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VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR. Mestrado em Educação Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade PUC-SP SÃO PAULO 2011

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VALMIR ALMEIDA PASSOS

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS

DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR.

Mestrado em Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade

PUC-SP

SÃO PAULO

2011

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VALMIR ALMEIDA PASSOS

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: FATORES E ESTRATÉGIAS

DOS QUE PERMANECEM E CONSEGUEM SUCESSO ESCOLAR.

Mestrado em Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação da Professora Doutora Leda Maria Rodrigues.

SÃO PAULO

2011

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Banca Examinadora

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PASSOS, Valmir de Almeida. 2011. Educação de Jovens e Adultos: fatores e estratégias dos que permanecem e conseguem sucesso escolar. Dissertação (Mestrado em Educação: História, Política, Sociedade). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo / Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade.

RESUMO

A presente pesquisa consiste em descrever e analisar como foram construídos os processos

de permanência e de sucesso escolar, de um grupo de alunos da Educação de Jovens e

Adultos do município de Francisco Morato – uma cidade dormitório na região

metropolitana de São Paulo, que possui um dos mais baixos I.D.H. (Índice de

Desenvolvimento Humano) do Estado –, contrariando a perspectiva que relaciona a E.J.A.

à evasão e ao fracasso escolar, frequentes em tal modalidade de ensino. Os fundamentos

teóricos situam-se na área da Sociologia da Educação e, para tratar as questões referentes

ao sucesso e à longevidade escolar das classes populares, norteamo-nos pelas teorias de

Bourdieu (1998), Lahire (1997), Charlot (2000), entre outros. Conforme Thiollent (1982),

a pesquisa será quantitativa, no perfil dos sujeitos e qualitativa nas entrevistas.

Trabalhamos com as falas dos sujeitos, respeitando a singularidade de cada um. Utilizamos

questionários com perguntas fechadas e abertas e entrevista semi-estruturada. Os sujeitos

desta pesquisa desenvolveram estratégias intra e extra-escolares que favoreceram o

processo de permanência, tais como uma nova relação com a escola, a mobilização pessoal

e familiar e a possibilidade de adquirir um capital cultural que possibilitou ascensão social

e no mundo do trabalho.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; fracasso escolar, capital cultural; família;

trabalho; sucesso escolar.

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PASSOS, Valmir de Almeida. 2011. Education of Young and Adults: factors and strategies that can stay and school sucess. Dissertation (Degree in Education: History, Politics, Society). São Paulo: Pontifical Catholic University of São Paulo – PUCSP/ Program of Graduate Studies in Education: History, Politics, Society.

ABSTRACT

The present research consists of investigating, describing and to analyze as the

processes of permanence and pertaining to school success had been constructed, of a group

of pupils of the Education of Young and Adults of the city of Francisco Morato - a city

dormitory in the region metropolitan of São Paulo, that possesss one of the lowest I.D.H.

(Index of Human Development) of the State - opposing the perspective that relates the

E.J.A. to the evasion and the failure pertaining to school, that is frequent in such modality

of education. The theoretical beddings are placed in the area of the Sociology of the

Education and, to deal with the referring questions to the success and the pertaining to

school longevity the popular classrooms, we will be guided by the theoretical explanations

of Bourdieu (1998), Lahire (1997), Charlot (2000), among others. As Thiollent (1982), the

research will be quantitative, in the profile of the citizens and qualitative in the interviews.

We will work you say with them of the citizens respecting, therefore, the singularity of

each one. We look for to remove of the citizens to the answers and not presenting

immediately alternative of choice, for the collection of data, we will use questionnaires

with questions closed and opened and half-structuralized interview and that they will make

possible to better investigate the characteristics of these citizens: it’s social and economic

conditions and previous pertaining to school trajectory. The citizens of this research had

developed strategies intra and extra-pertaining to school that had favored the permanence

process, such as: a new relation with the school, the personal and familiar mobilization,

and the possibility to acquire a cultural capital that makes possible social ascension and in

the world of the work.

Keywords: Education of Young and Adults; school failure, strategies; remain; cultural

capital; family; work; school success;

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A minha esposa Cristiane, pelo auxílio e

compreensão; a minha mãe Anita e meu irmão

Valdívio que são meus grandes exemplos; a todos os

meus familiares e aqueles que, ao longo da minha

vida, contribuíram para que me transformasse em

mais um caso de sucesso improvável.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por completar esta jornada.

Agradeço a minha orientadora, professora Leda Maria Rodrigues, pela dedicação,

pelas broncas e por não desistir da minha pesquisa. Sinto-me orgulhoso por ter sido

orientado por alguém que é uma referencia na Educação brasileira;

aos professores José Geraldo, Kazumi Munakata, Mauro Castilho, Circe

Bittencourt, Carlos Giovinazzo, pelas aulas ministradas no curso de Educação, História,

Política, Sociedade que contribuíram para esta pesquisa;

a Betinha, secretária do programa, que sempre foi eficiente, atenciosa e que teve

muita importância em minha trajetória neste curso e na conclusão desta pesquisa;

a Christianne Gally, pela revisão do texto;

aos meus colegas Nelson e Tatiana, pelo companheirismo e, principalmente, pela

amizade que desenvolvemos durante esta jornada;

à direção, professores e funcionários do Centro de Educação de Jovens e Adultos

Professora Elimara dos Santos e da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, que se

mostraram colaboradores em todas as etapas deste trabalho;

aos alunos e suas famílias que acolheram a mim e a pesquisa, permitindo que

conhecesse um pouco das suas vidas na instituição e fora dela;

a Aparecido Roberto Tonellotti (in memorian), meu professor, meu amigo e a quem

considero um pai;

a meu pai Isverdilino, minha mãe Anita e meus avós Antonio e Helenita, por serem

exemplos e referências para mim;

aos meus familiares e aos familiares da minha esposa, que também podemos

considerar como o sucesso dos improváveis;

a Alexandre, Adriana, Cleide, Wagner, Danilo, Edileuza, Elza, Danilo, Cilene e

todos os professores, alunos e funcionários da Escola Estadual Professor Rogério Levorin,

por me transformarem em um profissional da educação.

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SUMÁRIO

Pg. Introdução.......................................................................................................... 11 Capítulo I- Referencial teórico......................................................................... 20

1.1. Abordagem Metodológica da Pesquisa .................................................. 27 1.1.1 Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos e Escola Estadual Lenita Camargo: um campo de pesquisa...........................

28

1.1.2. Os sujeitos da pesquisa...................................................................... 31 1.1.3. Instrumentos de Pesquisa .................................................................... 32

Capítulo II - Educação de jovens e adultos: contexto histórico ....................... 35

2.1. Trajetória da Educação de Jovens e Adultos do Período Colonial até 1930...............................................................................................................

35

2.2. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova........................................ 38 2.3. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas Décadas de 30 e 40.. 41 2.4. A Trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas décadas de 50 e 60.. 45 2.5. Paulo Freire e a Educação Popular.......................................................... 47 2.6. O Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – I.S.E.B........ 48 2.7. Os movimentos de Educação e Cultura Popular..................................... 50 2.8. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos durante a Ditadura Militar.. 52 2.9. A Fundação EDUCAR – 1985 até 1990..................................................... 54 2.10. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no governo de Fernando Henrique Cardoso.........................................................................................

55

2.11. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no primeiro mandato do Presidente Lula...............................................................................................

57

2.12. O importante papel da Educação de Jovens e Adultos.......................... 58 2.12.1. Os Sujeitos da E.J.A........................................................................ 63

2.13. Identidade da EJA e políticas públicas ................................................... 64 2.14. Constituição Federal de 1988, L.D.B. 9394/96 e outros marcos jurídicos da educação de jovens e adultos....................................................................

70

Capítulo III - Trajetórias escolares interrompidas ......................................... 74

3.1. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: análise do perfil escolar anterior..........................................................................................................

74

3.2. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: a relação com a escola. 75 3.3. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: a família. 82 3.4. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: o trabalho.........................................................................................................

87

Capítulo IV- Sucesso escolar ............................................................................... 90

4.1. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a escola............ 90 4.2. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a família.......... 101 4.3. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o trabalho........ 110 4.4. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o capital cultural............................................................................................................

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4.5. Os jovens e a E.J.A..................................................................................... 123 4.6. O que fez estes jovens voltarem e permanecer ......................................... 129

Considerações finais ........................................................................................... 133 Referências bibliográficas .................................................................................... 137 Anexos ................................................................................................................... 145

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LISTA DE QUADROS

Pág.

Quadro 01- A experiência escolar anterior dos sujeitos.................................... 75

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INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (E.J.A.) possui, como uma de suas características

mais marcantes e negativas, um elevado número de alunos que desistem do curso antes de

completarem a etapa da escolaridade em que estavam matriculados. As estatísticas sobre os

percentuais de evasão na E.J.A. comprovam, de forma incisiva e dramática, essa realidade1.

Esta pesquisa buscará analisar e interpretar as razões que explicam o sucesso escolar de

alunos dos meios populares, que estudaram na Educação de Jovens e Adultos, em duas escolas

do município de Francisco Morato, na grande São Paulo. Contrariando as estatísticas – no

Brasil, a evasão na E.J.A. é de 42,7% e no município é de Francisco Morato é de 28,9% –, os

alunos desses estabelecimentos voltaram aos estudos nas séries iniciais e, sem interrupções,

conseguiram terminar o ensino médio. Para isso, eles romperam com problemas de ordem

econômica, social e até cultural que também os impediam de voltar, permanecer e concluir

seus estudos.

Investigar os diferentes fatores que incidem sobre a decisão de alguns jovens e adultos

em permanecer na escola torna-se relevante, pois, apesar de vários problemas escolares,

sociais ou econômicos, eles não desistiram do processo de escolarização propiciado,

especificamente, por duas escolas de Educação de Jovens e Adultos, na cidade de Francisco

Morato. As escolas são o campo de pesquisa deste trabalho.

O Município de Francisco Morato, lugar onde também resido, é uma cidade

dormitório, com mais de 150 mil habitantes, que possui um dos mais baixos Índices de

Desenvolvimento Humano do Estado de São Paulo (I.D.H.2) de 0,738 – enquanto o Índice do

Estado é de 0,814. A maioria absoluta da população3 é constituída por migrantes das mais

diversas regiões do país, especialmente do nordeste brasileiro, em busca, principalmente, de

emprego.

1 Enquanto percentuais de evasão nas outras modalidades do Ensino Fundamental variaram entre 7,2% em 1984 e 6,9% em 2004, segundo dados do MEC reproduzidos por Garschgen (2007, p. 43), pesquisa do IBGE divulgada em 2009 indica evasão de 42,7% na E.J.A. 2 Perfil do município no portal S.E.A.D.E – 2010 (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados). 3 Idem

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Ela está a 48 km do centro de São Paulo e possui linha férrea que liga a cidade ao

centro de São Paulo e linhas do Metrô-SP. Seus habitantes, na maioria, possuem casa própria,

pois os preços dos terrenos são bem mais baratos – os terrenos são vendidos apenas com água

e luz e, praticamente, toda cidade foi loteada desta maneira. A renda per capita é 1,17 salários

mínimos, enquanto que a renda do Estado é de 3,36 salários mínimos. Apenas 26,86% do

município possuem rede de esgoto sanitário, enquanto que no Estado esse número é de

82,77%. Segundo o perfil dos municípios paulistas da Fundação S.E.A.D.E. (2010), Francisco

Morato pertence ao grupo dos municípios mais desfavorecidos, tanto em riqueza quanto em

indicadores sociais, dos municípios que formam o Estado de São Paulo.

Os indicadores educacionais do município4 apontam que grande parte da população

acima dos quinze anos é formada por analfabetos – 10,80% enquanto que o Estado possui uma

média de 6,64%; a média de anos de estudos da população de quinze anos e mais é de 5,81%,

e a média estadual é de 7,96%; e a média da população com vinte e cinco anos a mais, com

menos de oito anos de estudo, gira em torno dos 76,60%, enquanto que no Estado essa media é

de 55,55%.

Os levantamentos da Fundação S.E.A.D.E. demonstram também que há um número

expressivo da população composto de analfabetos funcionais ou de pessoas que possuem

estudos incompletos.

Segundo critérios do I.B.G.E.5, uma pessoa alfabetizada é aquela que é

capaz de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece. Aquela que aprendeu a ler e a escrever, mas que esqueceu e a que apenas assina o próprio nome é considerada analfabeta. E o analfabeto funcional é aquela pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas.

No Brasil, segundo os dados preliminares do censo demográfico de 20106, o número de

brasileiros analfabetos – ou seja, que não sabem ler nem escrever– é de 9,6 da população.

4 Perfil do município no portal S.E.A.D.E – 2010 (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados). 5 I.B.G.E. – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Resultados da amostra. Notas metodológicas. 6 SALOMON, Marta. Reportagem: “Plano de Dilma para erradicar pobreza tem 16 milhões de brasileiros como alvo.” Postada em 04/05/2011 e disponível no site: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110504. Acessada em 04/04/2011.

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Entre os mais extremamente pobres, o índice chega a 22%, nas cidades, e a 30%, nas zonas

rurais. O analfabetismo atinge também os jovens entre 15 e 17 anos: dos que moram nas

cidades 5,2% são analfabetos e, na zonas rurais, 30,3%.

Esse grande contingente humano, portanto, precisa voltar aos bancos escolares. No

início do semestre letivo, a procura por vagas é muito grande, mas, apesar disso, muitos

desistem durante o percurso e não completam os estudos. Isso ocorre tanto nas séries iniciais

do ensino fundamental que está a cargo do município, quanto nas séries finais. Depois de

vários anos afastados dos bancos escolares, por inúmeros motivos, alguns indivíduos retornam

aos estudos e conseguem êxito.

Os indivíduos de classes populares buscam ampliar suas perspectivas – para obter

ascensão social e para conseguir um trabalho mais qualificado – por meio da educação. Nesse

processo, são adquiridos pelos sujeitos e enriquecidos, através da escolarização, não só o

capital econômico, social, cultural, como também o capital simbólico.

Dentre os dezesseis anos de magistério, um grupo de estudantes chamou minha

atenção, porque passou a ser um caso de sucesso. Apesar de situações adversas – falta de

recursos materiais necessários à atividade escolar, desconhecimento da "regra do jogo"

escolar, ausência de um capital cultural valorizado pela escola, reduzido domínio da

linguagem trabalhada e valorizada na e pela escola –, alguns alunos conseguiam tornar-se a

exceção de uma regra, ou seja, conseguiam atingir o sucesso escolar, alcançando, em alguns

casos, até a continuidade de estudos após o ensino médio.

Passei, então, a me questionar sobre o que tornava esses alunos uma exceção, quando

comparados aos demais alunos de outras escolas do município que também trabalhavam com

Educação de Jovens e Adultos e que apresentavam um alto número de evasão. O que ocorria

com alunos que, em "situação de fracasso", rompiam com todas as dificuldades, obtendo

sucesso ao longo do processo de escolarização? Quais seriam os fatores escolares e extra-

escolares que os levaram a desistir do processo de escolarização? E os fatores que os fizeram

voltar e permanecer e conseguir concluir o ensino médio?

Grande parte das pesquisas brasileiras em educação enfatiza, sobretudo, a questão do

fracasso, e não a do sucesso escolar dentro das classes populares, não permitindo conhecer os

casos marginais e os indivíduos de famílias "desfavorecidas", que desenvolvem estratégias de

permanência. Apesar de estarem em desvantagens socioeconômicas e culturais, esses

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indivíduos conseguem obter sucesso na escola: "se, afinal, é fácil mostrar porque não é tão

surpreendente que as crianças de meios populares fracassem, ficamos sem explicação diante

daquelas que obtêm sucesso" (CHARLOT, 1996, p.48)

Segundo Charlot (2000), o fracasso não é algo em si, mas a história daquele que

fracassa. O que existe são alunos que não conseguem aprender, histórias escolares que

terminam mal, e são essas histórias que devem ser analisadas. Esse fracasso não é um fato que

a experiência permitiria constatar, é uma maneira de verbalizar a experiência, a vivência e a

pratica, e por essa razão, uma certa maneira de recortar, interpretar e categorizar o mundo

social.

Voltar aos bancos escolares, para algumas dessas pessoas, é também romper com certo

habitus, classificado por BOURDIEU (1998) como a incorporação de uma determinada

estrutura social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma

que se inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente. O

diploma do ensino fundamental ou médio exerce papel fundamental tanto para seu

crescimento pessoal quanto para sua ascensão social.

Para conhecimento e aproximação da realidade que os sujeitos revelam, queremos

saber, dos que voltaram à escola e foram entrevistados, quais as razões para esse retorno. Será

que essas razões dizem respeito a uma inclusão social, de modo geral, ou apresentam aspectos

específicos no que diz respeito às relações sociais de família, trabalho, etc? Ou ainda, seria a

escola o único meio de conseguir superar fracassos escolares, pessoais e sociais (uma espécie

de escolarização à força), proporcionando a inclusão social desses sujeitos? Dentro do grupo

que permaneceu, será que a mobilização7 pessoal desses alunos encontra pesos e formas

diferenciadas, bem como as estratégias familiares utilizadas para viabilizar esse sucesso?

Segundo Lahire (1997), esses aspectos, no entanto, assumem diferentes pesos e

importância, diante da mobilização dos sujeitos face ao potencial maior, ou menor, da herança

cultural familiar que aproxima, ou distancia, a experiência familiar e pessoal da experiência

escolar. Voltamos, assim, nossa atenção para o envolvimento e relevância que o próprio

sujeito/aluno desenvolve em relação ao seu sucesso escolar e, para a família, como formadora

7 Segundo VIANA (2000), a noção de mobilização, recentemente introduzida nos estudos sociológicos da relação família e escola (LAURENS, 1992; LAHIRE, 1995; ZÉROULOU, 1988), foi importada das Ciências Políticas para explicar os casos estatisticamente improváveis de sucesso escolar em meios populares.

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de habitus e de atitudes que influenciam positivamente, ou negativamente, a trajetória escolar

dos alunos.

Pretendemos, portanto, analisar como foram desenvolvidas as estratégias de

permanência deste grupo de estudantes da E.J.A. e a importância das configurações familiares

que contribuíram para construir histórias de sucesso – término do ensino médio na E.J.A –, ou

de fracasso escolar.

Para atingir o objetivo, procuraremos conhecer a trajetória escolar anterior e apreender

o valor atribuído por eles à educação, como forma de ascensão social; analisaremos o valor da

"mobilização pessoal" e das estratégias de investimentos pessoais na construção do sucesso

escolar, bem como as inter-relações construídas dentro do espaço escolar; e, finalmente,

apreenderemos como as configurações familiares interferem na volta aos bancos escolares e

sua permanência.

A E.J.A. tem um papel de grande importância social para esses indivíduos, pois, com a

escolaridade, eles devem ser vistos, não mais como excluídos de uma sociedade letrada, e sim

como incluídos dentro de um novo mundo, da informação e da cultura, do desenvolvimento de

novas relações interpessoais, buscando superar uma longa história de fracassos escolares

anteriores. Em sua maioria, eles frequentaram a escola em outros momentos e, por diferentes

razões, tiveram que interromper seus estudos. “A Escola está no princípio do sofrimento das

pessoas interrogadas, decepcionadas com seu próprio projeto ou nos projetos que fizeram para

os seus descendentes ou então pelos desmentidos infligidos pelo mercado de trabalho às

promessas e às garantias da escola”.(BOURDIEU, 1997, p. 587)

No inicio do mês de agosto de 2004, um grupo de 40 alunos, divididos em duas classes

de 20, ficaram entregues a duas professoras: Maria e Aparecida8, que os acompanhou nos dois

anos de curso – os alunos deveriam ficar um ano para completar as séries iniciais do ensino

fundamental, mas por falta de vagas ficaram dois anos.

Segundo as professoras, três fatores foram pontos diferenciais desses sujeitos: o tempo

de estudo a mais que tiveram, as relações de amizade que desenvolveram e o “método

tradicional”9 de aprendizagem que utilizaram. Ainda, segundo as professoras, foi a

8 Os nomes das professoras e dos sujeitos citados nesta pesquisa são fictícios. 9 Em entrevista realizada com as professoras em 08/03/2011, a professora Aparecida afirmou: “É com certa mágoa e um sentimento de dever cumprido, porque estávamos prestes a conseguir nossas aposentadorias e nossos

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metodologia de ensino, chamada de altamente “tradicional”, que apresentou eficácia, pois, ao

final do período correspondente às séries iniciais do ensino fundamental, todos estavam

alfabetizados e com boa base para seguir os estudos.

Ao final de dois anos, 36 alunos concluíram as séries iniciais do ensino fundamental,

dentro do Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos. Os 36 alunos

foram encaminhados para a Escola Estadual Professora Lenita Camargo e, após três anos e

meio, 32 concluíram o ensino médio.

A pedido das professoras, que foram pessoalmente até a Escola Estadual Professora

Lenita Camargo e atendendo a um pedido de seus alunos, eles foram matriculados na mesma

sala de aula, pois elas também destacaram o fato de um ajudar sempre o outro nas atividades

escolares.

Em relação aos fatores que influenciam positivamente a permanência dos alunos dentro

da Educação de Jovens e Adultos, foi realizado um levantamento junto ao banco de

dissertações e teses da CAPES (DATACAPES) e verificou-se que havia um pequeno número

de pesquisas nessa linha. Das dissertações e teses presentes no sistema, foram selecionados,

pelo critério de data de publicação (a partir de 2004), sete trabalhos, dos quais quatro

apresentavam maior relevância, considerando-se o tema e o objeto de nossa pesquisa.

Garcia (2004) analisa e investiga os fatores que levaram dez jovens e adultos a

iniciarem seus estudos formalmente ou a reiniciarem esses estudos. Buscou-se compreender as

histórias de vida dos sujeitos pesquisados, falas e narrativas, a fim de obter indícios das

possíveis motivações que levaram esses alunos aos bancos escolares, ou seja, ouviu suas

vozes, para além de uma ótica imposta pelo discurso oficial – que considera o analfabetismo

como um mal a ser “cortado pela raiz” e que, a partir do momento em que esses sujeitos leem

e escrevem, eles passam a pertencer a uma nova concepção social, ou seja, passam a pertencer

a que a autora chama de “sociedade letrada”.

Assim como a pesquisa de Garcia (idem), nossa investigação busca os fatores que

influenciaram os sujeitos desta pesquisa a iniciar ou reiniciar os estudos nessa fase de suas

vidas e o papel fundamental de inserção social representada pela E.J.A., através do processo

métodos de ensino eram classificados por outras professoras mais jovens na carreira como tradicionais ou antigos, e os resultado estão ai, todos saíram lendo, escrevendo e principalmente entendendo o que eles liam e escreviam”.

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de escolarização e a relação família, escola e trabalho que, segundo Garcia, foram fatores

impeditivos para que os mesmos iniciassem ou continuassem suas trajetórias escolares.

Pereira (2005) analisa situações de sucesso escolar em meios populares e, para isso,

parte do pressuposto de que tanto o aluno quanto a sua família desempenham um importante

suporte, pois a mobilização pessoal e familiar tem um papel preponderante para que essa

situação se configure. Para a autora, o sucesso escolar deve ser entendido como aqueles casos

em que alunos, filhos de pais com baixo grau de escolaride – apesar de não terem um alto

capital escolar, participam e incentivam da vida escolar dos filhos – e pertencentes às frações

ou grupos das classes populares, com o investimento e a valorização da escola, aliada à

mobilização pessoal e familiar, conseguiram êxito e foram aprovados no vestibular do Colégio

Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais – C.O.L.T.E.C. Apesar de esse estudo não

focalizar a E.J.A., ele tem importância para nossa pesquisa, pois analisa as mobilizações

pessoais e as estratégias familiares como aspectos importantes para o sucesso escolar. No caso

dos sujeitos da pesquisa, a mobilização pessoal encontra pesos e formas diferenciadas, bem

como as estratégias familiares utilizadas viabilizaram o sucesso escolar desses sujeitos.

Santos (2007), em “A produção do sucesso na educação de jovens e adultos: o caso de

uma escola pública em Brazilândia-D.F.”, investigou os fatores que facilitavam a permanência

de uma turma de educandos jovens e adultos em uma escola na periferia de Brasília-DF. O

resultado da pesquisa evidencia que a permanência dos alunos da E.J.A. acontece porque as

práticas pedagógicas da sala de aula, realizadas pelos professores, estiveram pautadas na

dialogia dialética10, na escuta sensível e no acompanhamento diferenciado.

Nossa pesquisa tem norteadores semelhantes aos de Santos (idem): investigaremos um

grupo de alunos que voltou aos bancos escolares, após muitos anos ou que já possuía histórias

de fracassos escolares anteriores. Preocupa-nos também, como foram desenvolvidas as

relações interpessoais dessa turma, nosso objeto de pesquisa, e o trabalho pedagógico

desenvolvido pelas duas escolas, onde eles estudaram.

Mileto (2009) tomou, como objeto de pesquisa, os processos de permanência e

conclusão no segundo segmento do Ensino Fundamental em uma escola do Programa de

Educação de Jovens e Adultos (PEJA) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de

10 Segundo Santos(2007), o termo significa a arte de raciocinar, debater, examinar e questionar, entre os alunos e os professores, desenvolvendo entre todos uma relação pautada na dialogia dialética.

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Janeiro. A E.J.A. foi vista sob uma perspectiva inversa àquelas que naturalizam o fenômeno da

evasão nessa modalidade de educação, a fim de compreender como sujeitos da E.J.A.

construíram estratégias de permanência e estabeleceram relações entre as trajetórias escolares

(e de vida) com os processos de permanência ou de desistência/evasão na escola pesquisada.

Também como possibilidade de adoção de ponto de vista menos tradicional, foi usada a noção

de relações pedagógicas no sentido amplo como o conjunto de interações que se

desenvolveram nos espaços sociais, não se limitando às relações intencionalmente

empreendidas por educadores profissionais. Analisaremos, igualmente a MILETO (idem), um

grupo que possui um perfil social muito próximo ao observado em sua pesquisa. Será possível

também verificar se os processos de permanência mantêm uma relação diretamente ligada aos

processos de construção de redes de sociabilidade, fundamentadas em vínculos de cooperação

e solidariedade entre alunos e professores.

Uma das características, como vimos anteriormente, da Educação de Jovens e Adultos

relaciona-se quase sempre com as desistências dos alunos antes mesmo de completarem a

etapa da escolaridade em que estavam matriculados. Os alunos, porém, da Escola Estadual

Lenita Camargo, no município de Francisco Morato, permaneceram até a conclusão do ensino

médio, fato considerado como sucesso nesta pesquisa.

Diante dos altos índices de evasão e retenção na E.J.A. e da permanência vista em

alguns grupos de alunos, levantamos o seguinte problema: por que alguns sujeitos voltam ao

processo de escolarização, começando na alfabetização e permanecendo no curso até o ensino

médio? Para elucidá-lo, podemos ainda estabelecer outras questões: quais são os fatores

escolares e extra-escolares que interferem e garantem a alguns permanecerem, sem

interrupções, e obterem sucesso dentro de sua trajetória escolar? Que diferencial apresenta

esses sujeitos que romperam histórias de vida marcada pelo fracasso escolar e exclusão social?

Como foram construídas as trajetórias e estratégias de permanência desses sujeitos?

De posse de respostas a essas questões, pretende-se contribuir para apresentar um novo

ponto de vista sobre a E.J.A que, na maioria das pesquisas, apresenta explicações sobre os

motivos das desistências (ou evasão), ou seja, tem como objetivo responder à questão: por que

desistem? Em perspectiva diversa, ou como sugere BOURDIEU (2007), numa conversão do

olhar, pretendo privilegiar a construção de interpretações e a busca por possíveis respostas

para outra questão igualmente relevante: como e o que os fazem permanecer?

Page 19: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

19

Advém, dessa inversão, conhecer o diferencial desses sujeitos que concluíram o ensino

médio. Para isso, trabalharemos com os seguintes objetivos específicos:

• identificar a origem social e a trajetória escolar dos sujeitos de pesquisa;

• caracterizar os contextos familiares, econômicos e sociais a que pertencem;

• identificar as razões da procura e permanência desses sujeitos na E.J.A;

• caracterizar as escolas e a interferência do trabalho pedagógico realizado que

proporcionou tal êxito.

A hipótese é a de que o sucesso escolar dos alunos da E.J.A. está ligado à construção

de estratégias, à mobilização pessoal e familiar, à necessidade de inclusão social, às novas

demandas do mercado de trabalho e à construção e o domínio de um conjunto de valores que

serão proporcionados pelo capital escolar.

A pesquisa reúne informações obtidas por questionário e entrevista feita com os alunos

e com os professores das escolas citadas, que são o foco do nosso trabalho. Segundo Thiollent

(1982, p. 24), são instrumentos classificados como observação direta. Os fatos são conhecidos

pelos sujeitos da pesquisa, pessoas implicadas no problema investigado.

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20

CAPÍTULO I

REFERENCIAL TEÓRICO

Os conceitos de capital econômico, social e cultural, presentes na obra de Pierre

Bourdieu, servirão de referencial teórico nesta pesquisa. A sociologia é vista como a

necessidade da construção do conhecimento sobre o mundo social, um instrumento para a sua

transformação. Levando-se em conta os objetivos desta investigação, essa ideia é bastante

pertinente.

Essa concepção do conhecimento como práxis proporciona outras possibilidades de

diálogo com uma obra que, dificilmente, pode deixar de estar presente quando se estuda a

educação de jovens e adultos. Bourdieu, ao criticar o objetivismo e o conhecimento

fenomenológico, formula outro modo de conhecimento, inicialmente denominado de

“praxiológico”, cujo objetivo é articular dialeticamente estrutura social e ator social. Para ele,

o conhecimento praxiológico tem como objetivo não somente o sistema de relações objetivas, mas também as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições duráveis dos agentes, nas quais elas se atualizam. Com isso busca ressaltar o duplo processo de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interioridade. (apud MARTINS, 2002, p. 172).

Como possibilidade de uma mudança, que se distancia de algumas concepções

pedagógicas mais tradicionais, enfatizarei a percepção na qual os processos educativos

escolares não estão circunscritos às ações planejadas, promovidas pela iniciativa dos agentes

institucionais. Adoto a perspectiva que considera como relações pedagógicas o conjunto de

interações desenvolvidas nos espaços sociais e interessando-me, especificamente, mas não

exclusivamente, em função do necessário recorte metodológico, pelas inter-relações

estabelecidas no âmbito do espaço da unidade escolar tomada como campo de pesquisa.

A pesquisa utiliza a permanência como categoria11 central de análise, procurando

compreender como são construídas estratégias e quais trajetórias escolares favorecem a

11 “Uma categoria de análise é um conceito que nos permite dar uma ‘arrumação’, um ‘arranjo’ no campo que se prentende investigar.” (BUFFA, 2005, p.53).

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21

permanência ou a constituição dos alunos permanentes. Para THOMPSON (1981), as

categorias analíticas possibilitam estabelecer as relações entre as condições de vida e a sua

produção, as práticas culturais e representações sobre o cotidiano, as práticas políticas e

relações de vizinhança ou comunitárias, etc., pois a experiência articula a tradição, as práticas

sociais e as representações.

A categoria ‘estratégia’ nesta pesquisa tem o sentido proposto por Bourdieu, ou seja,

“[...] os agentes sociais têm a capacidade de enfrentar situações imprevistas e constantemente

renovadas; além do mais, nos diversos campos sociais, sabem estabelecer relações entre os

meios e os fins para adquirir os bens raros”. (BONNEWITZ, 2003, p.14). Para Bourdieu

(2000), o termo estratégia não é como um produto inevitável de um cálculo custo-benefício

nem como mero resultado do acaso. “Se certas ações podem ser fruto de decisões explícitas e

racionais, outras decorrem do processo de interiorização das regras do jogo social e revelam a

intuição prática que marca um bom jogador, o estrategista” (NOGUEIRA, 2000, p. 128). No

caso dos alunos em estudo, não se trata de uma intervenção planificada, com objetivos

precisos. Trata-se de um retorno à escola com a ausência de regras conscientes,

desobedecendo a regularidades. Quais são elas?

Da mesma forma, seguindo a formulação do sociólogo francês, utilizo a categoria

‘trajetória’ como uma “... série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente

(ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes

transformações”. (BOURDIEU, 1996, p.189).

Assim, relacionando-se ao nosso objeto de estudo, coloca-se o êxito na trajetória

escolar destes sujeitos como uma importante forma de conseguirem inserção social.

Esta pesquisa trabalhará também com o conceito de experiência para E. P. Thompson,

historiador inglês, que se dedicou especialmente à educação de adultos, e como ele afirma, o

estudante adulto leva para a escola toda a sua experiência – o trabalho, sua trajetória de vida,

suas relações sociais, e esses processos rompem com a lógica vigente nos processos de

escolarização. Se, por um lado, a experiência pode ser pensada como um processo que

acontece no âmbito individual, por outro lado, assume-se que ela está vinculada às

determinações macrossociais sem serem definidas única e exclusivamente por estas.

Os indivíduos e os grupos sociais estabelecem dinâmicas sociais, definidoras de suas

experiências que contribuem para a definição das configurações sociais. Thompson (1981)

Page 22: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

22

estabelece que a experiência é o elo entre a superestrutura econômica e a infra-estrutura

sociocultural. Ele reafirma a importância das condições materiais e sociais de existência como

constitutivas da experiência, o que equivale dizer que esta é social; ou segundo Lobo (1992), a

experiência será o “elo articulador” entre as esferas da estrutura social e aquelas nas quais o

ator social exerce sua função.

A diversidade de trajetórias e histórias de vida evidencia que uma pluralidade de

interferências pode ser observada nos processos que levam os sujeitos a decidirem entre

desistir ou permanecer na E.J.A. Para efeitos de análise, adotarei, em relação à instituição

escolar, a classificação de Melo (1979), que identifica fatores externos e fatores internos

vinculados à permanência ou à evasão. Os fatores externos estão vinculados, principalmente,

aos obstáculos interpostos pelas estruturas sócio-econômicas que se refletem no cotidiano e

nas histórias de vida dos alunos. Os fatores internos decorrem da configuração das relações

sociais instituídas no âmbito do espaço escolar, destacadamente nas interações estabelecidas

no interior da turma – ou classe, segundo a designação usada em alguns estados brasileiros

(MELO, 1979). As ações pedagógicas, no sentido amplo, que se processaram nesses grupos

sociais constituíram aspectos de fundamental relevância para a pesquisa.

A compreensão das diferentes estratégias construídas pelos sujeitos com o objetivo de

permanência e conclusão dos estudos na E.J.A. possibilita significativos avanços para o

campo. É imprescindível a superação tanto da perspectiva que responsabiliza o próprio aluno e

a família – privilegiando fatores extra-escolares – quanto da perspectiva que atribui à

instituição – os fatores intra-escolares – a responsabilidade pelos processos excludentes. Será

necessário efetuar, então, os recortes metodológicos necessários à construção do objeto e a

própria investigação social e estar atento aos dinamismos da realidade social.

Da obra de Bourdieu (1998), utilizaremos, ainda, o conceito de capital cultural. Esse

conceito impôs-se como uma forma de explicar as diferenças de rendimento escolar obtido por

crianças de classes sociais distintas; e, em consonância, opor-se às explicações provenientes da

teoria do capital humano e da crença na existência de "aptidões". Contrariamente às

afirmações de que as desigualdades no desempenho escolar seriam consequências dos fatores

econômicos ou do "dom", Bourdieu (idem, p. 74) afirmou que essas desigualdades são frutos

da distribuição, também desigual, do capital cultural entre as classes e as frações de classes:

"O rendimento escolar da ação escolar depende do capital cultural previamente investido pela

Page 23: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

23

família". Esta pesquisa irá verificar se, no caso dos sujeitos investigados, é possível que esse

investimento não tenha ocorrido de forma essencial.

O capital cultural é constituído por um conjunto de estratégias, valores e disposições

proporcionados, sobretudo, pela família e pela escola, além de outros agentes socializadores,

que cria, no indivíduo, uma predisposição a uma atitude mais dócil e de reconhecimento frente

às práticas educativas (SETTON, 2002). Segundo Bourdieu, esse capital é herdado e possui a

capacidade de se transformar em outros capitais; por exemplo, em capital social, que consiste

no "... conjunto de relacionamentos sociais influentes..." (apud NOGUEIRA & NOGUEIRA,

2002, p. 21). Ademais, o capital cultural pode existir sob três estados: incorporado, isto é, sob

a forma de disposições duráveis do indivíduo; objetivado, que corresponde aos bens culturais;

e institucionalizado – outro tipo de objetivação do capital cultural, como os diplomas.

Bourdieu (1998, p. 75) afirma, ainda, que a maioria das propriedades do capital

cultural pressupõe sua incorporação, estando, portanto, ligada ao corpo e à subjetividade.

Assim, esse capital é algo que, apesar de herdado, torna-se parte inerente ao próprio indivíduo:

"O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se

parte integrante da 'pessoa', um habitus". Os alunos da escola em questão buscam adquirir e

incorporar esse capital cultural, valorizado e adquirido através da escola.

Segundo Bourdieu (1975), o habitus consiste em um sistema de disposições

duradouras e transferíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas

estruturantes, ou seja, como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que

podem ser objetivamente regulamentadas e reguladas, geradores e organizadores de práticas e

de representações que podem estar objetivamente adaptadas a um fim. O habitus é um produto

da relação dos agentes sociais com diversas modalidades de estruturas sociais.

Para Nogueira, Romanelli & Zago (2000), o sucesso escolar, nas camadas populares, e

mais especialmente na E.J.A., está também na aposta da escolarização como forma de

ascensão social ou até mesmo da inserção social.

A escola é uma instituição social legitimada universalmente, porém cada classe social

se apropria da legitimidade de que goza a instituição escolar de formas distintas. Esse uso está

relacionado ao sentido de estratégia social, e os agentes sociais a utilizam para compor a forma

como desejam atingir certos interesses sociais. Dessa forma, as estratégias escolares

produzidas e aplicadas por esses agentes estão relacionadas à questão dos interesses sociais,

Page 24: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

24

por serem estes que geram, nos indivíduos, a produção de estratégias para que tentem alcançar

o que almejam.

As estratégias desenvolvidas pelos alunos, objeto de estudo desta pesquisa, são

conjuntos de lances condutores de determinadas ações, que podem ser inconscientes e não-

racionais. A intenção inicial das estratégias é atingir o sucesso, porém deve-se levar em

consideração que o contexto de aplicação de uma estratégia pode fazer com que ela produza o

efeito inverso, ou seja, o fracasso. Além disso, o resultado desejado pode não ser imediato. As

aspirações subjetivas mais as chances objetivas facilitam chegar até as possibilidades

objetivas.

As aspirações subjetivas dizem respeito aos desejos e ambições do sujeito; as chances

objetivas estão relacionadas à oferta de materialidade necessária para a realização prática das

aspirações; e as possibilidades objetivas são o resultado dessa soma que determina os limites

materiais e simbólicos para a execução das aspirações do agente.

Em outros termos, a estrutura das oportunidades objetivas de ascensão social e, mais precisamente, das oportunidades de ascensão pela escola condiciona as atitudes frente à escola e à ascensão pela escola – atitudes que contribuem, por uma parte determinante, para definir as oportunidades de se chegar à escola, de aderir a seus valores ou a suas normas e de nela ter êxito; de realizar, portanto, uma ascensão social – e isso por intermédio de esperanças subjetivas (partilhadas por todos os indivíduos definidos pelo mesmo futuro objetivo e reforçadas pelos apelos à ordem do grupo), que não são senão as oportunidades objetivas intuitivamente apreendidas e progressivamente interiorizadas. (BOURDIEU, 1999, p. 49).

A permanência de alunos de classes populares na E.J.A., entretanto, ocorre de forma

mais árdua. Esses alunos fazem maiores investimentos em estratégias que podem trazer

retorno em curto prazo devido às urgências financeiras determinadas por sua posição no

universo social. Assim, as classes populares não fazem fortes investimentos na instituição

escolar por ela ter retornos materiais e simbólicos visíveis apenas em médio e longo prazo. No

entanto, como a homologia existente no espaço social torna próximas as classes populares e as

classes médias, algumas famílias dos meios populares acreditam no poder de elevação social,

e isto somente será possível por meio da escolarização.

A curta permanência na escola de um conjunto expressivo de alunos de origem popular é um dos principais problemas educacionais brasileiros. No tratamento da questão, entretanto, não se pode desconsiderar os que permanecem. Embora poucos proporcionalmente, eles

Page 25: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

25

agregam um contingente expressivo em termos absolutos. No que diz respeito ao papel desempenhado na dinâmica social, sua expressividade cresce. (SOUZA & SILVA, 2003, p.159).

Segundo Bourdieu (1998), as atitudes com relação à escola e à cultura escolar e a

noção de o que os estudos podem oferecer no futuro, estão muito fortes nas classes médias e,

portanto, os pertencentes a essa classe recebem não só os encorajamentos e exortações ao

esforço escolar, “mas também um ethos12 de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola

e pela escola” (BOURDIEU, 1998, p. 48). Os alunos do E.J.A. em questão buscam êxito na

escola e pela escola, para alcançar novos objetivos pessoais e profissionais, e suas famílias têm

um papel fundamental nesse contexto, pois encorajaram e exortaram esses sujeitos a obterem

sucesso escolar.

Na década de noventa, os pesquisadores voltaram sua atenção e interesse para as

trajetórias escolares atípicas, para os casos denominados de “improváveis” por Lahire (1995) e

que se referem ao fracasso escolar de jovens oriundos dos grupos de elite, bem como o

sucesso escolar de alunos dos meios populares. Nogueira (2004) apresenta uma das

observações feitas por Baudelot (1999), sobre essa questão, quando declara: “Doravante, o

insignificante estatístico vai tornar-se sociologicamente significativo”. Os alunos das classes

populares que obtêm sucesso escolar passam a ter importância e significado.

Pode-se afirmar que ganha corpo uma “sociologia das trajetórias”13 na qual se destaca a

importância que tem sido dada a atuação das famílias nos percursos escolares de seus

membros e a atuação do próprio sujeito nesse processo.

Para Lahire (1997), quando queremos compreender as “singularidades” das biografias

escolares, as especificidades de cada caso, parece que, fatalmente, somos obrigados abandonar

o plano da reflexão macrossociológica dos grandes estudos e estatísticas, para “navegar nas

águas da descrição...monográfica”.(LAHIRE, 1997, p.14). Devemos considerar que as

condições de existência de um individuo estão atreladas a um contexto social, escolar e

familiar no qual está inserido.

12 “Sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar”. (BOURDIEU, 1998, p.48). 13 Segundo Nogueira (2004, p. 135), observa-se o desenvolvimento de pesquisas voltadas para análise de “trajetórias atípicas, excepcionais e inesperadas”, dando origem ao que a aurora chama de uma “sociologia das trajetórias escolares”.

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26

Conforme nos alerta Zago (2000, p.20), ao estudarmos a realidade escolar nos meios

populares, é preciso que levemos em conta também outras dimensões da vida do aluno, além

da estritamente escolar, o trabalho e a rede de relações sociais da qual faz parte, ou seja, as

trajetórias sociais desses alunos também são fundamentais.

As pesquisas de Bourdieu (1998) e Lahire (1997) mostram que, na trama social e

escolar que permeia as histórias de sucesso ou fracasso escolar, diversos fatores têm sido

apontados como fundamentais. Dentre eles, pode-se destacar a mobilização pessoal, o valor

atribuído à educação pelas famílias, a ordem moral doméstica e a ascensão ou inclusão social.

As famílias dos meios populares, por não apresentarem uma familiaridade com a

linguagem e com a cultura escolar, mostram-se, muitas vezes, desprovidas de recursos capazes

de possibilitar aos filhos melhores resultados escolares (BOURDIEU, 1998; ZAGO, 2000).

Isso não significa que os alunos desses meios estão sempre em situação de fracasso escolar.

Segundo Lahire (1997), ao analisar uma dada configuração social, é válido lembrar que

se trata de uma rede de relações de interdependências específicas entre os seres sociais e que,

portanto, devem ser contextualizadas as suas singularidades e particularidades. Porém, apesar

disso, não podemos negar ser inquestionável a influência familiar e o peso das condições

sociais, econômicas e culturais, na definição de uma determinada situação escolar.

Lahire (1997), em seu estudo sobre sucesso escolar nos meios populares, também

afirma que, para compreendermos os resultados e os comportamentos escolares, é necessário

que a rede de interdependências familiares seja reconstruída, pois os casos de fracassos

escolares são de solidão dos alunos no universo escolar, pois aquilo que trazem da estrutura

familiar não lhes dá possibilidade de enfrentar as regras do jogo escolar – os tipos de

orientação cognitiva, os tipos de prática de linguagem, os tipos de comportamento (...)

próprios da escola. “Quando voltam para casa, trazem um problema (escolar) que as pessoas

que o cerca não pode ajudá-los a resolver: carregam, sozinhos, problemas insolúveis”.

(LAHIRE, 1997, p. 19)

Os sujeitos desta pesquisa desafiam-nos a pensar a E.J.A. (e a educação escolar) como

um espaço que transcende a mera reprodução de conhecimentos valorizados socialmente,

proporcionando não apenas a aquisição de capital cultural, mas materializando a construção de

novos saberes e experiências culturais. As possibilidades de conexão com os outros, a

constituição como sujeitos individuais e coletivos irão proporcionar a aquisição de

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27

significativo capital social, fundamental para outras conquistas, inclusive do capital

econômico.

1.1. Abordagem Metodológica da Pesquisa

Para Bourdieu (apud THIOLLENT, 1982, p. 44), toda técnica de pesquisa é uma

“teoria em atos”, ou seja, a forma como os fatos são buscados, selecionados, correlacionados e

analisados, em cada técnica de pesquisa, é construída a partir dos pressupostos teóricos que

orientam, conscientemente, ou não, a investigação. No caso desta pesquisa, o conceito de

capital cultural orientou a busca dos dados e da construção dos instrumentos.

Thiollent (1982) afirma que método de investigação é parte do corpo teórico adotado.

É esse corpo teórico prévio que comanda o processo da pesquisa. A consciência desse fato

possibilita aos pesquisadores – que acreditam que o conhecimento está contido no próprio

fato, independentemente do modo de intervenção de quem o observa – uma vigilância sobre o

significado dos dados obtidos, evitando a ilusão da existência de uma objetividade científica

neutra, predominante nos estudos empíricos. Para marcar a diferença dessa posição empirista e

positivista, muitos autores, como Habermas, propõem substituir o termo observação pelo

termo questionamento para descrever o modo de obtenção dos dados durante o processo de

pesquisa (idem).

A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador não só com

o ambiente, mas também com a situação que está sendo investigada, exigindo, dessa forma,

um trabalho intensivo de campo para presenciar as situações e os atores inseridos em seu

ambiente natural. (LUDKE & ANDRÉ, 1986)

A pesquisa qualitativa é, portanto, um processo de reflexão e análise da realidade,

através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo

em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação. Ela gera informações ricas,

detalhadas e válidas – que contribuem para o aprofundamento da compreensão do contexto no

qual o fenômeno que está sendo estudado ocorre – e preocupa-se muito mais com o processo

social do que com as estruturas sociais, na tentativa de visualizar o contexto e, na medida do

possível, estabelecer integração empática com o objeto de estudo.

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28

A escolha da abordagem qualitativa para nortear esta investigação justifica-se pelo fato

de ser uma abordagem utilizada pelos pesquisadores em educação por melhor contribuir para

desvelar os conteúdos no campo e por ter, como pressuposto, a compreensão dos fatos e

valores, sem separá-los. A partir dos questionamentos levantados e dos limites traçados no

desenho deste estudo, pode-se caracterizá-lo, em termos metodológicos, como uma pesquisa

qualitativa. Nesse sentido, esta pesquisa pretende dar voz aos atores sociais para analisar os

múltiplos aspectos e particularidades que envolvem a experiência escolar de alunos de

camadas populares. Buscamos considerar as falas dos sujeitos, respeitando seu conteúdo e seu

contexto, social e histórico.

Realizamos, assim, a investigação com um grupo de sujeitos que pertence às classes

populares que, voltaram a estudar em duas escolas públicas do município de Francisco

Morato, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental – sem interrupções e com

pouquíssimas desistências – até concluírem o Ensino Médio.

1.1.1. Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos e Escola

Estadual Lenita Camargo: um campo de pesquisa.

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar e interpretar as razões que explicam o sucesso

escolar de alunos de classes populares, que estudaram na Educação de Jovens e Adultos, em

duas escolas do município de Francisco Morato, região periférica da grande São Paulo. Esses

alunos voltaram aos estudos desde as séries iniciais e, sem interrupções, uma grande parcela

deles conseguiu terminar o seu processo de escolarização.

A pesquisa reunirá informações nos diálogos desencadeados durante a aplicação dos

questionários e entrevistas realizadas não só com alguns desses alunos que concluíram o

Ensino Fundamental e o Médio na E.J.A., como também com as duas professoras que

lecionaram para eles nas séries iniciais do Ensino Fundamental I14 no C.E.J.A. Professora

14 O Ensino Fundamental I corresponde à 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries.

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29

Elimara e com o professores do Ensino Fundamental II15 e outro do Ensino Médio, na Escola

Lenita Camargo.

O Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Elimara Santos, localizado nas

proximidades do centro da cidade, é uma escola municipal inaugurada em 2002, com o

objetivo de atender, exclusivamente, a Educação de Jovens e Adultos. Possui 08 salas de aula

e funciona em dois períodos: vespertino (15h às 18h30) e noturno (19h às 22h30). Por estar

próximo ao centro e, principalmente, da estação ferroviária, o C.E.J.A. recebe, em sua maioria,

moratenses, que trabalham em São Paulo ou nas cidades próximas, como Jundiaí e Cajamar. A

merenda escolar é oferecida a esses alunos trabalhadores antes do horário das aulas.

Os sujeitos desta pesquisa deveriam ficar três semestres – que corresponderiam à

conclusão das séries iniciais do Ensino Fundamental I – no C.E.J.A., mas, por falta de vagas

devido a uma reforma na Escola estadual Lenita Camargo, os alunos tiveram que ficar mais

um semestre. Segundo suas professoras, Maria e Aparecida,

Este semestre a mais foi algo em comum acordo entre alunos, professores e

a direção do Centro, pois partiu dos alunos, em consenso, que ficariam mais

um semestre, desde que, ao final deste (sic), todos fossem colocados na

mesma escola [Lenita Camargo] e na mesma sala de aula. Eles tinham

vagas garantidas em outras escolas só que seriam espalhados em várias

escolas e estas não eram próximas do centro da cidade. E sentimos um

grande prazer em continuar com eles pelas relações de amizade

desenvolvidas entre eles e conosco e pelo grande interesse que tinham em

aprender cada vez mais. (Entrevista realizada em 08/03/2011).

No inicio do mês de agosto de 2004, um grupo de 40 alunos, divididos em duas classes

de 20, ficaram entregues a duas professoras, Maria e Aparecida, que os acompanhou por

quatro semestres do curso. As professoras desenvolveram um excelente trabalho pedagógico,

conforme o depoimento do aluno Ariovaldo:

15 O Ensino Fundamental II corresponde à 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries

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30

Elas foram maravilhosas como pessoa e como professora, porque depois do

tempo que ficamos com elas todos nós estávamos lendo, escrevendo e como

elas falavam que era o mais importante, é uma palavra difícil,

interpretando. Eu sou mestre de obras, o mais importante em uma

construção é a fundação e o alicerce, então elas deram pra gente tudo que a

gente precisava para ir em frente com fé e segurança na gente.(Entrevista

realizada em 05/03/2011).

Ao final desses quatro semestres, dos 40 sujeitos que iniciaram, 36 alunos concluíram

as séries iniciais do ensino fundamental I, dentro do Centro de Educação de Jovens e Adultos

Professora Elimara Santos. Os 36 alunos foram encaminhados para a Escola Estadual

Professora Lenita Camargo e, após três anos e meio, 32 deles concluíram o ensino médio.

Em agosto de 2006, os trinta e seis sujeitos chegaram à Escola Estadual Professora

Lenita Camargo, localizada no centro da cidade e bem próximo também da estação

ferroviária. Essa escola possui 12 salas de aula, funciona em três períodos, e oferece,

especificamente, o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, para a Educação de Jovens e

Adultos, nos períodos matutino, vespertino e noturno.

Os sujeitos da pesquisa foram colocados na mesma sala de aula, e essa turma formou

um grupo diferenciado dentro da escola, conforme afirmação do professor Marcelo16:

Eu tive a oportunidade de lecionar Matemática para este grupo desde a 5ª

série e os acompanhei até o 3º ano do Ensino Médio. Eles chegaram e foram

um diferencial, porque todos escreviam, liam, não tinham medo de

perguntar e se não entendiam a matéria, eles ajudavam muito uns aos

outros, e me chamava muito a atenção a forte relação de amizade entre eles.

Dar aula para eles foi um marco na minha carreira como professor, aprendi

muito. (Entrevista realizada em 08/03/2011).

16 Os nomes citados nesta pesquisa são fictícios.

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31

Ao final do primeiro semestre de 2009, dos 36 alunos que chegaram à Escola Estadual

Professora Lenita Camargo, 32 concluíram o Ensino Médio.

1.1.2. Os sujeitos da pesquisa.

Meu primeiro contato com os sujeitos desta pesquisa ocorreu em agosto de 2006,

quando eles terminaram o ensino fundamental I, no Centro de Educação de Jovens e Adultos

Professora Elimara Santos. Lá fui alertado pela professora Maria que, no final de sua carreira

no magistério, tinha sido agraciada com uma turma de E.J.A. Para ela, essa turma foi um

presente, pois praticamente todos eram frequentes, escreviam, liam e interpretavam o que liam

em suas aulas. Três anos depois, em uma reunião, encontrei a mesma professora, que estava

alegre não só por ser homenageada na formatura desses mesmos alunos no Ensino Médio, mas

também porque o grupo era formado praticamente por seus alunos a quem ministrara aulas nas

séries iniciais do Ensino Fundamental.

Esses sujeitos faziam parte do outro lado do processo ensino-aprendizagem. Não só a

professora trazia seu contentamento; eles também traziam em sua bagagem, experiências,

vivências e possuíam as mais diferentes especificidades culturais, faixas etárias, profissões,

etc. Apesar das diferenças todas, havia algo em comum: eles eram oriundos das classes

populares, com uma curta passagem pela escola. Como afirma Haddad (1997, p. 156), ao

caracterizar os alunos da EJA, os alunos

[...] trazem no corpo e na fala as marcas de outras regiões, sinais identificadores de seu grupo social. A cor da pele, as marcas das dificuldades da vida, a maturidade de quem foi obrigado a precocemente entrar no mercado de trabalho caracterizam o grupo social do curso noturno de maneira diferenciada aos bem-nascidos dos cursos regulares diurnos.

Era preciso, portanto, conhecer os trinta e seis sujeitos que concluíram o Ensino Médio,

suas trajetórias, estratégias, e os fatores escolares e extra-escolares que os fizeram voltar,

permanecer e concluir, desde as séries iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio.

Consideramos também como sujeitos da pesquisa quatro professores: as professoras Maria e

Aparecida, que lecionaram o Ensino Fundamental I e os professores Marcelo e Regina, que

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32

lecionaram para estes sujeitos no Ensino Fundamental II e Ensino Médio – que muito

contribuíram para que este sucesso fosse alcançado.

Como pesquisador, seguirei as orientações de Bakhtin (2006):

Para compreender a palavra, é necessário compreender a quem ela se dirige. Se, por um lado, o pesquisador, ao definir o perfil dos sujeitos, escolhe a quem sua palavra se dirigirá no decorrer do processo da pesquisa, por outro, os sujeitos, ao aderirem à pesquisa, também escolhem o pesquisador como um outro a quem dirigirão sua palavra.(BAKHTIN, 2006, p. 113).

Os atores da pesquisa foram amplamente receptivos e participantes: todos os trinta e

seis sujeitos responderam ao questionário aplicado e compareceram às entrevistas. Num

estudo no qual o objetivo é a imersão na experiência do outro, buscando captá-la nos termos

desse outro que se oferece como sujeito, mas também como objeto do olhar do pesquisador, a

adesão é fundamental. Apenas quando os sujeitos se sentem implicados com a pesquisa,

instigados pelas questões que movem a investigação, cúmplices do objeto de pesquisa

construído pelo pesquisador, é possível levar a termo as intenções iniciais. É essa

cumplicidade entre os sujeitos e o objeto de pesquisa que o pesquisador tenta estabelecer

quando entra no campo de investigação. O campo é o território do outro, do qual o

pesquisador tenta se apropriar. Entretanto, essa apropriação deve ser consentida, para que não

exproprie o outro de seu saber, de suas experiências, mas que busque a partilha.

1.1.3. Instrumentos de Pesquisa

Buscando identificar, descrever, caracterizar e compreender as trajetórias desses

sujeitos, a coleta dos dados desta pesquisa ocorreu por meio de questionário e entrevista. Esses

dois instrumentos têm, em comum, o fato de serem constituídos por uma lista de indagações

que, respondidas, dão ao pesquisador as informações que ele pretende atingir.

O questionário – aplicado para a caracterização dos trinta e seis sujeitos da pesquisa

que concluíram o Ensino Médio na Escola Estadual Lenita Camargo – e as entrevistas foram

feitas com oito alunos e quatro professores, escolhidos por critérios pré-definidos, tais como:

idade; maior tempo de interrupção nos estudos; sujeitos que voltaram a estudar devido à

Page 33: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

33

influência da família; sujeitos que voltaram obrigados pelo mercado de trabalho e os sujeitos

menores de idade que estavam em liberdade assistida, e os professores indicados pelos

próprios alunos.

Questionário

A coleta de dados, por meio do questionário (ver anexo 1 ) com treze questões

estruturadas e semi-estruradas, foi realizada nos meses de setembro, outubro e novembro de

2010, nas dependências da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, em três encontros: o

primeiro foi destinado à aplicação, o segundo e o terceiro, a pedido dos alunos para uma

análise e um pequeno debate sobre os dados obtidos através das respostas dadas ao

questionário.

Em relação à técnica do questionário, Thiollent (1982) afirma que, a partir da

observação direta, se estabelece um contato efetivo com as pessoas implicadas no problema

investigado. Os sujeitos puderam questionar (observação) e reagir ao questionário (direta), ou

nas palavras de THIOLLENT (1982, p. 32) “Questionários, formulários e entrevistas são

considerados como técnicas de observação direta pelo fato de estabelecerem um contato

efetivo com as pessoas implicadas no problema investigado...”.

As perguntas do questionário foram elaboradas, baseando-se nos objetivos da pesquisa,

com o intento de responder às seguintes indagações: quem são estes sujeitos? Quais são suas

origens? Quais foram suas trajetórias escolares anteriores? Por que voltaram e permaneceram?

Quais os fatores que interferiram nesta permanência? O que mudou na vida desses sujeitos

após a conclusão do Ensino Médio? Assim, esperou-se caracterizá-los, de forma geral, quanto

aos aspectos econômico, social e escolar.

As Entrevistas.

A entrevista, como técnica, remete-nos à compreensão da realidade e possibilita obter

meios de analisar nosso objeto de pesquisa. A coleta de dados, através da entrevista, é um

Page 34: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

34

procedimento mediador que conduz a uma interação entre o pesquisador e o sujeito da

pesquisa, para melhor compreensão da realidade.

Para Ludke & André (1986, p. 34), a técnica de entrevista semi-estruturada é a que

mais se adapta aos estudos do ambiente educacional, porque apresenta um esquema mais livre,

já que esse instrumento permite mais flexibilidade no momento de entrevistar os sujeitos da

pesquisa. Essa técnica de coleta de dados é um dos principais instrumentos usados nas

pesquisas das ciências sociais, desempenhando papel importante nos estudos científicos. A

grande vantagem dessa técnica em relação às outras, segundo as autoras, “(...) é que ela

permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer

tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.

Para as autoras, a entrevista semi-estruturada dá uma maior possibilidade de

entendimento das questões estudadas nesse ambiente, uma vez que permite não somente a

realização de perguntas que são necessárias à pesquisa e não podem ser deixadas de lado, mas

também a relativização dessas perguntas, dando liberdade ao entrevistado e a possibilidade de

surgir novos questionamentos não previstos pelo pesquisador, o que poderá ocasionar uma

melhor compreensão do objeto em questão.

Nas entrevistas semi-estruturadas, há o momento das perguntas anteriormente

determinadas, podendo ser as respostas relativamente livres. Caso haja necessidade, o

pesquisador pode acrescentar uma questão não prevista, dependendo das respostas dos

respondentes.

Nesta pesquisa, os critérios de escolha para as entrevistas individuais foram eleitos a

partir de algumas variáveis, para que pudéssemos ter uma caracterização do grupo de trinta e

dois sujeitos. Assim, escolhemos dois sujeitos pelo critério da idade – o mais velho e o mais

novo do grupo; um sujeito com maior tempo de interrupção na trajetória escolar; um sujeito

que não tinha iniciado seu processo de escolarização; um sujeito que voltou por pressão do

mercado de trabalho; um sujeito que voltou influenciado pela família; dois sujeitos que

voltaram a estudar porque foram obrigados a isso – alguns deles estavam dentro do regime de

liberdade assistida.

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35

CAPÍTULO II

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONTEXTO HISTÓRICO.

2.1. Trajetória da Educação de Jovens e Adultos do Período Colonial até 1930.

Toda a história das ideias em torno da Educação de Adultos no Brasil acompanha a

história da educação brasileira que, por sua vez, acompanha a história dos modelos

econômicos e políticos e, consequentemente, a história das relações de poder, dos grupos que

estão no exercício do poder. A mobilização brasileira em favor da educação do povo, ao longo

de nossa história, parece realmente ligar-se às tentativas de sedimentação ou de recomposição

do poder político e das estruturas socioeconômicas, fora e dentro da ordem vigente.

A ideia de adotar uma política colonizadora, através da conversão dos indígenas no

Brasil colonial, permitiu aos jesuítas17 (1549-1759) desempenharem o papel de principais

promotores e organizadores do sistema de educação. A sua autonomia, porém, e

consequentemente a influência na colônia, fez com que a coroa portuguesa não só combatesse

a ampliação desse controle, como também os expulsasse das terras brasileiras, provocando,

dessa forma, a regressão do sistema educativo implantado. Quem mais sofrera com sua

expulsão, na verdade, fora a elite, pois a educação popular era quase inexistente.

Paiva (1973, p.165) ressalta que a educação dos adultos indígenas tornou-se

irrelevante. O domínio das técnicas da leitura e escrita não era necessária para os membros da

sociedade colonial, já que se baseava, principalmente, na exportação da matéria-prima. Assim,

não havia preocupação em expandir a educação a todos os setores sociais. Com a vinda da

família Real Portuguesa para o Brasil (1808), modificou-se o panorama educacional brasileiro,

uma vez que se tornara necessária a organização de sistema de ensino para atender a demanda

17 Os jesuítas permaneceram como mentores da educação brasileira durante duzentos e dez anos, até 1759, quando foram expulsos de todas as colônias portuguesas por decisão de Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777. No momento da expulsão, os jesuítas tinham 25 residências, 36 missões e 17 colégios e seminários, além de seminários menores e escolas de primeiras letras instaladas em todas as cidades onde havia casas da Companhia de Jesus. A educação brasileira, com isso, vivenciou uma grande ruptura histórica num processo já implantado e consolidado como modelo educacional. A Companhia de Jesus estava presente como fator de empecilho às reformas econômicas e educacionais de Pombal, o que explica a sua expulsão e proscrição. (1982).

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36

educacional da aristocracia portuguesa e preparar quadros para as novas ocupações técnico-

burocráticas.

Normalmente, entendia-se por educação de adultos apenas a transmissão de alguns

poucos conhecimentos da cultura letrada – leitura e escrita – para os analfabetos. Essa visão

estreita da educação estava ligada aos interesses políticos e econômicos das elites que

entendiam que bastava o domínio superficial da leitura e da escrita, pois assim seria possível

manter a “ordem social” instituída.

Politicamente, era conveniente às elites que a grande maioria da população não tivesse

acesso à educação e soubesse ler e escrever para poder votar, pois, com a reforma do sistema

eleitoral (Lei Saraiva de 188518), os analfabetos eram excluídos do contingente eleitoral. Além

disso, as elites entendiam que os votos do recém-alfabetizados seriam presas fáceis para

alimentar o curral eleitoral local. A reforma eleitoral acabou reforçando a “ideia de que a

educação concorria para o progresso. Além disso, a eleição direta com restrição ao voto do

analfabeto provocara a valorização daqueles que dominavam as técnicas da leitura e da

escrita” (PAIVA, 1987, p. 168).

Do ponto de vista econômico, era necessário alfabetizar os iletrados, pois o processo de

industrialização do país exigia mão-de-obra pré-qualificada. As elites não poderiam mais

contar com a mão-de-obra escrava – embora se falasse em fim da escravidão –, acostumada

com o trabalho agropecuário que não exigia esforços intelectuais. Era preciso suprir as

demandas do mercado industrial emergente que requeria dos trabalhadores o mínimo de

exercício intelectual, ou seja, o domínio, ainda que precariamente, da arte da leitura e da

escrita.

Com o desenvolvimento da sociedade – predominantemente rural e agrícola no início e

depois passou a ser industrial e urbana – e com o fortalecimento das cidades, surgiu a

18 A Lei nº 3.270, também conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotejipe, foi promulgada a 28 de Setembro de 1885 e garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Mesmo tendo pouco efeito prático, pois libertava somente escravos que, por sua idade, eram menos valorizados, houve grande resistência por parte dos senhores de escravos e de seus representantes na Assembléia Nacional. A pressão sobre o Parlamento se intensificou a partir de sua proposta, em 1884. Ao projeto, vindo do liberal ministério Sousa Dantas, os escravocratas reagiram com tanto rigor, que a lei só foi aprovada em 1885, após aumentar o limite de idade do cativo de sessenta para sessenta e cinco anos. As maiorias dos sexagenários estavam nas províncias cafeeiras, o que explica a resistência na Câmara e no Senado. BRASIL. Departamento Nacional de Educação. Histórico da educação de adultos no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 13, n.37, p.140-158, set./dez. 1949.

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37

necessidade de se ter certo domínio de conhecimento e a apresentação de algumas habilidades

de trabalho.

No ano de 1854, surgiu a primeira escola noturna e, em 1876, já existiam 117 escolas

por todo o país, como nas províncias do Pará e do Maranhão, que já estabeleciam fins

específicos para sua educação. Segundo Paiva (1973, p.167), no Pará, visava-se dar instrução

aos escravos como forma de contribuir para a sua educação; no Maranhão, a instrução serviria

para que os homens do povo pudessem ter compreensão dos seus direitos e deveres. Sobre a

experiência das escolas noturnas, Paiva afirma:

A crise do sistema escravocrata e a necessidade de uma nova forma de produção são alguns dos motivos para a difusão das escolas noturnas, entretanto, essas escolas tiveram um alto índice de evasão o que contribuiu consideravelmente para o seu fracasso. Ressurgindo novamente em 1880, com o estímulo dado pela reforma eleitoral – Lei Saraiva –, chegando-se a cogitar a extensão da obrigatoriedade escolar aos adolescentes e adultos nos lugares em que se comprovasse a inexistência de escolas noturnas (PAIVA, 1973, p. 168).

Os limites de idade nas escolas noturnas e dominicais eram de 16 e 40 anos. As escolas

eram destinadas ao sexo masculino e poderiam ser instaladas desde que pudessem contar com

a frequência mínima de 30 alunos. As lições eram dadas apenas em três horas, todas as noites,

com exceção dos domingos. As matérias ensinadas eram: língua pátria, aritmética, geometria e

desenho, e lições de coisas. Segundo MOURÃO (1962, p.211),

Destinadas a adolescentes, ou mesmo a adultos, as escolas noturnas apresentavam inestimáveis benefícios aos alunos que trabalhavam durante o dia, não podendo frequentar os grupos escolares ou as escolas isoladas que funcionavam de manhã ou à tarde. Os seus programas aprovados conjuntamente com os dos grupos escolares e das escolas singulares nada tinham, talvez, de específico para a finalidade. O regime desses cursos noturnos era o das escolas singulares com quatro classes, que estudavam ao mesmo tempo, cabendo ao professor, pela divisão de tarefas, mantê-las todas em atividades ao mesmo tempo.

Até a Primeira Guerra Mundial, mais particularmente na década de 1910, a maior parte

das discussões sobre o problema da educação popular foi travada no Parlamento, por meio do

debate dos projetos de reforma do Município Neutro19. A reforma do Distrito Federal, em

1928, merece destaque, pois reorganizou os cursos elementares noturnos e moralizou o seu

funcionamento. Sob a designação de Cursos Populares Noturnos, eles deveriam ministrar o

19 Município Neutro era a Capital Federal ou o Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro.

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38

ensino primário elementar em dois anos a adultos analfabetos, depois o ensino técnico

elementar, cultura geral, práticas de higiene, demonstrações práticas e palestras populares.

Esses cursos tiveram grande resposta junto à população e houve um grande aumento

das matrículas. Não teve continuidade após a Revolução de Trinta, mas deixou bases para a

renovação do ensino de adultos na segunda metade da década de 1930.

A mobilização iniciada com a Primeira Guerra, entretanto, ao trazer à tona a necessidade de expandir a rede de ensino elementar, levantou também o problema da educação dos adultos. A abordagem do problema, contudo, se faz em conjunto: o tema é a educação popular, ou seja, a difusão de ensino elementar. As reformas da década de 20 tratam da educação dos adultos ao mesmo tempo em que cuidam da renovação dos sistemas de um modo geral. Somente na reforma de 28 do Distrito Federal, ela recebe mais ênfase, renovando-se o ensino dos adultos na primeira metade dos anos 30. (PAIVA, 1973, p. 168).

Após a Primeira Guerra Mundial, com a industrialização e urbanização, formou-se a

nova burguesia urbana. Estratos emergentes de uma pequena burguesia exigiam o acesso à

educação – esses segmentos aspiraram a uma educação acadêmica, elitista ou tecnicista,

enquanto que o restante da população continuou analfabeta e inferiorizada. Nos anos 20 aparecem os primeiros profissionais da educação que tentaram sustentar a crença em seu descompromisso com idéias políticas defendendo o tecnicismo em educação e trazendo implícita a aceitação das idéias políticas dos que governam, a educação popular vinculada pelo entusiasmo na educação que nada mais foi do que uma expansão das bases eleitorais, pois a preocupação maior estava vinculada ao aumento do poder da classe burguesa (PAIVA, 1973, p.28).

Diferentes discussões e definições em torno da alfabetização e/ou escolarização de

adultos acompanham lutas ideológicas e políticas de cada período, trazendo consequências

pedagógicas sérias ao processo educativo de sujeitos que buscam tardiamente sua

escolarização.

2.2. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova refere-se a um documento escrito por 26

educadores, em 1932, com o título “A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao

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39

governo”. Circulou em âmbito nacional com a finalidade de oferecer diretrizes para uma

política de educação.

Em 1932, foi publicado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: a reconstrução

educacional no Brasil, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vários intelectuais da

época, como Carneiro Leão, Hermes Lima, e pelo grande amigo de Azevedo, Anísio Teixeira.

Nesse documento, foram propostas e definidas várias soluções que, a partir de então, foram

aplicadas à educação brasileira (Cf. ROMANELLI, 1991). Aqui, alguns dos princípios

enunciados:

1 - A educação deve ser essencialmente pública, obrigatória, gratuita, leiga e sem

qualquer segregação de cor, sexo ou tipo de estudo, e desenvolver-se em estreita vinculação

com as comunidades;

2 - A educação deve ser uma só, com os vários graus articulados para atender às

diversas fases do crescimento humano. Mas, unidade não quer dizer uniformidade; antes,

pressupõe multiplicidade. Daí, embora única, sobre as bases e os princípios estabelecidos pelo

Governo Federal, a escola deve adaptar-se às características regionais;

3 - A educação deve ser funcional e ativa, e os currículos devem adaptar-se aos

interesses naturais dos alunos, que são o eixo da escola e o centro de gravidade da educação;

4 - Todos os professores, mesmo os de ensino primário, devem ter formação

universitária.

O texto do manifesto ainda dizia que:

... se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. (LOURENÇO FILHO, M. B., 1978, p. 66).

A causa principal dos problemas na educação, então, estaria na "na falta, em quase

todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e

social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação".

Para os 26 educadores, nós "nunca chegamos a possuir uma cultura própria, nem mesmo uma

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40

cultura geral que nos convencesse da existência de um problema sobre objetivos e fins da

educação" (idem).

A educação nova, dessa forma, propunha "servir não aos interesses de classes, mas aos

interesses do indivíduo, e que se funda sobre o princípio da vinculação da escola com o meio

social". Ou seja, o objetivo era ter um "ideal condicionado pela vida social atual, mas

profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação" (idem).

Os educadores de 1932 que assinaram o manifesto diziam que a escola tradicional

estava instalada para uma concepção burguesa, deixando o indivíduo numa autonomia isolada

e estéril. O documento defendia ainda a educação como uma função essencialmente pública. A

escola deveria ser única e comum, sem privilégios econômicos de uma minoria; todos os

professores deveriam ter formação superior e o ensino deveria ser laico, gratuito e obrigatório.

A democracia no Brasil era um dos pontos mais importantes no manifesto de 1932. A

educação era vista como instrumento de reconstrução da democracia, permitindo a integração

dos diversos grupos sociais. Nesse sentido, o governo federal deveria defender bases e

princípios únicos para a educação, mas sem ignorar as características regionais de cada

comunidade.

Além de povo e governo serem auditórios complexos e multifacetados, o Manifesto se

instituía como “peça de combate, toda ela envolta e atravessada pelo intento de produzir um

efeito de verdade” que, como afirma WARDE (2004 p. 229), “... consistia em dividir a

educação brasileira, de ponta a ponta, entre o novo e o velho, tendo por base o diagnóstico de

que o novo não emergia na sua plenitude no Brasil porque o velho resistia e se negava à

morte”.

O Manifesto (AZEVEDO, 1932, p. 59) defendia, então, “uma reforma integral da

organização e dos métodos de toda a educação nacional”, abrangendo desde os jardins de

infância até a Universidade, apelando a “um conceito dinâmico” que remete “não à

receptividade, mas à atividade criadora do aluno”, no intuito de levar “à formação da

personalidade integral” do estudante e “ao desenvolvimento de sua faculdade criadora e de seu

poder criador”. Para isso, a escola deveria adotar os “mesmos métodos (observação, pesquisa e

experiência), que segue o espírito maduro, nas investigações científicas”.

No Manifesto, que representou “um divisor de águas entre educadores progressistas e

conservadores”, fizeram-se presentes as idéias de Anísio Teixeira, cujo nome foi sendo

Page 41: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

41

vinculado ao campo da filosofia da educação. Embora tenha atuado, quase sempre, como

administrador público em vários setores da educação brasileira, de sua obra pode ser extraída

uma concepção de educação, de homem, de sociedade e de conhecimento que marcaram o

campo educacional nos anos 20 e 60.

No contacto com J. Dewey e as teses do pragmatismo norte-americano – o

pragmatismo recusa os sistemas fechados com pretensões ao absoluto, voltando-se para o

concreto, para os fatos, para a ação –, Teixeira foi absorvido pelas ideias de ciência e de

democracia, as quais apontavam a educação como o canal capaz de provocar as

transformações necessárias para o Brasil, país em busca de modernização.

2.3. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas Décadas de 30 e 40.

A partir da Revolução de 30, as mudanças políticas e econômicas permitiram

finalmente o início da consolidação de um sistema político de educação elementar no país,

ocorrendo, consequentemente, experiências significativas na área. A demanda provocada pelo

processo de urbanização e industrialização exigia a ampliação da escolarização para

adolescentes e adultos. Na afirmação de Piletti (1988), foi durante o período republicano,

principalmente de 1930 em diante, que se construiu o sistema educativo brasileiro, elaborado a

partir de alguns princípios básicos, discutidos no decorrer da Primeira República e inscritos

nas constituições, de modo especial a partir da constituição de 1934.

A gratuidade já figurou na Constituição de 1824. A Constituição de 1891 nada disse a respeito, deixando ao Estado a responsabilidade, como encarregado do ensino primário. Gratuidade e obrigatoriedade aprecem juntas pela primeira vez na Constituição de 1934, que em seu artigo 150 institui o “ensino primário integral gratuito e a freqüência obrigatória, extensiva aos adultos”. A partir daí o princípio da gratuidade e da obrigatoriedade jamais deixou de estar presente em nossa Constituição. (PILETTI, 1988, p. 190).

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42

Em 1932, influenciada pelas ideias de Anísio Teixeira, do Manifesto dos pioneiros da

Educação brasileira e pelas ideias do experimentalismo americano20, a Secretaria da Educação

do Distrito Federal criou cursos de continuação e aperfeiçoamento a serem ministrados nos

estabelecimentos de ensino profissional. No mesmo ano, o decreto nº 4.299 reformava o

ensino elementar de adultos e organizava os cursos de continuação e aperfeiçoamento, cuja

organização e implementação foram entregues a Paschoal Leme.

Foram criados os chamados cursos de extensão, que deveriam ser práticos de artes e

ofícios, organizados de acordo com os interesses dos alunos e com oportunidades de emprego,

funcionando em horário noturno, sem limite de idade, sem formalidades na matrícula, sem

seriação especial de matérias e duração variável.

Houve grande procura por parte dos trabalhadores ligados ao comércio, e, somente

mais tarde, a classe operária teve acesso a esses cursos. Os alunos participavam de atividades

extraclasse com a realização de palestras, conferências e seções de cinema educativo. Essa

experiência de educação de adultos foi muito importante, não somente pelas características de

sua organização, configurando-se como o primeiro movimento de caráter extensivo fora dos

moldes tradicionais das escolas noturnas, mas principalmente pelo aspecto político.

Nos anos 1930, o país entrara na era das lutas ideológicas e, no clima de radicalização

que precedeu o Estado Novo, era necessário definir-se quanto às ideias e compromissos

políticos. Com a saída de Anísio Teixeira do ministério, a prisão e saída de Paschoal Leme e

com as novas demandas políticas do Estado Novo, essa experiência chegou ao fim.

20 Para NAGLE (1974, p. 46), “Anísio Teixeira, considerado um dos expoentes da educação brasileira, foi um importante seguidor das idéias de John Dewey, do qual foi aluno e influenciado pelo pragmatismo norte-americano de Dewey recusava os sistemas fechados, com pretensões ao absoluto, e se voltava para o concreto, para os fatos, para a ação. Tendo conhecido tais teses, Teixeira se deixou absorver especialmente pelas idéias de ciência e de democracia. Com estas idéias, ele, como Dewey, apontava a educação como o canal capaz de provocar as transformações necessárias à modernização do Brasil. Queria-se adotar o novo modelo de escola e de educação. Creu-se no ideário do movimento de Dewey, na sua proposta de uma escola centrada na atividade, na produtividade e na democracia, tudo associado, a seu jeito, com liberdade do indivíduo e direito de escolha que levariam a dar contribuições para a comunidade. Aportes pragmáticos que permitiriam instaurar a solidariedade social, a inteligente e perfeita comunicação entre os membros que ansiavam transformar a ‘Grande Sociedade’. Anísio Teixeira traduziu, com Godofredo Rangel, a obra maior de Dewey, Democracia e Educação (1959). À época da publicar a tradução, escreveu: “Reputo a versão em língua portuguesa deste grande livro de John Dewey – o seu melhor livro sobre educação, na opinião do próprio autor – como uma inestimável contribuição à cultura popular brasileira. (...) – (...) não sei de livro mais salutar e mais promissor. Com efeito, o leitor encontrará nas suas páginas a revelação – e nada menos é preciso para o Brasil, hoje – do que é a democracia e dos meios de realizá-la”

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43

A partir do final da segunda Guerra Mundial, houve um maior interesse,

principalmente dos organismos internacionais, pela disseminação da educação de jovens e

adultos, que passou a ter uma dimensão planetária. Segundo Canário (1998, p. 5), a educação

deixou de estar reservada a um pequeno número e confinada a determinadas categorias sócio-

profissionais ou socioculturais para, nos termos de Avanzini (1996), ser proposta ou mesmo

imposta a todos.

Entre os organismos internacionais, a UNESCO teve um papel fundamental na difusão

das propostas de educação de jovens e adultos, uma vez que ela estimulou a criação de

programas nacionais de educação de adultos analfabetos e criou um conceito de educação

funcional, que propunha a necessidade de se desenvolver uma metodologia especial para

educação de adultos, entendida como:

“... um processo global e integrado, de formação técnica e profissional do adulto - em sua forma inicial - feito em função da vida e das necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado, que tem por objetivo converter os alfabetizados em elementos conscientes e eficazes na produção e no desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econômico, a alfabetização funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor. Do ponto de vista social, a facilitar-lhes sua passagem de uma cultura oral a uma cultura escrita, a contribuir para sua melhoria pessoal e do grupo”. (ADISESHIAH, M. 1985, p. 63)

As propostas de educação de adultos esboçadas pela UNESCO tiveram boa

receptividade no Brasil, porque vinham ao encontro dos interesses das elites. A partir de 1947,

houve inúmeras iniciativas governamentais para erradicação do analfabetismo, até então

entendida como educação de jovens e adultos. Neste ano, atendendo aos apelos da UNESCO,

o governo de Eurico Gaspar Dutra lançou a Campanha de Educação de Adolescentes e

Adultos – C.E.A.A. A respeito das intenções da C.E.A.A., Paiva (1987, p.179) fez a seguinte

observação:

... a educação dos adultos convertia-se num requisito indispensável para ‘uma melhor reorganização social com sentido democrático e num recurso social da maior importância’, para desenvolver entre as populações marginalizadas o sentido de ajustamento social. A campanha significava o combate ao marginalismo, conforme o pronunciamento de Lourenço Filho: devemos educar os adultos, antes de tudo, para que esse marginalismo desapareça, e o país possa ser mais coeso e mais solidário; devemos educá-los para que cada homem ou mulher melhor possa ajustar-se à vida social e às preocupações de bem-estar e progresso social. E devemos educá-los porque essa é a obra de defesa nacional, porque concorrerá para que todos melhor saibam defender a saúde, trabalhar mais eficientemente, viver melhor em seu próprio lar e na sociedade em geral.

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44

A década de 40 – principalmente com o fim do Estado Novo e a redemocratização –

pode ser considerada como um período áureo para a educação de adultos, salienta Paiva

(1973). A abertura política propiciou o florescimento de movimentos isolados de educação de

adultos, surgindo Universidades Populares organizadas, segundo o modelo europeu e

vinculadas a instituições de ensino ou a bibliotecas. Buscou-se a difusão e a valorização da

arte e da cultura popular – que se mais visível; enfatizou-se a necessidade da educação das

massas.

Ainda nessa década, aconteceram inúmeras iniciativas políticas e pedagógicas

importantes, tais como a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário – F.N.E.P.21

(1942); a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógico – I.N.E.P.22 (1938),

incentivando e realizando estudos na área; o surgimento das primeiras obras especificamente

dedicadas ao ensino supletivo; lançamento da C.E.A.A. – Campanha de Educação de

Adolescentes e Adultos, através da qual houve uma preocupação com a elaboração de material

de didático para adultos; e a realização de dois eventos fundamentais para a área: 1º Congresso

Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1947, e o Seminário Interamericano de

Educação de Adultos de 1949.

No final da década de 40 e início dos anos 50, tornou-se necessário promover a

educação do povo para acompanhar a fase de desenvolvimento que se instalava nos países, ou

seja, era preciso formar os continentes de mão-de-obra para atender o crescimento das

indústrias. Essa necessidade de promover a educação e qualificação foi justificada por várias

teorias ligadas à política e à ampliação das bases eleitorais do país, com incentivo externo.

21 Regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário que viabilizou recursos a intervenção do governo federal na implantação do ensino primário nos Estados, Distrito Federal, territórios e municípios, inclusive sob a forma de “ensino supletivo” para adolescentes e adultos (Cf. SPOSITO, 1994). 22 Criado em 1938, o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos tornou-se uma referência no país, sobretudo a partir de 1944, quando foi criada a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), veículo por meio do qual as informações educacionais passaram a ser publicadas e conseqüentemente passaram a ser consultadas por pesquisadores, gestores e pessoas interessadas em questões educacionais. A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos ainda é publicada pelo INEP. O reconhecimento do INEP tanto em nível nacional como internacional foi resultado do modelo adotado por Anísio Teixeira, diretor do Instituto a partir de 1952. O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) foi criado devido à ênfase que Anísio Teixeira deu à pesquisa. Em 1972, o INEP passou a ser um órgão autônomo, e passou a ser chamado de Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Em 1977, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) foi extinto.

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2.4. A Trajetória da Educação de Jovens e Adultos nas décadas de 50 e 60.

O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) objetou-se às campanhas nacionais de

alfabetização e educação de adultos, pois elas não iam ao encontro das novas condições

criadas pela política “desenvolvimentista”. Elas tinham, na verdade, pouca eficiência na

formação de mão-de-obra educada para as indústriais. Mesmo avessos, em 1958, o governo

promoveu a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo.

Essas campanhas eram instrumentos da democracia liberal que deveriam combater as

ideologias estranhas – as grandes massas, relegadas a um plano secundário de ignorância e

estacionamento, eram presas fáceis de ideologias nocivas nas mãos dos demagogos

anarquistas ou comunistas–, principalmente nas cidades, ao mesmo tempo em que colocavam

em risco o equilíbrio eleitoral das oligarquias no interior, pois, formando novos eleitores,

poderia modificar o equilíbrio eleitoral dos municípios e enfraquecer os chefes políticos

locais.

Paiva (1973, p.250-3) ressalta que, desde o final da década de 50 até meados de 60,

viveu-se no país uma verdadeira efervescência no campo da educação de adultos e da

alfabetização. O II Congresso Nacional de Educação de Adultos (1958) constitui-se um marco

histórico para a área. Paulo Freire, mesmo não tendo ainda um envolvimento maior com o

analfabetismo entre adultos, apresentou e defendeu, liderando um grupo de educadores

pernambucanos, o relatório A Educação de Adultos e as populações Marginais: o problema

dos mocambos. Ele propunha uma educação de adultos que estimulasse a colaboração, a

decisão, à participação e a responsabilidade social e política.

Paiva (2003) indica que esse contexto começou a ser construído com o governo de

Juscelino Kubitschek, no qual o país vivia um período de relativa liberdade de ideias e

estímulo aos intelectuais na teorização do nacional-desenvolvimentismo.

Foi nesse período que se intensificou o problema do voto do analfabeto e da

representatividade das massas, já que o elevado número de analfabetos e a proibição do seu

direito de votar restringiam, significativamente, o número de eleitores. Nesse sentido, o

governo convocou o II Congresso Nacional de Educação de Adultos, com o intuito de rever os

objetivos e fixar as diretrizes postas à educação dos adultos, visando mudanças sociais,

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econômicas e culturais e demonstrando que o problema assumia certa centralidade no

governo.

Com a eleição de Jânio Quadros, em 1960,

Mostrava-se a difusão do ensino como poderoso aliado contra a política dos currais eleitorais, ao menos em relação à escolha do governo da União. Jânio Quadros, eleito sem compromissos com as oligarquias tradicionais, percebeu a importância dessa difusão e favoreceu a criação de programas destinados à educação dos adultos capazes de multiplicar os contingentes eleitorais a curto prazo. Paralelamente, havia crescido o interesse da hierarquia católica pelo problema da educação das massas e, simultaneamente, começava a difundir-se a nova orientação do pensamento social cristão, com conseqüências importantes na formação dos grupos políticos católicos interessados no problema da educação popular. (PAIVA, 2003, p. 232).

Após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e com a conturbada posse de João

Goulart, a educação das massas foi assumida com grande importância, surgindo os diversos

movimentos de alfabetização de adultos, que utilizavam a educação popular e a cultura

popular como instrumentos de formação política das camadas populares, ao mesmo tempo,

responsáveis pelo período de efervescência política e cultural que tomou o país na primeira

metade da década de 1960.

Influenciados pelas condições políticas e culturais pelas quais passou o país naquele

momento, os movimentos populares encabeçaram grandes campanhas de promoção de

educação e cultura popular, protagonizadas por intelectuais, políticos e estudantes

preocupados com a promoção política das massas, na perspectiva da tomada de consciência

sobre a problemática brasileira (PAIVA, 2003). Entre os organizadores e participantes desses

movimentos, encontravam-se liberais, marxistas e católicos. Enfocando cada um, a sua

maneira, o problema da educação das camadas populares, esses grupos apresentavam

objetivos políticos, muitas vezes, convergentes. Almejavam a transformação das estruturas

sociais, econômicas e políticas do país, construindo uma sociedade mais justa e mais humana.

Viam, na educação, um instrumento de fundamental importância para a preparação do povo,

para a participação política e a valorização da cultura nacional:

(...) eles buscam métodos pedagógicos adequados à preparação do povo para a participação política. Esses métodos combinam a alfabetização e educação de base com diversas formas de atuação sobre a comunidade em geral, considerando como fundamental a preservação e difusão da cultura popular e a conscientização da população em relação às condições sócio-econômicas e políticas do país. Nessa busca de métodos e em sua justificação, refletiam-se

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as divergências políticas e ideológicas entre os grupos. Discutia-se o conceito de cultura popular, o papel da arte e da alfabetização, bem como a ênfase que cada uma delas deveria merecer e, finalmente, o problema da diretividade ou não-diretividade dos métodos, por trás do qual colocava-se a questão da manipulação das massas. (PAIVA, 2003, p. 259).

No entanto, com o Golpe Militar de 1964, os grandes debates foram cessados

violentamente. Os movimentos de educação e cultura popular foram extintos ou, no máximo,

reorganizados sob a defesa dos princípios conservadores de instrução do povo nos marcos do

tecnicismo, da exaltação da produtividade, segurança nacional e obediência, com o

nacionalismo convertido novamente em sinônimo de civismo e patriotismo.

Assim, as experiências dos movimentos de educação e cultura popular surgidas na

primeira metade da década de 1960 – que haviam deslocado o eixo do significado de educação

popular como mera instrução pública para o conceito de educação popular enquanto

“educação do povo, pelo povo e para o povo” (SAVIANI, 2007) – foram silenciadas. Somente

com o processo de “redemocratização” do país, na década de 1980, é que começam a surgir

novas iniciativas nesse âmbito educacional a partir da reorganização dos movimentos sociais

populares.

2.5. Paulo Freire e a Educação Popular.

O “método” Paulo Freire – que passou a ser sistematizado a partir de 1962 – conforme

Paiva (1973), não era uma simples técnica neutra, mas todo um sistema coerente no qual a

teoria informava a técnica pedagógica e seus meios. Derivava diretamente de ideias

pedagógicas e filosóficas mais amplas e representava, tecnicamente, uma combinação original

das conquistas da teoria da comunicação da didática moderna e contemporânea. Enfatiza-se

que Freire, ao partir de uma visão crítica do mundo, oferece, em termos teórico-

metodológicos, uma formulação original.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a

alfabetização de adultos, inspirou os principais projetos de alfabetização e educação popular –

empreendidos por intelectuais e estudantes católicos engajados numa ação política junto aos

grupos populares – que se realizaram no país no início dos anos 60.

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Os trabalhos de educação popular, em particular da alfabetização, portanto, foram, em

sua grande maioria, inspirados nas ideias da Pedagogia da Libertação ou Pedagogia dos

Oprimidos. Segundo Paiva (1973, p. 252), Paulo Freire propôs uma mudança radical na

educação e objetivos de ensino, partindo da compreensão de que o aluno não apenas sabe da

realidade em que vive, mas também participa de sua transformação.

Esses diversos grupos de educadores articularam-se e passaram a pressionar o governo

federal para que os apoiassem e estabelecessem uma coordenação nacional de iniciativas. Em

janeiro de 1964, aprovou-se o Plano Nacional de Alfabetização que previa a disseminação por

todo o Brasil da proposta orientada por Paulo Freire. A preparação do plano contou com forte

engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência

política da época.

O pensamento de Paulo Freire baseou-se num novo entendimento da relação entre a

problemática educacional e a problemática social: se, antes, o analfabetismo era visto como

uma causa da pobreza e da marginalização, agora passou a ser interpretado como um efeito da

situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.

Era necessário, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que

produzia o analfabetismo. A alfabetização e a educação de base de adultos, assim, deveriam

partir sempre de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação de

origens dos seus problemas e das possibilidades de superá-los.

Para Paulo Freire (apud PAIVA, 1973), a sociedade tradicional brasileira era fechada,

sempre foi fechada e formada por uma pequena parcela (elites). Chegara, pois, o momento de

sua passagem para uma sociedade aberta e democrática. O povo emergia nesse processo,

inserindo-se criticamente, querendo participar e decidir, abandonando sua condição de objeto

de história.

2.6. O Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – I.S.E.B.

As marcas do momento histórico-político e teórico-filosófico dos primeiros anos da

década de 1960, no Brasil, podem ser identificadas no surgimento e nas transformações

ocorridas na ideologia do nacional-desenvolvimentismo. Segundo Saviani (2007), as primeiras

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décadas do século XX assistiram à emergência da visão nacionalista de direita, marcada pela

exaltação do civismo e do patriotismo que, no plano educacional, visava expandir as escolas

primárias para extinguir o analfabetismo, considerado uma doença, uma vergonha nacional.

Com a industrialização do país e a crescente urbanização após a Revolução de 30, a

questão social transformou-se de “caso de polícia” (Estado Novo) em “caso de política”, pois

o país experimentava um período democrático, onde as questões sociais entravam em debate.

Sobre este período que culmina com a Criação do I.S.E.B., Saviani afirma:

O desenvolvimento nacional passou a ser a idéia-guia, dando vazão à manifestação da ideologia que veio ser identificada pelo nome de “nacional-desenvolvimentismo”. Tal ideologia contou, até mesmo, com um organismo específico que se atribuiu a tarefa de formulá-lo, desenvolvê-la, difundi-la e aplicá-la à análise da realidade brasileira e à sua transformação: o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (SAVIANI, 2007, p.308).

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (I.S.E.B.) era um órgão vinculado ao

Ministério da Educação, criado em 1955, a partir do contato deste com o Instituto Brasileiro

de Economia, Sociologia e Política (I.B.E.S.P.)23 devido a um convênio com a C.A.P.E.S.

(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para a realização de

seminários sobre o tema: “Problemas de nossa época”. Apesar de ter abrigado, em seus

quadros, intelectuais de diferentes perfis ideológicos e políticos, como Roland Corbisier, Hélio

Jaguaribe, Anísio Teixeira, Nelson Werneck Sodré e Álvaro Vieira Pinto, entre outros, o ISEB

foi violentamente extinto em 1964.

O I.S.E.B. tinha por finalidade o estudo, o ensino e a divulgação dos saberes das

Ciências Sociais – notadamente, a História, a Sociologia, a Economia e a Política. Ao longo de

sua existência, o I.S.E.B. caracterizou-se por aplicar os conhecimentos gerados por essas

ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira, tendo em vista uma ação de

23 Segundo BRIQUET (1994, p.65), em agosto de 1952, um grupo de estudiosos começou a se reunir, periodicamente, para discutir os grandes problemas da época. Da agenda constava "o esclarecimento de problemas relacionados com a interpretação econômica, sociológica, política e cultural de nossa época, com a análise, em particular, das idéias e dos fenômenos políticos contemporâneos e com o estudo histórico e sistemático do Brasil, encarado, igualmente, do ponto de vista econômico, sociológico, político e cultural". Em 1953, foi criado o do instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - IBESP, responsável, entre 1953 e 1956, pela edição de cinco volumes dos Cadernos de Nosso Tempo. A importância do IBESP e dos Cadernos é que eles contêm, no nascedouro, toda a ideologia do nacionalismo, que ganharia força cada vez maior no pais nos anos subseqüentes, e serviriam de ponto de partida para a constituição do Instituto Superior de Estudos Brasileiros”.

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cunho político expresso na intervenção e no direcionamento de uma nova mentalidade da

sociedade voltada à superação do subdesenvolvimento do país.

Ao se colocar o compromisso de superação dos problemas e da crise vivenciada

naquele contexto dos anos 1950, o I.S.E.B. assumiu a concepção e condução (teórica e prática)

de uma ideologia que se configurou no Projeto Nacional-Desenvolvimentista. Dentre as

diferentes dimensões presentes nessa ideologia, destaca-se um pensamento de cunho educativo

e pedagógico que “discretamente” dava suporte e conjugava um conjunto de atividades

formativas – cursos, palestras e conferências.

Nesse sentido, Saviani (2007) distingue diferentes momentos na história do I.S.E.B.

que vão formando a ideologia do nacional-desenvolvimentismo sob a hegemonia do

pensamento de esquerda:

Diferentemente, portanto, do que ocorrera na década de 1920, o nacionalismo desenvolvimentista assumiu conotações de uma ideologia de esquerda. Até o breve governo de Jânio Quadros, portanto, até 1961, a visão ideológica caracterizava-se dominantemente como progressista, industrialista, modernizadora, correspondente, portanto, a uma burguesia que se queria esclarecida. A partir de 1962, a coloração de esquerda tendeu a radicalizar-se, acenando com a possibilidade de ruptura com a ordem burguesa (SAVIANI, 2007, p. 311).

Essa “possibilidade de ruptura com a ordem burguesa”, apoiada na ideia de

desenvolvimento nacional, na mobilização das massas e nos exemplos de lutas contra-

hegemônicas advindas do cenário internacional24, formam um contexto de efervescência

política e cultural sem precedentes na história do país, impulsionando a criação de diferentes

movimentos de educação e cultura popular – entre eles, os Centros Populares de Cultura

(C.P.C.) e o Movimento de Educação de Base (M.E.B.).

2.7. Os movimentos de Educação e Cultura Popular.

Temas, como educação popular, cultura popular, povo, alfabetização e arte assumem

os contornos da luta político-ideológica pela transformação da sociedade capitalista. É nesse

24 Ridenti (2000) indica alguns acontecimentos internacionais que refletiram nas organizações nacionais: as revoluções de libertação nacional, como em Cuba (1959) e Argélia (1962); a Guerra Civil no Vietnã; e as lutas anticolonialistas na África.

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contexto que surgem os Centros Populares de Cultura e o Movimento de Educação de Base

como movimentos de ação junto às massas.

Os C.P.C. surgiram a partir do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos

Estudantes (UNE), criado em 1961, e se espalharam pelo Brasil entre os anos de 1962 e 1964.

Organizados a partir de sindicatos, associações de moradores e organizações estudantis,

apresentavam, como prática comum, o entendimento de que a arte é uma importante

ferramenta para o trabalho junto às camadas populares, no sentido de instrumentalizá-las para

a transformação da sociedade. “Aceitava-se que o plano cultural era um dos planos possíveis

de luta pela transformação social do país e a politização das massas através da arte adquiria

um caráter de luta antiimperialista, nacionalista e socialista” (PAIVA, 2003, p. 233). Desse

modo, orientavam-se a partir da tese de que “toda arte exprime uma ideologia”, e os artistas

deveriam posicionar-se ao lado das massas, trabalhando com a arte popular revolucionária,

aliada da cultura popular que se oporia à cultura alienada:

A cultura popular diria respeito à consciência que imediatamente deságua na ação política e cujo propósito último é a educação revolucionária das massas; seria uma forma de trabalho revolucionário que tem por objetivo acelerar a velocidade com que se transformam os suportes materiais da sociedade num processo que unifica cultura e revolução. (PAIVA, 2003, p. 262).

O posicionamento dos C.P.C. em relação ao trabalho com a cultura popular, junto às

massas num processo de “educação revolucionária”, sofreu críticas internas e externas,

principalmente dos movimentos ligados à Igreja Católica – MEB e Ação Popular (AP) – por

não aceitarem a luta de classes como o motor da história, o que revela uma oposição ao

marxismo que claramente influenciava as formulações dos C.P.C.

Ligado à CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) e financiado pela

União, o M.E.B. entrou em funcionamento a partir de 1961. Ele oferecia uma metodologia

própria que se propunha a alfabetizar através das escolas radiofônicas. Sua concepção de

cultura foi formulada em conjunto com os movimentos A.P. (Ação Popular) e J.U.C.

(Juventude Universitária Católica), ambos ligados à Igreja Católica, que “pela consciência

histórica o homem reconhece o mundo humano; pela cultura o constrói, afirmando-se nele

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como homem. Do ponto de vista filosófico-antropológico, a natureza exprime o que é dado ao

homem; a cultura, o que é por ele feito” (FÁVERO, 2006, pp. 83-84).

As formulações do M.E.B., no embate com as dos C.P.C., parecem negar o caráter

eminentemente ideológico da cultura, afirmando que a cultura traz um valor humano que não

pode ser posto em questão.

Dessa forma, do ponto de vista cristão, não se pode dizer que a história passada é única e exclusivamente uma história da luta de classes. Há valores que valem por si mesmos; que, embora ideologizados (por exemplo, a noção de liberdade, no liberalismo), representam conquistas a serem mantidas e recuperadas em outro projeto histórico (FÁVERO, 2006, p. 86).

Desse modo, as formulações dos C.P.C. e do M.E.B. são conflitantes em relação ao

papel da cultura popular na educação das massas para a transformação da sociedade. As

formulações dos C.P.C. defendiam a ideia da educação e da cultura revolucionárias, criticada

como doutrinária pelo M.E.B., que entendia os processos de transformação a partir do diálogo

e conscientização das camadas populares de seus direitos e deveres.

Os C.P.C., influenciados principalmente pela concepção marxista-leninista sob a ótica

do Partido Comunista Brasileiro (P.C.B.), e o M.E.B., sob influência da Igreja Católica,

orientada pelo novo pensamento social cristão (PAIVA, 2003), apresentaram concepções

divergentes no tocante ao rompimento progressista da ordem.

Segundo Ianni (1987), há dois tipos de rupturas que propiciam o progresso: a

revolucionária e a reformista. A ruptura revolucionária altera os fundamentos estruturais da

sociedade e implica a ascensão de uma nova classe ao poder; a reformista altera somente

certos quadros institucionais e implica a ascensão de outras frações da classe dominante ao

poder. Desse modo, temos como hipótese que os debates entre as propostas dos C.P.C. e do

M.E.B. podem nos revelar que o papel da educação e da cultura popular para o primeiro seria

contribuir com um processo revolucionário de ruptura e, para o segundo, seria contribuir com

um processo de caráter reformista.

A relação entre educação popular/cultura popular e a transformação da sociedade era

proposta dos dois movimentos populares que se destacaram na primeira metade da década de

60 do século XX: os C.P.C. e o M.E.B., caracterizando-os como expressões de um período

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histórico tomado por mobilizações políticas e culturais que acabaram sendo caladas pelo

Golpe Militar de 1964.

2.8. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos durante a Ditadura Militar.

Em oposição ao processo educativo e libertador de Paulo Freire e às iniciativas

democráticas de educação popular, foi imposto o método onde a leitura e a escrita tinha um

fim em si mesmas. De acordo com Paiva (1987), o novo período foi orientado pela ideologia

de segurança e do desenvolvimento elaborado pela Escola Superior de Guerra (E.S.G.).

Transposta para a área educacional, essa ideologia inspirou e fortaleceu os projetos que

enfatizavam a educação cívica e a propaganda do Brasil grande.

A Ditadura Militar criou, então, em 1967, o MOBRAL (Movimento Brasileiro de

Alfabetização). O objetivo do programa era fazer uma educação como adaptação aos padrões

de vida modernos; preparar mão-de-obra para o mercado de trabalho; e acabar com os focos

de conscientização política presente nos programas executados no período de 1960 a 1964.

Segundo Freitag (1986), não há referências quanto a melhorias salariais e melhores

condições de trabalho, mas refere-se a "formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao

trabalho"; não há referências aos direitos e deveres do estado para com o cidadão, mas diz que

os alunos devem "conhecer seus direitos e deveres e as melhores formas de participação

comunitária"; não fala dos objetivos e das obrigações dos serviços públicos, mas fala da

"responsabilidade de cada um (...) na conservação das (...) instituições" e não faz a menor

referência quanto a responsabilidade do Estado no que diz respeito ao atendimento de saúde e

das condições de higiene básicas das comunidades, mas diz que o cidadão deve se "empenhar

na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pessoal, familiar e da

comunidade". A característica básica da educação oferecida era uma espécie de "culto de

obediência às leis". (FREITAG, 1986, p. 90).

A estrutura do MOBRAL era composta por uma central, coordenações regionais,

coordenações estaduais e comissões municipais. Seguiu um modelo de gerência – pedagógica,

mobilização comunitária, assuntos financeiros e atividades de apoio – e assessorias –

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organização e métodos, supervisão e planejamento. Os programas eram realizados através de

convênios assinados entre o MOBRAL e entidades públicas e privadas.

O MOBRAL, refletindo a tendência predominante a partir de 1964, difundiu a

ideologia do desenvolvimento, objetivando fortalecer o modelo de dominação e modernização

vigentes. Para isso, incluía, em seu material didático, ideias relativas à comunidade, pátria, lar,

consolidação de hábitos e atitudes.

De acordo com Januzzi (1997), as orientações metodológicas e os materiais didáticos

do MOBRAL reproduziram muitos procedimentos consagrados nas experiências de inícios

dos anos 60, mas esvaziando-os de todo sentido crítico e problematizador. Propunha

alfabetizar a partir de palavras-chave, retiradas da vida simples do povo, mas as mensagens a

elas associadas apelavam sempre ao esforço individual dos adultos analfabetos para a sua

integração nos benefícios de uma sociedade moderna, conforme o pensamento político

daqueles que comandavam o Brasil neste período. Freitag (1980, p. 93) corrobora com

Januzzi, ao afirmar que “o MOBRAL não hesita em utilizar, extraindo-as do seu contexto

filosófico e político, as técnicas de alfabetização de Paulo Freire. Podemos dizer que o método

foi utilizado como prática, não de liberdade, mas de integração ao Modelo Brasileiro”.

Pelas considerações feitas, é possível inferir que a proposta de conscientização do

programa era fictícia, uma vez que sua orientação educacional visava à dominação e à

subordinação em contraposição à liberdade. Os resultados obtidos com o MOBRAL foram

escassos devido a vários fatores que vão desde o desperdício de recursos até o despreparo

docente. De acordo com Di Pierro (1991), porém, o programa teve em seu crédito a difusão

das iniciativas de alfabetização de adultos no país. Em 1985, o MOBRAL foi substituído pela

Fundação Educar.

2.9. A Fundação EDUCAR – 1985 até 1990.

Com a criação da Fundação EDUCAR, em 1985, o governo federal optou por

abandonar a execução direta dos serviços educacionais, passando a órgão de fomento e apoio

técnico mediante a assinatura de convênios com órgãos estaduais e municipais de ensino,

empresa e entidades comunitárias (DI PIERRO, 1991, p. 25).

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De acordo com Furlanetti (2001), durante a sua curta vigência de quatro anos, a

Fundação EDUCAR teve o mérito de subsidiar experiências inovadoras de educação básica de

jovens e adultos, conduzidas por prefeituras municipais e instituições da sociedade civil que

tinham, como princípios filosóficos, os postulados freirianos.

A partir da extinção da Fundação Educar, em 1990, pode-se perceber, até 2002,

claramente a ausência efetiva de políticas públicas, com investimentos no campo educacional.

No âmbito organizativo e institucional, a educação básica, de direito social de todos, passa a

ser cada vez mais encarada como um serviço prestado e adquirido no mercado ou na

filantropia (FRIGOTTO, 2002, p. 59).

2.10. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no governo de Fernando Henrique

Cardoso.

O governo brasileiro, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 e

1999/2002), buscou adequar o sistema de ensino à reforma do Estado brasileiro, imposto pela

conjuntura econômica internacional. Nesse período, a política educacional brasileira esteve

subordinada à férrea doutrina dos organismos internacionais. Logo, as reformas

implementadas foram pautadas “pelo desmonte da esfera dos direitos, vale dizer, da esfera

pública e passam a produzir políticas de alívio à pobreza (FRIGOTTO, 2002, p. 57).

Segundo Peroni (2003), a partir da década de 1990, as políticas de educação estavam

inseridas no novo projeto de Estado (a reforma do Estado) apresentado ao país pelo governo

do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. As idéias de Peroni concordam com HADDAD

(2003), a política do Ministério da Educação do governo Fernando Henrique caracterizou-se

por

“... reformar, com menos recursos, aumentando a sua produtividade e orientando a aplicação do seu orçamento dentro da lógica do custo-benefício; focalizar a sua ação, priorizando o ensino fundamental regular, apenas para as crianças e jovens dos 7 aos 14 anos; desregulamentar o sistema, regulamentando-o novamente de maneira a torná-lo mais flexível e menos afeito aos limites estabelecidos por legislações anteriores, muitas delas produtos de direitos sociais conquistados; descentralizar e municipalizar responsabilidades, com centralização de orientações curriculares e da avaliação; privatizar alguns setores do ensino, particularmente aqueles não priorizados pelas políticas gerais, menos por colocar nas mãos do setor privado bens públicos, mas principalmente por criar um mercado para a

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iniciativa privada, tanto pela ausência da oferta, quanto pela baixa qualidade dos seus serviços; buscar parcerias junto a entidades da sociedade civil (O.N.G., fundações empresariais, movimentos sociais) para o exercício das ações de Estado, menos nas definições de políticas e no controle das ações, mais na assessoria técnica e no trabalho direto”. (HADDAD, 2003, p.7).

No plano legal, o MEC utilizou as seguintes ações:

Influenciou na aprovação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação. Aprovou no Congresso Nacional, Emenda à Constituição de 1988, que implantou o Fundo de Manutenção Educação de jovens e adultos – E Desenvolvimento do Ensino e de Valorização do Magistério que altera a distribuição e os recursos para o ensino fundamental e retira alguns direitos; Elaborou legislações complementares para os diversos níveis de ensino, complementando as reformas gerais. (idem).

Na concepção de Di Pierro (2003), esse conjunto de medidas legislativas, normativas e

de controle adotadas pelo governo FHC pode ser caracterizado como uma reforma

educacional, devido à amplitude e impacto por ela alcançada. No bojo dessas ações

governamentais, a educação de jovens e adultos continuou marginalizada, relegada ao segundo

plano assumindo, como característica principal, o assistencialismo, visto que, nesse período, a

EJA saiu do Ministério da Educação e se transformou em ação social da então primeira dama

Ruth Cardoso.

A EJA passou a ser uma política marginal para o governo federal, que progressivamente definiu a sua concepção sobre o “regime de colaboração” entendido agora como ação centralizadora de definição e coordenação das políticas pelo governo federal e repasse de execução destas, em especial das destinadas à educação básica, para estados e municípios, com acentuada sobrecarga para esses últimos (ARELARO e KRUPPA, 2007, p. 90).

De modo geral, o governo federal transferiu a responsabilidade de promover a

universalização da educação de jovens e adultos aos estados e municípios, sem dar-lhes

condições objetivas para cumprir esse objetivo. Por estarem impedidos legalmente de usar

recursos do FUNDEF para essa finalidade, tanto os estados quanto os municípios acabaram

não priorizando a educação de jovens e adultos. Ao analisar a política adotada pelo MEC,

Fernandes comenta:

Trata-se, definitivamente, de uma política que decreta a continuidade do atraso, da violência do latifúndio e da péssima distribuição de renda, de um Brasil “gigante de pés de barro. Nação com história, mas determinada lá fora. Como os antigos escravos e seus

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descendentes, prosseguiremos presos a uma liberdade ilusória que é, por si só, uma terrível escravidão” (FERNANDES, 1991 apud FRIGOTO, 200, p. 55).

Seguindo a mesma postura crítica adota por Fernandes, a professora Maria Lúcia

Neves faz as seguintes observações sobre as políticas educacionais adotadas pelo governo

F.H.C.:

À medida que as políticas educacionais vão sendo postas em prática, vai adquirindo maior nitidez a função social da escola, nessa conjuntura, em todos os níveis e modalidades de ensino. Evidencia-se, cada vez mais, que o papel da escola, nesta perspectiva, consiste na efetivação da submissão técnica e ético-política da classe trabalhadora aos objetivos da burguesia brasileira. (NEVES, 2002, p. 172).

Além dessa crítica, Neves aponta três objetivos básicos das políticas educacionais do

governo de Fernando Henrique, a saber:

a) difundir e sedimentar entre as atuais e futuras gerações a cultura empresarial. O que significa educar a classe trabalhadora para aceitar como natural a perda crescente da soberania nacional, a desindustrialização, o crescimento do desemprego, a flexibilização das relações de trabalho, a instabilidade social e profissional, o agravamento do processo de exclusão social, a privatização das políticas sociais, a perda de direitos historicamente conquistados, a recorrência à competição, ao individualismo e à passividade política, como estratégias de sobrevivência social; b) aumentar a produtividade dos setores mais produtivos da economia, em geral, do grande capital; c) preparar o trabalho simples para operar e o trabalho complexo para adaptar a ciência e a tecnologia trazidas de fora pelas grandes empresas multinacionais.

Baseando-se nos comentários de Fernandes e Neves, é possível dizer que o governo

FHC conduziu a educação do país sob a lógica perversa e nefasta dos organismos

internacionais que encaram a educação dos países periféricos e/ou emergentes a partir da

relação custo/beneficio. Nesse governo, foram alicerçadas as bases de uma política

educacional tecnocrática, cujo objetivo precípuo era manter o controle social do Estado e por

em curso um processo de privatização das políticas sociais, que teve como marco central o

Programa Alfabetização Solidária.

2.11. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos no primeiro mandato do Presidente

Lula.

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Nos quatro primeiros anos do governo Lula, a lógica da educação não modificou, uma

vez que a redução de recursos para as políticas sociais imposta pelo modelo neoliberal

continuou sendo visível, apesar de toda a propaganda oficial sugerir o contrário. No que se

refere especificamente à EJA, para não fugir à tradição brasileira de descontinuidade, o

governo Lula lançou o Programa Brasil Alfabetizado (2003), que priorizou financeiramente a

ação desenvolvida por entidades “filantrópicas”.

A partir do segundo ano, as secretarias estaduais e municipais passaram a receber um

percentual maior de recursos; porém, o trabalho desenvolvido continuou sendo uma ação

educativa pobre para os pobres. Há algumas iniciativas exitosas, mas são experiências isoladas

localizadas, principalmente, no eixo sul-sudeste.

Levando-se em consideração todas essas observações, é possível identificar, na história

da educação de jovens e adultos no Brasil, cinco momentos distintos. No primeiro momento, a

preocupação com a educação de adultos esteve intimamente relacionada com os interesses das

elites políticas preocupadas com os votos e com suas respectivas eleições; no segundo

momento, percebe-se a preocupação de educar para mudar as estruturas sociais, porém ainda

predominava a relação de educação para o voto; no terceiro, a preocupação da educação com

adultos passou a objetivar, predominantemente, as mudanças das estruturas sociais, a geração

de uma ideologia de libertação – inspirada pelo nacional-desenvolvimentismo; o quarto

momento, marcado pela ditadura militar, revela uma relação entre educação de adultos e a

geração de uma ideologia voltada para a segurança e para o desenvolvimento, com ênfase na

educação para a profissionalização, onde o mercado de trabalho é o objetivo último a ser

alcançado no processo educacional; o quinto e último momento, caracterizado pelo processo

de redemocratização do país, coloca no âmbito teórico a educação de jovens e adultos como

um direito à cidadania, porém, na prática, a idéia permanece a mesma: ensinar o básico,

gastando o mínimo, na perspectiva de atender as demandas do mercado globalizado. Nesse

período, é verificada uma forte influência dos organismos internacionais, em especial, do

Banco Mundial que, através de uma política neocolonialista, impõe um modelo de educação

voltado ao desenvolvimento da economia mundial.

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59

2.12. O importante papel da Educação de Jovens e Adultos.

Em 1990, a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na cidade de

Jomtien, na Tailândia, em 1990, propunha assegurar que todas as crianças e adolescentes

tivessem acesso a um ensino de qualidade, com equidade de gênero. Para a Educação de

Jovens e Adultos, durante a chamada “Década da Educação”, colocava o seguinte objetivo:

“... oferecer também acesso ao ensino de qualidade, com equidade e também a reduzir pela

metade os índices de analfabetismo e proporcionar aos jovens e adultos as oportunidades para

satisfação de suas múltiplas necessidades de aprendizagem.” (GADOTTI, 2000. p. 27)

A V CONFITEA25 (Fifth International Conference on Adult Education) ou a (V

Conferência Internacional de Educação de Adultos), realizada em 1997, na cidade de

Hamburgo na Alemanha, apresentou o documento conhecido como a Declaração de

Hamburgo (1997, p.20) na qual prevê que

os objetivos da educação de jovens e adultos, vistos como um processo de longo prazo, [...] deverão desenvolver [...] a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas e das comunidades, fortalecendo a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na economia, na cultura e na sociedade como um todo; promovendo a coexistência, a tolerância e a participação criativa e crítica dos cidadãos em suas comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem seus destinos e enfrentem os desafios que encontram à frente.

No relatório final da VI CONFINTEA, que foi realizada em 2009, em Belém do Pará,

estão apontadas outras questões e desafios atuais na educação brasileira. Necessidades como

tratar a EJA como um campo de direitos; enfrentar a desigualdade que marca a diversidade do

povo brasileiro; e instituir:

... tempos e espaços outros, de forma a atender a diversidade de modos pelos quais jovens e adultos podem estar na escola, sem acelerar/aligeirar processos de aprendizagem dos educandos, mas ampliando e socializando saberes. E também nesse os desafios de melhorar o fluxo escolar; repensar o currículo; investir em formação inicial e continuada de professores e gestores; e reconhecer a intersetorialidade da EJA potencializando-a em seus diversos campos como o do trabalho, saúde, cultura, meio ambiente, segurança pública e assistência social. (BRASIL, 2009a, p. 18).

25 A Declaração de Hamburgo foi o nome dado ao relatório da VI CONFITEA ( International Council For Adult Education ou Conferencia Internacional de Educação de Adultos), promovida pela UNESCO e UNICEF realizada em Hamburgo, na Alemanha em 1997; em Belém do Pará, em dezembro de 2009, primeira vez em um país latino-americano.

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O Fórum Nacional de Educação de Jovens e Adultos que, através da divulgação do

relatório síntese do X Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos realizado em 2008,

em Rio das Ostras, Rio de Janeiro, reconhece os avanços das políticas públicas, considera que

ainda são longos e duros os caminhos a serem percorridos no sentido de um projeto histórico

orientado à emancipação das classes populares. O mesmo relatório destaca as necessidades de

avançar na efetivação de uma agenda política, de se “resgatar o sentido de trabalho na

dimensão ontológica, como processo de constituição dos seres humanos, de se garantir o

direito ao acesso e permanência à educação com qualidade e de levar ao processo de

constituição dos seres humanos” (RELATÓRIO FINAL..., 2008, p. 3).

Além do Fórum, realizou-se a Conferência Nacional de Educação, cujo tema foi

“Construindo um Sistema Nacional Articulado de Educação: Plano Nacional de Educação,

suas Diretrizes e Estratégias de Ação”. Em ambos, a expectativa gerada na comunidade

educacional é que se definissem políticas que contribuíssem para o avanço no sentido de uma

educação de qualidade que atendesse às necessidades de um país que, desde o seu início, foi

bastante injusto com os que, com seu trabalho, construíram as riquezas da nação e que não

viram distribuídas as suas riquezas acumuladas de modo a que todos pudessem ter acesso aos

bens sociais, necessários a uma participação política consciente. (CURY, 2002, p. 308).

A Lei n. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.D.B.E.N.), de 1996,

reiterou os direitos educativos dos jovens e adultos ao ensino adequado às suas necessidades e

condições de aprendizagem e estabeleceu as responsabilidades dos poderes públicos na

identificação e mobilização da demanda e na provisão de ensino fundamental gratuito e

apropriado.

No âmbito da educação escolar, a E.J.A. apresenta-se como modalidade destinada

àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio,

conforme o Art. 37 da nova L.D.B. (Lei nº 9394/96), cabendo aos sistemas de ensino

assegurar aos jovens e aos adultos, gratuitamente, oportunidades apropriadas mediante cursos

e exames. Como tal, não se deve, entretanto, equiparar-se a uma educação compensatória ou

de segunda chance, que alia alfabetização às demais etapas de ensino.

A L.D.B.E.N. (Lei nº 9.394/96, Art. 37 e Art. 38) contempla a E.J.A., em dois artigos:

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1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames. 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si. Art. 38º. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais ou aferidos e reconhecidos mediante exames.

Os artigos tratam da E.J.A. como uma modalidade da educação básica e asseguram o

direito aos trabalhadores que não realizaram Alfabetização, Ensino Fundamental e Médio de

retornarem à escola. Em 1996, com a Emenda Constitucional 14, feita no Governo do

presidente Fernando Henrique Cardoso, passou a ser obrigatório ao Poder Público oferecer o

Ensino Fundamental aos Jovens e Adultos que não tiveram acesso à educação escolar.

O Parecer nº 11/2000 e a Resolução nº 11/2000, ambos da Câmara de Educação Básica

(C.E.B.) do Conselho Nacional de Educação (C.N.E.), regulamenta a E.J.A. entendendo que

o/a seu/sua aluno/a possui um perfil diferenciado dos alunos do ensino regular.

A E.J.A. passa a ser uma modalidade da rede pública de ensino do Brasil, com

objetivos diferentes do ensino regular, pois atende a um público específico, que não concluiu a

educação básica na infância e adolescência. Em virtude disso, a E.J.A. apresenta-se como uma

linha de política educacional.

O Parecer C.N.E./C.E.B. 11/2000, relatado por Carlos Roberto Jamil Cury, trata das

Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos. O texto completo

consta de duas partes, na primeira das quais o relator estabelece as funções da EJA: a função

reparadora, a função equalizadora e a função qualificadora, esta última apontada como o

próprio sentido da E.J.A.

A função reparadora da EJA é justificada, no Parecer C.N.E./C.E.B. 11/2000, pelo alto

número de analfabetos existentes no Brasil e apresentada como propiciadora do ingresso no

mercado de trabalho. No referido Parecer, defende-se a tese de que a EJA constitui-se em uma

oportunidade de atender à atual exigência das competências requeridas pela vida cidadã e pelo

mercado de trabalho. Enfatiza-se que o desemprego, o subemprego, o desemprego estrutural e

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o trabalho informal, decorrentes de mudanças nos atuais processos de produção, podem

produzir, nos indivíduos, a sensação de instabilidade, sendo muito mais atingidos aqueles que

são desprovidos da capacidade de ler e escrever (BRASIL, 2000, p. 36).

Ao elaborar o Parecer C.N.E./C.E.B. 11/2000, Cury (2000, p. 27) atenta para a

necessidade de

(...) se considerar que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si a exceção posta pelo art. 24,II,c. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber. (...) Logo, aos limites já postos pela vida, não se pode acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação destes estudantes (...).

Deve-se pretender, dentre tantas habilidades, o desenvolvimento da participação

comunitária; a vivência cidadã; a inclusão cultural; a ação pró-ativa, atuante e participativa nos

processos do trabalho, e a adoção de uma postura de paz, tolerância e repúdio aos preconceitos

e discriminações.

Di Pierro & Haddad (2000, p. 127)) apontam necessidades prementes à Educação de

Jovens e Adultos: a universalização da alfabetização; a superação do “modelo dominante nas

campanhas emergenciais e iniciativas de curto prazo, que recorrem à mão-de-obra voluntária e

recursos humanos não especializados” (p.126); o aprender a lidar com a juvenilização da EJA

que transforma o ambiente anteriormente predominantemente adulto e de trabalhadores em um

espaço com “universos muito distintos nos planos etários, culturais e das expectativas em

relação à escola.”

No início de século XXI, o paradigma da educação continuada ao longo da vida, que

lentamente vai se tornando consenso, constitui-se também em um enorme desafio. As rápidas

mudanças nos modos de produção, o aumento da expectativa de vida, a constituição de novos

direitos para a condição humana são fatores que nos impelem a abandonar uma educação

voltada para as carências do passado e perguntar aos jovens e adultos “quais são suas

necessidades de aprendizagem no presente, para que possam transformá-lo no presente.” (DI

PIERRO, 2005, p. 1120).

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Di Pierro, Jóia & Masagão (2001, p. 2), acentuando que o campo da E.J. A é terreno

fértil para a inovação prática e teórica, reiteram que essa modalidade transborda os limites da

escolarização no sentido estrito, contemplando iniciativas situadas em diferentes espaços e

voltadas à qualificação profissional, ao desenvolvimento comunitário e à formação política.

Assinalam, ainda, que “... mesmo quando se focalizam os processos de escolarização de

jovens e adultos, o cânone da escola regular, com seus tempos e espaços rigidamente

delimitados, imediatamente se apresenta como problemático”.

2.12.1. Os Sujeitos da E.J.A.

Conforme Oliveira (2009), a compreensão de quem é esse sujeito jovem e adulto

brasileiro mais especificamente daquele que frequenta a E.J.A. é importante. Geralmente, ele é

um sujeito que, em uma época biológica, foi criança e adolescente, cujas condições e situações

de vida, que acompanham historicamente as camadas populares, o fizeram se afastar dos

ambientes escolares.

O adulto, para a educação de jovens e adultos, não é o estudante universitário, o

profissional qualificado que frequenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou

a pessoa adulta interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas

estrangeiras ou música, por exemplo. Ele é, geralmente, o migrante proveniente de áreas rurais

empobrecidas que chega às grandes metrópoles, filho de trabalhadores rurais não qualificados

e com baixo nível de instrução escolar (muito frequentemente analfabetos). Em seu histórico,

apresenta uma passagem curta e não sistemática pela escola e trabalha em ocupações urbanas

que exigem pouca qualificação, após experiência no trabalho rural na infância e na

adolescência. Esse quadro o leva a buscar a escola tardiamente para alfabetizar-se ou cursar

algumas séries do ensino supletivo.

O jovem, recentemente incorporado ao território da antiga educação de adultos, não é

aquele com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o aluno de cursos extra-

curriculares em busca de enriquecimento pessoal. Como o adulto anteriormente descrito, ele é

também um excluído da escola, porém geralmente incorporado aos cursos supletivos em fases

mais adiantadas da escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino

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fundamental, ou mesmo, o ensino médio. É bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em

atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada, escolarizada e

urbana. Refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e aprendem envolve, portanto,

transitar, pelo menos, por três campos que contribuem para a definição de seu lugar social: a

condição de "não-crianças", a condição de excluídos da escola e a condição de membros de

determinados grupos culturais.

Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente mais complexa) de

experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmo e

sobre as outras pessoas. Com relação à inserção em situações de aprendizagem, essas

peculiaridades da etapa de vida em que se encontra o adulto fazem com que ele traga consigo

diferentes habilidades e dificuldades (em comparação com a criança) e, provavelmente, maior

capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus próprios processos de

aprendizagem.

Para além dessas características gerais, entretanto, tratar o adulto de forma abstrata,

universal, remete a certo estereótipo de adulto, muito provavelmente correspondente ao

homem ocidental, urbano, branco, pertencente a camadas médias da população, com um nível

instrucional relativamente elevado e com uma inserção no mundo do trabalho em uma

ocupação razoavelmente qualificada.

2.13. Identidade da EJA e políticas públicas

A EJA configura-se num âmbito ambíguo e, muitas vezes, contraditório, demonstrando

a necessidade de uma organização para que a população beneficiada com esse segmento

educacional realmente atinja seus objetivos em relação à cidadania e amplie as oportunidades

através da Educação.

Esse segmento de ensino confronta-se com a diminuição das elevadas taxas de

analfabetismo existentes no Brasil. Segundo o Índice Nacional de Analfabetismo Funcional

(I.N.A.F. - 2009), 28% da população, entre 15 e 64 anos, é considerado analfabeto funcional.

Apesar do decréscimo significativo nos últimos anos, principalmente da população jovem,

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65

ainda está longe de se alcançar um índice aceitável de analfabetos, cumprindo assim, os

objetivos educacionais estabelecidos pela UNESCO para 2015.

Segundo o Censo Escolar 2009, havia, no Brasil, 4.638.171 alunos matriculados na

EJA, no Ensino Fundamental e Médio com avaliação no processo.

Apesar de os dados apresentados representarem um importante avanço quanto à

quantidade de alunos matriculados em cursos presenciais, a realidade vivenciada aponta que a

EJA ainda é considerada como uma proposta relegada a um segundo plano, por meio de um

caráter apenas qualitativo. Segundo afirma TEODORO (2003, p. 138), “o Brasil é mais do que

um país. É uma imensa região marcada por profundas assimetrias e desigualdades econômicas

e sociais, regionais e étnicas, com um considerável e histórico atraso na construção da escola

para todos”.

Nas sociedades capitalistas, a Educação tem estado a serviço da manutenção dos

privilégios de classe. A ideologia liberal, que dá sustentação ao sistema capitalista, coloca a

questão em termos de diferenças individuais, atribuindo ao próprio indivíduo o seu sucesso ou

fracasso social e escolar, omitindo os condicionantes de ordem social, histórica, política e

econômica que levam algumas pessoas ao sucesso e outras à marginalização, ou exclusão, do

sistema como um todo.

Os jovens e adultos trabalhadores lutam para superar suas condições precárias de vida

– moradia, saúde, alimentação, transporte, emprego, etc. – que estão na raiz do problema do

analfabetismo. O desemprego, os baixos salários e as péssimas condições de vida

comprometem o processo de alfabetização dos jovens e dos adultos. (GADOTTI & ROMÃO,

2001, p. 31).

Não se pode atribuir à escola a garantia de melhores condições gerais de qualidade de

vida ou ascensão social, porque a escola não distribui poder, mas constrói saber, que é poder.

Não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar por meio do conhecimento

para que se possa interferir no mercado como sujeitos, não como objeto. O papel da escola

consiste em colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque a

pobreza política produz pobreza econômica. (GADOTTI, 1979).

A Educação desponta como um instrumento indispensável para a formação desse novo

homem e novo profissional, através do processo de socialização e integração, desmistificando,

em parte, os choques culturais e sociais presentes em nossa sociedade. Assim, a população

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66

passa a exigir cada vez mais condições de acesso à escola e permanência nela, com uma

educação de qualidade, proporcionando uma formação que contemple as necessidades e as

aspirações.

A EJA, no transcorrer do seu processo histórico, apresenta-se como uma educação

compensatória (GADOTTI & ROMÃO, 2001), sendo vista como uma oportunidade para

superar uma falha no processo educacional dos alunos. Dessa maneira, os beneficiados dessa

modalidade de ensino buscam na educação as possibilidades de superar suas condições de

trabalho e sobrevivência.

Todavia, a EJA, no Brasil, configura-se cada vez mais como necessidade para a

população não escolarizada, que busca através da educação superar suas mazelas sociais,

sendo capaz de emergir no processo de qualificação profissional e pessoal. Dessa maneira, a

implementação de políticas públicas voltadas para essa população torna-se indispensável,

propiciando condições mínimas de sobrevivência, trabalho, além de estruturar uma Educação

de qualidade, que venha ao encontro dos objetivos desse segmento.

As Políticas Públicas para a EJA configuram-se num espaço diferenciado de

compensação, apesar de existirem muitas iniciativas em prol da disseminação da educação

para todas as pessoas, como é previsto na própria Constituição Federal, no Artigo 205, que

prescreve a educação como direito de todos e dever do Estado. Esse compromisso também foi

reforçado na Declaração de Jomtien da Educação para Todos – realizada na Tailândia, em

1990 – da qual o Brasil é signatário.

[...] a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Cada pessoa (criança, jovem ou adulto), deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. (DECLARAÇÃO, 1990, p. 3-4).

No contexto da EJA, “as políticas representam o espaço onde se manifesta a

‘politicidade inerente à educação’, na medida em que traduzem expectativas de ruptura ou de

continuidade”. (VIEIRA, 2007, p. 56).

Outra legislação vigente é a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96) que apresenta a

modalidade da EJA dentro da Educação Básica. No artigo 37, destaca-se que: “a educação de

jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no

ensino fundamental e médio na idade própria”. Dessa maneira, o jovem, ou adulto, que não

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teve condições de inserir-se ou permanecer na educação formal, tem direito a essa educação.

Essa mesma lei apresenta no inciso 1º do artigo 37,

§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

Esses alunos têm direito a uma educação gratuita que lhes assegure condições

educacionais que sejam apropriadas às suas realidades, tanto nas condições pessoais, quanto

profissionais.

Há também referência à EJA, nas Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução

CNE/CEB Nº 1, de 5 de julho de 2000).

Parágrafo único. Como modalidade destas etapas da Educação Básica, a identidade

própria da Educação de Jovens e Adultos considerará as situações, os perfis dos estudantes, as

faixas etárias e se pautará pelos princípios de eqüidade, diferença e proporcionalidade na

apropriação e contextualização das diretrizes curriculares nacionais e na proposição de um

modelo pedagógico próprio, de modo a assegurar:

I - quanto à eqüidade, a distribuição específica dos componentes curriculares a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e restabelecer a igualdade de direitos e de oportunidades face ao direito à educação; II- quanto à diferença, a identificação e o reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores; III - quanto à proporcionalidade, a disposição e alocação adequadas dos componentes curriculares face às necessidades próprias da Educação de Jovens e Adultos com espaços e tempos nos quais as práticas pedagógicas assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais participantes da escolarização básica.

Essas diretrizes salientam a importância da identidade da EJA, modalidade própria da

Educação Básica, considerando a realidade de seus alunos, apresentando uma formação que

contemple as necessidades de ensino e aprendizagem. Também, através dessas diretrizes, fica

assegurado o direito à igualdade e oportunidades de acesso à Educação e de permanência nela.

Para Arroyo (2006, p. 28), “a história mostra que o direito à educação somente é

reconhecido na medida em que vão acontecendo avanços sociais e políticos na legitimação da

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68

totalidade dos direitos humanos”. Assim, “a reconfiguração da EJA estará atrelada a essa

legitimação”.

Esses sujeitos, por muitas vezes, encontram-se à margem do processo educacional,

pois, em sua realidade, ou foram submetidos ao mercado de trabalho ou não encontraram

condições de se manterem na escola. É necessário, “vê-los como alunos, tomarmos

consciência de que estão privados dos bens simbólicos que a escolarização deveria garantir”.

(ARROYO, 2006, p. 23). É preciso superar a ideia de que a EJA seja vista como política de

continuidade na escolarização, propiciando uma segunda oportunidade para os jovens e

adultos que não tiveram acesso à escola.

Por muitas vezes, a EJA é considerada como um segmento de segunda linha, ou seja,

supre as dificuldades de um contingente desfavorecido. Assim, ocorre, em muitos casos, um

choque cultural, pois o sujeito que constitui a EJA é visto como um individuo sem cultura ou,

por vezes, incapaz de atingir suas metas através da Educação.

O aluno da EJA possui especificidades, e a escola e os docentes dessa modalidade não

podem olvidar dessas condições especiais, ou seja, o aluno da EJA é, fundamentalmente, um

trabalhador que está, muitas vezes, submetido a circunstâncias distintas de mobilidade de

emprego (ou subemprego), alternância de turnos de atividades, cansaço, saúde e moradias

precárias, etc. Esses alunos chegam à escola com um saber construído a partir de suas

experiências, fruto das suas relações sociais e dos mecanismos adotados para a própria

sobrevivência.

Um regime político democrático exige que as pessoas tenham domínio de instrumentos

da cultura letrada, que assumam valores e atitudes democráticas: a consciência de direitos e

deveres, a disposição para a participação, para o debate de ideias e o reconhecimento de

posições diferentes das suas.

Assim, cabe à Educação estabelecer uma relação democrática entre a política e os

sujeitos do processo educacional, a fim de reordenar e reconstruir, gradativamente, um

processo ensino-aprendizagem pautado na construção e reconstrução crítica, reflexiva e

democrática dos conhecimentos, onde todos os indivíduos presentes nesse meio possam

desenvolver-se e constituírem-se como cidadãos atuantes e conscientes.

Segundo Gadotti & Romão (2001, p. 56), “a educação básica de jovens e adultos

trabalhadores, se coloca como uma das mais estratégicas formulações para a possível

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69

transformação e, no limite, revolução da sociedade injusta, discriminatória, meritocrática e

elitista em que vivemos”. As políticas públicas têm sido insuficientes para atender o direito de

todos os brasileiros à Educação e, embora sejam ampliadas as ofertas, elas continuam

excluindo um elevado número de jovens e adultos de tais oportunidades, quer pelo não acesso,

quer pela não permanência. (PORTO, 2004).

A E.J.A. estabelece-se como uma modalidade de ensino que, apesar dos conflitos

referentes a sua organização, possui um caráter de educação permanente, pois a Educação é

um processo e tem como finalidade o desenvolvimento integral e ininterrupto do indivíduo.

Além disso, essa modalidade atinge um segmento diferenciado que possui suas especificidades

e precisa de uma percepção diferenciada acerca da educação formal. “Ao reconhecer que a

educação se faz ao longo da vida, torna-se indispensável intensificar o movimento

sóciopolítico de universalizá-la”.(idem, p. 33). Conforme afirmam Gadotti & Romão (2001,

p. 119),

a educação básica de jovens e adultos é aquela que possibilita ao educando ler, escrever e compreender a língua nacional. O domínio dos símbolos e operações matemáticas básicas, dos conhecimentos essenciais das ciências sociais e naturais, e o acesso aos meios de produção cultural, entre os quais o lazer, a arte, a comunicação e o esporte.

Entretanto, faz-se necessário pensar em um processo complexo, amplo, com

contradições e conflitos, com múltiplas dimensões, seja de trabalho, experiências sociais,

práticas escolares, mas todos os aspectos convergindo para a construção da cidadania.

O aluno adulto não pode ser tratado como uma criança cuja história de vida apenas

começa. Ele quer ver a aplicação imediata do que está aprendendo. Ao mesmo tempo,

apresenta-se temeroso, sente-se ameaçado, precisa ser estimulado, desenvolver a auto-estima,

pois a sua ignorância lhe traz tensão, angústia, complexo de inferioridade. Muitas vezes, tem

vergonha de falar de si, de sua moradia, de sua experiência frustrada da infância,

principalmente, em relação à escola. É preciso que tudo isso seja verbalizado e analisado. O

primeiro direito do alfabetizando é o direito de se expressar. (GADOTTI & ROMÃO, 2001, p.

39).

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas para a docência, tanto em relação aos

preconceitos, dificuldades dos alunos, formação inicial insuficiente, quanto em relação à falta

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70

de materiais adequados para um trabalho com o segmento atendido, a maioria dos professores

busca novas alternativas de ação, entendendo que a EJA é uma modalidade específica, não

uma adaptação do ensino formal aplicado às crianças. Essa modalidade necessita de uma

metodologia e de meios condizentes ao grupo que está sendo atendido.

Portanto, a EJA não pode ser apenas lembrada como uma proposta governamental ou

base de estatísticas sobre a situação do analfabetismo no Brasil. É necessário entender que

todos têm o direito assegurado a uma Educação de qualidade, seja no ensino regular ou na

EJA. Aqueles que buscam essa modalidade já têm um histórico de vida que comprometeu a

possibilidade de frequentar a escolarização quando crianças – o que não impede que os

mesmos busquem alternativas para concluírem sua formação. Assim, torna-se necessária a

formação de um profissional que consiga administrar tanto as questões relativas ao ensino

quanto as questões sociais em que os alunos foram, ou estão, submetidos.

2.14. Constituição Federal de 1988, L.D.B. 9394/96 e outros marcos jurídicos da

educação de jovens e adultos.

O Sistema Educacional Brasileiro está organizado em Educação Básica e Ensino

Superior. A Educação Básica é composta pela Educação Infantil, pelo Ensino Fundamental e

pelo Ensino Médio.

Os direitos educativos dos jovens e adultos estão assegurados no Capítulo III, Seção I –

Da Educação da Constituição Federal, Artigo 208, inciso I, que garante a provisão pública de

“ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que

a ele não tiveram acesso na idade própria”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.D.B. – 9394/96) reitera em seu

art. 4º os direitos constitucionais da população jovem e adulta à educação: O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: Oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.

A educação de jovens e adultos, de acordo com a L.D.B., é uma modalidade da

Educação Básica, nos níveis fundamental e médio, sendo reconhecida como direito público

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71

subjetivo nesses níveis. De acordo com Haddad (1999), embora a LDB tenha reiterado os

direitos constitucionais da população jovem e adulta ao ensino fundamental, a emenda 14/96

alterou a redação do art. 208 da Constituição, de modo a desobrigar jovens e adultos da

frequência à escola. (...) Tal mudança no texto constitucional deu margem a interpretações que

descaracterizam o direito público subjetivo, desobrigando os poderes públicos da oferta

universal de ensino fundamental gratuito para esse grupo etário. (HADDAD & DI PIERRO,

1999, p. 6).

A Emenda 14 alterou a redação do Art. 60 das Disposições Constitucionais

Transitórias, substituindo o compromisso decenal com a erradicação do analfabetismo e a

universalização do ensino fundamental por um mecanismo de operacionalização do regime de

cooperação entre as esferas de governo: os Fundos de Manutenção e Desenvolvimento do

Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (F.U.N.D.E.F.). Esse processo de

desconstituição dos direitos educativos consolidou-se no veto presidencial ao inciso II do Art.

2, o da Lei 9424/96, que regulamentou a Emenda 14, excluindo as matrículas no ensino

fundamental de jovens e adultos dos cálculos para a redistribuição de recursos vinculados

entre esferas de governo através do F.U.N.D.E.F. Diante das limitações ao financiamento

decorrente dessa média, as instâncias subnacionais de governo às quais cabe a oferta de ensino

fundamental à população jovem e adulta, foram objetivamente desestimuladas a expandir esse

nível e modalidade educativos. (HADDAD & DI PIERRO, 1999, p. 6).

Não resta dúvida de que a emenda 14/96 foi um duro golpe contra o processo inclusivo

de jovens e adultos ao sistema educativo, uma vez que tirou o compromisso do Estado com

essa população. No entanto, Jamil Cury entende que “apesar do estreitamento da redação

trazida pela emenda 14/96, ela deixa ao livre arbítrio do indivíduo com mais de 15 anos

completos o exercício do seu direito público subjetivo”. Para Cury, isto fica explícito no artigo

5º da LDB, que universaliza a figura do cidadão e não faz e nem poderia fazer qualquer

discriminação de idade ou outra de qualquer natureza. (MEC/CNE. Parecer CEB nº 11/2000,

p. 20). Entretanto, num país onde a maioria da população não tem consciência dos seus

direitos de cidadão, por total desconhecimento das leis, o descompromisso do Estado não fica

tão aparente, porque ele lança mão de subterfúgios compensatórios, priorizando suas ações nas

regiões mais pobres do país, com a intenção de acalmar os ânimos daqueles que desconhecem

a gravidade da situação. Entre os subterfúgios utilizados pelo Estado, destacam-se: o Programa

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72

Alfabetização Solidária; o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador – Planfor; o

Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera. Para Haddad (1996), esses

programas podem ser caracterizados muito mais como marketing político do que uma ação

efetiva com vistas à universalização do direito à educação.

Além do descompromisso do Estado, outro fator que dificulta a efetivação do direito à

educação escolar de jovens e adultos é a interpretação da lei, pois, muitas vezes, ela é parcial.

Temos uma interpretação bastante restrita sobre o Direito ao Ensino Fundamental. A legislação diz claramente, tanto na Constituição, quanto na LDB, que o ensino fundamental é um direito de todos, independente da faixa etária. No entanto, os brasileiros foram bombardeados nos últimos anos com a idéia de que o ensino fundamental é um direito apenas das crianças e dos jovens dos 7 aos 14 anos... Basta ver a quantidade de pessoas com mais de 14 anos, que não têm acesso a este nível de ensino. É um conjunto significativo, chegando a quase 40% da população. (HADDAD, 2003, p. 4).

De acordo com Di Pierro (2003), o governo federal, por meio do Ministério da

Educação, também reteve, para si, funções de regulação e controle das ações descentralizadas

de educação de jovens e adultos, mediante a fixação de diretrizes e referenciais curriculares

nacionais, a instituição de exames nacionais para certificação, bem como pela criação de

programas de formação de educadores que, embora fossem apresentados, formalmente, como

livre opção dos estados e municípios, tornaram-se compulsórios na prática, à medida que a

adesão àqueles programas passou a condicionar as transferências voluntárias de recursos

federais para as instâncias subnacionais de governo. (DI PIERRO & GRACIANO, 2003, p.

17).

Para suprir a carência de políticas públicas de educação de jovens e adultos, o governo

federal buscou, nas parcerias entre universidades, municípios, organizações não-

governamentais e movimentos sociais, uma saída estratégica e paliativa para o problema. No

mundo da aparência, isso aparece como um movimento político e de fortalecimento da E.J.A.,

mas, na essência, não passa de uma forma barateada e descomprometida do governo de

promover falaciosamente uma educação de qualidade.

...as parcerias estabelecidas entre Estado e organizações da sociedade civil comportam uma ambigüidade: de um lado transferem a responsabilidade pela garantia de direitos universais para a sociedade civil que, obviamente, não possui condições estruturais para responder a esta demanda com a amplitude necessária; de outro lado, ampliam os canais de participação e controle social sobre as ações do Estado. (DI PIERRO & GRACIANO, 2003, p. 18).

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Na discussão sobre E.J.A., não se pode perder de vista que a terminologia “parceria”

aparece ao lado da ideia de descentralização política e de envolvimento da comunidade na

gestão de políticas que a ela dizem respeito. É uma terminologia que faz parte do vocabulário

tanto dos movimentos sociais, quanto do governo. Não resta dúvida de que a constituição de

parcerias é importante, porém os objetivos dos agentes envolvidos devem ser os mesmos, e no

caso brasileiro, infelizmente não são. No Brasil, as parcerias são uma falácia, uma vez que

existem dois projetos em jogo: de um lado temos o projeto do governo que está ligado

diretamente aos interesses do capital, de outro, temos o projeto dos parceiros que vislumbram,

em tese, a construção de uma sociedade mais justa e a formação de cidadãos críticos.

Em dezembro de 2006, na tentativa de superar os impasses causados pelo

F.U.N.D.E.F., foi aprovada a Emenda Constitucional 53 que criou um novo fundo para o

financiamento da educação, o F.U.N.D.E.B. (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da

Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação). Partindo do princípio de que o

FUNDEB iria abranger todas as etapas e modalidades da educação básica, criou-se a

expectativa de que a EJA seria reconfigurada, e os investimentos a ela destinados obedeceriam

a critérios de equidade. No entanto, isso não aconteceu, pois a Lei Federal N° 11.494/2007,

que regulamentou o F.U.N.D.E.B., acabou oficializando a histórica discriminação sofrida pela

EJA. Isso se explica porque o valor aluno/ano destinado a E.J.A. em 2007 era de R$ 662,40,

inferior 42,86% em relação ao aluno de ensino fundamental e 71,43% em relação ao aluno de

ensino médio. Para sacramentar a injustiça oficial, a mesma lei estabeleceu ainda que a

apropriação dos recursos do FUNDEB, em cada estado para a E.J.A., seria de apenas 15% do

total de recursos, que são explicitamente insuficientes para garantir um ensino de qualidade.

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74

CAPÍTULO III

TRAJETÓRIAS ESCOLARES INTERROMPIDAS

3.1. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: análise do perfil escolar anterior.

No Quadro 02 (anexo 2), a partir das respostas dadas ao questionário, apresentamos o

perfil escolar dos sujeitos da pesquisa, considerando os seguintes aspectos: as experiências

escolares anteriores, em qual série parou de estudar, quantos anos ficou longe da escola e,

principalmente, quais os problemas que os afastaram ou os fizeram desistir da escola.

O grupo pesquisado é formado por trinta e dois sujeitos – treze homens e dezenove

mulheres. Apesar da diversidade de sujeitos, únicos e diferentes, eles apresentam algo em

comum: eles trazem em suas histórias de vida, a marca da sociedade brasileira – exclusão

social e consequentemente da exclusão escolar. Eles são representantes de uma grande parcela

da população brasileira que, em algum momento, lhe foi negado ou retirado o direito ao

processo de escolarização. São brasileiros que, devido às grandes desigualdades sociais, não

tiveram escolha, ou este direito não foi lhe dado.

Embora tão diversos, os sujeitos pesquisados apresentam alguns pontos em comum:

são jovens e adultos que não tiveram acesso à escola em idade própria ou não tiveram a

oportunidade de continuar seus estudos devido a alguns fatores sociais e econômicos de cujos

eixos constituem a escola – a falta de adaptação às regras ou ao jogo escolar, histórias de

fracassos escolares que passam pela repetência e evasão, falta de vagas na escola – a família –

o fato de ter que deixar a escola para cuidar dos irmãos mais novos, a gravidez na

adolescência, a entrada ainda jovem no mercado de trabalho para ajudar no sustento da família

– e o trabalho – os sujeitos trabalhavam em ocupações que não exigiam uma escolaridade

maior, a incompatibilidade entre os horários do trabalho e o estudo.

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3.2. Os fatores que os fizeram abandonar os estudos: a relação com a escola.

Conforme os dados obtidos, a maior parte dos sujeitos que compõem esta pesquisa, não

é de analfabetos, e sim de sujeitos que são alfabetizados, possuindo, em média, 3,8 anos de

estudo. Dos trinta e dois sujeitos pesquisados, 27 possuíam uma experiência escolar anterior e

apenas cinco não tinham iniciado seu processo de escolarização.

Quadro 01 : A experiência escolar anterior dos sujeitos

Série que parou de estudar. Nunca estudou

1ª série

2ª série

3ª série

4ª série

5ª série

6ª série

Quantidade de sujeitos por série. 05 0 01 04 08 08 06

Para Haddad & Di Pierro (2000), os sujeitos que formam o grupo da EJA não são

homogêneos em suas trajetórias escolares, pois são brasileiros das mais diversas regiões com

trajetórias e com interrupções escolares das mais diversas. Em sua maioria, eles já tiveram

algum tipo de contato com as instituições escolares, ou seja, em algum momento de sua vida,

iniciaram seu processo de escolarização. Dessa maneira, a EJA atende públicos diferenciados:

aqueles que são analfabetos e nunca tiveram contato com a escola e os que necessitam de

correção ou dar continuidade em seus estudos.

Ainda segundo os dois pesquisadores, essa parcela da população brasileira, que já teve,

pelo menos, dois ou três anos de escolarização, deveria ser resgatada para voltar aos bancos

escolares, porque o sujeito já tem algumas noções básicas de alfabetização e letramento. Vai

de enscontro com as afirmações de Haddad & Di Pierro (2000), a fala da Professora Maria.

Ela afirmou em entrevista:“Eu acredito que um dos pontos fortes destes alunos foi o fato de

que a maioria deles já tinha passado pela escola e tinham uma boa base de alfabetização,

para que eu não começasse do zero. O trabalho desde o começo avançou muito”.

Do grupo analisado, nove sujeitos iniciaram seu processo de escolarização na idade

adequada, ou seja, aos sete anos de idade. Depois tiveram a sua trajetória escolar interrompida

em diferentes momentos. Os demais entraram atrasados (vinte sujeitos), ou não possuíam

experiência escolar. O processo de escolarização, em nosso país, especialmente o voltado para

o período de escolarização obrigatória e da atual educação básica, é caracterizado, via de

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regra, por seu caráter de seletividade que dificulta aos membros das camadas populares

atingirem níveis mais elevados de escolarização.

Para Oliveira (1999), a diferença educacional entre os Estados no Brasil é outro ponto

agravante que acentua um problema maior, ou seja, as grandes diferenças entre os Estados do

Sudeste e o Sul do Brasil quando comparados aos outros Estados. A concentração econômica

também se reflete no campo educacional ou ainda este é mais um fator que irá aumentar essas

diferenças. As diferenças regionais, no campo educacional, podem ser confirmadas nas

palavras de Érica e Maria:

“Parei de estudar porque repeti dois anos aqui em S. Paulo, o estudo em

Pernambuco era muito fraco”. (Érica)

“Eu estudei até a 6ª série na Bahia, em uma escola rural e era muito difícil

porque não tinha professor e agente entrava na escola muito atrasado”.

(Maria)

“No Maranhão, eu estudei até a 3ª série e quando mudamos para São

Paulo, tive muitas dificuldades porque o estudo lá era fraco”. (Gisele)

No trabalho de análise dos dados coletados durante a pesquisa, buscou-se também

analisar a vivência da exclusão precoce da escola e da experiência de escolarização tardia,

bem como os impactos advindos dessas experiências vivenciadas por adultos das camadas

populares, com base nas narrativas construídas pelos próprios sujeitos.

Os tempos e as razões que levaram cada um a abandonar os caminhos da escrita e da

leitura na escola são, ao mesmo tempo, singulares e comuns. Eles possuíram uma relação com

a escola, que deixaram marcas e conforme as falas destes sujeitos, analisamos os fatores

escolares que os fizeram abandonar ou desistir da escola.

O cansaço e a falta de vagas na suplência foram os motivos da minha

desistência. (Joselma)

Nunca gostei de estudar, ia para escola na marra e, com isso, desisti e repeti

algumas vezes. (Leandro)

Eu não gostava de estudar e desisti, repeti e voltei várias vezes.

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Eu estudei até a 2ª série com muito custo, repeti muitas vezes, apanhava da

professora e do meu pai porque não sabia ler e escrever.

Entrei atrasada na escola porque não tinha uniforme para ir para a escola

que era muito longe. (Priscila)

Estudei até a 6ª série com idas e vindas, e com reprovação e desistência.

(Regina)

(...) eu repeti duas vezes a 1ª e a 2ª série e com 14 anos estava na 5ª série...

(Vanessa)

O cansaço e a falta de vagas na suplência foram os motivos da minha

desistência. (Joselma)

Em Fortaleza, com 11 anos mudamos para um bairro muito distante onde

não tinha escola e a mais próxima era muito longe. (Luzia)

Na Bahia eu não sabia nem onde era a escola e na roça comecei a trabalhar

a trabalhar muito cedo. (Roberval)

Estudei até a 6ª série com idas e vindas, e com reprovação e desistência.

(Regina)

Com 13 anos e na 5ª série eu fui estudar à noite, porque só tinha este

horário. (Regina Carla)

Eu repeti duas vezes a 1ª e a 2ª série e com 14 anos estava na 5ª série...

(Vanessa)

Em média, os sujeitos da pesquisa ficaram oito anos longe dos bancos escolares. O

primeiro traço cultural relevante para esses jovens e adultos, no contexto da escolarização, é

sua condição de excluídos da escola regular. O tema da exclusão escolar é bastante

proeminente na literatura sobre educação, especialmente no que diz respeito a aspectos

sociológicos – relações entre escola e sociedade, direito à educação, educação e cidadania,

escola e o trabalho e entre a escola e a família.

Com relação à exclusão precoce da escola, interessava compreender tanto a maneira

como ela ocorreu, quais seus motivadores, quanto suas implicações na vida dos sujeitos.

Assim, as narrativas não se detiveram na exclusão em si; elas se ampliaram, incorporando

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78

outras esferas da vida dos egressos, evidenciando a forma como essa ocorrência específica

acabou impactando e determinando, de certa maneira, outros acontecimentos.

As causas que levaram à interrupção dos estudos, em sua maioria, estavam ligadas a

questões financeiras, à dificuldade de conciliar trabalho e estudo, ou, ainda, à própria

incapacidade de acompanhar os estudos e/ou ao desânimo que essa atividade provocava. Essas

causas, na verdade, apontavam para a existência de uma tendência à simplificação do processo

por parte dos que o vivenciaram, uma vez que fatores isolados foram tomados como

explicação da não-continuidade da formação escolar.

Entretanto, a percepção de que tanto o ingresso quanto a permanência na escola no

período da escolarização inicial se deram sob o signo da dificuldade constituiu um indicativo

irrefutável de que a exclusão da escola resultou do agravamento, bem como do somatório das

dificuldades identificadas nesses dois momentos que a antecederam. Isso significa que,

diferentemente de constituir-se em um fato isolado, provocado por uma razão específica, a

exclusão deve ser entendida como um processo complexo de exclusão na escola.

A categoria exclusão na escola, conforme Ferraro (1999), é expressa por alunos com

defasagem idade/série superior a dois anos, em contraposição à exclusão da escola, expressa

por aqueles que não tiveram acesso ou se evadiram da escola. No Brasil, os estudos de Ferraro

(idem), com base em dados estatísticos do I.B.G.E., mostram como a questão do fracasso

escolar não se resume à repetência e evasão pura e simples (fenômenos que o autor considera

de suma importância), mas a exclusão na escola tem grande efeito nas trajetórias de boa parte

do alunado da escola fundamental no Brasil. No depoimento de Aline Érica, podemos

observar como ela foi vítima do processo que Ferraro chama de exclusão na escola:

Reprovei dois anos porque morava em uma favela e sofria discriminação

das outras crianças que não eram da favela. Mudei para Francisco Morato

e não consegui vaga na escola.

Segundo Ferraro (1999), os índices de escolarização no Brasil – apesar de os

indicadores apontarem que, em 1996, mais de 90% da população em idade escolar tinha

acesso ao ensino obrigatório – eram ainda muito precários, especialmente no que se refere à

exclusão na escola, pois, se os índices de forte defasagem idade/série (acima de dois anos) já

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79

era alto em relação aos alunos com nove anos de idade (30% da população escolar com essa

idade), tornava-se simplesmente assustador, no que se refere a jovens com 17 anos, em que

80% estavam em situação de forte defasagem.

Apesar desse imenso conjunto de iniciativas políticas, educacionais e pedagógicas,

abrangendo desde os órgãos centrais da união e das unidades federadas, bem como de muitos

dos municípios brasileiros até as unidades escolares, o traço marcante do fracasso escolar,

expresso pelos índices de não-acesso, reprovação, repetência e evasão escolares ou de

permanência desqualificada dos alunos na escola permanece até os dias de hoje.

Para Cunha (1975), imputar as causas desse fracasso exclusivamente às condições

sociais de origem, especialmente as econômicas, é reduzir fenômenos altamente complexos a

uma única causa, no caso da sociedade brasileira, que possui um dos piores indicadores de

distribuição de renda, as condições econômicas da população não podem ser ignoradas, sob o

risco de produzirmos investigações sobre processos e sujeitos abstratos.

Desta forma, sem desconsiderar que essas condições pesam sobre a trajetória de vida

de boa parte da população brasileira – entre elas de parcela significativa que não tem, sequer,

condições básicas de sobrevivência –, devemos considerar que o fenômeno do fracasso escolar

é resultado de múltiplas determinações sociais e políticas, quer seja do ponto de vista

macrossocial, quer do microssocial.

O interesse por esse campo de análise ocorreu por conta de se haver percebido, na

contramão dos discursos que atribuem uma suposta excepcionalidade aos perversos índices de

baixa escolarização observados historicamente no país – tais como indicadores de distorção

série/idade, idade/conclusão, analfabetismo absoluto, analfabetismo funcional, repetência,

abandono, desistência entre outros – que esses índices não configuram exceção para a

juventude oriunda das camadas populares.

Na verdade, tais indicativos de abandono social representam a regra, socialmente

imposta a milhões de indivíduos, uma vez que, ao contrário do que pretendem fazer acreditar

os discursos oficiais, antes de deformações, constituem partes inerentes de um sistema que

tem, como uma de suas bases principais, a exclusão. A reduzida parcela daqueles que

conseguem superar as estatísticas de baixa escolaridade impostas aos jovens das classes

populares devem o feito a um esforço individual sobre-humano, a um maciço e penoso

investimento familiar ou à ocorrência de “encontros”, em sua maior parte, ditados pelo acaso.

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80

Zago (2000, p. 26) investigou o sucesso e fracasso escolar de crianças dos meios

populares, procurando integrar dados quantitativos e qualitativos como indicadores de

trajetórias acidentadas de alunos desses meios. Embora afirme reconhecer o “caráter não

determinista das relações entre as condições sociais das famílias e os resultados escolares dos

filhos", não encontra, em seu estudo longitudinal, nenhum jovem com mais de 14 anos, das 16

famílias que acompanhou durante quatorze anos, que tivesse concluído o ensino fundamental

sem alguma defasagem entre idade e séries cursadas, fato que se evidencia ainda mais nos

depoimentos colhidos com vários deles.

Para Bourdieu (1999, p.482), o processo dos “marginalizados por dentro” é

extremamente perverso, porque não bastou conquistar o acesso ao ensino para ser beneficiado

por ele: “o processo de eliminação foi adiado e diluído no tempo e isto faz com que a

instituição seja habitada a longo prazo por excluídos potenciais”. Ressalta, ainda, que, com a

“democratização escolar”, os alunos pobres são ainda mais estigmatizados, na medida em que

ao fracassarem são culpabilizados, já que tiveram, na aparência, “suas chances”. Dessa forma,

“a instituição escolar é uma fonte de decepção coletiva: uma espécie de terra prometida,

sempre igual no horizonte, que recua à medida que nos aproximamos dela” (idem, p.483).

Charlot (2000, p. 22), que procura demonstrar que a leitura dos escritos de Bourdieu

foi enviesada, na medida em que a relação entre origem social e fracasso escolar foi

interpretada de forma mecânica, afirma que, para Bourdieu, explicar a correlação estatística

entre a posição social dos pais e a posição dos filhos no espaço escolar é mostrar a homologia

de estrutura entre sistemas de diferenças e que esta é uma relação matemática e não um

princípio de efetivação. Em outras palavras, nada nos diz da maneira como se produz, no

tempo, a passagem das diferenças entre pais para as diferenças entre filhos.

Para Charlot (2000, p.23), a análise do fracasso escolar deve levar em conta:

a) o fato de que ele “tem alguma coisa a ver” com a posição social da família – sem por isso reduzir essa posição a um lugar em uma nomenclatura sócio-profissional, nem a família a uma posição; b) a singularidade e a história dos indivíduos; c) o significado que eles conferem à sua posição (bem como à sua história, às situações que vivem e à sua própria singularidade); d) sua atividade efetiva, suas práticas; e) a especificidade dessa atividade, que se desenha (ou não) no campo do saber.

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Lahire (1997, p.12), com base na constatação empírica de que crianças oriundas das

camadas populares, de famílias que acumulam “deficiências”, conseguem, algumas vezes,

obter sucesso escolar, afirma que há relação ao que conhece sobre o funcionamento provável

do mundo social a partir dos dados estatísticos, como um mistério a ser elucidado. Dessa

constatação, elabora a questão básica que norteará suas pesquisas: semelhantes por suas

condições econômicas e culturais (...) como é possível que configurações familiares

engendrem, socialmente, crianças com níveis de adaptação tão diferentes?

Diante disso, outro destaque que chamou a atenção quanto à maneira como os sujeitos

vivenciaram a exclusão da escola foi o fato de as falas referentes à primeira interrupção dos

estudos apontarem, invariavelmente, para uma autoculpabilização, ou, quando muito, para a

culpabilização dos pais, mas nunca para a identificação das causas dessa interrupção no

interior da própria escola e/ou no sistema educacional e social.

À autoculpabilização e/ou culpabilização da família seguiu-se uma tendência à

naturalização da exclusão, por parte daqueles que a experienciaram: as narrativas acerca da

exclusão precoce da escola evidenciaram que, para os sujeitos da pesquisa, a interrupção dos

estudos constituiu, tal como o ingresso na escola, um caminho natural. Isso porque não se

percebeu, nos relatos, a existência de elementos que apontassem para algum tipo de

estranhamento em relação à situação. No geral, é como se eles estivessem percorrendo um

caminho já conhecido, fazendo exatamente aquilo que deles se esperava.

Essa aparente naturalização da interrupção dos estudos entre estudantes das camadas

populares é confirmada por Dayrrel (1989, p. 85), quando afirma que, com a exclusão da

escola, realiza-se “a determinação de um quantum educacional deste grupo social. Através de

mecanismos sutis, a ‘exclusão escolar’ aparece como um caminho natural e, para muitos,

desejado, liberando estes jovens para assumirem integralmente sua condição de

trabalhadores”.

Nota-se que a aceitação, por parte dos sujeitos entrevistados, da interrupção dos

estudos como algo natural, constitutivo mesmo de suas trajetórias, deva-se pelo fato de eles

não perceberem as possíveis consequências que esse acontecimento poderia vir a gerar em

suas vidas no futuro. A impossibilidade de visualizar, logo no início, as dificuldades que

seriam enfrentadas mais adiante, em decorrência do fato de serem pouco escolarizados,

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destacam-se também como um dos fatores comuns aos sujeitos pesquisados, no que se refere à

maneira como vivenciaram a exclusão da escola.

Outro aspecto cuja compreensão tornou-se possível com base na análise da exclusão

precoce da escola foram as diferentes maneiras pelas quais se evidenciou a interiorização, pelo

sujeito, do fracasso escolar e os efeitos dessa interiorização em sua vida e na relação que ele

estabeleceria com a escola no futuro. Dessa maneira, as análises desenvolvidas acerca da

exclusão precoce da escola possibilitaram concluir que o impacto mais evidente de sua

vivência pelos sujeitos consistiu na construção de uma autopercepção negativa que, se por um

lado os colocava no lugar do não-saber, por outro lado, acabou servindo como um mecanismo

propulsor no sentido de mobilizá-los na busca da melhoria da formação escolar.

3.3. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: a família.

Os estudos sobre o tema das relações que as famílias mantêm com a escolaridade dos

filhos ainda não são tradicionais no Brasil, como nos afirmam Romanelli, Nogueira & Zago

(2000). Apesar disso, consideramos importante uma abordagem sobre essas relações –

família/escola, pois os sujeitos da pesquisa afirmaram que um dos fatores que os fizeram

desistir ou afastar do processo de escolarização em seu processo inicial, ainda quando eram

crianças ou jovens, estão ligados a questões familiares, ou seja, à desestruturação familiar, à

entrada no mundo do trabalho para o seu próprio sustento ou auxílio no sustento da família, ao

abandono da escola para cuidar dos irmãos mais velhos e à gravidez e casamentos precoces.

Essas afirmações podem ser observadas através dos depoimentos abaixo:

(...) Como o mais velho da família, tive que abandonar os estudos e comecei

a trabalhar para sustentar a família. (Daniel)

(...) Entrei atrasada na escola porque era a mais velha e tinha que tomar

conta dos meus irmãos mais novos. (Aline)

(...) Morávamos em São Paulo em cortiços e mudávamos muitas vezes e

desisti de estudar algumas vezes.(Carla)

(...)Mas, com 15 anos vim para S. Paulo, para ajudar a família (Priscila)

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(...) Graves e sérios problemas familiares. Fui morar com uma tia, que não

me matriculou na escola para eu tomar conta dos filhos dela.(Queli)

(...)Meus pais mudaram muito de cidade durante meus estudos e não me

colocaram para estudar e, aos 10 anos, eu já ajudava minha mãe a

trabalhar como doméstica.(Luciana)

Nas afirmações desses sujeitos, temos a confirmação de que a família foi um dos

fatores determinantes do fracasso escolar ou do afastamento do processo inicial de

escolarização, seja por suas precárias condições de vida, seja por não acompanhar a criança ou

adolescente em sua trajetória escolar. Para Arroyo (1991, p. 21), em relação à evasão escolar

dos alunos dos cursos supletivos noturnos, afirma que a evasão escolar desses alunos se dá em

virtude de eles serem “obrigados a trabalhar para sustento próprio e da família, exaustos da

maratona diária e desmotivados pela baixa qualidade do ensino, muitos adolescentes desistem

dos estudos sem completar o curso primário”. Segundo o autor, a realidade dos alunos das

camadas populares difere da realidade dos alunos da classe dominante porque, com base nas

pesquisas realizadas em escolas da França pelos críticos-reprodutivistas ESTABLET-

BAUDELOT, enquanto os filhos da classe dominante têm o tempo para estudar e dedicar-se a

outras atividades como dança, músicas, línguas estrangeiras, e outras, os filhos da classe

dominada mal têm acesso aos cursos noturnos.

As falas dos sujeitos desta pesquisa relacionadas à estrutura familiar, como um dos

fatores que levaram a evasão do processo inicial, vão ao encontro do estudo de Freitag (2003)

para quem, na percepção dos alunos, a evasão escolar precoce não está dissociada da vida

social. Situações vivenciadas na família podem influenciar, direta ou indiretamente, suas

atitudes e decisões em relação à continuidade, ou não, dos estudos. Dentre essas situações,

temos o desemprego dos pais e a consequente necessidade de trabalhar para ajudar a família;

os problemas familiares e a desestruturação da família que desmotivam os alunos a

continuarem frequentando as aulas. Para a pesquisadora, a família é uma instituição carregada

de problemas afetivos e financeiros, e se a mesma fosse mais presente, participativa e

demonstrasse interesse pelo saber do aluno seria possível minimizar a evasão escolar.

Para Nogueira, Romanelli & Zago (2008, p.26), apesar de reconhecermos o caráter

não-determinista das relações entre as condições socioeconômicas das famílias e os resultados

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escolares dos filhos, não podemos ignorar que a situação escolar nas populações de mais baixa

renda está associada a um quadro social de natureza bastante complexa. Para as autoras,“há

variações no grupo estudado, mas as condições materiais das famílias são, no seu conjunto,

bastante modestas e em vários casos encontram-se em situação de grande vulnerabilidade

material e social”.

Outro ponto muito marcante nos depoimentos dos sujeitos é que eles são filhos de uma

grande desestruturação familiar. Muitos deles deixaram a família ainda muito jovem e foram

morar com parentes em outros Estados, devido à necessidade de auxiliar na própria

sobrevivência e na da família. Mello (1992), em uma pesquisa sobre formas de organização

familiar em um bairro popular da periferia de São Paulo, destaca a prevalência do que chamou

de “aglomerado familiar”. Esses aglomerados, resultantes de processos migratórios que

rompem com a organização familiar de origem, são parte do esquema de sobrevivência dessas

populações, mantendo-se pela dependência afetiva e estabelecendo um sistema de trocas de

serviços e de recursos financeiros alicerçados na consciência da pobreza e na prática da

solidariedade.

Do grupo de trinta e dois sujeitos pesquisados, temos a presença de dezenove

mulheres, com as seguintes características: estão na faixa etária entre 20 e 52 anos de idade, 09

casadas, 06 solteiras, 01 viúva, 01 desquitada e 02 separadas. Elas possuem histórias de vida

marcadas pela passagem para a fase adulta ainda muito jovem. Na fala de Rosi: “... e nesta

época nós começávamos tudo muito cedo, o trabalho, o casamento e os filhos. E assim parei

de estudar”. A palavra “cedo” repete-se muito nas falas das mulheres e realmente tudo para

elas começou muito cedo, inclusive a exclusão escolar. Agora buscam o caminho inverso do

passado ao resgatar o direito à escolarização.

Segundo Piletti (2002) para a mulher brasileira, o direito à educação é uma conquista

histórica alcançada em meados do século passado; no entanto, sua presença, no sistema

educacional, iniciou-se a partir de 1940. Num modelo machista e tradicional de família, a

educação formal era prioridade para homens públicos que necessitavam entender de leis e

política. As mulheres, que só conseguiram o direito ao voto em 1932, através de decreto

presidencial no governo Getúlio Vargas, não eram admitidas na política tida como “coisa para

homens”. Para elas, bastava obter preparo para cuidar dos afazeres domésticos e da família,

pois o casamento era a finalidade essencial de suas vidas.

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Nas famílias das mulheres pesquisadas, o fator econômico foi fundamental, pois, para

os pais trabalharem, muito cedo as meninas passavam a assumir tarefas domésticas, como a

limpeza da casa, o cuidado com os irmãos menores ou colaborando com o orçamento ao

realizar trabalhos domésticos para outras famílias.

(...) Entrei atrasada na escola e parei de estudar porque meu pai achava que

mulher não precisava estudar. Tive que trabalhar muito jovem como

doméstica e com 15 anos fugi para São Paulo. (Aparecida)

(...) Em São Paulo, eu nunca estudei, já fui direto para o trabalho. (Maria

Eunice)

(...) com 15 anos vim para S. Paulo, para ajudar a família (Priscila)

(...) Com 13 anos e na 5ª série eu fui estudar a noite, porque só tinha este

horário e meu pai me colocou para ajudá-lo durante o dia na feira.(Regina)

(...) Eu fiz até 5ª série e estava com 13 anos e eu já trabalhava para ajudar

minha família no pequeno sítio que nós tínhamos... (Rosi)

No início da adolescência, elas tiveram filhos ainda muito cedo – 11 mulheres do

grupo foram mães ainda muito jovens. Além de gravidez precoce, outros fatores contribuíram

para a exclusão escolar, como um casamento devido a essa gravidez ou o casamento para fugir

das dificuldades econômicas da família, a proibição do marido, as múltiplas jornadas da

mulher que, além de atender aos filhos, dos afazeres domésticos, do trabalho e dos

compromissos sociais, tem pouco tempo e disposição para voltar aos estudos.

(...) Eu me casei muito cedo e estudei na Bahia até a 4ª série, eu tinha uns 15

anos e virei dona de casa. Quando viemos para São Paulo, era um filho

atrás do outro e eu não estudava. (Maria de Fátima)

(...) Com 13 anos vim para São Paulo morar com minha tia, aos 16 casei e

estudei mais. (Luzia)

(...) aos 10 anos, eu já ajudava minha mãe a trabalhar como doméstica. Tive

filho muito cedo para fugir desta situação. (Luciana)

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(...) Aqui em São Paulo, fui até a 6ª série e fiquei grávida aos 16 anos, me

casei e desisti de estudar. (Gisele)

(...) Tive que trabalhar muito jovem como doméstica e com 15 anos fugi

para São Paulo. Entrei atrasada na escola e parei de estudar porque meu

pai achava que mulher não precisava estudar. Tive que trabalhar muito

jovem como doméstica e com 15 anos fugi para São Paulo. (Aparecida)

(...) Com 15 anos fiquei grávida e casei muito cedo. (Aline)

(...) Casei-me com 16 anos e não me lembro com quantos anos eu parei de

estudar. Virei dona de casa e não voltei mais a estudar.

(...) com 14 anos estava na 5ª série e fui trabalhar como doméstica e fiquei

grávida e fui morar com o pai do meu filho com 16 anos e não estudei mais.

(Simônica)

(...) Lembro-me que parei na 6ª série com 15 anos e com 16 anos eu já

estava casada. (Regina)

Segundo Jacques Delors (2001, p.197), em seu relatório enviado para a UNESCO, sobre a

educação para o século XXI, aponta aspectos relevantes sobre a situação da mulher: “a igualdade

de acesso das mulheres à educação, eliminar o analfabetismo feminino, melhorar o acesso às

mulheres à formação profissional, ao ensino científico e tecnológico e à educação

permanente”.

O perfil dessas mulheres e suas falas não são muito diferentes da história de vida da

maioria das mulheres da população brasileira, porque os fatores acima descritos que as fizeram

abandonar seus estudos são uma marca na trajetória escolar da maioria das mulheres

brasileiras. Para essas mulheres voltarem aos bancos escolares e resgatarem o significado da

escola em suas vidas é o que as fazem serem diferentes das outras mulheres, porque elas saem do

grupo daquelas que seguiram a trajetória da exclusão, romperam com o fracasso escolar e

buscaram ascensão pessoal e profissional.

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3.4. Quais problemas os afastaram ou os fizeram desistir da escola: o trabalho.

Os dados apresentados no Quadro 02 (anexo 2) apontam, segundo os sujeitos da

pesquisa, um dos fatores que levaram ao afastamento e a desistência do processo inicial de

escolarização: a entrada precoce no mundo do trabalho. Esta afirmação pode ser confirmada

através das seguintes falas dos sujeitos:

(...) Comecei a trabalhar muito cedo. (Amarildo).

(...) Não consegui estudar mais porque sempre trabalhei na construção civil.

(Armando).

(...) Nunca tinha ido à escola, porque no sertão do Ceará primeiro a gente

precisa sobreviver e depois as outras coisas. Comecei a trabalhar ainda

menino. E Aqui em São Paulo, para trabalhar em construção não precisava

ter estudo. (Carlos)

(...) Nasci no vale do Jequitinhonha em Minas Gerais e nunca fui à escola

porque a vida lá é muito difícil e trabalhava somente para comer. Viemos

para São Paulo para fugir da miséria. Aqui os empregos que eu consegui

não exigiam estudo. (Geraldo).

(...) Em Alagoas, os empregos são para trabalho braçal e não precisava de

estudo. Aqui trabalhei sempre na construção e para este tipo de serviço não

precisava ter estudo. (Jandival)

(...) Meus pais mudaram muito de cidade durante meus estudos e não me

colocaram para estudar e, aos 10 anos, eu já ajudava minha mãe a

trabalhar como doméstica. (Luciana).

(...) Na Bahia, eu trabalhava desde menino na colheita do feijão, e quando

tinha plantio ou colheita nós não íamos para a escola. Aqui com a 4ª série,

mas com muita ajuda sempre trabalhei de porteiro, jardineiro ou ajudante.

(Luiz).

(...) Mas, com 15 anos vim para S. Paulo, para ajudar a família. E aqui

trabalhei muito e não tinha tempo para estudar. (Priscila)

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(...) Na Bahia eu não sabia nem onde era a escola e na roça comecei a

trabalhar a trabalhar muito cedo. E trabalho em construção e nunca tinha

como começar a estudar. (Roberval).

(...) Precisei trabalhar muito cedo e tive que parar de estudar. E não tive

mais como voltar a estudar. (Sandro)

(...) com 14 anos estava na 5ª série e fui trabalhar como doméstica.

(Vanessa)

Como podemos verificar nessas falas, a experiência com o trabalho começou muito

precocemente em suas vidas, desempenhando várias funções e assumindo responsabilidades

ou assumindo funções, que configuram como trabalho infantil. Uma das características que

marcam essas falas está no fato de os pesquisados abandonarem a escola ou serem obrigados a

fazê-los para ajudar no sustento ou manutenção da família.

Segundo Nogueira, Romanelli & Zago (2008), quando nos reportamos ao trabalho

infantil, é preciso considerar que não se trata de uma situação generalizada, que atinge

indiscriminadamente as crianças das camadas sociais desfavorecidas. Há diferenças quanto à

delimitação da idade de ingresso no trabalho. Nas situações de maiores dificuldades

financeiras – tais como as associadas ao desemprego, miserabilidade de muitas famílias

brasileiras, morte ou separação dos pais, além de outros acontecimentos familiares que

fragilizam as condições socioeconômicas das famílias, a introdução no mundo do trabalho se

dá de maneira mais precoce.

O trabalho infantil é considerado uma situação indesejável porque se pressupõe que a

maneira mais adequada para se atingir o pleno desenvolvimento infantil é dividir o tempo da

criança entre escola e lazer. Segundo a O.I.T. (Organização Internacional do Trabalho), o

trabalho infantil é qualquer trabalho, mesmo sem pagamento, exercido por indivíduos com

idade igual, ou inferior, a 14 anos que ocupa, pelo menos, uma hora semanal. Na 138º

convenção da O.I.T. (1973), foi determinado que 15 anos seria a idade acima da qual, em

condições normais, uma pessoa poderia participar de atividades econômicas. Seguindo essa

ideia, o presente estudo considera pessoas abaixo de 15 anos como crianças.

Em 2008, uma pesquisa feita para a O.I.T. e para a UNESCO, pela Fundação Getúlio

Vargas, apontou que 20% dos alunos brasileiros em idade escolar tiveram que parar o seu

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processo de escolarização, para exercer alguma atividade remunerada. Dados preliminares

divulgados pelo I.B.G.E. apontavam que, em 2009, dois milhões de crianças entre 05 e 15

anos trabalhavam no Brasil. Em 132 mil lares brasileiros, número maior do que o de

habitantes da maioria dos municípios brasileiros, os chefes de família são crianças de 10 a 14

anos. Outros 61 mil jovens, com idade entre 15 e 19 anos, aparecem nas estatísticas como

responsáveis pelos domicílios.

Do grupo pesquisado, doze sujeitos apontaram o trabalho como fator de desistência ou

abandono da escola, dos quais oito são oriundos da zona rural. Assim, eles não tiveram

escolha, e muito cedo tiveram que trabalhar ou ajudar no trabalho rural. Conforme já constatou

Cunha (1975), em seus trabalhos de 1960 – 1970, na zona rural, faltam escolas ou elas são

muito distantes, há incongruência entre o ano agrícola e o ano escolar e os custos escolares.

Ele complementa:

... A dificuldade de reduzir os custos da educação para o individuo talvez não tenha maior importância no caso das classes de renda superior no Brasil. Não obstante, grande parte da população aufere renda tão baixa que provavelmente não poderia enviar os filhos à escola mesmo que existissem estabelecimentos Gratuitos. E não porque residem longe das escolas, mas porque são de grande importância para suas famílias porque trabalham e isto impede a freqüência regular à escola. (CUNHA, 1975, p. 145).

Os outros quatro sujeitos que apontaram o trabalho como causa do afastamento da

escola moravam na zona urbana, mas como eram os mais velhos dos filhos, enquanto os pais

saíam para trabalhar, eles já eram responsáveis, ainda crianças, pelo cuidado da casa e dos

irmãos mais novos. Outras vezes, acompanhavam seus pais ao trabalho, realizando pequenas

tarefas para auxiliá-los.

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CAPÍTULO IV

SUCESSO ESCOLAR

4.1. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a escola.

A partir dos dados coletados por meio dos questionários e das entrevistas, que estão

expostos no Quadro 03 (anexo 3), podemos fazer uma análise de como foi a relação dos

sujeitos entrevistados com a escola durante o novo processo de escolarização. Esse processo

deixou marcas, significados, mudanças, transformando-os em novos sujeitos depois de

passarem por essa experiência que, segundo suas falas, mudou o rumo de suas vidas.

Passamos analisar a trajetória escolar desses alunos e o papel da escola como fator que os fez

voltar, permanecer e obter sucesso escolar.

Os sujeitos que voltaram aos bancos escolares não ficaram restritos apenas à

aprendizagem da leitura e da escrita para conseguirem um trabalho melhor ou para assinar o

nome em documentos; eles voltaram, como afirma a frase da aluna Regina, para

(...) “deixar de sentir-se um nada”. (Regina)

São pessoas que representam uma parcela significativa da população brasileira que, no

início do século XXI, não participam do “cinturão de poder”. (RAMA, 1985). Pessoas que,

guardadas as suas diferenças culturais, não se apropriaram de um bem cultural, a língua

escrita, e dos saberes escolares que, de muitas maneiras, organizam a sociedade. Dominar

esses saberes é ser incluído em uma nova sociedade ou classe. A realidade daqueles que não

participam do chamado “cinturão de poder”, ou estão à margem por não dominarem a língua

escrita e não terem participado, de forma integral ou adequada, dos processos de

escolarização, fica clara nas palavras da aluna Maria de Fátima:

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(...) È duro você ter pouca leitura e não saber o que está escrito em um

documento, conversar com medo com outras pessoas e não entender o que

elas estão dizendo. (Maria de Fátima).

Segundo GARCIA (2004), se nós vivemos numa sociedade estratificada em classes, a

variedade linguística de prestígio, ou seja, a considerada legítima, é aquela determinada por

aqueles que detêm o poder social e econômico. Toda palavra é carregada de valores, ou seja,

se somos membros de um determinado grupo social, produzimos um discurso ideologizado

através do que falamos, assim como a ideologia nos produz enquanto membros dessa

comunidade.

Quando uma língua domina o mercado, é em relação a ela, tomada como norma, que se definem, ao mesmo tempo, os preços atribuídos às outras expressões e o valor das diferentes competências. A língua dos gramáticos é um artefato que, universalmente imposto pelas instâncias de coerção lingüísticas, tem eficácia social na medida em que funciona como norma, através da qual se exerce a dominação dos grupos. Detendo os meios para impô-la como legítima, os grupos detêm, ao mesmo tempo, o monopólio dos meios para dela se apropriarem. (BOURDIEU, 1974 apud SOARES, 2002a, p. 58).

Nos depoimentos, percebemos que o retorno à escola é colocado pelos sujeitos como

um ato de necessidade e de desejo de voltar para a escola, que se configuram como um ato de

vontade de permanecer e conseguir, através da escola, alcançar várias mudanças em suas

vidas. Esses sujeitos criaram uma nova relação com a escola, pois ela não é aquela que eles

abandonaram ou foram excluídos, dentro, ou na escola, quando crianças ou adolescentes. Essa

necessidade ou o fato de precisar voltar a estudar estava em muitas falas:

(...) Eu precisava voltar a estudar (Daniel)

(...) A necessidade de ter um emprego melhor e aprender mais. (Luiz)

(...) Sempre gostei de marcenaria e para trabalhar lá precisa ter

estudo.(Roberval)

(...) Eu preciso do estudo para ser mecânico profissional. (Leandro)

(...) A necessidade de aprender mais, ganhar mais, crescer e virar um mestre

de obras com estudo e não somente no papel. (Armando)

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Na análise da nova trajetória escolar desses sujeitos, percebemos que a relação com a

escola foi além, pois eles agora conhecem seus rituais, sua dinâmica e, principalmente,

sentem-se inseridos, ou seja, fazem parte da escola e são jogadores dentro do jogo escolar.

Agora é nela que eles querem estar, crescer e vivenciar um direito que anteriormente lhes foi

negado, o direito à educação.

Eles percebem sua própria condição de pouca escolarização, que provoca diversos

constrangimentos sociais experimentados por eles. Esse motivo se revela como um dos mais

importantes para a tomada de decisão a favor do retorno aos bancos escolares. Assim, por

meio dos dados coletados, foi possível perceber que a percepção negativa que tinham de si em

relação aos estudos, somada aos constrangimentos sociais decorrentes da baixa escolaridade,

exerceu forte influência no processo de transformação da demanda potencial por escolarização

em demanda efetiva.

(...) Eu tinha que pedir para os outros lerem para mim e fui enganado várias vezes. (Jandival)

(...) É duro você ter pouca leitura e não saber o que está escrito em um

documento, conversar com medo com outras pessoas e não entender o que

elas estão dizendo. (Maria de Fátima)

(...) Sou doméstica e sempre tinha dificuldades para anotar um recado, ler

as receitas e resolver um problema da casa. E minha patroa me incentivou

muito. (Vanessa)

(...) Fui muitas vezes nas reuniões de meus filhos que são bons alunos na

escola e eu praticamente somente assinava o meu nome. (Carlos).

Os sujeitos também demonstram, em suas falas, as marcas do processo escolar anterior,

onde a exclusão na/da escola deixou neles uma percepção negativa que tinham de si em

relação aos estudos.

(...) “Eu fui obrigado a voltar a estudar...” (Aparecida)

(...) “Fui obrigada a estudar mais valeu a pena...” (Carla)

(...) “E eu não gostava de estudar e...” (Daniel)

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(...) “Voltei com muito medo e pensei muitas vezes em desistir...” (Simônica)

Quando esses sujeitos decidem voltar ao processo de escolarização – devido a vários

fatores profissionais, pessoais e familiares, entre outros –,vários fatores impedem ou

dificultam a sua volta – a jornada de trabalho, não ter com quem deixar os filhos pequenos, a

falta de vagas, problemas familiares, etc – e principalmente a sua permanência, que se

transforma em um marco importante e que tem que ser valorizado.

A valorização desse retorno é fundamental para torná-lo um cidadão, já que representa

a chance que, mais uma vez, esse jovem ou adulto está dando ao sistema educacional de

considerar a sua existência social, sua condição de sujeito. Valorizar significa garantir que a

escola lhe proporcione condições de permanência e que viabilizem o aproveitamento de sua

experiência existencial no mundo escolar, através de práticas pedagógicas adequadas e

relevantes para sua realidade social. Com esse retorno, o sujeito recebe novamente um direito

que lhe foi retirado ou negado: o direito à educação e, com ele, outros direitos sociais,

conforme relata CURY (2000, p. 06): “(...)a entrada no circuito dos direitos civis pela

restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o

reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano(...)”.

Arroyo & Haddad (2007) reconhecem os sujeitos históricos da E.J.A. como

mandatários de direitos, sendo o direito da educação um deles, e como protagonistas na

sociedade brasileira. Para eles,

(...) “reconhecer essa característica ativa dos sujeitos é reconhecer que, para além da trajetória da carência, há um trabalho de conquista e luta que faz parte do cotidiano dos setores populares e que determinam as razões históricas da construção da sociedade em que vivem”.(HADDAD, 200, p. 15).

A necessidade objetivada de retornar à escola coloca o acesso à escola e a permanência

nela como direito para o sujeito jovem e adulto. Não como obrigação e necessidade deste ou

como favor de outrem, mas como uma afirmação do direito de ter uma escola que o acolha e

que se paute em suas necessidades e desejos.

Garantir a presença concreta de jovens e adultos na escola não significa simplesmente

oferecer uma estrutura igual à estrutura pensada para o ensino regular – salas de aula, grade

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curricular, horários de aulas, professores, material didático. No Parecer C.N.E. /C.E.B.

11/2000, Cury (2000, p. 07) salienta que a E.J.A. deve ter uma função reparadora, que

oportunize concretamente “(...) a presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa

viável em função das especificidades sócio-culturais destes segmentos para os quais se espera

uma efetiva atuação das políticas sociais”.

Os estudos de Fonseca & Dayrell (2000) apontam o espaço escolar como um espaço de

construção e reconstrução de sentidos, significados e oportunidades. É a partir desta

perspectiva que observamos que o espaço escolar apresenta um novo significado e um novo

sentido para os nossos sujeitos, que emergiram do processo de escolarização dentro da Escola

Estadual Lenita Camargo.

(...) O estudo mudou a minha vida, porque estou atrás de uma grande vitória

e somente através do estudo será possível mudar o rumo da minha vida.

(Aline Érica)

(...) Para quem saiu da miséria do Vale do Jequitinhonha praticamente sem

estudo e chegar onde estou chegando é muito importante. (Amarildo)

Por três vezes, acompanhei os sujeitos em suas atividades dentro da sala de aula. As

análises que emergem da observação dos comportamentos, das atitudes dos sujeitos e do

relacionamento entre os sujeitos em sala de aula, permitem afirmar que esse espaço é um

espaço de interação, trocas, relações. Um espaço de solidariedade. Os alunos, durante todo o

tempo, buscam ajudar-se mutuamente, mesmo que o professor centre a sua aula em atividades

individuais. Essas trocas acontecem antes das aulas enquanto esperam o professor, após e

durante as mesmas e são sempre pontuadas pelas tarefas escolares. A solução para os

problemas propostos nos conteúdos era sempre buscada pela interação entre os colegas que,

na maioria das vezes, eram também a fonte de aprendizagem.

Nas relações construídas pelos sujeitos no espaço escolar, emergem a interação, a

valorização desse espaço e as relações que ali se constroem aliadas a um ensino que,

respeitando as vivências dos sujeitos envolvidos, reconhece-os como sujeitos culturais,

participantes, agora marcados pela inclusão e cognitivamente capazes. Um espaço que é

caracterizado como diferenciado, marcado por outro tempo, pautado nas propostas que

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contemplam as especificidades da EJA, indo contra as mazelas e vicissitudes da justaposição

da EJA ao ensino regular.

Para Santos (2007), o espaço escolar na EJA identificado pelos alunos pode não ser

consequência de um significado maior que atribuam ao conhecimento veiculado pela escola.

Segundo Santos, essa identificação pode advir do fato de a escola ser vista como um

instrumento central para o processo de ascensão social. E esta identificação com o espaço

escolar pode ser uma variável fundamental para a permanência do aluno na escola.

Dayrell (2001) apresenta o espaço escolar como o lugar onde se reconhece a

diversidade dos sujeitos, suas experiências e relações sociais, apreendendo os jovens e adultos

como sujeitos socioculturais. Assinala também a importância de se construir um sentido e um

objetivo, ao repensarmos o ato de ensinar e aprender, acreditando que o sentido do que se

ensina, se constrói à medida que a rede de significados ganha corpo, seja nos questionamentos

sobre as experiências e desejos ou nas necessidades, seja na funcionalidade e razão para se

aprender o conteúdo escolar, perspectivas em que também acreditamos. Os depoimentos

abaixo dos pesquisados confirmam esses vínculos de amizade e interação entre os alunos e

destes com os professores – eles agradecem aos colegas e aos professores, pois o apoio dos

mesmos são considerados pelos sujeitos como um dos fatores decisivos para a permanência e

conclusão dos estudos.

(...) A necessidade de estudar, os professores, as aulas, os colegas, as

amizades... (Daniel)

(...) Os colegas, os professores e a família, não me deixaram desistir.

(Joselma)

(...) Meus professores maravilhosos, as aulas, a classe e os amigos que fiz.

(Queli)

(...) Muitos conselhos dos colegas da sala e dos professores. Se eu soubesse,

tinha voltado antes. (Priscila)

(...) E eu não gostava de estudar e aqui fiz amigos e com ajuda deles e dos

professores consegui chegar até aqui.(Leandro)

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(...)Voltei a estudar algumas vezes e desistia. Desta vez, fui até o fim e os

professores e os colegas foram muito importantes para minha

vitória.(Regina)

Compreender as relações que os nossos sujeitos estabeleceram com o conhecimento é

afirmar que eles se encontram imersos em um espaço propiciador de aprendizagens e que

essas relações definem e são definidoras de sua vida cotidiana: nas situações familiares,

sociais e de trabalho. O saber desses sujeitos encontra-se centrado não apenas em

conhecimentos ditos do senso-comum, mas em saberes adquiridos nos diversos espaços

vivenciados durante a sua trajetória escolar.

Os estudos de Santos (2007) salientam o fato de os sujeitos da EJA estarem imersos em

espaços sociais, portanto, em espaços propiciadores de aprendizagem. Esses espaços impõem

a estes sujeitos inúmeros desafios cotidianos que necessitam ser resolvidos sob uma base

cognitiva. O conhecimento através do processo de escolarização, adquirido pelos sujeitos,

ajudaram-nos também a resolver muitos desafios cotidianos:

Muda muita coisa, porque agora consigo ler e entender documentos, abrir

uma conta no banco, ajudar a minha família e até ganhar mais. (Maria de

Fátima)

Tinha medo de falar e falar errado. Agora leio o jornal, a revista e sei até

trabalhar com o computador. (Vanessa)

Outro fator para que a relação com a escola tivesse um novo significado é o

reconhecimento de que esse espaço é um espaço gerador de conhecimentos e aprendizagens,

aos quais não teriam acesso se não tivessem acesso ao processo de escolarização, passando a

pertencer a uma sociedade letrada. Desmistifica-se, assim, o caráter apenas utilitarista da

E.J.A., visão na qual só teriam valor, para o jovem e para o adulto, os conhecimentos úteis às

suas vivências diárias. Outra visão suplantada diz respeito ao espaço do conteúdo escolar na

Educação de Jovens e Adultos, posto que não ficou limitado a alguns poucos temas. Os

professores conseguiram avançar muito, omo confirma a professora Regina, que lecionou

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97

Língua Portuguesa para os sujeitos da 5ª série do Ensino Fundamental até a conclusão do

ensino médio:

Eu também leciono para as séries do Ensino Fundamental e do Ensino

Médio, do ensino regular, e estes alunos buscavam conhecer mais e sempre

tinha um desfio novo, porque eles queriam e buscavam saber mais”. E

quando tinham dificuldade sempre ajudavam uns aos outros, ou chegavam

mais cedo para perguntar algo ou tirar alguma dúvida. (Professora Regina).

Ou nas palavras do aluno Leandro:

(...) Gostava de questionar os professores nas aulas, para que eles

explicassem vários assuntos que eu via na televisão ou lia nos jornais e nas

revistas. Quero conhecer o Brasil e o mundo. (Leandro)

O aluno adulto tem muito a contribuir para o processo de ensino-aprendizagem, não só

por ser um trabalhador, mas pelo conjunto de ações que exerce na família e na sociedade. De

sua parte, o educando, especialmente o adulto, ao perceber que está sendo tratado como um

agente ativo, participante do processo de aprendizagem, sente-se mais interessado e mais

responsável. A responsabilidade é tão superior nessa concepção que o aluno compreende que

está mudando sua sociedade, sua realidade e a essência de seu país pelo fato de estar mudando

a si mesmo e que a educação que recebe não é favor ou caridade, e sim um direito instituído

conforme parecer 11/2000 que trata das Diretrizes curriculares para Educação de Jovens e

Adultos. Os jovens e adultos que procuram a E.J.A., embora tenham uma bagagem de

conhecimentos adquiridos informalmente, fundados em suas crenças e valores já constituídos,

têm a necessidade de uma educação formal para satisfação de suas necessidades pessoais ou

profissionais.

Como afirma Thompson (2002), o estudante adulto leva para a escola toda a sua

experiência – o trabalho, suas trajetórias de vida, suas relações sociais, e esses aspectos

rompem com a lógica vigente nos processos de escolarização. Essa experiência deveria ser

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98

fundamental para se pensar os tempos, os espaços, os métodos de ensino, a organização do

conhecimento, enfim, o currículo.

(...) a experiência modifica, às vezes de maneira sutil e às vezes radicalmente, todo o processo educacional, além de influenciar os processos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos mestres e dos currículos, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas disciplinas acadêmicas tradicionais e levar à elaboração de novas áreas de estudo. (THOMPSON, 2002, p.13).

Não pode ser desprezada a quantidade de saberes que cada um desses sujeitos possui

em função das suas atividades que realizam ou realizaram. Saberes, que podem não ser

escolares, mas são saberes. Saberes a partir dos quais novos conhecimentos poderão ser

construídos. Uma tarefa fundamental para os professores é conhecer e reconhecer que esses

saberes e habilidades que os alunos e alunas desenvolvem em função do seu trabalho e com a

escolarização ampliam as possibilidades de crescimento profissional.

(...) Vim para São Paulo, trabalhar na construção civil e pedreiro acha que

não precisa estudar. Sempre gostei de marcenaria e para trabalhar lá

precisa ter estudo. Com o meu estudo aprendi a fazer de tudo na marcenaria

e principalmente as medidas. Quero fazer um curso de marcenaria artística.

(Roberval)

Quando perguntamos aos sujeitos se, após o termino do Ensino Médio na E.J.A., eles

iriam continuar os estudos, através dos depoimentos, foi possível constatar os desejos

expressos por eles: conseguir melhores condições de trabalho, fazer cursos de redação ou

reforço para que pudessem ler e escrever melhor, fazer cursos técnicos e alguns pensavam em

fazer um curso superior e estudar para concursos públicos. O grande destaque é que não

pretendiam parar por ali, ou seja, continuariam com os estudos.

Os professores que participam desta pesquisa destacam a participação e atuação dos

sujeitos em sala de aula, que foi a marcante presença dos mesmos nas aulas, pois a turma

composta por trinta e dois sujeitos tinha um reduzido número de ausências. Segundo os

professores Maria, Aparecida, Regina e Marcelo, os alunos eram pontuais, participavam das

aulas, e cumpriam todas as atividades propostas.

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99

Para Dayrell (2001), os alunos têm sempre, ou precisam ter sempre uma razão para

estar na escola, e elaboram projetos individuais, nos quais certamente a escola se inclui. Esses

projetos individuais necessitariam, portanto, serem conhecidos e considerados no espaço

escolar para que se construa uma outra rede de relações: onde não exista aquele que

supostamente sabe e, portanto ensina: o professor é aquele que detém conhecimentos de

mundo, mas não detém o saber escolar.

Segundo Fonseca (2000), esses sujeitos apostam na escolarização também como uma

ação de cuidado consigo mesmos, como um direito a um investimento pessoal adiado pelas

condições adversas em suas vidas (trabalho infantil, casamentos, não acesso à escola, cuidado

com os filhos, etc.) , como projeto de vida ou de valorização pessoal, buscando recuperar sua

auto-estima, podendo ser considerado um resgate pessoal.

(...) Meus filhos estão casados e tenho quatro netos. Fiquei viúva com muita

solidão e doente e uma médica me pediu para eu voltar a estudar e não

parei mais. As doenças sumiram e me sinto útil e importante. Foi

maravilhoso ver toda a minha família na minha formatura. (Rosi)

(...) Foi uma grande experiência voltar a estudar, e isto mudou minha vida,

porque saí do meu mundinho e agora eu quero saber mais, ter mais

informação e entender a história do mundo. (Daniel)

(...) A felicidade que eu tive quando comecei a ler e escrever, a resolver os

problemas pessoais e escrever uma carta e ler documentos e papéis. Agora

eu quero ler tudo: a Bíblia, o jornal, a revista, etc. (Joselma)

(...) Somente depois que me aposentei eu pude voltar a estudar. Sempre tive

vontade de voltar a estudar. (Ariovaldo)

(...) Sempre gostei de ler e escrever e percebi que somente com o estudo

poderia crescer na vida. Fiquei grávida aos quinze anos e estava na quinta

série, e meu marido, dez anos mais velho, me proibiu de estudar e só pude

voltar depois de quinze anos porque ele morreu. O meu esforço pessoal e o

apoio dos meus filhos. E quando decidi voltar eu sabia que iria até o final.

Como gosto de estudar e ler, ficou mais fácil. (Regina)

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100

(...) Casei muito cedo, com quatorze anos de idade, e meus filhos estão

fazendo cursos técnicos e empregados. Meu marido é pastor e sabe ler e

escrever muito bem e está fazendo teologia. Faltava eu dar uma virada na

minha vida. A vontade de aprender e acompanhar meu marido. Ler e

escrever para mim era algo fundamental. Hoje viajo em trabalhos

missionários com meu marido ou sozinha, algo que não fazia antes. Faço

leitura de tudo. Saí daquele mundo limitado pela falta de leitura e pela

religião.(Regina)

Segundo Zago (2000, p. 35), “várias situações de apoio e incentivo podem tornar-se

fatores escolarmente rentáveis na definição de percursos singulares com características

distintas das de colegas da mesma idade e origem social”. Esses fatores podem ser de um

apoio sistemático de um professor, ou como no caso dos nossos sujeitos de vários professores,

pois eles creditam uma grande parcela desse êxito escolar aos professores ou o apoio de

empresas, chefes e patroas.

(...) Minha patroa me incentivou muito e, quando eu pensava em desistir, ela

me dava um prêmio a cada ano que eu terminava na escola. (Maria de

Fátima)

(...) Meu emprego dependia de eu voltar a estudar e a empresa sempre me

deu força para que eu não parasse de estudar. Minha família ajudou muito.

(Maria Eunice)

(...) Eu quero ser pastor da Igreja Presbiteriana e eu precisava do ensino

médio para fazer o curso de Teologia. O meu sonho de ser pastor e os

professores que me ajudaram muito. (Amarildo)

Após análise de como foi construída a nova trajetória escolar desses sujeitos,

verificamos que as palavras que a marcam são inclusão, participação, troca, respeito às

individualidades e a educação como o agente transformador. Temos que concordar com Freire

(1987), ao defender a ideia de que não existe transformação social sem a contribuição da

educação:

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101

O importante do ponto de vista de uma educação libertadora, e não ‘bancária', é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros. (FREIRE, 1987, p. 120)

4.2. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: a família.

Ao lado da escola e do trabalho, a família, conforme os dados coletados, transformou-

se em um dos principais fatores que segundo os sujeitos da pesquisa, que os fizeram voltar,

permanecer e obter sucesso escolar. Dos trinta e dois sujeitos pesquisados, vinte e dois

apontam diretamente a família como incentivadora ou motivadora deste retorno e da conclusão

do Ensino Médio, que nesta pesquisa caracterizamos como sucesso escolar.

A família que anteriormente foi motivo de exclusão do processo inicial de

escolarização, pois, estes sujeitos, tiveram que desistir ou afastar-se do processo de

escolarização em seu processo inicial, ainda quando eram crianças ou jovens, devido a

desestruturação familiar, a entrada no mundo do trabalho para o seu próprio sustento ou

auxiliar no sustento da família, o abandono da escola para cuidar dos irmãos mais velhos e a

gravidez e casamentos precoces.

Os sujeitos da pesquisa apontam a nova família, a que ele constituiu, pois, dos trinta e

dois pesquisados, vinte e seis possuem filhos (dezesseis casados, seis solteiros, três separados

e uma viúva). Esta nova relação familiar e principalmente com os filhos, terão uma grande

importância, porque em suas falas eles afirmaram:

(...) Meus filhos não vão passar pelo que eu passei.(Geraldo).

(...) Ser um exemplo para meu filho. (Gisele)

(...) Um emprego melhor e assim oferecer um futuro melhor para meus

filhos.(Luciana)

Para Lahire (1997) em seu estudo sobre sucesso escolar nas camadas populares sobre

os pais que investem na educação dos filhos, mesmo tendo pouco capital cultural e escolar,

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afirma que: “Quase todos os pais que investigamos, qualquer que seja a situação escolar da

criança, têm o sentimento de que a escola é algo importante e manifestam a esperança de ver

os filhos sair-se melhor do que eles”.(LAHIRE, 1997, p.3)

Fizemos um levantamento da escolaridade dos filhos dos sujeitos pesquisados uma vez

que esses, por diversas vezes, frisaram quanto valorizavam o estudo dos filhos. Pelos dados

apresentados, os filhos dos sujeitos da pesquisa trilharam, ou ainda estão trilhando, um

percurso escolar diferente de seus pais, pois os mais jovens que ainda estão no processo de

escolarização são considerados pelos professores, segundo a fala de seus pais, como bons ou

ótimos alunos e existem casos em que os filhos possuem formação superior.

(...) Meus dois filhos são bons alunos na escola e tiram boas notas. E eu os

ajudo muito para continuarem a estudar. E eles são meu incentivo e não vão

passar pelas dificuldades que eu passei. (Aline Maria)

(...) Somente depois que me aposentei eu pude voltar a estudar. Sempre tive

vontade de voltar a estudar. Meus filhos são enfermeiros, projetistas,

contador, técnico em comunicações. E os pais tinham somente a quarta

série. (Ariovaldo)

(...) Meus filhos também foram um grande motivo para que eu voltasse a

estudar porque eles são ótimos alunos na escola. E a mãe deles precisava

ter estudo também. (Vanessa)

Para Nogueira, Romanelli & Zago (2008), expressões como essas revelam a crença dos

benefícios que o estudo pode oferecer e são carregadas de um valor simbólico e revelador do

lugar ocupado pela escola, não apenas de um emprego de um tempo reconhecido como

necessário para a aquisição de um certificado e saberes fundamentais, mas também como um

lugar que inclui diferentes desejos e subjetividades.

Em relação à escolaridade dos pais dos trinta e dois sujeitos pesquisados, quinze

afirmaram que os pais eram analfabetos, dez disseram que os pais sabiam apenas escrever o

próprio nome, cinco que os pais estudaram e concluíram a primeira série do Ensino

Fundamental e dois concluíram a terceira série.

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Esses sujeitos receberam de seus pais uma herança marcada pela exclusão escolar e

pela desigualdade social, econômica e problemas familiares, e mesmo não tendo um capital

escolar e um capital cultural dado e valorizado pela escola, eles investiram na escolarização

dos filhos e colocaram para eles projetos de vida que passavam obrigatoriamente pela

valorização da escola e da escolarização. (...) “Famílias fracamente dotadas de capital escolar,

apresentam uma escolaridade bem acima da de seus familiares (pais, avós e tios)”.(LAHIRE,

1997, p. 343).

Esses sujeitos e seus filhos vislumbraram, no processo de escolarização, a

possibilidade de uma mudança em seus destinos e de ascensão social, através da escola, ou nas

palavras de Bourdieu (1998, p. 46):

É a escolha do destino, pois, as atitudes dos membros das diferentes classes sociais, pais ou crianças e, muito, particularmente, as atitudes a respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos são, em grande parte, a expressão do sistema de valores implícitos ou explícitos que eles devem à sua posição social.

Segundo Bourdieu (1998), quanto maior for o êxito do filho em cumprir a vontade

paterna que deseja seu sucesso, maior será seu fracasso "mais contundente será o assassinato

do seu pai, maior será sua separação dele" (BOURDIEU, 1998, p. 234). No caso dos sujeitos

aqui analisados com esse retorno e conclusão do Ensino Médio, eles ultrapassaram a

escolaridade de seus pais. Assim, eles superaram ou “mataram os pais”, o que ocorrerá com

eles quando seus filhos os ultrapassarem em seus estudos.

Inversamente, muitos dos nossos sujeitos possuem irmãos que optaram, como os pais,

por não iniciar ou não dar sequência aos estudos. Esses indivíduos poderiam encaixar-se entre

aqueles que Bourdieu (1998, p. 234) declara que "quanto maior for seu fracasso, maior será

seu êxito”, como se a posição dos pais encarnasse um limite a não ultrapassar, realizando,

assim, a vontade inconsciente do pai, que, no sentido ativo, não pode desejar totalmente a

própria negação.

A recusa em ultrapassar o limite do pai pode ser vista na opção pela profissão, porque

muitos sujeitos afirmaram que não queria que seus filhos tivessem a mesma profissão que eles

exercem, ou seja, pedreiros, empregadas domésticas, porteiros, etc.

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De acordo com Bourdieu (1998), a sucessão, ou seja, a superação da posição social

alcançada pela família envolve dois aspectos. Um deles diz respeito aos fatores psíquicos

relacionados à ultrapassagem do pai: ao mesmo tempo em que isso é desejado, por pai e filho,

fazê-lo significa "matar" o pai; ou seja, realizar o sonho familiar de ascender socialmente pode

ser vivido psicologicamente como uma negação dos valores, costumes familiares, enfim, como

uma ruptura com a própria família.

Para Zago (2000), a atitude desses sujeitos e seus filhos em relação à escola, é um tipo

de relação intergeracional, cuja lógica fundamental orientadora é a da emancipação da herança

familiar, não a de sua reprodução. O primeiro elemento desse fenômeno é o de que o filho se

autoriza a “deixar” a família, e a se distanciar cultural e socialmente dos pais. Em segundo

lugar, os pais autorizam os filhos a se emanciparem. Finalmente, um reconhecimento

recíproco, entre pais e filhos, de que “a história do outro é legítima, sem ser a sua”.

A ausência de uma capital escolar mais elevado por parte dos pais, nesse caso, é

compensada pela presença de um ethos familiar muito coerente, posto em prática com grande

regularidade, o que nos permite compreender e justificar a história de sucesso escolar desses

sujeitos.

Para Bourdieu (1998), a posse de certo capital cultural e de um ethos familiar

predisposto a valorizar e incentivar o conhecimento escolar seriam importantes elementos para

se alcançar um sucesso acadêmico. Ou seja, “na realidade, cada família transmite a seus filhos,

mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de

valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras

coisas, as atitudes em face do capital cultural e da instituição escolar” (BOURDIEU, 1998, p.

42). Nesse sentido, crianças mais abastadas e com maior acesso aos bens culturais seriam

aquelas que teriam as maiores chances de obter um bom desempenho escolar.

As atitudes com relação à escola, com a cultura escolar e a noção de que os estudos

podem oferecer no futuro, estão muito fortes nas classes médias e, portanto, as crianças desses

meios recebem não só os encorajamentos e exortações ao esforço escolar, “mas também um

ethos de ascensão social e de aspiração ao êxito na escola e pela escola” (BOURDIEU, 1998

P. 48). Podemos afirmar, então, que, nessas famílias, a preocupação primária recai sobre o

projeto escolar dos filhos, projeto este voltado para a obtenção de um lugar privilegiado no

sistema escolar. Esse pensamento que, segundo Bourdieu, está mais ligado às classes médias,

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também foi incorporado pelos sujeitos desta pesquisa e por seus filhos que pertencem às

classes populares. Pode-se observar essa atitude, através destes depoimentos colhidos em

entrevista com os dois alunos mais velhos do grupo o Senhor Ariovaldo e a Senhora Simônica:

Graças a Deus, eu posso sustentar minha família e meus filhos todos

primeiro estudaram, para depois eles começarem a trabalhar. Trabalhei

muito para não faltar nada para eles. Paguei cursos de computação e teve

outros que fez cursos de inglês e cursos técnicos. Foi um dinheiro muito bem

gasto. (Ariovaldo)

Dos meus quatro filhos, todos fizeram Ensino Médio. E eles têm boas

profissões, e o quanto eu pude ajudar eu ajudei. Sempre achei, mesmo sem

ter estudo que eles só teriam uma vida melhor se estudasse. E hoje eles têm

bons empregos.(Simônica).

Nesta pesquisa, em concordância com as afirmações de Nogueira, Romanelli & Zago

(2008), a trajetória escolar desses alunos da E.J.A. e a mobilização familiar26 que os envolveu

foram marcadas pela imprevisibilidade e pela autodeterminação. Podemos concluir, à primeira

vista, que essas trajetórias supõem um querer e uma autodeterminação imbatíveis, sobretudo

dos filhos, condição sine quanon de produção de sobrevida escolar em meios populares.

Definindo capital cultural como princípio socializador mais adequado ou próximo ao

mundo escolar, Lahire (1997) afirma que não é possível entender as posições escolares dos

alunos como reprodução necessária e direta das condições sociais, econômicas e culturais de

suas famílias, nem as situações estudadas encontram explicação via transmissão da herança

cultural familiar. A lógica reprodutivista e a noção de "transmissão" não refletem o trabalho

ativo e complexo de apropriação e construção, pelos indivíduos, de grande variedade de

fatores que redunda na diversidade dos perfis apresentados.

Assim, para Lahire, são as características da organização familiar que explicam

trajetórias escolares bem-sucedidas na inexistência – total ou parcial – de capital cultural.

26 Portadora do sentido de luta e engajamento direcionados para um determinado fim, essa noção, paulatinamente, foi estendida para identificar e descrever atitudes e intervenções práticas das famílias, voltadas sistemática e intencionalmente para o rendimento escolar – comportamentos e condutas familiares.

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Mesmo quando esse capital existir, para sua apropriação, são necessárias interações efetivas e

afetivas, isto é, não basta a escolarização do pai ou da mãe, é preciso que o detentor desse

capital escolar esteja disponível, tanto objetiva quanto subjetivamente, de forma a possibilitar

as adequadas condições para que o capital possa ser herdado.

Lahire (idem) procura explorar com cuidado a complexa rede de determinação dos

fatores relativos ao sucesso escolar dos segmentos populares. Assumindo uma nova

perspectiva metodológica, o autor revela uma abordagem circunstanciada da interdependência

de elementos nas configurações familiares e escolares que explicariam, em tese, um sucesso

escolar improvável.

Oposto metodologicamente a Bourdieu, Lahire considera em sua pesquisa as práticas

culturais dos indivíduos dentro do grupo e individualmente. O caráter central de sua pesquisa

é: (...) trazer a luz o caráter central das margens e das exceções estatísticas, e mostra que as estruturas mais fundamentais do mundo social manifestam-se tanto nos indivíduos como nos grupos que eles compõem, tanto nas variações intra-individuais e interindividuais quanto nas variações intergrupos. (LAHIRE, p. 2006, p. 18).

As famílias dos sujeitos desta pesquisa manifestaram seu desejo de valorizar e investir

no processo de escolarização de seus filhos, e este desejo manifestou-se também nos

indivíduos que, influenciados, investiram e retomaram seu processo de escolarização.

Para Lahire (1997), os casos de sucesso escolar nos meios populares, como o grupo de

alunos da Escola Estadual Lenita Camargo, que nesta pesquisa são analisados, são casos

singulares, não com o sentido de casos excepcionais, mas de “combinações sempre específicas

de traços gerais pertinentes, sínteses inéditas, à imagem da linguagem musical, onde se assiste

a uma série de variações sobre temas mais ou menos comuns”. Isso implicaria na necessidade

de desconstruir as realidades que os indicadores objetivos nos propõem, a heterogeneizar o

que havia sido, forçosamente, homogeneizado em uma outra construção do objeto ou a

necessidade da construção de contextos mais precisos. (LAHIRE, 1997, p.33)

Conforme o conceito de configuração social desenvolvido por Norbert Elias e

retomado por Bernard Lahire (1997), as explicações para o sucesso e para o fracasso são

encontradas no modo como, em uma configuração familiar específica, os indivíduos se

apropriam dos saberes, práticas e disposições transmitidas pela família. Lahire (1997) define

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configuração social como “o conjunto de elos que constituem uma ‘parte’ (maior ou menor) de

realidade social concebida como uma rede de relações de interdependência humana”.(Lahire,

1997, p. 39-40)

Assim, destacamos, por um lado, a pertinência da noção de configuração social para o

estudo de casos de longevidade escolar em meios populares. Entendemos que uma das maiores

vantagens desse modo de abordagem é a de dar visibilidade a dimensões significativas do

processo de construção das situações de longevidade escolar, tais como as relações finas que

se estabelecem entre os protagonistas das estórias, pouco visíveis em outras formas de

construção científica. Por outro lado, mostram-se também pertinentes os parâmetros ou traços

estruturantes da análise adotados, uma vez que eles possibilitam a identificação de

características centrais das escolaridades investigadas.

Lahire (idem) chama atenção ainda para as condições de estabilidade econômica como

um fator tranquilizador importante no universo das configurações familiares, ou seja, uma

certa tranquilidade, uma relativa distância das emergências da sobrevivência material. Todos

os sujeitos desta pesquisa estão empregados; alguns disseram que possuem uma pequena

reserva financeira sempre assegurada para a manutenção de uma organização doméstica. Os

sujeitos possuem casa própria ou moram com os pais, recebem salários pequenos, mas que não

diferem muito da realidade brasileira. Eles oferecem aos filhos algo que eles não tiveram

quando criança ou jovem, como podemos perceber no depoimento da Senhora Simônica:

(...) “Eu fico tranqüila e feliz, porque meus filhos têm hoje o que eu nem

sonhava em ter e que nunca tive, principalmente o estudo”. (Simônica)

Essa estrutura familiar material e temporariamente ordenada proporcionou aos sujeitos

desta pesquisa uma série de apoios e incentivos que os ajudaram a voltar permanecer e

concluir os estudos. Como podemos observar através dos seguintes depoimentos:

Tive um grande incentivo e auxílio dos meus filhos e dos meus netos que me

ajudavam nas lições. (Rosi)

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O meu esforço pessoal e o apoio dos meus filhos. E quando decidi voltar eu

sabia que iria até o final. Como gosto de estudar e ler, ficou mais fácil.

(Regiana)

A força que minha filha e minha mãe que não sebe ler e escrever me deu

durante o curso. E a conclusão deste curso é uma das maiores vitórias da

minha vida. (Aline)

Minha família ajudou muito. (Maria Eunice)

O apoio da minha filha Larissa, que me ajudava a fazer as lições.

Para Dubet (1996), a linearidade dos procedimentos, a similaridade dos códigos de

convivência entre pais e filhos e entre autoridades escolares e alunos são condições que

possibilitam uma harmonia de propostas, ou seja, uma coerência de projetos pedagógicos que

podem ajudar em uma maior produtividade escolar. Para esta pesquisa, foi importante salientar

que a coincidência de projetos educativos entre os sujeitos e suas famílias, em conjunto com a

escola, foi um importante fator de socialização para o sucesso acadêmico dos sujeitos

pesquisados.

É preciso estar atento também para as formas familiares de investimento pedagógico.

Elas se referem ao empenho da família em um projeto de ascensão social via sistema de

ensino. Nas conversas com os sujeitos, eles destacaram o investimento feito no estudo dos

filhos e na continuação dos estudos deles próprios, através de cursos técnico-

profissionalizantes, de aperfeiçoamento profissional e de concorrência por uma vaga nas

Escolas Técnicas Estaduais da Região. É possível observá-las também na valorização do

trabalho da escola ou na participação familiar em reuniões de pais, etc.

Esse é outro fator que marca as relações familiares deste sujeitos, pois, com sua

participação na vida escolar dos filhos, eles eliminam o que Lahire (1997) denomina de “o

mito da omissão parental” produzido pelos professores – que responsabilizam, geralmente, os

pais pelo fracasso escolar das crianças, pois os consideram omissos e negligentes em relação à

sua vida escolar de seus filhos.

Setton (2005), trabalhando com as ideias de Lahire (idem), propõe um novo elemento

importante para a configuração de um eixo familiar estável, o que ela denomina de condições

e disposições dialógicas, que segundo a autora é:

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109

(...) “uma estabilidade de natureza psicológica também fundamental para garantir uma estrutura familiar com relações predispostas ao diálogo, à conversa, a uma abertura para trocas de experiências. Uma configuração familiar em que se valoriza o conforto psicológico, a segurança afetiva, o reconhecimento de emoções e dificuldades ao longo da trajetória de crescimento dos filhos”. (SETTON, 2005, p. 84).

Conforme a autora, se nos juntarmos às condições e disposições de ordem material,

aliadas às disposições de ordem psicológica dos sujeitos desta pesquisa, teremos os fatores

relevantes para se pensar essas trajetórias estudantis de sucesso. O diálogo cotidiano, a

abertura para se ouvir e trocar informações sobre o futuro, a sensibilidade para escutar sobre

planos e investir em expectativas de carreira parecem ser comuns em alguns núcleos

familiares. Foi possível identificar que o incentivo, o empenho, o crédito dado aos filhos com

trajetória acadêmica valorizada, foram pontos de apoio relevantes para o desenvolvimento de

condições de confiança e de auto-estima por parte dos indivíduos que são o foco desta

pesquisa.

Agora eu converso com pessoas da minha família e amigos, que estão na

mesma idade que eu, sobre cursinho, Escola Técnica e outros assuntos, que

eu aprendi na escola.(Aline)

Tinha medo de falar e passar vergonha, mas agora eu tenho um futuro que o

estudo me deu, melhorou minha fala, minha escrita, minha leitura, eu tenho

um emprego legal, só não posso errar mais na minha vida. Chega!.(Queli)

Os sujeitos, após seu processo de escolarização, possuem condições que certamente

favoreceram e favorecem o contato, a troca de estímulos e, portanto, a transmissão mais

assegurada de valores culturais identitários. Nesse sentido, existem condições ideais para a

transmissão e/ou interiorização de uma herança, de um capital moral, ético e cultural,

valorizado socialmente.

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4.3. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o trabalho.

A Educação de Jovens e Adultos é um direito humano fundamental em um mundo em

constante transformação, conforme a Declaração de Hamburgo. O desafio que se apresenta aos

países é garantir esse direito àqueles que não tiveram a oportunidade de aprender ou não têm

acesso à escola. A Declaração de Hamburgo aponta que, em decorrência das transformações

ocorridas com a globalização da economia, das mudanças nos padrões de produção, do

desemprego crescente e da dificuldade em levar uma vida estável, são necessárias ações

políticas trabalhistas mais efetivas e também investimentos em educação (BRASIL, 1998, p.

95).

A intenção é permitir que “[...] homens e mulheres desenvolvam suas habilidades e

possam participar do mercado de trabalho e da geração de renda”. Nesse processo de

transformações, afirma-se que o desenvolvimento de novas tecnologias nas áreas de

informação e comunicação tem trazido a possibilidade de novos tipos de exclusão social para

aqueles (indivíduos ou empresas) que não conseguem a elas se adaptar. Assim, “uma das

funções da educação de adultos, no futuro, deve ser a de limitar esses riscos de exclusão, de

modo que a dimensão humana das sociedades da informação se torne preponderante”

(BRASIL, 1998, p. 95).

No relatório que Delors (1999) fez para a UNESCO, conhecido como Relatório

Delors27, quando trata da relação entre educação e o mundo do trabalho, ele afirma que a

educação

não serve, apenas, para fornecer pessoas qualificadas ao mundo da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente econômico, mas enquanto fim último do desenvolvimento”. Fundamentando-se na concepção de educação permanente, idéia essencial de nossos dias, defende que “[...] deve ir além de uma simples adaptação ao emprego, na concepção, mais ampliada, de uma educação ao longo da vida (DELORS, 1999, p. 85).

27 Jacques Delors, economista e político francês e ex-presidente da Comissão Européia,coordenou o relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Esse Relatório está publicado em forma de livro no Brasil, com o título Educação: Um Tesouro a Descobrir(UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999)

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111

No Brasil, a Educação de Jovens e Adultos, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – L.D.B.E.N. 9394/96, nos artigos 37 e 38, apresenta-se como uma

modalidade de ensino a ser oferecida a todos os cidadãos, potencialmente trabalhadora,

constituída por jovens e adultos, que não tiveram acesso à educação em idade própria

(SAVIANI, 2003).

Tal acessibilidade teria que atender as etapas do ensino fundamental e médio,

assegurando metodologias, currículos e preparação de educadores adequados às múltiplas

necessidades dos alunos. A realidade dos alunos que frequentam a EJA é bastante complexa e,

ao mesmo tempo, diversa, apresentando características e especificidades que não podem ser

desprezadas no cenário educacional. O parecer do Conselho Nacional de Educação – C.N.E.

11/2000, das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos, define

esses alunos como:

(...) homens e mulheres, trabalhadores empregados e desempregados ou em busca do primeiro emprego; filhos, pais e mães; moradores urbanos de periferias, favelas e vilas. São sujeitos sociais e culturais marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura. (...) Trazem a marca da exclusão social, mas são sujeitos do tempo presente e do tempo futuro, formados pelas memórias que os constituem enquanto seres temporais (...) Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, quando crianças, em função da entrada precoce no mercado de trabalho, ou mesmo, por falta de escolas. Jovens e adultos que, quando retornam à escola, o fazem guiados pelo desejo de melhorar de vida ou por exigências ligadas ao mundo do trabalho. São sujeitos de direitos, trabalhadores que participam concretamente da garantia de sobrevivência do grupo familiar ao qual pertencem. (C.N.E., 2000, p.9).

A E.J.A. é uma educação da classe trabalhadora, sobretudo porque representa uma

expressiva parcela de indivíduos que, mesmo possuindo as mais diversas experiências e

histórias de vida (mulheres, homens, jovens, migrantes, etc.) têm a existência marcada por

situações adversas de produção da própria existência e pela entrada precoce no mundo do

trabalho e consequentemente o seu afastamento da escolarização.

Tomamos como especificidade a classe trabalhadora, aqui representada pelo grupo

alunos da EJA da Escola Estadual Professora Lenita Camargo, foco de nossa pesquisa e que

foram inseridos de forma precária no mundo do trabalho com pouca, ou nenhuma,

escolarização e, consequentemente, baixa qualificação, que os levaram a empregos precários

que não necessitavam de muita escolarização. Vale salientar e não desprezar a quantidade de

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112

saberes que cada um desses alunos-trabalhadores possui em função das atividades que

realizam ou realizaram. Saberes, certamente, não-escolares, mas saberes que são muito

importantes dentro desse processo de volta aos bancos escolares. Como podemos perceber na

fala da professora Maria:

Cada um tinha uma profissão, e no começo tinham vergonha de falar o que

fazia. Mas eu e a Cida, sempre preparávamos atividades que falavam destas

profissões, pois, queríamos também um resgate e uma valorização desta

profissão, e que com o estudo ele poderia mudar de trabalho ou melhorar

dentro da sua profissão.

Para compreendermos melhor como o mundo do trabalho dentro de uma sociedade

capitalista recebe e define estes sujeitos, recorremos à afirmação de Saviani (apud

VENTURA, 2010, p. 08):

O mundo do trabalho constitui o trabalhador como uma marca da sociedade de classes e, em especial, da sociedade capitalista, na qual os possuidores dos meios de produção e seus representantes são considerados detentores do saber científico, enquanto aos vendedores de força de trabalho cabe o saber prático, adquirido na experiência do trabalho precarizado.

Quando criança, ou jovem, a escola não era sua ocupação principal, pois precisavam

trabalhar, para seu sustento ou o da família. Por que o mundo do trabalho os fez voltar à

escola? Através de alguns depoimentos dos pesquisados encontramos as respostas para esta

pergunta. Os sujeitos falam:

Comecei a perceber que boas oportunidades de trabalho eu teria somente

teria se voltasse a estudar.Mesmo me achando velha voltei. (Simônica)

Eu procurava emprego e não conseguia porque não tinha terminado nem o

ensino fundamental. (Carla)

Eu voltava a estudar ou perderia o emprego. (Aparecida)

A necessidade de aprender mais, ganhar mais, crescer e virar um mestre de

obras com estudo e não somente no papel. (Ariovaldo).

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113

Sou cabeleireira e manicure e preciso do estudo para fazer o curso de

esteticista. (Aline)

Eu preciso do estudo para ser mecânico profissional. (Leandro)

Não quero ser doméstica minha vida inteira. (Queli)

Através dos depoimentos dos sujeitos analisados nesta pesquisa, percebemos que são

trabalhadores que retornaram à escola e acolheram esse desafio em busca de alcançar um novo

conhecimento com o intuito de vencer os obstáculos impostos pelas circunstâncias de suas

vidas, baseando-se na educação como um bem individual, pois cada um tem o seu

conhecimento e, por meio da educação escolar, poderá lapidá-lo e produzi-lo de forma

coletiva na sociedade. O maior desafio foi permanecer na escola sem interrupções e construir

o novo conhecimento.

A necessidade de aprender mais, ganhar mais, crescer e virar um mestre de

obras com estudo e não somente no papel. (Armando)

Minha vida mudou e muito mesmo, porque eu consegui terminar meus

estudos e quero aprender mais e tenho uma profissão. (Marcelo)

Com o meu estudo aprendi a fazer de tudo na marcenaria e principalmente

as medidas. Quero fazer um curso de marcenaria artística. (Roberval)

Mudou muito porque agora eu posso aliar o conhecimento técnico que tenho

com o estudo que alcancei. (Sandro)

Mudou porque hoje eu sei ler e escrever muito bem e fui considerada uma

das melhores alunas da classe. Criei meus filhos sozinha e agora posso até

deixar de ser doméstica e buscar outra profissão. (Sandro)

A empresa que trabalho se o funcionário termina a oitava série ele tem um

aumento, e isto ocorre também quando ele termina o ensino médio.

Aumentaram meu salário duas vezes. (Maria Eunice)

Eles pleiteiam, como se pode observar, um emprego digno não somente por questões

econômicas, mas também como direito de autonomia pessoal e dignidade. Para eles, o

emprego é lugar privilegiado para garantir a sobrevivência e um elemento essencial de sua

Page 114: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

114

localização no espaço social. Eles expressam em suas falas o desejo de um emprego que lhes

assegure um ganho e, se possível, lhes permita executar um trabalho em que se reconheçam e

que sejam valorizados.

À luz dessas considerações, não podemos negar que a educação é fator estratégico na

inserção do mundo do trabalho, principalmente para os jovens e adultos habitantes da periferia,

pois eles dão um valor e um novo significado ao novo processo de escolarização e veem nele um

papel importante para reduzir as desigualdades sociais, na inserção social e de uma nova

reinserção no mundo do trabalho.

O fato de concluir seu processo básico de escolarização (Ensino Fundamental e Médio)

garante a esses sujeitos vários direitos, ou seja, a possibilidade de ter melhores ganhos salariais,

promoções, novas oportunidades de mudança para empregos mais qualificados, valorização

pessoal, etc. É pelo trabalho e por sua realização cotidiana que o trabalhador se reconhece na

sociedade, pois essa é uma ação fundante, que transforma as suas condições socioeconômicas.

Quando me separei comecei como lavadora de ônibus e, com a oitava série,

fui promovida para cobradora de ônibus. E com o ensino médio, posso

concorrer a uma vaga de fiscal. (Regina Mara)

A empresa que trabalho se o funcionário termina a oitava série ele tem um

aumento, e isto ocorre também quando ele termina o ensino médio.

Aumentaram meu salário duas vezes. (Maria Eunice)

Minha patroa me incentivou muito e, quando eu pensava em desistir, ela me

dava um prêmio a cada ano que eu terminava na escola. (Maria de Fátima)

Tenho mais confiança e estou tentado um emprego melhor. As

oportunidades estão aparecendo. (Luiz)

Estou desenvolvendo novas funções no meu trabalho, porque auxilio no

atendimento e na entrega de mercadorias. (Érica)

Aumentaram meus conhecimentos, fui promovido na construtora e melhorou

meu padrão de vida. (Armando)

Mudou muito, porque eu agora sei ler e escrever e consigo preparar alguns

pratos mais sofisticados no restaurante onde trabalho.

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Conforme Paiva (2000), a educação tem que assegurar o desenvolvimento integral da

personalidade e suas potencialidades podendo ser reveladas e desenvolver-se. O ser humano é capaz de

transformar um produto em um sentido completo. Todo um universo de necessidade vem à tona nessas

condições, ativando o indivíduo em todas as esferas da vida social, inclusive consumo, prazer, criação

e cultura. A educação é a mais importante ferramenta para transformação da vida das pessoas,

porém não sozinha e nem do jeito ela que vem sendo constituída.

Toda ação educativa é ação humana e a educação não ocorre isolada de outros processos

sociais; por isso, a formação principalmente do aluno-trabalhador que pertence a E.J.A. deve ser

compreendida como a própria tentativa de mudança e posicionamento do ser social em relação ao

capital. E continua: “É preciso lembrar que nas sociedades capitalistas os trabalhadores são

historicamente destituídos de possibilidades de incorporar-se ao mundo da educação, ou de

manter simultaneamente as duas condições: de aluno e trabalhador. A E.J.A. se propõe

justamente, a mudar essa situação” (Paiva, 2000, p.150).

Não podemos esquecer que, para mudar o cenário da E.J.A., é importante não apenas

escolarizar mecanicamente os alunos-trabalhadores, mas cobrar do Estado que seja cumprida a

dívida social que existe para com esses sujeitos. Muitas ações da E.J.A. precisam ser repensadas,

principalmente como vêm sendo executadas na escola, pois esses sujeitos merecem e têm o direito

de receber uma educação de qualidade. Segundo Ferrari (2001, p. 07), a função da escola para a

E.J.A. é:

Cabe à escola conjugar, ao mesmo tempo, os conteúdos do ensino e as disciplinas

escolares com o gosto pela verdade, o espírito crítico, a consciência de suas responsabilidades sociais, objetivando a conquista da autonomia da pessoa do jovem e adulto, fortalecendo a postura de cada um e a consciência do grupo enquanto cidadãos e priorizando o respeito por si mesmo e pelos outros.

O retorno à escola é compreendido por vários alunos trabalhadores da E.J.A. como algo

importante, pois para eles está claro que a educação escolar é primordial, devido à grande

competitividade e à mecanização do mercado de trabalho. No relato de Geraldo, podemos verificar

a importância da E.J.A. para estes sujeitos:

Sou motorista de caminhão e precisava do estudo para acompanhar as

transformações do meu trabalho.A empresa que trabalho comprou

caminhões computadorizados que só faltavam falar e com o estudo estou

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116

conseguindo acompanhar estas modificações e fazer os relatórios das

viagens. (Geraldo)

Para Ventura (2010), o mundo do trabalho segue as regras do sistema capitalista,

acarretando uma maior competitividade no acesso a um posto de trabalho, o que se torna mais

difícil para as pessoas com baixo grau de escolaridade, pois, na grande maioria dos casos, as

oportunidades de trabalho são destinadas para atender a funções específicas e que demandam

qualificações.

Mileto (2009) afirma que a educação é o instrumento que vai permitir às pessoas

buscarem uma melhoria de vida, capacitando-se para competir no mercado de trabalho bem

como reconhecer seus direitos.

Para que aumentem as possibilidades individuais de educação, e para que se tornem universais, é necessário que mude o ponto de vista dominante sobre o valor do homem na sociedade, o que só ocorrerá pela mudança de valoração atribuída ao trabalho. Quando o trabalho manual deixar de ser um estigma e se converter em simples diferenciação do trabalho social geral, a educação institucionalizada perderá o caráter de privilégio e será um direito concretamente igual para todos (MILETO, 2009, p.37).

Com o crescimento social, a mudança econômica e o avanço tecnológico, as pessoas se

sentem obrigadas a procurar a escola na tentativa de conseguir um emprego na cidade,

melhorar seu padrão de vida ou manter-se atualizado (GARCIA, 2004).

As mudanças ocorridas no mercado de trabalho, no entanto, vêm exigindo mais

conhecimentos e habilidades das pessoas, assim como atestados de maior escolarização,

obrigando-as a voltar à escola básica, como jovem, ou já depois de adultos, para aprender um

pouco mais ou para conseguir um diploma.

A demanda por mão de obra mais escolarizada e mais qualificada é uma das

exigências da economia mundial que, desde fins da década de 1980, é regida pelo neoliberalismo. Outros fatores considerados pelos estudiosos, como a redução do papel do Estado nas áreas sociais (a educação é um exemplo), a reestruturação do trabalho, o desemprego estrutural e o aumento do emprego informal vieram afetar dramaticamente os setores mais empobrecidos da sociedade. Certamente, os reflexos produzidos a partir da articulação desses fatores mostram-se mais perversos nos países de economia periférica, como é o caso do Brasil, obrigando uma parcela da população a buscar a escolarização como forma de reclassificação social e pessoal”. (LARANJEIRA, 2010, p.10).

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Podemos confirmar as palavras de Mileto, Garcia, Laranjeira e Ventura, através das

seguintes falas:

Tudo, porque sou uma pessoa melhor e agora tenho oportunidades e portas

que se abriram para mim.( Gisele)

Para Santos (2007), um dos maiores desafios que os alunos-trabalhadores encontram é

o cansaço, tanto físico quanto mental. Apesar de eles terem dificuldades em conciliar a escola

e o trabalho, é possível que possam ver a escola como um espaço de compreensão de

conhecimento, e se posicionar frente à exploração do capital, se entendendo enquanto

trabalhador e sujeito de sua própria história. Santos (idem) menciona que os alunos da EJA

fazem um sacrifício obrigatório e necessário para frequentar a escola depois da jornada de

trabalho. No depoimento de Roberval, podemos ter uma noção deste sacrifício:

O esforço e a dedicação da minha esposa e dos meus filhos. Foi uma luta

vencer o sono e o cansaço. (Roberval)

O depoimento de Roberval retrata bem a afirmação de Zago (2000, p. 39): “... para

permanecer na escola são feitos grandes sacrifícios, pois ser estudante não é um ofício que

possa ser exercido sem ônus”. Para Nogueira, Romanelli & Zago (2008), o auxilio da família é

muito importante para que os sujeitos possam conciliar as atividades escolares e trabalho, como

podemos observar através do seguinte depoimento:

Mudou porque hoje eu sei ler e escrever muito bem e fui considerada uma

das melhores alunas da classe. Criei meus filhos sozinha e agora posso até

deixar de ser doméstica e buscar outra profissão.(Vanessa)

No relatório preliminar da VI CONFITEA foi definida a importância da Educação de

Jovens e Adultos especialmente para as mulheres:

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as mulheres que estudam na educação de jovens e adultos trabalham em casa ou fora, trabalham na economia formal e requerem um trabalho decente, sustentável e oportunidades para continuar aprendendo, melhorar suas capacidades, bem como a possibilidade de melhorar suas qualificações para proteger ou promover as oportunidades de ganhar a vida e obter satisfação no trabalho. Elas constituem a maioria dos trabalhadores mal remunerados por seu trabalho. São ativas e em grande número na economia informal, e atualmente estão se transformando em chefes de família. As mulheres são a população prioritária para o desenvolvimento de políticas em torno ao trabalho decente, à previdência social, à educação e ao desenvolvimento. (CONFITEA, 2009, p. 07)

Observamos, nos relatos dos alunos trabalhadores da E.J.A. da Escola Estadual

Professora Lenita Camargo, a grande realização que o processo de escolarização fez e faz em

suas vidas e aqui, especialmente, no mundo trabalho.

4.4. O que os fez voltar, permanecer e obter sucesso escolar: o capital cultural.

Um conceito-chave na teoria de Pierre Bourdieu é o de capital cultural. Elaborado na

década de 1960, esse conceito impôs-se como uma forma de explicar as diferenças de

rendimento escolar obtido por crianças de classes sociais distintas; e, em consequência, opor-

se às explicações provenientes da teoria do capital humano e da crença na existência de

"aptidões" (BOURDIEU, 1998). Contrariamente às afirmações de que as desigualdades no

desempenho escolar seriam devidas a fatores econômicos ou a "dom", Bourdieu (idem, p. 74)

afirmou que essas desigualdades são frutos da distribuição, também desigual, do capital

cultural entre as classes e as frações de classes: "O rendimento escolar da ação escolar

depende do capital cultural previamente investido pela família".

Bourdieu (1998) afirma que a maioria das propriedades do capital cultural pressupõe

sua incorporação, estando, portanto, ligada ao corpo e à subjetividade. Assim, esse capital é

algo que, apesar de herdado, se torna parte inerente ao próprio indivíduo. O capital cultural é

um “ter” que se tornou “ser”, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da

“pessoa”, um habitus. Aquele que o possui “pagou com sua própria pessoa” e com aquilo que

tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital “pessoal” não pode ser transmitido

instantaneamente; não pode ser acumulado para além das capacidades de apropriação de um

agente singular; depaupera e morre com seu portador. (NOGUEIRA, 1998, p.75).

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119

É o capital cultural incorporado pelo conjunto da família que a levará à apropriação do

capital cultural objetivado, que só acontece sem atraso e sem perda de tempo em membros de

famílias dotados de forte capital cultural. As classes e/ou grupos sociais detentores de um

fraco capital cultural terão, assim, um distanciamento significativo do capital cultural

objetivado, exigindo a superação de um tempo perdido, uma vez que será necessário gastar

tempo para corrigir os efeitos desta carência, isto é, corrigir seus efeitos em relação às

exigências do mercado escolar. É o nível cultural global do grupo familiar que mantém a

relação mais estreita com o êxito escolar da criança (NOGUEIRA, 1998, p.42) .

O capital cultural objetivado, além de uma apropriação material, que pressupõe a posse

de capital econômico, visto que passa por suportes materiais como escritos, pinturas, acesso a

espaços culturais, traz uma apropriação simbólica que só existe e subsiste a partir do capital

incorporado dos agentes que, no campo das classes sociais, em lutas no campo cultural, obtêm

benefícios proporcionais à apropriação que possuem.

No caso dos sujeitos desta pesquisa, a noção de capital cultural vem dar conta da

desigualdade do desempenho escolar destes jovens e adultos que, em suas histórias de vida,

não tiveram essa possibilidade em sua família e na escola, um habitus próximo àquele das

classes dominantes. Esses jovens e adultos descobriram, em suas práticas sociais, o valor da

cultura como forma de ascensão profissional, social e de realização pessoal. Através deles,

inicia-se uma nova geração, pois, a sua volta aos bancos escolares já os fazem valorizar o

processo de escolarização de seus filhos. Esses sujeitos e seus filhos, certamente, tiveram que

empreender esforços redobrados em relação aos seus filhos e filhas, para superar a dominação

e exclusão a que a falta da cultura legitimamente reconhecida submete. O depoimento de

Daniel exemplifica como o capital cultural adquirido com a escolarização mudou a sua vida:

(...) “Foi uma grande experiência voltar a estudar, e isto mudou minha vida,

porque saí do meu mundinho e agora eu quero saber mais, ter mais

informação e entender a história do mundo”. (Daniel)

Mas, é na consecução de diplomas que o capital cultural assume sua institucionalização

através do certificado escolar, que confere ao seu portador um valor convencional, constante e

juridicamente garantido no que diz respeito à cultura. A alquimia social produz uma forma de

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120

capital cultural que tem uma autonomia relativa em relação ao seu portador e, até mesmo, em

relação ao capital cultural que ele possui, efetivamente, em um dado momento histórico

(BOURDIEU, 2007, p.78).

A comparação entre os diferentes tipos de diplomas e de diplomados estabelece a

relação entre o capital cultural e o capital econômico e sua consequente valorização material e

simbólica, correlacionada às avaliações que lhe forem imputadas pelo meio social.

Os sujeitos aqui analisados conseguiram, através do certificado de conclusão do Ensino

Fundamental e do Ensino Médio, legitimar a posse de sua cidadania, sua capacidade de atuar

social e profissionalmente. É verdade também que, para muitos brasileiros pertencentes às

classes populares e com pouca escolaridade, ter esse certificado representa um avanço social

muito grande. Eles foram ainda mais longe, pois conseguiram também a conquista do

reconhecimento pessoal, social, familiar e no mercado de trabalho.

A conclusão desse processo de escolarização marca o início de uma nova história da

qual querem ser protagonistas. Eles investiram suas esperanças e esforços pessoais e

familiares e até mesmo físicos, para entrar no mundo dos letrados, no mundo culto, por

reconhecerem os benefícios culturais que obtiveram e que poderão obter. Aumentaram suas

expectativas, pois agora enxergam as possibilidades reais que têm em face do capital cultural

de que são dotados. E reconhecem que, para continuar com os estudos, terão um esforço

redobrado, porque eles querem fazer cursos técnico-profissionalizantes e alguns querem cursar

faculdades e,por isso, precisarão despender um maior tempo devido à competitividade que

aumenta com os outros estudantes para entrar nesses cursos.

Bourdieu (1998) alertou para as diferenças nas condições de acesso a uma cultura

geral e, como decorrência, apontou para as condições diferenciadas de aquisição de uma

cultura escolar. Em outras palavras, distinguiu dois tipos de aprendizado: de um lado, o

aprendizado precoce e insensível, efetuado desde a primeira infância, no ambiente familiar,

podendo, ou não, ser prolongado por um aprendizado escolar que o pressupõe e o

complementa; de outro lado, o aprendizado tardio, metódico, adquirido fora da família, nas

instituições de ensino ou em outras esferas informais da educação. A distinção entre esses dois

tipos de aprendizado refere-se, pois, a duas maneiras de adquirir a cultura e de ter acesso a ela,

e com ela se familiarizar.

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121

Nesse sentido, para Bourdieu (idem), capital cultural é um conceito que explicita um

novo tipo de capital, um novo recurso social, fonte de distinção e poder em sociedades em que

a posse desse recurso é privilégio de poucos. Refere-se a um conjunto de estratégias, valores e

disposições promovidos, principalmente, pela família, pela escola e pelos demais agentes da

educação, que predispõem os indivíduos a uma atitude dócil e de reconhecimento ante as

práticas educativas.

O grupo analisado possui histórias similares de exclusão social e escolar. Eles são

trabalhadores que tiveram pouco acesso aos meios de comunicação e bens culturais, mas, com

o acesso à escola, tornaram-se capazes de produzir social e culturalmente. Alguns, em seus

relatos, esboçaram preocupações quanto à formação cultural da família, apontando para certo

grau de reconhecimento de que existe uma cultura universal, legítima e de que existe outra

cultura vista como ilegítima, que é a sua cultura de origem.

O grupo de sujeitos pesquisados teve a oportunidade de ampliar seu capital cultural na

escola e por meio dela, porque foi através da escolarização que eles tiveram acesso, pela

primeira vez, ao teatro, ao museu e a livros, revistas ou jornais.

As dificuldades econômicas presentes no meio familiar desses jovens dificultam essa

inserção cultural, pois o acesso às obras culturais permanece como privilégio das classes

cultivadas, uma vez que depende, quase estritamente, do nível de instrução das famílias, do

acesso a esses bens culturais. Por isso, caberia à escola, como instituição social, transmitir ao

maior número de pessoas, pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e aptidões que fazem

o homem culto “compensar – pelo menos, parcialmente – as desvantagens daqueles que não

encontram em seu meio familiar a incitação à prática cultural” (BOURDIEU, 1998, p. 61).

Dessa forma, a escola deveria desempenhar o papel que lhe cabe, que é o "de desenvolver em

todos os membros da sociedade, sem distinção, a aptidão para as práticas culturais". (idem, p.

62).

No depoimento a seguir, podemos entender que, somente através da escola, esses

indivíduos poderiam ampliar seu capital cultural:

(...) “Aqui não aprendemos somente a ler e escrever. Fomos pela primeira

vez ao teatro, ao cinema, a Bienal, etc”. (Ariovaldo)

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(...) “e agora eu quero saber mais, ter mais informação e entender a história

do mundo”. (Daniel)

(...) “Agora leio o jornal, a revista e sei até trabalhar com o computador”.

(Queli)

(...) “questionava os professores nas aulas, para que eles explicassem vários

assuntos que eu via na televisão ou lia nos jornais e nas revistas.

(Leandro)”.

Esses estudantes parecem ter sido despertados pela aspiração à cultura escolar, que

poderá, a partir de uma prática, transmitir pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e as

aptidões que fazem o homem culto, compensando as desvantagens daqueles que não

encontram, em seu meio familiar, a incitação à prática cultural. (NOGUEIRA, 1998, p.61)

Os enriquecimentos culturais são obtidos através da experiência escolar, conceito

articulador entre as esferas da estrutura social e aquelas nas quais o ator social exerce sua

ação, ou seja, “(...) as relações entre os temas das condições e padrões de vida, das tradições

culturais e políticas, das representações simbólicas e praticas de resistência, com

possibilidades de transformações políticas”. (THOMPSOM, 1998, p. 13)

E, é por meio dos sujeitos e de suas experiências que a história se realiza:

“Exploramos, tanto na teoria como na prática, os conceitos de junção (como “necessidade”,

“classe” e “determinação”), pelos quais, através do termo ausente “experiência”, a estrutura é

transmutada em processo, e o sujeito é reinserido na história”. (idem)

É importante entender a visão espacial da sociedade. Para Bourdieu, “espaço social” é

hierarquizado pela desigual distribuição de diferentes capitais, e a descrição da sociedade em

termos de espaço social permite enfatizar a dimensão relacional das posições sociais. Desse

modo, as diferentes formas de capital que permitem estruturar o espaço social e que definem

as oportunidades na vida são o capital econômico, o capital cultural, o capital social e o capital

simbólico.

O conceito de capital social é definido como

o agregado dos recursos efetivos ou potenciais ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo. O Volume do capital social que um agente individual possui depende da extensão da rede de

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relações que pode ou consegue mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. E a reprodução do capital social é tributária de instituições que visam favorecer as trocas legitimas e a excluir as trocas ilegítimas como a escola. (BOURDIEU, 2007, p. 10).

O espaço que cada indivíduo irá ocupar na sociedade pode ser analisado a partir de três

eixos: o volume de capital, a composição do capital e as conversões de capital. O volume de

capital (econômico e cultural) diferencia as localizações no sistema ocupacional de acordo

como o volume de total de capital econômico e cultural possuído pelos indivíduos. A

composição do capital diferencia posições no interior das situações de classes, enquanto que as

conversões de capital diferencia as posições de acordo com as trajetórias, ou seja, de acordo

com a mudança, ou estabilidade, que eles tenham experimentado ao longo do tempo no

volume e na composição do seu capital.

Em outras palavras, indivíduos com equivalentes capitais econômicos e culturais

obteriam resultados diferentes em função de diferenças potenciais de recursos mobilizados a

partir de relações pessoais realizadas direta, ou indiretamente. Agregam-se às explicações de

rendimento, portanto, não apenas aspectos culturais e econômicos, mas também aspectos

referentes à qualidade e quantidade de relações que se pode mobilizar e efetivamente fazer

influenciar no resultado.

4.5. Os jovens e a E.J.A.

A Educação de Jovens e Adultos no Brasil tem passado por profundas modificações ao

longo do tempo, dentre elas, a crescente juvenilização de seu alunado, sinalizando para a

necessidade de novas formas de atuação metodológica e de conteúdos com base em

necessidades formativas. A inserção do jovem nesta modalidade de ensino tem se configurado

como um fator desafiador para uma nova forma de fazer a EJA.

Um elemento que vem complicar a construção de uma identidade pedagógica do ensino e de sua adequação as característica específicas da população a que destina é o processo notado em todas as regiões do país, assim como em outros países da América Latina, de juvenilização da clientela (MASAGÃO, 2001, p.5).

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Para Soares (2002), a Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9394/96, no Art. 38, ao reduzir a

idade para a realização de exames de 18 anos para 15 anos, no Ensino Fundamental, e de 21

para 18, no Ensino Médio, contribuiu para o aumento significativo do número de jovens que

passou a incorporar o quadro de alunos da E.J.A.

A juvenilização, intensificada na contemporaneidade, decorre das deficiências do

sistema escolar, como a evasão e a repetência, que ocasionam a defasagem entre a idade e

série; da busca pela certificação escolar oriunda da necessidade de trabalhar; da dificuldade de

acesso aos bens culturais; da ausência de motivação para o retorno a escola, entre outras.

O ingresso cada vez mais antecipado dos jovens no mercado de trabalho,

principalmente, das camadas de baixa renda, tem provocado uma grande demanda nos

programas de educação, inicialmente, destinados a adultos. Para esse contingente de jovens, a

educação está articulada ao ingresso e a intenção de ingressar no mundo do trabalho, cujas

expectativas estão direcionadas às novas exigências do mundo moderno, à ascensão e à

mobilidade social.

O processo de juvenilização também foi considerado nesta pesquisa, porque dos trinta

e dois sujeitos que retomaram seus estudos no Centro de Educação de Jovens e Adultos

Professora Elimara Santos e depois concluíram o Ensino Médio na Escola Estadual Lenita

Camargo, oito deles (Aline, Carla, Carlos, Érica, Leandro, Maicon, Marcelo e Sandro) não

tinham completado a maioridade, e a idade dos mesmos variavam entre quinze e dezessete

anos de idade.

Para Paiva (2000), com a entrada desses jovens, temos um grupo diferenciado na EJA,

que não participa mais da conceituação atribuída a essa modalidade anos atrás, quando os

estudantes dessa modalidade eram vistos como os “[...] que não tiveram oportunidades

educacionais em idade própria ou que a tiveram de forma insuficiente, não logrando

alfabetizar-se e obter conhecimentos básicos correspondentes aos primeiros anos do curso

elementar” (PAIVA, 1972, p. 26). Essa explicação já tem se tornado insuficiente pelo

momento histórico, político, social e econômico que temos vivenciado nos últimos anos. Esse

grupo diferenciado na EJA, constituído por jovens, cada vez mais, cresce devido à exclusão da

escola e na escola, aos problemas familiares e à entrada precoce no mundo do trabalho.

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125

Dos oito sujeitos analisados (três mulheres e cinco homens), cinco são oriundos da

zona urbana e três da zona rural, que antes de virem morar em São Paulo entre os doze e treze

anos para trabalhar, moravam em outros estados.

Concordando com Paiva (2000), Haddad e Di Pierro (2000), acrescenta que o perfil

dos estudantes da EJA assumiu uma nova identidade a partir do final século XX. Com isso,

emerge um novo desafio para a Educação de Jovens e Adultos, sobretudo com a entrada dos

jovens no seu programa, diferentemente das décadas anteriores, que atendiam adultos oriundos

de origem rural. Há mais de duas décadas, os jovens atendidos na escolarização da EJA são de

origem urbana cuja trajetória escolar anterior foi mal sucedida.

Conforme Sposito (1999), qualquer tentativa de caracterização da juventude brasileira

requer, preliminarmente, o reconhecimento da diversidade social e cultural que define esse

segmento. O conceito de juventude, entretanto, é impreciso, tanto teoricamente quanto sob o

ponto de vista dos dados estatísticos. Nessa direção, Dayrell (2005) acredita que, no interior da

sociedade brasileira, a análise dessa categoria se dá em torno do conceito de juventudes

demarcadas por especificidade socioeconômicas, culturais, étnico-raciais, históricas e de

gênero. Assim, Dayrell nos diz que:

(...) a juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação. Se há um caráter universal dado pelas transformações do indivíduo numa determinada faixa etária, nas quais completa o seu desenvolvimento físico e enfrenta mudanças psicológicas, é muito variada a forma como cada sociedade, em um tempo histórico determinado e, no seu interior, cada grupo social vai lidar e representar esse momento. Essa diversidade se concretiza nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades, religiosas, valores), de gênero e também das regiões geográficas, dentre outros aspectos. (DAYRELL, 2005, p. 51)

Abramo (2005), em relação ao termo juventudes, afirma que é importante pensar que

essa construção não somente é diferente nos diversos contextos como também se realiza de

forma diferenciada. Diferentes identidades juvenis são possíveis, assim como formas diversas

da condição juvenil, ou seja :

Hoje o alerta inicial é o de que precisamos falar de juventudes, no plural, e não de juventude, no singular, para não esquecer as diferenças e desigualdades que atravessam esta condição. Esta mudança de alerta revela uma transformação importante na própria noção social: a juventude, mesmo que não explicitamente, é reconhecida como condição válida, que faz sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiadas sobre situações e

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significações diferentes. Agora a pergunta é menos sobre a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, e mais sobre os diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida (ABRAMO, 2005, p.43-44).

Segundo Abramo (idem), os que retomaram seus estudos ainda muito jovens na E.J.A.,

e uma grande parcela dos jovens das classes populares, não passaram pela etapa por ele

denominada de “a juventude como período preparatório” – concepção aproximada do que se

conhece como a transição entre a infância e a idade adulta –, na qual seriam direcionadas as

políticas para prepararem o jovem para se inserir no mundo adulto. Tem como eixo norteador

o futuro, deixando de visualizar os jovens como sujeitos sociais do presente, e também como

etapa de vida heterogênea, tratando sua preparação como se todos ainda não tivessem

assumido papéis que correspondem à responsabilidade da vida adulta, como trabalhar e

constituir família. Podemos confirmar as afirmações de Abramo (2005), através dos

depoimentos a seguir:

(...) Nunca tinha ido à escola, porque no sertão do Ceará primeiro a gente

precisa sobreviver e depois as outras coisas. Comecei a trabalhar ainda

menino. E Aqui em São Paulo, para trabalhar em construção não precisava

ter estudo. (Carlos).

(...) Reprovei dois anos porque morava em uma favela e sofria

discriminação das outras crianças que não eram da favela. Mudei para

Francisco Morato e não consegui vaga na escola. (Aline).

(...) Precisei trabalhar muito cedo e tive que parar de estudar. E não tive

mais como voltar a estudar. (Sandro).

Segundo Andrade & Neto (2007), o processo de escolarização constitui hoje um

espaço importante de sentido que explicita, de forma incisiva, desigualdades e oportunidades

limitadas que marcam expressivos grupos de jovens brasileiros. Essas desigualdades podem se

expressar de várias formas e em vários momentos, principalmente quando os jovens percebem

estar perdendo esse ‘jogo escolar’. Nesse caso, ao perceberem que, efetivamente, não são

iguais, eles criam algumas estratégias – como a própria retirada do jogo, reconhecidas como

evasão, abandono e repetência. É o fracasso escolar que tem marcado o processo de

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127

escolarização desses jovens, comprometendo a sua condição juvenil por uma situação social

de poucas oportunidades e que representa um problema muito maior, denominado exclusão

social.

Os processos vivenciados pela maioria dos jovens brasileiros e suas estratégias de escolarização ainda expressam as enormes desigualdades a que está submetida esta faixa da população. As trajetórias escolares irregulares, marcadas pelo abandono precoce, as idas e vindas, as saídas e os retornos, podem ser assumidas como importantes sinais de que diferentes grupos de jovens vivem e percorrem o sistema de ensino. Tal processo é o indicador mais visível da diversidade do acesso, da permanência e do arco de oportunidades. O que parece estar dado, como direito, instituído e instituinte – o direito a educação para todos -, não reflete, necessariamente, a realidade vivenciada por parcela significativa dos jovens brasileiros. (ANDRADE e NETO, 2007, p. 27)

O comportamento escolar inadequado, ou de indisciplina, apresentado por esses

jovens, é reconhecido como uma característica sempre presente no espaço escolar e

interpretado como reação contrária às atividades didático-pedagógicas que estão sendo

propostas. Esses sujeitos não estão adaptados às regras ou leis do jogo escolar. O

comportamento inadequado levou, por exemplo, Marcelo a abandonar os estudos:

(...) Na escola eu dei muito trabalho e eu acho que me passavam de

ano porque tinham medo de mim. Eu era terrível e quando mudamos de

Perus para Francisco Morato, eu não fui mais para a escola. Eu estava com

uns 14 anos. (Marcelo)

La Taille (2006) considera que essas experiências apresentadas pelos sujeitos os

levaram a situações de fracasso escolar, porque a indisciplina expressa no seu comportamento

está relacionada à transgressão às regras que não fazem sentido ao processo educativo. Sua

conduta indisciplinar precisa ser interpretada como uma reação a um tipo de estudo que não

tem significado para eles, porque são regras que foram estabelecidas sem nenhuma relação

com a sua realidade.

(...) “Disciplina remete a regras. Com efeito, a pessoa disciplinada segue determinadas regras de conduta. Logo, disciplina corresponde ao que chamamos de moral: o respeito por certas leis consideradas obrigatórias. Portanto, a pessoa indisciplinada transgride as leis que deveria seguir. [...] A indisciplina pode, às vezes, vir em decorrência de bons motivos éticos.

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Se as regras não fazem sentido (e há muitas nas escolas) e se derivam de valores suspeitos (como a subserviência cega á autoridade), a indisciplina pode se justificar eticamente”. (LA TAILLE, 2006, p. 90-91).

Segundo Freire (1998, p. 12), a evasão escolar deve ser interpretada de duas maneiras:

como “expulsão das crianças das escolas” e como “proibição de que nelas entrem as crianças”,

pois, “[...] Na verdade, não há crianças se evadindo das escolas como não há crianças fora das

escolas como se não estivessem dentro só porque não quisessem, mas crianças ora proibidas

pelo sistema de entrar nas escolas, ora de nelas permanecer.” As palavras de Freire vão ao

encontro da fala de Maicon:

(...) muito nas escolas que eu estudei até ser expulso com 13 anos. (Maicon).

Os jovens, como Maicon e Marcelo, são vistos sob o estereótipo de aluno-problema

que, ao não se ajustar ao ensino regular, é, consequentemente, encaminhado ao EJA. Assim,

essa modalidade de ensino passou a receber todos aqueles que não conseguiram fazer seu

percurso na escola regular. Eles, na verdade, tornaram-se vítimas do caráter pouco público do

sistema escolar. Para Dayrrel (2005), muitos professores da EJA têm uma visão rotulada do

jovem aluno, ao observar que:

O que se constata é que boa parte dos professores de EJA tendem a ver o jovem aluno a partir de um conjunto de modelos e estereótipos socialmente construídos e, com esse olhar, correm o risco de analisá-los de forma negativa, o que os impede de conhecer o jovem real que ali frequenta (DAYRELL, 2005, p. 54).

Abramo (2005, p. 21) utiliza a abordagem, “a juventude como etapa problemática”,

para caracterizar os jovens “[...] a partir dos problemas que ameaçam a ordem social ou desde

o déficit nas manifestações de seu desenvolvimento”, o que conduz à geração de “[...] políticas

de caráter compensatório, com foco naqueles setores que apresentam as características de

vulnerabilidade, risco ou transgressão (normalmente os grupos visados se encontram na

juventude urbana popular).” Através dessa abordagem, caracterizamos os sujeitos Marcelo e

Maicon, que voltaram aos estudos obrigados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pois

estavam cumprindo o regime de Liberdade Assistida, devido a delitos que os mesmos haviam

praticado.

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(...) Eu fui matriculado na marra porque fui preso por drogas na F.E.B.E.M.

e se não estudasse perderia minha liberdade provisória. Sempre estava

envolvido com brigas, confusões e não trabalhava. Nunca gostei de estudar

e da escola. (Maicon)

(...) Fui uma criança e um adolescente muito problemático e da escola

desisti várias vezes. Passei pela F.E.B.E.M., de onde eu fugi também. Só

voltei porque o juiz me obrigou. Eu estava com uns 14 anos. Fui para a

FEBEM e não estudei mais. (Marcelo)

4.6. O que fez estes jovens voltarem e permanecer

Segundo Arroyo (2005), podemos destacar, dentre outros, dois aspectos que tornam o

espaço da EJA como lugar de histórias de sucesso. O primeiro é o movimento intencional que

o próprio aluno faz ao buscar a escola. Mesmo entre os jovens, muito poucos são aqueles que

só estão ali porque os responsáveis os obrigaram. O segundo aspecto é o entendimento da

própria escola de que a escolarização mais tardia é uma oportunidade de se reparar um erro

social com aqueles que não conseguiram dar início ou prosseguimento aos estudos em etapas

anteriores da vida. Nesse segundo aspecto, a escola resgata para si a responsabilidade em fazer

da trajetória do aluno uma história de sucesso social. Isto também significa dizer que as

relações também são diferentes, muitas vezes, melhores. O movimento intencional do próprio

sujeito e a oportunidade de reparação da escolaridade interrompida fizeram com que os jovens

voltassem aos estudos.

(...) Eu preciso do estudo para ser mecânico profissional. (Leandro)

(...) Eu observei que com o estudo eu poderia ir mais longe. (Carlos)

Possibilitar uma nova oportunidade de escolarização, por meio da E.J.A., aos jovens

significa dar a esses jovens o direito que anteriormente lhe foi retirado: o direito à educação.

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Um novo olhar deverá ser construído, que os reconheça como jovens e adultos em tempos e percursos de jovens e adultos. Percursos sociais onde se revelam os limites de ser reconhecidos como sujeitos dos direitos humanos. Vistos nessa pluralidade de direitos, se destacam ainda mais as possibilidades e limites da garantia de seu direito à educação (ARROYO, 2005, p. 23).

O ingresso cada vez mais antecipado dos jovens no mercado de trabalho e a esperança

de conseguir um emprego, principalmente nas camadas de baixa renda, provocam uma grande

demanda nos programas de EJA, inicialmente destinados a adultos, em virtude da minoria

jovem. Para esse contingente de jovens, a busca pela elevação da escolaridade está articulada

ao mercado de trabalho, cujas expectativas estão direcionadas às novas exigências do mundo

moderno, à ascensão e à mobilidade social. Os jovens pesquisados conseguiram, por meio da

EJA, a elevação da escolaridade, que assegurará novas oportunidades dentro do mercado de

trabalho:

(...) O estudo, trabalho, a escola, e os colegas me mostraram que eu tinha a

oportunidade de mudar. Estou aprendendo uma nova profissão de

eletricista. (Maicon)

(...) Minha vida mudou e muito mesmo, porque eu consegui terminar meus

estudos e quero aprender mais e tenho uma profissão. (Marcelo)

Esses jovens pesquisados têm em comum com os colegas adultos os motivos pelos

quais eses adultos também foram excluídos da escola. Assim, a crença de que a escola os

receberia sem rotulação, sem discriminação, sem julgamentos, como a qualquer outro aluno

que nela está, realmente efetivou-se e as relações de amizade foram muito importantes para

que dois sujeitos (Maicon e Marcelo) que estavam em Regime de Liberdade Assistida,

também recebessem uma nova oportunidade de estudar, sem pré-julgamentos:

(...) Fiz amizade com os colegas e principalmente que ninguém aqui me

julgou. (Marcelo)

(...) Fizemos amizade e parei com os “amigos” e com as drogas. (Maicon)

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Os quatro sujeitos (Marcelo, Maicon, Aline e Queli) na entrevista destacaram que a

relação com os professores eram ótimas e, em comparação com outros momentos de suas

vivências escolares, foram muito melhores. O professor é um elemento que aparece muito nas

narrativas dos sujeitos. Muitas vezes, o docente é o habitante mais recorrente das lembranças

dos alunos. Este protagonismo pode trazer ao mestre a “responsabilidade” por manter, ou

afastar, educandos do espaço escolar. Mais uma vez, o bom relacionamento constitui-se em

um marco para a vida desses alunos.

(...) As mudanças que o estudo fez na minha foram muitas: no trabalho e na

minha vida pessoal. Os professores tiveram uma importância muito grande

nesta conquista.”(Aline)

(...) O diálogo, que a gente tinha com eles era muito grande, porque nós

ficamos dois anos com a Cida e com a Maria, e depois ficamos mais três

com quase todos os mesmos professores, criou um vínculo muito

forte.(Marcelo)

(...) Eles conversavam sobre tudo com a gente. Tinha um incentivo ao nosso

estudo. E fazia as lições junto com a gente. (Queli)

Para Mileto (2009), as tensões ocorrem a partir do confronto geracional, no interior da

sala de aula, entre os jovens e adultos, que, em muitos casos, marcam as salas de aula da

E.J.A., pois, muitas vezes, há um descontentamento dos jovens em conviver com os adultos

em um ambiente que ele acha que não é apropriado. Os adultos, por sua vez, têm o mesmo

pensamento em relação aos jovens.

Entretanto, esse confronto geracional não ocorreu no grupo pesquisado; ao contrário,

houve uma aproximação, porque as relações de amizade, entre os jovens e adultos, segundo os

seus relatos, transformou-se em um ponto fundamental para o sucesso escolar, desmistificando

a ideia amplamente difundida do adolescente como um indivíduo que não valoriza os

relacionamentos ou que só se une ao seu grupo. As relações entre jovens e adultos, também se

modificam, pois o próprio aluno admite que sua postura em relação aos mais velhos também

mudou.

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(...) Quando eu entrei, achei que só tinha velho. Isso aqui parece um asilo.

Quero ir embora daqui. Depois virou uma espécie de família ou de casa,

porque os mais velhos tinham um espírito de jovem e meio que adotaram a

gente. (Aline)

(...) A possibilidade de ter uma confusão era maior entre os mais novos, mas

aí os mais velhos conversavam, brigavam com a gente e ficava tudo

resolvido. Teve muito pouca confusão entre a gente. (Queli)

(...) O Seu Geraldo e da Dona Simônica eram os mais velhos e eles sabiam

muito e todos tinham meio que medo e respeito pelos dois. Eu percebi que os

mais jovens, ou não tinham pais, ou eles moravam longe ou não tinham uma

boa relação com eles. Aí todos, meio que achavam eles um pouco pai um

pouco mãe. (Maicon)

Jovens e adultos passaram a trocar experiências, vivências e a formar elos, ou

conforme Mileto (2009, p. 01), “no mesmo barco, um ajuda o outro a permanecer e não

desistir”:

(...) Fiz amizade com os colegas e principalmente que ninguém aqui me

julgou ou me trataram com indiferença. Principalmente, com seu Geraldo

(aluno da mesma sala) que me deu uma chance de trabalhar com ele.

Frequento até hoje a casa dele. (Maicon)

(...) Não gostava de estudar, mas sempre gostei de matemática, que muitos

alunos têm dificuldade de aprender. E eu comecei a ensinar os outros

alunos, principalmente os mais velhos. Fizemos amizade e parei com os

“amigos” e com as drogas. Hoje eu dou valor a algumas coisas que eu não

tive, como a família que eu estou formando. (Marcelo)

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133

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos perceber, nos últimos anos, que a universalização do acesso à educação não

foi acompanhada da melhoria efetiva nas condições de seu funcionamento, sobretudo na

escola pública. Dessa forma, o processo de expansão quantitativa não desencadeou um

fundamental processo de mudança na dimensão qualitativa da educação. Certamente, as

disputas no campo político para reduzir, ou aprofundar, a diferença existente entre os objetivos

declarados e os objetivos reais (SAVIANI, 2004) servem como referência para entendermos

suas causas.

Assim, a E.J.A., como parte da educação básica do sistema educacional brasileiro, não

se configura como uma modalidade compensatória e transitória de escolarização que se

tornaria menos necessária, na medida em que o direito à educação institucional ocorresse

dentro das faixas etárias socialmente previstas, embora possa perpetuar-se em paradigmas que

ultrapassem a escolarização institucional. A EJA tornou-se, diferentemente, uma realidade,

que, dentro das limitações socioeconômicas e educacionais do presente, continuará necessária,

enquanto prevalecer uma estrutura socioeconômica fundamentada na desigualdade e nos

processos de exclusão.

Essa modalidade de ensino tem como papel fundamental oferecer acesso a um ensino

de qualidade, com equidade a fim de reduzir os índices de analfabetismo e proporcionar aos

jovens e adultos oportunidades para satisfação de suas múltiplas necessidades de

aprendizagem.

Nesta pesquisa, os processos formativos dos jovens e adultos brasileiros podem

contribuir para o fortalecimento da organização popular e a efetivação de transformações

fundamentais na sociedade brasileira. Enseja-se, dessa forma, a ampliação da democracia

política, pela superação da sua forma atual, na qual prevalecem os aspectos formais

representativos, conquistando-se uma democracia, verdadeiramente, participativa, que

ultrapasse os limites impostos pela estrutura econômica e atinja também a democratização das

riquezas socialmente produzidas.

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É imprescindível que seja reconhecida a especificidade da EJA como modalidade do

sistema educacional. Foi possível verificar, nas observações no campo, que, para a maioria dos

seus alunos trabalhadores, pioneiros na conquista de maior escolaridade em relação às suas

famílias de origem, a cultura escolar não é uma herança familiar, mas um difícil “[...]

aprendizado, ou melhor, uma ‘aculturação’[...]” (LOYOLA, 2002, p.76). Os recorrentes

depoimentos que, sob diferentes justificativas, explicitaram o “medo” de voltar a estudar,

exemplificam esse processo de inserção em um espaço social pouco familiar ou marcado por

memórias, geralmente, pouco prazerosas.

Foi possível estabelecer uma relação entre a trajetória escolar anterior – marcada pelo

fracasso escolar e pela exclusão da/na escola devido a alguns fatores, como a família, a escola

e trabalho – e a trajetória atual – marcada pela inclusão, permanência e sucesso escolar, a

construção de uma identidade coletiva vinculada à escola, um amplo apoio familiar, e

ascensão social e no mundo do trabalho.

Simultaneamente, eles reforçavam os processos de construção de estratégias de suporte

familiar, profissional e de vínculos entre alunos e professores, que favoreceram o sucesso

escolar dos alunos componentes dessas redes sociais caracterizadas pelas relações de amizade,

cooperação e solidariedade.

A construção de um sentido de pertencimento a um grupo social, identificado pela

existência de elementos comuns em relação a sua própria trajetória escolar (e de vida),

favoreceu, significativamente, a possibilidade da permanência e conclusão dos estudos na

escola pesquisada. Nesta nova trajetória, os sujeitos mais identificados com a escola

representaram um elemento facilitador para sua permanência. Nesse sentido, foi bastante

significativo o desenvolvimento de processos de integração geracional engendrados por jovens

e adultos que desenvolveram, durante o processo de escolarização, laços de amizade entre os

mais jovens e os adultos.

Nos depoimentos, os jovens e adultos pleiteiam um emprego digno, não somente por

questões econômicas, mas também como direito de autonomia pessoal e dignidade. Para os

sujeitos entrevistados, o emprego é lugar privilegiado para garantir a sobrevivência e um

elemento essencial de sua localização no espaço social. Eles expressam, em suas falas, o

desejo de um emprego melhor que lhes assegure um ganho e, se possível, lhes permita

executar um trabalho em que se reconheçam.

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135

Outro fator que observamos, nos dados obtidos com o questionário, com as entrevistas

e com o acompanhamento do cotidiano destes personagens dentro da sala de aula, foi a

importância que o conhecimento escolar representa para esses sujeitos e suas famílias. Para

eles, a escolarização está intimamente relacionada à melhoria das condições de vida para seus

filhos. Para esses sujeitos, parece estar claro que, através dos estudos, e somente através deles,

poderão ascender-se socialmente, poderão ter garantia de bons empregos e boa condição na

vida; daí a justificativa para que tais famílias continuem, mesmo sob dificuldades financeiras,

a investir na escolaridade. E é exatamente por encontrar esse sentido nos estudos que os

sujeitos fazem de tudo para manter os filhos na escola, mantendo-os longe do trabalho,

possibilitando que eles consigam um futuro melhor.

Não se pode atribuir à escola a garantia de melhores condições gerais de qualidade de

vida ou ascensão social, porque a escola não distribui poder, mas constrói saber, que é poder.

Não se muda a história sem conhecimentos, mas tem-se que educar o conhecimento para que

se possa interferir no mercado como sujeitos, não como objeto. O papel da escola consiste em

colocar o conhecimento nas mãos dos excluídos de forma crítica, porque a pobreza política

produz pobreza econômica.

A Educação desponta como um instrumento indispensável para a formação desse novo

homem e novo profissional, através do processo de socialização e integração, sendo possível

desmistificar os choques culturais e sociais presentes em nossa sociedade. Assim, a população

passa a exigir cada vez mais condições de acesso e permanência na escola, com uma Educação

de qualidade, proporcionando uma formação que contemple as necessidades e as aspirações.

Na visão de Luiz Antonio Cunha, a educação tem que ser:

o principal ideal liberal de educação é o de que a escola não deve estar a serviço de nenhuma classe, de nenhum privilégio de herança ou dinheiro, de nenhum credo religioso ou político. A instrução não deve estar reservada às elites ou classes superiores, nem ser um instrumento aristocrático para servir a quem possui tempo e dinheiro. A educação deve estar a serviço do indivíduo, do “homem total”, liberado e pleno. (CUNHA, 1991, p. 34).

Ao discorrer a respeito do caráter conservador da escola, Bourdieu (2003) parece

apontar vias por meio das quais essa instituição poderia e deveria exercer outro papel. As

professoras Maria e Aparecida do Centro de Educação Professora Elimara Santos, os

professores da Escola Estadual Lenita Camargo e o grupo de trinta e dois sujeitos em cujas

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136

escolas completaram seu processo de escolarização, atestam, por meio das transformações

pelas quais esses sujeitos passaram e como tiveram acesso aos bens culturais, que o espaço

escola de Educação de Jovens e Adultos assumiu outra função.

Ao se eximir de trabalhar de forma metódica e sistemática, através da mobilização de todos os meios disponíveis, desde os primeiros anos da escolaridade, em proporcionar a todos, na situação escolar, o contato direto com obras ou, pelo menos, um substituto aproximativo dessa experiência, a instituição escolar abdica do poder, que lhe incumbe diretamente, de exercer a ação continuada e prolongada, metódica e uniforme, em suma, universal ou tendendo à universalidade; ora, tal ação é a única capaz de produzir em série, provocando grande escândalo entre os detentores do monopólio da distinção culta, indivíduos competentes, providos dos esquemas de percepção, de pensamento e de expressão que são a condição da apropriação dos bens culturais, e dotados da disposição generalizada e permanente para se apropriar de tais bens. A Escola (...) poderia compensar (pelo menos, parcialmente) a desvantagem inicial daqueles que, em seu meio familiar, não encontram a incitação à prática cultural, nem a familiaridade com as obras, pressuposta por todo discurso pedagógico sobre as obras, com a condição somente de que ela utilize todos os meios disponíveis para quebrar o encantamento circular de processos cumulativos ao qual está condenada qualquer ação de educação cultural (BOURDIEU, 2003, p. 108).

É possível pensar outro papel social para a escola que não o de apenas reprodutora da

ordem social. Assim, para o autor, se a escola usasse de todos os seus recursos pedagógicos

com vistas a atender a todos os estudantes, ela poderia colocar em condições de igualdade, ou

menos desiguais, aqueles que chegam até ela desprovidos ou, talvez, menos providos de

capital cultural. Ao, por exemplo, oferecer aos alunos das camadas populares a capacidade de

desfrutar os bens da cultura erudita, o acesso a tais bens não mais seria um fator distintivo.

Esse parece ser o "grande escândalo" entre os monopolizadores da distinção culta, ao qual

Bourdieu (idem) alude, que a escola poderia provocar. A escola poderia "compensar" uma

desvantagem inicial, rompendo a circularidade da reprodução.

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Tese:

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doutorado, PUC/SP, 2001.

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145

Anexos

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146

Anexo 01: 1º Questionário com alunos do 3º do ensino médio da E.J.A. da E.E. Professora Lenita Camargo – Francisco Morato – SP

Sujeito __________________________________________________.

Qual a cidade e o Estado onde você nasceu?

2- Qual a sua cor?

3- Você é casado ou solteiro?

4- Tem filhos? Quantos?

5- Quando veio para São Paulo? E para Francisco Morato?

6- O que fez vir para São Paulo? E o que fez vir para Francisco Morato?

7- Qual sua profissão?

8- Você tinha estudado anteriormente? O que fez parar de estudar?

9- Quantos anos ficou longe da escola?

10- O que fez voltar e permanecer?

11- Quais são os fatores que ajudam ou ajudaram a permanência no curso de E.J.A.?

13- Após uma longa ausência você está terminando o ensino médio. O que mudou em sua vida

durante esta trajetória escolar?

Roteiro de entrevista individual para alunos do 3º do Ensino Médio da E.J.A. da Escola Estadual Professora Lenita Camargo – Francisco Morato – SP.

Entrevistado(a) ________________________________________________________.

1- Na sua opinião, quais são os aspectos positivos e negativos de estudar na E.J.A.?

2- Qual o papel da família, nos seus estudos?

3- O que interfere dentro e fora da escola para que o aluno continue, ou desista, de estudar na

E.J.A.?

4- O fato de estudar na E.J.A. facilitou em quais aspectos no seu trabalho, nas suas relações

pessoais (marido, mulher, família e amigos) e nas atividades do seu cotidiano?

5- Qual a importância dos vínculos de amizade desenvolvidos entre os alunos e estes com os

professores?

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dar p

orqu

e m

eu p

ai a

chav

a qu

e m

ulhe

r não

pre

cisa

va e

stud

ar. T

ive

que

traba

lhar

mui

to jo

vem

co

mo

dom

éstic

a e

com

15

anos

fugi

par

a Sã

o Pa

ulo.

Não

20

ano

s

Ario

vald

o So

uza

Mel

o Si

m

4ª sé

rie

Não

sabe

in

form

ar

N

ão

33 a

nos

Arm

ando

José

Ger

man

o Si

m

3ª sé

rie

10 a

nos

Nós

est

udáv

amos

na

esco

la d

a Ig

reja

, ac

ho q

ue e

stud

ei a

té a

te

rcei

ra s

érie

. Não

con

segu

i est

udar

mai

s po

rque

sem

pre

traba

lhei

na

con

stru

ção

civi

l.

Não

20

ano

s

Car

la A

pare

cida

Sou

sa

Sim

série

7

anos

M

oráv

amos

em

São

Pau

lo e

m c

ortiç

os e

mud

ávam

os m

uita

s ve

zes

e de

sist

i de

est

udar

alg

umas

vez

es N

ão d

ava

valo

r à

esco

la e

ao

estu

do. C

om o

trab

alho

não

vol

tei m

ais.

Sim

. 01

08

ano

s.

Car

los B

arbo

sa F

ilho

Não

16 a

nos

Nun

ca t

inha

ido

à e

scol

a, p

orqu

e no

ser

tão

do C

eará

prim

eiro

a

gent

e pr

ecis

a so

brev

iver

e d

epoi

s as

out

ras

cois

as.

Com

ecei

a

traba

lhar

ain

da m

enin

o. E

Aqu

i em

São

Pau

lo, p

ara

traba

lhar

em

co

nstru

ção

não

prec

isav

a te

r est

udo.

Não

16

ano

s.

Dan

iel d

a Si

lva

Sim

série

9

anos

Com

o o

mai

s ve

lho

da f

amíli

a, t

ive

que

aban

dona

r os

est

udos

e

com

ecei

a t

raba

lhar

par

a su

sten

tar

a fa

míli

a. N

o M

aran

hão,

a

esco

la n

ão m

e fe

z fa

lta e

aqu

i apr

endi

a s

er e

letri

cist

a e

ache

i que

nu

nca

volta

ria à

esc

ola.

Sim

. 01

10

ano

s

Con

tinua

...

Page 150: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

150

... c

ontin

uaçã

o

Nom

e E

stud

ou

ante

rior

men

te?

Em

qua

l sér

ie

paro

u?

Com

qu

anto

s ano

s en

trou

na

esco

la?

Qua

is p

robl

emas

o a

fast

aram

ou

o fiz

eram

des

istir

da

esco

la?

No

E.J

.A. J

á es

tudo

u e

desi

stiu

out

ras

veze

s?

Qua

ntos

ano

s fic

ou lo

nge

da

esco

la?

Éric

a Fe

lism

ino

Sim

série

7

anos

Pa

rei d

e es

tuda

r por

que

repe

ti do

is a

nos a

qui e

m S

. Pau

lo, o

est

udo

em P

erna

mbu

co e

ra m

uito

frac

o. L

ogo

case

i e fi

quei

grá

vida

e m

eu

mar

ido

que

era

bem

mai

s vel

ho, n

ão m

e de

ixav

a es

tuda

r.

Sim

. 01

08

ano

s.

Ger

aldo

Mor

aes

Não

33 a

nos

Nas

ci n

o va

le d

o Je

quiti

nhon

ha e

m M

inas

Ger

ais

e nu

nca

fui

à es

cola

por

que

a vi

da lá

é m

uito

difí

cil e

trab

alha

va s

omen

te p

ara

com

er.

Vie

mos

par

a Sã

o Pa

ulo

para

fug

ir da

mis

éria

. A

qui

os

empr

egos

que

eu

cons

egui

não

exi

giam

est

udo.

Não

33

ano

s.

Gis

ele

Si

m

6ª sé

rie

8 an

os

No

Mar

anhã

o, e

u es

tude

i at

é a

3ª s

érie

e q

uand

o m

udam

os p

ara

São

Paul

o, ti

ve m

uita

s di

ficul

dade

s po

rque

o e

stud

o lá

era

fra

co.

Aqu

i fu

i at

é a

6ª s

érie

e f

ique

i gr

ávid

a ao

s 16

ano

s, m

e ca

sei

e de

sist

i de

estu

dar.

Não

10

ano

s.

Jand

ival

N

ão

25

ano

s Em

Ala

goas

, os

empr

egos

são

par

a tra

balh

o br

açal

e n

ão p

reci

sava

de

est

udo.

Aqu

i tra

balh

ei s

empr

e na

con

stru

ção

e pa

ra e

ste

tipo

de

serv

iço

não

prec

isav

a te

r est

udo.

Não

25

ano

s.

Jose

lma

Si

m

4ª sé

rie

8 an

os

Com

a

série

eu

co

nseg

ui

pass

ar

em

um

conc

urso

pa

ra

mer

ende

ira e

trab

alho

nes

ta p

rofis

são

há 2

0 an

os. O

can

saço

e a

fa

lta d

e va

gas n

a su

plên

cia

fora

m o

s mot

ivos

da

min

ha d

esis

tênc

ia.

Não

20

ano

s.

Lean

dro

Si

m

5ª sé

rie

7 an

os.

Nun

ca g

oste

i de

est

udar

, ia

par

a es

cola

na

mar

ra e

, co

m i

sso,

de

sist

i e re

peti

algu

mas

vez

es. E

fui t

raba

lhar

mui

to c

edo.

N

ão

07 a

nos

Luci

ana

N

ão

16

ano

s

Meu

s pa

is m

udar

am m

uito

de

cida

de d

uran

te m

eus

estu

dos

e nã

o m

e co

loca

ram

par

a es

tuda

r e,

aos

10

anos

, eu

ajud

ava

min

ha

mãe

a tr

abal

har c

omo

dom

éstic

a. T

ive

filho

mui

to c

edo

para

fugi

r de

sta

situ

ação

.

Não

16

ano

s

Luiz

Si

m

4ª sé

rie

08 a

nos

Na

Bah

ia,

eu t

raba

lhav

a de

sde

men

ino

na c

olhe

ita d

o fe

ijão,

e

quan

do ti

nha

plan

tio o

u co

lhei

ta n

ós n

ão ía

mos

par

a a

esco

la. A

qui

com

a 4

ª sér

ie, m

as c

om m

uita

aju

da s

empr

e tra

balh

ei d

e po

rteiro

, ja

rdin

eiro

ou

ajud

ante

.

Não

16

ano

s.

Luzi

a

Sim

série

08

ano

s

Em F

orta

leza

, co

m 1

1 an

os m

udam

os p

ara

um b

airr

o m

uito

di

stan

te o

nde

não

tinha

esc

ola

e a

mai

s pr

óxim

a er

a m

uito

long

e.

Com

13

anos

vim

par

a Sã

o Pa

ulo

mor

ar c

om m

inha

tia

, ao

s 16

ca

sei e

est

udei

mai

s.

Não

08

ano

s.

Con

tinua

...

Page 151: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

151

... c

ontin

uaçã

o

Nom

e E

stud

ou

ante

rior

men

te?

Em

qua

l sér

ie

paro

u?

Com

qu

anto

s ano

s en

trou

na

esco

la?

Qua

is p

robl

emas

o a

fast

aram

ou

o fiz

eram

des

istir

da

esco

la?

No

E.J

.A. J

á es

tudo

u e

desi

stiu

out

ras

veze

s?

Qua

ntos

ano

s fic

ou lo

nge

da

esco

la?

Mai

con

Si

m

4ª S

érie

07

ano

s

Apr

onte

i mui

to n

as e

scol

as q

ue e

u es

tude

i até

ser

exp

ulso

com

13

anos

; A

pron

tei

mui

to a

té p

arar

na

FEB

EM e

nun

ca g

oste

i de

es

cola

. Qua

ndo

saí,

fui m

atric

ulad

o na

mar

ra e

des

isti.

Pre

nder

am-

me

de n

ovo

e m

e m

atric

ular

am n

o E.

J..A

.

Não

05

ano

s

Mar

celo

Si

m

5ª sé

rie

07 a

nos

Na

esco

la e

u de

i mui

to tr

abal

ho e

eu

acho

que

me

pass

avam

de

ano

porq

ue ti

nham

med

o de

mim

. Eu

era

terr

ível

e q

uand

o m

udam

os

de P

erus

par

a Fr

anci

sco

Mor

ato,

eu

não

fui m

ais

para

a e

scol

a. E

u es

tava

com

uns

14

anos

. Fui

par

a a

FEB

EM e

não

est

udei

mai

s.

Não

05

ano

s.

Mar

ia d

e Fá

tima

Si

m

4ª sé

rie

09 a

nos

Eu m

e ca

sei m

uito

ced

o e

estu

dei n

a B

ahia

até

a 4

ª sér

ie, e

u tin

ha

uns

15 a

nos

e vi

rei d

ona

de c

asa.

Qua

ndo

viem

os p

ara

São

Paul

o,

era

um fi

lho

atrá

s do

outro

e e

u nã

o es

tuda

va.

Não

N

ão se

i in

form

ar.

Mar

ia E

unic

e Si

m

6ª sé

rie

10 a

nos

Eu e

stud

ei a

té a

6ª s

érie

na

Bah

ia, e

m u

ma

esco

la ru

ral e

era

mui

to

difíc

il po

rque

não

tinh

a pr

ofes

sor e

age

nte

entra

va n

a es

cola

mui

to

atra

sado

. Em

São

Pau

lo,

eu n

unca

est

udei

, já

fui

dire

to p

ara

o tra

balh

o.

Não

12

ano

s

Mar

ia S

andr

a Si

m

5ª sé

rie

09 a

nos

Eu n

ão g

osta

va d

e es

tuda

r e

desi

sti,

repe

ti e

volte

i vá

rias

veze

s. C

omo

não

gost

ava

de e

stud

ar,

meu

s pa

is m

e co

loca

ram

par

a tra

balh

ar. D

evia

ter u

ns 1

5 an

os q

uand

o pa

rei.

Sim

. 5

veze

s 16

ano

s.

Pris

cila

Si

m

3ª sé

rie

10 a

nos

Entre

i atra

sada

na

esco

la p

orqu

e nã

o tin

ha u

nifo

rme

para

ir p

ara

a es

cola

que

era

mui

to lo

nge.

Mas

, com

15

anos

vim

par

a S.

Pau

lo,

para

aju

dar

a fa

míli

a. E

aqu

i tra

balh

ei m

uito

e n

ão t

inha

tem

po

para

est

udar

.

Não

07

ano

s

Que

li

Sim

série

07

ano

s

Gra

ves

e sé

rios

prob

lem

as fa

mili

ares

. Fui

mor

ar c

om u

ma

tia, q

ue

não

me

mat

ricul

ou n

a es

cola

par

a eu

tom

ar c

onta

dos

filh

os d

ela.

C

asei

mui

to jo

vem

par

a fu

gir d

esta

vid

a m

uito

difí

cil e

não

est

udei

m

ais.

Não

16

ano

s.

Rob

erva

l N

ão

36

ano

s N

a B

ahia

eu

não

sabi

a ne

m o

nde

era

a es

cola

e n

a ro

ça c

omec

ei a

tra

balh

ar a

trab

alha

r mui

to c

edo.

E tr

abal

ho e

m c

onst

ruçã

o e

nunc

a tin

ha c

omo

com

eçar

a e

stud

ar

Não

30

ano

s.

Con

tinua

...

Page 152: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

152

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e E

stud

ou

ante

rior

men

te?

Em

qua

l sér

ie

paro

u?

Com

qu

anto

s ano

s en

trou

na

esco

la?

Qua

is p

robl

emas

o a

fast

aram

ou

o fiz

eram

des

istir

da

esco

la?

No

E.J

.A. J

á es

tudo

u e

desi

stiu

out

ras

veze

s?

Qua

ntos

ano

s fic

ou lo

nge

da

esco

la?

Reg

ina

Si

m

6ª sé

rie

07 a

nos

Estu

dei

até

a 6ª

sér

ie c

om i

das

e vi

ndas

, e

com

rep

rova

ção

e de

sist

ênci

a. L

embr

o-m

e qu

e pa

rei n

a 6ª

sér

ie c

om 1

5 an

os e

com

16

ano

s eu

já e

stav

a ca

sada

.

Não

15

ano

s.

Reg

ina

Si

m

5ª sé

rie

08 a

nos

Com

13

anos

e n

a 5ª

sér

ie e

u fu

i est

udar

à n

oite

, por

que

só ti

nha

este

hor

ário

e m

eu p

ai m

e co

loco

u pa

ra a

judá

-lo d

uran

te o

dia

na

feira

. Com

est

a id

ade

e co

m d

inhe

iro, e

u ac

hei q

ue n

ão p

reci

sava

da

esc

ola

e do

est

udo.

Sim

. 02

vez

es.

15 a

nos.

Ros

i Si

m

6ª sé

rie

08 a

nos

Eu f

iz a

té 5

ª sé

rie e

est

ava

com

13

anos

e e

u já

tra

balh

ava

para

aj

udar

min

ha f

amíli

a no

peq

ueno

síti

o qu

e nó

s tín

ham

os e

nes

ta

époc

a nó

s co

meç

ávam

os tu

do m

uito

ced

o, o

trab

alho

, o c

asam

ento

e

os fi

lhos

. E a

ssim

par

ei d

e es

tuda

r.

Sim

. 01

vez

. 30

ano

s.

Sand

ro

Sim

série

07

ano

s Pr

ecis

ei t

raba

lhar

mui

to c

edo

e tiv

e qu

e pa

rar

de e

stud

ar. E

não

tiv

e m

ais c

omo

volta

r a e

stud

ar.

Sim

. 01

vez

. 08

ano

s.

Sim

ônic

a

Sim

série

10

ano

s. C

asei

-me

com

16

anos

e n

ão m

e le

mbr

o co

m q

uant

os a

nos e

u pa

rei

de e

stud

ar. V

irei d

ona

de c

asa

e nã

o vo

ltei m

ais a

est

udar

. N

ão

30 a

nos.

Van

essa

Si

m

5ª sé

rie

08 a

nos.

Eu r

epet

i dua

s ve

zes

a 1ª

e a

2ª s

érie

e c

om 1

4 an

os e

stav

a na

série

e f

ui tr

abal

har

com

o do

més

tica

e fiq

uei g

rávi

da e

fui

mor

ar

com

o p

ai d

o m

eu fi

lho

com

16

anos

e n

ão e

stud

ei m

ais.

Não

12

ano

s.

Page 153: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

153

Ane

xo 4

- Qua

dro

4 –

Fato

res q

ue o

s fiz

eram

per

man

ecer

e o

bter

suce

sso

esco

lar

N

ome

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Q

uais

os f

ator

es q

ue

ajud

aram

ou

ajud

arão

na

perm

anên

cia

no c

urso

do

E.J

.A.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?A

pós t

erm

inar

o E

nsin

o M

édio

no

E.J

.A.,

você

irá

cont

inua

r a

estu

dar?

Alin

e Ér

ica

Sou

cabe

leire

ira e

man

icur

e e

prec

iso

do

estu

do p

ara

faze

r o c

urso

de

este

ticis

ta.

A f

orça

que

min

ha f

ilha

e m

inha

mãe

que

não

seb

e le

r e

escr

ever

me

deu

dura

nte

o cu

rso.

E a

con

clus

ão d

este

cu

rso

é um

a da

s m

aior

es

vitó

rias d

a m

inha

vid

a.

O e

stud

o m

udou

a m

inha

vid

a,

porq

ue e

stou

atrá

s de

um

a gr

ande

vi

tória

e

som

ente

at

ravé

s do

es

tudo

se

poss

ível

m

udar

o

rum

o da

min

ha v

ida.

Que

ro s

er e

stet

icis

ta e

já fu

i ao

S.E.

N.A

.C.

sabe

r as

in

form

açõe

s sob

re o

cur

so.

Alin

e M

aria

Cat

anhe

de

Meu

s do

is

filho

s sã

o bo

ns

alun

os

na

esco

la e

tira

m b

oas

nota

s. E

eu o

s aj

udo

mui

to p

ara

cont

inua

rem

a e

stud

ar. E

ele

s sã

o m

eu in

cent

ivo

e nã

o vã

o pa

ssar

pel

as

dific

ulda

des

que

eu p

asse

i. So

u co

zinh

eira

em

um

rest

aura

nte

que

tem

um

as c

omid

as

dife

rent

es e

não

con

segu

ia a

com

panh

ar a

s re

ceita

s, e

a fa

lta d

e es

tudo

est

ava

me

prej

udic

ando

no

traba

lho

e na

min

ha v

ida.

O i

ncen

tivo

dos

meu

s fil

hos,

dos

prof

esso

res

e do

che

fe d

e co

zinh

a on

de

traba

lho

e a

nutri

cion

ista

. [E

les]

m

e fa

lara

m q

ue e

u te

nho

mui

to

tale

nto

e só

falta

va o

est

udo.

Mud

ou m

uito

, po

rque

eu

agor

a se

i le

r e

escr

ever

e

cons

igo

prep

arar

al

guns

pr

atos

m

ais

sofis

ticad

os n

o re

stau

rant

e on

de

traba

lho.

Esto

u pe

nsan

do e

m f

requ

enta

r um

cu

rso

de

reda

ção

e um

cu

rsin

ho

para

le

r e

escr

ever

m

elho

r.

Am

arild

o N

epom

ucen

o Eu

que

ro s

er p

asto

r da

Igre

ja P

resb

iteria

na

e eu

pre

cisa

va d

o en

sino

méd

io p

ara

faze

r o

curs

o de

Teo

logi

a.

O m

eu s

onho

de

ser

past

or e

os

pr

ofes

sore

s qu

e m

e aj

udar

am m

uito

.

Para

que

m s

aiu

da m

isér

ia d

o V

ale

do

Jequ

itinh

onha

pr

atic

amen

te s

em e

stud

o e

cheg

ar

onde

es

tou

cheg

ando

é

mui

to

impo

rtant

e.

Prec

iso

ler

e es

crev

er m

elho

r e

vou

me

mat

ricul

ar

em

um

curs

inho

par

a de

pois

ten

tar

o cu

rso

de

Teol

ogia

na

U

nive

rsid

ade

Mac

kenz

ie

Con

tinua

...

Page 154: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

154

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Apa

reci

da S

anto

s Eu

vo

ltava

a

estu

dar

ou

perd

eria

o

empr

ego.

Eu f

ui o

brig

ado

a vo

ltar

a es

tuda

r, m

as

eu

gost

ei,

e m

uito

s nã

o ac

redi

tara

m,

mas

eu

che

guei

lá.

Sem

pre

fui

faxi

neira

e,

no a

no

pass

ado,

fiz

um

te

ste

para

en

carr

egad

o. E

u nã

o po

dia

faze

r um

tes

te d

este

s po

rque

eu

não

tinha

es

tudo

. Eu

fiz

a

prov

a,

pass

ei e

fiqu

ei c

om a

vag

a.

Vou

faze

r aul

as d

e re

forç

o.

Ario

vald

o So

uza

Mel

o So

men

te d

epoi

s qu

e m

e ap

osen

tei e

u pu

de

volta

r a

estu

dar.

Sem

pre

tive

vont

ade

de

volta

r a e

stud

ar.

Meu

s fil

hos

são

enfe

rmei

ros,

proj

etis

tas,

cont

ador

, té

cnic

o em

com

unic

açõe

s. E

os p

ais

tinha

m

som

ente

a

quar

ta

série

.

Aqu

i nã

o ap

rend

emos

som

ente

a

ler

e es

crev

er.

Fom

os

pela

pr

imei

ra v

ez a

o te

atro

, ao

cine

ma,

à

Bie

nal,

etc.

Fui

obte

r m

aior

es i

nfor

maç

ões

sobr

e a

Facu

ldad

e pa

ra

a Te

rcei

ra Id

ade.

Arm

ando

José

Ger

man

o A

nec

essi

dade

de

apre

nder

mai

s, ga

nhar

m

ais,

cres

cer

e vi

rar

um m

estre

de

obra

s co

m e

stud

o e

não

som

ente

no

pape

l.

Que

ro m

onta

r um

a pe

quen

a em

pres

a de

co

nstru

ções

e

refo

rmas

e

dar

uma

vida

m

elho

r pa

ra m

inha

fam

ília

e is

to s

omen

te a

cont

ecer

ia s

e eu

vol

tass

e a

estu

dar.

Aum

enta

ram

m

eus

conh

ecim

ento

s, fu

i pro

mov

ido

na

cons

truto

ra

e m

elho

rou

meu

pa

drão

de

vida

.

Vou

par

a o

curs

o de

refo

rço.

Car

la A

pare

cida

Sou

sa

Eu p

rocu

rava

em

preg

o e

não

cons

egui

a po

rque

não

tinh

a te

rmin

ado

nem

o e

nsin

o fu

ndam

enta

l.

Fui

obrig

ada

a es

tuda

r m

ais

vale

u a

pena

, não

porq

ue a

es

cola

foi

mui

to i

mpo

rtant

e pa

ra

mim

, m

as

prin

cipa

lmen

te

mud

ou

meu

co

mpo

rtam

ento

e

min

has

atitu

des.

Vou

me

casa

r co

m o

Car

los,

que

tam

bém

es

tuda

no

E.

J.A.

A

min

ha v

ida

não

é e

não

será

mai

s a

mes

ma.

Pret

endo

não

par

ar d

e es

tuda

r.

Con

tinua

...

Page 155: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

155

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Car

los B

arbo

sa F

ilho

Eu o

bser

vei q

ue c

om o

est

udo

eu p

oder

ia

ir m

ais l

onge

.

Fui m

uita

s ve

zes

nas

reun

iões

de

meu

s fil

hos

que

são

bons

al

unos

na

es

cola

e

eu

prat

icam

ente

so

men

te

assi

nava

o m

eu n

ome.

Sei l

er e

esc

reve

r m

ais

ou m

enos

e

não

pass

o m

ais

verg

onha

por

se

r an

alfa

beto

. M

onte

i um

a eq

uipe

de

de

z pe

ssoa

s pa

ra

traba

lhar

mos

co

m

refo

rmas

, co

nstru

ção

e ja

rdin

agem

.

Eu p

reci

so d

e au

las

de r

efor

ço

para

ler e

esc

reve

r mel

hor.

Dan

iel d

a Si

lva

Eu p

reci

sava

vol

tar a

est

udar

.

A n

eces

sida

de d

e es

tuda

r, os

pr

ofes

sore

s, as

au

las,

os

cole

gas,

as

amiz

ades

, o

empr

ego,

m

eus

filho

s e

min

ha m

ulhe

r.

Foi

uma

gran

de

expe

riênc

ia

volta

r a

estu

dar,

e is

to m

udou

m

inha

vid

a, p

orqu

e sa

í do

meu

m

undi

nho

e ag

ora

eu q

uero

sab

er

mai

s, te

r m

ais

info

rmaç

ão

e en

tend

er a

his

tória

do

mun

do.

Vou

est

udar

mai

s.

Éric

a Fe

lism

ino

O e

stud

o nã

o m

e fa

zia

falta

, po

rque

me

case

i mui

to c

edo,

e m

eu m

arid

o m

e da

va

tudo

. Sep

arei

e v

i que

não

tinh

a fe

ito n

ada

da

min

ha

vida

. So

men

te

cons

egui

a em

preg

os m

uito

s rui

ns.

Meu

pai

s e

meu

nam

orad

o m

e in

cent

ivar

am

a nã

o de

sist

ir e

com

os

estu

dos

vou

cons

egui

r um

em

preg

o m

elho

r.

Esto

u de

senv

olve

ndo

nova

s fu

nçõe

s no

meu

tra

balh

o, p

orqu

e au

xilio

no

at

endi

men

to

e na

en

trega

de

mer

cado

rias.

Não

vou

par

ar d

e es

tuda

r.

Ger

aldo

Mor

aes

Mel

hora

r a v

ida

prof

issi

onal

e p

esso

al.

Sou

mot

oris

ta d

e ca

min

hão

e pr

ecis

ava

do

estu

do

para

ac

ompa

nhar

as

tra

nsfo

rmaç

ões

do

meu

tra

balh

o.

O

ince

ntiv

o da

em

pres

a e

da fa

míli

a.

A

empr

esa

que

me

cont

rato

u co

mpr

ou

cam

inhõ

es

com

puta

doriz

ados

qu

e só

fa

ltava

m f

alar

e c

om o

est

udo

esto

u co

nseg

uind

o ac

ompa

nhar

es

tas

mod

ifica

ções

e

faze

r os

re

lató

rios d

as v

iage

ns.

Vou

pr

ecis

ar

ler

e es

crev

er

mel

hor.

Con

tinua

...

Page 156: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

156

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Gis

ele

Soar

es

Ser u

m e

xem

plo

para

meu

filh

o.

Mel

hora

r no

meu

em

preg

o.

Tudo

, po

rque

so

u um

a pe

ssoa

m

elho

r e

agor

a te

nho

opor

tuni

dade

s e

porta

s qu

e se

ab

riram

par

a m

im.

Vou

tent

ar u

ma

facu

ldad

e ap

ós

faze

r cur

sinh

o.

Jand

ival

Mam

ede

Eu t

inha

que

ped

ir pa

ra o

s ou

tros

lere

m

para

mim

e fu

i eng

anad

o vá

rias v

ezes

.

Eu s

omen

te q

ueria

sab

er le

r e

escr

ever

, mas

fui

ince

ntiv

ado

e fic

ar p

ela

fam

ília

e co

nseg

ui

term

inar

o e

nsin

o m

édio

. O

s pro

fess

ores

aju

dam

mui

to.

Apr

endi

a

dife

renç

a em

te

r co

nhec

imen

to e

os

que

não

têm

co

nhec

imen

to.

Não

sou

mai

s tã

o br

uto

e ig

nora

nte

com

o an

tes,

fique

i m

ais

educ

ado

e nã

o fa

lo

tão

erra

do.

Vou

faz

er u

m c

urso

técn

ico

de

serr

alhe

ria

e m

onta

gem

de

es

tand

es.

Jose

lma

Apa

reci

da

Men

ezes

Trab

alho

com

o m

eren

deira

vint

e an

os,

e o

cans

aço,

o tr

abal

ho n

otur

no

e a

falta

de

vag

as n

unca

me

deix

avam

vol

tar

a es

tuda

r.

Os

cole

gas,

os p

rofe

ssor

es e

a

fam

ília,

o m

e de

ixar

am

desi

stir.

A f

elic

idad

e qu

e eu

tiv

e qu

ando

co

mec

ei

a le

r e

escr

ever

, a

reso

lver

os

prob

lem

as p

esso

ais

e

escr

ever

um

a ca

rta

e le

r do

cum

ento

s e

pape

is.

Ago

ra e

u qu

ero

ler

tudo

: a B

íblia

, o jo

rnal

, a

revi

sta,

etc

.

Vou

par

a um

cur

so d

e re

forç

o pa

ra

ler

e es

crev

er

mai

s e

mel

hor.

Lean

dro

Moi

ses C

unha

Eu

pre

ciso

do

estu

do p

ara

ser

mec

ânic

o pr

ofis

sion

al.

Que

ro

mel

hora

r na

m

inha

pr

ofis

são.

E e

u nã

o go

stav

a de

est

udar

e a

qui f

iz a

mig

os e

co

m

ajud

a de

les

e do

s pr

ofes

sore

s co

nseg

ui c

hega

r at

é aq

ui.

Gos

tava

de

qu

estio

nar

os

prof

esso

res

nas

aula

s, pa

ra q

ue

eles

exp

licas

sem

vár

ios

assu

ntos

qu

e eu

via

na

tele

visã

o ou

lia

nos

jorn

ais

e na

s re

vist

as.

Que

ro

conh

ecer

o B

rasi

l e o

mun

do.

Não

dec

idi o

que

vou

faze

r.

Con

tinua

...

Page 157: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

157

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Luci

ana

Roc

ha C

oelh

o U

m e

mpr

ego

mel

hor

e as

sim

ofe

rece

r um

fu

turo

mel

hor p

ara

meu

s filh

os.

Meu

em

preg

o,

min

ha

mãe

, m

eus

filho

s e

min

ha f

orça

de

vont

ade.

Ago

ra

eu

esto

u em

um

ou

tro

luga

r na

soc

ieda

de,

perte

nço

ao

grup

o da

quel

es q

ue s

abem

ler

e

escr

ever

.

Que

ro c

ontin

uar.

Luiz

Mor

eira

de

Jesu

s A

nec

essi

dade

de

ter

um e

mpr

ego

mel

hor

e ap

rend

er m

ais.

Term

inar

mai

s ráp

ido,

est

udar

co

m g

ente

da

min

ha id

ade,

ter

mai

s co

nhec

imen

to e

com

o di

z a

prof

esso

ra:

apre

nder

a

ler o

mun

do.

O

apoi

o da

m

inha

fil

ha

Laris

sa,

que

me

ajud

ava

a fa

zer a

s liç

ões.

Tenh

o m

ais

conf

ianç

a e

esto

u te

ntad

o um

em

preg

o m

elho

r. A

s op

ortu

nida

des e

stão

apa

rece

ndo.

Vou

faze

r ref

orço

de

portu

guês

e

mat

emát

ica.

Luzi

a Pe

dros

o

Meu

filh

o es

tá n

a 5ª

sér

ie,

e eu

não

co

nseg

uia

ajud

á-lo

a f

azer

as

liçõe

s de

ca

sa e

os t

raba

lhos

. Sou

mãe

solte

ira e

não

tin

ha c

om q

uem

dei

xar m

eu fi

lho.

Meu

fil

ho

foi

meu

gr

ande

in

cent

ivo

e m

uita

s ve

zes

ele

veio

par

a as

aul

as c

omig

o.

Vol

tei a

est

udar

alg

umas

vez

es e

de

sist

ia. D

esta

vez

, fui

até

o fi

m e

os

pro

fess

ores

e o

s co

lega

s fo

ram

m

uito

im

porta

ntes

pa

ra

min

ha

vitó

ria.

Que

ro

estu

dar

mai

s e

vou

real

izar

meu

son

ho q

ue é

ser

pr

ofes

sora

.

Con

tinua

...

Page 158: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

158

...co

ntin

ua

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Mai

con

Hel

eno

Cos

ta

Eu f

ui m

atric

ulad

o na

mar

ra p

orqu

e fu

i pr

eso

por

drog

as n

a F.

E.B

.E.M

. e s

e nã

o es

tuda

sse

perd

eria

m

inha

lib

erda

de

prov

isór

ia. S

empr

e es

tava

env

olvi

do c

om

brig

as, c

onfu

sões

e n

ão tr

abal

hava

. Nun

ca

gost

ei d

e es

tuda

r e d

a es

cola

.

Fiz

amiz

ade

com

os

cole

gas

e pr

inci

palm

ente

que

nin

guém

aq

ui

me

julg

ou.

Prin

cipa

lmen

te,

com

se

u G

eral

do

(alu

no

da

mes

ma

sala

) que

me

deu

uma

chan

ce

de

traba

lhar

co

m

ele.

O

s pr

ofes

sore

s ta

mbé

m

são

incr

ívei

s.

O e

stud

o,tra

balh

o, a

esc

ola,

e o

s co

lega

s m

e m

ostra

ram

qu

e eu

tin

ha a

opo

rtuni

dade

de

mud

ar.

Esto

u ap

rend

endo

um

a no

va

prof

issã

o de

ele

trici

sta.

Vou

faze

r cur

so té

cnic

o.

Mar

celo

Ala

n Sa

ntos

Fui

uma

cria

nça

e um

ado

lesc

ente

mui

to

prob

lem

átic

o e

da e

scol

a de

sist

i vá

rias

veze

s. Pa

ssei

pel

a F.

E.B

.E.M

., de

ond

e eu

fu

gi t

ambé

m. S

ó vo

ltei

porq

ue o

jui

z m

e ob

rigou

.

Não

gos

tava

de

estu

dar,

mas

se

mpr

e go

stei

de

mat

emát

ica,

qu

e m

uito

s al

unos

m

dific

ulda

de d

e ap

rend

er. E

eu

com

ecei

a e

nsin

ar o

s ou

tros

alun

os,

prin

cipa

lmen

te

os

mai

s ve

lhos

. Fi

zem

os

amiz

ade

e pa

rei

com

os

“a

mig

os”

e co

m a

s dro

gas.

Min

ha

vida

m

udou

e

mui

to

mes

mo,

po

rque

eu

co

nseg

ui

term

inar

meu

s es

tudo

s e

quer

o ap

rend

er

mai

s e

tenh

o um

a pr

ofis

são.

Vou

faze

r esc

ola

técn

ica.

Mar

ia d

e Fá

tima

Pena

È du

ro v

ocê

ter p

ouca

leitu

ra e

não

sabe

r o

que

está

es

crito

em

um

do

cum

ento

, co

nver

sar s

em m

edo

com

out

ras

pess

oas

e en

tend

er o

que

ela

s est

ão d

izen

do.

Min

ha p

atro

a m

e in

cent

ivou

m

uito

e,

quan

do e

u pe

nsav

a em

des

istir

, el

a m

e da

va u

m

prêm

io a

cad

a an

o qu

e eu

te

rmin

ava

na e

scol

a.

Mud

a m

uita

coi

sa,

porq

ue a

gora

co

nsig

o le

r e

ente

nder

do

cum

ento

s, ab

rir u

ma

cont

a no

ba

nco,

aju

dar

a m

inha

fam

ília

e at

é ga

nhar

mai

s.

Prec

iso

faze

r re

forç

o pa

ra

mel

hora

r a le

itura

e a

reda

ção.

Con

tinua

...

Page 159: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

157

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Luci

ana

Roc

ha C

oelh

o U

m e

mpr

ego

mel

hor

e as

sim

ofe

rece

r um

fu

turo

mel

hor p

ara

meu

s filh

os.

Meu

em

preg

o,

min

ha

mãe

, m

eus

filho

s e

min

ha f

orça

de

vont

ade.

Ago

ra

eu

esto

u em

um

ou

tro

luga

r na

soc

ieda

de,

perte

nço

ao

grup

o da

quel

es q

ue s

abem

ler

e

escr

ever

.

Que

ro c

ontin

uar.

Luiz

Mor

eira

de

Jesu

s A

nec

essi

dade

de

ter

um e

mpr

ego

mel

hor

e ap

rend

er m

ais.

Term

inar

mai

s ráp

ido,

est

udar

co

m g

ente

da

min

ha id

ade,

ter

mai

s co

nhec

imen

to e

com

o di

z a

prof

esso

ra:

apre

nder

a

ler o

mun

do.

O

apoi

o da

m

inha

fil

ha

Laris

sa,

que

me

ajud

ava

a fa

zer a

s liç

ões.

Tenh

o m

ais

conf

ianç

a e

esto

u te

ntad

o um

em

preg

o m

elho

r. A

s op

ortu

nida

des e

stão

apa

rece

ndo.

Vou

faze

r ref

orço

de

portu

guês

e

mat

emát

ica.

Luzi

a Pe

dros

o

Meu

filh

o es

tá n

a 5ª

sér

ie,

e eu

não

co

nseg

uia

ajud

á-lo

a f

azer

as

liçõe

s de

ca

sa e

os t

raba

lhos

. Sou

mãe

solte

ira e

não

tin

ha c

om q

uem

dei

xar m

eu fi

lho.

Meu

fil

ho

foi

meu

gr

ande

in

cent

ivo

e m

uita

s ve

zes

ele

veio

par

a as

aul

as c

omig

o.

Vol

tei a

est

udar

alg

umas

vez

es e

de

sist

ia. D

esta

vez

, fui

até

o fi

m e

os

pro

fess

ores

e o

s co

lega

s fo

ram

m

uito

im

porta

ntes

pa

ra

min

ha

vitó

ria.

Que

ro

estu

dar

mai

s e

vou

real

izar

meu

son

ho q

ue é

ser

pr

ofes

sora

.

Con

tinua

...

Page 160: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

158

...co

ntin

ua

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Mai

con

Hel

eno

Cos

ta

Eu f

ui m

atric

ulad

o na

mar

ra p

orqu

e fu

i pr

eso

por

drog

as n

a F.

E.B

.E.M

. e s

e nã

o es

tuda

sse

perd

eria

m

inha

lib

erda

de

prov

isór

ia. S

empr

e es

tava

env

olvi

do c

om

brig

as, c

onfu

sões

e n

ão tr

abal

hava

. Nun

ca

gost

ei d

e es

tuda

r e d

a es

cola

.

Fiz

amiz

ade

com

os

cole

gas

e pr

inci

palm

ente

que

nin

guém

aq

ui

me

julg

ou.

Prin

cipa

lmen

te,

com

se

u G

eral

do

(alu

no

da

mes

ma

sala

) que

me

deu

uma

chan

ce

de

traba

lhar

co

m

ele.

O

s pr

ofes

sore

s ta

mbé

m

são

incr

ívei

s.

O e

stud

o,tra

balh

o, a

esc

ola,

e o

s co

lega

s m

e m

ostra

ram

qu

e eu

tin

ha a

opo

rtuni

dade

de

mud

ar.

Esto

u ap

rend

endo

um

a no

va

prof

issã

o de

ele

trici

sta.

Vou

faze

r cur

so té

cnic

o.

Mar

celo

Ala

n Sa

ntos

Fui

uma

cria

nça

e um

ado

lesc

ente

mui

to

prob

lem

átic

o e

da e

scol

a de

sist

i vá

rias

veze

s. Pa

ssei

pel

a F.

E.B

.E.M

., de

ond

e eu

fu

gi t

ambé

m. S

ó vo

ltei

porq

ue o

jui

z m

e ob

rigou

.

Não

gos

tava

de

estu

dar,

mas

se

mpr

e go

stei

de

mat

emát

ica,

qu

e m

uito

s al

unos

m

dific

ulda

de d

e ap

rend

er. E

eu

com

ecei

a e

nsin

ar o

s ou

tros

alun

os,

prin

cipa

lmen

te

os

mai

s ve

lhos

. Fi

zem

os

amiz

ade

e pa

rei

com

os

“a

mig

os”

e co

m a

s dro

gas.

Min

ha

vida

m

udou

e

mui

to

mes

mo,

po

rque

eu

co

nseg

ui

term

inar

meu

s es

tudo

s e

quer

o ap

rend

er

mai

s e

tenh

o um

a pr

ofis

são.

Vou

faze

r esc

ola

técn

ica.

Mar

ia d

e Fá

tima

Pena

È du

ro v

ocê

ter p

ouca

leitu

ra e

não

sabe

r o

que

está

es

crito

em

um

do

cum

ento

, co

nver

sar s

em m

edo

com

out

ras

pess

oas

e en

tend

er o

que

ela

s est

ão d

izen

do.

Min

ha p

atro

a m

e in

cent

ivou

m

uito

e,

quan

do e

u pe

nsav

a em

des

istir

, el

a m

e da

va u

m

prêm

io a

cad

a an

o qu

e eu

te

rmin

ava

na e

scol

a.

Mud

a m

uita

coi

sa,

porq

ue a

gora

co

nsig

o le

r e

ente

nder

do

cum

ento

s, ab

rir u

ma

cont

a no

ba

nco,

aju

dar

a m

inha

fam

ília

e at

é ga

nhar

mai

s.

Prec

iso

faze

r re

forç

o pa

ra

mel

hora

r a le

itura

e a

reda

ção.

Con

tinua

...

Page 161: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

159

... c

ontin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Mar

ia E

unic

e C

unha

Trab

alho

co

mo

faxi

neira

m

ais

de

quin

ze a

nos

e nu

nca

ache

i qu

e pr

ecis

aria

vo

ltar

a es

tuda

r, m

as

cons

egui

um

em

preg

o na

s Lo

jas

Cem

, e e

les

me

dera

m

um p

razo

par

a qu

e eu

ter

min

asse

a 8

ª sé

rie.

Term

inei

a

oita

va s

érie

e a

gora

es

tou

term

inan

do o

ens

ino

méd

io.

Meu

em

preg

o de

pend

ia d

e eu

vo

ltar

a es

tuda

r e

a em

pres

a se

mpr

e m

e de

u fo

rça

para

que

eu

o pa

rass

e de

es

tuda

r. M

inha

fam

ília

ajud

ou m

uito

.

A

empr

esa

que

traba

lho

se

o fu

ncio

nário

term

ina

a oi

tava

sér

ie

ele

tem

um

aum

ento

, e is

to o

corr

e ta

mbé

m

quan

do

ele

term

ina

o en

sino

méd

io.

Aum

enta

ram

meu

sa

lário

dua

s vez

es.

Vou

faze

r cur

so té

cnic

o.

Mar

ia S

andr

a C

ustó

dio

Não

que

ria e

não

gos

tava

de

estu

dar,

porq

ue m

e re

petir

am tr

ês v

ezes

a p

rimei

ra

série

.

A t

urm

a qu

e m

e co

loca

ram

. Fo

i mar

avilh

oso.

M

inha

fo

rça

de

vont

ade,

os

co

lega

s e o

s pro

fess

ores

. Eu

que

ro c

ontin

uar.

Pris

cila

E. d

e O

livei

ra

Eu n

asci

no

Rec

ife e

m P

erna

mbu

co, e

entre

i na

esc

ola

mui

to a

trasa

da.

Ain

da

repe

ti a

prim

eira

série

.

Mui

tos

cons

elho

s do

s co

lega

s da

sal

a e

dos

prof

esso

res.

Se

eu

soub

esse

, tin

ha

volta

do

ante

s.

Mud

ou o

rum

o da

min

ha v

ida,

po

rque

eu

quer

o se

r pr

ofes

sora

e

ensi

nar

as c

rianç

as m

ais

nova

s. V

ou re

aliz

ar m

eu so

nho.

Vou

faze

r ped

agog

ia.

Que

li C

ristin

a O

livei

ra

Não

qu

ero

ser

dom

éstic

a m

inha

vi

da

inte

ira.

Meu

s pr

ofes

sore

s m

arav

ilhos

os,

as

aula

s, a

clas

se e

os

amig

os q

ue f

iz. E

m

inha

fa

míli

a qu

e ag

ora

ajud

a m

uito

.

Tinh

a m

edo

de

fala

r e

fala

r er

rado

. A

gora

le

io

o jo

rnal

, a

revi

sta

e se

i at

é tra

balh

ar c

om o

co

mpu

tado

r.

Que

ro

faze

r um

re

forç

o ou

cu

rsin

ho d

e um

ano

e d

epoi

s te

ntar

a fa

culd

ade.

Con

tinua

...

Page 162: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

160

... c

ontin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Rob

erva

l R

ios

da

Con

ceiç

ão

Vim

pa

ra

São

Paul

o,

traba

lhar

na

co

nstru

ção

civi

l e

pedr

eiro

ach

a qu

e nã

o pr

ecis

a es

tuda

r. Se

mpr

e go

stei

de

m

arce

naria

e p

ara

traba

lhar

prec

isa

ter

estu

do.

O e

sfor

ço e

a d

edic

ação

da

min

ha

espo

sa

e do

s m

eus

filho

s. F

oi u

ma

luta

ven

cer o

so

no e

o c

ansa

ço.

Com

o

meu

es

tudo

ap

rend

i a

faze

r de

tud

o na

mar

cena

ria e

pr

inci

palm

ente

as m

edid

as. Q

uero

fa

zer

um

curs

o de

m

arce

naria

ar

tístic

a.

Vou

faze

r cur

so té

cnic

o.

Reg

ina

Mar

a To

zi

Sem

pre

gost

ei d

e le

r e

escr

ever

e p

erce

bi

que

som

ente

com

o e

stud

o po

deria

cre

scer

na

vid

a. F

ique

i grá

vida

aos

qui

nze

anos

e

esta

va n

a qu

inta

sér

ie, e

meu

mar

ido,

dez

an

os m

ais

velh

o, m

e pr

oibi

u de

est

udar

e

só p

ude

volta

r de

pois

de

quin

ze a

nos

porq

ue e

le m

orre

u.

O m

eu e

sfor

ço p

esso

al e

o

apoi

o do

s meu

s filh

os.

E qu

ando

de

cidi

vo

ltar

eu

sabi

a qu

e iri

a at

é o

final

. C

omo

gost

o de

est

udar

e le

r, fic

ou m

ais f

ácil.

Qua

ndo

me

sepa

rei

com

ecei

co

mo

lava

dora

de

ônib

us e

, com

a

oita

va s

érie

, fu

i pr

omov

ida

para

co

brad

ora

de ô

nibu

s. E

com

o

ensi

no m

édio

, po

sso

conc

orre

r a

uma

vaga

de

fisca

l.

Não

vo

u pa

rar

mai

s, e

vou

entra

r no

cu

rsin

ho

para

m

elho

rar

aind

a m

ais

e te

ntar

um

a fa

culd

ade.

Reg

ina

O. S

ilva

Cas

ei m

uito

ced

o, c

om q

uato

rze

anos

de

idad

e, e

meu

s fil

hos

estã

o fa

zend

o cu

rsos

cnic

os e

em

preg

ados

. M

eu m

arid

o é

past

or e

sab

e le

r e

escr

ever

mui

to b

em e

es

tá f

azen

do te

olog

ia. F

alta

va e

u da

r um

a vi

rada

na

min

ha v

ida.

A

vont

ade

de

apre

nder

e

acom

panh

ar m

eu m

arid

o. L

er

e es

crev

er p

ara

mim

era

alg

o fu

ndam

enta

l.

Hoj

e vi

ajo

em

traba

lhos

m

issi

onár

ios

com

meu

mar

ido

ou

sozi

nha,

alg

o qu

e nã

o fa

zia

ante

s. Fa

ço le

itura

de

tudo

. Saí

daq

uele

m

undo

lim

itado

pe

la

falta

de

le

itura

e p

ela

relig

ião.

Que

ro

apre

nder

m

ais,

mui

to

mai

s.

Con

tinua

...

Page 163: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

161

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Ros

i Soc

orro

San

tana

Meu

s fil

hos

estã

o ca

sado

s e

tenh

o qu

atro

ne

tos.

Fiqu

ei v

iúva

com

mui

ta s

olid

ão e

do

ente

e u

ma

méd

ica

me

pedi

u pa

ra e

u vo

ltar a

est

udar

e n

ão p

arei

mai

s.

Tive

um

gra

nde

ince

ntiv

o e

auxí

lio d

os m

eus

filho

s e

dos

meu

s ne

tos

que

me

ajud

avam

na

s liç

ões.

As

doen

ças

sum

iram

e m

e si

nto

útil

e im

porta

nte.

Foi

mar

avilh

oso

ver

toda

a

min

ha

fam

ília

na

min

ha fo

rmat

ura.

Vou

faze

r o c

urso

de

refo

rço

de

mat

emát

ica

e re

daçã

o.

Sand

ro C

ampo

s And

rade

A fo

rça

de v

onta

de d

e m

elho

rar d

e vi

da e

a

pres

são

do t

raba

lho,

por

que

traba

lho

com

o m

ecân

ico

de a

utos

e p

erdi

boa

s of

erta

s de

tra

balh

o po

rque

o tin

ha

com

plet

ado

os e

stud

os.

A n

eces

sida

de d

e te

rmin

ar o

s es

tudo

s e

busc

ar

novo

s ho

rizon

tes.

Mud

ou m

uito

por

que

agor

a eu

po

sso

alia

r o

conh

ecim

ento

cnic

o qu

e te

nho

com

o e

stud

o qu

e al

canc

ei.

Vou

fa

zer

curs

o té

cnic

o e

depo

is

supe

rior

dent

ro

da

min

ha á

rea

de tr

abal

ho.

Sim

ônic

a M

elo

Silv

a

Com

ecei

a

perc

eber

qu

e bo

as

opor

tuni

dade

s de

tra

balh

o eu

te

ria

som

ente

teria

se

volta

sse

a es

tuda

r.Mes

mo

me

acha

ndo

velh

a vo

ltei.

Vol

tei

com

m

uito

m

edo

e pe

nsei

m

uita

s ve

zes

em

desi

stir,

mas

com

o

apoi

o do

s col

egas

e d

os p

rofe

ssor

es,

eu c

onse

gui t

erm

inar

.

Mui

tos

até

da

min

ha

fam

ília

acha

vam

qu

e eu

o iri

a co

nseg

uir c

hega

r até

aqu

i. Eu

che

quei

, m

udei

min

ha v

ida

e vo

u cr

esce

r ain

da m

ais.

Prec

iso

faze

r m

ais

aula

s de

po

rtugu

ês e

mat

emát

ica.

Van

essa

Cus

tódi

o

Sou

dom

éstic

a e

sem

pre

tinha

difi

culd

ades

pa

ra a

nota

r um

rec

ado,

ler

as

rece

itas

e re

solv

er u

m p

robl

ema

da c

asa.

E m

inha

pa

troa

me

ince

ntiv

ou m

uito

.

Meu

s fil

hos

tam

bém

for

am

um g

rand

e m

otiv

o pa

ra q

ue

eu v

olta

sse

a es

tuda

r po

rque

el

es

são

ótim

os

alun

os

na

esco

la.

E a

mãe

de

les

prec

isav

a te

r est

udo

tam

bém

.

Mud

ou p

orqu

e ho

je e

u se

i le

r e

escr

ever

m

uito

be

m

e fu

i co

nsid

erad

a um

a da

s m

elho

res

alun

as

da

clas

se.

Crie

i m

eus

filho

s so

zinh

a e

agor

a po

sso

até

deix

ar d

e se

r do

més

tica

e bu

scar

ou

tra p

rofis

são.

Vou

faz

er r

efor

ço e

ten

tar

um

curs

o té

cnic

o na

ár

ea

de

enfe

rmag

em.

Page 164: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

159

... c

ontin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Mar

ia E

unic

e C

unha

Trab

alho

co

mo

faxi

neira

m

ais

de

quin

ze a

nos

e nu

nca

ache

i qu

e pr

ecis

aria

vo

ltar

a es

tuda

r, m

as

cons

egui

um

em

preg

o na

s Lo

jas

Cem

, e e

les

me

dera

m

um p

razo

par

a qu

e eu

ter

min

asse

a 8

ª sé

rie.

Term

inei

a

oita

va s

érie

e a

gora

es

tou

term

inan

do o

ens

ino

méd

io.

Meu

em

preg

o de

pend

ia d

e eu

vo

ltar

a es

tuda

r e

a em

pres

a se

mpr

e m

e de

u fo

rça

para

que

eu

o pa

rass

e de

es

tuda

r. M

inha

fam

ília

ajud

ou m

uito

.

A

empr

esa

que

traba

lho

se

o fu

ncio

nário

term

ina

a oi

tava

sér

ie

ele

tem

um

aum

ento

, e is

to o

corr

e ta

mbé

m

quan

do

ele

term

ina

o en

sino

méd

io.

Aum

enta

ram

meu

sa

lário

dua

s vez

es.

Vou

faze

r cur

so té

cnic

o.

Mar

ia S

andr

a C

ustó

dio

Não

que

ria e

não

gos

tava

de

estu

dar,

porq

ue m

e re

petir

am tr

ês v

ezes

a p

rimei

ra

série

.

A t

urm

a qu

e m

e co

loca

ram

. Fo

i mar

avilh

oso.

M

inha

fo

rça

de

vont

ade,

os

co

lega

s e o

s pro

fess

ores

. Eu

que

ro c

ontin

uar.

Pris

cila

E. d

e O

livei

ra

Eu n

asci

no

Rec

ife e

m P

erna

mbu

co, e

entre

i na

esc

ola

mui

to a

trasa

da.

Ain

da

repe

ti a

prim

eira

série

.

Mui

tos

cons

elho

s do

s co

lega

s da

sal

a e

dos

prof

esso

res.

Se

eu

soub

esse

, tin

ha

volta

do

ante

s.

Mud

ou o

rum

o da

min

ha v

ida,

po

rque

eu

quer

o se

r pr

ofes

sora

e

ensi

nar

as c

rianç

as m

ais

nova

s. V

ou re

aliz

ar m

eu so

nho.

Vou

faze

r ped

agog

ia.

Que

li C

ristin

a O

livei

ra

Não

qu

ero

ser

dom

éstic

a m

inha

vi

da

inte

ira.

Meu

s pr

ofes

sore

s m

arav

ilhos

os,

as

aula

s, a

clas

se e

os

amig

os q

ue f

iz. E

m

inha

fa

míli

a qu

e ag

ora

ajud

a m

uito

.

Tinh

a m

edo

de

fala

r e

fala

r er

rado

. A

gora

le

io

o jo

rnal

, a

revi

sta

e se

i at

é tra

balh

ar c

om o

co

mpu

tado

r.

Que

ro

faze

r um

re

forç

o ou

cu

rsin

ho d

e um

ano

e d

epoi

s te

ntar

a fa

culd

ade.

Con

tinua

...

Page 165: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

160

... c

ontin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

aj

udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

esc

olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

ino

Méd

io n

o E

.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Rob

erva

l R

ios

da

Con

ceiç

ão

Vim

pa

ra

São

Paul

o,

traba

lhar

na

co

nstru

ção

civi

l e

pedr

eiro

ach

a qu

e nã

o pr

ecis

a es

tuda

r. Se

mpr

e go

stei

de

m

arce

naria

e p

ara

traba

lhar

prec

isa

ter

estu

do.

O e

sfor

ço e

a d

edic

ação

da

min

ha

espo

sa

e do

s m

eus

filho

s. F

oi u

ma

luta

ven

cer o

so

no e

o c

ansa

ço.

Com

o

meu

es

tudo

ap

rend

i a

faze

r de

tud

o na

mar

cena

ria e

pr

inci

palm

ente

as m

edid

as. Q

uero

fa

zer

um

curs

o de

m

arce

naria

ar

tístic

a.

Vou

faze

r cur

so té

cnic

o.

Reg

ina

Mar

a To

zi

Sem

pre

gost

ei d

e le

r e

escr

ever

e p

erce

bi

que

som

ente

com

o e

stud

o po

deria

cre

scer

na

vid

a. F

ique

i grá

vida

aos

qui

nze

anos

e

esta

va n

a qu

inta

sér

ie, e

meu

mar

ido,

dez

an

os m

ais

velh

o, m

e pr

oibi

u de

est

udar

e

só p

ude

volta

r de

pois

de

quin

ze a

nos

porq

ue e

le m

orre

u.

O m

eu e

sfor

ço p

esso

al e

o

apoi

o do

s meu

s filh

os.

E qu

ando

de

cidi

vo

ltar

eu

sabi

a qu

e iri

a at

é o

final

. C

omo

gost

o de

est

udar

e le

r, fic

ou m

ais f

ácil.

Qua

ndo

me

sepa

rei

com

ecei

co

mo

lava

dora

de

ônib

us e

, com

a

oita

va s

érie

, fu

i pr

omov

ida

para

co

brad

ora

de ô

nibu

s. E

com

o

ensi

no m

édio

, po

sso

conc

orre

r a

uma

vaga

de

fisca

l.

Não

vo

u pa

rar

mai

s, e

vou

entra

r no

cu

rsin

ho

para

m

elho

rar

aind

a m

ais

e te

ntar

um

a fa

culd

ade.

Reg

ina

O. S

ilva

Cas

ei m

uito

ced

o, c

om q

uato

rze

anos

de

idad

e, e

meu

s fil

hos

estã

o fa

zend

o cu

rsos

cnic

os e

em

preg

ados

. M

eu m

arid

o é

past

or e

sab

e le

r e

escr

ever

mui

to b

em e

es

tá f

azen

do te

olog

ia. F

alta

va e

u da

r um

a vi

rada

na

min

ha v

ida.

A

vont

ade

de

apre

nder

e

acom

panh

ar m

eu m

arid

o. L

er

e es

crev

er p

ara

mim

era

alg

o fu

ndam

enta

l.

Hoj

e vi

ajo

em

traba

lhos

m

issi

onár

ios

com

meu

mar

ido

ou

sozi

nha,

alg

o qu

e nã

o fa

zia

ante

s. Fa

ço le

itura

de

tudo

. Saí

daq

uele

m

undo

lim

itado

pe

la

falta

de

le

itura

e p

ela

relig

ião.

Que

ro

apre

nder

m

ais,

mui

to

mai

s.

Con

tinua

...

Page 166: VALMIR ALMEIDA PASSOS EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ...

161

...co

ntin

uaçã

o

Nom

e

O q

ue o

(a) f

ez v

olta

r e

perm

anec

er?

Qua

is o

s fat

ores

que

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udar

am o

u aj

udar

ão n

a pe

rman

ênci

a no

cur

so d

o E

.J.A

.?

O q

ue m

udou

em

sua

vida

du

rant

e es

ta tr

ajet

ória

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olar

?

Apó

s ter

min

ar o

Ens

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Méd

io n

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.J.A

., vo

cê ir

á co

ntin

uar

a es

tuda

r?

Ros

i Soc

orro

San

tana

Meu

s fil

hos

estã

o ca

sado

s e

tenh

o qu

atro

ne

tos.

Fiqu

ei v

iúva

com

mui

ta s

olid

ão e

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ente

e u

ma

méd

ica

me

pedi

u pa

ra e

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ltar a

est

udar

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arei

mai

s.

Tive

um

gra

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ntiv

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s ne

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ões.

As

doen

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sum

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útil

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porta

nte.

Foi

mar

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oso

ver

toda

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min

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fam

ília

na

min

ha fo

rmat

ura.

Vou

faze

r o c

urso

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refo

rço

de

mat

emát

ica

e re

daçã

o.

Sand

ro C

ampo

s And

rade

A fo

rça

de v

onta

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e m

elho

rar d

e vi

da e

a

pres

são

do t

raba

lho,

por

que

traba

lho

com

o m

ecân

ico

de a

utos

e p

erdi

boa

s of

erta

s de

tra

balh

o po

rque

o tin

ha

com

plet

ado

os e

stud

os.

A n

eces

sida

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e te

rmin

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s es

tudo

s e

busc

ar

novo

s ho

rizon

tes.

Mud

ou m

uito

por

que

agor

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sso

alia

r o

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ecim

ento

cnic

o qu

e te

nho

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o e

stud

o qu

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canc

ei.

Vou

fa

zer

curs

o té

cnic

o e

depo

is

supe

rior

dent

ro

da

min

ha á

rea

de tr

abal

ho.

Sim

ônic

a M

elo

Silv

a

Com

ecei

a

perc

eber

qu

e bo

as

opor

tuni

dade

s de

tra

balh

o eu

te

ria

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ente

teria

se

volta

sse

a es

tuda

r.Mes

mo

me

acha

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velh

a vo

ltei.

Vol

tei

com

m

uito

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e pe

nsei

m

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desi

stir,

mas

com

o

apoi

o do

s col

egas

e d

os p

rofe

ssor

es,

eu c

onse

gui t

erm

inar

.

Mui

tos

até

da

min

ha

fam

ília

acha

vam

qu

e eu

o iri

a co

nseg

uir c

hega

r até

aqu

i. Eu

che

quei

, m

udei

min

ha v

ida

e vo

u cr

esce

r ain

da m

ais.

Prec

iso

faze

r m

ais

aula

s de

po

rtugu

ês e

mat

emát

ica.

Van

essa

Cus

tódi

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Sou

dom

éstic

a e

sem

pre

tinha

difi

culd

ades

pa

ra a

nota

r um

rec

ado,

ler

as

rece

itas

e re

solv

er u

m p

robl

ema

da c

asa.

E m

inha

pa

troa

me

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ntiv

ou m

uito

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Meu

s fil

hos

tam

bém

for

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um g

rand

e m

otiv

o pa

ra q

ue

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olta

sse

a es

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r po

rque

el

es

são

ótim

os

alun

os

na

esco

la.

E a

mãe

de

les

prec

isav

a te

r est

udo

tam

bém

.

Mud

ou p

orqu

e ho

je e

u se

i le

r e

escr

ever

m

uito

be

m

e fu

i co

nsid

erad

a um

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s m

elho

res

alun

as

da

clas

se.

Crie

i m

eus

filho

s so

zinh

a e

agor

a po

sso

até

deix

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e se

r do

més

tica

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scar

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rofis

são.

Vou

faz

er r

efor

ço e

ten

tar

um

curs

o té

cnic

o na

ár

ea

de

enfe

rmag

em.

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