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VALOR DO CORANTE VITAL ROSA BENGALA COMO AUXILIAR NO DIAGNÓSTICO DE XEROSE CONJUNTIVAL EM PROVAS DE TRIAGEM* Donald Wilson** Maria José Roncada** WILSON, D. & RONCADA, M.J. Valor do corante vital Rosa Bengala como auxiliar no diagnóstico de xerose conjuntival em provas de triagem. Rev. Saúde públ., S, Paulo, 19 :321-35, 1985. RESUMO: Demonstrou-se o valor do corante vital Rosa Bengala no diagnóstico da xerose conjuntival e determinou-se a prevalência de lesões oculares devidas à hipovita- minose A. Estudou-se uma amostra representativa (501 crianças) da população de 3 a 6 anos do Município de Cotia, SP (Brasil). Realizaram-se exames com e sem o uso de Rosa Bengala nas 501 crianças. As positivas para qualquer das técnicas foram sub- metidas a prova terapêutica (200.000 UI de vitamina A oral). Examinaram-se as córneas com fluoresceína, quando necessário. Realizou-se dosagem de vitamina A pelo método de Carr-Price. Não se observaram outras lesões, além de xerose conjuntival. Verificou-se que as prevalências de resultados positivos foram de 10,0% sem Rosa Bengala e 18,2% com o corante. As provas terapêuticas revelaram sensibilidade e especificidade baixas para o exame sem Rosa Bengala (18,5% e 14,3%, respectiva- mente) e altas para o exame com Rosa Bengala (81,5% e 89,0%, respectivamente), o que o indica como método diagnóstico auxiliar para provas de triagem. UNITERMOS: Xeroftalmia, diagnóstico. Rosa Bengala. * Trabalho subvencionado pelo Convênio n.o 08/81, realizado entre o Instituto Nacional de Alimenta- ção e Nutrição (INAN) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Apresentado no VII Congreso Latinoamericano de Nutrición, Brasilia, DF, novembro de 1984. ** Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil. INTRODUÇÃO A hipovitaminose A pode produzir alterações oculares que se manifestam interna ou externamente. No primeiro caso, diminuição da sensibilidade da retina à exposição luminosa, causando cegueira noturna. No segundo, as alte- rações ocorrem no epitélio conjuntival ou corneal, ocasionando a xeroftalmia, a qual, nos casos mais avançados, pode levar à cegueira, parcial ou total, resul- tante de ulceração corneal, de opacidade corneal ou de ceratomalácia. O grupo etário mais exposto ao risco dessa deficiência nutricional é o pré-es- colar, no qual a busca dos sintomas de cegueira noturna em inquéritos nutricio- nais não é aconselhada, dada a subjeti- vidade da informação. Quanto aos sinais de xeroftalmia, sua identificação torna-se mais fácil, quanto mais graves eles se apresentarem, o que é indesejável, já que devem ser surpreendidos na fase inicial para debelar suas graves seqüelas. A xerose conjuntival é um dos sinais mais iniciais da deficiência de vitami- na A; entretanto, seu diagnóstico nem sempre é fácil, principalmente nas for- mas leves. Conseqüentemente, a pesquisa de indicadores das manifestações iniciais de xeroftalmia é medida que se impõe, dada sua importância não só no que se refere ao diagnóstico precoce dessa doen- ça carencial, como também para a im- plantação de um sistema de vigilância nutricional.

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VALOR DO CORANTE VITAL ROSA BENGALA COMO AUXILIAR NODIAGNÓSTICO DE XEROSE CONJUNTIVAL EM PROVAS DE TRIAGEM*

Donald Wilson**Maria José Roncada**

WILSON, D. & RONCADA, M.J. Valor do corante vital Rosa Bengala como auxiliar nodiagnóstico de xerose conjuntival em provas de triagem. Rev. Saúde públ., S, Paulo,19 :321-35, 1985.

RESUMO: Demonstrou-se o valor do corante vital Rosa Bengala no diagnóstico daxerose conjuntival e determinou-se a prevalência de lesões oculares devidas à hipovita-minose A. Estudou-se uma amostra representativa (501 crianças) da população de 3 a6 anos do Município de Cotia, SP (Brasil). Realizaram-se exames com e sem o usode Rosa Bengala nas 501 crianças. As positivas para qualquer das técnicas foram sub-metidas a prova terapêutica (200.000 UI de vitamina A oral). Examinaram-se ascórneas com fluoresceína, quando necessário. Realizou-se dosagem de vitamina A pelométodo de Carr-Price. Não se observaram outras lesões, além de xerose conjuntival.Verificou-se que as prevalências de resultados positivos foram de 10,0% sem RosaBengala e 18,2% com o corante. As provas terapêuticas revelaram sensibilidade eespecificidade baixas para o exame sem Rosa Bengala (18,5% e 14,3%, respectiva-mente) e altas para o exame com Rosa Bengala (81,5% e 89,0%, respectivamente), oque o indica como método diagnóstico auxiliar para provas de triagem.

UNITERMOS: Xeroftalmia, diagnóstico. Rosa Bengala.

* Trabalho subvencionado pelo Convênio n.o 08/81, realizado entre o Instituto Nacional de Alimenta-ção e Nutrição (INAN) e a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Apresentadono VII Congreso Latinoamericano de Nutrición, Brasilia, DF, novembro de 1984.

** Do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo —Av. Dr. Arnaldo, 715 — 01255 — São Paulo, SP — Brasil.

INTRODUÇÃO

A hipovitaminose A pode produziralterações oculares que se manifestaminterna ou externamente. No primeirocaso, há diminuição da sensibilidade daretina à exposição luminosa, causandocegueira noturna. No segundo, as alte-rações ocorrem no epitélio conjuntivalou corneal, ocasionando a xeroftalmia,a qual, nos casos mais avançados, podelevar à cegueira, parcial ou total, resul-tante de ulceração corneal, de opacidadecorneal ou de ceratomalácia.

O grupo etário mais exposto ao riscodessa deficiência nutricional é o pré-es-colar, no qual a busca dos sintomas decegueira noturna em inquéritos nutricio-nais não é aconselhada, dada a subjeti-vidade da informação. Quanto aos sinais

de xeroftalmia, sua identificação torna-semais fácil, quanto mais graves eles seapresentarem, o que é indesejável, já quedevem ser surpreendidos na fase inicialpara debelar suas graves seqüelas.

A xerose conjuntival é um dos sinaismais iniciais da deficiência de vitami-na A; entretanto, seu diagnóstico nemsempre é fácil, principalmente nas for-mas leves. Conseqüentemente, a pesquisade indicadores das manifestações iniciaisde xeroftalmia é medida que se impõe,dada sua importância não só no que serefere ao diagnóstico precoce dessa doen-ça carencial, como também para a im-plantação de um sistema de vigilâncianutricional.

A procura de meios auxiliares para odiagnóstico das lesões iniciais da xerof-talmia surgiu há mais de meio século.Assim, em 1930, Mouriquand e col.4 su-geriram o uso de lâmpada de fenda; em1935, Sweet e K'Ang10 propuseram araspagem do epitelio ocular, com examedo material colhido; em 1950, Noguei-ra Jr.5 desenvolveu uma técnica parao índice de ceratinização da conjuntivabulbar.

Em 1977, Chouhan2 utilizou para adetecção precoce da xeroftalmia o kajal,um corante preto gorduroso muito usadona índia como cosmético, recomendan-do-o para trabalhos de campo.

Porém, foi só depois dos trabalhos deNorn7 sobre o uso de corantes vitais emoftalmología que se desenvolveu, na dé-cada de 70, sua aplicação em trabalhosde campo, tendo Sauter9 (1976) pro-posto sua utilização para a detecção desinais iniciais de xeroftalmia, quandoaplicou tópicamente, em trabalho rea-lizado no Kenya, os corantes vitais RosaBengala e lissamine verde.

Em seguida, Kusin e col.3 (1977) uti-lizaram uma combinação de fluoresceínae Rosa Bengala em estudos na Indoné-sia, relatando ser este último um auxiliarpromissor no diagnóstico de xerose con-juntival e concluindo, após várias consi-derações favoráveis ao seu uso, que umamancha corada na conjuntiva, claramentevisível a uma distância de 0,5 a l metro,deveria ser considerada como específica.

O Rosa Bengala é um derivado tetra-clorado e tetraiodado da fluoresceína só-dica (C2oH2Cl4I4O5), corando em rosacélulas degeneradas, células mortas emuco7. As células íntegras eliminamprontamente o corante, enquanto as cé-lulas degeneradas demoram longo tempopara se descorarem6 (em torno de 30minutos).

Em 1978, na India, Vijayaraghavan ecol.11 usaram o Rosa Bengala num tra-

balho em que examinaram crianças hos-pitalizadas e crianças em trabalho decampo; os resultados de ambos os es-tudos mostraram a utilidade do co-rante como um instrumento simples esensível para detectar a xerose conjun-tival. Os autores recomendaram aindaseu uso em inquéritos nutricionais delarga escala, uma vez que o teste tem avantagem de ser objetivo e poder serusado por pessoal paramédico para a tria-gem de crianças com xerose conjuntival.

No Brasil, em pesquisa realizada tam-bém em 1978, com pré-escolares institu-cionalizados na Capital do Estado deSão Paulo, e publicada em 1981, Wilsone col.12 testaram o uso do Rosa Bengalaa 1% em condições de campo. Concluí-ram que, não obstante dificuldades técni-cas e o fato de muitos casos positivosà Rosa Bengala encontrados não pode-rem ser atribuídos à hipovitaminose A,recomendavam seu uso para o diagnósti-co de lesões oculares devidas à carênciade vitamina A.

Recentemente, Wilson e Nery13 (1983)utilizaram um aperfeiçoamento da técni-ca empregada por Sauter9, em trabalhorealizado na Área Metropolitana de Por-to Alegre, RS, onde, ao invés de instilaro colírio de Rosa Bengala, usaram tirasde papel impregnadas com o corante, se-cas, esterilizadas e reumidecidas no ins-tante do uso com soro fisiológico, obten-do bons resultados.

Entretanto, apesar de inúmeros pes-quisadores terem se valido do Rosa Ben-gala como auxiliar na detecção de xeroseconjuntival, ainda se carece de estudosmais detalhados sobre a especificidade esensibilidade do método. Este é um dosobjetivos deste trabalho, além de deter-minar a prevalência de lesões ocularespor hipovitaminose A em pré-escolares.Ambos vêm ao encontro dos interesses

do Instituto Nacional de Alimentação eNutrição — INAN.

METODOLOGIA

População Estudada

Estudou-se uma amostra da popula-ção urbana do Município de Cotia. Ascaracterísticas da localidade encontram-se descritas em trabalho realizado ante-riormente 8.

Amostragem

Após cadastramento da localidade, fo-ram excluídas as famílias que não con-tavam com um pré-escolar de 3 a 6 anosde idade, na sua composição. Das famí-lias restantes, extraiu-se uma amostracasual simples. A extração da amostrafoi feita de forma a conter 501 pré-escolares.

Exame Ocular

A. Exame sem corante vitalAs 501 crianças foram examinadas

sem o uso de corante vital, buscando-selesões conjuntivais (xerose e manchas deBitot) e lesões corneáis (xerose, ulcera-ções, ceratomalácia, leucomas, nébulas ef tisis bulbi).

B. Exame com corante vital

a) Rosa BengalaLogo após o exame ocular sem co-

rante vital, todas as crianças foram ree-xaminadas utilizando-se o corante vitalRosa Bengala para o diagnóstico de xe-rose conjuntival. A aplicação do corantefoi realizada por meio de tiras de papelde filtro Whatman n.° 4, em que umadas pontas foi impregnada com uma so-lução a 10% do corante, com posterioresterilização com raios gama. As tiraseram umidecidas no momento de usar,com DacrioseR, "pincelando-se" a con-juntiva da pálpebra inferior. Mandava-se

o paciente piscar seguidamente durantecerca de 15 segundos. A leitura era feitaum minuto após a aplicação do corante.Examinava-se a conjuntiva à vista de-sarmada à distância de cerca de 50 cm.Considerava-se como resultado positivoa impregnação da conjuntiva em um oumais pontos pelo corante. Este métodojá demonstrou ser eficiente e, emborapodendo ser aplicado por enfermeiras13,no presente trabalho o foi pelo médicoda equipe. Os exames sem corante eramrealizados em primeiro lugar e anotadospor um auxiliar. Em seguida, processa-va-se o exame com o corante. Dada aobjetividade deste exame (cora ou nãocora, observando-se os critérios estabele-cidos — leitura após um minuto à dis-tância de 0,5 m) estava garantida a inde-pendência dos resultados. Os demaisexames eram realizados sem que o exa-minador tivesse conhecimento de resulta-do anterior; o caso a ser examinado po-deria ser um retorno ou um caso aindanão examinado. Dado o espaçamento en-tre os exames e o volume de trabalho,não era possível ao examinador saberse o caso era novo ou se já tinha sidoexaminado.

b) Fluoresceína

Sempre que havia suspeita de lesãocorneal, aplicava-se fluoresceína nosolhos e examinava-se em recinto obs-curo, com auxílio de uma luz azul pro-veniente de uma lanterna a pilha, mu-nida de filtro adequado.

Níveis Sangüíneos de Vitamina A

O método de dosagem de vitamina Aplasmática foi o de Carr-Price1. A provabioquímica foi realizada em apenas 362crianças, por motivos vários.

Prova TerapêuticaTodos os indivíduos positivos por

qualquer das técnicas de exame conjun-

tival receberam uma dose de 200.000 UIde vitamina A por via oral, em soluçãooleosa (cápsula de 200.000 UI de vita-mina A, mais 40 UI de vitamina E).*Havendo persistência dos resultados clí-nicos positivos após três semanas, rece-biam os pacientes nova dose igual davitamina.

Os indivíduos positivos com RosaBengala mas negativos sem seu uso fo-ram divididos aleatoriamente em doissub-grupos: o primeiro recebeu vitami-na A imediatamente após o exame e foireexaminado três semanas, pelo menos,mais tarde; o segundo, nada recebeu atítulo de medicação e foi também reexa-minado daí a três semanas, no mínimo.Havendo persistência do resultado posi-tivo recebiam mais 200.000 UI de vita-mina A e eram submetidos a novo exa-me, decorrido um prazo mínimo de trêssemanas.

Os positivos ao exame sem corantevital mas negativos ao exame com RosaBengala, assim como os positivos, conco-mitantemente, pelos dois métodos, nãoforam divididos em sub-grupos e rece-beram a mesma terapêutica dispensadaao primeiro sub-grupo dos positivos aoRosa Bengala e negativos sem o seu uso.

Registro de Dados

Todos os dados colhidos foram regis-trados em fichas apropriadas, planejadaspara este trabalho e, posteriormente,apurados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram examinadas 501 crianças, de3 a 6 anos de idade. Não se observarammanchas de Bitot, nem lesões corneáisem ambos os tipos de exames oculares

realizados (sem e com corantes vitais).Constatou-se apenas xerose conjuntivalem ambas as modalidades de exames,com freqüências diferentes, e que serãoobjeto da análise que se segue.

Exame sem corante vital

O exame das crianças sem corantevital revelou 50 casos positivos paraxerose conjuntival (10,0%) e 451 nega-tivos (90,0%). Considera-se positivo to-do paciente que apresentar áreas da con-juntiva sem o brilho característico, o queé tido como secura, ou que apresenteconjuntivas pregueadas (o que traduzi-ria também secura, porém, mais prolon-gada). Todas as crianças consideradaspositivas apresentaram conjuntivas pre-gueadas e nenhuma apresentou áreassem brilho. O significado deste sinal clí-nico será discutido mais adiante. Comrelação à falta de brilho e aparência desecura, é opinião do grupo que realizouesta pesquisa, que o diagnóstico destesinal é extremamente difícil, a não serquando realizado com o auxílio de umalâmpada de fenda, quase impossível deser utilizada em trabalhos de campo emque se estudam populações.

Exame com corante vital

Os resultados das 501 crianças exami-nadas com Rosa Bengala (Tabela 1) re-velaram 91 crianças positivas (18,2%)e 410 negativas (81,8%). À primeiravista haveria um excesso de 41 crianças(8,2%) em relação ao exame sem co-rante vital. Entretanto, esta não foi a rea-lidade, pois apenas 12 crianças (2,4%)apresentaram resultados positivos para asduas provas e 79 (15,8%) mostraram-senegativas ao exame com a primeira téc-nica. Por outro lado, das 50 criançaspositivas ao exame sem o corante vital,38 (7,6%) foram negativas quando estefoi usado.

* Fabricado por R.P. Scherer Pty. Ltd., Mel-bourne, Austrália, para a UNICEF,

Os resultados revelaram duas preva-lências diferentes de xerose conjuntival,urna para cada técnica empregada, semmeios para se dizer qual a que repre-senta a realidade, ou que mais se apro-xima dela no que respeita à prevalênciada xerose conjuntival nesta população.

Relação dos resultados negativos epositivos sem corante vital com osníveis sangüíneos de vitamina A

Com o objetivo de elucidar o signifi-cado real do resultado negativo sem ouso do corante vital, procurou-se rela-cionar estes resultados com os níveissangüíneos de vitamina A, verificando-se que entre os indivíduos consideradosnegativos encontraram-se 11 pacientescom níveis plasmáticos de vitamina Aabaixo de 10 []g/100 ml (3,5%), 87com níveis entre 10 e 19,9 []g/100 ml(27,5%) e 218 com níveis plasmáticosde 20 []g/100 ml ou mais (69,0%). Osvalores não normais foram, portanto, 98(31,0%).

Examinando-se os positivos sem o usodo corante vital, observa-se que 2 in-divíduos (4,3%) apresentaram níveisplasmáticos abaixo de l0 []g/100 ml, 8(17,4%) entre 10 e 19,9 []g/100 ml e 36(78,3%) níveis de 20 []g/100 ml ou mais.Assim, 10 indivíduos (21,7%) têm valo-

res considerados não normais, sendo estaproporção mais baixa do que aquela en-contrada entre os negativos. Isto nosleva a considerar a relação inconclusiva(Tabela 2).

Procurou-se comparar, então, as mé-dias dos níveis sangüíneos dos dois gru-pos, verificando-se que a média do gru-po negativo era 24,3 []g/100 ml e a dopositivo era 25,3 []g/100 ml. Estes doisresultados mostram que não houve re-lação entre níveis sangüíneos e xeroseconjuntival, quando o diagnóstico foifeito sem o uso de corante vital (Ta-bela 2).

Relação dos resultados negativos epositivos com corante vital, com osníveis sangüíneos de vitamina A

Com o mesmo objetivo do item ante-rior, compararam-se os resultados obti-dos utilizando-se corante vital com osníveis plasmáticos de vitamina A (Tabe-la 3), verificando-se que entre os nega-tivos 11 pacientes (3,8%) apresentaramníveis abaixo de 10 []g/100 ml, 77(26,5%) entre 10 e 19,9 []g/100ml e203 (69,8%) níveis iguais ou superioresa 20 []g/100 ml. Oitenta e oito indiví-duos (30,3%) apresentaram resultados,abaixo do normal. Entre os positivos 2

pré-escolares (2,8%) apresentaram níveisabaixo de 10 []g/100 ml, 18 (25,4%) en-tre 10 e 19,9 []g/100ml e 51 (71,8%)

de 20 []g/100 ml ou mais. Também aquia proporção de valores abaixo do normalfoi inferior à dos negativos (28,2%).

Comparando as médias dos níveisplasmáticos de vitamina A dos resulta-dos negativos e positivos verificou-seque os primeiros apresentaram média de24,4 []g/100 ml e os positivos de 24,5[]g/100ml. A distribuição de freqüên-cias que originou as médias encontra-sena Tabela 3.

Pelos resultados, verifica-se que nãohouve relação entre níveis plasmáticos devitamina A e xerose conjuntival, quandoo diagnóstico foi feito com o corantevital.

Os resultados globais levam a concluirque os exames bioquímicos não contri-buem nem para o diagnóstico de xeroseconjuntival, nem para a interpretaçãodos resultados dos exames com o usodo corante vital.

Prova terapêutica

A acentuada diferença nas prevalên-cias de xerose conjuntival encontradasusando-se ou não Rosa Bengala comocorante vital, tornou necessário que seidealizasse uma prova que permitisse ainterpretação do valor de cada uma dastécnicas empregadas. Sendo a xeroseconjuntival decorrente de várias causas,parece que a melhor forma de se fazer adistinção é o emprego de uma prova te-rapêutica. Entretanto, provas terapêuti-cas mal conduzidas podem levar a inter-pretações errôneas, inversas mesmo, doque ocorre na realidade. Por esse moti-vo, tais provas devem ser cuidadosamen-te planejadas.

Pacientes positivos sem e negativoscom corante vital

Dos 38 pacientes positivos sem o usodo corante vital mas negativos com seuuso (Tabela 1) (todos apresentando pre-

gueamento de conjuntiva) puderam serreexaminados 35 (os responsáveis por 3pré-escolares não permitiram que estesfossem submetidos a novo exame), sen-do que todos receberam 200.000 UI devitamina A imediatamente após o pri-meiro exame clínico.

Os resultados (Tabela 4) mostram queapenas 5 indivíduos (14,3%) apresen-taram regressão do sinal clínico, doisdeles em apenas um dos olhos (5,7%).Estes resultados levam a concluir que85,7% dos sinais clínicos constatadossem o corante vital eram falso-positivos.

A baixa proporção de concordânciade positivos, sem haver um parâmetro,já que níveis plasmáticos não servemcomo tal, leva apenas a suspeitar queeste sinal clínico apresenta baixa sensi-bilidade, reconhecendo, entretanto, quehá um viés neste modo de pensar.

O fato real que estes resultados reve-laram é que a técnica do exame semartifícios é de especificidade muito bai-xa, mesmo para triagem.

Pacientes positivos com e negativossem corante vital

Dos 79 pacientes que deveriam sersubmetidos à prova terapêutica, 6 nãoo foram por não terem seus responsá-veis permitido.

Os pacientes deste grupo foram sub-divididos, aleatoriamente, em dois sub-grupos. O primeiro, com 44 pacientes,recebeu 200.000 UI de vitamina A porvia oral, logo após o exame clínico. Osegundo, com 29 pacientes, nada rece-beu após o exame clínico. Ambos ossub-grupos foram submetidos a novoexame ocular, após ter decorrido umtempo mínimo de 3 semanas (Tabelas5 e 6).

Pela Tabela 5, vê-se que dos pacien-tes que receberam vitamina A logo apóso primeiro exame, 40 (90,9%) apresen-taram regressão, 2 (4,5%) apresentaram

regressão parcial e 2 (4,5%) não a apre-sentaram. Estes 4 pacientes receberamnova dose de 200.000 UI de vitaminae foram reexaminados após um prazo

mínimo de 3 semanas. Este terceiro exa-me revelou a regressão completa do sinalclínico.

No sub-grupo que nada recebeu, aosegundo exame dois pacientes apresenta-ram remissão parcial (6,9%) e 3 total(10,3%), enquanto 24 (82,8%) não aapresentaram (Tabela 6), Os pacientesque regrediram parcialmente e os quenão regrediram (26 no total) receberam200.000 UI de vitamina A e foram sub-metidos a um terceiro exame, decorridas3 semanas, no mínimo. Dos 26 pacientesassim tratados, 24 regrediram completa-mente, um regrediu parcialmente e umnão foi reexaminado por recusa dosresponsáveis.

O paciente que apresentou regressãoparcial ao terceiro exame recebeu novadose de 200.000 UI de vitamina A. Comeste tratamento, o sinal clínico regrediucompletamente.

Há que ressaltar, ainda, que três dospacientes com apenas um olho acome-tido (primeiro exame), após três sema-nas sem medicação, apresentaram xe-rose conjuntival em ambos os olhos. Como tratamento, houve regressão total dos3 casos, após três semanas.

Pacientes positivos sem e com corante

Pela Tabela 7, considerando inicial-mente apenas a positividade sem corante,vê-se que 3 pré-escolares (25,0%) tive-ram regressão total e 9 (75,0%) não aapresentaram.

Considerando a positividade com ocorante vê-se que 10 (83,3%) regredi-ram totalmente e 2 (16,7%) tiveram re-gressão parcial; um destes 2 pacientesnão teve regressão da positividade semo uso do Rosa Bengala e o outro teveregressão total, considerando o examesem corante.

Estes dois pacientes receberam umasegunda dose de 200.000 UI de vitami-na A, tendo então um deles permane-cido inalterado no que diz respeito aoexame sem corante; porém, consideran-do a positividade com o corante, apre-sentou regressão total. O outro, recusou-se a um terceiro exame.

Estes resultados permitem algumasconsiderações. A coincidência de resul-tados usando-se as duas técnicas simul-taneamente foi baixa. Houve coincidên-cia em 76,6% dos casos, sendo que ape-nas 2,4% corresponderam à positividadee 74,3% à negatividade. Houve discor-dância de resultados em 23,4%. A pro-porção de concordância de resultadosnegativos pode ser explicada pela baixaprevalência real de pré-escolares comlesões conjuntivais. O fato de haver dis-cordância em 23,4% dos casos mostraque as técnicas empregadas são bastantediferentes no que concerne a rendimentode casos positivos.

Recorrendo-se aos níveis plasmáticosde vitamina A verifica-se que, tanto noque respeita à proporção de valores abai-xo de l0 []g/100 ml, de 10,0 a 19,9[]/100 ml, e de valores de 20 []g/100 mle mais, quanto no que concerne às mé-dias dos níveis plasmáticos, os positivospara as duas técnicas e os negativos tam-bém para as duas técnicas, comportam-se de maneira semelhante. Desta forma,os níveis plasmáticos não elucidam o realsignificado para os resultados dos exa-mes oculares.

Os resultados da prova terapêuticapermitem conclusões mais precisas doque os anteriores.

Examinando-se a Tabela 4 verifica-seque de 35 pacientes positivos ao exame,sem corante vital, apenas 5 (14,3%) re-grediram, o que dá uma proporção de85,7% de pacientes em que a alteraçãoconjuntival não regrediu com a admi-

nistração de vitamina A, ao contrário doque se deveria esperar, fosse a alteraçãodevida à hipovitaminose. Aqueles queregrediram, provavelmente, tinham umaalteração devida à falta da vitamina emquestão e os restantes representam falso-positivo. Portanto, pode-se considerar aespecificidade da técnica como sendo de14,3% (sendo 2,5%—26,1% os limitesde confiança de 95%), especificidadeesta tão baixa que torna esta técnica de-saconselhável mesmo para triagem.

Não se pode concluir com relação àsensibilidade, embora pareça alta, devi-do o grande número de falso-positivos.

Tomando os resultados positivos ape-nas com o uso do corante vital, pode-sever (Tabela 5) que dos 44 examinados,40 (90,9%) apresentaram regressão dosinal clínico. Considerando-se as regres-sões parciais que após dose adicional davitamina regrediram totalmente, e maisos dois casos que ao segundo examenão tinham regredido, mas o fizeramapós dose adicional do nutriente, tem-seuma regressão de 100,0%. Aparente-mente, portanto, o sinal clínico era de-vido a uma carência de vitamina A. En-tretanto, e este é um dos riscos da provaterapêutica, não se pode afirmar se estaregressão efetuar-se-ia mesmo sem a ad-ministração da vitamina. Fosse a provaterapêutica mal conduzida, concluir-se-iapor uma regressão total ou quase total,correspondendo a uma especificidade de100,0% ou, pelo menos, 90,9%. Poresse motivo, houve o cuidado de dividiros pré-escolares positivos à Rosa Ben-gala em dois sub-grupos, aleatoriamente.A um deles, administrou-se a vitaminae, ao outro, não. Os resultados da Ta-bela 5 referem-se ao primeiro sub-grupo.

À Tabela 6 vêem-se os resultados cor-respondentes ao segundo sub-grupo (quenão recebeu medicação). Dos 29 pacien-tes examinados, 3 (10,3%) apresenta-ram regressão total da alteração e 2

(6,9%) regrediram parcialmente. Os 24restantes (82,8%) não regrediram; des-tes, 3 que tiveram resultado positivo emapenas um olho, por ocasião do primeiroexame, passaram a ter resultado positivoem ambos os olhos (segundo exame).Administrando-se vitamina A nesta oca-sião e reexaminando-se três semanas de-pois, verificou-se o seguinte: os doispacientes que apresentaram regressãoparcial regrediram completamente, o quesugere que o resultado de um dos olhosera falso-positivo; os 22 que não tinhamregredido, por ocasião do segundo exa-me, apresentaram regressão completa aoterceiro exame. Somando-se a estes os 2que tinham regredido parcialmente, têm-se 24 regressões completas, ou seja,82,8%. Um dos que não regrediram porocasião do segundo exame, regrediu par-cialmente após a administração de vita-mina A e, com uma segunda dose, re-grediu completamente. Portanto, 3 pa-cientes (10,3%) eram falso-positivos eos 26 restantes (89,7%) eram positivosreais.

Aplicando-se estas proporções ao pri-meiro sub-grupo, pode-se considerar 5falso-positivos, que teriam regredido mes-mo sem medicação.

Pode-se concluir, portanto, que a es-pecificidade desta técnica é da ordemde 89,0%.

Com relação aos 12 casos que fo-ram positivos para as duas técnicas (Ta-bela 7), verifica-se que, com medica-ção, 3 deles (25%) tiveram regressãotanto da alteração constatada com co-rante como daquela constatada sem co-rante. Nos 9 pacientes restantes, a re-gressão parcial ocorreu em dois casosno que respeita à alteração constatadacom corante, enquanto que aquela cons-tatada sem corante permaneceu inaltera-da. A alteração constatada com o coran-te regrediu em 11 casos (91,7%), en-quanto a constatada sem corante em

apenas 3 (25,0%). As proporções destegrupo são, porém, pouco confiáveis, emvirtude do pequeno número de pacientes;entretanto, em linhas gerais, os resulta-dos confirmam o que se disse com re-lação aos anteriores.

Com referência à sensibilidade da téc-nica com corante, verificou-se que, de81 indivíduos que realmente tinham acarência, 66 foram revelados por estatécnica (81,5%), havendo 15 falso-posi-tivos. A técnica sem corante revelou ape-nas 15 casos (18,5%).

Portanto, a técnica do Rosa Bengalacomo corante vital apresenta uma sensi-bilidade de 81,5% e uma especificidadede 89,0% (tomando-se como parâmetroa prova terapêutica), o que a indica paraprovas de triagem e, considerando-se afacilidade de sua realização, é aconse-lhada para trabalhos em populações.Quanto à técnica sem corante, é de uti-lidade muito limitada.

CONCLUSÕES

1. Os exames realizados sem o uso decorante vital revelaram baixa pre-valência de xerose conjuntival:10,0%.

2. Os resultados dos exames com Ro-sa Bengala mostraram prevalênciade xerose conjuntival de 18,2%.

3. O exame das conjuntivas sem co-rante vital revelou baixa sensibi-lidade (18,5%) e baixa especifici-dade (14,3%), sendo de valor li-mitado em estudos de população.

4. O exame das conjuntivas com ocorante vital Rosa Bengala reveloualta sensibilidade (81,5%) e altaespecificidade (89,0%), sendo,pois, recomendável seu uso em es-tudos de população.

5. Os níveis sangüíneos de vitaminaA não representam parâmetroconfiável para a interpretação de

resultados de exames de conjun-tivas.

6. O melhor parâmetro para análisedo significado do exame de con-juntivas é a prova terapêutica bemconduzida.

7. Na população estudada não foramobservadas lesões oculares devidasà hipovitaminose A, além de xe-rose conjuntival.

8. As lesões conjuntivais efetivamentereversíveis pela terapêutica especí-fica revelaram alta prevalência dehipovitaminose A na populaçãoestudada.

AGRADECIMENTOS

À Prof.a Dr.a Lourdes de Freitas Car-valho, Diretora do Hospital Prof.0 OdairPacheco Pedroso, do Município de Co-tia, pelas facilidades concedidas à equipede campo. À Prefeitura Municipal deCotia, pelo apoio recebido. Ao Prof. Dr.José Carlos Barbério, da Faculdade deCiências Farmacêuticas da Universidadede São Paulo, pela esterilização comraios gama do material empregado noexame ocular. À população do Muni-cípio de Cotia, pela receptividade quedemonstrou.

WILSON, D. & RONCADA, M.J. [The value of Rose Bengal as a screening aid to diagnosisof conjunctival xerosis]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 19 :321-35, 1985.

ABSTRACT: The present paper was designed to demonstrate the value of RoseBengal in the diagnosis of conjunctival xerosis and at the same time determine theprevalence of ocular lesions due to vitamin A deficiency. A representative sample (501children) between 3 and 6 years of age drawn from the population of the city ofCotia, SP, Brazil, was studied. Ocular examinations with and without the aid ofRose Bengal were performed on the 501 children. Those that presented positive resultswere submitted to a therapeutic test (200.000 IU of vitamin A orally). Whenevernecessary corneae were examined with fluorescein. Vitamin A blood levels were de-termined by the Carr-Price method. No lesions beyond conjunctival xerosis were found.Examinations performed without the aid of Rose Bengal rendered 10.0% positiveresults whereas Rose Bengal tests rendered 18.2% positive results. Therapeutic testsshowed low sensitivity and low specificity for the examinations without Rose Bengal(18.5% and 14.3%, respectively) and high sensitivity and specificity for examinationsperformed with Rose Bengal (81.5% and 89.0%, respectively). Based on our resultsthe ocular examinations without the aid of Rose Bengal are not recommended forscreening tests, whereas those performed with Rose Bengal are.

UNITERMS: Xerophthalmia, diagnosis. Rose Bengal.

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Recebido para publicação em 24/01/1985Aprovado para publicação em 21/05/1985