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PONTÍFICA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM FUNDAMENTOS DE UMA
EDUCAÇÃO PARA O PENSAR
VIVIANE MENDES MACHADO
O TRABALHO PEDAGÓGICO E O DESENVOLVIMENTO DA FALA
SÃO PAULO
2009
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VIVIANE MENDES MACHADO
O TRABALHO PEDAGÓGICO E O DESENVOLVIMENTO DA FALA
Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação Fundamentos de uma educação para o pensar, pela Pontifica Universidade de São Paulo.
Orientador: Professora Neide Barbosa Saisi
SÃO PAULO
2009
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Esse trabalho é dedicado à memória do meu pai, interlocutor que sempre
encheu meus discursos de alegria e esperança.
A minha mãe, minha irmã e meu sobrinho, que mesmo distantes dialogam em
minha mente e coração.
Ao meu marido, pelo incentivo e compreensão durante todo esses dois anos de
curso.
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Ao meus amigos João, Valmi, Sônia e Emanuela, com os quais dialoguei,
dialogo e espero dialogar para sempre em nossos encontros regados à
dúvidas, conhecimentos e sobretudo, muita amizade!
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AGRADECIMENTO
À Professora Neide Barbosa Saisi, pela atenção e carinho durante todo o trabalho de orientação desse
estudo e principalmente pelo imenso conhecimento o qual dividiu comigo de maneira doce e
construtiva.
Encontrar professores assim faz a gente acreditar que é possível oferecer ao ser humano o que de mais
valioso ele pode ter: conhecimento.
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O Sujeito pensante não pode pensar sozinho.
Não pode pensar acerca dos objetos sem a co-participação de outro Sujeito.
Não existe um ‘eu penso’, mas sim um ‘nós pensamos’!
É o ‘nós pensamos’ que estabelece o ‘eu penso’ e não o oposto.
Esta co-participação dos Sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação.”
Paulo Freire
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RESUMO
O presente estudo retrata como o trabalho pedagógico contribui para o desenvolvimento da fala de crianças de dois anos de idade. Busca na teoria de Lev Vygotsky em que medida o desenvolvimento da linguagem e do pensamento decorre de uma interação sócio-histórica do indivíduo com o meio no qual está inserido. Também utiliza-se dos conceitos de dialogismo e interação social de Mickhail Bakthin para compreender como o discurso é construído a partir e em meio aos discursos dos outros. A descrição legal do que venha a ser o trabalho pedagógico, bem como seus objetivos na Educação Infantil brasileira pauta-se no conteúdo da Lei de Diretrizes e Bases e no Referencial Curricular da Educação Infantil. A realização de uma entrevista reflexiva com uma professora de crianças de dois anos de idade compõe o objeto de estudo e contribui de maneira empírica na compreensão de como as atividades são planejadas e executadas utilizando-se a oralidade como objetivo e mediador da prática pedagógica. Diante disso, conclui que o trabalho pedagógico com crianças de dois anos de idade objetiva principalmente o desenvolvimento da fala e a socialização das crianças. Palavra-chave: Fala. Linguagem. Pensamento. Interação. Desenvolvimento. Trabalho Pedagógico.
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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................
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2. SOBRE BAKTHIN ...............................................................................................
17
2.1 Breve biografia .............................................................................................
17
2.2 Premissas básicas de sua obra .......................................................................
19
2.3 Alguns conceitos bakhtinianos .....................................................................
19
2.4 A interação social ..........................................................................................
22
2.5 O conceito de dialogismo ..............................................................................
23
3. SOBRE VYGOSTKY ..........................................................................................
27
3.1 Breve biografia ..............................................................................................
27
3.2 Premissas básicas de sua obra ........................................................................
28
3.3 Alguns conceitos vygotskyanos ..................................................................
29
3.4 Pensamento e linguagem ..............................................................................
29
3.5 O conceito de mediação ................................................................................
33
3.6 O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal ......................................
35
4. SOBRE O TRABALHO PEDAGÓGICO ............................................................
38
5. SOBRE O OBJETO DE ESTUDO .......................................................................
43
5.1 Apresentação dos dados - informações sobre a entrevistada ........................
43
5.2 Apresentação dos dados – transcrição de trechos da entrevista ....................
45
6. Análise de dados ...................................................................................................
51
7. Considerações finais .............................................................................................
57
8. Referências bibliográficas ....................................................................................
58
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1. Introdução
Durante seis anos (1992-1998) em que trabalhei em um escola de filosofia
construtivista no interior do Rio de Janeiro tive o prazer de conhecer autores como Paulo
Freire, Jean Piaget, Lev Vygotsky, Emilia Ferrero entre outros que me fizeram imergir na
filogênese da educação e a partir de então buscar compreender o processo de produção de
conhecimento enquanto elemento norteador de toda vida humana. Como sempre lecionei para
crianças em idade pré escolar, meus estudos e minha prática me direcionaram a uma busca a
fim de compreender como seres humanos tão pequenos iniciam a elaboração de processos tão
complexos como o pensamento e a fala e como tais processos permearão sua relação com o
mundo.
Em meus estudos na época de professora pude aprender que o período da Educação
Infantil deve ser compreendido como um divisor de águas no desenvolvimento do ser
humano. É pois, durante os primeiros 3 anos de idade que a criança desenvolve grande parte
de todas as habilidades das quais fará uso para o resto da vida. A criança pequena, que
inicialmente faz uso de reflexos para interagir com o meio ao seu redor, desenvolve grande
parte das suas funções motoras, emocionais e intelectuais ainda nos primeiros anos de vida e
com isso estabelece sua relação com o mundo. Desse modo, percebi que os primeiros anos de
vida mereciam grande atenção por parte de pais e professores uma vez que é também nesse
período que os pequeninos desenvolvem duas habilidade que mudarão significativamente e
para sempre o seu desenvolvimento enquanto ser humano: o pensamento e a linguagem.
A fim de compreender não apenas a importância mas também a origem dessas duas
habilidades acima descritas, foquei minha leitura inicialmente na teoria de Lev Semenovitch
Vygotsky, teoria esta que norteará o presente estudo. Com esse teórico passei a compreender
o homem não apenas enquanto ser biológico, única e exclusivamente objeto de análise isento
de atividade, compreendi o homem concreto, em atividade e no seu contexto. É importante
salientar que a teoria vygotskyana nos explica o homem tendo como pano de fundo a
sociedade de sua época. Ou seja, a teoria vygotskyana emerge na Russia pós revolução de
1917 e portanto é correto dizer que ela foi diretamente influenciada pela teoria de Karl Max
que fundamentava o pensamento histórico. Decorrente da adoção da teoria marxista o método
utilizado por esse autor não poderia deixar de ter sido o dialético.
Com isso, tive o melhor entendimento do homem e suas estruturas biológicas bem
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como o quanto a abordagem sócio-histórica explicita o desenvolvimento intelectual
contextualizado. Foi na teoria de Vygostky que me identifiquei enquanto professora de
crianças em idade de descobrimento do mundo e com base nela direcionei a minha prática,
partindo da idéia de que o desenvolvimento humano só é possível por conta do pensamento e
da linguagem, sendo esses dois últimos habilidades que dependem da interação do sujeito
com o meio no qual está inserido.
Ainda professora iniciei minha formação em Comunicação Social, estudei a respeito
da teoria do conhecimento, tive a oportunidade de iniciar meu diálogo com a teoria de
Mikhail Bakhtin e conhecer as idéias desse autor a respeito da filosofia da linguagem.
Com Bakhtin aprendi o quanto fazemos uso do outro na construção dos nossos
discursos. A teoria bakhtiniana nos mostra o quanto o nosso discurso está permeado do
discurso de outrem, da sua origem até o momento da enunciação em si. Ao fazer uso do
discurso alheio na construção do meu próprio, coloco as minhas idéias para se relacionar com
as idéias do outro, seja concordando, discordando ou complementando, isso é o que Bahktin
chamou de dialogismo. Ou seja, a capacidade de interagirmos com discursos alheios a fim
constituir o nosso. Para esse pensador, a linguagem decorre desse dialogismo e só é possível
dar conta dela dentro do contexto na qual emerge.
Posso descrever meu caminho tendo início na experiência enquanto professora.
Complementei meu conhecimento acerca da comunicação na graduação através do meu
trabalho de conclusão de curso com o tema “O Diálogo, cerne no processo de comunicação.
Enquanto publicitária (atividade atual a qual exerço) realizei trabalhos voluntários de caráter
educativo em hospitais, mantenho constante interesse em leituras do gênero e escolhi fazer
uma pós graduação voltada para a problemática educacional.
E é com base no caminho percorrido até o momento, movida a compreender mais
sobre o desenvolvimento do pensamento infantil e por conhecer e admirar as obra de Lev
Vygotsky e Mikhail Bakhtin que optei por basear essa pesquisa em ambas teorias que
conferem ao ser humano um caráter social, concebendo-o nas suas interações para com o
meio.
A problemática da pesquisa se deu não apenas pelas minhas experiências com crianças
pequenas e pelo meu interesse em aprofundar conhecimento sobre as teorias em questão, mas
também pela observação de pais e parentes de crianças pequenas diante da expectativa de um
marco tão esperado por toda família: o momento em que o pequenino começa a falar.
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Por isso, o presente estudo parte do seguinte problema: qual é a contribuição do
trabalho pedagógico no desenvolvimento da fala de crianças de 2 anos de idade?
Nosso objetivo será investigar, com base nos conceitos das teorias de Vygotsky e
Bakhtin, em que medida o ambiente escolar, permeado de trabalhos pedagógicos e de
interações com outras crianças e adultos, estimula o desenvolvimento da fala de crianças de 2
anos de idade.
A fim de atingir este objetivo buscarei:
• Investigar na teoria vygotskyana os conceitos que explicam o desenvolvimento do
pensamento e da linguagem do ser humano a partir da compreensão do homem
enquanto sujeito sócio-histórico;
• Buscar na teoria de Mikhail Bakhtin conceitos-chave que contribuam para o
entendimento da linguagem enquanto produto da inter-relação social;
• Conhecer os conceitos legais brasileiros que definem o que venha ser trabalho
pedagógico, bem como os objetivos e conteúdos a serem adotados pelas escolas de
Educação Infantil;
• Explicitar a contribuição do trabalho pedagógico do professor no desenvolvimento da
fala da criança de 2 anos de idade mediante análise do material obtido em entrevista
reflexiva sob a perspectiva teórica adotada nesse trabalho.
O tema de nosso estudo foi escolhido por conta de minha experiência com crianças
pequenas e pela curiosidade em compreender a origem do pensamento desses pequeninos.
Dessa maneira, tive uma importante questão a ser inicialmente conceituada de modo que foi
com base nela que tramei minha pesquisa: como o ser humano pensa? Busquei a resposta
dessa pergunta inicialmente na teoria de Lev Vygotsky.
“Vygotsky desenvolve uma Psicologia que responda ao homem todo, compreendendo
que o sujeito não se constitui a partir de fenômenos internos e nem se reduz a um mero
reflexo passivo do meio. O sujeito se constitui na relação”. (BRAIT, 1997, p. 316). Pude
perceber que Vygotsky analisa o homem histórico, pois acredita que o sujeito é
essencialmente formado por estrutura cultural que o influencia fazendo com que este não aja
sozinho sobre o objeto. Portanto, se o sujeito é constituído de uma estrutura cultural e esta é
proveniente de uma interação social,
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A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser humano: é através da relação interpessoal concreta com outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação social, seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento do indivíduo. (OLIVEIRA, 1993, p. 38.)
Seguindo a mesma vertente metodológica, estudamos também alguns conceitos da
teoria do também russo Mikhail Bakhtin a fim de compreender de que modo o princípio
dialógico permeou a concepção de linguagem e, quem sabe, de mundo e de vida deste autor.
Para esse teórico também o ser humano é constituído em seu meio social e é neste que
desenvolve sua linguagem.
A necessidade dessa pesquisa decorreu da observação de como o evento da aquisição
da fala é considerado um marco importante para os pais e adultos próximos a criança, estando
estes muitas vezes cheios de dúvidas de como ajudar a criança diante dessa aquisição e se
existe idade certa para a criança aprender a falar. Logo, o extrato dessa pesquisa busca
auxiliar pais de crianças pequenas na compreensão de como seus pequeninos se iniciam no
mundo falante – que processos internos (psicológicos) são colocados em desenvolvimento
para que o ato de falar emerja.
De acordo com os objetivos do estudo, a pesquisa se fundamentou em dois eixos:
- Uma abordagem teórica que fundamentou o que é o trabalho pedagógico
e as contribuições de Vygotsky e Bakthin a cerca do desenvolvimento da
linguagem;
- E uma metodologia que serviu de alicerce para responder a pergunta
norteadora, para isso abordamos diretamente o professor porser ele que
formalmente desenvolve o trabalho pedagógico.
De acordo com os eixos a serem trabalhados e acima descritos, optamos por trabalhar
com uma Pesquisa Qualitativa, baseando-nos no fundamento de que há uma relação dinâmica
entre a realidade e o sujeito a ser analisado.
A busca da compreensão de como as relações entre adultos e crianças no ambiente
escolar incentivam o desenvolvimento da fala dessas últimas se fez necessária não apenas a
partir de um estudo teórico a respeito da problemática em questão, mas complementou-se com
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o contato pessoal com um professor cujo conhecimento transcendeu o conhecimento
teórico e se manifestou através de uma prática na qual teve a possibilidade empírica de
compreender o desenvolvimento da fala de crianças pequenas.
Dessa maneira, realizamos uma entrevista reflexiva com um professor conhecedor da
teoria vygotskyana e que baseia sua prática numa abordagem sócio-interacionista a fim colher
informações de campo. Nosso objetivo foi compreender como sua prática pedagógica
contribuiu ou não para a aquisição da fala de seus alunos.
Inicialmente fizemos nosso levantamento de quadro teórico buscando as bases do
trabalho pedagógico e também um entendimento mais profundos dos conceitos necessários
dos autores mencionados que nortearão essa pesquisa. Após embasamento teórico,
organizamos a entrevista reflexiva com um professor de modo que os dados coletados
pudessem nos auxiliar na conclusão da nossa problemática. Por fim, confrontamos os
conceitos teóricos com as informações levantadas em campo a fim de responder a
problemática de em que medida o trabalho pedagógico contribuiu na aquisição da fala de
crianças de 2 anos de idade.
Metodologia
Para atingir os objetivos realizamos uma pesquisa de campo precedida de uma
pesquisa bibliográfica.
Durante a pesquisa bibliográfica realizamos os levantamento dos conceitos
vygotskyanos e bakhtinianos a fim de nos calçarmos do corpo teórico necessário que
elucidasse nossas hipóteses iniciais acerca da interação enquanto mediadora no
desenvolvimento da fala de crianças pequenas, bem como nos oferecesse respaldo na
elaboração e realização da entrevista com um professor.
Também buscamos na pesquisa bibliográfica conhecer os pressupostos legais que
definem o trabalho pedagógico em âmbito nacional, bem como os objetivos e conteúdos a
serem adotados pelas escolas de Educação Infantil.
Para a pesquisa de campo optamos por realizar uma entrevista reflexiva por acreditar
que seu caráter dialógico pudesse complementar de modo efetivo nosso estudo, uma vez que
esse tipo de entrevista vem sido empregado em pesquisas qualitativas onde se busca
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compreender significados subjetivos que sejam impossíveis de serem investigados através
da utilização de instrumentos fechados.
Reforçando o caráter dialógico do tipo de entrevista escolhido e ratificando sua
sinergia com o presente estudo acreditamos que
(...) a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado. (SZMANSKI, 2004, p. 12).
Assim como a entrevista reflexiva possui característica semi-estruturada, partindo de
uma questão desencadeadora a partir da qual o entrevistado fala sobre o tema em questão, ela
reforça também um caráter reflexivo através do qual o entrevistador ouve o relato do seu
entrevistado ao mesmo tempo em que compartilha continuamente com ele sua compreensão
dos dados relatados.
Dessa maneira, a
Reflexividade tem aqui também o sentido de refletir a fala de quem foi entrevistado, expressando a compreensão da mesma pelo entrevistador e submeter tal compreensão ao próprio entrevistado, que é uma forma de aperfeiçoar a fidedignidade. (...) Ao deparar-se com a sua fala, na fala do pesquisador, há a possibilidade de um outro movimento reflexivo: o entrevistado pode voltar para a questão discutida e articulá-la de uma outra maneira em uma nova narrativa, a partir da narrativa do pesquisador. (SZMANSKI, 2004, p. 15).
Compreendemos então que a entrevista reflexiva nos possibilitou uma compreensão
mais ampla do nosso problema uma vez que ela em si é um processo de interação no qual os
discursos do entrevistado e do entrevistador dialogam a todo tempo de modo a gerarem um
conteúdo comum a ambos: a compreensão acerca da problemática da pesquisa em questão.
O Capítulo I refere-se à teoria de Mikhail Bakhtin e descrevemos nele os conceitos
que elegemos como norteadores para a presente pesquisa. Partimos do estudo da origem de
sua teoria acerca da linguagem e como o autor revolucionou os assuntos relacionados à língua
no momento em que incluiu a variável do contexto, a partir do momento que delineou que o
estudo da língua estava muito além da compreensão de suas estruturas fonéticas e lexicais, o
estudo da língua deveria ter como centro de análise a enunciação em si, o momento de
elaboração do discurso e todo o contexto em que ele é produzido.
Ainda no capítulo sobre Bakhtin, vimos também como o conceito de dialogismo entra
em cena nos estudos relacionados à língua. É pois, com base nesse conceito, que vimos
claramente a influência direta do outro na construção de um discurso, sendo essa influência
somente possível mediante interação entre os sujeitos. Para Bakhtin, todo discurso (produto
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do processo de enunciação) é necessariamente permeado das vozes de outros discursos,
sendo esses outros discursos originados de uma outra pessoa, de um livro, de uma entrevista,
etc... O que foi importante compreendermos na teoria bakhtiniana é que a interação com o
discurso de outrem ocorre sempre, não existindo um discurso primeiro, isento de qualquer
influência alheia. Outro ponto considerável é que embora a interação sempre exista, ela não é
sempre travada com outra pessoa, podendo ser travada com qualquer objeto com o qual
possam obter informação e refletir em concordância ou não.
No Capítulo II trouxemos a nossa pesquisa alguns conceitos do teórico russo Lev
Vygostky, cujos estudos na área da Psicologia também inseriram a variável social em suas
análises.
Partindo dos resultados obtidos com primatas em estudos anteriores, a teoria
vygotskyana verificou que embora os macacos apresentem em algumas situações uma
inteligência prática, esses animais não desenvolvem linguagem e limitam-se à emissão de
sons e utilização de gestos e expressões faciais que objetivam exclusivamente mero alívio
emocional.
Dessa maneira, vimos na teoria de Vygostky que a trajetória de pensamento e
linguagem dos animais são independentes, diferentemente do que ocorre com os seres
humanos, nos quais num determinado momento do seu desenvolvimento o pensamento e a
linguagem se unem e esse encontro ocorre por conta da necessidade humana de intercâmbio
social.
Vimos neste segundo capítulo com mais detalhes, como Vygotsky deu ênfase à
interação social e como redirecionou a teoria do desenvolvimento humano a partir das suas
análises a respeito do desenvolvimento do pensamento e da linguagem em meio às interações
sociais.
No Capítulo III complementamos nossa pesquisa bibliográfica com alguns conceitos
sobre o trabalho pedagógico bem como este apresenta um planejamento organizado de
atividades e vivências que proporcionem situações nas quais a criança pequena tenha a
oportunidade de interagir com adultos e outras crianças de modo a desenvolver sua fala.
Dessa maneira, buscamos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e no
Referencial Curricular da Educação Fundamental o entendimento legal acerca do trabalho
pedagógico.
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No Capítulo IV fizemos a apresentação dos dados coletados na entrevista reflexiva
realizada com um professor e finalizamos esse capítulo com a análise interpretação que
pudemos retirar dos dados coletados e reservaremos a última parte deste estudo às
considerações finais acerca de como o corpo teórico estudado e os dados adquiridos na
pesquisa de campo responderam ao nosso problema sobre o papel do trabalho pedagógico no
desenvolvimento da fala de crianças de 2 anos.
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2. Sobre Bakhtin
2.1. Breve biografia
Mikhail Mikhailovitch Bakhtin nasceu no dia 16 de novembro de 1895 em Orel,
Moscou. Aos 15 anos mudou-se para Odessa e começou seus estudos universitários. Um ano
depois matriculou-se no Departamento de Letras Clássicas e se formou em História e
Filologia pela Universidade de São Petersburgo.
Como a maioria dos intelectuais de sua época apoiou a Revolução russa de 1917.
Entre os anos de 1918 e 1920, foi professor em Nevel e neste local constituiu um
círculo de amigos que mais tarde ficou conhecido como o Círculo de Bakhtin, grupo este
responsável por grandes debates intelectuais da época e uma série de atividades profissionais
e culturais. Nessa época, embora o próprio Bakhtin não estivesse diretamente envolvido na
produção de todas as atividades do Círculo, é possível envolvê-lo nas atividades de seus
amigos uma vez que todos faziam parte da mesma esfera dialógica.
Entre os anos de 1920 e 1924 viveu em Vitebsk, um fervoroso centro cultural no qual
trabalhou para várias instituições governamentais e participou de muitas palestras e debates.
Foi no ano de 1921 que Bakhtin se casou com Elena Aleksandrovna Okolóvitch, sua
companheira até morrer, em 1971. Ainda em 1921 foi acometido por uma grave enfermidade
óssea que resultou na amputação de uma perna alguns anos posteriores, em 1938.
Devido às dificuldades de saúde, em 1924 mudou-se para Leningrado onde, sem
emprego, sobreviveu com a ajuda de uma auxílio doença oferecido pelo governo. Ao
contrário dos contatos e reconhecimento que tinha em Nevel e Vitebsk, Leningrado era uma
das capitais culturais da nação e não oferecia oportunidades nas quais pudesse realizar
publicações, fazer contatos e constituir sua presença intelectual. Inicialmente em Leningrado,
Bakhtin foi apreciado por um pequeno número de amigos e alguns alunos.
Em meio a uma verdadeira batalha pela sobrevivência, Bakhtin passou pelo anos
1924-1927 lecionado para pequenos grupos.
Foi também nesse período que escreveu seu livro sobre Dostoievski e finalmente
começou a receber direitos autorais. Todavia a saúde piorava a cada dia e ele tendia a passar o
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dia inteiro dedicando-se à leitura e à escrita e a receber visitas. Mesmo não participando
dos grandes grupos intelectuais da época em Leningrado, Bakhtin continuou com suas
discussões no Círculo e se afirmou cada vez mais enquanto líder deste. Aos poucos o Círculo
firmou-se e cresceu, tendo como componentes não apenas os veteranos de Nevel e Vitebsk,
mas também novos membros se juntavam ao grupo. O que se formou foi um grupo fervoroso
em suas discussões e rico no que diz respeito a multiplicidade de suas formações.
O círculo de Bakhtin não formava em nenhum sentido uma organização fixa. Constituíam simplesmente um grupo de amigos que gostava de encontrar-se e debater idéias e que tinham interesses filosóficos em comum. Às vezes reuniam-se todos, porém outras vezes apareciam apenas dois ou três para discutir uma determinada obra particular. Em geral, alguém do grupo preparava uma breve sinopse ou uma resenha de um texto filosófico e lia o trabalho para os outros como base das discussões. (CLARK, 2008, p.125-126).
Foi no período de 1924 e 1929 que publicou quatro importantes trabalhos: “O Método
Formal Nos Seus Estudos Literários”, “Discurso Na Vida E Discurso Na Arte”, “Freudismo:
Uma Crítica Marxista” e “Marxismo E Filosofia Da Linguagem”.
Embora seu Círculo contasse com excelentes discussões e membros ambiciosos,
excêntricos e animados, em Leningrado Bakhtin permaneceu sem reconhecimento e em 1929
foi preso e condenado a cinco anos de trabalhos forçados em um campo de concentração.
Dizem que tal prisão foi impulsionada por conta da sua relação com a Igreja Ortodoxa.
Por conta de sua saúde debilitada, sua prisão se transformou em exílio na cidade de
Kustanai e nesse tempo trabalhou em alguns ensaios e na sua teoria do romance, além de ter
as funções de guarda-livros, professor e redator.
Até o fim da Segunda Guerra ensinou alemão e russo e apenas em 1946 conseguiu
defender sua tese de doutoramento sobre Rabelais e a cultura popular. Por conta da imensa
polêmica causada por esse trabalho, e depois de muitas idas e vindas no seu processo de
avaliação, o julgamento realizado em 1952 lhe negou o título de doutor e esse trabalho só foi
publicado em 1965, rendendo-lhe grande renome mundial.
Entre os anos de 1945 e 1961 ensinou literatura e chefiou o Departamento de Estudos
Literários no Instituto Pedagógico de Saransk, Instituto este que se tornou a Universidade
Estatal da Mordovia em 1957.
Aposentou-se em 1961 e a partir de 1969 buscou tratamento médico em Moscou, onde
residiu até sua morte em 1975.
Como descreve bem Fiorin:
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Bakhtin teve uma vida absolutamente comum, uma carreira apagada. Ele nunca teve apego a cargos e posições, nunca teve interesse pela fama e pelo prestígio. Sua trajetória foi marcada pelo ostracismo, pelo exílio e pela marginalidade dos círculos acadêmicos mais prestigiados. Teve, no entanto, ao longo da sua vida, uma intensa atividade de reflexão e escrita, que fez dele um dos grandes pensadores do século XX.(FIORIN, 2006, p. 11)
2.2. Premissas básicas de sua obra
Ao sabermos um pouco da biografia de Bakhtin e debruçarmos sobre sua obra, foi
possível encontramos vários Bakhtins, uma vez que analisando sua evolução teórica
conseguimos identificar períodos distintos de reflexão acerca de diferentes assuntos.
Inicialmente conferimos uma fase filosófica, na qual o autor tenta criar sua própria
filosofia. Em seguida, afasta-se da metafísica e inicia diálogo com movimentos intelectuais da
época como o freudismo, o marxismo soviético, o formalismo, a lingüística e a fisiologia. Na
seqüência inicia seus estudos sobre a poética histórica na evolução do romance e finalmente
nas décadas de 60 e 70 retorna suas reflexões a respeito da metafísica a partir de uma teoria
social e da filosofia da linguagem.
Foi pois, com base na perspectiva da teoria social e das reflexões bakhtinianas a
respeito da filosofia da linguagem que tomamos os conceitos chaves do presente estudo e
sobre os quais dissertamos no capítulo a seguir.
2.3. Alguns conceitos bakhtinianos
Ao pensar sobre a linguagem, Bakhtin compreende sua análise enquanto processo
inacabado cuja produção é tramada em um palco social, ou seja, a linguagem é algo vivo e
deve ser estudada sob uma ótica sócio histórica para que possamos compreender sua origem e
significado, embora seja impossível conseguirmos ter seu entendimento absoluto.
Para Bakhtin,
(...) há uma dissociação entre o mundo da teoria e o mundo da vida. O primeiro é o das generalizações. O segundo é o da historicidade viva, em que os
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seres únicos realizam atos irrepetíveis. Esses dois mundos são incomunicáveis porque a teoria é incapaz de apreender o ser e o evento únicos. Bakhtin não é o filósofo do irracionalismo. O que critica, ao mostrar a separação dos mundos da teoria e da vida, é um pensamento que só se importa com o sistema, o universal, e não se preocupa jamais com o evento, o particular, o singular. (FIORIN, 2006, p. 16)
É a partir da reflexões de Bakhtin que vemos entrar na cena da época uma abordagem
sócio histórica a respeito da linguagem. Da referida época falaremos brevemente de duas
principais orientações do pensamento filosófico lingüístico a fim de buscar uma melhor
compreensão da base das reflexões bakhtinianas e a partir de que teorias elas se opuseram e
modificaram completamente o entendimento a cerca da linguagem. São essas orientações o
subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato.
Tendo Wilhelm Humbolt como um dos seus principais representantes, o subjetivismo
idealista compreende o ato da fala como sendo uma criação individual, produzida
exclusivamente pelo psiquismo. Ao determinar a fala como fundamento da língua e
concebendo-a enquanto produção individual, essa orientação atrela as leis da lingüística às
leis da psicologia individual sendo o estudo desta última primordial para o lingüista e com
isso as suas funções limitam-se a explicar a fala enquanto ato de criação individual e a servir a
atividades práticas de aquisição da língua, uma vez que esta é apenas uma manifestação
ideológica.
As posições fundamentais da primeira tendência, quanto à língua, podem ser
sintetizadas nas quatro seguintes proposições: 1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de
construção (“energia”), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala. 2. As leis da criação lingüística são essencialmente as leis da
psicologia individual. 3. A criação lingüística é uma criação significativa, análoga à
psicologia artística. 4. A língua, enquanto produto acabado (“ergon”), enquanto sistema
estável (léxico, gramática, fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lingüística, abstratamente construída pelos lingüistas com vistas à sua aquisição prática como instrumento pronto para ser usado. (BAKHTIN, 1990, p. 72-73)
A segunda orientação do pensamento filosófico-lingüístico, o objetivismo abstrato,
teve na escola de Genebra, com Ferdinand Saussure, sua forte expressão de conceitos base. É
interessante salientar que, ao contrário da escola de Vossler (subjetivismo idealista), a
popularidade de Saussure na Rússia influenciou diretamente a maioria dos representantes do
pensamento lingüístico daquela época, inclusive Bakhtin.
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Saussure parte do princípio de que a língua e a fala constituem a linguagem, sendo
esta última compreendida como a totalidade de todas as manifestações físicas, fisiológicas e
psíquicas. Porém, para esse teórico, a linguagem não pode ser o objeto único da lingüística,
uma vez que falta-lhe unidade e leis regentes capazes de organizar uma análise completa e
objetiva. A linguagem, para Saussure, é elemento complementar e essencial no estudo da
lingüística, mas não deve ser seu ponto de partida analítico. Para tanto, ele descreve a
necessidade de imersão no estudo das leis e normas da língua uma vez que é no seu sistema
que encontraremos o esclarecimento de todos os fatos da linguagem.
Como explicita o próprio Saussure citado na obra de Bakthin:
Separando-se a língua da fala, separa-se ao mesmo tempo: em primeiro lugar, o que é social do que é individual; em segundo lugar, o que é essencial do que é acessório e relativamente acidental.
A língua não é função do sujeito falante, ela é um produto que o indivíduo registra passivamente; ela não supõe nunca premeditação e a reflexão aí só intervém para a atividade de classificação de que nos ocuparemos.
A fala é (...) um ato individual de vontade e de inteligência no interior do qual convém distinguir: primeiramente as combinações pelas quais o sujeito falante utiliza o código da língua para exprimir seu pensamento pessoal; em segundo lugar, o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar estas combinações. (BAKHTIN, 1990, p. 86-87)
Para sintetizar as premissas objetivas abstratas descrevemos as seguintes colocações:
1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas
submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta.
2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas específicas, que estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva.
3. As ligações lingüísticas específicas nada tem a ver com valores ideológicos (artísticos, cognitivos e outros). (...)
4. Os atos individuais de fala se constituem, do ponto de vista da língua; simples refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas. (BAKHTIN, 1990, p. 82-83)
Devemos compreender as duas orientações anteriormente descritas enquanto teses
anteriores à teoria bakhtiniana e que foram os pontos de partidas nos quais essa última iniciou
suas reflexões acerca do verdadeiro núcleo da realidade lingüística. Enquanto o subjetivismo
idealista colocava a fala no centro de sua análise o objetivismo abstrato usava o sistema da
língua enquanto foco dos seus estudos, Mikhail Bakhtin colocou ambas orientações em xeque
e com isso trouxe para os estudos filosóficos-lingüísticos a necessidade de se incluir o caráter
sócio-histórico em meio ao qual a fala e a língua ocorrem e evoluem continuamente.
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2.4. A interação social
O que Bakhtin traz a cena nos estudos da lingüística é o papel central das relações
sociais que possibilitam os atos de fala – enunciação - os quais fazem com que a língua viva e
evolua historicamente.
É pois na enunciação que não só os indivíduos têm condições reais de expressão
semiótica de sua atividade mental, mas também a possibilidade de utilização prática e
reflexiva da língua enquanto canal direto entre ele e o outro, entre ele e o meio, entre ele e o
mundo.
A enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente
organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra
dirige-se a um interlocutor: ela é função da palavra desse interlocutor. (...) toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de
que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. (...) A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros (...) é território comum do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 1990, p. 112-113)
Ora, podemos então perceber mais claramente o quanto as idéias bakhtinianas
revolucionaram os estudos lingüísticos a partir do momento que opuseram-se expressamente
ao subjetivismo idealista e ao objetivismo abstrato. Elas conceberam a impossibilidade da
expressão ser uma obra individual, construída exclusivamente pelo psiquismo de cada um e
isenta de influência semiótica, assim como também defenderam a incapacidade do ser
humano assimilar passivamente a língua e interagir com o abstrato, uma vez que a interação
só ocorre mediante um interlocutor, em meio a uma realidade particular e que está em
constante modificação.
Dessa maneira, vimos a interação social ser incluída nos estudos lingüísticos e como
ela tornou-se chave fundamental sem a qual não é possível estabelecer parâmetros de análise.
Não podemos compreender o indivíduo dotado apenas de seu psiquismo e isento de
influências externas, assim como também não podemos limitar a língua enquanto sistema de
normas rígido e imutável que existe por si só e por isso assume caráter abstrato.
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A concepção bakhtiniana de interação social nos apresenta o caráter singular e
interativo da enunciação – da fala. Não proferimos palavras deliberadamente que serão
decodificadas por outrem, construímos discursos semióticos permeados de valores e
significados que serão interpretados e compreendidos pelos nossos interlocutores.
A fim de sintetizar a importância dada à interação social na teoria de Bakhtin,
utilizaremos suas próprias palavras:
(...) A forma lingüística, (...) sempre se apresenta aos interlocutores no contexto de enunciações precisas, o que implica sempre um contexto ideológico preciso. Na realidade não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN, 1990, pg. 95)
Devemos compreender esse sentido ideológico diferente da significação, uma vez que
o primeiro depende de uma variável denominada contexto. Compreender o significado de uma
palavra é decodificá-la em termos denotativos, só que as palavras, durante a interação não são
meramente decodificadas, elas são também interpretadas, na medida em que são provenientes
de um processo de produção de sentido.
Em uma interação social existe uma alternância de sujeitos falantes, ninguém fala por
falar, “uma informação (...) se dirige a alguém, é provocada por algo, persegue uma finalidade
qualquer, ou seja, é um elo real na cadeia da comunicação verbal, no interior de uma dada
esfera da realidade humana ou da vida cotidiana.” (BAKHTIN, 1992, p. 307)
Ao receber uma informação o interlocutor articula a sua resposta (mental, falada, em
forma de ação, etc.), podendo esta ser uma confirmação ao que lhe foi dito, uma negação,
uma dúvida, um confronto, uma reflexão. Ou seja, a informação toma forma e sentido diante
da posição responsiva ativa desse interlocutor, que na teoria bakhtiniana abstém-se do mero
papel de passivo e assume função ativa no processo de comunicativo decorrente da interação
social.
2.5 O conceito de dialogismo
Partindo da ênfase dada à interação social enquanto geradora de situações de
comunicação criadas com base nos discursos produzidos por seus interlocutores, vemos que a
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concepção de linguagem bakhtiniana entende que a língua é viva, real e dialógica. Ao
caracterizar a língua em sua propriedade dialógica Bakhtin parte do princípio de que um
enunciado é necessariamente constituído também pela palavra do outro. Ao produzir um
discurso, dialogo não apenas com o interlocutor direto, mas também travo reflexões com
discursos passados, meus ou de outros interlocutores a fim de compor o enunciado em
questão.
Isso quer dizer que o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Por isso, todo discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado, pelo discurso alheio. O dialogismo são as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados. (FIORIN, 2006, p. 19)
Ao propor a existência de relações dialógicas entre os enunciados não estamos
referindo-nos às unidades da língua, ou seja, os sons, as palavras e orações, estas são unidades
abstratas passíveis de repetição e por conta disso não é possível estabelecer diálogo entre elas.
Enquanto os enunciados são as unidades reais da língua, estabelecidos em situações de vida
únicas, tendo entonação, significados e meio social irrepetíveis.
É importante saber que Bakhtin não nega a importância da língua e a necessidade de
se estudar e conhecer a sua estrutura, o que ele nos sugere é que a fonologia, a sintaxe e a
morfologia em si não dão conta de explicar o funcionamento real da linguagem, uma vez que
esta última se estabelece originalmente em situações reais de comunicação as quais são
compostas por relações dialógicas entre interlocutores que compartilham seus enunciados. Ao
dar ênfase ao enunciado enquanto objeto da lingüística, o autor propõe a criação de uma trans-
lingüística, a qual não se limitaria ao estudo das estruturas imutáveis da língua, mas ao exame
das relações dialógicas entre os enunciados.
Ao dialogar com discursos anteriores ou posteriores, travo com eles relações diversas
que podem ser de aceitação ou recusa, concordância ou discordância, conciliação ou luta. Ou
seja, diálogo é sobretudo adicionar uma nova informação, um ponto de vista diferente que
pode estar de acordo ou não com o enunciado inicial mas que sempre irá compô-lo de maneira
a incorporá-lo, jamais eliminá-lo.
Em suma, quando se fala em dialogismo em Bahktin,
“Pensa-se em relações entre enunciados já constituídos e portanto,
anteriores e passados. No entanto, um enunciado se constitui em relação aos enunciados que o precedem e que o sucedem na cadeia da comunicação. Com efeito, um enunciado solicita uma resposta, resposta que ainda não existe. Ele espera uma
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compreensão responsiva ativa, constrói-se para uma resposta, seja ela uma concordância ou uma refutação. (FIORIN, 2006, p. 32)
Os enunciados precedentes
Ao construir seu discurso, o locutor não é o primeiro a falar sobre determinado
assunto. Ela faz uso de vários enunciados, de partes de enunciados de uma outra pessoa,
citações, conceitos ou de uma série de vestígios e influências do meio social no qual está
inserido, tendo-os como base, como confirmação ou complementando-os. Dessa maneira, o
locutor não é o único autor de seu discurso. Este é construído a partir de diversos enunciados
os quais Bakhtin entende como sendo diferentes “vozes”. É como se cada enunciado, cada
palavra ou cada idéia da qual me apreendo para constituir o meu discurso fosse uma “voz”. O
discurso é entendido assim como sendo uma teia construída e permeada de enunciados dos
outros que formam o nosso enunciado devidamente articulado e dialógico, pois o “nosso
pensamento (...) nasce e forma-se em interação e em luta com o pensamento alheio”.
(BAKHTIN, 1992, p. 317)
Os enunciados que sucedem
Da mesma maneira com que articulamos com enunciados que precedem ao nosso
discurso, tecendo-os, aos constituirmos um enunciado, também articulamos os nossos
discursos com enunciados que o sucederão. Um discurso sempre se dirige a alguém.
Certamente há um ou vários receptores, de maneira que fazemos idéia de quem irá recebê-lo.
Por isso, utilizamos elementos e expressões que se adeqüem ao nosso interlocutor. O nosso
discurso se direciona a um destino e, para alcançá-lo, consciente ou inconscientemente, o
moldamos com uma estrutura, um gênero que se encaixe e supra, ou não, as expectativas
compreensíveis do interlocutor.
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Às vezes chegamos até mesmo a imaginar possíveis respostas dos nossos
interlocutores e, a partir delas, criamos e argumentamos nossos enunciados. Esses enunciados
que sucedem ao nossos discursos também os compõem, por isso, eles estão imbuídos em
nossos enunciados, influenciando-os diretamente.
Dessa maneira, pudemos verificar ativamente na teoria bakhtiniana a importância dada
à enunciação (fala), uma vez que esta passa a ser o objeto da lingüística. Também foi possível
compreender que toda e qualquer situação de enunciação só é possível através de um diálogo
com o outro, que pode ser um interlocutor físico, como também pode ser um discurso de
outrem articulado mentalmente no momento em que componho um novo discurso. Ou seja,
enunciação, diálogo e interação são conceitos pertinentes na teoria desse autor.
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3. Sobre Vygotsky
3.1. Breve biografia
Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 5 de novembro de 1896, em Orsha, Bielo
Rússia.
Em 1917, ano da revolução russa, formou-se em Direito pela Universidade de Moscou
e até 1923 viveu em Gomel lecionando Literatura e Psicologia. Nesse mesmo período dirigiu
uma seção de teatro do centro de educação para adultos, realizou palestras a respeito dos
problemas da literatura e da ciência, fundou a revista literária Verask, na qual publicou sua
primeira pesquisa literária e criou o laboratório de Psicologia no Instituto de Treinamento de
Professores, no qual lecionava Psicologia. Também foi nesse período (em 1920 mais
precisamente) que descobriu que estava tuberculoso.
Em 1924 mudou-se para Moscou convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de
Moscou. É importante salientar que nesse mesmo ano Lênin morreu, Stálin assumiu o poder e
com isso a Rússia foi dominada por um período difícil que culminou na instalação da ditadura
stalinista.
Em Moscou envolveu-se em diversas atividades direcionadas à deficiências físicas e
mentais e com isso reuniu a sua volta um grupo de cientistas que se engajou em estudos a
respeito da Psicologia e das anormalidades físicas e mentais. Com isso, cresceu seu interesse
pela Medicina e ele então iniciou seu curso nessa área.
Morreu precocemente em 1934, vítima de tuberculose com apenas 37 anos de idade.
Nesse mesmo ano ocorreu a publicação de sua obra “Pensamento E Linguagem” na Rússia.
Por questões políticas, no período de 1936 e 1956 todas as suas obras deixaram de ser
publicadas e em 1962 e livro “Pensamento E Linguagem” é então publicado nos Estados
Unidos. Apenas entre os anos de 1982 e 1984 foram editadas as obras completas de Vygotsky
na Rússia.
No Brasil a chegada de sua obra é datada de 1984, com a publicação da coletânea “A
Formação Social Da Mente”. Na seqüência tivemos no Brasil as publicações de “Pensamento
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E Linguagem” (1987) e “Aprendizagem E Desenvolvimento Intelectual Na Idade Escolar”
(1988).
Em suma, podemos compreender que
As realizações de Vygotsky são impressionantes: ele desempenhou um papel-chave na reestruturação do Instituto Psicológico de Moscou; instalou laboratórios de pesquisa nas principais cidades da União Soviética e fundou o que chamamos de educação especial. É autor de cerca de 180 textos, muitos dos quais só agora estão sendo publicados. O objetivo prático de Vygotsky durante sua vida foi reformular a psicologia de acordo com a metodologia marxista, a fim de desenvolver modos concretos de lidar com as tremendas tarefas que se impunham à União Soviética – uma sociedade que tentava mover-se rapidamente do feudalismo para o socialismo. Ele foi um líder reconhecido, nos anos de 1920 e 1930, de um grupo de cientistas soviéticos que se empenharam apaixonadamente na construção de uma nova psicologia a serviço do que se esperava viesse a ser um novo tipo de sociedade.”(NEWMAN, 1993, p. 16)
3.2. Premissas básicas de sua obra
Com o conhecimento do marco histórico pelo qual Vygotsky passou nos foi possível
compreender mais claramente as origens da sua teoria e como ele foi o principal teórico
marxista entre os psicólogos soviéticos de sua época. Com base nisso, percebemos o quanto
esse pensador desenvolveu uma psicologia de um homem enraizado ao seu tempo e ao seu
espaço, ou seja, uma psicologia concreta.
Vygotsky partiu de uma reflexão sobre como o trabalho produziu uma nova forma de
relacionamento entre os homens e entre estes e a natureza. A partir daí vimos a mudança de
paradigma, ele não buscou analisar o comportamento ou a personalidade do ser humano, ele
visou sobretudo analisar a atividade humana, o homem durante seu processo produtivo e
como esse se faz uso das suas relações com outros homens e com a natureza ao mesmo tempo
em que desenvolve-se enquanto espécie. Essa visão é sobretudo materialista histórico-
dialética e é fundamental nos atentarmos a ela, pois ela foi o alicerce que possibilitou não só o
estudo de sua obra, mas principalmente a criação de um diálogo com o outro autor que
compõe o marco teórico dessa pesquisa, Bakhtin. “O conhecimento, na perspectiva desse
autores, é construído na interação, em que a ação do sujeito sobre o objeto é mediada pelo
outro através da linguagem, da discussão. Assim, da discussão entre uma ênfase no sujeito ou
no objeto, emerge um sujeito interativo”. (FREITAS, 1994, p. 161)
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3.3. Alguns conceitos vygotskyanos
Vygotsky e seu grupo trabalharam no desenvolvimento de uma “nova psicologia”,
uma vez que em sua época a psicologia se apresentava através de duas tendências: a
psicologia como ciência natural, que explicava os processos humanos elementares sensoriais
e de reflexos, compreendendo o homem exclusivamente enquanto corpo; e a psicologia como
ciência mental, a qual sustentava seus estudos na análise das propriedades psicológicas
superiores partindo da premissa de que o homem constitui-se em mente, consciência e
espírito.
Diante dessa realidade e em meio a uma Rússia pós-revolução, Vygotsky propôs uma
abordagem psicológica que integrasse o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser
biológico e cultural. Ao inserir a variável cultural em sua abordagem e integrar o biológico ao
mental, o autor desenvolveu sua teoria sócio-histórica a respeito do desenvolvimento humano
com base no pensamento e na linguagem. Para ele, o pensamento e a linguagem são os
propulsores do desenvolvimento e decorrem das relações humanas emergentes das atividades
de trabalho.
A interação face a face entre indivíduos particulares desempenha um papel fundamental na construção do ser humano: é através da relação interpessoal concreta com os outros homens que o indivíduo vai chegar a interiorizar as formas culturalmente estabelecidas de funcionamento psicológico. Portanto, a interação, seja diretamente com outros membros da cultura, seja através dos diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento do indivíduo. (OLIVEIRA, 1993, p.38)
3.4. Pensamento e linguagem
A partir de estudos anteriormente realizados com primatas, Vygotsky iniciou seu
estudo sobre o desenvolvimento da espécie humana e o desenvolvimento do indivíduo
humano.
As experiências anteriores de Wundt, Koehler e Yerkes foram realizadas com
chipanzés e percebeu-se nesses experimentos a existência de um intelecto embrionário nesses
animais, porém não foi possível associar esse intelecto à fala em nenhum momento.
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Verificou-se que os chipanzés possuem uma inteligência prática, capaz de permiti-los fazer
uso de instrumentos para realizar uma determinada tarefa, por exemplo, pegar uma fruta na
árvore. Porém, a utilização de instrumentos limita-se à conclusão de uma tarefa pontual, os
chipanzés não são capazes de lembrar numa segunda situação de fruta na árvore em utilizar o
mesmo instrumento que num outra ocasião o auxiliou, isso porque eles dependem de uma
situação visual real para utilização de um instrumento. Eles poderão até arrumar uma nova
maneira de resolver essa segunda situação, mas é importante salientar que isso será realizado
mais uma vez de modo prático e pontual e estando todos os elementos (árvore, fruta e vara)
em seu campo visível e compartilhem de mesma situação. Porém não haverá na segunda
resolução de problema a inteligência de utilização de lembrança, pois ao instrumento não lhe
é atribuído significado, ou seja, os primatas não são capazes de criar signos.
Porém, em todos os experimentos observou-se a capacidade dos chipanzés em
adquirirem hábitos de acordo com que a freqüência com que lhe ensinava determinada ação e
também a capacidade de solução de problemas através do processo de tentativa e erro. Mas
nada além disso, os chipanzés não são capazes de articular seu intelecto a fim de solucionar
problemas e elaborar significados, eles limitam-se suas ações à hábitos adquiridos, reflexos
instintivos, respostas à estímulos externos e emprego da tentativa e erro.
Outra característica dos primatas semelhante ao homem é a utilização de sons muito
parecidos com os que usamos para nos comunicar. Yerkes verificou nos orangotangos a
existência de um aparelho fonador tão elaborado quanto do homem, mas percebeu que existe
uma característica fundamental que impede os primatas de desenvolverem a linguagem como
os humanos: eles são incapazes de repetir sons. Verificou-se também que apesar dos sons
possuírem características fonéticas semelhantes às utilizadas por nós ao falar, esse sons são
exclusivamente emitidos a partir de estímulos externos, manifestações de desejo ou
subjetivas, nunca como sinais objetivos.
O que os estudos de Koeler e Yerkes puderam confirmar é que o pensamento e a fala
nos animais seguem cursos diferentes no seu desenvolvimento e que a identificação de um
intelecto embrionário nos primatas em momento nenhum se relaciona com a fala. É
justamente essa inexistência de relação entre intelecto e fala que limita os primatas e os difere
dos seres humanos, uma vez que
O fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da fala é que a relação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento. As curvas de crescimento de ambos cruzam-se muitas vezes; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo
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fundir-se por algum tempo, mas acabam-se separando-se novamente. Isso se aplica tanto à filogenia quanto à ontogenia. (VYGOTSKY, 2005, p. 41)
Dessa maneira, os estudos de Vygotsky sobre a espécie humana encontraram no
funcionamento intelectual e na utilização da linguagem dos macacos os precursores no
entendimento do desenvolvimento do pensamento e da linguagem do ser humano. Ao
verificar a existência de uma inteligência prática nos chipanzés, percebeu-se que o modo de
funcionamento intelectual independente da linguagem desses animais poderia ser
compreendido como fase pré-verbal do desenvolvimento do pensamento. Do mesmo modo
como que apresentam um pensamento pré-verbal, os animais se utilizam de uma linguagem
própria através da qual emitem sons e utilizam gestos e expressões faciais que cumprem
função meramente de alívio emocional, podendo estas também ser um meio de contato
psicológico com todo o grupo. Esse uso da linguagem pelos primatas foi compreendido por
Vygotsky como pré-intelectual, uma vez que não tem a função de signo, de significação com
seu interlocutor, limitando-se à mera expressão emocional.
Concluímos assim que a trajetória do pensamento e da linguagem dos animais são
independentes em todo o seu curso. Ao contrário do desenvolvimento do pensamento e da
linguagem no ser humano:
Num determinado momento do desenvolvimento filogenético, essa duas trajetórias se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional. A associação entre pensamento e linguagem é atribuída à necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante o trabalho, atividade especificamente humana. O trabalho é uma atividade que exige, por um lado, a utilização de instrumentos para a transformação da natureza e, por outro lado, o planejamento, a ação coletiva e, portanto, a comunicação social. (...) O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico transforma-se no sócio-histórico. (OLIVEIRA, 2006, p. 45)
Vygotsky elegeu duas funções básicas da linguagem as quais pautaram seus estudos.
A função principal é o intercâmbio social, pois é para se fazer entender com outros
indivíduos que o homem cria um sistema de linguagem. É a necessidade de comunicar-se que
impulsiona inicialmente o desenvolvimento da linguagem. Tomemos como exemplo um bebê
que como não é capaz de falar faz uso do choro e de outros gestos e expressões para
comunicar seus desejos, confortos e desconfortos.
Entretanto, conforme vai crescendo a criança vai adquirindo vocabulário e ainda
pequena percebe a necessidade de utilizar signos comuns a todos os indivíduos para que seus
desejos e idéias sejam compreendidos por outras pessoas. Essa seria a segunda função básica
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da linguagem: o pensamento generalizante. É a capacidade de ordenar e nomear o real de
modo agrupar os objetos e situações em categorias conceituais capazes de serem
compreendidas por todas as pessoas. Ao definir determinado objeto de mesa estou incluindo-o
na categoria “mesa”e diferenciando-o das demais categorias como cadeira, banco, armário,
etc. Dessa maneira, categorizando meu objeto de mesa, todos os indivíduos da minha
comunidade compreendem a que objeto me refiro.
É essa função de pensamento generalizante que torna a linguagem um instrumento de pensamento: a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. A compreensão das relações entre pensamento e linguagem é, pois, essencial para a compreensão do funcionamento psicológico do ser humano. (OLIVEIRA, 2006, p. 43)
O que podemos compreender na teoria vygotskyana é que na evolução da criança,
assim como na evolução da espécie humana, antes de o pensamento e da linguagem se
associarem existe uma fase pré-verbal no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-
intelectual no desenvolvimento da linguagem. Mesmo sem utilizar a linguagem a criança
pequena é capaz de resolver problemas práticos e utilizar determinados instrumentos na
solução de problemas. Bem como manifestar-se verbalmente através do choro, do riso e do
balbucio de modo a comunicar-se com outras pessoas.
Abaixo utilizaremos o esquema desenhado por OLIVEIRA em seu livro Vygostky –
aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio histórico:
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Esquema de desenvolvimento do pensamento verbal e da linguagem racional:
Figura 1
Fase Pré-Linguística do Pensamento
- utilização de instrumentos
- inteligência prática
Pensamento Verbal e Linguagem Racional
- transformação do biológico em sócio-histórico
Fase Pré-Intelectual da Linguagem
- alívio emocional
- função social
Nesse esquema fica claro perceber as funções das Fases Pré-verbal e Pré-Intelectual,
bem como a transformação significativa e qualitativa pela qual o ser humano passar ao
desenvolver-se rumo ao pensamento verbal e à linguagem racional.
3.5. O conceito de mediação
Um dos conceitos centrais da teoria vygotskyana é a mediação. “Mediação, em
termos genéricos, é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a
relação, então, deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento.” (OLIVEIRA,
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2006, pg. 26). Para Vygotsky a relação do homem com o mundo não é uma relação direta,
é uma relação essencialmente mediada. Essa mediação ocorre por meio de elementos
intermediários variados: instrumentos, signos, símbolos, etc. E o que ao homem a capacidade
de utilizar todos esses elementos intermediários são as suas estruturas psicológicas superiores,
ou seja, seus mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos exclusivos do ser
humano e com os quais ele é capaz de controlar seu comportamento e agir intencionalmente.
É certo que os animais também fazem uso de instrumentos, mas, assim como já
explicitado no início desse mesmo capítulo, esse uso ocorre de maneira deliberada e
rudimentar, sem haver entre os animais a capacidade de produção consciente de instrumentos.
Por conta de suas funções superiores, o ser humano pode imaginar situações não
vividas, planejar atividades a serem desenvolvidas futuramente, avaliar o resultado de uma
atividade e transmitir conhecimentos adquiridos para os demais indivíduos.
A atividade humana no mundo, seja ela física ou mental, sempre terá caráter
mediador. Ao travar uma conversa com um amigo, o indivíduo faz uso de informações
adquiridas e experiências vividas para elaborar suas palavras, compreender o que a outra
pessoas lhe diz e com isso gerar novos conhecimentos.
Ao utilizar um machado no corte de madeira, o homem está otimizando sua
performance na execução da atividade de cortar madeira e voltará a empregar o mesmo
machado sempre que lhe for necessário.
Um exemplo clássico que explicita bem o conceito de mediação na teoria vygotskyana
segue nas palavras de Martha Kohl de Oliveira:
Quando um indivíduo aproxima sua mão da chama de uma vela e a retira
rapidamente ao sentir dor, está estabelecida uma relação direta entre o calor da chama e a retirada da mão. Se, no entanto, o indivíduo retirar a mão quando apenas sentir o calor e lembrar-se da dor sentida em outra ocasião, a relação entre a chama da vela e a retirada da mão estará mediada pela lembrança da experiência anterior. Se, em outro caso, o indivíduo retirar a mão quando alguém lhe disser que pode ser queimar, a relação estará mediada pela intervenção dessa outra pessoa. (OLIVEIRA, 2006, p. 26).
Esse conceito nos remete a pensar em como todas as nossas ações mentais e físicas
são permeadas de mediação e podemos facilmente remeter esse processo permeando também
todas as atividades infantis de conhecimento do mundo e de inter-relação com este.
É pois, importante dedicar um pouco mais de atenção a um tipo de mediação a qual
Vygotsky dedicou muitos estudos e como esse tipo de mediação eleva o ser humano ao seu
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desenvolvimento sócio-histórico. Estamos falando da mediação sígnica. Os signos são para
Vygotsky instrumentos psicológicos, enquanto os instrumentos são voltados para fora do
indivíduo e com isso o auxiliam nas mudanças e controle da natureza, os signos auxiliam nos
processos psicológicos, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas.
O homem criou ao longo de sua história uma quantidade imensurável de signos que o
auxiliam nas mais variadas atividades psicológicas, podemos citar a criação do alfabeto com o
qual consegue se comunicar de modo escrito, a utilização de números para representar
quantidades e auxiliar na contagem de objetos e eventos, a utilização de placas e sinais com o
objetivo de orientação entre tantos outros. Os signos portanto podem ser por nós
compreendido como marcas externas que enchem as nossas vidas de significação.
Na medida em que evoluiu o homem essas marcas externas foram se transformando
em processos internos de mediação e com isso as substituímos por representações mentais do
mundo real. A esse processo Vygotsky deu o nome de internalização.
Os signos internalizados são, como as marcas exteriores, elementos que
representam objetos, eventos, situações. Assim como um nó num lenço pode representar um compromisso que não posso esquecer, minha idéia de ‘mãe’ representa a pessoa real da minha mãe e me permite lidar mentalmente com ela, mesmo na sua ausência. (...) a própria idéia de que o homem é capaz de operar mentalmente sobre o mundo – isto é, fazer relações, planejas, comparar, lembrar, etc. – supõe um processo de representação mental. (OLIVEIRA, 2006, p. 35)
3.6. O conceito de zona de desenvolvimento proximal
Outro conceito importante elaborado por Vygotsky e de essencial valor em nossa
pesquisa é a zona de desenvolvimento proximal, a qual falaremos um pouco mais a seguir.
Quando pensamos em avaliar o nível de desenvolvimento de uma criança geralmente
desejamos saber tudo que ela é capaz de fazer / responder sozinha e isso criamos recursos
diversos como tarefas individuais, argüições atividades observadas, etc. Ao observar tudo que
uma criança é capaz de realizar sozinha teremos acesso ao nível de desenvolvimento real
daquela criança, ou seja, para Vygotsky o nível de desenvolvimento real é a capacidade do
indivíduo de realizar tarefas independentes, sem auxílio nenhum. “As funções psicológicas
que fazem parte do nível de desenvolvimento real da criança em determinado momento de
sua vida são aquelas já bem estabelecidas naquele momento. São resultado de processos de
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desenvolvimento já completados, já consolidados”. (OLIVEIRA, 2006, p. 59). Podemos
exemplificar o fato de uma criança amarrar seus sapatos sozinha sem a ajuda de ninguém ou
de resolver uma operação de adição descrita em seu caderno também de maneira
independente, sendo capaz inclusive de explicar todas as etapas do cálculo através do qual
chegou ao resultado.
Porém, Vygotsky traz à cena o fato de que se queremos saber realmente o nível de
desenvolvimento de uma criança não devemos nos ater apenas ao que ela pode executar de
modo independente, mas também tudo aquilo que ela consegue concluir com a ajuda de
outrem, é o que o autor denomina nível de desenvolvimento potencial.
Há tarefas que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se
torna capaz de realizar se alguém lhe der instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas, ou der assistência durante o processo. No caso da construção da torre de cubos, por exemplo, se um adulto der instruções para a criança (‘Você tem que ir pondo primeiro o cubo maior de todos, depois os menores’ ou ‘Tem que fazer de um jeito que torre não caia’) ou se ela observar uma criança mais velha construindo uma torre ao seu lado, é Possível que consiga uma resultado avançado do que conseguiria se realizasse a tarefa sozinha. (OLIVEIRA, 2006, p. 59)
É importante salientar porém que Vygotsky chama atenção para o fato de que o nível
de desenvolvimento potencial da criança não é ilimitado. Ou seja, a criança só realizará a
tarefa com o auxílio se estiver num certo nível de desenvolvimento que lhe permita isso. Por
isso, uma criança de um ano ainda não é capaz de amarrar seus sapatos sozinha e nem com a
ajuda de alguém, pois ainda não desenvolveu-se a ponto de ter estruturas motoras e
intelectuais que suportem essa atividade.
O nível de desenvolvimento potencial muda completamente o modo como
encararmos o desenvolvimento de uma criança e traz com ele todo um trabalho a ser
desenvolvido no que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal, ou seja, “a
distância entre o nível de desenvolvimento real, que costuma determinar através de solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes.” OLIVEIRA, 2006, pg. 60.
A zona de desenvolvimento proximal é o caminho que o indivíduo percorrerá no
para o amadurecimento de suas funções psicológicas superiores uma vez que o que ele faz
hoje co o auxílio de alguém é o que ele fará de modo independente amanhã.
!
!
#'!
Com base no conceito de zona de desenvolvimento proximal, Vygotsky sugere um
ambiente escolar baseado na interação e para isso ele entende que o aprendizado impulsiona o
desenvolvimento uma vez que “o único bom ensino é aquele que se adianta ao
desenvolvimento.” Sobre o trabalho pedagógico e como este pode mediar o desenvolvimento
infantil, falamos mais detalhadamente no capítulo a seguir.
Porém, é importante ressaltar a mudança de paradigma que a teoria vygotskyana
trouxe para a Psicologia uma vez que propôs estudar o homem não apenas enquanto ser
biológico ou racional, mas acima de tudo compreendê-lo enquanto ser sócio-cultural que
estabelece a todo momento inter-relações com o meio a fim de modificá-lo.
!
!
#(!
4. Sobre o trabalho pedagógico
Diante da problemática de nossa pesquisa na qual questionamos em que medida pode o
trabalho pedagógico contribuir no desenvolvimento da fala de uma criança de dois anos de
idade, coube-nos nesse capítulo esclarecer o entendimento que tivemos sobre o que venha a
ser o “trabalho pedagógico” e para isso tomamos como base conceitual os pressupostos
descritos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96 – também
conhecida como LDB) e o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Partiremos discorrendo inicialmente sobre a lei número 9.394, de 20 de dezembro de
1996 sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso que prevê em seu artigo
21 a educação escolar brasileira organizada de acordo com seguintes níveis:
(...) I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II - educação superior.” (LDB-1996)
Dessa maneira, podemos localizar dentro da Educação Básica, mais precisamente em
seu início, a Educação Infantil que é compreendida nesse instrumento pelo trabalho escolar
oferecido por creches e pré-escolas às crianças no período de 0 a 5* anos. É pois, a Educação
Infantil, o período escolar que tomaremos como pano de fundo para basear nosso estudo e
compreensão acerca do trabalho pedagógico a ser desenvolvido com crianças de 2 anos de
idade. Ainda sobre o que está descrito na LDB a respeito da Educação Infantil, temos:
(...) Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.
Art. 31. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. (LDB, 1996)
!
!
#)!
O que pudemos verificar analisando a LDB é que o dado d*ocumento apresenta
certa limitação sistemática no que refere às características e objetivos da Educação Infantil,
utilizando-se de suas linhas para descrever os tipos de estabelecimentos responsáveis pela
Educação Infantil, diferenciando-os entre si do que é atendido por creches e o que é atendido
por pré-escolas. Deixando definido também, embora de modo bastante genérico, que as
atividades desenvolvidas nas creches devem buscar o desenvolvimento integral da criança,
aqui entendido como o desenvolvimento motor, afetivo e social – base fundamental da
estrutura intelectual a ser trabalhada em níveis escolares futuros, como o ensino fundamental
e médio, onde se busca principalmente desenvolvimento intelectual do indivíduo através dos
conteúdos programáticos legalmente descritos.
Dessa maneira, fomos buscar mais um complemento conceitual acerca de como o
trabalho pedagógico está legalmente definido e encontramos no Referencial Curricular
Nacional para Educação Infantil uma descrição mais detalhada dos objetivos a serem
alcançados e os trabalhos a serem desenvolvidos pelas instituições responsáveis por
atenderem à Educação Infantil.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil foi redigido em 1998 pelo
Ministério da Educação e Desporto e pela Secretaria de Educação Fundamental e distribuído
aos professores da Educação Infantil da rede pública nacional com o objetivo de auxiliá-los
no trabalho diário para com crianças pequenas.
Citando o naquele momento Ministro da Educação e Desporto Paulo Renato, o
Referencial Curricular atende
(...) às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) que estabelece, pela primeira vez na história de nosso país, que a educação infantil é a primeira etapa da educação básica. (...) O Referencial pretende apontar metas de qualidade que contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa, também, contribuir para que possa realizar, nas instituições, o objetivo socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso e a ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e cultural.”(REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 2)
O documento foi organizado em 3 partes com objetivos distintos e complementares
entre si nos quais é possível conferir a descrição dos objetivos e atividades a serem
empregados na Educação Infantil visando a formação pessoal, social e o conhecimento de
mundo da criança. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
,!Alteração da idade fim na Educação Infantil consta na lei número 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que ampliou o Ensino Fundamental em mais um ano.
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!
$+!
O primeiro volume faz uma reflexão sobre creches e pré-escolas brasileiras, bem
como descreve as concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional
utilizadas para definir os objetivos gerais. No segundo volume o eixo de trabalho favorece o
desenvolvimento de processos de construção da identidade e autonomia das crianças. E no
terceiro e último volume, relativo ao âmbito de experiência e conhecimento de mundo,
encontramos fundamentos que orientam a construção das diferentes linguagens pelas crianças
e para as relações que estabelecem com os objetos de conhecimento (movimento, música,
artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza, sociedade e matemática)
Ou seja, foi no Referencial Curricular que conseguimos extrair mais detalhadamente
não só as concepções legais que definem o que se espera alcançar na Educação Infantil no
Brasil, como também a descrição clara do trabalho didático a ser utilizado.
Sobre a aprendizagem é de entendimento do documento que
A criança é um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas. Tem desejo de estar próxima às pessoas e é capaz de interagir e aprender com elas de forma que possa compreender e influenciar seu ambiente. Ampliando suas relações sociais, interações e formas de comunicação, as crianças sentem-se cada vez mais seguras para se expressar, podendo aprender, nas trocas sociais, com diferentes crianças e adultos cujas percepções e compreensões da realidade também são diversas. Para se desenvolver, portanto, as crianças precisam aprender com os outros, por meio dos vínculos que estabelece. Se as aprendizagens acontecem na interação com as outras pessoas, sejam elas adultos ou crianças, elas também dependem dos recursos de cada criança. Dentre os recursos que as crianças utilizam, destacam-se a imitação, o faz-de-conta, a oposição, a linguagem e a apropriação da imagem corporal. (REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 21)
Sobre os objetivos a serem alcançados com o trabalho pedagógico na Educação Infantil,
as crianças de 0 a 3 anos deverão:
• experimentar e utilizar os recursos de que dispõem para a satisfação de suas necessidades essenciais, expressando seus desejos, sentimentos, vontades e desagrados e agindo com
progressiva autonomia;
• familiarizar-se com a imagem do próprio corpo, conhecendo progressivamente seus limites, sua unidade e as sensações que ele produz;
• interessar-se progressivamente pelo cuidado com o próprio corpo, executando ações simples relacionadas à saúde e higiene;
• brincar;
• relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses. (REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 27)
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$*!
A respeito do conteúdo a ser trabalhados com as crianças de 0 a 3 anos, Referencial
Curricular elege:
• Comunicação e expressão de seus desejos, desagrados, necessidades, preferências e vontades em brincadeiras e nas atividades cotidianas.
• Reconhecimento progressivo do próprio corpo e das diferentes sensações e ritmos que produz.
• Identificação progressiva de algumas singularidades próprias e das pessoas com as quais convive no seu cotidiano em situações de interação.
• Iniciativa para pedir ajuda nas situações em que isso se fizer necessário.
• Realização de pequenas ações cotidianas ao seu alcance para que adquira maior independência.
• Interesse pelas brincadeiras e pela exploração de diferentes brinquedos.
• Participação em brincadeiras de “esconder e achar” e em brincadeiras de imitação.
• Escolha de brinquedos, objetos e espaços para brincar.
• Participação e interesse em situações que envolvam a relação com o outro.
• Respeito às regras simples de convívio social.
• Higiene das mãos com ajuda.
• Expressão e manifestação de desconforto relativo à presença de urina e fezes nas fraldas.
• Interesse em despreender-se das fraldas e utilizar o penico e o vaso sanitário.
• Interesse em experimentar novos alimentos e comer sem ajuda.
• Identificação de situações de risco no seu ambiente mais próximo. (REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 29)
Pudemos também verificar no Referencial Curricular um capítulo dedicado à orientação
didática. Nesse sentido, o documento descreve a necessidade de que se reserve atenção às
atividades nas quais as crianças tenham oportunidade de interagir com outras crianças da
mesma idade ou não e também com adultos, uma vez que o documento sugere que a
interação é importante não apenas com o desenvolvimento afetivo e social da criança, mas
também é fator fundamental para seus desenvolvimento cognitivo.
O estabelecimento de condições adequadas para as interações está pautado tanto nas questões emocionais e afetivas quanto nas cognitivas. As interações de diferentes crianças, incluindo aquelas com necessidades especiais, assim como com conhecimentos específicos diferenciados, são fatores de desenvolvimento e aprendizagem quando se criam situações
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de ajuda mútua e cooperação. As características de cada criança, seja no âmbito afetivo, seja no emocional, social ou cognitivo, devem ser levadas em conta quando se organizam situações de trabalho ou jogo em grupo ou em momentos de brincadeira que ocorrem livremente. (REFERENCIAL CURRICULAR, 1998, p. 33)
Foi possível para nós ratificar que em termos legais é objetivo do trabalho pedagógico
realizado com crianças de 0 a 3 anos idade em território nacional a interação dessas crianças
com outras crianças e com o meio no qual estão inseridas. Ou seja, a interação contribui tanto
na formação da criança enquanto ser humano como é base para a aquisição do conteúdo
institucional a ser adquirido no ambiente escolar.
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5. Sobre o objeto de estudo
5.1. Apresentação dos dados – informações sobre a entrevistada
Além da pesquisa bibliográfica apresentada nos capítulos anteriores, o presente
trabalho contou com a realização de uma Entrevista Reflexiva enquanto objeto de estudo
utilizado a fim de oferecer suporte empírico necessário na análise de nossa questão central
que visa avaliar se o trabalho pedagógico interfere ou não no desenvolvimento da fala de
crianças de anos de idade.
A seguir descreveremos as características do objeto de estudo e na seqüência
apresentaremos os depoimentos classificados por categorias as quais julgamos pertinentes ao
nosso estudo e que serão consideradas no capítulo seqüente:
1) Local e data em que foram realizados os encontros para a Entrevista
Reflexiva:
- Pontífica Universidade Católica de São Paulo.
- 26/05/2009: apresentação da entrevistadora e da entrevistada, seus respectivos
percursos profissionais e informações pessoais que influenciaram direta ou
indiretamente suas carreiras.
28/05/2009: depoimento da entrevistada a partir da pergunta desencadeadora.
2) Sobre a entrevistada:
Nome: Mariana (a entrevistada solicitou que fosse divulgado apenas seu primeiro
nome)
Idade: 22 anos
Formação: iniciou o Terceiro grau em Hotelaria para atender às expectativas
familiares, após seis meses decidiu iniciar Pedagogia, curso este que sempre almejou desde a
conclusão do Segundo grau Normal. Atualmente está no último ano de Pedagogia fazendo
habilitação em Educação Infantil.
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$$!
Experiência Profissional: quatro anos trabalhando na Educação Infantil com
crianças de 2 a 3 anos de idade. Sendo o dois anos iniciais em uma escola construtivista e dois
atuais anos numa escola tradicional na qual estudou anteriormente durante toda sua vida antes
de ingressar no Terceiro grau.
3) Sobre a escola:
Escola particular localizada na Zona Norte de São Paulo, SP, Brasil. Atende à
Educação Infantil, ao Ensino Fundamental, Médio e Terceiro Grau. Este ano a escola
completa 85 anos.
A entrevistada descreve que nos últimos anos a escola tem dado mais ênfase à
Educação Infantil, o que não ocorria na sua época de escola, e que com isso tanto tem
recebido mais alunos quanto o espaço físico e elaboração de conteúdos e atividades para os
pequenos têm recebido mais atenção por parte da direção da escola.
Segundo a entrevistada, a escola possui o perfil de cultivar seus professores por
bastante tempo e isso reflete em uma equipe, que por trabalhar junta a bastante tempo, se
conhece bastante.
4) A entrevistada e a escola:
A Mariana relata que por ser conhecida na comunidade escolar possui confiança por
parte da coordenação/diretoria e com isso tem certa liberdade na hora de planejar e executar
suas atividades, o que possibilita que ela trabalhe com as abordagens construtivista e
tradicional em sua sala de aula.
A entrevistada também nos relatou que ao iniciar na atual escola, após dois anos
lecionado em um escola de abordagem construtivista, passou por um período de adaptação
com relação à nova escola possuir abordagem extremamente tradicional. Porém, com o tempo
e com a maturidade a Mariana conseguiu permear sua prática de atividades de cunho
tradicional e construtivista pois acredita que esse modelo atende as expectativas da escola e
também as suas enquanto educadora.
Atualmente a Marina dá aula no período da tarde para uma classe de 21 alunos entre 2
e 3 anos de idade. As crianças entram desfraldadas e muitas delas ainda não possuem uma
fala perfeita, ou seja, se comunicam oralmente de modo muito particular e restrito,
principalmente no início do ano.
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!
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A escola trabalha com o sistema de apostila desde a Educação Infantil, porém a
entrevistada acredita que o material por vezes se apresenta muito “pesado” para as suas
crianças e com isso ela mesma procura na abordagem construtivista soluções para tornar a
atividade mais “leves” e significativa para as crianças.
5) O atual momento de vida profissional da entrevistada:
A Mariana conta hoje com o apoio e reconhecimento familiar e se descreve como uma
pessoa realizada e feliz com a profissão que exerce, com o ambiente escolar no qual trabalha e
com o as atividades que executa em sala de aula. Futuramente nossa entrevistada pensa em
especializar-se com uma pós graduação e/ou mestrado na área da Educação.
5.2. Apresentação de dados – transcrição de trechos da entrevista
Descreveremos a seguir trechos da entrevista realizada com a Mariana classificando-
os por categorias as quais tecerão nossas considerações finais a respeito da nossa
problemática de pesquisa:
Questão desencadeadora: as atividades planejadas e trabalhadas por você em sala
de aula interferem no desenvolvimento da fala das crianças, sim ou não? Se sim, como?
Se não, por quê?
Depoimentos
Categorias
“Na minha reunião de apresentação (com os pais),
inclusive, o que eu falo é que na idade em que eu trabalho a
minha maior preocupação não é em ensinar em alfabetizar,
a minha intenção é socializar e melhorar oralmente as
crianças. Para que elas possam ir para o Jardim falando
bem, entendendo bem, se socializando bem. Porque até
então a minha fase nunca foram à escola.”
OBJETIVOS
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“A minha maior preocupação é que eles completem
o Maternal falando bem, mais nenhuma dificuldade de fala
nem de entender nada do que a gente fale e de socializar.
De saber o que é um grupo, que ele faz parte de um grupo,
onde ele está inserido, o que ele deve fazer diante de um
grupo. Na minha reunião de entrada eu já falo (isso) aos
pais.”
OBJETIVOS
“Graças a Deus nessa apostila que eu sigo a parte oral é
muito forte.”
“Sim, de maneira geral sim. Como: como eu disse,
minha intenção com a minha turma é a melhora dessa fala
que chega para mim não ruim, mas com dificuldade. Então
qualquer atividade, seja ela uma linguagem oral, seja ela
uma linguagem matemática, todas ela envolvem uma
atividade oral antes. Então, por exemplo, ‘Hoje a gente vai
aprender...’, vou te dar um exemplo de atividade que não
seja oral, ‘Hoje a gente vai conhecer o círculo. Então vocês
vão me falar o que é isso, como é, onde a gente pode ver.
Por exemplo ah! A roda do carro é um círculo, a bola que a
gente brinca é um círculo, o sol que fica lá no céu é um
círculo.’ De uma maneira ou de outra, tudo envolve uma
linguagem oral. Tudo. O falar com eles é muito importante.
Na minha atitude pedagógica em todos os momentos a
linguagem oral tá envolvida. Até mesmo na música. A
música é de tal forma uma linguagem oral então tudo que a
gente pode encaixá-la (a linguagem oral), já que é uma
maneira lúdica, e mais gostosa para a idade deles, a gente
também trabalha. Então, por exemplo, quando a gente vai
para o lanche a gente canta uma música, a gente reza. Então
CONTEÚDO
!
!
$'!
eu acho que a linguagem oral está envolvida em todos os
aspectos das outras linguagens que eu trabalho que são:
Matemática, Ciências...”
“Existem atividades que eu planejo exatamente para
eu trabalhar essa linguagem oral, onde o foco é exatamente
o oral. Por exemplo, ele já aprendem quadrinhas, por
exemplo ‘Se essa rua fosse minha...”. Então tem atividades
que eu planejo exatamente para trabalhar o oral. Mas
também tem momentos que isso também vai intermediando
no meu dia-a-dia. Mas existem sim atividades focadas para
trabalhar o oral.”
CONTEÚDO
“Eu trabalho muito com os pais também. Eu tenho
uma atividade que envolve a linguagem oral, que envolve
eles, os pais e eu, que chama ‘Conte seu fim de semana’.
Então toda sexta-feira eles levam um saquinho para casa, e
aí inclusive tem uma regrinha do jogo, e aí o papai junto
com a mamãe sentam no domingo e eles vão contar o que
eles fizeram no final de semana, tudo que ele contar e tudo
que eles lembrarem a mamãe escreve num papel para mim.
Aí na segunda-feira a gente faz uma roda e um de cada vez
vai me contar o que fez no fim de semana. Eu tenho alunos
também muitos tímidos, então com a escrita do papai e da
mamãe no papel eu incentivo. Então eu falo: ‘Ah! Lembra
que você foi lá na casa da vovó e o titio estava lá?” e aí eles
começam: ‘Ah! O titio tava lá e eu brinquei disso, disso e
daquilo, e minha prima tava lá e eu comi.’ Eles vão
lembrando e agente vai trabalhando isso.”
“Essa atividade (Conte seu fim de semana) a gente não
trabalha desde o começo (do ano). A gente entrou agora
INTERAÇÃO
!
!
$(!
nesse segundo bimestre. A gente começa desde o começo
(do ano) mas não com uma coisa efetiva.
“Eu trabalho assim, a gente sentava toda segunda-
feira e perguntava se ele foi passear se não foi. Os que
falavam ótimo. Os que não falavam talvez se incentivavam
por ver os outros falarem. E é super engraçado porque eles
se corrigem no decorrer da conversa. Porque um amigo fala
errado e os outros não e eles se corrigem da mesma maneira
que eu tento corrigir ou não é sempre da forma positiva,
nunca dizendo: ‘Não, tá errado! Não é assim.’ - ”
“Sempre em grupo, normalmente em roda. Porque
eu acho importante elas serem ouvidas e elas ouvirem.
Porque como eu mesmo te falei elas mesmo se corrigem.
Então trabalhar o oral em grupo para mim é mais vantajoso
e eu vejo mais resultado. Nunca trabalho individualmente.”
“Onde a gente fica que é a Educação Infantil é um
pouquinho afastado, mas eles se envolvem com crianças de
até 6 anos. Até porque as salas são próximas e eles se
encontram no banheiro, em algumas atividades até. A gente
tem aula de culinária, as vezes a gente se encontra com
outra turma, Educação Física, enfim... eles se relacionam. E
também eles se relacionam também com as serventes que
ficam lá. Então isso também acontece, uma oralidade com
pessoas adultas até.”
“A parte mais influenciadora é a relação de um com
outro. Porque quando você com o outro ou vocês
conversam e tentam se relacionar ou não acontece nada de
forma alguma! Até por gestos vai acontecer de uma coisa
INTERAÇÃO
!
!
$)!
ou outra mas se você não falar se você não conversar você
não consegue. Então o que acho que o mais importante
disso é essa socialização, é esse trabalhar em grupo, esse se
relacionar.”
“É muito diferente. O aluno que tem irmão em casa
de certa maneira também conversa. Por outro lado eu
também tenho dificuldade porque esse aluno que tem o
irmão mais velho vem me contando coisas que não são
adequadas a faixa etária do outro que ainda não sabe falar.
Por exemplo eu tive casos esse ano da mãe de uma aluno
que mal falava, falava coisas normais tipo mamãe, papai,
comer... e aí do nada, do dia para noite chegou falando
burro, feio, chato aí mãe ficou passada e eu tive que
intervir. Porque esses alunos também que têm irmãos me
ajudam e às vezes me atrapalham. Porque eles vêm com
vocabulário de adulto. Mas não de adultos tipo pai e mãe,
dos irmãos que não medem as palavras para falar com essas
crianças menores. Vem com uma fala bem melhor do que
os que são filhos únicos, mas aí eu tenho que também saber
trabalhar isso, até onde pode falar, o que pode falar na
escola, o que não pode e aí a gente vai intermediando.”
INTERAÇÃO
“A fala a gente avalia dia-a-dia. Então é incrível assim,
eu tenho um aluno que no começo do ano eu não entendia
nada o que ele falava. E é incrível o dia-a-dia, por ele trocar
a fala, ter que conversar com outros alunos... então a
melhora de dia-a-dia é incrível. O oral, a fala é observação
dia-a-dia e eu tenho um diário onde eu relato digamos
assim. Onde eu relato uma melhora ou até eu relato onde eu
acho que, porque existem casos muitos vezes que, tudo bem
AVALIAÇÃO
!
!
%+!
que são bem pequenos e a gente acha que vai ter uma
melhora até o final do ano, mas que não tem evolução
nenhuma a gente até indica para uma fono. E aí, tanto que
na reunião de pais agora que eu tive, agora esse mês, foi pra
gente ressaltar esse primeiro bimestre que a gente teve, esse
meu aluno que eu achei que ia ter problemas a mãe falou
assim para mim que ele começou a falar pela primeira vez
aos 3 anos em janeiro, então ele entrou na escola ele tinha
acabado de começar a falar. Então ele não falava nada e
agora fala.
AVALIAÇÃO
!
!
%*!
6. Análise dos dados
A partir da entrevista realizada e após analisar os dados por ela obtidos, foi
interessante verificar que os objetivos do trabalho pedagógico realizado pela professora a qual
entrevistamos estão claramente definidos: a socialização da criança com o grupo e o
desenvolvimento da fala, como podemos ver no trecho a seguir:
Na minha reunião de apresentação (com os pais), inclusive, o que eu falo é que na idade em que eu trabalho a minha maior preocupação não é em ensinar em alfabetizar, a minha intenção é socializar e melhorar oralmente as crianças. Para que elas possam ir para o Jardim falando bem, entendendo bem, se socializando bem. Porque até então a minha fase nunca foram à escola.
De acordo com o depoimento da nossa entrevistada, podemos saber o quanto as
crianças recém desfraldadas de apenas dois anos de idade chegam à escola com a sua fala
limitada, muitas vezes incompreensível e como em apenas poucos meses os pequeninos já
apresentam uma fala mais compreensível e como isso faz com que as atividades por eles
realizadas visem cada vez mais o desenvolvimento dessa fala. Quanto mais a fala se
desenvolve, mais as crianças falam e mais são capazes de se compreender e interagir com o
mundo.
Foi interessante também verificar a preocupação da professora em socializar a criança,
ou seja, fazer com ela perceba que faz parte de um grupo, que pode e deve interagir com esse
grupo de modo que será através das atividades em grupo que a prática pedagógica da classe
será desenvolvida.
No que diz respeito aos objetivos da prática pedagógica adotada em uma classe de
crianças de dois anos, verificamos que o desenvolvimento da fala se apresenta tanto como o
norte a ser alcançado como o mediador de todo o planejamento e execução de atividades
realizadas. Foi interessante também perceber o quanto o “outro”, seja ele o professor, o
coleguinha mais novo ou mais velho ou os demais funcionários da escola, está presente não
apenas nos objetivos pedagógicos, mas sobretudo é peça central na execução e no
desenvolvimento de todo o processo pedagógico. É através das conversas em grupo que os
pequeninos ouvem e são ouvidos e, se ainda não dão conta de uma fala através da qual
possam se fazer entender completamente, é nessa relação com o “outro” que encontram as
correções e os caminhos necessários para se comunicarem.
!
!
%"!
Outro ponto interessante que podemos perceber foi o quanto a professora acredita
que falando bem e sabendo interagir com os demais colegas a criança chegará mais preparada
nas classes futuras, uma vez que ambas habilidades, de acordo com o depoimento da
entrevistada, influenciam positivamente o aprendizado das futuras disciplinas por parte da
criança. Como podemos conferir no trecho a seguir:
A minha maior preocupação é que eles completem o Maternal falando bem, mais nenhuma dificuldade de fala nem de entender nada do que a gente fale e de socializar. De saber o que é um grupo, que ele faz parte de um grupo, onde ele está inserido, o que ele deve fazer diante de um grupo. Na minha reunião de entrada eu já falo (isso) aos pais.
Um ponto interessante que percebemos com a entrevista é que a partir do objetivo
claro da entrevistada em desenvolver a fala das crianças, ela tanto planeja atividades focadas
no desenvolvimento da fala quanto faz uso de todas as demais atividades (matemática, hora
do lanche, ciências...) para falar com seus alunos e incentivas neles a fala, a narrativa.
Tomemos como exemplo o trecho a seguir:
Existem atividades que eu planejo exatamente para eu trabalhar essa linguagem oral, onde o foco é exatamente o oral. Por exemplo, ele já aprendem quadrinhas, por exemplo ‘Se essa rua fosse minha.’. Então tem atividades que eu planejo exatamente para trabalhar o oral. Mas também tem momentos que isso também vai intermediando no meu dia-a-dia. Mas existem sim atividades focadas para trabalhar o oral.
(...) A minha intenção com a minha turma é a melhora dessa fala que chega para mim não ruim, mas com dificuldade. Então qualquer atividade, seja ela uma linguagem oral, seja ela uma linguagem matemática, todas elas envolvem uma atividade oral antes. Então, por exemplo, ‘Hoje a gente vai aprender...’, vou te dar um exemplo de atividade que não seja oral, ‘Hoje a gente vai conhecer o círculo. Então vocês vão me falar o que é isso, como é, onde a gente pode ver. Por exemplo ah! A roda do carro é um círculo, a bola que a gente brinca é um círculo, o sol que fica lá no céu é um círculo.’ De uma maneira ou de outra, tudo envolve uma linguagem oral. Tudo. O falar com eles é muito importante. Na minha atitude pedagógica em todos os momentos a linguagem oral tá envolvida.”
Outro ponto que notamos com relação ao conteúdo é que a professora tece uma
consideração importante a respeito da utilização de conteúdo apostilado com crianças
pequenas. Após descrever que acha esse material “pesado” para a idade das crianças ela nos
informa como são esses exercícios que muitas vezes visam meramente o desenvolvimento
motor: passar por cima de pontilhados, ligações de pontos, etc...
É pois a partir dessa avaliação particular que a professora faz a respeito do material
que recebe e que precisa ser trabalhado, que ela encontra brechas nesse conteúdo para
trabalhar as atividades ali propostas de maneira a desenvolver a fala das crianças de modo
!
!
%#!
mais interativo e interessante para as crianças, bem como se utiliza de atividades cotidianas
para inserir também a questão oral:
Graças a Deus nessa apostila que eu sigo a parte oral é muito forte. (...) Até mesmo na música. A música é de tal forma uma linguagem oral então tudo que a gente pode encaixá-la (a linguagem oral), já que é uma maneira lúdica, e mais gostosa para a idade deles, a gente também trabalha. Então, por exemplo, quando a gente vai para o lanche a gente canta uma música, a gente reza. Então eu acho que a linguagem oral está envolvida em todos os aspectos das outras linguagens que eu trabalho que são: Matemática, Ciências...
Podemos verificar também que a base de todo o trabalho pedagógico realizado pela
nossa entrevistada está na interação, na relação com outro, em contar com a colaboração e
também colaborar com o outro coleguinha, com os demais membros da comunidade escolar.
Foi interessante constatar o quanto a interação colabora no desenvolvimento da fala.
A parte mais influenciadora é a relação de um com outro. Porque quando você está com o outro ou vocês conversam e tentam se relacionar ou não acontece nada de forma alguma! Até por gestos vai acontecer de uma coisa ou outra mas se você não falar se você não conversar você não consegue. Então o que acho que o mais importante disso é essa socialização, é esse trabalhar em grupo, esse se relacionar. (...)
Outro ponto importante de se considerar é que a Mariana nunca restringe seu trabalho
à atividades individuais, pois ela acredita que é na interação que o desenvolvimento da fala
ocorre e que a socialização, a compreensão do que venha a ser um grupo, só ocorre de modo
empírico em se relacionando.
Sempre em grupo, normalmente em roda. Porque eu acho importante elas serem ouvidas e elas ouvirem. Porque como eu mesmo te falei elas mesmo se corrigem. Então trabalhar o oral em grupo para mim é mais vantajoso e eu vejo mais resultado. Nunca trabalho individualmente.
E para isso ela envolve os pais em suas atividades interativas:
Eu trabalho muito com os pais também. Eu tenho uma atividade que envolve a linguagem oral, que envolve eles, os pais e eu, que chama ‘Conte seu fim de semana’. Então toda sexta-feira eles levam um saquinho para casa, e aí inclusive tem uma regrinha do jogo, e aí o papai junto com a mamãe sentam no domingo e eles vão contar o que eles fizeram no final de semana, tudo que ele contar e tudo que eles lembrarem a mamãe escreve num papel para mim. Aí na segunda-feira a gente faz uma roda e um de cada vez vai me contar o que fez no fim de semana. Eu tenho alunos também muitos tímidos, então com a escrita do papai e da mamãe no papel eu incentivo. Então eu falo: ‘Ah! Lembra que você foi lá na casa da vovó e o titio estava lá?” e aí eles começam: ‘Ah! O titio tava lá e eu brinquei disso, disso e daquilo, e minha prima tava lá e eu comi.’ Eles vão lembrando e agente vai trabalhando isso.”
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!
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Como também envolve os demais alunos da escola e com os funcionários adultos da
escola:
Onde a gente fica que é a Educação Infantil é um pouquinho afastado, mas eles se envolvem com crianças de até 6 anos. Até porque as salas são próximas e eles se encontram no banheiro, em algumas atividades até. A gente tem aula de culinária, as vezes a gente se encontra com outra turma, Educação Física, enfim... eles se relacionam. E também eles se relacionam também com as serventes que ficam lá. Então isso também acontece, uma oralidade com pessoas adultas até.
O trabalho pedagógico realizado com essas crianças tão pequeninas e com objetivos
tão claramente definidos tem uma avaliação pautada na observação diária e no registro dessa
observação. É no dia-a-dia que a professora verifica os resultados do seu trabalho e é essa
constante análise de resultados que ela utiliza como termômetro para mensurar não apenas a
eficácia das atividades diante dos objetivos pedagógicos, como também o desenvolvimento
individual e possíveis avaliações de trabalhos especiais:
A fala a gente avalia dia-a-dia. Então é incrível assim, eu tenho um aluno que no começo do ano eu não entendia nada o que ele falava. E é incrível o dia-a-dia, por ele trocar a fala, ter que conversar com outros alunos... então a melhora de dia-a-dia é incrível. O oral, a fala é observação dia-a-dia e eu tenho um diário onde eu relato digamos assim. Onde eu relato uma melhora ou até eu relato onde eu acho que, porque existem casos muitos vezes que, tudo bem que são bem pequenos e a gente acha que vai ter uma melhora até o final do ano, mas que não tem evolução nenhuma a gente até indica para uma fono. E aí, tanto que na reunião de pais agora que eu tive, agora esse mês, foi pra gente ressaltar esse primeiro bimestre que a gente teve, esse meu aluno que eu achei que ia ter problemas a mãe falou assim para mim que ele começou a falar pela primeira vez aos 3 anos em janeiro, então ele entrou na escola ele tinha acabado de começar a falar. Então ele não falava nada e agora fala.
De uma maneira geral, ao conflitarmos os dados obtidos através do nosso objeto de
estudo com os conceitos teóricos que tomamos inicialmente como base para nossa pesquisa,
podemos constatar um alinhamento entre teoria e prática no que diz respeito aos objetivos do
trabalho pedagógico realizado com crianças de 2 anos de idade: o desenvolvimento da fala é
sim habilidade importante a ser desenvolvida nesse período da vida de uma criança e ela é
pode ser vista com pilar importante na aquisição dos futuros conhecimentos adquiridos na
escolar.
Com isso, podemos retomar a questão vygotskyana de que o desenvolvimento da
linguagem está intimamente ligado ao desenvolvimento do pensamento e que essa linguagem
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encontra na interação com o “outro” e com o meio ambiente a engrenagem necessária para
se desenvolver e caminhar ao encontro do desenvolvimento do pensamento, uma vez que é
através do encontro da linguagem com o pensamento que o ser humano dá o grande salto
que o permitirá um funcionamento psicológico mais sofisticado, mediado pelo sistema
simbólico da linguagem.
Vemos também como o trabalho pedagógico pode ser compreendido como um
mediador consciente do desenvolvimento da fala das crianças pequenas e como a necessidade
de interagir com os demais colegas, bem como com o restante da comunidade escolar, faz
com que essa criança encontre nesse ambiente os instrumentos e signos carregados de
significados culturais que o permitirão comunicar-se de modo cada vez mais compreensível e
elaborado. em apenas alguns meses na escola, a criança pequena que ali chega quase sem
nenhuma comunicação oral interage com os demais colegas e recebe deles e da professora
estímulos e correções que as fazem desenvolver sócio-historicamente rumo ao pensamento
mediado pela linguagem.
Além dos conceitos vygotskyanos, foi possível também averiguar questões
bakhtinianas saltarem em meio ao depoimento de nossa entrevistada. O quanto o discurso da
Mariana, durante suas atividades pedagógicas, está permeado de intencionalidade e o quanto
toda sua intenção está em sua fala durante sua prática e reflete nos discursos que são
construídos pelos seus alunos. Ao dar atenção acentuada à expressão oral, a professora fala de
modo claro, em tom próprio e capaz de não apenas facilitar a compreensão das crianças, como
também de contribuir de modo direto na aquisição de novas palavras e articulações cada vez
mais elaboradas das unidades da língua de modo a permitir a criação de discursos cada vez
mais permeados dos discursos dos outros por parte das crianças.
A utilização dos discursos dos outros fica clara na passagem que segue:
(...) O aluno que tem irmão em casa de certa maneira também conversa. Por outro
lado eu também tenho dificuldade porque esse aluno que tem o irmão mais velho vem me contando coisas que não são adequadas a faixa etária do outro que ainda não sabe falar. Por exemplo, eu tive casos esse ano da mãe de uma aluno que mal falava, falava coisas normais tipo mamãe, papai, comer... e aí do nada, do dia para noite chegou falando burro, feio, chato aí mãe ficou passada e eu tive que intervir. Porque esses alunos também que têm irmãos me ajudam e às vezes me atrapalham. Porque eles vêm com vocabulário de adulto. Mas não de adultos tipo pai e mãe, dos irmãos que não medem as palavras para falar com essas crianças menores. Vem com uma fala bem melhor do que os que são filhos únicos, mas aí eu tenho que também saber trabalhar isso, até onde pode falar, o que pode falar na escola, o que não pode e aí a gente vai intermediando.
Aqui pudemos ver claramente o quanto os alunos que possuem irmãos mais velhos
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não apenas assimilam os discursos dos irmãos como fazem seu uso, o que alguma vezes
contribui e outras não com o trabalho da professora de desenvolvimento da fala. Mas o que
para nós fica mais marcante é que o discurso do outro – nesse caso, do irmão mais velho –
não passa desapercebido, muito pelo contrário media e interfere diretamente na construção da
fala do irmão mais novo e até mesmo dos seus coleguinhas de classe.
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7. Considerações finais
Diante das considerações descritas até aqui, nossa pesquisa pôde compreender que o
trabalho pedagógico desenvolvido no ambiente escolar o qual tomamos como objeto de
estudo contribui no desenvolvimento da fala das crianças de dois anos de. Porém, um ponto
que nos surpreendeu foi o fato de que esse trabalho pedagógico tanto conta com o
planejamento de atividades específicas para o desenvolvimento da fala como faz uso de todas
as demais atividades ocorridas em sala de aula para fazer uso e estimular a fala das crianças. É
cercada de oralidade e de estímulos que a criança de dois anos que freqüenta uma
escola/creche vê-se embuída em um ambiente repleto de interações capazes de desenvolver
sua fala em apenas poucos meses. Também percebemos o quanto o desenvolvimento da fala
permite com que a professora avance na elaboração de atividades cada vez mais “falantes” e
que visem também a compreensão e estímulo à interação.
O que podemos também considerar é que o desenvolvimento da fala das crianças
ocorre sobretudo por conta da importância que a professora reserva à interação dentro e fora
de sala, verificamos isso no momento que a professora a qual entrevistamos pautou suas
atividades através de uma organização de alunos sentados em roda, onde todos falam e são
ouvidos, através de atividades que contam com a participação dos pais e também aproveita a
movimentação das crianças no ambiente escolar para que elas se relacionem com funcionários
e crianças de outras classes, ela nos mostra o quanto essa interação faz parte do
desenvolvimento da fala.
Diante da limitação de tempo que infelizmente contamos na realização desse estudo,
finalizamos aqui nossas considerações acerca da contribuição do trabalho pedagógico no
desenvolvimento da fala das crianças de dois anos e optamos por abrir um precedente para
que um futuro estudo, de nível mais detalhado, quiçá em nível tese, venha mergulhar mais
profundamente nos conceitos teóricos aqui discorridos e se utilize de maior quantidade de
professores envolvidos em entrevistas reflexivas individuais. Seria interessante, além de
envolver mais professores, que estes lecionem em escolas públicas também.
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8. Referências bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 5.ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1990. BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2008. CLARK, Katerina, Michael Holquist. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 2008. FIORIN, José Luis. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 4.ed. São Paulo: Ática, 2006. JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e Linguagem: Bakhtin, Vygostky e Benjamin. 11.ed. Campinas: Papirus, 2008. Lei de Diretrizes e Bases Nacional, 1996. NEWMAN, Fred; HOLZMAN, Lois. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento – Um
processo sócio-histórico. São Paulo: Loyola, 2002. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Lev Vygotsky: Cientista Revolucionário. 4.ed. São Paulo: Scipione, 2006. __________, Marta Kohl. História, Consciência e Educação. Revista Coleção Memória da Pedagogia. São Paulo, no 2, p. 6-13, 2005. REGO, Maria Cristina. Ensino e Constituição do Sujeito. Revista Coleção Memória da Pedagogia. São Paulo, no 2, p. 58-67, 2005. SZYMANSKI, Heloisa; ALMEIDA, Laurinda Ramaho de; BRANDINI, Regina Célia Almeida Rego. A Entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva. Brasília: Líber Livro, 2004. Referencial Curricular da Educação Fundamental, 1998. !
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VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente – O desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.