Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

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Uso do gesso na agricultura Bernardo van Raij 1 1. Introdução Gesso na agricultura é assunto de relevância em grandes áreas cultivadas do Brasil, principalmente as situadas na parte central do país. O assunto tem sido objeto de amplas discussões, que estão disponíveis em forma de publicações de revisão do estado da arte (Ibrafos, 1986; Raij, 1988; Shainberg et al., 1989; Ibrafos, 1992; Alcordo & Rechcigl, 1993; Sumner, 1993; Ritchey & Sousa, 1997). Além disso, deverá ser publicado neste ano o livro “Uso do gesso na agricultura: fundamentos e aplicação” (Raij, 2007). Assim, tendo em vista essa disponibilidade de informações sobre o uso de gesso na agricultura, optou-se por tratar de alguns aspectos práticos para entender o comportamento e a ação do gesso em solos agrícolas ácidos e para culturas. Por outro lado, o escopo do trabalho não perde de vista o objetivo maior deste simpósio, que é o de tratar de informações recentes para otimização da produção agrícola. Parte-se do princípio que já não se discute mais a necessidade de correção da acidez e calagem do solo e da adubação das culturas, mas que se parte de uma situação de adequado uso da tecnologia disponível, para buscar informações que permitam novos incrementos na produção da agricultura. Também já se considera o plantio direto a 1 Instituto Agronômico, Caixa postal 28, 13001-970 Campinas, SP

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Uso do gesso na agricultura

Bernardo van Raij1

1. Introdução

Gesso na agricultura é assunto de relevância em grandes áreas cultivadas do

Brasil, principalmente as situadas na parte central do país. O assunto tem sido objeto de

amplas discussões, que estão disponíveis em forma de publicações de revisão do estado

da arte (Ibrafos, 1986; Raij, 1988; Shainberg et al., 1989; Ibrafos, 1992; Alcordo &

Rechcigl, 1993; Sumner, 1993; Ritchey & Sousa, 1997). Além disso, deverá ser

publicado neste ano o livro “Uso do gesso na agricultura: fundamentos e aplicação”

(Raij, 2007). Assim, tendo em vista essa disponibilidade de informações sobre o uso de

gesso na agricultura, optou-se por tratar de alguns aspectos práticos para entender o

comportamento e a ação do gesso em solos agrícolas ácidos e para culturas.

Por outro lado, o escopo do trabalho não perde de vista o objetivo maior deste

simpósio, que é o de tratar de informações recentes para otimização da produção

agrícola. Parte-se do princípio que já não se discute mais a necessidade de correção da

acidez e calagem do solo e da adubação das culturas, mas que se parte de uma situação

de adequado uso da tecnologia disponível, para buscar informações que permitam novos

incrementos na produção da agricultura. Também já se considera o plantio direto a

forma de agricultura a ser implementada, devendo-se sempre ter isso em vista, mesmo

que os resultados experimentais refiram-se ao plantio convencional. Nesse contexto, o

uso agrícola do gesso é ainda um assunto a ser melhor conhecido e explorado para o

aumento da produtividade, principalmente naqueles aspectos que afetam o sistema

radicular das plantas. Ressalte-se que o uso de gesso em solos sódicos não será

discutido e nem tampouco os aspectos comuns de cálcio e enxofre como nutrientes.

Não se espera do gesso, como melhorador do ambiente radicular dos solos,

efeitos espetaculares, como os da calagem e adubação, mas efeitos, embora modestos

em cada ano, persistentes e cumulativos ao longo do tempo. Entra-se, assim, em um

campo de incrementos de produção moderados, que requerem abordagem estatística

adequada, para assegurar que os efeitos observados não se escondam na forma de

diferenças não significativas, com os aumentos de produção não se manifestando pelo

erro experimental excessivo ou pelo planejamento inadequado.

1 Instituto Agronômico, Caixa postal 28, 13001-970 Campinas, SP

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Serão apresentados resultados experimentais de milho, cana-de-açúcar e soja,

para ilustrar conceitos.

2. Barreiras químicas no solos

Segundo Marschner (2002), os principais impedimentos que restringem a

penetração de raízes no subsolo, prejudicando a absorção de água e nutrientes, são

aeração deficiente, impedimentos mecânicos e acidez. No caso da acidez, os principais

fatores são deficiência de cálcio e o excesso tóxico de alumínio, muito mais

generalizado que a deficiência de cálcio.

O alumínio, elemento que ocorre de forma generalizada em solos ácidos, é o

principal fator de acidez do solo a prejudicar as culturas. O alumínio trocável ocorre de

forma generalizada em solos ácidos. Sua ação se faz sentir nas raízes das plantas, que se

alongam mais lentamente. Mais tarde elas engrossam e não se ramificam normalmente;

as pontas das raízes desintegram e adquirem cor marrom. As raízes adventícias

proliferam enquanto a coroa da planta estiver viva (Reid, 1976). Em estágios mais

avançados da toxidez, a parte aérea também é danificada, existindo correlação estreita

entre o peso das raízes e o peso da parte aérea das plantas.

No Brasil a toxidez de alumínio é de grande importância, sendo de ocorrência

generalizada na maior parte dos solos (Olmos e Camargo, 1976). A calagem pode

resolver o problema na camada superficial do solo, mas dificilmente promoverá

correção no subsolo, dentro das atuais aplicações praticadas no plantio direto.

Para os solos do Sudeste dos Estados Unidos, Adams e Lund (1966) ressaltaram

que o desenvolvimento limitado de raízes no subsolo, naquela região, foi devida

principalmente ao efeito detrimental do alumínio. Comparando solos contendo caulinita,

vermiculita ou montmorilonita, três minerais de argila bastante distintos, os autores

constataram relações diferentes entre a penetração de raízes do algodoeiro e valores

críticos de pH, alumínio trocável ou saturação por alumínio dos solos. Contudo, todos

os subsolos apresentaram uma relação comum entre a penetração de raízes e a atividade

molar de Al na solução do solo.

O papel do cálcio no desenvolvimento radicular em solos está bem estabelecido

(Marschner, 2002). Em valores de pH abaixo de 5, muitas vezes a inibição ao

alongamento radicular deve-se a formas monoméricas de alumínio. Por outro lado, o

cálcio protege as raízes do estresse causado pelo pH baixo. O fato do cálcio ser imóvel

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no floema, não se translocando das partes aéreas para as partes mais novas das raízes em

desenvolvimento faz com que o cálcio requerido para o crescimento de raízes deva ser

absorvido da solução externa nas zonas apicais. Marschener (2002) ressalta que mesmo

quando uma quantidade adequada de calcário é misturada apenas ao solo superficial, as

raízes são severamente restringidas em sua capacidade de penetrar em subsolos ácidos.

Para as condições brasileiras, Ritchey et al. (1982) relataram que em alguns

solos altamente intemperizados do Planalto Central do Brasil, os níveis de cálcio do

subsolo foram insuficientes para proporcionar crescimento normal de raízes de trigo,

soja e milho. Em outro trabalho, Ritchey et al. (1983), utilizando um método biológico,

mostraram que severas restrições ao crescimento radicular das plantas foram observadas

quando o teor no solo se situava nos limites da faixa de 0,2 a 0,5 mmolc/dm3. Os autores

mostraram que 1,0 a 1,5 mmolc/kg de Ca no solo, como cloreto, fosfato ou carbonato,

normalizavam o crescimento de raízes.

Como lembrança histórica, ressalte-se que Ritchey e outros (1980) foram os

primeiros a realizar trabalho que não só demonstrou a existência de barreira química

para a penetração das raízes de milho no subsolo, como também apontou para uma

maneira de eliminá-la, através do uso degesso. Na Tabela 1 são mostrados alguns dados

que ilustram a problemática em discussão. Os resultados foram obtidos após cerca de

duas semanas de severa seca de um ensaio de fosfatos e o efeito positivo nas raíses foi

promovido pelo gesso do superfosfato simples (SS), em comparação com o superfosfato

triplo (ST).

Tabela 1. Efeito de superfosfato triplo (ST) e superfosfato simples na saturação de alumínio, ocorrência de raízes e teor de água no solo, em experimento com fosfatos em um Oxisol de Planaltina (DF)

Profun-didade

Saturação por alumínio Presença de raízes Teor de águaST* SS ST SS ST SS

cm % Sim ou não %0-15 1 14 sim sim 13,6 16,615-30 12 30 sim sim 18,1 19,930-45 47 21 sim sim 20,2 21,745-60 61 12 sim sim 22,7 20,660-75 62 17 não sim 23,6 20,875-90 73 18 não sim 24,3 23,390-105 90 22 não sim 25,0 23,2105-120 74 8 não sim 25,3 24,1

Fonte: Ritchey e outros (1980).*SS- Superfosfato simples; ST – Superfosfato triplo.

Os resultados da Tabela indicam que maior saturação por alumínio estava

associada ao menor aprofundamento do sistema radicular e menor absorção de água, o

que causou a murcha das plantas. Note-se que o efeito foi observado até 120 cm e que

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na camada de 105-120 cm houve expressiva redução da saturação por alumínio, de 74%

no tratamento 01 para apenas 8% no tratamento 02.

3. Calcário e gesso: diferentes reações no solo

Para calcário, a referência que serve para comparações é o carbonato de cálcio,

CaCO3. Para gessagem, o principal componente é o sulfato de cálcio dihidratado,

CaSO4.2H2O. Na Tabela 2 são dados números teóricos das quantidades aplicadas ao

solo por esses dois sais, nas quatro representações mais comuns. Esses números

facilitam comparações e fornecem ordens de grandeza das quantidades envolvidas na

calagem e gessagem e os efeitos teóricos esperados em resultados de análise de solo. Os

valores mostram o que se pode esperar. Na prática nenhum dos dois materiais

considerados tem 100% de pureza, parte dos produtos pode não dissolver, a aplicação

não é totalmente uniforme, aumentando o erro de amostragem e, além disso tudo, há

deslocamento de íons para camadas mais profundas do solo e recuperação apenas

parcial dos elementos pela análise de solo. Por essas razões, é bastante razoável não

esperar recuperação, pela análise de solo, de muito mais do que 50% do que foi

aplicado.

Tabela 2. Composição teórica de carbonato de cálcio, de carbonato duplo de cálcio e magnésio e de sulfato de cálcio di-hidratado e efeito máximo esperado de 1 t/ha em resultados de análise de solo da camada superficial, de 20 cm de espessura.

Variável CaCO3 CaSO4.2H2OCa – g/kg ou kg/t no produto 400 294Ca – mg/dm3 no solo 200 147Ca – mmolc/dm3 no solo 10 7,4Poder de neutralização, % de CaCO3 100 0S – mmolc/dm3 no solo 0 7,4

Alguns comentários sobre os cálculos que produziram os números da Tabela 2,

começando com informações sobre as unidades de representação empregadas. Os que

atuam há mais tempo em solos, certamente lembram-se do miliequivalente, e as

representações em meq/100 cm3 de solos (ou meq/100 g de solos, no caso de

pedologia). Basicamente duas coisas ocorreram com a atualização dessas unidades: (1)

o miliequivalente apenas mudou de nome, passando a chamar-se milimol de carga, ou

mmolc; (2) a base de referência mudou, de 100 cm3 (ou 100 g) para 1 dm3 (ou 1 kg) e,

portanto, os resultados são 10 vezes maiores. Ao aplicar 1 t/ha de CaCO 3 ao solo, essa

quantidade equivale a 200 mg/dm3 ou 10 mmolc/dm3. Isso equivale a 1 meq/100 cm3, na

unidade antiga. Lembra-se que o poder de neutralização de calcários é dado em

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equivalente carbonato de cálcio. O sulfato de cálcio, com 294 g/kg de Ca, supre o

equivalente a 7,4 mmolc/dm3 de Ca2+ ao solo, mas o poder de neutralização é zero. Da

mesma forma, é suprida uma quantidade de 235 g/ka de S, também equivalente a 7,4

mmolc/dm3 de SO42-.

É comum existir uma certa confusão entre o papel do calcário e do gesso na

“correção” do solo. Pela discussão deve ficar claro que os dois produtos são muito

diferentes. Além disso, o calcário tem uso universal em qualquer solo ácido, enquanto

que o gesso é de uso restrito a alguns solos ácidos do mundo, embora sejam os que

predominam no Brasil Central. Por outro lado, o gesso é largamente usado em regiões

de climas semi-árido ou áridos, para a remoção de excesso de sódio do solo.

O carbonato de cálcio é um sal básico e, como tal, reage com qualquer ácido,

quer seja droga de laboratório, quer seja acidez do solo. Para facilidade de

representação, a reação será mostrada com ácido simbólico HA. A reação é esta:

CaCO3 + 2HA = Ca2+ + 2A- + H2O + CO2↑

Pela reação o carbonato de cálcio neutraliza a acidez do solo, com a formação do

sal CaA2, água e o e gás carbônico. No caso solo acontece a mesma coisa, ficando as

cargas negativas expostas (correspondentes ao A-) contrabalançadas pelo Ca2+. O

importante, no caso, é o papel do íon carbonato de “receptor de prótons” ou, em outras

palavras, de íons hidrogênio, que perde seu caráter ácido ao ser incorporado em

molécula de água.

A mesma reação, com sulfato de cálcio, pode ser assim representada:

CaSO4 + 2HA = Ca2+ + SO42- + 2H+ + 2A-

Neste caso o gesso, como sal neutro, não tem ação sobre a acidez. O ânion

sulfato permanece como tal e não atua como “receptor de prótons”. Assim, o gesso não

neutraliza a acidez.

Dessa forma, a reação do gesso na camada superficial do solo, é tão somente a

de troca de cátions. O sulfato em geral não é retido na camada superficial de solos. O

ânion SO42- é lixiviado, carreando perfil abaixo quantidade equivalente de cátions. A

principal reação de gesso em solos, nessas condições, é a troca de cátions.

4. Calagem: o seu papel na correção de solos mudou?

Com o advento e disseminação do plantio direto, há uma tendência em amostrar

o solo na profundidade de 0-10 cm, ao invés de 0-20 cm, e calcular as necessidades de

calagem para neutralizar apenas essa camada. Isso esta coerente com as baixas respostas

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à calagem que vem sendo obtidas em diferentes situações. Por outro lado, isso contrasta

com a ampla experimentação de calagem realizada em sistemas de cultivo

convencional.

Neste trabalho não se dará resposta a isso, mas serão mostrados resultados para

conduzir à reflexão sobre um assunto, calagem e gessagem, que na visão deste autor,

precisam de uma ampla revisão, dentro do espírito de otimização da produção agrícola.

A calagem é a forma mais tradicional e disseminada de corrigir a acidez dos

solos. Lembra-se que a ação esperada da calagem é a correção da acidez do solo e que

essa ação se manifesta onde o calcário, material insolúvel em água, se faz presente.

Assim, aplicações isoladas de calcário, por exemplo em sulcos de plantio, mesmo que

apresentando efeito na produção de culturas, não deve ser comparada com a calagem

tradicional, que consiste em neutralizar uma camada definida de solo através da mistura

do corretivo.

Muitos trabalhos tem mostrado que a calagem, quanto mais profunda e bem

incorporada no solo, melhor ação terá sobre a acidez do solo.

O trabalho de Gonzáles-Erico et al. (1979), realizado no cerrado do Distrito

Federal, ilustra a importância prática da incorporação de calcário (Tabela 3). É marcante

o efeito de uma incorporação mais profunda do calcário no solo. No caso foram

avaliados três cultivos apenas, mas percebe-se que o efeito da incorporação mais

profunda do calcário sobre a produção acentua-se com o tempo. Oito toneladas por

hectare de calcário incorporado a 0-15 cm, que é uma profundidade próxima da usada

em plantio convencional, têm aproximadamente o mesmo efeito na produção do que

apenas 1 t/ha de calcário aplicado de 0 a 30 cm. Note-se que aqui não se está lidando

com grandes profundidades no perfil do solo e, mesmo assim, as respostas são altas.

Contudo, a dificuldade de incorporação profunda de calcário, que sempre

existiu, torna-se mais evidente em situações de manejo em que o revolvimento do solo

não á praticado, como é o caso do plantio direto. A questão, nesse caso, é saber até que

ponto a acidez subsuperficial do solo representará uma limitação permanente da

produtividade e até que ponto calcário aplicado na superfície poderá contornar o

problema. No caso do plantio direto, uma situação como essa da Tabela 3 precisaria ser

avaliada, não só em termos de incorporação profunda, mas também de usar gesso como

uma alternativa de ação complementar.

As informações na literatura sobre o aprofundamento do efeito da calagem são

controvertidas e há muitos casos em que foi demonstrado efeito da calagem no

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aprofundamento do sistema radicular. Como o tema aqui não é calagem, a discussão

não será aprofundada.

Tabela 3. Influência da profundidade de incorporação do corretivo na eficiência da calagem para milho. Ensaio realizado em Latossolo Vermelho Escuro de cerrado, em Planaltina, DF.

Calcário, t/há Produção de grãos, kg/ha Índice, %1o cultivo 2o cultivo 3o cultivo Média

Testemunha sem calcário0 2.115 4.569 880 2.521 100

Calcário incorporado a 0-15 cm de profundidade1 3.423 5.281 1.474 3.397 1352 3.531 5.689 1.863 3.694 1464 4.004 5.903 2.265 4.057 1618 3.723 5.960 2.052 3.912 155

Calcário incorporado a 0-30 cm de profundidade1 4.019 5.684 2.086 3.930 1552 4.341 5.858 2.573 4.257 1694 4.797 6.682 3.058 4.846 1928 4.792 7.266 3.601 5.220 207

Fonte: Gonzáles-Erico (1979).

5. Cargas elétricas no solo explicam a “adsorção” de gesso

Trocadores de íons são materiais insolúveis que contém, adsorvidos em cargas

elétricas superficiais, íons de carga oposta à da superfície, que podem ser trocados por

outros íons de mesma carga.

Solos em geral são considerados trocadores de cátions. A troca de ânions não é

considerada como algo importante, principalmente na parte mais superficial dos solos,

com teores mais elevados de matéria orgânica. Entenda-se aqui ânions como nitrato ou

cloreto e até sulfato. A adsorção de fosfato em solos ocorre por outros mecanismos que

não troca iônica.

O excesso de carga elétrica negativa é contrabalançado por cátions trocáveis,

também denominados contra-íons, existentes da solução do solo em quantidade

estequiometricamente equivalente à carga superficial. Além dos contra-íons, podem

ocorrer ânions em solução, ou seja, íons com carga elétrica igual à da superfície. Esses

íons são denominados co-íons, que nada mais são do que os ânions de sais livres

existentes na solução do solo e, portanto, eles são acompanhados de quantidades

equivalentes de cátions em solução, além dos cátions trocáveis.

A troca de cátions em solos implica na existência de substâncias com a

propriedade de troca de íons. Solos são sistemas complexos e, como regra, diversos

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componentes orgânicos e minerais estão presentes nas frações finas, mais ativas.

Portanto, a propriedade de troca de íons, com ampla predominância da troca de cátions

na camada superficial, é resultante das propriedades individuais e interações dos

componentes isolados.

Os principais materiais que possuem a propriedade de troca de íons em solos são

a matéria orgânica, os minerais de argila, os óxidos de ferro e alumínio e os silicatos de

alumínio amorfos, conhecidos como alofanas.

No solo o efeito desses diferentes componentes na CTC não é aditiva. Isso

porque há fortes interações entre matéria orgânica e minerais de argila, ou de óxidos

com minerais de argila e, ainda, o bloqueio físico de cargas elétricas dos componentes

por agregação. Além disso, a distância entre cargas elétricas nas partículas do solo é

suficientemente grande para permitir a adsorção simultânea da cátions e ânions, se a

composição mineralógica o permitir.

A matéria orgânica é um fator importante para o comportamento do gesso em

solos. Como ela tem elevada capacidade de troca de cátions e é fortemente

eletronegativa, cria um ambiente de repulsão do ânion SO42-, que é, por essa razão,

menos retido no horizonte superficial, mais rico em matéria orgânica, como será

mostrado posteriormente.

As cargas elétricas são responsáveis por propriedades únicas dos solos, que

proporcionam interação peculiar com o gesso. Ressalte-se que não se trata de

propriedade geral dos solos, mas de algo que ocorre principalmente em solos dos

trópicos úmidos. Por esta razão, a ação do gesso em solos ácidos não é tema tratado nos

melhores livros internacionais de fertilidade do solo.

O fator principal de variação de cargas elétricas em solos é o pH. As cargas

elétricas negativas do solo, muito conhecidas, avaliadas que são pela capacidade de

troca de cátions, ou simplesmente CTC, aumentam com elevação do pH, conforme se

sabe da prática da calagem, em que reduz-se a acidez do solo aumentando espaço para

cátions trocáveis, como Ca2+ e Mg2+. Já as cargas positivas, quando existem condições

para seu aparecimento, variam em sentido inverso, ou seja, aumentam com a diminuição

do pH do solo.

Uma maneira de determinar as cargas elétricas é saturando os solos com

soluções de diversas concentrações de sais, ajustando a solução de equilíbrio a diversos

valores de pH e avaliando a retenção de íons. Na Tabela 4 são apresentados resultados

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de cargas elétricas nos horizontes B2 de um de uma Terra Roxa Estruturada eutrófica

(TE) e de um Latossolo Roxo ácrico (LR).

Tabela.4. Valores de cargas elétricas, em dois valores de pH e duas concentrações de equilíbrio de MgSO4, em amostras do horizonte do horizonte B2 de uma Terra Roxa Estruturada (TE) e um Latossolo Roxo (LR

Solo Concentração de MgSO4 – molc /L

pH Potencial de superfície –.

mV

Cargas elétricas do solo, mmolc/kgNegativa Positiva Líquida Líquida

teóricaTE-B2 0,01 6,0 -148 87 16 -71 -84

5,0 -89 67 27 -40 -440,001 6,0 -148 73 08 -65 -62

5,0 -90 50 17 -33 -26LR-B2 0,01 6,0 18 18 28 10 4

5,0 77 7 38 31 220,001 6,0 19 13 21 8 1

5,0 88 6 30 24 11Fonte: (valores interpolados dos originais de Raij e Peech, 1972).

Há vários pontos que merecem atenção: (1) as cargas negativas aumentam com o

aumento do pH; (2) as cargas positivas aumentam com a diminuição do pH; (3) há

retenção simultânea de cátions e ânions; (4) a retenção da cátions e ânions diminui com

a redução da concentração ou força iônica da solução de equilíbrio;

Esses resultados ilustram um ponto importante, que é a possibilidade de

adsorção simultânea de cátions e ânions em solos. Em solos que só apresentam cargas

negativas, o sulfato não é adsorvido ao solo, pelo contrário, é repelido pela carga

negativa, ficando assim disponível à lixiviação, que sempre se dá com o

acompanhamento de quantidade equivalente de cátions, para manter a eletroneutralidade

do sistema.

Na Tabela 5 é ilustrado um outro aspecto importante, que é o da distribuição de

cargas elétricas ao longo do perfil. As determinação foram feitas em solução de cloreto

de sódio. Os dois íons envolvidos, Na+ e Cl-, por serem monovalentes, são menos

adsorvidos que os íons divalentes mostrados no exemplo anterior. Contudo, o exemplo

servirá para ilustrar alguns aspectos importantes.

Tabela 5. Valores de cargas elétricas, a dois valores de pH, de amostras superficiais e do horizonte B2, determinados em NaCl 0,2N, para um ma Terra Roxa Estruturada eutrófica e um Latossolo Roxo ácrico.

Amostra de solo pH

Cargas elétricas do solo, mmolc/kgNegativa Positiva Líquida Líquida

teórica*TE-Ap 6,0 88 -9** -96 -80

5,0 64 -3 -67 -60

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TE-B2 6,0 65 -1 -66 -645,0 52 6 -46 -45

LR-Ap 6,0 49 -4 53 -545,0 34 5 29 -33

LR-B2 6,0 12 10 2 05,0 6 18 12 12

Fonte: (valores interpolados dos originais Raij e Peech, 1972).*Valor calculado pela teoria da dupla camada elétrica.** Os valores negativos de cargas positivas devem-se à exclusão de ânions, não corrigida no caso.

Os dois solos não tem apreciável gradiente textural e admite-se que a

mineralogia seja bastante constante ao longo do perfil. Assim, atribui-se à matéria

orgânica um importante efeito em tornar o solo mais eletronegativo, conforme pode ser

concluído comparando as cargas negativas do horizonte Ap com o horizonte B2 para os

dois solos. Os resultados negativos de cargas positivas refletem a repulsão do ânions

pela carga elétrica superficial do solo. Note-se que só o solo LR é muito mais

eletropositivo do que o solo TE, e que esse caráter é mais pronunciado no horizonte B2 e

a valores de pH mais baixo. Este exemplo ilustra um fato observado experimentalmente,

que é a menor adsorção de SO42- na camada superficial do solo e maior adsorção em

profundidade. Além disso, a elevação do pH pela calagem, reduz a adsorção de sulfato.

6. Gesso em solos: relações com alumínio

Para os solos do Sudeste dos Estados Unidos, Adams e Lund (1966) ressaltaram

que o desenvolvimento limitado de raízes no subsolo, naquela região, foi devida

principalmente ao efeito detrimental do alumínio. Comparando solos contendo caulinita,

vermiculita ou montmorilonita, três minerais de argila bastante distintos, os autores

constataram relações diferentes entre a penetração de raízes do algodoeiro e valores

críticos de pH, alumínio trocável ou saturação por alumínio dos solos. Contudo, todos

os subsolos apresentaram uma relação comum entre a penetração de raízes e a atividade

molar de Al na solução do solo.

Pavan e Bingham (1982) mostraram que a atividade do Al3+ livre em solução é o

indicador mais consistente da toxicidade do alumínio em soluções de solo (Tabela 6)

confirmando a observação de Adams e Lund (1966). Por outro lado, a determinação da

atividade molar na solução do solo é muito complexa e não pode ser feita

rotineiramente. Por essa razão, a saturação por alumínio, embora não tão consistente, é

uma determinação preferível na prática, que pode ser facilmente obtida em laboratórios

de rotina de análise de solo.

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Tabela 6. Limites críticos de Al estabelecidos por diferentes critérios, para café crescendo em Oxisols e Ultisols tratados com CaCO3.

Relação considerada

Solos usados no estudo

1 2 3 4 5 6

Al3+ trocável, mmolc/kg 7,0 13,0 3,0 10,0 1,9 10,6

Conc. Al total, μmol/L 14,8 15,0 44,0 14,8 18,4 18,6

Conc. Al3+, μmol/L 8,4 7,9 12,7 8,3 7,0 10,1

Atividade Al3+, μmol/L 4,4 3,8 4,1 4,3 4,2 4,6

Saturação de Al, % 12 25 15 20 3 15

Fonte: Pavan e Bingham (1982)

O ânion SO42- é importante na redução da atividade de Al3+ e isso afeta o

desenvolvimento radicular. Pavan (1983) apresentou dados de crescimento radicular de

cafeeiro em solo, equilibrado com soluções de CaCl2 0,01mol/L e CaSO4. 0,01 mol/L,

obtendo os resultados mostrados na Tabela 7. Os dados mostram que o sulfato de cálcio

promoveu a redução do alumínio livre em solução e o maior desenvolvimento de raízes.

Já o ânion cloreto, nas condições do experimento, não se associou com alumínio.

Tabela 7. Espécies químicas de alumínio e crescimento de raízes do cafeeiro cultivado em soluções de CaCl2 0,01 mol/L e CaSO4 0,01 mol/L em equilíbrio com dois solos.

Avaliação Solo 1 Solo 2CaSO4 CaCl2 CaSO4 CaCl2

Espécies de alumínioAl total, μmol/L 604 564 255 214 Al3+, μmol/L 223 550 93 200 AlOH2+, μmol/L - -14 7 14 AlSO4

+, μmol/L 338 - 155 - AlCl2+, μmol/L - - - -

Desenvolvimento das raízesPeso das raízes, g/planta 78 32 142 80

Fonte: Pavan (1983).

O gesso, ou sulfato de cálcio, além dos efeitos em solos, envolvendo troca de

íons, troca de ligantes e solubilidade, tem reações que influenciam a atividade de

alumínio em solução e, como conseqüência, a toxicidade do elemento para as raízes.

Na prática, saturação de alumínio e deficiência de cálcio são os dois indicadores

usados para diagnosticar a barreira química em subsolos, para tomada de decisão sobre

aplicar ou não gesso.

A interpretação dos resultados da análise de solo para cálcio e alumínio em solos

no Brasil, para diagnóstico de barreira química em solos, é bastante consistente entre

regiões. Para analisar o assunto serão comparadas as informações para São Paulo (Raij

et al., 1996), Minas Gerais (Ribeiro et al., 1999) e cerrados (Sousa e Lobato, 2002).

11

Page 12: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Começando com a recomendação mais recente, exatamente para a região dos

cerrados (Sousa e Lobato, 2002b), ela se baseia em dois momentos. O primeiro é o do

diagnóstico, que define se o gesso deve ou não ser usado. Assim, os autores afirmam

haver grande probabilidade de resposta ao gesso se, nas camadas de 0-20 e 20-40 cm,

ou de 30 a 50 cm, a saturação por alumínio for menor do que 20% e o teor de cálcio for

menor do que 5 mmolc/dm3. Nesses casos, são feitas as seguintes recomendações:

Culturas anuais: NG = 5 x argila

Culturas perenes: NG = 7,5 x argila

A necessidade de gesso, NG, é dada em kg/ha e a argila expressa em g/kg.

Os autores informam que as doses recomendadas de gesso tem efeito residual de

no mínimo 5 anos, podendo estender-se por 15 anos, dependendo do solo, não havendo,

então necessidade de reaplicação nesses períodos.

Para São Paulo há uma fórmula única:

NG = 6 x argila

A fórmula se aplica quando, na camada de solo de 20-40 cm, os teores de Ca2+

são inferiores a 4 mmolc/dm3 e a saturação por alumínio é maior do que 40%. Contudo,

a recomendação explícita está apenas nas tabelas de adubação de café e cana-de-açúcar,

o que mostra uma incerteza, na época da publicação das recomendações (Raij et al.,

1996), sobre a conveniência de se aplicar gesso.

Para Minas Gerais (Ribeiro e outros, 1999), o gesso deve ser aplicado quando a

camada subsuperficial (20 a 40 cm ou 30 a 60 cm) apresentar Ca2+ inferior a 5

mmolc/dm3 e/ou Al3+ maior do que 5 mmolc/dm3 e ou, ainda, quando a saturação de

alumínio for maior do que 30%. As quantidades a aplicar, ou necessidade de gesso

(NG), para uma camada subsuperficial de 20 cm de espessura, são as seguintes:

————————————————Argila, g/kg NG, kg/ha————————————————0 a 150 0,0 a 0,4150 a 350 0,4 a 0,8350 a 600 0,8 a 1,2600 a 1000 1,2 a 1,6————————————————Fonte: Ribeiro e outros (1999).

12

Page 13: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

No critério de diagnose, os três procedimentos têm em comum a consideração

dos teores de cálcio e de saturação por alumínio, embora com pequenas diferenças nos

limites de interpretação. Em Minas Gerais o teor de alumínio é também considerado.

Na quantificação de doses a aplicar, os três procedimentos têm em comum o uso

da argila. Minas Gerais introduz a profundidade a ser atingida como um critério mas,

por outro lado, recomenda pouco gesso para cada camada de 20 cm. .

Deve-se ressaltar que as quantidades recomendadas de gesso, nos três casos, não

são elevadas, considerando as curvas de respostas de diversos experimentos. Elas são

conservadoras e levam em consideração, não tanto a economia da gessagem, mas a

preocupação de não impor gastos elevados aos produtores e evitar perdas de K e Mg por

lixiviação. Por outro lado, não contemplam um maior aprofundamento do efeito do

gesso. Deve-se lembrar que no experimento relatado por Ritchey e outros (1980, com

resultados reproduzidos nas Tabelas 2.1 e 8.3, o tratamento sem gesso (superfosfato

triplo, no caso), apresentava raízes até 60 cm, enquanto o tratamento com gesso

(superfosfato simples), tinha raízes até a profundidade avaliada de 120 cm.

Na Tabela 8 é feita uma comparação entre as doses que seriam recomendadas

para os solos de 11 experimentos de campo com várias culturas. Foram realizados os

cálculos de necessidade de calagem e de gessagem preconizadas para o Estado de São

Paulo (Raij et al, 1996), com metas de saturação por bases para a calagem de 60% para

a cana-de-açúcar e a soja e de 70% para milho e algodão. As dosagens para produção

máxima são mais elevadas do que as quantidades recomendadas.

Tabela 8. Confronto entre doses recomendadas de calcário e gesso e as quantidades associadas com produções máximas, para 11 experimentos de campo cujos resultados foram apresentados nas tabelas indicadas. O teor de argila, saturação por alumínio (m) e o teor de cálcio referem-se ao subsolo; a saturação por bases à camada superficial.

CulturaTabela e especifi-

cação

Argila, g/kg

Ca,mmolc/dm3

m, %

V, %

Calcário, t/ha Gesso, t/haRecom. Prod.

máx.Recom

.Prod. máx.

Milho 10.6 500* 7 62 36 3,8 12 3,0 8Cana 11.5 160 1,2 59 15 1,6 6 1,0 6Cana 11.7-LVEa 160 1,2 76 15 1,6 4 1,0 2

13

Page 14: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Cana 11.7-LVA9 230 0,5 87 3 4,1 4 1,4 5Cana 11.7-LR-2 760 9,1 40 19 3,0 3 4.6 6Cana 11.7-LVA11 140 6,3 18 33 1,1 1,5 0,8 6Cana 11.7-LVA-9 190 0,5 79 31 0,9 1,8 1,1 4,8Cana 11.7-LVE-3 590 1,9 81 5 5,1 10 3,5 10Soja 12.2. 500* 11 25 33 1,6 9 3,0 6Soja 12.3 700* 2 55 11 4,6 8,1 4,2 6,4Algodão

12.7 700* 5 17 32 2,5 3 3,0 6,0

* Valores estimados.

Faltam informações sobre diversos aspectos para uma recomendação de gesso,

destacando-se a adsorção de sulfato, profundidade a ser atingida pela gessagem, valores

críticos de saturação por alumínio entre espécies e variedades, influência de avanço de

“onda” de sais de cálcio com ânions monovalentes, como nitrato e cloreto adiante da

“onda” de sulfato, etc. Além disso, as perdas de Mg e K devem ser compreendidas para

que possam ser minimizadas.

7. Uma novo possibilidade para produtividade: água profunda

A questão de absorção de água pelas plantas de camadas mais profundas do solo

é conhecido, mas pouco discutida. No caso do plantio direto, em que a camada de palha

reduz a evaporação e aumenta a inflitração de água, os ganhos em relação ao plantio

convencional parece que reduziram ainda mais o interesse pelo enraizamento profundo

das plantas.

Mesno assim, há informações na literatura que merecem atenção.

Algumas plantas apresentam sistemas radiculares extensos e profundos, o que

aumenta consideravelmente o volume explorado de solo e, assim, é maior a

possibilidade de absorver água, principalmente em períodos de déficit hídrico. Merrill e

outros (2002), para o centro norte dos Estados Unidos avaliou a profundidade de raízes

de várias plantas cultivadas sob plantio direto. A profundidade máxima atingida pelas

raízes foi de 145 cm para girassol, 113 cm para canola e 99 cm para soja.

Timlin e outros (2001), estudando o problema de água na produção de milho,

identificaram 70 áreas com diferentes profundidades do solo, em plantação de milho do

Estado de New York, variando de 20 cm a 100 cm. Cada uma dessas áreas foi dividida

em duas subáreas pareadas, que receberam ou não irrigação. A irrigação resultou em

aumentos significativos de produção de milho, com maiores aumentos em partes mais

rasas do solo, de menos de 50 cm de profundidade. Com irrigação não houve diferença

14

Page 15: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

entre as diversas áreas, mostrando que quando a profundidade do solo decrescia,

aumentava a importância da água como fator limitante da produtividade.

Fiorin e outros (1997), em solo Podzólico Vermelho Amarelo de Santa Maria

(RS), verificaram relação direta entre o armazenamento de água no horizonte A e a

produção de grãos. As áreas com horizonte A profundo, nos dois anos agrícolas do

estudo, apresentaram maior quantidade de água armazenada, correspondendo aos

maiores valores de produção de matéria seca e de grãos.

Quando o solo apresenta impedimentos físicos ou químicos à penetração de

raízes, a água existente nas camadas abaixo desses impedimentos fica inacessível para

as plantas, reduzindo assim a capacidade do solo em suprir água, pela diminuição do

volume de solo explorado pelas raízes. É um assunto importante em solos ácidos, em

que a ocorrência de alumínio trocável ou a deficiência de cálcio no subsolo constituem

“barreiras químicas” que impedem o aprofundamento do sistema radicular

O suprimento de água é mais importante em certos períodos das culturas.

Rosolem (2005) indica as seguintes exigências hídricas da soja, em milímetros por dia,

paras diversos estádios de desenvolvimento da cultura:

Semeadura – emergência 2,2

Emergência – início do florescimento 5,1

Início do florescimento – surgimento de vagens 7,4

Surgimento de vagens – 50% de folhas marelas 6,6

50% de folhas amarelas – maturação 3,7

O mesmo autor cita haver trabalhos indicando que a produtividade máxima da

soja só é obtido se o sistema radicular atingir até 1 m de profundidade. Uma curva

mostrada indica que, se as raízes atingirem apenas 60 cm, a produção de soja será de

70% do máximo.

Wild (1988, p. 369-372) apresentam duas informações importantes. Um refere-

se a plantio direto. Em ano seco, nesse sistema de produção, um solo argiloso sob

plantio direto armazenou 10% a mais de água do que sob plantio convencional. Isso

especialmente abaixo de 50 cm de profundidade, o que permitiu ao trigo obter 22 mm a

mais de água de solo não perturbado. Outro resultado mostra que em trigo de inverno,

em período seco, raízes a mais de 1 m de profundidade, representando apenas 3% do

peso total de raízes, foram responsáveis pelo suprimento de cerca de 20% da água

usada.

15

Page 16: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Um dos primeiros trabalhos mais detalhados sobre gesso para soja foi realizado

por Hammel et al. (1985) em solo Typic Hapludult (Argilossolo) no Estado da Geórgia,

Estados Unidos. O solo era muito ácido, de 015 a 1,05 cm de profundidade, com cálcio

muito baixo, menos de 4 mmolc/kg abaixo de 60 cm de profundidade, alumínio de mais

de 20 mmolc/kg e saturação por alumínio de mais de 80%. Os tratamentos foram

testemunha, 35 t/ha de gesso incorporado de 0-15 cm, revolvimento do solo para reduzir

descompactação e mistura com solo com calcário, na base de 4 a 6 t/ha por camada de

0-15 cm. Amostragens de solo realizadas no terceiro ano mostraram redução de

alumínio de cerca de 2 a 10 mmolc/kg e elevação de cálcio a cerca de 30 mmolc/kg O

gesso proporcionou aumentos de produção, mas que foram ainda menores do que a

incorporação profunda de calcário. Em 1983 ocorreu forte veranico e foi avaliado o

efeito na absorção de água. Na Tabela 9 são apresentados dados de produção e de

remoção de água de 15 a 105 cm de profundidade. Os resultados apontam para o efeito

do gesso, mas, em comparação com o tratamento com mistura de calcário com o solo,

apenas parte do efeito da acidez do subsolo foi atenuada.

Tabela 9. Efeito de modificações físicas e químicas do perfil de solos em produções de soja e milho silagem e na remoção de água em veranico, na profundidade do solo de 15 a 105 cm.

Produções, em kg/ha Água removida em

veranico - mmSoja, 1981 Soja, 1982 Milho silagem,

1983Testemunha 941 1.283 26.200 6Gesso 1.216 1.613 35.400 27Mistura do solo 1.183 0.861 26.000 6Mistura do solo com calcário 1.761 2.007 41.000 48

Fonte: Hammel e outros (1985).

Esses trabalhos levam a uma reflexão sobre qual seria a profundidade de

correção de barreira química de solos que se deve almejar com a gessagem. Além disso,

quando se trata de aplicação de gesso para melhor aproveitamento de água do solo, em

geral menciona-se que isso seria importante para períodos de veranicos, na época de

maior desenvolvimento das culturas. Em geral não se lembra da segunda cultura, ou

“safrinha”, tão difícil de conduzir a bom termo em vastas áreas do Brasil Central, onde

ocorrem seca prolongadas e severas no inverno e um “prolongamento” do ciclo

proporcionado pela água das camadas mais profundas do subsolo poderia ser desejável..

16

Page 17: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Pesquisadores da Embrapa Cerrados já apontavam para a importância para

profundidades de raízes de algumas culturas cultivadas no cerrado há bastante tempo

(Luchiari Júnior et al., 1986). Os autores indicam profundidades possíveis, se não

existirem fatores impeditivos, de até 2 m para milho e 1,5 m para soja e feijão.

Informações da CSIRO (2005) demonstraram a importância da absorção de água entre

130-170 cm de profundidade, que levou a aumento de produção de 67 kg/ha de trigo por

mililitro de água usada, ou uma tonelada a mais de trigo por 15 mm de água absorvida

de camadas profundas.

Esses resultados apontam para a necessidade de maiores conhecimentos sobre a

importância da água de camadas mais profundas do solo para a produtividade das

culturas.

A água do solo é o veículo de transferência de elementos químicos, nutrientes e

outros elementos do solo para as raízes. Na realidade, não se trata de água pura, mas sim

de solução: a solução do solo. A água do solo, ao percolar através do perfil do solo, leva

em solução nutrientes que, se deslocados abaixo do alcance das raízes, são perdidos. A

isso se chama de lixiviação. Em solos com menor capacidade de retenção de água, as

perdas por lixiviação são maiores.

8. Resultados experimentais com milho

Um experimento realizado em Tatuí, com produções médias apresentadas na

Tabela 10, indicou que a tolerância de variedades de milho também é fator importante a

ser levado em conta. Os valores médios de produção para o tratamento sem calcário e

sem gesso foi de 4.300 kg/ha de milho para cultivar tolerante e de 4.229 kg/ha para o

cultivar sensível, ou seja, praticamente iguais. Em termos de resposta, o cultivar

sensível deu respostas bem mais acentuadas. Note-se que, tanto calcário como gesso,

deram resultados significativos até as maiores doses aplicadas dos dois insumos, mas

não houve efeito de interação, ou seja, parece haver alguma independência nas respostas

a calagem e a gesso, o que está de acordo com a idéia de que o calcário atua mais

próximo da superfície e o gesso em profundidade. Ressalte-se, também, a importante

resposta da calagem, se forem comparadas as aplicações de 12 t/ha em relação a 6 t/ha.

Também houve resposta a gesso se comparadas as doses de 8 t/ha em relação a 4 t/ha.

Detalhe importante é que não se obtêm, seja com calcário, seja com gesso, a produção

máxima obtida com a combinação dos dois insumos.

17

Page 18: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Tabela 10. Produção média de quatro anos de dois cultivares de milho, tolerante e sensível a alumínio, para três doses de calcário e três doses de gesso.

Calcário, t/ha Gesso, t/ha0 4 8Cultivar tolerante a alumínio

0 4.300 4.360 4.7936 4.663 4.943 5.06312 5.331 5.398 5.695

Cultivar sensível a alumínio0 4.229 4.552 4.7936 5.041 5.619 5.81712 5.536 5.927 6.041

Fonte: Calculado a partir de resultados de Raij et al. (1998).

Na Tabela 11 são mostrados alguns resultados de análise de solo do

experimento. Percebe-se que, na amostra superficial, o calcário afetou os teores de

cálcio, de magnésio e de alumínio, além de aumentar a saturação por bases e reduzir a

saturação por alumínio. Note-se, também, o efeito do calcário em reduzir o teor de

sulfato na camada arável, o que se deve pela elevação da carga negativa do solo. Mesmo

com a quantidade bastante elevada de gesso aplicado ao solo, esse insumo não alterou,

de forma estatisticamente significativa, nenhum resultado de análise de solo na amostra

da camada superficial de solo, nem mesmo K e Mg. Todos os efeitos observados

devem-se ao calcário.

Tabela 11. Efeito de calcário e gesso na análise de solo de amostras de 0-20, 20-40, 40-60 e 60-80 cm de profundidade, em experimento com milho em Tatuí, em solo Latossolo Vermelho Escuro álico, textura argilosa, 41 meses após a aplicação dos corretivos.

Tratamento Cátions trocáveis SO42- V m

Calcário Gesso Ca2+ Mg2+ K+ Al3+

--------t/ha-------- --------------------mmolc/dm3-------------------- ---------%---------Profundidade de 0-20 cm

0 0 19 b 6 b 4,5 a 19 a 4 a 23 b 39 a0 8 21 b 5 b 4,0 a 16 a 4 a 16 b 35 a12 0 41 a 20 a 3,8 a 2 b 1 b 64 a 3 b12 8 41 a 19 a 4,0 a 2 b 2 b 63 a 3 b

Profundidade de 20-40 cm0 0 7 a 5 b 3,6 a 24 a 11 b 10 a 62 a0 8 10 a 3 c 2,8 a 25 a 16 a 11 a 60 a12 0 8 a 7 a 2,6 a 22 a 13 ab 13 a 56 a12 8 8 a 6 a 2,4 a 23 a 15 a 10 a 59 a

Profundidade de 40-60 cm0 0 10 b 4 c 2,2 a 22 a 11 b 12 a 58 a0 8 13 ab 5 bc 1,6 a 19 ab 17 a 14 a 49 ab12 0 11 ab 7 ab 2,0 a 19 ab 13 b 15 a 50 ab12 8 14 a 8 a 2,1 a 17 b 16 a 18 a 41 b

Profundidade de 60-80 cm

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Page 19: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

0 0 6 b 3 b 1,7 a 21 ab 6 b 8 a 61 a 0 8 10 a 5 ab 1,3 a 18 b 14 a 13 a 52 a12 0 7 b 5 ab 1,4 a 22 ab 7 b 11 a 62 a12 8 11 a 7a 1,6 a 23 a 16 a 14 a 54 a

Fonte: Raij et al. (1998).

Em solos com teores elevados de alumínio, como este caso, os efeitos do gesso

nas propriedades químicas do subsolo podem não ser tão relevantes, como mostram os

resultados da Tabela 11. De forma geral, houve pequenos aumentos de Ca e Mg, o K

teve pequena redução que não atingiu significância estatística, o Al sofreu apenas

pequena redução e o sulfato aumentou um pouco com a gessagem. As alterações foram

muito modestas considerando as quantidades aplicadas de calcário e gesso e o grau de

acidez do solo.

De certa forma esses resultados surpreendem. O solo não tem deficiência de

cálcio e a saturação por alumínio em profundidade foi bastante elevada, da ordem de 50

a 60% e pouco afetada pelo gesso. Por outro lado, mesmo que tenha havido resposta, a

elevada saturação por alumínio pode ser responsável pelo limite relativamente baixo de

produtividade do experimento, da ordem de 6 t/ha de milho (Tabela 8.6).

9. Resultados experimentais com cana-de-açúcar

Diversos experimentos de calagem e gessagem para cana-de-açúcar foram

realizados pelo Planalsucar, todos com quatro cortes de cana.

Morelli et al. (1992) publicaram um deles, consistindo em experimento fatorial

com doses crescentes de calcário e de gesso, mostrando resultados de análises químicas

ao longo de perfil de solo e de quatro cortes de produção de cana-de-açúcar. Os

resultados ajudarão a ilustrar diversos aspectos da aplicação do gesso para cana. O

experimento foi realizado no município de Lençóis Paulista em Latossolo Vermelho

Escuro álico, com 120 g/kg de argila na camada de 0-25 cm e 160 g/kg na camada de

25-50 cm. O solo tinha uma CTC de 35 mmolc/dm3 e saturação por bases de 15% na

camada de 0-25 cm. Na camada de 25-50 cm, considerada na diagnose da necessidade

de aplicação de gesso, os teores de Ca e de Al, respectivamente de 1,2 e 6,5 mmolc/dm3,

além da saturação de alumínio de 76%, indicavam tratar-se de solo em que se poderia

esperar resposta a calcário e gesso, segundo critérios para São Paulo (Raij et al., 1996).

As aplicações, tanto de calcário, como de gesso, foram de 0, 2, 4 e 6 t/ha em um

esquema fatorial 4 x 4. Foram realizados quatro cortes de cana.

19

Page 20: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Os resultados de produção médias de quatro anos, são apresentados na Tabela

12. É importante observar é que nem com calcário e nem com gesso se obtém a

produção máxima, que é obtida com a combinação dos dois. Como não foi feito ajuste

de função de resposta aos resultados, ao escolher-se pontos isolados carrega-se um

pouco do erro experimental. Contudo, como as diferenças são bastante grandes, isso não

deve atrapalhar o raciocínio. O aumento máximo de produção, para os quatro anos,

somente com calcário, foi de 54,4 t/ha para 4 t/ha de calcário; para 6 t/ha de gesso, foi

de 51,6 t/ha de colmos. Com a combinação dessas duas quantidades, o aumento foi de

76,8 t/ha para o uso desses dois insumos.

Tabela 12. Aumentos acumulados de produção em quatro cortes de cana-de-açúcar no experimento de calagem e gessagem, conduzido em Lençóis Paulista em Latossolo Vermelho Escuro álico.

Doses de calcário, t/ha

Aumento de de produção de cana, em t/ha, para doses de gesso, em t/ha0 2 4 6

0 99,1 106,3 111,4 112,02 110,3 114,0 117,3 114,44 112,7 121,4 117,7 118,36 110,4 117,4 113,7 118,4

Fonte: Valores calculados com base nos resultados de Morelli et al. (1992).

Esse experimento, publicado por Morelli et al. (1992) teve o solo amostrado ao

longo do perfil aos 18 e 27 meses após o plantio, que foi realizado em 16/12/86.

Na Tabela 13 são mostrados resultados de Ca2+, Mg2+ e de SO42-, em duas épocas

de amostragem, considerando apenas as dosagens extremas, de 0 e 6 t/ha de cada

insumo. Note-se que a aplicação somente de calcário teve efeito nos teores da cálcio até

a camada mais profunda amostrada. O mesmo aconteceu com o magnésio, em grau mais

acentuado. Com a adição de gesso os teores de cálcio aumentaram muito, distribuindo-

se ao longo do perfil amostrado e o magnésio foi deslocado para camadas mais

profundas.

Tabela 13. Teores de cálcio e magnésio em experimento de calagem e gessagem de cana-de-açúcar, conduzido em Lençóis Paulista em Latossolo Vermelho Escuro álico.

Profun-didade

cm

Ca2+, mmolc/dm3 Mg2+, mmolc/do3

Gesso, 0 t/ha Gesso, 6 t/ha Gesso, 0 t/ha Gesso, 6 t/ha18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m

Calcário, 0 t/ha0-25 4,0 3,5 11,2 7,9 1,7 0,9 0,6 0,825-50 1,7 2,0 6,9 4,9 0,6 0,5 0,5 0,650-75 1,3 1,1 6,7 4,6 0,6 0,5 0,8 (0,6)75-100 1,0 0,8 6,0 4,3 0,3 0,5 1,4 0,8

20

Page 21: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

100-125 0,8 0,6 4,2 4,4 0,2 0,5 1,3 0,7Calcário, 6 t/ha

0-25 12,3 13,0 20,5 23,4 8,9 9,3 5,6 6,125-50 2,2 4,4 7,5 9,5 1,3 2,8 1,9 2,150-75 1,3 2,0 5,9 5,2 0,7 1,1 1,9 1,175-100 1,4 1,6 6,8 5,0 0,8 0,8 3,1 1,2100-125 1,8 1,4 6,2 5,1 1,0 0,7 3,8 1,4

Fonte: Morelli et al (1992).

O sulfato distribuiu-se ao longo do perfil de solo, já estando presente mesmo

sem a aplicação de gesso, em teores baixos, mas bastante uniformes (Tabela 14). Com a

aplicação do gesso, houve aumento, mas percebe-se, também, uma expressiva

diminuição para a amostragem de 27 meses em relação a 18 meses. É possível que os

teores encontrados aos 27 meses já indiquem um certo equilíbrio com o solo, que seria

então da ordem de pouco mais de 4 mmolc/dm3 de SO42-, talvez mais elevado em

camadas mais profundas.

Tabela 14. Teores de sulfato e alumínio no experimento de calagem e gessagem, de cana-de-açúcar conduzido em Lençóis Paulista em Latossolo Vermelho Escuro álico.

1Profun-didade

cm

SO42-, mmolc/dm3 Al3+, mmolc/dm3

Gesso, 0 t/ha Gesso, 6 t/ha Gesso, 0 t/ha Gesso, 6 t/ha18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m

Calcário, 0 t/ha0-25 0,6 0,8 5,3 2,4 7,3 9,2 7,8 7,825-50 0,6 0,9 5,3 2,6 7,4 8,4 8,2 7,850-75 0,5 0,8 6,6 3,4 7,1 7,3 7,3 7,375-100 0,7 0,7 7,3 4,1 6,4 6,8 6,5 6,7100-125 0,6 0,7 4,3 4,4 6,7 7,1 6,4 6,4

Calcário, 6 t/ha0-25 0,7 0,3 3,8 2,8 1,3 1,1 0,7 0,525-50 0,8 0,8 4,5 2,9 6,8 4,5 5,2 3,550-75 0,9 0,8 5,5 3,6 6,5 6,2 5,6 5,775-100 0,7 0,9 8,0 4,7 5,8 5,7 5,0 5,0100-125 0,7 0,8 7,1 4,7 5,5 6,0 5,4 4,6

Fonte: Morelli et al (1992).

Na ausência da calagem, o alumínio praticamente não variou, para as duas

amostragens, nos tratamentos com e sem gesso. Já com a adição de calcário, houve

redução acentuada do Al3+ na camada de 0-25 cm, com um efeito importante na camada

de 25-50 cm. O calcário sozinho reduziu o alumínio ao longo de todo o perfil, com

efeito mais acentuado na superfície do solo. Mas deve-se lembrar que a quantidade de

calcário é muito elevada para solo com apenas 160 g/kg de argila. A combinação de

calcário com gesso acentuou a redução de alumínio em todas as camadas amostradas,

21

Page 22: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

principalmente na amostragem de 27 meses. Este é um aspecto importante que indica

um fato que merece ser mais observado. Ou seja, o gesso sozinho não reduziu o teor de

alumínio mas, em presença do calcário, essa redução ocorreu.

Até aqui foram discutidos parâmetros de solos conhecidos como “fator

quantidade”, um termo bastante usado para espécies químicas em solo, especialmente

para acidez, fósforo e potássio. Na tabela 15 são mostrados os resultados de fatores

intensidade, ou seja, o pH, a saturação por bases e a saturação por alumínio. Esses três

fatores são importante por permitirem comparações entre solos com valores de

capacidade de troca diferentes.

Tabela 15. Valores de pH em CaCl2, saturação por bases e saturação por alumínio experimento de calagem e gessagem de cana-de-açúcar, conduzido em Lençóis Paulista em Latossolo Vermelho Escuro álico.

Profun-didadeCm

pH-CaCl2 V, % m, %G, 0 t/ha G, 6 t/ha G, 0 t/ha G, 6 t/ha G, 0 t/ha G, 6 t/ha18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m 18 m 27 m

Calagem, 0 t/ha0-25 4,0 3,9 4,0 4,1 16 9 21 17 57 68 41 4725-50 4,0 4,0 4,0 4,1 7 8 19 11 76 77 53 5950-75 4,0 4,1 4,0 4,1 7 7 22 18 79 91 49 5375-100 4,1 4,0 4,0 4,1 7 6 24 15 83 84 47 57100-125 4,3 4,1 4,1 4,1 5 4 20 17 87 88 54 56

Calagem, 6 t/ha0-25 4,5 5,2 5,0 5,3 47 52 55 59 6 7 3 225-50 4,3 4,3 4,2 4,5 11 23 27 32 66 38 36 2350-75 4,0 4,1 4,2 4,2 9 13 25 20 76 67 42 4875-100 4,1 4,1 4,2 4,3 11 12 32 22 73 70 34 45100-125 4,1 4,1 4,3 4,3 13 10 34 23 66 55 50 41

Fonte: Morelli et al (1992).

O pH em CaCl2 variou até 75 cm pela aplicação de calcário. A aplicação de 6

t/ha de gesso não teve efeito no pH. Em presença da calagem, o gesso acentuou o

aumento do pH, o que está coerente com a observação feita para o alumínio. Note-se

que o efeito no pH foi de 0,2 unidades, ao se comparar resultados aos 27 meses.

A saturação por bases foi afetada de forma considerável pelo gesso, mesmo na

ausência da calagem, o que se explica pela lixiviação de sais decorrentes da aplicação

do gesso que, por serem sais neutros, não afetam o pH. Note-se que aos 27 meses, parte

desse efeito já tinha desaparecido. Nos tratamentos com calcário, houve efeito na

saturação por bases com a calagem isolada, com aumentos de saturação por bases

coerentes com a previsão de 4 unidades de V para cada 0,1 unidade de pH. Isso

admitindo os valores aproximados de pH em CaCl2 na faixa de 4 a 6,5 e a saturação por

bases de 0 a 100%. Com a calagem e o efeito combinado do gesso, os valores de

22

Page 23: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

saturação por bases aumentaram bastante, embora com uma redução acentuada aos 27

meses, em comparação aos 18 meses. Interessante é que os valores de V diminuem a

50-75 cm e depois aumentam de novo, o que é reflexo da calagem nas camadas

superiores e do gesso penetrando nas camadas mais profundas.

O melhor indicador do efeito de calcário e gesso no solo, principalmente para

inferir sobre a toxicidade de alumínio para as plantas é, sem dúvida, a saturação por

alumínio, conforme foi discutido em 5.4. A saturação por alumínio reflete, ao mesmo

tempo, a diminuição de Al3+ no solo e a aumento de bases. Avaliando os resultados

dessa maneira, ressalta o grande efeito dos insumos, já importante para calcário e muito

mais acentuado pela gessagem. Valores de m de mais de 80% são reduzidos, conforme

mostram os resultados da Tabela 15, a valores da ordem de 40%, o que é altamente

significativo do ponto de vista prático. Note-se que a redução da saturação por alumínio

se dá em todo o perfil. Comparando as duas camadas de 0-25 e 25-50 cm, nos

tratamento com calcário, com e sem gesso, a saturação por alumínio diminui com o

tempo, o que se deve à dissolução das partículas mais grosseiras do calcário no solo.

Nas camadas mais profundas, a saturação por alumínio aumenta com o tempo,o que se

deve à perda de bases do solo por lixiviação.

Ao comparar os resultados, dois aspectos devem ser observados. O primeiro é se

a quantidade adicionada foi refletida nos aumentos; em segundo, a tendência de perdas

entre uma amostragem e outra. No tratamento só com gesso, os valores de Ca2+ e o

SO42-, na primeira amostragem, praticamente refletiram o que foi adicionado; na

segunda amostragem, o sulfato diminuiu bem mais que o cálcio, possivelmente pela

correção da acidez proporcionada pela calagem, reduzindo assim a capacidade do solo

de reter sulfato. No tratamento só com calcário, os valores de Ca2+ e de Mg2+ estão bem

abaixo do esperado na primeira amostragem, o que se deveu à dissolução incompleta do

calcário; a segunda amostragem, os maiores valores de Ca2+ e de Mg2+ aumentando

indicam maior dissolução do calcário. Finalmente, o tratamento com os dois insumos,

revelou valores bastante próximos do esperado para Ca 2+ e Mg2+ na primeira

amostragem; na segunda amostragem ainda houve aumento de Ca2+, mas o Mg2+

diminuiu, pela lixiviação promovida pelo gesso.

Em seis experimentos realizados pelo Planalsucar (Penatti & Forti, 1993), chama

à atenção as produtividades relativamente elevadas obtidas em solos com teores muito

baixos de bases e saturações de alumínio muito elevadas.

23

Page 24: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Esse conjunto de seis experimentos, conduzidos por 4 anos em solos ácidos, é

único para estudos de calcário e gesso. Não há nada parecido para nenhuma outra

cultura. Os resultados são importantes para avaliar se as aplicações de calcário e gesso

são econômicas. Na Tabela 16 são apresentadas diversas informações que permitem

apreciar essa questão. Como informações básicas, são fornecidos os valores do PRNT

dos calcários e os valores da necessidade de calagem (NC) e necessidade de gessagem

dos solos, de acordo com os critérios vigentes segundo o Instituto Agronômico

(Spironello e outros, 1996). Em seguida são indicadas duas colunas do que se chamou

de dose adequada, que consiste na melhor combinação de calcário e gesso. Finalmente,

é indicado o aumento de produção de cana-de-açúcar proporcionado pelas doses

adequadas de calcário e gesso e o custo dos corretivos. A “moeda” no caso é a produção

de cana-de-açúcar, tendo-se considerado tanto calcário como gesso custando 2 t/ha de

colmos, o que é um valor provavelmente exagerado, calculado arredondado para cima

com base em considerações econômicas bem detalhadas para os experimentos feitas por

Penatti e Forti (1993). O resultado econômico é altamente positivo para todos os casos,

isso sem contar cortes subseqüentes de cana-de-açúcar. Um ponto importante é que as

necessidades de calcário e de gesso, determinadas pelos métodos oficiais, apresentadas

na Tabela 16, estão subestimadas.

Tabela 16. Necessidades de calagem e gesso das seis áreas, doses adequadas retiradas dos dados experimentais, aumento de produção correspondente e custo da aquisição, transporte e aplicação dos insumos.

Solo

PRNT do calcário, % de CaCO3 NC, t/ha NG, t/ha

Dose adequada, kg/ha Aumento de produção em 4 anos

Custo dos corretivos aplicados(1)Calcário Gesso

Em t/ha de colmosLVEa 63 2,5 1,0 4 2 76 12LVA-9 77 5,3 1,4 10 6 72 32LR-2 73 4,1 0 0 0 12 0LVA-11 69 1,6 0 3 4 44 14LVA-9 61 1,6 1,1 1,8 4,8 120 13LVE-3 52 9,8 3,5 10 10 76 40

(1) Considerando o custo de 1 t de calcário ou 1 t de gesso em 2 t de colmo.

10. Resultados experimentais com soja

Outro experimento de doses de calcário e gesso foi realizado em um solo

Latossolo Roxo distrófico de Ribeirão Preto (Raij et al., 1994). O solo tinha saturação

por bases de 11% na camada de solo de 0-20 cm. Na camada de 20-40 cm a saturação

por bases era de 6%, o teor de Ca2 de 2 mmolc/dm3 e o pH em CaCl2 de 4,0. A área

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Page 25: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

experimental havia sido cultivada por muito tempo com café, tendo recebido adubações

constantes de sulfato de amônio e de superfosfato simples ao longo de tempo. Portanto,

a intensa acidificação do solo, originalmente fértil, foi promovida pela adubação

nitrogenada não devidamente complementada pela calagem.

Na Tabela 17 são apresentados as doses aplicadas dos corretivos. O experimento

foi um fatorial 5x5 e as doses foram aplicadas em quantidades proporcionais à raiz

quadrada das quantidades aplicadas em quilogramas por hectare. São apresentadas

também, na Tabela 17, as produções médias de três anos, calculadas pela função de

resposta que permite calcular as produções (Y, em kg/ha) em função das quantidades

aplicadas de calcário e de gesso (C e G, em t/ha):

Y = 1761 + 167,3C – 7C2 + 90,8G – 5G2 – 2CG R2 = 0,811

Tabela 17. Produções médias estimadas pela função de resposta, para três anos de produção de soja em Latossolo Roxo distrófico de Ribeirão Preto (SP), em função de quantidades aplicadas de calcário e gesso.

Quantidade de calcário – t/há

Produções de soja (kg/ha) para quantidades de gesso (t/ha) de0,4 1,6 3,6 6,4 10,0

0,9 1.941 2.036 2.162 2.271 2.2962,5 2.169 2.260 2.380 2.480 2.3944,9 2.444 2.530 2.640 2.726 2.7238,1 2.686 2.763 2.861 2.930 2.90312,1 2.786 2.854 2.935 2.982 2.926

Fonte: Raij e outros (1994).

Ressalte-se que esse tipo de polinômio é de grande interesse para o cálculo das

doses mais econômicas, melhores alternativas de quantidades de calcário ou de gesso e

retornos esperados. Trata-se, portanto, de ferramenta essencial para o planejamento da

calagem e da gessagem.

Durante os três anos foram constatados efeitos significativos de calcário

e gesso (Raij e outros, 1994), mas para o presente caso basta a função de resposta para

ilustrar a maneira de utilizar os resultados para estabelece as melhores combinações de

calcário e gesso. Para isso devem ser calculadas as doses mais econômicas, o que é feito

pela fórmula (Raij, 1991, p. 305-309):

Xe = (a1 – c/v)/[2(-a2)]

Xe é a dose mais econômica; a1 e a2 são os coeficientes do polinômio do segundo

grau; c/v é a relação de preços entre o custo do insumo e o valor do produto. Para o

cálculos dividiu-se o termo de interação, a12 do polinômio entre os termos do segundo

25

Page 26: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

grau para calcário e gesso, obtendo-se assim curvas independentes para os dois insumos.

A relação c/v foi considerada como 120, ou seja, 120 kg/ha de soja para pagar uma

tonelada de calcário ou de gesso. Os cálculos foram feitos para o polinômio

representando as produções médias de três anos e, portanto, considerou-se nos cálculos

um valor de c/v de 40. Com isso, as doses mais econômicas foram de 8.0 t/ha de

calcário e 4,2 t/ha de gesso. Como foram aplicadas doses mínima de 0,9 t/ha de calcário

e 0,4 t/ha de gesso, os valores seriam mais favoráveis à calagem e à gessagem se a

referência de aplicação dos insumos fosse zero.

Foi feita análise de solo da camada de 0-20 cm de profundidade, em

amostragens de dezembro de 1987 e de fevereiro de 1991, portanto 38 meses após a

aplicação dos corretivos no segundo caso. Os resultados apresentados na Tabela 18,

referem-se aos tratamentos 11, 14, 41 e 44, que envolvem aplicação de 0,9 e 8,1 t/ha de

calcário e de 0,4 e 6,4 t/ha de gesso, respectivamente.

Tabela 18. Resultados de análise de solos do experimento de calagem e gessagem em solo Latossolo Roxo distrófico de Ribeirão Preto (SP), amostragens de 1987 e de 1991 da camada de 0-20 cm de profundidade.

Trata-mento

SO42- Ca2+ Mg2+ K+ Al3+ CTC CTCef pHCaCl V m

-------------------------------- mmolc/dm+ ----------------------- ------- % ------Amostragem de 1987

11 12 9 4,4 3,5 2,8 95 20 4,18 18 1414 37 32 3,7 3,3 3,6 112 43 4,41 35 841 15 31 12,0 3,0 0,8 89 47 5,13 52 244 35 47 11,8 2,8 0,9 108 63 5,14 57 1

Amostragem de 199111 16 2 1,0 1,9 11,7 105 17 3,84 5 7014 11 12 2,7 1,4 8,5 101 25 4,15 16 3541 11 15 5,5 1,7 3,6 86 26 4,57 26 1444 12 25 6,4 2,2 1,8 83 28 4,70 31 6

Fonte: Raij et al. (1994).

O efeito esperado da calagem no pH e nos teores de cálcio, magnésio, acidez

total e alumínio se fez sentir já na amostragem de 1987. O gesso, como esperado, afetou

os teores de sulfato e de cálcio. O aumento verificado no teor de sulfato, da ordem de 25

mmolc/dm3, pode ser considerado dentro das expectativas, levando em conta que seriam

esperados aumentos de cerca de 32 mmolc/dm3 de solo, para as 6,4 t/ha de gesso

aplicadas, que nem todo o sulfato é recuperado na análise e que parte pode ter lixiviado

para fora da parte de solo amostrada. Ressalte-se a elevada quantidade de sulfato já

existente no solo no tratamento sem aplicação de gesso.

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Page 27: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Em 1991, 38 meses após a aplicação dos corretivos, persistiram os efeitos

significativos de calcário sobre os parâmetros de acidez, pH e Al. O gesso também

contribuiu na redução da saturação por alumínio e no aumento da saturação por bases. O

teor de potássio foi reduzido no tratamento de gesso sem calagem. Além disso, houve

uma redução geral em 1991, em relação a 1987, indicando possíveis perdas por

lixiviação, já que as adubações acrescentaram quantidades suficientes do nutriente para

reposição das remoções pela cultura.

Na Tabela 19 são apresentados os resultados de amostragem do subsolos,

realizada em 1991, nas profundidades de 20-40, 40-60 e 60-80 cm de profundidade. O

gesso reduziu a acidez em todo o intervalo avaliado, com efeitos significativos na

redução do alumínio e aumento do pH em CaCl2, da saturação por bases e da saturação

por alumínio. O mesmo efeito foi observado para a calagem.

Tabela 19. Resultados de análise de solos do experimento de calagem e gessagem em solo Latossolo Roxo Distrófico de Ribeirão Preto (SP), amostragens de 1991 das camadas de 20-40, 40-60 e 60-80 cm de profundidade.

Trata-mento

SO42- Ca2+ Mg2+ K+ Al3+ CTC CTCef pHCaCl V m

-------------------------------- mmolc/dm+ ----------------------- ------- % ------Profundidade de 20-40 cm

11 30 6 3,1 0,9 6,1 100 17 3,97 11 3614 26 15 2,1 0,8 3,9 93 22 4,17 19 1841 30 10 4,3 0,7 4,7 93 20 4,12 16 2444 29 15 3,3 0,6 3,3 87 22 4,23 22 15

Profundidade de 40-60 cm11 20 4 1,2 1,7 7,1 70 14 4,25 10 5114 22 18 2,5 1,6 4,2 78 26 4,48 28 1641 20 11 3,3 1,0 3,6 68 19 4,47 22 1944 18 19 3,9 0,9 3,1 80 27 4,53 30 12

Profundidade de 60-80 cm11 9 6 1,0 1,4 3,1 58 12 4,42 14 2714 15 16 2,5 1,4 1,2 63 21 4,71 32 641 13 9 2,5 1,2 2,5 59 15 4,53 22 1644 20 17 4,5 1,2 1,3 62 20 4,77 37 5

Fonte: Raij et al. (1994).

Os resultados de sulfato merecem discussão à parte, pelas implicações não-

corriqueiras que envolvem esse solo, que tem características peculiares impostas por

adubações anteriores com muito sulfato aplicado, além de características de acentuada

capacidade de adsorção de sulfato. Na camada de 20-40 cm, os teores torno de 30

mmolc/dm3 foram pouco afetados pela solução de sulfato que atravessou o solo,

indicando saturação do solo com o ânion. Essa situação persiste ainda na camada de 40

a 60 cm de profundidade, embora com valores mais baixos de SO42- da ordem de 20

mmolc/dm3. Apenas na camada de 60 a 80 cm o efeito do gesso começa a aparecer.

27

Page 28: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Outro aspecto que chama à atenção é a desproporção entre sulfato e a soma de

bases, com ampla vantagem para o primeiro. O solo deste trabalho, denominado

unidade Quadras no levantamento da Estação Experimental, onde foi realizado o

experimento (Oliveira e Muniz, 1975) apresenta, para um perfil da unidade de solo

descrito, relação sílica:alumina, ou ki, 0,9, evidenciando a presença de gibbsita, um

óxido hidratado de alumínio. O teor de óxidos de ferro também é elevado, da ordem de

30%, embora nem tudo esteja na fração argila. De qualquer forma, a condição

mineralógica do solo é favorável a alta adsorção de SO42-. Em Latossolo Roxo ácrico da

mesma região, com ki de 0,6, Raij e Peech (1972) determinaram retenção de sulfato, no

horizonte B, de 30 mmolc/dm3, um valor obtido em laboratório similar ao resultado de

campo do experimento em discussão.

Os resultados apresentados têm diversas implicações conceituais para a Ciência

do Solo. Uma implicação é que o sulfato retido em excesso sobre as bases, na realidade

representa acidez e portanto é considerada na determinação da necessidade de calagem,

o que já foi aventado por Mehlich (1964), que usou a expressão “acidez devida a

sulfato”. Coleman&Thomas (1967) reconheceram que, em casos como este,

consideráveis quantidades do corretivo são consumidas para produzir CaSO4 e MgSO4.

Fica a dúvida de como eliminar esse tipo de acidez do subsolo pela calagem. Os

resultados da Tabela 12.5 mostram que isso não é fácil e que houve apenas pequena

correção. Além disso fica a questão do conceito de “bases trocáveis” ou retenção de

cátions, ou ainda, CTC efetiva, nesse tipo de situação, já que parte dos cátions não é a

rigor trocável, já que contrabalança os ânions retidos no solo.

11. Considerações finais

Em se tratando de calagem no plantio direto, a expectativa é de movimentação

lenta de uma “onda alcalinizante” decorrente do calcário aplicado na superfície do solo.

A maior parte dos trabalhos analisados de calagem em plantio direto, mostram uma

movimentação limitada de bases para camadas mais profundas do solo, especialmente

para quantidades mais baixas. Nessas condições, o efeito do calcário é, em grande parte,

limitado até na camada superficial, definida até 20 cm de profundidade, mas com os

maiores teores de cálcio e magnésio a 0-5 ou 0-10 cm de profundidade. Dessa forma,

28

Page 29: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

tem-se um problema, se forem considerados válidos os resultados experimentais que

indicam que a incorporação mais profunda de calcário ou o efeito de doses elevadas

incorporadas no solo, afetam de forma favorável o desenvolvimento radicular do

subsolo. “Fechar” solos com subsolos muito ácidos através do plantio direto, e aplicar

pouco calcário, seria uma maneira de perpetuar a limitação da acidez do subsolo para o

desenvolvimento das culturas?

A expectativa, com a irreversível difusão das técnicas de agricultura de

conservação, que preconizam não revolver o solo e mantê-lo coberto, é que o gesso, por

ser um sal solúvel que penetra livremente no solo, possa contribuir para aliviar os

problemas da acidez do subsolo, reduzindo a toxicidade do alumínio e suprindo cálcio

para as raízes.

Contudo, deve-se ter em conta que calcário e gesso atuam em partes diferentes

do solo e que a calagem introduz alcalinidade ao solo, reduzindo a acidez dos solos a

partir da superfície, admitindo a aplicação superficial. Assim, a redução da acidez do

solo continua sendo uma necessidade e não é possível substituir calcário por gesso.

Além disso, resultados de diversos experimentos que comparam doses de

calcário e de gesso, mostraram que produções máximas não podem ser obtidos com os

insumos isoladamente, mas sim com combinação dos dois.

A região que, em princípio, tem os solos mais prováveis de responderem à

gessagem, é a chamada região do cerrados. Embora com mais de 200 milhões de

hectares, a aplicação do gesso fica limitada à distância econômica de transporte do

insumo. Um livro recente descreve, com base em experiência na região, a correção do

solo e adubação na região do cerrado (Sousa e Lobato, 2002). Segundo os autores, ao se

tratar de melhoria do subsolo, diversos fatores devem ser considerados e, ao que tudo

indica, as atuais recomendações de aplicação de gesso são no mínimo insuficientes.

De tudo que se disse até este ponto, parece claro que faltam informações sobre

diversos aspectos para a de gesso, principalmente para o plantio direto, destacando-se a

adsorção de sulfato, profundidade a ser atingida pela gessagem, valores críticos de

saturação por alumínio entre espécies e variedades, influência de avanço de “onda” de

sais de cálcio com ânions monovalentes, como nitrato e cloreto adiante da “onda” de

sulfato, etc. E tudo isso e outros problemas, apresentados em Raij (2007) precisam ser

melhor compreendidos para uso adequado de calcário e gesso na agricultura

conservacionista.

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Page 30: Uso Do Gesso Na Agricultura - Bernardo Van Raij

Bibliografia citada

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