UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA INSTITUTO SUPERIOR … · Numa parceria existe um elevado trabalho...
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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO
As Parcerias Público-Privadas em Projetos de Infra-Estruturas em
Saúde
O Caso dos Hospitais em Portugal
João Marcos Maia Devesa Inácio Carias
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Civil
Júri
Presidente: Professor Doutor Jorge Manuel Calico Lopes de Brito
Orientador: Professor Doutor Rui Domingos Ribeiro da Cunha Marques
Vogal: Professor Doutor Carlos Paulo Oliveira da Silva Cruz
Outubro de 2012
ii
Resumo
O setor da saúde em Portugal tem sido alvo de profundas alterações desde a conceção do próprio
Serviço Nacional de Saúde, com uma tendência de alteração das funções do Estado de prestador
para regulador de serviços e com o setor privado a assumir um papel de crescente importância neste
setor. Nos últimos anos em Portugal, a participação de privados na saúde tem sido através do modelo
contratual de Parceria Público-Privada (PPP), nomeadamente na construção de novas unidades
hospitalares. Estas parcerias assumiram dois modelos distintos, em que numa primeira vaga de
hospitais a prestação dos serviços clínicos está na esfera do setor privado e na segunda vaga em
que o Estado tutelava este tipo de serviços. Esta dissertação pretende analisar os moldes contratuais
de cada vaga de hospitais, concluindo sobre as vantagens e desvantagens de cada modelo e fazer
uma comparação das condições contratuais estabelecidas com as melhores práticas internacionais.
Não obstante ser reconhecido que não existe um modelo claramente superior ao outro, um
entendimento das caraterísticas e implicações de cada um pode ajudar na tomada de decisão do
perfil de parceria a adotar no desenvolvimento de hospitais futuros, tornando o processo contratual
mais eficiente.
Palavras-chave: PPP; saúde; contrato de gestão; acesso ao mercado; partilha de risco; gestão de
contrato
iii
Abstract
The Portuguese health sector has suffered deep changes since the beginning of the Portuguese
National Health System, with a change in Portuguese Government's role from the provider to the
regulator of services. This change in the Government's role led to an increase in the private's sector
protagonism in this sector.
In the last few years, private sector participation has used Public-Private Partnerships arrangement,
specially regarding the construction of new hospital units. These partnerships employ two different
models. One model includes, under private sphere, clinical services and in the second model these
services are operated by the Government. The goal of this thesis is to analyse the contractual models
used, concluding about the advantages and disadvantages of each model, and compare the contracts
already celebrated with the best practices guidelines. Although no model is clearly superior, the
understanding of each model's characteristics and peculiarities may help in the decision of the best
partnership profile for the development of new hospitals, resulting in a more efficient contractual
process.
Keywords: PPP; health; management contract; market access; risk share
iv
Agradecimentos
Ao professor Rui Cunha Marques, o meu especial agradecimento pela orientação e conhecimentos
transmitidos no desenvolvimento desta dissertação e pela disponibilidade em me receber.
Quero agradecer ainda a todas as pessoas sem as quais não teria sido possível a realização deste
trabalho, amigos e família, em especial atenção aos engenheiros Tiago Madeira, Paulo Tomé e
Miguel Santos.
v
Índice Geral
1. Introdução ........................................................................................................................................... 1
1.1. “Saúde: O custo de um valor sem preço” ..................................................................................... 1
1.2. Parcerias Público‐Privadas ........................................................................................................... 1
1.2.1. Origem, conceito e evolução ................................................................................................. 1
1.2.2. As parcerias Público‐Privadas em Saúde – Portugal ............................................................. 2
1.3. Objetivos da dissertação .............................................................................................................. 3
1.4. Organização da dissertação .......................................................................................................... 4
2. O Setor da Saúde em Portugal e no Mundo ...................................................................................... 5
2.1. O Setor da Saúde em Portugal ..................................................................................................... 5
2.2. O Setor da Saúde no Mundo ...................................................................................................... 10
2.2.1. Enquadramento ................................................................................................................... 10
2.2.2. Espanha ............................................................................................................................... 11
2.2.3. Reino Unido ......................................................................................................................... 13
2.2.4. Canadá ................................................................................................................................. 17
2.2.5. Austrália ............................................................................................................................... 20
3. Parcerias Público‐Privadas em Saúde .............................................................................................. 23
3.1. Parcerias Público‐Privadas no Setor da Saúde em Portugal ...................................................... 23
3.1.1. Enquadramento ................................................................................................................... 23
3.1.2. A primeira Vaga de PPP da Saúde ....................................................................................... 24
3.1.3. A segunda Vaga de PPP da Saúde ....................................................................................... 34
3.2. Parcerias Público‐Privadas no setor da Saúde no mundo .......................................................... 36
3.2.1. Espanha ............................................................................................................................... 36
3.2.2. Reino Unido ......................................................................................................................... 39
3.2.3. Canadá ................................................................................................................................. 43
3.2.4. Austrália ............................................................................................................................... 47
4. Hospitais PPP em Portugal ............................................................................................................... 49
4.1. Elementos‐Chave numa PPP hospitalar ..................................................................................... 49
4.2. 1ª Geração: Gestão Hospitalar e Serviços Clínicos Privados ...................................................... 49
4.2.1. Acesso ao Mercado ............................................................................................................. 49
4.2.2. Partilha de Risco .................................................................................................................. 54
4.2.3. Gestão de Contrato ............................................................................................................. 65
4.3. 2ª Geração: Gestão Hospitalar Privada e Serviços Clínicos Públicos ......................................... 72
4.3.1. Enquadramento ................................................................................................................... 72
vi
4.3.2. Acesso ao Mercado ............................................................................................................. 72
4.3.3. Partilha de Risco .................................................................................................................. 75
5. Conclusão .......................................................................................................................................... 80
5.1. Síntese final ................................................................................................................................ 80
5.2. Desenvolvimentos futuros ......................................................................................................... 83
Bibliografia ............................................................................................................................................ 85
vii
Índice de Figuras
Figura 1 ‐ Comparação da performance de projetos públicos entre PPP e CPT como % dos projetos
completados: Prazo e Orçamento ........................................................................................................... 2
Figura 2 ‐ Evolução das despesas em Saúde como percentagem (%) do PIB ‐ Portugal ......................... 7
Figura 3 ‐ Comparação da percentagem de despesa pública entre o setor público e o setor privado 10
Figura 4 ‐ Resumo das principais áreas de intervenção nos vários níveis de poder governamental .... 13
Figura 5 ‐ Cuidados de Saúde Primários e Secundários ........................................................................ 16
Figura 6 ‐ Principais alterações no sistema de Saúde do Reino Unido nos últimos vinte anos ............ 16
Figura 7 ‐ Os cinco princípios do sistema de saúde do Canadá ............................................................. 19
Figura 8 ‐ As seis principais funções das PPP Canada ........................................................................... 20
Figura 9 ‐ Evolução do sistema de saúde australiano ........................................................................... 22
Figura 10 ‐ Procedimento da Parte Específica ....................................................................................... 35
Figura 11 ‐ Critérios de Hierarquização ................................................................................................. 35
Figura 12 ‐ Modelo de Valencia: com serviços clínicos ......................................................................... 37
Figura 13 ‐ Quebra de Contrato em 2003 do Hospital de Alzira ........................................................... 38
Figura 14 ‐ Modelo de Madrid (sem serviços clínicos) .......................................................................... 39
Figura 15 ‐ Modelo Contratação LIFT .................................................................................................... 41
Figura 16 ‐ Modelo DBFO utilizado no Reino Unido .............................................................................. 42
Figura 17 ‐ Etapas da gestão do risco .................................................................................................... 65
Figura 18 ‐ Comparação dos critérios de avaliação das propostas entre hospitais de 1ª e 2ª geração e
setor rodoviário ..................................................................................................................................... 81
Figura 19 ‐ Etapas da gestão de risco numa PPP ................................................................................... 81
viii
Índice de Quadros
Quadro 1 ‐ Hospitais de 1ª geração: fases do concurso e diferenças de valor ..................................... 27
Quadro 2 ‐ PPP no Canadá .................................................................................................................... 46
Quadro 3 ‐ Diferenças entre contratação pública tradicional e contratação em PPP .......................... 48
Quadro 4 ‐ Correspondência entre doumentos solicitados e critérios de qualificação a satisfazer ..... 52
Quadro 5 ‐ Duração da fase de avaliação das propostas prevista e efetiva ......................................... 54
Quadro 6 ‐ Comparação da alocação de riscos nos quatro hospitais de 1ª Geração PPP .................... 59
Quadro 7 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Vila Franca de Xira ............................................................. 61
Quadro 8 ‐ Mitigação de Riscos ............................................................................................................. 64
Quadro 9 ‐ Avaliação do desempenho por áreas .................................................................................. 67
Quadro 10 ‐ Avaliação de desempenho global ..................................................................................... 68
Quadro 11 ‐ Avaliação do desempenho por disponibilidade ................................................................ 70
Quadro 12 ‐ Avaliação de desempenho global ..................................................................................... 70
Quadro 13 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Todos os Santos .............................................................. 77
ix
Índice de Abreviaturas
CG – Contrato de Gestão
CHP – Community Health Partnerships
CPT – Contratação Pública Tradicional
CSP – Comparador do Setor Público
DBFO – Design, Build, Finance Operate
DGTF – Direção Geral do Tesouro e Finanças
EG – Entidade Gestora
EGEd – Entidade Gestora do Edifício
EGEst – Entidade Gestora do Estabelecimento
EMPS – Estrutura de Missão Parcerias Saúde
EPC – Entidade Pública Contratante
EPE – Entidade Pública Empresarial
FMI – Fundo Monetário Internacional
HTS – Hospital de Todos os Santos
HVFX – Hospital de Vila Franca de Xira
JOUE – Jornal Oficial da União Europeia
LIFT - Local Improvement Finance Trusts
MS – Ministério da Saúde
NHC – Novo Hospital de Cascais
PCT – Primary Care Trust
PIB – Produto Interno Bruto
PPP – Parceria Público-Privada
RU – Reino Unido
SA – Sociedade Anónima
TC – Tribunal de Contas
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1. Introdução
1.1. “Saúde: O custo de um valor sem preço”
A atual legislação em Portugal prevê o direito à proteção da saúde “através de um serviço nacional de
saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito”. Este estatuto é o resultado de um conjunto de alterações aplicadas desde
a conceção do Serviço Nacional de Saúde, essencialmente devido a restrições do fórum económico-
financeiro. De facto, as sucessivas reformas implementadas tiveram como razões os custos de saúde
crescentes que alcançaram níveis incomportáveis para o Estado Português e que, conjuntamente
com a mudança de paradigma do Estado de prestador para regulador de serviços, deram início à
introdução de um parceiro privado na prestação de determinados serviços no âmbito da saúde. Esta
mudança alicerçou-se também na vontade de aproveitamento da “reconhecida” melhor capacidade
de gestão do setor privado, tornando a prestação dos cuidados de saúde mais eficiente e com
vantagens de qualidade para os utentes e de menos custo para o Estado.
Neste enquadramento, é definido um novo regime jurídico da gestão hospitalar, que define um
conjunto de regulamentos tendo em vista a “empresarialização” hospitalar. Desta forma, em 2002
surgem os “Hospitais Empresa”, nos moldes de Hospitais SA (Hospitais Sociedade Anónima) e em
2005 surge o conceito de entidade pública empresarial (EPE), este último com o objetivo de obter um
melhor controlo da sua atividade por parte do Estado.
1.2. Parcerias Público-Privadas
1.2.1. Origem, conceito e evolução
A vaga atual das parcerias público-privadas (PPP) têm o início nos anos noventa do século XX no
Reino Unido, e, segundo a União Europeia, é definido como “formas de cooperação entre as
autoridade públicas e as empresas privadas, tendo por objetivo assegurar o financiamento a
construção a renovação, a gestão ou a manutenção de uma infra-estrutura ou a prestação de um
serviço” à qual se acrescenta a longa duração do contrato estabelecido.
A opção de parceria é valorizada em comparação com a contratação pública tradicional (CPT), tendo
em conta o histórico de (má) gestão de obras por parte do Estado em regime de empreitadas. Esta
realidade não é exclusiva de Portugal, com as obras nos moldes da contratação pública tradicional a
ter um impacto económico significativo também no Reino Unido (Figura 1).
2
Figura 1 ‐ Comparação da performance de projetos públicos entre PPP e CPT como % dos projetos completados: Prazo e Orçamento (fonte: NAO)
Para além das vantagens óbvias (prazo e orçamento), uma PPP apresenta vários outros benefícios
como a partilha de risco, gestão mais eficiente do setor privado e a adoção de soluções inovadoras,
resultando num menor custo global de investimento e que, aliado a uma mais elevada qualidade de
serviço fornecido, assegura a obtenção de value for money, uma das ideias-chave das PPP.
Numa parceria existe um elevado trabalho de preparação a montante da celebração do contrato entre
a entidade privada e pública, com a definição clara, rigorosa e exaustiva dos objetivos pretendidos,
em que a entidade pública contratante deve estar centrada na qualidade dos ouputs a atingir,
contrária aos inputs da CPT.
Com as cada vez maiores restrições orçamentais, devido ao excessivo défice público (generalidade
dos países europeus), e com a indefinição da tendência dos sistemas de saúde no futuro
(envelhecimento da população, expetativas crescentes de qualidade de serviço e evolução dos
padrões de doenças), os Governos têm procurado soluções inovadoras de investimento público, com
uma maior participação do setor privado (Marques e Cruz, 2011).
As PPP têm sido cada vez mais utilizadas durante a última década, existindo diversos modelos
contratuais. Na Europa, o modelo mais utilizado engloba a conceção, construção, financiamento e
operação do hospital (DBFO) e pode ainda a prestação das soft facilities (limpeza, catering,
segurança, entre outros). Outra vertente contratual inclui a prestação dos serviços clínicos na esfera
da gestão privada, que permite obtenção de maiores sinergias dado que o consórcio privado trabalha
em conjunto para alcançar uma solução que garanta níveis superiores de eficiência entre o edifício
hospitalar e as atividades médicas.
1.2.2. As parcerias Público-Privadas em Saúde – Portugal
Em 2001 ocorre um passo importante na implementação do uso de PPP no setor da saúde com a
constituição da EMPS – Estrutura de Missão Parcerias na Saúde, que visa promover o lançamento de
novas parcerias neste setor.
3
Ao nível do enquadramento legal, a legislação no setor da saúde antecipou-se ao próprio regime
geral de regulamentação das PPP com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 185/2002 de 20 de
Agosto, que define os princípios e os instrumentos para o estabelecimento de parcerias em saúde,
regime de gestão e financiamento privados, entre o Ministério da Saúde ou instituições e serviços
integrados no Serviço Nacional de Saúde e outras entidades. Este diploma veio introduzir alterações
ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, permitindo, desta forma, o uso das PPP para a construção
e gestão de hospitais. Em 2003, através do Decreto-Lei n.º 86/2003 de 26 de Abril, fica definido o
regime geral das PPP, introduzindo alterações ao referido Decreto-Lei n.º 185/2002. Os Decretos-
Regulamentares n.º 14/2003, de 30 de Junho e n.º 10/2003, de 28 de Abril, definem, respetivamente,
as condicionantes do caderno de encargos e do procedimento prévio à contratação, conjuntamente
com o código dos contratos públicos (CCP), Decreto-lei 278/2009, de 2 de Outubro.
Em 2012, é aprovado o Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de Maio, que pretendia concretizar os
compromissos assumidos quando do Memorando de Entendimento celebrado com a “Troika”, tendo
grande foque na comportabilidade orçamental e na decisão de lançamento de nova parcerias.
No ano de 2001, o Governo anunciou aquela que veio a ser designada como a Primeira Vaga de PPP
da Saúde que englobava um total de 10 hospitais (8 de substituição). No entanto, os hospitais de 1ª
geração foram apenas: hospitais de Cascais, Braga, Loures e Vila Franca de Xira, remetendo para a
2ª Vaga os hospitais de Todos os Santos (Hospital de Lisboa Oriental), Faro, Margem Sul do Tejo,
Évora, Vila Nova de Gaia e Póvoa do Varzim/Vila do Conde.
Os hospitais de 1ª geração contemplavam a prestação de serviços clínicos do lado privado, sendo o
Hospital de Cascais o primeiro a ser inaugurado (Fevereiro de 2010), seguindo-se o Hospital de
Loures (Janeiro de 2012) e o Hospital de Braga (Maio de 2012).
O desenvolvimento dos hospitais de 2ª geração ficou comprometido devido às imposições de
restrição orçamental induzidas pela celebração do Memorando de Entendimento com a “Troika”,
havendo, no entanto, à data deste estudo, a permissão para avanço do Hospital de Todos os Santos
(HTS) e possivelmente também o Hospital Central do Algarve (Faro), tendo em conta os ganhos
obtidos na gestão hospitalar centralizada, traduzindo-se numa redução de custos operacionais
significativa.
1.3. Objetivos da dissertação
Este estudo tem como objetivo efetuar uma análise dos contratos de gestão dos hospitais de 1ª
geração e de 2ª geração. Em particular foram analisados os problemas relativos do acesso ao
mercado, da partilha de risco e da gestão de contrato.
Do resultado de cada uma destas análises do modelo utilizado em Portugal pretende-se efetuar uma
comparação com as melhores práticas internacionais, percebendo, desta forma, o nível de qualidade
do modelo implementado.
4
Pretende-se também identificar e avaliar cada um dos modelos adotados (hospitais com e sem
serviços clínicos privados), considerando a análise previamente elaborada e perceber os pontos
fortes e fracos dos modelos PPP de primeira geração, conhecendo à partida que não existirá um
modelo que seja claramente superior ao outro.
1.4. Organização da dissertação
Tendo em conta que esta dissertação sobre contratação pública foi desenvolvida no âmbito da saúde,
o documento iniciou-se com uma breve, mas pertinente, evolução das condições dos cuidados de
saúde em Portugal e num grupo de países de referência (Espanha, Reino Unido, Canadá e Austrália),
de modo a ser possível melhor compreender a evolução dos atuais moldes do sistema de saúde e a
razão da utilização das PPP como um instrumento de relevo de contratação pública.
De seguida analisou-se o contexto das PPP dos cinco países, ainda com especial enfâse na análise
da 1ª e 2ª (prevista) vaga dos hospitais do caso português e procurou identificar-se os principais
aspetos da experiência internacional, focando os modelos mais utilizados e suas caraterísticas.
Foi efetuado o estudo do caso da dissertação, com a análise do contrato de gestão do Hospital de
Vila Franca de Xira, focalizando-se nos aspetos relevantes do acesso ao mercado, partilha de risco e
gestão de contrato. No acesso ao mercado pretende-se escrutinar a qualificação/admissão dos
concorrentes, os documentos solicitados pela Entidade Pública Contratante (EPC) e a fase de
qualificação das propostas. O objetivo da partilha de risco é entender o processo de gestão de risco,
nomeadamente através das fases de identificação, alocação, probabilidade de ocorrência,
quantificação do impacto e mitigação do risco e elaborando uma matriz de risco. Em relação à gestão
de contrato, a análise incide essencialmente no desempenho das entidades gestoras privadas,
relacionando-o com o sistema de monitorização, e percebendo se o mecanismo de remuneração
destas entidades está articulado com o devido cumprimento dos níveis de exigência estabelecidos no
contrato de gestão.
5
2. O Setor da Saúde em Portugal e no Mundo
2.1. O Setor da Saúde em Portugal
No período compreendido entre o final do século XIX e a Revolução de 1974, ocorreram três grandes
reformas nos serviços de saúde em Portugal e a sua perceção e compreensão clarificam o
entendimento da evolução das políticas de saúde nos últimos quarenta anos e até o próprio conceito
do atual sistema de saúde.
Em 1903 ocorre a primeira reforma, conhecida pela reforma de Ricardo Jorge, na qual se
reestruturam a Direcção Geral de Saúde e Beneficência Pública e surgem, como centrais de
coordenação a Inspecção Geral Sanitária, o Conselho Superior de Higiene Pública e o Instituto
Central de Higiene e os cursos de Medicina Sanitária e Engenharia Sanitária. É nesta fase,
influenciada por entidades e iniciativas internacionais, que se procura constituir as primeiras bases do
conceito de saúde pública, dando origem ao início a uma política sanitária (Abreu, 2003).
O Decreto-lei n.º 35 108, de 1945, dá início à segunda reforma na qual são criadas a Direcção-Geral
de Assistência, que tinha a responsabilidade administrativa sobre os hospitais e sanatórios, e a
Direcção-Geral de Saúde, que tinha o papel de orientação e fiscalização quanto ao procedimento
técnico sanitário e de ação educativa e preventiva (Simões e Dias, 2010).
Em 1946, com a publicação da Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, ocorre uma organização dos
serviços prestadores de cuidados de saúde, resultando na possibilidade de lançar uma rede de
hospitais sob a responsabilidade das Misericórdias (Eira, 2010).
Em 1971 ocorreu a terceira reforma em Portugal que revolucionou por completo o sistema de saúde
português. Prova disso foi a ausência de uma linha de ruptura na revolução de 1974, visto que esta
nova reforma já estava orientada para um novo papel do Estado, no sentido de conferir prioridade à
promoção da saúde e à prevenção da doença e, ainda, devido à particularidade dos principais
responsáveis por esta mudança terem continuado a exercer funções mesmo após a revolução. Ainda
em 1971 foram criados os Centros de Saúde (Simões e Dias, 2010; Abreu, 2003).
Após a revolução de 1974, teve início a “nacionalização” dos cuidados de saúde, que culminou em
1979 com a criação do Sistema Nacional de Saúde (SNS). O SNS tem como objetivo criar uma rede
estatal de prestação de cuidados a toda a população e para isso, numa primeira fase os hospitais
centrais e distritais passaram para autoridade do Governo, seguindo-se os hospitais locais em 1975,
concretizando-se, desta forma, o acesso à saúde gratuito, sob o conceito de um sistema nacional de
saúde numa rede de segurança social num “direito à saúde” por todos os cidadãos, garantidos por
um sistema nacional de saúde gratuito (Bentes et al., 2004, Abreu, 2003)
Entre 1985 e 1995 há uma convergência ao conceito de mercado. Logo nos anos oitenta houve um
debate aceso sobre a necessidade de uma reforma do sistema de saúde no qual se defendia um
papel mais dinâmico do setor privado no setor da saúde, nomeadamente num maior
6
comprometimento do financiamento e uma linha de gestão empresarial do SNS. A Europa, em geral,
estava a ser fortemente influenciada por uma filosofia de mercado, principalmente na competição
entre prestadores de serviços de saúde, com o objetivo de elevar o nível de eficiência desses
mesmos serviços (Simões e Dias, 2010).
As alterações à estratégia até então seguida em Portugal, inseridas na Lei de Bases da Saúde (1990)
e no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (1993), que pretendiam aproximar a filosofia de gestão
com a ideologia de mercado, são descritas segundo quatro conceitos: regionalização da
administração dos serviços, com a criação das administrações regionais de saúde – 5 unidades; a
privatização dos serviços de prestação de cuidados, processo no qual o Estado tem o dever de
promover a expansão do setor privado e possibilitar que unidades públicas atuem sob gestão privada;
a possibilidade de transferência para domínio privado do financiamento de cuidados, através de
benefícios à opção por seguros privados de saúde, tornando possível a adesão a um seguro de
saúde alternativo; e a integração de cuidados, numa perspetiva de formar unidade de saúde, que
agregariam, numa dada região, hospitais e centros de saúde (Bentes et al, 2004; Abreu, 2003).
Ainda em 1989, ocorre a segunda revisão constitucional, onde é alterada o artigo 64.º, ficando o
primeiro princípio redigido da seguinte forma: “serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo
em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. No segundo
ponto do mesmo artigo, é afastada a radicalização do socialismo da medicina e dos setores médico-
medicamentosos, e é redigida a expressão “socialização dos custos dos cuidados médicos e
medicamentosos”. Antes da revisão de 1989, o Tribunal de Contas era favorável à legalidade da
cobrança de taxas moderadoras compatíveis com o estatuto de gratuitidade indicado. Após esta
revisão, a orientação do Tribunal dotou-se de um caráter mais amplo ao nível do reconhecimento pelo
legislador comum (Simões e Dias, 2010).
Entre 1995 e 2002 ocorre uma fase associada a um recuo da “ideologia de mercado” do sistema de
saúde. Em 1997, é lançado um documento que contém os princípios e objetivos para uma “nova
política”, com o reforço do papel do Estado no sistema, cujo título é “Saúde, um Compromisso. A
Estratégia de Saúde para o virar do Século (1998-2002)”. Este diploma, da autoria do Ministério da
Saúde, apresenta três aspetos fundamentais: a contratualização, como nova forma de ligação entre
os contribuintes, os seus agentes financiadores de serviços e os prestadores de cuidados; uma nova
gestão pública no setor da saúde, com a revisão da gestão de hospitais e centros de saúde e ainda
uma associação da remuneração dos profissionais ao seu desempenho (Peleteiro et al., 2004). Ainda
em 1977 os hospitais passaram a ter autonomia administrativa e financeira (Decreto-Lei n.º 129, de 2
de Abril) com algumas exceções (DGIES, 2006).
A forma organizacional como Unidade Local de Saúde foi desenhada com o objetivo de promover
uma maior interação entre prestadores de serviços públicos e privados e entre cuidados primários,
hospitalares e continuados. A primeira unidade a trabalhar nestes moldes foi a ULS de Matosinhos,
que integrava o Hospital Pedro Hispano e os Centros de Saúde de Matosinhos, Senhora da Hora,
São Mamede e Leça da Palmeira. As guias de orientação estabelecidas foram no sentido de garantir
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à população referente ao raio de influência, o fornecimento global de cuidados de saúde, seja através
dos serviços próprios ou com recurso à contratação com outras entidades e pretendiam ainda uma
melhoria das atividades de saúde pública e de autoridade de saúde municipal (Vaz, 2010). Após duas
décadas da criação do SNS, as reformas até então operadas levaram a um elevado aumento da
despesa pública, conduzindo a níveis de endividamento público insustentáveis, sem o equivalente
aumento da qualidade do serviço prestado aos cidadãos. Através da análise da Figura 2, é possível
observar esta tendência crescente das despesas em Saúde, expressas em percentagem (%) do
Produto Interno Bruto (PIB).
Figura 2 ‐ Evolução das despesas em Saúde como percentagem (%) do PIB ‐ Portugal
Verifica-se uma tendência de aumento dos gastos em saúde na generalidade da União Europeia, que
vem elucidar que este grave problema do aumento dos custos em saúde não é um problema
exclusivo de Portugal, e vem reforçar a necessidade de otimizar o funcionamento do SNS. Assim, de
2002 a 2005, há uma ambiciosa busca pela eficiência, através de um sistema de desenho misto que
permitisse uma articulação entre o setor público, o setor privado e o setor social. Esta nova doutrina
do SNS tinha como base operacional uma complementaridade nas redes de cuidados primários, de
cuidados diferenciados e de cuidados continuados, sem que, necessariamente, a opção pelo SNS
fosse preferencial. Esta mudança é acompanhada juridicamente por duas alterações de maior
relevância, em 2002, da Lei de Bases de Saúde, nomeadamente de possibilitar o contrato individual
de trabalho aos profissionais do SNS e a constituição de unidades de saúde nos moldes de
sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos (Simões e Dias, 2010).
8
De forma a tentar mitigar esta baixa eficiência do serviço nacional de saúde, foi aprovado, no ano de
2002, um novo regime jurídico de gestão hospitalar (Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro) que visava a
“empresarialização” dos hospitais (DGIES, 2006):
Hospitais do Setor Público Administrativo (HSPA): estabelecimentos públicos, com caráter
jurídico, autonomia administrativa e financeira, com ou sem autonomia patrimonial;
Hospitais EPE: estabelecimentos públicos, com caráter jurídico, autonomia administrativa,
financeira e patrimonial e natureza empresarial;
Hospitais SA: sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos;
Estabelecimentos privados, estruturados no SNS por meio de um contrato, com a finalidade
de prestação de serviços de saúde, com ou sem fins lucrativos;
Organismos do SNS geridos sob gestão pública ou gestão privada com recurso a contrato de
gestão (Hospital Fernando Fonseca).
Foi então adotado, neste período, o perfil de Hospital SA, surgindo assim trinta e uma sociedades
anónimas. O Decreto-Lei que definia os estatutos deste perfil hospitalar previa um teto de
endividamento (30% do capital social, mas para um endividamento superior a 10% do capital social é
necessário a aprovação da Assembleia Geral), a contratação de pessoal novo surge essencialmente
na forma de contrato individual de trabalho, foram indicados explicitamente as regalias pecuniárias ou
outras, tendo em vista o aumento do desempenho dos profissionais de saúde e a prestação de
atividades hospitalares estabelecidas sob a forma de contrato entre os Hospitais e o Ministério da
Saúde, no qual o último surge como financiador dos serviços (Vaz, 2010).
A natureza contratual deste perfil hospitalar foi criticada por muitos, fundamentada como sendo o
primeiro passo para a privatização dos hospitais públicos. No entanto, em paralelo à alteração da
natureza jurídica dos hospitais, foi também constituída uma Estrutura de Missão, no âmbito do
Ministério da Saúde, na qual foi criada um conjunto de instrumentos e ferramentas de gestão que
tiveram um papel determinante para o desenvolvimento das unidades hospitalares públicas em
Portugal (Vaz, 2010). Segundo o Tribunal de Contas, constata-se que nos hospitais a funcionar nos
moldes de sociedades anónimas ocorreu, efetivamente, um aumento real de eficiência em termos
globais; segundo análise estatística, o nível de qualidade global foi elevado e não se identificou
qualquer indício de uma menor equidade no acesso (TC, 2006).
Em meados de 2005, ocorre uma mudança ao nível da natureza jurídica dos hospitais, abandonando-
se os moldes de sociedades anónimas e passando o perfil hospitalar para Entidade Pública
Empresarial, na totalidade das trinta e uma unidades previamente definidas. Esta alteração, traduzida
pelo Decreto-Lei n.º 93/2005, é justificada, em parte, pela necessidade de assegurar uma
implementação mais rigorosa ao nível das linhas de orientação estratégicas, com supervisão direta
dos Ministros das Finanças e da Saúde e, por outro lado, reforçar a inequívoca identidade pública das
unidades prestadoras dos serviços de saúde do Estado. Houve, a partir deste momento, uma
9
tendência crescente na alteração do estatuto de Hospital SPA para Entidade Pública Empresarial
(Vaz, 2010).
Não é possível, ainda, fazer uma avaliação geral e integrada do desempenho das unidades
hospitalares EPE ou proceder à sua avaliação comparativa com os hospitais que conservam o regime
antigo. Não obstante, de uma forma genérica, pode concluir-se que este modelo é mais eficiente
numa perspetiva de produção e acesso aos cuidados médicos e menos capaz de garantir o devido
controlo e contenção de custos, continuando a existir hospitais com graves problemas a nível
económico-financeiro (Vaz, 2010).
Nos últimos anos, novas formas estruturais dos organismos de saúde públicos têm vindo a ser
ensaiadas como forma de solucionar algumas das debilidades do SNS. Destacam-se dois modelos
de gestão, nomeadamente os Centros Hospitalares e as PPP, dos quais se destacam o segundo. As
PPP em saúde surgem, pela primeira vez, no início da década de oitenta, no Reino Unido (RU),
propagando-se depois para outros países. Este modelo contratual, particularmente na opção de
construção de hospitais, brotou de uma ideia em que seria possível uma renovação mais rápida e
com menores custos do parque hospitalar, com a captação de investimento financeiro do setor
privado. Em Portugal, esta forma organizacional começou também a ser utilizada pelas restrições
orçamentais, pois permitia um alívio financeiro no momento do investimento. Efetivamente, o recurso
ao investimento privado através realização de PPP introduz uma flexibilidade orçamental no momento
do investimento, tendo como contrapartida um fluxo de pagamentos futuro (Oliveira, 2009).
Não existe uma definição globalmente aceite para uma PPP, no entanto, a legislação em Portugal
(Decreto-Lei n.º 86/2003) define este conceito como “o contrato ou a união de contratos, por via dos
quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura,
perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade tendente à satisfação
de uma necessidade coletiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e
pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”. Numa economia de mercado,
um panorama de aumento de despesa pública traduz-se, de uma forma quase inequívoca, num
aumento de taxas de tributação ou de aumento do endividamento público, pondo assim de parte uma
atividade potencialmente dinamizadora, do setor privado, da atividade económica produtora de
serviços. Na Figura 3, apresenta-se a comparação entre a despesa, em percentagem, a cargo do
Estado e a despesa do setor privado, em relação à despesa total em Saúde.
10
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009
Despesa pública emSaúde como % da
despesa total em Saúde
Despesa privada emSaúde como % da
despesa total em Saúde
Figura 3 ‐ Comparação da percentagem de despesa pública entre o setor público e o setor privado
Assim, nos últimos anos, o Estado tem procurado alterar o seu papel tradicional de produtor e
distribuidor para uma função reguladora e controladora, assumindo uma postura mais rigorosa no
controlo dos recursos afetos na prestação dos cuidados de saúde. Esta doutrina rege-se por
princípios de qualidade e organização, muito vocacionada na obtenção de resultados, através da
aplicação de critérios de eficiência, o que permite atenuar a influência do Estado na economia.
Esta nova linha de ação aspira usufruir da reconhecida melhor capacidade ao nível da gestão do
setor privado, pretendendo dotar o parceiro público com know-how tecnológico, operativo e de
gestão, bem como de tirar partido das economias de escala, eficiência e flexibilidade de organização,
conceitos-chave caraterísticos do setor privado. Esta política ambicionava também dar um novo
ânimo à economia, permitindo ao setor privado atuar em áreas até então de domínio exclusivamente
público, aumentando a qualidade do serviço dos cuidados de saúde e utilizando, criteriosamente, os
escassos recursos públicos.
Constata-se então uma procura de cumplicidade entre o Estado e o setor privado, através do
desenvolvimento de novos sistemas e experiências inovadoras, no âmbito da prestação de serviços
públicos de saúde.
2.2. O Setor da Saúde no Mundo
2.2.1. Enquadramento
Neste capítulo pretende-se ilustrar a evolução ocorrida nos sistemas de saúde dos países em estudo,
nomeadamente Espanha, Reino Unido, Canadá e Austrália, de forma a entender como o processo
evolutivo influenciou o quadro do atual sistema de saúde de cada um destes países.
11
2.2.2. Espanha
O conceito de proteção social em Espanha começou a ser pensado no final do século XIX com a
criação da Comissão de Reformas Sociais. No início do século XX, foi criado o Instituto de Segurança
Social (Instituto Nacional de Previsión, INP), com o objetivo de coordenar o desenvolvimento e
implementação as primeiras políticas de segurança social. No setor da saúde, apenas durante a
Segunda República (1931-1936), foram feitos esforços para desenvolver serviços de saúde sociais,
com vista em abranger a população mais pobre, sob a tutela do Instituto de Segurança Social (Durán
et al., 2006). No início da década de quarenta, os cuidados de saúde estavam ao abrigo da
Segurança Social, com a instituição de um seguro de saúde obrigatório (Seguro Obligatorio de
Enfermedad) destinados à classe trabalhadora com rendimentos mais baixos (Gaminde, 1999).
Em 1967 é publicada a Lei de Base da Segurança Social que expandiu a oferta dos cuidados de
saúde a um conjunto maior da população, passando de 53,1% em 1966 para 81,7% em 1978 (Durán
et al., 2006). Assim, aquando da transição para a democracia, os cuidados primários de saúde eram
prestados essencialmente por serviços públicos, resultante do desenvolvimento de uma rede de
centros e serviços de saúde, durante a década de sessenta e setenta, culminando numa rede
moderna de hospitais públicos, a cargo do Ministro do Trabalho e dos Assuntos Sociais. Em 1977
surgiu a figura do Ministro da Saúde e em 1978 a nova constituição democrática previa o direito ao
acesso aos cuidados de saúde de toda a população espanhola, e devolvia poderes às Regiões
Autónomas, incluindo responsabilidades dos serviços de saúde da Segurança Social. Em 1979 a
responsabilidade da administração dos cuidados de saúde foi indigitada a uma organização singular,
a INSALUD (Instituto Nacional de Saúde), que respondia diretamente ao Ministro da Saúde
(Gaminde, 1999).
Assim, neste período da nova democracia, libertou-se uma vontade latente em desenvolver um
melhor serviço nacional de saúde, iniciando-se um conjunto de reformas em 1984 que através da
publicação da Lei de Cuidados de Saúde Gerais (1986), resultou na transformação do sistema de
segurança social no Sistema Nacional de Saúde (Gómez e Nicolás, 2007). Esta mudança originou
duas reformas com elevado potencial ao nível do acesso à saúde em termos de desigualdades
socioeconómicas: o Sistema Nacional de Saúde foi definitivamente estipulado como sendo universal
e subsidiado por impostos, dando acesso a cuidados de saúde primários e especializados a toda a
população e definiu a possibilidade de ajudas especiais a certos grupos de pacientes, nomeadamente
pensionistas e pessoas com deficiências. A segunda reforma prende-se ao nível da formação de todo
o pessoal médico e de enfermagem, não só de cuidados primários de saúde, mas também cuidados
de prevenção e promoção da saúde (Gómez e Nicolás, 2007).
Contudo, a implementação ao acesso ao Serviço Nacional de Saúde foi um processo lento, mesmo
tendo sido planeada em 1984 e aplicada legalmente em 1986, no ano de 1992 apenas 50% da
população usufruía no novo Sistema de Saúde, aumentando este valor para 81% no ano 2000
(European Observatory on Health Care Systems, 2000).
12
Até 2001, o Governo Central apenas tinha devolvido o poder de decisão da rede de cuidados de
saúde a sete Regiões Autónomas, estando as restantes dez regiões à responsabilidade do INSALUD,
que cobria aproximadamente dois terços da população espanhola. No período de 2001-2003 o
processo de descentralização foi concluído e foi aprovada a Lei de Qualidade e Coesão do SNS que
pretendia equilibrar o balanço entre a prestação dos serviços e a coordenação nacional. Esta Lei
definiu um nível diferente de coordenação, nomeadamente na distribuição de responsabilidades e
pretendeu criar uma visão global de igualdade e eficiência do SNS, beneficiando a aprendizagem
mútua e a cooperação, devolveu ainda o papel máximo de coordenação ao CISNS (Conselho Inter-
Regional do SNS) (Garcia-Armesto et al., 2010).
Em 2006 é lançado o Plano de Qualidade do SNS, previsto na Lei de Qualidade e Coesão, que tem
seis áreas de intervenção (Ministério da Saúde de Espanha, 2006):
Proteção, promoção e prevenção em
Saúde;
Igualdade de acessos;
Planeamento dos recursos humanos na
saúde;
Promover a excelência dos serviços
clínicos;
Utilização das tecnologias de informação
de modo a introduzir mais-valias para a
população;
Promover a transparência do SNS.
No ano de 2009, a Lei Estrutural do sistema de financiamento das Regiões Autónomas sofreu uma
revisão, passando a ter como linhas de orientação os seguintes princípios (Garcia-Armesto et al.,
2010):
Autonomia financeira: capacidade das Regiões determinarem a despesa e as receitas;
Auto-suficiência: garantir a suficiência financeira das regiões;
Solidariedade: assegurar a articulação de mecanismos de forma a redistribuir os recursos
existentes e compensar economicamente as desigualdades entre as Regiões.
O setor privado começa a sua atividade na área da saúde em 1993 com a introdução do primeiro
contrato-programa (CP) (Escoval et al., 2010). Assim, neste ano, foram celebrados alguns contratos
entre parceiros público e privado,
O SNS Espanhol é atualmente caraterizado pela sua profunda descentralização, alcançada na
totalidade em 2002, e define as Regiões Autónomas como as autoridades de decisão em relação ao
setor da saúde. Esta descentralização é um elemento chave na garantia de uma política de saúde
direcionada para as necessidades dos cidadãos, tornando possível a cada região responder de uma
forma mais eficiente às necessidades intrínsecas da sua área de influência. Na Figura 4 indica-se, de
uma forma clara e sintética, as áreas de intervenção estrutural onde cada hierarquia de Governo
atua. Contudo, se, por um lado, este tipo de descentralizado do SNS pode oferecer melhores serviços
aos seus utilizadores, requer também um complexo trabalho de coordenação e coesão, de forma a
garantir a implementação de uma estratégia comum em todo o país. A figura central deste papel de
13
coordenação assume-se na figura do Ministro da Saúde e Política Social, cuja missão prende-se com
assegurar igualdade de acesso ao SNS e garantir a qualidade dos serviços prestados em todas as
Regiões, garantindo assim os direitos dos cidadãos.
Figura 4 ‐ Resumo das principais áreas de intervenção nos vários níveis de poder governamental
2.2.3. Reino Unido
No século XIX, o setor na saúde no Reino Unido (RU) não era dotado de qualquer estrutura
organizativa que regesse a prestação dos serviços de saúde. Estes cuidados dependiam em grande
parte de hospitais de voluntariado e hospitais municipais, sob a responsabilidade de Governos locais.
Os seguros de saúde não eram comuns mas, no entanto, existiam alguns fundos de seguros
suportados quer por determinados indivíduos mais abastados quer por doações de caridade (Boyle,
2011).
No fim do século XIX, princípio do século XX, o sistema de saúde inglês era uma mistura
desorganizada de serviços de saúde públicos e privados (Surender e Matsuoka, 2008). Assim, surgiu
uma vontade política em prestar uma melhor assistência ao nível da saúde, educação e bem-estar
(Boyle, 2011). Em 1911, através da Lei de Seguro Nacional, foi implementado um sistema de seguros
nacional, que pretendia abranger os trabalhadores das classes salariais mais baixas, assegurando
cuidados de saúde ao nível de medicina familiar (médico de família) (Surender e Matsuoka, 2008).
Contudo, apenas 40% da população usufruía deste seguro, não estando contemplados nem cuidados
hospitalares nem cuidados a familiares e era subsidiado por trabalhadores, empregadores e pelo
Estado (Surender e Matsuoka, 2008). A figura do Ministro da Saúde surge em 1919, com o objetivo
de consolidar o papel do Governo Central nos cuidados médicos e serviços de saúde e tinha como
competências a coordenação e supervisão dos serviços locais de saúde de Inglaterra e País de
Gales (Rivett, 1998; Lister 2008).
No final dos anos trinta, havia um reconhecimento geral de uma necessidade de mudança nos
serviços de saúde Britânicos, que se caraterizavam em dois sistemas hospitalares, o setor público e
os hospitais de voluntariado, que desempenhavam funções em paralelo, sem qualquer tipo de
coordenação. Existia também um forte obstáculo financeiro que impedia o acesso aos cuidados de
saúde a muitos trabalhadores, em especial do sexo feminino (Boyle, 2011). Assim, aproveitando as
investigações ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial, mais propriamente o Relatório
14
Beveridge, foi aprovada a Lei do Serviço Nacional de Saúde em 1946. Deste modo, o Sistema
Nacional de Saúde entrou em funcionamento em 1948 e tinha como princípios garantir a igualdade de
acesso aos cuidados médicos, tornando-os gratuitos ao nível da prestação de serviços. Do ponto de
vista do utilizador, as mudanças operadas no SNS tiveram duas consequências de maior impacto,
nomeadamente a ausência de custos diretos por utilização do sistema e a possibilidade de acesso a
setores da população até então privados da sua utilização (Webster, 2002). Do ponto de vista
organizacional, o SNS foi dividido em três setores: cuidados hospitalares (maior consumidor de
recursos financeiros), cuidados de saúde primários (médicos de família) e serviços de saúde das
autoridades locais (e.g., saúde pública, maternidade) (Surender e Matsuoka, 2008).
Durante a década de cinquenta e sessenta, houve um aumento de despesa com o SNS, não só
devido a gastos operacionais crescentes mas também com a perceção da necessidade de investir em
novas instalações e novas tecnologias (Boyle, 2011). Em 1962, com base no Plano Hospitalar
definido, foi estipulada uma rede nacional de hospitais, distribuídos de forma a abranger todo o
território, tendo cada hospital uma determinada área de influência (Hospitais distritais) (Boyle, 2011).
No entanto, devido à crise financeira internacional vivida nos anos sessenta e setenta, apenas foi
cumprida uma parte deste plano.
O Sistema Nacional de Saúde sofreu uma reforma estrutural em 1974, traduzida legalmente pela Lei
Nacional de Reorganização dos Serviços de Saúde de 1973, centrada na prestação de cuidados
preventivos de saúde. Esta reforma ditou o fim da divisão tripartida do SNS (cuidados hospitalares,
cuidados primários e serviços de saúde das autoridades locais), unindo o sistema de saúde numa
única estrutura, com o objetivo de alcançar um melhor planeamento e uma melhor prestação de
serviços de saúde (Donaldson, 2008). Houve, nesta década de setenta, um reconhecimento da
desigualdade em relação à alocação de recursos, afetos ao SNS, nas diferentes zonas de Inglaterra.
Este facto levou ao desenvolvimento de métodos de distribuição de recursos financeiros, tendo por
base as necessidades reais da população alvo, deixando de parte o financiamento baseado em
padrões históricos (Boyle, 2011).
No período compreendido entre os anos oitenta e o início dos anos noventa, foi introduzido um
conjunto de medidas que pretendia alcançar melhores níveis de eficiência do SNS, medidas estas
desenhadas no White Paper de 1989, Working for Patients, cuja tradução legal ocorreu em 1990 com
a Lei do Serviço Nacional de Saúde e de Cuidados Comunitários, sendo implementada em 1991.
Para alcançar estes objetivos, foi criado um mercado interno, no qual era separado o financiamento
da prestação dos serviços de saúde (Surender e Matsuoka, 2008). Apesar do medo da proximidade
com a privatização do sistema nacional de saúde, as medidas não alteraram as bases do
financiamento do SNS, preservando a gratuitidade dos cuidados e o financiamento através de
impostos. Contudo pretendiam implementar uma competição entre prestadores de serviços como
forma de aumentar a eficiência e padrões de qualidade dos serviços (Surender e Matsuoka, 2008).
Alguns exemplos de medidas prendem-se com programas de redução de custos, introdução de
indicadores de desempenho, promoção da competição nos serviços não clínicos de suporte
15
(lavandaria, limpeza), introdução de taxas moderadoras e implementação de uma gestão geral nas
autoridades de saúde e unidades hospitalares (Boyle, 2011).
Com a separação entre financiadores e prestadores de serviços na saúde, bem como a criação de
um mercado interno, a dinâmica tradicional do SNS foi desafiada. As noções de burocracia,
profissionalismo e paternalismo foram substituídas por conceitos de mercado, consumismo e direitos
de utilizador, havendo uma mudança da mentalidade do pós-guerra de coordenação e cuidados
universais para preocupações de eficiência e poder de escolha (Surender e Matsuoka, 2008).
Em 1997 foi anunciada uma nova forma organizacional para o SNS. Nos moldes do White Paper, The
New NHS: modern, dependable, este modelo pretendia substituir o mercado interno por um sistema
de cuidados integrados, baseado na noção de parceria e não de competição (Surender e Matsuoka,
2008). Esta doutrina era focada nas necessidades dos utilizadores e não das organizações, e
separava as opções estratégicas dos prestadores de serviços, dando ênfase aos cuidados primários
de saúde e mantinha o poder de decisão descentralizado para a gestão operacional (Surender e
Matsuoka, 2008).
O conjunto de medidas anunciadas em 1997 pretendiam implementar reformas estruturais no SNS,
nomeadamente a substituição das autoridades distritais de saúde por unidades primárias de saúde
(Primary Care Trust, PCT), autoridades regionais de saúde por autoridades de saúde estratégicas
(Strategic Health Authority, SHA) e foi dada uma maior liberdade de atuação a determinados serviços
do SNS, nos moldes de Foundations Trust (Trust), pelo Departamento da Saúde (Boyle, 2011).
Assim, nesta nova forma organizativa, os PCT são responsáveis pela prestação de cuidados
primários e serviços relacionados com a população, incluindo algumas áreas da saúde mental e a
contratação da maioria dos cuidados secundários para utentes residentes na sua área de
intervenção. As SHA têm como objetivo desenvolver condições para permitir que os organismos
locais de saúde atinjam objetivos mais vastos na prestação de cuidados de saúde e têm o dever de
supervisionar a visão estratégica adotada pelos organismos locais de Saúde. Foram também criadas
entidades de regulação, como o NICE (National Institute for Clinical Excellence) e a CQC (Care
Quality Commission), que têm o papel de garantir os padrões nacionais ambicionados no setor da
saúde no RU (Boyle, 2011). Na Figura 5 exemplificam-se os tipos de cuidados primários e
secundários no RU.
16
Figura 5 ‐ Cuidados de Saúde Primários e Secundários (Fonte: NHS)
Adaptado: site NHS - http://www.nhs.uk/NHSEngland/thenhs/about/Pages/nhsstructure.aspx
Na última década verificou-se um envolvimento crescente do setor privado na prestação de serviços
para o SNS, através de novas formas contratuais, nomeadamente com recurso às Private Finance
Initiative (PFI), onde tipicamente o parceiro privado constrói e gere as instalações e, através da
criação (por parte do setor privado) dos centros de tratamento de setores independentes (ISTC)
(Boyle, 2011).
Na Figura 6 estão indicadas, de forma sintética, as principais mudanças ocorridas no SNS nos últimos
anos.
Figura 6 ‐ Principais alterações no sistema de Saúde do Reino Unido nos últimos vinte anos
Observa-se então, para além do envolvimento do setor privado, um cuidado em garantir melhores
serviços de saúde aos utentes, com mudança de mentalidade para indicadores de desempenho e
construção de boas relações entre público e privado, resultando no desenho atual de uma PFI.
17
2.2.4. Canadá
A saúde pública no Canadá funciona num esquema de administração bastante descentralizada,
essencialmente devido a três fatores: responsabilidade, ao nível das províncias, da administração e
prestação da maioria dos serviços públicos de saúde, uma separação histórica entre o Governo, por
um lado, e o setor hospitalar e médico por outro, e a introdução de novas reformas regionais nas
quais as organizações sub-provincianas ficaram responsáveis pela distribuição da maioria dos
recursos de saúde (Marchildon, 2005). Tradicionalmente, os hospitais no Canadá eram estimulados
pelos Governos das províncias, através de subsídios, para receberem e tratarem todos os doentes,
independentemente da sua capacidade de pagar.
Em 1916, o Governo da província de Saskatchewan alterou a sua legislação municipal com o objetivo
de facilitar a implementação de hospitais distritais bem como a contratação de médicos remunerados,
de modo a prestarem serviços de saúde pública, como medicina geral, maternidade e cirurgias
menores. Este tipo serviço de saúde está na origem do sistema que viria a ser conhecido como
Medicare. Como consequência da Grande Depressão dos anos trinta, um número crescente de
canadianos não conseguia suportar financeiramente o acesso aos serviços de saúde, por um lado, e
por outro lado, as receitas do Estado reduziram-se drasticamente, impossibilitando o suporte das
despesas de saúde pelo mesmo. No período pós-guerra (1945-1946), decorreu a Conferência de
Domínio Provincial de Reconstrução, na qual o Governo Federal sugeriu um pacote de medidas de
domínio amplo, ao nível de segurança social e alterações fiscais, onde foi incluída uma proposta de
suporte de custos de 60% em relação ao serviço hospitalar e seguro de cuidados médicos. Esta
medida foi prontamente rejeitada, sobretudo por preocupações acerca da administração e cobrança
de impostos necessária à sua implementação. Assim, o facto de esta conferência não ter sido bem-
sucedida, levou à necessidade de uma solução mais pacífica em termos de introdução de cuidados
de saúde pública nos anos que sucederam à Segunda Grande Guerra.
Em 1947, a província de Saskatchewan implementou um plano de serviço hospitalar universal, que
ficou conhecido como hospitalização. Contrariando a filosofia das políticas de seguros privados, este
serviço previa o cuidado médico completo, não havendo distinção entre cuidados básicos e
complementares nem tinha restrições temporais de tratamento. Este tipo de funcionamento hospitalar
permitiu impedir o crescimento de seguros privados até então verificado, e teve uma ajuda ao nível do
financiamento através de subsídios do Governo Federal (Johnson, 2004a). Os subsídios estavam
destinados não só ao tratamento hospitalar mas também à construção do edifício hospitalar (Taylor,
1987).
Após esta alteração do modelo hospitalar de Saskatchewan, houve uma adesão gradual das
restantes províncias do Canadá na adopção de modelos semelhantes. Em 1957 é aprovada a Lei de
Seguro Hospitalar e Serviços de Diagnóstico, cujo objetivo era definir um conjunto condições a
cumprir pelas províncias de modo a que o custo hospitalar fosse partilhado pelo Governo Federal
(Marchildon, 2005 e Taylor,1987).
18
A partilha de custos hospitalares entre as províncias e o Governo federal permitiu que, em 1961, a
província de Saskatchewan introduzisse uma cobertura universal de cuidados médicos. Esta medida
foi amplamente elogiada pela Comissão Real dos Serviços de Saúde, levando a que em 1966 o
Governo federal aprovasse a Lei dos Cuidados Médicos, com o objetivo de estender esta política de
saúde às restantes províncias. Esta medida baseava-se em quatro princípios gerais como a
universalidade, administração pública, abrangência e portabilidade e, no ano de 1972, todas as
províncias tinham implementado um sistema público e universal de saúde para tratamentos médicos
(Marchildon, 2005).
Desde o início do movimento denominado por hospitalização, por iniciativa da província de
Saskatchewan, até à introdução de um sistema universal de seguros público, em todas as províncias,
demorou aproximadamente um quarto de século. Este sistema tem a propriedade de ser gerido
individualmente por cada uma das províncias mas, no entanto, há uma união nacional, traduzida por
um conjunto de princípios comuns definidos por uma lei federal. Entre os canadianos, este sistema
ficou conhecido como “Medicare” (Phillips e Swan, 1996).
Nos anos setenta verificou-se uma rápida expansão da cobertura e subsídio dos serviços públicos de
saúde em domínios fora dos cuidados hospitalares, nomeadamente ao nível de tratamento da
toxicodependência, programas, serviços e subsídios de cuidados domiciliários e cuidados médicos de
longa duração. Estas medidas não eram regidas por princípios nacionais nem eram financiadas pelo
Governo federal, pelo que havia diferenças entre as várias províncias ao nível destas políticas
(Marchildon, 2005). Em paralelo, o Governo federal introduzia um novo tipo de pensamento em
saúde, o qual ia para além dos cuidados médicos, isto é, envolvia conceitos como os fatores
biológicos, estilo de vida, condições ambientais e condições económico-sociais da população. Esta
filosofia ganhou enfâse com a publicação do estudo A new perspective on the health of Canadians,
da autoria do então primeiro-ministro, que serviu de base para as reformas introduzidas no início dos
anos noventa (McKay, 2001).
Em 1977, houve um acordo entre o Governo federal e as províncias que permitiu alterar o modo de
aplicação dos fundos federais na saúde, atribuindo uma maior flexibilidade ao uso destes fundos por
parte das províncias. Deste modo, não era necessário utiliza-los obrigatoriamente em cuidados
hospitalares e médicos, podendo ser atribuídos a programas relacionados com a toxicodependência
ou cuidados domiciliários. Assim o Governo federal pretendia obter ganhos noutras vertentes da
saúde da população com a esperança que se manifestasse em valor acrescentado para o
desenvolvimento da economia (Marchildon, 2005).
A alteração respeitante à aplicação dos fundos federais em saúde arrastou também consequências
negativas. Muitos estabelecimentos de saúde passaram a cobrar taxas moderadoras, efeito este não
pretendido pelo Governo federal. Como resposta, o Ministro da Saúde ordenou que fosse feita uma
revisão externa do funcionamento do sistema de saúde, da qual resultou um estudo com um conjunto
de recomendações. Este estudo, da autoria de Emmett Hall, refere que as taxas moderadoras
cobradas por hospitais, clínicas e médicos constituíam um travão no acesso à saúde por parte da
19
população, o que ia contra os princípios base do que o sistema Medicare pretendia ser (Hall, 1980).
Estas medidas foram largamente apoiadas pelo parlamento e, com base nelas, foi aprovada uma
nova lei – Lei da Saúde do Canadá (1984) – que apresentava como medida para combater as taxas
cobradas, a dedução do valor total cobrado dessas mesmas taxas nos fundos federais.
Como referido anteriormente, o sistema Medicare estava baseado em quatro princípios base
(universalidade, administração pública, abrangência e portabilidade) que, após a lei de 1984, foi
acrescentado um novo princípio fundamental – a acessibilidade, introduzido propositadamente para
penalizar, e acabar, com as taxas cobradas pelas instituições de saúde (Figura 7). Esta medida
obteve o maior sucesso, resultando em 1988 no fim da cobrança de taxas por serviços de saúde
(Bégin, 1988; Health Canada, 2004).
Figura 7 ‐ Os cinco princípios do sistema de saúde do Canadá
Em 1995, ocorreu uma nova alteração fiscal, a qual agrupou os subsídios federais de cuidados de
saúde com os subsídios para os serviços sociais e assistência social num único mecanismo de
financiamento (WHO, 1996).
No ano de 2003 houve um acordo entre as províncias que tinha como objetivo, através de alterações
estruturais, melhorar as condições de acesso, qualidade e sustentabilidade a longo prazo do sistema
de saúde. O acordo previa um empenho substancial dos Governos nas áreas de cuidados primários,
na informação tecnológica (e.g. registos eletrónicos), cobertura de determinados serviços nos
cuidados médicos domiciliários, melhorar o acesso a equipamentos de diagnóstico e equipamento
médico e melhor gestão de gastos por parte dos Governos. Com este acordo, os subsídios federais
de suporte à saúde foram aumentados, para compensar os investimentos decididos (WHO, 1996).
Com a ambição de melhorar o sistema de saúde, foi definido, pelos Governos das províncias, um
plano para os próximos dez anos que tinha como mote fortalecer os cuidados de saúde. Este plano,
anunciado em 2004, implicava reformas em áreas como tempos de espera, recursos humanos,
cuidados domiciliários, cuidados primários, estratégia nacional de produtos farmacêuticos,
equipamento médico, prevenção, promoção e saúde pública, e melhorar o acompanhamento da
evolução destas medidas através de relatórios de progressos. Para acompanhar estas medidas, o
20
Governo federal comprometeu-se em aumentar gradualmente todos os anos, até ao final do período
dos dez anos, os subsídios atribuídos às províncias para gastos em assuntos relacionados com a
saúde (Marchildon, 2005).
No ano de 2008 foi criada a PPP Canada, que tem como objetivo obter know-how sobre o
desenvolvimento de projetos em PPP e criar condições federais para a sua implementação, e obter
um melhor value for money dos investimentos federais nas províncias. Este organismo foi criado com
uma administração independente, que respondia através da figura do Ministro das Finanças no
Parlamento.
A PPP Canada iniciou a sua atividade em 2009 e segue como linha de orientação um aumento de
disponibilidade das infra-estruturas de saúde para o utilizador, através do melhoramento da sua
utilização e oferecendo melhores oportunidades, mas também responsabilidades aos contribuintes
(PPP Canada, 2011). Esta entidade apresenta seis artigos nucleares, conforme ilustrado na figura
Figura 8.
Figura 8 ‐ As seis principais funções das PPP Canada
2.2.5. Austrália
A Austrália é governada sob a forma de um Governo federal, com as funções fiscais e
responsabilidades funcionais a serem divididas entre o Governo Australiano (Governo Federal) e os
seis estados e dois Territórios (denominados daqui em diante por Estados).
Até meados do século XX, a população tinha que pagar os serviços de saúde que utilizava ou
recorrer a seguros de fundos de doença. Apenas alguns tratamentos eram gratuitos, prestados por
hospitais públicos geridos pelos estados, sendo a generalidade dos cuidados médicos à
responsabilidade de médicos e hospitais privados (Healy et al., 2006).
A Segunda Guerra Mundial foi um acontecimento de elevada importância no setor da saúde na
Austrália, pois foi a partir desse marco que o Governo Australiano passou a assumir um papel
significativo em assuntos de saúde da população (Kewley, 1973). Devido às exigências da guerra, o
Governo teve que tomar um conjunto de medidas extraordinárias no setor da saúde, que foram
continuadas após o seu término. Em primeiro lugar, o Governo Australiano criou a Comissão de
Repatriação, para receber e tratar os soldados regressados, em segundo houve uma tentativa,
parcialmente falhada, de constituir um serviço nacional de saúde e em terceiro os poderes do
21
Governo Federal foram reforçados em matérias de saúde e segurança social (e.g. pagamentos de
pensões), com alterações na constituição (Healy et al., 2006).
O Governo, entre os anos 1941 e 1949, tentou sucessivos esforços para reformar significativamente o
sistema de saúde existente. No entanto, estas tentativas encontraram uma forte oposição por parte
do setor médico, dos partidos políticos mais conservadores e dos fundos de seguros voluntários,
prevendo com isto protestos entre as classes políticas e médicas (Sax, 1984).
No ano de 1953 foi promulgada a Lei Nacional de Saúde, que veio reforçar as bases dos cuidados de
saúde pós-guerra (Healy e Hilless, 2001):
Plano de subsídios a medicamentos;
Plano de hospitais subsidiados (Fundos
federais para hospitais estatais);
Serviços médicos a pensionistas;
Plano de subsídios em cuidados
médicos.
O sistema de saúde conhecido como Medibank foi introduzido em 1975, sob a gestão da Comissão
de Seguros de Saúde. Deste modo, era possível cobrar os pacientes diretamente pelos serviços
médicos ou cobrar a Comissão de Seguros de Saúde (Duckett, 1998). Durante o Governo de 1983-
1996 foi restabelecido o sistema de saúde universal e financiado por impostos, Medicare, que dura
até à atualidade (Healy et al., 2006).
A introdução da forma contratual PPP teve duas fases distintas na Austrália. Durante o período
compreendido entre 1992 e 2000, a conjuntura económico-financeira era bastante desfavorável, onde
se verificavam elevados défices orçamentais e nível de endividamento público. Assim, com o objetivo
de recuperar as contas públicas, o Governo recorreu ao modelo de contratação pública baseado em
PPP, no qual os serviços hospitalares estavam sob gestão pública, como forma de transferir o
máximo risco possível para o setor privado, não tendo como mote um aumento do value for money do
serviço de saúde (Silva, 2009). Com o estabelecimento da Parceria Victoria, no estado de Victoria, no
ano 2000, foram realizadas um conjunto de reformas em todo o processo contratual PPP. Em
primeiro lugar, o termo PPP foi oficialmente utilizado para definir a forma contratual em si, e a partir
daqui os serviços clínicos deixaram de estar sob gestão privada, voltando para administração pública.
Foram também introduzidos novos mecanismos de condução do processo sob a forma PPP,
mecanismos estes baseados nas Private Finance Initiatives (PFI), caraterísticas do Reino Unido. Em
2005, o Governo Australiano bem como os Governos dos estados acordaram formalmente num
mecanismo de desenvolvimento e implementação de um processo PPP (English, 2006). Na Figura 9
está esquematizado um esquema resumo das alterações mais significativas na evolução da Saúde
na Austrália.
23
3. Parcerias Público-Privadas em Saúde
3.1. Parcerias Público-Privadas no Setor da Saúde em Portugal
3.1.1. Enquadramento
O processo de implementação do modelo Parceria Público-Privada em Portugal, no setor da saúde,
iniciou-se com a criação da Estrutura de Missão Parcerias Saúde, ocorrida em 27 de Setembro de
2001, pela Resolução de Ministros n.º 162/2001. Esta Estrutura de Missão tem como objetivos
desenvolver e implementar, no setor da saúde, experiências inovadoras de gestão, nomeadamente
PPP, aplicando-as a instituições hospitalares e ao universo de unidades de prestação de cuidados
primários e continuados de saúde. Dado que esta Estrutura de Missão se encontra sob a alçada não
só do próprio Ministro da Saúde mas também do Ministro das Finanças, a Parpública assume-se
como a entidade competente da representação do Ministério das Finanças no processo das PPP.
Devido à elevada complexidade e falta de know-how desta forma contratual por parte dos recursos
humanos dos referidos Ministérios, intervêm também, na condução dos processos de PPP,
consultoria especializada. Contudo, o recurso a estas entidades externas, embora seja realizado
sistematicamente, apenas ocorre em situações pontuais, verificando-se uma lacuna relativamente ao
acompanhamento técnico ao longo de todo o ciclo da PPP das mesmas entidades (uma vez que as
entidades públicas intervenientes não possuem capacidade técnica para o fazerem) (Marques e Silva,
2008).
Em 2001, o Governo anunciou aquela que veio a ser designada como a primeira vaga de PPP em
saúde que integrava um novo hospital (Loures) e três hospitais de substituição (Cascais, Braga e Vila
Franca de Xira). Logo no ano seguinte, em 2002, foram anunciados mais seis hospitais na segunda
vaga de PPP em saúde (Lisboa Oriental, Faro (Hospital Central do Algarve), Seixal, Évora, Vila Nova
de Gaia e Póvoa do Varzim/Vila do Conde).
Para o lançamento das PPP foram constituídos Grupos de Coordenação Interdepartamental (GCI),
com o objetivo de assegurar o entrosamento entre as diversas entidades envolvidas (circulação da
informação, coordenação das atuações, articulação e integração dos contributos técnicos e
documentais), de acordo com os elementos definidos para o lançamento de cada projeto de parceria.
Cada GCI é presidido pelo responsável da Estrutura de Missão Parcerias Saúde, ou por um seu
representante, sendo que a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Instituto de Gestão Informática e
Financeira da Saúde (IGIF), a Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde (DGIES) e a
Administração Regional de Saúde (ARS) estão representadas neste mesmo grupo de coordenação.
De acordo com as áreas de intervenção, foram definidos cinco GCI: GCI/PPP Norte, GCI/PPP Centro,
GCI/PPP Lisboa e Vale do Tejo, GCI/PPP Alentejo e GCI/PPP Algarve.
24
Da primeira vaga de projetos hospitalares, apenas o hospital de Braga não está sob a coordenação
do GCI/PPP Lisboa e Vale do Tejo, ficando à responsabilidade do GCI/PPP Norte.
3.1.2. A primeira Vaga de PPP da Saúde
3.1.2.1. Enquadramento
Para a primeira vaga de PPP em Saúde, o Governo Português optou por um modelo definido como
DBFOT (Design, Build, Finance, Operate, Transfer) (TC, 2009), isto é, a parte privada assume a
responsabilidade do projeto, da construção, do financiamento e da exploração do hospital. A inovação
deste modelo verificou-se na inclusão dos serviços clínicos sob a tutela do parceiro privado. Acontece
que este processo englobava duas atividades bastante diferentes, por um lado, a construção do
hospital (inclui projeto, construção e manutenção) e, por outro, a prestação de serviços clínicos. Este
facto traduz-se na formação de dois contratos distintos, um para cada atividade, subscritos pela parte
privada através de duas entidades juridicamente separadas e com durações contratuais diferentes.
Surgem assim duas entidades gestoras com objetos contratuais e âmbitos temporais distintos,
remuneradas com base em diferentes fluxos de pagamento:
À entidade responsável pela construção e prestação dos serviços de infra-estruturas,
denominada Entidade Gestora do Edifício (EGEd), foi estabelecido um contrato de 30 anos;
Para a entidade gestora dos serviços clínicos, denominada Entidade Gestora do
Estabelecimento (EGEst), para a qual o período contratual é de 10 anos, sendo no entanto
possível renovar sucessivamente o contrato até um limite máximo de 30 anos, permitindo e
favorecendo uma melhor interação entre ambas as entidades.
No funcionamento de um hospital encontra-se um terceiro tipo de atividades auxiliares, as atividades
de suporte (limpeza, lavandaria, fornecimento de alimentação, entre outras) também referidas como
soft facilities management (SFM). No modelo de parceria adoptado incluíram-se estas atividades no
contrato da EGEst.
3.1.2.2.Hospital de Cascais
O Novo Hospital de Cascais (NHC) pretende substituir o atual Centro Hospitalar de Cascais, estando
previsto abranger as populações do Concelho de Cascais, bem como 8 freguesias do Concelho
Sintra, num total de cerca de 285 mil habitantes. Estimou-se que, para o início de 2005, o NHC
apresentaria um valor de 400 milhões de Euros para o comparador do setor público (CSP), projetado
para uma dimensão hospitalar de 250 camas.
Todo o processo de formação da PPP, incluindo o tipo de modelo adoptado, iniciou-se em Janeiro de
2004, finalizado em 13 de Maio do mesmo ano, data que corresponde também ao início da
preparação e avaliação da parceria, cuja fase terminou em Julho de 2004. O Despacho Conjunto n.º
370/2004, de 22 de Junho, constituiu a comissão de acompanhamento, sendo o respetivo concurso
público lançado no dia 27 de Agosto e publicado no dia 16 de Setembro de 2004. Através do
25
Despacho Conjunto dos Ministro de Estado e das Finanças e Ministro da Saúde, n.º 554/2004, de 30
de Agosto, foram aprovadas as condições de lançamento da parceria relativa à construção e gestão
do NHC, incluindo o caderno de encargos e o programa do respetivo concurso público internacional.
O prazo limite de apresentação de propostas foi o dia 28 de Fevereiro de 2005, participado por quatro
consórcios. A comissão de avaliação das propostas foi nomeada pelo Despacho 680/2004, de 18 de
Novembro. Esta comissão procedeu à avaliação das propostas com base na avaliação da capacidade
técnica, económica e financeira dos concorrentes admitidos, cuja fase culminou na seleção de dois
dos quatro concorrentes, que passaram para a fase da Negociação Competitiva. A fase de
negociações permitiu manter a pressão competitiva entre os concorrentes, dado que decorreram de
uma forma sucessiva e alternada entre estes e a EPC (TC 2008). Foi então escolhida a proposta
vencedora – HPP + TD, sendo o Relatório Final da Fase de Negociação Competitiva aprovado por
Despacho Conjunto de 26 de Fevereiro de 2007. Neste concurso participaram 4 concorrentes,
nomeadamente Escala Cascais, Saúde Cascais, HPP+TD e Consis Cascais. A proposta mais bem
classificada foi a do consórcio HPP+TD, que foi o vencedor do concurso (TC, 2008). Os contratos de
gestão foram assinados em 2008, com o contrato da entidade gestora do estabelecimento a ser
objeto de alguns ajustamentos, sendo aprovado em 2009 com respetiva formalização do contrato
(DGTF, 2009).
O Novo Hospital de Cascais foi inaugurado em Fevereiro de 2010 e para o qual é estimado um valor
atualizado dos encargos futuros de 497 milhões de euros, acima dos 400 milhões do custo público
comparável (DGTF, 2012).
3.1.1.3. Hospital de Braga
O novo Hospital de Braga refere-se a um hospital de substituição, pretendendo servir uma população
de 274 mil habitantes. Trata-se de um hospital universitário, com um total de 780 camas e com uma
estimativa do CSP de 1190 milhões de Euros (para o início de 2005), valor mais elevado da primeira
vaga de hospitais PPP.
Em Fevereiro de 2004 iniciou-se o ciclo de projeto para a conceção, construção e gestão, com a
formulação inicial da parceria. De 15 de Novembro a Dezembro de 2004 procedeu-se à preparação e
avaliação da parceria, sendo o concurso lançado em Janeiro de 2005. A comissão de
acompanhamento do projeto de lançamento da PPP foi nomeada pelo Despacho Conjunto 724/2004,
de 14 de Dezembro, e as condições de lançamento da parceria, incluindo o respetivo concurso
público internacional e caderno de encargos, foram aprovadas pelo Despacho Conjunto 54/2005, de
14 de Janeiro. Como previsto no programa de procedimento prévio à contratação, foi constituída a
comissão de avaliação das propostas pelo Despacho n.º 65/2005, de 19 de Janeiro.
Ao concurso do Novo Hospital de Braga, candidataram-se 6 concorrentes (Espírito Santo Saúde,
CESPU, José de Mello Saúde, Grupo Português de Saúde, Santa Casa da Misericórdia do Porto e
Hospitais Privados de Portugal) em que todos eles apresentaram propostas acima do CSP. Na
segunda fase do concurso, resulta uma proposta de 794 milhões de euros da Escala Braga,
superando os 843 milhões de euros da Espírito Santo Saúde. O valor proposto pela Escala Braga
26
gerou algum desconforto entre os restantes concorrentes, que consideravam um valor demasiado
baixo e que poderia colocar em causa a qualidade do projeto. Esta visão não foi partilhada pela EPC,
que adjudicou o Novo Hospital de Braga à Escala Braga. O contrato de gestão foi assinado em
Fevereiro de 2009, ocorrendo a transferência de gestão do atual Hospital de São Marcos para a
EGEst em Setembro de 2009, conforme previsto no contrato de gestão celebrado.
Em Maio de 2012 foi inaugurado o Novo Hospital de Braga, para o qual se espera um valor atualizado
dos encargos de 962 milhões de euros, correspondendo a um aumento de custos em relação à
proposta superior a 20%, mas ainda assim cerca de 19% abaixo do CSP.
3.1.1.4. Hospital de Loures
O concurso relativo à construção deste hospital foi o primeiro a ser lançado, dando início ao
Programa de PPP em Saúde. O futuro hospital pretende servir uma população de 350 mil habitantes
e um total de 565 camas. O processo referente à conceção, financiamento, construção e gestão do
novo Hospital de Loures iniciou-se em Janeiro de 2003, tendo-se prolongado até Junho do mesmo
ano, seguindo-se a preparação do concurso e respetiva avaliação da PPP.
Com um valor estimado de 800 milhões de Euros para o CPC, participaram no concurso quatro
concorrentes, procedendo-se à avaliação e hierarquização das propostas. No processo de avaliação
das propostas verificou-se um conjunto de inconsistências das mesmas, contrário aos pressupostos
do caderno de encargos, em que a correta aplicação de dois dos critérios de seleção e ponderação
não foi possível, nomeadamente no VAL esperado dos pagamentos a realizar por parte do Estado,
definidos no contrato de gestão, e a solidez da estrutura empresarial, contratual e financeira (TC,
2009). Solicitada uma audiência para esclarecimento das irregularidades detetadas e após analisadas
as respostas dos concorrentes, a Comissão de Avaliação das Propostas (CAP) considerou que a
situação verificada punha em causa o interesse público (Relatório de 14 de Junho de 2005), tendo
proposto aos Ministros de Estado, das Finanças e da Saúde a declaração de inaceitabilidade das
propostas com fundamento na verificação das desconformidades ao caderno de encargos, que
afetaram de forma permanente qualquer possibilidade de comparação. Assim, em Março de 2006, em
Despacho conjunto do Ministro da Saúde e do Ministro das Finanças, o concurso da PPP do Hospital
de Loures foi anulado (TC, 2009). Na sequência da recomendação da CAP em anular o concurso em
questão, no referido relatório, a CAP sugeriu duas possíveis soluções: o início de um procedimento
totalmente novo ou a abertura de um procedimento restrito aos concorrentes qualificados no
procedimento entretanto extinto. Perante estas hipóteses, o então Ministro da Saúde pediu um
parecer à Procuradoria – Geral da República (Parecer da PGR n.º 98/2005, DR Serie II, de 17 de
Março), o qual alega que não há qualquer fundamento legal para que não ocorra um novo
procedimento seguindo todos os trâmites legais. Em Maio de 2006 foi constituída a Comissão de
Acompanhamento do Projeto para o Novo Hospital de Loures (Despacho Conjunto n.º 392/2006, DR
II Série, de 12 de Maio), sendo o concurso lançado em Fevereiro de 2007, no qual apenas
concorreram dois dos consórcios que já tinham concorrido: José de Mello Saúde e Espírito Santo
Saúde. No final de 2008 o concurso encontrava-se na fase de avaliação das propostas, acabando ser
27
por ser adjudicado ao Grupo Espírito Santo Saúde em 2009 (Despacho nº 20975, 2ª série, Nº 182 de
18 de Setembro de 2009).
O Novo Hospital de Loures foi inaugurado em Janeiro de 2012 e para o qual é estimado um valor
atualizado dos encargos futuros de 874 milhões de euros, acima dos 800 milhões do CSP (DGTF,
2012).
3.1.1.5. Hospital de Vila Franca de Xira
A parceria relativa ao Hospital de Vila Franca de Xira, que envolve um hospital de substituição,
abrange, na sua zona de influência, uma população de 220 mil habitantes. O CSP, para o mês de
Janeiro de 2007, foi de 590 milhões de euros, e o hospital disponibilizará cerca de 520 camas.
Com o objetivo de substituir o atual Hospital de Reynaldo dos Santos, em Janeiro de 2005 iniciou-se
todo o processo relativo à conceção, financiamento, construção e gestão do novo Hospital de Vila
Franca de Xira. Esta fase prolongou-se até 20 de Abril do referido ano, data a partir da qual começou
a preparação e avaliação da PPP, que se estendeu até 19 de Dezembro de 2005. O Despacho n.º 25
417/2005, publicado em 12 de Dezembro, aprovou as condições de lançamento da parceria, sendo o
concurso público lançado no mesmo mês.
Dos cinco concorrentes iniciais, foram selecionados dois para a fase de negociação competitiva a
Saúde Xira e a Escala Vila Franca de Xira, sendo este último o vencedor do concurso. O total de
custos é cerca de 666 milhões de euros, correspondendo a 12% acima do valor da proposta. À data
deste estudo, o Novo Hospital de Vila Franca de Xira é o único hospital de 1ª geração que não foi
inaugurado, com abertura prevista para 2013.
De seguida apresenta-se a Error! Reference source not found., com o resumo das derrapagens
nos prazos dos concursos, tendo em conta a previsão inicial feita pela EMPS, e a diferença entre o
CSP de cada um dos quatro hospitais e as estimativas de valores atualizados com os encargos,
realizada pela DGTF (2012).
Quadro 1 ‐ Hospitais de 1ª geração: fases do concurso e diferenças de valor
28
3.1.2.6. Derrapagens – Fundamentação justificativa
Esta análise resulta fundamentalmente da auditoria do Tribunal de Contas realizada aos hospitais da
1ª vaga, na qual o TC identificou e justificou as principais razões das fortes derrapagens constatadas.
A forma contratual de PPP está definida no Decreto Regulamentar n.º 10/2003 de 28 de Abril, mais
precisamente no n.º 1 do artigo 2º e que se resume por: Anúncio, Acto Público, Qualificação, Seleção
das Propostas, Negociação, Adjudicação e Formação do Contrato. No respeitante à fase de
Negociação, mais concretamente no n.º1 do art.º 37º, constata-se que é citado “os concorrentes”,
facto que pressupõe a presença de pelo menos duas entidades concorrentes. Não obstante, com
base na análise do processo do Hospital de Cascais, verifica-se que a fase de Negociação foi dividida
em duas etapas distintas, nomeadamente a Negociação Competitiva e a Negociação Final. Neste
último estádio apenas participou um concorrente. Decorreram ainda, na Negociação Final, alterações
ao quadro inicial de contratação, com incidência no perfil do hospital o que levou à recusa de Visto
por parte do TC. Torna-se, portanto, importante esclarecer que o mesmo diploma legal prevê que “a
fase de negociação visa atingir um aperfeiçoamento e uma melhoria das propostas dos concorrentes
admitidos, tendo por objeto os aspetos das propostas mais intrinsecamente relacionados com os
critérios de seleção”, no n.º 1 do art.º 38º e que os “melhoramentos das propostas não poderão
redundar em condições menos vantajosas para a entidade pública contratante do que as que
inicialmente foram apresentadas pelo concorrente, não poderão colher ou incorporar soluções
contidas nas propostas de outros concorrentes.”, no n.º 2 do mesmo artigo. Foi com base nestes
pontos que resultou a recusa do Visto.
Facto que também justifica a derrapagem verificada nos concursos foi o modelo delineado não ser
sustentado por nenhuma outra experiência internacional. Mesmo nas experiências realizadas no RU,
país que deu origem às PPP na sua versão moderna, o sistema adotado divergia, entre outros
aspetos, na não inclusão quer da prestação de cuidados de saúde quer da gestão clínica por parte do
parceiro privado. O exemplo mais semelhante ao praticado em Portugal seria o modelo da Região
Autónoma de Valência (Espanha), que previa a concessão não só da conceção, construção e
financiamento mas também a prestação dos serviços clínicos. No entanto, aludindo ao conhecido
caso do Hospital de La Ribera (2003), decorreu uma alteração de fundo ao contrato, que passava por
incluir a prestação de cuidados de saúde primários na área de influência. Constatou-se que,
justamente no ano desta ocorrência, foi lançada a primeira PPP hospitalar em Portugal. Conclui-se,
assim, que o modelo adotado, como facto de não ter paralelo internacional, implementava soluções
de contratação e financiamento inovadoras, promovidas por um Ministério sem experiência neste
exercício. Nestas condições justificava-se um projeto-piloto, algo que não se verificou. Este preciso
facto, tendo em consideração todo um ambiente de falta de experiência nesta forma contratual, veio
promover um processo de aprendizagem de caráter fortemente experimentalista, o que levou a uma
lenta acumulação de experiência por parte do Estado. Esta ocorrência ficou evidenciada aquando do
lançamento do 5.º concurso (Loures II), pois nenhum contrato de PPP estava celebrado, apenas o
29
processo do Hospital de Cascais encontrava-se na fase de negociação. Ficou assim evidenciada uma
falta de avaliação prévia das capacidades do Ministério da Saúde em projetos PPP, devido à referida
falta de experiência, o que implicou desenvolver o modelo a adoptar sem qualquer base de
conhecimento inicial.
No contexto contratual supracitado, destaca-se também o processo de implementação inovador. Se,
por um lado, a parte mais positiva de todos os processos a decorrer foi a crescente capacidade do
Estado para implementar este tipo de procedimentos, também é verdade que este mesmo
conhecimento foi resultante de sucessivos revezes, que, por sua vez, originaram sucessivas
alterações quanto ao modelo, ao desenho dos procedimentos e à intervenção das entidades públicas.
Com base na análise de elementos trocados entre as partes pública e privada ficou evidenciado que,
desde o início, o Estado não tinha uma ideia precisa de como desenhar o tipo de concurso que
pretendia. Um dos acontecimentos mais marcantes e indicativos desta mesma situação foi a
anulação do concurso do Hospital de Loures, ocorrência já descrita neste trabalho.
Numa situação de iniciativa direta do Estado de lançamento de um empreendimento, este mantém o
poder sobre a decisão de determinadas variáveis cuja opção influencia de uma forma determinante
as necessidades relativas às infra-estruturas e do desempenho dos serviços clínicos. Mesmo numa
PPP, certas variáveis, como a articulação com os cuidados de saúde primários, não é sujeito a
concurso. Reveste-se de especial importância o cuidado acrescido no planeamento setorial prévio à
contratação. Este planeamento, ao nível de infra-estruturas de saúde, deve basear-se não só na
prioridades de investimento definidas, como ter em atenção aspetos relacionados com as
necessidades de cuidados de saúde da população a que se destina e na articulação das unidades de
saúde existentes na área de influência. Conforme indicado pelo TC, fundamentado por depoimentos
oriundos do Ministério da Saúde, a primeira vaga de PPP em saúde foi impulsionada, sobretudo, por
motivos políticos, deixando para segundo plano a decisão por base em critérios técnicos de
prioridade. Verifica-se mesmo a inexistência de um suporte técnico de planeamento estratégico
aplicável às regiões de saúde.
Num processo de PPP, nomeadamente ao nível do setor saúde, é extremamente importante a
capacidade do parceiro público em definir padrões de desempenho ideais. Para sustentar os níveis
de exigência destes padrões, estes baseiam-se ou na experiência do Estado em práticas
semelhantes já ocorridas ou em informações resultantes de experiências privadas (não existentes
neste caso). Assim, tendo em conta a falta de padrões de referência, foi definido um conjunto de
casos estudo, designadamente os hospitais empresa, que serviria de benchmarking às propostas dos
concorrentes, através da elaboração do designado CSP. Contudo, a empresarialização dos hospitais
públicos teve início apenas no ano de 2002 e sendo que o modelo inicialmente adotado, nos moldes
de sociedades anónimas, foi alterado posteriormente ao formato de EPE. Este cenário contribuiu, de
uma forma inevitável, para o atraso em relação aos prazos inicialmente previstos, influenciando
especificamente no processo do CSP, mais propriamente ao nível da definição dos níveis de serviço
pretendidos. Segundo o TC, através da análise dos memorandos trocados entre os parceiros público
e privado, conclui-se efetivamente a existência de uma divergência bastante significativa no que se
30
refere aos padrões de serviços exigíveis, bem como no suporte técnico e teórico dessas exigências.
Resulta da situação descrita uma falta de capacidade óbvia de traçar uma peça concursal mais
objetiva, que se reflete, por sua vez, numa dificuldade acrescida ao nível da elaboração e avaliação
das propostas dos concorrentes. A mesma entidade conclui ainda que este aspeto evidencia que
parte das dificuldades com que o Estado se depara quando opta pela solução PPP são, afinal, fatores
que dificultam uma melhoria da qualidade da sua gestão direta de projetos neste formato.
Um dos fatores críticos para o sucesso do lançamento da 1ª vaga de hospitais em PPP é a gestão
prévia do planeamento do lançamento dos concursos, tendo em conta fatores como a competência
de gestão dos setores público e privado, de forma a conseguirem dar uma resposta adequada às
exigências previstas, dado que advém a necessidade de obtenção do serviço através da
implementação dos projetos. Numa visão de implementação com recurso a PPP, a gestão rigorosa
do Project Pipeline é fundamental para uma reaplicação da aprendizagem de concurso para
concurso, garantir que a pressão sobre os recursos do setor público se mantenham em níveis
sustentáveis e assegurar o melhor aproveitamento das condições oferecidas pelo setor. É conhecido
que o lançamento em simultâneo de projetos com caraterísticas idênticas pode, em determinadas
circunstâncias, introduzir vantagens ao nível de um aumento de eficiência nas estruturas de gestão
ou na capacidade de atração de investimento por parte do setor privado. Não obstante todas as
constatações supracitadas, verificou-se, desta forma, uma lacuna na preparação da capacidade
gestora do setor público, não só em termos de recursos alocados mas também de falhas de
organização. Este cenário não só deitou por terra qualquer aproveitamento das vantagens que se
poderiam obter com um lançamento em vaga como também criou um ambiente de falsas expetativas
ao mercado. Verificou-se assim uma esperada incapacidade do Estado na gestão de modo de
intervenção nas diversas fases dos vários concursos, o que levou, à data do último trimestre de 2007,
a que estivessem a decorrer em paralelo quatro concursos, resultando num acréscimo de pressão
sobre os recursos públicos e privados envolvidos. Com base na análise do concurso do Hospital
Loures II, verificou-se ainda que, aparentemente, o Estado não fez uma prospeção da situação da
capacidade do mercado em responder à situação em causa dado que apenas dois agrupamentos
concorreram ao concurso. Houve ainda uma solicitação, por parte de outros quatro agrupamentos, na
prorrogação do prazo de entrega das propostas, agrupamentos estes também envolvidos nos
processos de outros hospitais. Salienta-se ainda o facto da referida falsa expetativa criada pelo
Estado ao setor privado resultou em que este último tenha aplicado recursos substanciais, quer na
criação de estruturas específicas para corresponder às exigências de uma vaga de PPP, quer nas
propostas apresentadas para cada concurso, esforço este não acompanhado pelo setor público.
Deste panorama, facilmente se conclui que houve um arrasto da elevada pressão sentida pelo Estado
para a consultoria recorrida pela EMPS. O consórcio que acompanhou a 1ª vaga de PPP em Saúde,
teve que lidar com quatro concursos em simultâneo, o que comprometeu seriamente a capacidade de
resposta do mesmo, contribuindo para o atraso nos concursos. Este esforço perante as dificuldades
acrescidas, quer do Estado quer dos consultores recorridos, sentiu-se logo desde a fase de
preparação das parcerias. É importante ter em conta que a maioria dos problemas que se vieram a
verificar ao longo do processo dos concursos teve a sua origem em grande parte na definição das
31
próprias peças concursais, na medida em que o desenho traçado não era o mais adequado tendo em
conta a forma contratual pretendida, o que resultou em sérias dificuldades na avaliação das propostas
e, consequentemente, na fase negocial.
Para o lançamento da 1ª vaga de Hospitais em PPP, foi alterada toda a estrutura de apoio ao
Ministério da Saúde (MS). Mais concretamente, até 2005 a entidade que teve como função genérica
promover, implementar, coordenar e fornecer o apoio logístico ao programa PPP foi a EMPS, que
era, por sua vez, o principal elo de ligação com o Ministério das Finanças, dado que assegurava a
representação do MS nas comissões de acompanhamento. Era da responsabilidade da EMPS a
contratação de consultores especializados para prestarem apoio ao trabalho desenvolvido pelas
comissões temporariamente constituídas. Tradicionalmente os organismos do Ministério da Saúde
responsáveis pelas funções de planeamento eram a DGS, a IGIF, a DGIES e a ARS da região em
causa, que atualmente, à exceção das ARS, encontram-se integradas na Administração Central do
Sistema de Saúde (ACSS). Daqui se conclui que os referidos organismos do MS já possuíam
competências e dependências hierárquicas e funcionais organicamente atribuídas, antes de ser
criada a EMPS e da preeminência do papel dos consultores externos. Esta mudança de
responsabilidades veio tornar o papel dos organismos referidos pouco claro, uma vez que estes
respondiam agora diretamente aos consultores e lhes era solicitado pedidos de esclarecimentos para
processos que os próprios desconheciam em pormenor. Estes organismos integravam apenas um
Grupo de Trabalho com a finalidade de proceder à aprovação dos documentos técnicos preparados
pelos consultores para a EMPS. Foi apenas a partir de 2005 que, progressivamente, foram sendo
integrados elementos da DGS e da DGIES nas CAP e nas Comissões de Acompanhamento e
apenas em 2007 as ARS foram envolvidas nas Comissões de Avaliação de Propostas. Naturalmente,
o próprio setor privado apercebeu-se do envolvimento tardio dos organismos do MS e das respetivas
consequências, perceção esta suportada pela EMPS, que admitiu que a gestão do envolvimento dos
diversos organismos do MS no programa da 1ª vaga de PPP não foi o desejável, tendo este facto
contribuído para os atrasos verificados no processo.
Num projeto desta natureza e dimensão, isto é, romper de uma forma brusca com o método
tradicional até então utilizado é de esperar que a correta afetação dos recursos existentes assuma
um caráter vital para o sucesso deste empreendimento. Contudo, a realidade verificada mostrou que
a estrutura responsável pela implementação deste programa apresentava sérios défices de recursos,
tanto humanos como financeiros. No Relatório de Actividades do ano de 2006 a EMPS referiu que
existia uma insuficiência dos seus recursos internos, tendo em conta o elevado número de projetos
em curso, em preparação ou que estavam planeados para lançamento, apontando mesmo que o
volume de investimentos era claramente incompatível com esses mesmos recursos. Face a esta
indicação, houve um reforço de meios humanos no segundo semestre de 2007, mas que se mostrou
vir a ser insuficiente dado que a sobrecarga sobre esta entidade continuou em níveis muito elevados,
conforme descrito Relatório de Actividades de 2007. Concludentemente, esta situação levou a uma
ainda maior dependência de consultores externos, o que comprometeu o desenvolvimento autónomo
de tarefas fundamentais para o controlo dos processos. Não só a EMPS ressentiu-se da falta de
32
recursos, também outros organismos do MS implicados no desenvolvimento do programa acusaram a
mesma lacuna, nomeadamente a DGS, que assumiu que este problema afetou claramente o
desenvolvimento dos projetos, contribuindo para o aumento dos prazos de execução. Esta grave falta
de recursos verificada não foi o único problema, desde logo a Parpública referiu que a contratação de
um maior número de consultores não seria a solução mais indicada, dado que parte do problema
provém da dificuldade em coordenar, controlar e fiscalizar o trabalho das inúmeras equipas de
consultores. Assim, um dos aspetos mais importantes para assegurar a eficácia do desenvolvimento
destes projetos, a coordenação entre os consultores e as diversas Comissões e Grupos de Trabalho
envolvidos no programa de PPP, não foi assegurado.
Uma das razões que contribuiu para o prolongamento dos prazos dos concursos foi o facto, na
opinião da maioria dos concorrentes, das peças concursais apresentarem falhas significativas quer ao
nível de informações importantes quer na utilização de conceitos vagos e indeterminados, o que
levou a um encadeamento de pedidos de esclarecimento. Entres os aspetos citados pelas entidades
privadas, destaca-se a falta de explicação do regime fiscal aplicável a cada sociedade veículo, a falta
de explicação de pressupostos de dimensionamento e de serviço, do plano de execução pouco claro
(incerteza quanto às obrigações do concorrente antes e depois da assinatura do contrato), dos
conceitos imprecisos quanto à possibilidade de subcontratação, indefinição quanto aos níveis
mínimos de requisitos funcionais e operacionais e da ambiguidade quanto às responsabilidades de
cada entidade gestora. As próprias alterações das peças concursais de concurso para concurso
suscitaram dúvidas relevantes em relação à melhor forma de corresponder, através da apresentação
de propostas ou da participação em decursos de negociação. Alguns dos aspetos mencionados
mantiveram-se pouco claros até à fase de negociação, o que resultou inevitavelmente numa demora
significativa em relação aos prazos inicialmente previstos, pois havia necessidade de responder a
sucessivos esclarecimentos e consultas adicionais. A falta de informação da definição dos critérios e
subcritérios de avaliação das propostas e respetiva valoração foi apontada como um ponto causador
de subjetividade no resultado dos concursos, pois não permitiu elucidar os concorrentes nos fatores
que poderiam ser estratégicos ou nos fatores não diferenciadores entre os concorrentes. Este mesmo
ponto acarretou dificuldades, para o setor público, nos processos de avaliação das propostas.
Salienta-se ainda a elevada complexidade do Programa de Procedimentos e Cadernos de Encargos
que, se da perspetiva do Estado justifica-se numa tentativa de garantir níveis mínimos de qualidade,
já uma das entidades privadas interpretou como uma atitude de desconfiança do Estado perante as
capacidades do primeiro em satisfazer as exigências desejadas.
Associada às caraterísticas atrás referidas sobre os Cadernos de Encargos, um dos pontos-chave foi
o facto de seguirem uma lógica semelhante à da contratação tradicional. Assim, este documento era,
de uma forma penalisadora, excessivamente detalhado, traduzindo-se como uma limitação ao
potencial inovador, cujo desenvolvimento está diretamente relacionado com os ganhos de eficiência
introduzidos pelo parceiro privado. Esta lógica, contraditória com um contrato em PPP, privilegia a
definição de inputs e não dos resultados pretendidos. Este fator desvia em parte a autonomia do
projeto do parceiro privado para o Estado, corrompendo, desta forma, uma verdadeira transferência
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de risco para o primeiro. Na opinião de uma entidade concorrente, o Caderno de Encargos devia dar
prevalência à definição dos requisitos mínimos para o serviço a garantir no novo hospital, ficando o
privado responsável pelo modo de atingir os objetivos. Desta forma, otimizava-se a fase de avaliação
das propostas, tendo em conta que a sua comparação seria mais fácil, tornando o processo de
decisão mais rápido dado que o detalhe do Caderno de Encargos levou a um pedido de dilatação do
prazo de apresentação das propostas, por um lado, e por outro o Estado e respetivos consultores a
despenderem tempo com a avaliação de aspetos não essenciais numa lógica de PPP.
Realça-se também a elevada carga burocrática patente nos procedimentos da 1ª vaga. Conforme
definido no desenho do concurso, realizou-se uma fase de qualificação dos concorrentes em cada um
dos concursos, implicando que os concorrentes presentes em mais do que um concurso fossem
obrigados a ceder os documentos pedidos para cada procedimento. De facto, observou-se uma
repetição dos concorrentes nos diversos concursos o que tornou o processo de qualificação dos
mesmos desnecessariamente pesados em termos de documentação. Foi sugerido, pela generalidade
dos concorrentes, que a melhor solução para o efeito pretendido teria sido uma fase de pré-
qualificação global, onde se pudessem avaliar todos os interessados uma única vez, tornando este
processo mais célere e eficaz. Ainda relacionado com este aspeto, destaca-se o elevado grau de
exigência ao nível dos estudos e projetos respeitantes ao edifício hospitalar logo na fase de
apresentação das propostas. Esta implicação aumentou, por um lado, os custos relacionados com a
elaboração das propostas para o setor privado, e por outro, os custos e prazos da avaliação destas
propostas para a entidade contratante.
De acordo com os principais intervenientes no processo das PPP, foi no domínio de intervenção das
CAP onde se verificou maiores discrepâncias temporais entre o tempo previsto e o efetivamente
decorrido. A própria EMPS, nos seus relatórios de acompanhamento, discrimina falhas ao nível da
calendarização dos trabalhos respetivos e a insuficiente partilha de informações devida ao reduzido
número de reuniões. Segundo dados averiguados pelo TC, as derrapagens no âmbito da intervenção
das CAP têm como justificação o desempenho em simultâneo dos membros das CAP, défice de
conhecimento especializado no setor da saúde e falha do encadeamento dos processos numa
perspetiva de gestão de projeto. Este último fator tem um peso bastante significativo naquilo em que
se traduziu como uma falha na gestão de recursos aos consultores.
O Tribunal refere ainda que a maioria das fragilidades dos processos de concurso está a cargo das
CAP, o que tornou a sua missão mais complexa. Logo, desde o início, o exercício destas comissões
limitou-se à aprovação dos trabalhos realizados por consultores externos. Este facto, assumido
inicialmente como uma vantagem, veio a verificar-se como uma barreira ao bom trabalho das
comissões dado que os trabalhos recebidos dos consultores manifestavam desde logo falhas
associada à própria conceção das peças concursais, bem como recolha deficiente de informações
aos próprios serviços do MS. Estes obstáculos criaram graves entraves em relação à segurança da
informação apresentada, originando dúvidas em fatores importantes dos documentos como, por
exemplo, em critérios de avaliação. Como resultado final das consequências dos aspetos referidos,
relaciona-se a dificuldade da avaliação das propostas e respetiva falta de comparabilidade das
34
mesmas (evidente sobretudo no Hospital de Loures), dado que os fatores de avaliação não estavam
suficientemente detalhados ou a lógica de valoração não era inteiramente clara, aspeto várias vezes
referido pelos concorrentes.
Por outro lado, foi notória a falta de avaliação da exequibilidade das propostas por parte do setor
público, o que resultou numa incomum diversidade destas propostas dentro das mesmas orientações
de gestão. Este aspeto dá ênfase às críticas sobre incapacidade do próprio controlo dos trabalhos de
avaliação das propostas, trabalho este desenvolvido essencialmente por consultores externos.
Aconteceu também que nem sempre o objeto de negociação foi explicitamente definido, isto é, no
concurso nem sempre ficou claro o que deveria ser ou não matéria de negociação (demonstrado no
Hospital de Cascais). A EMPS refere mesmo que durante o processo de negociação decorreram
intensas discussões com vista à definição e execução do método de controlo e monitorização das
Parcerias, destacando ainda que este aspeto reveste-se de particular importância nos concursos das
PPP em saúde.
3.1.3. A segunda Vaga de PPP da Saúde
Inserida no Programa de Parcerias na Saúde, a segunda vaga de PPP teve como base de suporte,
ao nível do patamar de decisão em relação ao encadeamento estratégico de execução dos novos
hospitais, um Estudo de Prioridades de Investimento, com vista a dar fundamento à decisão do poder
político (EGP, 2006). Este Estudo de Prioridades de Investimento foi desenvolvido pela Escola de
Gestão do Porto, no âmbito de trabalhos de consultoria solicitados pela Estrutura de Missão
Parcerias.Saúde.
O trabalho foi estruturado em duas partes distintas: uma Parte Específica e uma Parte Geral. Embora
de caráter distinto, ambas tinham como objetivo definir uma hierarquia de prioridades da construção
dos novos seis hospitais, indicando as suas caraterísticas fundamentais.
A Parte Específica, cujo mote se enquadra na análise detalhada de várias Opções Estratégicas, para
cada nova unidade hospitalar, indicando, como conclusão, a Opção Indicativa devidamente
justificada, bem como a caraterização da unidade hospitalar associada.
Na formulação das possíveis Opções Estratégicas, seguiram-se, para cada estabelecimento
hospitalar, as seguintes considerações:
Permanência das instalações atuais (no caso
dos hospitais de substituição) ou status quo
prevalecente na área de influência de cada
uma das novas unidades hospitalares em
estudo;
Implementação de melhorias, através de
investimentos de menor montante, de forma
a melhorar as condições de serviço atuais;
Construção de um novo estabelecimento
hospitalar, com as adequações necessárias
ao nível de localização, área de influência,
dimensão e carteira assistencial;
Vantagens/desvantagens.
35
Na avaliação deste processo, recorreu-se aos seguintes critérios:
Impacto sobre necessidades não satisfeitas
atuais e futuras;
Impacto no sobrecusto;
Efeito nas qualidades dos serviços prestados;
Acessibilidade e centralidade, considerando a
respetiva área de influência;
Caraterísticas do terreno, infra-estruturas e
condições ambientais;
Contributo para a racionalização da rede
hospitalar e de outras infra-estruturas de
saúde;
Condições para uma melhor definição das
áreas de influência das unidades hospitalares
de cada região.
A Figura 10 - Procedimento da Parte Específica indica o procedimento padrão utilizado na Parte
Específica.
Figura 10 ‐ Procedimento da Parte Específica
A Parte Geral tem como objetivo definir uma hierarquia dos seis hospitais em estudo, tendo por base
a urgência da sua construção e respetivas consequências no desenrolar do calendário de execução
do projeto de investimento, através de uma metodologia de decisão tipo multicritério, e formular as
análises e recomendações necessárias.
Figura 11 ‐ Critérios de Hierarquização
36
Neste processo de PPP estão definidas seis novas parcerias: hospitais de Vila do Conde/Póvoa de
Varzim, Vila Nova de Gaia; Oriental de Lisboa, Margem Sul do Tejo, de Évora, e Algarve. Conforme já
referido, no âmbito do programa de ajuda financeira externa a Portugal, com a celebração do
Memorando de Entendimento entre a Troika e o Governo de Portugal, houve uma posição de não
avanço com as PPP, nomeadamente dos seis hospitais acima indicados. No entanto, devido aos
ganhos consideráveis de eficiência operacional, com os quais era possível uma redução significativa
de custos, à data deste estudo a Troika autorizou o avanço do HTS (Hospital Oriental de Lisboa) e é
provável que o Hospital Central do Algarve venha a conhecer autorização em breve.
Relativamente ao HTS, antes da entrada da Troika em Portugal, o concurso encontrava-se na
finalização do procedimento, após a fase negociação competitiva entre o Agrupamento Salveo Novos
Hospitais (Soares da Costa) e o Agrupamento Atos (Somague), com a aprovação do Relatório Final
da CAP. Atualmente, depois da paragem do processo, ainda não se sabe os moldes em que
avançará este hospital.
O Hospital Central do Algarve estava na fase de entrega das propostas finais, com os seguintes
concorrentes selecionados: Agrupamento Algarve Saúde (Ferrovial) e Teixeira Duarte, Engenharia e
Construções, S.A.. Atualmente a decisão de avanço ou não deste hospital será em grande parte
responsabilidade da Troika, sendo incerto o seu futuro.
3.2. Parcerias Público-Privadas no setor da Saúde no mundo
3.2.1. Espanha
A relação entre o setor público e privado em Espanha tem um passado anterior ao aparecimento do
modelo de PPP. Há registos, datados do século dezanove, de estradas construídas por privados, e o
ditador Francisco Franco utilizou um modelo que se assemelha a BOT (Build Own Transfer), nos
anos setenta, para construir auto-estradas (Allard e Trabant, 2007). Deste modo, é com naturalidade
que em Espanha se tenha verificado uma intensa utilização desta forma contratual, iniciada pelo
Governo de 1996, que pretendia assim tornar o papel do setor privado mais influente na economia.
Dois fatores assumem especial relevância para a adoção, em escala tão significativa, deste modelo
contratual e prendem-se com (i) a assinatura do tratado de Maastricht (1992), e respetivas
consequências ao nível de restrição do endividamento púbico e (ii) com a expetativa de adesão de
outros países à EU e, consequente, descida de verba de fundos internacionais atribuídos a Espanha
(Allard, Trabant, 2007). Assim, ao invés de delinear uma estratégia de abordagem às PPP e dotá-la
de guias de orientação como forma de obter value for money (VfM) e estipular boas condições
contratuais, o Governo utilizou esta forma contratual como pura alternativa de financiamento aos
projetos de investimento público, sem medir as consequências destes contratos nem criar estruturas
capacitadas a gerir este tipo de processos (Allard, Trabant, 2007).
A primeira experiência contratual em Espanha de PPP, na área da aúde, ocorreu em 1999 com a
atribuição da construção e gestão do Hospital Alzira (hospital público) ao setor privado, onde o
37
concurso teve a iniciativa do Governo regional de Valência (Durán et al., 2006). Este contrato previa
não só a construção e gestão do edifício hospitalar como também estava abrangida, no domínio
privado, a prestação dos serviços clínicos, mas apenas os serviços secundários (Figura 12) (Oliveira,
2009; Serrano et al, 2009). O contrato estipulava uma duração de dez anos, renovável até 15, e a
remuneração era regulada em função do número de pacientes atendidos (valor per capita
previamente definido), sendo efetuado ainda um pagamento adicional por prestações de cuidados de
saúde a pessoas fora da população da área de influência (Oliveira, 2009).
Figura 12 ‐ Modelo de Valencia: com serviços clínicos (Fonte: Asesores de Infraestructuras)
O contrato efetuado em 1999 entre o Governo Espanhol e o consórcio privado (Union Temporal de
Empresas – Ribera, UTE – Ribera) foi quebrado em 2003, justificado com razões de viabilidade
financeira do projeto, nomeadamente com a impossibilidade de desagregar os custos dos cuidados
primários e secundários de saúde (Figura 13) (Serrano et al, 2009). No entanto, foram tecidas
variadas críticas a este processo: (i) a lei espanhola permitia a alteração do contrato existente, não
sendo forçosamente necessário negociar um novo contrato; (ii) a comissão de auditoria regional de
Valência (Consell de la Sindicatura) apontou críticas ao nível do método de pagamentos de
compensações financeiras no caso de o contrato conhecer o seu término antecipadamente, lacunas
estas presentes no contrato já existente e no novo contrato negociado, e o próprio modelo de
negociação utilizado para a determinação destas compensações (€69,3M) não foi o mais adequado,
tendo em conta o tipo de contrato existente; (iii) o montante cedido nas contrapartidas ao consórcio
privado (UTE – Ribera) foi considerado alto, o que possibilitou, aquando da apresentação da proposta
para o novo contrato, um valor de licitação elevado (€72M), afastando, deste modo, o cenário de
concorrência (Acerete et al, 2011). Em relação ao último ponto (iii) apresentado, o Governo regional
de Valência argumentou que o valor obtido pelo novo contrato foi superior ao valor entregue aquando
38
o término antecipado do contrato (superior em €3M), e portanto, no global, foi uma negociação
benéfica para o Governo (Acerete et al, 2011).
Figura 13 ‐ Quebra de Contrato em 2003 do Hospital de Alzira
Deste modo, foi celebrado um novo contrato que atribuía ao consórcio privado, a prestação quer de
serviços de cuidados primários quer de serviços de especialidade. Neste novo contrato verificou-se
um aumento considerável no valor de capitação a pagar, mas que, no entanto, ainda permanecia
significativamente abaixo (28%) do valor médio gasto pelo Governo regional nos restantes hospitais
públicos. Este valor foi criticado dado que foram questionados os ganhos de eficiência obtidos na
prestação dos serviços clínicos com salários mais baixos, menos trabalhadores e com turnos de
trabalhos mais longos e a sua comparação com a média regional foi posta em causa, dado que o
hospital em questão foca os seus serviços nas áreas mais rentáveis, apresentado lacunas nos
serviços prestados a pacientes de cuidados continuados (doentes crónicos – “pouco rentáveis”), e
existem serviços que são suportados diretamente pelo Governo regional (farmácia, oxigénio, terapia,
próteses e transporte). Para finalizar, a partilha de risco presente numa forma contratual em PPP não
foi bem-sucedida, uma vez que houve a necessidade por parte do Governo de Valência em efetuar
uma operação de resgate (Acerete et al, 2011).
Outras iniciativas tiveram início após esta primeira experiência, nomeadamente na região autónoma
de Madrid, com a construção de novos oito hospitais. Nesta região, como na generalidade dos casos
em Espanha, o modelo adotado (Figura 14) abrange o financiamento, conceção, construção e
manutenção das infra-estruturas hospitalares englobando os serviços de gestão de hard e soft
facilities, mas a prestação dos serviços de saúde é da responsabilidade do setor público (Oliveira,
2009).
39
Figura 14 ‐ Modelo de Madrid (sem serviços clínicos) (Fonte: Asesores de Infraestructuras)
3.2.2. Reino Unido
O setor da saúde tem dos maiores portefólios de PPP no Reino Unido (RU), e um dos maiores da
Europa, resultante de um plano estratégico de modernização do Sistema Nacional de Saúde (NHS)
iniciado na década de 90. Este programa que pretendia corrigir a lacuna de investimento durante
décadas e que levou a que o número de médicos per-capita no RU fosse dos mais reduzidos da
Europa (Holmes et al, 2009). Durante o Governo de Margaret Thatcher, foi iniciada uma política, que
se prolongou até hoje, de uma transferência das funções tipicamente do setor público para o setor
privado. Inicialmente foram subcontratadas ao setor privado funções como limpeza ou recolha de lixo,
mas houve uma vontade, por parte do Governo, em atribuir maiores incentivos à utilização do
mercado, por parte dos gestores dos serviços públicos, através de uma reestruturação do próprio
Governo (Spackman, 2002).
Em 1981 foi definido um conjunto de regras – conhecidas como as Regras de Ryrie, que visavam
restringir o universo de utilização do financiamento privado, definindo que só seria possível utilizar
este recurso caso a relação custo-benefício fosse superior em comparação com o financiamento
público e que um projeto, mesmo financiado privadamente, teria que integrar os custos no orçamento
público para a saúde. No entanto, em 1986 as regras não foram respeitadas, com a aprovação do
projeto da nova ponte de Dartford, acabando mesmo por serem formalmente abolidas em 1989. A
extinção destas normas foi particularmente bem aceite entre instituições financeiras e empresas de
construção e daqui surgiu a oportunidade para o Governo desfrutar dos benefícios iniciais do
financiamento privado que não era mais contabilizado no orçamento público. Em paralelo, surgiu uma
nova crença que defendia que o recurso ao setor privado podia acrescentar ganhos de eficiência e,
40
para isso, os organismos públicos necessitavam de um incentivo adicional, que se traduziu na
possibilidade de não contabilizar este tipo de investimento no orçamento público (Spackman, 2002).
Contudo, a supressão das regras supracitadas não imprimiu o dinamismo esperado nos projetos
financiados pelo setor privado e, assim, em 1992, o Governo lançou as Private Finance Initiative
(PFI). Como forma de estimular a utilização deste novo modelo de contratação, foi anunciado, em
1994, a obrigação de, em todos os projetos do setor público, ser considerada a alternativa do
financiamento privado (Spackman, 2002). Em 1997, foi introduzido o conceito de PPP, que incluía,
segundo a definição do departamento do tesouro do Reino Unido, i) privatização completa ou parcial;
ii) contratação com financiamento privado a risco; iii) prestação de serviços governamentais em
parcerias com o setor privado. No ano 2000, surgiu a Parcerias UK (PUK), que substituiu a Taskforce
Projects, cujo âmbito de trabalho prendia-se com ajudar no difícil e inovador processo de PPP
(Spackman, 2002). O modelo de PPP/PFI mais utilizado no Reino Unido é definido como DBFO,
havendo, no entanto, a particularidade de no setor da saúde coexistirem dois modelos em simultâneo:
o DBFO no caso do subsetor hospitalar, aplicado para a construção/modernização de grandes infra-
estruturas hospitalares e o modelo LIFT (Local Improvement Finance Trust) destinado ao subsetor de
cuidados primários locais (Silva, 2009; Holmes et al., 2006). A utilização de um ou outro modelo
prende-se com fatores de value-for-money, nomeadamente os elevados custos de transação do
modelo de DBFO que impedem que, para projetos de menores dimensões, a sua utilização não seja
a mais indicada (Holmes, 2006). O modelo de contratação LIFT está inserido num programa que
pretende renovar as instalações médicas a nível local e criar centros que integrem um conjunto de
serviços diversos no mesmo espaço físico, e com níveis de eficiência e eficácia elevados (HMT,
2003; NAO, 2005). Estes investimentos são a cargo das Community Health Partnerships (CHP) e é
formada uma joint-venture com a CHP, as comunidades locais e o setor privado, relação esta tratada
na Figura 15 (DH, 2011). Surge assim uma empresa LIFT (LIFTco), que é responsável pela gestão da
nova infra-estrutura e sua manutenção, e pela prestação dos serviços associados, durante um
período de normalmente vinte a vinte e cinco anos (DH, 2011).
41
Figura 15 ‐ Modelo Contratação LIFT (Adaptado, NAO 2005)
Como já referido, o modelo de PPP mais utilizado no Reino Unido é o modelo DBFO. Este modelo é
caraterizado por uma parceria, com um único parceiro privado, no sentido de este prestar um
conjunto de bens e serviços, referentes a infra-estruturas físicas, equipamentos e serviços
relacionados e ainda a possibilidade de serviços de suporte à prestação dos serviços clínicos. Cabe
ao parceiro público remunerar o parceiro privado, através de um pagamento único e regular durante o
período contratual, no qual está contemplado o investimento das infra-estruturas e respetiva
manutenção e serviços de apoio.
O parceiro privado concorre à PPP sob a forma de um consórcio, formado pelos principais
organismos intervenientes (sociedade responsável pela construção e prestação de serviços). Este
consórcio é designado como SPV e é estabelecida uma relação entre este e o setor público por meio
de um contrato, existindo a possibilidade de outros acordos relacionados com a vertente do
financiamento ou garantias entre o setor público e as entidades financiadoras, decorrentes do
processo de negociação das modalidades do financiamento do projeto (Silva, 2009).
A Figura 16 exemplifica a estrutura genérica do modelo DBFO utilizado no Reino Unido.
42
Figura 16 ‐ Modelo DBFO utilizado no Reino Unido (fonte: Silva, 2009)
Nesta estrutura, por força do contrato, há uma transferência natural de riscos entre o setor público e o
setor privado, existindo dentro do SPV, uma distribuição dos riscos pelas diversas partes
intervenientes, e, deste modo, há uma alocação global dos diferentes tipos de riscos às partes que
melhor os gerem, com o objetivo de alcançar o melhor value for money para o parceiro público (HMT,
2003).
Os serviços de suporte hospitalar, prestados pelo setor privado, são normalmente designados por
hard e soft facilitiy management (HFM/SFM). Em relação aos serviços clínicos, estes não são da
responsabilidade do setor privado, dado que a posição do MS do RU é bastante clara ao afirmar que
a prestação dos serviços clínicos continua a ser da responsabilidade do serviço nacional de saúde
(NHS, 1999).
A alocação dos softs services bem como a sua abrangência (limpeza, alimentação, acomodação e
portaria hospitalar) não é rígida, isto é, esta decisão cabe ao departamento responsável pelo
lançamento do projeto e varia consoante a especificidade de cada um (HMT, 2006).
Sendo o RU o país pioneiro na implementação das PPP, é com naturalidade que se verifica que é
dos países mais ativos no seu uso e, portanto, que possui um maior know-how nos procedimentos
utilizados e alberga uma análise mais detalhada do seu histórico mais longo. Não obstante, vários
autores continuam críticos em relação a esta forma contratual, indicando que o setor privado deveria
ser mais pro-ativo na relação contratual existindo, por conseguinte, ainda oportunidades de
melhoramento estratégico e tático ao nível da relação entre o parceiro público e o parceiro privado
(Smyth e Edkins, 2007). Ao nível do funcionamento das estruturas públicas de saúde, nomeadamente
entre o Departamento de Saúde e as Foundation Trust verifica-se que existem alguma falhas
relevantes e que têm comprometido o melhor funcionamento das PPP:
Falta uma base de dados central, com a performance dos projetos de saúde em PPP. Esta
situação leva não só a uma limitação da capacidade de avaliação de VfM por parte do
43
Departamento de Saúde, como também impede que este identifique as áreas de maior
necessidade de intervenção das Foundation Trust, fragilizando o seu papel como parceiro
ativo na parceria;
Embora o Departamento de Saúde tente implementar boas práticas com as Foundation Trust,
existe uma lacuna de informação sobre o desempenho dos projetos PPP uma vez que estas
fundações não são obrigadas a transmitir informações sobre esses mesmos projetos;
Embora possua um portefólio vasto em projetos PPP (76 contratos em 2010), o
Departamento de Saúde não utiliza esta vantagem nas negociações de contratos,
nomeadamente na optimização de parâmetros comuns às diversas Trust, e tentando deste
modo (NAO, 2010).
Em conclusão, os contratos geridos sob a forma de PPP apresentam, até agora, bons resultados. Os
níveis de satisfação são satisfatórios e há um reduzido número de contrapartidas, o que indica a
obtenção do VfM esperado aquando da assinatura dos contratos. Contudo, os números mostram que
os custos associados à gestão privada (os serviços clínicos são providenciados pelo parceiro público)
indicam que são bastante similares aos custos da gestão pública tradicional, o que não torna claro a
mais-valia de inclusão deste tipo de serviços num contrato de PPP. Existe ainda o risco de manter o
VfM neste tipo de contrato de longa duração. A gestão de uma PPP é complexa e, por vezes, a forma
de atuação do parceiro privado dificulta a obtenção dos desejados ganhos de eficiência,
nomeadamente ao nível da pouca informação de desempenho e dos custos operacionais,
restringindo uma mutuamente vantajosa intervenção do Departamento de Saúde e aumentando os
riscos de perder VfM (NAO, 2010).
3.2.3. Canadá
No Canadá, as infra-estruturas de serviços de saúde apresentam um desgaste cada vez mais
acentuado, dado que têm sofrido grandes défices de investimento pelas entidades públicas. Esta
situação suscitou uma consciencialização por parte dos Governos da necessidade crescente em
substituí-las. Assim, um pouco por todo o Canadá, os Governos reconheceram a mais-valia em fazer
uma parceria com o setor privado neste setor, beneficiando da sua capacidade de inovação,
traduzida em construir mais e melhor com menos recursos, colmatando desta forma os défices de
investimento (PPP Canada Inc., 2011).
Em 2006, no plano económico Advantage Canada, surgiu a vontade de desenvolver um
departamento responsável pela promoção das PPP. Como resultado, foi anunciado, no orçamento do
ano de 2007, um conjunto de medidas como forma de renovar as infra-estruturas, através do recuso a
PPP, designadamente a criação de um fundo nacional de PPP (P3 Fund); a criação de um
departamento PPP com a função de orientar o esforço federal ao nível do desenvolvimento dos
projetos em PPP e a delineação de um plano rigoroso a cumprir pelos organismos que pretendem
desenvolver projetos em PPP com recurso ao fundo referido (P3C_Corporate_Plan, 2008).
44
No ano de 2008 foi aprovada a entidade PPP Canada (P3 Canada), que pretende arquitetar uma
base de conhecimento em contratação PPP com capacidade federal, e value for money nos
investimentos federais nas províncias através do P3 Fund. Este organismo foi concebido com uma
direção independente, e que reporta ao parlamento através do Ministro das Finanças e pretende
trabalhar (PPP Canada Annual Report 2010_2011).
O recurso às PPP teve maior preponderância nas províncias de British Columbia e Ontario, sendo a
sua utilização muita focada em infra-estruturas físicas e serviços conexos, excluindo-se os serviços
clínicos (Silva, 2009). O modelo PPP mais utilizado na parceria é o DBFM (Design, Build, Finance,
Maintain), garantindo serviços de manutenção do edifício hospitalar (hard facilities), estando os
serviços clínicos sob a responsabilidade do setor público (PPP Council, 2011).
A razão principal da não inclusão dos serviços clínicos sob o domínio privado prende-se com a
posição do Governo, que pretende manter os níveis de serviço público elevados e, para tal, mantém a
gestão dos cuidados de saúde sob controlo e propriedade pública garantindo, deste modo, que os
interesses da população estão salvaguardados (Silva, 2009).
À semelhança do modelo inglês, a província de British Columbia adotou um modelo de parceria para
o subsetor dos cuidados primários de saúde, designado por Strategic Partnering Agreement (SPA).
Nesta relação, a autoridade local de saúde une-se a um parceiro privado (Strategic Partner – SP) e
juntos desenvolvem um projeto de construção, manutenção e gestão da infra-estrutura de cuidados
de saúde primários, incluindo a prestação de alguns serviços auxiliares, resultando depois num
arrendamento da estrutura ao parceiro público por um período de longo prazo (tipicamente vinte
anos) (Silva, 2009).
Tendo em conta o panorama da contratação em PPP, nomeadamente através da PPP Canada, foi
efetuada uma análise SWOT que pretendeu determinar as forças e as fraquezas na obtenção os
objetivos negociais bem como oportunidades a desenvolver e ameaças a superar por esta entidade
(PPP Canada Inc., 2010).
____________________________________________________________________________
Forças
• O P3 Canada Fund tem tido a capacidade de atrair projetos em fases iniciais, aproveitando para influenciar os moldes das PPP, conseguindo deste modo maximizar o valor para a população;
• Foi aproveitada a aprendizagem a 1ª fase de PPP e aplicou-se este conhecimento para a 2ª fase;
• A PPP Canada estabeleceu relações fortes e sustentáveis com os departamentos regionais de infra-estruturas e organismos locais de PPP;
• A PPP Canada presta apoio aos Governos federais que pedem aconselhamento e apoio especializado para a contratação em PPP e avalia as barreiras que possam existir neste contrato;
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• Os departamentos federais bem como agências centrais têm demonstrado uma crescente vontade em trabalhar com a PPP Canada com o objetivo de identificar oportunidades de melhorar o value-for-money de uma PPP.
____________________________________________________________________________
Fraquezas
• Desenvolver um nível de especialização mais profundo, como forma de aumentar a linha de serviços de aconselhamento e especialização;
• Competição ao nível dos clientes dos fundos de infra-estruturas federais: os fundos Building Canada e Stimulus Fund oferecem maior capacidade de investimento, tornando o P3 Canada Fund menos competitivo;
• Devido às restrições orçamentais que afetam todos os departamentos ao nível federal, a PPP Canada tem que fazer uma aproximação individual a cada departamento e, em conjunto, tentar identificar potenciais oportunidades para PPP, limitando a iniciativa destes departamentos federais ao recurso da contratação em PPP;
____________________________________________________________________________
Oportunidades
• Aumentar o interesse e experiência da forma contratual PPP na globalidade do mercado canadiano;
• Continuar a aumentar a visão de que a PPP Canada é uma fonte de informação e apoio nas decisões de um projeto em PPP;
• Oportunidade para elaborar um método de concurso standard e respetivos documentos, através do diálogo revisão das melhores práticas;
• Identificação, por parte do setor privado, do mercado PPP do Canadá como um mercado prime;
• Alargar a utilização dos contratos em PPP dos setores tradicionais (estradas, hospitais) para outros setores como a abastecimento de água e tratamento de águas residuais;
• Alguns municípios de maior dimensão estão a recorrer às PPP;
• O número de utilizações do P3 Canada fund está a aumentar, fazendo com que estes negócios sejam baseados nas boas práticas desenhadas e garantindo a máxima obtenção do value-for-money.
____________________________________________________________________________
Ameaças
• Não se conhece a totalidade dos efeitos das novas restrições orçamentais nos investimentos efetuados e na utilização das PPP;
• Existe uma curva de aprendizagem na utilização das PPP por parte das autoridades públicas;
• A lacuna ao nível da inexistência das melhores práticas afasta o interesse do setor privado;
• Nem todas as jurisdições possuem entidades capacitadas para gerir um contrato em PPP;
• Apenas 20% (aproximadamente) dos contratos em PPP conseguem atingir melhor value-for-money, devido aos moldes dos atuais contratos;
• A crescente utilização de PPP pode levar a restrições de financiamento.
Fonte: (PPP Canada Inc., 2010)
46
A utilização das PPP não é uniforme em todo o Canadá. Alguns estados recorrem mais a este tipo de
contratação, como são exemplo do Estado de British Columbia, Ontario, Alberta e Quebec. Estes
Estados utilizaram as PPP como pretexto de alcançarem melhor value-for-money do investimento
público para a população. Como forma de estimular o seu uso, o Governo Federal implementou um
programa de incentivos financeiros não sendo ainda certo o sucesso que esta iniciativa alcançou.
Com base na primeira experiência de PPP verificou-se não existir um contrato standard do modelo de
utilizado, dado que se verificaram diferenças no método de abordagem, nomeadamente em relação
ao procedimento, análise de VfM, entre outros. Assim, verifica-se uma necessidade de adaptação no
tipo de apoio prestado pela PPP Canada, dado que se identificou que as estruturas menos
capacitadas para lidar com contratos em PPP necessitavam de maior intervenção e ajuda pela
referida entidade e que o período de negociações prolongava-se quando comparadas com outras
estruturas mais capazes de lidar com estes processos (PPP Canada Inc., 2010).
O Quadro 17 pretende transmitir uma visão atual geral das PPP no Canadá.
Quadro 2 ‐ PPP no Canadá (Adaptado: PPP Canada Inc., 2010)
Os próximos anos serão um desafio para o futuro das PPP, tendo em conta as medidas definidas de
restrição orçamental. Se, por um lado, as PPP oferecem garantias de controlo de custos, limitando o
montante investido e criando custos faseados, por outro esta restrição orçamental vai, muito
provavelmente, afetar investimentos não considerados fundamentais, diminuindo o leque diversificado
47
de PPP, centrando-se em serviços essenciais como transporte ou cuidados sociais (PPP Canada Inc,
2010).
3.2.4. Austrália
Durante séculos, houve uma cooperação entre o Governo e o setor privado. No entanto, inserido
numa vaga de política de governação denominada de New Public Management (NPM), estes laços
foram reforçados e houve um recurso mais intenso do Estado aos serviços do setor privado, tendo
ocorrido uma mudança radical nos países da OCDE em busca de melhorar a conjuntura económica,
e promover uma política de maior eficiência (English, 2006). Na Austrália, a adoção da contratação
em PPP sofreu várias derivações, com diferentes panoramas do contexto económico-financeiro,
sendo possível distinguir três períodos distintos do envolvimento do setor privado em serviços
tradicionalmente públicos (Maguire e Malinovitch, 2004).
A primeira geração de PPP é enquadrada no intervalo entre o final dos anos oitenta e 1992. Aí
verificou-se uma preocupação quase exclusiva em garantir os investimentos necessários respeitando
os limites de endividamento impostos pelo Australian Loan Council. A utilização de PPP possibilitou a
não contabilização dos investimentos feitos no orçamento anual, e estes contratos não tinham
influência na natureza do tipo de serviços prestados ao utilizador final. Neste tipo de contratos, o
Governo assegurava taxas de retorno e transferia risco pouco significativo para os parceiros privados
e respetivos financiadores, dando assim garantias ao investimento realizado. Não obstante, o objetivo
de realizar investimentos ter sido conseguido, este feito foi alcançado com a celebração de contratos
bastante penalizadores para o setor público, nomeadamente para os contribuintes (Maguire e
Malinovitch, 2004).
Ao segundo período (1993-1999) está associada uma crença de eficiência do setor privado. Durante
esta altura, e regidas pela Infrastucture Investment Policy for Victoria, houve uma vontade política em
envolver ainda mais o setor privado em serviços de infra-estruturas, alargando assim o papel do setor
privado, passando a incluir o projeto, construção, operação e prestação de serviços, com o objetivo
de obter ganhos significativos de eficiência (Maguire e Malinovitch, 2004).
O ano 2000 constituiu um marco de mudança na utilização de PPP com o Estado de Victoria a
assumir-se como pioneiro e a alterar a política governamental para a definição de programas em PPP
na construção de infra-estruturas e serviços conexos e ainda serviços de suporte aos cuidados
médicos (Silva, 2009). Com esta mudança, houve uma alteração na visão política de um contrato em
PPP, passando de uma doutrina praticamente de exclusividade financeira, com o objetivo de máxima
redução de custos e riscos para o setor público, para uma utilização das parcerias como um veículo
para obtenção do máximo value-for-money de todo o ciclo do projeto (whole-life cost) (English, 2006).
Efetivamente, o estado de Victoria não só criou a Partnerships Victoria no ano 2000, estrutura
responsável pela condução dos processos em PPP, como introduziu ainda um conjunto de
procedimentos inovadores que possibilitaram aumentos de eficácia e eficiência que visavam a defesa
do interesse público, como a introdução do CSP e a passagem dos serviços nucleares da atividade
48
médica, como a própria prestação dos serviços clínicos, para o setor público (DTF, 2006). Foi
também decidido pelo Governo deste Estado que o método contratual a adoptar assume uma
importância extrema no sucesso do projeto a lançar e que deve determinar-se qual o processo mais
adequado, seja ele em PPP ou não (DTF, 2006). No Quadro 3 é possível identificar as diferenças
entre o modelo tradicional de contratação na Austrália e as mudanças introduzidas com o recurso às
PPP.
Quadro 3 ‐ Diferenças entre contratação pública tradicional e contratação em PPP (Fonte: Partnerships Victoria, 2006)
Devido à atual crise financeira, o financiamento privado tornou-se não só bastante mais dispendioso
mas como houve também uma redução substancial da liquidez no mercado para investir. Com este
enquadramento, verifica-se uma especial dificuldade de financiamento para os projetos PPP de maior
dimensão, sendo que o processo tende a ficar mais viável no caso de se recorrer a agrupamentos de
bancos, estando a taxa de sucesso associada ao número de bancos que compõem este
agrupamento e à sua estabilidade financeira. Como forma de mitigar este problema, o Estado deve
facilitar o acesso ao fundo destinado a estes investimentos e, para os projetos de maior dimensão,
garantir o seu financiamento, seja por suportarem diretamente o investimento, seja por assegurar as
garantias de financiamento do parceiro privado (Baker e Mckenzie, 2012).
49
4. Hospitais PPP em Portugal
4.1. Elementos-Chave numa PPP hospitalar
De seguida foram estudados os modelos de primeira e segunda geração de hospitais em PPP em
Portugal. Da análise do processo que envolve uma parceria, deste o seu lançamento até ao fecho de
contrato, identificaram-se três etapas fundamentais para o sucesso de uma PPP. Deste modo,
procedeu-se ao estudo das fases do acesso ao mercado, da partilha de risco e da gestão de contrato.
No acesso ao mercado pretende-se interpretar as condições em que ocorreram o lançamento das
parcerias. Assim, foram analisados os critérios de qualificação dos concorrentes e de avaliação das
propostas, verificando a sua melhor ou pior adequabilidade a um procedimento em PPP. Tendo em
vista uma otimização das referidas fases, foram analisados também os moldes de fluxo de
informação entre ambas as partes, nomeadamente com a adequação dos documentos utilizados.
A partilha de risco é, sem dúvida, um dos aspetos-chave para o sucesso de uma PPP. Esta fase
envolve várias etapas, todas elas de uma elevada importância, pelo que uma preparação atempada e
capaz é essencial de forma a mitigar as situações de potencial conflito existentes entre a EPC e o
setor privado.
A gestão de contrato é um processo complexo, no qual o CG celebrado é o instrumento de maior
importância que rege a relação, contratual, entre ambas as partes. É primordial que estejam
definidos, e devidamente quantificados, os mecanismos de remuneração da(s) entidade(s) gestora(s),
com o cálculo das deduções por mau desempenho claro e transparente, e de mitigação de situações
conflito, nomeadamente de incumprimento de ambas as partes.
4.2. 1ª Geração: Gestão Hospitalar e Serviços Clínicos Privados
4.2.1. Acesso ao Mercado
4.2.1.1. Considerações gerais
Na fase de acesso ao mercado pretende-se analisar e avaliar todo o processo de seleção que
decorre entre o setor público e as várias entidades do setor privado, até à celebração do CG entre a
EPC e o concorrente vencedor. Desta forma, procedeu-se ao escrutínio dos procedimentos que
antecedem a formação dos contratos nas vertentes qualificação dos concorrentes, avaliação das
propostas e negociação final. Para este efeito, recorreu-se ao programa de procedimentos e caderno
de encargos, onde, no primeiro, estão definidos os termos a que obedece o processo de qualificação
e, no segundo, está definido o conjunto de cláusulas jurídicas, técnicas e financeiras que servem de
suporte à elaboração das propostas dos diversos concorrentes, e que farão parte do CG.
Importa referir que o Decreto Regulamentar n.º 10/2003, de 28 de Abril, tem como objetivo assegurar
a coerência nas cláusulas jurídicas que vigoram no CG, nomeadamente que estas são idênticas, na
50
sua essência, às cláusulas dos procedimentos prévios à contratação, independentemente do objeto
de contrato, garantindo os moldes de um modelo comum. Assim, o procedimento padrão prévio à
contratação segue as seguintes fases:
i. Anúncio;
ii. Ato público;
iii. Qualificação;
iv. Seleção das propostas;
v. Negociação;
vi. Adjudicação;
vii. Formação do contrato.
4.2.1.2. Procedimento de qualificação dos concorrentes
Nesta fase são selecionados os concorrentes, sendo realizada uma análise de cada um destes com o
objetivo de verificar se estes cumprem os requisitos mínimos de capacidade técnica, económica e
financeira, com a finalidade de aprovação a concurso das suas propostas. Os critérios que servem de
base a esta qualificação estão definidos no programa de procedimentos, que definem, entre outros,
as condições de habilitação e qualificação dos concorrentes, os critérios de qualificação dos
concorrentes e os critérios de avaliação das propostas. Esta fase proporciona, por um lado, à
entidade adjudicante a segurança que os concorrentes têm capacidade para a execução do contrato
a celebrar, e por outro, permite aos candidatos verificar se cumprem ou não os requisitos que lhes
permite concorrer ao concurso.
4.2.1.3. Critérios de qualificação dos concorrentes
Os critérios de qualificação dos concorrentes encontram-se no capítulo IV do programa de
procedimentos nomeadamente nos artigos 33º (Hospitais de Cascais, Braga e Vila Franca de Xira) e
artigo 31º (Hospital de Loures).
Como referido, pretende-se classificar a competência das entidades concorrentes em cumprir o
estipulado no CG, e como tal o programa de procedimentos define o leque de critérios para
assegurar, na ótica na EPC, o cumprimento do objetivo. De facto, verifica-se uma abrangência dos
critérios em todos os parâmetros a avaliar nos concorrentes, para todo o processo desde o
financiamento e conceção à exploração / manutenção. Não obstante, os parâmetros fazem exigência
sempre ao nível qualitativo, referindo as exigências a que o concorrente tem que corresponder, não
traduzindo, contudo, esse aspeto qualitativo numa escala através da qual seja possível tornar
mensurável a maior ou menor correspondência de cada parâmetro por parte de cada um dos
concorrentes. Ou seja, a EPC sabe o tipo de experiência dos concorrentes desconhecendo, no
entanto, o nível de profundidade e envolvimento dessa experiência. Efetivamente, as boas práticas
internacionais (WB Model Request for Qualification) referem a confirmação da experiência técnica
dos concorrentes com base num número a definir (limitado) de projetos realizados, bem como
experiência de financiamento em montantes acima de um valor a definir já completados.
51
Ao nível dos critérios de capacidade técnica dos concorrentes, o programa de procedimentos do
HVFX refere, entre outros, a experiência dos concorrentes quer na elaboração de projetos de
arquitetura e de engenharia, e posterior fase de construção, quer na gestão conservação e
manutenção de edifícios públicos de natureza semelhante ao edifício objeto de contrato. As boas
práticas internacionais (National PPP Guidelines – Volume 2) dão enfâse à experiência do
concorrente em liderar projetos semelhantes nos moldes de PPP. Este facto justifica-se uma vez que
aquando o lançamento da primeira fase, a experiência portuguesa em PPP, especialmente no setor
da saúde, era diminuta ou inexistente para a generalidade das empresas portuguesas, e portanto o
setor público privilegiou o know-how do objeto do contrato face aos moldes de contratação em PPP,
garantindo maior competitividade das empresas nacionais. Salienta-se no entanto a preocupação do
setor público em premiar a experiência do setor privado em edifícios de utilização pública de grande
dimensão, beneficiando, desta forma da experiência de gestão das entidades privadas em, por
exemplo, hospitais privados existentes.
Tendo em conta a complexidade destes projetos, um dos riscos associados é a falta de entendimento
entre as várias entidades do consórcio concorrente pelo que as boas práticas internacionais
contemplam ainda a experiência passada do consórcio em trabalhos conjuntos, caso exista.
Em relação ao tempo previsto para a fase de qualificação dos concorrentes não há prazos
estipulados específicos, o programa de procedimentos apenas prevê uma data de entrega das
propostas, o que pode levar a um prolongamento para além do desejável. As boas práticas
internacionais estimam um prazo variável entre 4 a 6 semanas para a entrega das propostas, com a
ressalva de poder ocorrer maiores diferenças consoante a complexidade do projeto (National PPP
Guidelines, 2011).
Em suma, a falta de objetividade dos critérios de qualificação impediu a EPC de efetuar um escrutínio
rigoroso das capacidades reais financeiras, técnicas e de experiência passada podendo, desta forma,
comprometer a concretização dos objetivos da parceria, e torna o processo de seleção dos
concorrentes pouco transparente. Os critérios de qualificação dos concorrentes devem ter níveis
quantitativos definidos tornando, deste modo, o trabalho das CAP mais eficiente, dado que não tem
que filtrar informação desnecessária, sintetizando o processo na avaliação de um conjunto de
outputs. Assim, também a não qualificação de um concorrente fica com o processo simplificado,
tornando as razões de exclusão claras e objetivas.
4.2.1.4. Documentos de qualificação
Os documentos a entregar pelas entidades concorrentes – Documentos de qualificação – à EPC
estão definidos no capítulo segundo o programa de procedimentos (artigo 13º Loures, artigos 15º
Braga, Cascais e Vila Franca de Xira), estando seccionados nas vertentes de documentação para
avaliação técnica e para avaliação da capacidade económico-financeira.
De seguida elaborou-se uma tabela de correspondência entre os documentos solicitados e o
respetivo critério de avaliação a satisfazer (Quadro 4).
52
Quadro 4 ‐ Correspondência entre doumentos solicitados e critérios de qualificação a satisfazer
Verifica-se um elevado número de documentos a solicitar e que a entrega destes resulta num estado
global “em bruto” para efeitos de avaliação da EPC, isto é, há um elevado detalhe nos documentos a
entregar pelos concorrentes, cabendo à EPC a triagem e seleção dos pontos mais relevantes dos
mesmos com o fim de proceder à avaliação de cada concorrente, verificando se cumpre ou não os
critérios de qualificação definidos. Daqui resulta um elevado dispêndio de recursos e tempo neste
processo. Adicionalmente, verificou-se nos vários concursos da 1ª vaga de hospitais uma repetição
dos concorrentes, sendo que estes tiveram que enviar repetidamente todos os documentos
solicitados, contribuindo para um congestionamento ao nível do tratamento da informação,
especialmente do lado das entidades públicas, com a agravante de estas possuírem,
assumidamente, poucos recursos e capacidade para lidar com a complexidade imposta, no horizonte
temporal pretendido. Verificou-se, assim, uma falta de análise à efetiva capacidade do Estado em
conseguir lidar com a complexidade destes processos, à qual se junta o facto de não haver qualquer
experiência de PPP no setor da saúde (TC, 2009).
Em relação ao caderno de encargos verificou-se uma falta de adequação tendo em conta os moldes
em PPP, nomeadamente na extensão e complexidade na sua estrutura e conteúdo, elevado número
de especificações técnicas e desadequadas face às exigências induzidas (Cabaço, 2011). Se, por um
lado, compreende-se a elevada definição de parâmetros do caderno de encargos como forma de
tentar garantir a qualidade pretendida, por outro este grau de detalhe funciona como bloqueador à
capacidade de inovação do setor privado e consequente obtenção de otimização operacional
(Cabaço, 2011).
Um documento com especial importância nesta fase é o modelo de proposta, pois permite, por um
lado, ao setor privado responder de forma objetiva aos critérios exigidos pela EPC e, por outro, ao
setor público obter ganhos significativos de eficiência na fase de avaliação das propostas, que é
precisamente a fase mais morosa na 1ª geração das PPP na saúde (TC,2009). A melhor adequação
deste documento ao objeto de contrato transmite ainda melhor um sentido de transparência ao setor
privado e consequente aumento de empenho e compromisso no processo (National PPP Guidelines,
2011).
53
4.2.1.5. Avaliação das Propostas
A avaliação das Propostas é da responsabilidade da CAP que visa aplicar o conjunto de critérios,
previamente definidos no Programa de Procedimento, para a sua avaliação, por forma a seleccionar a
proposta que maior benefício acrescenta ao interesse público. A referida comissão deverá ser
constituída até ao início da fase de procedimento prévio à contratação, sendo designada por
despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde (Cabaço, 2011). Esta seleção incide
apenas nos concorrentes qualificados. De uma forma geral, os critérios de avaliação das propostas
devem estar focados essencialmente nos outputs pretendidos para o objeto de contrato, garantindo
que são definidos os parâmetros mínimos que satisfaçam a exigência pretendida pelo parceiro
público. Desta forma, assegura-se que há uma correta alocação do risco (num contrato focado em
inputs contratuais o risco deles associados ficaria, pelo menos, parcialmente do lado público) e
premeia a vantagem de utilizar a experiência do parceiro privado como driver de inovação e
potenciador de ganhos de eficiência. No entanto, o caderno de encargos deve estabelecer um
conjunto mínimo de parâmetros que vão ao encontro das pretensões do parceiro público,
nomeadamente nos campos de funcionalidade operacional, especificações de arquitetura,
especificações técnicas, mobiliário e equipamento (FF&E) e especificações de serviços de gestão de
edifícios. No caso dos hospitais de 1ª geração, estas especificações têm que englobar ainda os
termos de produção e satisfação a atingir pela EGEst, bem como os respetivos meios de pagamento
e a sua relação com a performance atingida.
Assim, os critérios de avaliação das propostas são:
Qualidade técnica das propostas: 45%;
Valor global atual líquido dos pagamentos anuais a realizar pelo Estado ao abrigo do Contrato
de Gestão: 38%;
Solidez da estrutura empresarial e financeira: 10%
Grau de risco e de compromisso associado à proposta: 5%;
Prazos de execução do projeto 2%.
A quantificação destes critérios dá maior relevância à qualidade técnica das propostas, que segue as
linhas de orientação internacionais de boas práticas, e destaca-se o critério de risco e de
compromisso associado à proposta dos privados que pretende reforçar a ideia da necessidade de
cooperação entre ambas as partes num tipo de contratação como o utilizado, criando sinergias
globais.
Devido à complexidade do modelo de PPP, com especial relevo para uma parceria em saúde, o
processo até à seleção da proposta vencedora deve ser dinâmico, com apresentações e seminários
de iniciativa pública não só para esclarecer os privados de potenciais dúvidas existentes mas como
forma de transmitir o melhor possível os objetivos pretendidos, mitigando o risco de propostas de
qualidade inferior. Acontece que nos concursos da 1ª geração de hospitais esta política de boas
práticas não foi seguida, tendo sido detetadas lacunas ao nível da calendarização dos trabalhos de
avaliação das propostas e de reuniões de esclarecimento, fatores estes explicados pela acumulação
54
de funções dos membros das CAP associada a uma deficiente gestão de projeto na área da saúde
(TC, 2009). No entanto, os problemas verificados na fase da avaliação das propostas são ainda mais
abrangentes, estando também relacionados com os fatores de avaliação que ou estavam demasiado
detalhados ou pecavam por haver uma falta de clareza na sua valoração, resultando numa difícil
comparabilidade das propostas e respetiva avaliação – o caso do primeiro concurso do Hospital de
Loures foi um perfeito espelho desta situação (TC, 2009). Efetivamente, o elevado grau de detalhe do
caderno de encargos funcionou como inibidor da autonomia do concorrente para o desenvolvimento
de soluções inovadoras, encetando uma partilha de risco desnecessária numa fase muito inicial do
processo, e tornando o processo menos eficiente quando comparado com uma avaliação centrada
em requisitos mínimos a obedecer.
O programa de procedimentos prevê a seleção de dois concorrentes para a fase de negociação, o
que, por um lado, tem a desvantagem de no caso de desistência de um dos concorrentes, a
negociação fica claramente degradada, retirando capacidade negocial à EPC, mas por outro com 3
candidatos (número máximo aconselhável) torna o processo mais demorado e oneroso, mas que,
regra geral, traz mais benefícios para o Estado e consequente interesse público.
No quadro seguinte (Quadro 5) é possível verificar a diferença drástica entre o tempo previsto pela
EMPS na fase de qualificação das propostas.
Quadro 5 ‐ Duração da fase de avaliação das propostas prevista e efetiva (Fonte: TC, 2009)
Conforme se pode observar, e segundo o TC (2009), a fase de avaliação das propostas não só foi a
fase mais demorada em todo o processo até à celebração do contrato, em contradição com as
previsões da EMPS que previam que a fase de apresentação das propostas fosse a mais alongada,
como ocorreram atrasos médios de 224% na globalidade desta fase nos quatro hospitais de 1ª
Geração.
4.2.2. Partilha de Risco
4.2.2.1. Considerações gerais
A qualquer projeto de PPP está associado um elevado grau de risco, muito devido à elevada
complexidade que envolve todo este processo. O risco pode ser definido, segundo Furnell, como a
probabilidade de ocorrer tal acontecimento que alteraria as condições atuais do projeto tendo em
conta as previsões de receitas e custos inicialmente estimadas (Risk Allocation and Contractual
Issues, 2001). De uma forma geral, o risco pode ser analisado segundo o processo tradicional de
gestão de risco, nomeadamente na identificação e avaliação do risco, alocação do risco e estratégia
55
de mitigação, monitorização e controlo do risco. Este processo gera informação que vai ser usada,
entre outras finalidades, na determinação do CSP, na avaliação do VfM, na determinação do
mecanismo de pagamentos, no desenvolvimento dos planos de gestão de risco e permite dar suporte
aos termos contratuais a estabelecer (National PPP Guidelines, 2011). Como exemplos comuns, esta
forma contratual é suscetível a riscos de planeamento/regulação, riscos legais, riscos de
procura/volume, riscos de construção, riscos de financiamento, riscos operacionais, riscos de força
maior, entre outros.
De uma forma geral, numa PPP existem três formas óbvias de lidar com o risco: ou um dos parceiros,
público ou privado assume a totalidade da responsabilidade do risco ou ocorre uma partilha de risco
entre os dois. A definição de qual o método a utilizar para cada risco constitui objeto de inúmeros
estudos, não reunindo o consenso internacional. Não obstante, a transferência de risco da EPC para
o setor privado deve ser utilizada como um instrumento e não como um objetivo (Barros, 2009). Se,
por um lado, é reconhecido que o Estado tem mais capacidade de absorver uma maior diversificação
de risco, por outro para o parceiro privado assumir o risco é preciso ser remunerado. Deste modo
apenas na situação em que a remuneração ao privado seja inferior ao custo que o setor público teria
para o suportar existe valor económico nesta transferência (Cabaço, 2011). No entanto, a superior
capacidade do setor público em lidar com a diversidade de risco resulta num menor custo para o
Estado de suportar diretamente esse risco do que para o setor privado. Daqui se conclui que é difícil
encontrar uma situação na qual a simples transferência de risco se torne proveitoso para o setor
público sendo, por isso, necessário existirem outros fatores que gerem valor nesta parceria e para a
qual a transferência de risco é um instrumento necessário para a obtenção dos objetivos de VfM
propostos (Barros, 2010). Assim, um dos principais argumentos para a utilização de uma parceria
entre o Estado e o setor privado é a crença da assumida melhor capacidade de gestão do parceiro
privado no desenvolvimento das atividades objeto de contrato, como por exemplo a construção de
infra-estruturas. Desta forma, com o objetivo de estimular a capacidade de gestão do privado, a
transferência de risco é utilizada como um instrumento para esse fim, desde que os ganhos de
eficiência sejam superiores ao custo que o Estado teria que suportar pela via tradicional,
compensando a transferência de risco do público para o privado (Silva, 2009; Barros, 2009).
4.2.2.2. Princípios da partilha de risco
A transferência de risco é um aspeto particularmente importante num contrato de PPP que, como já
salientámos, deve ser utilizada como instrumento para alcançar os objetivos, pelo que a identificação
e respetiva análise dos riscos deve ser realizada atempadamente bem como deve ficar clara a
alocação de cada risco. Desta forma, a partilha de risco deve ser regida por princípios de boas
práticas, com a atribuição do risco à parte que tem melhor capacidade para o gerir (Cabaço, 2011).
De facto, segundo Oudot, a partilha de risco deve ser articulada à entidade que melhor capacidade
tem para gerir determinado risco, tudo o resto constante, e que deve ser atribuído ao parceiro que
tem o menor custo para o suportar, tudo o resto constante (Simões, Barros et al., 2010). O quadro
legal português, nomeadamente para o regime jurídico das parcerias em saúde com gestão e
financiamento privado (Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto) refere que “a distribuição de riscos
56
deve ser feita atribuindo-os às partes mais competentes para a sua gestão”, o que leva a concluir a
importância da correta identificação e alocação dos riscos de todo o projeto.
Se, por um lado, assume-se o pressuposto da superior capacidade do Estado em suportar a
diversidade do risco, então é estritamente necessário que a entidade privada da parceria possua uma
maior capacidade de gestão de risco por forma a criar condições de benefício económico mútuo
(Simões, Barros et al., 2009). Tradicionalmente, as obras públicas raramente são realizadas quer
dentro do horizonte temporal previsto quer dentro do orçamento aprovado, tornando óbvia a
deficiente capacidade gestora do setor público (TC, 2009). Entre os fatores que para tal contribuem,
destaca-se a incapacidade de renegociar derrapagens de custos, assumindo sempre os encargos a
mais do projeto, dado que há o compromisso de acabar a obra e, no caso particular dos hospitais,
este sentido de compromisso é ainda maior, dado o simbolismo e a importância do ponto de vista
social (TC, 2009). Outro aspeto que contribui para estas derrapagens prende-se com a fiscalização
ineficiente, devido à falta de incentivos, dado que quer se aplique ou não mais esforço de
acompanhamento, este não se reflete na remuneração dos trabalhadores do setor público (Simões et
al., 2010). Assim, na negociação por parcerias, o facto de o preço contratado ser fixo dá à parte
privada incentivos de uma gestão de recursos mais eficiente dado que ganhos daí provenientes vão
traduzir-se em mais-valias próprias.
4.2.2.3. Identificação e avaliação do risco
Tipicamente, os riscos são identificados por referência a categorias de risco e/ou a diferentes fases
do ciclo-de-vida do projeto. Não obstante tratar-se da fase inicial, a correta identificação do risco
reveste-se de grande importância, podendo ocorrer daqui erros com consequências graves. Como
exemplo, o risco de mudança de legislação tanto pode estar associado a um risco de rede ou um
risco operacional (Partnerships Victoria, 2001).
Após a correta identificação do risco, torna-se necessário proceder à sua avaliação, sendo para tal,
necessário ter em atenção dois fatores determinantes:
a probabilidade de ocorrência;
a magnitude das consequências, no caso de ocorrer.
Muitos dos riscos têm a probabilidade de ocorrência associada à sua melhor ou pior alocação, isto é,
caso a alocação do risco esteja afeta à parte mais bem posicionada para o controlar, este vai
proceder de forma preventiva com o objetivo de tentar minimizar a sua ocorrência, e é também a
parte que tem mais fácil acesso à informação sobre a probabilidade de materialização do risco e
pode, consequentemente, estabelecer um prémio de risco mais realista e adequado (Marques e Berg,
2010).
As consequências de ocorrência do risco são, de modo geral, melhor mensuráveis pela parte
responsável pelas caraterísticas técnicas e/ou estruturais e pelos acordos financeiros estabelecidos e
como tal esta parte encontra-se em posição privilegiada para lidar com os riscos no caso de
57
ocorrerem. Aquando da estimativa das consequências dos riscos, não só o potencial de custos de
reposição deve ter sido em conta mas também os custos de mitigação do risco, incluindo a alocação
a uma seguradora (Partnerships Victoria, 2001).
4.2.2.4. Alocação do risco
Como tem sido várias vezes referenciado, a correta alocação do risco é um dos fatores chave de
sucesso de uma PPP. Uma das primeiras mudanças a ocorrer do lado do setor público relaciona-se
com a mudança de mentalidade em relação à contratação pública tradicional acreditando, por isso, na
construção de uma relação de confiança entre os dois parceiros. Numa PPP, o Estado contrata um
serviço e, portanto, deve concentrar-se na avaliação desse serviço, centrando-se numa eficiente e
objetiva definição e avaliação de outputs. Quanto maior forem as especificações iniciais do lado
público, mais limitado o setor privado fica na sua solução proposta e, portanto, com menos
responsabilidade e risco associado. Decisões técnicas que comprometam, por exemplo, a fase de
construção e/ou depreciação física do hospital devem ficar do lado do privado (Partnerships Victoria,
2001).
Existem, no entanto, alguns riscos em que nenhuma das partes encontra-se melhor posicionada para
os controlar. Neste caso, se o setor público definir que estes riscos devem ser suportados pelo setor
privado, o prémio a remunerar será elevado e, portanto, diminui o value for money global do projeto,
indo contra a filosofia de PPP. Assim, muitas vezes este tipo de risco é partilhado entre as duas
partes, e juntos tentam mitigar e assumir em conjunto as consequências de materialização do risco,
como é o exemplo de riscos de força maior ou, no caso do setor hospitalar, a possibilidade de
aumentar a capacidade no futuro, dependendo de uma evolução de padrões locais não possíveis de
determinar na altura do contrato (Partnerships Victoria, 2001).
Desta forma, com base num estudo realizado pela DGTF, elaborou-se um quadro resumo dos quatro
hospitais da 1ª fase, permitindo uma fácil comparação dos moldes de alocação dos diferentes riscos
utilizados para cada uma das unidades hospitalares, como mostra o Quadro 6. Numa primeira
abordagem geral, verifica-se uma grande semelhança na alocação dos riscos entre os projetos
relativos aos hospitais de Braga, Loures e Vila Franca de Xira (à exceção do risco tecnológico no
Hospital de Loures e do risco de procura), com as opções de alocação de risco retido pela EPC, risco
transferido e risco partilhado a manterem-se constantes, apenas variando, de uma forma não muito
significativa, os pesos de ponderação afetos a cada tipo de alocação. Tendo em conta que o Hospital
de Cascais foi o primeiro a ser concluído e, portanto, foi a primeira experiência de hospitais em PPP
(o 1º concurso do Hospital de Loures foi anulado), assume-se que a maior divergência em termos de
alocação de riscos esteja relacionada com este facto, dado que a estrutura pública (EMPS) tinha falta
de experiência para garantir o normal desenrolar do processo deste tipo, facto comprovado na
medida em que a matriz de risco deste hospital apenas foi realizada após o lançamento do respetivo
concurso (TC, 2008). Ao nível dos hospitais de 1ª geração constata-se uma significativa transferência
de risco para o setor privado ao nível dos riscos da conceção, construção, financeiro e de criar os
instrumentos necessários para uma correta fiscalização pela EPC. Este tipo de alocação dos
58
referidos riscos encontra-se na mesma filosofia das normas de boas práticas internacionais, com a
ressalva do risco de construção ser partilhado, dado que a própria EPC quis deixar em aberto a
possibilidade de alteração do projeto, assumindo o correspondente risco. Ao nível da exploração há
uma transferência de risco também significativa para o parceiro privado (qualidade, sobrecustos,
desempenho, gestão e adequação dos meios humanos e materiais e investimentos de reparação e
substituição), destacando-se, no entanto, os riscos do lado da EPC ao nível da transmissão da
titularidade das bases de dados e aplicações do Hospital de São Marcos (Hospital de Braga) e do
Hospital Reynaldo dos Santos (Hospital de Vila Franca de Xira). Destaca-se ainda os custos
associados à atividade de urgência, que afetam todos os quatro hospitais, uma vez que a
remuneração desta atividade não se encontra limitada superiormente. No caso do HVFX, a EPC ficou
ainda responsável pelas dívidas do Hospital de Reynaldo dos Santos, com exceção daquelas que
resultem da transmissão das situações jurídicas laborais.
59
Quadro 6 ‐ Comparação da alocação de riscos nos quatro hospitais de 1ª Geração PPP (Adaptado: DGTF, 2012)
60
Na gestão de contrato, a EPC assume os riscos ligados essencialmente à função reguladora,
comprometendo-se a realizar uma fiscalização adequada e atempadamente, zelando pelos
interesses públicos. Ainda do lado público refere-se o risco decorrente dos montantes das
cauções e para a responsabilidade subsidiária, e respetivos prazos, serem insuficientes. De
facto, ao nível das garantias verifica-se que, após dois anos da data de entrada em
funcionamento do Novo Edifício Hospitalar (ou data da conclusão da transferência do
Estabelecimento Hospitalar), ambas as entidades gestoras podem levantar a caução,
passando a existir duas formas de pagamento de multas: ou o montante total de multas
aplicadas, calculado pela EPC e confirmado pela EG, é deduzido ao pagamento seguinte a
este cálculo ou então é dada a opção à EG para proceder ao seu pagamento. Refere-se ainda
que, à data deste estudo, o Hospital de Braga encontra-se sob aplicação de quatro multas, de
valores significativos, mas que para as quais a EG recusa assumir a culpa e respetivo
pagamento, estando relacionadas com indisponibilidade de um serviço de Urgência
operacional 24h/dia, entre outros incumprimentos, estando o assunto a ser mediado pela
Entidade Reguladora da Saúde. Do lado do parceiro privado, referem-se os riscos associados
ao relacionamento entre as diversas entidades privadas intervenientes, incluindo as entidades
subcontratadas, e os riscos de avaliação de desempenho, com consequente possibilidade de
multas e sequestro.
Os riscos de procura encontram-se mitigados contratualmente, como é o caso do risco da
produção efetiva prestada a utentes que não pertençam à população da área de influência do
Estabelecimento (mitigado com um teto máximo de 10% da produção prevista) e, no caso da
produção efetiva for muito inferior à produção prevista, há uma partilha de risco na qual o
parceiro privado pode ser sujeito a deduções à remuneração e tem que apresentar um relatório
diagnóstico explicativo da diferença de verificada e apresentar um plano de medidas com o
objetivo de corrigir os problemas identificados. O risco de transferência indevida das novas
unidades hospitalares para outros hospitais do setor público está do lado da EPC sendo, no
entanto, mitigado pela aplicação de multas à EG, se detetada a sua prática.
Em relação aos riscos financeiros, o risco de financiamento encontra-se do lado do privado,
conforme sugerem as boas práticas internacionais, e o risco de inflação encontra-se partilhado:
a EPC assume o risco da evolução dos preços de referência associados aos cuidados de
saúde e da evolução da parcela variável da remuneração da EGEd, enquanto as EG assumem
o risco da componente fixa da EGEd e do valor das cauções.
Os riscos legais estão maioritariamente do lado da EPC, especialmente numa ótica de
alteração específica da legislação da qual incorra uma diminuição de receitas ou aumento de
custos para as entidades gestoras, e se verifique a necessidade de repor o equilíbrio
financeiro, a favor das entidades privadas.
Os riscos de força maior não são de todo controláveis pelas entidades gestoras, nem pela
EPC, o que torna difícil a sua transferência. No caso de existirem seguradoras que comportem
61
esses tipos de riscos, torna-se possível mensurar a consequência económica da transferência,
permitindo assim um melhor poder de decisão quanto à sua alocação. Este risco é partilhado
entre a EPC e as EG em todos os hospitais, à exceção do Hospital de Cascais, no qual todo o
risco está do lado público. A matriz de risco é o resultado da análise da decisão da melhor
parte gestora de cada risco e das suas consequências no caso de materialização do risco,
sendo de fácil leitura e compreensão, com utilidade para comparação entre outros projetos de
caraterísticas semelhantes.
De seguida analisou-se a partilha de risco feita no HVFX, pelo que foi elaborada uma matriz de
risco (Quadro 7) com os riscos de maior relevo e respetivo nível de risco, e comparou-se os
resultados com as recomendações das boas práticas nacionais e internacionais, com especial
enfoque nas diretrizes das unidades de PPP dos Governos da Austrália, do Canadá e do
Reino.
Quadro 7 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Vila Franca de Xira
62
Tendo por base a alocação feita na matriz acima apresentada, verifica-se que ao nível do risco
geotécnico, risco de conceção e risco de construção são assumidos quase na totalidade pelo
parceiro privado, à semelhança das indicações das guidelines internacionais supracitadas,
ficando apenas do lado da EPC alterações pontuais de projeto ou alteração de trabalhos
realizados e especificamente a pedido desta, assumindo o risco associado.
Os riscos de exploração/manutenção e os riscos de gestão de contrato são partilhados,
havendo, no entanto, uma clara diferenciação dos papéis de cada parceiro. Enquanto as EG
são responsáveis pelas atividades desenvolvidas no âmbito do contrato de gestão, desde a
obtenção de licenças e autorizações à implementação de sistemas de qualidade ou de
monitorização de desempenho, à EPC cabe o papel de fiscalização da atividade das EG,
através dos sistema de monitorização instalados, cabendo-lhe a responsabilidade de verificar
se estes são adequados ou se é necessário proceder à revisão dos parâmetros de
desempenho, cujo risco é partilhado. Uma das mais importantes responsabilidades da EPC
reside no risco associado à aplicação e cobrança de multas: se na ocorrência de falhas de
desempenho por parte das EG não existir um eficaz processo de penalização deixa de haver
um instrumento que assegura a bom desempenho do hospital e compromete toda a relação de
confiança entre o parceiro público e privado. Conclui-se, então, a importância de um bom
sistema de monitorização, que cumpra os parâmetros de controlo e registo, bem como de
acessibilidade, e que acima de tudo haja, por parte da EPC, uma capacidade de aplicação e
cobrança de multas como medida de garantir os padrões de qualidade definidos. As guidelines
internacionais dão ênfase à prévia definição ao conjunto do modelo de pagamento, regime de
penalidades a incorrer por falhas de desempenho e definição clara e objetiva dos outputs
pretendidos. A produção prevista é um risco partilhado, determinado anualmente em acordo
entre público e privado com base no estipulado no Contrato de Gestão e por, um lado, é um
dos parâmetros de análise do desempenho da EG (quando comparado com a produção
efetiva) e caso não sejam atingidos os valores mínimos definidos, a EG obriga-se a identificar
os pontos em falha e elaborar um relatório com medidas corretivas. Os riscos de sequestro,
resgate e rescisão estão previstos no contrato de Gestão, onde estão definidos também os
moldes de aplicação, que alocam um peso bastante significativo no lado do parceiro privado –
qualquer um destes riscos está associado ao mau desempenho de uma ou das duas entidades
gestoras. As guidelines internacionais prevêem o que está estipulado nas cláusulas
contratuais, nas quais é dada a possibilidade às EG de cumprirem os parâmetros acordados
e/ou corrigir as consequências dos seus maus atos, antes de uma intervenção da EPC.
Em relação aos riscos financeiros, as boas práticas alocam fundamentalmente no lado privado,
com a particularidade do risco da inflação que se, por um lado, o parceiro privado assume a
responsabilidade do método financeiro utilizado, a EPC deve aceitar partilhar as suas
consequências, e é o que está estipulado no Contrato de Gestão, com a indexação da inflação
aos preços de referência da prestação dos serviços clínicos e na parcela variável da
remuneração da EG do edifício.
63
As boas práticas internacionais referem que o risco de alteração do quadro legal deve ser
maioritariamente assumido pela EPC, por razões óbvias é a parte que melhor o pode controlar,
mas que, no entanto, o setor privado pode aceder partilhar as consequências financeiras,
colocando um limite máximo superior a partir do qual será a EPC a suportar os demais custos.
O Contrato de Gestão do Hospital de Vila Franca de Xira foca essencialmente as alterações
legislativas de caráter específico cujas consequências tenham implicações diretas e relevantes
ou em perdas de receitas ou em aumento de custos para as entidades gestoras, e que pode
levar à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato, a favor do privado. Constata-se que os
valores para os quais a entidade gestora está efetivamente prejudicada e pode ter direito à
reposição do equilíbrio financeiro estão devidamente quantificados.
4.2.2.5. Mitigação do risco
A mitigação do risco é a última fase do processo de análise e avaliação do risco e tem como
objetivo definir um conjunto de fatores que visem mitigar quer a ocorrência quer as
consequências de cada risco, nas diferentes fases de uma PPP.
Do lado público, o risco pode ser mitigado com uma adequada preparação de todo o ciclo do
protejo, com uma correta identificação da necessidade de uma infra-estrutura/serviço, bom
planeamento de toda a fase pré-contratual, desde a qualificação dos concorrentes aos critérios
de avaliação das propostas, com recurso a consultoria especializada, uma fiscalização
adequada e eficiente do desempenho do parceiro privado e definição de planos de
contingência no caso de quebra de contrato.
O setor privado, de uma forma geral, assume os riscos em que é possível determinar o seu
impacto económico e que conseguem ser adequadamente geridos e mitigados. Tipicamente as
formas de mitigação do risco usadas pelo privado são:
Transferência de responsabilidades para terceiras entidades – a alocação do risco a
uma terceira entidade, que se encontra em melhor posição para controlar o risco e
como tal assume um prémio menor de risco. Convém denotar que embora este
sistema de transferência de risco consiga otimizar recursos, em último caso a entidade
privada (SPV) é a responsável pelos riscos;
Recurso a seguros – transferência do risco a uma terceira entidade com
especialização e matéria de responsabilidades de riscos e, como tal, com uma análise
crítica de avaliação do risco mais competente e prémio de risco mais ajustado;
Recurso a instrumentos financeiros – acordos financeiros que visem proteger o SPV
da inflação, taxas de juro ou taxas cambiais.
Desta forma, foi elaborada o Quadro 8 que define os fatores de mitigação dos riscos
associados ao modelo contratual utilizado na 1ª Geração de hospital em PPP.
65
Cada uma das fases da estratégia de análise e avaliação de risco reveste-se de grande
importância pois é o conjunto de resultados que advêm de cada uma delas que possibilita um
acréscimo de ganho de VfM do projeto e que pode ser decisivo no sucesso da parceria. Assim,
o papel da EPC na gestão de risco é fundamental, cabendo-lhe a responsabilidade de ser o
parceiro mais ativo na determinação e execução desta estratégia, e tem que ser uma das
prioridades iniciais do projeto. Apresenta-se na Figura 17 as etapas da gestão do risco.
Figura 17 ‐ Etapas da gestão do risco
Concluída a análise de gestão do risco, com a determinação da estratégia de mitigação dos
riscos do projeto, cabe à EPC garantir a sua efetiva implementação, através de instrumentos
financeiros e/ou outros, e que haja uma relação de confiança entre ambas as partes que
garanta o seu cumprimento.
4.2.3. Gestão de Contrato
4.2.3.1. Considerações gerais
O tema de gestão de contrato num Parceria Público-Privada é especialmente importante no
setor da saúde no âmbito de gestão hospitalar uma vez que o grau de complexidade que
carateriza este tipo de contratos é extremamente elevado.
Pretende-se no presente capítulo abordar este tema numa parceria, analisando o sistema de
monitorização e de informação implementados, dado que é a partir destes que se torna
possível, por um lado, o parceiro privado obter um controlo do desempenho do hospital e, por
66
outro o setor público realizar a sua própria avaliação, concluindo o grau de cumprimento em
relação aos objetivos definidos no Contrato de Gestão. Deste modo, escrutinou-se estes
sistemas quer do lado da EGEst e da EGEd, sendo da responsabilidade destas entidades a
conceção, implementação e gestão dos sistemas.
Em relação ao sistema de informação, este deve garantir a recolha, processamento e
disponibilização dos dados necessários para um correto acompanhamento da generalidade
das atividades objeto do Contrato. Estes não devem esquecer a confidencialidade e integridade
das informações nele contidas e assegurar que a informação é disponibilizada em tempo útil
para os utilizadores autorizados, nomeadamente a EPC. Está previsto também no contrato a
garantia de transferência dos registos, devidamente tratados e conservados, aquando o
momento da reversão.
O sistema de monitorização é o instrumento que permite a avaliação e monitorização do
desempenho do parceiro privado em relação às condições impostas no Contrato, bem como
das entidades sob sua orientação. Deste modo, é desenhado com vista a garantir três objetivos
centrais:
A auto-avaliação através registo das informações recolhidas permitindo, deste modo,
às EG examinar o seu desempenho e obter bases de partida para melhoria de
performance;
O registo dos Parâmetros de Desempenho previstos, facilitando assim a comparação
com os parâmetros alcançados, simplificando o processo de apuramento e registo de
Falhas de Desempenho afetos a cada EG;
A avaliação, por parte da EPC, do cumprimento do contrato.
Este sistema recebe como inputs as informações obtidas pelo sistema de informação e cabe às
EG assegurar o tratamento e processamento automatizado, tendo em vista a monitorização e
fiscalização do conjunto das atividades. Está estipulado no contrato que é imperativo o acesso
a este sistema de monitorização e respetivos instrumentos de suporte ao Gestor de Contrato,
“a qualquer momento, localmente ou a partir de local remoto, mediante um processo de
autenticação, salvo por causas não imputáveis às Entidades Gestoras (…)”.
O sistema de monitorização, como forma de dar a melhor resposta aos objetivos traçados,
deve reger-se por princípios que assegurem a prevenção de deteção de situações
inadimplência contratual, de cada uma das Entidades Gestoras, garantindo tempos de resposta
adequados às situações detetadas, e promovendo assim a maximização de desempenho das
EG. Devem ainda manter um registo centralizado das situações de incumprimento detetadas,
que é de livre acesso à EPC. Na eventualidade de se verificar um desajustamento do sistema
de monitorização face aos princípios acima descritos, é da responsabilidade das EG
melhorarem/desenvolverem um sistema adequado a uma fiscalização eficiente, suportando os
custos desta alteração na sua totalidade.
67
4.2.3.2. Monitorização do Desempenho da Entidade Gestora do Estabelecimento
A avaliação do desempenho da EGEst é realizada por um conjunto de critérios, divididos em
duas vertentes, nomeadamente em áreas de avaliação e de forma global.
A avaliação por áreas é bastante focada na qualidade de serviços prestados por esta entidade,
sendo analisada a performance ao nível do cumprimento dos Parâmetros de Desempenho
definidos no CG, existindo ainda uma parte avaliada pelo índice de satisfação dos Utentes,
nomeadamente através da realização de inquéritos. Assim, esta avaliação incide sobre as
seguintes áreas:
Resultados: a EG é avaliada segundo os Parâmetros de Desempenho de resultados
definidos no CG;
Serviço: a EG é avaliada segundo os Parâmetros de Desempenho de serviço definidos
no CG;
Satisfação: a EG é avaliada segundo o Índice de Satisfação dos Utentes.
Apresenta-se, de seguida, o Quadro 9 que resume a classificação da avaliação por áreas:
Quadro 9 ‐ Avaliação do desempenho por áreas (Fonte: Contrato de Gestão do HVFX)
Este quadro quantifica a classificação da avaliação da EGEst em função dos três parâmetros
supracitados. Com base nos valores obtidos neste tipo de avaliação, é elaborada então a
avaliação de forma global, que é classificada de acordo com o seguinte Quadro 10:
68
Quadro 10 ‐ Avaliação de desempenho global (Fonte: Contrato de Gestão do HVX)
Outro fator pode levar à consideração da avaliação como globalmente “insatisfatório”, que está
relacionado com o facto da EGEst atingir os níveis máximos de multas previstos, isto é, 2,5%
do valor da parcela a cargo do SNS paga por adiantamento para o ano em causa.
A avaliação do desempenho da EGEst é efetuada pela EPC em que numa primeira fase é
elaborado um relatório respeitante aos serviços prestados pela EGEst no primeiro semestre
que pode conter recomendações de melhoria, servindo como um indicador de desempenho. No
entanto, o documento formal com base no qual a EPC efetua a avaliação é o relatório de
avaliação global anual, a ser entregue no prazo de 30 dias após a conclusão do período
referido. No caso de a avaliação resultar na classificação de um nível igual a “satisfatório” ou
“insatisfatório”, a EGEst tem que definir e implementar um programa de medidas com vista à
correção das lacunas identificadas como forma de apresentar um melhor serviço e,
consequentemente, progredir o nível de avaliação.
O processo de avaliação do desempenho da EGEst tem por base a identificação das Falhas de
Desempenho que estão agrupadas em 3 grupos:
Falhas específicas: a classificação de falha específica é atribuída quando ocorrem
duas situações – (i) transferência ou referenciação indevida de Utentes do
Estabelecimento Hospitalar para outro estabelecimento hospitalar e (ii) no caso de
referenciação indevida de Utentes do Estabelecimento Hospitalar para ingresso na
Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados;
Falhas de Resultados: verifica-se quando ocorre inadimplência dos Parâmetros de
Desempenho de resultados;
Falhas de Serviço: verifica-se quando ocorre inadimplência dos Parâmetros de
Desempenho de serviço.
Da ocorrência destes tipos de falhas podem advir deduções aos pagamentos a realizar à
EGEst. No caso das deduções relativas às falhas específicas, é calculado um valor
correspondente ao preço do serviço numa entidade pública, em termos médios de duração, isto
é, para as situações previstas em (i) é utilizada a Tabela de Preços do SNS e para as situações
69
previstas em (ii) é assumido um valor de duas vezes o valor da diária de internamento fixado
pelo MS.
Em relação às deduções a aplicar resultantes de falhas de resultados ou de serviço, o seu
valor é determinado pelo produto do (i) número de pontos de penalização pelo (ii) valor unitário
de cada ponto de penalização (definidos no CG). O peso relativo de cada falha de resultado ou
de serviço é classificado com a atribuição de pontuação específica para cada falha, traduzida
em pontos de penalização. O valor total de deduções devido a este tipo de falhas (resultados e
serviços) não pode exceder o limite máximo de 5% da remuneração base anual da EGEst.
No caso de se verificar a imposição de deduções aos pagamentos da EGEst, esta permanece
obrigada ao cumprimento dos critérios definidos nos Parâmetros de Desempenho
transgredidos e a EPC pode ainda justapor uma multa, com os fundamentos definidos no CG,
se a situação assim o justificar.
4.2.3.3. Monitorização do Desempenho da Entidade Gestora do Edifício
À semelhança da EGEst, a avaliação do desempenho da EGEd é realizada por um conjunto de
critérios, divididos em duas vertentes, nomeadamente em áreas de avaliação e de forma
global.
A avaliação por áreas é realizada nas vertentes de disponibilidade, serviço e satisfação:
Disponibilidade: a EG é avaliada segundo o cumprimento das condições de
disponibilidade do Novo Edifício Hospitalar definidas no Contrato de Gestão;
Serviço: a EG é avaliada segundo os Parâmetros de Desempenho de serviço definidos
no Contrato de Gestão;
Satisfação: a EG é avaliada segundo o índice de satisfação dos Utentes.
Em relação à avaliação por disponibilidade esta é realizada por tipo de área, conforme indicado
no Quadro 11 e é mensurada pelo rácio entre o número de Sessões em Funcionamento sobre
o número de Sessões total do ano previstas.
70
Quadro 11 ‐ Avaliação do desempenho por disponibilidade (Fonte: Contrato de Gestão do HVFX)
A avaliação de disponibilidade do tipo de área (crítica, muito relevante, relevante e de apoio) é
um dos inputs da avaliação global (Quadro 12), que segue os seguintes critérios:
Quadro 12 ‐ Avaliação de desempenho global (Fonte: Contrato de Gestão do HVFX)
Outro fator pode levar à consideração da avaliação como globalmente “insatisfatório”, que está
relacionado com o facto da EGEd atingir os níveis máximos de multas previstos, isto é, 2,5%
da sua remuneração base anual.
A avaliação do desempenho da EGEd é efetuada pela EPC com base nos seguintes
documentos: é elaborado um primeiro relatório respeitante aos serviços prestados pela EGEd
no primeiro semestre que pode conter recomendações de melhoria, servindo como um
indicador de desempenho. No entanto, o documento formal com base no qual a EPC efetua a
avaliação é o relatório de avaliação global anual, a ser entregue no prazo de 30 dias após a
conclusão do período referido.
71
No caso de a avaliação resultar na classificação de um nível igual a “satisfatório” ou
“insatisfatório”, a EGEst tem que definir e implementar um programa de medidas com vista à
correção das lacunas identificadas como forma de apresentar um melhor serviço e,
consequentemente, progredir o nível de avaliação.
O processo de avaliação do desempenho da EG do Edifício tem por base a identificação das
Falhas de Desempenho, que estão agrupadas em 2 grupos:
Falhas de serviço: incumprimento dos Parâmetros de Desempenho de serviço;
Falhas de disponibilidade: verifica-se quando o não cumprimento das condições de
disponibilidade tem impacto de tornar indisponível uma área funcional para a EG
Estabelecimento, de forma imprevista.
Considera-se que uma área funcional não reúne as condições para a EGEst exercer as suas
atividades quando se encontram comprometidas as condições de acessibilidade, condições de
segurança e/ou condições de utilização, segundo os parâmetros estipulados no CG. Da
ocorrência destes tipos de falhas podem advir deduções aos pagamentos a realizar à EGEd.
Refere-se que é da competência da EGEst a deteção primária da ocorrência de Falhas de
Desempenho por parte da EGEd. Também os Parâmetros de Desempenho ou as condições de
disponibilidade da EG Edifício podem vir a ser alteradas no caso de qualquer das entidades
gestoras ou a EPC verificar a necessidade de um ajustamento face às necessidades
específicas da EG Estabelecimento, por acordo entre as três partes.
O montante máximo de dedução por falhas de serviço à EGEd está limitado a 10% da sua
remuneração base anual, sendo que o valor total de deduções por falhas de disponibilidade e
falhas de serviços não pode exceder a sua remuneração base anual.
De uma forma geral, a gestão do contrato nos moldes definidos alinha-se com os pontos
fundamentais das boas práticas internacionais, resultando numa avaliação positiva nas
situações com maior potencial de conflitos entre o setor privado e público. Desta forma, o CG
em vigor é um instrumento bem desenhado para atingir a maior eficiência do setor privado e
contribui para uma fiscalização mais clara e eficaz pelo Estado.
Refere-se ainda que, a propósito da gestão do Hospital de Braga e conforme já referido, existe
atualmente uma situação de conflito entre as entidades gestoras privadas e a EPC, que
resultou na aplicação de multas por deteção de falhas de desempenho, mas que o privado
recusa assumir as responsabilidades. À data deste estudo ainda não é conhecido o desfecho
desta situação, mas que poderá servir de caso de estudo de problemas relacionados com a
gestão do contrato e as conclusões advindas poderão contribuir para um melhor desenho de
futuros contratos de gestão de PPP no setor da saúde.
72
4.3. 2ª Geração: Gestão Hospitalar Privada e Serviços Clínicos
Públicos
4.3.1. Enquadramento
Os hospitais denominados de 2ª Geração caraterizam-se por romper com o modelo de PPP
utilizado na 1ª Geração, passando o objeto de contrato apenas a ser a construção do Novo
Edifício Hospitalar e sua operação e manutenção e exclui os serviços clínicos, que continuam
na esfera pública. Estavam previstos 6 hospitais (Todos os Santos, Central do Algarve,
Margem Sul do Tejo, Évora, Vila Nova de Gaia e Póvoa de Varzim/Vila do Conde) e foi
elaborado um estudo, pela Escola de Gestão do Porto, para dar suporte ao processo de
decisão política sobre hierarquizar de sequência estratégica de implementação dos hospitais.
Este estudo concluiu que o HTS (designação alterada, à data deste estudo, para Hospital de
Lisboa Oriental, mas que se mantém por simplificação de entendimento) era claramente o mais
que traria mais-valias seguido do Hospital Central do Algarve.
Com a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) no resgate financeiro a Portugal, a
TROIKA parou o processo de PPP na área da saúde, ficando os hospitais de 2ª geração sem
efeito. No entanto, após deliberação e à data deste estudo, devido aos fortes indícios de
ganhos de eficiência e custos, foi autorizado o HTS, prevendo-se também a autorização do
Hospital Central do Algarve. Desta forma, será analisado o HTS, nos moldes do procedimento
de contratação estipulados antes da intervenção do FMI em Portugal.
4.3.2. Acesso ao Mercado
4.3.2.1. Considerações gerais
O Decreto Regulamentar n.º 10/2003 de 28 de Abril, que regula as condições de lançamento
das PPP prevê, no artigo 3º, um procedimento alternativo, no qual há uma seleção prévia dos
concorrentes e apenas estes são convidados a apresentar proposta definitiva. Deste modo,
tendo como razões os elevados custos de elaboração de propostas e respetiva avaliação, a
EPC recorreu ao procedimento alternativo acima descrito para os concursos do HTS, ao abrigo
do Despacho n.º 10926-A/2008.
4.3.2.2. Qualificação dos concorrentes
A EPC definiu as condições de participação essencialmente segundo três tipos de requisitos: (i)
situação pessoal dos operadores económicos, nomeadamente requisitos em matéria de
inscrição nos registos profissionais ou comerciais, (ii) capacidade económica e financeira e (iii)
capacidade técnica.
O ponto (i) consiste na análise de documentos com informação e formalidades para a
verificação das candidaturas nos termos dos requisitos necessários, como a certidão de registo
73
comercial, declaração de idoneidade e prova da prestação da caução prevista pelo programa
de procedimento.
Em relação à capacidade económico-financeira prevista no ponto (ii), para além dos
documentos solicitados para atestar a robustez financeira dos concorrentes, são definidas as
seguintes condições de qualificação cumulativas:
Limite mínimo de capitais próprios: montante igual ou superior a 25.000.000 euros em
cada um dos exercícios de 2004, 2005 e 2006,
Limite mínimo de proveitos: montante igual ou superior a 50.000.000 euros em cada
um dos exercícios de 2004, 2005 e 2006;
No caso de agrupamento concorrente, todas as entidades participantes demonstram
um total de capitais próprios positivo em cada um dos exercícios de 2004, 2005 e 2006.
A capacidade técnica dos concorrentes, ponto (iii), é escrutinada segundo documentos que
comprovem experiência da entidade na construção de edifícios de utilização pública, o alvará
de empreiteiro de obras públicas (classe 9 de empreiteiro geral de edifícios de construção
tradicional da 1ª categoria) e experiência detalhada do técnico responsável pelo projeto de
arquitetura. As condições de qualificação em termos de capacidade técnica dos concorrentes
são as seguintes:
Experiência na construção de um edifício de utilização pública com área bruta de
construção igual ou superior a 15.000 metros quadrados (se incluída num
agrupamento, com participação igual ou superior a 20%);
Conclusão do edifício similar nos últimos 7 anos;
A entidade concorrente ou, em caso de agrupamento, uma as entidades que o
integram com uma participação igual ou superior a 20%, ser titular do alvará de
construção acima descrito;
O técnico responsável pelo projeto de arquitetura é licenciado em arquitetura há pelo
menos 10 anos, é membro da respetiva ordem profissional e foi o responsável (como
autor ou co-autor) pela elaboração de, pelo menos, um projeto de execução de
arquitetura de um edifício hospitalar, com área bruta de construção igual ou superior a
15.000 metros quadrados, finalizado nos últimos 10 anos.
Os critérios de admissibilidade dos concorrentes, ao nível da capacidade financeira são claros
e específicos, resultando numa análise eficaz por parte de possíveis interessados, e que
pretendem retratar a solidez financeira do concorrente em três anos consecutivos, anteriores
ao lançamento do concurso.
No que diz respeito à avaliação da capacidade técnica, os critérios de qualificação são
quantificados, ou seja, está estipulada a experiência que o concorrente deve possuir. No
entanto, o critério que define experiência num edifício de utilização pública de 15.000 m2 mas
não refere um número mínimo de participação em projetos destas condições, como sugerido
74
nas recomendações do Banco Mundial (WB Model Request for Qualification) e para além
disso, parece um pouco desajustado, uma vez que diverge bastante, por defeito, da área bruta
de construção prevista do HTS. Não obstante, em conjunto com o critério que define a
experiência do arquiteto responsável, constata-se que é atingido um nível de exigência em
termos de capacidade técnica e respetiva experiência, alicerçado por uma qualidade de
construção atingida por técnicas construtivas recentes. Relembra-se que estes critérios de
qualificação são cumulativos. Refere-se ainda que, ao contrário do sugerido nas guidelines de
boas práticas internacionais, não é valorizada a experiência em liderar projetos em PPP. Este
facto justifica-se, uma vez mais, que aquando do lançamento deste concurso, a experiência de
empresas portuguesas em liderar projetos de PPP, especialmente no setor da saúde, era
diminuta ou inexistente, e portanto o setor público privilegiou o know-how do objeto do contrato
face aos moldes de contratação em PPP, garantindo maior competitividade das empresas
nacionais. Salienta-se, no entanto, a preocupação do setor público em premiar a experiência
do setor privado em edifícios de utilização pública e em projeto de arquitetura de pelo menos
um hospital.
Tendo em conta a complexidade destes projetos, um dos riscos associados é a falta de
entendimento entre as várias entidades do consórcio concorrente pelo que as boas práticas
internacionais contemplam ainda a experiência passada do consórcio em trabalhos conjuntos,
caso exista. Ainda assim, a experiência técnica referida pelo setor privado tem que ser
acompanhada com a respetiva comprovação do dono de obra garantindo, deste modo, a
veracidade dos argumentos enviados.
Para efeitos de avaliação das candidaturas, deve ser ainda apresentada uma proposta
preliminar composta pela solução arquitetónica e pela memória descritiva e justificativa do
modelo organizacional para a prestação dos serviços objeto de contrato, com ambos os
modelos a seguirem os modelos constantes no programa de procedimentos. Está previsto um
número de 3 operadores convidados a concorrer, que serão selecionados segundo os
seguintes parâmetros:
Solução arquitetónica: 90%;
Organização funcional: 70%;
Imagem e integração na envolvente: 30%;
Organização dos serviços: 10%.
Desta forma, serão selecionados os 3 concorrentes que obtiverem pontuações mais elevadas
nas candidaturas (sempre acima da classificação global igual a 5), através do processo de
avaliação das candidaturas descrito no programa de procedimento. Apenas será admitido um
número inferior de concorrentes quando um número inferior de concorrentes não reúna as
condições de qualificação exigidas no artigo 36º do programa de procedimento ou quando
apenas um número inferior a 3 candidaturas sejam classificadas com um valor global igual ou
superior a 5.
75
4.3.2.3. Avaliação das propostas
Na fase de avaliação das propostas, conforme já referido, deve ser privilegiado um modelo de
avaliação centrado nos outputs pretendidos, garantindo uma hierarquização das propostas.
Para tal, a CAP aplicou os critérios de avaliação definidos no programa de procedimento prévio
à contratação, estruturados da seguinte forma:
Qualidade – Ponderação: 60;
Infra-estruturas e Equipamentos – Ponderação 85;
• Arquitetura – Ponderação 50;
• Instalações Técnicas e Equipamentos – Ponderação 30;
• Manutenção – Ponderação 15;
• Mov. Terras, Contenção, Fundações, Estrutura – Ponderação 5;
Serviços – Ponderação 7,5;
Estrutura Financeira e Jurídica – Ponderação 7,5;
Preço – Ponderação 40.
Um aspeto fundamental numa parceria em que a conceção, construção, operação e
manutenção estão do lado privado e a prestação dos serviços clínicos é da responsabilidade
da esfera pública é o enquadramento da solução proposta ir ao encontro das pretensões da
EPC com o objetivo de optimização funcional. Só com um processo interativo de diálogo
constante entre as duas partes é possível atingir as sinergias operacionais pretendidas, no qual
o parceiro público transmite, para além de documentos escritos, as suas necessidades e
pontos de vista para melhor servir os interesses públicos – prestação de melhores cuidados de
saúde, com as eficiências obtidas por uma conceção inovadora e construção de qualidade
superior, obtidos pelo privado. Este risco de interface é bastante relevante neste modelo de
parceria de 2ª geração, sendo possível mitiga-lo com esforço de ambas as partes logo desde o
início da fase concursal.
4.3.3. Partilha de Risco
4.3.3.1. Considerações gerais
Numa PPP hospitalar onde uma entidade privada é responsável pela operação e manutenção
do Edifício Hospitalar e os serviços clínicos são prestados pelo Estado há claramente uma
interação operacional entre as duas entidades prestadoras de serviços. Este ponto de partida
enfoca um dos principais riscos a considerar neste tipo de parceria, sendo também um dos
mais complicados de alocar e mitigar, conforme será analisado em baixo, tendo em
consideração também outros riscos caraterísticos deste tipo de parceria.
76
4.3.3.2. Identificação e avaliação do risco
Conforme já referido, por um lado, a probabilidade de ocorrência de um risco está diretamente
relacionada com a sua alocação, isto é, se o risco estiver alocado ao parceiro que está em
melhor posição para controlar as condições de ocorrência, então é este parceiro que deve reter
o risco, até porque, de forma geral, é este também que melhor controla as consequências no
caso de materialização do risco e portanto, melhor consegue estimar o seu impacto económico
(Marques e Berg, 2010).
4.3.3.3. Alocação do risco
Conforme referido, a alocação do risco é de grande importância numa parceria visto que,
mesmo tendo sido feita uma análise crítica dos riscos mais importante e a sua correta
quantificação económica (sem esquecer que esta quantificação também tem em consideração
a alocação), sem uma correta alocação dos riscos estes podem materializar-se mais
frequentemente e/ou ter impactos económicos superiores. Apresenta-se no Quadro 13 a matriz
de risco efetuada para o HTS, com a identificação dos riscos mais relevantes e mensuração,
em termos qualitativos do nível de risco, através da sua probabilidade de ocorrência e o seu
impacto, e comparou-se os resultados com as recomendações das boas práticas nacionais e
internacionais, com especial enfoque nas diretrizes das unidades de PPP dos Governos da
Austrália, do Canadá e do Reino Unido.
Tendo por base a alocação feita na matriz acima apresentada, verifica-se que ao nível do risco
geotécnico, risco de conceção e risco de construção estes são assumidos quase na totalidade
pelo parceiro privado, à semelhança das indicações das guidelines internacionais supracitadas,
ficando apenas do lado da EPC alterações pontuais de projeto ou alteração de trabalhos
realizados e especificamente a pedido desta, assumindo o risco associado. Refere-se a
introdução, por parte da EPC, de capacidade de reconversão do projeto do Edifício Hospitalar e
dos meios a utilizar, tendo em vista uma futura alteração da respetiva utilização e ainda a
introdução de elementos de flexibilidade no projeto do Edifício Hospitalar e dos meios a utilizar,
tendo em vista uma futura expansão ou adaptação da capacidade, com o risco a ser assumido
pelo parceiro privado. Outro risco retido essencialmente na esfera da EPC é o risco associado
à conceção do projeto, no caso de este não ter em conta as particularidades da interação entre
os vários cuidados clínicos e sinergias de proximidade funcional que têm. Este risco tem algum
impacto no funcionamento do hospital, reduzindo eficiência na prestação dos serviços clínicos
prestados.
Os riscos de exploração/manutenção e os riscos de gestão de contrato são partilhados,
havendo no entanto uma clara diferenciação dos papéis de cada parceiro: enquanto a EG é
responsável pelas atividades desenvolvidas no âmbito do CG, desde a obtenção de licenças e
autorizações à implementação de sistemas de qualidade ou de monitorização de desempenho,
à EPC cabe o papel de fiscalização da atividade da EG, através dos sistema de monitorização
instalados, cabendo-lhe a responsabilidade de verificar se estes são adequados ou se é
77
necessário proceder à revisão dos parâmetros de desempenho, cujo risco é partilhado. Uma
das mais importantes responsabilidades da EPC reside no risco associado à aplicação e
cobrança de multas: se na ocorrência de falhas de desempenho por parte da EG não existir um
eficaz processo de penalização deixa de haver um instrumento que assegura a bom
desempenho do hospital e compromete toda a relação de confiança entre o parceiro público e
privado.
Quadro 13 ‐ Matriz de Risco do Hospital de Todos os Santos
Conclui-se então a importância de um bom sistema de monitorização, que cumpra os
parâmetros de controlo e registo, bem como de acessibilidade, e que acima de tudo haja, por
parte da EPC, uma capacidade de aplicação e cobrança de multas como medida de garantir os
padrões de qualidade definidos. As guidelines internacionais dão ênfase à prévia definição ao
conjunto do modelo de pagamento, regime de penalidades a incorrer por falhas de
desempenho e definição clara e objetiva dos outputs pretendidos. O procedimento dos riscos
78
de sequestro, de resgate e de rescisão estão previstos no CG, onde estão definidos também os
moldes de aplicação, que alocam um peso bastante significativo no lado do parceiro privado –
qualquer um destes riscos está associado ao mau desempenho de uma ou das duas entidades
gestoras. As guidelines internacionais prevêem o que está estipulado nas cláusulas
contratuais, nas quais é dada a possibilidade à EG de cumprirem os parâmetros acordados
e/ou corrigir as consequências dos seus maus atos, antes de uma intervenção da EPC.
Em relação aos riscos financeiros, as boas práticas alocam fundamentalmente no lado privado,
com a particularidade do risco da inflação que é assumido pela EPC na remuneração anual da
EGEd.
Conforme já foi referido, existe o risco de interface, o qual se refere aos riscos associados à
interação das duas unidades a operar, pública e privada. Este risco tem várias vertentes, sendo
a primeira na fase de projeto, com o desenho deste a poder ter uma influência negativa no
funcionamento do hospital, consoante já referido. Existem também questões ligadas ao
quotidiano do hospital como, por exemplo, os custos de energia. Neste caso, quem deve
decidir, por exemplo, as horas de fecho de luz (tendo em conta o bem-estar dos pacientes) é o
pessoal médico, mas é o setor privado que assume os custos de energia, originando assim um
conflito de interesses. Esta situação foi uma das mais problemáticas na segunda geração de
hospitais, e muitas outras semelhantes podem ser referidas. Este tipo de conflitos pode
prejudicar a relação de boa-fé existente entre os dois parceiros, sendo necessário mitigá-lo
para uma otimização funcional global do NEH.
4.3.3.4. Mitigação do Risco
Nos moldes da contratação em PPP na área da saúde sem os serviços clínicos na gestão
privada, é constituída uma Comissão de Coordenação, composta por elementos da EPC,
EGEd e da Administração do Hospital.
Esta comissão tem o direito de acesso a todos os documentos relacionados com as atividades
desenvolvidas no CG, mas no entanto apenas pode efetuar recomendações às partes.
Esta entidade, tendo em conta o âmbito de atuação acima descrito, assume um papel
fundamental na construção de uma boa relação entre as partes privada e público, sendo um
elemento chave na gestão de risco hospitalar.
O caderno de encargos do HTS inclui, na fase de conceção, uma cláusula que impõe à EGEd a
consideração de introdução de capacidade de reconversão do projeto do Edifício Hospitalar e
dos meios a utilizar, tendo em vista uma futura alteração da respetiva utilização e da introdução
de elementos de flexibilidade no projeto do Edifício Hospitalar e dos meios a utilizar, tendo em
vista uma futura expansão ou adaptação da capacidade. Este risco, assumido pelo privado, é
melhor mitigado quanto mais próxima a solução apresentada for das pretensões da EPC. Para
tal, indica-se uma interação elevada nesta fase do concurso, com sessões de esclarecimento
79
agendadas e frequentes, por forma a garantir o máximo de apoio do setor público ao setor
privado, assegurando de melhor forma do interesse público.
A fixação e a revisão das especificações técnicas e de serviço relativamente ao Edifício
Hospitalar são definidas pela EPC. A revisão destas especificações pode ocorrer nos casos em
que se verifique que o nível de serviço prestado pela EGEd nas atuais condições não permite à
Administração do Hospital o cumprimento das suas obrigações ou coloque em causa os
patamares de desempenho pretendidos. Dessa forma, a EPC define um conjunto de novas
especificações, com o auxílio da Comissão de Coordenação, e cabe ao privado a sua
aceitação ou, caso contrário, o processo segue para o tribunal arbitral, do qual resultará a
decisão final quanto ao cumprimento das novas especificações por parte da EGEd.
A Comissão de Coordenação assume também um papel de grande importância ao nível de
riscos de interface na exploração do hospital, pois vai atuar como mediadora entre as partes
privadas e públicas, acompanhando as atividades desenvolvidas no hospital e agindo
proativamente na prevenção de conflitos e, no caso de ocorrerem, atuar como elemento
apaziguador e impulsionar de soluções tendo em vista o normal funcionamento do Novo
Edifício Hospitalar.
4.3.3.5. Gestão do Contrato
É no âmbito da análise de gestão de contrato que efetivamente se verifica a qualidade da
parceria desenhada, verificando se esta está a alcançar ou não os objetivos contratados. Para
esta verificação, é essencial existir um sistema de monitorização eficaz e transparente, através
do qual o privado avalia o seu próprio desempenho e lado público fiscaliza, de uma forma ativa
e cooperante.
Os termos relacionados com a gestão de contrato, nomeadamente o sistema de monitorização,
a monitorização dos Parâmetros de Desempenho, as Falhas de Desempenho e respetivo
cálculo de deduções associado e a avaliação global, no HTS é idêntico aos termos da EGEd
dos Hospitais de 1ª geração analisados e, portanto, a análise não será repetida neste ponto.
Um elemento fundamental para contribuir para um bom diálogo entre ambas as partes do
contrato é a constituição de uma Comissão de Coordenação.
80
5. Conclusão
5.1. Síntese final
A generalidade da população em Portugal tem uma perceção negativa do modelo contratual
PPP, relacionando-o como uma forma pouco transparente de passagem de serviços da esfera
pública para responsabilidade privada. Esta dissertação não pretende escrutinar ou avaliar os
valores de investimento envolvidos, mas analisar o próprio desenho contratual utilizado nos
hospitais portugueses em PPP e atestar as opções contratuais adotadas.
Como literatura bibliográfica, optou-se por aprofundar o estudo na temática da saúde, pela
dinâmica política imprimida e sua importância para a população e grau de desenvolvimento do
país. A pesquisa recorreu a uma vasta bibliografia nacional e também internacional, com o
estudo de desenvolvimento das PPP em quatro países de referência de utilização de PPP:
Espanha, Reino Unido, Canadá e Austrália.
Acesso ao Mercado
A primeira geração de hospitais seguiu o procedimento normal prévio à contratação, definido
no Decreto Regulamentar n.º 10/2003 de 28 de Abril, previsto no artigo 2º, o que não se
manteve a segunda geração, onde foi seguido o procedimento alternativo previsto pelo mesmo
diploma legal no artigo 3º. Nos concursos da primeira geração, os critérios apresentaram uma
falha grave dado que não eram dotados de qualquer mecanismo de quantificação da avaliação
dos concorrentes. Desta forma, coube à EPC a hierarquização dos concorrentes, através de
uma análise exaustiva de um elevado número de documentos solicitados, tornando, desta
forma, o processo menos transparente e de uma complexidade muito superior à desejada com
a agravante de a EPC não ter meios humanos necessários para esta sobrecarga de trabalho.
No concurso da segunda geração houve uma melhoria da fase concursal, com a quantificação
(da maioria) dos critérios de admissão e o cuidado de solicitar os documentos comprovativos
necessários segundo um modelo previamente definido conseguindo, deste modo, ganhos
bastante significativos de eficiência, quer em termos de gestão de tempo quer em recursos
humanos aplicados.
Em relação aos critérios de avaliação das propostas, refere-se que os critérios da primeira
geração têm um âmbito de abrangência mais elevado, devido à inclusão dos serviços clínicos,
o que diferencia dos critérios da segunda geração, mais simplificados. Houve o esforço de
tentar garantir que os concorrentes conseguiam garantir com a maior fiabilidade possível o
cumprimento das atividades contratadas. De seguida, apresenta-se a Figura 18 na qual é
possível observar a diferença de critérios e respetivas ponderações utilizados na avaliação das
propostas dos hospitais de 1ª e 2ª geração e apresenta-se ainda os critérios utilizados no setor
rodoviário (Algarve Litoral, Baio Alentejo, Baixo Tejo, Douro Interior, Litoral Oeste, Pinhal
Interior e Transmontana).
81
Figura 18 ‐ Comparação dos critérios de avaliação das propostas entre hospitais de 1ª e 2ª geração e setor rodoviário
A aparente maior complexidade da avaliação das propostas da 1ª geração foi efetivamente
constatada, com a inclusão da vertente dos serviços clínicos no âmbito privado a elevar
bastante o grau de complexidade do concurso. Em relação aos serviços clínicos é definido um
conjunto mínimo de níveis de serviço definido no caderno de encargos. Outra particularidade,
que é possível extrair da análise da Figura 18, advém da complexidade própria do setor
hospitalar, quando comparado com o setor rodoviário por exemplo, em que há uma clara
aposta e valorização pela EPC na qualidade do projeto: nos hospitais das duas gerações o
critério da qualidade técnica é o mais valorizado, ao contrário do setor rodoviário. Uma
diferença observada na fase dos concursos de primeira e segunda geração prende-se no perfil
tipo dos concorrentes. Nos concursos da primeira geração existe um consórcio concorrente,
tipicamente liderado por uma entidade com historial ligado à prestação de serviços clínicos:
José de Mello Saúde, Espírito Santo Saúde e HPP Saúde. Nos concursos de segunda geração
concorreram essencialmente empresas do setor da construção civil.
Partilha de Risco
A gestão de risco é um dos fatores fundamentais para a construção de uma relação de
confiança entre público e privado e, assim, determinar o nível de sucesso de uma parceria.
Como tal, deve ser alvo de uma preparação cuidada, rigorosa e atempada com o objetivo de
mitigar os potenciais riscos desde o início da sua concessão. A gestão de risco tem 5 etapas
fundamentais, como exemplifica a Figura 19, todas elas de grande importância e há uma
relação de dependência entre elas, como, por exemplo, a probabilidade de determinado risco e
respetivo impacto estar relacionado com a sua alocação.
Figura 19 ‐ Etapas da gestão de risco numa PPP
82
De uma forma geral houve um entendimento satisfatório de todo o processo da gestão de risco
por parte da entidade púbica contratante, com a partilha de risco a seguir os princípios de boas
práticas internacionais. Este facto resulta de um esforço na construção de um contrato de
gestão capaz, embora, como já referido, este exercício deve ser realizado antes. Caso
ilustrativo desta situação foi a recusa de Visto do TC ao CG do Hospital de Cascais por não
aceitar a respetiva matriz de risco por considerar que era demasiado penosa para o Estado.
Da análise efetuada, conclui-se que existem mecanismos contratados que mitigam de forma
eficaz os riscos, com destaque para o conceito de reposição do equilíbrio financeiro, com o
qual foi criado uma esfera de situações para as quais o parceiro privado tem direito a ser
compensado financeiramente, devidamente quantificado. No tipo de contrato da segunda
geração identificou-se um conjunto de riscos associados ao relacionamento entre as entidades
privadas e públicas (risco de interface) mitigado pela atuação da Comissão de Coordenação,
que trabalha proativamente na resolução de conflitos, para que a relação de confiança
existente continue.
Salienta-se que, após ocorrer o processo de partilha de risco, os riscos assumidos pelo Estado,
que já foram quantificados economicamente, devem, de acordo com as melhores práticas
internacionais, ser contabilizados nas propostas finais dos concorrentes para efeitos de
comparação com o CSP. Daqui resulta que a própria decisão pelo modelo de PPP deve ter em
conta este condicionalismo, dado que se numa PPP cabe ao Estado a responsabilidade e
consequências de determinados riscos, então estas consequências económicas devem ser
tidas em consideração aquando da comparação com o valor no caso de o projeto estar na
totalidade sob tutela pública.
Gestão de Contrato
O CG é o elemento que estabelece a relação entre a parte pública e a parte privada, definindo
direitos e deveres de ambos, com o objetivo do cumprimento do objeto contratual. Numa PPP
hospitalar em que existe a inclusão da prestação dos serviços clínicos na esfera privada, o CG
assume uma complexidade muito elevada derivada da dificuldade em monitorizar este tipo de
serviços. Fazendo um pequeno exercício, no exemplo de pagamento por atendimento/consulta,
o privado podia sentir-se tentado a tentar alcançar o maior número possível de registos por
forma a aumentar o volume de receitas. O inverso também é desinteressante, dado que caso
os níveis de produção hospitalar estejam limitados, sem qualquer pagamento extra a partir
desses patamares, o privado pode sentir-se tentado a desvalorizar de alguma forma os casos
extras, podendo incorrer daí riscos para o utente.
Nas duas gerações de hospitais há uma dependência entre a remuneração do privado e o seu
desempenho. Este é o mecanismo mais eficaz sugerido nas linhas de orientação
internacionais. Para que haja um controlo adequado do desempenho das entidades gestoras é
imperativo que esteja instalado um sistema de monitorização eficaz, transparente e acessível à
EPC. Esta entidade deve ter a capacidade de aplicar as multas impostas, de modo a que haja
83
uma efetiva contrapartida ao mau desempenho das entidades gestoras privadas. O caso real
do Hospital de Braga demonstra esta fraqueza, em que a EPC já aplicou mais do que uma
multa à EG mas esta não assume a responsabilidade, estando o caso a ser investigado pela
Entidade Reguladora da Saúde. Uma das fragilidades do contrato é a sua abertura face à
possibilidade de ocorrerem negociações. Efetivamente um contrato de uma PPP é um contrato
não fechado, no qual existe uma probabilidade elevada de existirem renegociações, muito
devido quer à complexidade do modelo contratual quer à longa duração estabelecida. Este
risco tem maior ênfase no caso dos hospitais.
De um modo geral, a aplicação do modelo de PPP foi bem executada no setor da saúde, sendo
de natureza naturalmente mais complicada quando comparado, por exemplo, com o setor
rodoviário. Embora tenha havido uma derrapagem tremenda nas fases de concurso, houve um
entendimento geral de ambas as partes das implicações próprias ao funcionamento hospitalar,
resultando no desenho de um contrato de gestão evoluído e capaz. Nos hospitais de 1ª
geração há efetivamente uma complexidade acrescida devido à inclusão da prestação dos
serviços clínicos na esfera da responsabilidade privada mas por outro existem ganhos de
eficiência na medida em que todo o funcionamento hospitalar (cuidados de saúde e
manutenção e operação) está sob tutela de uma única entidade, obtendo assim sinergias
funcionais. Nos hospitais onde os serviços clínicos são prestados pelo Estado, há uma
simplificação dos moldes do contrato de gestão, existindo uma menor dificuldade na estimativa
de níveis de desempenho, mas há o risco, dificilmente mensurável, de ocorrerem perdas de
eficiência funcional derivadas de uma gestão hospitalar entre duas entidades tão diferentes.
5.2. Desenvolvimentos futuros
Nesta dissertação procurou-se analisar os contratos de gestão da primeira e da segunda
geração de hospitais em PPP, concluindo sobre aspetos fortes e fracos de cada modelo. No
entanto, apenas três hospitais de primeira geração estão em funcionamento à data deste
estudo, pelo que seria relevante uma análise da qualidade das parcerias estabelecidas, com a
entrada em funcionamento de um hospital de segunda geração podendo, desta forma,
constatar as diferenças dos modelos em situações reais e proceder então a uma avaliação
mais rigorosa das reais capacidades destes modelos.
Após esta análise sugerida e retiradas as devidas conclusões, seria pertinente a elaboração de
um guia de boas práticas da aplicação do modelo que se apresente globalmente mais
vantajoso, se existir, tornando o processo de possíveis novos hospitais em PPP mais eficiente.
Tendo em conta o bom desenho contratual aplicado nas PPP em Saúde e após uma análise de
hospitais de 2ª geração, seria interessante uma comparação da realidade funcional dos
hospitais portugueses com hospitais de outros países, nas duas vertentes de afetação de
serviços clínicos, isto é, analisar o tipo de parceria dos hospitais que obtiveram melhores
performances e comparar se houve a mesma correspondência em casos internacionais.
84
Um das áreas de maior interesse no futuro, em Portugal, será a renovação das infra-estruturas
de cuidados primários de saúde. A aplicação de um modelo PPP neste tipo de estruturas
provavelmente será diferente do modelo aplicada em qualquer das duas gerações de hospitais,
à semelhança dos casos internacionais estudados. Deste modo, torna-se pertinente uma
análise entre os modelos utilizados no subsetor hospitalar e os modelos a utilizar para as
estruturas de cuidados primários de saúde, percebendo as verdadeiras potencialidades de
cada tipo de contrato e os moldes em que se torna mais vantajoso usar um ou outro modelo.
85
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