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VALOR NUTRICIONAL DA MERENDA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS DO PRÉ-ESCOLAR, MATRICULADO EM CEAPE* Rosa Nilda Mazzilli** MAZZILLI, R.N. Valor nutritional da merenda e sua contribuição para as recomendações nutricionais do pré-escolar, matriculado em CEAPE. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 21: 246-54, 1987. RESUMO: Estudou-se o valor nutricional da merenda escolar e os vários tipos de preparações oferecidas aos pré-escolares, matriculados nos Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar (CEAPEs). Analisou-se sua contribuição para satisfazer as recomendações diárias de energia e de nutrientes desse grupo etário da população. O estudo abrangeu 346 pré-escolares de CEAPEs implantados em 6 cidades do interior do Estado de São Paulo. As preparações servidas com maior freqüência em todos os CEAPEs foram: leite enriquecido, proteína testurizada de soja, sopas e mingaus de produtos à base dessa leguminosa. O valor energético médio variou de 210 a 403 calorias, e o de proteínas, de 5,7 a 12,0 g. Em relação a vitaminas e minerais, a merenda mostrou-se deficiente na maioria desses nutrientes e em todas as cidades estudadas. A contribuição da meren- da para as recomendações diárias de energia e de proteína ficou entre 21 e 44% e de 13a 26%, respectivamen- te. Quanto ao teor vitamínico, a merenda atendeu ao previsto pelo PNAE em relação às vitaminas A, B 1 e B 2 , apenas em três cidades; quanto aos minerais, somente o cálcio, em uma localidade, atingiu o estabeleci- do pelo Programa. A merenda ainda que não seja expressiva sua contribuição para as recomendações nutri- cionais diárias, constitui suplemento na dieta habitual do pré-escolar. UNITERMOS: Nutrição da criança. Pré-escolares. Merenda escolar. Necessidades nutricionais. * Parte da Tese de Doutoramento, intitulada "Contribuição e interferência da merenda escolar no dia alimentar de crianças matriculadas em Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar CEAPs", apresentada ao Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, para a obtenção do grau de doutor, em 1983. * * Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255 - São Paulo, SP - Brasil. INTRODUÇÃO A alimentação suficiente e adequada, principal ne- cessidade do ser humano 6 , constitui um dos direitos da criança 7 ; todavia, especialmente nos países em desen- volvimento, milhares de crianças não estão desfrutan- do desse direito. Como conseqüência, nessas áreas, a des- nutrição protéico-energética (DPE) continua sendo um dos mais graves problemas de saúde pública. A DPE, entre lactentes e pré-escolares de países em desenvolvimento, tem sido causa básica ou associada de mortalidade, contribuindo para elevar seu coeficiente nesses grupos populacionais 9,28 , chegando a ser de vinte a trinta vezes mais alta do que nos países desenvolvi- dos, na faixa etária de um a 4 anos 1 . Segundo a OMS 27 , a nutrição adequada é o princi- pal fator para o crescimento e desenvolvimento normais. Jelliffe e Jelliffe 19 estimam que de um a dois terços dos 400 milhões de pré-escolares, existentes no Terceiro Mundo, sofrem de desnutrição. No Brasil, os estudos realizados vêm demonstrando que a DPE é a deficiência nutricional de maior magni- tude e conseqüência para a saúde 2,3,4,5,17,18 . Apesar da DPE afetar significativa percentagem de pré-escolares, somente o grupo de 0 a 2 anos deste seg- mento da população tem recebido, mais tempo, a atenção dos Governos, seja em nível nacional ou esta- dual, mediante programas de assistência materno-infan- til. Apenas recentemente as autoridades governamentais vêm se conscientizando da necessidade de dar atenção às crianças de 2 a 6 anos, faixa etária ainda sem atendi- mento, uma vez que a partir dos 7 anos existiam os programas de assistência, tanto à saúde, nas unidades sanitárias, quanto à alimentação. Tendo em vista o papel que a suplementação alimen- tar tem na dieta de seus beneficiários, principalmente na idade pré-escolar, e considerando as elevadas verbas que lhe são destinadas anualmente, tanto em níveis fe-

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VALOR NUTRICIONAL DA MERENDA E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS RECOMENDAÇÕESNUTRICIONAIS DO PRÉ-ESCOLAR, MATRICULADO EM CEAPE*

Rosa Nilda Mazzilli**

MAZZILLI, R.N. Valor nutritional da merenda e sua contribuição para as recomendações nutricionais dopré-escolar, matriculado em CEAPE. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 21: 246-54, 1987.

RESUMO: Estudou-se o valor nutricional da merenda escolar e os vários tipos de preparações oferecidasaos pré-escolares, matriculados nos Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar (CEAPEs). Analisou-sesua contribuição para satisfazer as recomendações diárias de energia e de nutrientes desse grupo etário dapopulação. O estudo abrangeu 346 pré-escolares de CEAPEs implantados em 6 cidades do interior do Estadode São Paulo. As preparações servidas com maior freqüência em todos os CEAPEs foram: leite enriquecido,proteína testurizada de soja, sopas e mingaus de produtos à base dessa leguminosa. O valor energético médiovariou de 210 a 403 calorias, e o de proteínas, de 5,7 a 12,0 g. Em relação a vitaminas e minerais, a merendamostrou-se deficiente na maioria desses nutrientes e em todas as cidades estudadas. A contribuição da meren-da para as recomendações diárias de energia e de proteína ficou entre 21 e 44% e de 13a 26%, respectivamen-te. Quanto ao teor vitamínico, a merenda atendeu ao previsto pelo PNAE em relação às vitaminas A, B1 eB2, apenas em três cidades; quanto aos minerais, somente o cálcio, em uma localidade, atingiu o estabeleci-do pelo Programa. A merenda ainda que não seja expressiva sua contribuição para as recomendações nutri-cionais diárias, constitui suplemento na dieta habitual do pré-escolar.

UNITERMOS: Nutrição da criança. Pré-escolares. Merenda escolar. Necessidades nutricionais.

* Parte da Tese de Doutoramento, intitulada "Contribuição e interferência da merenda escolar no dia alimentar de criançasmatriculadas em Centros de Educação e Alimentação do Pré-Escolar — CEAPs", apresentada ao Departamento de Nutriçãoda Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, para a obtenção do grau de doutor, em 1983.

* * Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - 01255- São Paulo, SP - Brasil.

INTRODUÇÃO

A alimentação suficiente e adequada, principal ne-cessidade do ser humano6, constitui um dos direitos dacriança7; todavia, especialmente nos países em desen-volvimento, milhares de crianças não estão desfrutan-do desse direito. Como conseqüência, nessas áreas, a des-nutrição protéico-energética (DPE) continua sendo umdos mais graves problemas de saúde pública.

A DPE, entre lactentes e pré-escolares de países emdesenvolvimento, tem sido causa básica ou associada demortalidade, contribuindo para elevar seu coeficientenesses grupos populacionais9,28, chegando a ser de vintea trinta vezes mais alta do que nos países desenvolvi-dos, na faixa etária de um a 4 anos1.

Segundo a OMS27, a nutrição adequada é o princi-pal fator para o crescimento e desenvolvimento normais.

Jelliffe e Jelliffe19 estimam que de um a dois terçosdos 400 milhões de pré-escolares, existentes no TerceiroMundo, sofrem de desnutrição.

No Brasil, os estudos realizados vêm demonstrandoque a DPE é a deficiência nutricional de maior magni-tude e conseqüência para a saúde2,3,4,5,17,18.

Apesar da DPE afetar significativa percentagem depré-escolares, somente o grupo de 0 a 2 anos deste seg-mento da população tem recebido, há mais tempo, aatenção dos Governos, seja em nível nacional ou esta-dual, mediante programas de assistência materno-infan-til. Apenas recentemente as autoridades governamentaisvêm se conscientizando da necessidade de dar atençãoàs crianças de 2 a 6 anos, faixa etária ainda sem atendi-mento, uma vez que a partir dos 7 anos já existiam osprogramas de assistência, tanto à saúde, nas unidadessanitárias, quanto à alimentação.

Tendo em vista o papel que a suplementação alimen-tar tem na dieta de seus beneficiários, principalmentena idade pré-escolar, e considerando as elevadas verbasque lhe são destinadas anualmente, tanto em níveis fe-

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deral e estadual, quanto dos municípios, é de fundamen-tal importância que se conheça o valor nutricional dasuplementação alimentar oferecida, para aquilatar a va-lidade desses programas.

O presente trabalho tem por objetivo investigar a con-tribuição da merenda escolar para as recomendações nu-tricionais diárias dos pré-escolares matriculados em Cen-tros de Educação e Alimentação do Pré-EscolarCEAPEs*. Especificamente objetiva-se:- Conhecer os tipos de merenda distribuídos nos CEA-PEs.- Analisar a merenda em termos de seu valor nutricio-nal.

— Analisar a proporção de calorias e de nutrientes damerenda em relação às recomendações nutricionais e deenergia, segundo a Tabela do National Research Coun-cil - NRC26, USA.

METODOLOGIA

População de Estudo

A pesquisa foi realizada em 6 cidades do interior pau-lista, nas quais funcionavam 26 CEAPEs. O estudoabrangeu 18 Unidades, pertencentes àqueles municípios,num total de 346 pré-escolares, cuja idade variou de 2a 7 anos incompletos, no momento da extração da amos-tra. Empregou-se a amostragem probabilística em 3 eta-pas:

Primeira etapa: a unidade amostral foi o local doCEAPE. Segunda etapa: a unidade amostral foi a fa-mília. Terceira etapa: a unidade amostral foi o pré-es-colar.

De cada família amostrada, na segunda etapa, sele-cionou-se, por sorteio, apenas uma criança dentre aque-las pertencentes à família sorteada.

Método

Os dados sobre as merendas servidas nos CEAPEsforam obtidos em cada Unidade, mediante entrevistacom a merendeira, pessoa responsável pelo seu preparoe distribuição às crianças. Foram pesadas e/ou anota-das as quantidades mencionadas na embalagem de to-dos os alimentos utilizados no preparo dessa refeiçãoescolar.

Para o cálculo da ingestão de calorias e de nutrientesempregou-se a Tabela de Composição Química dosAlimentos32. Os valores para a vitamina A foram recal-culados com base em equivalente retinol, usando-se ametodologia de Flores e col.10, por estarem assim ex-pressas as recomendações do NRC, revisão 198026.

Tendo em vista que os valores médios de energia e de

cada nutriente, estabelecidos pelo NRC, constituem re-comendações por faixa etária e esta abrange intervalogrande, julgou-se de interesse adaptá-los por ano de ida-de, visando a obter avaliação mais precisa da adequa-ção da dieta do pré-escolar.

Assim, baseando-se nos dados de energia e proteína,recomendados para as faixas de 1 a 7 anos, idade dascrianças da amostra, traçou-se uma curva para cada umdaqueles dois elementos, com o auxílio da "curva fran-cesa" (Fig. 1 e 2). A partir desses gráficos, utilizou-seo valor para energia e proteína correspondente, na cur-va, ao meio ano para cada idade, considerando-se queesta foi registrada em anos inteiros. Para o grupo de 7anos, tomou-se o valor coincidente no ponto para a ida-de em anos inteiros. Incluiu-se esse grupo etário por-que, embora, no momento do sorteio, fossem excluídasas crianças de 7 anos completos, no intervalo entre aseleção da amostra e o levantamento dos dados (apro-ximadamente 2 meses), 38 (11%) pré-escolares comple-taram essa idade.

Os valores obtidos na curva serviram de base para ocálculo do total diário de energia e de proteína recomen-dado para os pré-escolares do estudo (Tabela 1).

Desde que as necessidades de energia e de proteínaestão diretamente relacionadas com o peso do indiví-duo, utilizaram-se os valores médios do padrão de SantoAndré, Classe IV20, para o referido cálculo.

A recomendação de tiamina, riboflavina e niacina estádiretamente relacionada com a ingestão calórica; assim,as recomendações para esses nutrientes foram calcula-das com base ao total calórico encontrado para as di-ferentes idades. Para os nutrientes restantes, ou seja,cálcio, fósforo, ferro, vitaminas A e C, foram usadosos valores tais como recomendados pelo NRC26. Comesses critérios, elaborou-se a tabela básica de recomen-dações de energia e nutrientes para o grupo estudado(Tabela 2).

* Trata-se programa que "tem como objetivo dar atendimento integral aos pré-escolares, principalmente àqueles das popula-ções de baixa renda, fornecendo-lhes suplementação alimentar ao mesmo tempo que um programa específico de recreaçãoorientada com o propósito de estimular o desenvolvimento físico, psicomotor, intelectual, social e emocional dessas crian-ças" (Gandra15) (cf. também Gandra13,14).

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RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Tipos de Merenda Escolar

O leite integral em pó, enriquecedores do leite*, pro-teína texturizada de soja**, sopas e mingaus dos maisvariados tipos e sabores, sempre à base da referida le-guminosa, foram os alimentos encontrados com maiorfreqüência em todos os CEAPEs. Esses produtos eram,na época, adquiridos pelo Departamento Estadual deAssistência ao Escolar (DAE), da Secretaria de Estadoda Educação, e enviados às unidades conveniadas paraexecução do Programa de Merenda Escolar.

Assim, constatou-se que as preparações mais freqüen-tes, servidas na merenda, foram:

• sopas cremosas ou não, de cereal ou leguminosa emgrão ou em pó, acrescidas de hortaliças, proteínatexturizada de soja, ovos, carne ou seu caldo;

• macarronada, polenta, arroz doce e canjica;• leite enriquecido, suco de laranja ou refresco e pão

com margarina, doce ou proteína texturizada de soja(preparada como se fosse carne moída, com mo-lho de tomate);

• leite enriquecido ou refresco e bolacha recheada.

Em alguns CEAPEs era distribuído, aos pré-escola-res, leite enriquecido no momento da entrada e, poste-riormente, a merenda em seu horário habitual.

Valor Nutricional da Merenda Escolar

Um dos objetivos deste estudo foi conhecer o valornutricional das merendas servidas aos pré-escolares quefreqüentam os CEAPEs. Constatou-se que, sem verbas

* Produtos à base de flavorizantes e açúcar, utilizados como aromatizantes do leite.** Produto obtido a partir da farinha desengordurada de soja, submetida a processos industriais de texturização.

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adicionais especificamente destinadas a esse tipo de su-plemento, ainda assim os municípios conseguem espon-taneamente oferecer, às crianças do Programa, refeiçãoque contribui com 13% a 26% das recomendações diá-rias de energia e 21% a 44% do recomendado para pro-teínas. Em alguns dos municípios integrantes do estu-do, a merenda proporcionou boa contribuição referen-te ao total recomendado de vitaminas e minerais paraesse grupo de crianças.

O valor nutricional médio das merendas servidas aospré-escolares, nos vários CEAPEs pesquisados, foi di-ferente de uma cidade para outra (Tabela 3), de acordocom os recursos próprios de cada Município.

O total energético variou bastante, como pode ser ob-servado na Tabela 3; o maior valor calórico da meren-da, verificado em Lins, contribuiu, em média, com24,4% para a ingestão total de calorias23 do grupo depré-escolares (Tabela 4). Nas demais cidades essa con-tribuição média esteve entre 14,2% e 21,8%. Esse per-centual foi maior quando se considerou o consumo ali-mentar dos pré-escolares por faixa de idade e não dogrupo como um todo (Tabela 4).

A quantidade de proteínas das merendas foi elevada,chegando sua contribuição a variar de 21 a 32% da in-gestão média desse grupo, com exceção de Campinas,onde esse valor foi de 14% (Tabela 5). Deve ser ressal-tado que, ao lado dessa alta contribuição, a proporçãode proteína de origem animal, em relação ao total, va-riou de 34 a 74%. Assim, pode-se concluir que a me-renda oferece boa suplementação desse nutriente, qua-litativa e quantitativamente, sendo bem superior àque-la proporcionada pela energia.

Quanto a vitaminas e minerais, as merendas mostra-ram-se inadequadas em relação ao que estabelece o IIPrograma Nacional de Alimentação e Nutrição (PRO-NAN II)17: o suplemento alimentar deve atender a 30%das recomendações nutricionais diárias para esse gru-po etário da população.

A merenda de Campinas mostrou-se inferior às das

demais cidades no que se refere a vitaminas e minerais,exceto para o cálcio (Tabela 3), porque diariamente eraservido leite enriquecido, enquanto nos outros CEAPEsos cardápios eram mais variados, como sopas diversas,macarronada, suco de laranja e, com menor freqüên-cia, o leite, alimento este mais concentrado em cálcio.

Qualidade Nutricional da Merenda Escolar

Para analisar a qualidade nutricional da merenda(ME) consumida pelos pré-escolares, utilizou-se o "ín-dice de Qualidade Nutricional" (IQN), indicador atual-mente empregado por vários estudiosos do assunto16,21-30, 31, 34, 35.

As Figuras 3, 4, 5, 6, 7 e 8 indicam o IQN da MEe sua contribuição para satisfazer as recomendações diá-rias de energia e nutrientes do pré-escolar. Verifica-seque, em todas as cidades, esse valor está acima de 1,0,mostrando que a merenda contém teor elevado de pro-teínas. A contribuição que faz para as recomendaçõesé alta, variando de 35 a 44%, exceção apenas para umacidade (Fig. 5), na qual esse percentual é de apenas 21%,não atingindo o previsto pelo Programa Nacional de Ali-mentação Escolar (PNAE)16. Entretanto, ao se obser-var o IQN das merendas oferecidas aos pré-escolares,nota-se que em todas as localidades está bem acima de1,0, ressaltando o seu valor nutricional em relação à pro-teína. Todavia, como esse indicador está relacionadocom o total energético da dieta, tanto a ME, como tam-bém a dieta diária do grupo mostraram-se deficientesem calorias24, é de supor que parte dessa proteína se-ja utilizada como fonte de energia, prejudicando sua par-ticipação na síntese protéica orgânica8, 25, 29, 33

Frente o alto custo dos alimentos protéicos e, ainda,considerando que dietas com elevado teor de proteínaexigem maior dispendio energético do organismo36, tor-na-se antieconômico atender às recomendações de ca-lorias por meio da predominância de alimentos que re-presentem boa fonte de proteína. Os hidratos de carbo-no e os lipídios, nutrientes principalmente energéticos,não só acarretam menor gasto de calorias orgânicas eliberam energia mais prontamente, como, também, sãoproporcionados por alimentos de mais baixo custo.

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Convém ressaltar que o teor protéico das merendasoferece contribuição relativamente elevada para atenderàs recomendações diárias desse nutriente. Assim é quea merenda servida nos CEAPEs de todas as localida-des estudadas, exceto Campinas, (Fig. 3), propicia de35 a 44% das recomendações de proteínas para pré-es-colares (Figs. 4, 5, 6, 7 e 8). Nota-se que, embora a me-

renda de Campinas seja constituída por menor teor pro-téico, 5,7g (Tabela 3), ainda assim representou 21% da

quota recomendada desse nutriente para as crianças emestudo (Fig. 3).

Os resultados referentes à qualidade da merenda, noque diz respeito a vitaminas e minerais, mostraram si-

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tuação inversa ao que ocorreu com a proteína.

Analisando-se a contribuição da merenda em relaçãoàs quantidades diárias recomendadas de vitaminas, cons-tatou-se que a refeição servida nos CEAPEs, em todasas localidades estudadas, somente em relação à vitami-

na B2 é que se aproxima do percentual estabelecido peloPRONAN II16. Em relação à vitamina C, a contribui-ção maior da merenda encontrou-se em Suzano (Figu-ra 8). Nesse Município, o suco de laranja, fonte de vita-mina C, fazia parte da merenda. Quanto às demais vi-taminas, a contribuição da merenda, de modo geral, não

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foi relevante.

O IQN do cálcio da merenda foi elevado, variandode 0,87 a 1,79, contribuindo com percentual entre 14 a38% das recomendações para o pré-escolar, exceto emLins (Fig. 3, 4, 5, 6, 7 e 8). Contudo, apesar da impor-tante participação da merenda, a dieta das crianças foideficiente em cálcio, uma vez que se verificou existir ade-quação média de consumo apenas entre 50 a 70% dasrecomendações 24.

Cumpre notar que o conteúdo relativamente alto deriboflavina e cálcio na merenda, possivelmente, ocorrepor conta do leite, boa fonte desses nutrientes, que é ser-vido freqüentemente nos CEAPEs.

A merenda de Suzano foi a que se mostrou mais pró-xima dos valores estabelecidos pelo PNAE, mas, mes-mo assim, sua contribuição para a vitamina B1, niaci-na e ferro não atingiu 20% do recomendado para o pré-escolar (Fig. 8).

A merenda que propiciou menor contribuição foi ade Campinas (Fig. 3), além de ser a de menor valor ca-lórico, quando comparada com a das demais cidades.

A análise do valor nutricional leva a deduzir que hámaior preocupação em atender ao teor protéico das me-rendas, em prejuízo dos demais nutrientes (vitaminas eminerais). Entretanto, justamente para esses princípiosnutritivos é que deveria haver, paralelamente, preocu-pação por parte dos responsáveis pelo Programa, ao severificar que a dieta usual de nossa população é bas-tante falha pelo escasso consumo de hortaliças, frutase leite, alimentos esses fontes desses nutrientes - fato jácomprovado por estudos anteriormente realizados 11, 24.

Paralelamente ao leite, se se utilizasse também, comfreqüência e em quantidade apropriada, hortaliças e fru-tas, o PNAE não só estaria fornecendo suplementaçãoadequada e corrigindo falhas alimentares, habitualmenteencontradas em nosso meio, como também contribui-ria para levar a criança ao hábito de incluir esses ali-mentos em sua dieta diária, fixando-o na vida adulta.

Considerando-se as diretrizes do PRONAN II16 pa-ra a suplementação alimentar de pré-escolares, ou seja,atender a 30% das necessidades diárias de energia e de

nutrientes dessas crianças, a merenda oferecida assimse comportou:

- quanto à energia, nenhuma das merendas atingiuo valor previsto;

- com referência às proteínas, com exceção de Cam-pinas cuja média atingiu apenas 21% das recomenda-ções protéicas, as das outras localidades superaram es-se valor, paralelamente à inadequação calórica;

- no que se refere a vitaminas, as merendas só aten-dem às recomendações do PRONAN II quanto às vita-minas A, B1 e B2 apenas, respectivamente, em Suzano,Guaratinguetá e Sumaré;

- em relação ao ferro, a merenda de nenhuma das lo-calidades atendeu a sequer 20% das recomendações diá-rias desse mineral, enquanto que, em relação ao cálcio,apenas a merenda de Sumaré satisfaz aos requesitos doPRONAN II.

Mas, levando-se em conta que os municípios e a co-munidade respondem por parcela maior de contribui-ção para a merenda dos CEAPEs, é de se esperar queesse Programa, alternativa de assistência aos pré-esco-lares que já se mostrou eficaz e eficiente, seja suporta-do amplamente também pelo Instituto Nacional de As-sistência ao Estudante (INAE) e tenha, como meta, for-necer 30% das recomendações energéticas e de nutrientesàs crianças que atende.

Entretanto, ressalta-se, que é de fundamental impor-tância que os programas de suplementação alimentarsejam baseados nas necessidades alimentares de sua po-pulação - alvo, investigando quais os nutrientes limitan-tes de sua dieta22. Mas, esse conhecimento somente se-rá possível mediante pesquisas sobre a alimentação dosgrupos aos quais se destinam esse programa.

CONCLUSÕES

O valor nutricional da merenda oferecida nosCEAPEs, ainda que não elevado, proporcionou de13 a 26% das recomendações diárias de energia ede 21 a 44% do recomendado de proteína para ogrupo estudado de pré-escolares.Quanto a vitaminas, a merenda não atende ao dis-posto no PRONAN II, com exceção para as vita-minas A, B1 e B2, respectivamente em Suzano,Guaratinguetá e Sumaré.Quanto aos minerais, também a merenda não al-

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cançou o estabelecido pelo PNAE: o ferro, em ne-nhuma das localidades alcançou, sequer, a 20% dasrecomendações diárias e, com relação ao cálcio, ape-nas em Sumaré satisfaz esse requisito do PRONANII.

• Conquanto não fosse expressiva a contribuição damerenda, em termos de energia, vitaminas e mine-rais, ainda, assim, constituiu ela suplemento na dieta

habitual do pré-escolar.• É fundamental que os programas de suplementa-

ção alimentar sejam baseados em pesquisas préviasdo consumo alimentar, não só do grupo-alvo co-mo do consumo familiar, no sentido de contar cominformações essenciais para planejamento adequa-do do suplemento a ser oferecido.

MAZZILLI, R. N. [The nutritional value of the school lunch and its contribution to the fulfilling of the nu-tritional recommendations of preschoolers enrolled in the Center for Education and Feeding of thePreschooler] Rev. Saúde públ., São Paulo, 21:246-54, 1987.

ABSTRACT: The present paper studied the nutritional value of the school lunch and the variety of thepreparations offered to preschool children drawn from Preschool Education and Feeding Centres (CEAPE).Its contribution to the energy and nutrients intake of this population group was analysed. Three hundred andforty six preschool children belonging to six towns of the State of S. Paulo were studied. The preparationsmost often served in all the CEAPEs studied were enriched milk, soy texturized protein, soups and mushesincluding soy bean. The average energy value of the school lunch varied between 210 and 403 calories andbetween 5.7 and 12 g of protein. The school lunch contributed from 21 to 44 per cent of the recommendedenergy intake. It was only sufficient in vitamins A, B1 and B2 in three towns and in calcium in only one.Although the school lunch does not make a significant contribution, it is a supplement to the usual preschooldiet.

UNITERMS: Child nutrition. Child, preschool. School lunch. Nutritional requirements.

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Recebido para publicação em 07/11/1985Reapresentado em 12/2/1987Aprovado para publicação em 21/3/1987.