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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MARIA ANTÔNIA DE SOUZA ANÁLISE CRÍTICA DAS DECISÕES DO JUDICIÁRIO SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MARIA ANTÔNIA DE SOUZA

ANÁLISE CRÍTICA DAS DECISÕES DO JUDICIÁRIO SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA

AGRÁRIA

CURITIBA 2012

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MARIA ANTÔNIA DE SOUZA

ANÁLISE CRÍTICA DAS DECISÕES DO JUDICIÁRIO SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA

AGRÁRIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas, da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito como obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Francisco Pinto Rabello Filho.

CURITIBA 2012

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TERMO DE APROVAÇÃO Maria Antônia de Souza

ANÁLISE CRÍTICA DAS DECISÕES DO JUDICIÁRIO SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do diploma de bacharel em Direito, Curso de Direito, Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, junho de 2012.

Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná

___________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Pesquisa da UTP

_______________________________________ Orientador: Prof. Dr. Francisco Pinto Rabello Filho

Faculdade de Ciências Jurídicas da UTP

________________________________________ Prof. MSc. Manoel Caetano Ferreira Filho

Faculdade de Direito – Universidade Federal do Paraná

________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Said Staut Júnior

Faculdade de Ciências Jurídicas da UTP

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DEDICATÓRIA

A todos os estudantes que se esforçam para ampliar a “sua caixinha de ferramentas

do conhecimento”, tal como diz o educador Miguel Arroyo.

Aos trabalhadores que lutam cotidianamente na construção de um modo de vida

melhor.

Ao Renan, meu filho, que, aos cinco anos de idade, demonstra respeito, bondade e

gentileza para com as pessoas, mesmo sem saber qual é o significado filosófico e

histórico desses conceitos.

Ao Cosmos, por tanta energia destinada a mim. Energia que me fez seguir até o fim

do curso de Direito, em meio a tantas outras atribuições. E, seguindo o exemplo de

trabalho dos meus pais, aprendi que não se deve desistir no meio do caminho, por

mais longo que seja o trajeto.

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AGRADECIMENTOS

A todos que contribuíram na materialização dos meus pensamentos sobre a

educação, o direito e a justiça.

O orientador é pessoa que faz o orientando caminhar para atingir um

objetivo. Agradeço, portanto, ao Prof. Dr. Rabello, pelo aprendizado possibilitado em

suas aulas e na orientação deste trabalho.

À família, em especial ao João e ao Renan, pela força e dedicação

exclusivas para que a mãe, esposa, professora e pesquisadora concluísse a sua

“passagem” pelos bancos escolares.

À mãe e ao pai, Aparecida e José, pela confiança depositada na filha e pelo

inesquecível ensinamento da dedicação ao trabalho.

À Miriam e Maria Porfíria, pela amizade e ajuda oferecida na realização da

graduação. Ambas deram apoio irrestrito para que eu pudesse concluir o curso,

mesmo com tantas ausências às aulas.

À Rosane Kolotelo, pelo apoio e incentivo.

Aos colegas do PPGEd – Mestrado e Doutorado em Educação, pela

colaboração, em especial à Profa. Dra. Maria Arlete Rosa e à Doutoranda Maria

Iolanda Fontana.

Aos colegas da UEPG, em especial à Profa. Dra. Esméria de Lourdes

Saveli, Profa. Dra. Márcia Barbosa da Silva Profa. Dra. Rejane Aurora Mion.

Como escreve Paulo Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém aprende

sozinho”. Tento fazer valer essa máxima no meu dia a dia na universidade, seja

como aluna, seja como professora.

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A Constituição representa um momento de redefinição das relações políticas e sociais desenvolvidas no seio de uma determinada formação social [...] A Constituição opera força normativa, vinculando, sempre, positivamente ou negativamente, os Poderes Públicos.

(RABELLO FILHO, 2002, p. 46-47)

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é caracterizar as decisões do Judiciário sobre os cursos de educação superior para os beneficiários da reforma agrária no Brasil. Esses cursos vinculam-se ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, criado em 1998 junto ao Ministério de Desenvolvimento Agrário. As primeiras experiências de educação superior foram com a Pedagogia da Terra. Depois surgiram cursos de Agronomia, Comunicação, Geografia, História, Direito, Medicina Veterinária entre muitos outros. Neste trabalho selecionamos três casos para análise, a saber: 1) o curso de Agronomia oferecido pela Universidade Federal de Sergipe em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), cuja legalidade foi questionada pela Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de Sergipe, por meio de ação civil pública. 2) o curso de Direito ofertado pela Universidade Federal de Goiás em parceria com o INCRA. A legalidade e a finalidade do curso foram questionadas pelo Ministério Público Federal de Goiás. 3) o curso de Medicina Veterinária desenvolvido na Universidade Federal de Pelotas/RS, também em parceria com o INCRA. A legalidade do curso foi questionada pelo Ministério Público Federal da Regional de Pelotas. Os três casos foram escolhidos em função das polêmicas geradas no âmbito judicial e pelo trâmite processual longo e denso de cada caso. A técnica central de coleta de dados foi o levantamento de documentos referentes aos três casos, nos respectivos estados. O tipo de pesquisa é descritivo. Os conceitos centrais são: princípios e princípios constitucionais; luta pela educação no contexto da luta pela terra. A investigação toma como referência as contradições inerentes ao modo de produção capitalista, a exemplo da luta política (e de classe) travada na busca pela efetivação de direitos sociais (educação, trabalho, moradia, saúde, alimentação). A hipótese inicial da pesquisa era de que o positivismo jurídico imperava nas decisões do Poder Judiciário. Entretanto, ao final da pesquisa foi possível concluir que as características de positivismo jurídico são encontradas muito mais no Ministério Público Federal do que nas decisões do Judiciário. Os princípios constitucionais presentes nas ações civis públicas são: legalidade, isonomia (igualdade), proporcionalidade e razoabilidade. Esses princípios recebem tratamento diverso no âmbito do Poder Judiciário, com grau significativo de criticidade em relação a questões sociais brasileiras. Palavras-chave: princípios constitucionais; educação superior; beneficiários da reforma agrária.

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LISTA DE SIGLAS

AEASE Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de Sergipe

AGU Advocacia Geral da União

ANCA Associação Nacional de Cooperação Agrícola

CEFFAs Centros Familiares de Formação por Alternância

CONSED Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPT Comissão Pastoral da Terra

CPT Comissão Pastoral da Terra

FAPESE Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe

FETRAF Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNAPE Fundação de Apoio à Pesquisa

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

MAB Movimento dos Atingidos por Barragens

MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário

MMC Movimento das Mulheres Camponesas;

MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização

MPA Movimento dos Pequenos Agricultores

MPF Ministério Público Federal

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

PJR Pastoral da Juventude Rural

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PROCAMPO Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo

PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

PROQUERA Projeto de Qualificação em Engenharia Agronômica para Jovens e Adultos dos Assentamentos de Reforma Agrária da Região Nordeste

RESAB Rede Educacional do Semi-Árido Brasileiro.

SEB Secretaria de Educação Básica

SECAD Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SEED Secretaria de Estado da Educação

SEESP Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

SESu Secretaria de Educação Superior

SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TAC Técnico em Administração Cooperativa

TRF Tribunal Regional Federal

TRF1 Tribunal Regional Federal da 1ª Região

TRF4 Tribunal Regional Federal da 4ª Região

TRF5 Tribunal Regional Federal da 5ª Região

UFG Universidade Federal de Goiás

UFS Universidade Federal de Sergipe

UFPEL Universidade Federal de Pelotas

UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – CURSOS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA ..........................................................................42

FIGURA 2 – FORMATURA DA 1ª TURMA DE AGRONOMIA – UFS, 2/8/2008 .......49 FIGURA 3 – SÍMBOLO DO CURSO DE DIREITO DA UFG, REFORMA AGRÁRIA.66

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - ESTRUTURA FUNDIÁRIA E ÍNDICE DE GINI: 1992, 1998 e 2003 ... 17

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12 2 EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA ....25 2.1 A LUTA PELA EDUCAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DA REFORMA

AGRÁRIA............................................................................................................25 2.2 O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA ...........38 2.3 AS EXPERIÊNCIAS ESTUDADAS: Universidade Federal de Goiás (UFG),

Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e Universidade Federal do Sergipe (UFS) ..................................................................................................................43

3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DECISÃO JUDICIAL E PRINCIPIOS

CONSTITUCIONAIS: O CASO DO CURSO DE AGRONOMIA.........................50 4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DECISÃO JUDICIAL E PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS: O CASO DO CURSO DE DIREITO.................................67 5 AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DECISÃO JUDICIAL E PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS: O CASO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA ...85 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................100 REFERÊNCIAS.......................................................................................................105

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1 INTRODUÇÃO

“[...] Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações?”

(Italo Calvino, 1990, p. 138)

A sociedade brasileira participou e provocou inúmeras mudanças na esfera

dos direitos, particularmente a partir da segunda metade do século XX. É bem

verdade que o Brasil historicamente vivenciou lutas e tensões sociais decorrentes da

expressiva concentração da renda e consequente desigualdade social. O exemplo

notório da ocorrência de mudanças na constituição e efetivação de direitos no Brasil

é a educação. No final do século XIX, o Brasil contava com 80% da população

analfabeta. Rui Barbosa foi um dos juristas e jornalistas que enfatizou a importância

da educação e da escolarização para o desenvolvimento do país.

Em 2009, o Instituto Brasileiro de Geografia e Pesquisa (IBGE) registrou

9,7% de pessoas analfabetas no Brasil, um contingente de 14 milhões de pessoas.

O total da população do país que possui idade de 15 anos ou mais é de 145.385

milhões. Dessas pessoas, 10,5% não têm instrução; 2,1% têm um ano de estudo;

3,3% têm 2 anos de estudo; 4,4% têm 3 anos e 10,6% têm 4 anos de estudo. Entre

os moradores do espaço urbano, são 16,7% de analfabetos funcionais. Dentre os

moradores do espaço rural, são 40% as pessoas consideradas analfabetas

funcionais.

A média de anos de estudo da população com 10 anos ou mais é de 8,5, ou

seja, praticamente com o Ensino Fundamental concluído. Entre os moradores do

campo, essa média é de cinco anos de estudos. Dos 23.034 milhões de habitantes

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que possuem idade entre 18 e 24 anos, 8.722 milhões (37,9%) possuem 11 anos de

estudo (3° ano do ensino médio concluído). Verifica-se a desigualdade gerada

também pela fragilidade educacional. Cria-se um conjunto de inferiorizados, como

escreve Arroyo (2012), e inúmeras tentativas para mantê-los à margem da história.

Esses dados revelam que a escolaridade ainda é um dos principais desafios

da sociedade brasileira. Entretanto, mais do que escolarizar, é fundamental que a

formação educacional constitua elemento para a emancipação política e social de

um povo, a exemplo do que defendia Paulo Freire e tantos outros educadores da

América Latina, como é o caso de José Martí em Cuba. É fundamental que a

educação seja um dos instrumentais para a transformação das condições de

subalternidade e de desigualdades que historicamente marcam a sociedade

brasileira.

O texto constitucional da República Federativa do Brasil expressa, no artigo

6°, que a educação é um dos direitos sociais. No artigo 205 do referido texto está

disposto que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade [...]”. E, no artigo 206,

Caput e Inciso I está expresso que “O ensino será ministrado com base nos

seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola.”.

Tomando como referência o texto constitucional e a emergência das

experiências em Educação Superior construídas em colaboração entre Universidade

e Movimento Social, este trabalho dá ênfase às polêmicas jurídicas geradas em três

cursos superiores para beneficiários da reforma agrária. Denomina-se polêmica

jurídica o fato de princípios constitucionais serem utilizados ora para a defesa

desses cursos, ora para a acusação de inconstitucionalidade dos mesmos.

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A atenção foi voltada, primeiramente, à análise dos argumentos jurídicos

utilizados pelo Ministério Público ao ingressar com Ação Civil Pública contrária aos

cursos superiores para beneficiários da reforma agrária. É o caso específico do

ocorrido no Estado de Goiás, com o curso de Direito, e no Rio Grande do Sul, com o

curso de Medicina Veterinária. Nessa mesma linha de polêmica jurídica, foi

analisado o conjunto de argumentos jurídicos apresentados pela Associação dos

Engenheiros Agrônomos do Estado de Sergipe contra o curso de Agronomia. Os

três cursos são desenvolvidos em universidade federais, em parceria com o Instituto

de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio de convênios que articulam

três partes: Universidade, INCRA (governo federal); e, indiretamente, o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por estar presente nos assentamentos

de reforma agrária.

A Ação Civil Pública, disciplinada pela Lei 7.347/1985, tem sido o

instrumental utilizado pelo MPF, conforme Inciso I, e pelas Associações, de acordo

com o artigo 5°, Inciso V, alíneas “a” e “b”, da referida lei. Essas ações questionam a

legalidade dos cursos de educação superior destinados aos assentados.

Num segundo momento da pesquisa, a atenção esteve direcionada à

identificação dos princípios constitucionais utilizados pelos juízes na análise das

Ações Civis Públicas. A investigação foi desenvolvida com ênfase na perspectiva

interdisciplinar, tendo como referência o que escreveu Morin (1996, p. 335): “Uma

teoria não é o conhecimento; ela permite o conhecimento. Uma teoria não é uma

chegada; é a possibilidade de uma partida”.

Duas compreensões teóricas são importantes nesta investigação, a saber:

1) O conceito de princípio, utilizado à luz do que escreve Rabello Filho

(2002, p. 37):

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[...] os princípios constitucionais têm posição preeminente, não só em relação à própria Constituição como no que concerne a todo o sistema jurídico nacional. Com o pós-positivismo [...] os princípios ficaram postos em tão elevado pedestal que sua luz ilumina, sobranceira, todo o universo jurídico. Normas da maior e mais alta eficácia, sua supremacia em relação a todo o ordenamento jurídico é hodiernamente matiz que não se pode seriamente questionar.

2) Refere-se ao entendimento de que a luta pela educação e pela reforma

agrária são formas de pressão dos movimentos sociais para a efetivação dos

direitos. É possível afirmar que as lutas dos movimentos sociais resultam em

mudanças no ordenamento jurídico, a exemplo do que ocorre com o reconhecimento

de direitos sociais, tal qual explícito no artigo 6° da Constituição da República

Federativa do Brasil; ou o reconhecimento da união entre as pessoas que optam por

relação sexual com indivíduos de mesmo sexo; ou também a definição da função

social da propriedade rural, ainda que com pequena repercussão para fins da

“verdadeira” reforma agrária.

Para fins da contextualização do problema aqui investigado, faz-se

necessária uma retrospectiva das práticas sociais geradoras de direitos. A história

brasileira, em especial a partir da década de 1930, foi marcada por lutas populares

urbanas, dentre as quais a demanda pelo acesso e permanência na escola. Foram

reivindicações pela construção de prédios escolares públicos. Posteriormente, a

partir das décadas de 1940 e 1950, ocorreram lutas pela ampliação da oferta

educacional, mediante ações com vistas a um maior número de classes nas escolas,

bem como professores com melhor formação e conteúdos com significado social.

Nas décadas de 1960 a 1980, em meio ao período ditatorial, o país

vivenciou dois tipos de movimentos educacionais. Primeiro, no início de 1960, Paulo

Freire estava à frente do debate educacional. Desenvolveu a concepção educacional

dialógica que fundamenta a ação de diversos movimentos de trabalhadores. A

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educação seria uma das reformas de base a serem efetivadas em meados do século

XX. Segundo, com o ingresso no período ditatorial, as reformas de base foram

praticamente abolidas da pauta governamental. Entrou em cena um movimento

conservador no plano educacional. O exemplo claro é o Movimento Brasileiro de

Alfabetização (Mobral), que, por meio de cartilhas, proliferou um processo de

alfabetização mecânico em toda a sociedade brasileira.

No final do século XX, em meio às lutas pela abertura democrática e,

portanto, pelo fim da ditadura, alguns movimentos tiveram destaque na conjuntura

política, como é o caso das greves dos trabalhadores das montadoras de

automóveis, as ações do MST e as manifestações do Fórum em Defesa da Escola

Pública.

Em 1988, foi aprovada a Constituição da República Federativa do Brasil,

cujas características foram de “constituição cidadã” e “constituição social”. De fato,

em relação aos outros textos constitucionais, houve a exposição de uma diversidade

de direitos e garantias sociais. Todos eles guardam relação com a Declaração

Universal dos Direitos Humanos e também demonstram “atendimento” às lutas

sociais construídas durante todo o século XX, em particular às demandas das

classes trabalhadoras.

Assim, os direitos vão sendo positivados no texto constitucional, ao passo

que sua efetivação depende, em muitos casos, da forte atuação da sociedade civil

organizada.

A mesma linha de raciocínio pode ser desenvolvida sobre as lutas pela terra.

De Quilombo dos Palmares ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra,

uma luta contra o latifúndio que constitui marca histórico-estrutural do Brasil. Em

1850, com a Lei de Terras, somente seria proprietário de terra aquele que a

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adquirisse por meio da compra ou que tivesse a propriedade legitimada. Contudo,

nesse período a sociedade era escravocrata, tendo a abolição dos escravos ocorrida

em 1888. A propriedade da terra continuou concentrada em poucas mãos, assim

como nos dias atuais. A sociedade brasileira conta cerca 33.104 imóveis com mais

de 2.000 hectares e 3.971.255 pequenas propriedades. Aproximadamente 1% da

população brasileira detém 46% das terras agricultáveis, expressando, assim, a

extrema concentração da terra no país.

TABELA 1 – Estrutura fundiária e Índice de Gini – 1992, 1998 e 20031

                                                            

h. 1 A tabela está disponível no site – Atlas da Questão Agrária, a saber: Hhttp://www2.fct.unesp.br/nera/atlas/estrutura_fundiaria.htmH. O acesso foi em 30/10/2011, 20

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Na Tabela 1, constata-se que o número de imóveis com área 6.000 e

100.000 hectares sofreu diminuição. Mas, no geral aumentou o número de grandes

propriedades, passando de 0,65% dos imóveis no ano de 1992 para 0,77% no ano

de 2003. O número de imóveis pequenos aumentou, mas o conjunto da área

ocupada por eles sofreu leve acréscimo. O Índice de Gini revela ainda a alta

concentração da terra no país.

Os processos de concentração da terra são responsáveis pela migração

campo-cidade, tanto quanto as políticas de “modernização da agricultura”,

desenvolvidas a partir dos anos de 1960 no Brasil. O estado do Paraná é exemplo,

assim como muitos outros, desse processo migratório. Pequenos agricultores com

dívidas oriundas da aquisição de maquinários agrícolas entregaram as terras ao

setor financeiro, em pagamento a essas dívidas. As políticas de preços agrícolas

são decisivas na saída dos trabalhadores do campo em direção às cidades. De outro

lado, a juventude também deixa o campo em direção às cidades em busca de

estudo, haja vista a precariedade da oferta educacional por parte do Poder Público.

Em 1991, o Estado do Paraná possuía um dos maiores latifúndios, com

cerca de 4 milhões de hectares de terra. 2 Em 2012, o Estado do Paraná possui em

torno de 330 assentamentos da reforma agrária. Neles estão localizadas 99 escolas

públicas estaduais. A maior parte das escolas oferece os Anos Iniciais do Ensino

Fundamental. Para cursar o Ensino Médio, os alunos têm que utilizar o transporte

escolar e estudar nas escolas localizadas nos núcleos urbanos. Alguns

assentamentos são responsáveis por boa parte da produção alimentícia que chega

às mesas dos brasileiros, como é o caso do Assentamento Pontal do Tigre,

município de Querência do Norte/PR, que produz 33% do arroz do Estado; ou o

                                                            2 Maiores detalhes são encontrados na dissertação de Jeinni Kelly Pereira Puziol (2012).

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assentamento Santa Maria, no município de Paranacity/PR, que tem terra e trabalho

coletivos e garante boa parte da produção de alimentos orgânicos na região.

Também, pode ser citado o assentamento Ireno Alves, no município de Rio Bonito

do Iguaçu/PR, que foi o responsável pelo crescimento da localidade a partir do final

da década de 1990, com desapropriação de parte de um dos latifúndios

improdutivos do Estado do Paraná.

No cenário de concentração da terra, migração de trabalhadores do campo

em direção às cidades, constantes desempregos e conflitos em torno da terra,

surgem as primeiras ocupações do MST, no ano de 1978. Dez anos após as

primeiras ocupações, em 1987, o referido Movimento cria um Setor de Educação3,

que ficou responsável por fortalecer as lutas pela escola e pela continuidade dos

estudos. Passados outros dez anos, em 1998, realizou-se em Luziânia a I

Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo. A partir dos debates

nesse espaço público – conferência − foi criado o Programa Nacional de Educação

na Reforma Agrária (PRONERA), cuja responsabilidade é a criação dos cursos para

beneficiários da reforma agrária, por meio de convênios firmados entre o Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária, universidades públicas e os

movimentos sociais.

Os movimentos sociais do campo sempre geraram inquietação jurídica e

política na sociedade, mediante a tendência de serem descritos como

“transgressores da ordem”. Entretanto, como escreveu Sampaio (2010, p. 404), a

criação de uma articulação nacional de advogados simpatizantes da causa da

                                                            3 Souza (2006a) em livro oriundo da tese de doutorado em Educação, defendida em fevereiro de 1999, na UNICAMP, traz a história do MST, da cooperação agrícola nos assentamentos e da luta por educação. Na obra publicada em 2006, Souza dá ênfase à construção das propostas e práticas pedagógicas do MST.

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reforma agrária – Rede Nacional de Advogados Populares – contribuiu para a

alteração da

[...] jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em relação aos crimes de ‘esbulho possessório’ e ‘formação de bando e quadrilha’, em que eram indiciados sistematicamente os organizadores das ocupações de terra. Atualmente a Justiça não mais enquadra essas ações como figuras delituosas, pois entende que a finalidade de seus autores não é a de esbulhar um legítimo proprietário, mas pressionar o governo pela execução da reforma agrária.

É nesse cenário de lutas populares que está o problema e o objetivo geral

deste trabalho de conclusão de curso, a saber: Quais são as decisões do Judiciário

sobre ações civis públicas contrárias aos cursos de Educação Superior para os

beneficiários da reforma agrária?

Os objetivos específicos resumem-se no que segue: a) Caracterizar a

origem de três experiências de Educação Superior ofertada aos beneficiários da

reforma agrária; b) Identificar os princípios constitucionais e os argumentos jurídicos

que estão presentes nas ações civis públicas contrárias aos cursos de Educação

Superior para beneficiários da reforma agrária.

Para responder a questão central e atingir os objetivos propostos, foi

utilizada a abordagem qualitativa de pesquisa, mediante análise dos seguintes

documentos objetos de investigação: Conteúdo das ações civis públicas. Sentença

proferida pelo Juízo em 1° Grau. Pedido de antecipação de tutela e o respectivo

julgamento. Pedido de suspensão da tutela antecipada e o respectivo julgamento. As

decisões proferidas nos Tribunais Regionais Federais. Por fim, o documento,

extrato, fornecido pelo Judiciário que demonstra o movimento dos processos.

A justificativa para a escolha do tema e do problema ora investigado

assenta-se nos seguintes fatores:

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1) Lacuna na área do conhecimento. É possível afirmar que, embora haja

espaço para discussão do Direito Agrário nos cursos de Direito, a problematização

das questões agrárias e fundiárias deixam de ser articuladas aos direitos sociais,

como saúde, educação, moradia, trabalho etc. Trata-se o direito agrário do ponto de

vista da propriedade e da sua função social. Entretanto, são inúmeros os autores, de

diversas áreas do conhecimento, que afirmam que a reforma agrária somente será

possível no Brasil quando estiver articulada com a efetivação dos direitos sociais. É

o que se problematiza nesta pesquisa: a educação superior demandada pelos

movimentos sociais do campo e ofertada pelas universidades públicas federais.

2) Atuação profissional na área. Desde 1989, tenho investigado a

educação escolar entre os beneficiários da reforma agrária. A partir de 2002, passei

a participar efetivamente dos debates sobre educação do campo no Estado do

Paraná e no Brasil. Desse modo, a temática e a problemática em questão articulam-

se com as pesquisas que desenvolvo na área educacional.

3) Interesse pessoal. Mais do que atuação profissional, sou filha de

pequenos proprietários, aposentados com salário mínimo, que até a presente data

moram e trabalham com a terra. Eles não tiveram oportunidade de estudo numa

época em que as escolas eram em número reduzido e muito distantes das

localidades rurais onde moravam. Assim, muito cedo se dedicaram ao trabalho

agrícola, enfrentando todas as intempéries climáticas e conjunturais. Pessoas como

meus pais foram excluídas do processo formativo escolar. Essa realidade é ainda

presente na sociedade brasileira e muito expressiva nas áreas de assentamentos

rurais. Dados do I Censo da Reforma Agrária, realizado em 1996, demonstraram o

baixo nível de escolaridade dos beneficiários da reforma agrária, bem como a alta

taxa de analfabetismo.

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Por que é importante investigar esse problema no âmbito do curso de

Direito? Primeiro, porque o Judiciário está envolto a diversos casos que têm em

cena os beneficiários da reforma agrária e a luta pelo acesso à Educação Superior.

Esses casos tiveram origem a partir das experiências de Educação Superior criadas

na primeira década do século XXI, haja vista estarem vinculados ao PRONERA.

Segundo, porque praticamente inexistem estudos sobre este tema e problema.

Investigações de mestrado versando sobre o assunto, na área jurídica, estão em

andamento no Estado de Goiás e no Distrito Federal.

Terceiro, porque é observável uma divergência no âmbito do Judiciário no

trato do problema em foco. Exemplo disso é a decisão proferida em 27 de abril de

2009, no STF, pelo Ministro Gilmar Mendes. Ele indeferiu o pedido de suspensão de

tutela antecipada de interesse do INCRA no que se refere ao funcionamento do

curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Pelotas, ofertado aos

filhos e beneficiários da reforma agrária. Por outro lado, no âmbito do STJ,

analisando Recurso Especial, o Ministro Relator Herman Benjamin pronunciou-se

favorável à limitação dos efeitos da tutela antecipada pela Corte de origem. Com

essa decisão, o curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Pelotas,

que estava interrompido, voltou a funcionar.

Por fim, cabe dizer que ações civis públicas têm sido elaboradas a fim de

impedir o funcionamento dos cursos superiores para beneficiários da reforma agrária

no Brasil. Nos Estados do Rio Grande do Sul e de Goiás, o Ministério Público

Federal (MPF) foi o autor das ações civis públicas, respectivamente quanto aos

cursos de Medicina Veterinária e Direito. No Estado de Sergipe, a Associação dos

Engenheiros Agrônomos do Estado de Sergipe foi a responsável pela ação civil

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pública contrária ao funcionamento do curso de Agronomia, na Universidade Federal

de Sergipe, também para os beneficiários da reforma agrária.

Em face disso, é importante estudar o tema no Direito, haja vista que a ação

civil pública é para ser um meio de questionamento de direitos em prol da sociedade

civil, e não contra ela, conforme dispõe o artigo 1° da Lei n° 7.347 de 24 de julho de

1985.

Dessa forma, justifica-se o presente trabalho pelo seu caráter inédito e por

sua relevância para a problematização de dois condicionantes estruturais históricos

que afligem o Brasil desde o seu “nascimento”. São eles: a baixa escolaridade do

povo brasileiro e a alta concentração da terra no país. Esses dois problemas,

quando analisados sob a ótica da Justiça, têm gerado polêmicas infindáveis e todos

os argumentos, tantos os favoráveis quanto os contrários, fazem uso dos princípios

constitucionais para dizer da “legalidade” ou da “ilegalidade” dos cursos.

A fundamentação teórica da pesquisa reside no âmbito do Direito

Constitucional. Serão evidenciados os princípios constitucionais que constituem

fonte para a argumentação nas ações civis públicas; nas decisões da justiça de 1°

grau e de 2° grau, bem como em questões que chegaram ao STF e ao STJ.

Este trabalho está estruturado em quatro capítulos, a saber: O primeiro traz

uma caracterização da educação do campo no Brasil, cenário em que se localiza o

PRONERA e os cursos ora estudados. O segundo descreve a ação civil pública

proposta pela Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de Sergipe e o

trâmite no judiciário, apontando um quadro dos princípios constitucionais que

fundamentam as ações. O terceiro capítulo traz a descrição da ação civil pública

proposta pelo MPF de Goiás, contra o curso de Direito na Universidade Federal de

Goiás e caracteriza o trâmite no judiciário, indicando os princípios alegados nas

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peças. O quarto capítulo apresenta a ação civil pública do MPF de Pelotas contra a

UFPEL, e o funcionamento do curso de Medicina Veterinária, salientando os

diversos princípios constitucionais arguidos em sede de ação, contestação,

apelação, recursos e pedidos de antecipação de tutela. Por fim, as considerações

finais marcadas pela indicação de diversos questionamentos que perduram após o

estudo de tipo descritivo, com ensaios analíticos.

Espera-se que o trabalho possa suscitar o interesse dos profissionais do

Direito que estão envolvidos nas ações civis públicas ou nos processos decisórios

no âmbito do Judiciário, e que a atenção esteja voltada à interpretação crítica das

normas e princípios constitucionais.

Importante destacar que a existência dos cursos superiores para os

beneficiários da reforma agrária vem ampliar as possibilidades de o país ter, no

futuro, uma verdadeira reforma agrária. Até o presente momento, a sociedade

brasileira, com muita luta, conseguiu que o Poder Público desenvolvesse programas

ligados aos direitos sociais. Há que se pensar na consolidação de políticas de

Estado, que tenham continuidade na sociedade. É assim que o Decreto Presidencial

de 20104 foi publicado com o intuito de dar consistência a uma política de Estado no

âmbito dos assentamentos de reforma agrária e dos pequenos agricultores do país.

                                                            4 Decreto n° 7.352 de 4 de novembro de 2010.

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2 EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA

O objetivo deste capítulo é caracterizar a luta pela educação entre os

beneficiários da reforma agrária no Brasil. Para isso, é fundamental uma breve

menção à história da educação do campo no país que, por sua vez, emerge das

lutas empreendidas, num primeiro momento, pelos trabalhadores rurais sem-terra.5

Posteriormente à menção da luta pela educação entre os sem-terra, será descrita a

emergência do PRONERA, dentro do qual têm sido efetivados cursos superiores

para beneficiários da reforma agrária.

2.1 A LUTA PELA EDUCAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DA REFORMA

AGRÁRIA

A compreensão da luta pela educação entre os beneficiários da reforma

agrária passa pela análise das seguintes perguntas: 1) Como ocorreu a organização

do MST? 2) Quais são os principais motivos que desencadearam a luta pela

educação no contexto da luta pela terra? 3) Quais articulações e parcerias foram

feitas durante a construção da então denominada educação do campo? 4) Quais

são as conquistas e os desafios que acompanham as experiências educativas, em

especial aquelas efetivadas no âmbito da educação superior? A resposta a tais

questões implica uma retrospectiva no tempo, retornando aos acontecimentos da

década de 1980, para não dizer ao século XIX, quando diversas ideias sobre a

escolaridade dos trabalhadores do campo estavam em debate.

                                                            5 Sobre o assunto movimentos sociais e educação do campo, ver obra de Souza (2010).

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Na década de 1980, conjuntura em que a migração campo-cidade, embora

continuasse, já havia invertido a realidade populacional brasileira, muitas iniciativas

políticas interferiram na então denominada educação rural. Será a partir do final dos

anos de 1970 que um fenômeno político (fechamento e nucleação de escolas)

impactará no estudo das crianças e jovens em idade escolar. A partir desse período,

muitas escolas públicas rurais (estaduais e municipais) foram fechadas sob a

alegação de que o número de alunos não era suficiente para a manutenção das

turmas e classes escolares.

Houve o início de um processo denominado nucleação ou consolidação de

escolas rurais. As escolas que eram isoladas e unidocentes foram fechadas e deram

lugar à escola denominada nucleada. Essa experiência havia sido desenvolvida nos

Estados Unidos, na década de 1960, a exemplo do que relatou Pereira (2002) a

partir da sua tese de doutorado.

Muitas escolas foram fechadas e não havia transporte escolar. Os jovens

foram os principais afetados, pois, para ter acesso ao ensino de 2° grau (atual

Ensino Médio), era necessário dirigir-se à escola da cidade. Com isso, processos de

exclusão escolar marcaram a vida da população do campo na década de 1980. Os

movimentos e as lutas sociais surgem para questionar processos de exclusão e

desigualdade sociais.

Se, por um lado, um acontecimento da década de 1980 que impulsionou a

luta por educação do campo foi o fechamento das escolas, por outro lado, a

organização do MST era fortalecida, nessa mesma época, em função da criação do

Setor de Educação, responsável pelo debate sobre a escola, formação de

professores, conteúdos escolares etc. É o Setor de Educação que denuncia, na

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conjuntura atual, o fechamento de escolas públicas localizadas no campo, conforme

reportagem a seguir:

Mais de 24 mil escolas no campo brasileiro foram fechadas no meio rural desde 2002. O fechamento dessas escolas demonstra o drástico problema na vida educacional no Brasil, especialmente no meio rural. Após décadas de lutas por conquistas no âmbito educacional, cujas reivindicações foram atendidas em parte - o que permitiu a consolidação da pauta – o fechamento das escolas vai ao sentido contrário do que parecia cristalizado. Nesse quadro, o MST lançou a Campanha Nacional contra o Fechamento de Escolas do Campo, que pretende fazer o debate sobre a educação do campo com o conjunto da sociedade, articular diversos setores contra esses retrocessos e denunciar a continuidade dessa política. De acordo com o Censo Escolar do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), do Ministério da Educação, existiam 107.432 escolas em 2002. Em 2009, o número de estabelecimentos de ensino reduziu para 83.036, significando o fechamento 24.396 estabelecimentos de ensino, sendo 22.179 escolas municipais. Essas escolas foram fechadas por estados e municípios, mas o Ministério da Educação também tem responsabilidade. (MST, 2011)

Em 2011 foi lançado um manifesto de educadores brasileiros contra o

fechamento das escolas do campo. O mesmo encontra-se disponível no site do MST

(2011). Vale mencionar a entrevista publicada no site do MST, feita com Erivan

Hilário, do Setor de Educação do MST, que assim se refere ao fechamento das

escolas:

O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola. (MST, 2011a)

A política de fechamento das escolas localizadas no campo, embora tenha

início na década de 1970 no Brasil, e o movimento contra o fechamento das escolas

do campo iniciado em 2011, revelam o panorama do atual momento pelo qual passa

a educação do campo, apontando desafios, lutas e propostas. Dentre as questões

feitas ao representante do Setor de Educação do MST, duas estão reproduzidas

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adiante. Foi-lhe perguntado sobre os motivos do fechamento das escolas, ao que o

entrevistado responde:

O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola. Nesse sentido, os camponeses e os pequenos agricultores têm resistido contra esse modelo que concentra cada vez mais terras e riqueza, com base na produção que tem como finalidade o lucro. Nessa lógica, os camponeses são considerados como “atraso”. Por isso, lutar contra o fechamento das escolas tem se constituído como expressão de luta dos camponeses, de comunidades contra a lógica desse modelo capitalista neoliberal para o campo. (MST, 2011a)

Ainda, cabe lembrar que o professor e pesquisador da Universidade Federal

do Pará, em entrevista publicada no site do MST, afirma que o “fechamento de

escolas é atentado” (HAGE, 2012). Nota-se que a educação do campo revela que

existe um projeto de Brasil que inclui o campo do agronegócio. E nesse projeto não

estão incluídos os povos do campo. Por isso a importância política da discussão de

um projeto popular, um projeto de sociedade assentados nos interesses da maioria

trabalhadora do país. E a Educação Superior, em foco nesta pesquisa, é

fundamental para ampliar o acesso ao conhecimento científico por parte dos

beneficiários da reforma agrária.

Diante das várias faces da exclusão e das lutas empreendidas pelos povos

do campo, é importante recordar que, no ano de 1988, foi aprovada a Constituição

da República Federativa do Brasil, e nela foram expressos diversos direitos sociais,

dentre os quais a educação.

Em síntese, a partir de 1987 o Setor de Educação do MST ficou responsável

pela elaboração de muitos materiais pedagógicos e documentos que discutiam os

princípios filosóficos e pedagógicos da educação para os assentamentos e

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acampamentos. Toda essa experiência pedagógica fortaleceu a emergência de um

movimento nacional da educação do campo e nele programas governamentais,

oriundos da relação entre sociedade civil organizada e governos, que favoreceram a

organização de cursos de educação superior nas universidades públicas.

Diante dessa constatação, é importante verificar como as lutas dos povos do

campo, durante a década de 1990, impulsionaram a emergência do movimento da

educação do campo. Até a década de 1990, as disposições sobre a educação rural

sempre foram tímidas na legislação constitucional e educacional. Foram os

movimentos sociais de trabalhadores rurais que trouxeram para o ordenamento

jurídico-educacional (diretrizes, resoluções, portarias, decretos) a concepção da

educação do campo.

Em 1996 foi realizado o I Censo Nacional da Reforma Agrária, e por meio

dele constatou-se o elevado grau de analfabetismo e a baixa escolaridade entre os

beneficiários da reforma agrária, ao lado dos percentuais também indicados pelo

IBGE sobre a frágil escolaridade verificada entre os povos do campo. Esse fato

gerou inquietações sobre as escolas localizadas nos assentamentos organizados no

MST. Em 1997 foi realizado o I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da

Reforma Agrária, seguido da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do

Campo, em 1998. Começou a ganhar expressividade um espaço público de debate,

dos povos do campo, sobre a educação em sentido amplo, sobre as políticas

educacionais e sobre um projeto de campo necessário àqueles que vivem e

trabalham com a terra.

Foi assim que a concepção de educação do campo foi trilhada nos coletivos

educacionais dos movimentos sociais, em relação com as instâncias

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governamentais, expressando as diversas lutas no cenário público das conferências

e seminários estaduais e nacionais.

Da primeira Conferência realizada em 1998, os participantes elaboraram

uma carta contendo 10 desafios e compromissos da educação com a educação do

campo, a saber: 1) Vincular as práticas de educação básica do campo com o

processo de construção de um projeto popular de desenvolvimento nacional; 2)

Propor e viver novos valores culturais; 3) Valorizar as culturas do campo; 4) Fazer

mobilizações em vista da conquista de políticas públicas pelo direito à educação

básica do campo; 5) Lutar para que todo o povo tenha acesso à alfabetização; 6)

Formar educadoras e educadores do campo; 7) Produzir uma proposta de educação

básica do campo; 8) Envolver as comunidades nesse processo; 9) Acreditar na

nossa capacidade de construir o novo; 10) Implementar as propostas de ação dessa

conferência. (ARROYO; FERNANDES, 1999).

A emergência da educação do campo na década de 1990 coloca em foco o

conceito de política pública como construção coletiva, como fruto do debate no

espaço público.

Nota-se que, a partir dos encontros e conferências nacionais, bem como da

criação do PRONERA, foram organizados projetos de educação de jovens e adultos;

cursos de especialização lato sensu aos professores das escolas do campo;

abertura de cursos de Pedagogia (conhecidos como Pedagogia da Terra) destinados

aos profissionais que trabalhariam nas escolas localizadas nos assentamentos da

reforma agrária.

Importante dizer que, a partir das experiências desenvolvidas junto ao

PRONERA, foi gerado o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura

em Educação do Campo (PROCAMPO), vinculado ao Ministério da Educação, à

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Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

(SECADI), cuja execução é feita pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação (FNDE).

As primeiras experiências do PRONERA foram desenvolvidas em oito

universidades federais. Tivemos a possibilidade de participar dessa experiência

entre os anos de 1998 e 2004, por uma parceria estabelecida em Universidade

Federal do Paraná e Universidade Estadual de Ponta Grossa, com o INCRA e com o

MST. Beneficiários que foram monitores da educação de jovens e adultos nesse

projeto, hoje estão nos bancos das universidades públicas cursando educação

superior ou pós-graduação lato sensu e stricto sensu. Certamente, tais conquistas

fortalecem as práticas educacionais e a organização da produção nos

assentamentos da reforma agrária, lembrando que estes sofrem com as intempéries

políticas e econômicas (especialmente a dificuldade para financiamento da produção

e bons preços no momento da comercialização).

A primeira experiência do PROCAMPO foi desenvolvida em quatro

universidades federais, no ano de 2008. A Universidade de Brasília – UnB – tem

sido a pioneira em todos esses cursos, tendo no momento atual institucionalizado os

cursos superiores para beneficiários da reforma agrária, ou seja, não são mais

cursos efetivados por meio de turmas especiais; a entrada dos alunos é regular.

Importante destacar que a advogada e professora Mônica Molina, da UnB, foi

pessoa central na colaboração para criação do PRONERA e dos cursos na UnB. As

universidades públicas brasileiras têm professores e pesquisadores que lutam por

uma sociedade justa e, são eles, que estão à frente da busca de ruptura das cercas

da educação superior.

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É importante lembrar que, no final da década de 1990, iniciou-se a

preparação para a elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica

nas escolas do campo, documento publicado em 3 de abril de 2002. Foi, portanto,

uma década de conquistas para a educação do campo, fruto do empenho dos povos

organizados do campo, enfim, da ação dos trabalhadores do campo e trabalhadores

da educação nesse país. Óbvio que, diante da concentração da terra e do avanço do

agronegócio no país, as experiências pedagógicas e conquistas dos povos do

campo ocorreram em meio a inúmeros conflitos e represálias ideológicas e jurídicas.

No ano de 2004, foi criada a SECAD, atual SECADI, que tem respondido por

diversos programas de educação do campo na atualidade. No mesmo ano foi

realizada da II Conferência Por uma Educação Básica do Campo, que contou com

aproximadamente 1.100 participantes. Na declaração final da Conferência fica

explícita a intenção de organizar, a partir da educação, um projeto de sociedade que

seja justo, igualitário e democrático, que se contraponha ao agronegócio e que

promova a realização de uma ampla reforma agrária.

Dessa segunda Conferência foram listadas as seguintes demandas para

fazer avançar a educação do campo, a saber: 1. Universalização do acesso à

Educação Básica de qualidade para a população brasileira que trabalha e vive no e

do campo, por meio de uma política pública permanente que inclua como ações

básicas: o fim do fechamento arbitrário de escolas no campo; a construção de

escolas no campo que sejam do campo; a construção de alternativas pedagógicas

que viabilizem, com qualidade, a existência de escolas de educação fundamental e

de ensino médio no próprio campo; a oferta de Educação de Jovens e Adultos (EJA)

adequada à realidade do campo; políticas para a elaboração de currículos e para

escolha e distribuição de material didático-pedagógico, que levem em conta a

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identidade cultural dos povos do campo e o acesso às atividades de esporte, arte e

lazer. 2. Ampliação do acesso e permanência da população do campo à

Educação Superior, por meio de políticas públicas estáveis. 3. Valorização e

formação específica de educadoras e educadores do campo por meio de uma

política pública permanente. 4. Respeito à especificidade da Educação do Campo e

à diversidade de seus sujeitos.

Desse modo, é possível afirmar que a educação do campo se fortalece por

meio de uma rede de coletivos, composta pelos sujeitos coletivos que trabalham

com a educação do campo e que dela se aproximam. Nessa rede encontramos os

movimentos sociais do campo, universidades, secretarias estaduais e municipais de

Educação, movimento sindical, movimentos e organizações sociais, centros

familiares de Formação de Alternância.

Sujeito coletivo forte nessa rede social, o MST irradia o debate da educação

do campo e atrai os sujeitos que com ela trabalham. Ao fortalecer os demais sujeitos

coletivos, ele fortalece a própria luta e atuação política na organização de uma

proposta pedagógica que valoriza a “cultura camponesa” e que questiona as

relações de classe que marcam, particularmente, a realidade do campo brasileiro.

Cabe destacar que vários estados brasileiros têm a sua organização em

torno da educação do campo, construída a partir do final da década de 1990 e,

especialmente, na primeira década do século XXI. O Estado do Paraná viveu o auge

do debate da educação do campo nos últimos oito anos. Houve parecer do

Conselho Estadual de Educação sobre a educação do campo, seguido de

publicação de resolução da Secretaria de Estado da Educação sobre a política

estadual da educação do campo. O estado possui um Comitê Estadual de Educação

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do Campo e um Grupo de Trabalho formado pelas Instituições de Educação

Superior do Estado.

Outros estados, como Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Santa Catarina,

Sergipe, entre outros, têm diretrizes curriculares estaduais, e contam com comitês e

fóruns estaduais da educação do campo. Ou seja, o debate tem sido ampliado na

sociedade civil organizada e com isso vem adentrando, aos poucos, às instâncias

governamentais e gerando interferências nas políticas públicas.

Foi criada a Comissão Nacional de Educação do Campo, junto ao Ministério

da Educação (Portaria 1.258, 19 de dezembro de 2007). Trata-se de um órgão

colegiado, de caráter consultivo, com a atribuição de assessorar o Ministério da

Educação na formulação de políticas públicas de Educação do Campo. A

composição da Comissão tem dois grandes segmentos:

1) Representantes do governo federal, por meio das secretarias vinculadas

ao Ministério da Educação: Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

(SETEC); Secretaria de Educação Básica (SEB); Secretaria de Educação Superior

(SESu); Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD);

Secretaria de Estado da Educação (SEED); Secretaria de Educação do Estado de

São Paulo (SEESP); Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),

Instituto Nacional de Estudos (INEP) Pesquisas Educacionais e Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA); por representante da União Nacional dos

Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e do Conselho Nacional dos

Secretários Estaduais de Educação (CONSED).

2) A sociedade civil, representada por oito entidades: Centros Familiares de

Formação por Alternância (CEFFAs); Confederação Nacional dos Trabalhadores da

Agricultura (CONTAG); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Federação dos

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Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF); Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB); Movimento das Mulheres Camponesas (MMC); MST e Rede

Educacional do Semi-Árido Brasileiro (RESAB).

No Estado do Paraná, foi formado um Comitê Estadual da Educação do

Campo. Movimentos Sociais, organizações e entidades sociais, universidades, entre

outros, têm participação na definição do Comitê de Educação do Campo. Reuniões

foram realizadas no ano de 2009 com a finalidade de definir a função e o caráter do

Comitê. Em dezembro de 2010, foi aprovado o referido Comitê. O Estado do Paraná

conta também com uma Articulação Estadual dos Povos do Campo, a exemplo do

que acontece no país, com a Articulação Nacional. E o Estado do Paraná conta com

quatro cursos superiores destinados aos beneficiários da reforma agrária, estando

um deles em fase inicial na Universidade Federal do Paraná – curso de Direito.

A principal parceira dos povos do campo na organização da educação do

campo tem sido as universidades estaduais e federais. Com isso, num processo

dialético, movimentos e universidades têm possibilidade de aprendizagem coletiva.

A universidade dá indícios de abertura às demandas da sociedade civil organizada,

mas esse ainda é um tema a ser investigado, ou seja, será que as universidades

têm desenvolvido relações de fato democráticas?

A educação do campo6 tem sido caracterizada como um novo paradigma,

que valoriza o trabalho no campo e os sujeitos trabalhadores, suas particularidades,

contradições e cultura como práxis. Está em contraponto ao paradigma da educação

rural, vinculado aos interesses do agronegócio, do capitalismo agrário e,

consequentemente, ao fortalecimento das políticas de esvaziamento do campo.

                                                            6 Sugere-se análise da obra organizada por Bernadete Wrublevski Aued e Célia Regina Vendramini, intitulada Educação do Campo: desafios teóricos e práticos. Florianópolis: Insular, 2009. E, também, da obra organizada por Benedita Almeida, Clésio Acilino Antonio e José Luiz Zanella, intitulada Educação do campo: um projeto de formação de educadores em debate. Cascavel: Edunioeste, 2008.

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Caldart (2008, p. 69), em texto intitulado Sobre a Educação do Campo,

afirma que o conceito é novo e já está em disputa, “[...] porque o movimento da

realidade que ele busca expressar é marcado por contradições sociais muito fortes”.

Para a autora, “[...] o conceito de Educação do Campo tem raiz na sua materialidade

e origem e no movimento histórico da realidade a que se refere”. Ela aponta três

questões que sinalizam tensões reveladoras de contradições importantes. A primeira

afirma que

A materialidade de origem (ou de raiz) da Educação do Campo exige que ela seja pensada/trabalhada sempre na tríade: Campo – Política Pública – Educação. É a relação, na maioria das vezes, tensa, entre esses termos que constitui a novidade histórica do fenômeno que batizamos de Educação do Campo (CALDART, 2008, p. 70).

A segunda indica que

A Educação do Campo trata de uma especificidade; assume-se como especificidade: na discussão de país, de política pública, de educação. Essa característica nos tem aproximado e distanciado de muitos sujeitos/grupos que fazem e discutem educação e que defendem uma perspectiva de universalidade, de educação unitária e que nos alertam para o perigo da fragmentação das lutas da classe trabalhadora [...] (CALDART, 2008, p. 72-73).

A terceira questão diz que “O movimento da Educação do Campo se

constitui de três momentos que são distintos, mas simultâneos e que se

complementam na configuração do seu conceito, do que ela é, está sendo, poderá

ser” (CALDART, 2008, p. 75). Para a autora, a Educação do Campo é negatividade

– denúncia/resistência; é positividade – se combina com práticas e propostas

concretas; e é superação – projeto/utopia (CALDART, 2008, p. 75).

Na conjuntura atual, é pertinente afirmar que a sociedade civil organizada

desperta o interesse dos pesquisadores pelo estudo da história viva e em

movimento.

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O MST, em função de sua expressiva atuação (lutas, reivindicações,

proposição e experimentação) no campo educacional, tem despertado o interesse

dos pesquisadores sobre as escolas localizadas em assentamentos de reforma

agrária; sobre as escolas itinerantes localizadas nos acampamentos; sobre parcerias

entre governos, movimentos sociais e universidades, em especial projetos de

educação de jovens e adultos; cursos técnicos de Ensino Médio, a exemplo do

Técnico em Administração Cooperativa (TAC), e cursos de Educação Superior.

Acima de tudo, o movimento social desperta para a análise do modo de produção

capitalista e das suas contradições sociais básicas, bem como para a educação em

sentido amplo, como a produzida na prática social e, ao mesmo tempo, produtora de

novas relações sociais educativas.

Ao colocar na agenda política a educação do campo, os movimentos sociais

e, em especial o MST, dão ênfase à construção de um projeto político para o país.

Esse projeto político tem no centro da organização das políticas públicas os

trabalhadores e suas organizações. É essa frente de luta que tanto incomoda

aqueles que lutam por manter a “ordem e o progresso” de natureza positivista na

sociedade brasileira. Sob o manto da Justiça e dos direitos positivados no

ordenamento jurídico, há um conjunto de magistrados e procuradores federais que

questionam a educação superior para os beneficiários da reforma agrária, e,

conscientemente fazem “emperrar” o próprio processo de sucesso da reforma

agrária.

É importante pensar que a luta por educação implica na aquisição de

conhecimentos que possam fortalecer ações de transformação social. Como

escreveu Paulo Freire em muitas das suas obras, em especial no livro Pedagogia do

Oprimido, o “conhecimento liberta”. E, vale lembrar a obra “Fábula da águia e da

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galinha” de Leonardo Boff. Nela, o autor traz reflexões para os povos da América

Latina, águias criadas como galinhas. Águias que precisam da “mediação” para alçar

vôos. Pode-se inferir que a educação é construída por meio da mediação. Essa

mediação pode ser dialógica ou bancária, nos termos de Paulo Freire. O que se

pretende com a prática educativa gerada no PRONERA é o desenvolvimento da

racionalidade comunicativa, tão presentes nas discussões da teoria crítica em

educação. O próprio Freire é um defensor da racionalidade dialógica.

2.2 O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA

O PRONERA é um programa governamental constituído no movimento

social por educação dos povos do campo. A sua particularidade é ter, na gênese, a

participação dos trabalhadores rurais como protagonistas da história da Educação

do Campo e, nela, a educação de jovens e adultos, a Educação Superior, a

formação continuada e a formação técnica.

A compreensão do PRONERA requer a utilização de conceitos como os de

sociedade civil, Estado, esfera pública e parceria.7 Uma experiência nova, oriunda

da prática social, pode requerer categorias novas que a explique, embora o contexto

maior das relações seja o modo de produção capitalista, marcado por interesses

diferentes, pela contradição entre capital e trabalho.

Dagnino (2002, p. 280-281) auxilia na compreensão sobre as relações que

se estabelecem entre Estado e sociedade civil, sempre tensas e permeadas por

conflitos; que os conflitos e as tensões podem ser maiores ou menores, dependendo

de quanto a sociedade civil e o Estado compartilham as partes envolvidas, e com

                                                            7 Souza (2002) analisou o PRONERA dando ênfase à relação entre MST e Estado.

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que grau de centralidade. A autora critica os reducionismos expressos na visão da

sociedade civil como “polo de virtude” e o Estado como “encarnação do mal”. Ainda,

ela defende o caráter histórico das relações entre Estado e sociedade civil. São

relações objeto da política e são transformáveis pela ação política.

A referida autora destaca a noção de projeto político como algo que orienta a

ação, como fundamental para explicar as relações entre Estado e sociedade civil,

resguardando o fato de que ambos não são forças equivalentes, e que sua ação

política também tem natureza diferenciada.

Quanto ao conceito de esfera pública, Costa (2002, p. 36) destaca que os

movimentos sociais interagem com o Estado e as instituições e, para ele, não se

deve pensar em esferas públicas separadas da “esfera pública burguesa”. O autor

afirma que:

Os mecanismos construídos para a participação não podem, entretanto, deixar as associações vulneráveis a uma institucionalização imobilizadora e às tentativas de cooptação política. Sobretudo, parece fundamental que os desenhos institucionais para a participação política das associações civis preservem o caráter autônomo e necessariamente descontinuado de sua constituição e operação. A delegação, a partir do Estado, de funções político-administrativas às associações civis poderia sobrecarregar seus processos internos de coordenação, provocando a ruptura de seu delicado e sensível ancoramento social. (COSTA, 2002, p. 36).

Quando se trata de pensar os formatos sociais no contexto da relação com o

MST, é fundamental pensar na histórica luta entre trabalhadores, de um lado; donos

dos meios de produção, de outro lado; e o Estado como intermediador dos

interesses capitalistas. No entanto, outro olhar para a realidade talvez possa revelar

que as relações não são tão determinadas pela histórica concepção de que o Estado

está a serviço da “propriedade”. É importante visualizar as conquistas que a

sociedade efetiva na práxis e, por meio dela, o quanto fortalece um processo de

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conscientização acerca das relações servis que demarcam o modo de produção

capitalista.

Quanto ao conceito de parceria, a definição proposta por Caccia Bava (1999,

p. 15), torna-se pertinente quando estudamos o Pronera. Para o autor,

[...] o termo parceria indica a disposição de uma ação conjunta entre diferentes partes, mas não qualifica que ação é esta, que relações se estabelecem e com que objetivos [...] o exercício da parceria é um aprendizado democrático onde a riqueza das contribuições de cada instituição está justamente no aporte diferenciado que cada parceiro pode trazer para o projeto conjunto.

A educação, como mediação para o processo de aquisição dos

conhecimentos socialmente e historicamente construídos, é demandada como

possibilidade de superação da ideologia e cultura burguesas transmitidas nos livros

didáticos, elaborados de forma genérica, atendendo ao princípio da igualdade entre

as pessoas. Para uma sociedade desigual, que educação se faz necessária? Há

necessidade de uma escola que atenda à função (que lhe é peculiar) de desenvolver

processos pedagógicos de apropriação dos conteúdos historicamente construídos

pela humanidade, localizando-os no tempo e no espaço, e estabelecendo relações

com a experiência vivida no tempo atual pelos alunos.

Como essa educação vem sendo construída? Com muita luta social, desde

a reivindicação do direito social – acesso e permanência na escola – até o direito

fundamental, que é o acesso ao conhecimento, cada vez em maior profundidade.

A luta dos movimentos sociais do campo, pela reforma agrária e por

condições de trabalho na terra tem, na educação, o processo necessário para que,

por meio do acesso aos conhecimentos técnicos e teóricos, os trabalhadores

possam compreender os processos sociais e as contradições que marcam a

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sociedade brasileira. Com isso, possam traçar alternativas econômicas, políticas e

sociais para a própria sobrevivência e para a construção de um mundo diferente.

Damasceno (1990, p. 29), numa perspectiva materialista histórica dialética,

pensando a relação entre educação e hegemonia, destacou três questões básicas:

[...] o entendimento da educação como projeto político que se vincula à dialética de classes; o papel da educação na reelaboração do saber, da cultura, e da visão de mundo do grupo onde a educação se insere e as relações de poder que se estabelecem e se formam mediante a ação pedagógica.

Para a autora, a essência do pensar dialeticamente a educação é discutir o

homem como ser histórico e suas relações sociais. Eis o desafio da Educação do

Campo, que não se pretende apenas para as escolas localizadas no campo, mas às

escolas públicas, independente do espaço que ocupam – campo ou cidade.

Em síntese, o PRONERA, que foi construído na relação entre sociedade e

governos, tem sido o responsável pela criação dos cursos superiores para

beneficiários da reforma agrária. Entretanto, cabe destacar que cada universidade

enfrenta uma luta interna, jogo de poder e de ideologias para a aprovação de cursos

“especiais” no interior da instituição. São profissionais com forte vínculo a um projeto

transformador de sociedade, que ousam participar dessas experiências.

De acordo com o Manual Operacional do PRONERA, seus objetivos gerais e

específicos estão assim definidos:

Objetivo Geral: Fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável. Objetivos específicos: garantir a alfabetização e educação fundamental de jovens e adultos acampados (as) e/ou assentados (as) nas áreas de Reforma Agrária; garantir a escolaridade e a formação de educadores (as) para atuar na promoção da educação nas áreas de Reforma Agrária; garantir formação continuada e escolaridade média e superior aos educadores (as) de jovens e adultos – EJA – e do ensino

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fundamental e médio nas áreas de Reforma Agrária; garantir aos assentados (as) escolaridade/formação profissional, técnico profissional de nível médio e cursos superiores em diversas áreas do conhecimento; organizar, produzir e editar os materiais didático-pedagógicos necessários à execução do programa; promover e realizar encontros, seminários, estudos e pesquisas em âmbito regional, nacional e internacional que fortaleçam a Educação do Campo. (Manual de Operações do PRONERA, 2004 p. 17)

A figura a seguir oferece indicativos de como está o conjunto das

experiências em educação superior para beneficiários da reforma agrária no país.

FIGURA 1 – CURSOS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA

FONTE: Zancanela, Yolanda (2011).

As universidades indicadas na Figura 1 possuem cursos de Licenciatura em

Educação do Campo, Agronomia, Comunicação, Ciências Sociais, Direito,

Geografia, História, Medicina Veterinária, Pedagogia, entre outros. Também, a

Universidade Estadual Paulista (UNESP), em conjunto com universidades brasileiras

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e internacionais, criou o primeiro Mestrado em Educação do Campo, junto à Cátedra

da Educação do Campo, que tem à frente das ações o professor e pesquisador

Bernardo Mançano Fernandes. São experiências que indicam que a reforma agrária

é uma políticas que está articulada a outras políticas, tais como: educação, saúde,

política agrícola, ensino técnico etc.

2.3 AS EXPERIÊNCIAS ESTUDADAS: UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

(UFG), UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL) E UNIVERSIDADE FEDERAL DO SERGIPE (UFS)

As três experiências escolhidas para análise nesta pesquisa foram:

Curso de Direito ofertado pela UFG, campus de Goiás Velho.

A turma especial do curso de Direito para beneficiários da reforma agrária foi

iniciada em agosto de 2007. O curso de Direito foi criado no ano de 2007 na

Universidade Federal de Goiás. Trata-se de uma turma “especial”, como ficou

conhecida, com alunos oriundos dos assentamentos da reforma agrária. Foram

matriculados 60 alunos nessa turma especial.

O projeto político-pedagógico do curso é composto de 4.300 horas de

atividades de formação. O curso está organizado em 10 semestres. A metodologia

de trabalho é a Alternância, denominada Tempo Comunidade e Tempo Escola.

Sobre a Pedagogia da Alternância tem inúmeras pesquisas no Brasil, que relatam

desde a sua trajetória histórica francesa e italiana, até os seus diversos formatos no

Brasil. A pesquisadora Lourdes Helena da Silva e o pesquisador João Batista

Pereira de Queiroz, ambos da Universidade Federal de Viçosa/MG, têm sido

expoentes nessa temática.

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O tempo na universidade é composto de 70 a 90 dias por semestre. O tempo

comunidade é desenvolvido no local de origem dos alunos, ou seja, no

assentamento de reforma agrária, de modo a garantir a articulação teoria-prática.

A Lei 11.326/2006 dispõe sobre as diretrizes para a formulação da Política

Nacional de Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. É no artigo

5°, Inciso X, que está disposto que a educação é integrante da Política Nacional da

Agricultura Familiar, bem como os processos de capacitação e profissionalização.

Com isso, cursos técnicos e cursos superiores são fundamentais para que os

agricultores familiares visualizem possibilidades de trabalho, produção e

comercialização dos seus produtos.

[...] a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais promoverá o planejamento e a execução das ações, de forma a compatibilizar as seguintes áreas: [...] X - educação, capacitação e profissionalização [...].

O curso de Direito está sendo realizado mediante Termo de Cooperação

Técnica entre a UFG e o INCRA. Os recursos são oriundos do PRONERA, vinculado

ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).

Em 23 de junho de 2008 o MPF ingressou com Ação Civil Pública, sob n°

2008.35.00.013973-0, visando extinguir o curso, com a alegação de haver o

ferimento ao princípio da legalidade e da isonomia, assunto que será analisado no

segundo capítulo deste trabalho. A sentença proferida em junho de 2009 declarou a

ilegalidade do “convênio” estabelecido para a efetivação do curso de Direito e

determinou a extinção do curso. A Universidade recorreu da sentença para o

Tribunal Regional Federal (TRF). O presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª

Região (TRF1), desembargador Jirair Aram Meguerian, decidiu que o INCRA e a

UFG poderiam dar continuidade à turma especial de direito para assentados da

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reforma agrária e filhos de pequenos agricultores, na cidade de Goiás. A decisão no

TRF ocorreu em 18/12/ 2009 e determinou a suspensão dos efeitos da decisão

proferida pelo Juiz Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás. Em

14/5/2010 MPF apresenta recurso e contrarrazões. O processo foi remetido ao TRF

(sem baixa) em 13/10/2010.

Curso de Medicina Veterinária para beneficiários da reforma agrária,

ofertado pela UFPEL.

No Estado do Rio Grande do Sul teve início, em 2007, o primeiro curso de

Medicina Veterinária para beneficiários da reforma agrária. Foi firmado um convênio

técnico entre o INCRA e a Fundação Simon Bolívar para a realização do referido

curso. O convênio está vinculado ao PRONERA. A turma teve início com 60 vagas,

tal qual o curso de Direito e de Agronomia, também em tela nesta pesquisa.

As aulas foram iniciadas em 2008, estando prevista a formatura para o ano

de 2013. De acordo com reportagem publicada na página da web do INCRA:

A UFPEL será responsável por toda a execução, desde a etapa preparatória para o processo seletivo, incluindo o vestibular e o curso de graduação. A preparação será realizada no período de 15 de novembro a 15 de dezembro no assentamento Viamão, com cerca de 80 candidatos assentados de todo o Brasil. Para a coordenadora do Pronera no Incra/RS, Maria de Lourdes Álvares da Rosa, a assinatura do convênio é uma importante conquista. Ela lembra que hoje apenas 24% das vagas de Medicina Veterinária no País são oferecidas por instituições de ensino gratuito, o que dificulta o acesso do público da reforma agrária. "O curso na UFPEL vai suprir uma grande demanda que temos, contribuindo para o desenvolvimento dos assentamentos. A educação é fundamental para a reforma agrária", afirma a coordenadora.8

Também, no Estado do Rio Grande do Sul o início do curso não foi menos

tumultuado político-juridicamente. O MPF propôs Ação Civil Pública (ACP) em 2007                                                             8 Disponível em: Hhttp://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/5282-

convanio-do-pronera-cria-primeira-turma-de-medicina-veterinaria-para-assentadosH, 26/9/2007. Acesso em: 24/3/2012.

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alegando a inconstitucionalidade do curso e pedindo antecipação dos efeitos da

tutela. O Juiz da 1ª Vara e Juizado Especial Federal Criminal Adjunto de Pelotas

indeferiu os pedidos de antecipação de tutela formulados na inicial. O MPF interpôs

agravo de instrumento, junto ao TRF da 4ª Região, em 14/10/2007, contra a decisão

que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, requerendo que o agravo seja

recebido com efeito suspensivo ativo e que haja reformulação da decisão

interlocutória em questão. O Juiz João Batista Lazazzari, que substituía Everson

Guimarães da Silva, proferiu nova decisão e atribuiu eficácia suspensiva ativa ao

recurso. O MPF conseguiu a suspensão do curso, entretanto o INCRA e a UFPEL

recorreram da decisão conseguindo junto à 2ª Turma do STJ, pelo relatório do

Ministro Herman Benjamin, suspensão da liminar obtida pelo MPF. Dessa forma, o

curso está em funcionamento, a ACP foi decidida em 1° Grau, entretanto, no estágio

atual tramita recurso extraordinário junto ao STF, interposto pelo MPF.

O Curso de Agronomia ofertado para beneficiários na reforma agrária

pela UFS.

Para a caracterização do curso de Agronomia, criado em 2004 na UFS, foi

utilizada a documentação referente à autorização do curso e a dissertação de

mestrado em Educação, defendida em 2009, elaborada por Gisele da Rocha Souza.

Todos os cursos de educação superior para beneficiários da reforma agrária,

vinculados ao PRONERA, têm que ser elaborado segundo as orientações do

referido Programa. Desse modo, a UFS, ao receber demanda dos assentados da

reforma agrária, elaborou um projeto do tipo “Convênio Técnico” juntamente com o

INCRA. O Convênio foi firmado entre INCRA, Fundação de Apoio à Pesquisa e

Extensão de Sergipe (FAPESE) e UFS (SOUZA, 2009, p. 58).

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O curso de Engenharia Agronômica no Estado de Sergipe foi criado em 2004 Aprovado pela Resolução N.º15/2004/CONSU oferecendo 60(vagas) vagas anuais, o turno de funcionamento é no período matutino e vespertino é ministrado com duração de 4,5 (quatro e meio) anos, com uma carga horária de 3.810 (três mil e oitocentos e dez) horas, correspondendo a 254 (duzentos e cinquenta e quatro) créditos, sendo 234 (duzentos e trinta e quatro) créditos obrigatórios e 20 (vinte) optativos. (SOUZA, 2009, p. 58)

De acordo com Souza (2009, p. 58-59), no ano de 2004 foi aprovada, na

UFS, a implementação do Projeto de Qualificação em Engenharia Agronômica para

jovens e adultos não graduados em nível superior vinculados aos Assentamentos de

Reforma Agrária do Nordeste – PROQUERA.

A realização do curso de Agronomia para beneficiários da reforma agrária é

fruto de uma luta intensa dos movimentos sociais no estado e da disposição dos

professores universitários e acadêmicos que se empreenderam na efetivação do

projeto. A UFS, desde o surgimento do PRONERA em 1998, tem desenvolvido

projetos educacionais junto aos beneficiários da reforma agrária.

De acordo com Souza (2009, p. 61):

Depois do estabelecimento das parcerias, da delimitação do projeto, de seu objetivo principal e, a matriz curricular, ocorreu o estabelecimento do processo seletivo especial que contou com a inscrição de 89 beneficiários da Reforma Agrária e foram selecionados 60 assentados para cursar o Ensino Superior. O projeto do curso possui um currículo estruturado a partir dos objetivos: - Promover conteúdos científicos na área de produção agrícola, associados a processos políticos, culturais e sociais. - Buscar alternativas de produção que contribuam para a melhoria de vida nas comunidades rurais, em especial nos assentamentos; - Incentivar pesquisas compatíveis com a realidade da pequena agricultura e meio ambiente.

Entretanto, um curso superior de Agronomia acirraria os ânimos da

Associação dos Engenheiros Agrônomos, que propôs Ação Civil Pública contra o

funcionamento do curso, alegando ilegalidade e ferimento do princípio constitucional

da isonomia.

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No Estado de Sergipe foi a Associação dos Engenheiros Agrônomos que

ingressou com ação civil pública contra a UFS, pelo fato desta oferecer curso de

Agronomia aos beneficiários da reforma agrária. Trata-se do processo sob n°

200485000002559 – Justiça Federal. A associação pediu a concessão de mandado

liminar “inaudita altera pars” para que fosse sustada a realização do vestibular

Especial 25/1/2004. A Juíza da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe deferiu a

medida liminar, para suspender o início do curso, até ulterior deliberação daquele

juízo. A Universidade interpôs agravo de instrumento pedindo efeito suspensivo

contra a decisão da Juíza da 3ª Vara. O recurso foi deferido pelo Desembargador

Marcelo Navarro, com efeito suspensivo à decisão de 1° grau. Por fim, foi proferida a

sentença em 1° grau, houve apelação da Associação, que não foi provida. Em não

havendo recursos no prazo legal, considera-se coisa julgada material, com efeitos

ultra partes, como disposto no artigo 16 da Lei da ACP.

O que se pretende ao final do estudo é caracterizar os princípios

constitucionais presentes nas ações em questão e revelar que os conflitos em torno

da terra adentram ao Judiciário em meio às lutas por educação. A novidade reside

não no fato dos conflitos por terra estarem no Judiciário, mas no fato de que a frente

educacional tenha se constituído objeto de discussões no Judiciário em meio à

reforma agrária. O maior tabu da sociedade brasileira ainda é a reforma agrária. E

ideologias estão por trás de muitas decisões políticas e jurídicas, e não há como

fugir delas. Nem mesmo pelo cálculo do princípio da proporcionalidade proposto por

Alexy e adotado por Gilmar Mendes na análise do pedido de suspensão da tutela

antecipada, analisado no STF em 2009.

No próximo capítulo será descrita a história da luta na justiça pela efetivação

do curso de Agronomia para os beneficiários da reforma agrária. Para instigar sua

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leitura, observe-se a foto a seguir (Figura 2). Depois de longas idas e vindas na

Justiça, o curso foi aprovado, desenvolvido e os primeiros graduados comemoram

mais uma conquista, em meio a tantas contradições econômicas, jurídicas e

políticas.

FIGURA 2 – FORMATURA DA 1ª TURMA DE AGRONOMIA – UFS, 2/8/2008 FONTE: Disponível em: http://2008.jornaldacidade.net/2008/noticia.php?id=9988. Acesso em:

25/3/2012

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3 AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DECISÃO JUDICIAL E PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS: O CASO DO CURSO DE AGRONOMIA

“A isonomia fática é o grau mais alto e talvez mais justo e refinado a que pode subir o princípio da igualdade numa estrutura normativa de direito positivo”

(BONAVIDES, 2008, p. 378)

A discussão sobre princípios constitucionais é ampla na literatura nacional e

internacional. Para fins deste estudo, serão tomadas como centrais as obras de

Rabello Filho (2002), particularmente o capítulo primeiro, haja vista que nele o autor

dá atenção ao conceito de “princípios constitucionais”; de Paulo Bonavides, sobre

direito constitucional. A intenção inicial neste trabalho era de estudar as obras de

Robert Alexy e Ronald Dworkin. Entretanto, essa tarefa ficará para o futuro. A

dissertação de Leonardo Ferraz (2007), intitulada “Crítica ao princípio da

proporcionalidade como fundamento das decisões judiciais”, foi estudada para fins

de fundamentar comentários acerca do referido princípio.

Quanto à educação superior para beneficiários da reforma agrária, trata-se

de tema e problema que têm adentrado à academia brasileira na última década.

Afinal, é dos últimos 10 anos a constituição das experiências político-pedagógicas

em andamento nas universidades públicas brasileiras. São várias as obras que

tratam da educação do campo, inclusive de nossa própria autoria. Para fins deste

trabalho serão analisadas as obras de autores como Miguel Arroyo, Mônica Molina e

Roseli Caldart. Soma-se a tais obras a dissertação de Gisele Souza (2009), que

versa sobre o curso de Agronomia para beneficiários da reforma agrária no Estado

de Sergipe. Diversos papers sobre esses cursos foram estudados e estão

mencionados ao longo do trabalho.

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Desse modo, delineia-se o referencial teórico desta pesquisa em torno de

dois conceitos fundamentais: princípios constitucionais e efetivação do direito social

à educação.

A ACP foi proposta pela Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado

de Sergipe (AEASE), tendo como réus a UFS, a FAPESE e o INCRA. O processo

está registrado sob o n° 2004.85.00.00.02.55-9, Classe 5023, 3ª Vara Civil de

Sergipe. O MPF manifestou-se favorável à AEASE.

Para compreender a ACP proposta pela Associação dos Engenheiros

Agrônomos do Estado de Sergipe, o esquema a seguir faz-se necessário:

ACP 2004.85.00.00.02.55-9 com pedido de liminar para sustar a realização do

vestibular no dia 25/1/2004 e impedir o início do curso.

Juíza Federal Substituta da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe, que deferiu

medida liminar, nos autos de ação civil pública, para suspender o início do Curso

610 - Engenharia Agronômica Especial - daquela autarquia universitária, até ulterior

deliberação daquele juízo. O curso fica suspenso entre 13/2/2004 a 28/4/2004.

Os pedidos da AEASE eram a suspensão do vestibular (mandado liminar

inaudita altera pars) e a extinção do curso – 610 – de Graduação em Engenharia

Agronômica Especial, da forma como concebido.

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A AEASE afirma que o Conselho Universitário da UFS publicou a Resolução

n°9/2003, que aprova a implementação do Projeto de Qualificação em Engenharia

Agronômica para Jovens e Adultos dos Assentamentos de Reforma Agrária da

Região Nordeste (PROQUERA) e que foram disponibilizadas 60 vagas, a serem

preenchidas por meio da realização de um vestibular especial.

Para a AEASE, o PROQUERA é:

[...] discriminatório, porquanto privilegia, injustificavelmente, uma parcela da sociedade brasileira, criando critérios de avaliação diferenciados para esta, em detrimento dos candidatos ao Curso Regular de Engenharia Agronômica, que se submetem à prova de Conhecimentos Curriculares, com 40 (quarenta) questões sobre português, matemática, geografia, física, biologia, química e língua estrangeira, e à prova de Redação.9 (Grifo nosso)

A Associação alega que o curso infringe os dispositivos da Lei n°

9.131/1995, em seu artigo 9°, § 2°, alínea “c”, que dispõe sobre o currículo dos

cursos superiores. Assim, para a AEASE, a organização curricular diferenciada

estaria infringindo dispositivo legal, mesmo diante da autonomia das universidades

para criação e extinção de cursos, tal qual disposto no artigo 53, Inciso I, da LDB

9394/1996. Alega que a organização político-pedagógica do Tempo Escola e Tempo

Comunidade vai contra o disposto na LDB, no que se refere aos 200 dias letivos.

Chama atenção no relato da AEASE a utilização da ideia de “discriminatório”

para o processo seletivo da turma de Agronomia, bem como para os critérios

diferenciados para a avaliação dos alunos. É de se questionar, a respeito do

entendimento da AEASE, sobre a função pedagógico-científica da universidade,

afinal, há autonomia para criar processos diferenciados de avaliação ou não?

Quando o processo favorece a “ordem da sociedade” os critérios de seleção são

                                                            

H. 9 - Disponível em Hhttp://www.jfse.jus.br/sentencas/administrativas/adm2006/sentadmedmilson20048500002559.htmAcesso em 24/3/2012.

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aceitos. Quando é questionada a desigualdade, os critérios são colocados em

xeque. Há uma perspectiva ultraconservadora na análise feita pela Associação dos

Agrônomos em relação ao papel da universidade.

O princípio constitucional questionado na ação é o da isonomia, conforme

artigo 3°, Inciso IV, e artigo 206, Inciso I, da Constituição Federal. Para a

Associação, o curso não poderia oferecer o diploma superior e, sim, uma

certificação de natureza técnico-profissional. Tal postura se reporta a meados do

século XX, para não dizer ao século XVIII, quando, pela Lei 5692/71, foi instituído o

curso profissional para os trabalhadores e a formação geral para a elite dirigente. É

como se a classe trabalhadora tivesse que continuar sempre submissa à situação de

fazer e sem acesso aos conhecimentos gerais que levam à inserção nos meios

decisórios e políticos. Trata-se de uma visão educacional dualista, de um lado a

formação técnica para os trabalhadores e os seus filhos; de outro lado a formação

geral para a elite e os seus filhos.

Molina (2008, p. 28) comenta o dispositivo constitucional – artigo 206 – que

permite pensar o princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na

escola. Para ela:

A elaboração de políticas públicas educacionais não pode prescindir dos dispositivos consagrados também no artigo 206 da Constituição. O princípio da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, informado por este ditame constitucional, constitui diretriz que deve informar o conjunto das políticas educacionais. Ele é tomado como base para proposição de políticas afirmativas para efetiva garantia do direito à educação.

Em Carta Manifesto, a Associação dos Agrônomos assim se refere ao curso

de Agronomia:

Isto é uma vergonha, é a negação da pedagogia, é a negação do ensino público e a negação da agronomia, porque não entendemos a criação de

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um curso paralelo, pois já existe na Universidade o Curso de Agronomia onde são oferecidas anualmente 40 vagas; não entendemos a criação de outro curso específico para clientela privilegiada quando na prática democrática o vestibular unificado é a porta de entrada de todos, o que visualiza uma medida discriminatória fazendo retornar ao passado distante a “Lei do Boi” em que era reservada no vestibular de agronomia, certa quantidade de vagas para filhos de fazendeiros dentre as vagas existentes no referido curso, sendo essa mais vergonhosa e antidemocrática, pois não oferece como exemplo, cinco vagas das quarenta existentes no curso normal de agronomia da Universidade, e sim, através de um simples convênio, instrumento este inconsistente do ponto de vista executivo, pois os recursos financeiros nunca são repassados em tempo hábil, conforme o cronograma de reembolso, conseqüentemente havendo solução de continuidade na implementação do curso, cria-se outro curso paralelo e específico com 60 vagas engessado em um vestibular específico e fora de época. (CARTA DE MANIFESTAÇÃO DA AEASE, 2003, apud SOUZA, 2009, p. 63-64)

O conflito jurídico foi travado e levado às instâncias superiores do Estado de

Sergipe. No dia 2 de fevereiro de 2004, foi realizada a aula inaugural do curso de

Agronomia, porém a batalha judicial ainda não estava vencida. Souza (2009) mostra

que a AEASE conseguiu uma liminar na Justiça para cessar as aulas do referido

curso. Como menciona a autora:

[...] o Projeto teve que paralisar suas atividades no período de 13/02 a 28/04/2004. E, só retornou, inicialmente por conta da suspensão da liminar e, posterior julgamento do mérito pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, sediado em Recife-PE, em 29/06/2004 que decide por unanimidade favorável ao pleito da UFS e demais entidades representativas. (DANTAS e BLANCK, 2005, p. 76 apud SOUZA, 2009, p. 66)

UFS interpõe Agravo de Instrumento para suspender a liminar deferida em 1°

Grau. 0004847-30.2004.4.05.0000 – TRF da 5ª Região.

O Desembargador Federal Marcelo Navarro deferiu o pedido da UFS, com efeito

suspensivo à decisão de 1º Grau, determinou o prosseguimento regular do Curso

Especial de Engenharia Agronômica – 610.

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Em 28/4/2004, o Desembargador do TRF da 5ª Região assim proferiu sua

decisão liminar ao atribuir efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento interposto

pela UFS:

[Publicado em 07/05/2004 00:00] [Guia: 2004.000377] (M303) D E C I S Ã O Vistos, etc. A UFS - UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE interpõe o presente agravo de instrumento, pleiteando efeito suspensivo, contra decisão da lavra da douta Juíza Federal Substituta da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe, que deferiu medida liminar, nos autos de ação civil pública, para suspender o início do Curso 610 - Engenharia Agronômica Especial - daquela autarquia universitária, até ulterior deliberação daquele juízo.Esclarece a agravante que o Projeto de Qualificação em Engenharia Agronômica para jovens e adultos não graduados em nível superior, vinculados a Assentamentos de Reforma Agrária no Nordeste - PROQUERA - foi aprovado pela Resolução nº 09/2003 do Conselho Universitário da Universidade Federal de Sergipe, com o objetivo de oferecer ao homem do campo, em especial ao público ligado à reforma agrária, acesso à educação formal, ofertando-se uma turma única de 60 (sessenta) vagas. Afirma que o plano pedagógico foi aprovado pela Resolução nº 16/2003, do Conselho de Ensino e Pesquisa da UFS que dispõe sobre a duração do curso, além dos currículos padrão e complementar e o ementário das disciplinas do curso. Alega que diante dessa ação afirmativa da UFS foram adotadas algumas medidas diferenciadas em relação ao curso regular de engenharia agronômica, quais sejam: o público alvo é o beneficiário ou filho de beneficiário da reforma agrária em assentamentos do Nordeste, desde que tenha declaração do INCRA em Sergipe informando tal condição, conforme o convênio celebrado entre o INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, a FAPESE - Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe e a UFS; a realização de um concurso vestibular especial composto de uma prova subjetiva correspondente à elaboração de uma redação sobre tema relacionado com a agricultura e meio ambiente com peso 3 (três) e uma prova objetiva de conhecimentos gerais com peso 7 (sete); e, ainda, que os períodos letivos serão ministrados de forma intensiva. Assim, refuta a alegação da autora, de ofensa ao princípio da isonomia, e, ressaltando que as universidades, nos termos do art. 207 da Carta Constitucional, gozam de autonomia administrativa, podem instituir vestibular especial e, ainda, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação não exige a inclusão de prova de português no processo seletivo, até porque a prova de redação supriria a necessidade daquele exame. Reservei-me para apreciar o pedido de efeito suspensivo após a ouvida das partes agravadas e do representante do Parquet federal. (Grifo nosso) [...] DECIDO: A Constituição Federal prevê, nos seus artigos 207 e 208, V, o seguinte: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de:- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; "Por sua vez, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nos seus arts. 44, II e 47, assim dispõe: "A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:- de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; Na educação superior, o ano letivo

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regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver." (realce atual) A Portaria nº 391, de 07 de fevereiro de 2002, do Ministro de Estado da Educação, nos seus artigos 1º, 2º e 3º, estabelece: "Art. 1º Os processos seletivos para ingresso nas Instituições Públicas e Privadas pertencentes ao Sistema e Ensino Superior, a que se refere o Inciso II do art. 44, da Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, deverão seguir as determinações do Parecer nº 98/99, de 6 de julho de 1999, do Conselho Nacional de Educação a as disposições da presente Portaria. Art. 2º Todos os processos seletivos que se refere o artigo anterior incluirão necessariamente uma prova de redação em língua portuguesa, de caráter eliminatório, segundo normas explicitadas no edital de convocação do processo seletivo. Art. 3º Somente serão aceitas inscrições nos processos seletivos, a que se refere o artigo 2º, de candidatos que estejam cursando o Ensino Médio ou que possuam o Certificado de Conclusão deste nível de ensino, obtido pela via regular ou da suplência. "A Portaria nº 10, de 16 de abril de 1998, do Ministro de Estado Extraordinário de Política Fundiária, no uso das atribuições que lhe confere o parágrafo único do art. 87 da Carta Constitucional, instituiu o PRONERA com o objetivo de "fortalecer a Educação nos Assentamentos de Reforma Agrária, utilizando metodologias específicas para o campo, que contribuam para o desenvolvimento rural sustentável do assentamento. "Por sua vez, o INCRA anexou aos autos certidão da Coordenadora Nacional do PRONERA, na qual consta que o PRONERA vinculado ao INCRA já propôs, estimula, desenvolve e coordena diversos cursos de graduação, alguns em andamento e outros já concluídos. A Resolução nº 09/2003/CONSU, do Conselho Universitário, da Universidade Federal de Sergipe, aprova a implementação do PROQUERA, estabelecendo seus artigos 3º, I e II. § 2º e art. 4º, verbis: "O PROQUERA será destinado aos jovens e adultos não graduados em nível superior vinculados a Assentamentos de Reforma Agrária do Nordeste e que apresentem no ato da inscrição para o Concurso Vestibular Especial:- certificado de conclusão do ensino médio ou de curso equivalente;- declaração da Superintendência do INCRA em Sergipe informando que o candidato é beneficiário ou filho de beneficiário da Reforma Agrária em Assentamentos no Nordeste.Do Concurso Vestibular Especial constarão apenas duas provas, ambas classificatórias, Redação e Conhecimentos Gerais, com peso 3 (três) e 7 (sete) respectivamente, não podendo, o candidato, zerar, quaisquer das provas, sob pena de eliminação do processo. Ao ingressar nesse Projeto o aluno deverá assinar um termo de compromisso sobre sua vinculação a Assentamentos de Reforma Agrária do Nordeste até, no mínimo, 4,5 (quatro anos e meio) após a conclusão do referido projeto. "A Universidade Federal de Sergipe, no gozo de sua autonomia didático-científica e administrativa, dada pela norma constitucional, em conjunto com a FAPESE, firmou convênio com o INCRA/PRONERA para implementação do Curso Especial de Engenharia Agronômica - 610, o qual, ao meu sentir, revela-se um instrumento de inclusão social que garante ao homem do campo, vinculado aos assentamentos de reforma agrária do Nordeste, o acesso ao ensino superior ou de 3º Grau. O PRONERA, ao contrário do alegado pela agravada, não foi instituído com o fito exclusivo de alfabetizar e oferecer cursos técnicos aos jovens e adultos de assentamentos de reforma agrária, mas de propiciar a execução de projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, dentre eles os cursos de graduação, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento rural sustentável. Com efeito, a certidão, anexada aos autos, da Coordenadora do PRONERA, menciona alguns cursos de graduação em andamento e outros já concluídos, criados através do aludido Programa, quais sejam: Curso de Agronomia, em execução através de convênio com a UFPA; Curso de Pedagogia Plena, em andamento por meio de convênio com a UFES; Curso de Pedagogia, em

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execução através de convênio com a UERGS; Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, executado através de convênio com UNEMAT; Curso de Pedagogia, convênio executado com a UFES e o Curso de Pedagogia, executado através de convênio com a UNIJUÍ. Foram invocados pela AEASE três aspectos, para tentar justificar o confronto entre a instituição do referido curso e a legislação vigente, quais sejam:- requisitos de seleção ao curso especial - 610 (afronta ao princípio constitucional da isonomia);- carga horária inferior à estabelecida na LDB;- ausência de prova de português; Ressalto, de início, que o princípio da isonomia consiste em dar tratamento igual àqueles que estão na mesma situação. Ora, o curso especial é destinado aos beneficiários ou filhos de beneficiários dos assentamentos de Reforma Agrária, pelo que não poderia aluno de Curso Regular de Engenharia Agronômica da UFS, o qual não se encontra nessa condição, alegar quebra do princípio isonômico. A Lei de Diretrizes de Bases da Educação exige para o acesso aos cursos de graduação a conclusão do ensino médio e a classificação em processo de seleção, o que teria sido cumprido pela UFS; a carga horária de 200 dias por semestre, refere-se a trabalho acadêmico, pelo que poderia parte dela ser executada fora de sala de aula; e, ainda, a exigência de prova de redação em língua portuguesa, na referida seleção especial, satisfaz, em princípio, as normas expedidas pelo MEC.Considerando, assim, a legislação colacionada, o parecer ministerial, os requisitos exigidos na seleção do Curso Especial de Engenharia Agronômica - 610 da UFS, bem como a sua finalidade social, DEFIRO o pedido para, emprestando efeito suspensivo à decisão de 1º Grau, determinar o prosseguimento regular do Curso Especial de Engenharia Agronômica - 610, da Universidade Federal de Sergipe. Oficie-se, com urgência, à douta Juíza Federal Substituta da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe, para o cumprimento desta decisão. Intime-se a parte agravada para, no prazo legal, apresentar a sua resposta ao recurso. Publique-se.Recife, 28 de abril de 2004.DES. FEDERAL MARCELO NAVARRO. RELATOR10 (Grifo nosso)

A transcrição da íntegra da decisão do Relator é fundamental para se

perceber que houve exclusão de todos os argumentos utilizados pela AEASE na

busca do cancelamento do curso de Agronomia para os beneficiários da reforma

agrária. Nota-se uma postura crítica e materialista histórica na argumentação da

referida decisão. Basta ver a sua menção sobre o princípio da isonomia – tratar os

iguais com igualdade. Para ele, os filhos dos assentados estão tendo tratamento

igualitário. O que não seria de se esperar é que filhos de latifundiários tivessem o

mesmo tratamento, pois aí sim o princípio da isonomia estaria gerando

desigualdade, a exemplo do que já ocorre comumente na sociedade brasileira. Muito

pertinente as interpretações feitas à luz da contradição social e à luz da realidade

                                                            10 Inteiro Teor obtido de consulta a Hhttp://www.trf5.jus.br/cp/cp.do em 25/3/2012H, 18h. Na referida página é possível ter acesso ao Agravo de Instrumento e à Apelação Cível de Autoria da AEASE.

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fática, para então convocar as normativas e os princípios gerais que iluminam o

direito e a justiça.

Duarte (2008, p. 35) nos auxilia na reflexão do que está disposto no artigo 5°

da Constituição Federal, dizendo que o mesmo “[...] traz proibição genérica da

discriminação (princípio da igualdade formal), em vários de seus incisos afirma ‘

igualdades especiais’”. E, isso ocorre porque “[...] nem sempre a lei é feita para

atingir a todos indistintamente, de forma genérica, independentemente de sua

origem, gênero, raça, condição social, etc. Daí a importância do princípio da

igualdade material”. Para a autora, “O princípio da igualdade material, ou igualdade

feita pela lei, visa criar patamares mínimos de igualdade no campo do acesso aos

bens, serviços e direitos sociais”.

E, a autora continua as suas reflexões dizendo que o reconhecimento da

igualdade material obriga o administrador a trabalhar para o cumprimento dos

objetivos da Constituição Federal. Ainda, “[...] obriga o legislador a elaborar

programas de ação concretos para reduzir as desigualdades existentes na

sociedade” (DUARTE, 2008, p. 35)

Em síntese, até aqui foi descrita a ACP originada pela AEASE, com o

julgamento do pedido liminar pela Juíza da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe.

Inconformada, a UFS interpõe Agravo de Instrumento ao TRF da 5ª Região, que foi

conhecido com efeito suspensivo pelo Desembargador Federal Marcelo Navarro.

Será a partir de 29/6/2004 que o curso terá os seus rumos pedagógicos

reconduzidos na UFS, após decisão do TRF da 5ª Região, conforme segue:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do relator. Participaram do julgamento os Exmos. Srs.: Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel, Desembargador Federal

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Lázaro Guimarães e Desembargador Federal Marcelo Navarro.11 (Grifo nosso)

O acórdão foi publicado em 17/8/2004, conforme segue:

[Publicado em 17/08/2004 00:00] [Guia: 2004.000672] (M303) EMENTA: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDIDA LIMINAR. ENSINO SUPERIOR. CURSO ESPECIAL DE ENGENHARIA AGRONÔMICA DIRIGIDO AOS BENEFICIÁRIOS OU FILHOS DE BENEFICIÁRIOS DA REFORMA AGRÁRIA EM ASSENTAMENTOS DO NORDESTE. CONVÊNIO DO INCRA, FAPESE E UFS. LEI Nº 9.394/96.- A Universidade Federal de Sergipe, no gozo de sua autonomia didático-científica e administrativa, dada pela norma constitucional, em conjunto com a FAPESE, firmou convênio com o INCRA/PRONERA para implementação do Curso Especial de Engenharia Agronômica - 610, o qual revela-se um instrumento de inclusão social que garante ao homem do campo, vinculado aos assentamentos de reforma agrária do Nordeste, o acesso ao ensino superior ou de 3º Grau.- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/96 - exige para o acesso aos cursos de graduação a conclusão do ensino médio e a classificação em processo de seleção, o que teria sido cumprido pela Universidade Federal de Sergipe na realização Curso Especial de Engenharia Agronômica.- A carga horária de 200 dias por semestre, prevista para o aludido curso, refere-se a trabalho acadêmico, pelo que poderia parte dela ser executada fora da sala de aula.- A exigência de prova de redação em língua portuguesa, na referida seleção especial, satisfaz, em princípio, as normas expedidas pelo MEC.- Agravo provido. A C Ó R D Ã O Vistos, etc. Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 29 de junho de 2004. DES. FEDERAL MARCELO NAVARRO RELATOR. (Grifo nosso)

Em 29/9/2004, a decisão do Agravo foi remetida para a Seção Judiciária de

Sergipe, com baixa definitiva no TRF 5ª Região. Em 5/12/2006, o Juiz Edmilson da

Silva Pimenta, da 3ª Vara Federal de Sergipe, analisou a ACP e proferiu a sentença

favorável à UFS e ao funcionamento do curso de Agronomia para beneficiários da

reforma agrária. A ementa da decisão está reproduzida a seguir:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CURSO ESPECIAL DE ENGENHARIA AGRONÔMICA. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. REJEITADA. QUESTÃO ATINENTE À CATEGORIA DOS ENGENHEIROS

                                                            11 Idem.

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AGRÔNOMOS E DOS CANDIDATOS A INGRESSO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA UFS, ATRAVÉS DE CONCURSO VESTIBULAR. DIREITO COLETIVO. ART. 1º , V , DA LEI Nº 7.347 /85. BENEFÍCIO A JOVENS E ADULTOS VINCULADOS A ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E À LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA DO ENSINO SUPERIOR DO BRASIL. POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA. SUBMISSÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REGRAS QUE OBEDECEM À LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS AUTORAIS.12 (Grifo nosso)

Os argumentos utilizados pelo Juiz Federal são resumidos na sua decisão,

como segue:

Rejeito a preliminar aventada, passando ao exame meritório. A política de ações afirmativas, como bem lembrou o Ministério Público Federal, é hoje uma realidade disseminada por todo o corpo da Constituição Federal, transmudada em direitos fundamentais do indivíduo, a exemplo do art. 5º , XLVIII , LXXIV , LXXVI , e do art. 7º , XVIII , XIX , da Lei Magna. Ela visa, precipuamente, cumprir os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, insculpidos nos arts. 5º, 1º, III, da Lei Suprema. Diante desse contexto, foi criado o PRONERA, por via da Portaria nº 10 , de 16 de abril de 1998, expedida pelo Ministro de Estado Extraordinário de Política Fundiária, em decorrência da autorização dada pelo art. 87 da Carta Magna , com escopo de fortalecer a educação nos Assentamentos de Reforma Agrária. No rastro da aludida Portaria e da sua autonomia didático-científica e administrativa, esta última conferida pelo art. 207 da Constituição Federal, o Conselho Universitário da UFS expediu a Resolução nº 09 /2003/CONSU e criou o PROQUERA, firmando convênio com a FAPESE e o INCRA para a implementação do Curso Especial de Engenharia Agronômica -610, destinado aos jovens e adultos não graduados em nível superior vinculados a Assentamentos de Reforma Agrária do Nordeste. De acordo com os arts. 3º, I e II , e 4º da referida Resolução: "O PROQUERA será destinado aos jovens e adultos não graduados em nível superior vinculados a Assentamentos de Reforma Agrária do Nordeste e que apresentem no ato da inscrição para o Concurso Vestibular Especial: - certificado de concluso do ensino médio ou de curso equivalente; - declaração da Superintendência do INCRA em Sergipe informando que o candidato é beneficiário ou filho de beneficiário da Reforma Agrária em Assentamentos no Nordeste. Do Concurso Vestibular Especial constarão apenas duas provas, ambas classificatórias, Redação e Conhecimentos Gerais, com peso 3 (três) e 7 (sete) respectivamente, não podendo , o candidato, zerar quaisquer das provas, sob pena de eliminação do processo." Sob outro ângulo, a legislação que cuida do Ensino Superior no Brasil dispõe: Lei de Diretrizes e Bases da Educação -LDB (Lei nº 9.394 /1996): "A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; Na

                                                            

12 Disponível em Hhttp://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/3732/justica-federal-mantem-curso-de-engenharia-agronomica-destinado-aos-sem-terraH. Acesso em 10/3/2012.

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educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver." Portaria nº 391 , de 07 de fevereiro de 2002, do Ministro de Estado da Educação: "Art. 1º Os processos seletivos para ingresso nas Instituições Públicas e Privadas pertencentes ao Sistema de Ensino Superior, a que se refere o Inciso II do art. 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional , deverão seguir as determinações do Parecer nº 98 /99, de 6 de julho de 1999, do Conselho Nacional de Educação e as disposições da presente Portaria. Art. 2º Todos os processos seletivos que se refere o artigo anterior incluirão necessariamente uma prova de redação em língua portuguesa, de caráter eliminatório, segundo normas explicitadas no edital de convocação do processo seletivo. Art. 3º Somente serão aceitas inscrições nos processos seletivos, a que se refere o artigo 2º, de candidatos que estejam cursando o Ensino Médio ou que possuam o Certificado de Conclusão deste nível de ensino, obtido pela via regular ou da suplência." Do confronto dos dispositivos legais acima transcritos, entendo haver legalidade na criação do Curso Superior Especial em Engenharia Agronômica, ora examinado. A uma, porque ele, ao contrário do que afirma o autor, procura dar uma maior efetividade ao princípio da isonomia, por objetivar diminuir o fosso existente entre os estudantes vinculados a assentamento destinados à Reforma Agrária, visivelmente menos favorecidos pela política educacional de base e pelo contexto social, e outros estudantes que têm acesso aos cursos preparatórios para vestibulares, habilitando-se a disputar, em melhores condições, as vagas ofertadas regulamente pela Universidade Pública. A duas, porque o PROQUERA obedeceu à legislação prevista para o Ensino Superior, na medida em que esta apenas exige, para o acesso aos cursos de graduação, a conclusão do ensino médio e a classificação em processo de seleção que aplique prova de redação obrigatória em língua portuguesa. A três, porque a carga horária de duzentos dias por semestre se refere a trabalho acadêmico, abrangendo também tarefas executadas fora da sala de aula, requisito facilmente preenchido pelos beneficiários do curso, haja vista terem uma vasta experiência de vida no campo, A quatro, porque o curso especial tem aptidão para tornar ainda mais sólida a proposta da Reforma Agrária no Brasil, ao aliar a experiência do homem do campo ao conhecimento científico, assegurando-lhes a plena vivência do princípio da dignidade humana e do primado do trabalho. A cinco, porque a formação acadêmica do homem do campo, nos moldes do questionado curso, terá um efeito multiplicador e eficaz, pois os futuros Engenheiros Agrônomos terão a oportunidade de disseminar seus conhecimentos e técnicas junto àqueles que laboram no campo, orientando-os na otimização dos recursos públicos investidos na Reforma Agrária, bem assim viabilizando o emprego de recursos privados. A matéria foi objeto de exame pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 54359/SE, cujo Relator foi o eminente Desembargador Federal Marcelo Navarro [...] Ex positis, julgo improcedente o pedido da autora, condenando-a no pagamento das custas processuais. Condeno-a, também, no pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil , a ser rateado equitativamente, em favor dos réus. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Aracaju, 05 de dezembro de 2006. Juiz Edmilson da Silva Pimenta"13

                                                            13 Idem.

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O julgamento da ACP foi efetivado em 5/12/2006. O juiz decidiu pela

improcedência do pedido da AEASE, que era de extinção do curso de Agronomia.

Da decisão do Juiz Edmilson Pimenta, em 1° Grau houve recurso de

apelação interposto pela AEASE ao TRF da 5ª Região.

O recurso de apelação foi improvido em 13/1/2009, pelo Desembargador

Federal Marcelo Navarro.

Em 23/4/2009, houve remessa para baixa definitiva do processo na Seção

Judiciária de Sergipe. Sendo assim, conforme exposto no artigo 16 da Lei n°

7.347/1985 – ACP – “A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da

competência territorial do órgão prolator (...)”. O artigo 16 da ACP é bastante

polêmico, embora o STJ seja favorável à eficácia e aplicação da norma.

Conforme afirma Zandonai (2009, p. 16-17):

Os direitos perseguidos nas ações coletivas não podem ser divididos, por isso é que, justamente, são chamados meta ou transindividuais, não havendo como determinar a abrangência do dano. Por isso, a amplitude de uma sentença coletiva, bem como da qualidade agregada a seus efeitos, qual seja a coisa julgada, não pode ser restringida ao território de seu órgão prolator. Ademais, a competência territorial serve apenas para definir qual juízo processará a causa, e não para fixar o âmbito territorial em que os efeitos da sentença serão imutáveis. A competência será definida pelo local do dano. Mas a questão não é referente à jurisdição nem à competência, essa nada mais sendo do que a medida da jurisdição, e sim aos limites subjetivos da coisa julgada, que serão definidos a partir da espécie de direito coletivo discutido.

Portanto, caberia aqui uma reflexão sobre o alcance da sentença que faz

coisa julgada material. Em que medida essas decisões podem constituir precedentes

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importantes na análise de casos semelhantes no país? No momento, os estados de

Goiás e Rio Grande do Sul têm ações no Judiciário versando sobre os cursos

superiores para os beneficiários da reforma agrária. A sentença proferida pelo Juiz

de 1° grau e confirmada pelo Desembargador federal é substanciosa quanto aos

argumentos jurídicos e sociológicos. Afinal, discutir a educação no âmbito da

reforma agrária é colocar em foco uma questão jurídica e sociológica ao mesmo

tempo. Põe em questão a prática social e a importância dos conhecimentos

científicos voltados à transformação da realidade.

Diante do exposto, a interrogação que resta é: como os princípios

constitucionais são utilizados no julgamento das questões que dizem respeito aos

direitos sociais? O Juiz e o Desembargador que decidiram a ACP proposta pela

AEASE têm visão de futuro ao mencionar que os formados terão possibilidade de

contribuir com o processo de reforma agrária.

O princípio da isonomia está presente nos fundamentos da Ação Civil

Pública proposta pela Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de

Sergipe. Bonavides (2008, p. 377) afirma que:

Os domínios da interpretação constitucional testemunham controvérsias inumeráveis com relação ao conceito de igualdade, sobretudo em razão do prestígio que a igualdade fática ou material entrou a desfrutar naqueles sistemas onde a força do social imprime ao Direito os seus rumos.

O referido autor demonstra que um dos problemas fundamentais na

interpretação do princípio da igualdade reside em determinar se esse princípio

representa ou não uma obrigação para o Estado, ou seja, de criação da igualdade

fática na sociedade.

Essa polêmica está presente entre o conteúdo da ACP e os argumentos

apresentados pelo Desembargador, haja vista que, para a AEASE, a criação do

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curso de Agronomia, com o respectivo vestibular, estaria ferindo a igualdade de

tratamento e de acesso à universidade. Por sua vez, o Desembargador entende que

a existência do curso de Agronomia daria efetividade ao princípio da isonomia.

Afirma ele, que a existência dessa possibilidade diminuiria o

[...] fosso existente entre os estudantes vinculados a assentamento destinados à Reforma Agrária, visivelmente menos favorecidos pela política educacional de base e pelo contexto social, e outros estudantes que têm acesso aos cursos preparatórios para vestibulares, habilitando-se a disputar, em melhores condições, as vagas ofertadas regulamente pela Universidade Pública.

Bonavides cita Alexy, que teria dito que “quem quiser produzir a igualdade

fática, deve aceitar por inevitável a desigualdade jurídica”. Para o primeiro autor, “o

Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um conceito

que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de

estabelecer equivalência de direitos”. (BONAVIDES, 2008, p. 378).

A batalha judicial que envolveu o curso de Agronomia para beneficiários da

reforma agrária no Estado do Sergipe teve final feliz, haja vista a sentença favorável

ao funcionamento do curso, por sua legalidade e não ferimento do princípio da

isonomia. Sentença que faz coisa julgada material, nos termos do artigo 16, da Lei

7.347/1985 e do Código de Processo Civil, artigo 467, que expressa denominar-se

“coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não

mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Uma das hipóteses presentes nesta investigação era a de que o Judiciário

estava marcado por uma ação conservadora no que se refere às decisões sobre

direitos entre sujeitos do MST e beneficiários da reforma agrária. Entretanto, a

fundamentação apresentada pelo Desembargador Federal da 5ª Região e pelo juiz

que decidiu a causa em 1ª instância demonstra razoabilidade na análise de uma

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“questão social”. Ou seja, precioso o raciocínio de que a formação educacional terá

efeito multiplicador nos assentamentos de reforma agrária. É uma análise rara nos

meios jurídicos, pois implica na visualização da função social da reforma agrária e

da educação. Para que a reforma agrária seja bem sucedida, é fundamental o

trabalho de profissionais com vínculo direto com a terra, trabalho e cultural.

Importante ressaltar que três princípios constitucionais foram analisados no

caso específico: legalidade, isonomia e autonomia didático-científica da

universidade. Os fatos e a interpretação crítica da lei levaram ao entendimento da

legalidade do referido curso, tendo em conta a realidade concreta.

Como afirma Bonavides (2008, p. 378):

Os direitos fundamentais não mudaram, mas se enriqueceram de uma dimensão nova e adicional com a introdução dos direitos sociais básicos. A igualdade não revogou a liberdade, mas a liberdade sem igualdade é valor vulnerável. Em última análise, o que aconteceu foi a passagem da liberdade jurídica para a liberdade real, do mesmo modo que da igualdade abstrata se intenta passar para a igualdade fática.

No próximo capítulo, será descrito o trâmite judicial necessário para a

efetivação do curso de Direito para os beneficiários da reforma agrária, na UFG.

Para iniciar o capítulo, é importante explicitar que a turma está concluindo o curso de

Direito no ano de 2012. Portanto, mais uma conquista da organização dos

trabalhadores do campo em colaboração com os trabalhadores das universidades

públicas que lutam por um Brasil menos desigual e por Justiça.

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FIGURA 3 – SÍMBOLO DO CURSO DE DIREITO DA UFG, REFORMA AGRÁRIA. FONTE: Disponível em: http://www.cptgoias.com/noticias. Acesso em: 27/3/2012.

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4 AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DECISÃO JUDICIAL E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: O CASO DO CURSO DE DIREITO

A caracterização do curso de Direito na UFG foi realizada mediante consulta

ao texto de Morais (2010), que discute a dogmática jurídica, propondo uma análise

crítica do ensino jurídico. Ele revela que o curso de Direito contou com articulações

iniciadas no ano de 2005 entre a Universidade e os movimentos sociais e sindicais

do campo. Dos diálogos emergiu a proposta da criação de uma turma especial de

Direito, com funcionamento no campus universitário da cidade de Goiás. Também, o

trabalho de conclusão de curso de autoria de Gonçalves (2011) auxiliou na

compreensão do processo de criação do curso de Direito.

No ano de 2005 teve início a elaboração da proposta de curso de Direito

para beneficiários da reforma agrária, tendo sido apresentado o projeto de criação

da turma especial ao PRONERA no ano de 2006. O público-alvo era composto de

estudantes vindos dos assentamentos da reforma agrária e beneficiários da política

nacional da agricultura familiar. Também, o projeto foi mantido por meio de parceria

entre universidade e INCRA, e o seu trâmite seguiu os caminhos institucionais, bem

como a aprovação pela OAB-GO.

A parceria foi firmada entre UFG, INCRA, CONTAG, Fundação de Apoio à

Pesquisa (FUNAPE), e os movimentos sociais do campo ligados à Via Campesina, a

exemplo do MST, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos

Pequenos Agricultores (MPA), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Pastoral da

Juventude Rural (PJR).

Como nas demais experiências de educação superior, o curso enfrentou

batalhas judiciais e a ideologia veiculada pela mídia impressa e televisiva, contrária

ao curso. Finalmente, o curso foi aprovado, pelo Conselho Universitário, em

setembro de 2006.

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Segundo Gonçalves (2011, p. 108) citando o documento MGMO n° 51/2006,

relata que no ano de 2006 foi instaurado Inquérito Civil Público pelo MPF com “[...]

finalidade de apurar a regularidade dos projetos mantidos pela Universidade Federal

de Goiás para a criação de possíveis cursos a serem destinados a segmentos

específicos da sociedade”. O MPF enviou ofícios à UFG, Ministério da Educação,

OAB/Seção Goiás e INCRA para manifestação sobre o caso. A OAB/GO aprovou o

parecer do relator da Comissão de Ensino Jurídico que destacou a legalidade da

proposta da UFG. O INCRA também concordou com a legalidade da implantação da

turma, como expressão de ação afirmativa. O Ministério da Educação não

concordou com o projeto afirmando que o mesmo desprezava os demais excluídos

da sociedade. De acordo com a referida autora, o MPF depois de tomar

conhecimento dos pareceres das entidades mencionadas, decidiu pelo

arquivamento do Inquérito, expressando o entendimento de que os beneficiários da

reforma agrária e os grupos familiares necessitam de políticas afirmativas, pois são

vítimas de discriminação cultural.

A partir de então, foi feita a seleção dos alunos em janeiro de 2007. A turma

teve início com 60 alunos. É desenvolvido segundo a concepção da Alternância,

sendo central a organização pedagógica por Tempo Escola e Tempo Comunidade, a

exemplo do curso de Agronomia mencionado no capítulo anterior. No mês de agosto

do mesmo ano foi realizada a aula inaugural do curso, com a presença do Ministro

do STF Eros Roberto Grau que teceu reflexões sobre o tema “O Direito posto e do

Direito pressuposto”.

Após a aula inaugural, os ânimos jurídicos foram acirrados novamente e a

batalha judicial foi iniciada com a ACP proposta pelo MPF, sob n°

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2008.35.00.013973-0/GO, sob alegação de que “há desvio de finalidade” na

proposição de uma turma especial de Direito.

ACP 2008.35.00.013973-0, proposta pelo MPF

PEDIDOS

Declaração da ilegalidade do convênio estabelecido entre INCRA e UFG,

com utilização de recursos do PRONERA.

Extinção do curso.

Validade das atividades acadêmicas integralizadas pelo corpo discente,

assegurando a consecução do semestre letivo.

O contexto do estabelecimento do convênio que deu origem ao curso e os

principais argumentos presentes na ACP estão descritos a seguir:

Os ocupantes do pólo passivo da demanda firmaram termo de cooperação técnica, consubstanciado na Portaria Conjunta INCRA/P/INCRA/SR(04)GO/UFG Nº 9 de 17 de agosto de 2007, visando implementar curso de graduação em Direito destinado a beneficiários da reforma agrária, a ser custeado com recursos do Programa Nacional de Educação de Jovens e Adultos – PRONERA, consoante fls. 18/201. Para dar concretude ao avençado, a UFG iniciou processo seletivo para “Turma especial de graduação em Direito para beneficiários da reforma agrária”, com o desiderato de selecionar os futuros discentes do curso. Foi formulada, como exigência da inscrição, a comprovação da qualidade de agricultor assentado ou agricultor familiar, acoimando de nulidade a inscrição que não atendesse a este discrímen (fls. 27). Insta salientar, neste momento, que essa forma de processo seletivo restrito já havia recebido manifestação negativa da Consultoria Jurídica do Ministério da Educação (fls. 79/85), parecer este relegado ao oblívio pelo órgão gestor da Universidade Federal de Goiás, que efetivamente veio a promover o vestibular para universo restrito de concorrentes. Concluído o certame, iniciou-se o curso, que se encontra em pleno funcionamento, consoante demonstra a documentação acostada às fls. 131/138. O Ministério da Educação e Cultura informou que não há previsão da criação de outras turmas, mas que tal decisão compete exclusivamente à Universidade, que dispõe de autonomia didático-científica e administrativa, nos termos do art. 207, caput, da Constituição da República (fls. 68). Trata-se, à toda evidência, de implementação de medida de exceção, restritiva do direito de competir pelas vagas existentes, que se pretende ver acobertada pelo manto simpático e politicamente correto das ações afirmativas. [...] O que se vem trazer à apreciação do Poder Judiciário nesta demanda é a análise de adequação de emprego de recursos públicos para custeio do

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referido curso de graduação, bem como do discrímen eleito para emprestar tratamento diferenciado a determinado grupamento social, in casu, os assentados beneficiários da reforma agrária e seus filhos, em detrimento de indeterminável grupamento de potenciais candidatos ao curso de Direito, em superiores condições culturais- cognitivas. (Grifo nosso)

Importante comentar que um dos objetivos do PRONERA é “garantir aos

assentados (as) escolaridade/ formação profissional, técnico-profissional de nível

médio e curso superior em diversas áreas do conhecimento” (MDA/INCRA, 2004, p.

15).

Dessa forma, não cabe mencionar o desvio de finalidade alegado pelo MPF,

mas sim garantir que o direito social à educação seja efetivado entre os beneficiários

da reforma agrária e os seus filhos, ampliando o leque de possibilidades de atuação

e intervenção na própria realidade – assentamento da reforma agrária. Pode-se

dizer que vários direitos fundamentais estão nas questões que envolvem terra e

educação, a saber: trabalho, alimentação, moradia, saúde. A educação tem sido um

dos meios discutidos internacionalmente, há séculos, para o desenvolvimento das

sociedades.

Mello (2009, p. 107) afirma que:

[...] o princípio da finalidade impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando execução.

Como escreve o referido autor, o princípio da finalidade não é uma

decorrência do princípio da legalidade, mas está contido nele, é uma inerência dele.

(MELLO, 2009, p. 106).

Continuando os argumentos do MPF, verifica-se que:

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Ocorre que o ato instituidor do PRONERA, a Portaria nº 10, de 16 de abril de 1998, tem entre seus consideranda que o programa visa “atender a demanda educacional dos assentamentos rurais, dentro de um contexto de Reforma Agrária prioritário do Governo Federal, de assentar o trabalhador em um lote de terra, provendo-lhe as condições necessárias ao seu desenvolvimento econômico sustentável” além de preceituar que o programa tem por objetivo “fortalecer a educação nos Assentamentos de Reformar Agrária, utilizando metodologias específicas para o campo, que contribuam para o desenvolvimento rural sustentável do assentamento” (sem grifos no original) Fica clara a preocupação em garantir o direito à educação, mas resguardada sua finalidade útil contextualizada: manter o homem ligado à terra. Guardada está a compatibilidade com o texto constitucional que, ao tratar da educação, em complementação ao seu reconhecimento como direito social no art. 6º, expressa a vontade da coletividade de que o ensino- para além do incremento da carga cognitiva do educando- represente um retorno à sociedade do que foi investido no indivíduo, tornando-o mais apto ao trabalho e à produção, conforme depreende-se de seu art. 205: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” Não demanda grande esforço exegético a compreensão de que o estudo do Direito por parte dos beneficiários da reforma agrária não se presta a nenhum dos desideratos propostos, sendo estridente a infringência aos fins pretendidos pelo normativo do programa, sendo conseqüente lógico a caracterização do desvio de finalidade, pois não o qualifica para o trabalho, não usa metodologia específica para o campo e não contribui para o desenvolvimento sustentável do assentamento. (Grifo nosso)

Não é possível deixar em branco a passagem em que o MPF alega que o

estudo do Direito não se presta aos fins propostos pelo PRONERA e que,

certamente, a grande maioria dos formados migrará para a cidade. Grande

ingenuidade pensar que em função da liberdade de ir e vir a efetivação do curso

superior seria ilegal por não gerar a permanência do sujeito no campo. Os estudos

agronômicos e econômicos, especialmente, revelam que a permanência do

trabalhador no campo depende de um conjunto de políticas públicas relacionados à

formação profissional, aos processos de produção e de comercialização dos

produtos. Também, estudos sociológicos revelam a necessidade de melhorar a

infraestrutura no campo, desde estradas, escolas, acesso à saúde, segurança etc.

para que a condição de vida seja digna. Portanto, não há que se falar que o curso

não atinge o propósito de manter as pessoas no campo. Ele é apenas um dos

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mecanismos, num conjunto maior, a fortalecer as possibilidades de sucesso da

reforma agrária (ainda por ser feita no Brasil).

E, o MPF, no texto da ACP, continua:

Sabido é que o habitat do profissional do Direito, em qualquer de suas vertentes, é o meio urbano, pois é nesta localidade em que se encontram os demais operadores da ciência jurídica. Ainda que venha ele a patrocinar pretensão titularizada por cidadão que habite a mais distante área rural, endereçará a sua demanda a órgão do Poder Judiciário, não encontradiço em paragens rurícolas. (Grifo nosso) [...] Chega-se então a uma das seguintes conclusões: ao completar o curso, o assentado da reforma agrária – agora graduado em Direito – migrará para um centro urbano para viabilizar a sua inclusão no mercado de trabalho, frustando-se o fim último da reforma agrária, que é a manutenção do indivíduo na terra, ou continuará em sua propriedade rural, agora tendo sido apresentado à ciência jurídica, sem que dela possa fazer conhecimento, ante a ausência de potencialidade de aplicação efetiva de seu conhecimento, criando-se a inócua figura do 'palpiteiro' jurídico, implicando em produção de conhecimento despida de resultado prático. As duas hipóteses denotam de modo evidente o desvio de finalidade do emprego dos recursos do PRONERA, a reclamar intervenção do Poder Judiciária para fazer cessar a injuridicidade, pois evidente a lesividade ao patrimônio social. Diverso seria o raciocínio se o curso fosse de Engenharia Agronômica (ou florestal), Medicina Veterinária, Biologia, ou outra carreira que proporcionasse conhecimentos efetivamente aplicáveis ao cotidiano dos assentados, aí sim, atendidos os preceitos normativos, o que traria como consectário a grande virtude de ter-se um potencial multiplicador de informações. [...] A mera existência de uma discriminação social no passado não é mais suficiente para justificar a ação afirmativa”4. Impensável afirmar que a Universidade Federal de Goiás possa encontrar-se subsumida a esta proposição. Pois bem. Cotejando as premissas fixadas pela doutrina percebe-se com facilidade que: a) os assentados não possuem em comum nenhum dos elementos identificadores usualmente tomados como parâmetro para ter-se como legítima a discriminação positiva (cor, raça, sexo, origem); b) não há registro histórico que permita apontar uma perda histórica sofrida pelo grupamento, e sem esse indicativo de perda, não há que se falar em medida compensatória. (Grifo nosso) [...] A ausência de previsão legal de tratamento diferenciado aos beneficiários da reforma agrária impede que se lhes conceda anticompetitive advantage quando postos em contraste com os demais candidatos ao ingresso no curso de graduação em Direito. Tal situação, afirma o renomado publicista, fere de morte o princípio da igualdade, ou em suas palavras “não se podem interpretar como desigualdades legalmente certas situações, quando a lei não haja “assumido” o fator tido como desequiparador.

Importante refletir, desde o texto positivista do MPF, que não há o objetivo

de tratar diferenciadamente o filho do beneficiário da reforma agrária. A preocupação

com a efetivação dos cursos superiores é com a reforma agrária. Necessário lembrar

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o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado que,

segundo Mello (2009, p. 96) “É o princípio geral inerente a qualquer sociedade. É a

própria condição de sua existência”. A reforma agrária é interesse público, porém

não concretizada em função da histórica trajetória patrimonialista do Estado no

Brasil.

Vale lembrar que o Brasil não é tão urbano quanto se calcula, tal como

escreveu Veiga (2003). Ele demonstra que o Brasil é marcado por ruralidades, tal

qual faz Valéria Verde (2004) quando estuda o estado do Paraná. No estado do

Paraná, por exemplo, dos 399 municípios, 302 têm características rurais, ou seja,

são municípios com densidade populacional inferior a 150hab/km2. E, dos

aproximadamente 5.600 municípios brasileiros, 4.800 deles teriam características

rurais. Ou seja, o país tem grande potencial para geração de emprego e de

condições saudáveis de vida no campo, mas para isso é necessário política de

Estado para a formação de mão-de-obra com conhecimentos científicos e

tecnológicos visando à reorganização do modo de produção e de comercialização

dos produtos agrícolas.

O MPF alega que os assentados não sofrem maiores dificuldades de acesso

à educação superior, como descrito a seguir. Importante notar que durante anos a

sociedade brasileira ficou reduzida a um número de 250 instituições de educação

superior – públicas no Brasil. No início do século XXI houve um aumento no número

de instituições, bem como na sua interiorização pelo Brasil, como é o caso da

Universidade da Fronteira Sul no estado do Paraná, das Universidades Federais

Tecnológicas e dos Institutos Federais. Mas existem milhares de instituições de

educação superior que são particulares, em contraponto a umas três centenas de

instituições públicas.

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Ademais, não há qualquer estudo que indique que os assentados da reforma agrária sofrem maiores dificuldades no acesso ao ensino superior que os demais moradores pobres do interior do Estado de Goiás. Por acaso o filho do servente de pedreiro da cidade de Goiás tem maior facilidade de acesso ao ensino superior que o filho do assentado? Ou o filho do funcionário da oficina mecânica? Ou o próprio mecânico? Por que não criar um curso de Direito para trabalhadores de oficinas mecânicas? Ou para trabalhadores de lojas de concerto de bicicleta? Ou para vendedores de gêneros alimentícios de beira de estrada? Decerto que a pertinência de todos eles para com o Direito é a mesma que a dos beneficiários da reforma agrária. Não há objetivo a ser atingido, senão uma afinidade ideológica que começa a perder o pudor de mostrar as caras e vir a público ante a estupefação geral. Cada vez mais o Brasil é menos competitivo e mais paternalista, formando gerações de analfabetos funcionais que contam com o beneplácito do Estado, que não demanda dos interessados nenhum esforço pessoal. (Grifo nosso)

Até o momento, o MPF alegou, de acordo com as transcrições feitas, o

ferimento ao princípio da finalidade e da isonomia. Outros princípios são

mencionados adiante:

A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Cotejando o ato da Universidade Federal de Goiás com a Constituição da República, percebe-se que seu obrar entra em choque tanto com disposições expressas, como com os princípios implícitos, como é o caso da proporcionalidade, sendo pertinente a advertência de LUIS ROBERTO BARROSO, ao afirmar que “o princípio em exame tem se mostrado um versátil instrumento de proteção de direitos e do interesse público contra o abuso de discricionariedade, tanto do legislador quanto do administrador”. 13 E segue, dando notícia do conteúdo do referido princípio “o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado; b) a medida não seja exigível a necessária, havendo meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; c) que haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha”14. A atomização se amolda de tal forma ao propósito perseguido pela presente demanda, que far-se-á cotejo igualmente analítico princípio versus caso concreto. a) subprincípio da adequação. Nesse primeiro momento, a comparação de se a ferramenta eleita (ato administrativo) é idôneo à promoção do fim pretendido pelo administrador. Evidente a resposta negativa. Conforme largamente salientado em passagem anterior deste arrazoado, a finalidade buscada pela reforma agrária é viabilizar a subsistência do assentado, recrudescendo os laços que o unem à terra, de modo que dela possa retirar não só o seu sustento, mas seja o meio econômico que lhe permita galgar melhor posto no estamento social. Para isso, garante a Constituição da República que o beneficiário da reforma agrária receba bem imóvel, sem que dele seja exigida contraprestação econômica, franqueando-se-lhe a exploração. Além disso, são implementados programas que buscam viabilizar a exploração da terra, como o financiamento de equipamentos e insumos agrícolas (PRONAF), além de fornecimento de alimentação básica até que a propriedade rural tenha capacidade de atender às demandas de seus ocupantes (Fome Zero). É de obviedade contundente que o curso de Direito não se presta a nenhuma dessas finalidades, contribuindo, como ressaltado alhures, para

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deslocar o homem do campo para o centro urbano, fazendo movimento migratório reverso daquele pretendido teleologicamente pelo art. 184 e seguintes da Constituição da República. Percebe-se que não só carece de adequação a medida ao fim pretendido, mas, ao revés, encontra-se em rota de colisão com o mesmo. b) subprincípio da necessidade Como asseverado pelo ilustre constitucionalista carioca, falar em necessidade implica entrever “meio alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual”. Pois bem. No caso em tela a ausência de necessidade, bem como a excessiva lesão a direito individual desborda na análise mais perfunctória que se faça do ocorrido. (Grifo nosso) [...] c) subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito. Compreendendo esta parcela da proporcionalidade como a relação de custo-benefício atingido pela medida, também não há dificuldade em visualizar a estridente infringência à Norma Ápice. Com efeito, sacrificou-se o livre acesso ao vestibular, prova destinada a selecionar os mais capacitados a captar o conhecimento específico que lhes será ministrado, o que, ao menos no plano hipotético, garante um retorno social muito mais satisfatório, em nome de uma promoção de grupo de sessenta ungidos, para supostamente corrigir uma histórica injustiça social que jamais será demonstrada. Pouca dificuldade há a identificação de que o bem jurídico sacrificado suplanta, em muito, aquele que se buscou promover.

Diante dos argumentos apresentados, o MPF pede a antecipação da tutela

jurisdicional pretendida, como segue:

DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL PRETENDIDA Evidenciado quantum satis, a desconformidade da criação da “Turma especial de graduação em Direito para beneficiários da reforma agrária” com o ordenamento jurídico, mister tecer algumas considerações sobre a tempestividade da tutela jurisdicional. As aulas da 'turma especial' do curso de graduação em Direito iniciaram-se no primeiro semestre de 2007, consoante comprova a documentação acostada às fls. 131/139. Considerando o lapso temporal ordinário à conclusão do curso de graduação, seu encerramento ocorreria no ano de 2011. Porém, parece evidente que a prestação jurisdicional não pode aguardar tão elástico prazo temporal, sob pena de restar absolutamente inócua, lembrando a expressão que a história imortalizou como 'a vitória de Pirro'. De fato, a jurisprudência vem, cada vez com mais freqüência, utilizando a teoria do fato consumado como supedâneo jurídico para a resolução de conflito de interesses. Assim, mesmo reconhecida a ilegalidade, deixa o Judiciário de desconstituir o ato praticado, em homenagem à segurança jurídica. CONCLUSÃO A conclusão que se extrai de todo o exposto é que a criação da ‘Turma especial de graduação em Direito para beneficiários da reforma agrária’ padece de injuridicidades desde a sua gênese, nódoas estas que se espraiaram pela execução da atividade material, ensejando desvio de finalidade, malversação de recursos públicos, tudo isso sob uma roupagem artificiosa de ação afirmativa, implicando em agressão aos princípios da isonomia e da proporcionalidade, bem como negativa de vigência a diversos dispositivos constitucionais atinentes à educação, reclamando o interesse público a interrupção das atividades da referida turma, sua desconstituição e obstaculização à criação de outras turmas especiais nos mesmos moldes. Ex positis, pugna o Ministério Público Federal: a) Pela concessão da antecipação da tutela jurisdicional pretendida. [...]

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Dá-se à causa o valor de R$ 720.000,00. Goiânia, 20 de junho de 2008. Raphael Perissé Rodrigues Barbosa. Procurador da República. (AEASE, 2008)

A ACP está fundamentada nos artigos 127 e 129, III da Constituição da

República Federativa do Brasil, no art. 5º, inc. I, c, II, d, III, b, V, a, e 6º, VII, b, da Lei

Complementar 75/93.

Interessante notar que o artigo 127 da CF/88 dispõe que uma das funções

do Ministério Público é a defesa dos interesses sociais. Afinal, o que é interesse

social? Manter uma massa de pessoas com baixa escolaridade? Será 9 anos,

Ensino Fundamental, a meta da sociedade brasileira? Ou, será interesse social ter

uma sociedade de pessoas letradas e capazes de realizar interpretação da palavra

escrita, oral e das ideologias? Como disse o Ministro Eros Grau na aula inaugural do

referido curso, espera-se que o profissional do direito interprete o Direito Posto e o

Direito Pressuposto.

Em vários estados brasileiros o MPF tem atuado de forma contrária aos

cursos superiores para os beneficiários da reforma agrária, em nome do princípio da

legalidade e da isonomia. Qual é a igualdade que está em foco? Quando a

igualdade formal será concreta?

O que se nota é que os princípios constitucionais são elencados a título de

camuflar a ideologia conservadora que permeia parte do mundo jurídico e da

sociedade brasileira, ao fazer valer a predominância da formação superior da elite

em detrimento da formação da classe trabalhadora. O princípio constitucional que

dispõe que todos são iguais perante a lei é mencionado em todas as ações civis

públicas, entretanto, a máxima de que os desiguais devem ter tratamento desigual

fica esquecida. Fica esquecida, especialmente, entre aqueles que compreendem o

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mundo jurídico como uma redoma de vidro, descolado das contradições que

marcam a sociedade.

As decisões no Judiciário ocorreram como segue:

INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA (9/7/2008)

MPF apresenta AGRAVO DE INSTRUMENTO (29/7/2008) – TRF 1ª Região

É mantida a decisão agravada (4/8/2008)

O Agravo de Instrumento foi relatado pelo Juiz Federal Carlos Augusto Pires

Brandão que decidiu por manter a decisão de não antecipação de tutela, afirmando

que a decisão impugnada não carecia de reparos. Destacou não haver desvio de

finalidade, nos propósitos do convênio, e que a sua suspensão traria prejuízos

irreparáveis a todos os agentes envolvidos.

Em 15 de junho de 2009 o Juiz Roberto Carlos de Oliveira da 9ª Vara

Federal proferiu a sentença em 1° Grau. A sentença proferida pelo juiz em 1° grau

foi parcialmente favorável ao MPF/GO, o que causou indignação entre a sociedade

organizada daquele estado. A fundamentação do juiz resume-se ao que segue:

Portanto, não obstante se reconheça que a educação do homem do campo é indispensável para garantir o desenvolvimento sustentável dos assentamentos, conferindo êxito ao programa de reforma agrária, tal fato não autoriza a utilização de recursos públicos em total afronta aos objetivos que fundamentam a distribuição de terras aos pequenos agricultores desprovidos do principal instrumento de produção, a terra. É a fixação do homem no campo com condições de sobrevivência e desenvolvimento que valida a desapropriação e transferência de terras aos assentados, e tal objetivo sequer tangencia com a formação técnico/jurídica que se pretende conferir aos assentados com a criação do curso de direito pelo INCRA/UFG. Dessa forma, há evidente desvio de finalidade e, por conseqüência, flagrante ilegalidade no convênio estabelecido através da Portaria Conjunta INCRA/P/INCRA/SR(04)GO/UFG Nº 9, de 17 de agosto de 2007 para utilização de recursos do PRONERA no custeio de curso superior em direito. Das políticas afirmativas: Não há que se confundir a presente

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controvérsia com as políticas afirmativas de reserva de vagas, seja a alunos oriundos de escolas públicas, seja a determinadas raças ou etnias. Com efeito, não versa a presente causa sobre a reserva de determinado percentual de vagas nas universidades públicas para assentados ou seus filhos, mas a criação de curso exclusivo para tal grupamento. As políticas afirmativas de reserva de vagas, adotadas por diversas universidades brasileiras, inclusive pela Universidade Federal de Goiás, têm merecido a acolhida dos Tribunais, conforme se pode verificar de inúmeros julgados que acolheram a tese e julgaram pela constitucionalidade do sistema de cotas nas universidades. (Grifo nosso) [...]

Da violação ao princípio da isonomia: Ainda que se reconhecesse a possibilidade de utilização de recursos do PRONERA para subsidiar a formação jurídica dos beneficiários da reforma agrária o convênio não estaria legitimado por ofensa ao princípio da igualdade. É o que passo a apreciar. Após longo trâmite nas instâncias universitárias e contando com manifestações favoráveis do MPF e da OAB, e desfavorável do MEC, em 15/09/2006 foi criada pela Universidade Federal de Goiás a turma especial de graduação em direito para beneficiários da reforma agrária, estendida aos cidadãos beneficiados pela política nacional de agricultura familiar e empreendimentos familiares rurais (lei nº 11.236, de 24 de julho de 2006), nos termos da resolução CONSUNI Nº 18/2006 (fl. 1444). Embora seja reconhecida a autonomia didático-científica das universidades para a criação, ampliação ou redução do número de vagas nos cursos ministrados pelas mesmas, tais instituições não estão imunes ao regramento contido na legislação que rege a matéria, nem tampouco aos ditames contidos na Constituição Federal. No que pertine ao tema, a Constituição Federal estabelece nos artigos 205 e 206, I, que: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...]” A Lei nº 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação, dispõe que: Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Da análise dos dispositivos acima, verifico que a destinação exclusiva das vagas na referida turma de direito aos beneficiários da reforma agrária, mesmo com a extensão aos beneficiários da lei 11.326/2006, viola o princípio constitucional da igualdade, pois adota critério que privilegia uma pequena parcela de indivíduos, excluindo outros que se encontram em situação idêntica ou inferior. De fato, a escolha arbitrária dos destinatários das referidas vagas excluiu expressamente a possibilidade de acesso a todos os demais trabalhadores rurais não assentados ou aqueles que laboram como empregados rurais ou ainda os que estão em posição de profunda inferioridade em relação aos eleitos pela portaria conjunta que são os diaristas rurais (também denominados “boias-frias”). Assim, mesmo que se considere legítimo o discrimen que destacou os homens do campo como grupo desfavorecido e marginalizado, a referida portaria excluiu grande número de pessoas inseridas na mesma categoria, excluindo-as do processo de inserção que se pretendeu criar com a reserva de curso especial aos rurícolas. [...]

De fato, conferir legitimidade ao ato praticado entre INCRA e UFG significa chancelar uma conduta que viola frontalmente o princípio da isonomia. Este aspecto não passou despercebido ao Ministro Gilmar Mendes que na

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decisão que indeferiu pedido de suspensão de tutela antecipada formulada pelo INCRA (STA/233) assentou que: “Os interesses contrapostos, no caso em exame, são relativamente claros. O primeiro deles está baseado no próprio princípio da isonomia. De fato, em primeiro lugar, temos como potencialmente afetado o interesse de todos os demais cidadãos não beneficiados pela medida impugnada. Mais especificamente, temos os demais cidadãos brasileiros, ricos ou pobres, que pleiteiam vagas nas instituições públicas de ensino superior, devendo, para tanto, submeter-se a fatigante e complexo processo seletivo. Não se pode olvidar, ademais, a existência de outros produtores rurais que, conquanto não beneficiados pelo programa nacional de reforma agrária, também carecem de uma maior atenção do Estado, uma vez que se encontram em situação em muito similar à dos assentados. (Grifei) Portanto, há que se reconhecer a inconstitucionalidade e ilegalidade da criação de curso jurídico com destinação exclusiva aos beneficiários da reforma agrária e aos tutelados pela lei 11.326/2006, razão pela qual a extinção do curso criado pelo Conselho Universitário da Universidade Federal de Goiás através da resolução CONSUNI nº 18/06, de 15 de setembro de 2006 (fl. 1.444), é medida que se impõe. Da boa-fé do corpo discente: Não obstante o reconhecimento da ilegalidade na criação do curso e na necessária extinção do mesmo, há que se reconhecer a boa fé do corpo discente que não teve qualquer participação na elaboração do convênio entre o INCRA e a UFG. Com efeito, consoante se verifica da vasta documentação juntada aos autos, foi instaurado inquérito civil público para apurar a regularidade dos projetos de criação de cursos destinados a segmentos específicos da sociedade (PR/GO nº 1.18.000.008340/2006-92) através da portaria 51/2006, de 31/05/2006. Durante o trâmite do referido inquérito, foi colhida manifestação favorável da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo sido determinado o arquivamento do mesmo, com parecer favorável do MPF à criação do curso objeto da presente ação (29/11/2006). Em conseqüência, foi realizado processo seletivo conforme edital 02/2007 que logrou aprovar 60 (sessenta) candidatos ao curso (fls. 1862/1925), tendo as aulas se iniciado no segundo semestre de 2007. Atualmente o curso se encontra em pleno desenvolvimento, tendo os alunos concluído com aproveitamento diversas disciplinas. Assim, há que se reconhecer a validade dos atos praticados até então, somente no que concerne ao aproveitamento de tais disciplinas, na forma prevista nos estatutos das instituições de ensino onde se postule a conclusão do curso. De fato, a extinção pura e simples do curso, sem a ressalva dos atos validamente praticados, não encontraria suporte nos postulados de justiça e não atenderia ao interesse público e social, mormente pelo fato da criação ter obtido a chancela de instituições relevantes como o Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, de forma a assegurar validade dos atos acadêmicos praticados durante a realização do curso, reconheço a boa-fé do corpo discente, e determino que a extinção do curso se dê ao termino do semestre letivo. DISPOSITIVO: Em face do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial (art. 269, I, do CPC), para: a) declarar a ilegalidade do convênio estabelecido através da Portaria Conjunta INCRA/P/INCRA/SR(04)GO/UFG Nº 9, de 17 de agosto de 2007 e da utilização de recursos do PRONERA para custeio de curso superior em direito; b) determinar a extinção do curso de graduação em direito criado através da Resolução CONSUNI nº 18/06, de 15 de setembro de 2006; c) ressalvar a validade das atividades acadêmicas integralizadas pelo corpo discente e assegurar a conclusão do semestre letivo em curso. Sem condenação em custas e em honorários advocatícios (Lei n° 7.347, art. 18). Registre-se. Publique-se. Intimem-se. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (art. 475, I, do CPC). Goiânia, 15 de junho de 2009. Juiz Roberto Carlos de Oliveira. 9a Vara Federal. (Grifo nosso)

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Verifica-se que os princípios da isonomia e da legalidade marcam o relatório

e a decisão do Juiz. Caberia um estudo específico sobre cada um desses princípios,

a fim de auxiliar na compreensão de questão tão complexa como essa da educação

superior aos beneficiários da reforma agrária. Trata-se de questão que ultrapassa os

limites do debate sobre Cotas, pois tem como contexto os assentamentos de

reforma agrária, logo a viabilidade dos mesmos mediante uma das ações essenciais

que é a formação escolar. Um olhar atento aos documentos que integram as ações

civis públicas contra tais cursos superiores, especialmente no que tange às

respostas oferecidas pelo INCRA e pela Universidade, será revelador do conjunto de

princípios envolvidos na proposição e na decisão de tais ações. São princípios

constitucionais como legalidade, isonomia, ampla defesa, contraditório, segurança

jurídica, proporcionalidade, razoabilidade entre outros.

Sobre princípios, Ávila (2004, p. 16-17) assim escreve:

[...] A aplicação do Direito depende precisamente dos processos discursivos e institucionais sem os quais ele não se torna realidade. A matéria bruta utilizada pelo intérprete – o texto normativo ou dispositivo – constitui uma mera possibilidade de Direito. A transformação dos textos normativos em normas jurídicas depende da construção de conteúdos de sentido pelo próprio intérprete. Esses conteúdos de sentido, em razão de dever de fundamentação, precisam ser compreendidos por aqueles que os manipulam, até mesmo como condição para que possam ser compreendidos por seus destinatários. [...] O uso desmesurado de categorias não só se contrapõe à exigência científica de clareza – sem o qual nenhuma ciência digna de nome pode ser erigida -, mas também compromete a clareza e a previsibilidade do Direito, elementos indispensáveis ao princípio do Estado Democrático de Direito.

Por que comentar sobre discurso, argumentação e interpretação? Nota-se a

sentença proferida em 1° Grau está fundamentada em princípios fundamentais como

o da isonomia. Por sua vez, antes do julgamento do mérito, a decisão sobre a

antecipação da tutela garantiu o princípio do contraditório, de modo que todos os

interessados foram ouvidos. Argumentos teóricos, jurisprudências e fáticos são

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construídos ao longo de cada uma das “estações processuais”, e forças ideológicas

ficam expressas em cada uma dessas estações.

Os estudantes de Direito fizeram um Manifesto como contraponto à

sentença proferida em 15 de junho de 2009, conforme segue.

É com profundo sentimento de indignação e revolta, que vimos nos pronunciar. Por motivo da preconceituosa e frustrante decisão da Justiça Federal de Goiás, proferida no dia 15 de junho deste ano14, que por meio de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de Goiás, movida em face do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e da Universidade Federal de Goiás – UFG, determinou a extinção da Turma de Direito para Assentados da Reforma Agrária e Agricultores Familiares Tradicionais. Sob a alegação de desvio de finalidade no emprego dos recursos do PRONERA, e afirmando que tal fato lesa o patrimônio social, e ainda que, não existe previsão legal de tratamento diferenciado aos beneficiários da Reforma Agrária, a aludida decisão pondera de forma extremamente agressiva que, a existência de nossa turma desrespeita os princípios constitucionais da igualdade, isonomia e razoabilidade. A parceria entre UFG e INCRA, firmada oficialmente no ano de 2007, a qual deu origem a nossa turma, surgiu a partir da luta dos movimentos sociais e diversos parceiros que buscam, historicamente, a efetivação dos direitos fundamentais da classe trabalhadora – do campo e da cidade – em todo o Brasil. Baseados na necessidade, mais que urgente, de se levar educação superior em diversas áreas do conhecimento, aos trabalhadores rurais, por meio de políticas públicas que visam a superação das históricas e tão presentes, desigualdades sociais de nosso país. No dia 17 de agosto de 2007, o Exmo. Ministro do STF, Dr. Eros Roberto Grau, proferiu a aula inaugural do nosso curso, composto por 60 alunos advindos do meio rural e, originários de 19 estados da federação brasileira. Ocorrendo nesta solenidade de abertura, em meio a Cidade de Goiás-GO, o estabelecimento de um marco na história do ensino jurídico no Brasil. Desde o momento em que iniciamos o curso, somos alvo de ataques promovidos por sujeitos contrários à presença de trabalhadores e trabalhadoras rurais na universidade pública. Fazendo tudo isso de forma não menos violenta do que a utilizada para defender a grilagem e a concentração da terra. Tais sujeitos externam sua reação agressiva sempre fazendo uso da grande mídia e de agentes de instituições estatais, como o Ministério Público Federal e o próprio Judiciário. Atualmente, apesar da sentença extintiva, encerramos o 4º semestre letivo do curso de direito na compreensão de que nada do que está sendo feito contra nossa turma terá sustentação duradoura, vez que, fere ao mesmo tempo, a razão de Estado Democrático Social de Direito. Mesmo na situação de política pública de educação, o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, apesar de tantos resultados importantes desde sua criação, vem sofrendo desde 1998, absurdas reduções orçamentárias. Passando a representar um grave retrocesso, naquilo que deveria ser um meio de potencializar tanto o acesso, quanto a qualidade de ensino ao público da Reforma Agrária. O sucateamento do PRONERA, assim como a supressão da nossa turma, representa sério prejuízo a tudo o que a sociedade, sobretudo a classe trabalhadora do campo, conquistou até hoje. Devendo ser urgentemente observado com mais responsabilidade pelo poder público. O acesso de

                                                            14 Leia-se 2009.

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trabalhadoras e trabalhadores assentados à educação formal em cursos superiores de graduação em direito coaduna claramente com os objetivos gerais e específicos do PRONERA, visto que, este se propõe a garantir aos assentados (as) escolaridade/formação profissional, técnico profissional de nível médio e curso superior em diversas áreas do conhecimento. Na presente perspectiva torna-se mais relevante, do que discutir se o ofício de um bacharel em direito é ou não desenvolvido no campo, observar com mais sensibilidade o quanto todo seguimento segregado pela estrutura social vigente, respectivamente, o trabalhador e a trabalhadora rural, necessita de forma concreta do profissional da área jurídica. Seja na demanda fundiária, previdenciária, administrativa, cooperativista ou outras. Pois o assentado e a assentada não se fixam na terra por mera distribuição desta, mas no intuito de que seus direitos e interesses fundamentais sejam alcançados da mesma forma que qualquer outro cidadão objetiva. Nesse contexto a existência da turma não se desvincula da finalidade do PRONERA, menos ainda, da Reforma Agrária que busca alcançar, dentre inúmeras metas, o pleno desenvolvimento do homem do campo, atendendo diretamente ao que sugere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Ademais, nossa turma de direito se resume em muito mais que uma política de Ação Afirmativa de simples reserva de vagas na universidade. Seguramente representa um simbólico impulso rumo à universalização do acesso ao ensino público superior. A igualdade, no que diz respeito, ao acesso e permanência na escola (art. 206, I, CF e art. 3º, I da lei n.º 9.394/96), significa uma igualdade moral, de sorte que, partindo da idéia de que a educação é direito de todos e dever do Estado, constitui incumbência moral do Estado reconhecer que as classes marginalizadas social e economicamente, são, de forma jurídica, portadoras dos mesmos direitos que provêem do Poder Público e que definem sua dignidade como pessoa humana. Não devendo, nesse caso, em hipótese alguma, haver razão para confundir a iniciativa da turma de direito como um privilégio ou meio de exclusão, mas basicamente o contrário. Prova disso, o fato de ter configurado-se há muito mais tempo do que se imagina, a carência de maior atenção do Estado para com os trabalhadores e trabalhadoras rurais. Sendo mais verdadeira ainda tal afirmação, quando verificamos todos os anos, os índices gerais e regionais de escolaridade do povo brasileiro, já que se constata através daí, que sem as políticas públicas de criação de oportunidades de acesso a educação em todos os níveis e áreas do conhecimento, houve nada mais que um agravamento expressivo da situação. E que por isso, também, devemos tratar como medida de imposição e violência institucionalizada todos os atos que, dessa maneira, como está sendo a sentença em debate, visam extinguir as poucas medidas existentes com o papel de realizar a inclusão e a abrangência cada vez maior de outros excluídos que se encontram em situação idêntica ou inferior. A igualdade de todos perante a lei, reconhece, dentre outras coisas, que as desigualdades existem. Pressupondo claramente, que deverão ser tratados de forma desigual aqueles que encontram-se em situação de desigualdade, como meio de superação dos desníveis sociais. Simplesmente por tudo que revela esse último ponto, já mostra-se absurdamente insustentável, tanto moral quanto juridicamente, toda e qualquer atitude de reação que venha contra o direito de estudar direito dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Convém citar o interessante questionamento do presidente do INCRA Rolf Hackbart: "A quem interessa inviabilizar o acesso à educação? A quem interessa fechar salas de aula? Por que em vez de decidir pela extinção desses cursos não se sugere resolver eventuais problemas legais que existam? Há um preconceito raivoso contra movimentos sociais e contra setores da sociedade. As oligarquias do País se perpetuam e uma das formas é não permitir o acesso à educação". Diante disso, nós como membros da turma em questão, e principais afetados por esse meio de violência – tal qual foi a decisão – nos sentimos com o total dever de repudiar não somente o ato jurisdicional,

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como também o sucateamento do PRONERA e da própria universidade pública. (Grifo nosso)

Diante dessa realidade e da decisão judicial em primeira instância, a UFG e

o INCRA interpuseram apelação ao Tribunal Regional Federal (TRF), com pedido de

liminar para a suspensão de execução da sentença de 1° Grau.

O recurso interposto pelo Incra em conjunto com a UFG foi acompanhado do parecer do renomado jurista Fábio Konder Comparato. Ao tecer observações quanto à decisão que extinguia a turma especial, Comparato rechaçou a tese de desvio de finalidade por ser um curso de direito para filhos de agricultores: "Seria por acaso inútil saber quais os direitos e deveres fundamentais ligados à propriedade da terra e, especificamente, os estabelecidos nos artigos 184 e seguintes da Constituição Federal a respeito da reforma agrária? É aceitável manter os agricultores sem terra na condição de pessoas necessariamente ignorantes de seus direitos e, na melhor das hipóteses, perpetuamente tuteladas pelo Poder Público?".15 (Grifo nosso)

O presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1),

desembargador Jirair Aram Meguerian, deferiu o pedido do INCRA e da UFG,

possibilitando assim a continuidade da turma especial de Direito para assentados da

reforma agrária e filhos de pequenos agricultores, na cidade de Goiás. A liminar foi

concedida no dia 18 de dezembro de 2009, com segue:

[...] tendo em vista que o recurso de apelação interposto em face da sentença impugnada foi recebido apenas no efeito devolutivo, DEFIRO o pedido e suspendo os efeitos da decisão proferida pelo Juízo Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Goiás, nos autos da Ação Civil Pública 2008.35.00.013973-0/GO. (BRASIL, 2009, p. 8-9).

Em sua decisão, o Desembargador menciona os fundamentos apresentados

pelo Juiz Federal Carlos Augusto Pires Brandão, quando este decidiu sobre o

Agravo de Instrumento interposto pelo MPF contra a decisão de não antecipar a

tutela requerida na inicial. Dentre tais fundamentos estão: 1) a suspensão imediata

do curso acarretaria danos de difícil reparação aos discentes que estão em plena

atividade acadêmica. Suspenderia expectativas nutridas pelos alunos em relação à

                                                            

-15 A notícia está disponível em Hhttp://www.incra.gov.br/index.php/procuradoria/noticiasprocuradoria/916-pfe-recorre-e-justicamantem-curso-de-direito-para-assentados-em-goiasH. Acesso em 20/2/2012. 10h.

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graduação enquanto os tribunais discutiriam a legalidade e constitucionalidade da

criação da turma especial de Direito. 2) A decisão de suspensão imediata do curso

atingiria os terceiros de boa-fé. 3) Atingiria o erário público, pois professores foram

contratados em regime estatutário, não podendo ser demitidos. (BRASIL, 2009, p. 8)

De 18 de dezembro de 2009 até 13/10/2010 são registrados no extrato do

Tribunal Regional da 1ª Região recurso e contrarrazões do INCRA; Embargos de

Declaração opostos pelo INCRA, petição de terceiro interessado; Recurso de Agravo

de Instrumento pelo INCRA; Recurso e contrarrazões do MPF. Em 13/10/2010 o

processo original foi remetido ao TRF da 1ª Região.16 Em 11/11/2010 o processo foi

distribuído para o Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro. Pelo extrato de

movimento da ACP, o processo encontra-se em fase de Apelação/ Reexame

Necessário, junto à 6ª Turma do TRF 1ª Região.

Reitera-se o que foi escrito no capítulo anterior, ou seja, nas instâncias

superiores do Poder Judiciário, as decisões têm sido pela efetivação dos cursos de

educação superior, pois eles vão propiciar a formação necessária e articulada à

realidade e aos problemas locais, de modo a fazer avançar os projetos de reforma

agrária.

Entretanto, é inegável que a existência de cursos específicos para os

beneficiários da reforma agrária tem causado mal estar no plano jurídico, fato é que

ainda não há decisão sobre o assunto no STF.

                                                            

h.

16 O extrato de movimentação da ACP encontra-se disponível na página: Hhttp://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php?proc=200835000139730&secao=GOH. Acesso em 20/4/2012. 14

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5 AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DECISÃO JUDICIAL E PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS: O CASO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Para caracterizar a origem do curso de Medicina Veterinária destinado aos

beneficiários da reforma agrária, foram utilizados dois artigos produzidos,

respectivamente, por Scalabrin e Cover (2010); Machado e Paludo (2011). As

autoras mostram que o curso teve início a partir de debates empreendidos em

meados de 2004. Mas, somente em 2007, foi realizado o primeiro vestibular, tendo o

curso sido interrompido por ordem judicial até o ano de 2010.

O MPF do Estado do Rio Grande do Sul propôs ACP, tendo como réus a

Fundação Universidade de Pelotas; INCRA e Fundação Simon Bolívar. O processo

conta com 43 Assistentes.17 O valor atribuído à causa é de R$10.000,00. O MPF

alegou que o referido curso feria os princípios da legalidade, isonomia e

proporcionalidade. Houve pedido liminar/ antecipação de tutela.

Os fundamentos constitucionais para a propositura da ACP estão dispostos,

na Carta Magna, nos artigos 3°, Inciso IV (promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de

discriminação); artigo 5°, caput (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza...); artigo 19, Inciso III (É vedado à União, aos Estados, Distrito

Federal e Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si) e

artigo 129, Inciso III (função do MP – promover o inquérito civil e a ação civil pública,

para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos).                                                             

h.

17 Ver informações em Hhttp://www.jfrs.jus.br/processos/acompanhamento/resultado_pesquisa.php?txtValor=200771100050358&selOrigem=RS&chkMostrarBaixados=&todaspartes=S&selForma=NU&todasfases=S&hdnRefId=&txtPalavraGeradaH= Acesso em 20/4/2012. 12

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Um dos princípios que o MPF alega estar ferido é o da igualdade. Como

está exposto na ACP:

[...] não se pretende, com a presente ação, discutir a política de ações afirmativas in genere, nem se pretende questionar a implantação de cotas sociais para egressos de escolas públicas. Não é necessário adentrar o mérito dos argumentos favoráveis e contrários aos sistemas atualmente implantados ou em vias de implantação nas universidades públicas. O que se argumenta, ao contrário, é que, mesmo se aceitando ou se advogando a adoção de políticas públicas constituídas por ações afirmativas, o sistema adotado pela Universidade Federal de Pelotas, embora supostamente adequado aos preceitos da política pública adotada pelo INCRA, através do PRONERA, não se coaduna com o princípio da igualdade inscrito na Constituição Federal. Há inadequação entre os meios e fins, ferindo o princípio da razoabilidade. O fim, de qualificar e possibilitar o acesso ao ensino superior pelos assentados da reforma agrária, há de ser obtido por outros meios, que não o de simplesmente colocá-los na situação especial e privilegiadíssima de disputar um processo seletivo exclusivo. (BRASIL, MPF, 2007, p. 17)

Somando-se ao princípio da igualdade, o MPF menciona que o processo

seletivo da turma especial afronta o princípio presente no artigo 208, Inciso V, da

CF/88, que determina como princípio da educação que “o acesso aos níveis mais

elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de

cada um”. O MPF questiona que ser integrante do MST não é critério definidor da

capacidade de quem quer que seja. (2007, p. 23).

A polêmica ultrapassa os muros judiciais e atinge os canais jornalísticos. O

conteúdo da ACP traz reportagens publicadas em Jornais, e dá destaque àquelas

contrárias ao curso, como a entrevista concedida por um professor de Direito da

UFPEL que afirma que o referido curso “fere de morte a autonomia da

Universidade”, haja vista que a “supervisão pedagógica” de um curso de graduação

seria entregue ao INCRA e a movimentos sociais. Faz menção a ACP proposta no

estado do Paraná, pelo Procurador da República Sérgio Arenhart, questionando o

critério da escolha das novas famílias a serem assentadas, em vista de que as

mesmas eram escolhidas em função da concordância das demais famílias.

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Em síntese, os pedidos, incluindo antecipação de tutela, presentes na ACP

são: 1) proibir a UFPEL e ao INCRA a realização do processo seletivo de ingresso

na Universidade com indicação de candidatos pelo INCRA. 2) determinar que o

processo de seleção seja aberto a todos os cidadãos brasileiros interessados e que

tenham concluído o ensino médio, nos mesmos moldes do processo seletivo regular

realizado para todos os outros cursos da UFPEL. 3) a determinação de que a

publicação dos editais do referido processo seletivo se realize nos mesmos moldes

de todas as demais seleções para ingresso na UFPEL. 4) a proibição de o INCRA e

de qualquer movimento social de participar da supervisão pedagógica de qualquer

curso no âmbito da UFPEL. 5) a proibição de contratação de professores pela

UFPEL para o presente curso.( BRASIL/MPF, 2007, p. 34-35)

Na resposta elaborada pela Advocacia-Geral da União, Procuradoria Geral

Federal junto à Fundação da UFPEL, todos os pontos da inicial são contestados.

Chama a atenção o comentário feito à afirmação presente na ACP de que no Brasil

não há falta de médicos veterinários, haja vista a existência de 140 cursos em todo o

país. O que não está incluso na ACP é que somente 42 desses cursos estão em

instituições públicas gratuitas. Mas vale trazer a menção feita na contestação:

Faltam médicos veterinários para atender as necessidades dos assentados (incentivo à pesquisa, à tecnologia e assistência técnica e extensão rural). A razão: a mesma pela qual faltam médicos (para humanos, diga-se) nas pequenas cidades do interior do país. Por que somente assentados ou filhos de assentados? Pela vinculação dos alunos às suas famílias, à produção, para desempenharem a função de disseminadores de conhecimento. Conforme se pode observar no Projeto elaborado pela UFPEL, os alunos dividirão seus estudos em atividades na escola e na comunidade, a seriação do currículo será adaptada aos ciclos agrícola e de criação de animais próprios para atividade rural. Por que não os pequenos agricultores ou os verdadeiros sem-terra (não assentados)? Em razão da aludida vinculação dos alunos à viabilização do projeto de assentamento (distribuir terras é sabidamente insuficiente e procedimento fadado ao desperdício de dinheiro público se não houver qualificação da mão-de-obra [...] (AGU-INCRA, 2007, 13-14)18

                                                            18 Consulta ao processo físico.

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Seguindo o mesmo raciocínio e dando ênfase ao princípio da igualdade, a

AGU-Procuradoria Especializada INCRA assim se manifestou numa das passagens

das quase 55 páginas de resposta à ACP:

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos e previu que todo cidadão tem direito a tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Todavia, a questão em apreço merece uma análise mais cautelosa, acurada, o que se passa a fazer: Hodiernamente, tem ganhado força o conceito de discriminação positiva, isto é, aquela destinada a suprir a situação de desvantagem imposta historicamente a indivíduos por causa de sua origem étnica, de sua religião, compleição física, nacionalidade ou gênero. Com efeito ‘tratar desigualmente aos desiguais, na medida de suas desigualdades’, expressão criada por Rui Barbosa, revela a proposta contida no princípio constitucional da igualdade, de observância cogente por toda sociedade. (Negrito no original, AGU-INCRA, 2007, p. 40)19

Ainda, na defesa elaborada pela AGU-INCRA está disposta uma parte do

discurso proferido por Rui Barbosa, em 1920, em homenagem aos formandos da

Faculdade de Direito do Largo São Francisco/SP, intitulado “Oração aos Moços”:

[...] a regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. [...] Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (Negrito no original, AGU-INCRA, 2007, p. 41)

Após a manifestação dos réus do processo, houve julgamento do pedido de

tutela antecipada. O pedido foi negado no Juízo da 1ª Vara Federal de Pelotas, pelo

Juiz Everson Guimarães Silva. Na decisão sobre a antecipação de tutela há análise

sobre se a execução do projeto ofende ou não à Constituição. Para o referido Juiz

da 1ª Vara Federal e Juizado Especial de Pelotas, não há inconstitucionalidade na

realização do curso em questão:

Sobre a argüição de inconstitucionalidade da medida que as demandadas pretende levar a efeito: [...]

                                                            19 Consulta ao processo físico.

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Após ponderar sobre os termos concretos do ajuste e as normas constitucionais incidentes na espécie não constatei inconstitucionalidade no ajuste. Primeiramente porque a UFPEL não está a criar turma especial ou introduzir um sistema de cotas para acesso aos seus cursos, mas está, por assim dizer, prestando um serviço ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária, como conveniente, para viabilização de programa de educação de famílias assentadas. Com isso a UFPEL recebe, em contrapartida, significativo investimento material, inclusive, com acima assinalado, com a construção de infra-estrutura para o seu curso de Medicina Veterinária. Cumpre observar que o convênio não implica no aproveitamento das vagas já existentes na Universidade, mas na criação de uma turma nova e especial. Em face de tais características do acordo ora examinado, fica evidente que não há, por parte da Universidade, a adoção de critério diferenciado para acesso a seus cursos. O convênio, portanto, objetivamente considerado, não é capaz de suscitar sequer possibilidade de violação à garantia de acesso igualitário e universal ao ensino público. No entanto, ainda que se considere que a efetivação do convenio irá resultar na criação de uma turma permanente em benefício de famílias de assentados e que tal medida representa, na prática, a adoção de um sistema de cotas no âmbito da Universidade Federal de Pelotas, não haveria inconstitucionalidade a ser reparada. Constitui conhecimento basilar que o princípio da isonomia, em qualquer de suas manifestações na Constituição da República, pressupõe, para sua efetivação, o tratamento igualitário aos que se encontram em situação de igualdade e o tratamento desigual daqueles que material ou juridicamente encontram-se em situação desfavorável, para que fique viabilizada a condução de todos os cidadãos a uma condição de paridade. (Grifo nosso) [...] Com efeito, é notória a situação de desamparo e de falta de condições materiais e culturais das famílias assentadas pelo programa de reforma agrária. Ademais, são idéias que permeiam o senso comum a necessidade de adoção de medida concretas, que viabilizem o desenvolvimento dos assentados, bem como que a reforma agrária não pode ficar limitada à estéril distribuição de terras. Com isso, resta evidenciada, e amparada pelo princípio da isonomia, a indispensabilidade de criação de oportunidades para aprimoramento e inserção social daquelas famílias. Firmada a constitucionalidade da criação de curso destinado a estudantes oriundos de famílias de assentados, cumpre examinar o processo de seleção para acesso ao referido curso. Novamente não compartilho do respeitável entendimento deduzido na inicial. A minuta de convênio a ser firmado pela partes para implementação do curso de Medicina Veterinária em exame (fls. 105/ 111) atribui à Ufpel a obrigação de "realizar seleção especial sob a égide de edital específico devendo seus detalhamentos constarem no plano de trabalho no caso de cursos técnicos profissionalizantes ou superior" - cláusula segunda, item III, alínea c. Ademais, no projeto elaborado pela Universidade (fls. 72/96) está previsto, para ingresso no curso, processo seletivo complexo, realizado em duas etapas e fundado em critérios objetivos - item 2. Por outro lado, o fato de o candidato dever ter indicação da comunidade assentada, por si só, não constitui abuso ou ilegalidade. Ao contrário, afigura-se razoável que para o ingresso em curso destinado ao desenvolvimento das famílias assentadas tenha, o candidato, sob pena de desvirtuamento do programa, vinculação concreta e efetiva com o assentamento. Ainda, a participação do INCRA, confirmando a condição de assentado do candidato ao curso, não significa que a seleção seja atribuição daquela entidade, mas tão-somente que o postulante a uma vaga deverá ter sua condição de assentado confirmada oficialmente, visto que, em última análise, se beneficiará de recurso do programa de reforma agrária. Saliento que não há qualquer base concreta para que se possa dizer que o programa se destina, na verdade, a

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integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Na verdade, o convênio ora examinado decorre de política oficial, envolvendo instituições da administração pública indireta, que estão adstritas aos mandamentos legais e constitucionais, em especial ao princípio da legalidade, não existindo qualquer indício de favorecimento ou desvio de finalidade no programa. Ademais, eventual desvio de rumo na execução do ajuste poderá ser retificado judicialmente, tanto por iniciativa do Ministério Público, como de particular que se sinta lesado. Outrossim, a participação do INCRA e dos movimentos sociais na supervisão pedagógica do programa, prevista no projeto elaborado pela UFPEL (fl. 73), também encontra assento constitucional. Com efeito, trata-se de programa que difere dos cursos superiores tradicionais e que tem direcionamento específico, qual seja, a formação de um profissional preparado para o atendimento às necessidades das comunidades de assentados. Assim, também é razoável a participação dos destinatários nas discussões sobre os rumos e objetivos do curo, bem como do ente responsável pelo programa de reforma agrária. Tal participação encontra assento constitucional, como dito acima, porque a Carta Política tem como fundamentos o pluralismo de idéias e o princípio democrático - que obviamente não se restringe à intervenção do cidadão no processo eleitoral. Por fim, a seleção de professores do curso obedece a critérios objetivos, visto que, nos termos da minuta de convênio a ser subscrita pelas partes, compete à executora, Fundação Simon Bolívar, "garantir corpo docente com professores pertencentes ao quadro de pessoal ativo (efetivos, substitutos, visitantes e voluntários) e inativo da UFPEL" - cláusula segunda, item II, alínea g. Sendo que, na mesma disposição, é observado que "quando não houver disponibilidade desses docentes, a executora procederá a uma seleção simplificada similar à de professor substituo em coordenação com a UFPEL. Por todos os argumentos acima expendidos, não vislumbro plausibilidade do direito invocado na inicial, a justificar o deferimento da medida antecipatória postulada pelo autor. III) Ante o exposto, indefiro os pedidos de antecipação de tutela formulados na inicial. Intimem-se, sendo o Ministério Púbico par ciência da presente decisão e para que, no prazo de 10 (dez) dias, promova a citação da Fundação Simon Bolívar, como litisconsorte passiva necessária, sob pena de extinção do feito, sem resolução do mérito. Outrossim, tendo em vista que a intimação das demandadas se deu para manifestação sobre o pedido de antecipação de tutela, fica aberto, à UFPEL, o prazo para oferecimento da resposta. Fica prejudicada, contudo, a abertura de tal prazo para o INCRA, na medida em que este Instituto já ofereceu sua contestação. Após as respostas da UFPEL e da Fundação Simon Bolívar, dê-se vista dos autos à parte autora para réplica. (Grifos da autora. Negrito no original. Juiz Everson Guimarães Silva. 19/9/2007, p. 6-11).20 (Grifo nosso)

Em relação aos princípios constitucionais, verifica-se que o Juiz afirmou não

haver inconstitucionalidade no que tange à isonomia. Destaca, ainda, que o

magistrado reconhece a igualdade formal e a igualdade fática. Há casos em que a

                                                            

012. 15h.

20 Consulta ao processo físico. Também disponível em Hhttp://www.trf4.jus.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfrs&documento=2559267&DocComposto=&Sequencia=&hash=5d6d27f81e2be721ef734d7f950c701aH Acesso em 22/4/2

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igualdade estará manifesta no tratamento desigual aos que se encontram em

situação desfavorável na sociedade.

O MPF interpôs Agravo de Instrumento em 17/10/2007, sob n°

2007.04.00.037679-1, contra a decisão que indeferiu o pedido de antecipação de

tutela. O relator no TRF da 4ª Região foi o desembargador Valdemar Capeletti. A 4ª

Turma do TRF da 4ª Região deu parcial provimento ao agravo de instrumento. O

recurso foi recebido no efeito devolutivo pelo Desembargador Capeletti, por

considerar que até aquele momento os fundamentos do recurso estavam

relacionados a matérias jornalísticas, do que com as disciplinas componentes do

curso. Depois da manifestação da UFPEL, o Juiz Federal João Batista Lazzari,

que atuou durante as férias de Capeletti, proferiu nova decisão, atendendo ao

pleito de dar eficácia suspensiva ativa ao recurso. A UFPEL e o INCRA

recorreram dizendo não haver fatos novos.

O Desembargador Capeletti faz uso de diversos argumentos a exemplo da

inexistência de um sistema de cotas, da afirmação de que o vestibular para os

beneficiários da reforma agrária é uma criação em apartado de outras questões

sociais e o que segue:

A tudo isso somam-se as demais questões apontadas pelo MPF às razões de agravo, quais sejam: (a) a violação do princípio democrático na gestão de ensino, considerando que o projeto de curso de Medicina Veterinária para assentados foi rejeitado pela comunidade acadêmica da Faculdade de Veterinária, incluída a quase totalidade dos professores (fls. 19-22), (c) o malferimento aos princípios constitucionais e legais pertinentes à matéria i. pela necessidade de aprovação do nome do candidato pelo INCRA e ii. Pelo envolvimento do MST na orientação pedagógica do curso e (d) por fim, a discrepância no processo de seleção do quadro docente, porquanto percebe-se que os autores do projeto sequer escondem a intenção de selecionar a dedo quem poderá lecionar no curso.21 (Grifo nosso)

                                                            21 Relato do Desembargador Valdemar Capeletti, Processo n° 2007.04.00.037679-1.

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O desembargador relator votou pelo parcial provimento do Agravo, como

segue:

Por fim, tomo em consideração, que, agora, por ocasião do exame do mérito do presente recurso, o exame vestibular em discussão, restrito aos assentados do INCRA, poderá já ter sido realizado. Acaso assim tenha ocorrido, ficam suspensos todos os efeitos produzidos pela realização do aludido concurso. Caso contrário, a tutela concedida restringir-se-á a impedir a concretização do certame, impondo-se ditas restrições, em ambos os casos, até o trânsito em julgado da ação de origem. Ante o exposto, voto por dar parcial ao presente agravo de instrumento. 22

Com essa decisão proferida em 26/2/2008, o curso de Medicina Veterinária

da UFPEL foi interrompido.

A sentença em 1° Grau foi proferida em 23/3/2009, tendo o Juiz Federal

Everson Guimarães Silva julgado improcedentes os pedidos do MPF. O referido

Juiz reitera os argumentos que apresentou no julgamento do pedido de tutela

antecipada. Firma não haver inconstitucionalidade, pois o convênio não é capaz de

suscitar sequer possibilidade de violação à garantia de acesso igualitário e universal

ao ensino público. Salienta que não há ilegalidade no procedimento interno da

universidade para a deliberação e convalidação do convênio em questão.

Embora tenha havido improcedência dos pedidos propostos na ACP, o Juiz

destaca que “subsiste na íntegra a medida antecipatória deferida pela 4ª Turma do

TRF da 4ª Região, visto que deferida até o trânsito em julgado da decisão final do

presente feito”.23

Em 17/4/2009 o MPF interpõe recurso de apelação ao TRF, 4ª Região. Em

30/8/2010, a 4ª Turma nega provimento à apelação do MPF, tendo sido vencido o

voto da Relatora Desembargadora Marga Inge Barth Tessler.

                                                            22 Idem.

ível em s.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?local=jfrs&documento=4498

23 DisponHhttp://www.trf4.ju818&DocComposto=&Sequencia=&hash=9122c5cb18d4c78038dedb30012a028fH Acesso em 21/4/2012.

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ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL. PÚBLICA. CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. CONVÊNIO RS/4330/2006/2006, CELEBRADO ENTRE A SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO INCRA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E A FUNDAÇÃO DE APOIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS SIMON BOLÍVAR. O convênio firmado entre a UFPEL e o INCRA não está violando a garantia do acesso igualitário e universal ao ensino público, pois dele resultará a criação de uma turma do curso de Medicina Veterinária destinada às famílias de assentados, em decorrência do programa de reforma agrária federal. . Política oficial, envolvendo instituições da Administração pública indireta, da qual não se verifica qualquer indício de favorecimento ou desvio de finalidade no ajuste. . A decisão que antecipa a tutela, em sede cognição sumária, deixa de produzir efeitos com o julgamento da demanda em cognição plena. Situação que se revela mais latente diante do provimento do recurso especial interposto contra decisão da Turma que havia concedido o provimento precário. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Apelação do Ministério Público Federal improvida. Apelações da Universidade Federal de Pelotas e do INCRA providas. ACÓRDÃO. Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal e dar provimento às apelações da Universidade Federal de Pelotas/RS e do INCRA, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 30 de agosto de 2010. Des. Federal Silvia Goraieb Relatora. (BRASIL, TRF 4ª Região)

apresentados pelo MPF foram acatados pelo

Ministro

os princípios da isonomia, da

roporcionalidade e da autonomia universitária:

Antes do julgamento em primeira instância da ACP, o INCRA recorreu ao

STF para fins de suspensão da tutela cautelar conseguida pelo MPF no

TRF/RS. Entretanto, o recurso do INCRA não foi acolhido pelo Ministro do STF,

Gilmar Mendes. Os argumentos

do STF, no final de 2009.

Em 27/4/2009, o Ministro Gilmar Mendes apresentou a sua decisão, cuja

argumentação é articulação em torno d

p

O princípio da isonomia Questão essencial refere-se à observância do princípio da isonomia. A medida impugnada, por certo, parte do pressuposto de que os assentados pelo programa nacional de reforma agrária, no tocante às condições de acesso ao ensino superior em instituições públicas, mereceriam um tratamento favorecido em relação aos demais cidadãos brasileiros. Segundo a autarquia fundiária, o escopo do convênio celebrado com a Universidade

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Federal de Pelotas seria a superação de quadro de desigualdade fática preexistente. A medida, portanto, constituiria exemplo das chamadas “ações afirmativas”, nas quais se busca, por meio de um tratamento juridicamente desigual, a igualação fática, com a promoção de grupos ou setores ‘historicamente desfavorecidos. No que toca ao tema da isonomia, recordo a síntese oferecida por Robert Alexy, em sua célebre teoria dos direitos fundamentais. Na perspectiva de Alexy, a máxima segundo a qual se deve "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais" daria origem a duas normas: "Se não há nenhuma razão suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento igual" (norma de tratamento igual) e "Se há uma razão suficiente para ordenar um tratamento desigual, então está ordenado um tratamento desigual" (norma de tratamento desigual) (ALEXY, Robert, Teoría de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1993, p. 408). Ainda na perspectiva de Alexy, a observância do princípio da isonomia estaria vinculada ao oferecimento de razões suficientes, aptas a autorizar um tratamento desigual ou mesmo exigi-lo. A identificação de uma não identidade permitiria apenas a avaliação da medida em que as razões potencialmente justificadoras do tratamento diferenciado poderiam vir a ser consideradas suficientes ou normativamente relevantes para sustentar a compatibilidade de determinada não-identidade com o princípio da isonomia. Percebe-se, pois, que o princípio da isonomia não impede que uma diferença de tratamento seja estabelecida entre certas categorias de pessoas, desde que o critério de distinção seja suscetível de justificação objetiva e razoável. A existência de tal justificação deve ser apreciada tendo em conta o objetivo e os efeitos da medida examinada, bem como a natureza dos princípios em causa. O princípio da igualdade é violado quando se conclui que não há relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregados e os objetivos visados. É cediço que nem todo quadro de desigualdade fática revela-se apto a autorizar um tratamento juridicamente desigual, mas apenas aqueles considerados relevantes à luz das finalidades constitucionais. Vejo aqui, portanto, a possibilidade de avaliar, em juízo de delibação, a existência ou não de razões suficientes para a criação de turma especial no âmbito de uma universidade pública para o atendimento exclusivo de assentados pelo programa nacional de reforma agrária. Há, evidentemente, interesses e direitos constitucionais que potencialmente estão contrapostos a esse direito que se quer conferir aos beneficiados pelo convênio impugnado no processo de origem. Esse é um típico caso em que se faz necessária uma avaliação de proporcionalidade, no sentido de se investigar se houve ou não um excesso do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma "proibição de excesso" na restrição de tais direitos. A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental. A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a

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fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais. Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ("A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto). Os interesses contrapostos, no caso em exame, são relativamente claros. O primeiro deles está baseado no próprio princípio da isonomia. De fato, em primeiro lugar, temos como potencialmente afetado o interesse de todos os demais cidadãos não beneficiados pela medida impugnada. Mais especificamente, temos os demais cidadãos brasileiros, ricos ou pobres, que pleiteiam vagas nas instituições públicas de ensino superior, devendo, para tanto, submeter-se a fatigante e complexo processo seletivo. Não se pode olvidar, ademais, a existência de outros produtores rurais que, conquanto não beneficiados pelo programa nacional de reforma agrária, também carecem de uma maior atenção do Estado, uma vez que se encontram em situação em muito similar à dos assentados. Outro interesse potencialmente violado refere-se às próprias universidades. E aqui estamos diante de instituições que se inserem em uma moldura constitucional específica. Nesse ponto, penso que é necessário desenvolver algumas considerações sob a perspectiva das normas constitucionais relativas à educação e ao ensino universitário. O princípio da autonomia universitária. Outro princípio constitucional envolvido é o da autonomia universitária. Conforme elucida Anita Lapa Borges de Sampaio em dissertação de mestrado por mim orientada e intitulada “Autonomia Universitária: um modelo de interpretação do artigo 207 da Constituição Federal”, essa garantia constitucional pode ser desmembrada em: a) didático-científica; b) administrativa; e c) financeira e patrimonial. Relativamente à autonomia didático-científica, o próprio texto constitucional determina, expressamente, a observância ao parâmetro da qualidade de ensino (art. 206, VII) e do pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas no âmbito das instituições de ensino (art. 206, III). Causa, portanto, perplexidade a participação do INCRA e de “movimentos sociais” na supervisão pedagógica (item 1.3.2 do Projeto – fls. 213-237). Ou seja, indivíduos não pertencentes aos quadros da universidade (docentes e discentes) poderão influir de forma decisiva no programa do curso a ser ministrado. Ademais, no referido Projeto, está consignado (item 1.5) que a turma especial destina-se exclusivamente a “assentados e filhos de assentados que possuam ensino médio completo e que tenham perspectiva de contribuir com os assentamentos de reforma agrária” (fl. 215). Em acréscimo, há, nos autos, transcrição de notícia veiculada no sítio do Ministério do Desenvolvimento Agrário em 29.7.2007(fl.107), dando conta de que a inscrição no procedimento seletivo estaria condicionada à indicação do candidato pelo assentamento onde reside e à obtenção de carta de anuência junto ao Superintendente Regional do INCRA. De certo, tais dispositivos violam o estatuído no art. 206, I, da Constituição, que

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preconiza a igualdade de condições para o acesso e a permanência nas instituições de ensino. Diversamente de outras “ações afirmativas”, nas quais apenas é destacado um percentual das vagas existentes – caso das “cotas”, cuja constitucionalidade é objeto de impugnação perante esta Corte -, o convênio celebrado pela autarquia fundiária com a Universidade Federal de Pelotas interdita o acesso de outras pessoas ou grupos ao curso de graduação. Além disso, o fato de a escolha dos participantes contar com a ingerência das lideranças dos assentamentos revela-se em descompasso com a norma constitucional que determina o acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade individual (art. 208, V). Abre-se, também, a possibilidade de ingerência política e de arbitrariedade na escolha dos graduandos. Creio, por conseguinte, não ser possível sustentar a legitimidade da medida adotada pelo INCRA e pela Universidade Federal de Pelotas. Apesar de se reconhecer a validade e a necessidade de se oferecer aos assentamentos condições favoráveis ao seu desenvolvimento sustentável, as providências adotadas para o atendimento dessa finalidade não podem ocorrer de maneira a comprometer o delineamento constitucional do ensino superior em nosso país. Nesse sentido, a criação, no âmbito de universidade pública, de turma especial para o atendimento exclusivo de determinado grupo é medida de tal forma gravosa aos referidos princípios constitucionais que não seria despropositado cogitar a existência de outros meios, tão ou mais eficazes, para a consecução da mesma finalidade. O convênio impugnado no processo de origem descura a necessidade de atendimento aos diversos interesses e direitos conflitantes sem o sacrifício absoluto de quaisquer deles. Dos requisitos específicos dos incidentes de contra cautela Assim, tendo em vista as considerações acima desenvolvidas, entendo que a decisão impugnada revela-se, de fato, necessária e adequada ao resguardo de princípios constitucionais de indubitável relevância axiológica (atinentes à disciplina do ensino superior), restando claramente evidenciada a legitimidade da providência cautelar adotada pelo juízo de origem. Desse modo, não restou caracterizada a alegada violação à ordem pública, haja vista que o ato judicial impugnado, ao impedir a pronta execução do convênio celebrado entre o requerente, a Universidade Federal de Pelotas e a Fundação Simon Bolívar, nada mais fez do que acautelar a ordem jurídico-constitucional, até que sobrevenha pronunciamento definitivo do Poder Judiciário sobre a controvérsia constitucional. O órgão judicante apenas garantiu a utilidade do provimento final da ação civil pública, tendo em vista que o imediato funcionamento da turma especial destinada a beneficiários do programa de reforma agrária poderia gerar incontáveis prejuízos ao Poder Público e à coletividade, caso, ao fim, o Ministério Público lograsse êxito em sua postulação. Isso porque, além da violação aos referidos princípios constitucionais atinentes à educação pública, também restariam frustradas as expectativas dos eventuais participantes do curso, que, a despeito dos esforços envidados, não lograriam obter diploma válido ou exercer licitamente a profissão escolhida, o que poderia gerar um sem-número de contestações judiciais. O programa de capacitação dos assentados revelar-se-ia inócuo, em detrimento de seus beneficiários. Por fim, no tocante à alegação acerca da probabilidade de configuração do chamado “efeito multiplicador”, tendo em vida a existência de cursos similares em outras unidades da Federação, cumpre assinalar que esse fato, ao invés de confirmar a alegada lesão à ordem pública, apenas reforça a necessidade de maior aprofundamento do debate sobre o tema, imprescindível para a definição dos rumos do ensino público em nosso país. Conclusão: Ante o exposto, tendo em vista carecer de plausibilidade a tese sustentada pela autarquia fundiária e não ter sido comprovada lesão à ordem, saúde, segurança ou economia públicas, indefiro o pedido de suspensão de tutela antecipada. Publique-se.

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Brasília, 27 de abril de 2009. Ministro GILMAR MENDES. Presidente. (Grifo nosso)24

Ao STJ foi interposto recurso especial pela UFPEL e INCRA, cujo relator foi

o Ministro Herman Benjamin, em 11/5/2010. Os argumentos apresentados pelo

Ministro estão transcritos a seguir:

E. PREJUDICIALIDADE DO

mprocedência.

astam os fundamentos de

ídico-políticas da sociedade contemporânea e, por isso, deve

                                             

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. EXTENSÃO DOS EFEITOS ATÉ TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADJUÍZO SUMÁRIO DE VEROSSIMILHANÇA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. REFORMA AGRÁRIA. LEI 9.394/96 (LEI DAS DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL). AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. POLÍTICAS AFIRMATIVAS. 1. A tutela antecipada pelo Tribunal a quo, ao julgar Agravo de Instrumento contra decisão interlocutória que indefere a medida, não tem efeitos prolongados até o trânsito em julgado da demanda, tornando-se prejudicada, caso a decisão do juízo monocrático seja de i2. A eficácia das medidas liminares – as quais são fruto de juízo de mera verossimilhança e dotadas de natureza temporária – esgota-se com a superveniência de sentença cuja cognição exauriente venha a dar tratamento definitivo à controvérsia. Precedentes do STJ. 3. A efetividade das Políticas Públicas não pode ser frustrada mediante decisões pautadas em mera cognição sumária quando há sentença que exaure o meritum causae por completo. 4. Para a solução do Recurso Especial in casu, bnatureza processual, não obstante o acórdão e as partes tenham alinhavado argumentos de ordem substantiva, sobretudo quanto à pertinência de sindicabilidade judicial de Políticas Públicas, tema que, por ocioso, somente é enfrentado em obiter dictum. 5. Como regra geral, descabe ao Judiciário imiscuir-se na formulação ou execução de programas sociais ou econômicos. Entretanto, como tudo no Estado de Direito, as políticas públicas se submetem a controle de constitucionalidade e legalidade. Precedentes do STJ. 6. A autonomia universitária (art. 53 da Lei 9.394/98) é uma das conquistas científico-jurser prestigiada pelo Judiciário. No seu âmbito, desde que preenchidos os requisitos legais, garante-se às universidades públicas a mais ampla liberdade para a criação de cursos, inclusive por meio da celebração de convênios. 7. Da universidade se espera não só que ofereça a educação escolar convencional, mas também que contribua para o avanço científico-tecnológico do País e seja partícipe do esforço nacional de eliminação ou mitigação, até por políticas afirmativas, das desigualdades que, infelizmente, ainda separam e contrapõem brasileiros. 8. Entre os princípios que vinculam a educação escolar básica e superior no Brasil está a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola" (art. 3°, I, da Lei 9.394/98). A não ser que se pretenda conferir caráter apenas retórico ao princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, deve-se a esta assegurar a possibilidade de buscar formas criativas de propiciar a natureza igualitária do ensino.                ísico citado nas referências. 24 Consulta ao processo f

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9. Políticas afirmativas, quando endereçadas a combater genuínas situações fáticas incompatíveis com os fundamentos e princípios do Estado Social, ou a estes dar consistência e eficácia, em nada lembram privilégios,

outorgados a

nda, pela omissão que prega e espera de administradores perpetuação de vantagens pessoais, originadas de atributos

nem com eles se confundem. Em vez de funcionarem por exclusão de sujeitos de direitos, estampam nos seus objetivos e métodos a marca da valorização da inclusão, sobretudo daqueles aos quais se negam os benefícios mais elementares do patrimônio material e intelectual da Nação. Freqüentemente, para privilegiar basta a manutenção do status quo, sob o argumento de autoridade do estrito respeito ao princípio da igualdade. 10. Sob o nome e invocação do mencionado princípio, praticam-se ou justificam-se algumas das piores discriminações, ao transformá-lo em biombo retórico e elegante para enevoar ou disfarçar comportamentos e práticas que negam aos sujeitos vulneráveis direitos básicos todos pela Constituição e pelas leis. Em verdade, dessa fonte não jorra o princípio da igualdade, mas uma certa contra-igualdade, que nada tem de nobre, pois referee juízes, a individuais, hereditários ou de casta, associados à riqueza, conhecimento, origem, raça, religião, estado, profissão ou filiação partidária. 11. Recurso Especial provido para determinar a limitação dos efeitos da tutela, antecipada pela Corte de origem, até a sentença de improcedência. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (voto-vista), Eliana Calmon, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. BBrraassíílliiaa,, 1111 ddee mmaaiioo ddee 22001100((ddaattaa ddoo jjuullggaammeennttoo))..

O curso retomou o rumo em março de 2011, encontrando-se em fase de

aguardo da decisão de Recurso Extraordinário interposto pelo MPF, admitido em

21/11/2011 pela desembargadora Marga Inge Barth Tessler, do TRF da 4ª Região.

O processo foi distribuído à Ministra Rosa Weber do STF.

Como se verifica nos argumentos dos juízes, desembargadores, ministros,

procuradores federais e Advocacia Geral da União, os princípios constitucionais são

analisados sob prismas diferentes, o que leva a questionar qual é a concepção

predominante de princípio. Os mesmos princípios são convocados para formar

argumentos prós e contra a existência de cursos para beneficiários da reforma

                                                           

MINISTRO HERMAN BENJAMIN, Relator.25

 25 Consulta ao processo físico citado nas referências.

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agrária, donde é pos vel concluir que há um peso ideológico na formulação do feito

judicial.

Ferraz (2007

cenário denominado

do Direito passa a ganhar novos contornos, exigindo do intérprete não mais

no interesse público); necessidade (a medida não

há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se

almeja) e proporcionalidade stricto sensu (a escolha recai sobre os meios que, no

caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo).

(BONAVIDES, 2008, p. 397-398)

) em sua dissertação de mestrado em Direito destaca que no

pós-positivista:

[...] constata-se a assunção dos princípios à categoria de normas jurídicas dotadas de coercitividade e executoriedade plenas, de sorte que a aplicação

uma aplicação silogística de regras, mas uma atuação comprometida com o binômio segurança jurídica/justiça, assentada sobre a tênue linha da cômoda tentação de se adotar um subjetivismo desmesurado ou de partir para pautas alternativas de aplicação do Direito fora dos contornos jurídicos institucionalizados.

No que se refere ao princípio da proporcionalidade, Bonavides (2008, p. 393)

salienta que esse princípio pretende instituir “[...] a relação entre fim e meio,

confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com os efeitos desta para

que se torne possível um controle do excesso”. Três elementos ou subprincípios dão

conformidade à proporcionalidade, a saber: a pertinência ou aptidão (meio certo

para levar a cabo um fim baseado

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

os. São três os

princípio

o-científica da universidade foi destacada.

adotado no estudo foi o de “vasculhar” as fontes primárias, com o intuito de

[...] A ordem é ninguém passar fome, progresso é o povo feliz, a reforma agrária é a volta do

agricultor a raiz [...] (Música Ordem e Progresso, Letra de Zé Pinto)

Tomando como referência a questão central desta pesquisa, “Quais são as

decisões do Judiciário sobre as ações civis públicas?”, é possível afirmar que há um

conjunto de princípios gerais presentes nos três casos investigad

s gerais convocados nas ações civis públicas, a saber: legalidade, isonomia

e proporcionalidade. Dentre os princípios específicos, em todas as ações, nas

decisões nos tribunais, nas sentenças em 1° grau e nas decisões junto ao STF e

STJ, a autonomia didátic

Aliada à questão dos princípios constitucionais, vem a pergunta: Como os

princípios podem servir à argumentação para extinção de um curso superior e ao

mesmo tempo como fundamentação das decisões judiciais que promovem a

continuidade do curso?

Talvez o estudo sobre a teoria geral dos princípios possa auxiliar nessa

resposta, como foi indicação do professor orientador logo no início da pesquisa.

Palavras dele: “você precisará desenvolver muitas leituras sobre teoria geral dos

princípios para que possa trabalhar com princípios constitucionais” (RABELLO

FILHO, 6/7/2011). Ao invés de aprofundar teoricamente a questão, o caminho

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compreender o trâmite judicial que os cursos superiores para os beneficiários da

reforma agrária têm enfrentado na sociedade brasileira. Portanto, o ponto de

chegad

julgou u

pretenda conferir

caráter

a deste trabalho é a descrição breve do que se passa no plano do Judiciário,

entretanto, com muitas lacunas teóricas as serem preenchidas, o que demandaria

uma pesquisa de natureza bibliográfica em profundidade sobre o assunto.

Além das fontes primárias, artigos recentes versando sobre os três cursos

superiores foram estudados. Eles também são descritivos, carecendo de maior

análise. A produção de conhecimento nessa área se faz necessária, haja vista que o

próximo passo no Poder Judiciário será a decisão do STF sobre a legalidade desses

cursos. O Ministro Gilmar Mendes manifestou-se contrário aos mesmos, quando

m pedido de antecipação de tutela. Já, o Ministro Herman Benjamin do STJ

determinou a limitação dos efeitos da tutela antecipada pela Corte de origem. O

princípio constitucional da igualdade constituiu o foco do relato do referido Ministro.

É possível perceber duas matrizes de pensamento numa primeira análise do

conteúdo das ações civis públicas e nas decisões nos tribunais. A primeira matriz é

idealista e positivista, ainda que sob o manto do denominado pós-positivismo. O fato

é que para os idealistas a lei funciona como “camisa de força”, haja vista que se

trabalha com o plano “ideal” da sociedade, da “ordem e do progresso”. Por isso,

construir uma organização diferenciada do trabalho pedagógico e ampliar o acesso à

universidade, abrindo outras portas dessa instituição, bastante elitizada, é tido como

ofensa ao princípio da igualdade. Como aplicar a máxima “Todos são iguais perante

a lei”? O Ministro Herman foi feliz ao afirmar que “A não ser que se

apenas retórico ao princípio da igualdade de condições para acesso e

permanência na escola, deve-se a esta assegurar a possibilidade de buscar

formas criativas de propiciar a natureza igualitária do ensino”.

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Na sociedade brasileira, desde meados do século XX, inúmeras são as

discussões sobre a construção de instituições escolares, de fato, democráticas.

Essas

or exemplo,

vem se mostrando, nos dois casos em que é autor, “nada guardião” dos direitos

fundamentais. Quan

ações do MPF, defro

[...] pode-se afirmar que a posição do Ministério Público Federal é

conforme previsto nos artigos 127 a 130-A, da nossa carta constitucional,

efetividade de um dos direitos fundamentais básicos, que é o direito a

experiências acadêmico-pedagógicas, construídas coletivamente, revelam

que a universidade pode ter caráter público ampliado. Não se trata do público-

estatal, mas do público-participação efetiva da sociedade.

Em síntese, a primeira matriz está bem explícita no conteúdo das ACPs e do

Tribunal Federal de Justiça do Rio Grande do Sul, bem como da decisão de uma

Juíza de 1° grau do estado de Goiás. Todos eles analisaram a questão da educação

superior pelo plano dedutivo, ideal, e com vieses positivistas. O MPF, p

do eu pensava em escrever sobre a face conservadora das

ntei-me com a frase de Santos et. al. (2009, p. 8):

contraditória no que tange aos preceitos constitucionais que delimitam sua função. Ao invés de ser o guardião da efetividade dos direitos fundamentais,

age na sua maioria, questionando ações das instituições que visam à

educação – que todos os cidadãos possuem.

Como pode uma Associação de profissionais – no caso engenheiros

agrônomos - sugerir que ao invés de um diploma de Engenharia Agronômica, o

estudante tenha um certificado de realização de um curso técnico-profissional? Os

trabalhadores dos assentamentos têm que ficar reduzidos ao estudo das primeiras

letras? Alguns professores do curso de Direito diriam: “O seu trabalho é ideológico”.

E, eu tenho que responder: “qual trabalho não é ideológico?”. Mas, para superar o

discurso do “meramente ideológico” é fundamental que o profissional do Direito,

antes de ir contra a efetividade dos direitos e princípios constitucionais, abra os

olhos para o que se passa na sociedade brasileira. Como falar dos assentamentos

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sem nunca ter visto um assentamento, sem nunca ter sentido um pouco do que é o

modo de vida e de trabalho na terra? Como criticar o acesso aos cursos superiores

em turmas especiais quando não se tem conhecimento do como é o acesso à escola

por parte da maior parte dos moradores do campo? Quantas horas no transporte

escolar? Quantos dias sem ir às aulas devido as condições intransitáveis das

estradas? Quantas pessoas “fadadas ao fracasso escolar” e, a autora deste trabalho

seria m

stitucionais. Para ser um

“aplicad

a coisa a ser aproveitada”. Konder relata

que Karl Marx passou anos na biblioteca do Museu Britânico. Ele questionava a

cientificidade dos eco

Entretanto, o próprio

uma questão teórica crucial mas não tem solução no plano da teoria: é

Marx nos diz que se trata, efetivamente, de uma questão teórica que é

ais uma a compor a lista dos desistentes escolares em função da “ausência

do Poder Público local” na efetivação do direito à educação – condições para acesso

e permanência.

Como dizem os profissionais críticos do Direito, os profissionais dessa área

têm que ser intérpretes do direito, da lei, dos princípios con

or” da lei basta um curso técnico. Por que o MPF não aventa essa

possibilidade de criação de cursos técnicos para os profissionais do direito que

desejam aplicar a lei sem analisar as contradições sociais?

O ensinamento de Leandro Konder (2002, p. 259), é pertinente,

especialmente quando afirma que “Onde há conhecimento há ideologia. Mas, onde

há ideologia há algum conhecimento, algum

nomistas ingleses e denunciava o caráter ideológico das obras.

Konder destaca que:

Reencontramos, então, a reflexão do velho Marx. A questão da ideologia é

aquela questão a que se refere uma das ‘Teses sobre Feuerbach’, quando

prática, que deverá ser resolvida pela práxis. (KONDER, 2002, p. 261). O que é buscar solução na práxis? É o que fazem as universidades que

ousam e lutam (internamente) pela organização de cursos para beneficiários da

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reforma agrária. Há um conjunto de professores lutadores no templo universitário, e,

de fato, é preciso ter “muita garra” para não desistir no meio do caminho. São muitos

os enfre

social. Os princípios da isonomia e da

proporc

a e ausência do Poder

Público, assentamentos ficam fadados ao fracasso. Por que o MPF não demanda do

Poder Público a efetivação dos direitos sociais e fundamentais dos beneficiários da

reforma agrária e dos demais povos do campo brasileiro?

ntamentos internos e externos que sofrem todos os que se envolvem em

processos que buscam transformação social, em especial com as questões que

direta ou indiretamente dizem respeito à reforma agrária e à propriedade.

Há uma segunda matriz teórica de pensamento que está por trás dos

argumentos favoráveis ao desenvolvimento dos cursos superiores. Essa matriz é

materialista e é histórica. Dessa forma, a realidade será analisada à luz da

contradição (inerente ao modo de produção capitalista) e da totalidade. Em função

disso, no conteúdo das decisões e sentenças favoráveis ao funcionamento dos

cursos, há sempre uma análise da questão

ionalidade são convocados à luz da questão social. Esses princípios são

iluminados por uma teoria crítica e pelo entendimento de que a igualdade jurídica

nem sempre corresponde à igualdade fática.

Só consigo encontrar explicações de natureza epistemológica para a

utilização dos mesmos princípios, na análise de um fato jurídico-social, com

respostas opostas. Onde estará a verdade? Uma análise cuidadosa das

contradições sociais brasileiras certamente revelará que o país tem necessidade de

mais e mais cursos superiores para os beneficiários da reforma agrária. Afinal,

alguém pensa em como é o acesso à saúde entre os assentados? Em como é o

acesso às informações jurídicas? O assentamento de reforma agrária carece de

políticas públicas efetivas, e, em função dessa carênci

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AEASE. Ação Civil Pública. Processo sob n° 2004.48.50.00002559. Aracaju,

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