflitivas: Aprofunda as questões geradoras de conflito

na localidade e sua interferência na relação entre seres humanos e o

restante do ambiente;

2. Bases Cognitivas: Analisa os conhecimentos a respeito dos

recursos explotados (etnotaxonomia, ecologia trófica, hidrodinâmica,

etnofenologia, etc.) e as crenças locais, especialmente aquelas que possam

exercer alguma interferência nas atividades extrativistas;

3. Bases Emotivas: Aborda os sentimentos e possíveis

implicações destes na conservação de recursos naturais, tal como tratado

por Marques (2005);

4. Bases Consexivas: Analisa aspectos relacionados ao

comportamento dos extrativistas com relação aos recursos explotados.

Nesse contexto, considera-se que as pessoas mantém cinco conexões

básicas com o ambiente: pessoas/minerais, pessoas/vegetais,

2 A separação em quatro dimensões tem finalidade de facilitar a análise dos dados. Considera-se que para a

cultura local, tais elementos estão imbricados ou mesmo sobrepostos de modo que para o(a) nativo(a) seja

difícil ou até mesmo impossível distingui-los.

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pessoas/animais, pessoas/pessoas, pessoas/sobrenatural. Tais conexões

podem ser caracterizadas de acordo com (Figura 1):

a. Tipologia Conexiva: Finalidade para a qual se

estabelece a conexão (ex: trófica, econômica, estética, lúdica, etc.);

b. Grau de Conectividade: Importância cultural da conexão

(forte/média/fraca);

c. Status Conexivo: Comportamento da conexão ao longo

do tempo (emergente, permanente, resiliente, evanescente, etc.);

d. Modalidade: Pode ser classificada como “limpa” ou

“suja” quanto a natureza social, ambiental e/ou política.

Figura 1 - Análise das bases conexivas– baseada na abordagem etnoecológica

abrangente

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As inovações propostas pela etnoecologia abrangente possuem

implicações teórico-metodológicas relevantes. A primeira delas é a possibilidade

de aplicação da abordagem aos mais diversos contextos socioculturais, uma das

razões pela qual a mesma recebe a denominação abrangente. De acordo com

Marques (2001) essa abordagem pode ser aplicada a todos os sistemas

ecológicos, inclusive o urbano. Tal visão surge no contexto de uma etnoecologia

que sempre esteve mais ocupada em estudar as sociedades culturalmente

diferenciadas, ou tradicionais.

Do ponto de vista analítico, a etnoecologia abrangente apresenta

alguns pontos de divergência da abordagem de Toledo (1992). A última considera

as relações entre seres humanos e natureza de acordo com o sistema k-c-p

(kosmus, corpus e práxis) onde kosmus corresponde às crenças, corpus aos

conhecimentos e práxis à prática produtiva. A etnoecologia abrangente agrega

conhecimentos e crenças em bases cognitivas, trata a prática produtiva como

comportamento em bases conexivas e incorpora as dimensões conflitiva e emotiva

(pathos) à análise.

Além disso, se constituem em características típicas etnoecologia

abrangente, a abordagem predominantemente qualitativa que preconiza uma

análise do ponto de vista emicista/eticista3, onde os memes - fragmentos

reconhecíveis de informação cultural passados de pessoa a pessoa dentro de uma

cultura (DAWKINS, 1979; BLACKMORE, 2000) - são utilizados como ferramentas

capazes de aferir a consistência das informações obtidas em campo.

A partir da valorização do conhecimento empiricamente construído por

comunidades locais, certos setores da ciência têm admitido a existência de outras

formas de conhecimento que não o científico stricto sensu. A etnoecologia

considera que populações não-letradas, que não estão totalmente inseridas no

3 Abordagem emicista-eticista associando as visões nativa (êmica) e acadêmica (ética). É importante

ressaltar que as denominações êmico/ético são provenientes de vocábulos lingüísticos (fonêmica e fonética) de modo que, neste caso, a palavra “ético(a)” não é empregada no sentido de “moral”. Nesta abordagem não se pretende corroborar ou depreciar um ou outro tipo de conhecimento ou fazer qualquer julgamento de mérito ou valor com relação aos mesmos, e sim apenas compará-los.

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contexto da sociedade abrangente, possuem conhecimentos válidos a respeito

dos recursos naturais e que tal conhecimento influencia o manejo dos recursos

naturais.

A preocupação com o meio ambiente e com a diversidade cultural tem

estimulado o crescente interesse na etnoecologia. Desse modo, devido à sua

natureza multifacetada, os problemas de uso e conservação dos recursos naturais

precisam integrar conhecimentos de populações locais e científicos naturais e

sociais numa perspectiva interdisciplinar. Reyes-García e Sanz (2007) consideram

a conservação de ambos como um fator chave de adaptação ao meio ambiente e

reiteram que, justamente por isso, e também devido ao caráter multi-escalar de

suas análises, a etnoecologia pode contribuir para compreender e interpretar

problemas envolvendo ambiente e sociedades.

Alguns autores acreditam que diferentemente do uso desordenado que

a sociedade industrializada faz dos recursos naturais, algumas comunidades

(tradicionais ou não) vêm utilizando-os de forma a não colocá-los em risco de

esgotamento (e.g. DIEGUES, 2000). Hanazaki (2003) considera indubitável que

populações tradicionais provocam impacto sobre os recursos naturais, porém

afirma que este é “quantitativa e qualitativamente distinto do que aquele gerado

por sociedades modernas/urbanas”. Begossi et al. (2002) afirmam que, à medida

que as populações tornam-se urbanas, os processos de decisão passam

provavelmente a depender mais de fatores econômicos do que ecológicos.

No âmbito científico, a conservação da biodiversidade por comunidades

locais foi abordada habitualmente dentro de duas concepções antagônicas: os

mitos do “poluidor primitivo” e do “bom selvagem” (DIEGUES, 1994; HANAZAKI,

2003; SOUTO, 2006). A primeira concepção trata as populações tradicionais como

elementos externos aos ecossistemas e a sua presença seria inevitavelmente

responsável por efeitos deletérios ao ambiente, enquanto a segunda considera

que essas comunidades vivem em plena harmonia com os demais componentes

do mundo natural, sem lhes causar danos.

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Na prática, esta questão é bastante polêmica. De acordo com Gerhardt

(2008), o debate polarizado tem gerado uma frenética e generalizada busca por

evidências (sejam elas baseadas em casos, exemplos, números, dados,

informações, relatórios, reportagens, relatos-denúncia, etc.) tanto por parte

daqueles que defendem a tese de que populações tradicionais (do passado ou do

presente) sempre depredaram a natureza quanto pelos que querem comprovar

que estas mesmas populações ajudam a preservar a biodiversidade. É evidente

que a complexidade no que tange à conservação dos recursos naturais por

comunidades locais vai muito além do reducionismo colocado pelas concepções

citadas, dada a complexidade das relações entre ser humano e natureza.

Os conhecimentos e práticas locais de povos tradicionais ainda que de

qualidade sub ou superestimadas, são hoje consideradas chaves para a

conservação da biodiversidade (BACELAR e SOUZA, 2008). Tal temática já havia

sido tratada no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), durante

a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

realizada no Rio de Janeiro em 1992, na qual é citado o potencial do acervo de

conhecimentos historicamente acumulados pelas comunidades locais na

conservação da diversidade biológica (MMA, 2000).

O debate, ao menos em tese, tem alcançado a esfera das políticas

públicas. O conhecimento tradicional tem sido reconhecido como relevante, tanto

para os estudos da biodiversidade quanto para a conservação do patrimônio

biológico e genético no país. Acrescenta-se a isso, a diversidade cultural brasileira

que é representada por um grande número de comunidades locais detentoras de

considerável conhecimento sobre as espécies da flora e da fauna e de sistemas

tradicionais de manejo dos recursos naturais renováveis (MMA, 2002).

O termo “tradicional” foi utilizado no âmbito desta tese para fazer

referência tanto à comunidade da Salamina quanto ao conhecimento de

extrativistas daquela localidade. Tal escolha se fez assumindo a inexatidão,

controvérsia, complexidade e ainda o caráter político-ideológico implícito neste

conceito (VIANNA, 2008), mas considerando a importância dessa terminologia

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para explicitar: 1. A relevância da tradição como referencial para construir o futuro

(VIANNA, 2008), 2. O caráter político do conceito, que se tornou um instrumento

capaz de garantir territórios “tradicionalmente ocupados” e 3. A inclusão de

comunidades quilombolas na categoria “povos e comunidades tradicionais” no

âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e

Comunidades Tradicionais (PNDSPCT) criada em 2007.

A existência de “comunidades remanescentes de quilombo” foi

reconhecida oficialmente pelo Estado Brasileiro na Constituição de 1988, que em

seu artigo 68 afirmou o direito dessas comunidades aos seus territórios. Segundo

Linhares (2004), tal inclusão na esfera legislativa se deu pela pressão de

movimentos sociais afro-brasileiros que assim se colocavam, de acordo com

Schmitt et al (2002) devido às expropriações incessantes que sofriam as

comunidades negras rurais. Leite (2000) afirma que, apesar do texto da

constituição expressar “a necessidade de reconhecimento da cidadania étnico-

cultural”, não se sabe se esse reconhecimento se dá com intenção de preservar o

patrimônio cultural ou se por garantir o direito à terra e à diversidade étnica.

Após a inserção do artigo 68, a identidade quilombola passou a ser um

elemento capaz de garantir a sobrevivência material e simbólica dos grupos

negros. A construção da realidade enquanto “remanescente”, segundo Arruti

(1997), passa a ser um elemento de força ainda maior que a própria comprovação

da etnicidade negra. Esta identidade é considerada por Schimitt et al (2002), não

como algo fixo, mas sim em curso, que se estabelece a partir das relações de

diferença formadas em decorrência de eventos históricos e torna-se fundamental

para a garantia do direito de território e consequente transmissão da cultura das

populações negras rurais. Quando a identidade de “remanescente de quilombo”

passa a ser admitida, as diferenças que se colocavam entre essas e as demais

comunidades como forma de estigma, a exemplo da utilização das denominações

“negro” e “preto”, passam a ser adotadas e valorizadas (ARRUTI, 1997).

Quilombos, mocambos, comunidades negras rurais, terras de preto e

comunidades remanescentes de quilombo, segundo Linhares (2004), são termos

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correlatos, criados por grupos com diferentes pontos de vista para se referirem a

uma situação social singular. Considera-se que os grupos negros se constituíram

a partir de uma grande diversidade de processos (SCHIMITT et al, 2002) e que a

terminologia utilizada no âmbito da legislação (“comunidades remanescentes de

quilombo”) não contempla esta dinâmica. Um aspecto que contribui para a

inexatidão do termo é a sua vinculação à noção de temporalidade (ARRUTI, 2006)

com o propósito de solucionar a “relação de continuidade e descontinuidade com o

passado histórico em que a descendência parece não ser laço suficiente”

(ARRUTI, 1997). Segundo Linhares (2004), a terminologia é criticada por

acadêmicos e pelo próprio movimento social por considerar apenas a fuga e

negação do regime de escravidão e desconsiderar outras formas de resistência. O

autor afirma que ativistas negros preferem a denominação “comunidades negras

rurais” porque consideram a forma de vida social independentemente do seu

processo histórico de formação. Da mesma maneira, a expressão “terras de

preto” mais utilizada no norte e nordeste do Brasil, enfatiza o caráter comum das

propriedades e recursos.

A palavra “quilombo” por sua vez possui uma grande quantidade de

significados – ora designando lugar, ora povo, ora manifestações populares, etc –

e por este motivo seria útil para construir um aparato simbólico capaz de

representar a história das Américas (LEITE, 2000). A autora afirma que este

conceito pode ser visto pelos militantes como elemento aglutinador que permita

dar sustentação à afirmação da identidade negra. A palavra quilombo de acordo

com Leite (2008) foi ressemantizada pelos movimentos sociais, passando a

incorporar os princípios de liberdade e cidadania negados aos afrodescendentes

tais como direito à terra, ações em políticas públicas que ampliem a cidadania e

proteção às manifestações culturais.

Para efeitos deste estudo, opta-se pela utilização da expressão

comunidade quilombola para designar a Salamina Putumuju, em concordância

com autores que consideram que tal terminologia agrega elementos

socioantropológicos além do significado exclusivamente histórico, que se percebe

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na expressão “remanescentes de quilombo” (ARRUTI, 1997; 2006; LEITE, 2000;

SCHMITT et al. 2000).

De acordo com Gomes (1995), a formação de quilombos tinha

reconhecida tradição na capitania da Bahia. O autor afirma que, no Recôncavo

Baiano, a existência de mocambos está registrada em documentos que datam da

década de 1580. Esta região, por reunir elementos das culturas indígena, negra e

européia, é considerada por Souto (2004) como o berço da cultura baiana. Pedrão

(2007) classifica o Recôncavo como um lugar de uma pluralidade de situações

agregando tanto aquelas determinadas pela escravidão e pela servidão quanto

aquelas constitutivas do universo do extrativismo reunindo ainda um elenco de

situações pertencentes ao que se aceita como moderno.

Fisicamente, o Recôncavo Baiano possui limites bem definidos, uma

vez que corresponde à faixa de terra que circunda a Baía de Todos-os-Santos. De

acordo com Pedrão (op. cit), a região apresenta uma identidade cultural única no

Estado da Bahia porque as pessoas se sentem parte da região, mais do que de

uma localidade ou município.

Na margem oeste do Recôncavo da Bahia, situa-se a Baía do Iguape,

sistema hídrico formado a partir da falha geológica Salvador - Maragogipe

(SANTOS, 2007), localizado na interface da foz do rio Paraguaçu com a Baía de

Todos-os-Santos. Ao longo do seu curso, o rio Paraguaçu percorre trechos da

Chapada Diamantina e da caatinga até chegar ao Recôncavo Baiano compondo a

bacia hidrográfica com o mais importante sistema fluvial de domínio inteiramente

estadual (PEREIRA, 2008). De acordo com Ramos (1993), o estuário lagunar que

forma a Baía de Iguape abrange aproximadamente 80 km2 e se comunica com a

Baía de Todos-os-Santos através do Canal de São Roque.

Nesta localidade, abrangendo parte dos municípios de Maragogipe e

Cachoeira, situa-se a Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape4, criada em

4 Sobrepõe-se a esta, uma Unidade de Conservação Estadual: a Área de Proteção Ambiental Baía de Todos-

os-Santos, que inclui as águas da Baía de mesmo nome.

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agosto de 2000, com a finalidade de garantir a exploração auto-sustentável e a

conservação dos recursos naturais renováveis tradicionalmente utilizados pela

população extrativista local. Nessa região, estão localizados os manguezais mais

bem preservados da Baía de Todos-os-Santos, de onde são extraídos recursos

que se constituem em importantes fontes de renda e subsistência para as pessoas

da região.

A área aproximada da Resex até 2009 era de 8.117,53 ha, sendo

2.831,24 ha em terrenos de manguezais, e 5.286,29 ha de águas internas

brasileiras (D.O.U., 11/08/2000). A partir de então, a unidade sofreu alteração em

seus limites por meio de emenda à Medida Provisória nº462 de 2009 que foi

convertida na Lei nº 12.058 de 13 de outubro de 2009.

Atualmente, conflitos socioambientais envolvendo a instalação de

empreendimentos (principalmente navais, hoteleiros e portuários) e interesses de

populações locais e grupos ambientalistas têm se tornado manifestos no litoral do

estado da Bahia. A Baía do Iguape, particularmente, convive com a operação de

três empreendimentos causadores de grande impacto ambiental: ao norte, a Usina

Hidrelétrica de Pedra do Cavalo e ao sul, os estaleiros de São Roque e Enseada

do Paraguaçu. A inexistência do plano de manejo da unidade acaba por facilitar a

inserção de atividades industriais nas adjacências da Resex.

A Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo atua na geração de energia

desde o ano de 2004. A partir de então, a liberação de água pela barragem parece

ocorrer de modo aleatório, o que prejudica atividades pesqueiras provocando,

inclusive, o desaparecimento de espécies da localidade (PROST, 2007a;

SANTOS, 2008; ICMBio, 2009; OLIVEIRA, 2012). O estaleiro de São Roque foi

instalado na década e de 1950, passou um período desativado e voltou a operar

após o estabelecimento da Resex Baía do Iguape. A implantação do estaleiro

Enseada do Paraguaçu ocorreu em uma área que até meados do ano de 2009

integrava a reserva. Segundo documento de caracterização da unidade (ICMBio,

2009), na ocasião, os extrativistas locais de um modo geral estavam em

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desacordo com a implantação do empreendimento por entenderem que o mesmo

representaria prejuízo às atividades pesqueiras.

Segundo dados do ICMBio (2009), cerca de 92 comunidades vivem nas

adjacências da Resex, dentre as quais, 26 são reconhecidas pela Fundação

Cultural Palmares como “remanescentes de quilombo” (ICMBIO, 2009). Grande

parte dos quilombolas que habitam a região tem sua única ou principal fonte de

renda proveniente das atividades pesqueiras e da extração de produtos vegetais

tais como o dendê e a piaçava (ICMBIO, 2009).

Dentre as comunidades, insere-se a Salamina Putumuju, que está

localizada na parte sul da Baía do Iguape e foi reconhecida como “remanescente

quilombola” pela Fundação Cultural Palmares em 10 de dezembro de 2004

(ICMBIO, 2009). Após o reconhecimento, a comunidade anteriormente conhecida

apenas por Salamina resgatou o nome do antigo quilombo: Putumuju. De acordo

com dados do INCRA (2006), na ocasião de realização do laudo antropológico, em

toda a comunidade viviam cerca de 40 famílias5.

O aumento na quantidade de estudos etnoecológicos realizados nos

últimos anos é reflexo do crescente interesse acadêmico pelas maneiras como as

diferentes sociedades se apropriam dos recursos naturais. Apesar disso,

pesquisas com essa temática ainda são escassas considerando a

sociobiodiversidade brasileira. Pesquisas envolvendo conhecimentos e práticas

tradicionais de comunidades quilombolas, por exemplo, são raras. Na região do

Recôncavo Baiano, alguns estudos etnoecológicos têm sido desenvolvidos a

respeito da pesca artesanal, mas não foram localizados trabalhos abordando o

extrativismo vegetal em áreas de remanescentes de Mata Atlântica locais. De

acordo com o ICMBio (2009) os aspectos culturais de atividades produtivas na

Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape necessitam ser aprofundados para a

elaboração do Plano de Manejo da Unidade de Conservação.

5 Dados obtidos através do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território Quilombola de

Salamina Putumuju realizado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 2006).

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Ainda que escassas, algumas pesquisas têm contemplado a pesca

artesanal na região do Recôncavo Baiano do ponto de vista etnoecológico

(SOUTO, 2004; 2007; 2008; SOUTO e MARTINS, 2009). No que se refere ao

extrativismo vegetal de produtos como piaçava e dendê, os estudos de cunho

etnoecológico certamente são ainda mais raros. Não foram localizados trabalhos

que investigassem as relações entre pessoas e ambiente em atividades

extrativistas florestais desta naureza no Recôncavo Baiano.

Considerando a riqueza da cultura e da biodiversidade da região do

Recôncavo Baiano e em particular, da cultura de origem predominantemente

africana dos quilombolas da Salamina Putumuju e sua singularidade devido a: 1.

seu relativo grau de isolamento com relação às comunidades adjacentes; 2. o

exercício das atividades extrativistas como principal meio de sobrevivência; e, 3.

as recentes modificações ambientais ocorrentes na localidade, propôs-se, com

esta pesquisa, documentar os conhecimentos, crenças, sentimentos e

comportamentos da população local com relação aos principais recursos

explotados através de um estudo etnoecológico, comparando conhecimentos

tradicional e acadêmico e analisando práticas extrativistas do ponto de vista da

conservação. Além disso, buscou-se verificar a percepção dos extrativistas quanto

aos efeitos das modificações no ambiente na relação da comunidade local com os

demais elementos dos ecossistemas que as incluem e contextualizar a produção

do conhecimento tradicional, abordando os processos históricos e relações de

poder vividas pela comunidade ao longo do tempo.

Do ponto de vista teórico-metodológico, pretendeu-se avançar na

incorporação de modelos de análise de dados qualitativos em etnoecologia e

ainda contribuir para o amadurecimento da teorização etnoecológica abrangente

(MARQUES, 1995, 2001) numa avaliação crítica sobre a sua aplicabilidade no

contexto das atividades extrativistas realizadas na comunidade da Salamina.

Além de desenvolver análises a respeito do contexto de reprodução

simbólica e material da comunidade estudada, foram enfocadas no estudo

etnoecológico as duas atividades de maior relevância dentro do seu contexto

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cultural e socioeconômico: a pesca de camarão e o extrativismo da piaçava.

Dessa maneira, essa tese está organizada de forma a primeiramente inserir o

leitor no universo da comunidade estudada, trazendo no capítulo 1 aspectos de

localização, paisagem, modo de vida e a contexto histórico da Salamina Putumuju

conforme narrados pelos extrativistas entrevistados.

O capítulo 2 trata de duas dimensões da etnoecologia abrangente

(conflitiva e emotiva) envolvendo de forma ampla as relações entre extrativistas e

demais elementos da natureza. Percebeu-se, nas análises, que esses aspectos

não poderiam ser avaliados separadamente de acordo com cada uma das

modalidades de extrativismo enfocadas, uma vez que incidem sobre o modo de

vida da comunidade como um todo.

Optou-se por apresentar as dimensões cognitiva e conexiva

separadamente para pesca do camarão (capítulo 3) e piaçava (capítulo 4) uma

vez que se tratam de recursos provenientes de ecossistemas distintos. Fez-se

essa escolha com objetivo heurístico, visando facilitar a análise de conhecimentos

e comportamentos relacionados a cada um dos recursos explotados.

Finalmente, buscou-se analisar o fator temporal no capítulo 5

enfocando a dinâmica das conexões na comunidade estudada. A destinação de

um capítulo exclusivo para tratar essa análise se deu por considerar que esta é

mais importante contribuição deste estudo à teorização etnoecológica abrangente.

Nesse sentido, abordou-se no último capítulo as mudanças ocorridas na Salamina

tanto diante da sua própria dinâmica cultural interna quanto àquelas relacionadas

às recentes modificações ocorridas externamente à comunidade.

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OBJETIVOS

GERAL

– Realizar um estudo etnoecológico sobre as relações

pessoas/ambiente na comunidade quilombola da Salamina Putumuju;

- Verificar se as modificações no ambiente (decorrentes da operação da

Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo e da instalação do Estaleiro Paraguaçu)

influenciaram/influenciam na relação da comunidade local com os demais

elementos da natureza.

ESPECÍFICOS

- Registrar o conhecimento etnoecológico relacionado manguezal, à

mata atlântica e seus recursos;

- Conhecer os diversos aspectos cognitivos e comportamentais que

mediam as relações entre pessoas e ambiente na comunidade da Salamina;

- Caracterizar o zoneamento ecológico local percebido pelos

extrativistas, inferindo as diversas atividades extrativistas exercidas pela

comunidade;

- Analisar as práticas e estratégias de pesca e extrativismo vegetal sob

o prisma da etnoconservação;

- Descrever as possíveis modificações ocorridas nas formas de

apropriação dos recursos (pesqueiros e vegetais) ao longo do tempo.

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ASPECTOS METODÓGICOS DA PESQUISA

Coleta de dados

Inicialmente foram realizadas entrevistas informais6 com extrativistas

encontrados ad libitum7 com o intuito de se conhecer aspectos mais gerais da

comunidade nativa, dos ecossistemas locais e das práticas de utilização nele

desenvolvidas. Após esta etapa, foram gravadas entrevistas semi-estruturadas

(figura 2) com extrativistas que desenvolvem as diversas modalidades de pesca,

mariscagem e extrativismo vegetal. A pesquisa privilegiou, a princípio, a

abordagem de questões históricas e de percepção de impacto ambiental.

Figura 2 - Realização de entrevista semi-estruturada

6 Entrevistas informais são aquelas em que o pesquisador escreve registros de uma conversa casual

(ALEXIADES, 1996). 7 Pessoas encontradas casualmente foram entrevistadas.

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Posteriormente foram realizadas 21 entrevistas semiestruturadas

abordando assuntos relacionados à biologia e ecologia dos recursos

(etnotaxonomia, etnofenologia, ecozoneamento, hidrodinâmica, territorialidade...),

crenças locais, estratégias de captura, utilização e conservação. Particularmente

no que se refere ao estudo da compreensão dos ciclos naturais pelos nativos

(etnofenologia – NABHAN, 2010), foram agregados indicadores vernáculos

(grassroots indicators - MARARIKE, 1996; ORONE, 1996) identificados pelos

extrativistas para relacionar eventos fenológicos distintos. Através das entrevistas,

foi investigado se os nativos percebem mudanças nos ciclos etnofenológicos e se

atribuem alguma causa a estes fenômenos.

A percepção local sobre as mudanças ocorridas no ambiente foi

estudada através da história oral. Para tanto foram realizadas entrevistas semi-

estruturadas empregando o gênero “história oral temática”, que segundo Freitas

(2006), permite a comparação entre diversas informações, apontando

convergências, divergências e evidências de uma memória coletiva. Todas as

entrevistas semi-estruturadas foram gravadas e transcritas de forma verbatim,

respeitando o linguajar nativo. Dentre os entrevistados, privilegiou-se contactar

aqueles indivíduos considerados “especialistas nativos(as)”, pessoas auto-

reconhecidas e reconhecidas pela própria comunidade como culturalmente

competentes no exercício de determinada atividade (MARQUES, 1995). A

ampliação amostral foi possibilitada pela inclusão de novos indivíduos,

sucessivamente indicados a partir dos anteriormente contatados.

Todas as entrevistas foram precedidas pela identificação do

entrevistador, explanação sobre os objetivos do trabalho e apresentação de um

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme indicações do Comitê de

Ética em Pesquisa (autorização em apêndice 1). O projeto de tese foi avaliado e

autorizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)8 por

8 No ano de 2011, a solicitação de autorização de acesso ao conhecimento tradicional associado à

biodiversidade em pesquisas que não envolvam o acesso direto ao componente genético e nem a intenção

de gerar produtos e patentes, deixou de ser uma atribuição do Conselho do Patrimônio Genético (CGEN) e

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tratar de conhecimento tradicional associado à biodiversidade (processo

02000.000446/2012-10 DPI/IPHAN/MinC – D.O.U. 18/07/2012 – apêndice 2). Por

tratar-se de uma pesquisa em unidade de conservação federal o projeto também

foi submetido a avaliação pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade e aprovado sob o número 27644-3(apêndice 3). Por se tratar de

uma unidade de conservação de uso sustentável, o projeto foi submetido ainda à

apreciação do Conselho Deliberativo da Resex Baía do Iguape, tendo sido

apresentado e discutido em reunião.

A coleta de dados também ocorreu através de observações diretas

(figura 3), quando os informantes foram acompanhados em suas atividades

extrativas rotineiras, ocasião em que também foram realizadas as entrevistas de

campo (ALEXIADES, 1996). Complementarmente, foi utilizada a técnica de

percursos guiados em campo, onde os próprios extrativistas serviram de guias em

áreas de extrativismo ou atividades que desenvolvem (GRENIER, 1998). Durante

essas incursões, foram feitos registros fotográficos (conforme permissão do sujeito

da pesquisa) das atividades cotidianas de extrativistas nos sítios de pesca e

coleta, nas ruas ou em suas residências. Nessas ocasiões, foram evitadas

interferências no trabalho desses profissionais para que o registro das imagens

seja fidedigno e para não atrapalhar o rendimento de suas atividades.

passou a ser analisado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desta forma, o

projeto desta tese que aguardava parecer do CGEN, foi transferido para apreciação do IPHAN.

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Figura 3- Observação direta do extrativismo da piaçava

Um esquema do processo de coleta de dados é representado na figura

4.

Figura 4- Esquema do processo de coleta de dados

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Análise de dados

Optou-se por analisar as atividades extrativistas sob abordagem da

Etnoecologia Abrangente (MARQUES, 1995, 2001). A escolha de compreender as

relações entre extrativistas e o restante do ambiente a partir desta óptica se

justifica principalmente pela natureza eminentemente qualitativa da proposta e

pelas categorias empregadas que facilitam a análise.

A partir das entrevistas foram identificados memes que, enquanto

ferramenta de análise qualitativa, serviram como instrumento para verificar a

consistência das informações obtidas. Também através das entrevistas, buscou-

se no presente estudo comparar os conhecimentos locais com a literatura

científica (cognição comparada) e os comportamentos foram observados de

acordo com as implicações ambientais decorrentes. Inferências relacionadas à

etnoconservação (PITT, 1987) foram abordadas de forma mais pragmática,

utilizando a perspectiva adotada por Smith e Wishnie (2000) para avaliar

conservação em sociedades de pequena escala9, segundo os quais existe

conservação quando há prevenção ou mitigação de: depleção de recurso,

extirpação de espécies e degradação de hábitat.

Reunindo informações a respeito dos conhecimentos, crenças e

comportamentos dos extrativistas com relação aos recursos por eles explotados,

será elaborado um diagrama baseado no calendário agrícola, climático e festivo

elaborado por BARRERA-BASSOLS e ZINK (2003). Nesta ilustração serão

mostrados elementos que influenciam na atividade extrativista agregando

elementos simbólicos e práticos. Integrando dados obtidos nas entrevistas,

observações de atividades extrativistas e percursos guiados foi construído um

modelo ilustrando as principais unidades de manejo da paisagem da maneira

como são percebidas pelos nativos (MAIMONE-CELORIO et al, 2008).

9 Sociedades de pequena escala são caracterizadas essencialmente por possuir algumas centenas a poucos

milhares de habitantes e certa autonomia política (SMITH e WISHNIE, 2000).

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Optou-se nesta pesquisa por abordar o extrativismo pesqueiro e vegetal

na comunidade da Salamina Putumuju a partir de uma análise de caráter

etnográfico, privilegiando assumidamente uma análise qualitativa dos dados. A

análise escolhida parte do arcabouço teórico-analítico da etnoecologia abrangente

(MARQUES, 1995; 2001) e buscou integrar outros elementos com a intenção de

tornar as dimensões espacial e temporal os eixos da análise. Para tanto, agrega-

se um entendimento mais amplo de paisagem, assumindo-a de acordo com a

perspectiva de Ingold (1993) considerando a vida humana como um processo que

envolve a passagem do tempo e nela são construídas as paisagens que a pessoa

vive. Além disso, procurou-se associar aspectos trazidos pela etnoecologia da

paisagem, que tem assumido a importância dos processos históricos e relações

de poder na geração do conhecimento e manejo de recursos naturais (ELLEN,

2009; JOHNSON E HUNN, 2010a).

A análise de dados se deu conforme a figura 5.

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Figura 5. Ilustração da análise de dados

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

A COMUNIDADE DA SALAMINA

A Dimensão Espacial: área de estudo e aspectos da paisagem

A Baía de Todos-os-Santos (BTS) é um acidente geográfico com

superfície de 1.233 km2 que inclui 56 ilhas, estuários de rios, manguezais,

restingas, matas, além de duas baías menores: Aratu e Iguape (CAROSO et al.,

2012). No entorno da BTS distribuem-se os municípios que compõem o

Recôncavo Baiano (BOMFIM, 2006), região com grande importância histórica e

econômica ao longo da história do Brasil, pioneira no ciclo da cana-de-açúcar, da

indústria fumageira e do petróleo no país (PEDRÃO, 2007).

O estuário do rio Paraguaçu, localizado na margem oeste da BTS, é

composto por três setores: baixo curso do rio, Baía do Iguape e canal do

Paraguaçu (REIS-FILHO et.al., 2010). Este último serve de ligação entre as Baías

de Iguape e de Todos-os-Santos. Neste local se encontram manguezais bem

preservados e áreas de remanescentes de Mata Atlântica.

Com a finalidade de conservar os ecossistemas locais e o modo de vida

das populações que vivem basicamente do extrativismo, foi criada em agosto de

2000 a Reserva Extrativista Marinha Baía do Iguape. A Resex atualmente abrange

os municípios de Cachoeira, São Félix e Maragogipe e a comunidade quilombola

Salamina Putumuju é uma das beneficiárias da unidade (figura 6).

Localizada entre a Baía do Iguape e o Canal do Paraguaçu, na margem

direita do rio (em direção à sua foz), essa comunidade se encontra relativamente

isolada, principalmente por não possuir via de acesso terrestre ligando-a às

localidades vizinhas. Desta maneira, o deslocamento da população local até a

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sede do município ocorre por meio de embarcações, principalmente canoas de

madeira (predominantemente a remo e/ou vela) ou de fibra movida a motor. Além

disso, as embarcações disponíveis para o transporte de pessoas até as demais

localidades são escassas.

O local onde se situa a comunidade é caracterizado por vegetação de

substituição de Mata Atlântica com duas regiões fitoecológicas distintas (Floresta

Ombrófila Densa e Áreas de Formações Pioneiras), clima úmido a semiúmido,

temperatura média anual de 25,4°C e período chuvoso de abril a junho (INCRA,

2006). É possível comprovar a sobreposição dos remanescentes de Mata Atlântica

na área da comunidade através dos dados da Fundação SOS Mata Atlântica do

ano de 2010 (figura 7). A manutenção desse ecossistema em bom estado de

conservação se deve ao uso e manejo de práticas agrosilvícolas praticadas pela

comunidade (INCRA, 2006). Ainda de acordo com o INCRA (2006), a presença de

árvores frutíferas como mangueiras, cajueiros e coqueiro e jaqueiras são indícios

comprobatórios da ancianidade da ocupação do local pelos quilombolas.

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Figura 6 – Localização da Resex Baía do Iguape e Comunidade da Salamina Putumuju10

10

O mapa representa a Resex Baía do Iguape com as limitações originais, antes das alterações sofridas em 2009. Material gentilmente elaborado por Simony

Reis.

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Figura 7 - Mapa de remanescentes florestais destacando a área de estudo – comunidade da Salamina Putumuju (Baseado em mapa elabora do

pela Fundação SOS Mata Atlântica e INPE, 2009)11

11

Material gentilmente elaborado por Allan Yu Iwama de Mello.

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O nativo multi-estrategista

"Às vez o cara diz assim: 'não pode ser pescador e lavrador'. Mas pode! Pode sim! "

Oito pequenos vilarejos denominados localmente de bairros formam a

comunidade da Salamina. São eles: Tororó, Ferreiro, Dunda, Olaria, Cais do

Engenho, Rio do Navio, Putumuju e Forte da Salamina (figura 8).

Poucas casas podem ser vistas na Salamina a partir do rio Paraguaçu,

a quase totalidade delas se encontra escondida pela densa mata e manguezais

que cobrem grande parte do território. Algumas estruturas de valor histórico,

entretanto, podem ser visualizadas do leito do rio. Próximo à Ilha dos Coelhos

estão localizadas as ruínas do Engenho Novo, que foi sede da fazenda no período

colonial e atualmente possui uma casa ocupada por uma família de extrativistas.

Um pouco mais no sul do Canal do Paraguaçu, precisamente na Ponta da

Salamina está edificado o Forte da Salamina, ou forte colonial de Santa Cruz que

de acordo com Etchevarne e Fernandes (2012) é a única estrutura defensiva

encontrada na região.

O acesso às comunidades é possível apenas por meio de

embarcações, por isso, cada bairro possui um porto para ancorar as canoas, todos

sem nenhuma infraestrutura e a maioria com condições inadequadas para

embarque e desembarque. Em Locais como Tororó e Olaria, as pessoas precisam

passar pela lama do manguezal para chegar e sair das canoas, o que dificulta o

transporte de alguns itens como materiais de construção. Nas localidades

margeadas por pequenas porções de areia como Dunda, Ferreiro e Forte da

Salamina o fundo arenoso torna o embarque e desembarque um pouco mais fácil

(figura 9).

Atualmente a população da Salamina se encontra distribuída em áreas

próximas à margem do rio, denominadas localmente de marés, o que facilita o

deslocamento para a cidade e o acesso à pesca. As residências se encontram

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afastadas umas das outras em todas as localidades com exceção do bairro Forte

da Salamina. De forma geral, trilhas na mata e no manguezal separam as casas e

não existem ruas. A ocupação do espaço é predominantemente dada de acordo

com os laços de parentesco (INCRA, 2006).

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Figura 8 - Localização dos bairros que compõem a comunidade Salamina e principais pontos de referência utilizados pelos extrativistas

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Figura 9 – Portos de vilarejos da comunidade da Salamina (A- Porto do Tororó; B- Porto do

Ferreiro; C- Porto do Dunda; D – Porto da Olaria; E – Porto do Engenho Novo; F – Porto do Forte

da Salamina)

A B

C D

E F

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Embora esteja sob a influência de uma Usina Hidrelétrica há quase dez

anos, a comunidade da Salamina só passou a ter energia elétrica em 20 de junho

de 2013, cabendo à população extrativista local durante muito tempo apenas arcar

com o ônus do impacto produzido pela operação do empreendimento. Essa

realidade não se aplica às fazenda Mutuca e Jaqueira, que com recursos

financeiros suficientes e alheias ao descaso do poder público com a comunidade

local, há muito tempo possuem eletrificação. As residências não possuem água

encanada, saneamento básico e a maior parte também não possui banheiro.

A água, entretanto, é abundante no território e a população local tem

acesso a este recurso através de fontes e riachos de água doce (figura 10). A

água obtida nesses locais é utilizada para os diversos fins: consumo familiar,

limpeza, lavagem de roupas e higiene. Alguns locais conhecidos localmente como

bicas estão situados bastante próximos à margem do Paraguaçu e são utilizados

pelos pescadores para obter água potável nos intervalos da pescaria (figura 11).

Figura 10 – Obtenção e transporte de água em riacho na comunidade do Tororó

A B

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As fontes recebem os nomes das pessoas que moram próximo a elas

(exemplos: fonte de Bié, fonte de Ademário). Apesar dos topônimos serem

sugestivos de posse, neste caso, as fontes são de uso comum, embora sejam

mais utilizadas por aqueles que moram próximos a ela. Esta mesma situação se

estende a alguns portos (exemplo: porto de Vidal, porto de Egídio), que apesar

dos topônimos também não se constituem em “pedaços possuídos” (Marques,

2001). Desta maneira, o espaço em geral é concebido localmente como uma

propriedade coletiva, com exceção das residências, quintais e roças que são

compreendidos como locais pertencentes a cada família. O território comum e

indivisível é uma característica comum entre quilombolas, dessa maneira, o

espaço é ocupado e explotado obedecendo a regras consensuais do grupo

(ANDRADE, 2011).

Figura 11 – Pescador obtendo água em bica para consumo durante pescaria

A tarefa de buscar água na fonte envolve toda a família, incluído as

crianças, que também se inserem de outras maneiras no cotidiano do extrativismo,

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principalmente num contexto lúdico. Há que se destacar, entretanto, o potencial

pedagógico implícito nessas brincadeiras, que acabam por inserir naturalmente a

criança no universo do extrativismo (figura 12). As brincadeiras infantis refletem a

dinâmica local: ao invés de carros, as crianças utilizam as brácteas penducunlares

das palmeiras como se fossem canoas, constroem armadilhas para capturar

guaiamuns e brincam nos riachos.

Assim, tal como foi tratado por Marques (2001), a infância na Salamina

propicia inúmeras vivências ecossistêmicas e, em muitos casos, as brincadeiras

contribuem para a complementação da alimentação familiar, ainda que isso não se

constitua em uma obrigação infantil e também não seja considerado como

trabalho. Os adolescentes, por sua vez, frequentemente são recrutados a

trabalharem na pesca como ajudantes e é desta forma que eles acabam se

inserindo profissionalmente no universo extrativista, inclusive levando o

rendimento do trabalho para suas famílias.

Figura 12- Atividades infantis na Salamina

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A solidariedade e ajuda mútua são características presentes nas

relações entre os extrativistas. Assim sendo, transporte de materiais, construções

de residências e outras atividades que demandam maior esforço são realizadas

por um grupo em regime de mutirão que atribui a estas tarefas o nome de digitório.

Muitas residências da Salamina são feitas de taipa, construídas com

material autóctone como madeiras e barro. Um número cada vez maior de

extrativistas está edificando novas casas utilizando tijolos e aproveita as antigas

para guardar redes, defumar pescado e produzir azeite de dendê. As casas de

taipa estão sendo substituídas tanto devido à precariedade das construções que

possuem baixa durabilidade, quanto por causa do risco de infestação por

barbeiros. Na comunidade do Tororó duas pessoas moradoras de casas de taipa

afirmam ter adquirido doença de Chagas.

"Olha, aqui tem muitos problema que poderia ser resolvido, só que as autoridade, as pessoas responsáveis fica só enrolando pra lá e pra cá e nada se resolve. Aqui tem muito barbeiro, barbeiro é o transmissor da doença de Chagas. Então aqui não era mais pra existir casa de taipa. Aqui era pra todo mundo ter sua casa de bloco, tudo direitinha, bonitinha.”

“As nossas casas a maioria 50% é picada de barbeiro. Eu mesmo sou porque das casa de taipa."

Outras dificuldades vividas pela comunidade dizem respeito à

precariedade no acesso à saúde. Extrativistas afirmam que a falta de um posto de

saúde na comunidade prejudica muito a qualidade de vida da população

principalmente em situações de emergência, uma vez que o atendimento médico

mais próximo só pode ser alcançado na cidade de Maragogipe. Não obstante, os

entrevistados afirmam que atualmente a situação está um pouco melhor devido à

presença ocasional de profissionais de saúde que realizam vacinação em crianças

e proporcionam às mulheres a realização de exames preventivos.

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“...Outra coisa, a saúde aqui é muito precária. Mas em vista de antigamente aqui tá ótimo agora”.

As principais atividades econômicas exercidas na Salamina atualmente

estão relacionadas ao extrativismo. A pesca de camarão e a coleta de piaçava (ou

piaçaba conforme a terminologia nativa) são as principais fontes de renda da

população local. Somam-se a estas, outras atividades realizadas também para

subsistência: os plantios de roças com cultura de ciclo longo e/ou curto, e em

escala menor, o extrativismo de dendê, a apicultura e a criação de pequenos

animais como galinhas. A totalidade dos entrevistados pratica mais de uma

atividade como fonte de renda e/ou subsistência.

"Rapaz, eu não desprezo a pescaria e nem o extrativismo da piaçaba porque aqui você não consegue ficar comprano carne, carne, carne e tal com esses preço de coisa. Então nós aqui á beira mar nós trabalha nos dois. E aí se eu for dizer qual a preferência, eu não consigo passar sem o extrativismo nem sem a maré. Tem que ser os dois, porque se um faltar me faz muita falta como eu já tô chorando aí a falta dos marisco. Faz muita falta..."

O trabalho relacionado tanto à pesca quanto ao extrativismo vegetal na

comunidade da Salamina Putumuju acontece em nível familiar. Uma vez que a

sobrevivência da população local está associada a diferentes formas de

extrativismo e produção agrícola com intenção de complementaridade, considera-

se que a comunidade de uma forma geral utiliza o que Toledo (2001, 2008)

denominou de estratégia de múltiplos usos dos recursos naturais (MUS -

indigenous multiple-use strategy).

De acordo com Toledo et al (2003), os camponeses adotam o uso

múltiplo como uma reação endógena à intensificação do uso dos recursos naturais

em resposta a mudanças tecnológicas, demográficas, culturais e econômicas às

quais estão submetidas no mundo contemporâneo.

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Assim como encontrado por Toledo et al (2008) entre os Mayas

Yucatecos, a combinação de diferentes atividades produtivas na Salamina permite

manter uma economia dual baseada na produção para a subsistência com

porções excedentes destinadas ao mercado local. Tal estratégia provavelmente

responde, portanto, a uma racionalidade tanto ecológica quanto econômica

(TOLEDO et al, op. cit.).

"Planto, faço tudo aí. Tenho tudo graças á Deus. Tomate, pimentão, cebola, pimenta, graças á Deus. Ultimamente eu tô vendendo. Pimenta mesmo eu vendo lá no mercado em Maragogipe, tomate eu já vendi muito... Abóbora mesmo eu já vendi tudo."

"Sim, eu tiro piaçaba, planto alguma coisa, aipim, plantei melancia esse ano. É pra vender, pra comer..."

Os camponeses12 multi-estrategistas maximizam a diversidade e

número de opções disponíveis para garantir a subsistência e minimizar os riscos e

para tanto, fazem uso múltiplo do espaço, tempo e das populações de plantas,

animais e fungos (TOLEDO et al, 2003). A totalidade dos entrevistados

desenvolve no mínimo duas das três principais atividades locais. A temporalidade

é o primeiro aspecto a ser observado na escolha da atividade. Assim, são

respeitadas as épocas de realização de cada uma delas (figura 13).

O segundo aspecto a ser observado na gestão do tempo investido no

desempenho de cada atividade considera o rendimento que a referida ocupação

proporciona em um dado momento. Sendo assim, a atividade que não está

oferecendo retorno satisfatório na ocasião é momentaneamente substituída por

outra.

"Eu saio pra pescar hoje e não panho nada, vamo dizer, camarão, eu panhei mei quilo. Aí eu digo: é, não

12

A palavra camponeses é empregada aqui como tradução da palavra peasant, utilizada originalmente por

Toledo (2001) e Toledo et al (2003) para designar as comunidades tratadas nesses estudos.

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panhei nada, a pesca deu fraca, mei quilo de camarão eu já parto pra outra coisa."

"Aqui quando não tá dando de um lado, a gente parte pra outra. Se você vai pra camarãozeirra hoje e tomar pau, amanhã eu já vou pra rede de fundo, se tomar pau de novo no outro dia já bota outra arte."

Figura 13 – Ciclo anual de recursos naturais e atividades produtivas segundo informações êmicas

na comunidade da Salamina

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Cada uma das atividades produtivas é desempenhada em uma

unidade de recurso distinta. Localmente identifica-se quatro: mata, quintal e/ou

roça, mangue e maré (figura 14). A mata se distingue das demais unidades de uso

principalmente pelo porte da vegetação arbórea e pelas espécies vegetais típicas.

A roça corresponde localmente às áreas cultivadas que geralmente, porém não

necessariamente, estão adjacentes às residências. O quintal por sua vez é

compreendido como espaço próximo às casas onde são manejadas plantas

frutíferas e onde, muitas vezes, estão contidas as roças. As roças/quintais quando

compreendidas como uma unidade, assim como a mata, são discretas, de modo

que é possível ver o limite entre estas e as demais unidades. Ao contrário disso, o

mangue e a maré são contínuos. No entendimento dos nativos, o mangue também

é maré, embora haja distinção entre as atividades a serem desempenhadas em

cada unidade.

Figura 134 – Unidades de uso de recursos

A produção agrícola na Salamina é caracterizada pelo policultivo em

pequena escala. Embora haja cultivo predominante do aipim13, não existem

13

Aipim é denominado em outros locais do Brasil como macaxeira ou mandioca.

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41

manchas de monocultivo na área do quilombo. As roças são plantadas em áreas

próximas às residências, confundindo-se com o quintal onde muitas espécies

vegetais, sobretudo árvores frutíferas, já se encontram cultivadas. Esse sistema

de cultivo se assemelha ao home garden definidos por Toledo et al (2003) como

sistema agroflorestal localizado próximos às casas.

As roças atuam como um fator capaz de diminuir a dependência da

população local do mercado mais abrangente. Assim, algumas famílias plantam

itens empregados diariamente na alimentação, como tomate, cebola e pimentas.

As frutas que também possuem grande importância na dieta dos nativos também

são cultivadas. Assim como as roças, o mangue e a maré são unidades de

paisagem que possuem um manejo multi-específico (como citado por Toledo et al,

op. cit.). No ambiente de mata por sua vez, o manejo é predominantemente dos

recursos piaçava e dendê, embora outros vegetais (espécies frutíferas e outras

utilizadas na fabricação de utensílios) sejam também utilizados.

Ainda de acordo com esses autores, o grande número de espécies

utilizadas pelos nativos com diferentes finalidades confirma a manutenção da

biodiversidade no sistema de uso múltiplo. Quando comparados com áreas de uso

específico (agricultura de monocultivo, por exemplo), os usos múltiplos

representam uma menor produção por unidade de paisagem, mas uma maior

produção por paisagem agregada (TOLEDO et al, 2003). Analogamente, tomando

como referência pequenas comunidades de agricultores na Índia, Shiva (2000)

concluiu que estratégias que agregam biodiversidade são mais produtivas do que

os monocultivos em escala industrial e ainda que são essas pequenas produções

as responsáveis por alimentar a maior parte das pessoas no mundo.

No que se refere à pesca é necessário distinguir logo a princípio, duas

modalidades de atividades pesqueiras realizadas localmente: a mariscagem, que

envolve a captura de bivalves como ostras e sururu e captura de caranguejos e

aratus e pesca propriamente dita que especificamente no caso da Salamina,

compreende a captura de peixes e camarão utilizando instrumentos como rede e

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anzol (linha). Essa distinção é similar àquela abordada por Souto (2004) em

trabalho desenvolvido em outra localidade do Recôncavo Baiano.

A mariscagem, de uma forma geral, é realizada com aparatos bastante

simples, como facão, colher de pedreiro e faca de cozinha. No que se refere à

pesca, no sentido estrito, é necessário o uso de apetrechos como rede, linha,

anzol e embarcações, o que limita o exercício da atividade àqueles que têm

acesso a este aparato. A parte das pessoas que não dispõe desses instrumentos

tem o exercício da atividade condicionado ao convite. Nesta situação, um

pescador proprietário da canoa e da rede, convida outra pessoa (geralmente

considerando as relações de parentesco) para ajudá-lo na atividade. Em geral, as

pescarias são realizadas em dupla e a produção é dividida igualmente. Aqueles

que possuem artefatos e embarcações pescam com maior frequência do que

aqueles que dependem do convite. Outras atividades pesqueiras que não

dependem do uso de embarcações, a exemplo da mariscagem, são realizadas

pela totalidade dos entrevistados e visam predominantemente a subsistência.

Apesar dos extrativistas contatados assegurarem que a piaçava é o

principal recurso utilizado pela população das Salamina, a maior parte identifica a

pesca como a atividade economicamente mais importante para a própria família,

em razão desta ocupação fornecer melhor retorno financeiro. Por este motivo, é

exercida prioritariamente pelos extrativistas, caso hajam condições de maré

apropriada e eficiência na pesca.

“A pesca é melhor, ganha mais dinheiro. Eu acho assim. Quer dizer, eu acho não, todo mundo aqui acha assim. Quando não tá dando pesca é que parte pra outra coisa”.

"Pra minha família mais importante é a pesca e roça. Que eu tiro mais dinheiro é a pesca quando tá no período porque pescou de manhã, dinheiro de tarde. Quando faz a mão de camarão (defumado) vai levar uma semana pra vender. Eu numa semana fiz três mão, dentro de oito dia. A pesca fechada (defeso) já parte pra outra coisa, pescar de rede, piaçaba também. Vou no mato. a qualquer momento aí

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eu vou no mato pra pegar um trocozinho aí que eu tomei emprestado. A piaçaba arranja um pão. É bom também."

A pesca de camarão é a atividade pesqueira mais difundida e mais

importante da Salamina. Este recurso é capturado principalmente para venda,

ainda que eventualmente seja consumido pelas famílias: “Aqui tem vários tipo de

pesca, mas a maioria aqui desfruta mais do camarão”. Ainda que o camarão seja

capturado para comercialização e eventualmente para consumo, a pesca é uma

atividade que fornece retorno alimentar imediato para a família. Isso se deve à

fauna acompanhante capturada durante a pescaria que é utilizada principalmente

para a subsistência. Esse é um dos motivos que faz da pesca, a atividade

preferencialmente exercida pelos multi-estrategistas: enquanto a coleta de piaçava

oferece apenas retorno financeiro, a pesca promove um pronto retorno proteico e

faz do pescador um forrageador literal.

"Eu acho que a pesca é um lugar que você sabe que vai e vai trazer algo pra comer. Piaçaba é diferente. A piaçaba você vai arrancar, você ali vai preparar ela, vai aprontar, enquanto isso a barriga tá ali esperando. Vai esperar o comprador, o atravessador vim pra comprar na sua mão, às vez vai vim sem o dinheiro, vai pagar com oito dia... E a pesca não, a pesca a diferente, você vai ali, ranca dois quilo de camarão ali, panha, você vai ali na feira, vende no comércio são trinta reais dois quilo, porque o quilo tá vendendo a quinze, desesseis reais. Então é mais viável, você já compra um pão, já compra outra coisa. E além disso tem outras espécie que você traz pra fazer moqueca, é fumerar que nem a pescada. Manta de pescada bate nessa rede aí, é muita pescada, é cutupanha, pescada graúda."

"Porque aqui é assim: nós trabalha quando tá na piaçaba, vai pra piaçaba aí quando chega em casa vai no cofo e não tem carne a gente já vai pra maré buscar aquele alimento pra a gente. Aí trabalha nos dois. Mas quando a gente tá na atividade da pesca, nós já tráz a comida pra casa. Já vem junto."

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O plantio de algumas culturas é outra alternativa de renda e

subsistência utilizada pela população da Salamina. Destaca-se o cultivo de aipim

que se destina tanto à alimentação da família quando à comercialização nas feiras

da cidade de Maragogipe. Outros cultivos como inhame, milho, amendoim, batata,

banana e feijão se destinam em sua maior parte à subsistência.

“Planta muita roça aqui. Aipim, meu irmão mesmo tá plantando inhame, eles planta batata. O aipim é o que eles mais planta porque é o que mais vende.”

As roças estão geralmente localizadas próximas às residências (figura

15), mas existem algumas que estão situadas a pouca distância das casas. Ainda

nesses casos, a propriedade de cada roça é reconhecida por todos. O trabalho de

plantio e colheita é realizado predominantemente por homens. Em alguns casos,

outras pessoas (geralmente familiares), ajudam nas atividades agrícolas e

recebem parte da produção como pagamento. O cultivo é feito em pequena

escala, até por limitação na força de trabalho, e há diversidade de itens plantados.

É relevante mencionar que árvores frutíferas tais como mangueira, jaqueiras,

cajueiros e bananeiras também se encontram espalhadas ao redor das casas e

são importantes para a alimentação.

O extrativismo do dendê é uma atividade praticada localmente com a

finalidade de produzir azeite. O dendê, fruto da palmeira Elaieis guineensis, é

uma planta originária da costa ocidental africana e foi introduzida na América a

partir do século XVI, coincidindo com o início do tráfico de escravos (LODY, 2009;

OLIVEIRA 2009). O azeite de dendê é ingrediente importante na culinária baiana e

muito utilizdo na culinária rotineira pelos extrativistas na Salamina.

Ao contrário da piaçava, o extrativismo do dendê atualmente é feito em

pequena escala e, em geral, apenas para o consumo familiar e ocasional venda

do excedente. Entretanto, devido à alta qualidade do produto, a demanda vem

aumentando. Esta atividade já teve grande importância econômica na localidade,

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mas atualmente a falta de unidade de beneficiamento impossibilita a produção do

azeite para comercialização em escala maior.

“...é só pra fazer azeite de consumo da casa mesmo, pra o pessoal comer aqui na fazenda.”

“...tem o dendê também, mas nós não temos fábrica.”

O corte do dendê é considerado por alguns como uma atividade

arriscada, por envolver a escalada de palmeiras que chegam a 15 metros de

altura. A produção do azeite é trabalhosa e envolve algumas etapas. Depois de

coletados, os frutos são cozidos e macerados em pilão (figura 16). Em seguida o

produto é peneirado e o azeite novamente cozido. O ingrediente é utilizado na

preparação de peixes e mariscos, itens muito importantes na dieta da população

local.

Figura 15- Residência de um extrativista com roça situada ao lado

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Figura 16 – Etapas da produção do azeite de dendê. A - cozimento dos frutos de dendê; B -

maceração em pilão. C – bagaco obtido após peneiração; D – Produto da peneiração pronto para

novo cozimento

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A Dimensão temporal

Breve contextualização histórica do Recôncavo Baiano e sua ocupação

De acordo com Neves (2008), o rio Paraguaçu foi fundamental para o

acesso dos desbravadores portugueses ao Recôncavo e aos sertões. A conquista

do Recôncavo Baiano foi priorizada principalmente pela existência de solos

apropriados ao cultivo da cana-de-açúcar, produto de grande importância

comercial durante o período colonial. (NEVES, 2008).

O Recôncavo Baiano teve grande destaque no contexto da economia

açucareira no período colonial. De acordo com Etchevarne e Fernandes (2011), os

engenhos aumentaram muito em quantidade no final do século XVII e foram

importantes economicamente inclusive para a capital da província até o século

XIX. O sistema latifundiário de plantation era mantido principalmente com o

trabalho escravo e visava tanto mercados locais quanto externos (BARICKMAN,

1999).

A produção açucareira, presente no Brasil desde o século XVI, colocou

o Recôncavo Baiano na rede comercial do Atlântico (ETCHEVARNE E

FERNANDES, 2011). A região do baixo Paraguaçu teve inserção relevante nesse

contexto representando um importante pólo açucareiro e fumageiro da Bahia. O

primeiro engenho da região do baixo Paraguaçu foi instalado ainda no final do

século XVI na então povoação de Cachoeira, elevada à categoria de vila em 1698

(CASTELUCCI JÚNIOR, 2011). A natureza das atividades econômicas coloniais

realizadas no Recôncavo Baiano continuam evidentes até hoje através dos

vestígios de construções na área rural: casas de engenhos, aquedutos, fornos,

olarias, senzalas, estruturas defensivas (ETCHEVARNE E FERNANDES, 2011)

A mão de obra escrava era fundamental não apenas para a

manutenção do sistema agrícola, mas também para a realização do trabalho

doméstico e posteriormente em fazendas de gado e plantações de tabaco e

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mandioca. O tráfico de escravos africanos era tão intenso nessa região que a

população negra superou em muito, o número de habitantes brancos

(BARICKMAN, 1999).

Desde o final do século XVI há indícios da existência de mocambos no

Recôncavo Baiano. Eles se assemelhavam em tamanho e eram formados por

pequenos bandos de caçadores e coletores que em geral, roubavam pra

sobreviver (NEVES, 2008). Evidentemente, a localização geográfica se tornou um

fator de extrema importância para a sobrevivência e autonomia das comunidades

de escravos fugidos (NEVES, 2008).

A tradição de rebeldia entre os escravos do Recôncavo Baiano é

bastante abordada na literatura. Especificamente na região, uma série de

documentos históricos comprovam a preocupação das autoridades coloniais da

época com relação ao aquilombamento de escravos nas regiões de Cachoeira e

Maragogipe (GOMES, 1995). No período entre 1807 e 1835 ocorreu no

Recôncavo, um ciclo de revoltas escravas que apesar de violentas não chegaram

a desestabilizar a ordem escravista (MARQUESE, 2006). Muitas dessas revoltas

escravas aconteceram na região do baixo Paraguaçu, onde estavam localizadas

as vilas, atuais municípios, de Cachoeira e Maragogipe.

Neste contexto de economia açucareira e formação de mocambos se

constitui a etnogênese do quilombo Salamina Putumuju da forma como é

compreendida por grande parte dos entrevistados. Esse é o marco temporal a

partir do qual os extrativistas começam a se referir quando se remetem à própria

história.

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Uma história da Salamina tal como contada pelos nativos

“Quando viemo morar aqui sabia que era um lugar mau. Escravizado. Sabia que não bebia café, não comia feijão.”

“A vida nessa época era horrível que hoje eu falo até com meus irmãos, com minha família todos os dias que hoje a Salamina tá um paraíso.”

"(Como ficaram sabendo que eram quilombolas?) É o seguinte, isso aí é uma resposta muito fácil. Porque é vivendo e aprendendo e a gente morre e nunca acaba de aprender. Antes a gente não sabia de nada, a gente só era sofrido. Hoje a gente acordou pra a vida pela orientação de alguém.”

De acordo com as abordagens mais recentes em etnoecologia da

paisagem, as relações de poder juntamente com os elementos históricos,

entendidos como processos, são fundamentais para compreender a dinâmica de

produção do conhecimento tradicional. (ELLEN, 2009; JOHNSON E HUNN, 2010).

A temporalidade percebida e relatada pelos extrativistas não é bem

definida em termos de datas, de modo que eles raramente fazem referência a elas

associando-as aos fatos, e quando o fazem, citam apenas períodos aproximados.

Entretanto, é possível encontrar tempos históricos localmente percebidos, tal

como abordado por Montenegro (2002).

Através da história contada e vivida por extrativistas é possível

identificar sete referências temporais que atuam como marcos importantes no seu

modo de vida. São eles: o Tempo dos escravos fugidos, o Tempo do engenho, o

Tempo da charqueada, o Tempo de Rosalvo Velho, o Tempo de Rosalvo Novo, o

Tempo de Tânia e o Tempo do quilombo. Apesar de se reportarem a tempos mais

antigos, os entrevistados falam com maior riqueza de detalhes do tempo em que

eles próprios viveram. Desta maneira, há mais elementos consistentes para uma

reconstrução etnohistórica do extrativismo a partir do Tempo de Rosalvo Velho,

que muitos deles presenciaram.

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Diferentes tipos de opressão e dominação incidiram sobre a população

local nos distintos tempos, e é possível afirmar que todas elas, de alguma

maneira, exerceram influência sobre o trabalho dos extrativistas. Assim, é

relevante mencionar que as relações de poder ao longo do tempo interferiram

diretamente na relação dos extrativistas com o ambiente.

Ainda que de forma breve e com algumas lacunas é possível se

reportar ao passado que está na memória dos entrevistados pelas histórias

contadas pelos seus antepassados. Os aspectos históricos mais antigos relatados

remetem ao período colonial, em que a região foi ocupada por escravos fugidos de

engenhos de cana de açúcar da vila de Cachoeira. Segundo um entrevistado,

escravos fugitivos formaram um primeiro quilombo no Angolá, atual bairro da

cidade de Maragogipe, e posteriormente, se amotinaram na Salamina onde

construíram o quilombo Putumuju.

“Primeiro eles fugiram de lá (Cachoeira) pra cá, fugiram dos senhores de engenho. Os que tavam no Angolá correu pra aqui, né? Que já tinham fugido de Cachoeira aí foi se juntando gente aí. Depois vem os engenho.”

"Essa história do Putumuju pra mim já é um pouco difícil, mas sempre eu vejo alguns, os mais velho, os que já morreram falar do Putumuju que eles (os escravos) corria e se escondia lá no Putumuju. Tem lugar aqui que você anda que ainda de coisa de cem ano atrás você passando lá você inda vê os lugar das casa."

Nota-se na fala do entrevistado que ele se reporta ao Tempo dos

escravos tendo sido sucedido pelo Tempo do engenho. Não foi possível identificar

o período histórico em que esta transição ocorreu e não se pode afirmar que

houve de fato uma transição entre esses períodos. É possível que tenha havido

períodos em que escravos fugidos e engenho tenham ocupado a localidade

simultaneamente, uma vez que estes estavam situados em pontos diferentes da

Salamina. As ruínas do Engenho Novo estão localizadas na margem do

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Paraguaçu, próximo ao bairro da Olaria, enquanto o Putumuju se localiza numa

área mais interior. Além disso, sabe-se que os escravos fugidos buscavam se

estabelecer em locais de difícil acesso com a finalidade de garantir a segurança

da comunidade e construírem uma alternativa de vida afastada do cativeiro, mas

mantendo alguma proximidade com cidades e vilas circunvizinhas

(CASTELLUCCI-JÚNIOR, 2011), como era o caso do Putumuju, que ainda hoje é

considerado pelos extrativistas como um local de acesso difícil.

O engenho que se estabeleceu na Salamina, conhecido como Engenho

Novo, estava localizado em um ponto que reunia algumas das melhores

características para uma boa produção. A presença de ruína de um aqueduto

indica que este engenho possuía atributos que Etchevarne e Fernandes (2001)

consideraram essenciais para classificar os chamados “engenhos reais” na região.

Segundo os autores, estes se situavam nos melhores lugares para terem as suas

moendas movidas pela roda d’água, que se constituía em uma força motriz mais

produtiva quando comparada às moendas movidas a tração animal ou escrava. É

possível inferir as modificações na paisagem que ocorreram em consequência das

atividades produtivas realizadas na Salamina. No Tempo do engenho essas

modificações ocorreram principalmente devido ao plantio de cana-de-açúcar.

A presença do Engenho Novo denota outra relação de trabalho

existente na Salamina. No período colonial, escravos trabalhavam na produção de

cana-de-açúcar e também na construção de residências e outras edificações.

“...Aí começou o plantio de cana. Tudo que você vê aí foi feito pelos escravo. Se você ver ali o sobradão tem cada parede drobada (dobrada), aquilo tudo foi feito pelos escravo. Se chama Engenho Novo.”

“...Aí foi quando isso aqui passou também ter um engenho, que é o mais novo engenho foi esse.”

"Quilombo é porque é descendência de... Aqui teve a escravatura aqui, isso é o certo. Então é por isso é que pega esse nome quilombo, porque aqui é lugar que teve a escravidão. Aí na fazenda mesmo tem o forte aí, tem a

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casa dos imperadores na época. Porque lá embaixo no sobrado, naquele casarão lá tinha como se fosse uma cadeia lá, os escravo era tudo preso ali, amarrado. Aí depois que veio esse conhecimento eles se desfizeram de quase tudo ali, você vê que não tem mais aquele negócio ali, mas tinha mesmo, ainda tem lá. Um túmulo lá, uma parte mais perigosa que você vê tudo escuro. Eu já entrei lá de lanterna... Aí eles desfizeram essas coisa. Tinha assim tipo um pilar onde amarrava os nêgo."

De acordo com informações êmicas, ao Tempo do engenho seguiu-se o

Tempo da Charqueada. Um dos informantes atribui à libertação dos escravos o

motivo do insucesso do engenho que teria levado à venda da fazenda. Entretanto,

de acordo com o INCRA (2006), já no ano de 1872 não havia mais plantio de

cana-de-açúcar nas terras do Engenho Novo e a área era utilizada para extração

de madeiras e fibras de piaçava até ser vendida ao novo proprietário. No Tempo

da charqueada o novo dono passou a desenvolver atividade de criação de animais

de corte para o comércio de charque e as pastagens começaram a se expandir na

área da fazenda. Segundo o INCRA (2006) alguns negros que trabalhavam no

antigo engenho passaram a trabalhar na produção de charque e outros foram

constrangidos a deixar as áreas que ocupavam e migraram para áreas de difícil

acesso.

“Eu sei que depois surgiu não sei o que foi que teve aí que libertaram os escravo que passou a ser assalariado. O pessoal trabalhava e recebia aquela migalha... Aí eu não sei como foi lá, eles conseguiram ir embora e venderam isso aqui pra outro dono que chama Teotônio. Teotônio quando chegou pra aqui acabou com esse negócio de engenho e passou a ser charqueada, salgadeira. Matava o animal e fazia charqueada. Criava aí, aí matava e fazia charque.”

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Após o fechamento da charqueada, a fazenda Salamina foi novamente

vendida (INCRA, 2006). Dessa vez, o fato marcou a o início do Tempo de Rosalvo

Velho. Muitos dos entrevistados viveram este período e por esse motivo, os

eventos a partir daí passam a ser narrados com maior riqueza de detalhes.

“...Aí depois vendeu pra outro dono que fez a charqueada e depois que foi charqueada é que vendeu pra Rosalvo Velho isso aqui. Aí foi desse tempo pra cá que a gente já sabe contar alguma coisa.

“Quando eu nasci já era de Rosalvo Velho. Aí a gente ficou aqui todo mundo aí, meus avôs, meus pais, todo mundo trabalhando. E trabalhando, tal e coisa, aquela coisa meio pendendo....”

No Tempo de Rosalvo Velho a pecuária foi mantida como atividade

produtiva, porém em menor escala. O extrativismo vegetal, principalmente da

piaçava, passou a apresentar melhor perspectiva de mercado e tornou-se uma

das atividades produtivas mais importantes da Salamina. Os moradores da

comunidade trabalhavam na extração e beneficiamento do recurso e toda a

produção só podia ser vendida ao dono da fazenda. Os extrativistas relatam uma

situação de miséria e escravidão vividas nesta época, incluindo vários relatos de

maus tratos.

O dono da fazenda possuía um estabelecimento comercial, chamado

localmente de venda, onde os extrativistas adquiriam alimentos e roupas (figura

17). O “pagamento” pelo trabalho era realizado em crédito para compra nesses

estabelecimentos e não havia outras possibilidades de obter produtos de primeira

necessidade porque também não existiam meios dos extrativistas se deslocarem

em direção a outras localidades.

Muitos dos entrevistados relataram que seus pais não chegaram sequer

a conhecer a cidade de Maragogipe, localizada há menos de um quilômetro de

travessia do bairro do Tororó. A ausência de estradas de acesso e embarcações

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para uso dos extrativistas impedia o deslocamento dos mesmos para outras

localidades.

“No tempo de Rosalvo Velho aqui ainda era escravidão mesmo. Você tinha que trabalhar de manhã se tivesse que comer de manhã, pra sair pra trabalhar, que não tivesse tinha que trabalhar pra comer de tarde, era assim. Se não trabalhasse não comia, porque a venda era aí mesmo, ninguém saía pra comprar nada fora. Nada, ninguém conhecia nada aí fora. Trabalho fica ali e comprava ali mesmo. nem Maragogipe aqui o povo não conhecia, conhecia porque andava aí pela fazenda e via Maragogipe do outro lado, mas não que tivesse acesso ir em Maragogipe."

"Só tinha um problema aqui que antigamente que aqui, quem morava aqui, Maragogipe era ali. Ninguém conhecia Maragogipe. Eu mesmo não ia. Ele não deixava a gente ir. Também não tinha canoa. Tudo era aqui perto. Quem vendia tudo aqui era ele. Ele vendia um pano a gente chamava dorme sujo. Era aquele pano sujo, encardido parecendo umas lona pra fazer aqueles short. Aí só trabalhando. Se você trabalhasse, de tarde você ia lá na venda e trazia uma coisa pra comer, mas se você perdesse tempo e não trabalhasse, não trazia não. A venda era dele."

Segundo os entrevistados, o alimento adquirido na venda era de

baixíssima qualidade (farinha e carnes apodrecidos) e em quantidades

insuficientes. Empregados de Rosalvo Velho vigiavam o trabalho dos extravistas

para que só tivessem acesso a alimentos, aqueles que estivessem efetivamente

trabalhando nos serviços designados pelo patrão. Essas atividades incluíam o

corte de madeiras para venda, criação de gado, trabalho nas roças, extrativismo e

beneficiamento de piaçava e dendê.

O preço “pago” pelo trabalho dos extrativistas era muito baixo e quando

a produção era entregue ao dono da fazenda, era dividida em quatro partes: a

parte do boi que transportava a piaçava, a parte do mato, a parte do fazendeiro,

todas lucro do patrão, e a parte do extrativista.

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"Eu tinha que trabalhar mesmo pra me vestir porque meu pai morreu, eu tinha que lutar, minha mãe tinha três filho, o dinheiro era pouco, a necessidade era muita aí trabalhava, trabalhava até hoje aí. Trabalhei muito pra ele, pro fazendeiro. Era no mato tirando piaçaba pra ele, cortava lenha pra vender pra padaria, olaria. Cortava dois carro aí. Não ganhava nada não porque ele tirava a parte do boi, a parte dele, a parte do mato e a gente ficava com aquela outra parte, quer dizer que era dividido em quatro. Aí ele ficava com aquela parte pra ele. Ele plantava muita roça também.”

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Figura 14 – Locais utilizados pelo fazendeiro no tempo de Rosalvo Velho: A- Local onde

funcionava a venda; B – Local onde a os extrativistas entregavam a piaçava e onde eram feitas as

contas do pagamento; C – residência do fazendeiro

A

B

C

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A unidade de medida utilizada na comercialização da piaçava é a

arroba, que no Brasil, equivale a 14,688Kg. Entretanto, para efeito de compra de

piaçava pelo proprietário da fazenda, a unidade de medida equivalia a 16 quilos, o

que mais uma vez prejudicava os extrativistas. Além disso, as frações que

ultrapassassem as arrobas não eram pagas, de forma que se o extrativista

entregasse cinco arrobas e meia, por exemplo, o patrão pagaria apenas pelas

cinco arrobas. Um funcionário chamado Diocrécio, era o responsável por calcular

o “pagamento” dos extrativistas junto com o fazendeiro.

“O pessoal trabalhava pra ele, tá entendendo? Aí tirava as piaçaba, levava e sempre ele só pesava arroba. Porque sempre quando o pessoal levava uma quantidade de a piaçaba pra pesar sempre dá tantas arrobas e tantos quilo, é sempre assim, né? Nunca vai dar o peso certo. Toda vez não vai dar o peso certo. E ele só pesava as arroba, os quilo, nada de quilo, o trabalhador não tinha. E uma arroba era dezesseis quilo e o certo da arroba é quinze quilo, ele dizia que era dezesseis. E o preço era bem mau, vendia arroba de piaçaba até por seis real eu já vendi, depois passou pra oito. Então era trabaiando pra ele mesmo. Não tinha o que fazer não. Já vendemo até de dois e cinquenta."

"Tinha uma música que falava do lápis de Diocrécio. Dizia: 'o lápis do Diocrécio corre mais do que carro na rodage'. Ele era o empregado de Rosalvo Velho."

O trabalho com a piaçava ocorria, como até hoje, em nível familiar. Já

no Tempo de Rosalvo Velho, o trabalho de retirada de piaçava na mata era

praticado por homens e mulheres e crianças que atuavam também no

beneficiamento da piaçava. Outras crianças trabalhavam cuidando dos animais do

patrão. Todos os entrevistados se consideram ex-escravos.

"A gente vivia praticamente no barracão. Mãe

catava piaçaba lá no barracão que trazia aquelas piaçaba ali

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e botava as mulher pra aprontar. Os caroço14 ali tinha que ser todo repassado. Se ele chegasse no bagaço de uma catadeira e achasse um caroço de piaçaba, vorta tudo pra catar tudo. Porque é um desperdício, se achar um caroço..."

"Eu era escravo do velho. Eu tô dizeno que eu era escravo porque eu era escravo. Porque no dia que eu não trabaiava, não comia. Com idade de sete ano, de oito ano. Eu tomava conta do animal dele."

"Eu tô lembrado quando eu chegava com piaçaba lá pro fazendeiro pra comprar um radinho de pilha, e ele dizia 'Essa piaçaba aí é sua?' Eu era menino. Desde criança.”

O cerceamento da liberdade dos extrativistas por parte do fazendeiro os

impedia inclusive de realizar atividades pesqueiras. O exercício da pesca era

tolhido para que não houvesse diminuição na produtividade exigida e também

para manter o vínculo de dependência para com o patrão, uma vez que a prática

da atividade, ainda que somente para a subsistência, conferiria alguma

independência ao extrativista.

A falta de artefatos e embarcações também era um dificultador para o

desempenho da pesca. Entretanto, é necessário considerar que alguns recursos

como ostras, sururus e outros bivalves, assim como caranguejos e siris podem ser

obtidos no manguezal sem o emprego de artefatos sofisticados. Além disso, os

nativos ajudavam nas pescarias de rede grande e com isso, obtinham alguns

peixes como pagamento.

(Se pescava no tempo dos fazendeiros?) "O pessoal daqui, da fazenda geral, não. Comia marisco por causa desse Ferreiro. Mas aqui ninguém pescava. A gente ia no Ferreiro, chegava lá, ajudava a puxar a rede, os dono da rede que dava muito peixe, dava a gente. Eu já pesquei de linha, quando eu era menino, ali na Lage da Força, saindo do Forte."

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“Caroço” é a parte da fibra da piaçava que possui maior valor econômico.

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“Nós chegava aqui nesse Ferreiro, como eu disse que pegava canoada de marisco, não era nós. Maragogipe vinha com aquelas rede de calão aí nós ajudava puxar pra ganhar muquequinha, até se for falar de mariscar, nós mariscava pra ganhar aquele pouquinho, pra eles dar aquelas muquequinha a gente. Dos outro, tudo dos outro, vinha aquelas rede de Maragogipe, nós ia ali pro Ferreiro pra puxar rede."

(Podia mariscar naquela época?) "Ah bom, até aí caranguejo tinha graças à Deus, aí tinha fartura. Nós ia pra mata, tinha tiririca, quando chegava nós tinha que correr pra água salgada pra ir mariscar dentro do mar, aquilo coçava como o quê, tinha que ir pro salgado pegar marisco pro povo comer porque não tinha pirão em casa... Ia pro mato tirar piaçaba pra ele, quando chegava tinha que ir pra maré. Era pro mato e pra maré... Até que marisco, graças à Deus, nunca faltou. Agora é que nós tá chorando por marisco. a mariscagem era mais antiga, não tinha como ganhar nada assim, dinheiro, tá entendendo? Era só pra comer mariscando aí no mangue..."

O extrativismo do dendê e a fabricação de azeite possuíam grande

importância econômica no Tempo de Rosalvo Velho. A população local trabalhava

em todas as etapas do processo e assim como no extrativismo da piaçava,

recebia muito pouco por este trabalho. A escalada do dendezeiro, palmeira que

chega a 15 metros de altura, para o corte do fruto confere um risco à atividade.

“...O dendê todo vendido, o lucro era pra ele. O trabalhador ganhava uma miséria, e o lucro maior era pra ele, igual o cultivo da piaçaba.”

As roças do fazendeiro também eram mantidas ao custo do trabalho da

população local. O trabalho era vigiado pelos empregados da fazenda que

estipulavam o tempo de trabalho e intervalo entre as atividades.

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“...a gente trabalhava há dias e não existia relógio. Eles olhava pro sol e dizia: mei dia, vai! Quando a gente terminava de comer: bora! Quem fumava pra fazer um cigarro de fumo se demorasse, eles recramava: bora! Era os empregado. (Qual era o trabalho?) Cortar o capim, plantar mandioca... Plantava pra eles.”

A precariedade das condições laborais e de vida à qual a população

local estava submetida no período em que Rosalvo Velho era proprietário da

fazenda, torna necessária uma reflexão acerca da natureza das relações de

trabalho na comunidade. A relevância da contextualização desse assunto do ponto

de vista etnoecológico se dá em função das relações de poder que se

estabelecem a partir daí gerando consequências na maneira como os extrativistas

se relacionam material e simbolicamente com a natureza. A partir de uma

perspectiva histórica, social e cultural, a importância se dá pelo reconhecimento da

trajetória de luta e resistência da comunidade local.

O regime empregado na Salamina se enquadra em diversos conceitos

relacionados a trabalho forçado. Pode ser considerado como trabalho escravo

contemporâneo praticado no meio rural brasileiro, conforme descrito na literatura

do direito (SENTO-SÈ, 2001). Se encaixa no conceito adotado por Mello (2005)

como um tipo de trabalho forçado, que inclui a servidão por dívida e trabalho

forçado na agricultura e em regiões rurais remotas. Além disso, atende aos quatro

elementos que podem configurar o “trabalho em condições análogas à escravidão”

- trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes e servidão por

dívida – contidos no artigo 149 do Código penal Brasileiro.

Sem desconsiderar toda a questão conceitual relacionada, mas

evitando centralizar a discussão nesse ponto, será adotada nessa tese a

expressão “trabalho escravo” em consonância com alguns autores (FIGUEIRA,

2000; FERNANDES e MARIN, 2007; FIGUEIRA e PRADO, 2011; CPT, 2014),

considerando-o em sua definição mais simples: condições que envolvem trabalho

degradante com cerceamento da liberdade (OIT, 2006).

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Além do trabalho forçado, a violência física e simbólica foi amplamente

relatada pelos entrevistados. Muitos deles afirmaram que os patrões atribuíam aos

animais como cachorros e vacas, os nomes dos trabalhadores locais na intenção

de humilhá-los.

"A história da Salamina é escravidão. Eu já vi gente apanhar de cipó pra ficar todo cortado. Cipó caboclo. Com essa pouca idade que eu tenho (54 anos). Todo cortado de cipó caboclo. João Merengue que morava lá em casa. Que ele saiu que marraram ele numa casa de dendê, marraram ele num pilar e cortaram ele todo no cipó. Rosalvo marrou e Pedro, finado Pedro, bateu. Ele ficou todo cortado de cipó caboclo. O empregado era que batia. E várias coisa... de eu já tive época aqui de ver um pai tá assim, ver bater o patrão bater num filho e não poder dizer nada. Você ter um filho, ver um patrão bater e não poder reagir. Isso é certo? É difícil! Isso também eu já vi."

“Até a roupa da gente era comprada na mão deles, aquele brim. As roupa da gente era brim, roupa velha. A gente aqui sabe o que era que a gente fazia? A gente nesse rio aqui debaixo, eu, o marido da minha mãe, que é meu padrasto, o irmão, tomava banho e com o mesmo short que tirava, se enxugava aí passava um sabão, lavava pra no outro dia vestir. Meu avô morreu e nunca foi na cidade de Maragogipe porque não tinha condições. A gente ia pra Salamina (Forte da Salamina), chegava aqui, agora a distância daqui pra Salamina é preciso que você vá andando pra você ver, pra levar piaçaba, no inverno, já cansei de ver ali na roça o boi e o marido dela seguro pra não cair e eu dormindo e ela batendo nos filho de noite pra acordar pra comer, que tava tudo lenhado de fome. Agora comer o quê? Farinha de gorgulho, fedendo. Com aquelas que pagava a gente. Terra dos escravo aqui, terra do escravo. Por aí você vê. A maioria das construção velha daí é tudo de óleo de baleia. Agora vê quando era que existia isso. É no Cais do Engenho... Aqui foi um sofrimento danado. Os patrão daqui dava surra nos trabaiador."

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O Tempo de Rosalvo Velho teria durado aproximadamente até o ano de

1972. O seu falecimento marcou a passagem para o Tempo de Rosalvo Novo.

Apesar de não ter proporcionado grandes avanços nas condições de vida dos

trabalhadores, o novo período trouxe algumas mudanças significativas para os

extrativistas. De um modo geral, os entrevistados consideram que houve alguma

melhoria de vida, ainda que pequena, nesse tempo.

No Tempo de Rosalvo Velho os extrativistas tinham que entregar a

produção de piaçava semanalmente. Rosalvo Novo flexibilizou um aspecto da

compra da piaçava quando facultou aos extrativistas a entrega quinzenal da

produção. Nesse período os extrativistas passaram a ter maior oportunidade de se

deslocarem até Maragogipe, e a venda se extinguiu. A pequena quantidade de

embarcações disponíveis para realizar o deslocamento e a falta de condições

financeiras para custear o transporte tornavam o acesso à cidade ainda bastante

limitado.

“...Daí ele (Rosalvo Velho) chegou a falecer. Morreu, aí veio o filho. Continuou a mesma coisa, trabalhando do mesmo jeito pra ele. Esse daí já foi melhorzinho um pouquinho porque essa semana a gente trabalhava na semana que a gente não ia entregar piaçaba, ficava pra outra semana, a gente ia falar com ele, tomava aquele dinheiro e já ia pra Maragogipe, quando era na outra semana a gente pagava, aí já foi melhor.”

A flexibilização na entrega da produção de piaçava e também a

diminuição de fiscalização do trabalho parecem ter representado, na prática, a

oportunidade para a realização de outras atividades, incluindo a pesca. No

entanto, é relevante mencionar que a falta de apetrechos e embarcações

restringia bastante o exercício de atividades pesqueiras. Os entrevistados relatam

que as camboas, armadilhas de madeira construídas para a captura de peixes,

foram a principal arte de pesca empregada no princípio. Muito provavelmente isso

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ocorreu devido à facilidade de encontrar material para a construção desse

apetrecho nas matas locais.

"Teve uns tempo que eles andava nas casa pra ver quem não tava no mato, quem tava deitado, que não tava trabalhando, o fazendeiro. Depois teve um tempo que foi mudando que não era mais com esse rigor. Depois desse tempo é que a gente já vendia alguma coisa (pescado) que vamos considerar assim como fosse um biscate."

A fiscalização do trabalho continuava, porém com menor rigor. Esse

fator parece ter possibilitado a realização da pesca, entretanto, não representava

uma permissão do proprietário para a prática da atividade por parte dos

extrativistas. O exercício da pesca era indesejável para o patrão porque conferiria

alguma autonomia à população local. Alguns entrevistados relatam que eram

impedidos de pescar na camboa que tinham fixado, e essa passava a ser utilizada

pelos empregados da fazenda em favor do proprietário.

"Ele saía nas porta pra ver quem tava trabaiando. Mas chegou uma época daqui dele proibir a pesca, botar camboa. Se tivesse a camboa não tinha maneira dele explorar, o camarada ia viver pra ele próprio. Então isso era motivo dele privar as pessoas. Se eu tenho lá meu lucro, minha arte de renda pra mim claro que eu não ia viver subalterno a ele. Às vezes também, chegou muitas vezes a pescaria ele dizer que a pescaria tinha que levar pra ele lá. Julio de Cristóvão ali fez muito isso. Quem à vez ia mariscar a camboa era Antônio, que era empregado dele. Várias vezes ele mandava: quem vai é você. A gente tinha o trabalho de botar a camboa e ele mandar os empregado ir levar a pescaria toda pra ele e não dava nada a gente."

Mesmo diante de todas as dificuldades relatadas, provavelmente, foi

nesse período que a pesca de fato começou a representar uma alternativa de

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subsistência e renda para a população local. Segundo a fala de entrevistados, a

pesca resistiu apesar da conjuntura desfavorável. Aos poucos, alguns extrativistas

começaram a adquirir pequenas canoas a remo e artefatos de pesca.

"Quando esse pessoal tava aí (fazendeiros) o pessoal não tinha assim muita arte de pesca, tá entendendo? Aí depois disso foi que foi que começamo comprar assim uma peça de rede aí foi que começou a pescar. Mas bem pouca gente pescava aqui. Ele não fazia muita questão que os pessoal pescasse não que era pra trabaiar pra ele. Porque se o pessoal fosse pescar o destino ia ser pouco pra ele, né, a renda ia ser pouco. O que tivesse ia ser pro pescadores e no mato não, na piaçaba o que tirava era dele lá, a renda dele ia ser bem pouca. A piaçaba era o forte da renda dele aqui. Ele comprava mais barato e vendia mais caro."

O Tempo de Rosalvo Novo encerrou-se com o seu falecimento, que

teria ocorrido aproximadamente no ano de 2001. Sucedeu-se a ele na

administração da fazenda, a sua filha Tânia.

“ O novo morreu faz uns dez ano por aí, onze ano... Ficou a viúva por aí mas a filha é que comandava.”

O Tempo de Tânia foi o período mais curto relatado pelos extrativistas.

A retirada de piaçava continuava a ser a atividade produtiva mais importante. Os

extrativistas ainda eram obrigados a vender toda a produção para a fazendeira a

preço por ela estipulado, mas os entrevistados consideram que houve melhoria no

comércio da piaçava porque Tânia passou a pagar as frações de peso que

ultrapassavam as arrobas. Nesse tempo, o acesso a Maragogipe se ampliou

devido ao aumento no número de embarcações.

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“Aí depois que ele morreu passou pra filha, a Tânia. Aí já foi melhorando, tá entendendo? Depois que a filha passou aumentou o trabalho, ela aí já começou a pesar, a piaçaba ela pagava a arroba e os quilo, ele não fazia isso. Se desse quatro arroba e dez quilo, ela já pagava os dez quilo.”

De acordo com os entrevistados, Tânia prometia melhorias na vida dos

nativos quando fosse dona da fazenda, entretanto logo que assumiu a

administração da fazenda, ela vendeu o gado e os trabalhadores passaram a ser

obrigados a carregar a produção de piaçava. Além disso, todos os entrevistados

afirmaram que a fazendeira teria lhes dito que venderia os trabalhadores como

escravos, após vender os animais.

“... você vê que até pouco tempo ainda tinha roupa aí que Tânia deu pros trabalhador se acabar do mato pra tirar piaçaba. Porque ela disse que quem levasse mais piaçaba ganhava um presente, né? Aí quando foi ver era aqueles brim de não sei quantos anos... Mas só que ela se arrombou. Porque quando ela era moça, quer dizer, quando ela era nova, ela prometia, quando vinha de Salvador, fazia tanta coisa com a gente! O pai viajava, a gente trabalhava há dias no tabuleiro plantando capim, quando dava duas hora, ela subia: 'Larga isso aí! Vai jogar bola! Essa fazenda ainda vai ser minha pra vocês ver!' Hum! Quando o pai morreu, que ela tomou conta... Piorou! Até os animal ela vendeu. Agora ela tá pagano pelo que ela fez. Ela disse que vendeu os animal e ia vender os trabalhador. Se lenhou. Só que nós tava acordando pra vida. A gente foi descobrindo qual era a verdade, os nossos direito. Aí ela se lenhou."

Ainda no Tempo de Tânia, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)

chegou à fazenda Salamina. Segundo um entrevistado, integrantes do CPP

chegaram ao Porto do Tororó e lhe perguntaram se aquela era uma comunidade

quilombola. O entrevistado afirmou que não sabia do que se tratava. De acordo

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com ele, os funcionários perguntaram se eles eram escravizados e então ele

respondeu que sim. A partir de então, foi agendada uma reunião entre alguns

extrativistas e a CPP, que reuniu representantes para dar entrada na solicitação

de reconhecimento enquanto comunidade remanescente de quilombo na

Fundação Cultural Palmares.

“... E quando eles (integrantes do CPP) chegaram aí eles falaram do processo quilombola, dos direitos que a gente tinha garantido na instituição (constituição), na lei. E aí eles colocou pra a gente, a gente analisou e viu que seria muito bom pra a gente, apesar de a gente sabia que seria muita luta, né? E dificuldade pra poder conseguir chegar onde a gente chegou hoje."

Em razão dessa movimentação, Tânia propôs a doação de alguns

pedaços de terra aos extrativistas, o que não chegou a ocorrer de fato. A partir de

então ela teria deixado de realizar os pagamentos pela piaçava, passou a fazer

exploração madeireira de forma mais intensa. De acordo com extrativistas a

proprietária loteou a fazenda e vendeu o que foi possível, mas de acordo com

informações do INCRA (2006) a herdeira teria dividido a fazenda em cinco novos

imóveis logo após o falecimento de Rosalvo Novo.

"Quando a CPP chegou o negócio foi ficando mais melhorado que Tânia até rejeitar os trabalhadores ela rejeitou, não fazia mais pagamento. Ficou aí só lucrando, tirando as madeira, derrubando pé de jaqueira, vendendo pra estaleiro. Aí ficou só na (fazenda) Mutuca lá."

“Quando Rosalvo Novo morreu a fazenda ficou entregue a Tânia que é a filha única do casal, porque depois apareceu mais filho. Aí Tânia chegou, queria vender os animais. Chegou um ponto dela dizer que tava vendendo os animal e depois ia vender os trabalhador.”

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O CPP reuniu alguns representantes de extrativistas na Salamina e os

conduziu a Salvador para que fosse feito um documento solicitando o

reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo. Os extrativistas

afirmam que a certificação foi obtida com agilidade.

"Quilombo chegou praqui já foi dois mil, dois mil e três, que começaram vir aqui. Quando foi em dois mil e quatro a gente foi certificado como quilombo... A gente foi pra Salvador, pra CPP, fizemo um documento lá, assinamo tudo e pronto. Aí com poucos tempo a certidão chegou aqui, rapidinho."

"A gente aqui não tinha participação de nada. Nós não sabia nada, nada, nada. A gente passou a entender alguma coisa depois desse movimento. Nós não sabia dos nossos direito, nós não sabia nada. Hoje aqui, essa carteira aqui (certidão quilombola) indica nossos direito que nós tem, nossa situação, de quilombo, tudo. A reparação não olha pra a gente, uma coisa que discrimina a gente."

Durante o processo de reconhecimento, que simbolizava também a

rebeldia contra o sistema vigente até o Tempo de Tânia, os extrativistas estavam

cientes de que encontrariam dificuldades. Apesar de alguns deles afirmarem terem

sido perseguidos e ameaçados, muitos consideram que o processo foi pacífico,

diante da realidade enfrentada por outras comunidades quilombolas da Baía do

Iguape.

"A gente sempre fala por aí, a gente refrete... Comparando a Salamina, o quilombo Putumuju hoje com outros quilombo da região aqui de Maragogipe, e outros lugares, até que a gente não teve assim tanta dificuldade. No princípio a gente imaginou porque devido seria muitos fazendeiro, era uma terra que teria muitos dono, com muitos pedaços vendido que poderia lá na frente causar muitos entrave, mas mesmo assim não teve muita dificuldade. Analisando mesmo assim pra mim a maior dificuldade hoje é a demora do governo titularizar essas terra. Porque os donos praticamente abandonaram essa fazenda, que era Rosalvo, passou pro filho, pra filha e abandonaram, sumiram, deixou a

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gente aqui à toa. E os outro que tão aí por baixo: Jaqueira, Mutuca, esses meio. Então eu acho que não teve assim muita dificuldade. A gente pensou que ia existir assim, mas até que não houve comparando com os demais quilombo da região a gente não teve muita dificuldade com a questão de fazendeiro não.”

"Depois que os pessoal da CPP começou fazer reunião aqui, ela tava lá embaixo ainda (na Mutuca) aí com esse movimento ela começou entender que a gente tava tendo uma revelação e o que a gente podia ser... Aí aquela ditadura ela baixou mais. Mas ela não deixou de ser imperadora, sempre ela vinha de lá de baixo pra cá, aí depois ela praticamente foi embora, vendeu as terra...”

A certidão quilombola foi obtida em 16 de dezembro de 2004 e

provavelmente em consequência disso, Tânia abandonou a fazenda. O

reconhecimento da identidade quilombola transformou as relações de trabalho e

vários outros aspectos da vida da população da Salamina. A partir de então,

iniciou-se o Tempo do quilombo, período em que os extrativistas passaram a ter

autonomia no exercício do extrativismo e comercialização dos seus produtos. Na

prática, isso expressava a possibilidade de exercer atividades pesqueiras,

liberdade para comercializar piaçava a preços mais justos, cultivar roças em

benefício próprio e adquirir alimentos e outros itens (básicos ou não) em outros

locais.

A certificação teve para os extrativistas um significado ainda mais forte:

a identidade quilombola os trouxe liberdade.

"Rapaz, ser quilombola pra mim... o que me define quilombola é ser independente. É ser independente pra mim. É ser livre. É você ter autonomia. É ser reconhecido, na verdade. Pra mim ser quilombola é isso."

“Quando a gente soube o que era quilombo, a gente aí correu atrás. Quando a gente menos espera chegou um advogado de Lula (presidente), aí a gente foi até a casa desse Armando, aí foi a partir desse dia que o advogado falou: a partir de hoje a Salamina é um quilombo e o trabalho da Salamina vai ser pra eles. Porque hoje uma arroba de

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piaçaba custa trinta reais. Se tivesse na mão deles eles pagava doze. (Antes) A gente tinha que vender pra eles (fazendeiros). Aí o advogado chegou e disse: o trabalho vai ser vendido pra quem eles quiser, eles vai trabalhar pra si próprio. Aí que se tornou um quilombo. Aí descubriram, aí pronto! A gente aqui não é mandado por ninguém! Antigamente a gente era mandado! Aqui a gente faz o que quer, cria o que tem condição de criar. Antigamente a gente não podia criar um boi, não podia criar um porco e agora é diferente. O probrema é que as condição aqui é pouca. Não tem uma rodage, tudo é através de canoa, do mar."

Em consequência de todas as mudanças vividas após a certificação, os

extrativistas consideram o tempo presente, muito melhor que o tempo passado.

Na percepção nativa, outros fatores além da autonomia contribuíram para a

melhoria de vida da população local. Dentre esses, se destacam ações do

governo federal como o fornecimento mensal de cestas básicas e o acesso a

programas sociais, notadamente o bolsa família. Além disso, os pescadores de

camarão e de robalo que contribuem com o INSS tem acesso ao seguro

desemprego no período de defeso do camarão, no qual a pesca é proibida. Isso

ocorre quatro meses por ano e os extrativistas consideram o recebimento desses

“salários” como um aspecto bastante importante para a melhoria de vida.

“...hoje o trabalho da piaçaba é muito mais valorizado. Porque hoje os menino pega piaçaba, leva, chega lá pesa e ganha um dinheirinho bom. Um dinheirinho bom pela piaçaba porque hoje o cultivo da piaçaba tá mais valorizado. E hoje tem a pescaria, cada um tem sua rede tem sua canoas pra pegar seu peixe, pra vender seu peixe, vender seu camarão. Hoje aqui o pessoal recebe cesta básica, recebe bolsa família, hoje o pessoal aqui tem auxílio à maternidade, hoje o pessoal tem defeso pescaria."

Atualmente, a população local tem maior facilidade de acesso a

embarcações e apetrechos de pesca, o que tornou o extrativismo pesqueiro uma

atividade de grande importância para subsistência e renda dos extrativistas. Não

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obstante, em 2009 o Governo da Bahia através da Bahia Pesca disponibilizou

canoas de fibra a motor para várias comunidades pesqueiras da Baía do Iguape. A

Salamina foi contemplada com seis dessas embarcações, que ficaram distribuídas

entre os vilarejos e colaboraram com a ampliação do acesso à pesca.

"Antigamente nem rede a gente não tinha, a gente não tinha muita oportunidade de ter nada não porque a gente aqui era vida escravizada. Então hoje a gente tem canoa, tem duas: essa de fibra aí que o governo deu aí, foi uma melhora boa."

Recentemente, a Salamina foi eletrificada, o que melhorou as

condições de vida da população local, inclusive com a possibilidade de

armazenamento da produção pesqueira. Entretanto, a falta de saneamento e

água tratada são aspectos que podem comprometer a saúde da população.

Soma-se a isso, a falta de assistência médica local, que força as pessoas a se

deslocarem ao município de Maragogipe para obter atendimento médico.

"Aqui é uma área muito boa! Silêncio, não tem violência, mas falta muita coisa pra melhorar aqui, sabe? Muita coisa mesmo! Mas em vista de antes, hoje tá um paraíso. Eu digo todo dia isso."

O reconhecimento da identidade quilombola atuou de maneira decisiva

na transformação da situação social da comunidade local. No momento da

realização das atividades de campo, o território quilombola ainda não estava

titulado, e os extrativistas relatavam a sua vulnerabilidade com relação aos

fazendeiros locais.

“Num sentido mudou um pouco, porque hoje a gente trabalha pra a gente mesmo aqui, temos nossa liberdade. Porque eles lá entenderam que a gente entendeu que a gente somos donos. Então isso facilitou um pouco, mas em termos de dizer assim, nós tamos seguro que

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realmente as terra somos nossa, na certidão isso não quer dizer nada enquanto a gente não é titulado. A qualquer momento a gente pode sofrer aqui um confronto aqui terrível! Tem esse André aqui que é parente de Rosalvo Novo, não que ele não tenha, que não precise, mas você sabe como é esses cara... São amigo, aqui da fazenda aqui de cima, ele é primo de Rosalvo Novo, não sei que é primo carnal... Ele tá de olho. Então a qualquer momento, a gente pode sofrer um massacre. Porque segundo a justiça, até agora, ele sabe que não tem vigor. “

" A gente temos o comprovante como aqui é um quilombo, agora só tá faltando o título da terra. Porque o que é que diz o título da terra? Existe muita coisa que a gente não pode fazer porque não temos o comprovante como a terra é nossa. Não tem o título. Um empréstimo no banco a gente fica um pouquinho difícil porque nós não tem o título da terra. E é isso ai que nós tamo correndo atrás, o que nós mais a gente precisa é isso aí: título das terra, energia e as casa É o suficiente pra melhorar a vida da gente.”

O processo de titulação do quilombo Salamina Putumuju foi iniciado

junto ao INCRA em 2005 e no ano seguinte, o Relatório Técnico de Identificação e

Delimitação do território (RTID) foi elaborado. Em 16 de dezembro de 2010, foi

publicado o decreto do presidente do INCRA declarando a área do território

quilombola (2.061 hectares), como de interesse social para fim de desapropriação

(figura 18). A partir desse documento é necessária a desapropriação das

propriedades privadas para que então pudesse ocorrer a titulação.

“A Mutuca foi vendida. Nós não tem acesso, mas tá em nosso território. A Mutuca é nosso território. O Bastião...."

Os decretos de desapropriação caducam dois anos após terem sido

publicados. Em 2011, cinco comunidades tiveram seus decretos vencidos sem

que tenha acontecido a desapropriação e não se sabe que medidas o governo

adotará para solucionar esta questão (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO,

2011). O decreto de desapropriação de terras particulares da Salamina venceu em

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dezembro de 2012. A falta de iniciativa do governo em cumprir as medidas de

desapropriação levou o Ministério Público Federal a acionar juridicamente o

INCRA para concluir a titulação do território quilombola Salamina Putumuju.

Somente em 20 de novembro de 2013, dois imóveis locais foram

desapropriados pelo INCRA, garantindo a titulação de uma parte do território

quilombola. Entretanto, três outros imóveis, dentre eles o que a disputa gerou mais

conflito, ainda não foram desapropriados. Além dessa, pode-se dizer que a outras

questões ameaçam a reprodução material e simbólica da população local, a

exemplo da pressão sobre os recursos naturais provocada direta ou indiretamente

pela ação de grandes empreendimentos que operam na região da Baía do Iguape.

A titulação de terras quilombolas no Brasil segue um ritmo

demasiadamente lento e o fato da primeira terra quilombola ter sido titulada sete

anos depois da promulgação da Constituição já é um indicativo dessa situação. É

importante ressaltar a falta de informações censitárias a respeitos das

comunidades quilombolas, sua população ou dimensão de seus territórios

(ANDRADE, 2012). Ainda de acordo com esta autora, os movimentos sociais

estimam que haja entre três e cinco mil comunidades quilombolas no país, destas

1.838 foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares e apenas 104 territórios

foram titulados, beneficiando 193 comunidades. É importante ressaltar que coube

aos estados do Pará e Maranhão a titulação de grande parte desses territórios. Os

dois estados somados possuem 72 dos territórios titulados no Brasil (ANDRADE,

2012).

De acordo com a Comissão Pró-Índio de São Paulo (2011) apenas um

território quilombola foi titulado durante todo o ano de 2011. A organização

destaca ainda as dificuldades para a efetivação dos decretos de desapropriação já

publicados do Diário Oficial da União, como é o caso da Salamina Putumuju,

devido à falta de reais condições concedidas ao INCRA pelo governo federal para

atuarem na desapropriação de terras.

A morosidade dos governos em efetivar a política agrária de titulação

de terras quilombolas acaba deixando comunidades quilombolas em situação de

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vulnerabilidade com relação às pressões do agronegócio, empreendimentos de

infraestrutura e programas governamentais de segurança nacional (ANDRADE,

2012). Considerando o tamanho do território nacional de acordo com dados do

IBGE, atualmente 0,12% do território brasileiro corresponde a terras de quilombo e

com todos os processos de titulação que hoje estão em tramitação no INCRA

realizados, os quilombos não chegariam a ocupar 1% do território nacional

(INCRA, 2012). Em contraposição ao modelo agrário disseminado atualmente, o

território quilombola é de propriedade coletiva e nessa escala, é capaz de garantir

a todos, o direito de realizar cultivos pequenos e diversificados para subsistência e

renda. De acordo com Leite (2010), a invisibilidade sofrida pelos grupos rurais

negros no Brasil os expõe a uma forma de violência simbólica e constituem a

expressão máxima da ordem jurídica hegemônica.

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Figura 15 – Área e limites do território quilombola Salamina Putumuju (conforme solicitado no Relatório de Identificação e delimitação) –

Elaborado com base em INCRA (2005).

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Os vários contextos das atividades produtivas

Bases Conflitivas

Os conflitos envolvendo a comunidade da Salamina compreendem

desde questões de abrangência local, como acesso a recursos naturais, até

problemas envolvendo impactos provocados por grandes empreendimentos que

atingem também outras comunidades situadas às margens do lagamar do Iguape.

Uma vez que já foi elaborado um relato histórico que envolveu

situações conflitivas vivenciadas pela comunidade da Salamina ao longo do

tempo, neste item serão tratados apenas os conflitos atualmente vividos pelos

extrativistas que se relacionam de algum modo com a pesca e extrativismo

vegetal, incluindo tanto aqueles em estado latente, quanto aqueles que são

manifestos (LITTLE, 2004). Em certos casos, entretanto, será necessário

contextualizar historicamente a situação, abordando “momentos em que o conflito

fica muito “quente” e depois perde sua visibilidade, para posteriormente

“esquentar” de novo” (LITTLE, 2004).

Optou-se por tratar neste tópico os conflitos de origem exógena,

separando-os daqueles que envolvem questões de territorialidade na pesca que

por sua vez serão tratados dentro da conexão pessoa-pessoa. Nesse sentido,

quatro conflitos principais vivenciados pela população local serão abordados, três

deles estão associados à instalação e operação de grandes empreendimentos

com alto potencial de impactos nas atividades pesqueiras (figura 19).

Impactos ambientais percebidos em decorrência da

operação da Usina Hidrelétrica (UHE) Pedra do Cavalo;

Impactos ambientais percebidos com relação à

operação do Canteiro de São Roque, operado pela Petrobrás para

reparação de navios e plataformas de petróleo;

Implantação do Estaleiro Enseada do Paraguaçu,

empreendimento que está se estabelecendo nas proximidades da foz

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do rio Paraguaçu, realizada através do consórcio Odebrecht, OAS e

UCT engenharia;

O quarto conflito, decorrente da presença de fazendeiros na localidade,

incide de forma mais direta no extrativismo vegetal.

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Figura 19 - Localização dos empreendimentos geradores de grande impacto na Baía do Iguape

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Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo

“...Tem a usina porque aquela água véa que fica na turbina, prejudica."

As barragens estão dentre as atividades humanas capazes de gerar os

efeitos mais pronunciados no comportamento dos rios (GENZ, 2006). A instalação

desses empreendimentos provoca alteração no sistema natural dos estuários

considerando que o regime de liberação de água e sedimentos é profundamente

alterado produzindo efeitos na forma de mistura e circulação de água no ambiente

(GENZ, 2006).

A Barragem de Pedra do Cavalo foi fundada no ano de 1982 com a

finalidade de controlar o nível do rio Paraguaçu a jusante evitando as cheias que

atingiam anualmente as cidades de Cachoeira e São Félix (PROST, 2007b). Além

disso, desde seu projeto, previa a captação de água para abastecimento urbano

da capital do estado e também de outras cidades situadas nas suas proximidades

(GENZ, 2006). Com a construção da barragem, uma área de mais de 53.650

quilômetros quadrados foi drenada, abrangendo 10 municípios (SRH-INGÁ, 1996).

A atuação da Pedra do Cavalo na produção de energia iniciou-se em

2005. A partir de então, a vazão de água começou a ocorrer sem regularidade, o

que promoveu alterações ainda maiores na dinâmica do estuário a jusante. De

acordo com Genz (2006), a geração de energia trabalha em geral com variações

diárias, podendo provocar grandes flutuações de descarga hídrica segundo regras

e limitações operacionais da usina. O autor afirma ainda que o baixo curso de rio

Paraguaçu e a Baía do Iguape são as áreas mais sensíveis à variação da vazão

da hidrelétrica.

PROST (2007a) investigou a percepção de pescadores da Baía do

Iguape a repeito do impacto provocado pela Usina Hidrelétrica (UHE) Pedra do

Cavalo e concluiu que os extrativistas percebem o empreendimento como principal

fator responsável pela diminuição dos estoques pesqueiros. De acordo com a

autora, pescadores mais idosos afirmam que a construção da barragem trouxe

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consequências como a diminuição considerável de espécies anteriormente

abundantes e até desaparecimento de outras tais como a pititinga, a tainha ou o

cabeçudo. Esses resultados são idênticos àqueles obtidos nas entrevistas

realizadas na Salamina. No entendimento dos extrativistas, a operação da

hidrelétrica produz o maior impacto negativo sofrido pelas atividades pesqueiras e

se constitui no principal responsável pela diminuição dos estoques. Para os

entrevistados, a água doce liberada pela Usina afugenta peixes, camarões e

caranguejos e mata mariscos sésseis como a ostra e o sururu.

"Com certeza essa barragem aqui Pedra do Cavalo, ela é prejudicial aqui no rio porque depois que essa barragem, ela foi instalada aí em cima, a questão dos marisco diminuiu. Houve uma grande mortandade de marisco como sururu, caranguejo, ostra devido muita água doce que sortava aí. E até hoje tem sido prejudicial na verdade, essa barragem aí pra a questão dos recursos. E é um dos fator principal, no meu ponto de vista, para a questão da escassez dos pescado aqui no rio, é a barragem Pedra do Cavalo."

"O sururu mesmo com água doce ele morre tudo. Ostra... Essa água doce aí teve uma ocasião que matou os sururu tudo. Você ia na maré só via era o fedor. E as ostra tudo morta porque da água doce porque foi muita água. Quando morre os marisco aí a pessoa tem que passar sem ele. Vai não traz, e escolhendo o que tá bom, porque eles abre tudo."

De acordo com informações obtidas nas entrevistas, o camarão-

vermelho também denominado localmente como camarão-mouro, importante

recurso pesqueiro para extrativistas da Salamina, praticamente sumiu da região

em razão da vazão de água doce no estuário provocada pela operação da

hidrelétrica.

"A água doce aí acabou com peixe. A água doce que eles sorta aí. Por exemplo assim até o camarão mesmo, quando tem muita água, ninguém vê. A água fica doce, cheia de baronesa, você bota a rede aqui pra ela subir, ela vai cá

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na casa de Cristóvão (desce). A água doce o mar fica todo... Esse massambê, com a água doce ninguém encontra ele aqui."

Genz (2006) afirma que a comunidade biológica do canal de jusante é

de fato, muito afetada. Isso se deve tanto às características da água que é

lançada pelas turbinas quanto pela mistura provocada pela vazão. A variação de

salinidade é outro fator com efeitos nocivos evidentes sobre a fauna e flora

estuarinas. Os pescadores percebem o surgimento de plantas aquáticas

denominas de baronesas, além do próprio movimento da água, como indicadores

da vazão da barragem.

“Ela (a água proveniente da usina) traz um tipo de mato por nome baronesa pra dentro do rio. E a Pedra do Cavalo é água doce aí se mistura água doce com água salgada aí faz aquele processo que os marisco acaba se afugentando. A baronesa fica aí pelas costa do mangue, por cima do mato, bem descendo aí faz esse processos de mistura de água doce com água salgada e os marisco começa a se afugentar."

Os extrativistas afirmam que quando não havia barragem, as enchentes

afugentavam os peixe e mariscos, entretanto, quando o nível do rio voltava ao

normal, a quantidade de pescado aumentava. Após a operação da UHE, a

diminuição do pescado é constante, o que prejudica sobremaneira o extrativismo

pesqueiro não apenas na Salamina, como em toda a Baía do Iguape.

"Rapaz até agora de cá não sei não mas esse negócio aqui de cima quando decia água doce às vez era melhor (quando não tinha barragem) porque quando decia água doce parava a pescaria mas com poucos dia a pescaria drobava (dobrava). Porque quando decia aquele enxorro, quando o enxorro assentava, dava muita pescaria aí dentro. E agora me parece que a pescaria só tá indo cada vez piorando."

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As falas dos extrativistas denotam que se existe algum tipo de

monitoramento ambiental ou controle de vazão da UHE Pedra do Cavalo em razão

dos efeitos prejudiciais à pesca, estes são ineficientes. Pode-se afirmar inclusive

que a própria fiscalização de cumprimento das obrigações legais do

empreendimento não é realizada com o devido rigor pelos órgãos competentes. O

problema ficou patente no período que a UHE operou com licenciamento

ambiental vencido (ano de 2009), o que fez com que o conflito “esquentasse” e se

manifestasse nos espaços do Conselho da Resex. A questão provocou longas

discussões no Conselho Deliberativo da Resex e gerou inclusive uma intervenção

do Ministério Público Federal (MPF) para cobrar que o Instituto do Meio Ambiente

da Bahia (IMA), então órgão ambiental do governo do estado, incluísse os

extrativistas na discussão do processo de licenciamento.

"(O que prejudicou a ostra?) É essa barrage quando solta água, água doce. Essa água doce quando desce aí. Que agora eles dizem que sorta o mínimo, mas dizem que solta o mínimo e solta o máximo, que é pra enrolar a gente. Ai quando desce essa água doce, acaba com tudo aí. Não tem marisco que guente! Morre sururu, morre ostra, morre tudo aí. Quer dizer, como é que a gente vai sobreviver na vida com esse prejuízo que nós tamos tendo? É isso que eu tô te dizendo, você tá gravando e isso tem que sair em algum órgão. Que nós tamo sendo projudicado."

Várias manifestações de extrativistas ocorreram nesse momento,

incluindo ocupação das instalações IMA por comunidades tradicionais do

Recôncavo que incluía na sua pauta de revindicação, providências quanto aos

impactos provocados pela operação da Pedra do Cavalo. Seis meses depois da

intervenção do MPF, o IMA realizou uma série de oficinas para discutir o

licenciamento da UHE Pedra do Cavalo com vistas a cumprir a formalidade. Isso

não representou de fato, uma consulta à população atingida. O processo de

licenciamento ainda não foi finalizado.

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Atualmente, o Conselho da Resex demandou a formação de um Grupo

de Trabalho de Monitoramento da Qualidade Ambiental na RESEX Baía de Iguape

com o objetivo de formar um grupo técnico (pesquisadores e agentes públicos) e

empírico (representantes pescadores) para propor parâmetros de monitoramento

ambiental para a RESEX Baía de Iguape. Esta ação pode contribuir com a

melhoria das condições ambientais da Baía do Iguape, entretanto nada

representará se não forem garantidos mecanismos de fiscalização e punição em

caso de descumprimento das normas que já estão estabelecidas.

Canteiro de São Roque

O canteiro de Obras de São Roque (figura 20), operado pela Petrobrás,

situa-se na parte sul da Baía do Iguape nas proximidades da foz do Rio

Paraguaçu. As informações localizadas na literatura a respeito desse

empreendimento são bastante escassas. Sabe-se, no entanto, que a sua

implantação ocorreu por volta da década de 1950 e que segundo PEDRÃO

(2007), o “porto de São Roque” teria sido desativado no ano de 1967. Na ocasião

da criação da Resex, o empreendimento não mais operava. As atividades do

empreendimento foram retomadas, mas não foram localizadas informações sobre

quando ocorreu a reativação. Atualmente o canteiro de obras possui licença para

operar na recuperação de embarcações e plataformas.

Parte dos extrativistas não atribui grandes impactos à operação do

Canteiro de obras de São Roque, outros afirmam que o empreendimento é

responsável por alguns derramamentos de óleo que prejudicam, sobretudo a

fauna do estuário. Sempre que os extrativistas mencionam a operação do Canteiro

de São Roque, eles manifestam preocupação com a instalação de outros

estaleiros na região.

"Agora não tá fazendo diferença não, por enquanto não, mas quando montar o estaleiro aí vai prejudicar nós.”

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"Esse daí (canteiro de São Roque) por enquanto ele tá passando ainda aí se fizer esse aí de grande porte aí vai complicar tudo a gente."

“... agora me parece que a pescaria só tá indo cada vez piorando. É eu não sei se é por causa desses estaleiro aqui embaixo, deve ser. Que agora depois desses estaleiro pescaria também aí só tá diminuindo de tudo a tudo. A quantidade que era tá diminuindo."

Figura 2016 – Canteiro de Obras de São Roque a partir do Rio Paraguaçu

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Estaleiro Paraguaçu

O governo do estado da Bahia começou a veicular no ano de 2008 a

informação de que se pretendia instalar um Pólo Industrial Naval em área que até

então compunha a Reserva Extrativista Baía do Iguape. Diante da

incompatibilidade de convivência entre atividades extrativistas e industriais na

localidade, inclusive no âmbito legal, o governo federal alterou os limites da Resex

através de uma medida provisória (MP 462) excluindo a porção de interesse direto

com instalações físicas e equipamentos do empreendimento da Reserva

Extrativista Baía do Iguape.

Os extrativistas e o próprio Conselho Deliberativo da Resex foram

ignorados nesse processo, sendo apenas informados do novo dimensionamento

da unidade (COMISSÃO PRÓ-IGUAPE, 2010). O conflito tornou-se manifesto a

partir de então. O assunto foi divulgado em diversos meios de comunicação,

extrativistas de todas as Resex do Estado da Bahia se reuniram em Maragogipe e

se manifestaram favoravelmente aos beneficiários locais (figura 21). Foram

encaminhadas representações junto aos Ministérios Públicos Estadual e Federal

questionando a legalidade do processo de alteração dos limites da Resex.

Figura 21 – Faixa de manifestação contra a instalação do Estaleiro Paraguaçu durante o II

Encontro das Reservas Extrativistas do estado da Bahia, Maragogipe, 2009.

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Através do Pólo Naval, o Governo do Estado da Bahia pretendia instalar

três estaleiros na região da extremidade sul da Baía do Iguape, próximo à

comunidade de Enseada do Paraguaçu. Afirma-se que em consequência da

mobilização de extrativistas e ambientalistas, o governo e as empreiteiras optaram

por instalar um único estaleiro na localidade. A medida não foi suficiente para

minimizar o conflito, entretanto, a desproporcionalidade das forças envolvidas

conferiu vitória ao estado e às empreiteiras. Atualmente, o empreendimento está

sendo implantado e hectares de manguezal e mata nativa já foram suprimidos.

Certamente o maior fator de impacto do Estaleiro Enseada do

Paraguaçu foi ocasionado pela dragagem de sedimentos. Os extrativistas

relataram que o pescado desapareceu da região por três meses em decorrência

da dragagem. Além disso, a dinâmica do impacto favoreceu a proliferação de uma

espécie de macroalga no estuário a que os nativos chamam de coentro. No

entendimento dos entrevistados, o estaleiro trouxe e trará grande prejuízo às

atividades pesqueiras. Muitos temem que as atividades portuárias cheguem mais

próximas à comunidade da Salamina e acreditam que a titulação das terras não

tenha ocorrido ainda devido a este tipo de especulação.

"Esse estaleiro que vai aí, o povo tá brigando pra não fazer, porque se fizer vai prejudicar por aqui tudo. Esse povo brigou aí, fez um bocado de reunião por causa disso pra combater mas o governo aceitou o primeiro a assinar pra fazer. E o povo ainda tá lutando pra ver se impede mas eu acho que não vai impedir não porque é um negócio que o governo já liberou. Agora se fizer esse estaleiro aí, pronto: acabou a pescaria. Acabou mesmo."

"... tão destruindo o nosso lazer! Porque isso aqui é um lazer nosso! Agora vem uma Petrobrás mundial pra destruir! A senhora acha que isso pode existir? É uma destruição porque é dinheiro, petróleo... Gasolina de não sei quanto, por quê? Porque a Petrobrás que é rica! Que manda! A borra é que vem pra a gente aqui, é a borra que a gente usamos aqui. Aí o que acontece? Só tá destruindo o nosso lazer."

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"O que eu acho, meu ponto de vista, eu acho mesmo que a Petrobrás tá com os olho aberto aqui. Porque é uma coisa muito próximo ao mar. É um premisso medonho. E esses empreendimento... Por isso que esse título de terra não saiu até agora porque eles tem os olho aqui (...) Aí bota os sentinela aí e ninguém passa mais. É esse o plano da Petrobrás é esse. Aí o que é que eles diz: vão embora, desocupa! Ou então vão morar longe, lá fora. Porque a Petrobrás tem interesse é nos porto, lembra? É a frente marítma.”

O que se percebe em todo o processo que favoreceu a redefinição dos

limites da Resex, seguidos do licenciamento das obras e posterior instalação e

operação do Estaleiro Enseada do Paraguaçu é privatização da natureza em

terras da União. Além disso, é patente que os objetivos da política

desenvolvimentista dos governos, se utiliza de manobras de fluidez legislativa

capaz de legalizar um processo que desde o princípio ignorou a tramitação

prevista na legislação. Todos esses aspectos vêm a corroborar a política de

estado vigente, onde o interesse do capital privado é privilegiado em detrimento da

sobrevivência de comunidades como a Salamina.

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Conflitos com fazendeiros

A Salamina, assim como as demais comunidades extrativistas da Baía

do Iguape está imersa em diversos conflitos exógenos de diferentes naturezas.

Entretanto, apenas os conflitos com fazendeiros que ainda possuem propriedades

de terra no local, incidem de forma direta sobre o extrativismo vegetal. Tal como

diagnosticado por Paré et al (2007) em comunidades quilombolas de Goiás, a

população da Salamina não mantém outras relações com os fazendeiros além

daquelas que envolvem conflito. Madeireiros, garimpeiros e fazendeiros são

considerados por Alexandre (2002a; 2002b) como principais agentes de conflito

com populações tradicionais.

A divisão das terras ocorridas no início do Tempo de Tânia trouxe

consequências com as quais os extrativistas têm que conviver atualmente. De

acordo com o INCRA (2006) a área da comunidade inclui:

“Terrenos na marinha, área remanescente da Fazenda Salamina de propriedade Espólio de Rosalvo Ribeiro Sánches Júnior, Fazenda Eleonora de propriedade do Sr. Eduardo Raimundo Neiva Lordelo, Fazenda Santa Maria de propriedade do Sr. Eduardo Raimundo Neiva Lordelo, Fazenda Salamina de propriedade da Sra. Tânia Maria Martinez Sanches, Sítio Jaqueira de propriedade do Sr. Paulo Roberto Guerra Armede e Terras de Dação em pagamento do Sr. Eládio Ferreira Borges.”

Sete anos mais tarde, o INCRA desapropriou e concedeu aos

quilombolas da Salamina a posse das terras que pertenciam a Eduardo Lordelo e

Eládio Borges. Para que todo o território requerido seja titulado, ainda são

necessárias outras desapropriações, de forma que fazendeiros que adquiriram

propriedades da antiga fazenda Salamina ainda ocupam parte essas áreas.

Apesar do INCRA (2006) reconhecer todas as propriedades listadas

acima, os extrativistas se referem apenas a três fazendas de propriedade privada

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no território quilombola: Mutuca, Jaqueira e Gouveia. Desta, apenas o Gouveia foi

desapropriada.

"Os donos de fazenda são três. O da (fazenda) Jaqueira, o da (fazenda) Mutuca e Ricardo Ribeiro, que é do Gouveia. Tinha problema, mas agora quetou. Ele queria que desfizesse esse negócio de quilombo. Ele ficou muito enraivado porque também o governo não pagou as terra ainda e ficou nessa pendência. A gente pegava as piaçaba perto da casa dele e ele ficava enraivado. Ficou com umas ameaças aí, a promotora daí deu muitos carão nele. Ele tomou um sabão bom da promotora daí."

O conflito mais frequentemente relatado envolvendo fazendeiros na

localidade ocorreu por volta do ano de 2010 com o proprietário da fazenda

Mutuca. De acordo com os extrativistas, ele teria mandado envenenar cerca de

cinco mil pindobeiras para afastar os extrativistas de piaçava da sua propriedade.

Alguns afirmam que a mortandade de pindobas acabou com uma das melhores

áreas de extrativismo.

"Doutor Elísio, a média de cinco mil pindobeira ele envenenou e matou devido o povo tá tirando. E é uma região que, como eu tô dizendo, sempre foi um lugar onde a gente trabalhou, onde sempre o pessoal extraiu a piaçaba, sempre foi um lugar onde o pessoal trabalhou e criou os recurso pra sustentar sua família e esse fazendeiro doutor Elísio envenenou as pindoba devido o pessoal tá tirando, tá entrando e tirando ele envenenou e matou cerca de cinco mil pindobeira. E era um dos melhores matos que a gente tinha aqui, ele fez isso com as pindoba. Essas pindoba foi excluída do mapa, não existe."

A propriedade foi cercada pelo fazendeiro e pessoas armadas teriam

sido espalhadas pela mata para impedir o acesso dos extrativistas. Alguns

entrevistados relatam ter ouvido tiros enquanto extraíam piaçava. Mesmo diante

das ameaças, parte dos extrativistas continuou a frequentar a fazenda Mutuca

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para coletar o recurso, alegando que aquela era uma área historicamente utilizada

com essa finalidade. Os extrativistas registraram queixas contra o fazendeiro

perante a polícia e o ICMBio.

"O dono que comprou cercou tudo, aí os trabalhador continuou tirando piaçaba, sabe? Ele aí botou corretor no mato, depois botou remédio pra matar as pindobeira dele, dizendo ele que era dele. As terra daqui, sabe? Só que ele comprou, cercou e botou remédio pra matar as pindobeira. Aí matou um monte! Só vendo quantas pindobeira ele matou... Que era pros trabalhador daqui não tirar. Hoje ele parou de colocar remédio. Os corretor do mato, acho que não tá indo mais. (As pessoas ainda tiram piaçaba lá?) Os pessoal tão tirando ainda, tá entendendo? Mas ele botou pistoleiro pra correr os mato pra quem tirasse ele matar, mas depois disso acabou. Os pessoal denunciaram aí."

“Logo quando comprou ele cercou tudo, mas mesmo assim o pessoal não respeitou porque é uma área que a gente sempre trabalhou, era uma área que nossos antepassado trabalhava há séculos, há décadas, e a gente cresceu trabalhando ali, tendo aquilo como nosso. Depois que foi vendido ele cercou, mesmo assim o pessoal continuou trabalhando. “

Os extrativistas relataram também o aprisionamento de animais por

parte do fazendeiro, como possível retaliação ao que ele considerou invasão das

terras.

“... e uma certa vez o rapaz foi trabalhar lá, deixou o animal à beira da margem da cerca e o empregado com autorização do dono, pegou o animal e levou pra porta da casa lá onde eles ficava. Houve dificuldade porque eles não queria deixar a gente trazer o animal, teve que acionar a polícia em Maragogipe, outros órgãos de Maragogipe pra poder liberar esse animal. Esse foi um dos conflito que houve aqui, foi esse."

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Após interferência policial, a tensão foi minimizada e os extrativistas

continuaram a utilizar a área para extrativismo, explotando as palmeiras que

restaram. Com base nos dados levantados através das entrevistas, pode-se

afirmar que o conflito se encontra atualmente em estado latente. Os entrevistados

afirmam que problemas dessa natureza não voltaram a acontecer.

(Problemas com donos de fazenda?) "Da Mutuca já que os menino que trabalha aí no mato já viu tiro dentro do mato. Era um policial que vinha praí. Muitos deles já correu muitas vezes no mato. Agora de novo não, esses tempo agora parou, não houve mais nada não."

Embora mal sucedida, a estratégia do fazendeiro buscava exercer o

que Marques (2001) chamou de privatização da natureza, neste caso particular

buscando evitar uma relação interativa homem-planta representada pela

apropriação de produtos da fotossíntese. Outras estratégias foram empregadas

por outros fazendeiros para evitar a perda da fazenda. De acordo com uma

liderança da comunidade, um fazendeiro o procurou com intenção de oferecer a

construção da sede da comunidade em troca da permanência da sua propriedade

no território quilombola. O entrevistado teria negado a proposta.

"Eu conversei com o advogado de Dr. Hélio (fazendeiro), o advogado dele lá conversando comigo se a gente não podia se unir com Dr.Hélio, não sei o quê, conversar com ele, pra ele acabar de fazer nossa associação, ajeitar o quê, isso aquilo, o que a gente precisasse... Eu disse: não! Nós tá querendo tirar os forasteiro! Ele disse: Mas assim mesmo converse com o povo lá, pra se reunir... Eu disse: Não, tem conversa não."

A recente titulação de parte das terras do quilombo evidentemente

representa um grande avanço para a consolidação do território da comunidade da

Salamina. Entretanto, é importante mencionar que as terras em que se os conflitos

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se manifestaram de forma mais clara e violenta ainda não foram desapropriadas, o

que ainda confere um estado de vulnerabilidade à comunidade local.

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Bases Emotivas

A pesca é compreendida como trabalho pela população da Salamina,

entretanto, envolve um lazer implícito. Há uma notória satisfação no exercício da

pesca demonstrada na maior parte das entrevistas e visualizada nas observações

diretas. A atividade localmente representa, portanto, simultaneamente, trabalho e

diversão. Essa percepção do trabalho se aproxima, mas não é totalmente similar

àquela encontrada por Marques (2005) entre os brejeiros maritubanos, para os

quais pesca e trabalho significavam coisas diferentes.

“A vida de pescador eu acho divertido. É trabalhoso, mas ao mesmo tempo é divertido."

"Rapaz é uma coisa divertida! Meu padrasto, se ele pudesse, ele não saía de cima do mar. Eu gosto sim! Pescaria, eu adoro!"

Os entrevistados reconhecem o desgaste físico implícito no exercício da

pesca, entretanto, apesar disso, consideram-na como uma atividade lúdica.

Alguns deles afirmam ter recusado propostas de emprego para continuar atuando

como pescadores. Tal afirmação é representativa de que em muitos casos a vida

de pescador não é mantida por ocasião de falta de oportunidades de emprego e

sim por escolha e satisfação pessoal.

"Eu acho uma maravilha porque eu gosto de

pescar. É uma arte que eu escolhi, eu largo todas as arte, já achei emprego, já achei curso de não sei o quê e eu não quero nada. Só quero ficar na pescaria. Porque é uma coisa que eu gosto de fazer. E a pessoa fazer uma coisa que gosta é bom. Eu me sinto feliz pescano. Mas me sinto feliz mesmo!"

Tal ponderação é particularmente importante por estarem esses

pescadores inseridos em um contexto onde a industrialização crescente ameaça o

seu modo de vida e a integridade dos ecossistemas locais. Em suma, posições

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como esta contrariam o discurso pró-desenvolvimentista recorrente que busca

converter populações locais em mão de obra assalariada nos empreendimentos

de infraestrutura que se espalham nas proximidades de terras ocupadas por

populações tradicionais.

"Do meu trabalho eu gosto. Gosto da vida. Eu quero dizer que gosto e prefiro ficar. Mesmo ganhando esse pouco. Pra eu ir pra fora trabalhar em Petrobrás ganhar dois mil, três mil? Isso aí não tá na minha agenda não. Eu prefiro ficar tendo esse pouquinho. É uma prova que eu não tenho desgosto, eu tenho prazer. Desgosto é os governo que não faz assim por onde. Eles conversa mais do que o que faz."

Além do aspecto de diversão e aventura contido na pescaria, a

satisfação dos trabalhadores do mar se dá também pela qualidade de vida

associada à atividade. Os entrevistados se referem à qualidade do pescado, da

alimentação e também da pureza do ar local como os bons atributos da Salamina.

Associado a isso, existe o meme de que o “na maré só morre de fome quem é

preguiçoso”, em referência à abundância de recursos alimentares nestas

localidades.

"A vida de pescador é uma vida boa, no sentido de saúde... É esforçado? É. O cara paga um preço? É. Ganha pouco? Ganha. Mas o pouco continuado com saúde recebendo esse ar, esse oxigênio aqui, não tem coisa melhor não. Melhor do que você tá numa fábrica recebendo aquele ar... Eu gostaria de hoje ter um trabalho, ter um emprego pra poder avançar, ter as minhas coisa que eu quero ter, seria bom, ótimo. Mas quando eu penso em ficar numa firma o dia todo de capacete, com aqueles macacão. Tá doido, véi! Misericórdia! Eu não sei que eu acostumo não! "

"Eu acho uma coisa maravilhosa ser pescador. Só de ficar em cima do mar comendo essas moqueca de peixe natural, misericórdia! É pior assim quando a gente vai que não acha nada. Mas é bem difícil a gente ir no mar e não achar nada. Ainda não chegou esse dia ainda pra eu vê uma pessoa ir no mar com a rede, pescar numa beirada, num

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pegar uma tainha, num pegar o camarão, não pegar uma comida. Nem que seja pra uma família. Isso é uma bênção, uma coisa de Deus mesmo. Maravilha!"

Alguns dos entrevistados temem a ação das indústrias na região e o

consequente aumento dos efeitos negativos sobre a pesca. Parte dos extrativistas

se preocupa, sobretudo com sobrevivência das próximas gerações, em razão de

vislumbrarem um cenário de mudanças com implicações diretas sobre o seu modo

de vida.

"Como eu tô dizendo, nós acha bom onde nós mora. Nós não tem desgosto, nós tem prazer. Agora nós tamo já tremendo as perna devido as coisa que vem acontecendo e nossos filho crescendo. Não tinha essas empresa agora tá tendo perto da gente. E sempre a corda quebra do lado mais fraco.

Dentre as emoções percebidas nas falas dos entrevistados, pode-se

dizer que muitas delas se manifestam no apego ao lugar e também no processo

de luta pela conquista de direitos. Cabe ressaltar que muitos extrativistas atuam

como representantes da comunidade nos diversos espaços, o que os distingue

pela atuação política em defesa dos direitos da população local.

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Etnoecologia Abrangente da Pesca do Camarão

Bases Cognitivas

"O pescador tem que ser sabido, né?"

Hidrodinâmica

“Todas pescaria tem seu tempo certo. Tudo tem que ter conhecimento."

As marés constituem o principal fator abiótico com influência sobre o

desempenho das atividades de pesca e mariscagem em áreas de manguezais

(NISHIDA, 2000; SOUTO, 2004). Sendo assim, a compressão dos fenômenos

hidrodinâmicos é imprescindível para a realização das atividades pesqueiras na

Salamina. Ao longo do tempo, os pescadores locais acumularam um vasto

conhecimento a respeito dos fenômenos das marés o que gerou um sofisticado

corpo de conhecimento a respeito da dinâmica das águas.

Localmente, as marés são classificadas genericamente em marés

grandes e marés pequenas. Os correspondentes acadêmicos para esta

classificação são respectivamente marés de sizígia, que se caracterizam por

preamares15 muito altas e baixa-mares muito baixas, e quadratura, que produzem

preamares mais baixas e baixa-mares mais altas. O efeito prático desse fenômeno

é, portanto, uma maior amplitude de maré no período das luas nova e cheia, e

menor nas luas crescente e minguante.

Na transição da maré pequena para a maré grande, o nível da água

aumenta gradativamente a cada pico de maré alta e à medida que isso ocorre, a

água avança em direção ao continente. Êmicamente, cada preamar que ocorre no

período em que a maré está crescendo ou começa a puxar corresponde a um

lançamento. Esse movimento ocorre até a maré alcançar o nível mais alto, o que é 15

É relevante mencionar que os significados êmico e ético para a palavra preamar são distintos. A

oceanografia considera preamar como sinônimo de maré alta ou maré cheia, enquanto para os pescadores

locais preamar é o período em que a maré está enchendo.

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denominado localmente de cabeça d’água e coincide com o primeiro dia das luas

nova e cheia. O período de crescimento da maré inclui, portanto, uma série de

lançamentos que ocorrem a cada preamar. O nível máximo de maré se repete

depois da cabeça d’água segundo os pescadores e a esse acontecimento eles

denominam de maré igual.

"Quando a lua é crescente, a maré cresceu. Porque tem pequena água que é quando a maré baixa 9:45h. No outro dia ela vai ser igual, não bota nada. Aí depois no primeiro lançamento ela já cresce um pouquinho."

Tendo o nível da água chegado ao seu ponto máximo (cabeça d’água),

a maré tende a recuar a níveis cada vez mais baixos. Nesse período, de acordo

com pescadores, a maré começa a quebrar, num processo contrário ao

lançamento. Sucessivas quebras ocorrem até que a água chegue ao seu nível

mínimo e, devido à pequena amplitude observada entre a preamar e a baixa-mar,

a maré praticamente não enche e não vaza. Localmente, denomina-se essa maré

como mais pequena água, que coincide com o dia das luas crescente e

minguante. Assim como ocorre na cabeça d’água, o nível mínimo da maré

também se repete depois da mais pequena água e a isso os pescadores também

chamam de maré igual. Depois de chegar ao nível mínimo, a maré volta a lançar

ou puxar dando andamento ao ciclo (figuras 22 e 23).

As terminologias mais pequena água e cabeça d’água são idênticas

àquelas registradas por Cordell (1974) entre pescadores da região de Valença,

baixo sul baiano. Souto (2004) encontrou classificação parecida entre pescadores

de outra comunidade do Recôncavo Baiano, entretanto, neste caso, os

pescadores identificavam 6 lançamentos e 6 quebramentos de maré, um a cada

dia. Na compreensão de pescadores da Salamina, os lançamentos e as quebras

ocorrem a cada preamar.

A pesca de camarão ocorre majoritariamente nas marés pequenas e

isso se deve basicamente à velocidade das águas nas marés grandes que

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arrastam a rede com muita rapidez e não há tempo suficiente para a captura do

camarão (“A rede não tem tempo de mariscar”) e ao consequente maior esforço

necessário para remar a canoa. Durante os períodos inapropriados para a pesca

de camarão, algumas pessoas passam a praticar a pesca com anzol (pesca de

linha).

Figura 22 – Ilustração do ciclo hidrodinâmico segundo as luas na percepção êmica

"Maré grande pesca, mas o pau (esforço) é muito porque devido a força do vento e da maré a gente não guenta remar a canoa. Do segundo até o terceiro lançamento até mais pequena água é que pesca camarão. É quando a maré vai 9:45 a gente pesca porque a maré não corre muito, tá parada."

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"É porque é o seguinte: quando a maré tá grande demais, a gente não pode jogar a rede porque a maré quando tá grande, ela corre demais. A gente perde a rede. Perder a rede quer dizer: lasca, pau... As canoa não tem condição de suportar o mar, que venta demais, aí você começa a pescar na maré pequena. A pescaria no mínimo é oito dia por maré, sete, oito dia. Os teimoso é que pesca oito dia. Aí a gente pesca por maré.

Alguns pescadores consideram que o camarão adentra a Baía do

Iguape durante as marés de lançamento e à medida que ocorrem os lançamentos,

o recurso se desloca rio acima. Esse é um dos motivos adicionais para não

realizar a pesca em marés grandes, uma vez que o recurso já se afastou dos

sítios de pesca utilizados pelos pescadores locais, o que implicaria em esforço

adicional de deslocamento para encontrar o recurso, a menos que o pescador

utilize uma canoa a motor.

“Na maré grande eu mesmo aqui a pesca de camarão fica longe. Maré pequena o camarão vem pra perto de mim e na maré grande ele vai pro lado de Maragogipe. Fica mais longe. Agora de vez em quando eu tô indo porque eu comprei um motorzinho, mas no remo não dá."

O sistema de classificação hidrodinâmica local compreende ainda

variações diárias no regime de marés. Os pescadores nomeiam o momento da

transição das marés cheia para vazante como preamar, enquanto a transição da

maré vazante para cheia recebe o nome de reponta. Este último é o momento do

dia mais adequado para a captura do camarão. Similarmente, Montenegro et al

(2001) encontraram a denominação riponta significando a chegada das primeiras

águas da maré. Há ainda na Salamina a denominação meia-enchente quando a

maré está enchendo e meia-vazante para quando está vazando.

"Reponta é quando ela vai encher. É bom pra pescar. Ela vai quatro hora aí reponta dez hora. São seis hora quando ela tá grande, ela vaza seis hora e quando ela vai quebrano, cinco hora ela vaza."

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Figura 23 – Figura ilustrando o comportamento das marés de quebra (acima) e de lançamento

(abaixo) de acordo com a percepção êmica

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O fenômeno hidrodinâmico é detalhadamente compreendido pelos

pescadores locais e inclui tanto variações mensais, compreendidas considerando

os ciclos lunares, quanto enfoca aspectos de variação diária. Pode-se dizer,

portanto, que o pescador local possui um sofisticado conhecimento a respeito da

dinâmica das águas que lhes é bastante útil para o desenvolvimento das

atividades pesqueiras.

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Aspectos biológicos e ecológicos

De acordo com as entrevistas, dois específicos folk são explotados

localmente: camarão-branco e o camarão-mouro (também chamado de camarão-

moura e camarão-vermelho). Uma vez que não foi feita coleta de material

zoológico, não se tem convicção das espécies zoológicas que correspondem a

tais específicos. Entretanto, pode-se afirmar com alguma segurança, tomando por

base estudos anteriores, que o camarão-branco corresponde a Litopenaeus

schmitti e o camarão-mouro corresponde ao Fanfarpenaeus subtilis.

A observação dos pescadores locais quanto à reprodução do camarão

se baseia principalmente na observação da captura de fêmeas ovadas e

indivíduos muito jovens durante a pescaria. Os pescadores entrevistados afirmam

que o camarão se reproduz ao longo de todo o ano e os órgãos ambientais

estariam equivocados quanto ao período adequado para o defeso, período em que

a pesca do camarão fica proibida. De acordo com Santos et al (2007), o camarão-

branco apresenta desova contínua, com dois picos anuais de reprodução, o que

vem a corroborar a percepção dos pescadores.

"Eles, nas pesquisa deles, diz que o camarão é de

6 em 6 mês pra desovar mas não é não! Agora (janeiro) tá

desovando. Por que você sabe que tá desovando? Quer

dizer, eles lá estudou e disse que não desova. A gente

pesca, se quando a gente vai pescar a gente vê

camarãozinho desse tamanho (pequeno). Não tá

desovando? Tá desovando! Esse mês camarão tá

desovando, no mês de abril desova camarão.

"Nunca deixa de não produzir. É igual a mulher.

Tem gente que faz o filho no mês de agosto, outra já faz lá

pra setembro, outra no mês de dezembro. É isso aí. Agora

tem a capacidade de ser mais ou menos, eu acho que é

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mais, tem os mês que produz mais. É igual a maternidade.

Tem mês que a maternidade tá assim, cheia de mulher pra

dar a luz. (Camarão) Mês de junho temos cria, muita cria,

julho temos cria constante, agosto, setembro também,

maio..."

"Eles dizem: ah, vai fechar a pesca porque vai

desovar o marisco. Toda maré que nós vai pescar tem

camarão pequenininho, chegar escapulir da rede, então

camarão desova em qualquer quadra. Toda vez que nós vai

pescar tem camarão pequenininho."

A compreensão dos reticulados tróficos na pesca tem sido considerada

por diversos autores como uma estratégia cultural útil à otimização do

comportamento do pescador enquanto predador (e.g. MARQUES, 2001; SOUTO,

2004; MARTINS et al, 2011). Desta forma, o conhecimento a respeito da dieta dos

diversos recursos pesqueiros é indispensável para a prática da pesca.

Os entrevistados enfatizam o caráter detritívoro e necrofágico da dieta

dos camarões. Dessa maneira, na concepção êmica, quatro itens compõem a

alimentação desses animais: o limo, que corresponde a uma camada de algas que

se deposita sobre o sedimento; lama que tal como definido por Souto (2004), se

refere a um sedimento escuro de pequena granulometria; sujeira que é a matéria

orgânica em decomposição; e animais mortos que porventura estejam no rio.

Neste último caso, tal como encontrado por outros autores (e.g. SOUTO, 2004;

SOUTO e MARQUES, 2009) é comum notar na fala dos entrevistados um

sentimento de repulsa diante do hábito necrofágico do camarão.

“(O camarão come) ... o que ele achar na frente, de carniça a... Do bom ao podre. É limo. Se ele achar um jegue morto aí dentro de uma beirada dessa aí, ah, meu irmão, pode botar um cerco aí. Pense num bicho pra gostar de coisa podre é o camarão. O bicho é muito nogento!"

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"O camarão come lama, sujeira. Camarão se tiver uma carniça dentro do mar que hoje em dia não existe, ele cai matando. Cachorro podre...”

De acordo com Abertoni et al (2003), crustáceos decápoda de são

onívoros oportunistas, se alimentando principalmente de pequenos organismos

bênticos e matéria orgânica em decomposição. Os camarões de uma forma geral,

segundo Castro e Huber (2003), possuem hábito necrofágico alimentando-se

predominantemente de restos orgânicos dispersos no substrato, sendo por este

motivo, considerados também como animais depositívoros.

O conhecimento êmico a respeito da alimentação dos camarões se

assemelha àquele encontrado na literatura, uma vez que todos os itens citados

pelos pescadores como pertencentes à dieta dos camarões de fato constituem

material orgânico depositado sobre o substrato. Além disso, também na literatura

destaca-se o hábito necrofágico desses animais (e.g. CASTRO e HUBER, 2003;

LEITE e PEZUTO, 2012).

Na percepção êmica, os camarões de forma genérica são recursos

alimentares para várias espécies que habitam o ecossistema aquático local:

"Qualquer espécie de coisa que tiver na maré gosta do camarão”. A grande

diversidade de predadores de camarões e a preferência de muitos organismos

aquáticos por este item alimentar foi também identificada por Souto e Marques

(2009) no discurso de pescadores artesanais da comunidade de Acupe, também

situada no Recôncavo Baiano. O mesmo foi percebido por Clauzet et al (2005) em

duas comunidades pesqueiras no litoral do estado de São Paulo.

Dentre os entrevistados na Salamina, as interações tróficas envolvendo

os camarões e peixes parecem ser mais profundamente compreendidas. De

acordo com os entrevistados, os camarões não apenas estão inclusos na dieta

alimentar dos peixes, mas também constituem o item preferencial da alimentação

da maior parte deles: “Camarão é o melhor presunto assim pra todas marca de

peixe”. Dentre os peixes que se alimentam de camarão os mais citados forma o

robalo, a pescada, a corvina, a cutupanha, o bagre e o merete. Parte dos

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entrevistados afirma que a pescada possui preferência por um dos tipos: o

camarão-moura.

“... agora pescada gosta mais do camarão moura, o vermelho. A gente acha o camarão branco dentro dela, ela come. Mas o camarão especial pra ela é o vermelho.”

“...você bota, vamos dizer, meia braça, que é pra ele ficar no mei d'água que é pro robalo ver, mas ele tá vivo. Você isca ele ali pela cabeça, não mata ele. Você tem que pegar ele e botar num cofo dentro d'água ou botar água na canoa pra ele não morrer, porque o robalo só pega ele vivo."

Souza e Barella (2001) compararam informações da literatura ictiológica

e conhecimento de uma comunidade caiçara do litoral paulista e encontraram

correspondência entre os conhecimentos êmico e ético relativos à predação de

camarões por peixes como robalo, bagre e tainha. Essas informações também

indicam a similaridade entre os conhecimentos dos pescadores da Salamina e

acadêmico no que se refere às interações tróficas envolvendo o camarão.

O fato do camarão ser identificado pelos pescadores como um recurso

alimentar utilizado por várias espécies de peixes, faz com que esta seja a principal

isca utilizada na pesca de linha. O tratamento dado à isca é diferenciado no caso

da pesca do robalo, em que o camarão precisa ser iscado ainda vivo.

"Coitado do camarão... Principalmente o robalo, pescada como o camarão, sempre assim. Mas todos os peixe eu acredito que come é tanto que pra pescar ele tem que ter camarão, né? Como isca. Tudo a isca é eles."

De acordo com Marques (2005), os conhecimentos a respeito do local

de ocorrência dos recursos, interações tróficas e comportamentos leva a

adaptações comportamentais dos pescadores que passam inclusive a manipular

troficamente o recurso. Pode-se notar esse fenômeno de forma clara na pesca de

linha (anzol), que utiliza isca para atrair os peixes. Da compreensão adequada das

interações tróficas, neste caso, dependerá o sucesso do exercício da pesca.

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Os pescadores investigam os fenômenos tróficos de diversas maneiras.

Percebe-se a alimentação dos organismos por seu comportamento durante a

pesca pela fauna acompanhante que aparece na rede: “Se você tiver correndo a

rede e aparecer um siri, vem qualquer coisa ali. Ou algum peixe, ou camarão vai

aparecer. Porque siri não guenta ver camarão". Infere-se a alimentação do peixe

ainda percebendo para o comportamento dos mesmos quando capturados, como

é o caso da pescada que segundo os pescadores “vomita” o camarão quando

capturada.

“...Quando a gente pega ela (pescada) na rede a primeira coisa que ela vomita é o camarão vermelho."

O comportamento de regurgitação em peixes é comumente interpretado

por populações pesqueiras como vômito. Mourão e Nordi (2003) registraram a

observação dos pescadores do rio Mamanguape na Paraíba quanto ao

comportamento de eversão fisiológica estomacal dos meros, identificados pelos

nativos como vômito. Moura et al (2008), identificaram a etnocategoria “peixe que

vomita” na classificação de uma comunidade de pescadores ribeirinhos da região

da Chapada Diamantina no estado da Bahia.

Outra forma bastante usual de conhecer a dieta dos peixes é no

momento de evisceração que precede o preparo do alimento: “Nós vê quando vai

tratar (o peixe) também. Vê no bucho”. A importância da observação do conteúdo

estomacal durante o processamento do pescado para compreensão dos

reticulados tróficos já foi tratada por diversos autores de trabalhos em

etnoecologia da pesca (e.g. Marques, 1995; Costa-Neto 1998; Mourão, 2000;

Souza e Barella, 2001; Souto, 2004).

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Distribuição espacial e temporal dos camarões: Etnohabitat e abundância

“Pescaria é uma coisa que ninguém se baseia. É aventura."

O conhecimento de pescadores artesanais em relação à distribuição

espacial e temporal dos recursos pesqueiros, bem como o reconhecimento dos

seus ciclos reprodutivos tem sido mencionados em diversos estudos de natureza

etnoecológica (e.g. MARQUES, 1991; 1995; 2001; SOUTO, 2004; MOURÃO e

NORDI, 2006; SILVANO et al, 2006; SILVANO e JORGENSEN, 2008; BEGOSSI

et al, 2011; HALLWASS et al, 2013).

Pescadores da Salamina distinguem duas estações do ano: o verão,

período mais seco que vai de setembro a fevereiro e o inverno, estação mais

chuvosa compreendida entre os meses de março e agosto. Divisão de estações

do ano idêntica a esta foi registrada por Mourão e Nordi (2006) entre pescadores

do estuário do rio Mamanguape na Paraíba.

De acordo com os entrevistados, o verão é o período em que o

camarão é mais abundante localmente. O inverno é considerado um período difícil

para a pesca, sobretudo pelas condições climáticas adversas (maior incidência de

ventos e chuva). Devido à importância da pesca como atividade de renda e

subsistência, alguns afirmam que este é um momento em que a sobrevivência é

dificultada: “... a maré que não pesca, a gente passa dificuldade”. O vento é um

fator que atrapalha a pesca principalmente para aqueles que utilizam

embarcações sem motor e que tem que empregar maior esforço físico para

promover o deslocamento da canoa.

"(o vento) Impata. Tem vez que a gente pára.

Ainda dá tempo de botar dois ou três lance e tem que vim pra

terra porque o vento, a canoa não suporta e ninguém guenta

remar, né?"

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De acordo com os estudos de Santos et al (2004), os índices

pluviométricos são fatores chave para a frequência de Litopenaeus schmitti.

Ainda segundo os autores, a espécie tem a sua maior produção no estuário por

eles estudado durante os meses chuvosos. Essa informação é aparentemente

incompatível com aquela fornecida por pescadores da Salamina. Entretanto, de

acordo com Santos et al (op. cit), outras condições ambientais gerais do estuários,

inclusive determinada por fatores de impacto ambiental, são determinantes para a

abundância dos camarões nesses sistemas ecológicos. Além disso, não está claro

se os entrevistados identificam o inverno como o período menos produtivo em

termos de biomassa disponível no sistema estuarino ou se consideram que há

menos camarão nesse período em decorrência da menor quantidade capturada

devido à dificuldade inerente à pesca em condições de chuva.

"No verão dá mais. No inverno é outra qualidade de camarão. Porque no inverno dá mais graúdo. (Muda o tamanho ou a marca?) O tamanho. No inverno dá mais graúdo."

Dentre os dois específicos explotados localmente, o mais abundante é

o camarão-branco. Os entrevistados afirmam que o camarão-mouro era

encontrado com muito maior fartura em tempos pretéritos e a diminuição de

ocorrência desse animal, segundo os nativos, se deu em consequência da

operação da Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo. Discurso idêntico a este já foi

registrado em outras comunidades da Baía do Iguape não apenas quanto à

diminuição de ocorrência do camarão-mouro e algumas espécies de peixe, mas

também com relação à extirpação de outros recursos pesqueiros locais que

atualmente não são mais encontrados no estuário (PROST, 2007a; ICMBio, 2009).

Os entrevistados percebem a distribuição e abundância dos camarões

nas dimensões vertical e horizontal, assim como identificado por Ramires et al

(2011) com relação à distribuição de peixes segundo comunidades Caiçaras do

Vale da Ribeira, São Paulo. O zoneamento vertical se refere à disposição dos

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camarões na coluna d’água. Classifica-se como zoneamento horizontal

êmicamente percebido tanto a disposição dos camarões com relação ao substrato

onde são encontrados quanto ao deslocamento dos mesmos em direção ao

continente com a chegada das marés grandes.

No que se refere aos substratos, os entrevistados reconhecem pelo

menos cinco tipos de fundo no estuário: as pedras, a lama, o cascalho (substrato

que inclui areia, pequenas rochas e restos de conchas), o piçarro (corresponde ao

cascalho com lama) e os bancos de coroa (fundos arenosos que emergem

durante a maré baixa). De acordo com os pescadores, embora o recurso possa

ser encontrado em outros substratos, o habitat preferido do camarão são os

fundos lamosos.

"Ou areia com lama, ou lama só. Tem aquele piçarro também, mas ele não gosta muito de piçarro não. (...) tem vez também que ele dá na coroa. Porque pedra, o camarão é difícil dá na pedra, quando tá na pedra é porque ele tá escondido.”

Na interpretação dos pescadores, a associação do camarão com

substratos lodosos se dá porque o animal “gosta de se enterrar” e também pelo

fato dele se alimentar da lama ou de detritos que nela estejam. De acordo com a

literatura zoológica, os camarões de uma forma geral, são organismos bênticos,

que passam grande parte do seu ciclo de vida associados ao fundo. De acordo

com Silva et al (2006), a espécie Litopenaeus schmitti à qual provavelmente

corresponde o específico camarão-branco habita fundos lamosos com alto teor de

matéria orgânica. Tal informação também é confirmada por Santos et al (2004)

que considera L. schmitti como uma espécie vasícola, ou seja, que está

associada a substratos lamosos. Santos et al (2007) comprovaram através de

testes de laboratório que outra espécie desse mesmo gênero (Litopenaeus

vannamei) possui preferência por substratos com pequena granulometria (areia

fina ou muito fina). Neste caso, pode-se afirmar que os conhecimentos êmico e

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ético são compatíveis no que diz respeito à preferência dos camarões pelos

substratos de pequena granulometria.

Os pescadores percebem ainda o comportamento do camarão de se

enterrar no substrato. Informações zoológicas confirmam esse comportamento nos

peneídeos de forma geral. De acordo com Castro e Huber (2012), os animais

detritívoros tendem a estar presentes em fundos lodosos. Segundo Santos (2007)

esses animais possuem a capacidade de se enterrar durante o dia tanto para

otimizar o forrageio quanto para defesa contra predação. É importante ressaltar

que o conhecimento do comportamento de enterramento dos camarões por parte

dos pescadores tem implicações importantes sobre as técnicas de captura do

recurso. Em decorrência do hábito bêntico desses organismos, os pescadores

utilizam uma rede de arrasto de fundo neste tipo de pescaria.

“...ele (camarão) fica enterrado na lama, aí a rede

passa... porque o camarão ele fica ali na lama, é por isso que a rede camarãozeira tem que ser arrasto, no fundo que é pra ela ir arrastando, descer até embaixo."

Com relação ao deslocamento do recurso com a chegada das marés,

os pescadores compreendem que os camarões adentram o estuário quando as

marés crescem e a cada lançamento de maré, se deslocam rio acima. As

informações zoológicas encontradas se referem apenas ao deslocamento dos

peneídeos de forma geral, em direção à costa para ambientes de salinidade mais

baixa para se desenvolverem da fase jovem para a adulta (HICKMAN et al, 2013).

A compreensão do movimento do recurso ao longo dos sítios de pesca,

denominados localmente de pesqueiros, confere dinamicidade à pesca. Desta

forma, identificando que os camarões estão “subindo o rio”16 passam a pescar

cada dia em um sítio diferente.

16

Embora os entrevistados utilizem expressões como “subir o rio” ou “descer o canal”, essas expressões não

significam deslocamento vertical e sim o movimento na direção mar-continente.

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“... na pesca vai depender da maré. Tem vez que ele dá embaixo e tem vez que ele dá em cima. Quando a maré tá pequena, a gente pesca mais embaixo porque o camarão tá embaixo, mais pra o lado do canal. E a maré vai aumentando porque todo dia a maré aumenta, né? Aí a gente vai subindo também, acompanhando o pesqueiro."

Há um meme local segundo o qual os camarões preferem as águas

escuras. Alguns pescadores afirmam que de fato, esses animais preferem águas

onde o sedimento se encontra em suspensão enquanto outros afirmam que nas

águas limpas não conseguem capturar os camarões porque esses veem a rede e

fogem. Santos (2000) assim como Santos e Freitas (2000), registraram que

pescadores da Barra de Santo Antônio atribuíram a fuga dos camarões nos meses

de verão à transparência da água. Montenegro et al (2001) identificaram entre

pescadores de pitu de uma comunidade do Baixo São Francisco a ocorrência

desses animais associada a “águas sujas”17.

"Aqui a lama é uma só. O camarão é o seguinte, porque ás vez quando chove que assanha a água porque camarão gosta muito porque água suja. Água clara não presta pra camarão."

"Pra a gente pegar é melhor água escura, agora pra ele viver, eu não sei. Porque com água clara ele vê a rede e nós não pega ele."

As informações dos pescadores com relação á preferência dos

camarões por águas turvas é corroborada pela literatura técnico-científica. Santos

et al (2004) afirmam que, de acordo com vários autores, esses animais são mais

facilmente capturados em águas turvas em função da matéria orgânica,

intensidade dos ventos e concentração de cálcio proveniente da decomposição de

conchas e carapaças.

17

As expressões “água escura” e “água suja” são empregadas tanto neste trabalho quanto por Montenegro

et al (2001) no sentido de água turva, com sedimento em suspensão.

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Os entrevistados afirmaram que com relação à distribuição vertical, o

camarão pode ser encontrado tanto nos locais mais fundos (“canal”), quanto em

águas mais rasas (“beirada”) e mais próximos da terra (“em terra”). A localização

do recurso está associada às marés e é mais um elemento de imprevisibilidade da

pesca, de acordo com os nativos. Não é possível antever onde o recurso estará

disponível, de modo que para encontrá-lo é possível investir nas tentativas

repetidas vezes.

"E tem a maré pequena às vez ele dá mais na beirada que é no lugar mais raso, quando a maré vai cresceno às vez ele dá no lugar mais fundo...”

“Eles passa em todas as água mas é o lugar que a nós pega ele. O lugar que a gente não pega, a gente diz que não tem. Nós bota a culpa neles."

Assim como relatado por alguns autores (e.g. SOUTO, 2004;

MARTINS, 2008) com relação a outros recursos pesqueiros em outras localidades,

também entre pescadores da Salamina foi identificado um meme segundo o qual a

abundância dos camarões está condicionada às marés em um evento aleatório e

imprevisível. De acordo com os nativos existem “marés que dão mais” e “maré que

não dá quase nada”. Os primeiros dias das marés já indicam a abundância do

recurso naquele período. Os pescadores continuam realizando a atividade

enquanto o pescado está abundante e passam a buscar outros recursos, como a

piaçava, no momento em que estes se tornam escassos. O extrativista se mantém

atuando na pesca enquanto a maré estiver favorável e os recursos pesqueiros

estejam minimamente abundantes, a ponto de compensar o tempo desprendido e

os custos eventuais, com combustível no caso de uso de embarcação a motor.

"(Como escolhe a atividade que vai fazer?) Nós vai um ou dois dia pra pesca, aí não panha nada. Aí nós já sabe, amanhã nós não vai mais, já vai pro mato. No mato você vai achar qualquer coisa."

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"Mas isso tem tempo, né? Tem maré. Tem maré que você vai e não traz nada. Tem semana que você pesca uma maré toda e não arruma dinheiro pra comprar o café e o café e o açúcar."

De acordo com Acheson (1981), vários recursos pesqueiros não estão

disponíveis periodicamente, nem todas as espécies migram sazonalmente e as

populações dos recursos podem aumentar ou diminuir drasticamente em eventos

difíceis de prever, inclusive para os cientistas. Estes fatores estão dentre os

muitos que em uma associação complexa determinam a abundância ou escassez

de determinados recursos em um sistema ecológico. Outros autores destacam

elementos que conferem o caráter imprevisível da pesca: fatores abióticos como

tempestades e ventos fortes (MacCAY, 1978) ou a inconstância dos fatores

climáticos e ecológicos (PASQUOTO e MIGUEL, 2004); flutuação cíclica e sazonal

no tamanho e localização dos estoques pesqueiros (ALLISON e ELLIS, 2001); e

de modo bastante amplo, a especificidade do ambiente marinho que se apresenta

como “cíclico, móvel e imprevisível” (CUNHA, 1989).

Mesmo considerando o caráter dinâmico da abundância e distribuição

dos estoques de camarão, em algumas ocasiões há um momento do dia em que é

mais fácil prever a localização do recurso: o “clarear do dia”. Usa-se pescar nesse

momento principalmente durante o verão, já que no período chuvoso as condições

climáticas desfavorecem essa prática. Segundo os entrevistados, o camarão está

saindo das “beiradas” (mais próximos dos manguezais) ao amanhecer porque foi

ali que permaneceram durante à noite.

"A gente usa chamar o clarear do dia, que é esse. A gente larga a rede 4:30. Por que a gente larga a rede no clarear do dia? Porque o marisco se encontra em terra na beiradinha devido a noite. Aí quando clareia que a rede já trabalhou, ali, o dia clareou você pode tirar porque o camarão já bateu ali na rede. Aí chama o clarear do dia, que ás vez costuma o camarão costuma dar no clarear do dia, depois que o dia clareia você morre de botar lance e não panha nada, devido à água tá clara, o camarão se afugenta. Então

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agora no verão a gente usa muito pescar assim no clarear do dia. É uma tese medonha!"

De uma forma geral, pode-se dizer que os pescadores locais percebem

a abundância dos camarões como um evento complexo que comporta além da

sazonalidade, as dimensões horizontal e vertical de distribuição desses recursos.

A imprevisibilidade intrinsecamente relacionada à atividade pesqueira agrega mais

um fator de complexidade e incerteza que obriga o pescador a exercer outras

atividades produtivas como alternativas de complementaridade da subsistência e

renda.

Quando o camarão se torna escasso, os pescadores investem na

captura de outros peixes ou partem para a realização de outras atividades. No

entanto, o caráter de imprevisibilidade da pesca e a gradativa diminuição dos

recursos pesqueiros percebida localmente faz com que os pescadores passem a

exercer outras atividades em ocasiões em que peixes e camarões estão escassos.

"Vamo dizer assim, como a pescaria tá ruim aí, nós tá preferindo futucar os mato por enquanto. Diminui os pescador, não dá, não tem como ir. Você olhar você ver rede encostada na beira da casa, você vê ali no baixo... Pescaria tá um pouquinho difícil. Mas enquanto isso nós fica futucano, vai ali na maré, tira uma ostra, tira um sururu e tal pra ir controlando. Porque jogar rede no mar, só se for quando dá esse massambê aí pra nós defumar. Tem hora que eu até vendo caixa de massambê por aí. Mas camarão aí o povo tá chorando mesmo."

Diante do componente de imprevisibilidade da pesca, alguns dos

extrativistas aguardam o resultado da pesca dos companheiros para decidirem se

realizarão ou não a atividade nos dias subsequentes. A informação relativa à

abundância dos recursos é compartilhada geralmente entre pessoas com

parentesco próximo.

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Indicadores vernáculos

A pesca do camarão com a rede camarãozeira implica na captura de

outros peixes como fauna acompanhante que em sua maioria também são

utilizados na alimentação. Durante a pescaria, a presença de determinadas

espécies de peixes na rede indica o sucesso ou fracasso do lance na captura do

camarão. De acordo com os pescadores, quando os peixes de água clara

aparecem na rede, indicam que os camarões não foram capturados. Ao contrário

disso, se os peixes de água escura são encontrados na rede, indicam sucesso na

pesca do camarão.

Diante do meme local segundo o qual o camarão não é capturado em

águas claras, alguns pescadores afirmam que este recurso de fato não habita as

águas mais translúcidas. Na compreensão de outros, este recurso pode habitar as

águas claras, no entanto, quando aí estão, avistam a rede e fogem. Os peixes

citados como de água clara fora o carapicum, a carapeba, o peixe-galo e

miguelão.

"É porque quando nós joga a rede pra camarão que começa vim esses peixe: carapicum, carapeba, qual é o outro? Tem outro... Aí nós já sabe: água clara. Nem ateime botar mais lance nesse lugar que não vai panhar camarão porque ele sabe que ele tá vendo você, ele não vai ficar lá de jeito nenhum.”

"Tem um tal de miguelão (peixe) mesmo que se a gente pegar ele pode sair dali que não vai pegar nada (de camarão). Ele é peixe de água clara. Ele e a carapeba, é água clara. Carapicum, o peixe-galo é água clara.”

A associação entre o camarão e os peixes de água escura envolve não

apenas a preferência de ambos por águas mais turvas como também a

compreensão do reticulado trófico. Na percepção dos pescadores os peixes de

água escura se alimentam do camarão isso também justifica a sua atuação como

indicador. Os peixes de água escura (figura 24) citados foram: sarvage,

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cutupanha, bagre, arraia, língua-de-sogra, papa-terra, barbudo, pescada e tapa-

porco.

“Aí quando a gente sabe que a área tá boa pra camarão aí já vai vim espécie de peixe diferente é a língua-de-sogra, é a tapa-porco, é a papa-terra, é a pescada, é o barbudo. Aí nós já sabe, o camarão tá aqui. Siri também, se você tiver correndo a rede e aparecer um siri, vem qualquer coisa ali. Ou algum peixe, ou camarão vai aparecer porque siri não guenta ver camarão."

"É porque tem os tipo de peixe que a gente sabe que vai dar o camarão, tá entendendo? Porque a pescada mesmo, a gente pega na rede por quê? Ela vai comer o camarão que tá na rede, aí ela chega lá e fica. Vai atrás do camarão. Quando vem pescada na rede, vem camarão."

“Água escura é sarvage, é cutupanha, é bagre, arraia, esses peixe de fundo.”

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Figura 24 – Peixes de água escura (a. papa-terra, b. caratupanha, c. barbudo, d. sapoca-vermelha,

e. regalada)

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Interpretação da paisagem

“Sei de cada pedra que tem daqui até São Roque”

A leitura da paisagem é mais um aspecto de fundamental importância

para o exercício da pesca. Os pesqueiros são localizados tanto através de

referências que se encontram “em terra” - árvores ou casas - quanto utilizando

referências que se encontram no próprio ambiente aquático - pedras, camboas,

ilhas, etc (figura 25). Estratégias semelhantes de localização de pontos de pesca

já foram documentados em outros estudos, alguns clássicos como Forman (1967).

Tal conhecimento agrega elementos visíveis da paisagem emersa com

vistas a referenciar elementos submersos nos rios. Os entrevistados identificam o

relevo subaquático, percebendo pontos de maior e menor profundidade e também

localizando as pedras onde as redes, se jogadas, poderão ser danificadas.

Localmente, os entrevistados se referem às pedras como locais onde as redes

“pegam”. Esse conhecimento é associado à compreensão do fenômeno das

marés para que as redes sejam lançadas no local correto, aumentando a

eficiência de captura e diminuindo os riscos de prejuízo.

“... porque a gente aqui tem a base da pesca. Aonde a rede pega, aonde não pega. A gente rema a canoa por um pé de árvore desse a gente se baseia aonde no Iguape a gente joga a rede. Ali no porto de Vidal, só tem uma maré que você pode sair dali. O resto tem que sair é ali na Ilha dos Coelho, que ali você saindo com a maré grande, você pode botar mais na beirada porque ali a maré quando vai correno, então quando você joga a rede aqui, a rede ela não assenta aqui, ela vai assentar lá. Quando a maré tá grande, puxa. Aí aqui tem pedra como ali em frente a Vidal, quando a maré tá correno muito o que é que a gente faz? A gente joga a rede aqui pra quando ela assentar já passou essa pedra. Quer dizer, tudo isso a gente tem base. Tem gravatá, pé de dendê, tudo isso é base pra gente de onde coloca a rede. Ali no Angelim (Pedra do Angelim) ali pra pescar tem que saber. Rede ali no Angelim você tem que botar

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Figura 25– Referências utilizadas para localização de pesqueiros: A – Pedra do Angelim; B –

Pedra da Gameleira; C – Cais do Engenho

C

B

A

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descobrino o Cais do Engenho porque sabe que não pega. Você bota um lance lá nos Coelho, na hora que você avistar essa torre aí ou que você avistar o cemitério, tire sua rede senão você perde."

É relevante mencionar que esse conhecimento, fundamental para

escolha do sítio de pesca, limita a atuação espacial do pescador que não pesca

em locais que desconhece. Dessa forma, o pescador da Salamina atua apenas

em áreas próximas à comunidade e não em toda a Reserva Extrativista com vistas

a preservar os seus petrechos de pesca.

"No lugar das pedra a gente não pesca. Se pescar não tem rede que guente. Você vê que mesmo assim a gente sabendo onde vai jogar a rede, tem vez que, com qualquer vacilo, a gente perde duas ou três peça de rede.”

"Daqui de Maragogipe até São Roque eu sei de cada pedra que tem no fundo do mar, mas pro lado de Santiago já fica mais difícil. Eu pesco por aqui mesmo."

"Eu tenho meus lugar de pescar porque eu não conheço o mar todo. Pra a gente pescar em qualquer lugar tem que conhecer o mar todo. Pra conhecer o mar todo tem que perder muita rede. Não vale à pena."

"Pro lado de São Francisco eu não conheço. Essa área até o Rio Grande, eu conheço. Pesco até Porto da Pedra. De Porto da Pedra pra lá eu não vou, porque cima, não porque eu não conheço."

De modo parecido, os espaços aquáticos também recebem diferentes

denominações. Sistemas tradicionais de nomeação de zonas ecológicas foram

definidos por Posey (1987) com o termo ecozona. Anos mais tarde, Souto (2010)

relatou em uma comunidade pesqueira do litoral da Bahia, um sistema sofisticado

de nomeação de ecozonas. Dados preliminares entre pescadores da Salamina

revelam a existência de pelo menos quatro unidades de paisagem aquática

nomeadas localmente. O baixo se refere a áreas rasas do rio, enquanto a

denominação canal designa locais de maior profundidade. Beirada corresponde às

bordas de manguezal e coroa são as porções que ficam emersas durante a maré

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baixa. Casal e Souto (2011) encontraram oito unidades êmicas de paisagem

relacionadas à pesca de camarão em outra comunidade quilombola da Baía do

Iguape. É bastante provável que haja um maior número de ecozonas identificadas

pelos extrativistas da Salamina, entretanto, esse aspecto foi abordado apenas

brevemente nas entrevistas.

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Bases Conexivas

Pessoa /Mineral

O uso de materiais de origem mineral na pesca de camarão na

localidade estudada é bastante limitado. Observa-se que a rede camarãozeira

possui peças de chumbo na parte inferior para fazer com que ela afunde quando

jogada ao rio. Também é constituída de recursos minerais a âncora, denominada

localmente de poita, empregada para aportar a canoa. O chumbo presente nas

redes camarãozeiras é de origem alóctone, enquanto a poita pode tanto ser

autóctone quanto alóctone.

O grau de conectividade com os minerais na pesca de camarão pode

ser classificado como fraco já que não foram identificadas interações que uma vez

substituídas, descaracterizariam a pesca local. Esse resultado se assemelha

àquele encontrado por Marques (1995) e Souto (2004) que identificaram a

interação com os minerais como a mais fraca dentre as cinco e destacaram a

escassez de referências bibliográfica a respeito desse tema. Martins (2008)

reiterou que as conexões fracas estão previstas na abordagem da etnoecologia

abrangente e portanto não a invalidam.

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Pessoa / Vegetal

Vários estudos tratam da utilização de plantas por comunidades

pesqueiras abordando grande diversidade de finalidades - médica, trófica,

estética, etc. Entretanto, o emprego de vegetais na pesca é um tema

insuficientemente tratado na literatura de uma forma geral. Poucos trabalhos que

abordam esse assunto de maneira aprofundada foram localizados. Dentre esses

destacam-se os estudos de Hanazaki et al (2009) trazendo uma revisão sobre uso

de plantas em comunidades pesqueiras; Oliveira et al (2006) que registraram os

aspectos culturais do emprego de vegetais nas atividades pesqueiras locais na

microrregião do Salgado, no Pará e Oliveira (2007) que abordou o emprego de

vegetais na construção de armadilhas de pesca chamadas de cercos-fixos, entre

pescadores da Ilha do Cardoso, São Paulo.

Outros trabalhos tangenciaram a utilização vegetal na pesca: Nery

(1995) abordou o assunto ao tratar da tecnologia pesqueira em uma região da

Amazônia; Bastos (1995) discutiu brevemente esse tema quando relatou a

importância dos vegetais da restinga e manguezal para comunidades locais;

Montenegro (2002) abordou a utilização de vegetais na confecção de covos para

captura do pitu no Baixo São Francisco; Fonseca-Kruel e Peixoto (2004)

registraram o uso de vegetais para tingir redes de pesca; Souto (2004; 2008)

tratou da etnobotânica dos bosques de manguezais em uma comunidade

pesqueira do Recôncavo Baiano e relatou a utilização de espécies vegetais na

captura de crustáceos e peixes e Sousa (2010), por sua vez, citou o uso de

plantas na confecção de canoas e artefatos de pesca no delta do Parnaíba.

Em tempos pretéritos, o envolvimento da população da Salamina na

prática da pesca no sentido stricto (excluindo, portanto a mariscagem) só ocorria

através da atuação em pescarias de redes grandes, oriundas da cidade de

Maragogipe. Ao longo do processo de mudanças sociais já relatado anteriormente,

os nativos aos poucos passaram a exercer atividades pesqueiras inclusive sem a

autorização dos fazendeiros, por iniciativa própria.

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Em vistas da impossibilidade de adquirir petrechos de pesca, a

população local passou a utilizar os vegetais como matéria prima para confecção

de armadilhas e cestos utilizados na pescaria. Assim, dentro desse processo, os

vegetais tiveram expressiva importância, pois representaram o meio capaz de

conectar ser humano e recursos pesqueiros.

“... porque nessa época a gente não tinha rede, era camboa. Falo pescador, mas que não tinha rede, era camboa. A gente tirava as madeira e colocava essa camboa no mar."

A conexão com os vegetais relacionada à pesca na Salamina possui

diferentes finalidades. Utilizam-se cestos de cipós para armazenar iscas, para

transporte e lavagem de peixes e também para a defumação de pescados e

camarão (figura 26). Os balaios para secagem dos camarões são empregados até

hoje e não foram registrados substitutos sintéticos. Da mesma maneira, não foram

documentados substitutos para os “cofos de isca”, onde são armazenadas as

iscas utilizadas durante a pescaria. Nesses dois casos, pode-se afirmar que se

tratam de conexões persistentes, de acordo com a categorização de Marques

(Com. Pess.), porque se mantém ao longo do tempo.

Com relação aos cestos que, dentre outras coisas, são empregados

para retirar o pescado da embarcação, ainda que sejam utilizados atualmente,

verificou-se que o mesmo pode ser substituído por bacias ou mesmo sacos

plásticos, sem que isso represente mudança cultural no exercício da pesca. Sendo

assim, pode-se dizer que no que se refere ao emprego desses cestos na pescaria,

o grau de conectividade com o vegetal é fraco.

Os cestos produzidos com vegetais autóctones são, em sua maioria

confeccionados por pessoas da própria comunidade, que tem neste ofício, apenas

mais uma ocupação, similarmente ao que foi encontrado por Nery (1995) entre

pescadores da região do Salgado, Pará. Na Salamina, o material vegetal utilizado

na fabricação desses utensílios é coletado muitas vezes, durante o extrativismo da

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piaçava e o artesão tem no exercício dessa atividade, a possibilidade de arrecadar

uma renda extra.

No caso particular da pesca de camarão, a conexão com os vegetais é

mais forte na pesca de camboa-de-pau, um tipo de armadilha fixa feita de madeira

que de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2008), também é chamada de

curral ou tapagem (figura 27).

A conexão pescador/camboa é intermediada por uma conexão

pescador/vegetal, uma vez que além da estrutura da armadilha ser feita de

madeira, também são empregadas esteiras de fibra vegetal nesta arte de pesca.

Enquanto a estrutura da camboa é feita de madeira de árvores como o Buri, por

exemplo, para a captura do pescado são utilizadas esteiras fabricadas utilizando-

se talas de dendê (figura 28), trançadas com fibras de piaçaba, ambas abundantes

na localidade.

"Era boa viu, a camboa! Pra fazer a esteira é com palha de dendê ou então de pindoba."

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Figura 26 – Utensílios de origem vegetal empregados na pesca: A – Cesto, que possui

múltiplos usos; B – Esteira para secagem e defumação de camarão; C – Panacum ou caçuá,

utilizado para transportar pescado; D – Cofo de isca, utilizado para armazenar iscas durante a

pesca; E –balaio, que também possui múltiplos usos

A B

C D

E

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Figura 27 – Camboa de pau

Figura 28 – Talas de dendê em processo de secagem para confecção de esteiras para camboa

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Alguns fatores fizeram com que a pesca de camboa fosse ficando cada

vez mais rara na comunidade da Salamina. O primeiro deles está relacionado ao

desgaste físico proporcionado pela atividade, uma vez que esta modalidade de

pesca é realizada durante a noite. O segundo diz respeito ao custo de tempo e

esforço para manter as armadilhas em funcionamento, já que a imersão da

madeira na água causa danos à estrutura, que precisa constantemente ser

reformada para não cair.

Muitas camboas foram abandonadas porque com o passar do tempo,

os moradores locais foram adquirindo condições financeiras de possuir as redes

de nylon. Atualmente resta apenas uma dessas armadilhas na comunidade, e

como a norma ambiental vigente proíbe que novas estruturas dessa natureza

sejam erguidas, elas tendem a desaparecer. Portanto, apesar da conexão

pessoas/camboa ocorrer atualmente, ela pode ser classificada como evanescente.

"Camarão nós panha de camarãzeira. Panhava também de camboa, mas agora a camboa de pau a gente deixou, não pesca mais de camboa de pau, aí agora nós só pesca só de malha. Camboa de pau não é proibida não, agora porque é muito trabalho porque sempre tem que dá manutenção, tá tirando madeira pra restaurar, é muito trabalho. Aqui mesmo Cristóvão tem uma. Só tem uma nesse costeiro aqui agora. Lá no Tororó tinha meio mundo de camboa, mas não tem mais, você só vê as marca quando passa. Aqui só a de Cristóvão, e ele nem faz muito uso porque devido as condições que camarão parece que sumiu, parece que não entra mais dentro do riacho, quando o camarão entra é pra fazer a desova e é aqueles camarãozinho miudito. Então ele usa botar o candeeiro assim pra pegar uma isca pra pegar, aí pega dez, quinze camarão somente pra iscar. Antigamente essa camboa aqui meu pai pegava numa noite pegava uma mão de camarão, uma mão e meia. Uma mão de camarão é desesseis espeto. É mais de cinco quilo, é sete quilo e pouco de camarão que pegava numa noite."

"Ó o que eles inventa, tá vendo? A nossas camboa de pau, nós não pode levantar mais. Porque nós trocou por rede camarãzeira."

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Pode-se dizer que a substituição das camboas por redes camarãozeiras

constitui um processo semelhante àquele identificado por Marques (2005) entre os

brejeiros maritubanos em que ocorre uma mudança cultural na pesca em direção

ao que é industrializado. Esse processo dinâmico, tal como discutido pelo autor,

implica em desconexões de baixo custo energético (aquisição de material

autóctone para construção de armadilha) e reconexões de alto custo energético

(uso de material produzido industrialmente), o que torna o nativo dependente do

mercado externo também para aquisição de equipamentos de pesca.

Ocorre localmente ainda outra conexão-meio estabelecida com os

vegetais para a realização da pesca que envolve o uso de canoas e remos. De

acordo com Maldonado (2004), canoa é o nome genérico atribuído a uma

embarcação construída com o tronco de uma árvore. Na Salamina há

predominância das canoas de um pau (figura 29) só que são aquelas talhadas em

um tronco de árvores. Essas embarcações não são produzidas na comunidade,

mas adquiridas em outros centros. Apesar de haver atualmente a inserção das

canoas de fibra para uso comunitário na Salamina, a maior quantidade de

embarcações utilizadas para pesca são de fato as canoas de madeira. É possível

afirmar que a conexão entre essas embarcações e pecadores possui um grau de

conectividade forte, uma vez que representa grande importância cultural no

exercício da pesca.

Ainda que atualmente alguns produtos de origem vegetal possam ser

substituídos por outros de origem sintética, as plantas ainda podem ser

consideradas um elemento presente nas atividades ligadas à pesca na Salamina.

De acordo com Oliveira et al (2006), ainda que haja o emprego cada vez em

escala maior de produtos de origem sintética, muitas populações litorâneas ainda

tem nos vegetais uma importante fonte de suprimento de necessidades,

empregando esses recursos na produção de vestuário, adorno, implementos

agrícolas, caça e pesca, medicina popular e construção de casas. Tal importância

é bastante perceptível na Salamina, onde os recursos vegetais são fundamentais

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para a viabilização da sobrevivência da população local, seja como fonte de

alimento e matéria-prima para construção de moradia, seja enquanto estratégia de

obtenção de recursos pesqueiros.

Figura 29 – Canoa de uma pau só- principal tipo de embarcação utilizado para pesca na

comunidade da Salamina

Dessa forma, de maneira geral pode-se classificar a relação com o

vegetal para a pesca na Salamina como uma conexão de intensidade forte, uma

vez que define os traços culturais de muitos aspectos da atividade. Na maior parte

dos usos relatados, o vegetal funciona como um meio capaz de conectar ser

humano e recursos pesqueiros.

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Pessoa / Animal

Estratégia de captura

De acordo com Santos et al (2013), os camarões peneídeos são um

dos recursos pesqueiros mais rentáveis do mundo e o segundo mais importante

economicamente do nordeste do Brasil, perdendo apenas para a lagosta. Já no

litoral do sul e sudeste do país, segundo Robert et al (2007) o camarão constitui o

recurso pesqueiro mais explorado. No estado da Bahia, o Ministério do Meio

Ambiente (2008) com base em estatísticas pesqueiras, observou que os camarões

(branco, rosa e sete-barbas) representavam o grupo com maior volume de

pescado produzido. Os autores consideraram que esse resultado se deve à

grande quantidade de locais com fundo lodoso no litoral do estado, destacando-se

as baías de Todos-os-Santos e Camamu.

Ainda segundo o Ministério do Meio Ambiente (2008), a cidade de

Maragogipe se destaca no estado da Bahia no que se refere à produção pesqueira

de forma geral e também à pesca de camarão em particular. Na comunidade da

Salamina, o camarão é o recurso pesqueiro mais importante, embora outros

organismos marinhos também possuam relevância tanto para a renda quanto para

a subsistência da comunidade local.

De acordo com Acheson (1981), as ecozonas marinhas apresentam

grande diversidade de espécies e habitats que requerem uma gama de estratégias

para captura de vários recursos, o que leva pessoas de uma mesma cultura a

utilizar variadas técnicas de pesca. O mesmo pode ser afirmado para zonas

estuarinas, como a que provém o sustento de inúmeras comunidades como a

Salamina.

Diante da diversidade da fauna aquática (peixes, crustáceos e

moluscos) disponível no sistema ecológico, o nativo desenvolveu e/ou passou a

empregar uma série de técnicas que lhe possibilitaram usufruir de tais recursos.

Desse ponto de vista, mais uma vez é possível identificar o pescador da Salamina

como um multi-estrategista (TOLEDO et al, 2003), uma vez que, até mesmo os

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especialistas na pesca do camarão executa também outras modalidades de pesca

e mariscagem. Assim, também no que se refere às atividades pesqueiras, o nativo

ocupa um nicho que é dinamicamente plural, tal como foi constatado por Marques

(2001) com relação à conexão com os vegetais na pesca na Várzea da Marituba.

Apesar de se reconhecer a importância dos peixes e os mariscos em

geral para a sobrevivência da comunidade local, optou-se nesse estudo por

aprofundar os aspectos ligados à pesca de camarão. Esta escolha se deu

justamente por ser esta uma atividade localmente considerada como mais

relevante e que é desempenhada por um maior número de pessoas. Pode-se

dizer que, na localidade, essa atividade ao longo do tempo teve uma importância

crescente.

No tempo dos fazendeiros, somente era possível pescar nas ocasiões

em que pessoas de outras localidades utilizavam sítios de pesca próximos à

Salamina, e assim, os nativos ajudavam a puxar a rede e recebiam pescado como

forma de pagamento. Posteriormente, a camboa de pau foi empregada

localmente, ainda que sobre forte restrição do proprietário da fazenda.

Com a extinção espacializada das camboas, conforme discutido

anteriormente, a pesca de camarões passou a ser realizada quase completamente

através da rede camarãozeira que representou uma inovação tecnológica na

pesca local (Figuras 30 e 31). Essa arte de pesca foi um meme que se espalhou

rapidamente na Salamina e o seu emprego é relativamente recente na

comunidade.

"A camarãozeira aqui não é muito véia não. A camarãzeira quando eu alcancei assim idade de vinte ano, não tinha camarãozeira.” (pescador de 54 anos)

Os pescadores locais empregam três malhas distintas para a captura

do recurso: 0,20mm, 0,25mm e 0,30mm, sendo mais comuns o emprego das duas

últimas. A arte de pesca para captura dos camarões muda durante as duas

estações do ano localmente percebidas. No verão pesca-se com rede de malha de

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0,20 ou 0,25mm e no inverno, com malha 0,30mm. Essa mudança ocorre devido

ao tamanho dos organismos capturados nas diferentes estações. As malhas

maiores são empregadas nas pesca de inverno, época em que os camarões

apresentam tamanhos maiores de acordo com o meme local.

Diversos tipos de peixe são capturados durante a pesca de camarão e

estes são os itens mais comuns na alimentação da população local. A rede

camarãozeira também é útil para a captura de um peixe de relativo valor

econômico para a comunidade: a pescada. Quando obtida em grande quantidade,

a pescada é comercializada na cidade de Maragogipe. Até pouco tempo, quando

não havia energia elétrica, a maior parte do pescado era comercializada ainda

fresca (verde, na denominação local), devido à impossibilidade de armazenamento

do produto. Este fator gerava grande prejuízo na comercialização do pescado,

uma vez que a urgência da venda provocava uma desvalorização econômica do

produto. Atualmente, o pescado é armazenado em freezer, o que permite uma

venda posterior do produto.

Até a recente chegada da energia elétrica, a única alternativa à venda

apressada dos produtos pesqueiros era a defumação. Atualmente os pescadores

podem escolher realizar a defumação ou conservar o camarão congelado. O

processo de defumação do pescado envolve algumas etapas (figura 32), demanda

tempo e maior trabalho por parte dos extrativistas, embora agregue maior valor ao

produto. Dessa forma, os pescadores consideram esta uma estratégia de baixa

viabilidade porque implica em um processo trabalhoso, que não compensa devido

ao pequeno valor agregado.

Os camarões de maior tamanho são mais valorizados e vendidos em

espetos (“espetados”), agrupados em “mãos”, que equivalem a um conjunto de

dezesseis espetos. Aqueles que possuem menor tamanho são vendidos em

“litros”, medidos em latas com volume aproximado de um litro. Se os camarões

defumados possuem maior valor de mercado, o inverso acontece com os peixes,

que são muito desvalorizados quando vendidos “secos”, tanto que as pessoas

preferem utilizá-los e para o consumo familiar ao invés de comercializá-los.

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Figura 30 - Rede camarãozeira com detalhe do tamanho da malha

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Figura 171 – Pesca do Camarão com rede camarãozeira

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Figura 32 – Processo de defumação do camarão. A- Ferventação (pré-cozimento); B-

Separação dos tamanhos; C1-Camarões graúdos sendo arrumados em “espetos” e C2- Espetos

em cesta para defumação; D1- Camarões miúdos prontos para arrumação em cesta de

degumação e D2- Camarões miúdos em defumador.

Atualmente, os pescadores levam gelo para acondicionar o pescado

durante a atividade e posteriormente armazenam o produto em freezers nas

próprias residências. Sem dúvida a chegada da energia elétrica contribuiu

sobremaneira para a melhoria de vida da população local porque além de conferir

maior independência com relação ao mercado consumidor que é constituído

basicamente por atravessadores, representou também a possibilidade de

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armazenamento de outros alimentos, que anteriormente teriam que ser

consumidos prontamente.

A pesca de camarão possui um caráter sazonal, uma vez que só é

realizada durante as marés pequenas. Os entrevistados evitam pescar camarão

durante as marés grandes porque nessas ocasiões as redes se deslocam muito

mais rapidamente, não tem tempo para mariscar e correm maior risco de serem

danificadas. Além disso, em decorrência dos ventos e correntes mais fortes nesse

período, é necessário um esforço maior para deslocar a canoa a remo. Devido a

essa conjunção de fatores, o pescador é praticamente obrigado a desenvolver

outras atividades além da pesca de camarão. Do mesmo modo, a

imprevisibilidade da pesca também contribui para que alternativas de renda sejam

desenvolvidas quando o recurso está escasso mesmo em marés apropriadas.

A totalidade dos entrevistados percebe a diminuição na quantidade não

apenas dos camarões, mas também de todos os outros recursos pesqueiros

locais. O mesmo tem sido registrado por inúmeros autores em outras

comunidades pesqueiras ao redor do mundo. Por esses e outros motivos, é

recorrente que a literatura considere que haja uma crise mundial nos estoques

pesqueiros.

A dinâmica cultural da pesca é produto das interações entre pessoas e

ambiente e pode também significar uma resposta adaptativa às modificações do

mesmo. Diante do cenário de mudanças e incertezas ao qual está sujeito, o

pescador artesanal precisa criar mecanismos para lidar com a escassez dos

recursos pesqueiros. Desta forma, mudanças de estratégias de pesca, malha de

rede e até a ocupação de novos nichos surgem como possibilidades de viabilizar a

sobrevivência cultural e material dessas populações. Pode-se considerar que, na

comunidade estudada, esta estratégia está fortemente relacionada à combinação

de atividades produtivas que promovem uma complementaridade da subsistência

e renda.

É relevante mencionar que muitos nativos declaram ter na pesca, a sua

atividade mais importante e preferencialmente desenvolvida. Essa situação é

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análoga àquela registrada por Marques (2001) dentre os brejeiros maritubanos

que quando questionados sobre o processo de tomada de decisão a respeito da

atividade realizada preferencialmente, respondiam: “a gente escolhe pescar”. Na

Salamina, tal preferência se dá pelo maior retorno financeiro fornecido pela pesca,

mas também porque esta é uma atividade prazerosa para a maioria.

Ainda que haja outras estratégias locais de sobrevivência, a crise nos

estoques pesqueiros produz sérias consequências negativas para a comunidade

da Salamina. É preciso considerar que muitos dos ajustes de caráter

socioecológico que ocorreram em nível local frequentemente representaram

resposta a alterações no ambiente provocadas por agentes externos à

comunidade. A escassez dos recursos pesqueiros compromete não somente a

principal fonte de renda de grande parte das famílias que vive na localidade, como

também subtrai da mesma, a sua principal fonte proteica.

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Etnoconservação

O termo etnoconservação, largamente empregado em estudos de

natureza etnoecológica (e.g. MARQUES, 1991; 1995; 2001; DIEGUES, 2000;

SOUTO, 2004; MARTINS, 2008; COSTA, 2011) foi proposto inicialmente na

década de 1980 pelo antropólogo americano Pitt (1987) como um híbrido entre as

ciências humanas e naturais capaz de reconhecer o papel das culturas na

conservação do patrimônio natural. Fortemente influenciada pelo cenário político

externo como a Conferência de Estocolmo em 1972, Relatório Brundtland em

19872 e a Eco-92 (ALEXANDRE, 2002a; 2002b; PEREIRA e DIEGUES, 20010;

FÜRSTENAU-TOGASHI e SOUZA-HACON, 2012), a conservação da natureza

por populações tradicionais ganhou notoriedade no Brasil no meio acadêmico num

contexto de discussões polarizadas entre preservacionistas e conservacionistas

(DIEGUES, 2001).

Ainda no caso brasileiro, Marques (2001) foi pioneiro na utilização do

termo em seus estudos desenvolvidos com os brejeiros maritubanos e o trabalho

de Diegues (2000) foi mais um responsável pela divulgação do mesmo. O

etnoconservacionismo no Brasil historicamente teve uma ligação muito íntima com

os movimentos sociais, opondo-se tanto às ameaças aos territórios ocupados por

populações tradicionais como também à política de criação de unidades de

conservação de uso restrito (ALEXANDRE, 2002a; 2002b). Um dos resultados

obtidos, principalmente a partir da atuação política de seringueiros na Amazônia

foi a criação de Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento

Sustentável instituídas no Sistema Nacional De Unidades de Conservação

(SNUC). O etnoconservacionismo propõe oferecer não apenas uma conservação

ambiental mais eficaz, mas também capaz de representar melhoria nas condições

sociais e econômicas especialmente para as populações que dependem

diretamente dos benefícios da biodiversidade que ajudam a manter (DIEGUES,

2010).

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No contexto do presente estudo, verificou-se que a comunidade da

Salamina é reconhecida tanto entre os seus membros internos quanto nas

imediações da Baía do Iguape por possuir uma conduta preocupada com a

preservação dos recursos naturais que se encaixa no que Smith e Wishnie (2000)

denominaram de ética conservacionista. Em todas as entrevistas, os pescadores

afirmaram não utilizar artes de pesca consideradas mais prejudiciais ao

ecossistema estuarino como a pesca de redinha (rede de arrasto com malha muito

pequena) e pesca com explosivos. Os entrevistados reconhecem os danos

provocados pelo emprego dessas técnicas de captura e consideram esse, um dos

motivos para a diminuição local do pescado.

"Nós tem que pescar e preservar a pesca." "O problema que prejudica a pesca é a bomba e

a redinha. Eu sou uma pessoa que se eu pudesse, tirava a redinha de circulação.”

(Alguém pesca com bomba aqui na Salamina?) "Aqui na Salamina ninguém. Ninguém, ninguém! Só o pessoal lá da cidade. Aqui, ninguém!"

(Alguém pesca de redinha aqui?) "Aqui na comunidade não. Aí são arte de Maragogipe... A gente já tentou acabar com isso mas eles cai na tese de que é cultura, não sei o quê. Cultura e acabando com as espécie! Tem dia que você chega ali no terraço em Maragogipe, tem mei mundo de peixe podre ali, tudo quanto é espécie. É porque a malha dela é muito miúda, ela pega tudo."

Embora os pescadores da Salamina não empreguem esse tipo de

artefato de pesca, evidentemente, eles estão sujeitos ao impacto provocado pelas

mesmas. A utilização de explosivos no estuário é sem dúvida um dos

responsáveis pela diminuição dos estoques pesqueiros na localidade tendo sido

inclusive relatado por outros autores que desenvolveram estudos na localidade

(OLIVEIRA, 2001; PROST, 2007; SANTOS, 2008; ICMBio, 2009; OLIVEIRA,

2012). O efeito negativo da utilização das redinhas também é bastante perceptível

devido à baixíssima seletividade desse instrumento de pesca que captura

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indivíduos muito jovens de várias espécies de pescado. A problemática

envolvendo o uso de redinhas já havia sido detectada por Souto (2004) como uma

preocupação de todos os seus entrevistados da comunidade de Acupe, também

situada no Recôncavo Baiano.

Os pescadores locais também atribuem a diminuição na quantidade de

pescado ao aumento da população que utiliza o recurso. O aumento na demanda

pelo camarão inclui não apenas a Salamina, mas também as demais comunidades

que estão localizadas nas margens da Reserva Extrativista.

"Antes era melhor a pesca porque tinha pouca gente, não era todo mundo que tinha rede não...”

"Eu digo que não tinha essa força de rede que agora tem. Eu tenho, Vidal tem, Cristóvão tem... Aí que camarão que vai ficar? Tudo atrás de camarão com camarãozeira. Teve dia de eu contar vinte, trinta e poucas canoa (incluindo as de outros locais) aí no Ferreiro. Que camarão é que vai ter pra trinta canoa de rede? Aí naquele tempo era bem pouca gente, pouca gente vendia o camarão. Agora não. Eu tenho três peça de rede, Vidal tem cinco, outro tem seis aí bota aquelas peça, pronto. Tinha camarão mesmo aí. Era sete, oito quilo, dez quilo de camarão, tinha camarão mesmo aí. Agora você bota um lance, tem vez que pega três quilo, quatro quilo, cinco, seis, tem vez que tá baixa, bota a rede e não pega nada."

Vários outros autores (e.g. Nordi, 1992; Barros, 2001, Marques, 2001;

Souto, 2004, Martins et al, 2011) identificaram na fala de seus informantes o

aumento da população pesqueira como um dos motivos para a escassez do

pescado. No que se refere à pesca de camarão pode-se dizer que algumas

estratégias locais, com ou sem intencionalidade conservacionista, podem acabar

produzindo consequências sobre os estoques do recurso. O primeiro deles e de

mais fácil inferência, é o caráter sazonal da atividade pesqueira. O fato da pesca

só ser realizada em marés específicas provavelmente favorece a capacidade de

reposição dos estoques. A alternância de marés já havia sido considerada por

Souto (2004) como uma possível ação de consequências conservacionistas.

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Soma-se a este fator, a combinação de estratégias que viabiliza a

sobrevivência da população local. As múltiplas atividades produtivas empregadas

localmente que associam a captura de diversos recursos pesqueiros, agricultura e

extrativismo vegetal podem implicar em menor pressão sobre a população de

camarão. As combinação de atividades produtivas já havia sido tratada por

autores como Diegues (1983), Adams (2000) e Marques (2001).

De forma bastante pragmática, Smith & Wishnie (2000) consideraram

que pode-se esperara que haja conservação em sociedades de pequena escala

(caracterizadas essencialmente por possuir algumas centenas a poucos milhares

de habitantes e autonomia política) quando há prevenção ou mitigação de

depleção de recurso, de extirpação de espécies ou de degradação de habitat.

Tecendo uma breve análise a partir desse aporte teórico, considera-se que as

ações da comunidade que envolvem ou não ética conservacionista, podem

produzir efeitos positivos sobre os recursos pesqueiros. Entretanto é necessário

ponderar que outros inúmeros fatores externos incidem sobre a abundância local

do pescado e, sendo assim, as alternativas locais provavelmente não são

suficientes para prover a manutenção dos estoques.

Ainda que não se refira a uma iniciativa local, deve-se considerar com

ação pró-conservação dos estoques de camarões, os períodos de defeso criados

a partir de ação governamental com efeito sobre o recrutamento de indivíduos

jovens. Segundo Santos et al (2013) o defeso do camarão da cidade de Camaçari

(Bahia) até o norte do estado do Espírito Santo, ocorre no período de 1 de abril a

15 de maio e de 15 de setembro a 31 de outubro, sendo o primeiro período com o

objetivo de proteger o recrutamento principalmente do camarão sete-barbas

(Xiphopenaeus kroyeri) e o segundo em atendimento à solicitação de

pescadores do município de Ilhéus (Bahia) para proteger a espécie Farfapenaeus

subtilis.

Como parte da ética conservacionista, na Salamina os pescadores

afirmam obedecer ao período de defeso do camarão, passando a executar outras

atividades pesqueiras (notadamente a pesca de linha e utilização de redes

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tainheiras), agrícolas ou extrativismo vegetal quando estão impedidos de pescar

camarão.

"Nesse período que o pessoal fica sem pescar (defeso) recebe salário. Já faz outra atividade, fica fazendo outra atividade. Mas não é todo mundo que recebe salário. Esse pessoal que recebe salário são aquelas pessoas cadastradas na pescaria que tem carteira se pescador. São essas pessoas que recebe salário quando a pescaria fecha."

Não obstante as estratégias que podem favorecer a manutenção dos

estoques de camarão é unânime entre os entrevistados a opinião de que a

quantidade de recursos pesqueiro tem diminuído gradativamente com o passar do

tempo. Evidentemente, fatores como o aumento da população que sobrevive da

pesca na Baía do Iguape contribuem para a diminuição dos pescados. Entretanto,

considera-se que a maior fonte de impactos que afeta não apenas as populações

de camarões, como também dos demais recursos pesqueiros, provém de ações

exógenas.

A implantação e operação de grandes empreendimentos geradores de

impacto na região promovem sérias modificações no ambiente estuarino da Baía

do Iguape que contribuíram sobremaneira com a escassez cada vez mais aguda

do pescado. Os pescadores percebem esse fenômeno e atribuem à operação da

hidrelétrica e à irregularidade das vazões, a diminuição drástica na quantidade dos

recursos. A implantação do Estaleiro Enseada do Paraguaçu também é motivo de

preocupação dos pescadores locais.

“...aí agora a tendência aí é piorar, com esses estaleiro aí pra pescador, a tendência é piorar. Todo mundo já começa a gritar já. Desses cinco mês que você veio pra cá piora porque bota coisa que foi impecilho pra pescador. Disso aí (depois da barragem) nunca mais prestou e aí só faz piorar e não melhora. Só faz piorar isso aí. Mesmo que eles feche a pesca pra ver se quando abrir dá alguma coisa, o povo aí continua chorando. É verdade isso.

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“... chegar o ponto de você olhar pro mar e não vê nada. Vê tudo como passaram uma vassoura, o fogo. E eu nunca ouvi isso! Por essas empresa mesmo aí e vem chegando mais uma e essa parece que é pior, porque tá mais perto de nós."

A degradação ambiental percebida pelos entrevistados embora tenha

se intensificado de forma acentuada nos últimos anos, não está presente apenas

na Baía do Iguape. Toda a Baía de Todos-os-Santos está fortemente impactada

em decorrência de atividades industriais que contribuem crescentemente com a

escassez de pescado e com o consequente agravamento da situação de miséria e

insegurança alimentar à qual estão sujeitas inúmeras comunidades pesqueiras no

Recôncavo Baiano. Segundo SCHAEFFER-NOVELLI (1989) e DIEGUES (1995),

resíduos dos complexos industriais estão entre as principais causas de destruição

dos manguezais da BTS.

Em se tratando de um ambiente de alta complexidade, onde os

recursos pesqueiros encontram-se cada vez mais escassos e os ecossistemas

estão sujeitos a grandes impactos destacando-se aqueles de origem industrial, as

estratégias locais de conservação podem se tornar cada vez mais insuficientes

para a manutenção dos estoques.

Ao se discutir os procedimentos locais que possivelmente implicam em

conservação do recurso, pode-se constatar que o nativo se preocupa com futuro

diante do cenário de grandes modificações e escassez aguda dos recursos

pesqueiros.

"Nós que mora aqui vamo chamar por Deus. Pescaria eu não tô com muita fé mais... O fruto do mar que nós gosta e nós sobrevive dele... Nós nasceu aqui comeno peixe! Eu digo: peraí! Meu avô morreu com essa idade e não ficava preocupado com o que o neto ia comer, mas eu agora eu tô. Tô preocupado: o que é que meu neto vai comer? O que é que Mikeas vai comer? O que é que Fabrícia vai comer no futuro?"

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Considerando a dificuldade na obtenção do pescado e a necessidade

de viabilizar a sua sobrevivência, é possível que o pescador adote estratégias de

pesca cada vez mais insustentáveis do ponto de vista ambiental. Tal situação

tende a alimentar o que Marques (1993) denominou de ciclo de degradação

ambiental e pobreza, quando esses dois problemas tendem a se retroalimentar

numa relação de causa e efeito.

É premente avaliar, entretanto, em que medida os grandes impactos

provocados são responsáveis pela alimentação desse ciclo e o qual o papel da

prática desenvolvimentista do Estado na piora das condições ambientais da BTS e

consequente agravamento das más condições de vida e saúde das populações

tradicionais pesqueiras.

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Pessoa / Pessoa

O modo de vida na Salamina exige uma forte integração entre social

entre os membros da comunidade. Um dos fatores que provavelmente contribui

para isso é o relativo grau de isolamento em que se encontra a comunidade que

faz com que até atividades rotineiras, como por exemplo o deslocamento para a

cidade, dependam da articulação das pessoas.

Na comunidade, muitas tarefas como construção de casas e mais

esporadicamente o plantio de roças, são executadas em regime de mutirão,

denominadas localmente de digitório. No caso de construção de casas não há

pagamento pelo serviço, mas o dono da casa deve arcar com a alimentação das

pessoas que o ajudam. Já no caso das roças, os digitórios acontecem quando a

pessoa que pretende realizar o plantio (principalmente idosos) não tem condições

de fazê-lo. Nessas situações, uma parte da produção é destinada a quem ajudou

no plantio.

Na pesca, os vínculos cooperativos intracomunidade são importantes

tanto para a execução da atividade quanto para otimização da mesma. A pesca de

camarão é realizada em dupla e de uma forma geral o dono da embarcação e da

rede convida outra pessoa para participar da pescaria. Embora as duplas variem,

uma vez que os nativos realizam múltiplas atividades produtivas, a relação de

companheirismo já relatada por Silva et al (2007) na pesca na Vila do Sucuriju,

Amapá, também pôde ser observada na Salamina. Isso caracteriza a pesca local

muito mais com um caráter solidário do que solitário (MARQUES, 1995; 2001).

Apenas em raras ocasiões os pescadores realizam a atividade

sozinhos, quando não encontram outra pessoa com disponibilidade para pescar. O

convite normalmente leva em consideração as relações de vizinhança e

parentesco. Em uma abordagem ecológica clássica (e.g. RICKLEFS, 2012),

considera-se que os comportamentos que favorecem grupos sociais restritos,

como é o caso dos parentes, possuem consequências adaptativas. O autor afirma

ainda que os vínculos cooperativos nem sempre significam atitudes puramente

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altruístas, mas implicam em benefício direto tanto para o indivíduo quanto para o

seu grupo social. Admite-se, no entanto no presente estudo, que as relações

humanas estão inseridas num contexto muito mais complexo, incorporando outras

tantas variáveis difíceis de prever.

Na comunidade estudada os vínculos cooperativos estão relacionados

ainda ao compartilhamento das canoas, principais meios de transporte utilizados.

No ano de 2009, seis canoas de fibra motorizadas foram obtidas junto ao Governo

do Estado da Bahia através de um projeto elaborado pelo Conselho Pastoral dos

Pescadores e Movimento dos Pescadores do Estado da Bahia. Uma vez que as

embarcações são de uso comunitário, a administração das mesmas é feita de

modo coletivo, respeitando-se regras pré-estabelecidas pelos próprios

extrativistas.

As canoas foram divididas entre os vilarejos (2 para o Tororó, 1 para o

Ferreiro, 1 para o Dunda, 1 para a Olaria, 1 para o Forte da Salamina). Para cada

canoa formou-se um grupo de 4 a 6 pessoas que são responsáveis pela gestão da

embarcação. Foi decidido coletivamente que as canoas seriam utilizadas

prioritariamente para a realização de atividades pesqueiras e secundariamente

para transporte de pessoas.

"Tem gente que não é do grupo, mas é da comunidade, a canoa tem que servir a ele. Porque não precisa ele dizer... O grupo é pra organizar as coisa, mas se a pessoa não for do grupo não tem nada a ver não. É um óleo que falta, um óleo de carter, uma manutenção, um negócio, se não tiver o grupo? A canoa é pra servir todo mundo."

Uma das manifestações mais claras dos vínculos cooperativos

intracomunitários ocorre no compartilhamento de informações a respeito da

abundância dos recursos. Os pescadores avisam uns aos outros quando

encontram grande quantidade de camarão. É importante mencionar que

informações dessa natureza são compartilhadas apenas na própria comunidade,

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excluindo os demais pescadores da região que são considerados pelos nativos

como o pessoal de Maragogipe, analogamente ao que foi identificado por Marques

(2001) na Várzea da Marituba.

Nota-se, portanto que enquanto se estabelece uma relação de

cooperação intracomunitária, também ocorre a competição com os pescadores de

outras comunidades, notadamente os da cidade de Maragogipe diante dos quais a

abundância de recursos é mantida em segredo.

“Porque tem gente que avisa: 'O camarão tá cá'. Porque é companheiro, porque não quer comer sozinho."

Assim como identificado por Dias-Neto (2010), também na Salamina o

segredo pode ser mantido de forma passiva por omissão ou de forma ativa, pela

dissimulação ou mentira. Muitos nativos afirmam que, embora adotem a estratégia

de não revelar locais de abundância do recurso, principalmente a pescadores

externos à comunidade, é muito difícil que os demais colegas não percebam a

concentração de pescado em determinados locais. Segundo os entrevistados,

durante a atividade, eles se observam constantemente e o pescador que puxa a

rede e permanece muito tempo de cabeça baixa, retirando o pescado da rede,

está no local onde o recurso é abundante.

"Quando ver um de cabeça baixa a gente já sabe que tá panhando, a gente já fica de olho. A gente já sabe as imediação do lance dele...”

"Ah mas pescador não deixa de dizer nada não. Se você pegar cinco quilo de camarão hoje, Maragogipe toda sabe. Todo mundo sabe.”

A tentativa de manutenção do segredo na pesca foi tratada por Souto

(2004) como uma expressão da territorialidade que visa subtrair usuários do

acesso aos recursos. O resultado encontrado na Salamina é semelhante ao

encontrado por Futemma e Seixas (2008) entre pescadores da Baía de

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Ubatumirim (litoral norte de São Paulo), dentre os quais provavelmente existe

segredo, embora este não implique de fato em restrição de acesso aos locais.

Não foi identificada a territorialidade expressa em “locais possuídos”, tal

como identificado por Marques (2001) com exceção da única camboa de pau que

ainda existe na Salamina, que possui um dono. Entretanto, constatou-se que a

territorialidade na pesca se manifesta também na disposição dos petrechos de

pesca. Os pescadores devem manter uma distância mínima entre as redes para

evitar prejudicar a atividade do colega e consequentemente evitar conflitos. De

acordo com a regra local, o pescador que lançou a sua rede primeiro tem

prioridade no lance e se outra rede for lançada sem uma distância mínima,

impedirá que a primeira capture o pescado. Quando isso ocorre, os entrevistados

dizem que deu ferro.

(Pode colocar a rede perto da outra?) "Pode. (Dá confusão?) Não. Às vez dá confusão mas a confusão não é muita não. Aqui a gente leva até na brincadeira. Mas eu não gosto dessas brincadeira comigo não. Eu gosto de respeitar o seu momento e você respeitar o meu. Eu cheguei aqui na posição do lance, se Juraci chegar aqui, ele me espera. Se ele chegar primeiro eu tenho que esperar ele botar a rede dele pra a rede descer pra eu botar a minha. Porque aqui tem regra."

(pode colocar rede perto do outro?) "Tem gente que procura confusão. Os povo fala que deu ferro. Eu tô colocando uma rede aqui você vai botar na minha frente os povo fala: 'deu ferro'. Tipo, ele passa na minha frente, tá de olho grosso quer ganhar mais do que eu, aí a minha rede já não marisca. A dele vai mariscar. Aí tem gente que sempre dá problema, não gosta. Fica falando, né? Bate-boca. "

O acontecimento pode provocar conflito e gerar discussões, mas de

acordo com entrevistados, não chega a provocar briga. Esse conflito em geral

envolve pescadores de outras localidades, existindo uma tolerância maior quando

o problema ocorre com alguém da própria comunidade.

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(Dá problema colocar uma rede perto da outra?) "Dá problema. Quer dizer, quando é do mesmo território, aí não. Porque a gente acha que não deve dizer nada, mas se vim de outros lugares, da problema. Dá confusão, mas não de briga, sabe?"

No que se refere às relações de gênero, observou-se que a pesca é

uma atividade masculina, ainda que poucas mulheres atuem eventualmente nesse

setor. Quando inseridas na pesca propriamente dita, elas ocupam uma condição

hierárquica inferior à dos homens, atuando como ajudantes.

De acordo com Oliveira (1993) em estudos sobre o papel feminino da

pesca em Maragogipe, coube à mulher o desempenho de diversas tarefas em

terra que não implicam no afastamento prolongado da própria residência. Assim, a

autora reitera o papel feminino na coleta de moluscos e crustáceos e ainda o

desempenho das atividades domésticas. Esta realidade ainda hoje se aplica à

maior parte das mulheres da Salamina. Cotidianamente, elas são responsáveis

tanto por garantir o cuidado com a casa e filhos durante a ausência do marido,

quanto por manipular o pescado para prepará-lo para a venda, caso seja

necessário. Ao contrário do que ocorre na pesca, as mulheres predominam no

exercício da mariscagem que ocorre quase exclusivamente para a subsistência.

O pescado capturado é vendido a atravessadores ou diretamente a

restaurantes da cidade de Maragogipe. Tal como discutido anteriormente, a

chegada da energia elétrica na comunidade melhorou as condições de

comercialização dos produtos, por tornar possível o armazenamento do pescado.

"Nós vende aqui a atravessador. Se tiver muito, a gente vende ao cara pra revender ou a gente vende no bar. Mas o bar não pode comprar todas as pesca, né? Agora eles compra, pessoal que tem restaurante, é até melhor que eles compra mais caro. Mas só que eles também não vai comprar direto pra armazenar porque o movimento aqui também é pouco em Maragogipe, né?"

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O preço pago por quilo de camarão varia entre sete e quinze reais. O

produto atinge o preço mais alto no período do verão, quando a procura aumenta

ou em ocasiões em que o recurso está escasso.

"Agora porque teve essa falta de camarão agora, porque toda vez que fecha a pesca, o camarão some. Não sei qual é o caso. E agora ele tá começando aparecer, tá caro. Quinze reais. Quando tá barato tá de oito, tá de sete, tá de dez."

A intermediação da venda pelos atravessadores é um fator que

prejudica os pescadores, uma vez que o lucro obtido é menor. De acordo com

Souto (2004) a intermediação da comercialização do pescado é fato bastante

comum em inúmeras comunidades de pescadores ao longo da costa brasileira.

Esse processo gera lucro progressivamente maior a cada nível hierárquico da

cadeia de comercialização (SOUTO, op.cit.) e provoca a desvalorização do

trabalho dos pescadores artesanais.

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Pessoa / Sobrenatural

A influência do componente sobrenatural sobre as atividades

pesqueiras é pouco abordada na literatura. Dentre os escassos estudos que

tratam da conexão com o sobrenatural, detacando-se Marques (1995; 2001),

Souto (2004), Martins (2008) e Costa (2011) todos tecendo análises a partir da

etnoecologia abrangente.

Segundo Posey (1986), os seres sobrenaturais podem ter importância

ecológica quando são capazes de influenciar estratégias de uso dos recursos

naturais, atuando na conservação. Autores como Anderson (1996), Berkes (1999)

e Marques (2005) também abordaram a importância das criaturas sobrenaturais

com função reguladora nos ecossistemas.

Particularmente no que tange aos ecossistemas marinhos, Diegues

(1999) aponta que os mitos e ritos com relação ao mar e seus componentes

bióticos se desenvolveram mais no oriente do que no ocidente. Sousa (2006) por

sua vez, considera que existem inúmeros mitos nacionais relacionados ao

imaginário das águas e afirma que os variantes do mesmo são resultantes do

processo de hibridização cultural entre os povos que formaram a cultura brasileira.

Segundo Diegues (op. cit.) os mitos estão desaparecendo nas sociedades

ocidentais do ponto de vista coletivo embora ainda persistam individualmente.

Na Bahia de forma geral, é grande a influência de religiões de matrizes

africanas enquanto no Recôncavo, em particular, essa presença pode ser

considerada é ainda maior. A complexa visão cosmológica dessas religiões

comumente bastante relacionadas com o mundo natural, apresenta elementos

associados às águas e ao universo da pesca.

Na Salamina, entretanto, com a larga disseminação da religião

evangélica não foi registrada nenhuma manifestação religiosa de origem afro.

Assume-se esse não registro nesse estudo como uma “ausência de evidência” e

não como uma “evidência de ausência” (Marques, 2001) dessas crenças e

práticas religiosas na comunidade. Tal cautela se dá por se considerar que parte

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dos praticantes poderia omitir essa informação em virtude da discriminação sofrida

pelos mesmos principalmente por parte da comunidade evangélica.

Do ponto de vista da conexão com o sobrenatural, uma das

consequências da introdução da religião evangélica é a possível desconexão com

seres sobrenaturais como Iemanjá, considerada guardiã ou protetora do mar por

inúmeras comunidades pesqueiras.

Para os nativos, Deus é o responsável por fornecer os recursos

pesqueiros, e é a Ele que os entrevistados recorrem quando a situação de

escassez de pescado se acentua. Os pescadores consideram ainda a sorte como

um elemento indispensável para o sucesso na pesca. Segundo Diegues (1999),

alguns trabalhos em antropologia simbólica abordam a sorte como elemento em

torno do qual giram os vários aspectos da vida dos pescadores. Isso se dá devido

às incertezas e vulnerabilidade diante dos fatores climáticos e de mercado

(Diegues, op. cit.) como condições flutuantes que se inserem no contexto de

imprevisibilidade da pesca.

Não foi identificado, portanto, entre pescadores locais nenhum ser

sobrenatural que pudesse de alguma maneira atuar na regulação e conservação

dos recursos pesqueiros. Considerando aspectos da cultura e os processos

históricos vivenciados no Recôncavo baiano, é possível que conexões com o

sobrenatural tenham sido desfeitas principalmente depois da inserção da religião

evangélica na comunidade.

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Etnoecologia Abrangente do Extrativismo de Piaçava

Bases Cognitivas

Aspectos biológicos e ecológicos

Os nativos nomeiam a planta de pindoba ou pindobeira e as fibras

recebem o nome de piaçava. O extrativismo comercial da piaçava na comunidade

da Salamina muito provavelmente envolve uma a explotação de uma única

espécie botânica: Attalea funifera. Apesar de não ter sido realizada coleta e

identificação do material botânico, a literatura consultada (e.g. GUIMARÃES e

SILVA, 2012) cita apenas essa espécie de importância comercial com ocorrência

registrada para a área de estudo. Da mesma maneira, os entrevistados

reconhecem apenas um tipo ou marca de pindoba explotada comercialmente: "Só

tem um tipo, é um tipo só, uma marca só".

Não obstante, os extrativistas afirmam que existe outra palmeira

parecida com a pindoba na região, mas que não apresenta potencial econômico: a

palmeira andaiá ou indaiá. Não é possível afirmar, entretanto, a que espécie

botânica corresponde essa palmeira. Sabe-se que Ribeiro et al (2009) atribuem a

esse nome vulgar à espécie Attalea oleifera enquanto Silva e Fish (2012) tratam-

na como Attalea dubia. Os nativos utilizavam as folhas dessa palmeira para

cobertura das casas de taipa.

"Tem o andaiá, que parece a pindobeira, mas que não é a pindobeira. Tem o andaiá que os quilombola quando pra facilitar o acesso de cobrir casa. O andaiá você lasca e não precisa tá alisano pra cobrir casa e a pindobeira você tem que tá ajeitano. Agora sai bonitinho o da pindobeira tombém. Cobrir sai bonitinho."

Os nativos atribuem dois nomes para A. funifera de acordo com fases

ontogenéticas. Quando se apresentam acaule são denominadas localmente de

pindobas, que conforme dito anteriormente é o nome utilizado de forma geral para

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designar o vegetal. Quando são caulescentes, são denominadas coqueiros e

exigem maior esforço do extrativista na coleta das fibras. Segundo os

entrevistados, as pindobas são mais abundantes do que os coqueiros.

Não há cultivo de pindoba na Salamina, de forma que toda a produção

provém dos vegetais da mata local. A dispersão das sementes foi relatada de

forma detalhada por todos os entrevistados:

"... os bichinho é que espalha o coco. As cutia faz assim: tem um cacho aqui de coco caindo, os coco vai soltando, os coco de piaçaba. As cutia vai comendo. Elas não é boba! Elas vai pegano que ela tem um dente que eu não sei como é que serve um bicho daquele... Ela chega em cada lugar esconde pra vim comer depois, aí joga outro lá pra comer depois, aí vai espalhando o mato. É isso que elas faz. Aí esquece de comer esses aqui, aí vai nasceno os mato. Por isso que espalha o mato que os fazendeiro dizia que era dele. Dele coisa nenhuma que ele não plantou nada! Aí disso que vai espalhano o mato que as cotia vai guardano escondido embaixo da terra. Ela cava. Aí quando o cacho é grande, que ela não vence comer tudo, esquece de tirar dali, ela nasce ali debaixo, aí vai nasceno, espalhano no quilombo todo que hoje em dia o quilombo tá quase tomado de piaçaba. De piaçaba não! De pé (pindoba), né? Que piaçaba não tem mais esse tanto todo."

A literatura consultada corrobora a fala dos entrevistados. Voeks e

Vinha (1988) citaram o papel de roedores na dispersão de piaçava e Andreazzi

(2009) destacou as pacas (Cuniculus paca) e cotias (Dasyprocta leporina)

como principais dispersores de sementes de A. funifera. Somente um dos

entrevistados se referiu à paca como dispersora da pindoba. Informações a

respeito do comportamento das cotias de enterrar o alimento com finalidade de

estocagem por sua vez, foram comprovadas através dos estudos etológicos

desenvolvidos por Kaiser et al. (2011).

Os extrativistas afirmam que um besouro denominado localmente de

caruncha é uma praga que atinge as pindobeiras. Segundo as informações êmicas

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a infestação não é frequente e só ocorre quando a planta é maltratada pelo

extrativista:

"(Dá alguma praga na pindobeira?) Dá. Caruncha. Se você castigar muito a pindoba que tem que trazer a qualquer custo, se você prejudicar muito, descobrir aquele amarelo dela é capaz de dar uma caruncha e matar ela. É capaz. É um besouro. Não dá muito, entendeu, menina, mas acontece."

De acordo com Guimarães e Silva (2012), uma ampla fauna

entomológica está associada às palmeiras nativas do Brasil, incluindo Hemípteros,

Lepidópteros e Coleópteros. Os mesmos autores reiteram que poucas espécies

desses grupos se constituem realmente em pragas para A. funifera, a maioria

simplesmente vive associada às palmeiras. Entretanto, o coleóptero

Rhynostomus palmarum é citado na literatura (MOURA et al, 2006;

GUIMARÃES e SILVA, 2012) como a principal praga de palmeiras do gênero

Attalea. Embora não se possa confirmar a espécie científica à qual corresponde a

caruncha, o fato de se tratar de um besouro (coleóptero) fornece indícios de

correspondência entre os conhecimentos êmico e ético. Tal como relatado por

informantes locais, Guimarães e Silva (op.cit.) afirmam que os estragos de certa

importância provocados por artrópodes nestes vegetais são raros.

Os extrativistas apresentam conhecimento também acerca da

abundância e fenologia da pindoba. Segundo eles, a produção de fibras de

piaçava está associada a fatores climáticos, uma vez que consideram que a

pindoba produz mais quando o clima está mais ameno. Todos os entrevistados

percebem que as fibras de piaçava são mais abundantes no período do inverno. É

importante ressaltar que essa observação não se refere à abundância do vegetal e

sim da fibra por ele produzida.

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"Tem. No inverno. Sempre assim no inverno dá mais. Eu penso e vejo que é porque a terra é mais fresca, aí dá mais. No verão é até mais difícil ter água."

A respeito da fenologia da piaçava, os dados da literatura consultada

tratam apenas do período de floração e produção de frutos. Não foram

encontradas na literatura botânica, informações que associem a maior produção

de fibras a qualquer fator sazonal. Sabe-se, entretanto que a alta umidade,

combinada com altos índices de precipitação atmosférica contribuem para o bom

desenvolvimento e maior produção de fibras de A. funifera (e.g. VOEKS, 1988).

Interpretando os dados disponíveis a respeito do clima da região dos tabuleiros

costeiros do Recôncavo Baiano, percebe-se que este se caracteriza, dentre outros

fatores, pela elevada umidade do ar durante todo o ano e, embora não apresente

uma estação chuvosa bem definida, está sujeito a uma deficiência hídrica entre os

meses de setembro e março (D’ANGIOLLELA et al. 2011).

Considerando as informações a respeito do clima e das condições

favoráveis ao aumento da quantidade de fibras da espécie, infere-se que escassez

hídrica no verão pode justificar a diminuição da produção de fibras nesse período

e, portanto corroborar a constatação dos extrativistas. A relação entre umidade e

maior quantidade de piaçava pode explicar também o fato dos nativos

considerarem que pindobas que ocupam solos mais úmidos, inclusive áreas um

pouco alagadas, produzem fibras mais rapidamente e em maior quantidade do

que aquelas que se encontram em locais mais secos.

"Tem lugar que dá mais piaçaba, tem lugar que dá menos. Lugar mais fresco dá piaçaba mais ligeiro, lugar mais seco piaçaba dá mais fraco.”

“... a piaçaba do brejo, daqueles córrego que a gente desce, piaçaba ali só dá boa."

De modo geral, tal como em outros estudos etnobotânicos, pode-se

afirmar que os nativos conhecem muitos aspectos da biologia e ecologia da

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piaçava. Tal conhecimento é importante para embasar a prática extrativista

principalmente do ponto de vista da localização dos recursos.

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Interpretação da paisagem

(Onde pega piaçava?) "Aí na mata. No mato todo aí. Onde pertencer à Fazenda Salamina, tudo quanto é lugar aí".

Compreende-se o remanescente de Mata Atlântica que existe na

Salamina como uma unidade de paisagem (POSEY, 1987) ou ecótopo folk, na

abordagem da etnoecologia da paisagem (HUNN, 2006). Diversas localidades

compõe a comunidade da Salamina. Aquelas que são habitadas se encaixam na

definição de bairros rurais que, de acordo com Queiroz (1973) são:

“... aqueles onde os membros desenvolvem entre si relações de trabalho expressas na ajuda mútua e conservam relações de vizinhança que se concretizam na participação, em nível social igualitário, das atividades cotidianas e festivas do grupo da localidade”.

A percepção da paisagem por extrativistas locais, entretanto, vai além

da nomeação das áreas ocupadas por moradias. Os extrativistas também

nomeiam os pedaços de floresta, chamados localmente de pontas de mato, que

estão espalhadas por todo o território do quilombo e que são importantes sítios de

coleta de piaçava. Nesses fragmentos de unidades de paisagem não existem

moradores. Alguns deles foram habitados em tempos pretéritos, como é o caso do

Putumuju.

Localmente os extrativistas os denominam como bairros ou pontas de

mato. Essas localidades em geral apresentam uma concentração populacional do

recurso, denominados pelos extrativistas de pindobal ou simplesmente mato. Essa

última palavra tanto pode significar um sinônimo da primeira, quanto pode

designar a mata como um todo.

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(As pontas de mato tem nome?) “Tem... Tem os bairro, os nome do bairro. Aí tem Vaca Morta, tem Mucugê, tem Pucino, Lage da Estrela, Mucumbe Grande, Canta Galo. Só bairro de mato, não mora ninguém. Giral da Onça, Cova da Mulé, Ilha de Percília, Água Azul de cima, Água Azul de Baixo, Campo do Vigário, Arrasto do meio..."

Os nomes das pontas de mato muitas vezes são topônimos que em

uma primeira interpretação, podem ser entendidos como sugestivos de posse.

Entretanto, os próprios extrativistas afirmam que locais com nomes de pessoas

fazem referência, em geral, a algum morador, atual ou antigo que habitava as

proximidades, mas que é de acesso comum e não constitui uma expressão de

territorialidade como a que Marques (2001) denominou de “pedaços possuídos”.

"Os local, os mato, tem vários nome. Poço de Bajara, Rio de Tereza, Ladeira alta, Arrasta do Dendezeiro, Rio do Cavalo, Mucumbe Grande, Pucino, Caminho do cajueiro, Cajueiro do Nico, Lage da Estrela, Queimada, aqui pro lado de Egídio: Ferreiro, Bica, tudo é piaçaba. Rodage, Rasto de João. Quer dizer esses que dá nome de uma pessoa é uma rasto que você passava que ficava mais próximo assim das casa, não sabe? Tem aqui a Lage de Bié, Caibro de Bié, quer dizer que foi o lugar que ele tirou os caibro, sabe? Mas é nomes antigo, não é que botaram agora não."

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Bases Conexivas

Pessoa / Mineral

O extrativismo da piaçava apresenta uma conexão fortíssima com o

mineral uma vez que envolve necessariamente o uso de facão. Estabelece-se,

portanto com o mineral uma conexão meio de suma importância para a coleta de

piaçava. Tal conexão pode ser considerada forte, porque uma vez sendo

modificada, poderia acarretar em grande mudança da atividade.

Em tempos pretéritos, utilizava-se foice como na retirada de fibras da

piaçava. Aparentemente ninguém utiliza mais esse instrumento no extrativismo

vegetal localmente. Neste caso observa-se que houve uma inovação tecnológica,

entretanto, ela não implicou em sérias modificações no exercício da atividade. Isso

se deve provavelmente à similaridade entre os dois instrumentos.

"Piaçaba pega com facão ou com foice. Antigamente nós trabalhava de foice. Depois a gente começou a trabalhar com facão. Hoje o facão deu certo começou todo mundo trabalhar de facão"

Ainda que haja uma grande diversidade de interações com o mineral no

extrativismo de piaçava, tal conexão através do uso de facão, possui um grau de

conectividade forte, devido à sua importância no exercício da atividade.

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Pessoa / Vegetal

O continente sul-americano é um dos locais com maior riqueza e

diversidade de espécie de palmeiras principalmente pelas condições climáticas

que possui (PINTAUD et al, 2008). O Brasil é um dos países que possui a maior

riqueza de palmeiras nativas, muitas delas com importância econômica como a

piaçava, a carnaúba, açaí, babaçu, buriti, tucumã, tucum, macaúba, etc.

(GUIMARÃES e SILVA, 2012).

Na América do Sul, o gênero Attalea, considerado de distribuição

neotropical apresenta 56 espécies registradas (PINTAUD et al, op.cit). De acordo

com Guimarães e Silva (2012), existem no mundo 10 espécies de palmeiras

produtoras de fibras conhecidas comercialmente como piaçava. No Brasil,

espécies de diferentes gêneros recebem essa denominação popular. De acordo

com Ferreira (2005), pelo menos três espécies nativas são utilizadas para a

fabricação de vassouras: Aphandra Natalia (piaçava do Acre), Leopoldina

piassaba (piaçava do Amazonas) e Attalea funifera (piaçava da Bahia).

Guimarães e Silva (op. cit.) acrescentam a essas, outras duas espécies de

piaçava de uso comercial: Leopoldina major e Barcella odora. Embora existam

outras espécies produtores de fibras, existe uma preferência mercadológica pela

fibra da piaçava da Bahia. Esse produto é mais valorizado no mercado por ser

considerado de melhor qualidade.

A importância comercial do extrativismo de Piaçava no Brasil foi tratada

por Pedrão (2001) que compilou dados históricos e constatou que as fibras, dentre

elas a piaçava, eram o segundo produto vegetal mais exportado pelo Brasil nos

períodos de 1850-1860 perdendo apenas para o Pau-Brasil. Em uma análise

muito mais recente, Almeida et al (2009) concluíram que a piaçava é um produto

cujo mercado está em ascensão, uma vez que no período de 1982 a 2005 houve

um aumento na demanda pelo mesmo.

A origem histórica do uso da piaçava remete à herança cultural

atribuída aos índios tupinambás, que utilizavam o trançado para fabricar objetos

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(BARRETO, 2009). Registros do período colonial atestam o uso das fibras por

navegadores para fabricação de cordas utilizadas como amarras de navios

(VINHA e SILVA, 1998). Até meados do século XVI, a piaçava estava juntamente

com a cana-de-açúcar, dentre os principais produtos comercializados em

Maragogipe (INCRA, 2006). Um documento histórico datado de 1717, relativo à

criação da vila de Maragogipe, já dava notícia do extrativismo da piaçava na

região da Salamina (Ferreiro e Tororó) para a fabricação de esteiras e tapetes

(ICMBIO, 2009).

A piaçava é uma importante fonte de renda para muitas comunidades

quilombolas tanto da Baía do Iguape quando em outras regiões da Bahia, a

exemplo do Baixo Sul (LESSA, 2007). Na Salamina esse é o recurso reconhecido

como mais importante economicamente e isso se deve provavelmente ao fato de

ser extraído por praticamente toda a população local. Enquanto a pesca depende

de instrumentos específicos para sua realização (canoa e rede) e é uma atividade

cuja rentabilidade é imprevisível, a coleta de piaçava envolve instrumento simples

(facão) e oferece um retorno mais seguro ao extrativista.

“...é de onde você tira o seu sustento mais fácil é na piaçaba porque a piaçaba você vai hoje, ou pouco ou muito você traz e a maré hoje você tem dia que você vai e traz nada e a piaçaba você traz, pode ser uma mãozinha mas traz. Dez conto, quinze conto, uma piaçavinha. A maré tem dia que você não arranja nada. Antigamente nêgo arranjava aí oitenta conto, cem conto na pescaria, até mais, mas hoje não faz."

Tanto na literatura quanto no senso comum de modo geral, piaçava ou

piaçaba é o nome vulgar empregado para se fazer referência tanto ao vegetal

como um todo quanto às fibras dele retiradas. Na Salamina, embora o vegetal

também possa ser denominado piaçaba, é mais comum na terminologia nativa o

emprego dos termos pindoba ou pindobeira para designar a planta. Provavelmente

a espécie explotada na Salamina é a Attalea funifera Martius (figura 33), de

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acordo com Vinha e Silva (1998), nativa e endêmica do litoral baiano. Outras

palmeiras apresentam potencial para aproveitamento de suas fibras, entretanto

segundo Ferreira (2005) existe uma “hegemonia mercadológica” das fibras A.

funifera em decorrência da alta qualidade das mesmas.

As pindobas podem ser encontradas inclusive nas matas cortadas por

trilhas que dão acesso às casas, no entanto, estão presentes em número maior

nas pontas de mato mais afastadas. O trajeto entre a residência do extrativista e

os locais de coleta pode ser longo, sendo percorrido em até uma hora e meia. É

necessário o uso de animais, como jegues, para transportar a produção no longo

percurso de volta.

Figura 33 – Pindobeira (em primeiro plano)

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Os extrativistas passam cerca de 8 horas nas matas coletando as

fibras. Esse tempo depende da distância do local de coleta com relação à casa do

extrativista e da situação de disponibilidade de recursos do local explotado. A

atividade envolve risco principalmente de acidentes com cobras.

"Se pega, rapaz, piaçaba a gente vai pra mata, arriscado a tudo, a um corte... Arriscado uma cobra, um negócio, coisa cansativa. Só anda carregado. Se vai pro mato tem que trazer nas costa. Se vai botar pro porto na canoa, é nas costa. E pra tirar? E o risco? Um pé de coqueiro pra a pessoa subir. Às vez a pessoa faz andaime pra tirar. Tudo isso acontece no mato. A gente pega madeira e faz andaime, outros pega, aqueles que é mais forte, sobe de joelho. Pra subir pra chegar na talha lá em cima.

"Eu mesmo tem vez que eu chego três hora da tarde. Eu saio sete da manhã. Mas não é direto, entendeu, vai rateando ás vez. Tem dia que é mais cedo, tem dia que é mais tarde. Não é direto todo dia no mesmo horário não, tem dia que o corpo pede, a gente vem mais cedo, dia que tem mais disposição, volta mais tarde, aí pronto, é assim."

A coleta da fibra da pindobeira é realizada manualmente e não implica

no corte das folhas, mantendo a planta viva. Os entrevistados afirmam que se a

fibra for retirada com cuidado, a pindoba produzirá novas fibras que estarão

prontas para o corte em cerca de cinco meses.

(Quanto tempo leva pra tirar de novo no mesmo

lugar?) “Quatro, cinco meses se souber tirar. Quatro cinco meses já tem uma capinha verde, se o camarada souber tirar. Porque se ele for lá tirar aquela piaçaba que tá madura e ainda tirar aquela capinha nova que vem saindo, com quatro, cinco meses ele vai achar um toquinho verde, que é o toco daquela capa que ele cortou. Agora se ele deixar aquela capa, por debaixo daquela capa já vem outra porque no caso ele pode achar o toco do que ele tirou antes, pode tirar aquela capa nova da qual ele deixou e a outra que vem por dentro. Ele já não vai ficar no zero. Agora se for desses tirador que acaba com a pindoba..."

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O extrativismo da piaçava envolve outro processo além da retirada das

fibras: a catação. Enquanto a coleta é realizada em geral pelo homem, o processo

de catação, que consiste na separação das fibras, é realizado na maior parte da

vezes, em nível familiar com o envolvimento de mulheres e filhos (figura 34). Em

caso de coleta de grande quantidade de fibras, outras pessoas da própria

comunidade são pagas para ajudar na realização do trabalho.

Figura 34 – Extrativistas realizando o processo de separação das fibras de piaçava (catação)

"Eu posso catar, mas se eu tenho quantidade de piaçaba eu pago as menina pra catar. Elas ganha um dinheirinhozinho. As menina daí mesmo é boa nisso!"

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No processo de catação, separa-se três componentes da fibra

denominados localmente de: caroço, parte mais valorizada que serve para a

fabricação de vassouras; casca ou lã, utilizada na cobertura de casas e quiosques;

e vidro, subproduto que pode ser utilizado como entulho (figura 35). Das três

partes, apenas o vidro não apresenta valor comercial. A casca passou a ser

comercializada recentemente e é vendida pelo valor de 10 reais por arroba.

(Tem vidro, caroço, capa... Tudo isso vende?) Não. Essa aqui que se chama a casca. Se não quiser chamar a casca, pode chamar lã. Aqui vende barato. Aí depois a gente vem e tira esses vidro. Esses vidro aqui a gente joga fora. A lã é menos da metade do preço do caroço, vende pra fazer quiosque, essas coisa. E isso aqui que chama a piaçba limpa, que é o caroço."

Figura 35 – Partes da fibra de piaçava com as respectivas denominações êmicas

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Etnoconservação

A totalidade dos entrevistados considera que está havendo diminuição

gradativa da piaçava. Aparentemente, isso não significa redução no número de

pindobeiras, mas em quantidade de fibra encontrada, atribuída principalmente ao

aumento no número de extrativistas praticando essa atividade. Pode-se afirmar

também que os impactos sobre os recursos pesqueiros, muitos deles relacionados

à operação de empreendimentos de grande impacto como a Usina Hidrelétrica

Pedra do Cavalo, contribuem para que um maior número de pessoas precise

compartilhar a piaçava, o que aumenta a pressão sobre o recurso.

"A piaçaba sempre dá, aqui é de inverno a verão. Tá difícil assim porque tem mais trabalhador. Mas com jeito, acha. Toda vida foi importante. Aumentou o número de gente também, né? O pessoal pegou família, chegou alguma gente de fora..."

Há uma relação paradoxal entre a abundância das pindobeiras e

quantidade de fibras produzidas. É unânime entre os entrevistados a opinião de

que o número de pindobas no território do quilombo tem aumentado

gradativamente. Em contraposição a isso, os extrativistas encontram cada vez

mais dificuldade para coletar as fibras.

“...Porque tem muita! Quer dizer, muito pé, agora muita piaçaba não tem porque não é mole não, quer dizer, trinta, quarenta pessoa todo dia no mato tirando num lugar...”

"Mudou assim nesse sentido: vai aumentando o número de gente, vai ficando mais difícil. Porque nem todos aqui faz uso da pesca. Porque se eu passo dois mese pescando, praticamente eu não tô indo no mato. Mas tem outros que é a vida toda no mato (não vivem de pesca).”

Do ponto de vista da conservação de A. funifera, o extrativismo tal

como praticado localmente não implica em risco de extirpação da espécie. Admite-

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se isso porque o extrativismo não implica em corte da planta e também não

envolve procedimentos que ameaçam a sua sobrevivência. Desse modo, quando

os extrativistas relatam a diminuição gradativa na quantidade de piaçava, eles

estão se referindo à escassez de fibras e não de árvores.

Alguns nativos afirmam que os pindobais ou matos ocupam uma área

cada vez maior na localidade. Segundo eles, as pindobas se espalharam pelo

quilombo após desativação de roças do antigo proprietário da fazenda.

"Graças a Deus pra piaçaba apesar de tá bem (menos)... O mato expandiu, né? Nasceu por tudo o que foi lugar.”

"Pra você ter uma ideia, o desmatar aqui acontece isso: ela enche de pindoba, nasce. Há trinta ano atrás não existia esse mato (pindobal) assim não, bem pouquinho. Foi nascendo mais. Ainda bem né? Que elas nasce."

Cumpre-se analisar também o papel da piaçava como possível espécie-

chave para a conservação da Mata Atlântica local. Os extrativistas consideram

que a piaçava é mais abundante em áreas sombreadas e, embora não tenha sido

encontrado correspondente ético que corroborasse essa afirmação, infere-se que

esse conhecimento possa ter colaborado com a manutenção da vegetação nativa.

Almeida et al (2009), destacam a importância dos produtos florestais não

madeireiros na conciliação da manutenção da renda de famílias de extrativistas e

conservação de florestas tropicais.

De modo mais abrangente é necessário avaliar o próprio papel

desempenhado pela comunidade local na conservação da Mata Atlântica. De

acordo com Silva (2008), os remanescentes florestais atlânticos estão sobrepostos

aos territórios de comunidades culturalmente diferenciadas da sociedade

abrangente, em particular as populações quilombolas.

Em toda a Bahia do Iguape é possível perceber visualmente a partir do

rio Paraguaçu que as áreas ocupadas por fazendeiros, em sua maioria, sofreram

mudanças da cobertura vegetal e são hoje dominadas por pastagens. Não

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obstante, os territórios ocupados por comunidades quilombolas mantém uma

cobertura de florestas e manguezais (figuras 36 e 37). Isso sem dúvida se deve à

relação histórica e alto grau de dependência que a população local mantém com

os recursos naturais que viabilizam a sua sobrevivência material e simbólica. O

modo de vida dos nativos, que estão inseridos no mercado abrangente, ainda que

de forma marginal, não adotou até o presente, o alto grau de consumo vigente na

que a sociedade hegemônica.

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Figura 36 – Vista da margem do rio ocupada por uma fazenda

Figura 37 – Vista da margem do rio ocupada por quilombolas da Salamina

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Pessoa/ Animal

Estabelece-se uma conexão importante com os animais não apenas no

contexto do extrativismo da piaçava, mas também no dia-a-dia da população da

Salamina. Todo material ou carga a ser transportado no interior do quilombo é

conduzido através de uma conexão do tipo ergonômica entre seres humanos e

jegues ou bois. Principalmente os jegues, são utilizados pra realização de todo

tipo de transporte, uma vez que não há nenhum tipo de veículo motorizado na

localidade.

No tocante do extrativismo de piaçava, objeto de uma análise mais

profunda neste estudo, os bois e os jegues se inserem como meio de transporte

da produção tanto após a coleta quanto após o beneficiamento das fibras. Nem

todas as pessoas, entretanto, possuem esses animais, e nesse caso, carregam

pessoalmente o produto: "Produção quem tem jegue traz no jegue, quem não tem

leva na cabeça”.

Ter ou não um animal para transportar a produção provavelmente é um

fator que interfere sobremaneira na quantidade de produto explotado. Isso se dá

por duas razões de fácil inferência: a primeira porque o indivíduo que não dispõe

de um animal não pode se deslocar a grandes distâncias para realizar a coleta da

piaçava, e portanto, não pode acessar locais menos explotados e a segunda que

ele é obrigado a retirar uma quantidade menor de fibras, porque tem que

considerar a quantidade de carga que pode suportar carregar. Desta forma, a

conexão com os animais tem grande influência sobre o extrativismo vegetal, uma

vez que é um dos fatores que incidem sobre a regulação da quantidade de fibras

explotadas.

Aspectos da história local incidem dobre a interação entre seres

humanos e bois/jegues na Salamina. De acordo com um meme local, Tânia,

antiga proprietária da fazenda, vendeu quase todos os animais que existiam que

existiam na antiga fazenda. Por motivos já expostos anteriormente, esse fato

provavelmente gerou impactos sobre a produtividade da piaçava.

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(Como transporta a produção do mato pra casa?) "Começou com o animal depois a fazendeira disse assim 'eu vendi os animal e vou vender vocês' aí nós se zangou porque nós já tava começando trazer (a piaçaba) na cabeça. Porque tem uma música que tinha antigamente que eu vim refletir agora, dizia assim: 'o burro é que merece medalha, o burro é quem dá murro'. Depois que eu vim entender as coisa de quilombo, eu disse 'aquela música é pra nós', quem merecia medalha era nós porque carregava as coisa na cabeça pro fazendeiro. Mas mesmo assim tinha muito animal. Depois quando ela quis abusar a gente é que a gente começou a carregar na cabeça. A mulher aqui (fazendeira) começou a vender os animal pra castigar o pessoal, né? E com usura do dinheiro, o pai foi deixano os animal, ela com usura, disse 'eu vou logo vender os meu que eu não sou boba, sou filha', com usura, aí ficou quase sem nada de animal aí. Bem pouco animal ficou aí."

Após todas as modificações sociais ocorridas com a certificação

quilombola, os nativos passaram a novamente ter animais principalmente com a

finalidade de realizar transporte. Essa conexão pode ser classificada portanto

como resiliente, uma vez que após um distúrbio, voltou a se estabelecer.

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Pessoa / Pessoa

O extrativismo de piaçava envolve praticamente toda a população local,

em um processo no qual a participação familiar é de grande importância. A coleta

de fibras é realizada predominantemente por homens, que realizam o trabalho

individualmente, mas geralmente se deslocam pelas matas em pequenos grupos

com número variável de pessoas. Os grupos de coletores que frequentemente

incluem de 3 a 6 pessoas, não são fixos e em geral levam em consideração as

relações de parentesco e vizinhança.

Uma vez que os extrativistas se deslocam em grupos, ainda que eles

executem a atividade separadamente, a proximidade entre eles na ocasião da

coleta é inevitável. De acordo cada um vai realizando a sua tarefa e a proximidade

não provoca conflito.

(Pode tirar perto do outro?) "Até dez ou vinte pessoa junto. Aí quando chega lá eu tiro essa pindoba aqui, você tira uma ali, outro tira uma ali.. Aí na hora um grita daqui, pro outro ali, bora... Aí vai todos junto"

(Pode pegar perto do outro?) "Pode, pode. Tem pindobeira que uma tá aqui outra ali, um pega essa aqui e outro pega e tira a de lá. Geralmente vai três, quatro pessoa junto."

(Pode tirar piaçaba perto do outro?) “Pode, só não pode panhar a minha que eu tô tirando."

Ainda que algumas pessoas prefiram realizar a coleta das fibras

sozinhas, a realização da atividade em grupo, tal como é realizada pela maioria

dos nativos, parece promover vantagens a cada um dos indivíduos. Um dos

benefícios proporcionados pela coletividade no extrativismo é a minimização dos

riscos, ou pelo menos a garantia de socorro imediato, em casos de acidentes,

inclusive com picadas de cobras.

"Vai vária pessoa. Nunca é bom ir sozinho. Por que não é bom? Aqui mermo tinha uma pessoa que foi

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embora pra Salvador que o bicho pegou, uma cobra. Mas depois disso nós até começou a usar bota e calça. Nós ia ao leo pro mato. De bermuda, descalço. Depois do filho de Valtinho que teve uma mordida de cobra muito violenta chegou em casa arrastado. Não sei como chegou em casa. Depois disso nós começou a usar bota e calça."

A mata propriamente dita é um espaço de uso comum onde segundo os

extrativistas não existem os pedaços possuídos: “todo mundo é dono”18. Neste

caso, existe um mecanismo com o potencial de proteger os recursos através da

restrição no número de usuários: o segredo. Este princípio consiste em não

revelar a outras pessoas os locais onde os recursos estejam abundantes com a

intenção de reservá-los para a próxima ocasião de coleta.

Todos os entrevistados afirmaram guardar segredo no caso de

encontrar um local em que o recurso seja abundante. Muitos deles afirmam não

compartilhar a informação com a comunidade porque o recurso já é escasso.

Raciocínio semelhante a esse foi relatado por Souto (2004) no discurso de um

pescador local que usou a expressão popular “Farinha pouca, meu pirão primeiro”

para ilustrar o motivo da manutenção do segredo de áreas com concentração de

recursos pesqueiros. Da mesma maneira que ocorre na pesca de camarão na

Salamina, o segredo com relação à abundância de piaçava também pode ser

mantido por omissão ou por dissimulação ou mentira (DIAS-NETO, 2010).

(Segredo?) "Dependendo da pessoa, a gente guarda o segredo, né? E dependendo a gente fala a verdade, mas diz que só foi aquela, tá entendendo? Se o cara sonhar o lugar, no outro dia o cara tá primeiro do que aquela pessoa que foi. Aí a gente diz que só tinha aquela, que nós já tirou. Ou então dá o nome de outro mato."

"O certo é dar o nome de outro mato, meu véi, que aí o cara vai bater a cara lá pra longe..."

18

Exceção a essa regra são as propriedades particulares de posse de fazendeiros, que podem ser explotada

por extrativistas, mas já houveram conflitos relativos a este uso.

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A informação relativa à fartura de recursos em determinados locais é

compartilhada apenas entre aqueles que costumam trabalhar juntos, o que

geralmente envolve algum grau de parentesco. Talvez por este motivo, o exercício

da atividade em grupo é denominada êmicamente de parceria e a socialização do

segredo dentro do grupo, beneficia a cada um dos componentes. O exercício

coletivo da atividade, portanto, garante também o compartilhamento de

informações privilegiadas dos locais de concentração de recursos, o que confere

mais uma vantagem para a atuação coletiva dos extrativistas.

(Se encontrar muito, avisa aos outros) "Hum? Avisar o quê? O cara tem dia que vai e tira uma mutuquinha (quantidade pequena) daquela. O que é que aquilo dá, pelo amor de Deus? O cara acha pra tirar duas, três dessas, vai dizer? A não ser quando trabalha de parceria, né? Aí tudo bem."

Por todo o exposto, atribui-se ao extrativismo de modo geral um caráter

muito mais solidário do que solitário (MARQUES, 2001) amparado em bases mais

cooperativas do que competitivas. Entretanto, é preciso considerar que isso não

parece ocorrer com propósito altruísta, uma vez que a coletividade promove

vantagens a cada membro do grupo, sejam elas relacionadas à segurança ou à

otimização da coleta. Em termos ecológicos, esses dados se assemelham a

relações identificadas entre animais tal como retratada por Ricklefs (2012) onde há

cooperação, mas essa implica necessariamente em benefício para todos os

indivíduos o que não se configura como propósito altruísta. Não obstante,

independentemente da motivação, pode-se dizer a que o extrativismo

provavelmente reforça a interdependência das relações pessoa/pessoa na

Salamina.

Existe localmente outra regra social que podem ter influência na

regulação do recurso piaçava e parece atuar efetivamente na exclusão de

usuários. Alguns extrativistas construíram suas casas em locais bastante próximos

às pindobeiras e cuidam dessas áreas mantendo-as roçadas (figura 38). Neste

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188

caso, uma regra social de respeito confere ao extrativista que cuida das

pindobeiras em seu quintal19, o direito à exclusividade na utilização daquele

recurso, excluindo demais usuários.

"(Pode pegar perto da casa de outra pessoa?) Não. Porque ele tá ali zelando. Aí a pessoa respeita, né?"

“...É uma falta de respeito eu sair daqui pra ir tirar uma piaçaba na porta dele, né? Aí é falta de consideração, a gente aqui não fazemos isso. Agora lá fora a gente tira aonde quiser."

"A pessoa só vai saber que é dono se ele tiver cuidano. Se ele não tiver, não tem como fazer."

Figura 38 – “Quintal” de um extrativista com pindobeiras

19

A denominação quintal, neste caso, é utilizada para denominar as redondezas das casas , podendo estar

situadas tanto atrás quanto na frente da casa.

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189

O acesso a recursos comuns tem sido exaustivamente discutido em

estudos envolvendo ambiente e sociedades. Recursos de propriedade comum,

assim como a piaçava neste caso, são definidos por Berkes (2008) como aqueles

nos quais a exclusão (controle de acesso) é difícil e o uso coletivo inclui a

subtração – diminuição do total de recurso disponível para o próximo usuário.

Segundo Berkes (2005), recursos comuns (commons) podem ser utilizados nas

escalas global (e.g. oxigênio), regional (e.g. bacias hidrográficas) e local (e.g.

recursos pesqueiros), sendo que o maior número de trabalhos tem abordado

escala local.

Os extrativistas vendem a piaçava a atravessadores. Atualmente eles

possuem autonomia para realizar a comercialização do produto e afirmam que a

alta demanda torna fácil a sua venda. Apesar de praticamente toda a piaçava

produzida na Salamina hoje ser vendida para um único comprador, os

entrevistados afirmam que podem vendê-la ao comerciante que oferecer o melhor

preço.

"O que não falta é freguesia." (Freguesia?) “Tenho. Tenho um rapaz em São

Francisco, Dinho. Tamo livre. Ele compra a trinta reais a arroba esse Dinho, mas se chegar um aqui dizendo: eu pago trinta e um, trinta e dois, nós tamos livre pra passar pra qualquer outro."

De modo geral, a produção é vendida quinzenalmente ou mensalmente.

Os extrativistas que tem a piaçava como principal fonte de renda coletam entre 7 e

12 arrobas por mês. Atualmente, cada arroba de piaçava (15 quilos) é vendida por

30 reais o que representa uma renda mensal de 210 a 360 reais. Desta maneira,

os extrativistas mais uma vez são os mais prejudicados ao longo da cadeia

produtiva, desprendendo grande esforço energético e obtendo um pequeno

rendimento financeiro no extrativismo da piaçava.

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"Entrego no máximo duas vez por mês. Geralmente uma vez no mês eu vendo assim. Do jeito que eu tô, se eu for no mato vinte dias, eu deixo aqui umas oito arroba no máximo, sete arroba por aí, porque tá ruim mesmo. Às vez completo com a pesca. A roça é pouca, mais pra comer mesmo."

Alguns entrevistados afirmam que a piaçava produzida por eles muitas

vezes são destinadas a mercados externos. Embora não se tenha investigado

essa informação no presente estudo, Guimarães e Silva (2012), mencionam que o

grande parte da produção da fibra atende de fato ao mercado internacional, sendo

direcionado principalmente a países europeus, com destaque para Portugal que

representa cerca de 50% da demanda.

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Pessoa / sobrenatural

A inserção (recente) da religião evangélica na Salamina acarretou

grandes mudanças socioculturais e isso é particularmente visível quando se

observa a festividade e sistema de crenças locais. Conforme relatado

anteriormente as festas deixaram de ocorrer na Salamina e acessar o universo

simbólico que inclui as criaturas sobrenaturais do mar e da floresta é

extremamente difícil em decorrência da maior parte dos entrevistados ter adotado

a nova religião. Ainda é assim, e mesmo com alguma dificuldade do ponto de vista

metodológico, foi possível encontrar na fala de alguns entrevistados, a alusão a

seres sobrenaturais ou tal como tratado por Siqueira (2013) os não-humanos.

Na região de Maragogipe como um todo é bastante conhecido o ser

sobrenatural denominado localmente de vovó do mangue. Em uma primeira

observação, essa criatura parece ter semelhança com a caipora e ter o potencial

de atura como protetora do mangue e das matas. Na Salamina, refere-se a este

ser sobrenatural como vovó do mato. A maior parte dos entrevistados quando

questionados a respeito da existência dessa criatura, afirmaram que “isso é coisa

dos mais velho”.

"Bom, o povo chama vovó do mato. Diz que pra ir lá você tinha que botar cachimbada de não sei o que, de fumo, pra poder trabalahar senão você se perde no mato, não sei o quê. Eles fala assim, tem um negócio de uma caipora que fica em cima de um cachorro. mas eu mesmo nunca vi. Nunca vi e nunca me perdi em lugar nenhum. Eu já me perdi facheando amoreia dentro do mangue. Tem gente que diz que já se perdeu, o caminho pertinho e ele perdido porque xingou, a vovó não gostou e ficou perdido ali. Mas eu nunca vi..."

"Eu vejo falar, mas nunca vi não. Não sei nem explicar o que é isso, viu? Eu vejo os mais velho contar isso, mas nunca vi não."

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Pode-se considerar a existência da vovó do mato como um meme,

porque essa é uma figura conhecida por todos, embora a maioria afirme nunca tê-

la visto. Entretanto, ainda que hajam algumas evidências de descrença, não se

pode afirmar que há uma total incredulidade sobre a existência da vovó do mato,

uma vez que em muitas falas aparece o paradoxo que Marques (2001) tratou

como “crer não crendo”.

"Menina, no mundo tem bem e tem mal. Então pode acontecer, né? Tudo pode acontecer. Eu não digo que não tem não. Tudo pode acontecer. Mas eu mesmo nunca vi assim."

"Vovó do Mato. Não pergunte a ela (se referindo à mãe) que ela é cristã! Antigamente ela acreditava. Não tinha vovó do mato? Tinha! Tinha que eu me lembro. Lá na ponta da linha, a finada Raimunda minha tia, não foi pegada de dente de cachorro? A dona do mato que fazia a pessoa ficar coisa..."

"Diz que tinha! Diz que era a dona do mato, parece. Principalmente porque minha mãe tinha tempo que disparava no mundo que tinha que botar cachorro atrás. Gente! Muita gente naquela época era assim. Se chamava vovó do mato. Fazia se perder no mato."

De modo geral, a crença na vovó do mato se configura mais como uma

crença do passado: "Isso era mais antigamente, mas agora não existe mais”. Em

consequência da atual situação, esse parece ser um meme em desprestígio, tal

como Marques (2001) mencionou no caso do Jacu, na Várzea da Marituba. A

atuação da vovó do mato com potencial efeito de regulação de recursos

(ANDERSON, 1996) parece não ocorrer atualmente na Salamina e não há como

precisar se essa atuação existia no passado.

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Temporalidade e apropriação dos recursos: conexões ao longo do tempo

“Vai mudando as coisa, plantação, isso e aquilo, né? Aí vai mudando as diferença, as coisa vai se facilitando um pouco. Apesar de que a dificuldade, a pobreza não muda, né? Não acaba. Sempre tem dificuldade, mas muda alguma coisa, melhora alguma coisa."

A proposta etnoecológica abrangente propõe uma análise sistemática

de dados abordando as dimensões cognitiva (conhecimentos ou corpus),

conflitiva, emotiva (pathos) e conexiva (comportamentos). Um dos fundamentos

dessa abordagem é a análise das cinco conexões básicas que o ser humano

mantém com o ambiente pessoa/mineral, pessoa/vegetal, pessoa/animal,

pessoa/pessoa e pessoa/sobrenatural (MARQUES, 1995; 2001).

Todas as culturas se encontram em movimento, entretanto, essas

mudanças se processam em velocidades distintas em cada uma delas. Dentro da

abordagem etnoecológica abrangente, a dinâmica cultural é analisada através do

status conexivo. Desta maneira, as conexões podem ser classificadas segundo o

seu comportamento ao longo do tempo. Esta análise contempla não apenas as

modificações ocorridas em decorrência da própria dinâmica cultural em si, mas

também é bastante oportuna para tratar as mudanças acarretadas por fatos

históricos, como também aquelas ocorridas em consequência das novas

demandas geradas pelo paradigma político-econômico do desenvolvimento

vigente.

As atividades econômicas que ocorreram historicamente na Salamina

foram responsáveis por modificações na paisagem local, formas de apropriação

dos recursos, relações de trabalho e modo de vida da população. A paisagem foi

transformada em decorrência das diversas ações antrópicas ocorridas desde a

época da colonização. No Tempo do Engenho havia na localidade plantação de

cana-de-açúcar que foi substituída pelas pastagens no Tempo da Charqueada. A

pecuária ocorreu localmente até o Tempo de Tânia, embora tenha diminuído a

importância desde o tempo de Rosalvo Novo. A vegetação de substituição de

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Mata Atlântica foi se restabelecendo gradativamente e atualmente elas

predominam na paisagem da Salamina onde prevalecem atividades agrosilvícolas.

A extração de dendê para fabricação de azeite sofreu mudanças ao

longo do tempo. No Tempo de Rosalvo Velho o azeite era produzido para ser

comercializado. A produção era transportada através de embarcações que

adentravam a fazenda Salamina através de um rio que, devido a esta prática,

passou a se chamar Rio do Navio. Conforme afirmado anteriormente, hoje o

dendê é produzido pelos extrativistas apenas para o consumo da família. Desta

forma, o trabalho tanto no corte do dendê quanto na produção de azeite que era

do tipo conexivo eminentemente econômico passou a ser realizado com a

finalidade trófica.

Outra mudança se refere estritamente ao processo de fabricação do

azeite que no Tempo de Rosalvo Velho era moído com força de tração animal e

atualmente é macerado no pilão pelos extrativistas. De acordo com um extrativista

é devido ao grande esforço evolvido no processo de fabricação do azeite de

dendê que torna inviável a sua produção para comercialização.

“Porque já teve, aqui dentro da Salamina, já teve fábrica de dendê. Aonde o pessoal, os funcionário, cortava o dendê, levava pra esse local que chama o Rio do Navio, era ali em cima e aí fazia o dendê. Tinha um boi exclusivo pra rodar o rodozinho pra moer o dendê e tinha aquelas mulheres tudo que trabalhava naquele processo e aí lançava aqueles dendê, aí os navio vinha tudo buscar as carga da lata de azeite aqui dentro do rio, por isso que chama Rio do Navio. O dono nessa época era o Rosalvo Velho.”

"Hoje em dia a coisa tá melhor porque ninguém mais corta dendê aqui, se cortar não é pra vender a fazendeiro, é só pra fazer azeite de consumo da casa mesmo, pra o pessoal comer aqui na fazenda.”

A farinha de mandioca, que é um produto muito importante na

alimentação da população local já foi produzida na Salamina. Havia duas casas de

farinha na comunidade: uma no bairro do Tororó e outra no Putumuju. Ambas

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encontram-se atualmente em ruínas. Assim sendo, hoje a mandioca para

produção de farinha não é mais realizada localmente e o produto passou a ser

comprado nas feiras da cidade de Maragogipe.

" Antigamente eles plantava mandioca na intenção de fazer farinha, que tinha casa de farinha. Lá no Tororó tem casa de farinha, tinha um lugar por nome Putumuju que tinha casa de farinha, a gente fazia farinha. Então antigamente eles plantava mandioca no sentido de cultivar farinha, fazer farinha. Hoje eles plantam aipim no sentido de vender aipim. Sem precisar fazer farinha. A farinha que nós comemos hoje vem do mercado de Maragogipe. Tem o mercado da farinha, onde você escolhe da melhor que você quiser."

“Prantar mandioca, a gente não tem casa de farinha. A gente já pediu várias vezes mas nunca chega.”

A pesca também sofreu mudanças ao longo do tempo. No princípio, a

arte mais empregada na pesca era a camboa (figura 39). O uso desse artefato,

conforme citado anteriormente, se dava provavelmente pela facilidade de acesso

aos recursos naturais para a construção da armadilha, já que não havia acesso a

outros tipos de petrechos de pesca. Atualmente, outras artes de pesca como a

rede camarãozeira predominam e a pesca de camboa praticamente não é mais

realizada. Alguns extrativistas afirmam ter substituído esta arte por ser realizada

durante a noite. Diante do exposto, verifica-se que há indicativos de que esta

modalidade de pesca apresenta tendência a desaparecer, se configurando uma

conexão de status evanescente.

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Figura 189 – Camboa de paus em manguezal nas proximidades da cidade de Maragogipe

"Quando eu era pequeno não tinha rede de camarãozeira, pescava de camboa, rede grande, coisa assim. Entrou muito pescador, foi entrando, crescendo...Acho que o povo gostou mais da arte da camarãzeira do que da camboa."

Ao contrário desta modalidade pesqueira, o extrativismo da piaçava é

uma conexão que se mantém ao longo do tempo, mesmo com todas as

modificações ocorridas pelo menos desde a colonização. Devido à demanda do

mercado pelo produto, ao atual estado de conservação da mata local e às

estratégias sociais locais que possivelmente atuam na manutenção dos estoques,

pode-se inferir que esta conexão tende a permanecer, sendo classificada como de

status persistente.

A comercialização da piaçava também foi alterada com o passar do

tempo. Do Tempo de Rosalvo Velho ao Tempo de Tânia os extrativistas eram

explorados, humilhados e trabalhavam em atividades solicitadas pelo patrão

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praticamente em troca de alimento. Além disso, eram proibidos de vender a

produção para outras pessoas. Após a certificação da comunidade, com a

ausência da figura do patrão, os extrativistas passaram a ter liberdade para

escolher o comprador do produto e a comercialização da piaçava passou a ser

feita por um preço mais justo. Desfez-se, portanto a conexão com os proprietários

da fazenda Salamina e estabeleceram-se novas conexões com outros

atravessadores.

"(A venda) Sempre foi pra atravessador. O que mudou foi que antes tinha que levar pro dono (da fazenda) e tinha que vender pelo preço que ele colocava. E hoje a gente pode vender de vinte, pode vender de vinte e cinco, pode vender de trinta, pode vender de quarenta. Ah, o cara ali tá pagando trinta, o outro tá pagando trinta e dois ou trinta e três. Nós vende pra aquele que tá pagando mais."

"Quando eu cheguei praqui era como fazenda. Tinha o dono que diz que era dono. Nós trabaiava a piaçaba que nós tirava levava pra ele, ele pagava quanto queria, não podia vender em outro lugar, não podia vender onde nós quisesse, só tinha de vender a ele mesmo. E era assim, aí chamava fazenda de Rosalvinho. Se ele dissesse que não era pra tirar nós não tirava, se ele dissesse que podia tirar, nós tirava. Agora fora que não vendia, só vendia a ele quando ele quisesse."

Filhos do antigo proprietário chegaram a tentar atuar novamente como

atravessadores mesmo depois de deixarem a fazenda. Os extrativistas optaram

por manter relações comerciais com pessoas de outras comunidades da região da

Baía do Iguape.

“Aí mudou mais as coisa. Aí nós não teve mais relação de repassar nosso trabalho pra fazendeiro. Chegou o filho do proprietário fazendo movimento aqui no meio da gente ainda querendo comprar piaçaba. Tombém não deu certo. Não permaneceu não, sabe? Ainda teve esse movimentinho. Não mais pelo preço que comprava outrora. Por um preço melhor, mas mesmo assim não vigorou. Não

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sei o que é que houve, teve um nhé, nhé, nhé por aí, e não permaneceu. Ficou mesmo os trabalhador vendendo seus trabalho onde queria, onde bem queria e entendesse."

No processo de reconhecimento da identidade quilombola algumas

lideranças extrativistas, que tinham dificuldades para conhecer até os centros

urbanos mais próximos, passaram a conhecer capitais de outros estados e se

articular com lideranças de outras comunidades quilombolas.

“... É como eu tô te dizendo, é vivendo e aprendendo porque tem gente que morreu e nunca teve na cidade de Maragogipe e nós já vamo pra Brasília de graça, pra São Paulo de graça, tá entendendo? Quer dizer, quanto mais o tempo passa mais a gente vai aprendendo as coisa, né isso?"

Apesar de toda opressão sofrida, a população da Salamina teve um

passado bastante festivo. A maior parte dos eventos ocorria no Putumuju, local

que sediou o antigo quilombo, onde se dançava forró tocado em radiola a bateria e

samba de roda. O período junino era o que reunia maior número de dias festivos e

envolvia praticamente toda a comunidade. Outras festas aconteciam nas

residências onde eram oferecidos carurus, comida tipicamente servida em

ocasiões festivas na Bahia notadamente naquelas de caráter religioso.

A introdução da religião evangélica na comunidade alterou

profundamente a tradição festiva da comunidade. O INCRA (2006) estimou que

80% da população local atualmente seja composta por evangélicos. Os únicos

eventos festivos que ocorrem na comunidade nos dias atuais são casamentos e

aniversários. Outras manifestações são inibidas pela ampla difusão do

evangelismo e apenas algumas pessoas que vivem mais afastadas nos limites do

território conseguem persistir com a tradição.

Os movimentos de migração dentro do território foram bastante comuns

até hoje na localidade. As famílias em geral migram para áreas mais próximas à

maré para facilitar o acesso a recursos pesqueiros e aos centros urbanos,

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principalmente à cidade de Maragogipe. Nesta localidade são adquiridos produtos

de primeira necessidade, é realizada a comercialização de produtos e a população

tem acesso a serviços médicos. Locais como o Putumuju e o Gouveia são

considerados atualmente como bairros de mato onde não mora ninguém.

De acordo com Pedrão (2007) no século XXI finalmente se reconhece o

Recôncavo Baiano como um todo, como uma região que convive com relações

econômicas e políticas conflitivas, oriundas das novas formas de concentração de

poder econômico que inclui a predominância da influência da produção de

petróleo e a renovação da indústria canavieira. Estes mesmos fatores de

transformação atuam decisivamente na transformação socioeconômica e

ambiental da Baía do Iguape. As recentes modificações ambientais ocorridas na

região refletem as demandas desenvolvimentistas do estado que acata o interesse

econômico de grandes empreiteiras e grandes setores da economia em

detrimento da qualidade de vida, trabalho, reprodução cultural e segurança

alimentar das comunidades tradicionais da região. Essas mudanças exigem

respostas dessas sociedades que estão constantemente lidando com os impactos

causados por grandes empreendimentos e têm os seus direitos e necessidades

frequentemente ignorados pelo poder público.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A comunidade da Salamina, ao longo dos anos, tem resistido simbólica

e materialmente apesar do contexto adverso no qual está inserida. As atividades

extrativistas, juntamente com as pequenas roças, possuem importância histórica

para os nativos que estiveram submetidos ao trabalho escravo até obter a

certificação quilombola em 2004. A atuação do Conselho Pastoral dos Pescadores

foi decisiva na transformação social pela qual passaram os quilombolas.

O principal recurso pesqueiro local são os camarões e os

conhecimentos a respeito da hidrodinâmica bem como dos aspectos biológicos e

ecológicos do recurso e da paisagem são imprescindíveis para o exercício da

pesca e em muitos aspectos se assemelham ao conhecimento acadêmico. A

principal estratégia de captura empregada é a rede camarãozeira com três

tamanhos de malha. Dentre as cinco conexões básicas propostas por Marques

(1995), as mais fracas nesse contexto foram as conexões com os minerais e com

o sobrenatural.

O extrativismo de piaçava é a principal atividade produtiva realizada

pela comunidade da Salamina. Os conhecimentos relacionados ao recurso são

compatíveis com aqueles contidos na literatura científica especializada. O mato,

local onde são coletadas as fibras de piaçava são locais de uso comum, com

alguns mecanismos sociais que podem atuar como reguladores, a exemplo do

segredo. Todos os aspectos das bases conexivas apresentaram grande

importância no extrativismo de piaçava, entretanto, devido ao desprestígio do

meme relacionado a seres sobrenaturais, essa foi a conexão avaliada como mais

fraca nesse contexto. Os nativos percebem a diminuição acentuada na quantidade

de fibras, o que compromete a renda e a qualidade de vida da população local,

entretanto, esse fator provavelmente não possui grande influência sob a

conservação do vegetal, uma vez que o exercício da atividade não danifica a

planta.

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Na percepção êmica, os impactos ambientais gerados por grandes

empreendimentos que atuam na Baía do Iguape, sobretudo aqueles decorrentes

da operação da Usina Hidrelétrica de Pedra do Cavalo são a principal causa da

diminuição dos estoques pesqueiros. Consideram ainda que a redução do

pescado incide negativamente de forma indireta sobre o extrativismo vegetal, em

virtude do aumento do número de pessoas que deixam a pesca para se dedicar a

essa atividade.

Considera-se que a opção pela etnoecologia abrangente como

ferramenta teórico-analítica associada à combinação de métodos essencialmente

qualitativos de obtenção de dados permitiu alcançar os objetivos propostos, ainda

que nem todos os aspectos nela contidos tenham sido de fato empregados na

análise (a exemplo das modalidades nas bases conexivas). Esta tese avançou na

incorporação das modificações mais recentes da abordagem escolhida,

particularmente considerando a dimensão temporal como um fator de grande

relevância na análise dos aspectos etnoecológicos.

A relevância da passagem do tempo (abordada também no status

conexivo) ganhou contornos especialmente importantes quando considerou a

trajetória histórica da comunidade estudada e as recentes modificações pelas

quais a Baía do Iguape tem passado em consequência da implantação e operação

de projetos desenvolvimentistas. Acredita-se ainda que contribuiu qualitativamente

com a análise, a aproximação teórica com a recente abordagem da etnoecologia

da paisagem que considera a importância das relações de poder e dos fatores

históricos no entendimento êmico acerca do mundo natural e apropriação de

recursos. Sendo assim, a etnoecologia abrangente mostrou-se uma abordagem

adequada ao tratamento do assunto, considerando a importância dos fatores

históricos nas relações que se estabelecem entre seres humanos e natureza.

Os elementos apresentados nessa tese permitem reiterar a importância

das comunidades tradicionais como detentoras de profundo conhecimento acerca

do mundo natural, a importância desse conhecimento na elaboração de

estratégias de sobrevivência e também a sua relevância para a conservação dos

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ecossistemas. É necessário mencionar ainda que tais comunidades, tomando o

exemplo particular da Salamina, precisam ter garantidos os seus meios de

sobrevivência material e simbólica, cada vez mais ameaçados.

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Apêndices

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Apêndice 1. Autorização emitida pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp para a realização da pesquisa.

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Apêndice 2. Autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para a realização da pesquisa

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Apêndice 3. Autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da

Biodiversidade para a realização da pesquisa.

Ministério do Meio Ambiente - MMA Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO Autorização para atividades com finalidade científica Número: 27644-2 Data da Emissão: 07/09/2012 20:52 Data para Revalidação*: 07/10/2013 * De acordo com o art. 33 da IN 154/2009, esta autorização tem prazo de validade equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto, mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 dias a contar da data do aniversário de sua emissão. SISBIO Dados do titular Nome: Viviane Souza Martins CPF: 005.547.385-70 Título do Projeto: Estudo Etnoecológico e de Percepção de Impactos Ambientais na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju, Maragogipe, Bahia Nome da Instituição : Universidade Estadual de Campinas CNPJ: 46.068.425/0001-33 Cronograma de atividades # Descrição da atividade Início (mês/ano) Fim (mês/ano) 1 Entrevistas, observações diretas, turnês guiadas em campo 03/2011 04/2014 Observações e ressalvas 1 As atividades de campo exercidas por pessoa natural ou jurídica estrangeira, em todo o território nacional, que impliquem o deslocamento de recursos humanos e materiais, tendo por objeto coletar dados, materiais, espécimes biológicos e minerais, peças integrantes da cultura nativa e cultura popular, presente e passada, obtidos por meio de recursos e técnicas que se destinem ao estudo, à difusão ou à pesquisa, estão sujeitas a autorização do Ministério de Ciência e Tecnologia. 2 Esta autorização NÃO exime o pesquisador titular e os membros de sua equipe da necessidade de obter as anuências previstas em outros instrumentos legais, bem como do consentimento do responsável pela área, pública ou privada, onde será realizada a atividade, inclusive do órgão gestor de terra indígena (FUNAI), da unidade de conservação estadual, distrital ou municipal, ou do proprietário, arrendatário, posseiro ou morador de área dentro dos limites de unidade de conservação federal cujo processo de regularização fundiária encontra-se em curso.

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3 Este documento somente poderá ser utilizado para os fins previstos na Instrução Normativa IBAMA n° 154/2007 ou na Instrução Normativa ICMBio n° 10/2010, no que especifica esta Autorização, não podendo ser utilizado para fins comerciais, industriais ou esportivos. O material biológico coletado deverá ser utilizado para atividades científicas ou didáticas no âmbito do ensino superior. 4 O titular de licença ou autorização e os membros da sua equipe deverão optar por métodos de coleta e instrumentos de captura direcionados, sempre que possível, ao grupo taxonômico de interesse, evitando a morte ou dano significativo a outros grupos; e empregar esforço de coleta ou captura que não comprometa a viabilidade de populações do grupo taxonômico de interesse em condição in situ. 5 O titular de autorização ou de licença permanente, assim como os membros de sua equipe, quando da violação da legislação vigente, ou quando da inadequação, omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição do ato, poderá, mediante decisão motivada, ter a autorização ou licença suspensa ou revogada pelo ICMBio e o material biológico coletado apreendido nos termos da legislação brasileira em vigor. 6 Este documento não dispensa o cumprimento da legislação que dispõe sobre acesso a componente do patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, ou ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, para fins de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. Veja maiores informações em www.mma.gov.br/cgen. 7 Em caso de pesquisa em UNIDADE DE CONSERVAÇÃO, o pesquisador titular desta autorização deverá contactar a administração da unidade a fim de CONFIRMAR AS DATAS das expedições, as condições para realização das coletas e de uso da infra-estrutura da unidade. Outras ressalvas 1 A referida pesquisa deve ser aprovada pelo Conselho Deliberativo da RESEX Baía do Iguape Equipe # Nome Função CPF Doc. Identidade Nacionalidade 1 jOSÉ GERALDO WANDERLEY MARQUES Orientador 026.220.504-10 108497 SSP-AL Brasileira Locais onde as atividades de campo serão executadas # Município UF Descrição do local Tipo

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1 BA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DA BAÍA DE IGUAPE UC Federal SISBIO Este documento (Autorização para atividades com finalidade científica) foi expedido com base na Instrução Normativa nº154/2007. Através do código de autenticação abaixo, qualquer cidadão poderá verificar a autenticidade ou regularidade deste documento, por meio da página do Sisbio/ICMBio na Internet (www.icmbio.gov.br/sisbio). Código de autenticação: 74856774 Página 1/2 Ministério do Meio Ambiente - MMA Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade - SISBIO Autorização para atividades com finalidade científica Número: 27644-2 Data da Emissão: 07/09/2012 20:52 Data para Revalidação*: 07/10/2013 * De acordo com o art. 33 da IN 154/2009, esta autorização tem prazo de validade equivalente ao previsto no cronograma de atividades do projeto, mas deverá ser revalidada anualmente mediante a apresentação do relatório de atividades a ser enviado por meio do Sisbio no prazo de até 30 dias a contar da data do aniversário de sua emissão. SISBIO Dados do titular Nome: Viviane Souza Martins CPF: 005.547.385-70 Título do Projeto: Estudo Etnoecológico e de Percepção de Impactos Ambientais na Comunidade Quilombola Salamina Putumuju, Maragogipe, Bahia Nome da Instituição : Universidade Estadual de Campinas CNPJ: 46.068.425/0001-33 Registro de coleta imprevista de material biológico De acordo com a Instrução Normativa nº154/2007, a coleta imprevista de material biológico ou de substrato não contemplado na autorização ou na licença permanente deverá ser anotada na mesma, em campo específico, por ocasião da coleta, devendo esta coleta imprevista ser comunicada por meio do relatório de atividades. O transporte do material biológico ou do substrato deverá ser acompanhado da autorização ou da licença permanente com a devida anotação. O material biológico coletado de forma imprevista, deverá ser destinado à instituição científica e, depositado, preferencialmente, em coleção biológica científica registrada no Cadastro Nacional de Coleções Biológicas (CCBIO). Táxon* Qtde. Tipo de amostra Qtde. Data * Identificar o espécime no nível taxonômico possível. SISBIO Este documento (Autorização para atividades com finalidade científica) foi expedido com base na Instrução Normativa nº154/2007. Através do código de autenticação abaixo, qualquer cidadão poderá verificar a autenticidade ou regularidade deste documento, por meio da página do Sisbio/ICMBio na

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Internet (www.icmbio.gov.br/sisbio). Código de autenticação: 74856774 Página 2/2