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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
ANA MARIA DANTAS DE MAIO
O PAPEL DA COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS
ORGANIZAÇÕES NO CONTEXTO DA SOCIEDADE
MIDIATIZADA
São Bernardo do Campo-SP, 2016
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
ANA MARIA DANTAS DE MAIO
O PAPEL DA COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS
ORGANIZAÇÕES NO CONTEXTO DA SOCIEDADE
MIDIATIZADA
Tese apresentada
em cumprimento parcial às exigências do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social,
da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP)
para obtenção do grau de Doutor.
Orientador: Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno
São Bernardo do Campo-SP, 2016
FICHA CATALOGRÁFICA
M285p Maio, Ana Maria Dantas de
O papel da comunicação face a face nas organizações no contexto
da sociedade midiatizada / Ana Maria Dantas de Maio. 2016.
291 p.
Tese (doutorado em Comunicação Social) --Escola de
Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade Metodista
de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.
Orientação: Wilson da Costa Bueno.
1. Comunicação 2. Comunicação organizacional 3. Midiatização
I. Título.
CDD 302.2
FOLHA DE APROVAÇÃO
A tese de doutorado sob o título “O Papel da Comunicação Face a Face nas Organizações no
Contexto da Sociedade Midiatizada”, elaborada por Ana Maria Dantas de Maio, foi defendida
e aprovada em 22 de fevereiro de 2016, perante banca examinadora composta por Prof. Dr.
Wilson da Costa Bueno (Presidente/UMESP), Profª. Drª. Marli dos Santos (Titular/UMESP),
Profª. Drª. Elizabeth Moraes Gonçalves (Titular/UMESP), Prof. Dr. Laan Mendes de Barros
(Titular/Unesp) e Prof. Dr. Wilson Corrêa da Fonseca Júnior (Titular/Embrapa).
______________________________________________________
Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
______________________________________________________
Profª. Drª. Marli dos Santos
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Comunicação institucional e mercadológica
DEDICATÓRIA
Ao seu Horácio e dona Rosa,
meus eternos educadores
AGRADECIMENTOS
“Sim, tá pronta, Chico!” Quantas vezes sonhei em te dar essa resposta nos pouco mais
de 1.400 dias em que você me perguntou: “Tá pronta a tese, mãe?”. Você foi a pessoinha que
acompanhou mais de perto a preparação deste trabalho – e talvez a figura que tenha pago o
preço mais alto para que ele pudesse ser concluído: minha ausência. Pode acreditar que eu
pensei em você e em seu irmão todos os dias em que me sentei na frente do computador para
pesquisar, ler e escrever. Agora acabou! Prontinha, prontinha! Vai encarar???
Victor criou asas e voou no momento em que eu preparava esta pesquisa. Para orgulho
meu e da família inteira, cursava a faculdade de jornalismo na Unesp/Bauru na época da
defesa. Me ajudou nos momentos de dúvidas de português e ao me contar sobre o triste fim de
Dorian Grey. Esse meu filho é um leitor voraz – ainda bem. Só por isso reservei para você
exemplares de livros com capítulos que escrevi durante essa jornada. Sei que estarão muito
bem guardados. Que essa tese lhe sirva de inspiração.
Seu Horácio e dona Rosa, pais perfeitos. Como não agradecer todo o apoio que sempre
recebi de vocês? (Não precisa chorar, mãe!!!). Sei que vocês não entendiam direito quando eu
recusava convites para passear porque tinha que escrever artigos e a tese. Muito do que
produzi nesses quatro anos está nessas páginas. Entendem agora? Obrigada, obrigada, mil
vezes obrigada. Como foi importante estar pertinho nesse período.
Ronaldo e Cláudia, irmãos perfeitos. Ele não muito chegado nessa história de estudos,
pós-graduação, vida universitária. Mas um exemplo de pessoa comprometida com a família,
com seu trabalho, com a vida. Ela... bem, como agradecer a ela? Começamos juntas a cursar o
doutorado, em 2012. Doutora Cláudia finalizou antes e vi que não foi fácil. Mas foi tão
gratificante poder ler seu trabalho e acompanhar sua defesa!! Me inspirei muito em você, irmã
(não vale chorar também!!). Obrigada por todo o apoio que você ofereceu nesse período, a
mim e aos meninos. Meus dois irmãos, vocês são incríveis e os amo muito!
Chegou sua vez, Wilson da Costa Bueno. Soube de sua existência pelos livros. Você
publica muito!! E fico pensando: quantas Anas leem seus textos e não se sentem, como eu,
loucas para se aproximar, conhecer e virar sua orientanda??? Que sorte eu tive! Agradeço por
tudo tudo tudo: pela paciência, pelo estímulo, pela educação e respeito, pelos convites para
publicar, pelo carinho. Sinto muito orgulho do meu orientador.
Wilson Fonseca, o conselheiro acadêmico da Embrapa que virou “co-orientador”.
Quando te escolhi para me acompanhar, pensei apenas nas afinidades que tínhamos: a mesma
universidade, o mesmo orientador, a mesma profissão, o trabalho na mesma unidade da
Embrapa. Jamais imaginei que suas contribuições pudessem enriquecer tanto este estudo.
Horas ao telefone passavam num piscar de olhos. Fica minha admiração cada vez maior pelo
seu profissionalismo e pelo trato extremamente gentil.
Meu reconhecimento aos professores Laan Mendes de Barros e Elizabeth Gonçalves,
componentes da banca de qualificação, que ajudaram a dar outro rumo para esta tese. Na hora
(vocês nem ficaram sabendo) reagi com choro, frustração e surpresa. Hoje agradeço cada
palavra. A tese ficou muito melhor com as recomendações de vocês! Acertamos na mosca ao
convidá-los para a banca...
Existem algumas pessoas que facilitam sua vida. E algumas instituições que fazem a
diferença na sua vida e na vida de milhões de pessoas. Assim vejo a Embrapa, e com especial
carinho, a Embrapa Pantanal. Quem convive comigo sabe como sou fã dessa organização e
das pessoas que estão ali para facilitar a vida de outras pessoas. Minha gratidão eterna para
Emiko Kawakami de Resende e Milena Ferri, em nome de quem eu saúdo todos (eu disse
TODOS!) os colegas da Embrapa Pantanal. Minha maior preocupação, agora, é poder
retribuir todas as apostas que vocês fizeram em mim. Um agradecimento igualmente
carinhoso à Secom (Secretaria de Comunicação da Embrapa), na figura da atual chefe,
Gilceana Galerani, e ao supervisor de Comunicação da Embrapa Pantanal, Thiago Coppola,
pelas relevantes informações disponibilizadas e pelo apoio incondicional.
Não dá para deixar de mencionar meus companheiros de doutorado, com os quais
aprendi muito sobre pesquisa, sobre comunicação, sobre solidariedade e sobre a vida. Marcelo
da Silva, Ana Carolina Silva e Karla Ehrenberg, fica registrada aqui minha profunda
admiração por vocês. Mônica Castro, querida colega, obrigada pela oportunidade de conhecê-
la melhor. Sem vocês, os caminhos idiossincráticos não teriam a mesma graça.
Um agradecimento especial ao amigo e fisioterapeuta Fabrício Repetti, que,
infelizmente, teve que me acompanhar por um bom período nesses quatro anos, devido à
minha teimosia em jogar vôlei com mais de 45!!! Agradeço não só pelos tratamentos que me
curaram, mas principalmente pelas dicas preciosas para finalizar o doutorado sem muito
estresse. Eu quase consegui! Faltou só a volta ao mundo!
Algumas amigas ficaram pelo caminho durante essa trajetória. Não porque
quiséssemos nos afastar fisicamente, mas porque o destino traçou assim. Adriana Brandão,
Daniela dos Santos e Ieda Borges, não temos nos visto como eu gostaria, não temos nos
encontrado mais, mas vocês fazem parte dessa conquista. Vocês me ajudaram a ser quem eu
sou. São realmente especiais para mim.
Guardei para o final dois agradecimentos também muito especiais. Ele chegou por
último, quando o processo já havia começado, mas se transformou em peça-chave para o
desenvolvimento e finalização deste trabalho. Virou companheiro, amigo, “co-orientador”,
leitor, palpiteiro de plantão, tradutor, despertador, motorista, terapeuta e, lógico, namorado.
Você sabe que essa tese não teria o mesmo sabor sem a sua presença – e sem a sua ausência,
quando precisei ficar só para finalizar. Vernon Richard Kohl, considere-se corresponsável por
muito do que está escrito nas próximas páginas.
E sem grandes comentários, porque não há necessidade... muito obrigada, meu Deus.
Lista de tabelas
Tabela 1 - Graduação dos comunicadores da Embrapa 83
Lista de figuras
Figura 1. Máscara V de Vendetta, que se popularizou nos protestos 36
Figura 2. Primeira reunião do programa Diálogos na Embrapa Pantanal 93
Figura 3. Equipe do Valor entrevista o pecuarista Leonardo de Barros 104
Figura 4. Sidnei Quartier, do jornal A Cidade, durante a imersão no Pantanal 105
Figura 5. Grupo de alunos da UFMS em imersão na fazenda Nhumirim 105
Figura 6. Grupo de alunos da UFMT em imersão no Pantanal Norte 105
Figura 7. Prédio central da Universidade de Stanford, em Palo Alto 112
Figura 8. Atriz Cristiana Oliveira no papel de Juma Marruá 252
Figura 9. Mapas da localização do Pantanal no Brasil, no MT e MS 254
Figura 10. Área da planície pantaneira: horizonte ampliado 255
Figura 11. Tuiuiú, a ave-símbolo do Pantanal 257
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 15
Capítulo I – A SOCIEDADE MIDIATIZADA E AS ESCOLHAS DAS ORGANIZAÇÕES ..... 23
1. O fenômeno da midiatização, mediatização ou bios midiático ................................................. 24
2. O conceito de mediação e a prática da comunicação mediada .................................................. 30
3. Abordagens técnica e filosófica da comunicação face a face .................................................... 39
4. Perspectivas da simultaneidade dos meios e seus critérios de escolha ..................................... 47
4.1 Fatores determinantes para a seleção do meio .................................................................. 50
Capítulo II – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E A COMUNICAÇÃO FACE A
FACE NAS ORGANIZAÇÕES ......................................................................................................... 57
1. Desafio metodológico: a articulação entre os componentes da pesquisa social ........................ 57
1.1 Descrição da coleta de dados para compor o corpus da pesquisa ..................................... 65
2. Comunicação organizacional: a emergência de um novo contexto ........................................... 66
3. Como a comunicação face a face se manifesta nas organizações ............................................. 70
3.1 Da oralidade às redes presenciais: face a face na comunicação interna ............................ 70
3.2 O fim do home-office na Yahoo: valorização das interações face a face? ........................ 76
3.3 A escassez (e profundidade) dos estudos envolvendo o ambiente externo ....................... 76
Capítulo III – ESTRUTURA E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO DA EMBRAPA .................. 81
1. Desenvolvimento do modelo de comunicação .......................................................................... 81
2. A comunicação na Embrapa e a multiplexidade dos meios ...................................................... 83
2.1 Comunicadores vinculados diretamente à chefia-geral: avanço ou retrocesso? ...................... 86
2.2 Em busca da comunicação integrada: aspectos teóricos e práticos ......................................... 88
2.3 Nova estrutura, velhos problemas ........................................................................................... 94
3. Embrapa Pantanal: preocupação com o universo regional ........................................................ 97
3.1 Estudo de caso: a construção planejada de relacionamentos ................................................. 100
Capítulo IV – A COMUNICAÇÃO ENQUANTO RELACIONAMENTO ................................ 111
1. Relacionamento: conceito em permanente construção............................................................ 112
1.1 Relacionamento e comunicação: identificando inter-relações .............................................. 115
2. Comunicar para relacionar ...................................................................................................... 117
3. Relacionar para comunicar ...................................................................................................... 122
3.1 A vizinhança e a concessionária de energia .......................................................................... 123
3.2 Do virtual ao atual: reflexões sobre os visitantes no Pantanal .............................................. 126
3.3 A tentativa de quebrar o distanciamento na Embrapa Soja ................................................... 131
3.4 Mudanças e engajamento na rede social presencial .............................................................. 133
4. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 136
Capítulo V – REAÇÕES PREVISÍVEIS E AJUSTES DO DISCURSO ORGANIZACIONAL 141
1. Deixas simbólicas e os elementos da comunicação analógica ................................................ 141
2. George Mead e a previsibilidade das reações do Outro .......................................................... 144
3. Contrafluxo da escuta e outras ideias sobre antecipações ....................................................... 147
3.1 Schutz: adaptações a partir de experiências passadas ou fantasias ....................................... 147
3.2 Thompson: a recepção como processo criativo de interpretação .......................................... 150
3.3 Goffman: de olho nas inconsistências da plateia e dos atores ............................................... 151
3.4 Braga: respostas esperadas no sistema de circulação interacional ........................................ 154
4. Reações da alteridade no universo organizacional .................................................................. 157
5. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 165
Capítulo VI – A CONVENIÊNCIA DO DISCURSO SOBRE COMUNICAÇÃO FACE A FACE
............................................................................................................................................................. 169
1. Uma empresa sem foco e sua líder controversa ...................................................................... 170
2. Discursos em relação: a tônica da AD..................................................................................... 174
2.1 Tipologia de discursos: elemento facilitador da análise ........................................................ 177
2.2 Deslocamento e deslizamento: movimentos de ressignificação ............................................ 181
2.3 Quando dizer é fazer e o pedido vira ordem ......................................................................... 186
2.4 O silêncio, o não-dito e seus significados ............................................................................. 192
2.5 Do interdiscurso ao silêncio: as descobertas possíveis.......................................................... 203
3. Outros dizeres sobre comunicação face a face ........................................................................ 204
4. Face revelada e face escondida: possíveis rupturas ................................................................. 209
5. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 213
Capítulo VII – FUNÇÃO MEDIADORA DO ESPAÇO FÍSICO NA COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL ....................................................................................................................... 217
1. Teoria das mediações sociais: origens e atualizações ............................................................. 217
1.1 Inconsistência, envelhecimento e abstracionismo: críticas à teoria ...................................... 222
1.2 Concepções recentes sobre as mediações sociais .................................................................. 224
2. O espaço geográfico como parte integrante do contexto......................................................... 229
2.1 Regras restritivas para uso do espaço e seus efeitos constrangedores ................................... 232
2.2 Espaços de vivência x espaços mediados pela mídia ............................................................ 235
3. A força mediadora do lugar na comunicação organizacional ................................................. 241
4. Pantanal: paisagem mediada e sua função mediadora ............................................................. 245
4.1 Paisagens e experiências partilhadas: valores culturais......................................................... 246
4.2 Discursos midiáticos e a construção do imaginário sobre regiões exóticas .......................... 248
4.3 Elementos mediadores marcantes do Pantanal ...................................................................... 253
4.4 Uma experiência pantaneira de constrangimento às avessas ................................................ 257
5. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 258
CONCLUSÕES ................................................................................................................................. 263
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 275
MAIO, Ana Maria Dantas de. O papel da comunicação face a face nas organizações no
contexto da sociedade midiatizada. 2016. 291 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social)
–Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.
RESUMO
Este estudo trata da comunicação face a face nas organizações sob diferentes abordagens
teóricas. Considera a perspectiva da simultaneidade dos meios, já que as empresas utilizam
diversos canais para dialogar com seus públicos de interesse. Leva em conta o fenômeno da
midiatização, que reestrutura o modo como as pessoas se relacionam na sociedade
contemporânea. O objetivo geral da pesquisa é sistematizar papeis potencialmente exercidos
pela interação face a face e conhecer algumas circunstâncias que envolvem sua prática nas
organizações. Por se tratar de uma tese teórica, a pesquisa bibliográfica se apresenta como um
dos principais procedimentos metodológicos; análises de casos empíricos e um estudo de caso
desenvolvido na Embrapa Pantanal constituem situações ilustrativas. Conclui-se que a
comunicação face a face nas empresas ocorre de forma simultânea e combinada a outros
canais de comunicação, porém, ela proporciona resultados práticos e filosóficos ainda pouco
explorados. É rara a utilização estratégica de contatos presenciais como mecanismo para
estabelecer relacionamentos, conhecer as reações alheias e ajustar a comunicação, aliar o
discurso corporativo às práticas empresariais e avaliar o contexto onde se desenvolvem as
interações, o que pode ser decisivo para a comunicação organizacional.
Palavras-chave: Comunicação face a face; comunicação organizacional; midiatização;
comunicação mediada; Pantanal
MAIO, Ana Maria Dantas de. O papel da comunicação face a face nas organizações no
contexto da sociedade midiatizada. 2016. 291 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social)
–Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.
RESUMEN
Esta investigación aborda la comunicación cara a cara en las organizaciones bajo diferentes
enfoques teóricos. Considera la perspectiva de la simultaneidad de los Media, puesto que las
empresas utilizan varios canales para dialogar con sus públicos estratégicos. Lleva en cuenta
el fenómeno de la mediatización, que reestructura el modo como las personas se relacionan en
la sociedad contemporánea. El objetivo general del estudio es sistematizar roles
potencialmente ejercidos por la interacción cara a cara y conocer algunas circunstancias que
envuelven su práctica en las organizaciones. Por tratarse de una tesis teórica, la pesquisa
bibliográfica se presenta como uno de los principales procedimientos metodológicos; análisis
de casos empíricos y la investigación de un caso que ha pasado en la Embrapa Pantanal
constituyen situaciones ilustrativas. Se concluye, por lo tanto, que la comunicación cara a cara
en las empresas ocurre de forma simultánea y combinada a otros canales de comunicación; sin
embargo, ella proporciona resultados prácticos y filosóficos que aún han sido poco
explotados. Es rara la utilización de contactos presenciales como mecanismo para establecer
relacionamientos, conocer las reacciones de los otros y ajustar la comunicación, aliando el
discurso corporativo a las prácticas empresariales y evaluando el contexto donde se
desarrollan las interacciones, lo que puede ser decisivo para la comunicación organizacional.
Palabras-clave: Comunicación cara a cara; comunicación organizacional; mediatización;
comunicación mediada; Pantanal
MAIO, Ana Maria Dantas de. O papel da comunicação face a face nas organizações no
contexto da sociedade midiatizada. 2016. 291 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social)
–Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.
ABSTRACT
This study addresses face-to-face communications in organizations according to different
theoretical approaches. It considers the perspective of simultaneous occurrence of different
forms of communication, since enterprises use different channels to interact with its various
publics of interest. It takes into account the mediatization phenomenon, which restructures the
way in which people relate with each other in contemporary society. The general aim of the
research is to systematize roles that are potentially played in face-to-face interaction and to
determine some of the circumstances that apply to its practice in organizations. Since this is a
theoretical dissertation, bibliographical survey stands out as one of its main methodological
procedures; analyses of empirical cases and a case study developed at Embrapa Pantanal
constitute illustrative instances. The conclusion is that face-to-face communication occurs in
enterprises simultaneously and combined with other communication channels, however,
allowing practical and philosophical results as of yet scarcely explored. Only seldom is in
person contact used strategically as a mechanism for establishing relationships, finding out
the reaction of others and adjusting communications accordingly, linking corporate discourse
to practice and evaluating the context within which interactions take place, which can be
decisive for corporate communication.
Key words: Face-to-face communication; corporate communication; mediatization; mediated
communication; Pantanal
15
INTRODUÇÃO
A comunicação organizacional enfrenta nessas primeiras décadas do século 21 o
desafio de inovar. Nesse sentido, a disponibilidade de tecnologias de informação e
comunicação se apresenta como forte aliada, facilitando contatos e conexões entre as
empresas e seus públicos de interesse. O objeto de pesquisa desta tese é a comunicação face a
face no contexto organizacional, que coexiste com os avanços tecnológicos e desponta como
possível mecanismo de inovação para construir ou aprimorar relações corporativas. Este
estudo diferencia as noções de relacionamentos e conexões, com base em autores da
sociologia contemporânea como Zygmunt Bauman e Dominique Wolton.
Enquanto objeto de pesquisa, a comunicação face a face é aqui analisada a partir de
suas imbricações com as interações tecnologicamente mediadas, praticadas em organizações
inseridas em uma sociedade em transformação. A investigação se propõe a lançar diferentes
olhares sobre essa inter-relação, construídos à luz de correntes teóricas da comunicação e de
outras disciplinas, como a sociologia, a geografia e a linguística. A interdisciplinaridade
apresenta-se naturalmente como suporte para elucidar alguns aspectos do objeto de estudo.
As transformações em curso na sociedade mencionadas acima afetam a essência dos
relacionamentos, intervindo diretamente nas organizações e na comunicação praticada por
elas. Esse processo é caracterizado por uma nova forma de estruturação social que leva em
conta a lógica da mídia e vem sendo chamado por alguns estudiosos de midiatização. Não se
trata apenas da intensificação do uso de tecnologias, tampouco dos efeitos que elas venham a
provocar sobre as relações sociais: a midiatização institui novas formas de pensar. Entender a
comunicação face a face no contexto das organizações requer simultaneamente o
conhecimento desse fenômeno, que vem oxigenando o próprio campo científico da
comunicação.
A pesquisa comunicacional vive um momento de fecundas descobertas a respeito das
implicações da nova onda tecnológica – a eclosão das chamadas “novas mídias” – sobre a
sociedade e sobre o próprio campo de estudos. Observa-se uma visível concentração de
trabalhos voltados à análise das características, aplicabilidade, efeitos, performance, interfaces
e outras abordagens envolvendo a comunicação digital, sobretudo das redes sociais digitais –
lembrando que no ambiente físico essas redes estão longe de constituir “novidade”.
O esforço científico não tem apresentado o mesmo vigor para explorar formas mais
convencionais de comunicação humana. Esse desequilíbrio coloca-se como uma das
16
justificativas para o desenvolvimento desta tese: é perceptível a carência de investigações que
deem conta de explicar o papel da comunicação face a face diante do universo da sociedade
midiatizada. Tem sido mais habitual localizar na literatura nacional e internacional linhas de
pesquisa que comparam as formas de comunicação presencial com aquelas mediadas por
tecnologias; entretanto, começa a despontar nos Estados Unidos uma tendência a se estudar os
distintos canais em perspectiva de interdependência, haja vista que a multiplicidade de meios
caracteriza a comunicação entre indivíduos, entre grupos ou organizações.
Esta investigação considera a abordagem multimeios, embora priorize evidenciar a
comunicação face a face no ambiente organizacional. A opção por uma tese panorâmica1,
fundamentada predominantemente na pesquisa teórica e epistemológica, se justifica pela
necessidade de avançar na análise e no conhecimento que envolvem as interações presenciais
no cenário contemporâneo e de dar sequência a trabalhos recentes realizados por outros
estudiosos do tema. Casos empíricos desenvolvidos em diferentes organizações e um estudo
de caso ambientado no Pantanal brasileiro serão apresentados como ilustrativos da construção
teórica.
A essência desta tese está ancorada nos relacionamentos organizacionais construídos e
mantidos com o uso planejado da comunicação face a face, o que explica o respaldo teórico
de autores que se dedicaram a explorar as interações sociais, como George Mead, Alfred
Schutz, Erving Goffman, Paul Watzlawick e seus companheiros da Escola de Palo Alto. Do
Brasil, as contribuições partem de Muniz Sodré, Ciro Marcondes Filho, José Luiz Braga,
entre outros. Esses estudiosos vêm discutindo os rumos das teorias da comunicação tendo
como pano de fundo o processo de midiatização e questionando, especificamente no caso de
Marcondes Filho, os excessos da utilização de tecnologias nos diálogos entre as pessoas.
Contribuições igualmente relevantes emergem de autores ligados à concepção
relacional da comunicação organizacional. O grupo de pesquisa "Comunicação no Contexto
Organizacional: aspecto teóricos-conceituais", vinculado à Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (PUC/Minas/CNPq), vem trabalhando sob esse paradigma. Pesquisadores
que se tornaram referência em comunicação organizacional no Brasil também vêm
rediscutindo o conceito de comunicação integrada dentro da visão relacional, que se afasta da
formatação instrumental marcante no início dos trabalhos e da pesquisa em comunicação
organizacional no país.
1 Na tipologia de teses, trata-se daquela que aprofunda o assunto em toda a sua amplitude.
17
O desenvolvimento de estudos específicos sobre comunicação face a face no universo
empresarial se encontra em fase embrionária em universidades brasileiras. Algumas
investigações têm sido desenvolvidas no âmbito da comunicação interna e muito pouca
atenção vem sendo dispensada à utilização das interações presenciais com públicos externos.
No país, o tema tem sido alvo de investigações desenvolvidas por Eduardo Guerra Murad
Ferreira (2011, 2012), Marta Terezinha Motta Campos Martins (2012, 2013), Elizabeth
Moraes Gonçalves e Katia Perez (2009), Katia Perez (2010), Wilma Pereira Tinoco Vilaça
(2012, 2013), Wilma Leila Matos Soares (2010), Rosângela Florczak de Oliveira (2013) e
Maria Lúcia Bettega (2013), entre outros. Na literatura internacional o destaque fica para o
sociólogo norte-americano Thomas Larkin, que atua como consultor e também direciona suas
análises para o ambiente interno.
O objetivo geral desta tese é sistematizar papeis potencialmente exercidos pela
interação face a face e conhecer algumas condições e particularidades que envolvem a prática
dessa modalidade nas organizações, considerando que ela representa um dos meios possíveis
de estabelecer relacionamentos com os públicos de interesse. Em síntese, a principal questão
que esta pesquisa fundamentalmente teórica se propõe a desvendar é: qual o papel reservado à
comunicação face a face e em que circunstâncias ela se desenvolve nas organizações que,
paralelamente, se utilizam de forma progressiva das interações tecnologicamente mediadas?
Para chegar a essa resposta, foram traçados quatro objetivos específicos: a) verificar, à
luz de teorias que focalizam o caráter relacional da comunicação, em que medida as
interações face a face interferem na construção e aprimoramento de relacionamentos
empresariais com públicos externos e internos; b) observar teoricamente de que forma o
acesso às manifestações do interlocutor, bem como às chamadas deixas simbólicas (ou pistas
comunicacionais), possibilita que a organização utilize a comunicação face a face para antever
reações e adaptar seu discurso; c) relacionar discursos organizacionais sobre a comunicação
face a face com supostas intencionalidades das empresas e apontar possíveis contradições
entre o dito e as práticas institucionais; d) compreender, sob a esteira da teoria das mediações,
o modo como os ambientes físicos onde ocorrem as interações face a face condiciona a
comunicação organizacional, podendo inibir ou constranger o interlocutor que ocupa
momentaneamente o espaço do Outro.
Esses objetivos foram traduzidos em hipóteses de pesquisas. São elas:
Hipótese 1: Quando adotada de forma planejada, a comunicação face a face permite
que as organizações construam e aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse;
18
Hipótese 2: A comunicação face a face proporciona na interação com o interlocutor a
observação direta de suas reações; com isso, a organização que utiliza a comunicação face a
face de forma planejada obtém acesso a elementos não-verbais que permitem prever essas
reações e ajustar seu discurso;
Hipótese 3: O discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser
utilizado para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas;
Hipótese 4: O local onde se desenvolve a interação face a face interfere na
comunicação organizacional, provocando limitação da liberdade de expressão e
constrangimento nos interlocutores que venham a ocupar temporariamente o espaço
dominado pelo Outro.
Observa-se que as hipóteses contemplam aspectos práticos, que envolvem diretamente
as rotinas empresariais, e teóricos, que permitem aprofundar o conhecimento a respeito dos
relacionamentos organizacionais, dos ajustes da comunicação a partir de observações das
reações do Outro, dos discursos empresariais sobre comunicação face a face e da relação entre
o espaço físico onde ocorrem os encontros presenciais e possíveis situações de
constrangimento.
Assim sendo, esta pesquisa se organiza em sete capítulos, além desta introdução e das
considerações finais. Antes de iniciar a apresentação de cada parte, cabe uma explicação sobre
o modelo de narrativa adotado. Por se tratar de um estudo teórico permeado por casos
empíricos considerados ilustrativos, optou-se por construir um discurso que não esgota a
fundamentação teórica nos primeiros capítulos, como acontece em boa parte das teses e
dissertações. Neste caso, como se poderá observar, todos os capítulos – com exceção do
terceiro – apresentam uma discussão teórica voltada para determinada especificidade do tema.
O capítulo 1 tem a função de contextualizar a pesquisa a partir do processo de
midiatização, que nessas páginas será definida, problematizada e relacionada ao conceito de
bios virtual – uma espécie de forma de vida midiatizada –, proposto por Muniz Sodré. Esse
debate envolve as noções de real e imaginário, bem como os conceitos de real, virtual e atual,
imprescindíveis para compreender a relação do homem com a realidade. Também nessa
primeira divisão se encontram duas construções conceituais centrais para a tese: a de
comunicação face a face e a de comunicação tecnologicamente mediada, tanto em seus
aspectos técnicos quanto filosóficos.
O capítulo segue com a apresentação das perspectivas da simultaneidade e da
multiplexidade dos meios, a partir de estudos norte-americanos. Pessoas, grupos ou
organizações se comunicam e se relacionam utilizando os mais diversos canais; daí a
19
necessidade de estudar a comunicação face a face como uma dessas possibilidades, uma parte
do todo. Pesquisas recentes indicam que os vínculos se fortalecem e a satisfação com os
relacionamentos aumenta na medida em que se amplia a variedade de canais de comunicação.
Os fatores que interferem na escolha dos veículos que as empresas vão utilizar para contatar
seus públicos são demonstrados no desfecho dessa primeira parte.
O capítulo 2 apresenta a descrição metodológica deste trabalho, que articula teorias,
métodos e técnicas no âmbito da pesquisa social. Descreve ainda os critérios de escolha do
corpus de análise – situações em que empresas utilizam ou se manifestam sobre a
comunicação face a face levantadas a partir de estudos pré-existentes. Antes de detalhar esses
trabalhos científicos que envolvem organizações e comunicação face a face, há uma breve
atualização do conceito de comunicação organizacional a partir do paradigma relacional.
O capítulo 3 é dedicado à comunicação da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária, organização onde é desenvolvido o estudo de caso mencionado anteriormente.
A pesquisa procura contextualizar a comunicação praticada na empresa a partir de sua
política, história e estrutura, discutindo recentes mudanças adotadas pela instituição. O
conceito de comunicação integrada é debatido nesse contexto, já que a Embrapa parece se
esforçar para minimizar a fragmentação do campo que envolve a atuação de distintos
profissionais. Em seguida o capítulo direciona a análise para uma das unidades da
organização, a Embrapa Pantanal, localizada em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Nesta
célula se desenvolveu entre 2010 e 2012 um projeto de comunicação organizacional que
priorizou as interações face a face com públicos externos. O estudo de caso apresenta e avalia
parte desse programa.
No capítulo 4 a comunicação é vinculada à perspectiva do relacionamento para que a
primeira hipótese possa ser verificada. A definição de relações sociais é revisitada sob a
perspectiva do bios virtual e busca-se construir as inter-relações entre os conceitos de
relacionamento e comunicação. Estudiosos da chamada Escola de Palo Alto, ligados à
Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, fundamentam essa discussão ao estabelecerem
a ideia de metacomunicação: mais importante que o conteúdo transmitido durante a interação
social é a relação que se cria a partir desse diálogo. O conteúdo inclui ainda a ocorrência
desse fenômeno – a metacomunicação – em quatro organizações brasileiras.
O capítulo 5 começa com a discussão sobre a previsibilidade das reações do Outro e a
possibilidade de ajustes na comunicação organizacional que planeja as interações face a face.
A base teórica parte de George Mead, porém, encontra ressonância entre outros autores, como
John Thompson, Erving Goffman, Alfred Schutz e o brasileiro José Luiz Braga. Todos esses
20
estudiosos trabalham com a abordagem de observar os comportamentos da alteridade e ajustar
discursos ou condutas durante o processo comunicacional. A ocorrência desse fenômeno é
avaliada em três organizações brasileiras, para que a segunda hipótese possa ser verificada.
A análise de discurso da escola francesa e a teoria das faces do canadense Erving
Goffman fundamentam a discussão teórica do capítulo 6, que lança um olhar alternativo e
crítico para a comunicação face a face no contexto organizacional. A ideia é investigar
manifestações corporativas sobre as interações presenciais, demarcadas pelas vantagens e
benefícios proporcionados por esse tipo de contato. A teoria dos atos de fala, desenvolvida
por John Langshaw Austin, as tipologias de discurso, as noções de deslocamento e
deslizamento de sentidos e as diferentes funções do silêncio discursivo são tratadas nesse
capítulo, que evoca ainda a importância da interdiscursividade e do dialogismo.
Ainda no capítulo 6, as intencionalidades comunicadas são debatidas a partir da
concepção de representação de fachada e representação de fundo, desenvolvida por Goffman.
De acordo com o pesquisador do Canadá, a simples presença de outros indivíduos altera
substancialmente o modo de agir de um sujeito. No âmbito organizacional, essa discussão
tangencia os cuidados com imagem e reputação. Ilustram a proposição teórica discursos
proferidos pela empresa de tecnologia de informação Yahoo e pela mídia a respeito dessa
organização norte-americana. Foram revisitados também dois enunciados envolvendo os
grupos Nivea e Fiat, já estudados anteriormente por Gonçalves e Perez (2009). Esse conjunto
de análises discursivas define as condições para a verificação da hipótese 3.
O capítulo 7 fomenta o debate a respeito da controversa teoria das mediações,
introduzida no universo da comunicação pelo espanhol Manuel Martin Serrano e fortalecida a
partir das contribuições do espanhol-colombiano Jesús Martín-Barbero. As origens e
concepções mais atuais, bem como críticas a essa corrente, são discutidas nessas páginas,
permitindo compreender de que forma uma instância mediadora pode assumir papel
constrangedor ou inibidor da liberdade de expressão.
Esse conteúdo é associado ao conceito de espaço físico que, como parte integrante do
contexto na comunicação face a face, exerce algum tipo de condicionamento durante as
interações. Uma das discussões mais instigantes é a relativização do processo de midiatização,
que avança com intensidades distintas sobre territórios e culturas. Lugares como Pantanal e
Amazônia, considerados distantes e isolados por habitantes dos grandes centros urbanos,
apresentam perspectivas mediada e mediadora, que precisam ser compreendidas pelos
profissionais de comunicação organizacional que atuam nesses ambientes. O controle sobre o
cenário das interações complementa a discussão que envolve a avaliação da quarta e última
21
hipótese. Mais uma vez o embate extrapola o nível teórico e se manifesta nas rotinas
empresariais.
Nas considerações finais, os objetivos específicos e o objetivo geral da tese são
resgatados e analisados com base em toda a pesquisa desenvolvida entre 2012 e 2015.
Constata-se que a comunicação face a face praticada pelas organizações na sociedade
midiatizada ainda está aquém de sua potencialidade. São poucos os casos em que essa
modalidade de interação é planejada e executada de forma estratégica nas organizações, assim
como se mostram bastante limitados os estudos científicos a respeito do tema. De qualquer
forma, a tese procura explorar as características únicas da comunicação face a face, que,
articulada às interações mediadas por tecnologias, pode proporcionar resultados diferenciados
às organizações, especialmente quando o foco estiver nos relacionamentos. Ao final, é
proposta a sistematização de uma agenda para a prática e para os estudos da comunicação face
a face no contexto organizacional.
22
23
Capítulo I – A SOCIEDADE MIDIATIZADA E AS ESCOLHAS
DAS ORGANIZAÇÕES
Inseridas na sociedade, as organizações acompanham o processo de desenvolvimento
das formas de se relacionar e do uso de tecnologias que se criam e se transformam ao longo
do tempo. Quando as ferramentas evoluem, é natural que as empresas adotem os avanços
tecnológicos e se adaptem, modificando também seus procedimentos internos e as formas de
relacionamento com seus públicos. Nas primeiras décadas do século 21, no entanto, observa-
se que a estrutura da sociedade se modifica em função do que tem sido denominado lógica da
mídia. Essa transformação atinge a essência das relações sociais, afetando diretamente as
organizações e a comunicação praticada por elas.
O fenômeno conhecido como midiatização – ou a vivência do bios virtual (SODRÉ,
2002, 2006) – reorienta as relações sociais na contemporaneidade. Ao transcender o simples
uso instrumental da mídia e impor uma dinâmica estruturante da vida social, a midiatização
caracteriza não apenas um período ou uma civilização: ela institui um novo modo de pensar e
agir.
As organizações adequam-se a essa nova forma de vida, conjugando modos diversos
de promover contato com seus públicos internos e externos. Parte da pesquisa em
comunicação – e em midiatização – absorve, atualmente, a tendência de tratar o uso
simultâneo dos meios na condução dos relacionamentos; essa concomitância pode incluir os
canais face a face (reuniões, palestras, conversas presenciais formais e informais), os veículos
de massa (televisão, rádio, revistas, jornais e sites), bem como as mídias que permitem
interação interpessoal (e-mails, smartphones e seus aplicativos, telefones etc). Esse novo
olhar ocupa o espaço da investigação que privilegiava, até então, a comparação e segregação
entre as distintas modalidades de comunicação.
Ao considerar que os contatos ocorrem, ao mesmo tempo, tanto de forma presencial
quanto por meio de aparatos tecnológicos, adota-se como fundamento a proposição gestáltica
de que o todo é maior que a soma de suas partes1. As relações analisadas a partir do uso de
1 A abordagem sobre a relação entre o todo e as partes é complexa e exigiria uma discussão ampliada sobre
dialética (e seu método de pensamento baseado nas contradições entre o singular e o universal); o imperativo de
Blaise Pascal (1623-1662), segundo o qual é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto
conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes; a teoria sistêmica (o todo não é redutível às partes), já
que “a organização em sistema produz qualidades ou propriedades desconhecidas das partes concebidas
isoladamente: as emergências” (MORIN, 2003, p. 26, grifo do autor); e o princípio hologrâmico formatado pelo
próprio Morin (2003, p. 94), “em que não apenas a parte está no todo, como o todo está inscrito na parte”. O
estudo da comunicação face a face, a priori uma parte do sistema comunicacional, considera as intersecções
24
múltiplos meios serão percebidas sob outras angulações, já que as diferentes formas de
comunicação podem conter em si manifestações das demais.
Este capítulo aborda os sombreamentos e inter-relações sinalizados nas definições de
mediação e midiatização; a problematização de conceitos-chave de comunicação face a face e
comunicação mediada para a compreensão teórica do objeto investigado; as perspectivas de
simultaneidade dos meios como direcionamento metodológico; e a descrição de critérios que
determinam a escolha da modalidade de comunicação pelas organizações. Todo esse conteúdo
será tratado, a partir de agora, numa inevitável contextualização, “processo de reflexão,
aprofundamento, sistematização e exposição que dá valor sócio-histórico e científico aos
projetos” (MALDONADO, 2011, p. 280, grifo do autor). A sociedade midiatizada só pode ser
compreendida a partir do entendimento do conceito de midiatização, o que justifica o ponto de
partida desta tese.
1. O fenômeno da midiatização, mediatização ou bios midiático
O desvelamento do uso da comunicação face a face nas organizações transita,
necessariamente, pelo conhecimento do contexto da sociedade contemporânea e do processo
de midiatização – ou mediatização – que a envolve2. Olhares científicos de distintas áreas
focalizam a compreensão desse processo sob perspectivas plurais. Pesquisas recentes do
campo da comunicação sugerem que, se até o final do século passado a tradição norte-
americana demarcava duas subdisciplinas para a investigação – a comunicação de massa e a
comunicação interpessoal (ROGERS, 1999) –, hoje essa ciência incorpora uma terceira via,
voltada para a midiatização.
Um dos autores que se ocupa do tema é Luís Mauro Sá Martino (2012, p. 222),
segundo o qual “em linhas gerais, midiatização pode ser entendida como o conjunto das
transformações ocorridas na sociedade contemporânea relacionadas ao desenvolvimento dos
meios eletrônicos e virtuais de comunicação”3. Ou seja, não se refere apenas à intensificação
desta com as outras modalidades de comunicação. Ademais, o olhar dirigido a esta parte se configura como
contribuição para a compreensão do processo global da comunicação. 2 A pesquisa bibliográfica que fundamenta esta tese encontrou as duas grafias para o mesmo fenômeno. Assim
como Clarisse Castro Alvarenga e Kátia Hallak Lombardi (2012, p. 271), que detectaram as duas formas de
escrita, será adotado o padrão “midiatização”, respeitando-se nas citações a grafia escolhida pelos autores. 3 Essa definição pode ser considerada bastante simplista, já que o fenômeno da midiatização não se instala com o
aparecimento de meios eletrônicos e digitais. No entanto, é aceitável a compreensão de que o processo foi
potencializado e acelerado a partir deles.
25
do uso de tecnologias nas relações sociais, mas aos reflexos que esse comportamento impõe
na estruturação da sociedade. De acordo com ele,
trata-se de um conceito que permite destacar, como componente fundamental
da vida contemporânea, a presença ubíqua das mídias, não apenas como
transmissores de mensagens, mas como dispositivos de produção de sentidos
disseminados pela sociedade, em suas diversas mediações sociais,
configurando-se como uma das referências às práticas cotidianas.
(MARTINO, 2012, p. 222).
Diante do entrelaçamento com a cotidianidade, torna-se inviável dissociar a
midiatização dos prováveis reflexos que ela venha a imprimir na cultura contemporânea dos
agrupamentos que a incorporam. Laan Mendes de Barros (2012) explica que as informações
circulam em interações sociais e podem provocar desdobramentos, afetando inclusive o modo
de organização da vida em sociedade. Depois de atingir o receptor, de forma individual ou
coletiva, o conteúdo midiático passa por um processo de apropriação e interpretação e
recircula por novos fluxos comunicacionais, que podem ser presenciais ou tecnologicamente
mediados.
Esse processo de circulação pós-recepção é descrito por Braga (2006, 2012a),
considerado uma das referências do país nos estudos sobre a midiatização. De acordo com ele,
[...] percebemos hoje a midiatização da sociedade como uma criação e
recriação contínua de circuitos, nos quais, articulados com processos de
oralidade e processos do mundo da escrita, os processos que exigem ou
exercem intermediação tecnológica se tornam particularmente
caracterizadores da interação. (BRAGA, 2012a, p. 50).
Para Braga, a midiatização é um conceito em vias de construção, porém, com
potencial para se transformar em “processo interacional de referência”, a exemplo do que
representaram no passado a oralidade e a escrita. Esse fenômeno, no entanto, não isola a
invenção tecnológica; pelo contrário, associa a ela o componente social que aciona e direciona
o uso dos meios, impondo inclusive adaptações às mídias ao longo do tempo.
Há também quem atribua à midiatização a ideia de que a sociedade se apropria da
lógica da mídia. O pesquisador alemão Andreas Hepp elabora uma revisão de literatura sobre
o tema na tentativa de aprofundar a compreensão dessa lógica, partindo de estudos que, ainda
no século passado, tentavam decifrar o papel da mídia. De acordo com o investigador, o
26
conceito de lógica da mídia foi introduzido na pesquisa comunicacional pelos norte-
americanos David Altheide e Robert Snow.
Teoricamente, então, temos estudado comunicação porque seu processo,
tecnologia, lógica e organização influenciam a construção social da realidade.
Deste ângulo, cultura pode ser vista como um processo reflexivo da forma
constituindo conteúdo, que transforma-se ainda em outras formas. Dito de
outro modo, a organização da comunicação, que nós definimos em termos de
formatos, torna-se inserida no conteúdo do que está sendo comunicado.
(ALTHEIDE; SNOW, 1992, p. 466, tradução nossa).
Para esses teóricos, a lógica da mídia subentende não apenas que o estilo, a natureza e
a forma de comunicação condicionam o que é apresentado a uma audiência, mas também que
as expectativas, preferências e experiência dos membros da audiência, entremeadas por essa
lógica, afetam outras atividades e envolvimentos.
Os estudos de Hepp apresentam ainda outras fontes, como Asp (1990 apud HEPP,
2013), para quem é necessário considerar três campos de influência para entender o papel da
mídia na sociedade: o mercado, a ideologia e o sistema de normas que envolvem os processos
de produção da mídia. “Este terceiro campo – e aqui Asp explicitamente se refere a Altheide e
Snow – pode ser melhor descrito como um campo de „lógica da mídia‟” (HEPP, 2013, p. 617,
tradução nossa).
Para Hepp, no entanto, foi o dinamarquês Stig Hjarvard quem conseguiu refletir de
forma mais contundente sobre como elementos da cultura e da sociedade tornaram-se
orientados pela lógica da mídia. Hjarvard estaria preocupado em analisar as confluências entre
a mídia enquanto instituição e outras instituições sociais. O conceito de midiatização utilizado
por ele considera que a mídia se tornou uma instituição semi-independente na sociedade à
qual as outras instituições tiveram que se adaptar e, simultaneamente, está integrada ao
cotidiano de outros domínios institucionais que, cada vez mais, utilizam as tecnologias de
comunicação para estabelecer e manter relações sociais (HJARVARD, 2012).
O autor entende que os meios de comunicação, sejam eles de massa ou os
instrumentos digitais interativos, exibem características e procedimentos próprios, que
condicionam outras instâncias. Hjarvard (2014, p. 26-27, grifo do autor) compreende “as
lógicas como as regras e os recursos específicos que governam um domínio particular”. Ao
direcionar seus estudos para as transformações culturais e sociais, o pesquisador define
midiatização como
27
[...] o processo pelo qual a sociedade, em um grau cada vez maior, está
submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica. Esse processo é
caracterizado por uma dualidade em que os meios de comunicação passaram a
estar integrados às operações de outras instituições sociais ao mesmo tempo
em que também adquiriram o status de instituições sociais em pleno direito.
Como consequência, a interação social – dentro das respectivas instituições,
entre instituições e na sociedade em geral – acontece através dos meios de
comunicação. O termo lógica da mídia refere-se ao modus operandi
institucional, estético e tecnológico dos meios, incluindo as maneiras pelas
quais eles distribuem recursos materiais e simbólicos e funcionam com a ajuda
de regras formais e informais. (HJARVARD, 2012, p. 65, grifos do autor).
Hjarvard também é indicado por Sonia Livingstone (2009) como um dos autores que
observou o enfraquecimento da influência de instituições sociais tradicionais como a família,
a igreja e a escola na formação de indivíduos membros da sociedade, papel assumido já há
algum tempo pela mídia – que atua como fornecedora de informações, de orientação moral e,
principalmente, como a mais importante narradora da sociedade sobre si mesma.
Portanto, se a midiatização está vinculada à chamada lógica da mídia, há que se levar
em conta as relações institucionais de poder, os processos de produção midiática e a
apropriação dos meios tecnológicos para distribuição de recursos simbólicos. Mais uma vez, o
conceito de midiatização não se restringe à âncora tecnológica, mas engloba a noção de
mudança, de transformações sociais e culturais em função da adoção intensiva de técnicas de
comunicação na cotidianidade.
As definições dos pesquisadores supracitados correspondem, ao menos em parte, ao
conceito de bios midiático ou bios virtual articulado por Muniz Sodré na tentativa de
conjeturar essa nova circunstância social. De acordo com este investigador, “a partir de uma
realidade sistêmica [...], surge uma verdadeira forma de vida – o bios virtual, uma espécie de
comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se
convertem em prática social” (SODRÉ, 2006, p. 99, grifo do autor). A mídia impõe sua lógica
à cotidianidade, interpondo uma dinâmica própria que agora caracteriza as relações sociais e a
existência humana.
Ainda de acordo com Sodré (2002, p. 24, grifo do autor), “implica a midiatização, por
conseguinte, uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no
mundo, ou, pensando-se na classificação aristotélica das formas de vida4, um bios específico”.
Essa especificidade explicaria, por exemplo, a autonomia e soberania das mediações
tecnológicas em comparação com as formas de interação presentes nas mediações
4 De acordo com Sodré (2002, p. 25), Aristóteles distingue três gêneros de existência (bios) na Polis: vida
contemplativa, vida política e vida prazerosa (do corpo).
28
tradicionais. Ele aponta que “o indivíduo é solicitado a viver, muito pouco auto-
reflexivamente, no interior das tecnointerações, cujo horizonte comunicacional é a
interatividade absoluta ou a conectividade permanente” (SODRÉ, 2002, p. 24).5
Observa-se aparente congruência entre o pensamento de Sodré e autores citados por
Hepp, ao menos quando esses últimos manifestam que a midiatização está associada à forma
dos meios de comunicação, e não ao seu conteúdo. Essa discussão remete à famosa máxima
de Marshall McLuhan – “o meio é a mensagem” – analisada criteriosamente por Sodré (2006,
p. 19):
Mas quando se admite que “o meio é a mensagem”, está se dizendo que há
sentido no próprio meio, logo, que a forma tecnológica equivale ao conteúdo
e, portanto, não mais veicula ou transporta conteúdos-mensagens de uma
matriz de significações (uma “ideologia”) externa ao sistema, já que a própria
forma é essa matriz. Tal é o sentido ou o “conteúdo” da tecnologia: uma forma
de codificação hegemônica, que intervém culturalmente na vida social, dentro
de um novo mundo sensível criado pela reprodução imaterial das coisas, pelo
divórcio entre forma e matéria.
Signos e imagens passam a configurar, na perspectiva do bios midiático, uma nova
ordem cultural que, por sua vez, encontra ressonância filosófica em estudos realizados na
Grécia antiga. A alegoria da caverna, apresentada por Platão em “A República”, torna-se
absolutamente atual na abordagem de Sodré (2006, p. 26), por trazer à tona a discussão sobre
real e imaginário:
Platão mostra que, para os homens aprisionados e distantes da luz do sol, a
verdade da caverna são as sombras ou as silhuetas das coisas que se projetam
na parede, à luz do fogo. Sombras não são propriamente coisas, e sim os seus
indícios. Sem as referências básicas, os homens deixam de perceber as
sombras enquanto tais e vivem de sensações, isto é, da mera aparência, que é
ao mesmo tempo a sua realidade e a impossibilidade de fazer a distinção entre
as coisas e suas projeções. Nesta pura sensibilidade em que consiste o ser das
sombras, sem se dar conta de sua radical escravidão, o homem não pensa
livremente, não se realiza como pleno sujeito da razão e da linguagem.
Evidencia-se que o sujeito que se nega a deixar a convivência exclusiva com a sombra
e se contenta com a vida projetada “dentro da caverna” – ou envolta no mundo midiatizado –
dificilmente viverá uma emancipação pessoal e social. Tende a se submeter à lógica de um
5 Primo (2008, p. 30) é crítico do uso do termo interatividade. Para ele, “quando se fala em „interatividade‟, a
referência imediata é sobre o potencial multimídia do computador e de suas capacidades de programação e
automatização de processos”. Trata-se, na visão desse pesquisador, de uma visão tecnicista e insuficiente para o
processo que ele estuda, a interação mediada por computador.
29
mundo constituído por simulacros, distanciando-se de referências concretas do real. Sodré
aponta que a opção pela caverna não é inconsequente: afeta a realização pessoal, a plenitude
do indivíduo.
O empréstimo da alegoria da caverna para fundamentar discussões sobre o real e o
imaginário não é exclusividade de Sodré. Ao teorizar sobre a concepção da opinião pública,
Walter Lippmann também a utiliza como referência. De acordo com Lippmann (2010, p. 37),
“[...] o que cada homem faz está baseado não em conhecimento direto e determinado, mas em
imagens feitas por ele mesmo ou transmitidas a ele [sombras]”.
A relação entre a cultura de massa, real e imaginário está incorporada também à obra
de Edgar Morin, que vincula esse debate ao funcionamento dos meios de comunicação de
massa. Martín-Barbero (2003, p. 94-95, grifos do autor) o aponta como um dos responsáveis
por introduzir essa abordagem no campo da comunicação.
[...] o trabalho de Morin leva a sério o cultural na hora de pensar a indústria
cultural, e a define como o conjunto dos “dispositivos de intercâmbio
cotidiano entre o real e o imaginário”6, dispositivos que proporcionam apoios
imaginários à vida prática e pontos de apoio prático à vida imaginária. [...] Eis
aí, segundo Morin, a verdadeira mediação, a função de meio, que cumpre dia a
dia a cultura de massa: a comunicação do real com o imaginário.
Se a discussão sobre essa dualidade já esboçava contornos complexos no âmbito dos
meios de comunicação de massa e da indústria cultural, o recrudescimento das
tecnointerações – enquanto forma hegemônica de interação social – reacende o debate em
função da virtualização das relações na sociedade midiatizada7.
Alguns meios passam a ser comparados a próteses humanas, tamanha a dependência
que o organismo e a consciência do indivíduo desenvolvem em relação ao aparato técnico. “É
uma grande transformação, que privilegia a dimensão técnica do homem, em tal magnitude
que a forma da consciência contemporânea é fundamentalmente tecnológica”, afirma Sodré
(2006, p. 95). Com isso, o autor acrescenta que “o relacionamento do sujeito humano com a
realidade obriga-se hoje a passar pela tecnologia, em especial as tecnologias da informação,
em todos os seus modos de realização” (SODRÉ, 2006, p. 95).
O autor associa a midiatização à articulação das instituições sociais tradicionais com
as tecnologias da informação a reboque do mercado. “O bios midiático é uma espécie de clave
6 Segundo Martín-Barbero, a frase entre aspas está no livro O Espírito do Tempo, de Morin.
7 Os conceitos de virtual, real e atual serão discutidos na próxima seção, nas perspectivas de Sodré (2002) e
Neves (2006).
30
virtual aplicada à vida cotidiana, à existência real-histórica do indivíduo” (SODRÉ, 2006, p.
101). A metáfora merece ser explorada: enquanto clave, essa forma de vida é uma sinalização
responsável pelo tom adotado na pauta; detém a prerrogativa de definir a nomenclatura e a
sonoridade das notas que compõem a partitura e que vão resultar na peça musical. É a clave,
ou o bios virtual, que determina os rumos da sociedade, sua trajetória. Para finalizar, Sodré
(2006, p. 122) conceitua bios midiático ou bios virtual como “expressões adequadas para o
novo tipo de forma de vida [...] caracterizado por uma realidade imaginarizada, isto é, feita de
fluxos de imagens e dígitos, que reinterpretam continuamente com novos suportes
tecnológicos as representações tradicionais do real”.
A compreensão do fenômeno da midiatização torna-se, portanto, fundamental para
visualizar o contexto onde estão inseridas as organizações e analisar as tendências de adoção
da comunicação face a face e da comunicação tecnologicamente mediada, cujos conceitos e
características serão apresentados a seguir.
2. O conceito de mediação e a prática da comunicação mediada
No universo da pesquisa em comunicação, o termo mediação pode ser considerado, no
mínimo, ambíguo, quando não, complexo. Seu significado vai variar de acordo com o
contexto do que se pretende classificar como mediado. O entendimento mais técnico e
simplista está relacionado ao sentido de “intermediação”, ou seja, um instrumento que se
interpõe entre sujeitos interlocutores. De acordo com a definição de Thompson (2008, p. 78-
79),
as interações mediadas implicam o uso de um meio técnico (papel, fios
elétricos, ondas eletromagnéticas, etc.) que possibilitam a transmissão de
informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no
espaço, no tempo, ou em ambos. [...] Os participantes não compartilham o
mesmo referencial de espaço e de tempo e não podem presumir que os outros
entenderão expressões denotativas.
O próprio Thompson (2011, p. 193) afirma que “mesmo uma simples troca de
expressões verbais numa situação face a face pressupõe um conjunto de aparelhos e condições
técnicas (laringe, cordas vocais, lábios, ondas de ar, ouvidos, etc.) [...]”. Convém, no entanto,
distinguir as mediações estritamente técnicas – aquelas que são artificialmente criadas ou
31
construídas – daquelas que se encontram naturalmente presentes no ambiente e no corpo
humano, como os itens enumerados entre parênteses pelo autor.
Com base nessa caracterização, pesquisadores de várias nacionalidades têm adotado as
siglas CMC (Comunicação Mediada por Computador) ou CTM (Comunicação
Tecnologicamente Mediada) para referir-se às interações mediadas por objetos técnicos. Este
será o entendimento para o conceito de comunicação mediada nesta tese.
No entanto, o conceito de mediação se complexifica quando passa a envolver
elementos que circundam o processo comunicacional, especialmente na instância da recepção.
Neste caso, o sentido é diverso e as complicações começam pelas dificuldades de tradução.
Pesquisadora do Reino Unido, Livingstone (2009) constata imprecisões ao consultar colegas
de idiomas esloveno, polonês, tibetano, islandês, português, búlgaro, estoniano, francês e
alemão e verificar que os sentidos para “mediation” não coincidem nessas distintas línguas.
Os significados de “mediation” em inglês e “mediação” em português divergem. De
acordo com Livingstone (2009, p. 4, tradução nossa, grifo da autora), “em português,
mediação é usado como um termo acadêmico para a negociação dos significados dos meios
entre produtores e consumidores, apesar de este não estar no uso rotineiro nem ser nosso uso
do termo em inglês”.
Há ainda o conceito foneticamente semelhante de “midiação”, proposto por Thompson
(2011), que vem do original em língua inglesa “mediazation” e é utilizado no contexto social
e histórico da transmissão de formas simbólicas da cultura moderna. O processo que ele
descreve como “midiação” trata da “proliferação rápida de instituições e meios de
comunicação de massa e o crescimento de redes de transmissão através das quais formas
simbólicas mercantilizadas se tornaram acessíveis a um grupo cada vez maior de receptores”
(THOMPSON, 2011, p. 21). Difere, portanto, do sentido de “mediação” adotado pelos
estudos latino-americanos.
Outra variante é apresentada por Schutz, um teórico da comunicação face a face,
quando se refere à ausência dessa situação. Ele chama de “mediatidade” o processo de
comunicação indireta com os “contemporâneos”8:
Para esclarecer esse conceito de “mediatidade”, examinemos duas formas
diferentes através das quais venho a conhecer um contemporâneo. A primeira
forma, já mencionamos: meu conhecimento é derivado de um encontro face a
8 De acordo com Schutz (1979a, p. 217), contemporâneo “é alguém que sei que coexiste comigo no tempo, mas
que não vivencio imediatamente. Esse tipo de conhecimento é, por conseguinte, sempre indireto e impessoal”. Já
o interlocutor na situação face a face é tratado pelo autor como “semelhante”.
32
face anterior com a pessoa em questão. Mas, desde então, esse conhecimento
tornou-se mediato ou indireto porque saiu do alcance de minha observação
direta. Pois faço inferências com relação ao que está se passando em sua
mente na hipótese de que ela permanece bastante igual desde que a vi pela
última vez, embora, noutro sentido, eu saiba muito bem que ela deve ter
mudado, por ter absorvido novas experiências ou simplesmente em virtude de
ter envelhecido. Mas, quanto a como ela mudou, o meu conhecimento ou é
indireto ou inexistente. (SCHUTZ, 1979a, p. 218).
A análise de Schutz concebe o mundo estruturado em termos do alcance real, isto é, do
aqui e do agora. Embora essa perspectiva não coincida com o mundo midiatizado, que retém
outro tipo de estruturação, a contribuição do autor revela-se expressiva para a constituição do
conceito em questão, especialmente por associar o conhecimento indireto com a
impessoalidade e a necessidade de inferências.
Considerado o precursor da teoria da mediação social, o espanhol Manuel Martin
Serrano (1976, p. 180, tradução nossa) define mediação como “a atividade de controle social
que impõe limites ao que poderia ser dito, e às maneiras de dizê-lo, por meio de um sistema
de ordem”. Ele teria inspirado outro espanhol, Jesús Martín-Barbero9, a aprofundar os estudos
sobre o tema na América Latina.
Na década de 1980, Martín-Barbero preconizava que a pesquisa em comunicação
deveria migrar seu foco dos meios de comunicação para as mediações.
Eu, desde o começo, por intuição, me opus à visão hegemônica, norte-
americana, de estudar os efeitos dos meios. Eu não negava a importância dos
meios, mas dizia que era impossível entender a importância, a influência nas
pessoas, se não estudássemos como as pessoas se relacionavam com os meios.
O que eu comecei a chamar de mediações eram aqueles espaços, aquelas
formas de comunicação que estavam entre a pessoa que ouvia o rádio e o que
era dito no rádio. [...] Mediação significava que entre estímulo e resposta há
um espesso espaço de crenças, costumes, sonhos, medos, tudo o que configura
a cultura cotidiana. (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 154).
O conceito de mediação, bem como a teoria da mediação social proposta por Martin
Serrano, será retomado e aprofundado no capítulo 7. Por ora, cabe problematizar a
comunicação mediada por tecnologias, disseminada nas organizações inseridas na sociedade
midiatizada. Se, por um lado, a adesão à CTM representa avanços incontestáveis nas
possibilidades de contatos entre interlocutores, por outro, a onipotência da técnica preocupa
9 Nascido na Espanha, Martín-Barbero vive na Colômbia desde 1963 e sua obra tem grande capilaridade entre
pesquisadores brasileiros.
33
cientistas sociais contemporâneos que levantam uma discussão filosófica a respeito da
virtualização dos relacionamentos.
Alguns deles consideram a comunicação direta, sem artefatos técnicos, mais próxima
de uma perspectiva humanista e apontam para possíveis “perdas” que acompanhariam o
abandono desse hábito. Outros defendem o avanço tecnológico das práticas comunicacionais
e descartam efeitos sociais negativos, classificando como “conservadoras” e “resistentes” as
posturas contrárias. Essas correntes dicotômicas alimentam o que José Pinheiro Neves (2006)
denomina de perspectivas tecnofóbicas e tecnofílicas da pesquisa em comunicação. A
primeira, segundo ele, teme uma sociedade dominada por robôs; a segunda aposta em uma
sociedade ideal em que as máquinas permitem uma vida feliz10
.
Um dos autores que refletem a respeito da incidência da comunicação mediada sobre a
sociedade é Zygmunt Bauman (2001, 2004, 2008, 2011), que vem insistindo na metáfora do
“líquido” para descrever a época atual11
. Nesses tempos de modernidade líquida, segundo
Bauman (2011, p. 27, grifo do autor), “[...] o contato face a face é substituído pelo contato tela
a tela dos monitores; as superfícies é que entram em contato. [...] O que se perde é a
intimidade, a profundidade e durabilidade da relação e dos laços humanos”.
O sociólogo acrescenta que não vê sentido na multiplicação das possibilidades de
conexão e a proporcional solidão causada pela falta de engajamento e de interesse. Na visão
dele, ainda que involuntariamente, os prejuízos subjacentes à profunda automatização das
relações humanas devem superar, e muito, suas aparentes vantagens.
Pensamento semelhante é compartilhado pelo pesquisador Dominique Wolton (2004,
2006, 2007, 2010). Para ele, “nenhuma técnica de comunicação, por mais eficiente que seja,
jamais alcançará o nível de complexidade e de cumplicidade da comunicação humana”
(WOLTON, 2004, p. 35). Em várias obras, o autor pontua que o maior desafio na
comunicação contemporânea é compreender a alteridade:
Porque na comunicação o mais complicado é sempre o outro. Quanto mais
fácil é entrar em contato com alguém, de um lado ao outro do mundo a
qualquer instante, mais rápido percebemos os limites da compreensão. As
facilidades de comunicação não bastam para melhorar o conteúdo da
interação. (WOLTON, 2004, p. 37, grifo do autor).
10
“„Tecnófobos‟ e „tecnófilos‟ têm razão em vários dos pontos a que se apegam” (SODRÉ, 2002, p. 203). Essa
classificação remete aos conceitos de apocalípticos e integrados, criados por Umberto Eco na década de 1960
para rotular aqueles que viam na cultura de massa uma ameaça à democracia e os que a defendiam por entender
que abriam as portas para a cultura do lazer a milhões de excluídos (MATTELART; MATTELART, 2004). 11
“Um líquido é algo que ganha novas formas sem perder seus componentes. Mas, como todo fluido, não tem
nenhum tipo de forma, está sempre se reestruturando” (MARTINO, 2009, p. 234).
34
Para esse pensador, há equívocos envolvendo a questão da comunicação mediada por
computador; um deles é que “não há relação direta entre multiconexão e capacidade de se
relacionar com o outro” (WOLTON, 2006, p. 86); outro engano seria a confusão entre
comunicação e informação. Diz Wolton (2006, p. 86) que “o progresso técnico permite
produzir e distribuir uma grande quantidade de informações. No entanto, isso é
comunicação?”, questiona.
O pesquisador brasileiro Ciro Marcondes Filho (2001, 2004, 2005, 2008a, 2009, 2010,
2011, 2012) também se posiciona de forma reticente em relação às interações mediadas pela
técnica. Ele chama a atenção para a importância da “atmosfera circundante”, configurada pelo
ambiente onde ocorre a cena comunicacional, exclusiva dos encontros face a face.
Na nova realidade medial, a comunicação intersubjetiva, tetê-à-tête, direta, é
substituída pelos meios de comunicação socialmente abrangentes. Desaparece
a mística do olhar, da percepção do rosto, da atmosfera circundante, criadora
do evento comunicacional, da noção de sentido; sai de cena a magia das
múltiplas linguagens que [Gregory] Bateson chamava de “jogo da
comunicação”, essa arte de desvendar a fala do outro não pelas palavras
propriamente ditas, mas pelo ar, pelo jeito, pela postura, pela situação, pelo
contexto, por sinais invisíveis e meramente sensoriais, pela intuição, pelo
“sexto sentido”. Todo um campo do relacionamento humano passa agora a
competir com uma nova situação em que tudo isso é convertido em sinal
técnico, registrado, fixado, eternizado. Ora, para dar conta da necessidade
comunicacional das pessoas, é preciso, então, que a nova realidade medial crie
um substituto para a cena comunicacional do face a face. Algo tem que fazer
o papel da atmosfera, da hecceidade, do campo de sensações e de forças
visíveis e invisíveis que constituíam a relação direta. É a emergência do
contínuo atmosférico de sentido da sociedade de massa. (MARCONDES
FILHO, 2010, p. 109, grifos do autor).
Enquanto Bauman, Wolton e Marcondes Filho indicam perdas de alguns valores que
comprometeriam a humanização12
no processo de comunicação mediada, pesquisas recentes
apontam para outros tipos de prejuízos, de um ponto de vista mais pragmático. É o caso do
norte-americano Charles Berger, para quem os efeitos contabilizados pela CTM não seriam
tão recentes. “Desde a invenção da imprensa, cada vez mais da realidade que os humanos
experimentam têm se tornado simbolicamente mediada” (BERGER, 2005, p. 434, tradução
nossa).
12
De acordo com Martin Serrano (2009, p. 12-13), “na „humanização‟, se tem em vista de que maneira a
comunicação está envolvida na vigência das normas e na prática dos comportamentos, dos quais dependem a
existência e a perpetuação dos grupos humanos. [...] Em outras palavras: „a humanização começa quando o
grupo social pode comunicar sobre seus vínculos com a Natureza‟”.
35
A leitura que o pesquisador faz é clara: como os meios de comunicação se
desenvolveram bastante, as pessoas estão cada vez menos expostas à informação natural,
direta, proveniente do mundo físico. Avaliando trabalhos de Borgmann (1999 apud BERGER,
2005, p. 435, tradução nossa), ele alerta que “como a experiência de realidade das pessoas
torna-se cada vez mais mediada simbolicamente, elas vão perder o contato com o mundo que,
cada vez mais, é representado a elas na forma digital”. Segundo ele, o uso regular da
comunicação mediada por computador, com base em textos digitados, “pode influenciar os
padrões de autorrevelação, estratégias de aquisição de informações, troca de turno
[revezamento de fala], velocidade de fala, e interrupções quando indivíduos se envolvem em
interações face a face com outros” (BERGER, 2005, p. 435, tradução nossa).
Para ilustrar essa preocupação, Berger (2005) cita dois exemplos de interferência da
comunicação indireta – no contexto de uma sociedade midiatizada – sobre a rotina dos
cidadãos americanos. O primeiro seria que o cotidiano dos habitantes dos Estados Unidos é
agora vivido mais como um filme, devido às sutis intervenções de longo prazo das indústrias
do cinema e da televisão. O segundo envolve a educação: professores que estão na ativa há
mais de 30 anos percebem que os alunos contemporâneos da graduação esperam deles uma
performance mais divertida, algo semelhante à atuação de um showman, em comparação com
os alunos do passado. Com isso, o estudo sugere que a exposição de longo prazo à mídia do
entretenimento pode alterar as expectativas daqueles que vão acompanhar uma apresentação
qualquer, mesmo fora dos ambientes tradicionais de entretenimento.
Há também no Brasil exemplos da hibridez das duas modalidades, como a
transposição do anonimato típico da rede para as ruas, onde ocorrem os encontros presenciais.
Em junho e julho de 2013, o país viveu uma onda de protestos políticos nas capitais e cidades
do interior, muitos deles marcados pela violência. A proteção que o anonimato proporciona ao
indivíduo nas relações mediadas foi perseguida durante as manifestações, com o uso de
máscaras e tecidos encobrindo os rostos, especialmente por aqueles que praticavam atos de
vandalismo e temiam ser reconhecidos pelas imagens de televisões e jornais. Como
consequência, os governos dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo aprovaram, em 2013 e
2014, respectivamente, leis que proíbem o uso de máscaras ou qualquer outra forma de
ocultar o rosto de cidadãos que participem de manifestações públicas.
Da mesma forma como o anonimato das redes migrou, em parte, para as ruas, um
outro fenômeno pode ser observado na mesma ocasião. Manifestantes utilizaram com
frequência as máscaras conhecidas como V de Vendetta – ou V de Vingança, em português
(Figura 1) – originárias de uma história em quadrinhos publicada na década de 1980, que
36
depois se tornou filme, em 2005, e passou a interagir em diversos graus com internautas que
utilizaram as redes sociais para articular os protestos. Esses dois exemplos ilustram não
apenas as nuances nos padrões de autorrevelação previstas por Berger, como também a
infiltração de elementos construídos simbolicamente no universo real13
.
FIGURA 1. Máscara V de Vendetta, que se popularizou nos protestos, 2013
Foto: Ana Maio
Tratando ainda dos condicionamentos da comunicação mediada sobre o
comportamento humano e social, outra pesquisa recente desenvolvida na Universidade da
Califórnia revela que pré-adolescentes estão perdendo a habilidade para reconhecer as
emoções humanas em função do uso intensivo da comunicação tecnologicamente mediada e
da consequente falta de tempo dedicado às interações face a face. Os investigadores
observaram dois grupos de pré-adolescentes com idades entre 11 e 13 anos; um deles, com 51
participantes, passou cinco dias em um acampamento onde era proibido o uso de telas; o
outro, formado por 54, permaneceu na rotina que incluía o uso de smartphones, videogames e
televisores.
O estudo fornece evidência que, em cinco dias de interação exclusivamente
presencial, sem acesso a tela ou dispositivo de mídia para comunicação, pré-
adolescentes melhoraram suas métricas relacionadas ao entendimento da
emoção não-verbal, significativamente mais que o grupo de controle [...].
Portanto, os resultados sugerem que o tempo em tela digital, mesmo quando
usado para interação social, poderia reduzir o tempo gasto desenvolvendo
13
Para aprofundar essa discussão, caberia explorar o conceito de narrativa transmídia, elaborado por Henry
Jenkins (2009, p. 138) ao estudar a cultura da convergência: “uma história transmídia desenrola-se através de
múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”.
Essa especificidade, no entanto, foge do escopo desta tese.
37
habilidades em leitura de sinais não-verbais da emoção humana. (UHLS et al,
2014, p. 391, tradução nossa).14
Mais uma vez, cabe aqui relacionar a insensibilidade dos pré-adolescentes estudados
ao mito platônico das cavernas; vivenciando o mundo por meio de telas, ainda que em
interações sociais, essa geração teria acesso apenas a projeções das coisas (indícios), e não às
coisas em si. É previsível que suas habilidades em relação à identificação das emoções
humanas se desenvolvam de forma distinta das gerações anteriores ao advento das chamadas
novas mídias.
Uma abordagem igualmente interessante sobre a relação homem/máquina é
apresentada pelo pesquisador português José Pinheiro Neves.
A solução não passa por acabar com a técnica em direção a uma pureza
humana natural [...]. Trata-se de estar atento e resistir a tudo o que nos arraste
para aglomerados rígidos comandados por lógicas binárias. A questão da
dicotomia, da forma binária de pensar (tal como a linguagem binária e a
programação linear em fluxograma associada) não é inofensiva. (NEVES,
2006, p. 130).
O grau de complexidade dos mediadores técnicos atuais explica, segundo o
investigador, a tomada de consciência do sujeito contemporâneo a respeito da onipresença da
técnica. O pensamento de Neves (2006) acompanha a metáfora proposta por McLuhan, dos
meios como extensão do homem, ao reconhecer o notório reposicionamento da tecnologia na
vida humana: “os sistemas em rede, os computadores, são próteses cada vez mais autónomas
da nossa memória e da nossa capacidade de comunicação” (NEVES, 2006, p. 99).
Uma abordagem alternativa emerge, aqui, em relação a essas possíveis intervenções
dos meios técnicos sobre o homem. De acordo com Pierre Lévy (1993, p. 10), a sucessão das
tecnologias que apoiam o desenvolvimento intelectual não se dá por substituição, “mas antes
por complexificação e deslocamentos de centros de gravidade”. Oralidade, escrita,
informática e outras técnicas de armazenamento e processamento das representações que
venham a surgir “tornam possíveis ou condicionam certas evoluções culturais, ao mesmo
tempo em que deixam uma grande margem de iniciativa e interpretação para os protagonistas
da história” (LÉVY, 1993, p. 10, grifo nosso). A concepção deste autor afasta suas reflexões
14
Os autores apontam como uma limitação do estudo a impossibilidade de distinguir se a interação com a
natureza – durante o acampamento os adolescentes se envolveram com diversas atividades no campo – teria
provocado efeitos sobre a leitura dos sinais não-verbais das emoções humanas; mas sugerem que essa hipótese
seria contraintuitiva, considerando que as atividades desenvolvidas nesse ambiente seriam inerentemente menos
sociais.
38
sobre as tecnologias da inteligência de quaisquer parâmetros de determinismo tecnológico.
De certo modo, quando novas tecnologias se apresentam, o homem passa a incorporá-
las em sua forma de ver o mundo, dentro de um processo cumulativo, e não substitutivo. O
indivíduo que têm acesso aos meios digitais desenvolve habilidades e sensibilidades distintas
em comparação com aquele que utilizava apenas a oralidade e a escrita. Esse know-how cria
condições para lidar com situações novas, porém, não impõe transformações, segundo a
perspectiva de Lévy.
Assim como o filósofo francês, Neves rejeita o viés dicotômico sobre a relação entre
homem e máquina, acrescentando que “o essencial situa-se no facto de o homem deixar de ser
o único actor autenticamente intencional, passando a ser atravessado pela intencionalidade da
ferramenta/aparelho” (NEVES, 2006, p. 103). A autonomia e intencionalidade das máquinas
explicam, em parte, a hibridez a que o autor se refere quando se trata da comunicação face a
face. As relações humanas automatizadas ganham sentido outro, que não a significação direta
e simplificada que as gerações anteriores ao paradigma tecnológico estavam habituadas. O
equilíbrio na adoção dos objetos técnicos apresenta-se como um caminho aparentemente
viável para contemplar a convivência entre homem e tecnologia.
Neves é um dos autores que trabalham o conceito de virtual, apontando para uma
proximidade entre virtual e atual substituindo a dicotomia virtual/real. “Enquanto que no par
virtual/real estamos no reino da analogia e da representação, no par virtual/actual já nos
situamos num outro plano, diferente” (NEVES, 2006, p. 36). Segundo este autor, torna-se
irrelevante a distinção entre o virtual (pensado em termos de possibilidade) e o real (percebido
como algo concreto). Neves enxerga uma relação limitante entre virtual e real, porém, explica
que “o virtual e o actual estabelecem uma relação gestaltista, onde a diferença é pensada em
termos de intensidade: uma cor, em si é uma virtualidade que constantemente se actualiza
com diferentes intensidades” (NEVES, 2006, p. 37).
Sodré (2002, p. 120) também dedica parte de seus estudos ao “virtus como metáfora” e
aponta que “são muitos os exemplos, ao longo da história, de estimulações imaginativas
destinadas a favorecer no indivíduo a sensação vívida de uma realidade ausente”, ou seja, a
virtualidade.
Tem-se aqui a primeira formulação do sentido duplo da palavra “virtual”:
aquilo que existe em potência, que não é objetivável como “coisa”. A segunda
é o virtual entendido como a realidade de uma aparência desencarnada, com a
coisa ou o corpo noutra dimensão representativa, simulativa de um “outro
mundo”. (SODRÉ, 2002, p. 120).
39
Ele aborda o fenômeno tecnológico que permite recriar a “sensação” de presença e o
atesta como uma modelização matemática de uma realidade original, uma digitalização do
concreto. Na visão do pesquisador, “todo o empenho dessa realidade técnica [...] dá ao
participante sensação de inclusão ou de imersão na cena projetada” (SODRÉ, 2002, p. 121),
uma falsa representação de vivência.
Assim como Neves (2006), Sodré indica que nos dicionários virtual não se opõe a real,
e sim a atual, algo que já se concretizou, do que já se tomou consciência. Ele explica que atual
refere-se às “faculdades presentes, e não potenciais” (SODRÉ, 2002, p. 122) e aponta o termo
“potencial” como um dos significados para virtual. “No senso comum, virtual é simplesmente
falta de existência” (SODRÉ, 2002, p. 123).
O atual configura-se, assim, como uma resposta a seu oposto, o virtual:
“contrariamente ao possível, estático e já construído, o virtual é como um
complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanham
uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer”. A
semente, por exemplo, é virtualidade, enquanto que a árvore é a sua
atualização. (SODRÉ, 2002, p. 124, grifo do autor).
Desta forma, Sodré (2002, p. 138) contribui para dirimir quaisquer opacidades a
respeito dos três significados, observando que virtual “denota algo que tem apenas potência
de ser. Não é de fato o contrário de real – uma vez que todo real tem o virtual em sua
dinâmica –, mas ainda é algo incompleto do ponto de vista eidético, por ter existência
meramente propositiva”. Com essa discussão, os dois autores esclarecem contrapontos
envolvendo a virtualização, conceito relevante para esta pesquisa que se propõe a contribuir
para o conhecimento a respeito dos condicionamentos que a comunicação mediada pode
imprimir às organizações.
A seguir, será traçado trajeto semelhante a respeito da comunicação face a face,
iniciando pela definição técnica e percorrendo, posteriormente, trilhas filosóficas envolvendo
o conceito. Não obstante este estudo se empenhe em absorver as diferentes formas de
comunicação em perspectiva de simultaneidade, torna-se fundamental caracterizar cada
modalidade para que elas possam ser compreendidas em suas essências.
3. Abordagens técnica e filosófica da comunicação face a face
40
A introdução da técnica na comunicação humana estabelece uma ruptura na forma
como esse processo era praticado até então e nas reflexões a respeito dele. Mauro Wilton de
Sousa (2006, p. 14-15) observa que “a comunicação presencial e interpessoal, matriz do
processo das relações sociais, à medida que recebe o concurso da técnica, chegando ao que se
denomina como a fase de comunicação coletiva, efetiva um novo modo de se compreender a
comunicação na sociedade e especialmente neste século”.
Assim como a comunicação tecnologicamente mediada, a definição da comunicação
face a face alinhava dimensões técnicas e filosóficas. A perspectiva técnica pode ser
introduzida pela variedade semântica com que essa modalidade de interação é descrita
cientificamente. No Brasil, é atribuída a esse modelo uma diversidade de denominações que
incluem comunicação interpessoal, presencial, oral, dialógica, direta, intersubjetiva, diádica,
olho no olho, cara a cara, frente a frente, entre outras. Cabem aqui algumas ressalvas em
relação ao termo “comunicação interpessoal”.
Herdada da tradição de pesquisa norte-americana, essa nomenclatura refere-se a uma
subdivisão das disciplinas estudadas naquele país, conforme visto anteriormente, na seção 1.
No entendimento de Everett Rogers (1999, p. 628, tradução nossa),
comunicação interpessoal envolve a troca de informações face a face entre
duas ou mais pessoas. Aqui, nós consideramos comunicação interpessoal
como incluindo as especialidades acadêmicas como a teoria retórica e crítica,
comunicação organizacional, comunicação intercultural, comunicação e
educação, e outras.
Mostra-se amplo o campo de investigação que o autor abarca sob a tutela da
comunicação interpessoal. Outro pesquisador norte-americano que se dedica ao estudo da
comunicação interpessoal é Berger, autor de uma revisão de literatura a respeito do tema. De
acordo com o material reunido pelo estudioso, algumas circunstâncias precisam ser
consideradas na abordagem da comunicação interpessoal, como as diferenças observadas em
relacionamentos íntimos e em transações comerciais, as questões emocionais que envolvem
esse tipo de conversa, as perdas que a ausência de sinais não-verbais proporcionam à
comunicação mediada, entre outras.
A utilização do termo “interpessoal”, no entanto, não representa consenso entre
estudiosos brasileiros. A pesquisadora Margarida Maria Krohling Kunsch (2008, 2010),
ligada à Universidade de São Paulo, está entre aqueles que utilizam o conceito proveniente da
pesquisa norte-americana em seus trabalhos sobre comunicação organizacional. No entanto,
41
Alex Primo (2008, p. 96) pondera que “interação interpessoal não é sinônimo de interação
presencial. Uma conversa entre duas pessoas ao telefone ou em um fórum na Internet é uma
interação interpessoal15
, apesar delas não compartilharem o mesmo espaço físico ou
temporal”. Para ele, portanto, não há um entendimento automático de que o interpessoal
corresponderia ao olho no olho.
Uma definição tecnicamente clássica de interação face a face bastante replicada por
pesquisadores brasileiros vem de Thompson (2008, p. 78, grifos do autor), segundo o qual
a interação face a face acontece num contexto de co-presença; os participantes
estão imediatamente presentes e partilham um mesmo sistema referencial de
espaço e de tempo. Uma outra característica da interação face a face é que os
participantes normalmente empregam uma multiplicidade de deixas
simbólicas para transmitir mensagens e interpretar as que cada um recebe do
outro. As palavras podem vir acompanhadas de piscadelas e gestos,
franzimento de sobrancelhas e sorrisos, mudanças de entonação e assim por
diante. Os participantes de uma interação face a face são constantemente e
rotineiramente instados a comparar as várias deixas simbólicas e a usá-las para
reduzir a ambiguidade e clarificar a compreensão da mensagem.
Mais recentemente, o pesquisador aprofundou a caracterização da comunicação face a
face, afirmando que a produção e recepção de formas simbólicas acontecem em contextos
sociais estruturados e especificando as diferenças entre a interação presencial e a mediada por
instrumento técnico.
As características espaciais e temporais do contexto de produção de uma
forma simbólica podem coincidir ou sobrepor-se com as características do
contexto de recepção, como no caso da troca de manifestações verbais em uma
interação face a face. Numa situação face a face, a pessoa que fala e o ouvinte
partilham o mesmo ambiente local, e as características desse ambiente estão,
comumente, incorporadas às formas simbólicas e à interação da qual são parte
(por exemplo, ao atribuir a especificidade referencial a expressões e pronomes
demonstrativos). Mas as características espaciais e temporais do contexto de
produção podem divergir, significativa ou inteiramente, das características do
contexto de recepção. Essa é a situação típica de formas simbólicas que são
transmitidas através de algum tipo de meio técnico – por exemplo, uma carta
que é escrita num contexto e lida noutro, ou um programa de televisão que é
produzido num contexto e assistido numa pluralidade de outros contextos
diversificados no tempo e no espaço. (THOMPSON, 2011, p. 194).
Os estudos de Thompson limitam-se a descrever o que ocorre durante o contato
presencial. Essa caracterização expõe objetivamente os vestígios que os interlocutores
15
No sentido de entre pessoas.
42
compartilham durante a interação, ou seja, as deixas simbólicas ou pistas comunicacionais.
Elas são provenientes da chamada comunicação não-verbal, sinalizada por meio de
comportamentos, cheiros, cenários, cores, expressões corporais e faciais, atitudes, entonação,
vibração, enfim, uma pluralidade de manifestações simbólicas que significam tanto quanto a
linguagem verbal – ou mais16
. Esse conjunto, e não apenas suas partes, deve ser considerado
ao se pensar a comunicação.
Além de Thompson, outro estudioso que prioriza a dimensão técnica do que acontece
durante um encontro presencial é Schutz (1979a, p. 180, grifos do autor):
Digo que outra pessoa está ao alcance da minha experiência direta quando ela
compartilha comigo um tempo comum e um espaço comum. Ela compartilha
comigo um espaço comum quando está presente, pessoalmente, e estou
consciente dela como tal e, além disso, quando estou consciente dela como
essa pessoa ela própria, esse indivíduo em particular, e do seu corpo como o
campo no qual estão em jogo os sintomas de sua consciência interior. Ela
compartilha comigo um tempo comum quando sua experiência flui lado a lado
com a minha, quando posso, a qualquer momento, buscar e captar seus
pensamentos conforme eles passam a existir, em outras palavras, quando
estamos “envelhecendo” juntos. Pessoas assim, ao alcance da experiência
direta uma da outra, estão no que chamo de situação “face a face”. A situação
face a face pressupõe, então, uma simultaneidade real de cada uma das
correntes de consciência distintas.
Conforme será aprofundado no capítulo 4, Schutz trata o contato presencial como
“relacionamento do Nós”, situação que requer dos participantes uma “orientação para o Tu” –
diferente da comunicação mediada em que a orientação é para Eles. No entanto, as maiores
contribuições do autor para o conceito são os ingredientes que ele considera indispensáveis
para que o relacionamento do Nós, de fato, se concretize na situação face a face. São eles:
uma linguagem comum, capaz de permitir a interpretação de significados compartilhados; a
reciprocidade de motivações e a descoberta dos motivos do sujeito com o qual se interage; um
sistema de relevâncias similar entre os atores; e, em especial, a atenção dispensada durante o
encontro, já que “o participante precisa tornar-se intencionalmente consciente da pessoa que o
confronta” (SCHUTZ, 1979a, p. 181).
O simples fato de compartilhar o mesmo espaço ao mesmo tempo não valida
automaticamente a comunicação face a face entre participantes da cena interacional, pois o
“envelhecer juntos”, ainda que por poucos momentos, exige a tomada de consciência em
16
“Alguma investigação não oficial nos laboratórios das universidades parece indicar que, em média, a
totalidade do conteúdo das conversas humanas é constituída por sete por cento de material verbal e 93 por cento
de insinuações não verbais. A palavra oral nunca está sozinha. A entoação, volume, rima e outros valores tonais
têm intencionalidade e força.” (KERCKHOVE, 1997, p. 155).
43
relação ao outro e a observação dos “signos” que se manifestam nos movimentos não-verbais.
Mas o fato de eu ver você como um semelhante não quer dizer que eu também
seja um semelhante para você, a não ser que você esteja consciente de mim. E,
é claro, é bem possível que você não esteja prestando nenhuma atenção a mim.
A orientação para o Tu, portanto, pode ser unilateral ou recíproca. É unilateral
se apenas um de nós percebe a presença do outro. É recíproca se nós estamos
mutuamente conscientes um do outro, isto é, se cada um de nós está orientado
para o Tu em relação ao outro. Dessa forma se constitui, a partir da orientação
para o Tu, o relacionamento face a face (ou relacionamento social diretamente
vivenciado). (SCHUTZ, 1979a, p. 182).
Diferentemente de Thompson, a obra de Schutz tem sido pouco explorada entre
pesquisadores brasileiros. Porém, suas teorias a respeito do “relacionamento social
diretamente vivenciado” mostram-se absolutamente atuais e capazes de contribuir para
esclarecer o fenômeno, ainda que seus pensamentos não tenham levado em conta o advento da
midiatização.
A abordagem filosófica a respeito da comunicação face a face reflete determinada
passionalidade com que cientistas vêm incorporando esse conhecimento. Marcondes Filho
(2004, p. 77) valoriza a comunicação não-verbal ao constatar que “a lógica do corpo não
permite mal-entendidos; a pura presença da pessoa, queira ou não, já comunica”. Estar
presente ou ausente em determinada situação estabelece um sentido, assim como a atenção
dispensada durante a presença. O compartilhamento do mesmo espaço físico e do exato
momento permite que os interlocutores observem a si próprios em busca de indicadores sobre
o andamento do processo comunicacional.
Um dos argumentos utilizados pela corrente tecnofóbica está relacionado à
complementaridade entre a comunicação verbal e não-verbal. Ao considerar apenas as
palavras ditas ou escritas, o participante da interação estará abrindo mão de um repertório
simbólico que completa o ato comunicativo, seja em um encontro presencial ou mediado.
Caso observe apenas as deixas simbólicas, perderá boa parte de um conteúdo igualmente
essencial para a completude do processo, que é a expressão da língua, o enunciado
propriamente dito. Essa ambivalência pode contradizer ou endossar um discurso, daí a
importância de confrontar palavra e gesto no momento em que se configura a comunicação.
Essa discussão conduz ao controle sobre a comunicação não-verbal e,
consequentemente, sobre a comunicação presencial. Segundo Marcondes Filho (2010, p. 330),
as expressões corporais e situacionais auxiliam na compreensão do enunciado propriamente
dito, porém “não significa que iremos entender exatamente o que o outro está querendo dizer,
44
mas que controlamos mais variáveis. Mesmo assim, esse entendimento, esse deciframento
ainda é sujeito a erros”.
Na sociedade contemporânea, a comunicação face a face é valorizada na mesma
proporção em que se torna mais incomum e com prognósticos incertos. Os indivíduos
mostram-se cada vez menos preparados para encarar esse tipo de contato, perdendo inclusive
a habilidade natural para estar diante do outro. As interações mediadas seduzem com
facilidade porque, entre outros aspectos, estabelecem uma espécie de proteção do indivíduo,
que reduz consideravelmente seu nível de exposição.
Bauman apresenta uma análise crítica a respeito das interações face a face. De acordo
com ele, para compartilhar experiências é preciso compartilhar espaços:
Com efeito, o desenvolvimento da compreensão mútua e a troca de
experiências de vida de que essa compreensão necessita é a única razão pela
qual – apesar da facilidade de se comunicar eletronicamente com maior
rapidez e muito menos trabalho e problemas – empresários e acadêmicos
continuam viajando, visitando-se e se encontrando em conferências17
. Se a
comunicação pudesse ser reduzida à transferência de informação, sem
necessidade da “fusão de horizontes”, então, em nossa era da internet e da rede
mundial, o contato físico e o compartilhamento (mesmo que temporário e
intermitente) de espaço e experiências teriam se tornado redundantes. Mas não
se tornaram, e até agora nada indica que isso ocorrerá. (BAUMAN, 2004, p.
138).
O ato comunicativo tem maior probabilidade de ocorrência quando há sintonia entre os
interlocutores, condição facilitada quando se cria um denominador comum entre significados
e contextos. Esse fenômeno, no entanto, não antecede necessariamente o processo,
especialmente na comunicação face a face entre desconhecidos. Ele é construído
paulatinamente durante as interações e apropriado pelos participantes, que, assim, ampliam as
chances de sucesso da comunicação.
Quando essa fusão de horizontes inexiste e o relacionamento entre estranhos sequer
começou, o encontro é caracterizado pelo imprevisível. “Não sabemos o que esperar e
podemos ter que inventar na hora as formas de nos dirigir a eles. Esse tipo de comunicação
que não se apoia antes de tudo no reconhecimento, denominei comunicação da diferença”
(CAIAFA, 2013, p. 41, grifo da autora). A nomenclatura é bastante oportuna e opõe-se
categoricamente à “fusão” proposta por Bauman.
O sociólogo coloca que a comunicação direta reduz a impessoalidade e incrementa o
17
Conforme será visto adiante, outras categorias, como os chefes de Estado, persistem nos encontros presenciais.
45
relacionamento ao proporcionar a compreensão mútua:
É aí, nesse plano “microssocial” de encontros face a face, que diferentes
tradições, crenças, motivações culturais e estilos de vida [...] se confrontam a
pequena distância e à queima-roupa; elas compartilham o dia a dia e
inevitavelmente dialogam entre si, numa conversa pacífica e benevolente, ou
tormentosa e antagônica, mas que leva sempre à familiarização, e não ao
estranhamento, contribuindo então para o respeito, a solidariedade e o
entendimento mútuo. (BAUMAN, 2011, p. 205).
Embora reconheça o valor da comunicação face a face, o autor admite que ela
incomoda – quando não amedronta – o indivíduo da sociedade hodierna que prioriza as
conexões e relações mediadas e evita os riscos e a imprevisibilidade do contato olho no olho.
“Um encontro face a face exige o tipo de habilidade social que pode inexistir ou se mostrar
inadequado em certas pessoas, e um diálogo sempre significa se expor ao desconhecido: é
como se tornar refém do destino” (BAUMAN, 2008, p. 27). O sujeito contemporâneo deseja
controle sobre suas ações e reações e, para isso, a comunicação mediada é sua forte aliada,
particularmente porque permite que o ator se preserve ante o anonimato.
Wolton (2007, 2010) atenta para a questão do uso da comunicação face a face e
mediada e descarta a possibilidade de substituição de uma pela outra, esclarecendo que
“somos seres sociais, não seres de informação” (2010, p. 34). Ele enfatiza as preferências de
empresários e chefes de Estado:
A comunicação a distância não substituirá a comunicação humana direta.
Quanto mais os homens podem se comunicar por meios sofisticados,
interativos, mais eles têm vontade de se encontrar; o desafio da comunicação
tecnológica não substitui a necessidade da comunicação direta. Se, em um
primeiro momento, pode-se crer que racionalizando a comunicação seriam
reduzidos os deslocamentos, os custos, o tempo, a fadiga, percebe-se hoje que
os homens têm sobretudo necessidade de se encontrar diretamente. Basta
observar os chefes de Estado. Todos os meios de comunicação a distância
estão disponíveis para que eles não tenham que se deslocar. Entretanto, eles
não param de viajar durante todo o ano, de um país a outro, ainda que os
deslocamentos sejam sempre incômodos, fatigantes e repletos de protocolos.
Por que eles se deslocam então? Justamente porque os problemas tornando-se
mundiais, os riscos cada vez maiores, e os equilíbrios cada vez mais frágeis,
os responsáveis políticos querem se ver, se falar, para reencontrar e
experimentar a dimensão humana da política e da história. Isto também é
verdade para os empresários: a necessidade de ir ver por si mesmo transpõe a
eficácia da comunicação a distância. (WOLTON, 2007, p. 196, grifos do
autor).
46
Como ilustração da busca por essa “dimensão humana da política e da história”, cabe
apresentar relatos envolvendo o ex-primeiro ministro do Reino Unido, Winston Churchill, que
se encaixam exatamente nesse perfil:
Em certo nível, o maduro Churchill tinha menos necessidade de viajar do que
a maioria dos políticos, porque tinha habilidades extraordinárias para
comunicação a longa distância. Seus livros eram bem escritos e vendiam bem.
Suas transmissões radiofônicas eram lendárias e ainda suscitam calafrios. Suas
cartas e telegramas em caráter particular eram persuasivos ou inspiradores,
conforme as exigências da ocasião. Mas estava convencido de que o contato
pessoal era o melhor modo de conseguir que as coisas fossem feitas. Como
disse em Quebec em 1944, “que método ineficaz é a correspondência para
transmitir o pensamento humano... telegrafada com toda a rapidez, todas as
instalações da... intercomunicação moderna. Não passa de paredes mortas,
espaços vazios em comparação com os contatos pessoais...”. Na década de
1950 ele continuava a acreditar nisso e cunhou a expressão „reunião de
cúpula‟. Esperava que os líderes americanos, britânicos e soviéticos
conseguissem resolver a Guerra Fria encontrando-se frente a frente.
(LAVERY, 2012, p. 11).
Em outras situações, a comunicação face a face serviu como obstáculo para a
continuidade do processo comunicativo, conforme o diálogo abaixo que menciona o ex-
presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln:
Certa vez, o Presidente Lincoln, depois de receber determinado visitante,
chamou seu secretário e recomendou-lhe:
– Não quero mais conversa com esse homem!
O secretário, surpreso com a atitude do Presidente, homem reconhecidamente
tolerante, quis saber:
– Por que, presidente?
– Não gostei da cara dele!
– Mas, presidente... O pobre do homem tem culpa da cara que tem?
A resposta de Lincoln foi incisiva:
– Depois dos 40 anos, nós somos responsáveis por nosso rosto! (PENTEADO,
2012, p. 121).
Esses recortes demonstram como o contato face a face pode ser crucial para
estabelecer ou romper relações. Embora as experiências de Churchill e Lincoln não sejam
contemporâneas ao advento da internet, observa-se que executivos e chefes de Estado
continuam optando por deslocamentos e encontros presenciais para participar de discussões,
47
negociações, eventos e reuniões, apesar dos avanços tecnológicos18
. As videoconferências e
programas de conversação instantânea ocupam espaço nos processos de interação, mas não
chegam a substituir a comunicação face a face.
Em estudo mais recente, John Caughlin e Liesel Sharabi (2013) avaliam a
comunicação face a face e a mediada em relacionamentos íntimos sob a perspectiva da
interdependência (uma não exclui a outra). Eles concluem que mesmo entre estudantes
universitários norte-americanos, que utilizam canais tecnológicos com muita frequência,
alguns assuntos são reservados para conversas presenciais. “Se mesmo esse grupo orientado
tecnologicamente tende a estar mais próximo e mais satisfeito se algumas interações
acontecem de forma presencial, isso sugere que o valor colocado em alguns encontros face a
face é particularmente poderoso” (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 889, tradução nossa).
As perspectivas da interdependência comunicativa, de rede social e da totalidade dos
meios serão discutidas a seguir, bem como alguns fatores que orientam as organizações na
definição dos meios que podem compor o repertório de interações com seus públicos e que,
como visto, podem criar, sustentar ou romper seus relacionamentos.
4. Perspectivas da simultaneidade dos meios e seus critérios de
escolha
Relacionamentos organizacionais, inevitavelmente, se apropriam de diversas formas
de comunicação, incluindo aí as modalidades face a face e mediadas pelas mais distintas
técnicas. Sabe-se que elas ocorrem de forma simultânea e a pesquisa em comunicação começa
a direcionar seus olhares para essa abordagem. Caughlin e Sharabi (2013) observam que boa
parte da literatura sobre relacionamentos pessoais envolvendo tecnologias da comunicação se
divide em dois grupos: aqueles que comparam as tecnologias on-line com as off-line e aqueles
que examinam a função das tecnologias nos relacionamentos sem fazer comparações diretas.
O tratamento dos canais em separado tem sido uma decisão razoável; se o
objetivo, por exemplo, é entender como novas tecnologias operam nos
relacionamentos, as condutas mais óbvias são comparar a comunicação via
aqueles canais à comunicação face a face e ver que efeitos e funções estão
associados com aquelas tecnologias. (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 875,
tradução nossa).
18
Um bom exemplo é o Fórum Econômico Mundial realizado todos os anos em Davos, na Suíça, e que reúne
líderes políticos, empresariais, jornalistas e intelectuais para discutir grandes questões mundiais da atualidade.
48
No entanto, na ótica desses pesquisadores, essa estratégia não é adequada quando a
intenção é compreender a comunicação sob a perspectiva relacional, isto é, quando se
pretende desvendar de que maneira a comunicação está implicada no desenvolvimento de
relações e bem-estar. “A partir desta perspectiva, o modo como canais operam isoladamente
torna-se menos importante porque há boas razões para pensar que pessoas em relacionamento
usam múltiplos modos de comunicação” (BAYM, 2009 apud CAUGHLIN; SHARABI, 2013,
p. 875, tradução nossa).
Os pesquisadores norte-americanos desenvolveram dois estudos para verificar a
pertinência da teoria da multiplexidade dos meios, que, resumidamente, associa vínculos mais
fortes entre pessoas ao uso de um número maior de canais de comunicação19
. O primeiro
trabalho, chamado por eles de preliminar, foi qualitativo, e consistiu na análise de um grupo
focal com a participação de 17 estudantes universitários. Eles falaram sobre os tipos de
tecnologias de comunicação que utilizam e suas características. Foram contemplados seis
meios: mensagem privada na internet, mensagem pública na internet, mensagem de texto,
chat de internet, vídeo chat e chamadas telefônicas. O grupo confirmou que comunicação face
a face e mediada são complementares e retratou a interação presencial como “um modo de
maior intimidade” (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 880, tradução nossa).
A segunda investigação, considerada pelos pesquisadores como a principal, foi no
estilo survey, com 317 estudantes de graduação. As descobertas sugerem que a intimidade da
relação está ligada à frequência dos vários modos de comunicação. Para Caughlin e Sharabi
(2013, p. 877, tradução nossa), “o argumento central da nossa perspectiva da interdependência
comunicativa é que, além de reconhecer que as pessoas tendem a usar múltiplos modos de
comunicação em relações íntimas, é também importante entender como o uso daqueles modos
está (ou não) interconectado”.
Embora o estudo concentre-se em relacionamentos pessoais próximos, as premissas
levantadas pelos pesquisadores para explicar a interdependência comunicativa parecem
válidas para as interações organizacionais. São elas: a necessidade de integrar a comunicação
mediada e a comunicação face a face para promover algumas discussões; a ausência de
segmentação entre esses dois modos; e a dificuldade de transição entre a comunicação
mediada e a face a face. Eles relacionam essas três premissas às sensações de proximidade e
19
Em inglês, os autores utilizam o termo “media multiplexity” para se referir à teoria. O termo multiplexidade
não foi localizado em dicionários de língua portuguesa; mesmo assim, esta tese opta pela tradução livre,
estabelecendo o neologismo. O sentido é o de multiplicidade (variedade) de meios. Porém, a tradução para o
inglês seria “multiplicity”, termo não adotado pelos estudiosos norte-americanos citados.
49
satisfação com os relacionamentos e desvinculam sua ocorrência à ideia simplista de
comunicação somada.
O estudo sugere que as interações face a face e mediada estão relacionadas à
proximidade e qualidade dos relacionamentos e constata que “ao invés de as pessoas
substituírem a comunicação face a face pela tecnologicamente mediada ou vice-versa, parece
que em relações mais íntimas e mais satisfatórias, elas geralmente se comunicam mais tanto
de forma presencial quanto via tecnologias” (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 886, tradução
nossa). Para finalizar, os pesquisadores inter-relacionam as três premissas, observando que:
a interdependência comunicativa é considerada alta na medida em que a
integração da comunicação tecnologicamente mediada e a face a face é alta, a
dificuldade de transição de um modo a outro é baixa e a extensão do modo de
segmentação é baixa [...]. Parece que pessoas que estão mais próximas em
seus relacionamentos tendem geralmente a exibir mais sinais de interconexão
entre comunicação mediada e comunicação face a face, mas ainda reservam
uns poucos tópicos para a comunicação face a face, talvez porque a
comunicação face a face retém um status especial. (CAUGHLIN; SHARABI,
2013, p. 887, tradução nossa).
A pesquisa dos norte-americanos indica que o sucesso dos relacionamentos
contemporâneos pode estar condicionado à maneira como as pessoas absorvem e utilizam os
diversos canais de comunicação disponíveis. Metodologicamente, os resultados são
contundentes no sentido de defender o fim do isolamento – ou da segmentação – dos meios e
apostar em investigações que considerem o uso múltiplo de canais e formas de interação. A
mesma proposta é apresentada por Caroline Haythornthwaite (2005), que estuda os efeitos de
redes sociais e conectividade à internet.
É atribuído a essa pesquisadora o desenvolvimento da teoria da multiplexidade dos
meios, citada no estudo anterior, pressupondo que o uso de uma variedade maior de aparatos
tecnológicos é capaz de fortalecer os vínculos entre os participantes da interação. Portanto, a
pesquisadora também opta pela mudança de paradigma que implica enxergar a comunicação
construindo relacionamentos através de múltiplos meios de forma integrada, simultânea.
Haythornthwaite nomeia esse novo olhar de “perspectiva de rede social” e seus
estudos priorizam as interações entre pessoas, e não comportamentos individuais ou a estrita
relação homem-computador. A investigação da autora a respeito da inter-relação entre
vínculos fortes e fracos dos interlocutores e os canais utilizados para a interação será
retomada adiante, na discussão dos critérios de escolha dos meios.
50
Por ora, cabe reforçar a tendência de integrar as diversas mídias na pesquisa em
comunicação – e também em midiatização. Hepp (2013) chama de “totalidade dos meios” ou
“abordagem transmedial” o paradigma que desponta nesse campo científico. De acordo com o
pesquisador alemão, “a midiatização presente é caracterizada pelo fato que vários „campos‟ da
cultura e sociedade são comunicativamente construídos através de uma variedade de mídias
ao mesmo tempo” (HEPP, 2013, p. 621, tradução nossa).
Essa abordagem, segundo o estudioso, não deve ser alijada das investigações que
buscam compreender as transformações sociais vinculadas à lógica da mídia. Torna-se
inviável analisar o fenômeno da midiatização se não houver um esforço de compreender o
processo pensando nos meios de comunicação como um todo, integrados, atuando de forma
conjunta.
No entanto, fundamental para um desenvolvimento maior da abordagem de
midiatização é uma perspectiva transmedial. Em tempos de crescente
"mediação de tudo”, diferentes meios estão totalmente envolvidos em nossa
mutante construção comunicativa de cultura e sociedade. Este é o ponto em
que devemos nos concentrar. (HEPP, 2013, p. 627, tradução nossa).20
As perspectivas transmedial, de rede social ou da interdependência comunicativa
apontam para a mesma direção: a pesquisa em comunicação e midiatização precisa considerar
a simultaneidade do uso dos meios nos processos de interação social, incluindo nessa
diversidade as conversas presenciais. O desenvolvimento tecnológico recente tem sido tão
intenso, veloz e expressivo que os contatos face a face, em alguns casos, chegam a ser
ignorados por cientistas que se propõem a estudar a variedade de canais.
4.1 Fatores determinantes para a seleção do meio
Diante desse paradigma, a pesquisa bibliográfica aponta alguns fatores determinantes
para a escolha do meio de comunicação; essas sinalizações são válidas tanto para
interlocuções pessoais (relações mais íntimas) quanto para os contatos empresariais. Um
desses fatores é o assunto a ser tratado. O conteúdo a ser abordado durante a interação orienta
diretamente a seleção do mecanismo mais apropriado. É o que indicam os estudos de
Caughlin e Sharabi (2013) e Martins (2012).
20
A expressão “mediação de tudo” é uma referência de Hepp ao título do artigo de Livingstone (2009).
51
Os primeiros evidenciam, como já foi dito, que mesmo estudantes universitários norte-
americanos, bastante apegados às ferramentas tecnológicas, manifestam sua preferência em
reservar alguns tópicos para conversas presenciais. Ao estudar o uso da oralidade em uma
organização estatal brasileira e entrevistar alguns dirigentes sobre suas preferências de
contato, Martins (2012, p. 157) seleciona uma das observações registradas: “[...] os assuntos
mais impactantes eram tratados imediatamente ao seu surgimento, preferencialmente pelas
conversas face a face”.
De fato, os temas abordados nos processos de interação podem ser considerados
determinantes para a escolha do meio. É bastante provável, de modo geral, que assuntos
rotineiros e menos delicados sejam absorvidos pela rede de instrumentos tecnológicos mais
impessoais – advertindo que as noções de delicados ou rotineiros são subjetivas, podendo
variar de pessoa para pessoa. Assuntos relevantes e de maior impacto tendem a ser tratados de
forma mais particular, com o uso de mecanismos privados e singulares de comunicação, como
um telefonema, um e-mail ou carta personalizados ou ainda uma conversa face a face.
As pesquisas de Haythornthwaite (2005) destacam que o tipo de vínculo entre os
participantes da interação interfere diretamente na escolha do canal. “Resultados de uma série
de estudos de redes sociais de comunicação e uso da mídia entre pesquisadores acadêmicos e
estudantes a distância [on-line] revelam que o uso do meio varia de acordo com a força do
vínculo entre os comunicadores” (HAYTHORNTHWAITE, 2005, p. 126, tradução nossa).
Além de pontuar os tipos de canais mais utilizados em determinadas relações sociais, a
investigadora afirma que a quantidade de meios está relacionada à força dos laços.
Ela caracteriza como vínculos fracos aqueles constituídos entre pessoas que se
conhecem pouco, frequentam outros círculos e desenvolvem experiências diferentes. Já os
laços fortes seriam aqueles observados entre amigos e colegas de trabalho que compartilham
informações, recursos e contatos. De acordo com Haythornthwaite (2005, p. 127, tradução
nossa), “os vínculos mantidos pelos pares podem variar do fraco para o forte de acordo com
os tipos de trocas, frequência de contatos, intimidade, duração dos relacionamentos, etc”.
Embora o foco do trabalho da pesquisadora seja a relação entre os multimeios e os
vínculos, seus estudos sugerem que o tempo de relacionamento, a colocalização e as escolhas
organizacionais ou administrativas também representam fatores determinantes na seleção do
canal. Haythornthwaite acrescenta que o uso de meios de comunicação é dinâmico e pode
mudar com o passar do tempo. Como exemplo, ela cita aulas a distância monitoradas por
instrutores em que parte do grupo de alunos começa o contato utilizando um meio e, ao longo
do tempo, opta por outra mídia para se comunicar com os colegas.
52
Relações que começam em ambientes virtuais, como os chats ou sites de
relacionamento, podem evoluir para o uso de telefones ou encontros presenciais ao longo do
tempo. Portanto, a duração do relacionamento consolida-se como outro fator determinante não
apenas da definição do veículo inicial, mas também da ampliação e migração entre meios de
comunicação.
A colocalização ou copresença configura-se igualmente como item influente na
escolha dos suportes, tanto para situações de vínculos fracos ou fortes. Haythornthwaite
(2005, p. 135, tradução nossa) identificou dois padrões de uso dos meios em sua pesquisa:
um padrão de ampla conectividade com baixa frequência de comunicação,
sustentado por estruturas oportunistas, como encontros de corredor
decorrentes da colocalização física, e encontros em aula devido à participação
conjunta; e um segundo padrão de conectividade seletiva com aqueles de
vínculos próximos de trabalho ou sociais, caracterizado pela mais alta
frequência de comunicação e uso de meios de comunicação de pessoa-a-
pessoa, privados e opcionais.
Em um dos grupos que ela estudou – formado por pesquisadores que trabalham juntos
e se comunicam por encontros presenciais (casuais e programados) e por diversas ferramentas
tecnológicas – “a colocalização física e estruturas de reuniões obrigatórias (para aulas,
projetos de pesquisa) criaram ampla conectividade através do meio face a face, com colegas
de trabalho e amigos mais próximos adicionando e-mail e outros canais a este repertório”
(HAYTHORNTHWAITE, 2005, p. 135-136, tradução nossa).
A copresença é um facilitador para as conversas face a face, embora não seja limitante.
Conforme visto anteriormente, várias categorias profissionais se deslocam no espaço para
manter diálogos presenciais. Porém, o estudo em questão mostra que a presença física não é
sinônimo de vinculação efetiva, pois a colocalização pode se caracterizar como circunstancial,
ou seja, ela permite a conectividade, mas não garante a comunicação.
Em relação às escolhas organizacionais e administrativas, Haythornthwaite sugere que
esse tipo de decisão determina o meio que será oferecido e promovido nos processos
interacionais. “Escolhas organizacionais, administrativas ou governamentais serão altamente
influentes ao estabelecer não apenas quais meios conectam vínculos fracos, mas também se
vínculos latentes e fracos podem se fortalecer” (HAYTHORNTHWAITE, 2005, p. 139,
tradução nossa)21
.
21
A autora define vínculos latentes como aqueles tecnicamente possíveis, mas ainda não socialmente ativados.
53
Na mesma linha, o estudo de JoAnne Yates, Wanda Orlikowski e Kazuo Okamura
(1999) aponta para outro fator determinante na escolha dos meios, especialmente em
relacionamentos organizacionais: a mediação do uso tecnológico. Os autores referem-se a
uma linha de pesquisa segundo a qual
o uso dos novos meios eletrônicos dentro de uma comunidade é fortemente
influenciado não apenas pelos usuários, mas também por aqueles indivíduos
que implementam a tecnologia, fornecem treinamento, propõem diretrizes de
uso e alteram a tecnologia para adaptá-la às mudanças nas condições de uso.
Nós chamamos tal ação de mediação do uso tecnológico (Okamura et al.
1994, Orlikowski et al. 1995), e postulamos que ela influencia criticamente a
eficácia do uso do meio dentro de uma comunidade, inicialmente e ao longo
do tempo. (YATES; ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999, p. 83, tradução
nossa, grifo dos autores).
Os investigadores desenvolveram esse estudo em uma instituição japonesa de pesquisa
e desenvolvimento. Resumidamente, eles observaram padrões de comportamento e
comunicação entre os membros de um projeto de pesquisa a partir da implantação de um
sistema eletrônico de interação entre os participantes. Yates, Orlikowski e Okamura avaliaram
como determinados gêneros22
foram transpostos do sistema tradicional para o informatizado,
constatando que alguns sofreram mudanças significativas e outros permaneceram no formato
tradicional, alterando tão somente o suporte técnico.
No entanto, uma das observações mais interessantes do trabalho foi a percepção da
influência que a equipe responsável pela implantação e monitoramento técnico do sistema
exerceu sobre o projeto de pesquisa e sobre a interação entre seus membros, não apenas na
fase de implantação, mas durante o desenvolvimento dos trabalhos.
Com base em nosso estudo, caracterizamos a mediação do uso tecnológico
como deliberada, contínua e como intervenção organizacionalmente
sancionada [aprovada] dentro de um contexto de uso que ajuda a adaptar uma
nova tecnologia de comunicação àquele contexto, modifica o contexto na
medida em que seja apropriado para acomodar o uso da tecnologia e facilita o
uso efetivo contínuo da tecnologia ao longo do tempo. (YATES;
ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999, p. 85, tradução nossa).
22
Yates e Orlikowski (1992 apud YATES, ORLIKOWSKI e OKAMURA, 1999, p. 84, tradução nossa) definem
gênero como “tipos socialmente reconhecidos de ações comunicativas – tais como memorandos, reuniões,
relatório de despesas e seminários de treinamento – que são usualmente adotados por membros de uma
comunidade para realizar determinados propósitos sociais”.
54
Para os pesquisadores, independente de facilidades e melhorias obtidas com a
implantação do sistema eletrônico de comunicação ou de eventuais distorções que possam ter
ocorrido, a interferência dessa equipe técnica na rotina e, portanto, na essência do trabalho da
comunidade científica pesquisada, não deve ser menosprezada.
A mediação do uso tecnológico efetivou-se por meio da criação de grupos de
discussão on-line, da elaboração e modificações de diretrizes e políticas para o uso do
sistema, da educação e treinamento dos usuários e do próprio exemplo de como essa equipe
utilizava os canais. “Os mediadores influenciaram conhecimento, expectativas e hábitos de
atores neste meio, portanto, moldando explicitamente como os participantes do projeto
adotaram gêneros nesse novo meio ao longo do tempo” (YATES; ORLIKOWSKI;
OKAMURA, 1999, p. 97, tradução nossa).
Os três autores constataram que a implantação das novas tecnologias mediada por essa
equipe provocou transformações nos padrões de interação social na comunidade estudada.
Yates, Orlikowski e Okamura (1999, p. 98, tradução nossa) observam que “essas mudanças às
vezes pareciam pequenas [...]. Contudo, tais mudanças também alteraram a natureza da
interação social no grupo do projeto”.
O processo de mediação do uso tecnológico em uma organização está condicionado ao
contexto cultural da instituição, bem como à autoridade da equipe mediadora e à credibilidade
que esse grupo desfruta junto aos usuários. Caso esse contexto seja desfavorável, as ações
mediadoras podem ser percebidas como coercitivas e sofrer resistência. O estudo sugere que a
adoção de meios tecnológicos em organizações precisa considerar as formas de interação
social pré-existentes nesse ambiente, para que sejam reproduzidas ou alteradas de forma
coerente.
Assunto, tipo de vínculo, tempo de relacionamento, colocalização, escolhas
organizacionais ou administrativas e mediação do uso tecnológico são fatores já identificados
que interferem na escolha do meio de comunicação. Presume-se que outras variáveis
potencialmente orientadoras nessa seleção tornar-se-ão objetos de estudo da pesquisa
comunicacional, como a urgência, o perfil ou personalidade dos participantes da interação, a
(in)disponibilidade técnica, o grau de distância entre interlocutores, a comodidade, o custo,
etc. Aos poucos, a investigação em comunicação e em midiatização avança no sentido de
desvendar os contextos, as circunstâncias e os meios apropriados para as interações sociais,
contribuindo para que a comunicação organizacional aprimore seus relacionamentos de forma
inovadora e equilibrada.
55
No capítulo seguinte, o campo teórico das possibilidades de escolha cede espaço para
uma revisão de literatura a respeito das práticas comunicacionais nas organizações: será
abordada a forma como algumas empresas se apropriam da comunicação face a face no Brasil
e no exterior. Será possível verificar que as interações presenciais são estudadas com mais
frequência no ambiente interno, muito provavelmente porque a copresença se mostre uma
constante. No entanto, pesquisas que envolvem o uso da comunicação face a face com
públicos externos, de forma planejada, começam a despontar, enriquecendo o conhecimento
científico a respeito do fenômeno no contexto das organizações. A apresentação do suporte
metodológico desta tese e uma concepção atualizada sobre comunicação organizacional –
considerada a partir do paradigma relacional – introduzem o conteúdo a seguir.
56
57
Capítulo II – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E
A COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS ORGANIZAÇÕES
A revisão de literatura permitiu localizar diversos trabalhos que avaliam a prática da
comunicação face a face em organizações; alguns foram selecionados para compor o corpus
desta pesquisa. Antes de apresentar e discutir esse material, no entanto, serão expostas a
trajetória teórico-metodológica deste estudo e a concepção relacional que envolve a pesquisa
em comunicação organizacional no Brasil.
De acordo com o pensamento de Alberto Efendy Maldonado (2011, p. 297), “cultivar
a dimensão teórica é uma arte, um exercício de liberdade e uma prática de sobrevivência
frutífera que o pesquisador realiza como uma de suas máximas satisfações”. A opção por uma
investigação predominantemente teórica exige investimento compulsório em uma densa
pesquisa bibliográfica. O acesso ao conhecimento previamente produzido, o cruzamento de
ideias e as reflexões propiciadas por essa escolha representam, desde já, um esforço
recompensado.
1. Desafio metodológico: a articulação entre os componentes da
pesquisa social
A apresentação do suporte teórico-metodológico no universo da pesquisa social requer
um olhar diferenciado. Primeiro, porque ele ultrapassa a simples descrição dos métodos e
técnicas que norteiam a investigação: justifica todas as decisões tomadas durante o processo.
Segundo, porque a metodologia exige um alinhamento entre a estruturação teórica que
fundamenta a pesquisa e os caminhos que serão percorridos durante sua execução. Ademais, a
complexidade dos fenômenos sociais demanda que o investigador procure um equilíbrio entre
o rigor científico e o avanço criativo do conhecimento.
Antonio Carlos Gil (2011, p. 6) pondera sobre a problemática das generalizações nas
pesquisas sociais e humanas, pois “se as pesquisas nas ciências naturais com frequência
conduzem ao estabelecimento de leis, nas ciências sociais não conduzem mais do que à
identificação de tendências”. E refere-se ao pensamento de Christian Laville e Jean Dionne
(1999, p. 35), para quem “o verdadeiro, em ciências humanas, apenas pode ser um verdadeiro
relativo e provisório”.
58
Essa aparente imprecisão/subjetividade/nebulosidade não inviabiliza as investigações
nessa área. O próprio Gil (2011, p. 5) explica que
os fatos sociais dificilmente podem ser tratados como coisas, pois são
produzidos por seres que sentem, pensam, agem e reagem, sendo capazes,
portanto, de orientar a situação de diferentes maneiras. Da mesma forma o
pesquisador, pois ele é também um autor que sente, age e exerce sua
influência sobre o que pesquisa. [...] Na verdade, nas ciências sociais, o
pesquisador é mais do que um observador objetivo: é um ator envolvido no
fenômeno.
A pesquisa social pode se aprimorar se elementos particulares implícitos à trajetória
do investigador forem formalmente apresentados. É esse o posicionamento de Jiani Adriana
Bonin (2011, p. 24): “as escolhas que [o pesquisador] empreende, na maior parte das vezes,
têm relação com a sua caminhada profissional, investigativa e vital. Tomar consciência dessas
motivações e explicitá-las é importante como gesto de vigilância epistemológica”.
Neste caso, o interesse pela temática da comunicação face a face é despertado por mais
de uma razão. Uma delas é a incômoda percepção de que as investigações envolvendo o
universo da comunicação digital praticamente monopolizam o interesse dos cientistas da área.
E não sem motivos. A sociedade hodierna vivencia os processos de midiatização e de
midiação que precisam ser compreendidos em sua plenitude também pelo viés
comunicacional.
Diante dessa propensão à exploração da “novidade”, menor esforço tem sido
empreendido às formas mais convencionais de comunicação. Historicamente, o desabrochar
de tecnologias de comunicação sempre provocou semelhante fascínio (BRIGGS; BURKE,
2004), seja na esfera social, seja no microcosmo acadêmico. O advento do rádio e da
televisão, por exemplo, justifica a intensa produção científica em torno da comunicação de
massa a partir de meados do século XX em vários redutos de investigação. Em contrapartida,
tornam-se mais esporádicos os estudos focados exclusivamente na comunicação face a face,
não obstante essa modalidade mantenha sua práxis na sociedade contemporânea. Há carência
de estudos que inter-relacionem as interações face a face ao contexto do bios virtual.
Outra razão que motiva a presente pesquisa é a vivência desta pesquisadora em um
ambiente inusitado, o Pantanal brasileiro1. Tido pelo senso comum como um lugar inóspito,
isolado e distante – e paralelamente considerado um “santuário ecológico” – o Pantanal
1 A autora desta tese viveu em Corumbá (MS) entre 2007 e 2012, trabalhando na Embrapa Pantanal. Em 2012
mudou-se temporariamente para o Estado de São Paulo, onde desenvolveu esta tese de doutoramento.
59
contribuiu para provocar a percepção de que os contatos mediados por tecnologias são
insuficientes para gerar comunicação.
Convém abrir um parêntese para delimitar a concepção de comunicação mencionada.
Trata-se de um processo que envolve dois ou mais indivíduos momentaneamente
comprometidos com o compartilhamento de mensagens verbais e não-verbais e focados no
ambiente e nas circunstâncias em que esse fenômeno se desenvolve. Esse processo vai,
deliberadamente, provocar reações na alteridade, sejam elas positivas ou negativas, de
concordância ou discordância, contribuindo para modificar visões, comportamentos e/ou
posicionamentos preconcebidos.
A comunicação se realiza em momentos específicos, embora a relação de contato entre
os participantes possa ser duradoura. Não se descarta a possibilidade de que a comunicação
venha a ocorrer por meio de instrumentos de mediação, porém, ela tende a ser mais profunda,
efetiva e completa quando os interlocutores se encontram no mesmo ambiente físico
simultaneamente, compartilhando as deixas simbólicas e tomando consciência da presença do
outro2. Fecha parêntese.
As percepções de insuficiência e limitação atribuídas empiricamente à comunicação
tecnologicamente mediada justificam, dessa maneira, a curiosidade científica a respeito dos
encontros presenciais. A pesquisa exploratória apresenta-se como a mais adequada para esse
tipo de estudo, pois “implica um movimento de aproximação ao fenômeno concreto a ser
investigado buscando perceber seus contornos, suas especificidades, suas singularidades”
(BONIN, 2011, p. 39). A necessidade de atualizar o conhecimento sobre o objeto selecionado,
considerando o contexto contemporâneo e a conexão entre diferentes formas de comunicação,
apoia-se também em aspectos levantados por Gil (2011, p. 27):
As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver,
esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de
problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.
De todos os tipos de pesquisa, estas são as que apresentam menor rigidez no
planejamento. Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e
documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso. [...] São
desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo
aproximativo, acerca de determinado fato.
A disposição para explorar cientificamente um fenômeno social demandou ainda outro
tipo de procedimento: a pesquisa qualitativa, demarcada pelo peso da interpretação dos dados.
2 Essa concepção de comunicação se fundamenta em pensamentos de Marcondes Filho, Bauman, Wolton e
Schutz, explícitos em suas obras citadas nas referências.
60
É comum que as pessoas suponham que a pesquisa qualitativa é marcada por
uma rica descrição de ações pessoais e ambientes complexos, e ela é, mas a
abordagem qualitativa é igualmente conhecida [...] pela integridade de seu
pensamento. Não existe uma única forma de pensamento qualitativo, mas uma
enorme coleção de formas: ele é interpretativo, baseado em experiências,
situacional e humanístico. Cada pesquisador fará isso de maneira diferente,
mas quase todos trabalharão muito na interpretação. Eles tentarão transformar
parte da história em termos experienciais. Eles mostrarão a complexidade do
histórico e tratarão os indivíduos como únicos, mesmo que de modos
parecidos com outros indivíduos. (STAKE, 2011, p. 41).
Embora permitam relativa flexibilidade em comparação com as pesquisas
quantitativas, os estudos qualitativos terão validade equivalente ao rigor científico adotado.
Essa meta é perseguida durante todo o processo de elaboração da tese, da definição do objeto
de estudo à redação final do texto.
A definição do tipo de pesquisa – exploratória e qualitativa – se concretiza de forma
concomitante à escolha do arcabouço teórico compatível com a compreensão do objeto de
estudo. Todo o trabalho se desenvolve no âmbito do paradigma relacional da comunicação,
fundamentado em teorias que consideram as interações e os relacionamentos elementos-chave
do processo comunicacional. Entre elas, destacam-se as obras de George Mead, precursor do
interacionismo simbólico, de estudiosos da Escola de Palo Alto (ou Colégio Invisível) e do
fenomenologista Alfred Schutz, cuja obra se harmoniza com as duas primeiras.
Ao avaliar o quadro de referência do interacionismo, Gil (2011, p. 23) pontua que “a
análise interacionista procura relacionar símbolos e interação, ou seja, verificar como os
significados surgem no contexto do comportamento. Procura também tomar o ponto de vista
dos indivíduos, ou seja, sua interpretação da realidade”. Da Escola de Palo Alto,
especialmente da obra de Paul Watzlawick, Janet Beavin e Don Jackson (2007), provém a
noção de que o relacionamento está acima da troca de conteúdos. Influenciado por Edmund
Husserl e Max Weber em um primeiro momento, e por George Mead em uma etapa posterior,
Schutz (1979a) introduz elementos diferenciados para a definição de comunicação face a face,
além de pesquisá-la sob a perspectiva dos relacionamentos.
Outros aportes teóricos tangenciam a fundamentação desta pesquisa, como a nova
teoria de comunicação proposta por Marcondes Filho; a metáfora do mundo líquido, por
Bauman; os pressupostos que valorizam a alteridade, preconizados por Wolton; o conceito de
bios midiático, de Sodré; e a teoria das mediações sociais, articulada por Martin Serrano,
Jesús Martín-Barbero e outros teóricos latino-americanos.
61
A partir das definições do aporte teórico, cabe ao investigador do campo das ciências
sociais conjugar a precaução epistemológica com o rigor científico para desenvolver seu
estudo. Esse percurso se configura por meio da escolha do método, “conjunto de
procedimentos suficientemente gerais, para possibilitar o desenvolvimento de uma
investigação científica ou de significativa parte dela” (GIL, 2011, p. 16).
Neste estudo, a seleção de métodos articulados de pesquisa ocorre de forma natural, a
começar pela contextualização, que assume posição de destaque na condução do trabalho.
Maldonado (2001 apud PEREIRA, 2011, p. 158) defende que “a reconstrução metodológica
não precisa só de informações externas provenientes dos quadros teóricos utilizados, o
método requer informações que o contexto sociocultural – o objeto – impõe à pesquisa”. Ao
contextualizar sua investigação, o autor estará atribuindo sentidos outros ao conteúdo
estudado. “No caso da comunicação, é indispensável situar cada pesquisa nos múltiplos
contextos nos quais vai ser produzida de modo a valorizá-la na sua dimensão sociopolítica”
(MALDONADO, 2011, p. 280).
A contextualização se encontra explícita nesta investigação em dois momentos
cruciais: na apresentação da sociedade midiatizada (capítulo 1) e na descrição de detalhes
relacionados ao Pantanal (a seguir, nos capítulos 3 e 7). De acordo com Carmem Rejane
Antunes Pereira (2011, p. 163), “os lugares em que os sujeitos estão inseridos, suas condições
sociais, econômicas e culturais são elementos que compõem suas visões de mundo” e não
poderiam ser ignorados em um estudo como este.
Outra etapa devidamente percorrida durante todo o período de elaboração deste estudo
é a pesquisa bibliográfica, começando na fase que antecede a preparação do projeto e
estendendo-se até a redação final. De acordo com Ida Regina Stumpf (2005, p. 61), “descobrir
o que outros já escreveram sobre um assunto, juntar ideias, refletir, concordar, discordar e
expor seus próprios conceitos pode se tornar uma atividade criativa e prazerosa”.
A busca pela produção científica dos pares constitui um dos procedimentos
metodológicos mais profícuos, pois é dessa leitura que surgem novas concepções e velhos
dogmas são abandonados. Segundo Bonin (2011, p. 31), “toda pesquisa que se compromete
efetivamente com o avanço do conhecimento necessita colocar-se em diálogo com a produção
do campo onde se insere (e de outros afins) no que concerne à problemática investigada, nos
vários âmbitos da sua fabricação [...]”.
É durante a pesquisa bibliográfica que o estudioso tem a oportunidade de colocar em
prática as ações sugeridas por Juremir Machado da Silva (2011, p. 36):
62
Num trabalho exaustivo, rigoroso, o autor deve confrontar os diferentes
olhares e ser capaz de: a) fazer a mediação entre eles; b) superá-los; c) gerar
uma síntese; d) mostrar se eles podem ser dialogicamente antagônicos e
complementares; e) apontar pontos fortes e fracos em cada um deles.
A construção do diálogo entre as fontes citadas nesta tese torna-se um processo ainda
mais desafiador, considerando a natureza teórica do trabalho. Cada convergência ou
divergência de pensamentos é devidamente analisada e manifestada, na medida em que
ultrapassam o filtro da relevância. A exposição dos diferentes olhares representa, neste caso,
um ponto alto do estudo.
A abordagem teórico-metodológica da Análise de Discurso (AD) é igualmente
contemplada neste trabalho ao apresentar os fundamentos e ferramentas ideais para a
verificação da hipótese 3. Neste caso, a AD permite expandir o conhecimento a respeito de
intencionalidades disfarçadas por discursos organizacionais. Para Eni Puccinelli Orlandi
(2001, p. 117),
a análise de discurso não é um método de interpretação, não atribui nenhum
sentido ao texto. O que ela faz é problematizar a relação com o texto,
procurando apenas explicitar os processos de significação que nele estão
configurados, os mecanismos de produção de sentidos que estão funcionando.
Compreender, na perspectiva discursiva, não é, pois, atribuir um sentido, mas
conhecer os mecanismos pelos quais se põe em jogo um determinado processo
de significação.
A AD possibilita que o investigador associe o texto ao contexto; o locutor ao
enunciador e ao autor3; o alocutário ao destinatário e ao leitor. O analista de discurso avalia
produção, mensagem, veículo e recepção, tudo de forma contextualizada e inter-relacionada.
Compreende, ainda, as relações subjacentes que envolvem o processo de atribuição de sentido
ao que foi comunicado.
Segundo Milton José Pinto (1999, p. 23), “a análise de discursos não se interessa tanto
pelo que o texto diz ou mostra, pois não é uma interpretação semântica de conteúdos, mas sim
em como e por que o diz e mostra”. E continua: “não se esgota na análise imanente dos textos,
[...], pois ela só se completa com a fase de contextualização” (PINTO, 1999, p. 25).
3 De modo simplificado, pode-se vincular o locutor à voz, o enunciador ao papel que assume essa voz e o autor à
relação com o social, com o exterior. A mesma lógica vale para a instância da recepção (ORLANDI, 2001).
63
Dentro dessa perspectiva, a incursão na AD é aprofundada pela recorrência à teoria
dos atos de fala, que contribui para identificar possíveis intencionalidades do discurso. O
conceito de perlocução ou ato perlocucionário, de Austin (1990, p. 95, grifo do autor), tende a
revelar-se esclarecedor: “[...] podemos realizar atos perlocucionários, os quais produzimos
porque dizemos algo, tais como convencer, persuadir, impedir ou, mesmo, surpreender ou
confundir”.
A análise de discursos envolvendo a comunicação face a face corresponde a uma
estratégia para ampliar a compreensão do objeto de estudo, já que nem sempre o enunciado
equivale ao que se pretende dizer ou não-dizer. O detalhamento desse suporte teórico-
metodológico será apresentado no capítulo 6.
A descrição metodológica passa ainda pela seleção de um delineamento de pesquisa
capaz de dar conta da experiência vivenciada por esta autora: o estudo de caso. Para Robert
Yin (2001, p. 32), estudo de caso é “uma investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
Gil (2009) aponta como principais características do estudo de caso: a) é um
delineamento de pesquisa; b) preserva o caráter unitário do fenômeno pesquisado; c) investiga
um fenômeno contemporâneo; d) não separa o fenômeno do seu contexto; e) é um estudo em
profundidade; f) requer a utilização de múltiplos procedimentos de coleta de dados. As
condições previstas para a validade científica do estudo de caso foram cumpridas.
Embora Gil demonstre reservas em relação ao desenvolvimento do estudo em uma
única organização, especialmente aquela em que o pesquisador trabalha, ele reconhece que a
metodologia é aplicável quando o caso é classificado como revelador, aquele “que ocorre
quando um pesquisador tem a oportunidade de observar e analisar um fenômeno que se
mostra inacessível a outros pesquisadores” (GIL, 2009, p. 51).
Foi a situação observada entre 2010 e 2012 na Embrapa Pantanal – Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária, instalada em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Na ocasião, essa
ferramenta metodológica adequou-se sobremaneira às necessidades de compreensão de um
fenômeno comunicacional: a interação face a face priorizada em um projeto de comunicação
organizacional, liderado por esta pesquisadora, envolvendo o contato entre atores da empresa,
estudantes de comunicação e jornalistas da região Sudeste do país, considerados na ocasião
públicos de interesse para a organização. Tal projeto e outras considerações metodológicas
serão detalhados no próximo capítulo.
64
O estudo de caso recomenda ainda a combinação de múltiplos procedimentos de coleta
de dados. Foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas, entrevistas informais e técnicas
previstas em pesquisas documentais e etnográficas, como complemento para as etapas de
contextualização e observação de reações durante as interações face a face. A experiência
desta autora com o projeto a estimulou a adotar o estilo confessional na redação do estudo de
caso, narrado em primeira pessoa, conforme orientação de Gil (2009, p. 137):
Muitos estudos de caso são conduzidos de forma tal que fica difícil dissociar a
atuação do pesquisador do processo de pesquisa. Ele tende a ser muito mais
que um observador; passa a ser, de alguma forma, um participante. Ele
constitui, a rigor, o instrumento primário da coleta de dados. Por essa razão,
redigir o relatório imprimindo um caráter pessoal pode ser visto até mesmo
como uma questão de coerência.
Os contatos face a face experimentados durante o projeto foram negociados
previamente de forma mediada e tiveram desdobramentos também por meio do uso de
tecnologias, especialmente através da troca de e-mails, telefonemas e mensagens em redes
sociais, contemplando, na prática, a perspectiva de simultaneidade dos meios.
Igualmente fundamental é a delimitação das hipóteses, que vão direcionar o
desenvolvimento da pesquisa. De acordo com Gil (2011, p. 41), “hipótese é uma suposta
resposta ao problema a ser investigado. É uma proposição que se forma e que será aceita ou
rejeitada somente depois de devidamente testada”. Para esta tese foram formuladas quatro
hipóteses: 1) Quando adotada de forma planejada, a comunicação face a face permite que as
organizações construam e aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse; 2) A
comunicação face a face proporciona na interação com o interlocutor a observação direta de
suas reações; com isso, a organização que utiliza a comunicação face a face de forma
planejada obtém acesso a elementos não-verbais que permitem prever essas reações e ajustar
seu discurso; 3) O discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser utilizado
para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas; 4) O local onde se desenvolve a
interação face a face interfere na comunicação organizacional, provocando limitação da
liberdade de expressão e constrangimento nos interlocutores que venham a ocupar
temporariamente o espaço dominado pelo Outro.
O desenvolvimento desta tese não esgota a fundamentação teórica nos primeiros
capítulos. Optou-se por construir uma narrativa que entrelaça os elementos teóricos e a
avaliação de cada hipótese, procedimento que se manifesta nos capítulos 4, 5, 6 e 7. Estudos
65
sobre a prática da comunicação face a face em organizações ilustram e ratificam cada uma
dessas proposições. O modo como eles foram selecionados – incluindo o processo de tomada
de decisões e os critérios adotados na coleta de dados – será demonstrado a seguir.
1.1 Descrição da coleta de dados para compor o corpus da pesquisa
O corpus de análise desta tese foi coletado em repositórios digitais de produção
científica da área de comunicação no Brasil. A princípio, a busca ampliada permitiu acessar o
estado da arte da pesquisa em comunicação face a face no país. Nessa etapa, não foi
localizada nenhuma compilação de pesquisas nacionais sobre o tema: o conteúdo localizado
estava disperso. Foi necessário agrupá-lo e identificar autores e instituições que se dedicam ao
assunto. Com o tempo, a coleta foi refinada e direcionada aos trabalhos envolvidos
exclusivamente com o ambiente organizacional.
A procura de material começou em 2013 e foi atualizada em 2014. “Comunicação face
a face” foi a palavra-chave procurada nos principais portais acadêmicos e bibliotecas virtuais,
começando pelo Portal Periódico Capes4, que reúne parte da produção científica brasileira e
tem acesso restrito a instituições de pesquisa. Nesse ambiente é possível encontrar artigos de
periódicos, teses, dissertações e livros de autores nacionais e estrangeiros. Como o volume
encontrado foi pequeno, admitiu-se variações como “interação face a face”, “comunicação
interpessoal” e “comunicação presencial”, o que não ampliou significativamente os
resultados.
O Google Acadêmico foi outra plataforma consultada na fase inicial da pesquisa,
também com resultados quantitativos abaixo da expectativa. O procedimento seguinte foi
explorar a produção científica apresentada nos principais congressos de comunicação do país,
como o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, o congresso anual da
Abrapcorp5 e o encontro da Compós
6.
A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações foi outro repositório utilizado
na pesquisa, ao lado das bibliotecas digitais de universidades como a USP, UFMG, UFRJ,
UFRGS, UFBA, UnB, PUC-SP, Umesp e Unesp7. Embora a busca tenha priorizado trabalhos
4 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da
Educação. 5 Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.
6 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.
7 As siglas referem-se, respectivamente à: Universidade de São Paulo; Universidade Federal de Minas Gerais;
Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade Federal da
Bahia; Universidade de Brasília; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Universidade Metodista de São
Paulo e Universidade Estadual Paulista.
66
estritamente ligados ao campo da comunicação, foram elencadas algumas pesquisas de outras
áreas do conhecimento, quando relevantes para a investigação.
O corpus de análise é completado por um conjunto de textos jornalísticos que relata o
fim do trabalho home-office na empresa norte-americana Yahoo, em 2013. No início daquele
ano a organização decidiu convocar todos os seus trabalhadores a voltarem aos escritórios e
abandonar as atividades profissionais isoladas, em casa. O grupo utilizou como argumento o
fato de que o contato presencial na empresa garante mais qualidade e integração. Enquanto o
discurso oficial da organização apontava nessa direção, alguns veículos da imprensa
especializada sinalizaram que a medida poderia significar, na verdade, corte de gastos e
estímulo às demissões voluntárias.
Não foram localizados estudos científicos que avaliassem a decisão, porém, como a
medida está fortemente relacionada ao enfoque da comunicação face a face, optou-se por
produzir uma análise dos discursos jornalístico e organizacional como forma de compreender
uma das faces do fenômeno. Os textos foram localizados por meio do site de buscas Google,
com as palavras-chave “Yahoo” e “home-office”. Uma biografia sobre a empresa e sua
principal executiva, publicada em 2015, lançou luz sobre o problema pesquisado.
Contradições localizadas nos discursos do caso Yahoo foram verificadas também em
pesquisas desenvolvidas em organizações instaladas no Brasil.
2. Comunicação organizacional: a emergência de um novo contexto
O processo de amadurecimento da comunicação organizacional no Brasil, nesse início
do século 21, coincide com um cenário de instabilidade e incerteza promovido pelas relações
líquidas da modernidade8; pelos efeitos da globalização nos sistemas econômico, social,
político e cultural; pela explosão das novas tecnologias que libertam e, ao mesmo tempo,
aprisionam o homem; e pela emergência de uma sociedade pautada pelo
consumo/consumismo. A noção de tempo vincula-se à de velocidade; a de espaço à ideia de
mobilidade. É nesse contexto hodierno que será trabalhado o conceito de comunicação
organizacional.
Seria improdutivo traçar um histórico sobre a evolução da comunicação
organizacional no Brasil, trabalho já executado com maestria por estudiosos como Wilson da
8 Conforme visto no capítulo 1, a metáfora da liquidez é tratada em várias obras do sociólogo Zygmunt Bauman
e se relaciona à volatilidade e à fluidez que caracterizam a atualidade. “[...] os líquidos, diferentemente dos
sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o
tempo” (BAUMAN, 2001, p. 8).
67
Costa Bueno (2003, 2009a), Margarida Kunsch (2008), Waldemar Luiz Kunsch (2009),
Cleusa Maria Andrade Scroferneker (2011), Backer Ribeiro Fernandes (2011), Maria
Aparecida Ferrari (2011a) e Paulo Nassar (2008, 2012). Parte-se da premissa que a
comunicação organizacional ou empresarial9 evoluiu de forma exponencial no Brasil da
década de 1980 até a atualidade.
Não é desprezível a influência que sofreu de correntes teóricas norte-americanas, com
vieses funcionalista, mecanicista ou instrumental. Sua prática caracterizava-se pelo seguinte
esquema: a organização (emissora) transmitia mensagens aos públicos (receptores) com os
quais desejava se relacionar, sob a convicção de que suas intencionalidades seriam atingidas.
Essa lógica parecia sólida e ainda hoje existem comunicadores e organizações que seguem
esse modelo.
O problema é que o mundo vem sofrendo profundas transformações. “O que este
início de século está nos ensinando é que a instabilidade deixa de ser um momento transitório
para estabelecer-se como um estado permanente. Portanto, os momentos de estabilidade se
projetam como períodos transitórios de uma instabilidade estrutural” (MANUCCI, 2010, p.
175). Diante desse novo paradigma, em que a solidez é posta em xeque, não há mais espaço
para pensar a comunicação como um processo estanque e previsível. A complexidade passou
a tecer as bases desse processo envolvendo a organização, seus interlocutores e o contexto
onde se desenvolve a comunicação. Nesse sentido, Euclides Guimarães (2011, p. 146) pontua
que
para as organizações, isso [a modernidade líquida] traz profundas
decorrências, a começar pelo perigo do comprometimento de um aspecto que
lhe é essencial, a configuração de procedimentos e rotinas fixas como o que
faz dela uma instituição organizada. Na palavra organização encontra-se
embutida a ideia de rotinas e hábitos cristalizados. Organizar é, por natureza,
conspirar contra o acaso e tal conspiração não se faz senão pela afixação de
hábitos, sem a qual os atos humanos se tornam sobremaneira imprevisíveis.
Instaura-se, portanto, um paradoxo organizacional. Segundo esse autor, “a única
garantia dada, [é] a de que as coisas não poderão manter-se por muito tempo como estão”
(GUIMARÃES, 2011, p. 146). Como forma de mitigar essa inconstância, alguns estudiosos
introduzem uma eventual noção reguladora da comunicação no âmbito das organizações.
Assim, ela seria definida “como um mecanismo corretor, no intuito de sanear a instabilidade e
9 Neste estudo, os termos comunicação organizacional e comunicação empresarial serão utilizados como
sinônimos.
68
proporcionar a clareza” (FAUSTO NETO, 2011, p. 48). No entanto, antes de atribuir esse
“poder” à comunicação, é preciso mergulhar no paradigma relacional para conhecer os limites
que norteiam essa prática empresarial10
.
Esse paradigma oferece suporte às investigações conduzidas pelo grupo de pesquisa
“Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais”, vinculado à
Pontifícia Universidade Católica (PUC/Minas/CNPq). Seus pesquisadores propõem uma
abordagem crítica, que considera aspectos sociológicos da comunicação organizacional,
identificada com estudos europeus11
.
Nessa linha, Fábia Pereira Lima e Fernanda de Oliveira Silva Bastos (2012, p. 37), em
coletânea lançada pelo grupo de pesquisa, explicam que
uma análise da comunicação no contexto organizacional, com base no
paradigma relacional, não considera o processo de dimensões estanques; pelo
contrário, o analisa com base em seu movimento, suas articulações e relações.
Nesse sentido, estudar comunicação no contexto organizacional é analisar a
relação entre sujeitos interlocutores (e devemos ver a organização como um
dos interlocutores) que constroem sentido na interação por eles estabelecida
pelas trocas simbólicas mediadas por diferentes dispositivos, em determinado
contexto. O fenômeno comunicacional, dessa maneira, só pode ser
compreendido como globalidade em que os elementos se afetam mutuamente
e, na relação, se reconfiguram e reconfiguram a sociedade.
Os estudos relacionais consideram o contexto e a linguagem como fatores
condicionantes do processo comunicacional e vislumbram a construção de sentido que ocorre,
invariavelmente, na esfera da recepção. O interlocutor incorpora o protagonismo da relação,
antes reservado à organização. É o que indicam Ivone de Lourdes Oliveira e Carine Caetano
de Paula (2011, p. 105):
A hegemonia da organização no processo interativo, assim como o controle e
planejamento dos processos comunicacionais, torna-se dependente dos
repertórios interpretativos dos grupos que afetam ações organizacionais e são
por ela afetados, já que o sentido é processado na instância receptora, fugindo,
portanto, da perspectiva da gestão organizacional.
10
“Quando falamos de paradigma da comunicação, não estamos nos referindo propriamente às teorias acionadas,
mas ao esquema cognitivo que nos conduz e nos instrui a ver uma coisa e não outra” (FRANÇA, 2001, p. 13). 11
Um dos autores contemporâneos que fundamentam essa visão de mundo é o sociólogo francês Louis Quéré,
diretor de pesquisa do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). No entanto, as raízes teóricas que
valorizam a análise a partir da interação entre interlocutores remete à obra de George Mead e da escola do
interacionismo simbólico.
69
Assim como a mídia, as empresas passam a atuar como produtoras de repertórios que
poderão reorientar eventual atribuição de sentido. Nesse contexto, a gestão da comunicação
organizacional e as investigações desse campo abandonam os referenciais do chamado
paradigma informacional, que previa a transmissão de informações de modo linear e
mecânico de uma instância emissora para outra receptora, com o propósito de provocar
determinados efeitos.
Um dos conceitos de comunicação organizacional que se aproximam do paradigma
relacional, por valorizar a alteridade no processo comunicativo, é apresentado por Ferrari
(2011b, p. 156):
Contemporaneamente, a comunicação organizacional é vista como o processo
que visa a conseguir o equilíbrio sustentável entre a visão e a missão
estabelecidas pela coalizão dominante12
e as expectativas daqueles que
compõem a organização, na busca de uma rede sistêmica que permita uma
satisfação de ambos os lados: públicos e organização.
Embora Ferrari atraia para essa noção as expectativas dos interlocutores, nota-se que a
idealização e a prática da comunicação organizacional parece limitada às ações e atitudes da
instituição. Observa-se o comprometimento da organização com a perspectiva dos públicos;
acredita-se que a corporação vá considerar suas necessidades, esperanças e desejos ao planejar
a comunicação. No entanto, a centralidade do processo permanece na jurisdição da empresa,
diferentemente da proposta de Fábia Lima (2011, p. 118):
O entendimento da comunicação pelo viés relacional implica concebê-la como
um processo de construção conjunta entre interlocutores (sujeitos sociais),
com base em discursos (formas simbólicas que trazem as marcas de sua
produção, dos sujeitos envolvidos e do contexto), em situações singulares
(dentro de determinado contexto). Por essa perspectiva, as organizações são
consideradas sujeitos sociais enunciadores ou leitores de discursos cuja ação
no mundo institui um contexto específico de interações que enquadra, ainda,
enunciações e leituras de outros sujeitos sociais.
Essa visão introduz os interlocutores como sujeitos da comunicação e considera
possível um posicionamento inusitado da organização, enquanto “leitora de discursos”, e não
somente como produtora. O conceito incorpora a ideia de que as empresas precisam praticar a
escuta com mais vigor, antes mesmo de elaborar os planejamentos comunicacionais e definir
12
Coalizão dominante é uma expressão cunhada por estudiosos da Administração e que, de acordo com o
pesquisador norte-americano James Grunig, refere-se à alta direção das organizações, bem como às instâncias
tomadoras de decisões (GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2011).
70
com quais públicos pretendem estabelecer relacionamentos. Essa tendência foi descrita por
uma pesquisa sobre comunicação corporativa nas organizações desenvolvida em 2008: “Ouvir
os públicos envolvidos com a empresa é uma prática que se consolida para a promoção do
diálogo desejável nas relações humanas empresariais”.13
Um parâmetro que se impõe nos estudos contemporâneos da comunicação empresarial
é a dimensão humana das organizações, que começa a ser valorizada também na pesquisa
brasileira. Por mais que se estabeleçam relações institucionais e que os indivíduos assumam
momentaneamente identidades corporativas, ainda assim são pessoas que conversam dentro e
fora das organizações, constituindo sua essência. Por mais que as técnicas sejam disseminadas
para formalizar esses contatos internos e externos, elas sempre estarão interligando duas ou
mais pessoas. A comunicação humana, mesmo nos ambientes organizacionais, precisa ser
levada em conta.
3. Como a comunicação face a face se manifesta nas organizações
O levantamento sobre a pesquisa em comunicação face a face no Brasil revela a falta
de estruturação desse tema no campo científico. Não há linhas de pesquisa específicas
tampouco instituições que priorizem o assunto: ele se encontra difuso dentro do próprio
campo da comunicação e dialoga com outras áreas do conhecimento, como turismo, gestão e
desenvolvimento regional, língua portuguesa, linguística, ciência da informação e letras,
demonstrando a transdisciplinaridade que caracteriza o objeto de estudo.
No universo da comunicação organizacional foram localizados trabalhos que tratam
dos contatos presenciais, a maioria no contexto da comunicação interna. Essa associação se
explica, muito provavelmente, porque no âmbito interno as relações se desenvolvem em
situação de copresença com mais frequência, facilitando a observação do fenômeno. Nem
sempre o escopo dos estudos encontrados é a interação face a face; algumas pesquisas
discutem o tema de forma transversal, o que não compromete a qualidade de algumas
contribuições para o desenvolvimento do conhecimento científico.
3.1 Da oralidade às redes presenciais: face a face na comunicação interna
13
A pesquisa foi realizada pela Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), sob a coordenação
de Paulo Nassar e Suzel Figueiredo, com apoio do jornal Valor. Os resultados estão disponíveis em:
http://issuu.com/aberje/docs/comunica__o_corporativa_nas_organiza__es?e=1148821/2599306. Acesso em: 29
abr. 2015.
71
Uma das pesquisas mais recentes é a tese de doutoramento de Martins (2012), que, de
certa forma, sugere uma inversão da lógica do paradigma tecnológico ao afirmar que “a
comunicação face a face é uma forma modernizada de comunicar” (MARTINS, 2012, p. 98).
O trabalho que a investigadora desenvolve sobre o uso da oralidade na Embrapa Soja, na
cidade de Londrina (PR), confirma o que outras pesquisas igualmente vêm percebendo: existe
um movimento de retomada ou valorização da comunicação face a face em organizações de
alta performance, de modo planejado e com objetivos bem definidos. Pode-se afirmar que
esses casos constituem exceções, e não regra, no entanto, estão produzindo resultados que
merecem o olhar atento da comunidade científica.
A tese de Martins restringe-se às relações entre gestores e subordinados (comunicação
interna), entretanto, algumas observações podem ser emprestadas à comunicação
organizacional como um todo, até porque vão produzir reflexos exteriores. A pesquisa
comprova, por exemplo, que tanto os gestores quanto os funcionários reconhecem o caráter
estratégico da oralidade.
Os atores sociais têm, nas interações face a face, o nível mais básico e
fundamental de relações mútuas, posto que a vida e as relações humanas são
eminentemente sociais. Obteve-se segurança para afirmar que essas interações
alcançam elevados patamares de relacionamento de gestores com suas equipes
e provocam impactos na produtividade e na performance das organizações.
(MARTINS, 2012, p. 223).
De acordo com a pesquisadora, a oralidade é uma característica das culturas latino-
americana e brasileira, o que favorece a condução da comunicação face a face também nas
empresas desse continente. “O que se almeja fazer entender é que nenhum avanço é capaz de
interferir nesta natureza que mantém as interações face a face como as mais significativas
experiências de socialização”, prossegue Martins (2012, p. 226).
Além da constatação de que a oralidade estimula os relacionamentos internos, as
relações de confiança e a legitimação dos líderes, a tese descreve impactos que podem ser
percebidos por interlocutores externos. “A grandeza e a manutenção do prestígio de uma
empresa podem ter relação direta com o nível de interações face a face ocorridas entre seus
atores” (MARTINS, 2012, p. 233).
Em publicação mais recente, a autora justifica a relevância dos estudos científicos a
respeito dessa temática:
72
Se, por um lado, consideram alguns que subjugar a tecnologia na comunicação
organizacional seja um desleixo, parece também um desleixo que o uso da
comunicação oral entre atores sociais brasileiros seja desvinculado desta que é
uma cultura de acentuada oralidade. Omissão de grande impacto seria, pois,
desprender a oralidade dos estudos organizacionais que, na visão da
pesquisadora [a própria Martins], está imersa na responsabilidade científica
das relações públicas. A presença da tecnologia nos processos internos e
externos está posta e bem acolhida, porém as questões humanas é que
precisam urgentemente figurar nos níveis mais elevados de discussão
gerencial –, e isto poderá ser possível a partir de uma abordagem dialógica da
academia com o mercado de trabalho. (MARTINS, 2013, p. 564-565).
Na visão da autora, a opção pela oralidade determina um diferencial para a gestão da
comunicação empresarial. A tese é um dos trabalhos recentes mais instigantes a respeito das
interações face a face nas organizações, porém, não é o único. Também focando o ambiente
interno, Perez (2010) traça um paralelo entre a comunicação face a face formal, planejada e
executada pelas empresas, e a informal, mais conhecida como rádio-peão. De acordo com a
autora, os processos formalizados de comunicação face a face – que se constituem por
reuniões entre gestores e subordinados, encontros entre equipes e eventos dirigidos aos
funcionários – foram introduzidos no Brasil na década de 1990, por influência norte-
americana. Ela avalia práticas formais de comunicação face a face em empresas como a Fiat,
a Santista Têxtil, a Nivea e a Promon.
Hoje, os dois formatos convivem juntos na organização e são parte
fundamental da comunicação interna. Se avaliarmos a comunicação face a
face, seja formal ou informal, ela irá mostrar características muito parecidas: a
co-presença, a fala, a comunicação não-verbal, entre outras, inclusive, em
alguns casos, a cumplicidade e a sensação de poder porque „sabemos mais que
os outros‟. Mas se podemos detectar características semelhantes, não podemos
dizer o mesmo dos objetivos e dos conteúdos desses dois formatos de
comunicação. O objetivo da comunicação formal face a face está vinculado ao
negócio da empresa e a rádio-peão, ao negócio dos funcionários. Os conteúdos
também. (PEREZ, 2010, p. 153).
A autora identifica a perspectiva de simultaneidade dos canais de comunicação, ao
menos ao se referir à comunicação formal: “eleger um modelo único de comunicação formal
seria inviável, já que os vários veículos se complementam e atendem públicos diferenciados
dentro da comunidade empresarial” (PEREZ, 2010, p. 56). Ela inclui nessa relação dos
“vários veículos” as interações face a face.
Em outro estudo, Gonçalves e Perez utilizam a análise de discurso para avaliar cases
de comunicação formal face a face e classificam a retomada desse formato como “uma
73
espécie de volta às origens da comunicação” (GONÇALVES; PEREZ, 2009, p. 5). As
pesquisadoras destacam a credibilidade e confiabilidade proporcionadas pela comunicação
face a face no ambiente empresarial.
A comunicação interna da Fiat também é objeto de estudo de Vilaça (2012, 2013). A
pesquisadora apresenta o plano de comunicação da empresa, implantado em 2006 a partir de
um diagnóstico, e que contempla três grandes eixos de atuação: a informação (comunicação
mediada através de veículos impressos e eletrônicos); clima/motivação (ações para melhorar o
clima organizacional) e a comunicação dialógica (comunicação face a face ou direta).
As ações de comunicação dialógica envolvem projetos como o “Fale com o
Presidente”; “Encontro Institucional”; “Encontro de Líderes”; “Canal Aberto”; “Reunião de
Bom Dia”; “Roteiro de Líderes”; “Comunicação Encadeada” e “Papo Livre”, todos
promovendo contatos presenciais. Ao ouvir os funcionários sobre a comunicação da empresa,
Vilaça (2012) observa que ela é tida como estratégica, ao mesmo tempo em que,
antagonicamente, é considerada um bom instrumento para enviar recados. Algumas respostas
justificam sua existência como mecanismo para evitar a comunicação informal, “considerada
muito prejudicial para qualquer organização” (VILAÇA, 2012, p. 235).
Ao analisar os grupos de discussão que criou e as entrevistas em profundidade que
aplicou na empresa, a investigadora acrescenta: “a melhor forma de comunicação é face a
face. As reuniões são vistas como as melhores possibilidades de interação com a chefia e
foram citadas por funcionários de diferentes áreas” (VILAÇA, 2013, p. 646, grifo da autora).
Ainda com foco na comunicação interna, Soares (2010) dedica-se a avaliar as práticas
de comunicação no interior do Banpará – Banco do Estado do Pará. A autora conclui que as
instituições devem mesclar ferramentas tecnológicas com a comunicação face a face, e não
substituir uma pela outra. Nota-se que, embora a abordagem não tenha a mesma profundidade
teórica de outros trabalhos aqui estudados, a análise é pertinente e soma-se às pesquisas que
envolvem o contato presencial no âmbito da comunicação organizacional.
Oliveira (2013) é outra pesquisadora que vem se dedicando ao tema, embora sua
abordagem transcenda a comunicação face a face e caminhe em direção a uma visão que ela
considera mais abrangente: o diálogo.
Reduzido a programas da chamada comunicação face-a-face, pouco se investe
no estudo e na prática das conversações dialógicas tendo em vista que o
investimento maior ainda é para as perspectivas prescritivas, funcionalistas e
utilitárias oriundas do modelo matemático da comunicação. É preciso avançar,
ampliar e problematizar a contribuição do diálogo. (OLIVEIRA, 2013, p. 365,
grifo da autora).
74
A pesquisadora adota a perspectiva de que diálogo é sempre relação e propõe
compreender melhor a criação de vínculos por meio de conversas dialógicas e o
fortalecimento das condições humanas nas organizações. Seu estudo sugere como contexto
um cenário cada vez mais caracterizado pela flexibilidade e mobilidade e fundamenta-se nos
pressupostos teóricos da complexidade.
Até o início de 2015, Oliveira não havia delimitado o diálogo aos encontros
presenciais – e nem sinalizava que o faria. Também não foram localizadas, até aquele período,
evidências de que ela pretenderia extrapolar o ambiente interno das organizações em suas
análises. Segundo a autora, o estudo se encontrava em fase inicial.
Outra estudiosa que examina as interações face a face no contexto interno das
organizações é Bettega (2013). Ao associar a comunicação face a face ao que ela chama de
“rede social presencial”, a autora pesquisa a Roda do Chimarrão, um evento organizacional
presencial que reúne todos os anos funcionários do grupo Randon e seus familiares em Caxias
do Sul (RS), desde 198414
. A cultura gaúcha, no caso, atua como forte apelo na mediação com
os participantes. “São atos comunicativos codificados e manifestados de forma ritualística,
que promovem a formação de redes presenciais as quais manifestam valores e o espírito de
pertença à organização” (BETTEGA, 2013, p. 131).
O uso de símbolos e rituais durante um encontro de uma rede social presencial reforça,
na visão da pesquisadora, o sentimento de identificação e engajamento. Os contatos físicos
proporcionam oportunidades de interação e de construção de relacionamentos. Investigar
cientificamente uma rede social presencial no cerne de uma sociedade que prioriza entender
as intricadas experiências comunicacionais das redes sociais digitais pode soar como uma
antinomia. A percepção é da própria estudiosa, ao constatar que
parece dicotômico fomentar a promoção de encontros presenciais, nos quais as
pessoas precisem ver e sentir seu interlocutor, em plena era virtual em que as
mídias sociais eletrônicas ocupam grande parte do dia de muitas pessoas.
Porém, ao se analisar o que ocorre no encontro Roda do Chimarrão, é possível
verificar que novas identidades surgem a partir de movimentos culturais
criados e promovidos no interior das organizações. (BETTEGA, 2013, p. 135-
136).
14
Kunsch (2003, p. 189) denomina esse tipo de evento como comunicação dirigida aproximativa, “aquela que
traz os públicos para junto da organização. Caracteriza-se pela presença física e pelo contato direto e pessoal dos
públicos com a organização. Trata-se, portanto, de uma comunicação interativa presencial”.
75
Essa capacidade de estabelecer novas identidades a partir dos encontros face a face é
amplamente abordada na obra de Goffman (2011a, 2011b), especialmente no livro A
representação do eu na vida cotidiana, com seus conceitos de representações de fachada e de
fundo, conforme será observado em capítulo posterior.
Embora alguns autores vislumbrem a retomada da comunicação face a face nas
organizações, os estudos de Bettega (2013), bem como os de Martins (2012), destacam a
manutenção dessa modalidade de comunicação ao longo dos anos nas organizações estudadas.
Com os resultados favoráveis alcançados, gestores do grupo Randon e da Embrapa Soja
optaram por não abandonar esse modelo, apesar dos apelos do avanço tecnológico presentes
na sociedade midiatizada.
Antes de encerrar a apresentação de estudos que abordam a comunicação face a face
na arena interna das organizações, torna-se praticamente obrigatório citar um autor que se
tornou referência no assunto e tem influenciado a prática e a teoria. Trata-se de Thomas J.
Larkin, sociólogo formado pela Universidade de Oxford, com doutorado em comunicação
pela Universidade estadual de Michigan.
Depois de passar pela academia como estudante e docente, Larkin decidiu dedicar-se
ao mercado, atuando como consultor. Defende a comunicação face a face na comunicação
interna, especialmente quando existe a necessidade de mudanças de comportamento e quebra
de resistência por parte dos funcionários. Ele tem duas entrevistas publicadas na revista
Comunicação Empresarial da Aberje, uma realizada por Nara Damante, em 2005, e outra por
Laura Knap, em 2013. O consultor afirma que
o comunicador pode usar um veículo impresso ou eletrônico, mas os
empregados não querem assistir a alguma coisa, eles não querem ler. Querem
uma relação direta, fazer perguntas, ouvir respostas. Para ter essa comunicação
face a face é preciso que uma pessoa confie na outra. É muito mais fácil isso
acontecer pessoalmente do que num veículo escrito. (LARKIN, 2005, p. 4).
Larkin admite que alguns conteúdos devem ser comunicados de forma mediada, pelo
nível de detalhamento que exigem. No entanto, ele reafirma que informações relevantes que
afetem o trabalho devem ser tratadas de forma presencial. O autor chega a estimar que
“apenas 2% das pessoas mudarão seu comportamento tendo como base uma mensagem
mediada (pôster, brochura, vídeo, web)” (LARKIN, 2013, p. 11). Na mesma entrevista,
76
pontua que o comportamento dos outros 98% muda a partir de conversas face a face com
pessoas confiáveis.
3.2 O fim do home-office na Yahoo: valorização das interações face a face?
Os textos jornalísticos – incluindo a íntegra de um comunicado organizacional – que
abordam o fim do home-office na empresa Yahoo fazem parte do corpus desta pesquisa. O
discurso da empresa para seus funcionários sob a perspectiva da mídia será avaliado no
capítulo 6. Reforçando o que foi antecipado na seção 1.1, no início de 2013 a empresa de
tecnologia comunicou a seus 15 mil empregados em todo o mundo que a partir de junho
daquele ano todas as atividades profissionais deveriam ser desenvolvidas nos escritórios, e
não mais em casa.
A notícia repercutiu em vários países, inclusive no Brasil, já que o home-office é uma
prática que tem sido adotada por diversas organizações. Foi selecionado um conjunto de
matérias jornalísticas, publicadas em sites especializados em empregos e carreiras. A análise
de discurso desse material vai privilegiar a linguagem, a contextualização e as
intencionalidades que podem estar por trás de um apelo ao “trabalhar juntos”.
Até aqui, os estudos sobre as empresas e suas experiências com a comunicação face a
face ficaram circunscritos ao ambiente interno. A partir de agora, serão apresentados estudos
que tratam da interação além dos limites da organização, ou seja, que envolvem seus
interlocutores externos. Em um deles, a comunicação se dá em encontros face a face; em
outro, a interação se desenvolve por intermédio de cartas, mas com ampla discussão a respeito
da comunicação presencial.
3.3 A escassez (e profundidade) dos estudos envolvendo o ambiente externo
Conforme visto no capítulo 1, apesar de a perspectiva de simultaneidade dos meios
representar uma tendência metodológica, nem todos os estudos utilizam essa abordagem.
Ainda é bastante comum encontrar pesquisas que segmentam os canais, seja para compará-los
ou relacioná-los. É o caso, por exemplo, de Gilvan Ferreira de Araújo (2006), que pesquisou a
troca de cartas entre pacientes e direção de um hospital da cidade de Belo Horizonte (MG).
Embora seu objeto de estudo seja a comunicação mediada por cartas, Araújo mergulha
no universo da comunicação face a face por considerá-la uma espécie de modelo para as
77
correspondências. O pesquisador explica que no hospital ocorrem as interações face a face,
que posteriormente são representadas por meio da escrita pelos usuários. A organização
trabalha com respostas padrão ou personalizadas, dependendo do caso. Para ele, as cartas não
criam proximidade entre o hospital e os usuários, já que “escondem muito mais do que
apresentam” (ARAÚJO, 2006, p. 149).
A obra de Goffman fundamenta boa parte da dissertação, embora Araújo também
busque suporte em autores como Peter Berger, Thomas Luckmann, Alfred Schutz e Charles
Herton Cooley, que veem nas relações face a face o protótipo das interações sociais.
Terminado o envolvimento presencial, o relacionamento se tornaria indireto. Araújo (2006)
explica que a escolha de Goffman como base teórica justifica-se pela perspectiva de que a
comunicação escrita apresenta características da comunicação oral.
Epistemologicamente, concordamos que a observação dos encontros entre as
pessoas é mais valorosa; uma vez que nas cartas as entonações de voz, os
gestos e os atos involuntários não podem ser percebidos. Além disso, a
tendência dos sujeitos ao escreverem cartas é a de se colocarem no papel de
“vítimas”, como se suas atitudes fossem apenas reações às atitudes do outro e
não ações de si mesmos. Em outras palavras, podemos afirmar que nem tudo o
que acontece nas interações face a face é relatado nas cartas, pois a própria
distância do “outro” serve de estratégia para formas de persuasão através do
texto que podem mudar os atos, as falas e as expressões do corpo. (ARAÚJO,
2006, p. 99).
Uma importante contribuição desse autor refere-se à percepção de que as interações
presenciais não permitem representações imaginárias, já que todo o contexto é decodificado
pelos participantes. Além disso, Araújo (2006) acrescenta que a diferença entre as duas
formas de interação está na vivência da situação e no posterior relato sobre essa experiência,
caracterizando essas distinções e a importância dos contextos nas duas modalidades.
Assim, entre a leitura de uma carta e a observação da cena descrita por ela
existe uma diferença básica posicionada entre dois aspectos: a presença dos
sujeitos da ação no momento em que ela acontece (incluindo seu contexto) e a
narrativa que eles fazem dela algum tempo depois através das cartas. Este
intervalo de tempo e mudança de espaço apresenta distorções representativas e
interpretativas sobre o mesmo acontecimento, mas não muda o significado
construído durante a interação presencial. (ARAÚJO, 2006, p. 151-152).
O investigador constrói uma narrativa em que a comparação das duas formas de
interação resulta numa complementaridade, ou seja, o leitor vai compreender melhor o
78
fenômeno da mediação pela troca de cartas ao conhecer o conceito e as características da
comunicação face a face.
Outro trabalho que avança nessa seara é a pesquisa realizada por Ferreira (2011,
2012), que avalia a comunicação face a face com públicos externos, a saber, a comunidade
vizinha da empresa Ampla, uma concessionária de distribuição de energia elétrica com sede
em Niterói (RJ). A perspectiva de Ferreira (2012, p. 2) é a do diálogo social,
[...] aqui entendido como um processo de comunicação multilateral que,
através da interação face a face continuada entre organização e públicos de
interesse estratégico, em espaços comuns, busca o entendimento e o consenso,
articulando valores, representações e significados sociais sobre os elementos
constituintes da relação (pessoas, fatos, processos, objetos), e estabelecendo
instâncias de relacionamento e de comprometimento dos agentes sociais
participantes.
Ferreira vislumbra a comunicação enquanto relacionamento. Muito embora as relações
estudadas por esse investigador se estabeleçam no âmbito do entorno onde a empresa está
instalada, observa-se que o olhar voltado para fora da organização acrescenta novos
ingredientes ao conhecimento sobre os limites e potencialidades da comunicação presencial.
Antes de aprofundar a análise sobre os estudos de Ferreira, convém destacar que toda
referência ao chamado “diálogo social” deve remeter à ideia de comunicação face a face, já
que esse formato é inerente ao conceito descrito acima e caracteriza o modo de interação entre
a organização e a comunidade investigada.
Ferreira adota um tom bastante crítico em relação ao seu objeto de estudo. “O diálogo
social não pode ser analisado de forma inocente. É um processo comunicacional que articula
interesses, valores e instâncias de poder” (FERREIRA, 2011, p. 317). A política da empresa
que optou por implantar um mecanismo de comunicação face a face com a comunidade
vizinha inclui a capacitação dos agentes sociais envolvidos nesse processo, fortalecendo o que
ele chama de capital social da região. Os contextos, as variáveis culturais, o tempo dedicado à
interação e os espaços onde ela ocorre são amplamente discutidos na tese.
Soma-se a “não inocência” do diálogo social sua capacidade de provocar reações e
transformações entre os envolvidos nesse processo, conforme aponta Ferreira (2011, p. 314):
Assim, tratar a comunicação como um sistema de relacionamento nos levou a
refletir sobre os processos de comunicação de uma organização, mas também
acerca do papel estruturante do capital social de um território. Tanto a
organização quanto os atores sociais da região em que esta atua são levados a
79
repensar suas práticas, as lógicas de pensamento, a articulação dos múltiplos
interesses e as visões de mundo existentes.
Mesmo que o processo de envolvimento entre as partes encontre-se em fase inicial, o
pesquisador percebe a ocorrência dessa mútua influência entre os participantes da interação
face a face. Segundo Ferreira (2011, p. 317), a organização “passa por um processo de
abertura e internalização das variáveis culturais externas”, enquanto a comunidade “constitui
expectativas e exigências mais sofisticadas sobre os agentes produtivos locais”.
Para aprofundar a reflexão sobre essas mudanças, convém considerar que, na visão
desse estudioso, essa disposição em dialogar faz emergir naturalmente o conflito entre duas
realidades distintas que envolvem as organizações: a produtiva e a reputacional. A primeira
consiste em seus interesses financeiros, a gestão racional, o controle de processos, entre
outros. A realidade reputacional traz à tona, por exemplo, questões voltadas à qualidade dos
relacionamentos e preocupações éticas em relação às decisões tomadas que possam afetar
grupos de interesse.
A realidade produtiva torna-se a instância mais relevante para os estudos que
contemplam o paradigma informacional, aquele que se preocupa com a mecânica da
transmissão das mensagens para atender somente aos interesses empresariais. Diante de todas
as transformações do mundo líquido moderno, essa concepção torna-se ultrapassada e
insuficiente para explicar os processos comunicacionais contemporâneos. A realidade
reputacional das organizações acomoda-se ao paradigma relacional, pois o contexto e a
alteridade não podem mais ser ignorados. O investimento em relacionamentos – e o próprio
trabalho dos comunicadores organizacionais – ganha novo fôlego a partir de declarações
como esta:
O relato dado por um dos diretores da Ampla revela, com brutal clareza, que a
opção pelo diálogo se deu em função da complexidade social, política e legal
das cidades atendidas pela concessionária. Porém, apesar da motivação
original, uma série de transformações acaba acontecendo na organização ao
longo do tempo. A continuidade da interação provoca mudanças estruturais
nos processos operacionais e na lógica de pensamento e decisão. O diálogo
social viabiliza a construção de um capital de confiança que amortece crises e
percepções negativas, mas não é capaz, como nenhuma outra estratégica de
comunicação, de aplacar os efeitos danosos de uma operação ineficiente.
(FERREIRA, 2011, p. 315).
A partir deste relato, pode-se inferir que: 1) por mais que a organização rejeite a ideia
de dialogar com seus interlocutores externos, haverá situações em que ela será pressionada a
80
fazê-lo. A escolha da interação face a face ou de outros mecanismos de comunicação vai
depender diretamente da dimensão do problema motivador da conversa; 2) a comunicação
face a face, apesar de eficaz e eficiente para a solução de conflitos, é insuficiente para
restaurar danos provocados pela disjunção entre discurso e prática.
O autor confirma ainda a existência de uma teia articulada de influências que começa
pela comunicação face a face com a comunidade próxima e se expande, com naturalidade,
para outras instâncias.
Em um ambiente relacional, o diálogo de consenso possibilita a uma
organização trabalhar as múltiplas influências da percepção acerca de uma
organização que um stakeholder tem sobre a do outro. A credibilidade
adquirida na comunidade estimula a boa vontade da mídia, que por sua vez,
fortalece a posição da organização diante do governo e tem reflexos na
avaliação de risco dos acionistas e dos clientes. Há uma rede de influências
sendo tecida. (FERREIRA, 2011, p. 315-316).
Essa cadeia articulada de influência reforça a observação de Martins (2012),
apresentada na seção 3.1, sobre o prestígio que uma organização pode desfrutar a partir das
práticas de comunicação face a face em seu ambiente interno. Outra organização que investiu
nas interações presenciais com o público externo é a Embrapa Pantanal, cuja análise teórica e
pesquisa empírica serão exploradas no próximo capítulo.
81
Capítulo III – ESTRUTURA E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO
DA EMBRAPA
Antes de iniciar a apresentação e discussão do estudo de caso desenvolvido na
Embrapa Pantanal, convém contextualizar a organização como um todo e a unidade instalada
em Corumbá. Estudos científicos na área de comunicação organizacional envolvendo a
Embrapa não são incomuns, mas apresentam um complicador: se desatualizam rapidamente.
Isso ocorre porque, apesar de manter a mesma política de comunicação em vigor desde 2002,
a estrutura e as práticas comunicacionais estão em constante desenvolvimento.
As próprias pesquisas que avaliam a comunicação da empresa constatam o caráter
inovador da área. Mesmo assim, alguns problemas históricos persistem, alimentados pela
própria dispersão geográfica de suas instalações. Se por um lado a comunicação
tecnologicamente mediada atenua as dificuldades de contato, por outro a organização começa
a investir em programas de estímulo à comunicação face a face. A situação descrita a partir de
agora foi observada entre 2007 e 2015, período em que foi possível acompanhar e estudar a
comunicação da empresa.
1. Desenvolvimento do modelo de comunicação
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa é uma organização estatal,
vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criada durante o regime
militar na gestão do então presidente Emílio Garrastazu Médici. A lei nº 5.851, que prevê sua
fundação, é de 7 de dezembro de 1972, entretanto, a primeira diretoria tomou posse em 26 de
abril de 1973, data considerada como sua efetiva criação1. Sua função era desenvolver
tecnologias, por meio de pesquisas aplicadas, para fomentar o avanço da agricultura nacional.
Nos primeiros 20 anos de sua história, o modelo de pesquisa adotado pela empresa era
circular, com início e fim centrados na figura do produtor rural. A comunicação
organizacional acompanhou essa orientação, fundamentada no difusionismo praticado pelos
profissionais das áreas de ciências agrárias que geralmente conduziam o processo de
transmissão de informações ao homem do campo. De acordo com Wilson Corrêa da Fonseca
Júnior et al (2009, p. 80), “[...] verifica-se ao longo da história da empresa a estreita ligação
1 Informações obtidas no site www.embrapa.br. Acesso em: 2 mar. 2014.
82
entre regime político, modelo de desenvolvimento, modelo de pesquisa e modelo de
comunicação”.
A partir da década de 1990 a Embrapa se adapta ao novo contexto político do Brasil e
implanta profundas mudanças em sua gestão. A organização passa a considerar a necessidade
da adoção de tecnologias compatíveis com o desenvolvimento sustentável e percebe que o
público urbano também se torna estratégico. Três políticas setoriais interdependentes
configuram-se como pilares da administração da empresa: pesquisa e desenvolvimento,
negócios tecnológicos e comunicação empresarial (FONSECA JÚNIOR et al, 2009; SILVA;
DUARTE, 2007). A estrutura de comunicação se fortalece, com a contratação de profissionais
especializados para atuar em Brasília e nas unidades descentralizadas. Projetos de
comunicação passam a ser financiados formalmente pelo Sistema Embrapa de Gestão.
Em 2015, ao completar 42 anos, a missão da empresa é viabilizar soluções de
pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da
sociedade brasileira2. Naquela ocasião ela possuía 17 unidades centrais (instaladas em
Brasília-DF); quatro laboratórios virtuais localizados no exterior (Estados Unidos, União
Europeia, China e Coreia do Sul); três escritórios internacionais (América Latina e África);
além de 46 unidades de pesquisa descentralizadas em praticamente todos os Estados da
Federação, onde atuavam quase 10 mil funcionários3.
A empresa adota uma classificação para suas unidades com base no perfil das
pesquisas desenvolvidas. As unidades de produtos, por exemplo, são aquelas que focam suas
pesquisas em sistemas de produção agrícolas ou pecuários, como Embrapa Soja, Embrapa
Gado de Leite, Embrapa Trigo, Embrapa Algodão etc.; unidades ecorregionais são aquelas
que direcionam suas pesquisas para a sustentabilidade dos biomas onde estão instaladas,
como a Embrapa Pantanal, Embrapa Tabuleiros Costeiros, Embrapa Amazônia Oriental,
Embrapa Cerrados etc; unidades de serviço são voltadas, como o próprio nome informa, à
prestação de serviços tecnológicos, como a Embrapa Informação Tecnológica, Embrapa
Gestão Territorial, Embrapa Produtos e Mercado etc; mais recentemente foi criada a
classificação unidades de pesquisa em temas básicos, como a Embrapa Informática
Agropecuária, Embrapa Agroenergia, Embrapa Instrumentação, entre outras. Na prática, essa
diferenciação representa universos bastante distintos de atuação profissional, tanto para os
pesquisadores quanto para as equipes de comunicação.
2 Neste caso, agricultura deve ser entendida em sentido amplo, incluindo a pecuária e todas as outras atividades
relacionadas à produção no campo. 3 Disponível em: https://www.embrapa.br/quem-somos. Acesso em: 5 set. 2015.
83
2. A comunicação na Embrapa e a multiplexidade dos meios
A estrutura de comunicação da empresa é considerável. Em setembro de 2015 a
Embrapa contabilizava 221 profissionais formados em comunicação trabalhando na sede e em
unidades administrativas, que ficam em Brasília (DF), e nas unidades espalhadas pelo Brasil.
Na verdade, havia ainda mais 116 profissionais com outras graduações atuando nos núcleos
de comunicação, em áreas de comunicação de unidades que não possuem o setor específico,
na Embrapa Informação Tecnológica, na Secom e nas unidades centrais4. Do total de
comunicadores, até setembro de 2015, 170 eram pós-graduados, sendo 108 especialistas, 56
mestres e seis doutores. A tabela 1 mostra as áreas de graduação dos profissionais de
comunicação.
TABELA 1. Graduação dos comunicadores da Embrapa – Setembro 2015
Área da graduação Número de profissionais
Jornalismo 120
Relações públicas 58
Publicidade 21
Design 16
Marketing 3
Radialismo 1
Área não identificada 2
TOTAL 221
Fonte: Embrapa/Secom-Secretaria de Comunicação
De acordo com Bueno (2009a, p. 321), “poucas são as instituições de ensino superior
no Brasil que podem contar com tantos mestres e doutores em Comunicação como a
Embrapa, fato que apenas reforça sua condição de excelência na área”. De fato, em buscas
realizadas nas plataformas da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, do Banco
4 Todas as informações sobre a estrutura atual de comunicação da Embrapa foram repassadas por e-mail pela
Secom – Secretaria de Comunicação da organização.
84
de Teses da Capes e do Google Acadêmico não é difícil encontrar produções científicas a
respeito da comunicação na Embrapa, ora elaboradas pelos próprios profissionais da empresa,
ora por estudiosos de fora. O fato de a Embrapa possuir um programa próprio de incentivo à
pós-graduação tem estimulado seus comunicadores a se capacitarem e parte deles se propõe a
estudar a própria organização.
Em sua pesquisa sobre o uso da oralidade na comunicação interna da Embrapa Soja,
Martins (2012, p. 232), que não tem vínculo com a organização, observa que
tratava-se de um ambiente de sofisticadas tecnologias e de elevado
conhecimento acadêmico/científico detido tanto por empregados como por
suas chefias. Por estes motivos, identificou-se o reconhecimento dos gestores
e dos empregados para o real interesse em escutar o que estivesse sendo dito e
em aceitar o ponto de vista do outro como reflexos essenciais para amoldar
linguagens.
Obviamente que a realidade da Embrapa Soja não pode ser projetada para todas as
unidades da empresa, pois há que se respeitar as particularidades de cada contexto. No
entanto, a Embrapa possui diretrizes gerais para a sua comunicação organizacional,
formalizadas em sua Política de Comunicação, cuja elaboração envolveu a participação de –
senão todos – boa parte dos profissionais da área, orientados por uma consultoria externa. O
documento, fortemente internalizado, norteia o pensamento que envolve o “fazer
comunicação” na organização.
A primeira versão da Política da Comunicação da empresa foi formulada em 1995 e
tornou-se fundamental para organizar o processo comunicacional da Embrapa. Heloiza Dias
da Silva e Jorge Duarte (2007, p. 7) explicam que “nela não se detalhava ações, planos,
projetos e programas específicos, mas se estabeleciam orientações e normas para
planejamento e execução, sistematizando a comunicação e maximizando seu desempenho”.
Sete anos depois, por haver um entendimento de que as políticas devem ser atualizadas e se
adequar aos novos cenários, o documento passou por um amplo processo de revisão.
A política em vigor foi publicada em 2002, o que explica sua abordagem ainda tímida
em relação às chamadas novas tecnologias. No entanto, em alguns pontos parece bastante
atual, por exemplo, quando recomenda que a comunicação na empresa seja vista como
instrumento de inteligência competitiva. Resguarda o uso de instrumentos e linguagens
adequadas no tratamento com os públicos diversos. Valoriza os focos institucional e
mercadológico da comunicação, delineando os cuidados que devem ser tomados em relação à
85
imagem e reputação da empresa (e de suas pesquisas) e determinando a forma de conduzir a
comunicação relacionada à transferência de tecnologia.
Também estão delimitadas na política as instâncias que devem se manifestar
publicamente em cada ocasião e como deve ser concebido o relacionamento com distintos
públicos. O conteúdo inclui, ainda, orientações para a valorização da marca Embrapa e define
os procedimentos a serem tomados em relação à identidade visual da empresa. Propõe a
capacitação para os profissionais da comunicação, bem como uma estrutura compatível com
as condições necessárias para que eles possam desenvolver seu trabalho. Estabelece a
hierarquização do setor, sugerindo o perfil ideal do gerente de comunicação5.
Ao analisar o documento e cruzar as informações com a pesquisa que desenvolveu na
unidade de Londrina, Martins (2012, p. 225) percebeu que “as macro-orientações da empresa-
sede foram tão absorvidas que, hoje, nota-se uma assimilação/apreensão perpetrada por esse
fato desde o nível interpessoal de comunicação, até os fluxos descendentes de decisão e
autoridade”.
O estímulo ao uso da comunicação face a face está presente na política de
comunicação da empresa, o que permite inferir que se trata de uma diretriz a ser seguida. “A
comunicação interpessoal deve ser estimulada por meio de debates e reuniões,
particularmente quando estiverem em pauta assuntos que mereçam esclarecimento e para os
quais seja necessário um contato direto com os empregados” (EMBRAPA, 2002, p. 53).
Em outro ponto, o documento recomenda contatos presenciais também com o público
externo: “A comunicação que privilegia a área rural não pode ignorar, sob pena de tornar-se
elitista e contribuir para a exclusão social, as práticas tradicionais de relacionamento entre as
pessoas do campo, fundadas, quase sempre, na comunicação interpessoal” (EMBRAPA,
2002, p. 24).
Mesmo antes de Haythornthwaite (2005) delinear a teoria da multiplexidade dos
meios, a política da empresa já contemplava o uso simultâneo de canais, ao orientar sobre a
comunicação administrativa – aquela que trata dos comunicados oficiais.
Quando for o caso, deve empenhar-se para que os atos de abrangência geral –
e que digam respeito a um número significativo ou à totalidade dos
empregados – sejam amplamente divulgados, seja através do processo de
comunicação interpessoal, seja pela sua inserção, em forma de matéria ou
5 Mais informações sobre este documento podem ser obtidas na referência EMBRAPA, 2002. Até novembro de
2014 o documento estava disponibilizado no site para acesso externo. Com a reformulação da intranet em 2015,
a política está disponível apenas para acesso interno.
86
notícia, nos veículos editados nas Unidades e destinados aos empregados.
(EMBRAPA, 2002, p. 66).
Em fevereiro de 2011 foi instituído em grupo de trabalho para revisar novamente a
política de comunicação da empresa. A mobilização envolveu intensa participação dos
profissionais da área e, embora ainda não tenha sido adotada, essa versão atualizada deverá
ser considerada na nova governança da empresa. Em 2104, a chefe da Secom, Gilceana
Soares Moreira Galerani, anunciou a existência de um projeto em construção para
desenvolver essa nova governança e o trabalho prevê um novo olhar para as políticas da
Embrapa. Segundo ela, é provável que um documento único contemple as políticas mais
como princípios do que como direcionamentos, com possibilidade de estabelecer políticas
para os macroprocessos de produção (Pesquisa e Desenvolvimento, Transferência de
Tecnologia e Administração). “Os processos transversais, incluindo a comunicação
organizacional, devem ser contemplados na agenda institucional, mais curta e mais dinâmica”
(GALERANI, 2014b). Em 2015, quando foi publicado o 6º Plano Diretor da Embrapa, a
comunicação é apresentada como tema transversal e gestão institucional.
A mudança de perspectiva da comunicação organizacional da Embrapa – que deixou
de ser vista como um dos pilares de sustentação administrativa e se tornou um dos temas
transversais da gestão – foi acompanhada de transformações estruturais implantadas ainda em
2011. A chamada ACS (Assessoria de Comunicação Social), em Brasília, já era vinculada à
presidência da empresa, mas parte das representações nas diferentes cidades era subordinada a
uma chefia adjunta, e não à instância máxima, que nas unidades se chama chefia-geral. Uma
das novidades foi exatamente essa: eliminar as chefias adjuntas de comunicação e vincular a
comunicação diretamente às chefias-gerais. A seguir, detalhes desse processo.
2.1 Comunicadores vinculados diretamente à chefia-geral: avanço ou retrocesso?6
Em 2011, a ACS atingiu um patamar mais elevado e passou a se chamar Secom –
Secretaria de Comunicação da Embrapa, ao mesmo tempo em que houve uma padronização
das áreas de comunicação das unidades – todas passaram a se chamar Núcleos de
Comunicação Organizacional - NCOs. Naquele ano, em março, foram instituídas quatro
6 As informações sobre as recentes reestruturações da comunicação da Embrapa foram obtidas a partir de
entrevistas por e-mail com a chefia da Secom, de documentos administrativos e de matérias veiculadas
internamente.
87
coordenadorias vinculadas a Secom: 1) Coordenadoria de Articulação e Estudos em
Comunicação; 2) Coordenadoria de Relações Públicas; 3) Coordenadoria de Jornalismo; 4)
Coordenadoria de Gestão da Marca e Publicidade. Como os próprios nomes indicam, o
critério de distribuição dos profissionais para cada frente de trabalho estava intimamente
ligado às diferentes habilitações da formação superior em Comunicação Social (jornalismo,
relações públicas e publicidade), com exceção da primeira.
A Coordenadoria de Articulação e Estudos em Comunicação – CEC tinha entre suas
atribuições promover e apoiar estudos e avaliações visando garantir maior eficiência da
comunicação da empresa. Em outras palavras, a CEC “pensava” a comunicação
organizacional, administrando, entre outros processos, o planejamento integrado em
comunicação, instituído formalmente também em 2011.
Pela primeira vez, por força de regulamentação interna, os próprios comunicadores
assumiram a supervisão do setor de comunicação nas unidades da empresa, função que até
então cabia a outros profissionais7. Os NCOs passaram a ser vinculados diretamente às
chefias-gerais. Outra inovação foi o convite para que todos os supervisores de comunicação
começassem a participar do processo de elaboração do planejamento integrado, inclusive de
forma presencial, em Brasília.
Dois anos depois dessas alterações, no final de 2013, a Secom realizou pesquisas com
os profissionais de comunicação e com os chefes-gerais para avaliar a reestruturação. Os
resultados indicaram mais avanços que retrocessos. De acordo com Galerani (2014a), 70%
entendem que essa última configuração está acertada e não gostariam de descartá-la. No
entanto, 30% ainda consideram que seria melhor a vinculação dos NCOs a uma das chefias-
adjuntas.
As principais mudanças positivas apontadas nas pesquisas foram a maior presença dos
profissionais de comunicação nas instâncias estratégicas e a visão mais ampla dos processos
da instituição. Já os principais argumentos daqueles que não aprovaram a vinculação à chefia-
geral estão relacionados à estagnação e ao comodismo dos profissionais, no sentido de
ouvirem e atenderem somente a esse gestor – atuarem como uma espécie de assessor do
chefe-geral – e não participarem mais das atividades de rotina das unidades relacionadas às
outras áreas, como a de Pesquisa e Desenvolvimento, Transferência de Tecnologia e a de
Administração. Alguns respondentes alegaram que transferência de tecnologia seria o
7 Por se tratar de uma empresa de pesquisa agropecuária, os cargos de chefia (inclusive da chefia adjunta de
comunicação) eram exercidos até então por agrônomos, veterinários, biólogos, zootecnistas e outros
profissionais de carreiras ligadas à atividade-fim da organização.
88
macroprocesso mais impactante para a imagem da Embrapa e, por isso, ainda entendiam que a
comunicação deveria ficar vinculada a essa chefia.
Segundo Galerani (2014a), “do ponto de vista corporativo, a mudança gerou fluxos
mais organizados de comunicação entre a Secom e as unidades, uma vez que todos os
contatos e articulações passaram a ser feitos entre a Secretaria, o chefe-geral e o supervisor do
NCO”. A chefia da Secom aponta ainda que esse fator possibilitou maior agilidade no trâmite
das providências e decisões, o que se traduz em maior eficiência da comunicação como um
todo. Em 2013, no entanto, a Secom passou a operar com nova estrutura organizacional,
mantendo as vinculações já presentes nos regimentos das unidades descentralizadas
(vinculação dos NCOs às chefias-gerais) e reorganizando as áreas internas da Secom em
equipes multidisciplinares relacionadas ao negócio da Empresa (pesquisa, transferência de
tecnologias e administração) e à comunicação digital, excluindo a organização por
habilitações da comunicação social e extinguindo a CEC.
2.2 Em busca da comunicação integrada: aspectos teóricos e práticos
Antes de apresentar novas reformulações na comunicação organizacional da Embrapa
no sentido de promover a prática da comunicação integrada, convém problematizar esse
conceito. Kunsch (2003, p. 14) aponta que “as organizações devem ter entre os objetivos de
comunicação o de buscar equilíbrio entre os seus interesses e os dos públicos a elas
vinculados”. Isso significa que ouvir os stakeholders constitui um princípio norteador dessa
proposta.
Entendemos por comunicação integrada uma filosofia que direciona a
convergência das diversas áreas, permitindo uma atuação sinérgica. Pressupõe
uma junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica, da
comunicação interna e da comunicação administrativa, que formam o mix, o
composto da comunicação organizacional. (KUNSCH, 2003, p. 150).8
8 De acordo com Kunsch (2003, p. 152), “comunicação administrativa é aquela que se processa dentro da
organização, no âmbito das funções administrativas”; a comunicação interna é “uma ferramenta estratégica para
compatibilização dos interesses dos empregados e da empresa, através do estímulo ao diálogo, à troca de
informações e de experiências e à participação de todos os níveis” (RHODIA, 1985 apud KUNSCH, 2003, p.
154); “a comunicação mercadológica é responsável por toda a produção comunicativa em torno dos objetivos
mercadológicos, tendo em vista a divulgação publicitária dos produtos ou serviços de uma empresa” (KUNSCH,
2003, p. 162); por fim, define comunicação institucional como aquela que “por meio das relações públicas,
enfatiza os aspectos relacionados com a missão, a visão, os valores e a filosofia da organização e contribui para o
desenvolvimento do subsistema institucional, compreendido pela junção desses atributos” (KUNSCH, 2003, p.
165).
89
Ao equacionar esse mix, a pesquisadora sugere, indiretamente, o trabalho articulado
dos diferentes profissionais que atuam na área da comunicação organizacional, como relações
públicas, jornalistas, publicitários, designers e outros. Apenas a atuação conjunta permitiria
colocar em prática a filosofia da comunicação integrada, ou seja, “as orientações que as
organizações, por meio de seus departamentos de comunicação, devem dar à tomada de
decisões e à condução das práticas de todas as suas ações comunicativas” (KUNSCH, 2003, p.
179).
No entanto, o conceito de comunicação integrada não se esgota na conexão entre os
profissionais e os diferentes tipos de comunicação. É necessário planejamento para “abrir
canais de diálogo com os públicos e ouvir a opinião pública, auscultando seus anseios e suas
necessidades” (KUNSCH, 2003, p. 167). Se consideradas as premissas do paradigma
relacional, é possível avançar na definição: a integração deve dimensionar a real participação
dos públicos de interesse nos processos de tomada de decisões organizacionais, especialmente
quando determinado grupo é afetado pelas deliberações.
Embora reconheça que a comunicação integrada represente hoje mais um discurso
incorporado por gestores da comunicação do que a prática efetiva nas organizações, Bueno
(2009a, p. 9) defende que “a comunicação empresarial deixou de ser um conjunto de
atividades, desenvolvida de maneira fragmentada, para constituir-se em um processo
integrado que orienta o relacionamento da empresa ou entidade com todos os seus públicos de
interesse”. De acordo com o pesquisador,
comunicação integrada consiste no conjunto articulado de esforços, ações,
estratégias e produtos de comunicação, planejados e desenvolvidos por uma
empresa ou entidade, com o objetivo de agregar valor à sua marca ou de
consolidar a sua imagem junto a públicos específicos ou à sociedade como um
todo. (BUENO, 2009b).
O conceito proposto pelo pesquisador conecta as noções de comunicação institucional
e mercadológica que, de maneira alguma, podem ser tratadas de forma isolada na sociedade
contemporânea. A ideia de integração fundamenta a mais recente reorganização introduzida
na estrutura de comunicação da Embrapa em outubro de 2013. A mudança foi motivada por
três procedimentos sinalizadores: um longo mapeamento e análise de processos internos; a
avaliação de estruturas de comunicação em grandes empresas; e uma ampla pesquisa de
imagem concluída em 2012. Essa pesquisa, que ouviu empregados da Embrapa e lideranças
de 16 segmentos de público externo, registrou a necessidade de uma comunicação mais
90
focada no negócio da empresa e apontou a comunicação digital como o caminho mais
adequado na atualidade para manter contato com os públicos9.
Com base nessa nova realidade, as quatro coordenadorias implantadas em 2011 foram
substituídas pelas seguintes: 1) Coordenadoria de Comunicação Institucional; 2)
Coordenadoria de Comunicação em Ciência e Tecnologia; 3) Coordenadoria de Comunicação
Mercadológica; 4) Coordenadoria de Comunicação Digital.
A ideia é integrar os processos e adequar a comunicação à estrutura organizacional da
empresa, que tem três diretorias executivas: de Pesquisa e Desenvolvimento, de
Administração e de Transferência de Tecnologia e Negócios. Pela nova reestruturação, as
equipes/coordenadorias agora agrupam e integram profissionais das várias habilitações da
comunicação e cada equipe/coordenadoria passa a atender a um macroprocesso do sistema de
gestão da empresa, além da criação da coordenadoria para cuidar exclusivamente da
comunicação digital.
Como a mudança é razoavelmente recente, a Secom ainda não teve condições de
analisar formalmente seus impactos. Porém, com base em observações da rotina e de
avaliações informais de gestores e profissionais de comunicação, teria ocorrido um
fortalecimento da atuação dos comunicadores junto às equipes de Pesquisa e
Desenvolvimento, Transferência de Tecnologia e Negócios e de Administração. Essa
aproximação, de acordo com Galerani (2014a), “impacta diretamente em geração de conteúdo
de maior densidade, com foco nos principais usuários dos conhecimentos e tecnologias da
Embrapa [clientes]”. Os profissionais da Secom trabalham agora quase que juntamente às
diretorias e departamentos citados acima, acompanhando de perto seu vocabulário, suas
diretrizes e suas atividades, contribuindo mais proativamente para o alcance de metas e
objetivos.
Um exemplo dessa integração é a mudança de foco na presença da Embrapa
em feiras e exposições. Agora, um grupo de trabalho liderado pela Secom
decide o calendário anual de feiras e a prioridade é a presença da Embrapa em
eventos com áreas dinâmicas no campo, com maior possibilidade de negócios
e de se fazer transferência de tecnologia, diferente do modus
operandi anterior, quando a Secom definia o calendário e o foco de
participação era principalmente na presença institucional da empresa em
estandes. (GALERANI, 2014a).
9 Informação publicada na matéria “Secom tem nova estrutura”, veiculada na intranet da Embrapa em 4 de
novembro de 2013.
91
A Coordenadoria de Comunicação em Ciência e Tecnologia, por exemplo, elaborou
um plano de comunicação para a área de Pesquisa e Desenvolvimento, contendo desde
auditoria de opinião com lideranças de pesquisadores até a criação de comunidades virtuais
em sistema de redes para facilitar a comunicação entre essa área. Como as equipes das
coordenadorias são compostas por profissionais de jornalismo, relações públicas e
publicidade, elas pensam a comunicação como um todo, desde o planejamento e as sondagens
até a execução e a avaliação de resultados.
Ainda de acordo com avaliação informal da Secom, a equipe de Comunicação Digital
tem fortalecido a presença da Embrapa na internet, priorizando o desenvolvimento do novo
portal, lançado em 2014 e, ao mesmo tempo, proporcionando monitoramento constante das
mídias sociais, o que ajuda a diretoria da empresa na tomada de decisões e na administração e
prevenção de riscos. Essa nova coordenadoria – que até 2013 consistia em uma supervisão
formada por apenas dois jornalistas – contava em 2015 com nove profissionais, entre
jornalistas, relações públicas, publicitária, designer, programador de tecnologia de
informação, além de três estagiários de comunicação organizacional, atuando exclusivamente
na melhoria da presença da Embrapa na internet.
Questionada sobre a valorização da comunicação face a face na empresa, a chefia da
Secom entende que a estatal estimula todas as ações de comunicação possíveis. O incentivo a
cada meio depende de cada situação, de cada demanda, de cada grupo que tem características
específicas e por isso pede uma linguagem e um canal específico também, conforme prevê a
política de comunicação.
De acordo com Galerani (2014a), “a empresa atua numa diversidade impressionante
de empregados, regiões, culturas, produtos etc. Impossível padronizar procedimentos de
comunicação numa empresa assim. Procura-se respeitar essa diversidade e adequar canais e
linguagens a cada situação”. Como a organização é grande e está geograficamente dispersa
pelo território nacional – além dos serviços implantados no exterior –, o uso de
videoconferências tem facilitado o contato entre o público interno. Os funcionários se
conectam diariamente também por e-mail, telefonemas, fax, intranet, cartas e circulares,
programas de mensagens instantâneas e mídias sociais, entre outros instrumentos mediadores.
Ao completar 42 anos, no primeiro semestre de 2015, a empresa anunciou o
lançamento do programa Diálogos, uma série de medidas para estimular o debate interno
sobre temas relevantes e ouvir sugestões de funcionários contemplando, mais uma vez, a
multiplicidade de canais. Ao menos três propostas previam o uso da comunicação face a face:
reuniões presenciais locais periódicas entre gerentes e empregados, eventos presenciais
92
corporativos de integração e debate e visitas às unidades para conversas a respeito da
programação de transferência de tecnologias.
A gestão da empresa solicitou aos chefes-gerais que estabeleçam calendário de
reuniões periódicas presenciais com os funcionários de cada unidade, com o objetivo de
ampliar espaços interativos, atender a dúvidas, obter sugestões e contribuições e provocar
alinhamento de estratégias de gestão. De acordo com Galerani, a Secom elaborou e
disponibilizou para os gestores de todas as unidades um protocolo de orientações para a
execução dessas reuniões, incluindo possíveis pautas para discussão, formas de condução da
reunião, modelo de questionário de avaliação de cada encontro e de um relatório simplificado
para apresentação dos resultados (informação verbal)10
.
Em maio de 2015 a expectativa era que ocorressem cinco reuniões por ano e essa meta
foi inserida como obrigatória na agenda de prioridades de cada unidade. A orientação é para
que os chefes não a conduzam sozinhos – devem dividir essa tarefa com chefes adjuntos ou
supervisores, prática que a direção da empresa visualiza como empoderamento e valorização
dos gestores intermediários. A agenda dessas reuniões, bem como os relatórios com os
resultados, será cobrada como meta corporativa, já que consta no sistema oficial de
planejamento e acompanhamento de resultados da Embrapa. Em setembro de 2015 Galerani
informou que o programa estava em pleno andamento e várias reuniões nesse formato já
haviam sido realizadas.11
A chefia da Secom acrescenta ainda que, para que essas discussões não se percam, os
temas mais debatidos – tanto da área de pesquisa e transferência de tecnologia, como também
da área administrativa e de governança – seriam levados a um evento corporativo presencial,
realizado anualmente, com a participação de funcionários das unidades e de especialistas
ligados a esses temas. O primeiro encontro presencial nesse formato deveria ocorrer, ao
menos, um ano após o início da implantação das reuniões, ou seja, a partir de 2016.
A proposta do Diálogos surge em um momento em que a comunicação
tecnologicamente mediada se consolida na empresa. De acordo com a Secom, pesquisas de
clima organizacional e sobre os veículos de comunicação oferecidos, além de um recente
diagnóstico de comunicação interna, motivaram a adoção das medidas.
10
Parte das informações sobre o programa Diálogos foi obtida por telefone com a chefia da Secom na tarde de
24 de março de 2015. O jornal interno Folha da Embrapa, veiculado no trimestre abril/junho de 2015, destacou o
programa Diálogos em sua reportagem de capa. 11
A primeira reunião presencial do programa Diálogos, entre gestores e funcionários, foi realizada na Embrapa
Pantanal no dia 16 de outubro de 2015. Um dos temas tratados foi o VI Plano Diretor da Embrapa 2014-2034.
Dos 131 funcionários, 67 participaram (Figura 2). A segunda reunião aconteceu um mês depois, em 17 de
novembro.
93
O contexto pede isso. As pesquisas de clima mostram que as pessoas pedem
mais comunicação apesar de todos os veículos e excesso de informação que
temos. Precisamos, então, explorar o que é pouco explorado, tentar algo mais
desafiador, mas com boa perspectiva para um ambiente de inovação como é a
Embrapa. O face a face lembra conversa, bate-papo, interação, interesse pelo
outro... Esses itens foram muito citados/demandados nas últimas pesquisas
realizadas. (GALERANI, 2015).
Pouco antes do lançamento do programa, a expectativa da Secom era que o Diálogos
se tornasse modelo para a comunicação organizacional, a exemplo do que a empresa
conseguiu com sua Política de Comunicação e com seu Manual de Conduta nas Mídias
Sociais, publicado em abril de 2012.
Figura 2. Primeira reunião do programa Diálogos na Embrapa Pantanal, 2015
Fonte: Embrapa Pantanal/Foto: Nicoli Dichoff
As mudanças estruturais ocorridas em 2011 e 2013, apresentadas nesta seção,
aparentemente aproximam a comunicação da Embrapa de um patamar estratégico – muito
próximo da coalizão dominante citada por James Grunig (2011) – e indicam que a
organização procura, com efeito, praticar a comunicação integrada proposta por Kunsch
(2003) e Bueno (2009a, 2009b). Por se tratar de modificações recentes, no entanto, ainda não
é possível afirmar que a integração tenha se concretizado nos níveis operacional, tático e
estratégico.
Ela parece mais evidente na articulação entre os profissionais que atuam nos distintos
macroprocessos do sistema de gestão da empresa, embora a prática de ouvir os públicos de
interesse também venha sendo estimulada na organização, tanto em suas unidades quanto em
Brasília. São avanços significativos – sujeitos a constantes revisões – não só para a
94
comunicação da empresa, mas que podem, de fato, balizar novos padrões de atuação dos
profissionais em comunicação organizacional no Brasil e na América Latina.
2.3 Nova estrutura, velhos problemas
Os avanços propostos até o momento canalizam soluções para alguns problemas
detectados pela organização, como a atuação fragmentada das equipes de comunicação, o
desajuste entre a estrutura de comunicação e o sistema de gestão da empresa, a frágil presença
da Embrapa no ambiente digital e a atuação até então pouco estratégica dos comunicadores
nas unidades descentralizadas.
Entretanto, outros desafios se impõem para a gestão da comunicação nessa
organização. Um deles pode envolver uma questão cultural, histórica ou de algum teor mais
difuso. Existe um conflito de visões entre os comunicadores que trabalham na sede, em
Brasília, e aqueles que atuam nas outras unidades. Parece não haver uma compreensão mútua
a respeito das atividades desenvolvidas em cada extremidade dessa estrutura. Nas unidades
dispersas, circula a ideia de que os comunicadores da sede centralizam decisões e acabam por
sobrecarregar as equipes com pesadas demandas. Em Brasília, existe uma impressão de que os
comunicadores de fora reivindicam mais autonomia e demonstrariam pouca vontade em
atender às necessidades da corporação.
A origem desse embate pode estar na desinformação sobre os trabalhos desenvolvidos
pelas diferentes equipes, conforme aponta Duarte (2006, p. 250):
O relacionamento dos jornalistas de Centros de Pesquisa com a Assessoria de
Comunicação Social (ACS), da Sede, [hoje Secom] era bastante limitado.
Também estava entre reduzido ou inexistente o contato entre jornalistas de
centros de pesquisa – limitado, em geral, a contatos em exposições
agropecuárias. O jornalista era obrigado a agir sozinho, sem orientações gerais
e tinha a tarefa permanente de buscar apoio para desempenhar suas atividades.
A ACS limitava-se a atender e propor demandas específicas, tipo solicitar
matérias para o jornal Folha da Embrapa. De parte dos jornalistas dos centros
de pesquisa, em muitos casos, parecia haver inibição e desinformação sobre
como agir para travar esse relacionamento ou o que dele se esperar. O
resultado foi o desconhecimento tanto da ACS sobre os jornalistas dos centros
de pesquisa, suas atividades e problemas, como desses jornalistas sobre a
ACS12
.
12
Os jornalistas Jorge Duarte e Antônio Luiz Oliveira Heberlê, ambos profissionais da Embrapa, oferecem
grandes contribuições sobre a história inicial da difusão científica e da comunicação na empresa, objetos de
estudo de suas dissertações de mestrado. Versões resumidas podem ser encontradas em Duarte e Ribeiro, 2006.
95
Essa colisão de percepções pode ser amenizada (ou não) pelo fato de a gestão da
comunicação da Embrapa, na sede, ter sido assumida em outubro de 2012 por uma
profissional que atuava em unidade e conhece agora as duas realidades. Embora não se trate
de fenômeno recente, a falta de compreensão mútua tende a diminuir devido aos convites para
que os supervisores de comunicação das unidades participem pessoalmente do planejamento
integrado em Brasília.
Relacionada à dificuldade anterior, a sensação de sobrecarga de trabalho
experimentada entre as equipes de comunicação coloca-se como outro desafio a ser
enfrentado. Apesar de contar com um quadro superior a 200 comunicadores, o volume de
trabalho é considerável e parece aumentar com o desenvolvimento tecnológico e a
necessidade de se produzir sempre mais. As pesquisas avançam rapidamente, os processos
administrativos nem sempre acompanham essa velocidade e a necessidade de levar o
conhecimento à sociedade cresce em progressão geométrica. A contratação de novos
profissionais depende de concursos públicos e ainda existe dificuldade em reter talentos,
especialmente em cidades menores, mais afastadas dos grandes centros e com estrutura
urbana precária.
Eventuais terceirizações de serviços na área de comunicação apresentam-se como uma
solução para reduzir essa sobrecarga e otimizar a operacionalização. No entanto, muitas vezes
elas são desestimuladas pelo excesso de burocracia que caracteriza as empresas públicas no
Brasil. Todas as contratações precisam ser previstas com antecedência em orçamentos
próprios, os recursos frequentemente são escassos e a escolha do prestador de serviço pelo
sistema de licitação nem sempre garante a qualidade que a empresa deseja. O excesso de
burocracia tem sido uma preocupação constante da direção da Embrapa, entretanto, poucos
avanços têm sido registrados nessa área.
Outro problema difícil de ser equacionado é a própria gestão da comunicação em uma
estrutura tão grande, tão dispersa e tão diversa como a da Embrapa. As culturas regionais
exercem forte apelo sobre os profissionais de comunicação, que tentam preservar suas
crenças, seus costumes e suas visões de mundo, nem sempre alinhadas aos discursos e à
atuação da corporação. Se a diversidade for percebida como um valor e uma oportunidade de
crescimento pelos gestores, saem ganhando a empresa, seus colaboradores e a sociedade. Se
houver qualquer tentativa de quebrar essa relação respeitosa à cultura alheia, os riscos de
desentendimento mútuo tendem a se acentuar.
Não tem sido uma reação incomum o profissional de comunicação de uma unidade da
Embrapa classificada como “de produto” sentir dificuldade em compreender os processos e
96
prioridades de uma unidade “ecorregional” ou “de serviços”, por exemplo. A própria gestão
da empresa, ao estabelecer seus processos e procedimentos internos, precisa levar em conta
essa diversidade de atuação.
Apesar dos problemas mencionados acima, nota-se a satisfação e o orgulho que boa
parte dos comunicadores sente por trabalhar na Embrapa. Em janeiro de 2014, uma
comunicadora postou a seguinte frase em uma rede social:
Estou vivendo os últimos momentos da vida boa, sem hora pra nada, sem
compromissos, curtindo esta cidade que tanto amo em companhia de minhas
filhotas. Um mês foi suficiente para curtir férias. Amanhã volto ao trabalho,
disposta a dar o melhor de mim para continuar fazendo da minha empresa um
orgulho brasileiro.13
Em novembro de 2014, outra funcionária expôs o seguinte comentário, também em
uma rede social: “tá cansativo, mas a gente aguenta, tudo pela nossa empresa”. O
comprometimento dos profissionais de comunicação com a empresa é notório. Em geral,
percebe-se uma identificação entre os anseios do comunicador e a dinâmica de trabalho
proposta pela organização. Muitos se sentem valorizados pela possibilidade de intervir nas
tomadas de decisões, seja por meio da participação em comitês, comissões ou grupos de
trabalho, seja pela facilidade de contatos com a “coalização dominante”.
Os comunicadores possuem autonomia para apresentar e liderar projetos em suas áreas
de atuação, o que proporciona exercer atividades de gestão, multiplicar seus relacionamentos
e ampliar o conhecimento sobre a empresa e seu negócio. Além da possibilidade de assumir
um projeto, têm sido cada vez mais comuns os convites para que esses profissionais integrem
projetos de pesquisa e de transferência de tecnologia liderados por pesquisadores ou analistas,
contribuindo com ações de comunicação voltadas aos mais variados temas.
Pesam também para essa satisfação as oportunidades nada desprezíveis de capacitação
que a Embrapa oferece aos profissionais: vão desde cursos técnicos e palestras isoladas até o
pós-doutorado no exterior. Essa política de investir na qualificação do funcionário cria uma
relação de confiança, admiração e respeito. Afinal, a organização apoia a formação de uma
massa crítica que tem discernimento para reconhecer disparidades entre práticas responsáveis,
consistentes e sérias e meros discursos vazios.
13
Optou-se por preservar a identidade dessa funcionária e da autora do próximo comentário, já que as
manifestações espontâneas ocorreram em espaços virtuais privados.
97
3. Embrapa Pantanal: preocupação com o universo regional
A Embrapa Pantanal é uma das unidades mais antigas da empresa. Foi criada em 24 de
fevereiro de 1975 com o objetivo de atender demandas da pecuária extensiva praticada no
Pantanal, considerada a maior planície inundável do mundo. Em 1984, sua missão foi
ampliada após constatação da complexidade socioeconômica e ambiental daquele bioma. O
centro de pesquisa fica no município de Corumbá e é uma das três unidades instaladas no
Estado de Mato Grosso do Sul. As outras duas são a Embrapa Gado de Corte, em Campo
Grande, e a Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados.
A missão da Embrapa Pantanal é viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e
inovação para a sustentabilidade do Pantanal, com foco na agricultura e no uso dos recursos
naturais em benefício da sociedade. Em outubro de 2015 o quadro era composto por 131
funcionários, incluindo pesquisadores, analistas, técnicos e assistentes. A equipe de
comunicação é formada por seis profissionais: três jornalistas, dois relações públicas e uma
administradora de empresas.
A rotatividade na equipe de comunicação local é um dos problemas enfrentados. Das
três comunicadoras que atuavam naquela unidade até 2006, nenhuma permaneceu. A
profissional mais antiga da equipe chegou em 2007. Nos dois anos seguintes, outros dois
profissionais passaram por Corumbá e acabaram transferidos para outras unidades. A
profissional de comunicação contratada mais recentemente começou a trabalhar em maio de
2014; em julho do mesmo ano, a administradora foi transferida para o setor.
A distância dos grandes centros urbanos do país é um dos motivos que levam os
profissionais a desistirem de Corumbá, cidade fundada em 1778, localizada na fronteira com a
Bolívia e atualmente com pouco mais de 100 mil habitantes. O município é bastante
conhecido pelas altas temperaturas durante a primavera e o verão, que beiram (e às vezes
ultrapassam) 40º C. Por outro lado, a região oferece alguns atrativos, como uma vida
razoavelmente tranquila, vários eventos culturais durante o ano14
, receptividade afetiva por
parte dos moradores locais e colegas de trabalho, além da beleza natural do Pantanal
brasileiro. A cidade também conta com certa estrutura de comércio e serviços, transporte
aéreo, fluvial e rodoviário.
14
Destaques para o Festival América do Sul, que acontece geralmente em maio; o tradicional Banho de São
João, em junho; o Carnaval de rua com forte participação popular, em fevereiro ou março; o Festival de Pesca e
o Festival Gastronômico, normalmente realizados em novembro.
98
Se a retenção de talentos é uma das dificuldades da equipe local de comunicação da
Embrapa Pantanal, ela não é a única. Os profissionais avaliam que há sobrecarga de trabalho
diante do volume de informações técnicas, científicas e administrativas geradas. Por se tratar
de uma unidade ecorregional, a diversidade de pesquisas desenvolvidas exige que os
comunicadores ampliem seu universo de conhecimento. Aliás, por ser considerado um bioma
extremamente complexo, entender a dinâmica do Pantanal é um processo que consome
tempo. Alguns pesquisadores estimam que um período de cinco anos é relativamente razoável
para começar a compreender o local com segurança.
As pesquisas empreendidas pela Embrapa no Pantanal contemplam a pecuária e todos
os aspectos ligados à sustentabilidade dessa atividade, a pesca e aquicultura, a agricultura
familiar, a fauna, a flora, o solo, a hidrologia, os ciclos de inundação, a geração de bioenergia,
o clima, a produção de alimentos e fármacos a partir da biodiversidade local, enfim, uma
vasta gama de conhecimento é gerada todos os anos pela equipe local de pesquisadores.
A equipe de comunicação se envolve não apenas com a divulgação das informações
científicas e tecnológicas relevantes, mas também atua na construção e manutenção de
relacionamentos com parceiros internos e externos, monitora a imagem e a reputação da
unidade, participa de projetos de pesquisa e ações de transferência de tecnologia, acompanha
parte das publicações produzidas por todas as equipes de trabalho, mantém veículos de
comunicação interna, propõe projetos de melhoria de clima organizacional, disponibiliza
conteúdo para os ambientes digitais e atende às demandas solicitadas pela sede.
Outra característica que diferencia a Embrapa Pantanal de outras unidades é o forte
apelo midiático que o bioma proporciona, dentro e fora do país. O interesse de veículos de
comunicação regionais, nacionais e internacionais pelas pesquisas envolvendo a planície é
considerável. Os contatos de jornalistas à procura de informações e entrevistas são
praticamente diários e o atendimento à imprensa se configura como uma das atividades mais
corriqueiras dos profissionais de comunicação.
Em 2014, o supervisor do NCO da Embrapa Pantanal, Thiago Nery da Cunha
Coppola, descreveu a inovação como o maior desafio para a comunicação da unidade. “Há
muito tempo os meios de comunicação utilizados para transferir tecnologias e para divulgar
pesquisas da Embrapa são aplicados da mesma forma sem grandes inovações, padronizados e,
muitas vezes, desconectados das necessidades da região” (COPPOLA, 2014). Ainda segundo
ele,
99
hoje seguimos as diretrizes de Brasília e executamos muitas atividades de
interesse da Sede ou o que eles acham que é mais eficaz, mas que pode não
traduzir a realidade para uma unidade de fronteira. A Embrapa Pantanal tem
suas particularidades e só quem vive aqui sabe os anseios da população e a
forma de gerar a interação entre a unidade e a sociedade, imprensa, produtores
e tomadores de decisão. Portanto, a maior dificuldade é inovar, criar novos
meios de comunicação, quer sejam com eventos diferenciados ou atendimento
personalizado à imprensa, a fim de interagir mais com os públicos.
(COPPOLA, 2014).
O supervisor vem constatando que a sociedade contemporânea se interessa por ciência
e inovação e responde muito bem quando convidada a participar de eventos promovidos pela
Embrapa Pantanal. Alguns desses eventos são inovadores e fogem da rotina empresarial, pois
sua organização demanda tempo, recursos humanos e altos investimentos. Em contrapartida,
geram interação, transferência de tecnologia e retorno institucional.
Portanto, sair da rotina, da padronização, é o nosso desafio. Transformar a
rotina da comunicação da Embrapa Pantanal em atividades inovadoras que
atraiam o interesse dos diversos públicos é fundamental. Essas atividades
incluem a implementação das mídias sociais, eventos com grande interação
com o público e novos meios de interação entre o NCO e os demais
comunicadores, principalmente imprensa, formadores de opinião, tomadores
de decisão e, não menos importantes, os blogueiros, que são a bola da vez.
Mas, como disse, isso demanda tempo, recursos humanos e um pouco mais de
autonomia dos NCOs para trabalharem em cima das demandas locais, de
acordo com a percepção das chefias locais, comunicadores, funcionários da
unidade e comunidade local. (COPPOLA, 2014).
Nota-se, pelo menos em relação ao que se observou até 201215
, que o desempenho da
equipe do NCO ainda era muito voltado às dimensões operacional e tática. Os
relacionamentos com interlocutores externos, por exemplo, ocorriam sem planejamento,
priorização, monitoramento e avaliação. Essas situações de interação simplesmente
aconteciam, contrapondo as recomendações de Fábio França (2008, p. 74), segundo o qual, “o
relacionamento não pode ser ocasional, esporádico. [...] É preciso que ele seja planejado na
sua intenção, no seu estabelecimento e no seu desenvolvimento, a fim de que possa ser
acompanhado e monitorado, isto é, ele deve ser administrado”.
Em 2010, houve a primeira tentativa da equipe de comunicação de construir
relacionamentos mais sólidos e duradouros com alguns públicos de interesse, por meio do
projeto Construção da imagem da pecuária sustentável do Pantanal, que será detalhado a
15
Naquele ano esta autora, que atuava como supervisora do NCO da Embrapa Pantanal, afastou-se da unidade
para cursar o doutorado no Estado de São Paulo.
100
seguir. Naquela ocasião, a equipe atuou em uma instância mais estratégica, porém, ao final do
programa, em 2012, as ações sofreram descontinuidade.
Antes de prosseguir, reforça-se a justificativa apresentada na descrição metodológica
(capítulo 2) a respeito da redação científica do estudo de caso no estilo confessional, “calcado
na experiência do pesquisador, que não reluta em colocar sua posição pessoal, sendo
apresentado em primeira pessoa” (GIL, 2009, p. 136). A próxima seção será exposta nesse
formato em função do envolvimento desta pesquisadora com o caso em questão.
3.1 Estudo de caso: a construção planejada de relacionamentos
O projeto de comunicação citado acima foi minha primeira experiência formalizada de
desenvolver uma proposta no chamado Sistema Embrapa de Gestão – SEG, que apoia
iniciativas consideradas compatíveis com a missão da empresa. Resumidamente, fui
convidada pelo então chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da unidade, Thierry Ribeiro
Tomich, a atender a uma forte demanda para o centro de pesquisa: havia a necessidade de
propagar a informação que a principal atividade econômica praticada na região, a pecuária, se
desenvolve de forma sustentável sem causar grandes impactos ambientais. A constatação é
fruto de estudos promovidos pelo corpo local de pesquisadores. A intenção do gestor era
disseminar a mensagem de forma abrangente, para a sociedade brasileira, e não atingir um
público específico.
A partir dessa demanda, que condizia com a missão da Embrapa Pantanal, comecei a
planejar as ações, junto com a equipe de comunicação. O projeto foi aprovado em dezembro
de 2009 e entrou em execução em abril de 2010, com duração prevista de dois anos e
orçamento aproximado de R$ 265 mil (cerca de US$ 150 mil em valores da época).
A ideia básica era estabelecer relacionamentos com alguns veículos de comunicação
de circulação nacional, cujas redações estavam localizadas na região Sudeste do país16
, tendo
como finalidade imediata a divulgação do conteúdo sobre a sustentabilidade da pecuária
pantaneira e, como objetivo de longo prazo, cultivar relação de confiança com os profissionais
contatados. Além dos jornalistas desses veículos, busquei uma aproximação da Embrapa
Pantanal com futuros comunicadores, firmando parcerias com os cursos de comunicação
social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e da Universidade Federal de
16
Alguns veículos de relevância regional foram contemplados pela iniciativa, por estarem situados em cidades
de médio porte do interior paulista, considerada uma região economicamente importante para disseminar a
informação.
101
Mato Grosso – UFMT, Estados onde está localizado o Pantanal. No meu entender, esses
estudantes constituíam um stakeholder valioso para a visão de futuro da unidade.
Diversas outras ações foram desenvolvidas nesses dois anos, entre elas: 1) mídia
training para preparar os pesquisadores da unidade para atender a imprensa; 2) criação de um
banco de dados inteligente com todos os jornalistas contatados17
; 3) ampla avaliação dos
resultados do projeto (incluindo clipagem, duas pesquisas nacionais de opinião e auditoria de
imagem na mídia); 4) campanha interna para preparar os pesquisadores para um possível
aumento de demanda, por meio de um treinamento para administração do tempo; 5) visitas
dirigidas ao Pantanal; 6) acompanhamento científico do projeto (apresentei e debati resultados
preliminares em congressos nacional e internacional de comunicação); 7) tentativa de
sensibilização de um roteirista de TV para a produção de uma peça ficcional que abordasse a
região pela perspectiva histórica; 8) transferência de tecnologias que permitem manter a
sustentabilidade da pecuária nas fazendas pantaneiras, por meio de palestras, dias de campo,
participação em semanas acadêmicas de ciências agrárias e em feiras e exposições
agropecuárias; 9) articulação com outros grupos que defendem o ideal e a prática da pecuária
sustentável.
Influenciada pela abordagem relacional da comunicação e decidida a promover uma
aproximação diferenciada entre a organização e aquele público, priorizei a comunicação face
a face para os contatos com os jornalistas, com alternância do espaço de diálogo: ora os
encontros presenciais ocorreram em grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, ora
em Corumbá e no meio do Pantanal. Essa imersão dos interlocutores na planície pantaneira
me leva a crer que o ambiente, enquanto espaço com função mediadora, pode ter
condicionado os relacionamentos construídos, discussão que será travada no capítulo 7.
Apesar de o projeto ter se desenvolvido em diversas frentes, o estudo de caso vai se
concentrar nas ações que envolveram a construção de relacionamentos com os jornalistas. O
primeiro passo foi selecionar os veículos/programas que seriam contatados: cinco na capital
do Rio de Janeiro, 12 na capital paulista, dois no interior de São Paulo e um em Campo
Grande (MS).
Depois de solicitar à Secretaria de Comunicação da Embrapa uma indicação de
jornalistas das redações escolhidas, fiz os primeiros contatos com eles de forma mediada,
17
Diferente dos mailings tradicionais, que contêm apenas os contatos dos jornalistas e dos veículos e se
desatualizam com muita rapidez, esse banco de dados segue proposta concebida por Bueno (2008, 2009a) e
reúne informações a respeito do perfil dos profissionais de imprensa, suas formações, preferências, habilidades,
interesses, hobbies e receios. Ao final do projeto, compartilhei o banco com todos os NCOs parceiros da
iniciativa e com a Coordenadoria de Jornalismo da Secom.
102
utilizando telefone e correio eletrônico para descobrir quem seriam os interlocutores
adequados para agendar as visitas. O e-mail reproduzido abaixo demonstra exatamente como
foi o primeiro contato com a redação do jornal O Globo:
Boa tarde Ana Lúcia, Roberta e Renato,
Tudo bem? Conversei com o Renato por telefone no começo da tarde e estou
enviando este e-mail para tentar agendar um contato pessoal com vocês na
semana que vem.
Estamos com um projeto de divulgação das pesquisas desenvolvidas pela
Embrapa Pantanal, especialmente ligadas às editorias de ciência, economia e
meio ambiente.
O foco deste projeto é mostrar ao público brasileiro que a pecuária praticada
aqui no Pantanal de forma extensiva e tradicional vem ajudando a conservar o
bioma há quase 300 anos. Hoje ele é o ecossistema brasileiro mais
conservado, com 87% de sua vegetação nativa intacta. Mas estamos
preocupados porque as terras têm sido herdadas ou vendidas e as tecnologias
que os novos proprietários tentam implantar não respeitam as características
do Pantanal (especialmente o ciclo de cheia e de seca). [...] Na área
econômica, essa pauta tem a ver com a produção de carne orgânica. Temos
pesquisa de consumo que mostra como anda a procura por este produto nos
principais centros do país, incluindo o Rio...
Bem... essa é apenas uma das sugestões de pautas. Temos muitos outros temas
para oferecer e por isso gostaríamos de encontrá-los.
Aguardo um contato para, se possível, marcarmos um horário.
Obrigada pela atenção,
Ana Maio. (MAIO, 2010).
Optei por visitar as redações do Rio de Janeiro e São Paulo em 2010 e 2011,
respectivamente. Na primeira viagem, convidei a jornalista Kadijah Suleiman Jaghub, que na
época atuava na Embrapa Agropecuária Oeste – atualmente trabalha em Campo Grande, na
Embrapa Gado de Corte. Nas visitas a São Paulo, me acompanhou a jornalista Adriana
Brandão, que trabalhou cerca de dois anos na Embrapa Gado de Corte e depois foi transferida
para a Embrapa Caprinos e Ovinos, em Sobral (CE). O objetivo de visitar as redações em
dupla era a otimização do trabalho. Havia, inicialmente, uma visita prevista a redações no
interior de São Paulo, que precisou ser cancelada devido à necessidade de economizar
recursos.
Em setembro de 2010, Kadijah e eu estivemos no Rio para a primeira fase da
comunicação face a face18
. Preparei uma série de sugestões de pautas ligadas ao trabalho dos
18
Os contatos nessa primeira viagem foram feitos com Luciene Braga (editora de economia do jornal O Dia);
Clóvis Saint-Clair (editor de economia do jornal Extra); Nelma Esteves (produtora de jornalismo regional da
Globonews-Rio); Vanda Viveiro de Castro e Francesca Terranova (chefe de produção e produtora do Globo
Repórter, respectivamente); e Ana Lúcia Azevedo (editora de ciência do jornal O Globo). Todos os cargos
relacionados entre parênteses se referem às ocupações em 2010 e podem estar desatualizados. Luciene, por
103
cientistas da Embrapa Pantanal – Kadijah fez o mesmo em relação à sua unidade – e
conversamos com os jornalistas a respeito das possibilidades de matérias. Fomos muito bem
recebidas em todas as redações: alguns dedicaram mais tempo a nossa conversa e outros
demonstraram pressa, comportamento comum entre esses profissionais.
Como resultado prático dessa viagem, alguns jornalistas contatados se interessaram
pelas sugestões de pautas e produziram reportagens sobre as pesquisas científicas
desenvolvidas pela Embrapa no Pantanal. Foi o caso do programa Globo Repórter e do jornal
O Dia, que publicou três matérias no espaço Vida & Meio Ambiente no mesmo mês da visita.
Em maio de 2011, Adriana Brandão e eu desembarcamos em São Paulo para uma
agenda bastante apertada de visitas19
. Alguns contatos não estavam previamente marcados,
como o Portal R7 e a revista Galileu, mas os interlocutores de veículos do mesmo grupo
empresarial – no caso, a TV Record e a Editora Globo – gentilmente se ofereceram a nos
levar até eles, ampliando para 14 o número de veículos contatados na capital paulista. No caso
da Folha de S.Paulo, como o primeiro contato presencial com a repórter já havia ocorrido no
ano anterior no Pantanal20
, a visita naturalmente excedeu o espaço da redação e estendeu-se
até o almoço em um restaurante próximo do jornal.
A partir das visitas às capitais que renderam contatos presenciais com 25 jornalistas,
sugeri ao comitê gestor do projeto – formado pela equipe de comunicadores da Embrapa
Pantanal e por uma pesquisadora envolvida com a área de transferência de tecnologias – que
os veículos convidados a visitar o Pantanal deveriam ser: jornais Valor, O Globo, Folha de
S.Paulo, revista IstoÉ Dinheiro, o site Rural Centro (Campo Grande-MS), além dos jornais A
Cidade (Ribeirão Preto-SP) e Diário (Marília-SP)21
.
exemplo, deixou a redação do jornal e em 2012 atuava na assessoria da Companhia de Desenvolvimento Urbano
do Porto do Rio, a Cdurp. 19
Estivemos pessoalmente com Reinaldo Lopes e Giuliana Maria Miranda Santos (ele, editor, e ela, repórter de
ciência da Folha de S.Paulo); Sérgio Lírio e Gerson Freitas Júnior (redator-chefe e repórter da revista Carta
Capital, respectivamente); Edvaldo Nunes (coordenador de pauta do Jornal da Record); Giselli Souza e Felipe
Maia (subeditora de economia e editor de Meio Ambiente do Portal R7); Fernando Lopes (editor de
agronegócios do jornal Valor); Alessandra di Palma (editora do programa Brasil Urgente, da Band TV); Priscilla
Santos (editora da revista Galileu); Rute Araújo e Juliana Ribeiro (editora e repórter da revista IstoÉ Dinheiro
Rural, respectivamente); Alexandre Mansur (editor-executivo da revista Época); Janice Kiss (editora da revista
Globo Rural); Lisiane Oliveira e Gustavo Casadio (editores executivos do portal Terra); Lilian Barros Ferreira
(repórter de ciência do portal UOL); Afra Balazina (repórter de ambiente do jornal O Estado de S.Paulo); e
Ricardo Westin (repórter da revista Veja). Todos os cargos relacionados entre parênteses se referem às
ocupações em 2011 e podem estar desatualizados. 20
Devido a uma necessidade de antecipação de agenda da Embrapa, a viagem ao Pantanal da repórter Giuliana
Miranda e do repórter fotográfico Adriano Vizoni, da Folha de S.Paulo, ocorreu em setembro de 2010, portanto,
antes da visita à redação. 21
A escolha dos veículos do interior paulista tentou suprir, em parte, o cancelamento da viagem para visitar as
redações daquela região. O site de Campo Grande foi convidado devido ao interesse do jornalista responsável e
facilidade de acesso, o que também reduziu os custos com a viagem.
104
No total, 12 jornalistas e repórteres fotográficos participaram da imersão no Pantanal,
sendo que dois deles foram contatados pessoalmente em São Paulo: o editor de agronegócios
do Valor, antes da viagem ao Mato Grosso do Sul, e a repórter da Folha, após a imersão. As
visitas dirigidas incluíram várias fazendas, entre elas a Nhumirim, campo experimental da
Embrapa Pantanal.
Também em 2010 e 2011, 56 estudantes do curso de comunicação social da UFMS e
da UFMT visitaram fazendas do Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense. No Mato
Grosso, a atividade foi viabilizada por meio de uma parceria com a Acrimat – Associação dos
Criadores de Mato Grosso. O objetivo foi apresentar aos futuros jornalistas, formados na
região, a sustentabilidade da pecuária pantaneira e, a partir do contato face a face, criar
relacionamentos que pudessem ter continuidade por meio da mediação técnica22
. As figuras 3,
4, 5 e 6 ilustram momentos dessas visitas.
De fato, alguns alunos, especialmente do Mato Grosso do Sul, continuaram me
enviando e-mails e mantendo contato por meio da rede social Facebook. Chegaram a me
convidar para a festa de formatura da turma, em março de 2011, da qual participei,
estabelecendo um segundo momento de contato presencial. Outros alunos, depois de
formados, escreveram e-mails contando sobre suas primeiras experiências profissionais.
FIGURA 3. Equipe do Valor entrevista o pecuarista Leonardo de Barros, 201123
Fonte: Embrapa Pantanal/Foto: Raquel Brunelli
22
Detalhes da experiência com os estudantes podem ser obtidos em Maio e Soares (2010) e Maio (2011). 23
Proprietário da fazenda Rancharia, situada no Pantanal sul-mato-grossense.
105
FIGURA 4. Sidnei Quartier, do jornal A Cidade, durante a imersão no Pantanal, 2011
Fonte: Embrapa Pantanal/Foto: Weber Sian/A Cidade
FIGURA 5. Grupo de alunos da UFMS em imersão na fazenda Nhumirim, 2011
Fonte: Embrapa Pantanal
FIGURA 6. Grupo de alunos da UFMT em imersão no Pantanal Norte, 2011
Fonte: Embrapa Pantanal
106
O contato face a face com os jornalistas que se deslocaram até Corumbá, e de lá
seguiram para uma ou mais fazendas do Pantanal, proporcionou a ocorrência de vários
fenômenos elencados pelos teóricos no capítulo 1. A cena comunicacional, abordada por
Marcondes Filho (2010), foi um dos aspectos marcantes durante a imersão por envolver um
cenário diferenciado como o Pantanal; as deixas simbólicas, de Thompson (2008), puderam
ser intercambiadas e observadas conforme as conversas (e silêncios) se desenvolviam,
contribuindo para regular o diálogo; o acesso ao mundo físico, tratado por Berger (2005),
permitiu que os jornalistas convidados se informassem sobre a realidade imediata, sem
intermediações; a capacidade de se relacionar com o outro, preconizada por Wolton (2006),
foi estimulada com a experiência; a intimidade e os laços humanos se fortaleceram, ao menos
durante o período de interação face a face, conforme o pensamento de Bauman (2011); fez-se
o relacionamento do Nós, com as partes tomando consciência mútua, segundo Schutz
(1979a).
Atendendo a um pedido meu, alguns jornalistas enviaram, por e-mail, depoimentos
relatando suas percepções sobre as diferenças entre produzir matérias por meios mediados e
face a face, especificamente no ambiente do Pantanal. Como a discussão que envolve o papel
mediador do espaço físico ficou reservada para o capítulo 7, o conteúdo será descrito
oportunamente.
Antes de avaliar o desdobramento dos relacionamentos planejados pelo projeto, vou
expor outra experiência envolvendo a comunicação face a face, ocorrida na mesma época, por
ser bastante semelhante aos contatos relatados acima. A iniciativa, dessa vez, partiu da
produção do programa Globo Rural, da TV Globo. O jornalista Maurino Marques, produtor
do programa em São Paulo, entrou em contato mediado comigo em novembro de 2011,
solicitando informações para uma reportagem sobre o rio Paraguai que ele estava planejando
– na ocasião, organizava o roteiro e definia as pautas. Ele também trocou e-mails com a
jornalista Raquel Brunelli, da Embrapa Pantanal, com alguns pesquisadores e com a chefia da
unidade.
Segundo Maurino, a intenção da equipe do programa era percorrer o rio, das nascentes
até a foz, revelando aspectos históricos, ambientais, hidrográficos, econômicos, turísticos e
até artísticos. Foram dois anos e meio de gravações e um complexo trabalho de produção e
edição, exibido em cinco capítulos entre julho e agosto de 2014. A comunicação face a face
entre Maurino e vários funcionários da Embrapa Pantanal ocorreu no início de 2012, quando
ele esteve em Corumbá a trabalho. Naquele ano, a equipe do programa – incluindo os
107
repórteres José Hamilton Ribeiro e Eunice Ramos – manteve outros encontros presenciais
com nossos pesquisadores.
Meu último contato mediado com Maurino havia ocorrido em março de 2012, logo
após o início do meu afastamento da Embrapa para a pós-graduação. Trinta meses depois, ele
voltou a entrar em contato mediado para compartilhar comigo o agradecimento que havia
enviado à organização:
Prezada Dra. Emiko [Resende, chefe da unidade] e equipe de pesquisadores da
Embrapa,
Chegamos ao final do trabalho sobre o Rio Paraguai. Foram 5 capítulos (o
último entra neste domingo). Neles, a editoria do programa tentou colocar toda
a riqueza de informações que os repórteres José Hamilton Ribeiro e Eunice
Ramos encontraram no longo caminho que percorreram. Foram 2 anos e meio
de gravações.
Tenho a dizer que boa parte das informações que nos guiaram nesse projeto do
Globo Rural veio das conversas que as equipes tiveram com vocês, seja nas
gravações [face a face], por e-mail ou telefone. Todos nos atenderam muito
bem e, de alguma forma, ajudaram os repórteres a elucidar um pouco da vida
no Rio Paraguai. Todos aqui da equipe do Globo Rural agradecem a Embrapa
Pantanal por isto.
A lamentar, fica o fato de que guardamos muito do precioso material que
captamos, incluindo várias entrevistas feitas com vocês. As limitações do
espaço no programa, do tempo para cada história ou assunto e as decisões
editoriais nos obrigaram a deixar de fora parte das gravações. O mesmo
ocorreu com as entrevistas feitas com outras fontes das demais instituições que
nos ajudaram.
Ao final nos sobraram boas ideias para tentar aproveitar de outra forma o que
gravamos. Sem nenhuma promessa, vamos ver o que ainda poderemos utilizar
em algumas reportagens futuras.
Espero que compreendam os nossos métodos, certos ou errados, mas foi o que
permitiu que a gente colocasse no ar a série sobre o Rio Paraguai. Muito
obrigado e contem com o Globo Rural sempre que tiverem uma notícia para
divulgar, boa ou ruim. (MARQUES, 2014).
Seria imprudência garantir que o relacionamento entre a Embrapa Pantanal e o
programa Globo Rural obteve tal nível de reconhecimento e durabilidade se não tivessem
ocorrido os encontros face a face. Porém, é bastante provável que esses contatos presenciais
entre as duas equipes tenham contribuído para a construção dessa relação de respeito e
admiração mútua.
A partir desse caso, foi dado um passo importante para que o interlocutor assumisse o
protagonismo da construção conjunta dos rumos da organização: em 2014, Maurino Marques,
Fernando Lopes (Valor) e Giuliana Miranda (Folha) foram indicados como representantes do
108
público externo e convidados a participar do processo de avaliação das demandas da Embrapa
Pantanal durante a revisão do plano diretor da unidade.
De volta ao desenvolvimento de relacionamentos criados a partir do projeto, dos sete
veículos convidados para a imersão no Pantanal, três grandes jornais da região Sudeste
mantiveram contatos com o NCO nos anos de 2012, 2013 e 2014: O Globo, Valor e Folha de
S.Paulo. A revista Globo Rural, visitada no Rio, também voltou a procurar a organização
nesse período, de acordo com relatos da equipe de comunicação24
. As conversas com Maurino
Marques, da TV Globo, se estenderam até o início de 2015.
A discussão sobre a imersão no Pantanal será aprofundada no capítulo 7, entretanto, é
possível antecipar que ao menos dois fatores se mostram referenciais para distinguir os
contatos face a face nas grandes cidades e no Pantanal. O primeiro é que os diálogos nas
redações foram breves, duraram minutos ou, no máximo, poucas horas. Em Corumbá e nas
fazendas, as conversas presenciais se estenderam durante alguns dias e envolveram mais
pessoas. Ou seja, variáveis como a duração do encontro e o número de participantes da
interação influenciam na continuidade e, possivelmente, na qualidade dos relacionamentos.
O segundo é a mudança na cotidianidade dos jornalistas convidados que, ao
interromperem suas rotinas nas redações para dedicar um tempo à viagem, estabelecem um
“intervalo” potencialmente marcante. Um artigo escrito por mim avaliou algumas imersões:
Foi possível observar que o tempo, um “ativo” que o jornalista doa à empresa
em que atua – já que se permite ficar ligado 24 horas por dia ao trabalho – tem
um diferencial no Pantanal. Primeiro, porque ao aceitar ir para a fazenda ele
sabe que estará desconectado (e indisponível para a redação), o que pode
induzir a um relaxamento ou a um estresse. Segundo, porque o ritmo temporal
no bioma é desacelerado. Embora o dia tenha 24 horas em qualquer ponto do
planeta, no campo essas horas parecem se esticar. Sobra tempo para as
relações face a face, para o descanso, para a contemplação, para as refeições
bem servidas, para o sono tranquilo. Naquela cotidianidade, o jornalista
desenvolve outra relação com o tempo. (MAIO, 2014a, p. 13) 25
.
A articulação entre a duração dos contatos presenciais, o número de pessoas
envolvidas nas interações, a quebra na rotina de trabalho e o estabelecimento de uma nova
relação com o tempo fornece subsídios para caracterizar a comunicação face a face, ao menos
24
Meu afastamento temporário pode ter prejudicado esse monitoramento. E, conforme informado na seção 3, o
encerramento do projeto impôs a descontinuidade das ações planejadas de fomento aos relacionamentos. 25
É importante informar que no período das imersões no Pantanal, a fazenda da Embrapa não dispunha de
conexão à internet e o sistema de telefonia era bastante precário, impondo acentuado isolamento. O acesso à rede
na fazenda Nhumirim foi disponibilizado a partir do segundo semestre de 2012.
109
nas condições em que ela se desenvolveu neste estudo de caso. Notei ainda que em um
ambiente como o Pantanal, o processo de midiatização – e seus efeitos – parece se
desenvolver também de forma mais lenta e menos invasiva, porém, igualmente irreversível.
Considero necessário, a partir do capítulo seguinte, direcionar a investigação para o
conceito de relacionamento; ele será avaliado à luz de correntes teóricas que posicionam a
comunicação como prática menos interessada na transmissão de conteúdos e mais preocupada
em estabelecer vínculos entre pessoas, grupos ou organizações. O capítulo 4 marca o início da
validação das hipóteses.
110
111
Capítulo IV – A COMUNICAÇÃO ENQUANTO
RELACIONAMENTO
A validação da primeira hipótese proposta nesta tese (quando adotada de forma
planejada, a comunicação face a face permite que as organizações construam e
aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse) passa, necessariamente, pela
discussão do conceito de relacionamento no âmbito do bios virtual. Há que se providenciar a
atualização conceitual, já que a noção de relacionamento incorpora, hoje, elementos
sociológicos típicos da sociedade midiatizada. O primeiro passo em direção a esse
entendimento foi dado no capítulo 2, durante a fundamentação do paradigma relacional.
A escolha paradigmática envolve, neste estudo, uma curiosa conjunção capaz de
agregar pensamentos aparentemente distintos – e ao mesmo tempo tão próximos – como os de
George Mead, Paulo Watzlawick, Erving Goffman, Alfred Schutz e outros. O principal
denominador comum entre esses teóricos é tratar a comunicação sob a perspectiva das
interações e relações sociais, portanto, conferindo inequívoca importância ao Outro e ao
contexto. As abordagens estabelecem conexões entre sujeitos e manifestações simbólicas
presentes na linguagem, no ambiente imediato e no comportamento dos indivíduos envolvidos
na interação – daí a relevância da comunicação mesmo entre estudiosos que não a elegem
diretamente como objeto de estudo.
George Mead, por exemplo, considerado o “pai do interacionismo”, não foi um teórico
da comunicação. Vera Veiga França (2008, p. 75) aponta que “a comunicação não constituiu a
preocupação central de Mead, mas o seu principal eixo explicativo”. Alguns dos principais
teóricos de Palo Alto, por sua vez, são provenientes de áreas do conhecimento tão diversas
como a antropologia, a psiquiatria, a matemática, a linguística ou a sociologia. O austríaco
Schutz formou-se em direito e ciências sociais, mas dedicou seus estudos à filosofia das
ciências sociais tão logo se mudou para os Estados Unidos, em 1939. Apesar dessa
diversidade, o universo da comunicação move esses teóricos que despontam nos Estados
Unidos quase simultaneamente.
Mead e seus seguidores começam a expor suas ideias (consideradas “alternativas” para
a época) entre os anos de 1920 e 1930, na Universidade de Chicago. A história do Colégio
Invisível – nome pelo qual ficou conhecido um grupo de estudiosos da Universidade de
Stanford, localizada na cidade de Palo Alto, na Califórnia (Figura 7) – “inicia-se em 1942,
112
impulsionada pelo antropólogo Gregory Bateson1, que se associa a Birdwhistell, Hall,
Goffman2, Watzlawick etc” (MATTELART; MATTELART, 2004, p. 67). Nessa mesma
época, Schutz produz seus estudos fenomenológicos na New School for Social Research,
instalada na cidade de Nova York.
O fato é que essas linhas de pensamento inovaram a forma de enxergar o processo
comunicativo naquela época e, não sem motivos, estão sendo retomadas por pesquisadores
contemporâneos. É bastante provável que o processo de midiatização justifique esse resgate: a
comunidade científica procura compreender o fenômeno da comunicação envolvida nas
relações sociais no cenário dominado pela liquidez.
FIGURA 7. Prédio central da Universidade de Stanford, em Palo Alto, 2014
Fonte: Arquivo pessoal
A validação da hipótese requer, ainda, profunda discussão a respeito do planejamento
e adoção dos encontros presenciais por organizações que objetivam construir, reforçar ou
manter relacionamentos com stakeholders. Mais do que simples ilustração da proposição
teórica, o conhecimento científico das experiências organizacionais torna-se emblemático
para a sistematização do papel da comunicação face a face no campo empresarial globalizado,
conectado, midiatizado.
1. Relacionamento: conceito em permanente construção 1 Biólogo, especialista em história natural, antropólogo, teórico da comunicação, da psiquiatria e da cibernética,
Bateson concebia os organismos em sólida relação com o meio ambiente. Ele via a comunicação humana como
um jogo em que é preciso interpretar de forma coerente o que é dito (comunicação digital) e a forma de dizer
(comunicação analógica). Sua obra destaca a comunicação não-verbal (MARCONDES FILHO, 2011). 2 A citação de Goffman por Mattelart e Mattelart (2004) merece um esclarecimento. Ora o pesquisador de
origem canadense é incluído no grupo dos interacionistas (p. 137), ora entre os representantes de Palo Alto (p.
67). Ao invés de confundir, essa dupla identificação pode indicar uma real aproximação entre as duas correntes
teóricas. A discussão sobre o posicionamento de Goffman será retomada posteriormente.
113
O ponto de partida para problematizar o conceito de relacionamento está em
definições prévias propostas por sociólogos e filósofos que estudaram a fundo questões da
sociabilidade. Um deles é Max Weber (2002, p. 45), para quem relação social é “a situação
em que duas ou mais pessoas estão empenhadas em uma conduta onde cada qual leva em
conta o comportamento da outra de uma maneira significativa, estando, portanto, orientada
nestes termos”. Levar em conta o comportamento do Outro pressupõe determinado grau de
atenção a esse indivíduo durante certo período – fundamento que aproxima as visões de
Weber e Schutz.
Definição na mesma linha é proposta por Habermas (1983a apud FERREIRA, 2011, p.
87), que utiliza o termo “relacionamento social” para se referir ao “comportamento dos
diversos atores, que é reciprocamente relacionado e orientado, em seu conteúdo e significado.
O conceito de relacionamento social levaria o sujeito social a ponderar sobre os seus
interesses e os dos demais sujeitos”. Nesse caso, há interesses outros na construção do
relacionamento que extrapolam a instância pessoal, e eles estão devidamente justificados pela
inclusão do “social” para qualificar o tipo de relação. Há que se atentar, no entanto, para a
orientação recíproca observada por Habermas, isto é, a noção de mutualidade o ajuda a
descrever o fenômeno.
Outra questão discutida por Habermas está vinculada à continuidade dos
relacionamentos. Ao abordar a interação como sistema, teóricos de Palo Alto defendem que as
sequências de comunicação ocorrem durante um período de tempo, estabelecendo
determinado padrão. Relações duradouras, portanto, dependeriam de uma continuidade nos
contatos.
Já para Habermas (1983a), a cada contato, um acordo está sendo estabelecido,
ou seja, é um processo fluido e em contínua transformação. Acompanhar a
trajetória das mudanças é necessário para ajustar as estratégias e compreender
melhor, a cada contato, quem é o interlocutor, suas intenções, posição na rede
e prováveis reações. [...] A persistência em manter canais de diálogo é um
caminho que leva a revelar quem somos e quais as nossas reais intenções,
motivações e capacidade de nos reinventarmos. (FERREIRA, 2011, p. 230).
A ideia de relacionamento está naturalmente associada à durabilidade, à construção de
um processo de interação recíproca que se estenda durante determinado tempo, seja por meio
da repetição constante de padrões, seja pelas transformações recorrentes sugeridas por
Habermas. Nota-se, no entanto, que a continuidade ou interrupção de uma relação social está
114
condicionada a uma série de fatores, incluindo interesse, empatia, intimidade, motivação,
afinidade, conveniência, prazer, necessidade, coerção, respeito, curiosidade, ideologia, entre
outras.
Uma terceira contribuição é apresentada por Schutz, criador do conceito de
“relacionamento do Nós”, antecipado no capítulo 1. Para esse autor,
é somente dentro do relacionamento do Nós que posso vivenciar
concretamente você num determinado momento de sua vida. Vamos colocar
esses pontos em termos de uma fórmula: posso viver dentro dos seus
contextos de significado subjetivos somente na medida em que vivencio você
diretamente dentro de um relacionamento do Nós atualizado e dotado de
conteúdo. (SCHUTZ, 1979a, p. 183-184).
Para o pensador, o relacionamento se concretiza a partir do momento em que os
interlocutores captam as experiências vividas pelo Outro, por meio da presença corporal e dos
sinais que o corpo revela da consciência alheia. “Envelhecer juntos” é uma prática possível se
as experiências compartilhadas forem simultâneas. Outra observação bastante original desse
autor é sua convicção de que o relacionamento só pode ser percebido reflexivamente a partir
do momento em que o contato presencial é suspenso.
Quando você e eu estamos imediatamente envolvidos um com o outro, toda
experiência é colorida por esse envolvimento. Na medida em que vamos
pensar sobre as experiências que temos em conjunto, aí temos que nos
distanciar um do outro. Se vamos focalizar nossa atenção no relacionamento
do Nós, temos que parar de focalizá-la um no outro. Mas isso significa sair do
relacionamento face a face, porque somente nesse último é que vivemos
dentro do Nós. (SCHUTZ, 1979a, p. 184, grifo do autor).
Portanto, as proposições de Schutz invocam a necessidade de o relacionamento
transcender o simples contato e emergir na consciência dos participantes, manifestar-se
subjetivamente enquanto relação. Em todas as definições apresentadas, a questão da alteridade
adquire caráter decisivo. Não resta dúvida de que relacionamento exige atenção entre as
partes e conhecimento dos contextos onde a interação se desenvolve. Esse contexto, por sua
vez, não se restringe ao ambiente físico, pois incorpora também matizes histórico-culturais
que possam estar envolvidas nos relacionamentos, sejam eles conjugais, familiares,
organizacionais ou sociais. Essa última característica acrescenta um elemento novo à
construção conceitual, já que mudanças contextuais podem implicar transformações na
concepção e na forma de se relacionar.
115
Há poucas décadas, por exemplo, a expressão “relacionamento virtual” mostrava-se
distante da cotidianidade e da análise acadêmica. Trata-se, na modernidade líquida, de uma
prática comum cujas especificidades os cientistas ainda procuram entender com exatidão.
Bauman (2011) é um dos estudiosos que questionam se o padrão de conectividade que
permite interações sociais praticamente ininterruptas traz algum tipo de vantagem pessoal.
“As relações virtuais contam com teclas de „excluir‟ e „remover spams‟ que protegem contra
as consequências inconvenientes (e principalmente consumidoras de tempo) da interação mais
profunda” (BAUMAN, 2011, p. 23).
Retomando o conceito de virtual trabalhado no primeiro capítulo, os relacionamentos
virtuais seriam aqueles que precedem os relacionamentos atuais, ou seja, apresentam
potencialidade de vir a ser. Ainda não são, e justamente por ainda não serem, estariam
fortemente vinculados ao imaginário dos envolvidos, ao universo das sensações estimuladas –
e equidistantes do relacionamento do Nós, atualizado, concreto e consciente de Schutz. O
contato virtual tende a se tornar um relacionamento, porém, nada garante que será efetivado.
De qualquer modo, a comunicação atua, no mínimo, como fio condutor para a criação
de relacionamentos e de vínculos entre interlocutores. Porém, pode representar algo mais. Na
próxima seção serão abordadas possíveis inter-relações entre os dois conceitos –
relacionamento e comunicação –, discussão que possibilita aprofundar o conhecimento
teórico-conceitual antes de analisar se as relações face a face estabelecidas nas organizações
contribuem ou não para essa finalidade.
1.1 Relacionamento e comunicação: identificando inter-relações
Qual é, no entanto, a relação entre comunicação e relacionamento? Pode-se dizer que
há interdependência entre os dois conceitos? Existe comunicação sem relacionamento ou
relacionamento sem comunicação? São termos equivalentes? A abordagem de Baxter e
Montgomery (1996 apud BERGER, 2005, p. 428, tradução nossa) coloca a comunicação
como origem dos relacionamentos. “A perspectiva dialética relacional postula que os
relacionamentos pessoais surgem através da comunicação, e mesmo que os parceiros de
relacionamentos pareçam ter a mesma visão, as perspectivas deles são necessariamente
diferentes; assim, a completa fusão entre eles pode não ocorrer”.
116
De acordo com as pesquisadoras norte-americanas3, as relações próximas encarnam
situações antagônicas, como a de interdependência e a de independência. Ou seja, estar em
comunicação ou estar se relacionando com não implica, necessariamente, aliança permanente
ou pensamento uníssono. Por meio das práticas comunicativas, os agentes sociais fazem
emergir as contradições que organizam suas relações.
Wolton também propõe algumas interligações entre os dois conceitos. O pensador
apregoa que “só a comunicação possibilita o gerenciamento dessa relação ambivalente entre
eu e o outro” (WOLTON, 2004, p. 56), ou seja, ele atribui à comunicação a possibilidade de
eventual articulação e controle sobre o relacionamento. A própria definição que esse
estudioso concebe de comunicação envolve a noção de relacionamento: “a comunicação é o
aprendizado da convivência num mundo de informações onde a questão da alteridade é
central” (WOLTON, 2010, p. 88). Aqui, a ideia de relacionamento subjaz à questão do Outro:
saber se relacionar é pré-requisito para aprender a comunicar.
Para George Mead, conforme visto anteriormente, a comunicação configura-se como o
eixo explicativo das interações sociais, que, potencialmente, podem vir a se transformar em
relacionamentos. Estudiosa da obra de Mead, França, V. (2008, p. 75) pontua que
é a comunicação que permite a superação dos dualismos contra os quais ele
[Mead] se batia: indivíduo/sociedade, interior/exterior, mente/conduta. Assim
é que as palavras “comunicação”, “processo comunicativo”, “linguagem” são
repetidas reiteradamente ao longo dos vários capítulos de seu livro, o que nos
permite e nos incita a explorar o uso e a natureza desse conceito para o autor.
Ainda segundo a autora, Mead presume existir comunicação “quando os gestos se
tornam símbolos, quando eles fazem parte de uma linguagem e trazem um sentido partilhado
por todos os indivíduos envolvidos na ação” (FRANÇA, V., 2008, p. 76). A comunicação
seria, assim, elemento básico para que sujeitos em interação obtenham sintonia para fins de
compreensão mútua durante o processo interativo.
Para decifrar melhor essa inter-relação é crucial conhecer o conceito de “ato social”
utilizado pelo pensador americano. De acordo com Mead (1973, p. 55, tradução nossa), o ato
social pode ser entendido como “um todo dinâmico – como algo que está acontecendo –, do
qual nenhuma parte pode ser considerada ou entendida em si mesma – como um complexo
processo orgânico que está implícito em cada estímulo particular e em cada reação individual
3 Em 2014, Leslie Baxter atuava como professora da University of Iowa e Barbara M. Montgomery era decana
da Millersville University.
117
envolvidos nele”.
O ato social não equivale aos conceitos de relacionamento já estudados, mas
aproxima-se sobremaneira da ideia de uma cena conversacional, já que é nesse ato que
estímulos e respostas serão intercambiados a partir de um mecanismo de significação. A
comunicação subsidia e explica esse processo, que permite a interação entre humanos a partir
do uso de símbolos.
Além das inter-relações de origem, explicação, articulação e controle entre os dois
conceitos, há uma corrente teórica que justapõe comunicação e relacionamento, fundindo-os
de forma bastante sólida. Para os estudiosos de Palo Alto, a inter-relação existente entre os
dois conceitos ganha o status de razão de ser: o relacionamento é encarado como propósito da
comunicação. É hora de desvendar o que eles denominam metacomunicação.
2. Comunicar para relacionar
Para entender o conceito de metacomunicação é preciso, antes, conhecer um pouco
sobre a linha de pensamento dos teóricos do Colégio Invisível. Essa corrente adota cinco
axiomas conjeturais da comunicação, ou seja, se um deles falhar, a comunicação pode não se
concretizar: 1) é impossível não comunicar; 2) toda a comunicação tem um aspecto de
conteúdo e um aspecto de relação (metacomunicação); 3) a natureza de uma relação está na
contingência da pontuação das sequências comunicacionais entre os comunicantes
(observando a sucessão de mensagens é possível deduzir uma lógica da comunicação); 4) os
seres humanos comunicam de forma digital e analógica (ou verbal e não-verbal); 5) todas as
trocas comunicacionais são simétricas (relações baseadas na igualdade e minimização das
diferenças) ou complementares (relações entre diferentes, no sentido de hierarquia social)
(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007).
Boa parte do pensamento que fundamenta a teoria se encontra no livro Pragmática da
Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação,
publicado em 1967 por Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson, do
Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto. Dizem eles que “desde esta perspectiva da
pragmática, todo o comportamento, não só a fala, é comunicação; e toda a comunicação –
mesmo as pistas comunicacionais num contexto impessoal – afeta o comportamento”
118
(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 19)4.
Embora as concepções desse grupo subsidiem a essência deste capítulo, é preciso
esclarecer que o axioma “Não se pode não comunicar” revela-se incoadunável com o
entendimento de comunicação adotado por esta tese. Seria adequada a substituição do verbo
“comunicar” pelo “sinalizar”, conforme explica Marcondes Filho (2010, p. 15, grifo do autor).
Todos somos, em princípio, emissores. O tempo todo estamos emitindo sinais.
Os pesquisadores da Faculdade Invisível, em torno de Gregory Bateson,
chamam isso de comunicar, “tudo comunica, não dá para não comunicar”,
quando, mais apropriado – diríamos nós – seria dizer que tudo sinaliza, não dá
para não sinalizar. Comportar-se é sinalizar; se eles dizem que comunicação,
assim como comportamento, não tem negativo, dizemos nós que o sinalizar
não possui negativo: não dá para não sinalizar.
O principal argumento de Marcondes Filho é que a comunicação se concretiza a partir
de uma decisão do receptor, e não do emissor. Os sinais disponibilizados o tempo todo em
todos os lugares podem se converter em informação a partir do momento em que recebem a
atenção do receptor; e potencialmente se transformam em comunicação se o outro percebe,
entende e reage ao que foi informado.
Ainda no cerne desse dilema, Watzlawick e Marcondes Filho divergem em relação à
intencionalidade da comunicação. Em entrevista concedida a Carol Wilder (1978),
Watzlawick explica que a comunicação pode ocorrer mesmo em “uma total ausência de
intencionalidade”. Para esse estudioso, ela não se concretiza em apenas uma situação: se não
houver pelo menos outra pessoa atuando como interlocutora5.
Para o pesquisador brasileiro, no entanto, a aceitação da comunicação sem intenções
deve ser vista com ressalvas, pois “mesmo negando que se queira comunicar, do ponto de
vista do inconsciente, há intenções, mesmo na postura, no silêncio e no não-comunicar”
(MARCONDES FILHO, 2011, p. 112). Essa dissonância é o único senão que esta pesquisa
atribui ao pensamento de Palo Alto, o que não compromete a adoção das outras quatro
premissas.
O axioma a seguir define metacomunicação: “Toda a comunicação tem um aspecto
de conteúdo e um aspecto de comunicação tais que o segundo classifica o primeiro e é,
portanto, uma metacomunicação”. Para chegar a essa proposição, os autores se basearam nas
4 Pragmática deve ser entendida como efeitos comportamentais da comunicação. No próximo capítulo será
observado que as chamadas “pistas comunicacionais” de Palo Alto correspondem às “deixas simbólicas” de
Thompson (2008) e aos “signos” de Schutz (1979b). 5 Como exemplo, Watzlawick questiona: “a árvore que cai na floresta faz barulho se ninguém estiver lá para
ouvir?” (WILDER, 1978, p. 42, tradução nossa).
119
noções de “relato” e “comando” apresentadas por Bateson (1951)6. Eles entendem que a
comunicação tem o poder de definir a relação, ou seja, ela não apenas transmite um conteúdo
(relato) como impõe um comportamento (ordem).
Interpretando a pragmática, Marcondes Filho (2010, p. 290) acrescenta que as relações
representam o “verdadeiro princípio organizador do diálogo. As relações passam cólera,
delicadeza, agressividade, afeto porque nelas estão embutidos certos direitos, privilégios,
posições e hierarquias; é nelas que se assentam as competições, as disputas de poder”. A
observação do professor é válida para quaisquer tipos de relacionamentos, porém, pode se
mostrar especialmente significativa na instância da comunicação organizacional, onde
hierarquia, direitos e disputas de poder determinam os rumos da metacomunicação e, por
vezes, do próprio negócio.
Encaixa-se aqui uma reflexão a respeito dessa disputa de poder propiciada pela
construção de relacionamentos pelas organizações. Há determinado consenso de que as
empresas procuram relações harmônicas para legitimar suas posições no mercado. Porém,
nem toda organização segue essa conduta. Para algumas interessa expor o conflito, o
confronto e o desequilíbrio nas relações de poder, conforme pode ser observado em
organizações criminosas, terroristas e mesmo em movimentos sociais fundamentados no
embate político ou ideológico. Fonseca Júnior (2005) defende que a comunicação
organizacional compreenda a dinâmica de organizações criminosas levando-se em
consideração alguns avanços passíveis de serem apreendidos a partir de tais experiências.
“Enquanto o interesse pelas organizações criminosas, sob o aspecto ético, está associado a
práticas nada confiáveis, no âmbito da epistemologia e da ontologia esse interesse pode
representar a oxigenação da Comunicação Organizacional” (FONSECA JÚNIOR, 2005).
Verifica-se, na atualidade, a intensa utilização de tecnologias de informação por
organizações criminosas, como as brasileiras PCC (Primeiro Comando da Capital) e
Comando Vermelho, ligadas ao universo carcerário, bem como por organizações terroristas
baseadas em outros continentes, como a Al-Qaeda, Estado Islâmico e Boko Haram. Vídeos
com cenas de violência explícita preparados pelos integrantes desses grupos têm sido
distribuídos pela internet e são reproduzidos frequentemente por emissoras de televisão, com
cortes. As tecnologias tiram essas organizações do anonimato em pouco tempo. No entanto,
as estratégias de comunicação face a face dessas organizações ainda são pouco exploradas
6 Nesse texto, Bateson afirma que toda mensagem em trânsito tem dois tipos de significado: ela é uma declaração
ou relato sobre o que ocorreu antes e, ao mesmo tempo, é uma ordem, comando ou estímulo para o que vai
ocorrer posteriormente.
120
midiatica e cientificamente.
No caso do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que investe em
veículos próprios de comunicação por considerar pouco democrática a mídia brasileira, há
relatos de situações de comunicação face a face, especialmente quando o interesse é ampliar o
quadro de participantes e formatar uma política de boa vizinhança com o entorno dos
acampamentos.
A comunicação é encarada pela organização como um instrumento para a
formação de quadros políticos e a conquista de suas reivindicações. No
documento Por uma política de Comunicação do MST, formulado em março
de 1995, fica clara essa preocupação. No texto, é sugerida a criação de um
coletivo que trate do assunto, define-se que a relação com os meios de
comunicação seria feita por alguns dos dirigentes mais capacitados e orienta-
se que todos mantenham bons contatos com jornalistas, além de indicar a
produção de materiais de qualidade para serem divulgados. (FONSECA, 2006,
p. 10).
Assim como outras empresas, o movimento social elabora sua política de comunicação
e, também por isso, as estratégias adotadas não devem ser ignoradas pelas pesquisas de
comunicação organizacional. Isabel Costa da Fonseca (2006) observa que os acampamentos
construídos com barracas de lona funcionam como espaço de estímulo aos laços de
solidariedade e troca comunicativa. A articulação em rede, nessa organização, valoriza
também os contatos presenciais: “agenda-se reuniões com as famílias em suas casas e em
„espaços públicos‟ das comunidades, forma-se grupos de sem terra para uma ocupação,
realiza-se assembleias, organiza-se encontros regionais e assim por diante” (FONSECA,
2006, p. 13-14).
Embora o enfrentamento se configure como diretriz do MST para expor sua luta em
favor da reforma agrária diante de uma conjuntura considerada desfavorável à organização,
percebe-se que alguns relacionamentos buscam a cordialidade também como mecanismo de
legitimação e desenvolvimento. Assim como quaisquer outras organizações, o grupo busca
constituir uma identidade por meio da utilização de recursos simbólicos.
Em alguns casos, organizações que planejam sua comunicação em ações de confronto
estão à procura da visibilidade proporcionada pela mídia. Atos violentos, como a decapitação
de cristãos ou o sequestro de adolescentes na África, são noticiados com grande destaque
pelas grandes corporações midiáticas. A ciência da comunicação já começa a questionar os
efeitos desse tipo de divulgação. De qualquer forma, ainda que os embates sejam a
121
formatação desejada para a autoapresentação de algumas organizações, sabe-se que com
alguns públicos específicos o relacionamento cultivado deverá ser amistoso ou, ao menos,
consensual.
Marcondes Filho (2011) reconhece que os pesquisadores de Palo Alto não chegaram a
aprofundar o debate sobre as relações de poder na metacomunicação, mas considera que
abriram caminho para essa discussão. “É esse plano – o das relações de poder, segundo nós –
que detém a posição dominante e que, em última análise, valida a comunicação”
(MARCONDES FILHO, 2011, p. 117).
Para os integrantes do Colégio Invisível, ao menos outros dois fatores interferem na
constituição dos relacionamentos: as manifestações não-verbais expressas durante o contato e
o contexto em que a comunicação ocorre. Atentam que o contexto sempre restringe a
comunicação, em maior ou menor grau, e incluem nesse caráter limitante a própria troca de
conteúdos. “Numa sequência comunicacional, toda e qualquer troca de mensagens restringe
o número dos possíveis movimentos seguintes” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON,
2007, p. 120, grifo dos autores).
Os três teóricos explicam que o termo metacomunicação tem origem na analogia com
a matemática, considerando que “a estrutura formal da matemática é um cálculo; e
metamatemática é esse cálculo expresso” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p.
36). O prefixo “meta” indica ir além, transcender o radical “comunicação”, sentido condizente
com a situação em que a ação comunicativa pretende o estabelecimento de relações através da
interação social.
Watzlawick, Beavin e Jackson (2007, p. 36, grifos dos autores) reforçam que a
metacomunicação se manifesta “quando deixamos de usar a comunicação para comunicar,
mas a empregamos para comunicar sobre comunicação, como inevitavelmente acontece na
pesquisa de comunicação, então recorremos a conceitualizações que não são parte da
comunicação, mas sobre esta”.
Considerando então o aspecto relacional da comunicação humana mais importante que
a troca de dados, os teóricos de Palo Alto oferecem contribuições metodológicas que ajudam a
caracterizar essa abordagem. Eles recomendam, por exemplo, que para entender “por que”
uma determinada relação existe, deve-se tentar averiguar “como” ela existe. A adaptação da
pergunta é um modo de identificar a natureza do relacionamento sob uma perspectiva que,
certamente, vai considerar elementos da comunicação na resposta.
122
Recorde-se que, em toda e qualquer comunicação, os participantes oferecem-
se mutuamente definições de suas relações ou, em termos mais categóricos,
cada um deles procura determinar a natureza da relação. Do mesmo modo,
cada um reage com a sua definição das relações, a qual pode confirmar,
rejeitar ou modificar a do outro. (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON,
2007, p. 121).
Sem o reconhecimento dessas definições mútuas, relacionamentos correm o risco de se
dissolver, já que eles carecem de regras para se tornarem estáveis. A perspectiva teórica
originada em Stanford assegura, assim, o princípio de que a comunicação traduz-se em
relacionamento. De fato, esse parece ser o propósito de organizações que investem em
projetos de comunicação face a face: construir relacionamentos sólidos, duradouros e de
qualidade com seus públicos. Em contrapartida, o que impediria que a finalidade de promover
esses relacionamentos fosse também para melhor comunicar?
3. Relacionar para comunicar
A adoção da comunicação face a face com foco nos relacionamentos corporativos foi
diagnosticada em pelo menos quatro trabalhos científicos: a pesquisa sobre o diálogo social
construído pela empresa concessionária de energia elétrica Ampla, no Rio de Janeiro; sobre a
oralidade na comunicação interna na Embrapa Soja, no Paraná; sobre redes sociais presenciais
promovidas pelo Grupo Randon, no Rio Grande do Sul; e no estudo de caso sobre o projeto
de comunicação organizacional desenvolvido pela Embrapa Pantanal, no Mato Grosso do Sul.
Mensurar a qualidade e intensidade de relacionamentos é uma tarefa árdua para a
prática da comunicação organizacional. Existem metodologias específicas para essa
finalidade, como a proposta por Linda Hon e James Grunig (1999)7. Esse levantamento não
foi aplicado nesta pesquisa, pois foge ao escopo teórico da tese. No entanto, uma breve
análise da metodologia proposta pelos dois pesquisadores norte-americanos permite verificar
alguns indicadores considerados na avaliação. Entre eles, estão os níveis de confiança,
controle mútuo, satisfação e comprometimento. Para definir a natureza das relações com os
stakeholders, os autores adotam duas classificações: relacionamento de troca (prevê
7 Trata-se de um método quantitativo, que envolve a aplicação de um questionário com 46 perguntas ao público
de interesse, de preferência, em mais de uma oportunidade. Galerani (2006) traduziu o questionário para o
português e explica o funcionamento da metodologia. Recentemente, Grunig propôs uma avaliação qualitativa
dos relacionamentos, com a aplicação de entrevistas em profundidade ou grupos focais. O ideal, segundo
Galerani (2006), é que as duas partes envolvidas no relacionamento sejam ouvidas.
123
benefícios ou recompensas entre os participantes) ou relacionamento comunal (a preocupação
central é o bem-estar do outro).
Para uma avaliação qualitativa dos relacionamentos planejados pelas organizações – e
sem a pretensão de obter os mesmos resultados previstos na aplicação criteriosa da
metodologia de Hon e Grunig – serão observados nas análises a seguir indícios ou relatos da
ocorrência de confiança, mútuo controle, comprometimento, satisfação e outros indicadores
que possam sinalizar qualidade e intensidade dos relacionamentos desenvolvidos na Ampla,
na Embrapa Pantanal, na Embrapa Soja e no Grupo Randon. O objetivo é verificar se a prática
da comunicação face a face instituída nessas empresas pode ter contribuído ou não para a
construção ou aprimoramento de relacionamentos de qualidade.
3.1 A vizinhança e a concessionária de energia
Conforme antecipado no capítulo 2, Ferreira (2011) desenvolveu sua tese sobre
diálogo social na concessionária Ampla para avaliar os resultados de um projeto de diálogo
social implantado pela organização para se comunicar/relacionar com a comunidade vizinha.
O pesquisador caracteriza teoricamente o diálogo social e avalia a adoção dessa prática pela
empresa.
De fato, a organização estabeleceu relacionamento com a comunidade do entorno,
ofereceu capacitação para os sujeitos envolvidos no diálogo social, manteve a prática
continuada dos encontros presenciais e, ainda assim, atendeu apenas parcialmente as
dimensões do diálogo social para o consenso. “Ela ainda está em um estágio anterior, o
diálogo participativo” (FERREIRA, 2011, p. 314).
Entre os aspectos responsáveis por esse resultado parcial estão a centralidade do
processo de mobilização comunitária e a propriedade do local dos encontros, decisões que,
segundo o estudioso, precisam ser revistas caso a empresa queira saltar para a condição do
diálogo para o consenso. A questão dos locais onde ocorrem as interações face a face será
debatida nesta tese, de forma mais profunda, no capítulo 7.
Uma das conclusões mais instigantes do estudo de Ferreira é que a prática da
comunicação face a face, através do método do diálogo social, provocou mudanças
significativas tanto na empresa como na comunidade. Conforme visto anteriormente, a Ampla
encarou um processo de abertura e conseguiu incorporar aspectos da cultura externa, enquanto
a comunidade vizinha passou a estabelecer expectativas e exigências diferenciadas em relação
aos agentes produtivos locais. Percebe-se, nesse caso, um indício de intensidade do
124
relacionamento, considerando que se o vínculo criado fosse frágil, dificilmente promoveria
tais mudanças de atitude. A alteração de comportamento representa, nas concepções de
Ferreira (2011) e Galerani (2006), uma das possibilidades de ganho da comunicação
organizacional.
O depoimento de uma liderança dos usuários envolvida no diálogo social obtido pelo
pesquisador aponta para a percepção de que “a relação com a Ampla melhorou bastante. Eu
não vou dizer que o serviço melhorou tanto assim, mas a relação da empresa com o usuário
melhorou. A empresa está mais flexível” (FERREIRA, 2011, p. 303). A satisfação do
consumidor se manifesta no depoimento, no momento em que ele declara a evolução positiva
do relacionamento.
O autor da tese afirma ainda que o início da relação foi conturbado, porém, aos
poucos, as duas partes reconstruíram o relacionamento a partir de mudanças (planejadas pela
organização) na forma de atuar e reagir. Parte dessas transformações pode ser explicada pela
citação abaixo, que, apesar de longa, resume boa parte do pensamento do investigador a
respeito das potencialidades do diálogo presencial (daí a opção por reproduzi-la na íntegra):
Na interação dialógica face a face, estabelecida no cotidiano da relação entre
os agentes sociais, são instituídos o relacionamento, o grau de confiança, de
reciprocidade, as assimetrias e as complementaridades. Isto se dá pelo fato de
uma organização poder ser definida como um sistema de interações endógenas
e exógenas. Portanto, deveríamos fazer uma retomada da interação, por parte
das teorias da comunicação. Parte significativa do pensamento sobre interação
está atrelada à relação entre indivíduos. A relação entre uma pessoa jurídica e
uma pessoa física é pouco tratada. Todavia, o cruzamento do debate teórico
entre interação e reputação nos levou a considerar a comunicação como um
processo de interação dialógica com os stakeholders, em um sistema pautado
pela transparência e a ética. É um sistema permeado por conflitos,
significados, consonâncias e dissonâncias. A interação dialógica é um
processo de comunicação interpessoal no qual os agentes sociais
compartilham significados, mantêm, adquirem, mudam ou excluem valores
que constituem ou não a realidade (objetiva e subjetiva) em que vivem. Na
perspectiva organizacional, a interação é uma forma de resolver conflitos e
estabelecer canais de diálogo que equalizem as expectativas dos públicos de
interesse e as dela. A interação comunicativa trata do conteúdo e da relação –
comunicação e metacomunicação, respectivamente. Portanto, ao proferir um
discurso, o agente social está trabalhando o conteúdo em si e a relação com os
interlocutores. Quanto mais saudável for a relação, menos tempo será
destinado ao confronto relacional. Tais relações são duradouras porque estão
em constante desenvolvimento e constroem uma história compartilhada. A
continuidade e a consistência da relação são fundamentais. (FERREIRA,
2011, p. 319-320).
125
A questão da confiança é profundamente discutida no estudo. Para o autor, “o conceito
de confiança passa pela necessidade de conhecer o outro e se dar a conhecer e reconhecer os
atributos positivos da identidade da organização (o que ela realmente é)” (FERREIRA, 2011,
p. 191). Novamente, depoimentos colhidos na pesquisa com a Ampla permitem averiguar a
ocorrência desse fenômeno envolvendo a organização, começando pela perspectiva de um
diretor: “a relação deles [clientes] com a empresa ficou menos distante e de mais confiança. A
gente ainda tem muito problema. São problemas de qualidade, de faturamento, de conta
errada, mas ele confia mais” (FERREIRA, 2011, p. 290, grifos nossos).
Do ponto de vista de um líder social, representante dos usuários da concessionária, a
confiança aparece subentendida no relato sobre a melhoria do relacionamento:
Hoje eu entendo a posição da Ampla. É um diálogo porque eles ouvem as
nossas críticas. Eu costumo dizer que tudo que é bom tem uma coisa que é
falha. [...] Existem falhas? Existem falhas, mas as falhas que eu vejo são
coisas pequenas. As coisas positivas que eu vejo são mais aproveitáveis. Tem
muito mais ganhos do que perdas [...]. (informação verbal) [de uma liderança
social pesquisada]. (FERREIRA, 2011, p. 288).
Ao instituir o programa de diálogo social com a comunidade do entorno, a Ampla
introduziu uma estratégia de comunicação que implica, igualmente, cuidado com o
relacionamento. A empresa se dispôs a ouvir esse stakeholder e o estudo da USP indica
avanços nas relações. Embora não seja possível afirmar categoricamente que os
relacionamentos construídos a partir dos contatos face a face refletem um alto nível de
qualidade, as conclusões do autor e depoimentos apresentados permitem inferir que não se
trata de relações superficiais.
As comunidades estudadas por Ferreira8 constituem um importante público externo
com o qual a empresa decidiu se relacionar. Assim como os habitantes do entorno, outros
grupos configuram-se como relevantes, seja para legitimar a reputação organizacional, seja
para ampliar seus negócios (e lucros). A proximidade física é uma variável condicionante para
a pesquisa que ele desenvolveu, entretanto, nem sempre o público de interesse se encontra tão
acessível geograficamente.
O fato é que, esteja ele perto ou longe, “[...] as organizações geralmente tomam
decisões melhores quando ouvem e colaboram com seus stakeholders, antes de tomar
decisões finais, em vez de simplesmente tentar persuadi-los a aceitar os objetivos
8 A pesquisa foi desenvolvida em cinco cidades do Rio de Janeiro.
126
organizacionais depois que as decisões são tomadas” (HON; GRUNIG, 1999, p. 8, tradução
nossa)9.
3.2 Do virtual ao atual: reflexões sobre os visitantes no Pantanal
O trabalho desta autora na Embrapa e o desenvolvimento do estudo de caso
apresentado no capítulo 3 permitem observar que o processo de escuta de stakeholders
externos é prática sistemática de gestão da organização. Ao menos em duas ocasiões ele é
marcante: quando a empresa atualiza seu plano diretor – ação que ocorre, geralmente, a cada
quatro anos; e em intervalos menores, quando as unidades convocam reuniões de seus CAEs
(Comitê Assessor Externo), formados por representantes de setores produtivos e/ou da
comunidade envolvida com a atividade-fim da empresa.
Nem sempre esses públicos vivem nas redondezas da organização, como no caso da
concessionária de energia. Ademais, os contatos podem exceder os dois processos descritos
acima e ocorrer durante a vigência de projetos, sejam eles de pesquisa, de transferência de
tecnologia ou mesmo de comunicação. Assim como na empresa Ampla, a aproximação da
Embrapa Pantanal com o público de interesse selecionado permitiu a construção planejada de
relacionamentos por meio da comunicação face a face.
A propósito, os contatos presenciais foram priorizados ainda durante a etapa de
planejamento do projeto Construção da Imagem da Pecuária Sustentável do Pantanal, em
2009. É pertinente detalhar esse processo, já que a etapa de preparação é determinante na
concepção da hipótese. Após a solicitação de divulgação do caráter sustentável da pecuária
pantaneira pelo então chefe de pesquisa, mencionada no capítulo anterior, e a constatação de
que a demanda seria compatível com a missão da Embrapa Pantanal, reuniões presenciais
ocorreram entre os membros do setor de comunicação para discutir estratégias e iniciar a
elaboração da proposta.
Encontros face a face chegaram a envolver também a equipe de pesquisadores
convidados a participar do projeto, para que eles conhecessem a ideia e contribuíssem com
sua formulação. Ainda durante a fase de planejamento, a Embrapa Pantanal providenciou uma
viagem da proponente para conversas face a face com possíveis parceiros no Mato Grosso do
9 Para essa afirmação, os autores dizem se basear na obra de Michael Porter, especialista em administração
estratégica da Escola de Negócios de Harvard.
127
Sul e no Mato Grosso, reuniões que se concretizaram também no segundo semestre de 2009 e
auxiliaram na elaboração da proposta10
.
Apesar de não ter ocorrido, durante o planejamento, uma consulta prévia aos
jornalistas que seriam contatados na fase de execução –, os veículos só foram definidos
posteriormente – a proposta buscou incorporar prováveis interesses desse público na
organização, na tentativa de contemplar o comprometimento mútuo. A Embrapa Pantanal se
empenharia em firmar relacionamentos mais sólidos com esse grupo e construir uma imagem
midiática positiva sobre a atividade econômica; os jornalistas – presumia-se – estariam
interessados em notícias (boas ou ruins) envolvendo o “santuário ecológico”.
O planejamento levou em conta as regras do Sistema Embrapa de Gestão, seguindo
rigorosamente os prazos e utilizando o modelo de projetos disponível, que prevê a
identificação da proposta e da proponente, descrição e estrutura, caracterização, equipe,
planos de ação, atividades e orçamento. Foram instituídos cinco planos de ação – gestão do
projeto, diagnóstico e monitoramento, estratégias para a mídia, comunicação para públicos
estratégicos e transferência de tecnologias. Para cada plano foram descritas as atividades
previstas, as equipes e instituições envolvidas, bem como os responsáveis pelos
acompanhamentos. Metas e resultados também foram estabelecidos durante o planejamento.
Após a aprovação do projeto pelas instâncias responsáveis, na sede da empresa, em
Brasília, a execução das atividades começou em março de 2010. Para esta tese, cabe detalhar
ações que contemplam a comunicação face a face e sua complementaridade com o uso de
tecnologias. Elas envolvem, basicamente, contatos com jornalistas da região Sudeste do Brasil
e com estudantes de comunicação da UFMS e UFMT.
É possível inferir que a ocorrência de um único contato presencial favorece o
estabelecimento de uma relação menos formal; entretanto, aparenta ser insuficiente para
instituir entre os atores a percepção de simultaneidade das correntes de consciência distintas,
isto é, o “envelhecer juntos” proposto por Schutz. Quando a duração desse encontro se
prolonga – como o registrado com os estudantes da UFMS e com as equipes de jornalistas,
que estiveram por mais de um dia na fazenda Nhumirim, as experiências fluem lado a lado
por mais tempo, permitindo a criação de uma “memória” visual e/ou afetiva entre os
interlocutores, reativada a cada novo contato.
10
Foram visitadas as duas universidades federais de MS e MT, a Acrimat (Associação dos Criadores de Mato
Grosso), a ABPO (Associação Brasileira de Pecuária Orgânica), a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária
de Mato Grosso do Sul), a WCS-Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre), a WWF-Brasil (World
Wildlife Fund, ou Fundo Mundial para a Natureza), a Secom/MT (Secretaria de Estado de Comunicação Social
do Governo de Mato Grosso), a Seprotur (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da
Indústria, do Comércio e do Turismo de Mato Grosso do Sul) e o Muhpan (Museu de História do Pantanal).
128
Desde a última vez que estivemos juntos, você teve experiências novas e as
viu de novos pontos de vista. Com cada mudança de experiência e abordagem,
você se tornou uma pessoa levemente diferente. Mas, de algum modo, não
consigo manter isso em mente enquanto faço minhas coisas diárias. Levo sua
imagem comigo e ela permanece a mesma. Mas aí, talvez, ouço dizer que você
mudou. Então passo a ver você como um contemporâneo – não um
contemporâneo qualquer, é verdade, mas um que já conheci intimamente.
(SCHUTZ, 1979a, p. 216).
Qualquer grau razoável dessa intimidade mencionada por Schutz dificilmente se
estabelece em um único contato face a face, seja nas redações, na sala de aula ou mesmo no
Pantanal. Entretanto, a presença física e a cena comunicacional proporcionam a constituição
da memória acima citada, favorável ou desfavorável à ocorrência de novos contatos, e afastam
a possibilidade de instituição da indiferença11
.
Ao avaliar os relacionamentos com os estudantes antes, durante e depois do projeto,
constata-se que os vínculos partiram do inexistente – não havia qualquer tipo de contato entre
os acadêmicos de comunicação das duas universidades com a organização – e atingiram o
pico durante as viagens às fazendas em 2010 e 2011. Com os estudantes da UFMT, os
contatos se encerraram logo depois das viagens12
. Alguns ex-alunos da UFMS mantêm
conversas, de forma esporádica e mediada por tecnologias, com integrantes da Embrapa
Pantanal.
Em fevereiro de 2011, nove meses após o contato face a face na fazenda, a então
estudante A enviou a seguinte mensagem por e-mail: “Quero te convidar para nossa
formatura, já que fez parte da nossa formação. Se vier tem convite garantido”13
. O
reconhecimento de que o projeto da Embrapa contribuiu para a formação acadêmica e
profissional do grupo funciona como indício do comprometimento mútuo entre as partes
envolvidas no relacionamento: os estudantes foram importantes para o projeto, assim como o
projeto foi relevante para a formação dos alunos.
Por meio de uma rede social digital e da troca de e-mails, ex-alunos têm informado a
Embrapa Pantanal sobre suas conquistas profissionais, solicitam encaminhamento de
11
A indiferença faria parte do universo da incomunicação, caracterizada por Wolton (2010) como as situações
em que o outro está ausente, discorda ou rejeita a mensagem. 12
Alguns fatores podem ajudar a explicar o afastamento, como a distância física, o pouco tempo de contato (a
viagem durou apenas um dia) e a ausência de um elo de ligação, como o papel mediador exercido por
professores da UFMS com os alunos daquelas turmas. 13
A opção por não identificar as estudantes se deve ao caráter privado das mensagens. O e-mail em questão foi
recebido por [email protected] em 24 fev. 2011.
129
currículos, sugerem outras parcerias e propõem novos encontros, conforme atestam as
mensagens trocadas pelo Facebook em abril de 2014 com a ex-aluna B, da UFMS:
4/26, 10:17am
Aluna: Oi Ana!! Vc estará em Corumbá no feriado? Tenho um casório no dia
3, daí se estiver por aí podemos nos ver. Faz tempo que tbm não vejo a Raquel
[Soares Juliano, pesquisadora da Embrapa Pantanal envolvida com o projeto]!
bjo grande =**
4/26, 11:20am
Ana Maio: Oi querida... infelizmente não. Estou fazendo meu doutorado e
morando em Marília (SP) até o começo de 2016, quando volto para
Corumbá.[...] Mas vamos manter contato e quando der, a gente se encontra
sim.... Saudades!!! Bjs
4/27, 11:55pm
Aluna: com ctz!! não perco vcs de vista hehe por mais que nosso convívio
tenha sido restrito a uma viagem, foi tão bom!! Mantenhamos contato sim!!
bjo grande e sucesso no doc e bjo na Raquel tbm. (MAIO, 2014b).
A manifestação espontânea da ex-estudante depois de quatro anos da viagem – que
ocorreu em maio de 2010 – revela a satisfação vivenciada durante o encontro presencial. Ao
proferir o julgamento “foi tão bom!!”, a interlocutora está afastada da situação face a face e
pensa, reflexivamente, sobre as experiências vividas em conjunto, exatamente como sugere
Schutz. Não se trata, obviamente, de um comportamento generalizado; no entanto, nota-se
que a iniciativa foi marcante para esse indivíduo. A troca de mensagens deixa em aberto
futuras conversas cara a cara – que poderão ou não ocorrer. De qualquer modo, são sujeitos
que transitaram da condição de contemporâneos para a de semelhantes e voltaram a de
contemporâneos, porém com a incorporação da “intimidade” descrita por Schutz.
As equipes de jornalistas que visitaram fazendas no Pantanal também tiveram um
período de convivência maior com os anfitriões, o que indubitavelmente repercutiu na
qualidade e na continuidade dos relacionamentos. Nos casos em que os encontros foram mais
breves, como nas visitas às redações, alguns relacionamentos se prolongaram por meio da
troca de mensagens por e-mail. No ambiente físico de trabalho, o Outro – que antes se
manifestava por som e texto – surge encarnado; voz, corpo e rosto se personificam. Muniz
Sodré (2006, p. 13) contribui para essa abstração:
É que se trata propriamente do que está aquém ou além do conceito, isto é, da
experiência de uma dimensão primordial, que tem mais a ver com o sensível
do que com a medida racional. Por exemplo, a dimensão da corporeidade nas
experiências de contato direto, em que se “vive”, mais do que se interpreta
semanticamente, o sentido: sentir implica o corpo, mais ainda, uma necessária
130
conexão entre espírito e corpo. Ou então, a dimensão da imagem, em que o
afeto e a tatilidade se sobrepõem à pura e simples circulação de conteúdos.
A vivência do sentido, dentro da perspectiva de Sodré, explica a intencionalidade da
Embrapa Pantanal ao priorizar a comunicação face a face como mecanismo de interação com
esses públicos. É notória, no entanto, a complementaridade assumida pela comunicação
mediada na preparação dos encontros presenciais e na continuidade das conversas.
Dificilmente os relacionamentos teriam se consolidado sem o uso conjugado dos canais.
Alguns contatos que começaram virtuais, na concepção adotada por esta tese,
tornaram-se relacionamentos atuais durante os encontros face a face e sua sequência por meio
da mediação tecnológica. Assim como no caso dos estudantes, pode-se afirmar que
jornalistas, classificados inicialmente como contemporâneos, se tornaram semelhantes e, após
a suspensão dos diálogos presenciais, voltaram à condição de contemporâneos, mas “não um
contemporâneo qualquer”.
O ponto alto da comunicação face a face com os jornalistas ocorreu durante as visitas
ao Pantanal. A maioria das sete equipes desenvolveu uma reação positiva ao participar da
imersão, verificada por manifestações verbais e não-verbais observadas no campo14
. Durante
os três ou quatro dias em que trabalharam na região, repórteres e fotógrafos demonstraram
satisfação por participar da vivência, se integraram ao ambiente e se mostraram abertos aos
novos relacionamentos.
Visitantes e anfitriões compartilharam vivências de caráter estritamente profissional,
ao mesmo tempo em que trocaram experiências pessoais nos momentos das refeições, do
descanso, durante os longos trajetos percorridos e nas conversas informais que intercalavam
as entrevistas e fotografias. Essas situações representam uma realidade pouco convencional
nas rotinas do fazer jornalístico e praticamente utópica nos casos de relacionamentos
mediados por tecnologias.
Passados quatro anos do final do projeto, observa-se que as relações mais sólidas e
duradouras são aquelas que tiveram maior número de contatos presenciais e mediados,
exatamente como prevê a teoria de Haythornthwaite (2005). Os grandes jornais que
participaram da experiência reestabeleceram o contato com a Embrapa Pantanal, conforme
relatado no capítulo anterior. Com o profissional do programa Globo Rural, da TV Globo, o
contato também perdurou.
14
Detalhes da imersão serão abordados no capítulo 7, que trata da função mediadora do espaço físico nas
relações sociais.
131
Três profissionais desse grupo em que ocorreu maior número de contatos foram
convidados a opinar no processo de revisão do plano diretor da Embrapa Pantanal ao final de
2014, uma oportunidade de exercer o mútuo controle da relação. Dois responderam assim que
solicitados. Um deles escreveu: “Como vai, Ana, tudo certo? Conte comigo. Depois te ligo
para conversarmos com calma”; o outro profissional também se manifestou: “Bom dia Ana,
tudo bem por aqui e vc? Viu, eu recebi o e-mail com o formulário sim e respondi no dia
seguinte até. Enviei em seguida. Acho que fiz tudo certo rs rs. Será que não chegou ou eu
errei ao enviar? Vou dar uma conferida aqui”15
. O terceiro profissional não respondeu ao
convite feito por e-mail.
Sintetizando: os relacionamentos com jornalistas foram gerados a partir de 2010, com
a implantação do projeto, tiveram seu ápice durante os encontros face a face, ocorridos entre
2010 e 2012, e se mantêm, de forma branda e esporádica, no período pós-projeto, basicamente
por meio do uso de tecnologias para os contatos. Esse ciclo parece natural, assim como
aparenta ser simples a retomada das conversas, caso haja interesse por qualquer uma das
partes. Evidencia-se uma predisposição de colaboração mútua.
3.3 A tentativa de quebrar o distanciamento na Embrapa Soja
Na Embrapa Soja a pesquisa que avalia a importância da oralidade na comunicação
interna também avança em direção ao caráter relacional das interações face a face. A
fundamentação teórica da tese de doutoramento de Martins aponta caminhos que coincidem
com a premissa de “comunicar para relacionar”. Logo na introdução, a autora afirma que “os
interlocutores recebem, processam, produzem e reproduzem comunicação que repercute nos
relacionamentos e gera transformação” (MARTINS, 2012, p. 17).
De acordo com a pesquisadora, mesmo no contexto organizacional, os interlocutores
buscam pelas relações humanas. Ela explica que a identidade organizacional é construída a
partir das pessoas responsáveis pelos produtos e serviços, e não por robôs. Para Martins
(2012, p. 55), “se barreiras existirem nas interações entre atores, este será um fenômeno
relacional com foco em pessoas e não em tecnologia”. Essa manifestação reforça a ideia de
que a essência da comunicação e dos relacionamentos não é transferida automaticamente para
as máquinas.
15
O primeiro e-mail foi recebido no dia 27 nov. 2014 por [email protected]; o segundo chegou na mesma
data por [email protected].
132
Da mesma forma, a estudiosa reserva às interações face a face uma identificação com
aspectos estratégicos da comunicação organizacional. Ela acrescenta que
a comunicação interna moderna requer práticas conservadoras, sendo a
oralidade uma estratégia indissociável do sucesso na gestão de pessoas. A base
da comunicação está no relacionamento entre as pessoas, a organização se
comunica pelas pessoas, portanto, meios eletrônicos, redes sociais e outras
formas de comunicação presentes nas rotinas administrativas servem somente
como ferramentas, embora com reduzido grau estratégico para a comunicação.
(MARTINS, 2012, p. 64).
Martins visualiza em sua tese alguns dos efeitos sociais que a adoção da oralidade na
comunicação interna pode proporcionar. Para a investigadora, “comunicação é
relacionamento humano e implica considerá-la fator presente entre os indicadores para que a
sociedade de hoje consiga coexistir com as organizações” (MARTINS, 2012, p. 65). Mais do
que uma opção de meio de comunicação, a autora enxerga a oralidade como uma orientação
de sua política de relacionamentos.
Exatamente como no caso Ampla, Martins (2012) aponta que a comunicação oral na
Embrapa Soja promove mudanças de comportamento nas partes envolvidas: os chefes da
unidade passam a conhecer as expectativas dos subordinados; por outro lado,
o valor do diálogo e das interações foi marcante nas inferências dos
empregados que declararam apreciar exposição oral de seu líder imediato, pois
confirmaram que a comunicação face a face era uma forma de interação que
permitia adequações imediatas às necessidades, à linguagem e às condições do
interlocutor. (MARTINS, 2012, p. 222).
Essa constatação funciona também como indício de intensidade dos relacionamentos,
condição que justifica a ocorrência de transformações nas posturas profissionais. Em sua
pesquisa de campo, a investigadora entrevista funcionários e dirigentes da unidade para
verificar o uso estratégico da comunicação oral no ambiente de trabalho e, consonante com a
fundamentação teórica apresentada, constata que o uso dessa modalidade de interação
extrapola a simples transmissão de mensagens. Esse posicionamento se evidencia quando um
dos chefes locais – identificado no estudo como Sujeito A – reconhece o aspecto relacional da
comunicação:
O trabalhador de campo é estratégico para a unidade. Quebrar a barreira de
comunicação, a barreira de posição, aí a pessoa começa a falar livremente. Ele
133
fica mais franco com a gente. Mais importante que a linguagem é quebrar o
distanciamento. Deixa mais calcado no contato face a face. A estratégia que eu
uso não é a comunicação, sim a forma de relacionamento, criar intimidade,
diálogo mais franco, comunicação melhor. Melhora o processo de
comunicação (Sujeito A). (MARTINS, 2012, p. 164).
Esse e outros dirigentes revelam que o contato face a face permite ajustes mais
imediatos no processo de comunicação, característica interacionista que será aprofundada no
próximo capítulo. Alguns dados levantados pela pesquisa de campo de Martins (2012)
indicam também a relação da comunicação face a face com a satisfação dos funcionários. Ela
perguntou aos empregados da organização como era o relacionamento entre eles e o superior
imediato do setor onde atuavam. “As respostas apuradas mostraram que os sujeitos
aprovavam a capacidade relacional da liderança imediata, pois 66% afirmaram estar
satisfeitos e 19% disseram estar totalmente satisfeitos com estas relações” (MARTINS, 2012,
p. 197). Convém destacar que essas relações são permeadas pela oralidade, de acordo com a
tese.
Valores como confiança, franqueza e sinceridade também são associados à
comunicação presencial de acordo com a coleta de dados da investigadora. Um dos chefes da
Embrapa Soja, identificado como Sujeito C, declara:
Olha, eu vejo assim a questão da confiança e da sinceridade, da franqueza eu
vejo isso como fundamental. [...] quando a gente conversa, quando a gente
ouve, não significa que a gente tenha que concordar. Então isso eu sempre falo
de uma forma bem franca e transparente. [...] então eu sempre procuro ser
muito transparente nesse relacionamento. [...] E essa construção acontece
melhor quando a relação não é mediada pela tecnologia, ou seja, quando a
relação é feita face a face (Sujeito C). (MARTINS, 2012, p. 174).
Chefias da Embrapa Soja informaram à pesquisadora que a oralidade teria sim um
caráter estratégico não só para aprimorar a comunicação interna como para provocar impactos
no estreitamento da relação profissional. Um supervisor chegou a comentar que a palavra
falada dava “emoção àquilo que é pedido por escrito” (MARTINS, 2012, p. 193). Em se
tratando de relações humanas, ainda que no cenário organizacional, não se vê equívocos ao
acrescentar doses de emoção na rotina de trabalho.
3.4 Mudanças e engajamento na rede social presencial
134
A interação e o engajamento de funcionários do Grupo Randon, de Caixas do Sul
(RS), são tema de estudo de Bettega (2013), que avalia a formação de uma rede social
presencial sob a perspectiva dos movimentos culturais. Uma vez por ano o grupo reúne mais
de oito mil empregados e seus familiares – totalizando cerca de 16 mil pessoas – em um
evento chamado Roda do Chimarrão. A autora explica que o momento é rico para a
transmissão da tradição gaúcha, para a criação do sentimento de pertença à organização e para
a interação entre os participantes.
Bettega também admite a proximidade entre os conceitos de comunicação e
relacionamento. Segundo ela, “os relacionamentos são formas que visam aproximar pessoas e
são constituídas por meios e ferramentas de comunicação que servem para fazer a mediação
social” (BETTEGA, 2013, p. 126). O que a autora chama de redes sociais presenciais são
justamente o diálogo face a face e as interações pessoais.
No caso do Grupo Randon, a Roda do Chimarrão começou em 1984, sempre como
forma de valorizar a cultura gaúcha por meio de manifestações artísticas e gastronômicas. A
própria longevidade do evento torna-se indício da qualidade dos relacionamentos construídos
por meio dessa rede social presencial. Ademais, a iniciativa promove a aproximação física do
quadro de funcionários e seus familiares, ação que interessa à comunicação corporativa.
Bettega sintetiza as ações de relacionamento que a Roda do Chimarrão é capaz de
proporcionar aos participantes: mobilização, engajamento, interação, orgulho, pertencimento,
ação e mudança. Esse último item coincide com relatos apresentados pela Ampla e pela
Embrapa Soja e sugere a intensidade dos relacionamentos presenciais: “a ação adotada pela
organização, enquanto prática de envolvimento dos indivíduos em festividades, pode
desenvolver um ambiente favorável à convivência dos colaboradores organizacionais e
provocar mudanças nas formas de os mesmos atuarem como profissionais” (BETTEGA,
2013, p. 134).
No caso da interação, a autora avalia que o evento proporciona momentos de trocas
simbólicas entre os interlocutores. “O mecanismo adotado para que a interação ocorra os leva
à convivência em equipe e busca mostrar a importância do bom relacionamento inter e
intrapessoal” (BETTEGA, 2013, p. 133).
Ela recorre a David Berlo (1968, p. 118-119, grifo do autor) para definir o fenômeno:
“o termo interação denomina o processo de assunção recíproca de papéis, o desempenho
mútuo de comportamentos empáticos”. No entendimento desse autor, quando ocorre a adoção
recíproca de papéis, os sujeitos se encontram em comunicação por interagirem um com o
outro.
135
A inclusão das ideias de Berlo em estudos que envolvam a comunicação sob a
perspectiva relacional faz todo o sentido. Na década de 1960 esse autor já vislumbrava a
comunicação como processo, uma concepção embrionária do paradigma relacional sustentado
por pesquisadores contemporâneos da comunicação organizacional.
Se aceitarmos o conceito de processo, veremos os acontecimentos e as
relações como dinâmicos, em evolução, sempre em mudança, contínuos.
Quando chamamos algo de processo, queremos dizer também que não tem um
começo, um fim, uma sequência fixa de eventos. Não é coisa estática, parada.
É móvel. Os ingredientes do processo agem uns sobre os outros; cada um afeta
todos os demais. (BERLO, 1968, p. 29, grifos do autor).
Desde o século passado, portanto, pesquisadores da comunicação já prenunciavam as
relações como evolutivas, contínuas, móveis e, por que não, líquidas. O estado de “fusão” dos
relacionamentos16
– e dos acontecimentos – havia sido observado pelo pesquisador norte-
americano, o que torna ao menos parte de sua obra bastante atual. Berlo (1968, p. 119)
também insistia em definir a interação como “o ideal da comunicação, a meta da comunicação
humana”, sua primaz finalidade.
Retomando o estudo de Bettega, torna-se patente que a comunicação face a face
promovida pela rede presencial explica o aparecimento de novas identidades alicerçadas nos
movimentos de cultura popular dentro do ambiente organizacional. Por sua vez, essas novas
identidades estão condicionadas à ocorrência das interações face a face. O caso Randon
inscreve-se como mais um exemplo de que a comunicação extrapola a função de transmissão
de conteúdos e coopera para a criação e manutenção de relacionamentos entre o público
interno da organização.
Nas quatro situações apresentadas acima nota-se que, de fato, a comunicação traduz-se
em relacionamento, seja com públicos internos ou externos, próximos ou distantes. A questão
que surge a partir desta análise é “relacionar para que?”. No contexto organizacional, parece
inverossímil que a busca por relações com stakeholders tenha como finalidade a construção
de amizades ou outro tipo de aproximação desinteressada.
Os relacionamentos entre empresas são sustentados por interesses ligados ao mundo
dos negócios, sejam eles a ampliação direta dos lucros, a criação de parcerias estratégicas, o
investimento em redes de contatos, aproximações para fins políticos e até mesmo a
necessidade de adequar a troca de conteúdos. É provável que nas organizações estudadas a
16
A passagem da água do estado sólido para o líquido recebe o nome de fusão.
136
criação de relacionamentos sirva para melhorar o próprio intercâmbio de mensagens,
estabelecendo um mecanismo autorrenovável e circular de interesses/necessidades. A
comunicação alimenta o relacionamento que retroalimenta a comunicação. Sobrepostos, os
dois fenômenos se autofavorecem. Pode-se falar, assim, em metacomunicação e também em
metarrelacionamento.
4. Interpretação e validação da hipótese
O componente relacional da comunicação, abordado pelas correntes teóricas
defendidas por Schutz e pelos estudiosos de Palo Alto, aliado às pesquisas que associam a
comunicação face a face à construção e manutenção de relacionamentos nas organizações
permite confirmar, reservadamente para os casos pesquisados, a primeira hipótese desta tese:
quando adotada de forma planejada, a comunicação face a face permite que as
organizações construam e aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse.
Conforme mencionado no detalhamento metodológico, é preciso cautela em relação às
generalizações em pesquisa social – a aceitação da hipótese pode sinalizar uma tendência,
entretanto, não constitui verdade absoluta ou incontestável.
No momento em que organizações como a Ampla, a Embrapa Pantanal, a Embrapa
Soja e o Grupo Randon planejam ações de comunicação face a face – seja através de projetos
específicos ou de suas políticas de comunicação –, elas estão em busca de relacionamentos
mais sólidos e duradouros com seus públicos de interesse.
A confirmação, no entanto, requer atenção especial à ideia de planejamento da
comunicação presencial. Os mesmos resultados dificilmente seriam obtidos levando-se em
conta apenas os contatos face a face casuais, que ocorrem de forma rotineira em qualquer
organização. Planejar as interações cara a cara significa estabelecer objetivos, metas e
resultados, além de uma programação a ser cumprida dentro de um determinado período.
Cabe ainda considerar a necessidade de avaliação das ações e eventuais ajustes para o
aprimoramento das relações com os públicos de interesse. Todas as empresas estudadas neste
capítulo planejaram suas interações face a face.
A hipótese aponta ainda que a comunicação face a face permite que as organizações
construam os relacionamentos desejáveis, porém, não garante, por si só, que esse objetivo seja
alcançado. Um dos senões pode se localizar no fato de as organizações estudadas priorizarem
em determinada circunstância a comunicação presencial, embora ela não ocorra de forma
137
isolada. O sucesso de projetos que visam estabelecer relacionamentos está condicionado ao
uso de múltiplos meios de comunicação, especialmente quando o fator “distância” é limitante,
como no caso da Embrapa Pantanal. No entanto, mesmo entre a organização e seu público
interno ou aquele que vive nas redondezas, é plausível que se usem telefones, mensagens
instantâneas, e-mails e outros canais para iniciar ou fortalecer os relacionamentos em questão.
Embora a interação tecnologicamente mediada ofereça esse suporte, não restam
dúvidas de que a comunicação face a face incrementa os contatos e permite construir relações
diferenciadas ao longo do tempo. A continuidade das interações caracteriza os
relacionamentos, ainda que não haja padrões ou regras que delimitem prazos de validade. Os
contatos serão sempre intermitentes, porém, tornam-se a base das relações sociais. É somente
na continuidade que os indivíduos em relação terão oportunidade de conhecer melhor suas
identidades, motivações, intenções e reações. Relacionamentos interrompidos suspendem esse
processo. O afastamento tende a tornar os interlocutores meros contemporâneos, na
perspectiva de Schutz.
No âmbito da sociedade midiatizada, os canais de comunicação mediada podem ser
considerados imprescindíveis para a manutenção dos relacionamentos, embora essa mesma
sociedade se mostre receptiva às relações mais humanas construídas por meio de encontros
presenciais. A combinação equilibrada das duas modalidades mostra-se imperativa para a
gestão de relacionamentos organizacionais.
A consciência da relação e as definições mútuas sobre o relacionamento constituem
requisitos para que o laço entre os atores não se dissolva. Indivíduos em relação buscam
definir para si os mecanismos de funcionamento desse ato e reagem às definições do Outro.
Não precisam, necessariamente, concordar ou manter pensamentos equivalentes; é necessário,
no entanto, que reconheçam subjetivamente o relacionamento. Ainda na esteira de Schutz,
pressupõe-se que linguagem e motivações comuns atuem como combustíveis para o estar em
relação.
Os estudos organizacionais avaliados contribuem, de alguma forma, para que a
percepção dos relacionamentos em questão aflore tanto entre os pesquisadores que elegem
seus objetos de estudo, quanto entre os próprios atores representados nos trabalhos científicos
– e que são estimulados a refletir sobre as relações ao serem entrevistados ou participarem de
algum modo das pesquisas.
Os autores dos trabalhos comprometem-se com o distanciamento epistemológico
possível para proceder a análise científica da metacomunicação no universo que se propõem a
avaliar. Os sujeitos entrevistados refletem sobre as relações – distanciando-se delas – na
138
tentativa de colaborar com a investigação. Há um despertar para a inter-relação entre
comunicação e relacionamento. A própria ciência promove a metacomunicação.
Pesquisadores e atores entrevistados por eles mencionam, de forma recorrente, alguns
dos indicadores selecionados por Hon e Grunig em sua metodologia que atesta a qualidade
dos relacionamentos. A referência a esses indícios sugere que foram construídas relações de
alta qualidade, embora não seja possível classificá-las de forma categórica como tais, já que
não houve mensuração.
Outros indicadores, como a continuidade/longevidade dos relacionamentos e as
mudanças de comportamento constatadas a partir dos contatos face a face, não devem ser
menosprezados. É certo que contatos exclusivamente virtuais podem se prolongar no tempo,
porém, não chegam a constituir relacionamentos atuais, de acordo com os conceitos adotados
por esta tese. Da mesma forma, a possibilidade de modificações nos comportamentos de
interlocutores é passível de ocorrer em contatos tecnologicamente mediados. Não são
conhecidos, no entanto, o grau e a profundidade dessas mudanças. No grupo Randon, Bettega
(2013) chega a relatar o aparecimento de novas identidades culturais a partir dos encontros
presenciais.
A discussão da hipótese conduz ainda a uma questão metodológica levantada pelo
grupo de Palo Alto: por que uma relação existe e como ela existe? A primeira resposta indica
a natureza do relacionamento. As quatro organizações promovem relacionamentos de troca
com seus públicos – e não relacionamentos comunais. Isso significa que as relações persistem
em função de motivações comuns e interesses dos interlocutores.
A segunda resposta é mais complexa. A questão de “como” as relações existem deve
ser respondida em dois tempos, considerando o passado e o presente. Em determinada
circunstância – o recorte realizado pelos quatro estudos organizacionais – elas existiram de
forma presencial, configurando seus participantes como semelhantes e induzindo a um
envelhecer juntos. Estabeleceram-se, naquelas situações dadas, relacionamentos intensos e,
muito provavelmente, de qualidade. No presente, especialmente no caso da Embrapa Pantanal
– onde se sabe que o projeto foi interrompido –, os semelhantes retornaram ao estado de
contemporâneos. Não se trata apenas de uma substituição de nomenclatura, mas da
constatação de ocorrência de um processo que institui, entre outras instâncias, o grau de
confiança e o relacionamento do Nós. O contemporâneo “que já conheci intimamente” é
distinto daquele que se reproduz indefinidamente como um contemporâneo qualquer. A
comunicação face a face se apropria dessa condição como indicador de seu diferencial.
139
No capítulo seguinte, serão desvendadas características da teoria de George Mead e
outros estudiosos a respeito das interações simbólicas. Durante o contato, seja ele mediado ou
presencial, os interlocutores têm acesso a sinais que possibilitam prever a reação alheia e
ajustar a fala. Entretanto, os elementos não-verbais presentes exclusivamente nos encontros
face a face tornam esse processo menos sujeito a imprecisões. Assim como neste capítulo,
além dos argumentos teóricos, essa percepção se concretiza nas pesquisas empíricas do campo
da comunicação organizacional selecionadas para o corpus desta tese.
140
141
Capítulo V – REAÇÕES PREVISÍVEIS E AJUSTES DO
DISCURSO ORGANIZACIONAL
O universo da comunicação não-verbal e o processo de significação sustentam parte
do conteúdo deste capítulo, que introduz uma discussão a respeito das deixas simbólicas,
pistas comunicacionais ou signos, componentes não-verbais das conversações que interferem
na interpretação e compreensão de mensagens. Aprofundar esse conhecimento é relevante
para a validação da hipótese 2: a comunicação face a face proporciona na interação com o
interlocutor a observação direta de suas reações; com isso, a organização que utiliza a
comunicação face a face de forma planejada obtém acesso a elementos não-verbais que
permitem prever essas reações e ajustar seu discurso.
A abordagem prossegue com a apresentação do pensamento de George Mead a
respeito da previsibilidade das reações alheias e, em seguida, elenca aportes teóricos que
reforçam a ideia de que é possível planejar a comunicação com base na antecipação do
comportamento do Outro e ajustar os discursos previamente. Toda essa discussão passa a ser
dirigida à comunicação organizacional a partir de observações contidas em estudos realizados
na Embrapa Soja (PR), na concessionária Ampla (RJ) e no estudo de caso da Embrapa
Pantanal (MS). A etapa final do capítulo, que inclui a discussão e validação da hipótese,
amplia o entrelaçamento entre as contribuições teóricas e a prática das organizações.
1. Deixas simbólicas e os elementos da comunicação analógica
A abordagem sobre comunicação não-verbal requer uma explicação a respeito das
deixas simbólicas, termo adotado por Thompson (2008) para se referir ao conjunto de sinais
perceptíveis durante o desenvolvimento da interação e que orientam a interpretação do
conteúdo. Conforme antecipado, os estudiosos de Palo Alto denominam as deixas simbólicas
de “pistas comunicacionais”, que estariam ligadas ao contexto onde o processo interativo se
desenvolve e contribuem para a compreensão da pragmática da comunicação. No entanto,
Watzlawick, Beavin e Jackson (2007) explicam que o estudo da comunicação humana
também absorve aspectos sintáticos (relativos à transmissão) e semânticos (ligados à
significação) do processo. “Conquanto seja perfeitamente possível transmitir séries de
símbolos com exatidão sintática, eles permaneceriam desprovidos de significado se o emissor
e o receptor não tivessem antecipadamente concordado sobre a sua significação”
142
(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 19, grifo nosso). Ou seja, é necessário que
haja uma “convenção semântica” para que os interlocutores consigam interpretar não somente
o discurso engendrado no âmbito da comunicação verbal como as pistas comunicacionais
atreladas à comunicação não-verbal, que esses teóricos aproximam do conceito de
“comunicação analógica”:
O que é, pois, a comunicação analógica? A resposta é relativamente simples:
virtualmente é toda a comunicação não-verbal. Este termo, entretanto, é
equívoco, porque está frequentemente restringido aos movimentos corporais,
apenas, ao comportamento conhecido como cinético. Nós sustentamos que o
termo deve abranger postura, gestos, expressão facial, inflexão de voz,
sequência, ritmo e cadência das próprias palavras, e qualquer outra
manifestação não-verbal de que o organismo seja capaz, assim como as pistas
comunicacionais infalivelmente presentes em qualquer contexto em que uma
interação ocorra. (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 57, grifo
dos autores).
Enquanto os teóricos da Califórnia, Thompson e o próprio Mead admitem que a
comunicação não-verbal envolve o intercâmbio de símbolos, o austríaco Alfred Schutz
prefere falar em troca de “signos”. É nesse ponto, especificamente, que os pensamentos desse
estudioso se tornam dissonantes em relação à obra de George Mead. De acordo com Helmut
Wagner (1979), discípulo de Schutz e responsável pela publicação de uma coletânea póstuma
do mestre, deve ser valorizada a distinção terminológica entre símbolo e signo elaborada pelo
autor.
Na verdade, ao propor a teoria de signos e símbolos, Schutz trava uma discussão sobre
como comunicar experiências transcendentes de outras instâncias de significado para o mundo
da vida cotidiana. Para isso, ele relaciona os conceitos de experiência e transcendência. De
acordo com João Carlos Correia (2004, p. 169), “Schutz insistirá em que o único modo em
que as transcendências do mundo podem ser incluídas na experiência imediata é através dos
processos de referência apresentacional proporcionadas pelas marcas, indicações, signos e
símbolos”.
Enquanto as definições de marcas e indicações estariam associadas às categorias de
representações mais simples, envolvendo lembretes subjetivos e indicadores de fatos, objetos
ou eventos para serem notados, as noções de signos e símbolos são trabalhadas de forma mais
complexa.
Quanto aos signos, são artefactos feitos ou usados por alguém para comunicar
alguma ideia a alguma outra pessoa. O signo remete a alguma intenção de
143
expressão e utilização por parte de seu utilizador e aponta para alguém que lê
o signo e recebe sua mensagem. Quando olhamos para um signo não o
olhamos como um objeto, mas como algo representativo de outra coisa
qualquer. (CORREIA, 2004, p. 170).
Na concepção de Schutz, nem todos os signos pressupõem a intenção de comunicar. Já
a comunicação implica a utilização de signos propositais, pois indica que o comunicador
deseja ser compreendido pelo interlocutor, que pode ou não estar presente na cena
comunicacional. É absolutamente necessário que os interlocutores compartilhem um sistema
comum de códigos para que seja possível a interpretação desses sinais.
De acordo com Wagner (1979), os signos não existem em si. Potencialmente, passam
a existir a partir do momento em que pessoas ou grupos de pessoas lhe atribuem significado.
Em função disso, verifica-se que o signo carece de interlocução; somente o processo de
atribuição de sentido tornará possível sua inteligibilidade, interpretação ou compreensão1. “O
reconhecimento do signo como signo e o seu significado correto, isto é, „intencionado‟,
dependem do uso do mesmo sistema objetivo de signos pelas duas partes” (WAGNER, 1979,
p. 21).
Se os signos, para Schutz, referem-se a um conjunto de experiências que integram o
mundo circundante dos atores envolvidos na interação, os símbolos fariam parte de outra
dimensão, mais precisamente daquela que traduz experiências ulteriores à realidade da vida
cotidiana.
O símbolo pode ser definido como uma referência de apresentação de ordem
superior na qual o membro do par que apresenta é um objeto, fato ou evento
da realidade de nossa vida cotidiana, enquanto o outro membro do par, o que é
apresentado, se refere a uma ideia que transcende nossa experiência da vida
cotidiana. (SCHUTZ, 1979b, p. 243).
De acordo com Wagner (1979, p. 22), “os símbolos são, segundo ele [Schutz], signos
de outra categoria, ou signos de signos”. Essa imersão na teoria dos signos e símbolos
elaborada por Alfred Schutz permite averiguar, assim, que sua definição de signo estaria mais
próxima do que George Mead trata por símbolos e Thompson por deixas simbólicas.
1 Ao detalhar os processos de significação, Orlandi (2001) explica que não é apenas quem escreve que significa;
quem lê também produz sentidos. Ela se baseia em estudos de Halliday (1976 apud ORLANDI, 2001) para
diferenciar o inteligível (a que se atribui sentido atomizadamente, codificação) do interpretável (a que se atribui
sentido levando-se em conta o contexto linguístico, coesão) e do compreensível (é a atribuição de sentidos
considerando o processo de significação no contexto de situação, colocando-se em relação
enunciado/enunciação). Os conceitos de enunciado e enunciação serão retomados no próximo capítulo, que
explora a análise de discurso.
144
Observa-se, ainda, uma natural aproximação entre a discussão de elementos da
comunicação não-verbal e alguns estudos ligados à análise de discurso de origem francesa, a
chamada AD. Embora o campo de atuação da AD seja substancialmente mais amplo, há que
se admitir que o conhecimento em torno das deixas simbólicas manifestas na conversação
pode contribuir para a elucidação das chamadas “condições de produção”, especialmente de
discursos presenciais2.
Os signos potencializam a compreensão do contexto e dos comportamentos dos
participantes de uma cena interativa – embora a AD extrapole (e muito) a análise contextual e
comportamental. A proposição de Schutz sobre os signos remete, ainda que potencialmente,
ao exercício da análise discursiva:
O número de ambiguidades associadas à noção de “entender outra pessoa”
torna-se ainda maior quando introduzimos a questão da compreensão dos
signos que ela está usando. De um lado, há o que é compreendido no signo em
si, há ainda o que a outra pessoa quer dizer com o uso desse signo e,
finalmente, o significado do fato de que ela está usando o signo aqui, agora e
nesse determinado contexto. (SCHUTZ, 1979a, p. 164, grifos do autor).
A discussão acima se anexa ao pensamento de George Mead na medida em que esse
estudioso sugere uma fina sintonia entre a consciência individual, o processo de significação e
as interações sociais, conduzida pela mediação simbólica, isto é, “por meio da linguagem ou
de gestos, as pessoas criam significados” (SILVA, P., 2007, p. 86).
2. George Mead e a previsibilidade das reações do Outro
Em sua única obra, publicada em 19343, três anos após a sua morte, George Mead
recorre à psicologia social para explicar o vínculo entre o comportamento humano e o meio
em que ele se desenvolve. O autor lançou subsídios para a construção da corrente teórica que
seu discípulo Herbert Blumer denominaria, posteriormente, de “interacionismo simbólico”.
De acordo com essa concepção, a simbolização adquire status privilegiado na sociedade, já
que “os homens não agem em função das coisas, mas do significado que as coisas tomam no
2 O conceito de “condições de produção” é fundamental para a AD e pode ser definido como “o conjunto dos
elementos que cerca a produção de um discurso: o contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde
falam, a imagem que fazem de si, do outro e do assunto de que estão tratando. Todos esses aspectos devem ser
levados em conta quando procuramos entender o sentido de um discurso” (BRANDÃO, 2009, p. 6). 3 Mind, Self and Society não foi traduzida para o português. Esta tese utilizou a versão em espanhol, publicada
em 1973.
145
processo de comunicação” (RÜDIGER, 2011, p. 40). Para os interacionistas, os símbolos
fundamentam o processo de comunicação e, por isso, exigem um reconhecimento coletivo. De
acordo com Francisco Rüdiger (2011, p. 42), são eles que “permitem planejar o próprio
comportamento e interagir em conjunto”.
Mead propõe um deslocamento do sujeito, ou seja, que os indivíduos em interação
procurem se colocar no lugar do Outro na tentativa de prever suas reações – com base nos
processos de significação e não em abstratas especulações. Essa atitude requer atenção
especial aos “gestos” que servem de estímulo às reações alheias4. Quando o gesto pode ser
interpretado e concorre para a adaptação do Outro – e para a autoadaptação de quem
manifestou o sinal anterior – ele pode ser entendido como símbolo significante.
A comunicação consciente – a conversação consciente de gestos – surge
quando os gestos se tornam signos, quer dizer, quando chegam a ter, para os
indivíduos que os fazem e os que reagem a eles, significações definidas, em
termos do comportamento subsequente dos indivíduos que os fazem; de modo
que, servindo de indícios prévios para os indivíduos que reagem a eles, do
comportamento subsequente dos indivíduos que os fazem, possibilitam a
adaptação mútua dos distintos componentes individuais do ato social; e, além
disso, ao provocar nos indivíduos que os fazem as mesmas reações,
implicitamente, que provocam explicitamente nos indivíduos a quem são
feitos, tornam possível o surgimento da consciência de si mesmo em relação a
essa adaptação mútua. (MEAD, 1973, p. 108-109, tradução nossa).
Esse processo de interação simbólica permite, segundo Mead, que os participantes
ajustem seus comportamentos e suas falas5. As ideias do teórico norte-americano podem ser
aplicadas tanto a circunstâncias de interação imediata – os interlocutores vão adaptando suas
respostas mediante os sinais percebidos e ressignificados –, quanto em contextos mais
estratégicos, que envolvam o planejamento da comunicação. Nesse último caso, a
previsibilidade das reações da alteridade auxilia na elaboração de formas mais adequadas de
contato e conversação, mitigando as possibilidades de incomunicação. “A habilidade da
pessoa para se colocar no lugar de outras pessoas lhe proporciona os indícios do que deve
fazer em uma situação específica” (MEAD, 1973, p. 286-287, tradução nossa).
4 Gestos, na concepção de Mead (1973, p. 86, tradução nossa), podem ser entendidos como os “inícios de atos
sociais que são estímulos para a reação de outros indivíduos”. 5 Essa possibilidade de ajuste na comunicação é mencionada também em estudos sobre as tecnologias da
inteligência desenvolvidos por Pierre Lévy (1993). O pesquisador vislumbra a comunicação como um jogo em
que cada nova mensagem, potencialmente, altera o contexto e o sentido do que já foi e do que será comunicado.
Ele compara a comunicação a um tabuleiro de xadrez: cada novo lance reorganiza as jogadas passadas e futuras.
“O jogo da comunicação consiste em, através de mensagens, precisar, ajustar, transformar o contexto
compartilhado pelos parceiros [...]. Palavras, frases, letras, sinais ou caretas interpretam, cada um à sua maneira,
a rede de mensagens anteriores e tentam influir sobre o significado das mensagens futuras” (LÉVY, 1993, p. 22).
146
Mead vincula a significação às reações do Outro e aponta que ela pode ser expressa
por meio dos símbolos e da linguagem, convencionados e operacionalizados na experiência
humana.
O próprio indivíduo desempenha o papel da outra pessoa à qual excita e sobre
a qual influi. E graças à adoção desse papel do outro se encontra em condições
de voltar a si e, dessa maneira, dirigir seu próprio processo de comunicação.
Essa adoção do papel do outro, expressão que tenho usado com tanta
frequência, não é simplesmente de importância passageira. Não é algo que
aconteça meramente como resultado acidental do gesto, mas que tem
importância para o desenvolvimento da atividade cooperativa. O efeito
imediato de tal adoção do papel reside no controle que o indivíduo é capaz de
exercer sobre sua própria reação. (MEAD, 1973, p. 272, tradução nossa).
George Mead observa ainda que as atividades sociais humanas dependem da
cooperação entre indivíduos. Esses, por sua vez, vivem em comunidades ou grupos sociais
organizados, que lhe proporcionam uma unidade pessoal (self) e que ele denomina “o outro
generalizado”6. Embora a obra de Mead privilegie as relações entre indivíduos ou grupos de
indivíduos, em determinado momento ele menciona a aplicabilidade empresarial de sua teoria.
O administrador de uma ferrovia ou de uma empresa privada de serviços
públicos tem que se colocar no lugar da comunidade a que serve, e podemos
ver facilmente que ditos serviços públicos poderiam sair do campo das
ganâncias e converter-se em exitosas empresas econômicas, simplesmente
como meios de comunicação. (MEAD, 1973, p. 311-312, tradução nossa).
A comunicação organizacional não deve, portanto, prescindir dessas reflexões. Pelo
contrário, pode valer-se delas para aprimorar os processos de planejamento e execução de
suas ações. Cabe, no entanto, observar que o ato de se colocar no lugar do Outro e prever suas
reações não garante a eficácia total do processo de ajuste do discurso. A natureza humana
encontra-se subjacente na comunicação e potencialmente estabelece desvios de padrão no
comportamento esperado.
Mead mostra-se atento às variações, postulando que o raciocínio universal seria o
ideal formal da comunicação. “Se o sistema de comunicação pudesse ser teoricamente
6 De acordo com Silva, P. (2007), Mead utiliza o termo “outro generalizado” para referir-se a normas e valores
culturais amplamente aceitos pela sociedade e que fundamentam a autoavaliação. “Numa situação de esporte, a
equipe representa este „outro‟, visto que organiza as condutas dos que estão envolvidos no processo de jogar”
(SILVA, P., 2007, p. 89).
147
perfeito, o indivíduo se afetaria a si próprio como afeta aos outros em todo sentido. Esse seria
o ideal da comunicação, um ideal alcançado no raciocínio lógico, onde quer que esse seja
entendido” (MEAD, 1973, p. 336, tradução nossa). Ao considerar que a universalidade dos
símbolos representaria a precisão do processo comunicacional, presume-se que o teórico
reconheça suas imperfeições e limitações.
O que a teoria meadiana prescreve, por conseguinte, é que os processos de
significação oferecem suporte para que as reações alheias sejam conhecidas, avaliadas e
interpretadas, antes de retroalimentarem as decisões subsequentes dos interlocutores. Essa
premissa tem sido sustentada por outros estudiosos da comunicação ao longo do tempo, que
embora utilizem terminologias diferentes, defendem a mesma concepção. Alfred Schutz, John
Thompson, Erving Goffman e o brasileiro José Luiz Braga são alguns exemplos, tratados a
seguir.
3. Contrafluxo da escuta e outras ideias sobre antecipações
Alguns autores se inspiram em George Mead para propor suas versões a respeito da
previsibilidade das reações alheias e possibilidades de ajustes no discurso. Outros referem-se
ao mesmo pressuposto, sem mencionar a teoria meadiana. O fato é que, de um modo ou de
outro, todos colaboram para aprofundar o conhecimento sobre o tema. Entre essas
contribuições, encontram-se o conceito de contrafluxo da escuta, de Braga (2012a, 2012b); e
as noções de perceptividade, trabalhada por Goffman (2011a, 2011b), de expectativa
antecipada da recepção, explorada por Thompson (2011), e do ensaio da interpretação
esperada, relatada nos estudos de Schutz (1979a).
3.1 Schutz: adaptações a partir de experiências passadas ou fantasias
A influência que Mead exerce sobre Schutz está explícita nos pensamentos que o
austríaco desenvolve a respeito da importância do contexto na comunicação, da tomada de
consciência do relacionamento e, principalmente, da possibilidade de se colocar no lugar do
Outro, prever suas reações e ajustar a própria fala. Para Schutz, a projeção do objetivo do
Outro como se fosse seu é uma ação que pode ocorrer em função de experiências anteriores
ou na instância da fantasia. “Esse voltar-se para a compreensão genuína da outra pessoa só me
é possível porque já tive experiências semelhantes à sua, mesmo se apenas em fantasia, ou se
já deparei com ela em manifestações externas” (SCHUTZ, 1979a, p. 175).
148
O autor recorre à noção de tipo-ideal, de Max Weber, para explicar a ocorrência – e a
possível variabilidade – dessa projeção. Embora se admita que o tipo-ideal não corresponda à
realidade, supõe-se que ele possa auxiliar na compreensão do objeto estudado. Para Schutz
(1979a, p. 176), existe “certa conformidade nos atos e motivos de padres, soldados, criados,
agricultores de todos os lugares e de todos os tempos. Além disso, existem atos de um tipo tão
geral que é suficiente reduzi-lo aos motivos típicos „de alguém‟ para torná-los
compreensíveis”. A ideia do tipo-ideal torna-se oportuna para mergulhar nas conjunções entre
os pensamentos de Mead e Schutz:
[...] só sou capaz de compreender os atos de outras pessoas imaginando que eu
próprio desempenharia atos análogos se estivesse na mesma situação, dirigido
pelos mesmos “motivos por que” ou orientado pelos mesmos “motivos a fim
de” – sendo que todos esses termos devem ser entendidos no sentido restrito
de analogia “típica”, igualdade “típica”, como explicamos. (SCHUTZ, 1979a,
p. 177).
Particularidades, nesse caso, devem ser cautelosamente analisadas. Há situações em
que o interlocutor terá condições de ajustar seu discurso de forma específica, atentando para
as reações de um público, de um grupo ou de um indivíduo em especial; em outros casos,
como prenuncia Schutz, o emissor adapta sua fala de acordo com manifestações de
representantes de um público “típico”, generalizando suas ações e reações.
Se imagino, ao projetar o meu ato, que você vai compreendê-lo, e que essa
compreensão vai induzir você a reagir, de sua parte de um certo modo,
antecipo que os “motivos a fim de” do meu próprio agir vão-se tornar
“motivos por que” da sua reação, e vice-versa. (SCHUTZ, 1979a, p. 178, grifo
do autor).
O teórico explica que “motivos a fim de” são aqueles que justificam o cumprimento de
uma ação, ou seja, sua finalidade. No caso de atos projetados, trata-se de abstrações pré-
imaginadas que vão explicar a ação futura. Já os “motivos por que” referem-se a experiências
passadas que determinam a forma de agir. O entrelaçamento dessas concepções legitima as
reações e as projeções dessas reações durante a interação social.
A observação das motivações aliada ao reconhecimento de códigos de referência
comuns entre os interlocutores constitui parte relevante do pensamento de Schutz sobre as
antecipações de reações alheias e os ajustes necessários antes da emissão de signos. Sem essa
preparação, o ato comunicacional tende a não se concretizar.
149
O signo usado na comunicação sempre é pré-interpretado pelo comunicador
nos termos da interpretação que espera da pessoa a quem o dirigiu. Para ser
compreendido, o comunicador tem, antes de produzir o signo, de antecipar o
código de percepção, de apresentação e de referência segundo o qual o
intérprete o vai categorizar. Portanto, o comunicador tem que desempenhar,
por assim dizer, um ensaio da interpretação esperada, e estabelecer entre as
suas cogitações e o signo comunicativo um contexto tal que o intérprete,
guiado pelo código de apresentação que vai aplicar ao signo, encontre nas
cogitações um elemento do código de referências a elas relacionado.
(SCHUTZ, 1979a, p. 199).
A convenção semântica torna-se, assim, forte aliada de comunicadores que pretendam
aplicar essa teoria. O conhecimento do código de referência de cada público de uma
organização, bem como dos contextos em que se encontram, pode se converter em ativo
valorizado na prática da comunicação empresarial estratégica. São informações que dilatam as
possibilidades de êxito dos comunicadores, embora, como já foi dito, não garantam a
totalidade de acertos.
Assumindo a concepção de comunicação estratégica como aquela fortemente
vinculada a planejamentos e avessa aos improvisos e atos intuitivos (BUENO, 2009a, 2014),
vislumbra-se uma sincronia entre os pressupostos de Mead e Schutz e estudiosos
contemporâneos da comunicação organizacional. Ao postularem que as observações das
reações alheias sejam fundamentadas em processos de significação – ainda que discordem em
relação às noções de símbolos e signos –, os dois autores sugerem alguns percursos
metodológicos que aproximam esse olhar da perspectiva estratégica da comunicação.
Além disso, quando Schutz menciona a necessidade de antecipação do código de
percepção, de apresentação e de referência, ele flerta com a ideia de planejamento. Para
Bueno (2014), a comunicação empresarial só pode ser considerada estratégica se estiver em
sintonia com a gestão e a cultura organizacional; se pautar suas ações em pesquisas, banco de
dados inteligentes e metodologias de avaliação de resultados; e se construir um profundo
conhecimento a respeito dos stakeholders. A observação face a face das reações do Outro
apresenta-se como um mecanismo diferenciado para desvendar hábitos e preferências dos
públicos de interesse e, no contexto da comunicação estratégica, pode ser realizada por
qualquer integrante da organização.
João José Azevedo Curvello (2008) defende a inter-relação entre a visão estratégica e
a descentralização do processo de comunicação nas organizações, com a devida capacitação
de todos os segmentos. Trata-se de “sensibilizá-los para a importância de manter relações
150
transparentes e honestas com os diversos públicos. Prepará-los para compreender conceitos e
aspectos de comunicação que hoje sequer são lembrados e referenciados” (CURVELLO,
2008, p. 136-137). Os ensinamentos de Alfred Schutz enquadram-se naturalmente a essa
abordagem.
3.2 Thompson: a recepção como processo criativo de interpretação
Outro autor que se manifesta a respeito da antecipação das reações da alteridade como
forma de adaptação dos conteúdos na esfera da produção é Thompson (2011, p. 201). Afirma
ele que
um indivíduo emprega recursos, baseia-se em regras e implementa esquemas
com o objetivo de produzir formas simbólicas para um receptor particular ou
para um conjunto deles, e a expectativa de recepção de tais formas faz parte
das condições de sua produção. A posição ocupada por um indivíduo em um
campo ou instituição e a expectativa de recepção de uma forma simbólica
pelos indivíduos a quem a mesma é destinada são condições sócias de
produção que moldam a forma simbólica produzida. [...] Uma manifestação
verbal pode, também, carregar os traços da expectativa antecipada de sua
recepção pelos indivíduos para quem ela é destinada, como quando um adulto
modifica o tom de uma expressão verbal dirigida a uma criança. Não é difícil
encontrar outros exemplos das maneiras pelas quais a expectativa antecipada
da recepção das formas simbólicas é rotineiramente incorporada às condições
de produção7.
Como outros exemplos, Thompson relata o trabalho do artista plástico, do escritor ou
do produtor de TV, que podem adaptar suas obras de acordo com as expectativas de recepção.
Essa antecipação das reações alheias encaixa-se também no universo da comunicação
organizacional, podendo a empresa – a qualquer momento e sob quaisquer circunstâncias –
modificar sua conduta e seu discurso para adaptar-se às expectativas de determinado público
de interesse.
Entretanto, essa predisposição para mudanças requer extrema atenção aos contextos
sócio-históricos específicos em que se encontram os interlocutores. Thompson (2011, p. 201)
alerta que “o processo de recepção não é um processo passivo de assimilação; ao contrário, é
um processo criativo de interpretação e avaliação no qual o significado das formas simbólicas
7 O autor utiliza o termo “formas simbólicas” para se referir “a uma ampla variedade de fenômenos
significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de
arte” (THOMPSON, 2011, p. 183).
151
é ativamente constituído e reconstituído”. O autor chama esse processo de reprodução
simbólica dos contextos sociais.
Nas obras de Thompson consultadas para esta pesquisa não há menções explícitas a
George Mead. Todavia, é inevitável reconhecer a similaridade das ideias desses dois autores.
Além disso, o pensamento de Thompson chancela o paradigma relacional, especialmente o
pressuposto de que a comunicação se processa na esfera da recepção. O olhar atento para os
públicos e suas demandas não apenas otimiza o trabalho dos comunicadores como estabelece
outro patamar de relacionamentos. São os receptores, e não os produtores, que atribuem
sentido aos conteúdos.
Ao observar a reação do Outro, os participantes da interação acessam, ainda, detalhes
da cena comunicacional, composta pelas manifestações verbais e pelas deixas simbólicas.
Quando compartilham esses sinais, os interlocutores ampliam, hipoteticamente, a
possibilidade de enriquecer o mecanismo de atribuição de sentidos comunicados. A percepção
mais exata oriunda desse fluxo presencial pode contribuir para o planejamento das ações de
comunicação organizacional, conforme será ilustrado na seção 4, a partir de pesquisas
desenvolvidas na Embrapa Soja, na Ampla e na Embrapa Pantanal.
3.3 Goffman: de olho nas inconsistências da plateia e dos atores
Há quem defina Erving Goffman como uma mistura de psicólogo social,
microssociólogo, etnólogo e etólogo humano (SILVA, P., 2007). O teórico da comunicação
face a face – nascido no Canadá, graduado em sociologia na Universidade de Toronto e com
doutorado em sociologia e antropologia social pela Universidade de Chicago – é considerado
por alguns estudiosos um discípulo de George Mead, não obstante se reconheça que sua obra
apresente consideráveis avanços em relação às proposições do mestre. Paulo Vinicius Baptista
da Silva (2007) classifica como moderadas as citações de Mead nos textos de Goffman, mas,
paralelamente, constata uma proximidade entre ambos8. A pesquisa bibliográfica
desenvolvida para esta tese identifica traços do pensamento meadiano em três livros de
Goffman traduzidos para o português. Curiosamente, ao mesmo tempo em que se apropria das
ideias de Mead, o canadense o critica por uma eventual “simplificação exagerada”.
De fato, o pesquisador adiciona doses de complexidade às premissas do suposto
mentor; em parte, porque transpõe algumas ideias interacionistas para o universo da
8 Em “Goffman, discípulo de Mead?”, Silva, P. (2007) traça uma interessante comparação entre o legado dos
dois teóricos.
152
comunicação face a face, onde procura desvendar obviedades e manipulações; também por
introduzir métodos da pesquisa antropológica em seus estudos; e, para completar, por recorrer
à dramaturgia como narrativa teórica em sua obra mais conhecida, A representação do eu na
vida cotidiana: o livro é constituído de termos associados à representação teatral9.
Para Silva, P. (2007, p. 92), Goffman faz “a descrição de situações de interações de
múltiplas pessoas, onde cada um deve ser capaz, como afirmou Mead, de ver a si mesmo
desde a perspectiva de vários outros e pautar sua própria conduta em função dos acordos
sociais”. Exemplos dessa postura que concebe convenções sociais como mecanismos de
ajuste comportamental – e remete à noção do outro generalizado de Mead – são abundantes
em A representação do eu.... Relações entre marido e mulher, criado e patroa ou entre
médicos e pacientes ilustram as explicações do investigador para a ideia central deste
capítulo: o colocar-se no lugar do Outro para antecipar suas reações e adaptar o discurso.
“Um indivíduo pode ser sua própria plateia ou imaginar um público presente”, afirma
Goffman (2011a, p. 80), ao indicar que a ação humana está vinculada às expectativas alheias.
Em outro livro, Ritual de interação, o pesquisador avaliza, mais uma vez, a ideia da troca de
papéis no processo interativo:
Todas as pessoas vivem num mundo de encontros sociais que as envolvem, ou
em contato face a face, ou em contato mediado com outros participantes. Em
cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar o que às vezes é
chamado de linha – quer dizer, um padrão de atos verbais e não verbais com o
qual ela expressa sua opinião sobre a situação, e através disto sua avaliação
sobre os participantes, especialmente ela própria. Não importa que a pessoa
pretenda assumir uma linha ou não, ela sempre o fará na prática. Os outros
participantes pressuporão que ela assumiu uma posição mais ou menos
voluntariamente, de forma que se ela quiser ser capaz de lidar com a resposta
deles a ela, ela precisará levar em consideração a impressão que eles
possivelmente formaram sobre ela. (GOFFMAN, 2011b, p. 13, grifo do autor).
Em outras palavras, esse indivíduo terá que se projetar perante a alteridade para
compreender suas reações e planejar sua conduta. Para isso, é relevante que exercite a
perceptividade, termo que Goffman associa à habilidade social para desvendar os
comportamentos dos interlocutores. Para compreender melhor, convém antecipar o que o
autor chama de fachada; e, seguidamente, sua concepção de preservação da fachada10
. Para
ele, em uma situação de interação, fachada é “a parte do desempenho do indivíduo que
9 Na última página o autor explica que o trabalho não está interessado nos aspectos do teatro propriamente dito.
“Diz respeito à estrutura dos encontros sociais – a estrutura daquelas entidades da vida social que surgem sempre
que as pessoas entram na presença física imediata umas das outras” (GOFFMAN, 2011a, p. 231). 10
Os dois conceitos serão aprofundados no capítulo 6. Goffman utiliza, em inglês, o vocábulo face.
153
funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que
observam a representação” (GOFFMAN, 2011a, p. 29). A representação de fachada é aquela a
que os interlocutores têm acesso visual, em contraposição à representação de fundo, que
ocorre em situações reservadas.
Já a preservação da fachada (face-work) designa “as ações tomadas por uma pessoa
para tornar o que quer que esteja fazendo consistente com a fachada” (GOFFMAN, 2011b, p.
20). Qualquer esforço para salvar a fachada busca neutralizar incidentes, na perspectiva do
investigador. Com base nessas definições, Goffman (2011b, p. 21) preconiza que
se uma pessoa quiser empregar seu repertório de práticas para salvar a
fachada, obviamente ela deve, em primeiro lugar, ter consciência das
interpretações que os outros podem ter colocado sobre seus atos, e as
interpretações que ela talvez deva colocar sobre os deles. Em outras palavras,
ela precisa exercer a perceptividade.
Para o canadense, a perceptividade tende a ser alta entre sujeitos que mantêm
expressiva diversidade de relações sociais. Para cada grupo de contato, o participante da
interação pode desenvolver fachadas distintas, o que exige intensa habilidade social para
prevenir ou neutralizar eventuais inconsistências entre elas – incidente que poderia
comprometer a preservação da fachada.
Em outra oportunidade, Goffman pondera que a atitude de projetar-se no lugar do
Outro indica maior possibilidade de sucesso nas interações, além da inevitável personalização
dos contatos.
O indivíduo terá razões aprovadas e não aprovadas para cumprir sua obrigação
enquanto participante da interação, mas em todos os casos, para fazê-lo, ele
precisa ser capaz de rápida e delicadamente assumir o papel dos outros e sentir
as qualificações que a situação deles deve trazer para a sua própria conduta
para que eles não sejam atrapalhados por ela. Ele deve, simpaticamente, ter
consciência dos tipos de coisas nas quais os outros presentes podem se
envolver espontânea e apropriadamente, e então tentar modular sua expressão
de atitudes, sentimentos e opiniões de acordo com a companhia. (GOFFMAN,
2011b, p. 113).
Como se propusesse uma metodologia para o aperfeiçoamento do processo
interacional e sua possível aplicabilidade sobre a reputação – o que pode ser particularmente
útil para o contexto organizacional –, o autor sugere que os participantes se mantenham
bastante focados nas reações do Outro, ou na “mutualidade especial da interação social
imediata”:
154
Isto é, quando duas pessoas estão juntas, pelo menos parte de seu mundo será
composta do fato (e haverá consideração sobre o fato) que uma linha
adaptativa de ação tentada por um deles será facilitada perspicazmente pelo
outro ou receberá oposição também perspicaz, ou ambos, e que tal linha de
ação precisará sempre prosseguir neste mundo inteligentemente prestativo ou
obstrutor. Compreensivamente, os indivíduos assumem a atitude da presença
de outros, independentemente do objetivo em função do qual aplicam a
informação que assim adquirem. (GOFFMAN, 2010, p. 26-27).
Não há dúvidas de que as concepções de Goffman ratificam, ao menos em parte, a
teoria de George Mead. Mesmo quando critica o mestre, o discípulo não discorda de sua
premissa, apenas a considera simplificada. O canadense tinha apenas oito anos de idade
quando o precursor do interacionismo simbólico morreu; ainda assim, teve a oportunidade de
explorar e avançar sobre o conhecimento previamente produzido. O mesmo pode ser dito de
José Luiz Braga, que teve a oportunidade de atualizar o pensamento de Mead, mesmo sem
mencioná-lo nas obras aqui consultadas.
3.4 Braga: respostas esperadas no sistema de circulação interacional
A necessidade de planejar a comunicação com base na antecipação de reações alheias
é observada ainda por Braga (2012b, p. 7), ao apresentar o conceito de contrafluxo da escuta,
um mecanismo “que vai da recepção à produção. Não como „retorno de resposta‟, mas como
previsão, pela auscultação anterior, da leitura que será feita daquilo que dizemos: uma
antecipação”. Continua o pesquisador: “no contrafluxo, passamos a produzir a partir das
respostas que pretendemos, esperamos ou receamos” (BRAGA, 2012b, p. 7). Embora o foco
de Braga seja a produção de formas simbólicas pela mídia, suas inferências são adequáveis à
comunicação organizacional, considerando a empresa como instância produtora de sentido.
Para compreender melhor o conceito de contrafluxo da escuta convém explorar o
contexto em que Braga o introduz. O autor aborda essa definição ao tratar do que ele chama
de sistema de resposta social (BRAGA, 2006) ou sistema de circulação interacional
(BRAGA, 2012a), que pode ser entendido como uma terceira dimensão do processo
comunicacional. De acordo com suas obras, as formas simbólicas produzidas pelo emissor e
consumidas pelo receptor continuam circulando na sociedade por meio de processos de
interação social.
155
O conteúdo não se esgota na recepção, pois passa a constituir objeto de circulação que
se espalha por outros canais, denominados circuitos11
. Braga (2006, p. 28, grifo do autor)
acrescenta que
[...] quando se trata de valores simbólicos, e da produção e recepção de
sentidos, o que importa mais é a circulação posterior à recepção [...]. O jornal
pode virar papel de embrulho e lixo, no dia seguinte, mas as informações e
estímulos continuam a circular.
A mesma lógica vale para conteúdos da comunicação empresarial. Um discurso
transmitido por vídeo, jornal, panfleto ou áudio é consumido pelos receptores e, mesmo que
ele se desvincule de seu suporte físico inicial, continuará circulando entre e a partir de
funcionários, acionistas, jornalistas, fornecedores ou quaisquer outros públicos que tenham
tido acesso ao texto original. Maio (2014c, p. 18) observa que “[...] a informação emitida por
uma organização e consumida por seus distintos públicos pode, posteriormente, submeter-se a
um processo de ressignificação e ser levada adiante no tecido social por meio de interações
que ocorrem através de circuitos”. Os comentários pós-consumo das formas simbólicas são
registrados ou não, facilitando ou dificultando eventuais monitoramentos por parte da
organização. Uma conversa informal face a face, em ambiente familiar, pode se referir ao
conteúdo produzido pelo emissor, mas dificilmente será registrada para análises e feedback.
Aliás, Braga (2012b) pontua que os processos fundamentais de circulação midiatizada
estão menos relacionados aos retornos imediatos ao ponto de partida (instância emissora) e
mais à disseminação dos conteúdos através dos circuitos ampliados (instância circulante).
Percebemos, então, um fluxo comunicacional contínuo e adiante. Após a
apropriação dos sentidos de uma mensagem qualquer, seus receptores podem
sempre pôr em circulação no espaço social sua resposta. Essa resposta,
independente de um retorno imediato, segue adiante, em processos diferidos e
difusos. Eventualmente, no conjunto da circulação e pelo embaralhamento
cultural dos múltiplos circuitos, as ideias, proposições, imagens, posições
11
Braga (2012a, p. 41) pondera que esses circuitos “são culturalmente praticados, são reconhecíveis por seus
usuários e podem ser descritos e analisados por pesquisadores”. O autor os considera determinantes na definição
da qualidade das formas simbólicas que circulam na sociedade. “Podemos assumir que, em grande parte, a
qualidade das falas, das criações, dos produtos que circulam na sociedade depende das características e da
qualidade dos circuitos nos quais circulam. Não se trata apenas (e talvez nem principalmente) de competências
individuais dos criadores e produtores. Na continuidade histórica, os produtos gerados em qualquer tipo de
circuito dependem dos processos interacionais que estimulam essa produção, assim como da qualidade da
recepção e da pós-circulação desses produtos” (BRAGA, 2012b, p. 8).
156
polêmicas e tendências expressas se reforçam, se contrapõem, desaparecem ou
retornam. O “retorno” que consideramos relevante, nesse nível, é o do circuito
ampliado e não a volta imediata ao ponto de partida. (BRAGA, 2012b, p. 6,
grifo do autor).
A circulação contínua pós-recepção e o contrafluxo da escuta são fenômenos
potencializados na sociedade midiatizada, embora já existissem anteriormente. Na perspectiva
do autor, eles representam componentes fundamentais do processo comunicacional
contemporâneo.
O pressuposto meadiano da adaptação às reações do Outro se incorpora
harmoniosamente ao pensamento de Braga (2012b, p. 7):
Pela escuta, pela importância de “sintonizar” a recepção, pelas delicadezas de
ajuste de endereçamento (nunca exato, sempre disperso e tentativo) alguma
coisa retroage, “modificando” a produção a partir das expectativas sobre sua
recepção e pela repercussão destas expectativas na configuração das falas.
Cada “momento” da circulação, por antecipar os seguintes, procura se adaptar
previamente a estes.
Desta maneira, o contrafluxo da escuta configura-se como um mecanismo que
considera as reações alheias na etapa de produção de conteúdo que vai circular além da
recepção. Thompson também se mostra atento a essa terceira dimensão do processo de
comunicação ao abordar o fenômeno da “midiação ampliada” e, assim como Braga, concentra
suas observações ao universo midiático.
As mensagens recebidas via televisão e outros meios são, comumente, sujeitas
a elaboração discursiva: elas são discutidas pelas pessoas no curso de suas
vidas cotidianas, tanto dentro da região primária de recepção, como numa
variedade de outros contextos interativos nos domínios públicos e privados.
Dessa maneira as mensagens mediadas podem adquirir uma audiência
adicional de receptores secundários que, pessoalmente, não participaram na
quase-interação mediada mas assimilaram alguma versão da mensagem
através da interação com os receptores primários. As mensagens podem,
também, ser assumidas por organizações da mídia e incorporadas em novas
mensagens de mídia, um processo que pode ser descrito como uma midiação
ampliada. Através da elaboração discursiva e da midiação ampliada, as
mensagens recebidas através da mídia são adaptadas e divulgadas para um
círculo sempre crescente de receptores secundários que podem, com isso,
adquirir uma informação sobre acontecimento que eles nem vivenciaram
diretamente nem testemunharam através da mídia. (THOMPSON, 2011, p.
317-318, grifo do autor)12
.
12
Quase-interação mediada é definida por Thompson (2008) como aquela que ocorre por meio dos veículos de
comunicação de massa; ele a considera monológica, ou seja, o fluxo de comunicação se dá, predominantemente,
em único sentido.
157
O sistema de circulação interacional de Braga e a noção de midiação ampliada de
Thompson apresentam-se como elementos contextuais significativos para a atualização da
teoria de Mead e sua consequente aplicabilidade na sociedade midiatizada. Embora os estudos
do pesquisador norte-americano não contemplem explicitamente instâncias posteriores à
recepção, é factível estender suas ideias ao sistema de circulação, a partir da premissa que ao
controlar a reação do indivíduo, absorvendo seu papel, produz-se uma comunicação que
referencia a organização da conduta coletiva.
A seguir, será descrita a ocorrência desse fenômeno em três organizações onde se
verifica que a ação de antecipar as reações do Outro a partir de contatos face a face permite
não só a adaptação personalizada do discurso dos interlocutores como também ajustes no
próprio relacionamento profissional.
4. Reações da alteridade no universo organizacional
A tese defendida por Martins (2012) sobre a oralidade na comunicação interna da
Embrapa Soja detalha, em vários trechos, a prática do fenômeno descrito acima. Para
começar, a autora aponta que quando o diálogo é estimulado pelo plano estratégico da
organização, os dirigentes obtêm condições de traduzir, por meio das interações, os anseios e
atitudes dos funcionários. Na fundamentação teórica, ela destaca a ocorrência da comunicação
não-verbal e confirma a premissa de Mead sobre o colocar-se no lugar do Outro.
Mais um diferencial que a comunicação oral comporta é a capacidade para
transmitir estímulos subjetivos, tais como os sentimentos de quem está falando
e que são percebidos pela entonação da voz, pelos gestos, bem como pelo
contexto situacional em que a comunicação acontece. O diálogo é uma
plataforma para interações onde o sujeito falante e o sujeito ouvinte têm a
possibilidade de realizar uma troca contínua de papéis, dentro de uma
concepção genuinamente humanizada de comunicação. (MARTINS, 2012, p.
69).
Para a pesquisadora, a prática do diálogo nas empresas possibilita a redução de
incertezas e a otimização de esforços entre o líder e sua equipe, com reflexos diretos na
qualidade dos relacionamentos organizacionais. Isso ocorre, em parte, porque nos diálogos
presenciais o líder repassa mais do que mensagens: transmite convicções. De acordo com
Martins (2012, p. 72),
158
o líder que expõe oralmente suas ideias e projetos para sua equipe de liderados
estabelece uma conversação alargada e pode observar as respostas de seus
interlocutores. Os sinais não verbais emitidos pela equipe de liderados são o
retorno esperado pelo líder e indicarão se sua comunicação deve ser ajustada,
mantida ou ampliada. Um gestor transmite suas convicções através da sua
oralidade e, por esse motivo, a comunicação face a face reflete a crença do
líder sobre a importância de comunicar aquilo que ele está comunicando. Esta
convicção é subjetivamente projetada por meio da voz, da movimentação, dos
gestos e das próprias atitudes que legitimam a liderança perante seus
liderados.
O estudo desenvolvido na Embrapa Soja constata que as deixas simbólicas atuam
como facilitadoras do processo de comunicação interna. A autora afirma categoricamente que
a oralidade é capaz de instaurar percepções, modificar conceitos e provocar adesões,
procedimentos também sancionados por Larkin (2013). Esse é um dos fatores que contribuem
para promover a comunicação interpessoal ao patamar estratégico, de acordo com a pesquisa.
Martins menciona o protagonismo da equipe – o que remete ao pensamento de
Thompson sobre expectativa de recepção – ao abordar a importância do planejamento
comunicacional. Segundo ela, para evitar ruídos, “é preciso planejar as interlocuções, levantar
questionamentos construídos a partir das expectativas da equipe, ter em mente a clareza das
ideias antes de comunicar, os propósitos, aspectos físicos e humanos, ter conteúdo e controle a
fim de facilitar a comunicação” (MARTINS, 2012, p. 106).
A questão do controle é debatida por Mead. O teórico argumenta que em uma
conversação significante – na qual ocorre a atribuição de sentidos e a comunicação se
concretiza – “temos que provocar em nós o tipo de reação que despertamos em outros; temos
que saber o que estamos dizendo, e a atitude do outro, que provocamos em nós mesmos,
controla o que dizemos” (MEAD, 1973, p. 179). Para ele, esse controle baseado na absorção
da atitude do Outro demonstra a racionalidade do processo. A discussão sobre o controle do
processo comunicacional será retomada no capítulo 6; por ora, basta atentar que o
conhecimento das reações alheias interfere no domínio da interação.
Na pesquisa empírica, Martins entrevista dirigentes e funcionários sobre a oralidade na
empresa. Alguns depoimentos revelam-se esclarecedores em relação à importância de se
observar as reações da alteridade, como esse, atribuído ao Sujeito A, um dos dirigentes da
organização:
159
A gente passa uma coisa no papel escrito e muitas vezes a forma de
assimilação é diferente de um e de outro. Na conversa não, no olho a gente
começa a ver qual é a reação de um e de outro. [...] por menor que seja o grau
de instrução dele, sempre ele tem o que colaborar. É importante ouvir esse
cara e dar oportunidade para ele falar. Eu gosto muito do oral. Acho que a
gente perde menos tempo. (MARTINS, 2012, p. 152).
O foco da pesquisa de Martins na comunicação face a face faz emergir, quase que
naturalmente, o pensamento dos estudiosos citados no início deste capítulo. Isso se dá em
função da possibilidade de observação das pistas comunicacionais que contribuem para
construir a percepção do comportamento e do contexto. Em decorrência desse acesso aos
elementos não-verbais, surge – também com certa naturalidade – a necessidade/possibilidade
de ajustes.
Outro dirigente da organização, identificado como Sujeito C, relata que “quando a
gente consegue perceber que está havendo um ruído de comunicação, a gente tenta melhorar”
(MARTINS, 2012, p. 153). No entanto, ele pondera que nem sempre essa percepção se
manifesta e, embora a Embrapa Soja tenha introduzido mudanças na linguagem e mais
perspicácia com as necessidades comunicacionais, o dirigente defende que “os mecanismos
envolvidos no controle do processo de comunicação deveriam ser aprimorados” (MARTINS,
2012, p. 153). O estudo demonstra, ainda, que havia a percepção interna em relação aos
ajustes na linguagem e nas relações entre líderes e suas equipes.
Outro depoimento do Sujeito A merece ser reproduzido por detalhar a individualidade
que demarca cada interação:
Se você passa um negócio tudo por e-mail, tudo por jornalzinho, qual a
receptividade? Quem tá gerenciando não consegue, eu pelo menos não
consigo, ter o retorno [...]. Agora no olho a olho a gente vai conversando.
Porque aqui a gente tem que gerenciar, a gente trabalha com indivíduos dos
mais diferentes níveis [...] então é diferente a comunicação o processo que a
gente tem que ter com um e com outro, mas todos eles sabem falar, todos eles
sabem ouvir, eles podem ter reações diferentes, formas de interpretação
diferente, um linguajar diferente. A gente tem que identificar isso e conversar
com cada um deles de acordo com isso, por isso que eu acho que é muito
importante. (MARTINS, 2012, p. 162).
O chefe entrevistado evidencia que, por meio da comunicação face a face, é possível
observar características específicas de cada interlocutor, o que permite a personalização de
cada discurso. De acordo com os depoimentos do Sujeito A, nota-se que os ajustes se
processam no decorrer da interação:
160
Com uma conversa olho no olho a gente pode ver qual a reação do indivíduo,
a gente pode utilizar a conversa de repente para motivar, para trocar o foco, de
repente conforme o cara tá olhando você percebe que não tá agradando, eu
acho que é importantíssima comunicação boca a boca, olho a olho, pequenos
grupos, é muito bom, porque a gente age conforme o cara vai reagindo
(Sujeito A). (MARTINS, 2012, p. 174).
A pesquisa na Embrapa Soja indica que a comunicação oral se configura como
importante instrumento de gestão para as lideranças porque facilita o trabalho de articulação.
Em entrevistas, supervisores informam que a oralidade constitui uma “oportunidade dada para
observar o interlocutor e identificar o contorno que a decodificação da mensagem estava
produzindo e se este representava um desvio ao que originalmente precisava ser comunicado”
(MARTINS, 2012, p. 194).
Sempre preocupada em fundamentar suas descobertas em base científica, Martins
(2012, p. 219) recorre a Goffman para certificar que “a face [ou fachada] conduz o emissor a
identificar reações de seus interlocutores que desencadeiam nele sentimentos de frustração,
surpresa ou insucesso”. Isso ocorre porque a fachada é reveladora num processo de interação,
por mais que os interlocutores busquem ocultar algumas pistas. Goffman (2011b) mostra-se
bastante atento às tentativas de disfarces e manipulações nos encontros presenciais e chega a
fazer referência aos sinais óbvios e aos menos aparentes13
. A perceptividade apurada pode
auxiliar indivíduos a identificar sutis diferenças.
Na Embrapa Soja não são apenas os dirigentes, supervisores e líderes que reconhecem
o potencial construtivo das interações olho no olho. De acordo com a pesquisadora, os
empregados “confirmaram que a comunicação face a face era uma forma de interação que
permitia adequações imediatas às necessidades, à linguagem e às condições do interlocutor”
(MARTINS, 2012, p. 222). Essa manifestação aponta para a bipolaridade do processo, já que
as observações da reação alheia e os ajustes do discurso podem se dar a partir de qualquer
participante da interação.
Embora com menor profundidade, a tese que Ferreira (2011) desenvolveu na empresa
Ampla também aponta singularidades em relação à ocorrência do fenômeno em questão no
contexto da comunicação organizacional. Diferentemente da pesquisa anterior, o foco desse
autor é o público externo envolvido na prática do diálogo social em busca do consenso. O
13
Os artigos “Constrangimento e organização social” e “A alienação da interação” tratam, especificamente, de
desvios e situações malsucedidas inerentes à comunicação face a face. Eles estão disponíveis em Goffman
(2011b).
161
pensamento de Mead norteia parte do estudo, já que a empresa percebeu a necessidade de
antecipar as reações da comunidade com a qual decidiu se relacionar por meio da
comunicação face a face.
É com base em suas percepções que cada sujeito tentará prever a reação, os
comportamentos e as intenções dos outros. A realidade, sob tal perspectiva, é
tão subjetiva quanto objetiva. A realidade social imediata é uma percepção
pessoal do ambiente em que estamos imersos. Cabe a uma organização, que
deseje desenvolver espaços profícuos de interação, ser capaz de “assumir o
papel” dos atores sociais com os quais irá interatuar para relativizar sua
posição e buscar um consenso. (FERREIRA, 2011, p. 166).
A experiência de diálogo social da Ampla poderia ter sido diferente caso a
organização optasse por ignorar a estratégia de “assumir o papel” dos indivíduos,
especificamente, e da comunidade como um todo – o que Mead denomina o outro
generalizado. Não é desprezível o peso dessa decisão para uma empresa que se dispõe a
interagir com um de seus stakeholders no modelo que a concessionária escolheu.
Não obstante o pesquisador tenha demonstrado que a iniciativa de diálogo surgiu em
função da complexidade social, política e legal dos municípios atendidos pela empresa,
observa-se determinado empenho da organização em exercer com eficiência a ação planejada,
ainda que o objetivo seja trabalhar com elementos persuasivos. Nada impede que mensagens
de caráter persuasivo sejam elaboradas e emitidas por quaisquer dos interlocutores
participantes da interação – representantes da organização ou da comunidade. Do mesmo
modo, não é prerrogativa da empresa a tentativa de se colocar no lugar do Outro para
antecipar reações – os atores sociais, enquanto sujeitos engajados no diálogo – detêm
igualmente essa condição.
A compreensão dos papéis desempenhados e dos significados elaborados
pelos outros pode permitir uma interação mais rica e estabelecer pontes
interculturais ou traçar caminhos para a persuasão. Uma organização pode
articular uma fala que, aparentemente, atenda às expectativas do grupo e esteja
lastreada por definições culturais legítimas socialmente e que esteja travestida
de consenso. Tal estratégia poderia levar os discordantes a um
constrangimento. Isso não quer dizer que as intenções e os resultados sejam
negativos, mas que o caminho trilhado foi o da persuasão e não o do debate.
Desta forma, uma mensagem persuasiva define ou redefine exigências
culturais, normas, papéis, posições e sanções do grupo para a formação ou
modificação de um dado comportamento socialmente aprovado por membros
de um grupo social. (FERREIRA, 2011, p. 166-167).
162
A abordagem referente à Embrapa Pantanal possui particularidades em relação aos
outros dois trabalhos. Por se tratar de um estudo de caso com intenso envolvimento desta
pesquisadora, parte dos resultados é fruto do acompanhamento, da observação participante e
das percepções obtidas a partir do projeto Construção da Imagem da Pecuária Sustentável do
Pantanal. A análise reflexiva da criação dos relacionamentos indica que na fase de
planejamento o “colocar-se no lugar do Outro” ocorre de forma intuitiva – não havia sido
incorporado naquela ocasião o conhecimento de toda a fundamentação teórica proporcionado
por este estudo.
De qualquer modo, conforme aponta Schutz (1979a), a etapa que antecede os contatos
face a face segue a premissa da analogia típica: a equipe de comunicação organizacional
busca projetar-se no lugar dos jornalistas típicos, de veículos de comunicação típicos em
busca de pautas típicas que pudessem atrair a atenção desse público. O fato de ter atuado
anteriormente em redações de jornais impressos facilita essa absorção do papel do Outro, pois
havia uma experiência prévia delimitando critérios de noticiabilidade que pudessem despertar
o interesse dos jornalistas. Até esse momento, no entanto, os interlocutores consistem em
meros contemporâneos, de acordo com a classificação proposta por Schutz (1979a).
A partir das visitas ao Pantanal, tanto por parte dos estudantes de comunicação quanto
dos jornalistas da região Sudeste, os ajustes de fala e de conduta se processam de forma
contínua. Durante as interações, é possível observar que anfitriões e convidados procuram
compreender as reações do Outro como forma de facilitar a adaptação àquela vivência,
considerada um desafio para as duas partes.
No entanto, o maior avanço em termos de ajuste de comportamento para novos
planejamentos em comunicação organizacional se dá a partir da visita de um dos veículos à
fazenda Nhumirim, da Embrapa. Embora a maioria das equipes de jornalistas tenha
demonstrado satisfação em participar da imersão no Pantanal, dois profissionais de um jornal
– repórter e fotógrafo – manifestaram desconforto e incômodo com a experiência. A
proporção em que o ambiente físico possa ter colaborado para essa reação será averiguada no
capítulo 7, entretanto, é conveniente antecipar, em parte, o episódio ocorrido em outubro de
2010.
Os estudos de Goffman sobre as interações face a face justificam metodologicamente a
escolha dessa cena como referencial para a análise das reações e ajustes: “a resistência ao
espírito de uma ocasião, expressa numa recusa em manter envolvimentos mútuos
ocasionados, é aparentemente um dispositivo tão útil para transmitir tantas coisas que
normalmente é possível esperar que alguma pessoa num ajuntamento o empregará”
163
(GOFFMAN, 2010, p. 187). Assim, o comportamento arredio, especialmente do repórter,
deve ser observado como algo a ser dito.
A ansiedade desse jornalista pode ser observada logo no início da visita, quando, ao
chegar a Corumbá, anunciou que já havia produzido boa parte das matérias por contatos
mediados e que tinha pressa em finalizar a reportagem. Durante o percurso à fazenda, que
dura cerca de cinco horas de caminhonete, demonstrou muita preocupação com o fato de
permanecer os próximos dias desconectado e procurou se informar sobre a possibilidade de
falar com sua editora por telefone.
Profissional jovem (menos de 30 anos) com características bastante urbanas,
acostumado a viajar a Europa como turista e traduzir textos de outros idiomas para o jornal,
ele procurava evitar “passeios” pela fazenda – recusando algumas ofertas nesse sentido –, o
que seria inevitável para a produção de fotos e coleta de dados para a reportagem. Ao transitar
de caminhonete pela Nhumirim, às vezes evitava descer da carroceria, como todos os
acompanhantes, permanecendo sobre o veículo, onde fazia suas anotações.
Constantemente utilizava a comunicação verbal para revelar que estava muito
preocupado em antecipar a produção do material para “acalmar” a editora. Na fazenda,
chegou a solicitar a antecipação do retorno à cidade e de Corumbá à região Sudeste, o que se
tornou, em parte, inviável, em função das dificuldades logísticas que envolvem a mobilidade
naquela região.
Expressões faciais e gestos indicavam a impaciência do jornalista e do
fotógrafo, que pareciam manter no meio do mato o mesmo ritmo acelerado das
redações. Havia uma evidente incompatibilidade entre o tempo que seria
necessário para a elaboração completa da matéria e a ansiedade que os dois
profissionais demonstravam para encerrar o trabalho. (MAIO, 2014a, p. 3).
Parte da insatisfação pode ser atribuída a problemas ocorridos durante a recepção na
fazenda. As roupas de cama fornecidas não estavam adequadas e as refeições também fugiram
dos padrões das equipes que visitaram o local antes e depois. Porém, fica evidente que a falta
de conexão com o mundo urbano é o que mais incomodou, em especial, o repórter. As outras
equipes participantes do projeto demonstraram, em contrapartida, comportamentos opostos,
aproveitando os dias de desconexão para desfrutar o Pantanal14
.
14
O descontentamento daquela equipe manifestado durante a visita não se refletiu na produção da reportagem
veiculada. Uma das explicações pode ser a ocorrência de um processo de dissonância cognitiva analisado por
Maio (2014a).
164
A observação das reações desses atores no contexto face a face torna-se fundamental
para interpretar aquela situação específica e ponderar sobre acertos e falhas do projeto. A
partir desse episódio, é possível ajustar não apenas discurso e conduta, mas a própria
continuidade do projeto, além de ações futuras de comunicação organizacional.
A primeira providência foi a formalização de um pedido de desculpas à equipe em
função dos problemas de acomodação relatados acima. Em seguida, a Embrapa Pantanal se
mobilizou internamente para detectar as causas do fornecimento inadequado de roupas de
cama e alimentação e evitar que a falha se repetisse. Outro ajuste adotado foi o reforço, junto
às próximas visitas, do aviso de que não haveria possibilidade de conexão via internet com as
redações durante o período no campo. Essa medida procurava deixar claro que naqueles dias
os contatos com as redações – e mesmo com familiares – não seria possível, o que pode ter
influenciado, inclusive, a escolha do perfil do profissional que viajaria ao Pantanal por parte
dos veículos dos grandes centros.
Em longo prazo, o incidente serviu para alertar a equipe de comunicação da Embrapa
sobre reações adversas durante visitas ao Pantanal. Embora o padrão mantido nos últimos
anos seja de adaptação, prazer e até certo encantamento com a beleza cênica do local, a
experiência dos dois profissionais mostra que é preciso estar preparado para a não adaptação,
incluindo um ajuste logístico que possa acelerar o retorno. Dessa forma, as deixas simbólicas
são percebidas, interpretadas e aproveitadas como indicadores para ajustar e aprimorar o
processo de comunicação organizacional.
Segundo a teoria de Schutz (1979a), somente a análise retroativa sobre o envelhecer
junto com essa e as outras equipes poderia fornecer subsídios a respeito dos relacionamentos
sociais diretamente vivenciados. O acompanhamento da comunicação face a face planejada na
organização e a reflexão teórica a respeito dessa experiência com diferentes grupos
proporcionam um aprendizado efetivo a respeito da construção de relações organizacionais.
A partir das singularidades previstas na pesquisa social, os estudos desenvolvidos na
concessionária Ampla, na Embrapa Soja e na Embrapa Pantanal lançam suas contribuições
para a análise da hipótese 2 desta tese, não apenas por corroborar os pressupostos dos teóricos
estudados, mas especialmente por resgatar o protagonismo da comunicação face a face nesse
processo. O cruzamento das experiências avaliadas no Paraná, no Rio de Janeiro e no Mato
Grosso do Sul com toda a teoria explicitada até o momento permitirá a validação da hipótese,
etapa subsequente desta investigação.
165
5. Interpretação e validação da hipótese
Duas ideias se encontram conjugadas na hipótese 2, cuja validação depende
exatamente da inter-relação entre elas. A primeira – de que a comunicação face a face
proporciona na interação com o interlocutor a observação direta de suas reações – foi
enfaticamente debatida neste e nos capítulos anteriores. A própria definição de comunicação
face a face e os elementos não-verbais do processo interativo sustentam tal afirmação.
A segunda ideia é mais complexa: com isso, a organização que utiliza a
comunicação face a face de forma planejada obtém acesso a elementos não-verbais que
permitem prever essas reações e ajustar seu discurso. Quando a comunicação
organizacional planeja utilizar o formato face a face com determinado interlocutor ou
determinado público, ela está se projetando diante de um universo diferenciado. Trata-se de
uma situação distinta das conversas informais e inconsequentes trocadas em qualquer
ambiente profissional; a abordagem envolve, sim, uma programação a ser seguida em função
de uma política adotada.
O planejamento da comunicação face a face incorpora, portanto, uma intencionalidade.
É fato que qualquer instrumento de interação admite observar reações do Outro. Frases
escritas em uma carta ou em um e-mail, um programa de televisão, uma conversa por telefone
ou por chat sempre permitem interpretar o comportamento do interlocutor. O que se propõe
aqui é discutir eventuais limitações. Segundo Martins (2012, p. 76), “a comunicação oral
facilita os meios para desenvolver pensamentos e reações dos interlocutores, que podem ser
ou não, favoráveis à boa imagem do emissor”. A autora defende que o treinamento para a
comunicação deva estar inserido no planejamento organizacional. “Diante de uma atitude
estratégica inovadora é pertinente observar as ameaças e as oportunidades, com a finalidade
de implementar ações de relacionamento apropriadas, a cada configuração que o ambiente
externo apresente” (FORTES, 2003, p. 18).
Para Martins, o intercâmbio oral de mensagens “facilita” a observação das reações
alheias. O acesso a uma variedade maior de deixas simbólicas é elemento-chave para debater
essa hipótese, embora o apelo quantitativo não elimine, de forma automática, a possibilidade
de que a troca de conteúdos – e a própria relação – tenha sofrido algum tipo de manipulação.
Neste aspecto, a obra de Goffman torna-se bastante pertinente ao distinguir comportamentos
de fachada e de fundo.
166
Se a capacidade humana de disfarçar, manipular e ocultar sinais apresenta-se como
uma limitação, também se incluem nessa categoria a ausência e a escassez das pistas
comunicacionais. Em outras palavras, o acesso aos elementos não-verbais reduz essas
restrições e amplia a possibilidade de atribuição de sentidos confiáveis ao conteúdo
transmitido. Diante de todo o aporte teórico expresso nesta investigação, bem como das
pesquisas realizadas nas três organizações, é possível confirmar a hipótese especificamente
para as três situações estudadas, no entanto, ela não pode ser considerada válida ou definitiva
para outras organizações e outros contextos, cabendo análises pontuais.
A possível adaptação do discurso, do comportamento ou mesmo dos relacionamentos
é uma decisão consciente que cabe exclusivamente a cada interlocutor. A observação das
reações da alteridade fornece o insumo para tais ajustes. No entanto, as intencionalidades em
jogo durante uma interação podem fazer com que esse processo avance ou retroceda. Nas
organizações estudadas por Ferreira (2011) e Martins (2012), bem como na Embrapa
Pantanal, os interlocutores envolvidos optaram por ajustar suas falas e condutas.
Pode ocorrer, todavia, que a organização tenha acesso às deixas simbólicas e encontre
dificuldades para interpretá-las. Esse impasse merece atenção na sociedade midiatizada, pois,
conforme visto em Yalda Uhls et al (2014), no capítulo 1, as habilidades humanas para
decifrar emoções não-verbais tendem a diminuir em função da falta de tempo dedicado a essa
prática. Sem a capacidade de atribuir sentidos às pistas comunicacionais e de lidar com esse
rico material, os ganhos proporcionados pela comunicação face a face tornam-se inutilizáveis.
Para a gestão das organizações, essa discussão acrescenta novos olhares em direção à
metacomunicação. A opção pela comunicação face a face – lembrando sempre que ela
representa apenas um dos canais de comunicação disponíveis – abre um leque de alternativas
e de riscos para a empresa. Em casos de sucesso, o contato presencial coopera para o
fortalecimento das relações e para a melhoria do fluxo comunicacional. Porém, as interações
cara a cara podem também proporcionar resultados indesejáveis, como constrangimentos
causados pela falta de sintonia manifestada por meio das deixas simbólicas.
De qualquer modo, este capítulo reforça a proposição apresentada anteriormente por
Ferreira (2011, p. 166), de que “a compreensão dos papéis desempenhados e dos significados
elaborados pelos outros pode permitir uma interação mais rica”, além de reduzir as incertezas.
Há cerca de oito décadas, talvez sem ter essa exata noção, George Mead esboçava um
mecanismo para agregar valor à comunicação empresarial, descoberta que apenas
recentemente a ciência social vem aprimorando.
167
No capítulo seguinte, a condução da pesquisa ganha outro viés. Serão analisados
discursos a respeito da comunicação face a face e como eles podem mascarar alguns
interesses das organizações. Textos que divulgam e avaliam o fim do home-office na empresa
Yahoo compõem parte do corpus do capítulo 6; no entanto, posturas semelhantes foram
localizadas em outras empresas e serão devidamente discutidas. A análise de discurso e a
teoria das faces de Goffman configuram-se, assim, como suporte teórico-metodológico para a
avaliação da hipótese 3.
168
169
Capítulo VI – A CONVENIÊNCIA DO DISCURSO SOBRE
COMUNICAÇÃO FACE A FACE
Este capítulo propõe um olhar crítico para o estudo da comunicação face a face: o uso
que se faz de suas propriedades positivas para sustentar interesses organizacionais. Não é por
acaso que essa discussão acontece após todo o debate envolvendo o conceito de comunicação
presencial, a construção de relacionamentos e os ajustes de condutas e discursos empresariais.
O conhecimento prévio dessas dimensões permite avaliar, de maneira mais contundente, a
apropriação – devida ou indevida – das vantagens dessa modalidade de comunicação por parte
das organizações. Nestas páginas serão estudadas, sob a perspectiva da análise de discurso,
situações em que três companhias se manifestam sobre a comunicação face a face – a Yahoo,
a Nivea e a Fiat –, sendo a primeira abordada com maior profundidade.
A análise de discurso (AD) da escola francesa e as proposições do canadense Erving
Goffman (2010, 2011a, 2011b) sobre as interações face a face fundamentam teoricamente a
avaliação da hipótese 3: o discurso das organizações sobre comunicação face a face pode
ser utilizado para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas. Contradições entre
o dito, o não-dito e distintas formas de dizer serão observadas na análise de discurso sobre
uma polêmica envolvendo a empresa norte-americana de tecnologia da informação Yahoo.
Em 2013 a organização decidiu eliminar a prática do home-office, ou seja, a possibilidade de
os funcionários trabalharem em casa, alegando que fisicamente juntos o trabalho teria mais
qualidade. Inconsistências discursivas semelhantes – sugeridas a priori pela própria hipótese
– já haviam sido observadas por estudiosos brasileiros envolvendo outras organizações, de
forma menos incisiva.
A discussão começa com a apresentação de informações sobre a Yahoo, sua cultura
organizacional e o perfil de sua principal executiva, Marissa Mayer, colhidos a partir de uma
publicação biográfica lançada em janeiro de 2015 nos Estados Unidos e em novembro do
mesmo ano no Brasil. Em seguida é exposto o embasamento teórico sobre a análise de
discurso, destacando os pensamentos de Michel Pêcheux (2014), Eni Orlandi (2007, 2011,
2012) e Dominique Mainguenau (2004a, 2004b), entre outros estudiosos da AD, além de
Mikhail Bakhtin (1984, 1997), teórico da linguagem. Durante o procedimento de análise do
caso Yahoo, quatro especificidades serão abordadas: a noção de gêneros de discurso; os
conceitos de deslocamento e deslizamento de sentidos; as definições de ato ilocucionário e ato
perlocucionário provenientes da teoria dos atos de fala; e as diferentes formas de silêncio, que
se mostram determinantes para a compreensão discursiva.
170
Se a materialidade do discurso permite investigar as pistas deixadas pelos
enunciadores nos atos de fala, a teoria de Goffman subverte essa ordem, ao sugerir que na
comunicação os sujeitos podem se apropriar de artifícios como farsas, simulações e
dissimulações. Ou seja, o autor questiona o grau de confiabilidade do enunciado1,
relativizando sua autenticidade. O cruzamento dessas teorias, a análise do caso Yahoo e a
incorporação de outros estudos organizacionais alicerçam a avaliação da terceira hipótese.
1. Uma empresa sem foco e sua líder controversa
A polêmica relacionada à eliminação da prática do home-office pela Yahoo apresenta
como pano de fundo a filosofia de trabalho da organização e as ações implementadas por sua
principal executiva. Se por um lado a Yahoo pode ser considerada uma organização dinâmica,
“descolada” e respeitada, por outro ela é descrita como uma empresa sem foco de atuação,
burocrática, fechada e instável. É o que transmite o biógrafo Nicholas Carlson, editor-chefe
do site de notícias Business Insider e um estudioso dessa companhia, no livro Marissa Mayer:
a CEO que revolucionou o Yahoo!2. Ele detalha os bastidores da organização com base em
fontes anônimas, desde sua criação, em meados da década de 1990, até 2014, o segundo ano
em que a companhia esteve sob o comando da “superestrela”.
Os criadores da Yahoo, Jerry Yang e David Filo, eram estudantes de design na
Universidade de Stanford quando começaram a esboçar uma ferramenta que concentrava em
um site listas com endereços eletrônicos que achavam interessantes, uma espécie de guia.
Essa “diversão” começou a virar negócio em 1994, quando o navegador Netscape passou a
oferecer um link direto para Yahoo.com, atraindo milhares de acessos diários. No início de
1995 a Yahoo se tornou uma corporação e já recebia as primeiras ofertas de aquisição, todas
recusadas. “Na década de 1990, o Yahoo era a internet” (CARLSON, 2015, p. 24, grifo do
autor). Chegou a valer US$ 128 bilhões no intervalo de cinco anos – quando atingiu seu auge
– e em seguida começou a decair.
1 José Luiz Fiorin (2013, p. 48) apresenta uma definição bastante objetiva para enunciação e enunciado:
“Enunciação é ação de enunciar, ou em outras palavras, o ato de dizer. [...] O enunciado, portanto, é aquilo que é
dito, é o produto da enunciação. Temos o dizer e o dito, ou seja, a enunciação e o enunciado. O ato de dizer, a
enunciação, produz um dito, que é o enunciado”. 2 A sigla inglesa CEO significa Chief Executive Officer, cargo que corresponde ao diretor executivo de uma
empresa, aquele que detém maior autoridade na hierarquia de uma organização. Carlson utiliza o artigo definido
“o”, no masculino, para se referir à empresa Yahoo. Nesta tese, será usada a forma feminina “a” Yahoo,
resguardando as citações do referido autor.
171
Um dos maiores problemas apontados pelo biógrafo é a falta de direcionamento do
negócio. De acordo com Carlson (2015), enquanto marcas como Google, Pay-Pal e eBay
eram naturalmente associadas a busca, pagamentos e leilões, respectivamente, a Yahoo não
possuía uma identidade e um negócio claramente definidos. Para se ter uma ideia, em 2000 a
organização oferecia um conjunto de 400 produtos e serviços. Em novembro de 2006 o Wall
Street Journal publicou um memorando escrito por um funcionário da divisão de músicas
intitulado “Manifesto Pasta de Amendoim”. Nesse documento, Brad Garlinghouse se
queixava de
não termos uma visão focada e coerente de nossa companhia. Queremos fazer
tudo e ser tudo, para todo mundo. Sabemos disso há anos, falamos disso sem
parar e não fazemos nada de fundamental para lidar com essa situação. [...] Já
ouvi que nossa estratégia é como pasta de amendoim espalhada por uma
miríade de oportunidades que continuam a evoluir no mundo on-line.
Resultado: uma fina camada de investimento espalhada sobre tudo o que
fazemos e, portanto, sem focalizar nada em particular. Odeio pasta de
amendoim. Todos nós devíamos odiar. (CARLSON, 2015, p. 74).
Desde que foi criada, a organização convivia com o debate sobre sua identidade no
sentido de definir se deveria atuar como uma empresa de mídia, focada na produção e
distribuição de conteúdo, ou uma empresa de produtos, direcionada a desenvolver ferramentas
de software para internet, como buscas, armazenamento de fotos, serviços de mensagens,
entre outros. Nesse cenário de indefinição, Nicholas Carlson relata a passagem de todos os
CEOs pela organização e avalia as decisões mais impactantes que tomaram, até chegar em
Marissa Ann Mayer, apontada como uma celebridade do mundo da tecnologia, que assumiu a
empresa em 17 de julho de 2012, grávida de cinco meses3. Ela era adepta da estratégia de que
“a melhor maneira para o Yahoo se reinventar seria acompanhar a migração de PCs para
celulares e se tornar realmente uma grande empresa de aplicativos” (CARLSON, 2015, p.
210).
De acordo com a imagem divulgada pela mídia, Marissa pode ser “interpretada” como
uma executiva poderosa e bem-sucedida. Enquadra-se no padrão ocidental de beleza: loira,
3 Na primeira gestação, a mídia criou um amplo debate desfavorável à executiva porque ela permaneceu apenas
duas semanas em licença e teria declarado em uma conferência que “o bebê tem sido muito mais fácil do que
todo mundo disse que seria” (CARLSON, 2015, p. 227). Esse comentário gerou críticas como a de Lisa Belkin,
do Huffing Post, que publicou uma carta aberta à CEO: “Querida Marissa Mayer [...] colocar numa mesma
sentença as palavras „bebê‟ e „fácil‟ faz de você aquele tipo de mãe de quem não gostamos muito” (CARLSON,
2015, p. 227-228). De qualquer forma, nota-se que a executiva não se incomoda em atender a imprensa quando a
pauta é sua vida pessoal. O tratamento é diferente quando o interesse envolve a Yahoo. Em setembro de 2015
Marissa anunciou estar grávida de gêmeas.
172
olhos azuis, magra, jovem4, cabelos tratados, maquiagem discreta e trajes elegantes. Assume o
estilo sofisticado, inteligente e esportista. Antes de atuar como CEO da Yahoo, foi vice-
presidente de serviços geográficos e locais do Google, outra conhecida empresa do ramo de
tecnologias5. De certo modo, a Yahoo parece personificar algumas qualidades da sua
presidente – em especial a jovialidade, vitalidade e dinamismo – ao construir sua própria
imagem institucional.
Considerada tímida e socialmente pouco à vontade, Marissa também é descrita como
uma pessoa bastante ambiciosa. Carlson (2015, p. 135) comenta que “em geral, era vista
como robótica ou arrogante. Sentia grande dificuldade em olhar as pessoas nos olhos”. No
entanto, sua competência técnica sempre foi amplamente reconhecida. Em termos de
comunicação organizacional, a executiva surpreendeu a equipe logo na primeira semana na
Yahoo, ao enviar e-mail a toda a empresa dando um “olá” e convidando todos a visitar sua
sala e apresentar ideias para o futuro da organização. “Os funcionários levaram o convite ao
pé da letra e começaram a despencar na sala dela como uma avalanche” (CARLSON, 2015, p.
204).
A executiva também implementou reuniões semanais com os yahoos (modo como os
funcionários se tratam) – em formato presencial para quem trabalhava na sede, em Sunnyvale,
na Califórnia, e on-line para os demais empregados. De acordo com a biografia, essas
reuniões aconteciam nas tardes de sexta-feira e eram chamadas de FYI – For Your
Information6. Marissa sempre iniciava os encontros alertando para a confidencialidade dos
assuntos que seriam tratados. Em seguida apresentava as novas contratações da semana e
divulgava novidades. Ao final, abria espaço para perguntas, que tanto poderiam ser feitas ao
vivo, com o uso de um microfone, como enviadas ao longo da semana por um aplicativo na
intranet. Em ocasiões de maior tensão, os funcionários pediram que as perguntas fossem
enviadas de forma anônima, o que foi atendido pela executiva.
Marissa explicou que a ideia desses encontros era tornar o Yahoo uma
companhia mais aberta e transparente, na qual os funcionários pudessem se
comunicar com os executivos e considerá-los responsáveis. Também se
pretendia eliminar a queixa, feita pelos funcionários, de que faltava
comunicação: agora, teriam acesso a todas as informações de que precisavam
para ter sucesso.
4 Em maio de 2016, a dirigente completa 41 anos.
5 A atuação de Marissa Mayer no Google lhe rendeu o apelido de “Googirl”. Sua relação com a imprensa, desde
2007, era ambígua. Em alguns momentos, Carlson (2015) evidencia que a executiva adorava a atenção da mídia
a ponto de possuir um grupo no setor de relações públicas da organização responsável por promover sua carreira;
em outros, nota-se claramente a aversão e o desprezo de Marissa ao assédio midiático. 6 Em tradução livre, Para Sua Informação.
173
Ela esperava igualmente que as reuniões FYI diminuíssem os vazamentos para
a imprensa [...] (CARLSON, 2015, p. 216).
De acordo com Carlson (2015), Marissa Mayer chegou a estimular os funcionários a
denunciar colegas que vazassem informações da companhia, relatando uma situação em que
ela própria denunciou ao Google um colega suspeito de colaborar com jornalistas. Apesar de
impor essas restrições, a CEO, de fato, tomou algumas medidas no sentido de melhorar o
clima organizacional, como reformas em áreas físicas para garantir mais conforto ao quadro
funcional, a oferta de café da manhã, almoço e jantar gratuitos, a retirada de catracas de
controle de acesso e a distribuição de smartphones (e não mais BlackBerrys) a todos os
yahoos.
Queria que o Yahoo fosse um lugar onde as pessoas pudessem
trabalhar e estar bem porque tinham acesso a um vasto leque de
informações, porque se sentiam fortalecidas e eram instigadas a ter
sucesso. Primeiro, porém, queria que ser um funcionário do Yahoo
deixasse de ser uma droga e que aquele se tornasse “sem dúvida o
melhor lugar para trabalhar”. (CARLSON, 2015, p. 219).
Esse foi um dos argumentos empregados por Marissa no comunicado interno em que
anuncia o fim do home-office na empresa, em fevereiro de 2013 – e que deveria entrar em
vigor em junho daquele ano. A executiva foi muito criticada pela imprensa por adotar essa
política e um debate mundial foi instituído pela mídia especializada. Havia o entendimento
que a decisão da Yahoo poderia abrir um precedente para que outras organizações seguissem
a mesma estratégia. De fato, pelo menos outras duas grandes corporações anunciaram medida
semelhante nos meses seguintes: as americanas Best Buy e Hewlett-Packard.
A Yahoo permaneceu calada diante das críticas e, aparentemente, não forneceu
detalhes sobre a suspensão. Não foram localizados textos jornalísticos informando quantos
funcionários seriam atingidos e quantos iriam optar por demissões voluntárias – caso não
aceitassem trabalhar nos escritórios7. A ausência de informações precisas e o amplo alvoroço
criado pela mídia sinalizavam que o fim do home-office na Yahoo afetaria uma grande parcela
dos funcionários.
7 Ao ser convidada para o cargo, Marissa foi informada que a Yahoo estaria com excesso de funcionários e que
deveria promover demissões. Contrária a essa medida, ela conseguiu evitar grandes cortes e acabou
implementando em 2014 um polêmico sistema de avaliação de desempenho que desagradou os funcionários e
provocou considerável desgaste para sua gestão.
174
Apenas em janeiro de 2015, na biografia lançada por Carlson, aparecem os primeiros
números envolvidos com a decisão. Do universo de 15 mil funcionários, 164 teriam sido
afetados e apenas um teria sido demitido por não comparecer ao trabalho por duas semanas. A
publicação também dá mais detalhes da operacionalização: “o Yahoo arcaria com os custos da
mudança e até daria aumento de salário para cobrir eventuais aumentos no custo de vida para
os que tivessem de sair de uma área rural para a zona urbana ou suburbana” (CARLSON,
2015, p. 220-221).
De acordo com o biógrafo, a empresa também admitiu abrir exceções: trabalhar em
casa por motivo de força maior durante um dia ou dois não seria considerado problema.
Carlson (2015, p. 221) acrescenta que “a maioria dos funcionários achou a suspensão uma
medida inteligente, ainda que transmitida de modo precário”. Por sinal, a mensagem da CEO
sobre o fim do home-office foi apontada como uma das falhas que ela deveria apresentar ao
Conselho de Diretoria da organização. Essa mensagem, que vazou para a imprensa, será alvo
da análise de discurso aqui empreendida, bem como o conteúdo jornalístico que a acompanha.
2. Discursos em relação: a tônica da AD
Conhecer teorias que formatam a análise de discurso representa explorar outro
universo do conhecimento que tangencia o campo da comunicação, com um efeito colateral
permanente: nunca mais a leitura de textos (verbais ou não-verbais) será a mesma. A
apreensão dos mecanismos de produção discursiva e das nuances que envolvem a prática da
recepção tende a se tornar um procedimento habitual para o analista, ainda que ele não esteja
empenhado em um trabalho científico de AD.
“A finalidade do analista de discurso não é interpretar, mas compreender como um
texto funciona, ou seja, como um texto produz sentidos” (ORLANDI, 2012, p. 19). Uma série
de fatores incide sobre as interpretações – e eles não estão restritos à instância de produção do
discurso: as condições inerentes à recepção, ou à leitura dos textos, também determinam os
sentidos que serão atribuídos à mensagem.
Uma interpretação discursiva consideraria as manifestações semânticas, sintáticas,
lexicais, gramaticais, fonéticas e ortográficas do texto, entre outras. Na AD, interessam
também os contextos imediatos em que o discurso é produzido e absorvido, além das
delimitações históricas, sociais, culturais e ideológicas que possam tecer influências sobre o
conteúdo. Importam ainda o sujeito que enuncia – enunciador – e aquele que atribui
175
significados ao texto, chamado de coenunciador. Se não bastasse esse conjunto de
informações relevantes sobre as condições de produção e de recepção, a AD considera
fundamental que um discurso seja analisado não de forma fechada, em si mesmo, mas em
relação a outros discursos. “O „sentido‟ de um texto, de uma frase, e, no limite, de uma
palavra, só existe em referência a outros textos, frases ou palavras que constituem seu
„contexto‟ [...]” (PÊCHEUX, 2014, p. 165).
A noção de interdiscurso pode contribuir para a compreensão dessa lógica, já que todo
texto contém vestígios de textos anteriores. De acordo com Orlandi (2012, p. 59), “em sua
definição, o interdiscurso é o conjunto de dizeres já ditos e esquecidos que determinam o que
dizemos, sustentando a possibilidade mesma do dizer. Para que nossas palavras tenham
sentido é preciso que já tenham sentido”. As citações são exemplos clássicos da existência do
interdiscurso; porém, como expõe a autora, nem sempre essa presença é evidente – muitas
vezes pode se mostrar “esquecida” dada a naturalidade com que passa a operar em um
determinado enunciado.
A presença do interdiscurso denota posições ideológicas adotadas pelo enunciador. Se
o sujeito escolhe dizer de uma maneira – e não de outra – está selecionando sentidos que serão
transmitidos e apagando outras possibilidades de dizer. Para Orlandi, (2012, p. 28), “[...] a
memória discursiva (o interdiscurso) se estrutura pelo esquecimento: esquecemos como os
sentidos se formam de tal modo que eles aparecem como surgindo em nós”. E prossegue: “Os
sentidos – sempre aí em seu movimento de produzir rupturas, acontecimentos – não estão, no
entanto, jamais soltos (desligados, livres), eles são administrados (geridos)” (ORLANDI,
2012, p. 28). Da mesma forma, a recepção, interpretação e compreensão de um discurso
adquirem determinado sentido em detrimento de outros possíveis, porém, descartados.
Maria Cecília Souza-e-Silva (2013), ao abordar a obra de outro teórico relevante da
AD francesa – Dominique Maingueneau –, explica o princípio da primazia do interdiscurso,
que prevê assumir a precedência do interdiscurso sobre o discurso e adotar, como unidade de
análise, “esse espaço de trocas construído pelo analista” (SOUZA-E-SILVA, 2013, p. 100). O
autor francês será retomado na próxima seção, na discussão sobre gêneros de discurso.
Explorando essa premissa de que para a AD o sentido de um texto se configura em
relação a outro(s) texto(s), convém introduzir a noção de dialogismo, conceito proposto pelo
filósofo russo Mikhail Bakhtin, em 1929, quando publicou pela primeira vez os estudos sobre
176
a obra de Dostoevsky8. Suas pesquisas sobre linguística e metalinguística revelam a
autonomia, a força e a singularidade das vozes do autor e dos personagens.
Portanto, as obras de Dostoevsky não contêm discurso final, conclusivo, que
defina qualquer coisa de forma definitiva. [...] O discurso do herói e o discurso
sobre o herói são determinados por uma atitude dialógica aberta em relação a
si próprio e em relação ao outro. [...] Não existe no mundo de Dostoevsky o
que quer que seja firme, morto, acabado, sem poder responder, o que quer que
tenha dito sua última palavra. (BAKHTIN, 1984, p. 251, tradução nossa).
Em outras palavras, “dialogismo significa que um discurso se constitui em oposição a
outro. Portanto, ele é heterogêneo: um discurso mostra a si mesmo e seu contrário”, explica
Fiorin (2013, p. 64). Trata-se de um sentido construído a partir de múltiplas vozes (polifonia),
de caráter inconclusivo e contrário ao que Bakhtin denomina monologismo. “À guisa de
definição, o monologismo se refere a um discurso único, definitivo e uniforme. O
monologismo não deixa revelar os outros discursos que permeiam a prática discursiva”
(MARCUZZO, 2008, p. 4).
Esse caráter aberto do discurso, defendido por Bakhtin, torna-se metodologicamente
determinante para a AD, pois o dialogismo só pode ser captado a partir da observação de
discursos em oposição. “A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece
entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano
do sentido (não como objeto ou exemplo linguístico), entabularão uma relação dialógica”
(BAKHTIN, 1997, p. 345-346).
A análise discursiva do caso Yahoo adota como metodologia a avaliação de um
conjunto de textos jornalísticos e organizacionais sobre o mesmo objeto, permitindo uma
comparação entre eles e abrindo espaço para a manifestação desse diálogo. Esse conjunto de
enunciados, dispersos no tempo e no espaço e permeáveis a posicionamentos heterogêneos,
coincide com o conceito de formação discursiva apresentado por Michel Foucault (1987, p.
43, grifo do autor):
No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,
semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma
regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos,
8 A grafia correta do nome do romancista russo seria Fiódor Dostoiévski, porém, esta tese reproduz a forma
encontrada na versão inglesa de Problems of Dostoevsky's Poetics, editada pela Universidade de Minnesota
(Estados Unidos).
177
transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação
discursiva [...].
Na AD, a definição de formação discursiva pode ser entendida sob outra perspectiva, a
de Pêcheux. O filósofo, considerado um dos fundadores da análise de discurso francesa,
reveste o conceito de uma carga ideológica, que o afasta sobremaneira da noção foucaultiana.
Um estudo comparativo entre as duas definições, elaborado por Roberto Leiser Baronas
(2011), indica que a paternidade conceitual pode ser partilhada entre os dois, aparecendo
ligeiramente antes em Pêcheux – 1968 – e no ano seguinte nas publicações de Foucault. “[...]
Aproximar Pêcheux e Foucault no tocante as noções de formação discursiva e de discurso é
muito problemático, sobretudo do ponto de vista teórico, visto que as bases epistemológicas
que sustentam os seus trabalhos são distintas” (BARONAS, 2011, p. 6).
Investigadora do patrimônio intelectual de Pêcheux, Orlandi (2011, p. 27) sintetiza a
definição do mestre: “As formações discursivas são formações componentes das formações
ideológicas e que determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em
uma conjuntura dada”. O acesso à distinção entre os dois conceitos de formação discursiva
torna-se pertinente para a compreensão das ideias de deslizamento e deslocamento de sentido
que serão abordadas na seção 2.2.
Enquadrar os textos selecionados sobre a empresa Yahoo como jornalísticos e
organizacionais constitui, a priori, um procedimento deveras simplista diante da
complexidade que envolve a tipologia de discursos. Esforços de classificação em gêneros,
espécies ou tipos discursivos têm sido empreendidos por renomados teóricos da AD,
demonstrando que a identificação de um texto com certas características de linguagem não é
acessória para a condução da análise.
2.1 Tipologia de discursos: elemento facilitador da análise
Por que é importante enquadrar o discurso a ser analisado em um determinado tipo?
Orlandi acredita que a classificação tem uma função metodológica e explica que o tipo “é um
princípio organizador: primeiro passo para a possibilidade de se generalizarem certas
características, se agruparem certas propriedades e se distinguirem classes” (ORLANDI,
2011, p. 217). Ao classificar o discurso em determinada categoria, o analista estará atribuindo
algumas particularidades preconcebidas ao seu objeto de estudo e encaminhando a análise.
178
Dois critérios seriam fundamentais para a seleção da tipologia: a natureza do texto e o
objetivo da análise.
A autora avalia com cautela a classificação institucional dos discursos, bastante
difundida na AD:
Merece atenção, aqui, a espécie de tipologia que distingue discurso político,
jurídico, religioso, jornalístico, etc. É uma tipologia que se coloca de forma
consensual. Ela é referida à existência de instituições. Uma variação dessa
tipologia é a que coloca a distinção entre domínios (institucionais) do saber:
discurso filosófico, científico, poético, etc. [...]. O problema, a meu ver, em
relação a essas espécies de tipologia, é que já partem de distinções
apriorísticas, dadas de acordo com um critério já estabelecido alhures: ou pela
sociologia, ou pela teoria do conhecimento, etc. O critério, que já vem dado, é
herdado pela análise de discurso como tal. (ORLANDI, 2011, p. 224).
Responsável por uma instigante revisão de literatura sobre a diversidade de
classificações discursivas, a própria Orlandi propõe sua tipologia, que inclui a existência de
discursos autoritários, polêmicos e lúdicos. Para compreender essa categorização, é
imprescindível atentar para a noção de polissemia – a possibilidade de dizer o diferente
utilizando a mesma forma, ou seja, as várias significações de uma mesma palavra, de uma
mesma frase, da mesma construção linguística. Também é constitutiva das definições a ideia
de reversibilidade, isto é, a possibilidade de troca de papéis entre locutor e ouvinte do
discurso.
Discurso lúdico: é aquele em que a reversibilidade entre interlocutores é total,
sendo que o objeto do discurso se mantém como tal na interlocução,
resultando disso a polissemia aberta [...].
Discurso polêmico: é aquele em que a reversibilidade se dá sob certas
condições e em que o objeto do discurso está presente, mas sob perspectivas
particularizantes dadas pelos participantes que procuram lhe dar uma direção,
sendo que a polissemia é controlada [...].
Discurso autoritário: é aquele em que a reversibilidade tende a zero, estando o
objeto do discurso oculto pelo dizer, havendo um agente exclusivo do discurso
e a polissemia contida [...]. (ORLANDI, 2011, p. 154, grifos da autora).
É possível observar que a tipologia proposta por Orlandi baseia-se nas condições de
produção do discurso e envolve aspectos ideológicos. A pesquisadora esclarece que os tipos
propostos não se impõem de forma absoluta – há uma possibilidade de dominância de um
deles e uma tendência de assumirem, em maior ou menor grau, determinados critérios por ela
179
predefinidos. Para reforçar essa relativização, Orlandi (2011) defende que sua tipologia seja
aplicada com grande flexibilidade.
2.1.1 Gêneros discursivos nas perspectivas de Bakhtin e Maingueneau
A problematização das classificações discursivas passa também pela noção de
gêneros9. Bakhtin é um dos autores que trabalham esse enquadramento e, diferentemente de
Orlandi, acata sem restrições a proposta de critérios institucionais e das esferas do
conhecimento para fundamentar o conceito. Para ele, a utilização da língua está atrelada às
diversas atividades humanas, que acabam por definir o conteúdo temático, o estilo e a
construção composicional do que é dito. “Qualquer enunciado considerado isoladamente é,
claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN,
1997, p. 279, grifos do autor).
O filósofo reconhece a “extrema heterogeneidade” dos gêneros discursivos, que
incluem desde os diálogos cotidianos até os textos literários, passando pelas diferentes formas
de manifestações científicas, sociopolíticas, artísticas, entre outras. Para tentar facilitar a
análise teórica dessa infinidade de discursos, ele propõe outra classificação: o gênero de
discurso primário (ou simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Como exemplo
do primário, apresenta a réplica do diálogo cotidiano ou uma carta pessoal. A partir do
momento em que essa réplica ou essa carta são absorvidas por um romance, por exemplo, elas
passam a integrar um discurso secundário, mais elaborado. Ao serem incorporadas ao
discurso literário, essas formas primárias perdem a conexão com a vida cotidiana: há uma
mudança significativa na natureza do discurso.
Por admitir a coexistência entre sua tipologia e aquela que vincula os gêneros às
atividades humanas, Bakhtin enxerga uma articulação irredutível entre os gêneros discursivos
e o estilo dos enunciados. Por isso, pondera que “as mudanças históricas dos estilos da língua
são indissociáveis das mudanças que se efetuam nos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997,
p. 285), ainda que reconheça a relativa estabilidade dos enunciados que formatam os gêneros.
Outro estudioso que se debruça sobre a questão dos gêneros é Maingueneau. Ele
aponta para a utilidade dessa classificação tipológica, constatando que “para um locutor, o
9 Pinto (1999) prefere chamar a variedade de gêneros discursivos de espécies de discursos, porém, sua
fundamentação para essa escolha é apresentada de maneira demasiadamente superficial.
180
fato de dominar vários gêneros de discurso é um fator de considerável economia cognitiva”
(MAINGUENEAU, 2004a, p. 63, grifo do autor). E exemplifica:
Graças ao nosso conhecimento dos gêneros do discurso, não precisamos
prestar uma atenção constante a todos os detalhes de todos os enunciados que
ocorrem à nossa volta. Em um instante somos capazes de identificar um dado
enunciado como sendo um folheto publicitário ou como uma fatura e, então,
podemos nos concentrar apenas em um número reduzido de elementos.
(MAINGUENEAU, 2004a, p. 64).
O linguista chegou a elaborar sua tipologia com três grandes categorias: gêneros
autorais, rotineiros e conversacionais. Entretanto, posteriormente, decidiu revisar sua proposta
original e agrupá-la em apenas duas: gêneros conversacionais e instituídos
(MAINGUENEAU, 2004b). De acordo com alguns estudiosos da obra de Maingueneau, há
uma aproximação entre a classificação sugerida por ele e por Bakhtin. É o que sustenta
Jauranice Rodrigues Cavalcanti (2013, p. 440):
Para Maingueneau, os gêneros conversacionais caracterizam-se por não ter
uma ligação forte com lugares institucionais, papéis ou roteiros estáveis, sendo
sua composição e temática bastante instáveis: são os parceiros que ajustam e
negociam a interação enquanto essa ocorre. Os gêneros instituídos, ao
contrário, estabelecem a priori papéis para seus participantes que, no geral,
permanecem constantes ao longo da interação.
Dessa maneira, na visão dessa autora, os gêneros conversacionais estariam para os
primários, de Bakhtin, assim como os gêneros instituídos corresponderiam aos secundários.
Maingueneau (2004b) subdivide essa categoria mais complexa em quatro modos que,
resumidamente, variam dos enunciados mais engessados e quase blindados a variações
(gêneros instituídos de modo I) até aqueles caracteristicamente mais personalizados ou
autorais (gêneros instituídos de modo IV), em que é possível explorar certo grau de
originalidade. Catálogos telefônicos e registros de cartórios se colocam como exemplos dos
modos mais fechados, enquanto romances e telenovelas se encaixam nos gêneros mais
flexíveis.
Com base nessas distinções de tipos e gêneros discursivos, esta pesquisa adota a
classificação apresentada inicialmente por Bakhtin, de gêneros identificados com atividades
humanas – e que Maingueneau adapta para atividades sociais. Portanto, os gêneros de
discursos jornalísticos e de discursos organizacionais evidenciam algumas características que
tendem a facilitar o trabalho de AD.
181
O primeiro tem por finalidade transmitir informações e formar opinião entre seus
interlocutores; estabelece uma parceria legítima entre o jornalista e o veículo de comunicação
(enunciadores) com o público consumidor das informações (coenunciador); é exercido a partir
de lugares legítimos: a redação, enquanto local do enunciador, e o espaço itinerante do
receptor, que pode ter acesso às notícias em qualquer ambiente; pressupõe momentos
igualmente legítimos, envolvendo a periodicidade, a continuidade e a validade das
matérias/artigos; exige um suporte técnico para sua viabilização; e obedece a um determinado
padrão de organização textual (ou construção composicional, como prefere Bakhtin). Esses
requisitos fazem parte da concepção de gêneros de discurso de Maingueneau (2004a).
Por sua vez, o gênero de discurso organizacional também apresenta características
que o identificam. Sua finalidade é proporcionar a circulação de informações que possam
atender às necessidades e/ou interesses da organização e dos públicos com as quais se
relaciona; permite a criação de relacionamentos entre a empresa e seus interlocutores internos
e externos; o enunciado é concebido em um determinado ambiente físico ou virtual onde a
organização esteja instalada ou em espaços temporariamente definidos como pontos de
encontro com seus interlocutores; o discurso organizacional envolve também a questão
temporal: os enunciados podem ser ora perecíveis ora perenes, dependendo do que é
comunicado e em quais circunstâncias; predominantemente, o enunciado requer um suporte
material para sua circulação e armazenamento; a elaboração textual possui características
próprias, podendo variar desde documentos administrativos padronizados até criativas
campanhas publicitárias.
Esses elementos fundamentam a inserção das formações discursivas do caso Yahoo
nos gêneros acima indicados, porém, não haveria quaisquer objeções para que elas pudessem,
paralelamente, ser enquadradas nos gêneros secundários, de Bakhtin, ou instituídos, de
Maingueneau. Também não haveria justificativa para afastá-las dos discursos polêmicos
preconizados por Orlandi. A definição da tipologia constitui condição necessária para a
compreensão dos conceitos de deslocamento e de deslizamento de sentidos, que serão tratados
na próxima seção. Eles entram em cena porque o texto a ser analisado apresenta uma
construção discursiva híbrida – a fala sobre a empresa e a fala da empresa compõem o mesmo
enunciado, conforme será demonstrado a seguir.
2.2 Deslocamento e deslizamento: movimentos de ressignificação
182
Antes de resgatar os dois conceitos, é interessante introduzir uma das matérias
jornalísticas selecionadas para a análise de discurso envolvendo a Yahoo. A propósito, o
corpus foi coletado em sites especializados em empregos e carreiras durante dois momentos
distintos: início de 2013, quando a empresa anuncia o fim do home-office para junho do
mesmo ano, e entre o final de 2014 e início de 2015, em uma tentativa de atualização do tema.
O silêncio instituído no intervalo entre esses dois momentos também será objeto de análise.
Cabe, ainda, outro adendo: em geral, as matérias selecionadas para análise grafam
Yahoo com o ponto de exclamação, sinal que é adotado no logotipo da empresa e deixa
marcas de grandiloquência, surpresa, expressividade. No entanto, no site institucional da
Yahoo, que pode ser considerado um discurso formal, a organização se apresenta nos textos
escritos sem a exclamação10
.
A matéria em questão foi publicada no dia 25 de fevereiro de 2013 pela revista digital
“Info Exame”, da Editora Abril11
. Ao final, o texto reproduz, na íntegra, a tradução do
memorando interno distribuído aos funcionários da empresa, um autêntico enunciado
organizacional.
Marissa Mayer elimina home office no Yahoo!
Por Barbara Ladeia, de Exame.com • segunda, 25 de fevereiro de 2013
Paul Zimmerman/Getty Images for TechCrunch/AOL
Uma das principais tarefas de Marissa Mayer é enxugar a estrutura da empresa, que inchou ao longo dos últimos 15 anos
10
A narrativa desta tese segue o discurso formal da empresa localizado no site norte-americano
(https://info.yahoo.com/, acesso em: 22 maio 2015), sem o uso da exclamação, mas reproduz a grafia encontrada
nos textos jornalísticos. 11
A Info Exame começou a circular em 1986 como um encarte impresso da revista de economia e negócios
Exame. Além do foco em informática, trata de tendências científicas e tecnológicas. A estimativa do número de
leitores é de aproximadamente 600 mil. Em dezembro de 2014, a Editora Abril anunciou o fim da impressão da
revista, informando que a publicação continuaria apenas em versão digital. Informações obtidas em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Info_Exame. Acesso em: 27 maio 2015.
183
São Paulo - Na contramão das tendências em recursos humanos, o Yahoo! anuncia o fim do
home office em todos os países onde atua. A partir de junho, todos os funcionários deverão
trabalhar nos escritórios da empresa.
Em nota, divulgada a todos os funcionários na última sexta-feira, Jackie Reses, vice-
presidente executiva de pessoas e desenvolvimento, afirmou que ―velocidade e qualidade são
muitas vezes sacrificadas quando se trabalha de casa‖.
Segundas intenções - No entanto, essa pode estar sendo mais uma das decisões de Marissa
Mayer com a intenção de diminuir os custos operacionais da empresa, os quais cresceram
muito nos últimos 15 anos.
Segundo a Business Insider, um dos efeitos colaterais dessa decisão seria a demissão
voluntária daqueles que não pretendem se encaixar na nova regra da companhia. Embora
não tenha mencionado demissões após ser empossada no cargo, uma das principais
preocupações de Mayer seria reduzir os gastos.
Para isso, colocou Ken Goldman na posição de Chief Financial Officer (CFO), veterano da
indústria de tecnologia. Segundo o analista na JMP Securities LLC, Erik Suppiger, em
entrevista à Bloomberg, Goldman é conhecido no mercado por sua capacidade de corte de
custos e melhoria da gestão de recursos.
Veja a tradução da nota enviada por Jackie Reses a todos os funcionários
―Ao longo dos últimos meses, introduzimos uma série de grandes benefícios e ferramentas
para nos tornar uma empresa mais produtiva, eficiente e divertida. Com a introdução de
iniciativas como FYI, Metas e PB&J, queremos que todos participem na nossa cultura e
contribuam para esse impulso positivo. De Sunnyvale a Santa Monica, Bangalore a Pequim -
acho que todos nós podemos sentir a energia e os zumbidos nos nossos escritórios.
Para se tornar o melhor lugar para trabalhar, comunicação e colaboração serão
importantes, por isso temos de estar trabalhando lado-a-lado. É por isso que é fundamental
que estejamos todos presentes em nossos escritórios. Algumas das melhores decisões e ideias
vêm de discussões no corredor e na cafeteria, vem de conhecer novas pessoas e das reuniões
improvisadas. Velocidade e qualidade são muitas vezes sacrificadas quando se trabalha de
casa. Nós precisamos ser um Yahoo!, e isso começa por estarmos fisicamente juntos.
A partir de junho, pedimos a todos os funcionários em home office para trabalhar nos
escritórios do Yahoo!. Se isso impacta você, seu gestor já está ciente dos próximos passos.
Para o resto de nós, que ocasionalmente têm de ficar em casa para esperar o rapaz da
televisão a cabo, por favor, use o bom senso no espírito de colaboração. Ser um Yahoo não
envolve apenas o seu trabalho cotidiano, mas também as interações e experiências que só são
possíveis em nossos escritórios.
Obrigada a todos vocês, nós já fizemos um progresso notável como uma empresa – e o
melhor ainda está por vir.‖12
12
Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/carreira/marissa-mayer-elimina-home-office-no-yahoo-
25022013-34.shl. Acesso em: 25 ago. 2014.
184
O texto acima será analisado de forma detalhada no decorrer deste capítulo. Por ora, a
pesquisa se dirige aos efeitos da conexão entre os dois gêneros de discurso no mesmo
enunciado. A discussão pode começar pela investigação da autoria e da recepção. O
comunicado organizacional foi produzido pela instituição Yahoo, assinado pela vice-
presidente executiva de pessoas e desenvolvimento, Jackie Reses, que fala em nome da
presidente e diretora executiva Marissa Mayer. O objetivo do memorando é atingir o público
interno da empresa.
O sujeito enunciador do discurso jornalístico é, outrossim, polifônico. Podem ser
enumeradas a revista Info, a repórter que assina a matéria, Barbara Ladeia, a editora Abril, as
fontes que se manifestam no texto (o site Business Insider, o analista Erik Suppiger e a revista
de negócios americana Bloomberg), além da própria Yahoo, por meio do documento
reproduzido. O coenunciador ideal do discurso jornalístico é o público interessado em
negócios, empregos e carreiras, especialmente focado no mercado de tecnologias da
informação. No entanto, como o site da Info é acessível a qualquer internauta e não há
restrições de leitura, o público receptor real é composto pela heterogeneidade.
Essa movimentação de textos indica que um discurso teoricamente “privado”, dirigido
a funcionários da organização, sofreu um deslocamento para outra formação discursiva, a
jornalística, tornando-se de domínio público e angariando múltiplas (re)interpretações dos
novos coenunciadores. Considerando o pensamento pêcheuxiano de que “as palavras mudam
de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra” (ORLANDI, 2011, p. 27),
pode-se inferir que os significados do discurso absorvido pelo gênero jornalístico serão
reacomodados ou reestruturados.
A origem conceitual de deslocamento é atribuída a Pêcheux, ao mencionar a provável
circulação de enunciados entre diferentes regiões discursivas.
Nessa perspectiva, o interdiscurso, longe de ser efeito integrador da
discursividade, torna-se desde então seu princípio de funcionamento: é porque
os elementos da sequência textual, funcionando em uma formação discursiva
dada, podem ser importados (meta-forizados) de uma sequência pertencente a
uma outra formação discursiva que as referências discursivas podem se
construir e se deslocar historicamente. (PÊCHEUX, 2014, p. 158, grifo do
autor).
A partir dessa concepção, outros pesquisadores passam a explorar a definição e a
confrontá-la com a ideia de deslizamento. “Considero que um movimento de ressignificação
185
pode ocorrer de duas formas: pode ser caracterizado como um deslocamento de uma formação
discursiva para outra, ou como um deslizamento entre posições-sujeito no âmbito de uma
mesma formação discursiva” (MITTMAN, 2014, p. 37-38, grifos da autora).
Os dois fenômenos representam, de acordo com a pesquisadora, possibilidades de
atribuir novos significados ao acontecimento enunciado, sendo que o deslocamento envolve
basicamente a troca de lugares discursivos e seus efeitos. Quando a Yahoo se apresenta a seus
funcionários como uma empresa divertida, está assumindo certa leveza na rotina de trabalho,
o que pode constituir um sentido positivo. Ao se deslocar para o discurso jornalístico, a
caracterização de empresa divertida será ressignificada e é possível que alguns interlocutores
a interpretem como falta de seriedade, um sentido não desejável aos olhos do mercado.
O que motiva um deslocamento? No caso da reportagem acima, uma leitura plausível
é a busca da credibilidade através da completude13
. Ao transferir a íntegra do texto do
ambiente interno da empresa para o circuito noticioso da Info, o enunciador não somente
apresenta uma comprovação irrefutável do que é dito como revela a
permeabilidade/vulnerabilidade da comunicação interna da organização. O que pode e o que
deve ser dito – questão colocada por Pêcheux em seu conceito de formação discursiva – e a
relação de poder entre a organização e a mídia ficam em evidência nessa reflexão.
O conceito de deslizamento envolve outro grau de complexidade e requer a
compreensão do binômio posição-sujeito.
Considerando a diferença entre as concepções de formação discursiva (de
Foucault, com busca de uma regularidade, e de Pêcheux, na redação com a
formação ideológica) descrita acima, cabe trazer aqui a diferença entre as duas
concepções de posição-sujeito. Para Foucault, a posição-sujeito é um lugar
vazio que pode ser ocupado por qualquer indivíduo. Já na perspectiva dos
analistas do discurso que seguem os preceitos de Pêcheux, a posição-sujeito é
pensada a partir das relações de identificação ou contra-identificação com uma
formação discursiva (o que Pêcheux chama de tomada de posição), o que leva
a concluir que a posição-sujeito é já ocupada pelos saberes de uma formação
ideológica. (MITTMAN, 2014, p. 38).
A noção de posição-sujeito, a partir da intervenção da pesquisadora, se coloca
interligada à condição de autoria e pode ou não envolver aspectos da formação ideológica,
dependendo da abordagem teórica escolhida. O processo de ressignificação estabelecido a
partir do deslizamento pressupõe uma negociação entre a produção de sentidos concebida
13
O mesmo raciocínio a respeito da motivação do deslocamento pela Info é válido para esta tese – um discurso
do gênero científico que se apropria de narrativas jornalísticas, organizacionais e de uma variedade de discursos
científicos anteriores com a finalidade de avalizar o conhecimento em construção.
186
dentro da mesma formação discursiva, bem como entre a atribuição de sentidos por parte do
interlocutor, que será convidado a perceber a troca de vozes – sem garantia efetiva de que
consiga identificar essa movimentação e compreender seus efeitos.
O deslizamento é observável na formação discursiva jornalística publicada pela revista
Info. O processo de ressignificação de sentidos reflete a tensão na posição-sujeito, ora
ocupada pelo discurso empresarial em defesa do fim do home-office, ora preenchida por uma
construção textual contrária à medida – “na contramão das tendências em recursos humanos,
o Yahoo! anuncia o fim do home office em todos os países onde atua‖, posiciona-se, logo no
início, a reportagem.
[...] uma palavra ou expressão nunca possui sentido evidente, nem o sentido
está colado a ela. Dessa forma, as palavras e expressões escorregam, deslizam
seus sentidos de acordo com as FDs [formações discursivas] em que estão
inscritas. O trabalho do analista é, por isso, considerar os ditos e não-ditos, os
possíveis deslizamentos e deslocamentos de sentido entre os diferentes
discursos. (MEDEIROS; NOBLE, 2014, p. 7).
Deslocamento e deslizamento manifestam-se, assim, como mecanismos dialógicos do
discurso e permitem que o analista apreenda as relações estabelecidas entre os elementos
linguísticos e a exterioridade do texto. Nesse sentido, a inserção do comunicado interno no
enunciado confronta o discurso organizacional com seu contrário, em termos ideológicos.
Uma avaliação superficial poderia confundir a decisão editorial da revista com o respeito ao
princípio de pluralidade de opiniões, comumente defendido pelos discursos institucionais
midiáticos. Entretanto, o tratamento jornalístico dispensado ao tema controverte essa análise –
e os processos de ressignificação aqui estudados fundamentam essa percepção.
A seguir, a incursão pela AD aproxima-se da teoria dos atos de fala, consagrada por
ajudar a identificar possíveis intencionalidades do discurso. Austin (1990) explica a íntima
relação entre dizer e fazer ao propor os conceitos de ilocução ou força ilocucionária e de
perlocução ou ato perlocucionário. Embora essa teoria venha sendo criticada por sua
incapacidade de dar conta de explicar em profundidade o uso da linguagem, ela oferece o
suporte necessário para uma análise performativa do discurso organizacional da Yahoo.
2.3 Quando dizer é fazer e o pedido vira ordem
Tem origem na filosofia da linguagem a teoria dos atos de fala, concebida pelo
britânico John Langshaw Austin (1911-1960) para tentar explicar o uso que se faz da
187
linguagem no cotidiano. Para o filósofo, em determinadas condições, dizer equivale a fazer –
no sentido de agir. O exemplo clássico citado pelo autor é dizer “aceito” em uma cerimônia de
casamento. O noivo (ou noiva), no caso, não está simplesmente pronunciando um ruído ou
relatando algo, está se casando, realizando um ato.
Quando o dizer concretiza uma ação, Austin explica que o proferimento é
performativo. “[...] Caracterizamos, de modo preliminar, o proferimento performativo como
aquela expressão linguística que não consiste, ou não consiste apenas, em dizer algo, mas em
fazer algo, não sendo um relato, verdadeiro ou falso, sobre alguma coisa” (AUSTIN, 1990, p.
38). Desse modo, de acordo com o estudioso, a fala performativa pode ser feliz (se obtiver o
resultado previsto) ou infeliz (se não atingir seu objetivo). Para que um proferimento
performativo seja feliz, é necessário que as circunstâncias sejam adequadas e que o falante
seja autorizado a se pronunciar.
Em contraponto aos performativos, Austin apresenta os proferimentos constatativos,
aqueles que se limitariam a descrever, relatar ou informar algo e, em função disso, podem ser
verdadeiros ou falsos. Um exemplo seria a frase “Essa bicicleta é amarela”. A classificação,
aparentemente, é revestida de simplicidade. No entanto, o próprio Austin demonstra certa
insegurança em relação à proposta – ele chega a indicar um teste gramatical para que o
analista verifique se o verbo é, de fato, performativo ou constatativo14
. Para tentar sustentar a
validade da relação entre o dizer e o fazer, o autor propõe, então, outra categorização: atos
locucionários, atos ilocucionários e atos perlocucionários.
O primeiro seria aquele em que se diz algo com sentido, levando-se em conta a
gramática e as referências. Os atos ilocucionários seriam aqueles que, ao serem proferidos,
indicam uma intenção – estão intrinsecamente ligados aos proferimentos performativos. O
autor correlaciona a esse tipo de ato uma força ilocucionária, uma capacidade de provocar
efeitos. “Em geral, o efeito equivale a tornar compreensível o significado e a força da locução.
Assim, a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua apreensão” (AUSTIN,
1990, p. 100, grifo do autor). Já o ato perlocucionário é aquele que, efetivamente, provoca
efeitos no interlocutor em função do que foi dito15
.
14
O teste consiste em verificar se o proferimento performativo está formulado na primeira pessoa do singular do
presente do modo indicativo da voz ativa, por exemplo, “Aposto que meu time vencerá”. A fórmula, no entanto,
só é válida para performativos explícitos. 15
O exemplo a seguir, publicado por Josué Cândido da Silva (2007), pode contribuir para o entendimento da
teoria: “O primeiro deles é o ato locucionário, ou seja, o ato de dizer a frase. O segundo ato é o que Austin
chama de ilocucionário, o ato executado na fala, ou seja, ao proferir um ato locucionário. Nesse caso, ao dizer "o
senhor está pisando no meu pé" não tive a simples intenção de constatar uma situação, mas a de protestar ou
advertir para que a outra pessoa parasse de pisar no meu pé. Por fim, há ainda um terceiro ato, chamado de
188
Para que esses atos se realizem, é mister “uma combinação de intenções do falante e
convenções sociais com diferentes graus de formalidade” (MARCONDES, 2003, p. 28). A
subjetividade caracteriza as intencionalidades do enunciador, enquanto as convenções
condicionam as formas do dizer – os interlocutores seguem, invariavelmente, determinados
hábitos e condutas ao se pronunciar.
Como forma de distinguir os atos ilocucionários dos perlocucionários, Austin sugere a
aplicação da metodologia “ao dizer” e “por dizer”. Assim, quando um enunciado se associar à
fórmula “ao dizer algo eu estava dando uma ordem, exigindo uma postura, fazendo um
pedido ou uma promessa”, por exemplo, estaria estabelecida uma ilocução. Já a expressão
“por dizer algo eu consegui isso, eu provoquei aquilo, ou ainda, eles tomaram tal decisão”,
constitui um ato perlocucionário, desde que o efeito seja concretizado.
Quando a cúpula da Yahoo escreve “A partir de junho, pedimos a todos os
funcionários em home office para trabalhar nos escritórios do Yahoo!.”, uma força
ilocucionária se manifesta. Utilizando a fórmula austiniana, ao proferir esse enunciado, a
empresa está, na verdade, comunicando uma decisão e imprimindo uma ordem. Até mesmo os
encaminhamentos seguintes estão explícitos: “Se isso impacta você, seu gestor já está ciente
dos próximos passos”. O próprio Austin, ao elaborar uma listagem de verbos com força
ilocucionária, acrescenta, entre eles, o pedir.
A força ilocucionária se constrói, nesse caso, a partir de argumentos que antecedem o
enunciado performativo: “Para se tornar o melhor lugar para trabalhar, comunicação e
colaboração serão importantes, por isso temos de estar trabalhando lado-a-lado. É por isso
que é fundamental que estejamos todos presentes em nossos escritórios. Algumas das
melhores decisões e ideias vêm de discussões no corredor e na cafeteria, vem de conhecer
novas pessoas e das reuniões improvisadas. Velocidade e qualidade são muitas vezes
sacrificadas quando se trabalha de casa. Nós precisamos ser um Yahoo!, e isso começa por
estarmos fisicamente juntos”. A tentativa de convencimento da empresa é elaborada em cima
de situações exclusivas do convívio face a face.
Segundo Leosmar Aparecido da Silva (2007, p. 3), “se um ato deve considerar o que é
dito, o que o interlocutor entende, a força do dito e o seu efeito, num determinado enunciado,
o interlocutor pode entender uma ordem como um pedido ou um pedido como uma ordem”.
No enunciado analisado, há vestígios que indicam que não se trata deliberadamente de um
pedido – e os interlocutores podem sim apreender o discurso como uma ordem.
perlocucionário, que é o de provocar um efeito em outra pessoa através da minha locução, influenciando em
seus sentimentos ou pensamentos. Na situação descrita, para que o outro tire o pé de cima do meu.”
189
A princípio, o comunicado interno teria por objetivo apenas convencer os funcionários
a trabalhar nos escritórios. Caso essa finalidade fosse cumprida a contento, o efeito do
enunciado seria concretizado e o proferimento performativo poderia ser considerado feliz.
“Austin afirma que, para que haja um performativo feliz, é necessário que exista um
procedimento convencional, a certeza de um efeito convencional, as palavras adequadas
proferidas pelas pessoas adequadas nas circunstâncias adequadas, e todo o rito deve ser
executado por todos os participantes de forma correta e completa” (SILVA, L., 2007, p. 3).
Essa seria uma conclusão pertinente se o analista de discurso tivesse considerado
apenas o discurso organizacional. Porém, a interdiscursividade e o dialogismo entre os
enunciados revelam que há outros interesses em cena. O texto jornalístico sugere que a Yahoo
tomou a decisão de eliminar o trabalho em casa porque precisa enxugar custos – o que pode
ser observado na legenda da fotografia, no intertítulo “segundas intenções” e nos três
parágrafos seguintes, com destaque para o trecho “um dos efeitos colaterais dessa decisão
seria a demissão voluntária daqueles que não pretendem se encaixar na nova regra da
companhia”.
É absolutamente previsível que a empresa jamais enunciasse algo como “precisamos
enxugar custos e por isso gostaríamos que aqueles que não aceitarem a norma de trabalhar nos
escritórios da empresa peçam demissão”. O que a organização deixou de dizer – o não-dito –
foi substituído por outro dizer16
. Danilo Marcondes (2003, p. 37, grifo do autor) decifra
situações em que ocorre essa omissão do dizer:
Porém, há muitos atos de fala indiretos que são realizados de modo indireto
porque, por diversas razões, devem permanecer indiretos, porque não podem
ter sua força ilocucionária explicitada, caso contrário, fracassariam ou seriam
mal sucedidos. A ironia e a insinuação são exemplos disso, assim como a
barganha. Como tornar explícitos estes atos que resistem à explicitação é um
dos principais desafios que o método deve enfrentar.
A solução metodológica encontrada para verificar intencionalidades não-ditas foi a
comparação e o confronto do discurso organizacional com o discurso jornalístico ou, em
outras palavras, um olhar mais atento à manifestação do dialogismo. A análise não permite
comprovar, no entanto, a efetivação do ato perlocucionário subentendido em “por dizer „a
partir de junho, pedimos a todos os funcionários em home office para trabalhar nos
escritórios do Yahoo!‘, os funcionários que não se enquadraram pediram demissão”.
16
Discussão mais aprofundada sobre o não-dito e o silêncio nos discursos será apresentada na próxima seção.
190
O efeito do dizer se mostra, nesse caso, hipotético, porque não foram localizados na
mídia especializada registros sobre a operacionalização do fim do home-office. Sem acesso a
essa informação, não seria possível constatar a adesão dos funcionários ao trabalho nos
escritórios (efeito anunciado pela organização) ou prováveis pedidos de demissão voluntária
(efeito sugerido pela revista Info). Contudo, foram encontrados mais recentemente – dois anos
após a divulgação do comunicado – indícios que permitem atribuir certo fundamento ao
enunciado jornalístico17
.
A nova safra de matérias revela a política recessiva adotada pela organização. Esta
pesquisa selecionou três títulos, com os respectivos lides, como forma de ilustração:
Texto n. 1:
Yahoo encerra suas operações na China18
por Gabriel Garcia 19/03/2015 10h37
O Yahoo anunciou que irá fechar seu último escritório na China, em uma medida que
deve cortar 300 vagas. A empresa havia vendido suas operações na China para o Alibaba,
em 2005.
Em processo de redução de despesas e cortes de funcionários no mundo todo, a
empresa afirmou a seus empregados em Pequim que irá fechar o escritório local. Apesar de
não dizer quantos cortes serão feitos na China, a empresa empregava entre 200 e 300
funcionários no país.
Texto n. 2:
Yahoo demite 400 funcionários na Índia19
07 de outubro de 2014 17h38
BANGALORE – O Yahoo está diminuindo o tamanho de suas operações em
Bangalore, na Índia — no país asiático, a empresa concentra seu maior centro de engenharia
fora dos EUA. Em declaração distribuída à imprensa nesta terça-feira, a empresa declarou
que estava adequando algumas de suas equipes a escritórios menores, com a dispensa de 400
funcionários.
Texto n. 3:
17
Nova busca de textos jornalísticos foi realizada na plataforma Google no primeiro semestre de 2015 em sites
de língua portuguesa e inglesa; as palavras-chave digitadas foram Yahoo, home-office e funcionários
(employees). Foram localizadas várias matérias informando sobre cortes e demissões na organização, mas
nenhuma menção ao fim do home-office. 18
Texto completo da revista Info disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/mercado/2015/03/yahoo-
encerra-suas-operacoes-na-china.shtml. Acesso em: 25 mar. 2015. 19
Matéria original retirada do blog Link, no portal Estadão, disponível em:
http://blogs.estadao.com.br/link/yahoo-demite-400-funcionarios-na-india/. Acesso em: 25 mar. 2015.
191
Yahoo terá de demitir 1400 funcionários, dizem analistas20
Adeline Daniele, da INFO 10/04/2015 12:04
Segundo analistas da Morgan Stanley, empresa global de serviços financeiros, a CEO
Marissa Mayer teria que demitir mais 1 400 funcionários para manter a receita
do Yahoo estável neste ano.
As demissões fariam parte de uma série de cortes que a empresa tem feito em seu
quadro de funcionários desde outubro do ano passado.
Com base nessa complementação do corpus de pesquisa, pode-se inferir que os efeitos
hipotéticos do ato perlocucionário se transformam em efeitos potenciais – ainda assim, não
comprovados pela mídia especializada. Os três enunciados apresentados acima revelam, ao
menos, que a organização tinha a intenção e a necessidade de cortar gastos. Dessa forma, a
teoria dos atos de fala contribui para elucidar o uso da linguagem pela empresa e pela mídia.
Algumas fragilidades na concepção da teoria, no entanto, têm sido diagnosticadas por
estudiosos da obra de Austin. Adriano Nunes de Freitas (2009) aponta pelo menos duas. A
primeira seria comparar enunciados de diferentes níveis, o que, segundo ele, incorre em
resultados distorcidos. Ou seja, na visão desse autor, não é possível comparar “aceito me
casar” ou “prometo que vou lhe escrever” com “essa bicicleta é amarela”. Para se situar no
mesmo nível, o performativo da última sentença, que está implícito, deveria estar evidente:
“informo que essa bicicleta é amarela”. “A ausência do termo indicador da função pode
provocar a ilusão de que estamos „meramente dizendo algo!‟ Como se isso já não fosse fazer
alguma coisa” (FREITAS, 2009, p. 34). Para o pesquisador, há inconsistência nas definições
de proferimentos constatativos e performativos, pois, ao descrever algo também se cumpre a
função performativa de informar.
A segunda crítica de Freitas está relacionada ao que Austin entende por ação. De
acordo com o autor, o filósofo teria utilizado seu conhecimento na área jurídica para associar
a ideia de fazer à noção de ato jurídico, o que acaba constituindo uma limitação para os atos
de fala. “A noção de ato jurídico parece ter sido usada como base para caracterizar os
proferimentos performativos porque através deles – de maneira semelhante ao que acontece
20
Texto completo na área de negócios da revista Exame.com, disponível em:
http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/yahoo-tera-de-demitir-1400-funcionarios-dizem-analistas. Acesso
em: 24 maio 2015.
192
na área jurídica – também podemos fazer coisas com palavras em um sentido especial”
(FREITAS, 2009, p. 35, grifo do autor).
Outros descompassos envolvendo a teoria do britânico são apontados por Marcondes
(2003). Depois de consultar autores que tentam dar continuidade ao pensamento de Austin, o
pesquisador enumera os seguintes problemas: 1) a inviabilidade de avaliar cientificamente
casos particulares que tratam de situações concretas do uso da linguagem; 2) a falta de
definição do peso que as condições subjetivas e convencionais exercem sobre o proferimento
bem-sucedido; 3) a ausência de foco no processo de interação (a teoria é direcionada ao
falante); 4) o baixo nível de sofisticação da classificação das forças ilocucionárias proposta
por Austin; 5) a incapacidade de explicar os elementos implícitos dos enunciados.
De fato, algumas incongruências apontadas pelo investigador foram detectadas no
processo de análise, especialmente a última. Todavia, não chegam a inviabilizar a AD, já que,
como acrescenta o próprio Marcondes (2003, p. 36), “nenhuma análise pode jamais esgotar o
ato em toda a sua complexidade e o alcance da análise depende do enfoque adotado”. A teoria
dos atos de fala se mostra suficiente para, conjuntamente com as outras perspectivas teóricas
adotadas neste capítulo, permitir a avaliação da terceira hipótese.
2.4 O silêncio, o não-dito e seus significados
A análise de discurso em andamento requer uma abstração a respeito do silêncio. Ao
menos em duas situações ele se mostra instigante no caso Yahoo – no momento em que a
mídia se cala sobre a polêmica envolvendo o fim do home-office na empresa, justamente no
período em que a regra deveria entrar em vigor, e quando a organização adota um discurso
para justificar a decisão, elege argumentos que constroem um sentido com essa finalidade e
acaba por silenciar outros.
2.4.1 A descontinuidade do dito e a perspectiva do silêncio local
No primeiro caso, não se pode falar em silenciamento absoluto, e sim em um silêncio
substancial se comparado ao alvoroço midiático estabelecido por ocasião do anúncio da
medida, entre fevereiro e maio de 2013. A magnitude conferida ao debate pelos veículos de
comunicação especializados em negócios está fartamente registrada na internet, em sites de
língua inglesa, portuguesa e espanhola, anunciando e repercutindo a polêmica deliberação da
empresa naquele momento.
193
Nenhum texto jornalístico abordando o assunto foi localizado por esta pesquisa
durante a implantação da norma proibitiva, em junho daquele ano, nem nos meses
subsequentes, como forma de avaliar os resultados. O fato de não terem sido encontradas
novas matérias não exclui a possibilidade de que elas tenham sido produzidas. O que se pode
inferir é que a eventual circulação, caso tenha ocorrido, foi bastante restrita. Essa é a primeira
situação de silêncio que será trabalhada teoricamente a partir de agora.
Orlandi (2007) reposiciona a concepção do silêncio nos estudos da linguagem ao
propor que, ao invés de pensá-lo como falta, seria conveniente vislumbrar a própria
linguagem como excesso. Ou seja, a pesquisadora promove o silêncio à condição de figura
discursiva e o afasta da posição quase automática de fundo. Na prática, confere a ele certo
protagonismo, sugerindo uma análise a partir de sua face positiva.
Segundo ela, o silêncio é condição para o significado e “há um sentido no silêncio”
(ORLANDI, 2007, p. 12). Embora difícil de ser observado e problematizado, o silêncio é
real, é certo, está lá. O poeta sul-mato-grossense Manoel de Barros (2015, p. 115) revela
detalhes de quando conseguiu, supostamente, “fotografá-lo”:
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça21
.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski –
seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
21
Nuvem de calça é o título de um poema sobre o amor não correspondido escrito pelo russo Vladimir
Maiakóvski (1893-1930).
194
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua
noiva.
A foto saiu legal.
Se o trecho “foi difícil fotografar o sobre” sintetiza a complexidade que se impõe ao
poeta para captar a imagem do silêncio, o fragmento “a foto saiu legal” indicaria o ato
consumado. Na análise de discurso não é diferente: como o silêncio é real e é certo, sua
apreensão teórica torna-se possível. Incerta se mostra a linguagem, que pode ou não
entrecortá-lo.
A tentativa de Orlandi de elevar o silêncio a uma categoria superior se justifica pelo
entendimento da comunicação como modelo privilegiado/hegemônico na sociedade
contemporânea – a linguista fala em uma “ideologia da comunicação, do apagamento do
silêncio” (ORLANDI, 2007, p. 35). É como se o uso da linguagem verbal e não-verbal
respondesse por um movimento existencial. O não-dizer e o não-manifestar-se incomodam, a
ponto de o sujeito se tornar uma espécie de refém das referências simbólicas.
Ainda na esteira de Orlandi (2007, p. 29-30), “o homem está „condenado‟ a significar.
Com ou sem palavras, diante do mundo, há uma injunção à „interpretação‟: tudo tem de fazer
sentido (qualquer que ele seja). O homem está irremediavelmente constituído pela sua relação
com o simbólico”22
. Se a fala comunica, o silêncio idem.
A visão da linguística sobre o silêncio é apenas uma perspectiva de análise; a poética é
outra. A psicanalista Juliana Hernandez recorreu a vários campos da cultura, inclusive a
linguística, na tentativa de compreender o silêncio – ora apaziguador, ora insuportável –
relatado por uma paciente. Outras contribuições surgiram da própria psicanálise, da literatura,
da religião, da filosofia e da matemática.
Na abordagem matemática, um dos significados do silêncio é equiparado ao algarismo
zero. Da mesma forma como a linguista Orlandi pressupõe o silêncio como condição para o
significado, “o zero é o enigma que envolve essa condição de possibilidade do um; o nada em
que se abriga o mistério da origem, e que, como tal, precede o um” (KOVADLOFF, 2003, p.
100 apud HERNANDEZ, 2004, p. 144).
O estudo de Hernandez revela que, independentemente da perspectiva do campo de
análise, o silêncio se apresenta sempre com um duplo estatuto, podendo exercer mais de uma
22
Parafraseando o axioma dos teóricos de Palo Alto (não se pode não comunicar), do pesquisador Marcondes
Filho (não se pode não sinalizar), e do próprio Goffman (2010, p. 45) com “o indivíduo não pode não dizer
nada”, Orlandi (2007, p. 70) decreta: “não se pode não significar”.
195
função. Se o zero equivale ao nada, ao vazio, a autora explica que o silêncio no sentido de
falta, de subtração, corresponderia, na matemática, ao menos um (-1).
Desta forma, a falta sempre será relacionada com uma retirada. Primeiro, é
preciso que haja a ruptura de uma experiência total (aliás, só perceptível como
total uma vez finda, já que um contínuo de nada ou de silêncio não é
perceptível), para que a descontinuidade permita o reconhecimento do estado
ou condição anterior. É a quebra, a ruptura, o corte, a castração, que permitirá
que algo exista [...]. (HERNANDEZ, 2004, p. 145).
A concepção de silêncio enquanto falta fundamenta o fenômeno observado na
cobertura jornalística envolvendo a Yahoo, caracterizado pela descontinuidade. Contudo,
antes de desenvolver a análise específica dessa situação discursiva, é válido conhecer as
classificações atribuídas ao silêncio por Orlandi (2007, p. 24):
[...] distinguimos entre: a) o silêncio fundador, aquele que existe nas palavras,
que significa o não-dito e que dá espaço de recuo significante, produzindo as
condições para significar; e b) a política do silêncio, que se subdivide em: b1)
silêncio constitutivo, o que nos indica que para dizer é preciso não-dizer (uma
palavra apaga necessariamente as “outras” palavras); e b2) o silêncio local,
que se refere à censura propriamente (aquilo que é proibido dizer em uma
certa conjuntura). Isso tudo nos faz compreender que estar no sentido com
palavras e estar no sentido em silêncio são modos absolutamente diferentes
entre si. E isso faz parte da nossa forma de significar, de nos relacionarmos
com o mundo, com as coisas e com as pessoas.
O silêncio fundador, aquele que institui o espaço para a significação, representa, em
última instância, uma concepção filosófica intrínseca ao silêncio. A compreensão do
funcionamento das duas situações de silenciamento envolvendo a empresa Yahoo se aproxima
mais da política do silêncio, que estabelece fronteiras entre o dizer e o não-dizer. Não obstante
a ideia de censura deva ser ressignificada, a noção de silêncio local se apresenta como
compatível com a falta observada no discurso jornalístico.
Orlandi utiliza, na definição supracitada, o vocábulo “censura”. Entretanto, ao detalhar
o conceito de silêncio local ela substitui essa palavra pela expressão “interdição do dizer”
(ORLANDI, 2007, p. 74) e coloca a censura como um dos exemplos dessa modalidade. O
termo censura, no Brasil e em outros países da América Latina, carrega um sentido
suficientemente institucionalizado, devido ao período do regime militar em que foi
implantada “enquanto política pública de fala e silêncio” (ORLANDI, 2007, p. 75).
196
Na atualidade, nota-se a existência de outras formas menos evidentes e mais
sofisticadas de censura. “Estamos, hoje, diante de processos de interdição plurais, difusos,
indiretos e internacionais, mais adequados a um capitalismo neoliberal, informacional e
globalizado”, aponta Maria Cristina Castilho Costa (2014, p. 29). O acompanhamento dos
enunciados a respeito do fim do home-office na Yahoo evoca uma interrupção na fala, porém,
seria precipitado atribuir essa suspensão a um ato institucionalizado de censura. Não
configura imprudência, todavia, afirmar que interesses difusos poderiam explicar o
silenciamento.
Venício Lima (2014) pontua, por exemplo, que a própria estrutura do mercado das
empresas midiáticas implica um tipo de censura que afeta a capacidade crítica dos veículos de
comunicação, ameaçando a liberdade de imprensa. Essa modalidade de interdição extrapola
os arranjos de negócios.
Além de se transformar em empresa e operar dentro da lógica do capital, a
imprensa passou também a deter o monopólio virtual da construção,
manutenção e reprodução de capital simbólico e, portanto, a funcionar dentro
de outra lógica, isto é, a lógica do poder. (LIMA, 2014, p. 18).
As relações de poder que cercam a organização estudada e a mídia especializada são
desconhecidas. Sabe-se, porém, que toda situação de censura pressupõe movimentos de
resistência. Entretanto, nas buscas realizadas para esta pesquisa, essa manifestação do opor-se
à interdição não transparece. A única materialidade disponível, até o momento, é a da
ausência. Daí a oportunidade de diversificar as possibilidades de leitura dos discursos
disponíveis e do silêncio manifesto, praticando-se, a partir dessa relação, outras escutas.
Antes de atribuir sentidos ao silêncio midiático em estudo, é importante recorrer à
interface comum entre a AD e a premissa do pensamento meadiano, trabalhada no capítulo
anterior, sobre a efetividade de se colocar no lugar do outro para observar as reações da
alteridade e adaptar o discurso ou a conduta.
Na própria produção discursiva, há a inscrição do outro. Se pensarmos o
campo da leitura, isso fica assim: a função-autor tem seu duplo no efeito-
leitor. E isto está constituído na materialidade do texto. Não se pode falar do
lugar do outro; no entanto, pelo mecanismo da antecipação, o sujeito-autor
projeta-se imaginariamente no lugar em que o outro o espera com sua escuta e,
assim, “guiado” por esse imaginário, constitui, na textualidade, um leitor
virtual que lhe corresponde, como um seu duplo. (ORLANDI, 2012, p. 61).
197
Esse exercício de antecipação justifica a prática de leitura adotada nesta AD, com a
instauração do caminho inverso do descrito acima: a análise do silêncio discursivo será
realizada a partir da projeção da analista tentando ocupar, imaginariamente, o lugar de
enunciadores virtuais da mídia com a finalidade de estabelecer conexões que expliquem a
ausência do dito.
Já foi mencionado que o silêncio, enquanto fundador, exerce a função de garantia do
movimento dos sentidos; e que a AD, de certo modo, estimula a adoção de novas práticas de
leitura. Portanto, a partir de toda a articulação teórica esboçada, cabe, enfim, perguntar: o que
significa o silêncio midiático envolvendo o caso Yahoo? Algumas respostas plausíveis,
esboçadas antes e depois do lançamento da biografia sobre a Yahoo: 1) a organização não
quis se manifestar e a mídia lhe assegurou esse direito; 2) haveria uma espécie de pacto
deliberado entre organização e mídia para silenciar sobre o assunto, devido a interesses não
sabidos; 3) o entusiasmo que motivou a mídia por ocasião do anúncio da medida teria se
esgotado; 4) houve interesse por parte da mídia, porém, o acesso à informação sofreu algum
tipo de bloqueio, o que teria desmotivado a continuidade na cobertura (improvável); 5) não
haveria informação nova a ser divulgada, o que tornaria o noticiário repetitivo (improvável);
6) a mídia teria optado pelo silêncio ao, supostamente, ter tido acesso ao número reduzido de
funcionários atingidos pelo fim do home-office, o que não justificaria o intenso debate criado
por ela; 7) o silêncio teria sido proposital para restringir a discussão e evitar que outras
organizações adotassem a mesma medida, o que iria contra os interesses de grupos de
comunicação23
.
Nota-se que, embora esses sentidos atribuídos ao silêncio sejam possíveis, alguns se
mostram inverossímeis. No caso do item 4, impedimentos de acesso à informação costumam
ser driblados pela prática do jornalismo investigativo. O enunciador midiático não dependeria
apenas da fonte oficial – no caso, a empresa – para produzir seu material e poderia ter
recorrido a fontes alternativas. O quinto tópico também indica algum grau de
improbabilidade, considerando que a instituição da medida – ou a eventual desistência de
implantação por parte da empresa – representariam atos novos a serem noticiados, bem como
a repercussão positiva ou negativa da adoção do trabalho nos escritórios. As duas últimas
suposições só puderam ser elaboradas a partir de informações disponibilizadas na biografia de
23
Na seção 4, uma oitava possibilidade será ventilada a partir da teoria de Goffman.
198
Carlson. Até então, a forma como a mídia conduziu a cobertura não permitia afirmar, sequer,
que o fim do home-office havia sido, de fato, adotado pela organização24
.
Os prováveis sentidos atribuídos ao silêncio midiático não se aplicam ao silenciamento
organizacional. Desde o início, a Yahoo se cala sobre a proibição do trabalho em casa. O
portal Business Insider, que funciona como fonte de informação para sites de vários países,
noticia em 23 de fevereiro de 2013 que o memorando interno divulgado naquela data era um
documento confidencial25
. O mesmo Business Insider publica, em 19 de abril daquele mesmo
ano, a notícia intitulada “Marissa Mayer defende o fim do home-office”26
(tradução nossa),
que não é fruto de entrevista com a dirigente nem de qualquer comunicado oficial da
organização. A fala da CEO é obtida a partir de um discurso de encerramento de uma
conferência em Los Angeles dirigida a profissionais de recursos humanos.
Apesar de se apresentar internamente como uma empresa “divertida” e de frequentar
com regularidade o espaço midiático, a Yahoo tem se mostrado uma organização
relativamente fechada do ponto de vista da comunicação organizacional. De acordo com o
conjunto de textos analisados, as únicas circunstâncias recentes que motivaram
pronunciamentos oficiais da empresa foram os anúncios de desativação dos escritórios na
China e na Índia, comunicados por meio de nota à imprensa. Todas as outras matérias
estudadas exibiam como origem o Business Insider, analistas de mercado e fontes não
identificadas ligadas à organização ou aos funcionários. O próprio Nicholas Carlson menciona
que antes, durante e ao final de seu trabalho biográfico, manteve contato com a Yahoo:
Quando estava no início do projeto, procurei o Yahoo e Marissa Mayer a fim
de saber se gostariam de cooperar. Alguns meses e e-mails depois, obtive uma
resposta negativa. Nunca tive essa cooperação. Fiz tentativas frequentes de
mudar esse quadro, enviando e-mails e telefonando enquanto dava andamento
ao projeto. A última vez que falei com o setor de Relações Públicas do Yahoo
sobre este livro foi quando perguntei se a companhia gostaria de ajudar a
checar os fatos que eu citava. A pessoa de RP do Yahoo me disse: “Não
pensamos em participar do livro, nem mesmo da verificação dos fatos”. Por
fim, quando concluí a primeira versão do texto, me prontifiquei a conferir os
fatos relacionados no livro como um gesto de cortesia. Nunca obtive resposta.
(CARLSON, 2015, p. 276).
24
Na biografia há uma breve menção de que a suspensão do home-office teria sido bem-sucedida. “A proibição
de trabalhar em casa aumentou a produtividade” (CARLSON, 2015, p. 257). 25
Disponível em: http://www.businessinsider.com/yahoo-working-from-home-memo-2013-2. Acesso em: 3 jun.
2015. 26
Disponível em: http://www.businessinsider.com/marissa-mayer-defends-her-work-from-home-ban-2013-4.
Acesso em: 4 jun. 2015.
199
O biógrafo acrescenta que, além de não participarem, o setor de RP e a própria
Marissa Mayer teriam instruído funcionários e ex-funcionários da organização, além de
amigos pessoais, a não colaborarem com o levantamento de dados para o livro. Essa postura é
utilizada como justificativa para que o biógrafo recorresse a fontes anônimas para ter acesso
às informações.
2.4.2 Silêncio constitutivo (ou o dizer para não dizer)
A segunda modalidade de silêncio observada nos discursos envolvendo a Yahoo se
manifesta na escolha de sentidos para justificar a decisão da empresa e se enquadra na
categoria de silêncio constitutivo proposta por Orlandi (2007). Nesse caso, o objeto deixa de
ser o discurso jornalístico e passa a se constituir pelo discurso organizacional, mais
precisamente o memorando interno. Contudo, a interdiscursividade se mantém como
elemento indispensável para a AD aqui empreendida.
O silêncio constitutivo é o não-dito necessariamente excluído. Por aí se
apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o
trabalho significativo de uma “outra” formação discursiva, uma “outra” região
de sentidos. O silêncio trabalha assim os limites das formações discursivas,
determinando consequentemente os limites do dizer. (ORLANDI, 2007, p. 73-
74).
Dessa forma, para compreender o silêncio constitutivo, é preciso, previamente,
analisar o dito. A organização faz escolhas lexicais e semânticas – dentro de um contexto
discursivo – para transmitir a seus funcionários a ideia de que trabalhar juntos, em situação de
comunicação face a face, seria a melhor opção para a Yahoo naquele momento. Alguns
enunciados resgatados do memorando traduzem essa noção: “De Sunnyvale a Santa Monica,
Bangalore a Pequim - acho que todos nós podemos sentir a energia e os zumbidos nos nossos
escritórios”; “Para se tornar o melhor lugar para trabalhar, comunicação e colaboração
serão importantes, por isso temos de estar trabalhando lado-a-lado”; e ainda “Algumas das
melhores decisões e ideias vêm de discussões no corredor e na cafeteria, vem de conhecer
novas pessoas e das reuniões improvisadas. Velocidade e qualidade são muitas vezes
sacrificadas quando se trabalha de casa.”
O artifício textual escolhido para tentar convencer os funcionários a aderir à novidade
busca associar a ideia do “fisicamente juntos” (situação face a face, possível apenas nos
escritórios da empresa) a elementos linguísticos carregados de positividade, como a repetição
200
do adjetivo comparativo de superioridade “melhor”: “o melhor lugar para trabalhar” e “as
melhores decisões e ideias”. Já a prática do trabalho em casa aparece vinculada à noção de
“sacrifício” (termo que remete à privação e renúncia) de valores como qualidade e velocidade.
A forma de dizer adotada pela organização faz, ainda, um apelo à “identidade” dos
funcionários, construída pelo uso do infinitivo do verbo “ser”. “Nós precisamos ser um
Yahoo!, e isso começa por estarmos fisicamente juntos” e “Ser um Yahoo não envolve apenas
o seu trabalho cotidiano, mas também as interações e experiências que só são possíveis em
nossos escritórios”. Assim, o trabalho e o convívio face a face passam a compor o DNA de
quem concorda em abandonar o home-office, ao mesmo tempo em que um novo
silenciamento se institui: não há vestígios sobre o que caracterizava “ser um Yahoo” antes do
anúncio da medida. De qualquer forma, o dialogismo bakhtiniano emerge aqui validando seu
contrário: quem não se adaptar à nova regra não é um Yahoo e, portanto, está excluído desse
quadro. O enunciado “ser um Yahoo” faz surgir o implícito “não ser um Yahoo”.
Para Orlandi (2007, p. 66), há diferença substancial entre o não-dito (silêncio) e o
implícito: “[...] nós distinguimos silêncio e implícito, sendo que o silêncio não tem uma
relação de dependência com o dizer para significar: o sentido do silêncio não deriva do
sentido das palavras”. O implícito abre uma brecha para dar a entender o que deixou de ser
dito, sem o peso de assumir a responsabilidade do dizer. Também é característico do implícito
certa indução do dito ao não-dito e vice-versa. “Não é assim que concebemos o silêncio. Ele
não remete ao dito; ele se mantém como tal; ele permanece silêncio e significa” (ORLANDI,
2007, p. 66). Apesar das distinções, são conceitos muito próximos.
Voltando à análise do discurso organizacional, convém atribuir sentidos à valorização
de atos informais instituída no comunicado interno. Por meio desse recurso, a empresa
procura se aproximar dos funcionários. Esse tratamento pode ser observado tanto na
autoidentificação empresa divertida quanto na aceitação do que é discutido no corredor e na
cafeteria bem como nas reuniões improvisadas. Essa informalidade adere, de certo modo, ao
próprio conceito de comunicação face a face e ao propósito do que a organização anuncia
estar buscando.
Outras observações relacionadas ao enunciado merecem ser estudadas, antes de
introduzir a análise do silêncio constitutivo. Uma delas se refere ao sujeito da enunciação.
Conforme já antecipado, a autoria coletiva inscrita no comunicado inclui as vozes da vice-
presidente Jackie Reses, que assina o documento, mas que fala em nome da presidente
Marissa Mayer, através de quem a própria empresa, enquanto instituição, se manifesta.
201
Ao se comunicar com os funcionários, a Yahoo incorpora, em geral, o pronome
pessoal “nós”, para se colocar no mesmo plano dos coenunciadores. O uso do “nós” enquadra
na mesma perspectiva o sujeito falante e seus interlocutores, aproximando-os e até
confundindo-os, propositadamente. Quando a organização, a vice-presidente e Marissa Mayer
dizem “introduzimos uma série de grandes benefícios e ferramentas para nos tornar uma
empresa mais produtiva, eficiente e divertida”, elas estão compartilhando essas conquistas
com os funcionários e instalando um ambiente de cumplicidade.
A mesma estrutura linguística produz essa possibilidade de leitura em “queremos que
todos participem na nossa cultura”, “todos nós podemos sentir a energia e os zumbidos nos
nossos escritórios”, “por isso [nós] temos de estar trabalhando lado-a-lado”, “é fundamental
que estejamos todos presentes em nossos escritórios”, e ainda em “Nós precisamos ser um
Yahoo!”, entre outras passagens.
Porém, em um dado momento, a narrativa que transita entre o “nós” e o “nosso” sofre
ruptura com a inserção do “você” e do “seu”. Isso ocorre imediatamente após a convocação
oficial para abandonar o trabalho em casa. “A partir de junho, pedimos a todos os
funcionários em home office para trabalhar nos escritórios do Yahoo!. Se isso impacta você,
seu gestor já está ciente dos próximos passos”, continua o memorando. A cumplicidade se
desfaz e um distanciamento se impõe na medida em que os “nossos” escritórios se
transformam nos “escritórios da Yahoo”, sugerindo uma suspensão, ainda que breve, do
espírito colaborativo que vinha sendo construído.
A posição-sujeito é ocupada agora por um ser hierarquicamente superior que emite
uma ordem e deixa pendentes os passos subsequentes. Há uma transferência da
responsabilidade do dizer e do fazer para a figura do “gestor”. Esse ente generalizado e
dotado de poder é autorizado a decidir e encaminhar o futuro dos empregados. Privilegiado, o
gestor detém antecipadamente um trunfo: informações decisivas e ainda desconhecidas do
coenunciador (já está ciente dos próximos passos).
Como se a frieza da narrativa tivesse sido notada a tempo e incomodasse o próprio
enunciador, surge, na sequência imediata, uma tentativa de reaproximação um tanto
enigmática: “para o resto de nós...”. Retorna o sujeito compartilhado, porém, não mais o
“nós” puro e indissolúvel, mas o “nós” qualificado pelo “resto”. Resto que pode significar
sobra, sugerir certo desprezo e até mesmo relativizar o “nós” que “ocasionalmente têm de
ficar em casa para esperar o rapaz da televisão a cabo”. Esse “nós”, certamente, exclui a
cúpula da organização e os funcionários que não trabalham em casa. Aos outros – ou ao
“resto” – a organização solicita o favor de usar “o bom senso no espírito de colaboração”.
202
Mais uma vez, o dialogismo suscita seu contrário (e implícito): faltaria bom senso àquele que
trabalha em casa.
O antagonismo nós/você é retomado no penúltimo parágrafo do memorando, quando o
enunciado define o “ser um Yahoo” a partir da oposição entre o “seu” trabalho cotidiano (em
casa, esperando o rapaz da televisão a cabo) e “as interações e experiências que só são
possíveis em nossos escritórios”.
Outra observação que merece atenção é o sentido otimista – e vago – produzido pelo
enunciador ao final da mensagem, novamente a partir da dicotomia nós/você. Ao pronunciar
“Obrigada a todos vocês”, a(s) autora(s) se posiciona(m) em um plano distinto do lugar onde
estão “vocês”27
, dirigindo-se diretamente a esses interlocutores. No entanto, o “nós” é
rapidamente resgatado: “nós já fizemos um progresso notável como uma empresa – e o
melhor ainda está por vir”. O enunciado intenciona concluir que, adotando a controversa
medida, o futuro da empresa será promissor.
O discurso organizacional da Yahoo constitui, com propriedade, a defesa de algumas
características das interações face a face que, ao longo desta tese, de fato foram observadas na
prática empresarial e na fundamentação teórica. Porém, a definição de silêncio constitutivo de
Orlandi (2007) exige que se questione: ao dizer tudo isso, o que a organização calou? Quais
sentidos possíveis foram apagados? O que foi preciso dizer para silenciar o que não poderia e
não deveria ter sido dito?
O enunciado da revista Info, reproduzido na íntegra neste capítulo, seria capaz, por si
só, de indicar sentidos que deixaram de ser pronunciados no discurso organizacional. A
“segunda intenção” da empresa de provocar demissões voluntárias a partir da impopularidade
da medida seria um deles. O foco do discurso nas vantagens e benefícios das interações
presenciais – utilizado como estratégia de convencimento e constituinte da força ilocucionária
do enunciado – também silenciou as dificuldades que permeiam sua prática: os custos com
deslocamentos, o tempo perdido no trânsito, a falta de habilidade cada vez mais comum para
conversar frente a frente, entre outras. Foi exposta apenas a face positiva do contato
presencial.
O que foi dito apaga, ainda, o sentido de uma possível crise da organização, que se
transforma em dito meses depois, quando sites especializados começam a propagar
27
Na versão original do memorando em inglês, o “thanks” não identifica o gênero do sujeito falante, embora o
texto apareça assinado, logo em seguida, por Jackie. Na tradução publicada pela revista Info, os autores optaram
por definir o gênero feminino no agradecimento e por excluir a assinatura (embora ela tenha sido mencionada
anteriormente na matéria jornalística). Desse modo, intuitivamente, o “muito obrigada” pode ser tomado como
manifestação de representantes femininas que compõem a formação discursiva: a vice-presidente Jackie Reses, a
CEO Marissa Mayer ou a própria organização Yahoo.
203
informações sobre fechamentos de escritórios e demissões. Nesse caso, a mensagem de
otimismo que encerra o discurso organizacional (“e o melhor ainda está por vir”) silencia
dificuldades de gestão e prognósticos pouco favoráveis.
Outros sentidos poderiam ser atribuídos ao silêncio constitutivo, todavia, esse tipo de
análise jamais se esgota. “Podemos dizer, generalizando, que toda denominação apaga
necessariamente outros sentidos possíveis, o que mostra que o dizer e o silenciamento são
inseparáveis: contradição inscrita nas próprias palavras” (ORLANDI, 2007, p. 74).
2.5 Do interdiscurso ao silêncio: as descobertas possíveis
Sentidos diversos atravessam os discursos que tratam do anúncio do fim do home-
office na Yahoo. Por meio da AD e da conjugação de teorias específicas que estruturam esse
conhecimento, é possível construir um processo de significação em torno do que a mídia e a
organização comunicam, ainda que o memorando interno tenha chegado a conhecimento
público sem o consentimento da empresa – o que também é um gesto expressivo, conforme
será avaliado adiante.
O percurso da análise discursiva começa com a apresentação da cultura organizacional
da companhia e do perfil da CEO, passa pela introdução de conceitos básicos da AD francesa,
pelas definições de tipologias e gêneros de discurso, além das noções de deslocamento e
deslizamento de sentidos, avança sobre a teoria dos atos de fala – com seus proferimentos
performativos, força ilocucionária e atos perlocucionários – até culminar com a reflexão sobre
o silêncio. Cada perspectiva teórica e metodológica permite explorar um segmento do todo – e
outras abordagens poderiam ter sido adotadas. Faz-se necessário, agora, analisar o conjunto
estudado.
A interdiscursividade constitui-se como relação capital para a atribuição de sentidos;
os resultados da pesquisa seriam diferentes se a AD considerasse uma unidade textual que não
apresentasse esse diálogo entre discursos. O material se revela oportuno também por
congregar, no mesmo enunciado, dois gêneros discursivos que defendem interesses opostos,
conferindo amplitude às tramas que envolvem a enunciação: a fala sobre a organização adota
um posicionamento ideológico, enquanto a fala da organização sustenta outro.
O deslocamento do discurso organizacional em direção ao discurso jornalístico
implica um processo de ressignificação do dito, já que essa movimentação não acontece
casualmente. O mesmo se pode dizer em relação ao deslizamento de sentidos, que institui na
posição-sujeito um enquadramento ideológico previamente anunciado, contrário à medida
204
adotada pela organização. A teoria dos atos de fala revela a força do dizer da Yahoo, nem
sempre explícita, porém, indiscutivelmente presente.
Por fim, os dois tipos de silêncio observados na AD instauram suspeitas em relação às
intencionalidades dos discursos midiático e organizacional. As principais: 1) por que a mídia
interrompe (ou minimiza) a cobertura que vinha sendo efetuada sobre a decisão da empresa?
2) a organização procura dissimular a situação de crise utilizando-se de um discurso otimista e
favorável às interações face a face?
Erving Goffman (2010, 2011a, 2011b) poderá elucidar essas questões, com sua teoria
sobre a preservação da face. Antes de examiná-la, no entanto, serão apresentadas situações
discursivas sobre a comunicação face a face envolvendo outras organizações, que podem ter
trilhado caminhos semelhantes ao da Yahoo. Ou não.
3. Outros dizeres sobre comunicação face a face
Poucos são os trabalhos acadêmicos localizados que se ocupam de investigar a prática
da comunicação face a face nas organizações sob a ótica das teorias da linguagem. Gonçalves
e Perez (2009) são autoras de uma dessas pesquisas. Elas refletem sobre a maneira como
algumas organizações trabalham junto ao público interno a formação de imagens e sentidos
que depois passam a circular fora dos limites da empresa. O foco do estudo está nos
elementos não-verbais do discurso, presentes na modalidade de comunicação face a face.
O não-dito encontra na comunicação formal face a face um rico material de
estudo. Pelas características desse formato, tudo o que circunda o discurso dito
está repleto de mensagens (o não-dito) que contribuem para a formação dos
sentidos e das imagens na mente dos públicos internos. O conhecimento do
funcionamento da linguagem, do discurso como revelador da subjetividade,
propicia uma leitura mais crítica e revela elementos implicitados na
organização da mensagem. Dessa forma, é possível entender, além do
conteúdo semântico da mensagem, a imagem que é elaborada dos atores
envolvidos no processo comunicativo. (GONÇALVES; PEREZ, 2009, p. 7).
As pesquisadoras acrescentam que os meios utilizados na comunicação com
funcionários carregam um significado; no caso da comunicação face a face, a pessoa que fala
pela organização, dotada de autoridade, possui uma representatividade que não pode ser
ignorada. É o caso de dirigentes empresariais que se tornam porta-vozes de algumas
informações que precisam chegar aos empregados. O estudo de Gonçalves e Perez apresenta
205
três empresas que adotaram a comunicação face a face em sua comunicação interna como
forma de trabalhar a produção da imagem: a Fiat, a Nivea e a Santista Têxtil28
.
O que chama a atenção no artigo é a conclusão, quando as autoras sugerem que nem
tudo realmente é o que parece ser, mesmo quando o diálogo envolve a presença física:
As formas de comunicação face a face elaboradas pelas organizações ainda
estão em uma fase inicial e são pouco usadas, mas demonstram sua força e
importância para formar imagens de ética, comprometimento, transparência
aos seus públicos internos e que são atributos racionais muito valorizados pela
sociedade e pelo mercado. Por um outro lado, essas interações entre as pessoas
e o ambiente apropriado provocam outras imagens, que tocam o lado
emocional dos públicos internos – o sentimento de estar junto, de pertencer, de
colaboração, de orgulho – e que também chegam aos públicos externos,
provocando emoções, simpatia, afeição.
Nesse contexto vale lembrar que tais discursos têm o seu lado avesso, uma
espécie de retrato de Dorian Gray29
, onde existe a face bela e ilusória, à vista
de todos, e a face real (muitas vezes imperfeita), porém escondida. É com esse
pensamento que precisamos analisar os discursos das organizações, em suas
significações e sentidos, no ethos organizacional, no “fazer crer e fazer fazer”
sempre sugeridos. (GONÇALVES; PEREZ, 2009, p. 14).
A busca pelo “lado avesso” dos discursos envolvendo a comunicação face a face nas
organizações motiva a releitura das matérias jornalísticas que serviram de base para o estudo
de Gonçalves e Perez. Das três reportagens citadas, duas foram encontradas e serão, agora,
revisitadas. O texto “Jogo de tabuleiro para desenvolver competências”, que abordava uma
experiência de comunicação face a face vivenciada por funcionários da Santista Têxtil, não
pode ser recuperado. O site Vida Profissional, que havia publicado a matéria em 2007, não
existe mais e seu conteúdo foi excluído da internet.
A própria Santista Têxtil, que chegou a ser reconhecida no final dos anos 1990 como a
primeira multinacional têxtil brasileira, deixou de existir enquanto empresa na década
28
As três empresas mais a Promon são objeto de estudo de Perez (2010) em sua dissertação de mestrado sobre a
comunicação face a face formal e informal nas organizações. O grupo Promon atua em diversos segmentos de
infraestrutura e tem sede em São Paulo. O fragmento de texto sobre essa empresa que Perez utiliza em sua
pesquisa não pode ser localizado. 29
O romance “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde (1854-1900), conta a história do jovem Dorian,
membro da alta burguesia inglesa do século 19 e dono de sublime beleza. Aos 18 anos, o rapaz tem seu retrato de
corpo inteiro pintado pelo artista Basil Hallward e percebe que ele próprio irá envelhecer, enquanto o quadro
manterá sua aparência bela e jovial. Oferece, então, sua alma para que isso não aconteça e, sob a influência do
aristocrata Lord Henry, passa a viver em um mundo egoísta e cheio de vícios. Dorian se torna uma pessoa má:
seduz, mata, explora, induz ao suicídio. Nesse período, a imagem do quadro se altera, revelando uma face
monstruosa, enquanto o verdadeiro Dorian se mantém fisicamente belo. O livro não deixa claro se as mudanças
no retrato ocorrem na superfície pintada ou se são fruto da imaginação do jovem. No final, Dorian tenta destruir
a tela com uma faca, para eliminar a imagem desfigurada, mas acaba se matando, já que o quadro seria sua alma
incorporada. Informações obtidas em: http://livrospralerereler.blogspot.com.br/2011/06/o-retrato-de-dorian-
gray.html. Acesso em: 7 jun. 2015.
206
seguinte, depois de passar por processos de aquisição, fusão e divisão. A marca Santista é
atualmente explorada pela indústria espanhola Tavex (segmento de brim e roupas) e pela
Coteminas (segmento de cama, mesa e banho).
As matérias que relatam situações envolvendo a comunicação face a face nas empresas
Fiat e Nivea foram recuperadas e indicam intensa relação entre o uso da comunicação face a
face e tentativas de convencimento dos funcionários, corroborando o que Larkin (2013) havia
postulado sobre sua eficácia para mudanças de comportamento. Embora falas “das empresas”
estejam inseridas no discurso jornalístico, os conteúdos analisados revelam
predominantemente falas “sobre as empresas” produzidas pelas revistas Exame e Você RH, as
duas do grupo Abril30
.
As duas narrativas seguem o mesmo padrão. Começam descrevendo uma situação de
crise ou um desafio a ser superado, em seguida apresentam o responsável pelas mudanças que
vão contar como solucionaram os problemas utilizando, entre outras medidas, a comunicação
face a face, e, ao final, relatam o desfecho bem-sucedido. Nos dois discursos – e em outros
tantos produzidos pelas revistas especializadas em negócios – o entrevistado assume a aura do
herói, aquele que detém a autoridade mítica para afastar o mal (a crise, as dificuldades) e fazer
reinar o bem (a estabilidade, o reconhecimento público, a satisfação geral).
Lícia Egger-Moellwald (2011, p. 34-35) revela como é construída a imagem desse
executivo heroico e bem-sucedido, sujeito das enunciações que serão analisadas a seguir:
Aceitar trabalhos em horários impróprios ou em excesso e que exigem
enormes sacrifícios pessoais como “algo sagrado” e irrecusável, é visto como
etapa necessária para o triunfo profissional. Este comportamento que anestesia
a percepção da realidade é alimentado por rituais e estímulos variados
(premiações por competência, bônus por metas atingidas, [...]). Esse processo
de comunicação formal, aliado ao que é veiculado nas revistas executivas,
lança um véu poético sobre realidades que de outra forma seriam sórdidas.
Porém, nesse contexto o exagero passa insuspeito, uma vez que a figura do
herói contra todas as adversidades tem como destino certo o Olimpo
corporativo.
O véu poético a que se refere a autora pode ser observado nos discursos sobre a Nivea
e a Fiat. Não seria exagero enxergar uma espécie de “estatuto do milagre” nas medidas
adotadas pelos heróis para salvar as empresas. O subtítulo da matéria “Virando o jogo”, que
30
Na verdade, o conteúdo original utilizado por Gonçalves e Perez (2009) sobre a Nivea não foi localizado no
site da revista Você RH. A edição nº 4, que circulou no segundo semestre de 2008, não está disponibilizada na
internet. Contudo, o mesmo texto havia sido reproduzido pelo blogueiro Flávio Fausto, em 2011, e pode ser
recuperado para o estudo. A matéria “Virando o Jogo” está disponível em:
http://flaviofausto.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html. Acesso em: 6 jun. 2015.
207
expõe o caso da Nivea, segue esse modelo: “Graças a um plano que aumentou o
envolvimento dos funcionários, a Nivea reduziu pela metade seu índice de rotatividade”.
Essa história é contada em três atos: o desafio, a solução e os resultados, demarcados
como subtítulos. O desafio da Nivea é conter um índice de evasão de 30%, indicado pela
reportagem como o dobro da média do mercado para aquela ocasião. A solução “para virar o
jogo” é a implantação de um plano organizacional composto por seis ações, das quais a
comunicação face a face é o foco de uma delas. É no item “solução” que a autoridade máxima
da empresa aparece. “Duas vezes por mês, o presidente, Nicolas Fischer, passou a reservar
sua agenda para tomar café da manhã com um grupo de 12 funcionários. Selecionadas por
área de atuação e sem distinção de nível hierárquico, as equipes têm total liberdade para
falar sobre o que bem entendem, dos negócios da empresa a questões pessoais. O acesso ao
presidente mexeu com o brio do grupo. ‗Você percebe neles o orgulho, a vontade de fazer
parte‘, afirma Mônica Longo, diretora de RH.”
O trecho destacado se encaixa em um discurso do gênero jornalístico e apresenta um
dizer sobre a organização. O interdiscurso se manifesta, todavia, no momento em que a
diretora Mônica Longo empresta sua fala para confirmar o dito pela revista. O depoimento
aparece entre aspas e pode ser enquadrado como um fragmento de discurso organizacional.
Ao afirmar que “o acesso ao presidente mexeu com o brio do grupo”, a formação discursiva
atribui um peso forte à ação que aproxima os funcionários da “entidade” presidente. Em
parágrafo anterior, essa medida é apresentada como “fundamental no aumento do grau de
envolvimento”.
Na terceira etapa, onde são mencionados os resultados obtidos com o “milagre”, a
matéria sintetiza o sucesso em dados numéricos: a rotatividade caiu praticamente pela metade
(17%), houve 146 movimentações internas, 43 promoções e o faturamento cresceu 15%.
Curiosamente, o texto termina com uma autopromoção do grupo editorial: “A resposta dos
funcionários também chegou. Em 2008, pela primeira vez, a Nivea figurou no Guia Você S/A-
Exame – As Melhores Empresas para Você Trabalhar”, chancelando toda a produção
discursiva, ou seja, é como se a inclusão nesse ranking certificasse a conduta empresarial e
justificasse a publicação da reportagem.
O texto “A empresa do ano”, em que a revista Exame relata a experiência da Fiat,
segue o mesmo roteiro31
, com uma pequena inovação: o primeiro parágrafo procura expor a
movimentação provocada pela ótima fase vivida pela organização. Já no segundo parágrafo o
31
Reportagem disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/922/noticias/a-empresa-do-ano-
m0163860. Acesso em: 6 jun. 2015.
208
padrão narrativo se instaura: “Em 2004, quando o atual presidente da montadora, Cledorvino
Belini, assumiu o controle, o cenário era muito diferente [...]. Se a situação era difícil por
aqui, na matriz da montadora italiana, em Turim, era ainda mais delicada. A Fiat vivia a pior
crise de sua centenária história, acumulando dívidas de mais de 5 bilhões de dólares. Na
época, a bancarrota da empresa fundada pelo clã Agnelli era uma possibilidade real”.
Descrito o cenário caótico – na verdade essa crise chega a ser comparada a uma guerra
–, surge a figura heroica para resolver os impasses. “Primeiro brasileiro a comandar a
operação nacional, Belini – um homem formado na cultura do grupo Fiat, onde passou 35 de
seus 59 anos de vida – instituiu um ‗senso de urgência‘ na companhia. [...] Para que todos os
funcionários entendessem o novo norte, Belini adotou táticas de comunicação simples”.
O enunciado passa então a relatar a ação de comunicação face a face adotada pela
empresa. O presidente se reuniu dezenas de vezes com a equipe para explicar as mudanças
que seriam implantadas. No trecho a seguir, o interdiscurso se manifesta: “Para facilitar o
entendimento, nessas apresentações Belini lançava mão de um personagem fictício, um
pipoqueiro em dificuldades com seu negócio. A Fiat era esse pipoqueiro e, para sair da crise,
teria de cortar custos, criar novos produtos e melhorar sua eficiência. ‗A associação fazia
com que todos entendessem a urgência da mensagem‘, diz”. A voz da organização é
introduzida no discurso jornalístico, também para corroborar a ideia em desenvolvimento. O
discurso atenua a distinção entre duas ideias muito próximas: “todos entendessem” e o
implícito “todos se convencessem”.
Ao final, quando os resultados consagram o sucesso, outra fala da organização se
mistura à fala sobre a organização para atestar o dito. “O desempenho da operadora brasileira
da Fiat chamou a atenção da matriz. No final do ano passado, o italiano Sergio Marchionne,
presidente mundial da montadora, anunciou durante uma visita ao Brasil investimentos de 5
bilhões de reais até 2010. ‗Quando estive no Brasil, em novembro, fiquei impressionado com
o comprometimento dos funcionários‘, afirmou Marchionne a Exame, por e-mail. ‗Essa
característica foi indispensável na virada que fizemos e terá grande importância para o
grupo nos próximos anos‘”.
Assim como na narrativa sobre a Nivea, as medidas que provocaram a “virada” na Fiat
não se restringem à adoção da comunicação face a face – elas são acompanhadas de outras
ações igualmente impactantes. Porém, as duas construções textuais realçam a interação face a
face, concedendo inequívoca importância à sua prática. Gonçalves e Perez (2009) percebem
esse peso e avaliam os discursos sob a perspectiva da construção de imagens perante o
público interno.
209
Para esta tese importa desvendar as intencionalidades que podem estar encobertas pelo
discurso das organizações sobre a comunicação face a face. Nas situações envolvendo a Nivea
e a Fiat, o acesso ao discurso organizacional limita-se às frases entre aspas apresentadas no
universo dos discursos jornalísticos. Contudo, conforme demonstram as teorias da linguagem,
o dialogismo entre discursos se apresenta como mecanismo bastante eficaz no processo de
atribuição de sentidos. Destarte, os discursos híbridos podem contribuir para elucidar o uso
empresarial da linguagem.
Pode-se afirmar, pela análise discursiva envolvendo a Fiat e a Nivea, que a
comunicação face a face é percebida pelas organizações como forma eficiente de persuasão e
convencimento, especialmente em momentos de crise ou de transformações mais amplas.
Assim como o discurso organizacional da Yahoo, as duas empresas exploram em seus dizeres
apenas os aspectos positivos desse tipo de convívio. Mesmo o discurso jornalístico do caso
Yahoo, que se coloca contrário ao fim do trabalho em casa, não aponta desvantagens ou
dificuldades relacionadas à prática da comunicação presencial.
Portanto, os discursos sobre comunicação face a face envolvendo as duas organizações
trabalham sim o lado avesso: não chegam a esconder a “face real (muitas vezes imperfeita)”,
que compreende a necessidade de ajustes, cortes de gastos e adaptações, porém, exacerbam “a
face bela e ilusória”, muitas vezes colorida pelos gestores que buscam se aproximar dos
funcionários, legitimando suas posições (míticas) e fortalecendo suas políticas. As
organizações contam, para esse fim, com o apoio nada discreto dos veículos de comunicação
especializados.
4. Face revelada e face escondida: possíveis rupturas
Quando elaborou sua teoria sobre as faces, entre o final da década de 1950 e início dos
anos 1960, Goffman certamente não cogitava abranger relacionamentos mediados ou contatos
envolvendo organizações. Suas concepções se fundamentam estritamente na comunicação
face a face entre sujeitos individuais ou, no máximo, entre grupos – que ele denomina
equipes. Embora suas descobertas sejam orientadas ao universo das interações presenciais,
algumas de suas ideias têm sido adotadas para explicar o fenômeno da preservação da
fachada, já abordado no capítulo anterior e aqui retomado.
Preservar a fachada consiste em adotar medidas que garantam a consistência entre
ações em desenvolvimento e a aparência representada pelo indivíduo. Se houver dissonância
210
nesse processo, a fachada corre risco de entrar em colapso, afetando não apenas o ator
responsável pela representação, mas a própria coesão do público que acompanha a exibição e
que tende a manter o equilíbrio social ou o status quo.
Maingueneau (2004a) aproxima a teoria das faces dos estudos discursivos. Segundo
ele, todo indivíduo possui duas fachadas: “uma face negativa, que corresponde ao „território‟
de cada um (seu corpo, sua intimidade etc.); e uma face positiva, que corresponde à „fachada‟
social, à nossa própria imagem valorizante que tentamos apresentar aos outros”
(MAINGUENEAU, 2004a, p. 38). Essa apresentação requer, por vezes, negociações
envolvendo os discursos.
Visto que uma mesma fala pode ameaçar uma face com o intuito de preservar
uma outra, os interlocutores são constantemente levados a buscar um acordo, a
negociar. Eles devem efetivamente procurar um meio de preservar suas
próprias faces sem ameaçar a de seu parceiro. Desenvolve-se, então, todo um
conjunto de estratégias discursivas para encontrar um ponto de equilíbrio entre
essas exigências contraditórias. (MAINGUENEAU, 2004a, p. 39).
Assim como a teoria de Goffman se adapta naturalmente à análise de discurso, a
princípio não há empecilho em associá-la ao contexto organizacional. Institucionalmente, as
empresas também se empenham em construir e conservar sua imagem e reputação, processo
que ocorre efetivamente por meio das representações de fachada com o uso da linguagem.
O grande diferencial dos estudos do canadense, no entanto, se encontra na discussão
das intencionalidades e motivações que envolvem os atores durante as interações, sejam elas
explícitas ou reservadas. “Mensagens linguísticas são consideradas voluntárias e intencionais;
mensagens expressivas, por outro lado, muitas vezes precisam preservar a ficção de que elas
são espontâneas, involuntárias e não calculadas, o que é verdade em alguns casos”, aponta
Goffman (2010, p. 23-24).
O pesquisador não hesita em demonstrar que a comunicação – mesmo aquela
conduzida face a face – é passível de manipulação. Em diversas obras ele pontua que o
indivíduo altera sua performance quando se encontra na presença de outras pessoas; às vezes
assume uma condição sincera, em outras opta por disfarçar sua representação. De qualquer
modo, o sujeito age em função da percepção alheia, que o autor chama de plateia. Essa
plateia, por sua vez, também tem a faculdade de forjar suas manifestações em resposta ao
ator. A interação assemelha-se, assim, a um jogo, movido por regras, objetivos e blefes.
211
Por mais que um indivíduo, um grupo ou uma organização tenham boas intenções em
relação às suas representações cotidianas, Goffman sustenta que as impressões causadas no
decorrer desse processo estão sempre sujeitas à ruptura; ele denomina essas rupturas de
incidentes. “Quando acontece um incidente, a realidade patrocinada pelos atores é ameaçada”
(GOFFMAN, 2011a, p. 194). Cabe aqui investigar a ruptura registrada na Yahoo sob a
perspectiva desse pesquisador.
O autocontrole das manifestações públicas de um indivíduo se mostra complexo, em
função das duas faces a serem administradas, das diversas possibilidades de manipulação e da
interpretação que os outros poderão atribuir às representações – além, logicamente, da
articulação entre todos esses fatores. No âmbito organizacional, onde a cotidianidade envolve
um número maior de indivíduos submetidos a relações hierárquicas e em contato com
públicos heterogêneos, essa complexidade se amplifica.
A cada dia as organizações buscam controlar a posição social conquistada por meio da
atuação conjunta de seus integrantes. Goffman (2011a, p. 74) lembra que “uma condição, uma
posição ou um lugar social não são coisas materiais que são possuídas e, em seguida,
exibidas; são um modelo de conduta apropriada, coerente, adequada e bem articulada”. Essa
condição justifica todo o cuidado que envolve a preservação das fachadas. Na Yahoo, a
exposição não autorizada de um discurso construído para permanecer na região de fundo
provocou um incidente.
Algumas cenas ocorrem quando os companheiros de equipe não conseguem
mais apoiar a representação inepta uns dos outros e deixam escapar uma
crítica pública imediata a respeito dos próprios indivíduos com quem
deveriam estar em cooperação dramatúrgica [...]. Um dos efeitos da briga é
fornecer à plateia uma visão dos bastidores, e outro é deixá-la com o
sentimento de que há alguma coisa seguramente suspeita relativamente a uma
representação, quando aqueles que a conhecem melhor não se entendem.
(GOFFMAN, 2011a, p. 193).
Seguramente alguns integrantes da equipe apoiam o fim do home-office e outros o
rejeitam. O documento interno se tornou de conhecimento público porque um indivíduo ou
um grupo decidiu expor essa divisão. Goffman (2011a, p. 83), mais uma vez, contribui para a
compreensão dessa ruptura: “parece ser opinião geral que o desacordo público entre os
membros da equipe não somente os incapacita para uma ação conjunta, mas também perturba
a realidade patrocinada por eles”.
212
A exposição desse conflito nas mídias e a forma como a organização reage ao
noticiário também serão avaliadas do ponto de vista de Goffman. A postura silenciosa da
Yahoo naquele momento representaria uma atitude coerente com a necessidade de manter
determinada idealização no imaginário coletivo. A manifestação pública da organização em
resposta às insinuações midiáticas poderia comprometer o mistério envolto no assunto,
estabelecendo uma familiaridade desinteressante com a plateia naquela ocasião.
É uma noção largamente defendida que as restrições ao contacto, a
manutenção da distância social, fornecem um meio pelo qual o temor
respeitoso pode ser gerado e mantido na plateia, um meio [...] pelo qual a
plateia pode ser mantida num estado de mistificação com relação ao ator.
(GOFFMAN, 2011a, p. 68).
A postura do público tende a alimentar essa (falta de) reação da empresa. “Sem
dúvida, no que diz respeito a manter as distâncias sociais, a plateia frequentemente cooperará,
agindo de maneira respeitosa, com reverente temor pela sagrada integridade atribuída ao ator”
(GOFFMAN, 2011a, p. 69). Ou seja, mesmo após a divulgação do conflito e o silêncio da
organização, não se observa cobrança, por parte da mídia, em relação a um posicionamento
oficial da empresa. A imagem e reputação da Yahoo não parecem abaladas em função dessa
ruptura.
Por outro lado, Goffman aponta para os riscos desse ritual de mistificação, quando a
relevância da plateia parece relativizada.
Entre os vários tipos de objetos com os quais o indivíduo [ou a organização]
deve lidar durante sua presença entre outras pessoas, um merece atenção
especial: as próprias outras pessoas. A impressão que ele cria através de seus
negócios com elas e as características que elas imputam a ele como
consequência têm uma importância especial para sua reputação, pois aqui as
testemunhas têm um interesse pessoal direto naquilo que testemunham.
(GOFFMAN, 2011b, p. 161).
Assim, o posicionamento da Yahoo – ao desconsiderar essas outras pessoas e apostar
na hipótese da idealização – sugere a assunção de riscos. A imagem e reputação da
organização, ao que parece, não sofreram danos em função do silenciamento midiático, uma
atitude típica de cooperação da plateia. De qualquer modo, conjugar o pensamento de
Goffman com o estudo de discursos sobre comunicação face a face no contexto das
organizações é uma decisão metodológica que traduz a preocupação em entender o que é
213
revelado e o que se procura esconder ou, figurativamente, desvendar os distúrbios
estabelecidos entre o retrato e a materialização de Dorian Gray.
5. Interpretação e validação da hipótese
Algumas nuances precisam ser consideradas na análise da hipótese 3, especialmente
quando se observa os discursos sobre comunicação face a face envolvendo a Yahoo, a Fiat e a
Nivea, bem como as intencionalidades não reveladas publicamente pelas três organizações. A
proposta é verificar se o discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser
utilizado para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas.
A teoria das faces de Goffman é categórica: o sujeito modifica suas representações de
fachada quando percebe a presença de outros indivíduos. Considerado válido esse raciocínio
também para o mundo das organizações, não resta dúvida de que as manifestações públicas de
qualquer empresa são moldadas a partir da percepção da alteridade. A decisão organizacional
de revelar ou camuflar determinada representação é, portanto, um ato consciente, baseado em
uma série de fatores contextuais e circunstanciais.
Logo, os estudos de Goffman sustentam ao menos a proposição genérica de que é
possível que as declarações públicas – ou os discursos – das organizações possam mascarar
uma realidade que a empresa preferiria manter como representação de fundo. Já a análise de
discurso e os estudos empreendidos nas três empresas merecem aqui uma avaliação mais
aprofundada, já que tratam especificamente dos discursos sobre a comunicação face a face.
Um primeiro ponto a se considerar é que a manifestação formal de organizações sobre
as interações face a face não é comum. O tema, por si só, não conta com o mesmo apelo de
outros assuntos que inundam a cotidianidade das empresas, como o comportamento do
mercado, as tecnologias, a política econômica, o desenvolvimento sustentável, entre outros.
Falar publicamente sobre interações face a face indica que a organização olha para essa
modalidade e tem algo relevante para comunicar sobre ela.
A concepção teórica da análise de discurso aplicada sobre esse material permite
averiguar a forma como são construídos os sentidos, tanto na instância de produção (as
empresas e a mídia) quanto na de recepção, levando em conta os gêneros em que se inserem e
suas ressignificações elaboradas a partir dos deslizamentos e deslocamentos. A teoria que
envolve a AD revela ainda que o silêncio se apresenta tão significante quanto a fala, e
214
exprime sentidos que deixam de ser ditos. A força do dito, mensurada pela teoria dos atos de
fala, mostra-se relevante para a compreensão das intencionalidades discursivas.
O discurso da Yahoo é emblemático no sentido de que uma empresa do ramo de
tecnologia da informação, reconhecida mundialmente, defende com propriedade, perante seus
funcionários, a prática do trabalho lado a lado. Não é difícil encontrar argumentos favoráveis
à comunicação face a face – por sinal, as três organizações estudadas destacam apenas os
pontos positivos dessa forma de interação: seus aspectos complicados e desvantajosos migram
para a esfera do não-dito. Não é possível afirmar que a Yahoo optou, deliberadamente, por
esconder de seu público interno a intenção de que pretenderia se beneficiar de demissões
voluntárias a partir do fim do home-office. Paralelamente, não é recomendável descartar essa
possibilidade, diante dos indícios apresentados e fundamentados pela AD.
Os discursos sobre a comunicação face a face envolvendo a Fiat e a Nivea são,
igualmente, providenciais. Se a narrativa, por um lado, indica que as situações de crise
vivenciadas pelas organizações, ou seja, a face negativa (ou “monstruosa”, lembrando Dorian
Gray) não chega a ser escondida, por outro, a tentativa de convencimento do público interno
permanece implícita. Em outras palavras: a comunicação face a face teria sido utilizada nas
duas empresas com a intenção de persuadir os funcionários; porém, o discurso corporativo
(incorporado nos discursos jornalísticos sobre as duas organizações) não expõe essa
funcionalidade abertamente. Mais uma vez, a AD permite constatar a existência de indícios de
que o convencimento tenha, de fato, ocorrido. Revela-se uma conveniência dos discursos
favoráveis à comunicação face a face para sustentar interesses organizacionais – e não se
discute aqui a legitimidade desses interesses, até porque não está descartada a possibilidade de
que o discurso empresarial sobre comunicação face a face seja compatível com boas práticas
institucionais.
Assim sendo, o fato de não ser possível afirmar que os discursos foram utilizados com
a finalidade de mascarar as intencionalidades nem sempre explícitas não permite negar que
isso, de fato, tenha ocorrido. Os três casos são ilustrativos de que a hipótese pode ser válida e,
portanto, não deve ser descartada. Com base em toda a discussão teórica e nos três discursos
avaliados, considerando-os exemplares, confirma-se a terceira hipótese desta tese,
especificamente para as situações aqui enquadradas. Para outros contextos e circunstâncias, a
premissa pode ser considerada indicativa, porém, carece de avaliações particularizadas.
No próximo capítulo a pesquisa se volta para a função mediadora do espaço físico nos
processos de comunicação empresarial. A ideia é buscar compreender, sob a esteira da teoria
da mediação, o modo como os ambientes físicos onde ocorrem as interações face a face
215
condicionam a comunicação organizacional, podendo inibir o interlocutor que ocupa
momentaneamente o espaço do outro. Essa discussão passa, necessariamente, pela questão do
controle do cenário e pelas dificuldades que envolvem a prática da comunicação face a face.
Mais uma vez, empresas que vivenciam esse tipo de situação e a fundamentação teórica sobre
o assunto vão embasar o processo de verificação da hipótese.
216
217
Capítulo VII – FUNÇÃO MEDIADORA DO ESPAÇO FÍSICO
NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Conforme discussão conceitual apresentada no capítulo 1, o termo mediação segue
controverso no âmbito da pesquisa em comunicação, ora exprimindo o uso de meios técnicos
na interação entre sujeitos, ora representando o processo de negociação de significados que
envolve a recepção de mensagens, baseado em elementos culturais das sociedades onde
ocorre. O espaço físico, como parte integrante do contexto onde a comunicação face a face se
desenvolve, manifesta seu papel mediador, condicionando a conduta de emissores e
receptores. A teoria das mediações sociais fundamenta a compreensão desse processo.
A partir dela e de estudos sobre a conexão entre ambientes físicos e comunicação, será
verificada a quarta e última hipótese proposta por esta tese: o local onde se desenvolve a
interação face a face interfere na comunicação organizacional, provocando limitação da
liberdade de expressão e constrangimento nos interlocutores que venham a ocupar
temporariamente o espaço dominado pelo Outro.
Assim, o percurso começa pelas origens da teoria das mediações e segue em direção a
concepções mais atuais, já que essa corrente é capaz de explicar o mecanismo de
funcionamento de eventual constrangimento, limitação da liberdade de expressão ou outros
efeitos restritivos proporcionados por instâncias mediadoras. Em seguida, pesquisas
envolvendo a comunicação face a face em organizações sinalizam a interferência do cenário
nas interações que compreendem ora relacionamentos hierárquicos, ora interdependentes.
Adiante, será discutido o caráter mediador de uma paisagem específica: uma fazenda do
Pantanal brasileiro. Essa análise considera a experiência partilhada entre anfitriões e
convidados durante a execução do projeto de comunicação organizacional desenvolvido pela
Embrapa Pantanal. O estudo específico sobre esse espaço físico se justifica por sua natureza
mediadora e mediada: ao mesmo tempo em que condiciona as interações que abriga, o
Pantanal tem sua imagem construída pela mídia e essa mediação dos meios intervém nas
ações de comunicação organizacional planejadas e desenvolvidas na região. Por fim, a
hipótese será verificada à luz da prática da comunicação organizacional relatada e da
discussão teórica apresentada.
1. Teoria das mediações sociais: origens e atualizações
218
Na América Latina o termo “mediação” começa a obter sua configuração atual entre o
final da década de 1970 e início da de 1980, quando autores espanhóis se debruçam sobre o
tema. A teoria da mediação social (no singular) foi proposta por Manuel Martin Serrano nessa
época1. “Do ponto de vista formal, a mediação equivale ao sistema de regras e de operações
aplicadas a qualquer conjunto de atos, ou de coisas pertencentes a planos heterogêneos da
realidade, para introduzir uma ordem” (MARTIN SERRANO, 1976, p. 179, tradução nossa).
Considerado um dos estudiosos que ajudaram a quebrar paradigmas na pesquisa em
comunicação na América Latina, Martin Serrano defende que as investigações deveriam
privilegiar a criatividade e o compromisso com a ética, o que confrontava os interesses
autoritaristas que vigoravam na região naquele período e rompia com o modelo funcionalista
de investigação importado dos Estados Unidos (MALDONADO, 2008). A linha de
pensamento do espanhol considera que a análise das mediações está relacionada ao controle
social e, em consequência, com questões envolvendo o poder.
Ao desenvolver seu estudo para tentar dirimir “uma confusão entre a televisão (com
minúscula) como objeto tecnológico e a Televisão (com maiúscula) como instituição social
mediadora”, Martin Serrano (2010, p. 5) acaba por construir as bases da teoria da mediação
social. O pesquisador defende que o controle social exercido por essa mídia ocorre menos em
função da diversidade de conteúdo que ela oferece à audiência e mais pela restrição de
códigos de interpretação transmitidos por meio das mensagens. A noção de código,
fundamental para a compreensão da função mediadora do espaço físico, pode tanto ser
concebida em sua versão mais simplificada – a ideia de um sistema codificante –, quanto estar
associada a uma tomada de posição em relação aos acontecimentos, aderindo, assim, ao
conceito de ideologia.
De acordo com essa hipótese, ao Mediador será possível controlar a visão de
mundo oferecida à audiência na televisão, sem necessidade de declarar
explicitamente juízos de valor. [...] Existiria uma correspondência entre os
juízos de valor sociais – graças aos quais o Mediador alcança o controle – e as
relações lógicas, por meio das quais o meio codifica as mensagens. (MARTIN
SERRANO, 2010, p. 6, tradução nossa).
A pesquisa revela que, de uma combinação possível de 559.871 subconjuntos de
estereótipos narrativos, a televisão oferecia à audiência apenas 29, limitando, dessa maneira, o
acesso à amplitude de visões de mundo. De certo modo, ao impor uma forma singular de
1 A partir do momento em que outros teóricos latino-americanos se apropriam dos primeiros estudos de Martin
Serrano, eles passam a denomina-la de teoria das mediações sociais, no plural.
219
apresentar a realidade, a instância mediadora introduz um efetivo sistema de controle sobre
essa realidade. Em outras palavras: enquanto instituição mediadora, a televisão “permite
incluir a interpretação que se quer induzir como um componente da informação” (MARTIN
SERRANO, 2007, p. 16, tradução nossa), ou seja, ela instaura o modo de conceber o mundo
que lhe convém. Na prática, ao consumir um conteúdo midiático ou frequentar um
determinado espaço físico, essa distinção entre a mensagem e as regras de interpretação (ou
de comportamento no local) não se evidencia.
Em outro estudo, Martin Serrano (2007) amplia sua preocupação com a
pseudoconstrução da realidade assumida pela mídia em função de regras do mercado. Ele
questiona a legitimidade da relação produzida pela mídia entre objetos naturais e objetos
fabricados.
A economia de mercado prossegue com sua inevitável missão de utilizar para
um uso econômico todos os territórios e recursos existentes. A transformação
dos bens de livre disposição em mercadorias se corresponde, a nível das
mentalidades, com a identificação entre o fabricado e o natural. A água é
engarrafada e vendida como “pura”. Os espaços inexplorados são urbanizados
e promovidos como “virgens”. Neste livro [La Mediación Social] se mostra
que, pela primeira vez na história, os objetos (artificiais) ocupam as
representações, o lugar das coisas (naturais). A forma como o mercado vem
vinculando a natureza com a produção supõe uma reconstrução da imagem do
mundo. (MARTIN SERRANO, 2007, p. 20, tradução nossa, grifos do autor).
De acordo com Esteban Mate (1984), que aprofundou os estudos sobre o livro La
Mediación Social, identifica-se um processo de mediação quando os objetos materiais ou
imateriais são associados a determinados objetivos por meio de um processo de interpretação
da realidade, que direciona comportamentos e ações. “Portanto, a mediação, na comunicação,
não se manifesta tanto no nível dos conteúdos explícitos, como no nível da organização dos
relatos; concretamente, a mediação opera na seleção de dados de referência e na conexão
entre os dados de referência” (MATE, 1984, p. 75, tradução nossa).
As mediações não são impostas: elas instalam-se a partir de relações ideológicas
compartilhadas entre indivíduos, grupos, organizações ou sociedades, articulando os modos
como a realidade será interpretada pelos sujeitos. Não obstante, elas não operam de forma
isolada, o que interfere diretamente no processo de construção do real. Ao mesmo tempo em
que o sujeito possa estar sob orientação da mediação dos meios de comunicação (massivos ou
não), ele se submete a outras instâncias mediadoras, como sua própria cultura, sua experiência
cognitiva, as noções espaço-temporais que vivencia, a linguagem através da qual se comunica,
220
entre muitas outras. O que se observa, no entanto, é que essas outras dimensões têm sido
elaboradas, cada vez mais, a partir de conteúdos (e códigos) disponibilizados midiaticamente.
Talvez em função dessas relações complexas, Martin Serrano tenha sido um dos
primeiros estudiosos a observar que a tentativa de controlar as mediações torna-se sedutora.
“Controlar a forma de mediar é aplicar ao conteúdo da realidade o modelo de ordem e o tipo
de significações que posteriormente serão utilizados pelo destinatário da informação para
compreender o presente, prever o futuro e, portanto, para atuar” (MARTIN SERRANO, 1976,
p. 181). Por vezes, esse controle é exercido de modo sutil, como na escolha de símbolos que
serão utilizados na comunicação a partir de um repertório disponível2.
Considerados na contemporaneidade uma forma importante de mediação, os meios de
comunicação tiveram sua hegemonia questionada pelo pesquisador espanhol-colombiano
Jesús Martín-Barbero, autor do clássico Dos Meios às Mediações. Segundo Martino (2009, p.
179, grifos do autor),
o livro propõe um deslocamento dos estudos de Comunicação: no lugar de se
preocupar com os meios e suas condições específicas de produção ou
mensagem, era preciso pensar nas mediações, nos processos culturais, sociais
e econômicos que enquadravam tanto a produção quanto a recepção das
mensagens da mídia. [...] Pode-se entender por mediações as estruturas de
construção de sentido às quais o receptor está vinculado. A história pessoal, a
cultura de seu grupo, suas relações sociais imediatas, sua capacidade cognitiva
são mediações, mas também interferem no processo sua maneira de assistir
televisão, sua relação com os meios e com as mensagens veiculadas.
As pesquisas que deram origem a esse pensamento revolucionário para a América
Latina, curiosamente, também analisavam a comunicação em diferentes ambientes físicos,
conforme relata o próprio teórico:
Quando comecei a fazer pequenas investigações, não foram sobre os meios.
Comecei investigações sobre como as pessoas se comunicam numa feira de
bairro, a diferença de como se comunicavam num supermercado, como se
comunicavam num cemitério mais popular e num cemitério com jardins. [...]
Mas eu sempre parti do ponto que a comunicação não era apenas os meios e
que, para a América Latina, era muito mais importante estudar o que acontecia
na igreja aos domingos, nos salões de baile, nos bares, no estádio de futebol.
Ali estava realmente a comunicação das pessoas. Não podíamos entender o
que o povo fazia com o que ouvia nas rádios, com o que via na televisão, se
não entendíamos a rede de comunicação cotidiana. (MARTÍN-BARBERO,
2000, p. 153).
2 Na seção 2, adiante, a discussão do controle sobre o cenário será ampliada com as contribuições de Goffman
(2011a) e Ferreira (2011).
221
Essa rede cotidiana de comunicação, citada pelo teórico, envolve as conversações face
a face mediadas pelo contexto. As investigações sobre mediações, concebidas naquela ocasião
como matriz epistemológica por Martín-Barbero, se contrapõem ao modelo funcionalista
norte-americano que privilegiava os estudos dos meios de comunicação e seus efeitos. “Nesse
sentido, algo que marca o pensamento de Martín-Barbero é a centralidade do ser-humano –
inserido em seu lugar social e marcado por vivências e mediações – nos estudos da
comunicação” (BARROS, 2009, p. 90).
Mais recentemente, o investigador opta por rever sua proposição inicial e desloca suas
pesquisas das mediações culturais da comunicação para as mediações comunicativas da
cultura. Essa migração acontece porque Martín-Barbero percebe a força com que os meios de
comunicação incidem sobre a sociabilidade. O autor constata que, mesmo nos países latinos,
as pessoas estão cada vez mais isoladas e dedicando seu tempo aos meios.
De alguma maneira, nesse momento aceito que muda o lugar a partir do qual
estava olhando. Olhava a partir da nossa cotidianidade comunicativa latino-
americana, rica, festiva, e a contrapunha à solidão dos norte-americanos [...].
Era preciso assumir não a prioridade dos meios, mas sim que “o comunicativo
está se transformando em protagonista de uma maneira muito mais forte”.
(MARTÍN-BARBERO, 2009a, p. 152).
De certo modo, o pesquisador passa a reconhecer que a cotidianidade é vivenciada,
frequentemente, por meio da técnica. “[...] Os meios de comunicação constituem hoje
espaços-chave de condensação e intersecção de múltiplas redes de poder e de produção
cultural”, aponta Martín-Barbero (2003, p. 20), embora ainda resista à ideia de que a
tecnologia seja a grande instância mediadora entre as pessoas e o mundo. “[...] O que a
tecnologia medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado, é a transformação da sociedade em
mercado, e deste em principal agenciador da mundialização (em seus muitos e contrapostos
sentidos)” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 20).
Para sintetizar, o pesquisador defende uma pesquisa orientada para o entorno dos
meios, e não para seu núcleo. Para ele, cabe aos estudos de comunicação investigar o que as
pessoas fazem a partir da recepção midiática – concepção muito próxima ao conceito de
circulação apresentado por Braga (2006, 2012a, 2012b) e trabalhado no capítulo 5. Apesar de
admitir a intensa influência midiática sobre a cotidianidade, Martín-Barbero insiste que a
pesquisa comunicacional latino-americana deve privilegiar as mediações e seu caráter
222
interdisciplinar, e não os meios. Um dos gargalos de sua proposta se encontra, entretanto, na
definição nebulosa de mediação.
1.1 Inconsistência, envelhecimento e abstracionismo: críticas à teoria
Dos meios às mediações é um trabalho bastante denso de Martín-Barbero. Não
obstante a evidência da ampla adoção do pensamento desse autor nos estudos
comunicacionais da América Latina, alguns pesquisadores têm criticado sua obra e apontado
fragilidades na teoria das mediações (no plural). Uma das análises mais contundentes nesse
sentido vem de Luiz Signates (2006, p. 56), para quem Martín-Barbero não consegue
delimitar satisfatoriamente o conceito de mediações, apesar da centralidade do tema em seu
principal livro: “não o define claramente, nem o historia”, afirma.
O pesquisador avalia cuidadosamente Dos Meios às Mediações e verifica que o
conceito de mediação aparece 37 vezes na obra. “Dessas citações, em 21 oportunidades o
autor o utiliza como categoria vinculante de dicotomias específicas e, em maioria,
antinômicas [...]. Nas demais, efetua simples citações, sem um comprometimento explícito
com sua definição” (SIGNATES, 2006, p. 62). Ainda de acordo com esse estudioso, é
possível extrair do livro cinco possibilidades de definição para o conceito. Seriam elas: como
constructo ou categoria teórica; como discursividade específica; como estruturas, formas e
práticas vinculatórias; como dispositivo de viabilização e legitimação da hegemonia ou
resolução imaginária da luta de classes no âmbito da cultura; e, a mais instigante para esta
tese, como instituição ou local geográfico. Nesse último caso, Signates (2006, p. 65)
complementa: “instituição cuja prática relaciona sentidos, modos de vida e instituições
(simulação e desativação dessas relações significa abandono da condição mediadora). Lugar
de vivência de sentidos ambíguos ou sintetizadores (como o bairro)”.
De fato, Dos Meios às Mediações interpõe entendimentos múltiplos para a ideia de
mediação. Embora o laço com as questões culturais se revele profundo em todo o livro, é
comum que Martín-Barbero aproxime o conceito da ideia de conexão (ou prática vinculatória,
como prefere Signates), mesmo quando utiliza um espaço físico como exemplo:
O bairro surge, então, como o grande mediador entre o universo privado da
casa e o mundo público da cidade, um espaço que se estrutura com base em
certos tipos específicos de sociabilidade e, em última análise, de comunicação:
entre parentes e vizinhos. O bairro proporciona às pessoas algumas referências
básicas para a construção de um a gente, ou seja, de uma “sociabilidade mais
ampla do que aquela que se baseia nos laços familiares, e ao mesmo tempo
223
mais densa e estável do que as relações formais e individualizadas impostas
pela sociedade”3. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 286, grifos do autor).
Ao vincular o ambiente privado da casa ao universo público do restante da cidade, o
bairro se apresenta como instância mediadora. Assume também a condição de espaço
impreciso de vivência de sentidos. Na tentativa de amenizar os problemas com a definição do
termo, Signates (2006) sugere três ideias que devem ser afastadas do entendimento de
mediação: a de intermediação, a de filtro e a de intervenção no processo comunicativo.
A crítica extrapola a obra de Martín-Barbero e atinge também os pensamentos de
Raymond Williams, Guillermo Orozco-Gómes e das brasileiras Maria Immacolata Vassallo
de Lopes, Sílvia Borelli e Vera Resende. Os argumentos levantados por Signates o levam a
concluir que inexiste uma teoria das mediações enquanto os estudos de comunicação não
oferecerem suporte teórico-metodológico consistente.
As concepções de Martín-Barbero, Néstor Canclini e Orozco-Gómes também são alvo
de contestações por parte de Marcondes Filho (2008b), em artigo no qual avalia os impasses
de uma teoria da comunicação latino-americana. O professor da USP começa analisando
negativamente o afastamento de Martín-Barbero do campo da comunicação e sua
aproximação da sociologia da cultura, além de atribuir um caráter ultrapassado às ideias
defendidas pelo teórico espanhol-colombiano.
O difícil no paradigma teórico de Martín-Barbero é tentar modernizar a leitura
do processo de comunicação, que exige algo novo, dinâmico, acoplado à
própria dinâmica das novas tecnologias, carregando conceitos envelhecidos
como ideologia, imperialismo, dominação ou hegemonia. (MARCONDES
FILHO, 2008b, p. 71).
Para Marcondes Filho, as conversas do entorno, aquelas que se realizam em interações
posteriores ao contato com o conteúdo midiático, caracterizam um processo distinto da
comunicação. Ele o denomina de prática da sociabilidade e pondera: “são momentos
diferentes” (MARCONDES FILHO, 2008b, p. 73). O autor defende que o fenômeno da
comunicação só pode ser apreendido no instante único em que a recepção ocorre e desde que
promova uma modificação interna, uma emoção, uma sensibilização no indivíduo.
Ainda de acordo com esse pesquisador, as mediações, ou seja, “tudo o que acontece
depois do momento comunicacional é repercussão, é efeito, é reverberação social do fato, não
3 A frase entre aspas é atribuída por Martín-Barbero a J. G. Cantor Magnani, autor de Festa no Pedaço, 1984, p.
138.
224
mais minha experiência direta com o vivenciado” (MARCONDES FILHO, 2008b, p. 77,
grifo do autor). Observa-se que o tom da crítica envolve questões filosóficas e
epistemológicas da pesquisa em comunicação, uma discussão que o próprio campo trava
desde que foi instituído – ainda é vigoroso o debate sobre a instituição/consolidação da
disciplina.
A teoria das mediações é classificada como demasiadamente abstrata por Jorge Luiz
Cunha Cardoso Filho (2012), que aponta ainda a falta de metodologias para operacionalizá-la.
De acordo com o investigador, “pesquisas recentes estão questionando metodologicamente a
envergadura explicativa da teoria de Martín-Barbero” (CARDOSO FILHO, 2012, p. 172),
especialmente na área de estudos da recepção.
Uma delas provém de Veneza Mayora Ronsini (2010), para quem é fundamental
investir na pesquisa in loco da experiência, que vai delimitar o objeto e método de pesquisa.
“Penso que pode ser prematuro designar a proposta de Martín-Barbero como modelo teórico-
metodológico, pois se trata de uma perspectiva teórica que vem sendo desenvolvida em
termos de sua especificidade no tocante à sua operacionalidade na pesquisa empírica”, coloca
Ronsini (2010, p. 6). De acordo com a pesquisadora, essa fragilidade é superada com a
aplicação de métodos já consagrados nas ciências sociais e humanas.
A relação de críticos inclui ainda Muniz Sodré, que na próxima seção terá sua obra
associada à problemática da mediação por diversos investigadores. Embora reconheça o
indiscutível interesse de pesquisadores do campo comunicacional por esse tema, Sodré (2002,
p. 250) adverte que “o conceito de mediação não consegue ultrapassar a sua enorme
imprecisão cognitiva, já apontada por vários autores, inclusive o próprio Raymond Williams,
uma de suas fontes originárias”. Williams decidiu abandonar o conceito.
Diante de toda essa controvérsia, esta pesquisa adota o entendimento de que a teoria
das mediações se encontra em plena atualização e convive com as peculiaridades impostas por
esse status. O desenvolvimento de estudos que utilizam os pensamentos de Martín-Barbero,
Orozco-Gómes, Martin Serrano, Garcia Canclini e outros teóricos revela a existência de
espaço para a consolidação dessa corrente. Nessa linha, serão expostas a seguir algumas
abordagens de estudiosos que vêm atuando no sentido de fortalecer a inteligibilidade do
fenômeno da mediação.
1.2 Concepções recentes sobre as mediações sociais
225
Pesquisas sobre mediações publicadas recentemente têm procurado articular os
conceitos de mediação e midiatização, conduta inevitável diante das características da
sociedade contemporânea. Essa tendência explica, em parte, citações recorrentes a José Luiz
Braga e Muniz Sodré – dois dos expoentes nos estudos sobre midiatização no país – nos
trabalhos mais atuais e acompanha a evolução da perspectiva barberiana.
Gislene Silva (2012), por exemplo, enxerga similaridades conceituais entre a vivência
em um bios midiático e as “mediações dos meios” a que se referia Martín-Barbero. “Na
contemporaneidade, é essa „mediação social tecnologicamente exacerbada‟ que, para Sodré4,
define-se como midiatização, processo com relativa autonomia em face das formas interativas
presentes nas mediações tradicionais” (SILVA, 2012, p. 115). O próprio pesquisador
espanhol-colombiano evoca essa transformação ao constatar que
a mudança foi esta: reconhecer que a comunicação estava mediando todos os
lados e as formas da vida cultural e social dos povos. Portanto, o olhar não se
invertia no sentido de ir das mediações aos meios, senão da cultura à
comunicação. Foi aí que comecei a repensar a noção de comunicação.
(MARTÍN-BARBERO, 2009a, p. 153).
As mediações, que originariamente se concretizariam em ambientes de contato pessoal
– também chamados de formas de vida tradicionais – sofrem, cada vez mais, intervenções da
lógica midiática, tornando indissolúvel a conexão entre mediação e midiatização. O bios
virtual, de Sodré, apresenta-se naturalmente como o espaço contemporâneo onde se
desenvolvem essas complexas relações. Martín-Barbero (2009b) denomina esse novo
ecossistema de “entorno tecnocomunicativo”.
Na mesma linha de pensamento, artigo publicado por Barros (2012) busca inter-
relacionar os conceitos de mediação e midiatização, lembrando que a base da teoria das
mediações está em La Mediación Social, de Martin Serrano5. Ele comenta a mudança de
abordagem de Martín-Barbero, destacando a força ostentada pela tecnologia nas interações
humanas:
E essa reformulação nos permite traçar um paralelo entre os conceitos de
mediação e midiatização. As “mediações comunicativas da cultura” poderiam
4 A frase entre aspas se encontra no livro Antropológica do Espelho e, tanto nas edições de 2002, utilizada por
esta tese, como de 2008, consultada por Silva (2012), se encontra na página 24. 5 Em Dos Meios às Mediações, Martín-Barbero (2003) recorre ao autor espanhol em uma das tentativas de
delinear o conceito. A nota nº 159 da terceira parte da obra, acrescentada imediatamente após o vocábulo
mediação (p. 303), complementa o texto original: “no sentido que o conceito tem em M. Martin Serrano, La
Mediación Social, Madri, 1977” (p. 343).
226
ser entendidas como midiatização da cultura. Vale observar que os dois termos
não são conflitantes, já que eles sugerem conotações bem próximas. Enquanto
“midiatização” vem sendo pensada como uma nova forma de sociabilidade,
decorrente de uma lógica midiática, “mediação” traz já de algum tempo o
sentido das interações sociais, que nos dias de hoje se dão essencialmente –
mas não exclusivamente – por intermédio da mídia. (BARROS, 2012, p. 88).
Ao reconhecer que as interações ocorrem preponderantemente por vias midiáticas,
mas não exclusivamente através delas, Barros endossa argumentos de pesquisadores que
relativizam o conceito de midiatização, como Carlos Alberto de Carvalho e Leandro Lage
(2012) e Cláudio Cardoso de Paiva (2012). Como as mediações são agora estudadas no
âmbito da sociedade midiatizada – ou em processo de midiatização –, convém observar como
se configura a apropriação da lógica midiática nas brechas visualizadas por esses autores.
Para Carvalho e Lage (2012, p. 248), “as mediações em ambiente de midiatização
implicam complexos processos de negociação de sentido”. O olhar cauteloso se justifica pelas
considerações a seguir:
Partilhamos da ideia de que o processo de midiatização, a despeito de seu
alicerce tecnológico e da dinâmica avassaladora com que invade os processos
e mediações sociais, ainda é lacunar, pois não prepondera a ponto de suprimir
formas tradicionais de sociabilidade e de atravessar com essa veemência
generalizante a totalidade dos processos comunicacionais. (CARVALHO;
LAGE, 2012, p. 249-250).
Em outras palavras, ainda haveria espaço na atualidade para mediações não
midiatizadas, percebidas fora desse processo de reestruturação social. Os autores chegam a
essa inferência ao avaliar reflexivamente os impactos da midiatização sobre o ambiente
midiático, justamente para verificar eventuais metamorfoses em mediações que envolvem o
fazer jornalístico. Constatam que “as lógicas da mídia não estão imunes às demandas sociais,
que as obrigam a promover mudanças nos seus modos e formas de dar a ver as sociedades em
suas contradições” (CARVALHO; LAGE, 2012, p. 250-251).
Como exemplo, eles apontam que o processo de produção jornalística tem
incrementado a participação do público receptor, seja por meio do estímulo ao “eu repórter”,
seja pela invasão das imagens de procedência amadora, entre outras. Esse fenômeno, inerente
ao processo de midiatização, provoca um rearranjo de papéis na prática cotidiana do
jornalismo, porém, é insuficiente para modificar sua essência. “Mesmo que com novos
participantes, a produção jornalística ainda é submissa a parâmetros e constrangimentos
227
organizacionais. Daí porque seria equivocado superestimar o „protagonismo do leitor‟ [...]”,
acrescentam Carvalho e Lage (2012, p. 255). A conclusão do estudo atesta que embora os
sistemas tecnológicos e as formas de interação sejam moldados pela midiatização, os
processos comunicacionais que permitem construir a realidade ainda são organizados e
definidos pela sociedade.
Outro pesquisador que relativiza o fenômeno da midiatização é Paiva (2012, p. 149),
ao lembrar que “do lado de fora da sociedade midiatizada estão os desplugados, os „sem
banda larga‟, os outsiders do século XXI”. Essa categoria, ainda desconectada, provavelmente
vivencia os processos de midiatização e de mediação de forma diferenciada6. Esses indivíduos
estariam excluídos da nova ordem da cultura se for considerado válido o “imperativo da
visibilidade”7, comprometendo efeitos generalizantes da midiatização.
Na perspectiva germânica, a ideia de mediação apresenta uma abordagem mais
abstrata que na América Latina, de acordo com artigo publicado por Marco Toledo Bastos
(2012). O conceito estaria descolado das noções de media e de comunicação “pois seu objeto
é a circulação social dos signos na cultura” (BASTOS, 2012, p. 65). De acordo com esse
pesquisador, estudos alemães inserem a mediação como uma etapa inicial do processo de
midiatização, que se manifesta sempre que os veículos de comunicação de massa se
transformam em fonte principal de informação em determinado recorte social. Esse processo
avança na medida em que as audiências vão se tornando dependentes da mídia.
Com isso, o entendimento das mediações praticado na América Latina, que
remete a processos de negociação de significado e sentido entre produtores e
consumidores de media, ou à maneira como temas e debates são
reconfigurados após circularem nos meios de comunicação, é objeto de
controvérsia em outros contextos acadêmicos. (BASTOS, 2012, p. 71).
Outra concepção relativamente recente de mediação é apresentada por Sodré (2002,
2006), que comumente vincula o conceito a instituições sociais, como família, escola, igreja,
6 Apenas como dado ilustrativo – já que esses índices se desatualizam rapidamente – a Pesquisa Brasileira de
Mídia 2015 (PBM 2015), divulgada em dezembro de 2014, aponta que 48% dos brasileiros utilizam a internet
regularmente, o que equivale a dizer que 52% ainda não se conectam com regularidade. A mesma pesquisa,
encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e executada pelo Ibope, revela
que 95% da população assistem televisão e 55% ouvem rádio. Disponível em:
http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-
atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf. Acesso em: 3 jul. 2015. Para dados de vários países, vale
conferir levantamento do Banco Mundial, atualizado em 2013 e disponível em:
http://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.P2. Acesso em: 3 jul. 2015. 7 Conceito atribuído à pesquisadora argentina Paula Sibilia que significa a necessidade de exposição pessoal na
sociedade contemporânea, na linha de que para “existir” é necessário “ser visto” na internet.
228
sindicato, partido, entre outras. De acordo com esse pensador, as mediações estão
condicionadas a bases materiais, “que se consubstanciam em instituições ou formas
reguladoras do relacionamento em sociedade” (SODRÉ, 2002, p. 21). Essas instituições
acabam por orientar práticas de conduta que mobilizam as consciências individuais e
coletivas. “Valores e normas institucionalizados legitimam e outorgam sentido social às
mediações”, acrescenta Sodré (2002, p. 21). Quatro anos depois, o pesquisador arrisca uma
definição mais direta:
Mediação é o ato originário de qualquer cognição, porque implica o trânsito
ou a “comunicação” da propriedade de um elemento para outro, por meio de
um terceiro termo. Este terceiro é precisamente o signo, um meio de articular
dois elementos diversos, por exemplo, um objeto e uma ideia interpretante.
(SODRÉ, 2006, p. 91).
A noção de prática vinculatória de Martín-Barbero está presente no conceito proposto
por Sodré, embora não o restrinja. Ao relacionar mediações a instituições reguladoras dos
relacionamentos sociais, o pesquisador brasileiro sugere uma articulação que estabelece
sentidos apriorísticos para determinadas interações, algo semelhante à noção de gêneros e
tipos de discurso estudada no capítulo anterior.
Depois de problematizar a teoria das mediações, esta tese passa a considerar, para a
análise da hipótese, as seguintes perspectivas: a) a centralidade das relações humanas no
processo comunicacional (coadunável com a pesquisa sobre comunicação face a face); b) a
negociação de sentidos em relação à ambiguidade do discurso midiático e da vivência em
determinado espaço geográfico; c) a concepção de que o receptor é sujeito ativo em qualquer
processo comunicacional; d) a existência de códigos de interpretação instaurados pela
instância mediadora (no caso, regras pré-estabelecidas para ocupação de um espaço físico)
como forma de controle social; e e) a relativização do processo de midiatização em alguns
espaços geográficos e sua relação com a função mediadora desse cenário.
O espaço físico não será considerado uma mediação em si, a despeito dessa
possibilidade aberta pela interpretação que Signates oferece sobre a obra de Martín-Barbero.
Essa decisão se baseia na falta de consistência teórica para sustentar tal proposição, já que as
pesquisas mais recentes envolvendo a teoria das mediações apontam para outras direções.
Ademais, o próprio Signates (2006, p. 76) alerta para a tendência inquietante de se considerar
tudo como mediação:
229
Afinal, se a noção de mediação se tornar um conceito do tipo guarda-chuva,
que permita levar até a mais simplória das totalizações – tudo é mediação
(logo, nada o é) – todo o valor heurístico propiciado pela abertura de suas
possibilidades pode redundar apenas em generalizações sem qualquer
utilidade teórica.
No entanto, para a análise aqui empreendida, será considerado o papel mediador dos
lugares geográficos, ou seja, as formas como esses locais interferem na construção de sentidos
durante o processo de interação face a face. Será discutido também até que ponto esses
espaços são vivenciados ou idealizados através da mediação dos meios, especialmente no
ambiente de interação Pantanal, em que a mídia concorre para a construção simbólica de
cenários. A ideia é verificar se a negociação de sentidos durante a experiência desenvolvida
localmente afeta a regulação da liberdade de expressão.
2. O espaço geográfico como parte integrante do contexto
Já foi dito, em diversos momentos desta pesquisa, que o contexto se configura como
elemento essencial para a construção de sentidos durante a comunicação face a face. As trocas
verbais ou não-verbais que formatam a interação presencial são sensíveis às condições que
demarcam a interlocução: o tempo, o espaço, os gestos, as vestimentas, a história, enfim, uma
série de propriedades que interferem na caracterização e na condução do encontro. Estudiosos
de Palo Alto, em meados do século passado, já identificavam essa interferência: “o contexto
pode ser mais ou menos restritivo, mas determina sempre as contingências, em certa medida”
(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 120, grifo dos autores).
Este capítulo seleciona um elemento contextual, o espaço geográfico, para verificar
sua função mediadora em situações envolvendo a comunicação face a face. O espaço físico é
objeto de estudo da geografia e trata-se de um conceito em constante evolução. A princípio, a
ciência vinculava espaço à noção de área, de superfície terrestre. Com o tempo, a definição
evoluiu a passou a considerar as relações humanas que afetam essa superfície, especialmente
aquelas envolvendo questões econômicas, políticas e simbólico-culturais (BRAGA, 2007).
A geografia diferencia os conceitos de espaço, lugar, território, ambiente, paisagem e
região. Nesta pesquisa, no entanto, espaço geográfico, espaço físico e os demais termos
citados acima serão tomados como sinônimos e no sentido amplo, sem a precisão conceitual
daquela área de conhecimento. Será denominado espaço a área física, palpável, mensurável,
natural ou artificial, que serve como cenário para as interações sociais.
230
Para alguns investigadores, as intervenções do espaço físico na comunicação
organizacional são consideradas evidentes. É o caso de Antonio Lucas Marín (1997, p. 106,
tradução nossa):
[...] pensando nas organizações, a comunicação entre as pessoas está muito
influenciada pelo ambiente físico e social em que ocorrem. O ambiente físico
onde se desenvolve a organização não é indiferente à relação comunicativa,
elementos arquitetônicos, decoração, distribuição de espaços, limpeza, etc.,
podem resultar em obstáculos ou facilidades para a comunicação entre as
pessoas.
Muito provavelmente por perceber esse diferencial, a empresa Nivea adotou, em seu
plano de reestruturação para reduzir a rotatividade, mencionado no capítulo anterior,
mudanças em suas instalações. Até o ambiente físico sofreu modificações. Localizada na
capital paulista, a Nivea ocupa dois andares muito charmosos, com direito a orquídeas
espalhadas por toda a área. Esse capricho também entra como plano de ação para segurar
seus talentos, informa a matéria Virando o Jogo8.
É patente que a avaliação do espaço como elemento mediador para a comunicação
organizacional extrapola os cuidados com a decoração. Algumas questões inter-relacionadas
se apresentam como essenciais para essa discussão, como o controle do cenário onde ocorre o
encontro e o nível de transparência que se pretende exibir.
Ao avaliar as representações de fachada e de fundo, Erving Goffman (2011a) explica
que o domínio do cenário pode propiciar à equipe responsável uma sensação de segurança,
pois cabe a ela a condução do processo:
Em muitas situações importantes, porém, o ambiente social no qual a
interação se realiza é montado e conduzido por uma das equipes somente, o
que contribui de modo mais íntimo para o espetáculo que esta equipe exibe do
que para o da outra, em resposta ao da primeira. Um freguês numa loja, um
cliente num escritório, um grupo de visitas numa casa, são pessoas que se
revestem de uma representação e mantêm uma fachada, mas o cenário no qual
fazem isso está fora de seu controle imediato, sendo parte integrante da
apresentação organizada por aqueles a cuja presença compareceram.
(GOFFMAN, 2011a, p. 89).
Em algumas situações de interação, o comando dessas operações é assumido por
atores pré-determinados: os anfitriões, ao recepcionarem convidados; os chefes, ao
8 Disponível em: http://flaviofausto.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html. Acesso em 28 jun. 2015.
231
convocarem seus subordinados para uma reunião; o gerente, ao receber consumidores na loja
que administra; o diretor teatral, ao apresentar sua peça à plateia. “Julga-se muitas vezes que o
controle do cenário é uma vantagem durante a interação. Em sentido estrito, esse controle
permite à equipe introduzir dispositivos estratégicos para determinar a informação que o
público é capaz de adquirir” (GOFFMAN, 2011a, p. 90). Se por um lado, o domínio
representa uma vantagem, o autor aponta os riscos inerentes a essa exposição:
Certamente é preciso pagar um preço pelo privilégio de realizar uma
representação na própria casa; a pessoa tem a oportunidade de transmitir
informações a seu próprio respeito por meios cênicos, mas nenhuma
oportunidade de esconder as espécies de fatos transmitidos pelo cenário.
(GOFFMAN, 2011a, p. 92).
Receber com certa regularidade interlocutores “na própria casa”, que, no contexto
organizacional se traduz por qualquer instalação física que represente a institucionalidade
empresarial – seja uma sala, um auditório, um barracão, uma plataforma de petróleo, uma
mina, um templo ou uma fazenda –, implica a adoção de uma política de portas abertas. Na
década de 1980, a organização Rodhia se notabilizou por apostar nessa estratégia.
A experiência está relatada no livro Portas Abertas, que revela a transformação na
cultura organizacional da empresa, até então refratária à exposição pública e indiferente ao
incremento dos relacionamentos com seus stakeholders. Um plano de comunicação,
elaborado pela equipe do jornalista e relações públicas Walter Nori, propôs mudanças
profundas na forma de a organização se apresentar. O presidente passou a ter um
relacionamento próximo da mídia e a se posicionar publicamente diante de assuntos de
interesse do setor e da empresa. A abertura envolveu também a área física. De acordo com
Célia Valente e Walter Nori (1990), foi adotada a prática do open house9 e a Rodhia passou a
receber grupos de visitantes em suas instalações.
Para Ferreira, que estudou a prática do diálogo social adotada pela concessionária
Ampla no Rio de Janeiro,
9 A literatura sobre a prática do open house é limitada no Brasil. Alguns autores chamam essa iniciativa de
visitas dirigidas, press tour ou press trip: a organização convida públicos de interesse (geralmente jornalistas)
para visitar suas instalações e manter um contato mais próximo com os dirigentes. Ocorrem com frequência nas
áreas de lazer, turismo e indústrias automotivas. Alguns setores têm utilizado essa ferramenta de comunicação
organizacional como forma de divulgação de informações estratégicas e/ou para estabelecer relacionamentos
mais estreitos com a mídia.
232
há um aspecto positivo no fato de a empresa abrir as portas para as lideranças,
ela cria a sensação de transparência, ela deixa que parte de sua rotina
operacional seja conhecida e desmistifica algumas dimensões de seus
processos, torna viva e tangível a empresa; povoa de rostos e lugares a
imaginação coletiva, ela se dá a conhecer, assim como em visitas guiadas
feitas, há muitos anos, por fábricas como a Garoto, a Kibon, a CPFL e tantas
outras que abrem suas portas. (FERREIRA, 2011, p. 289-290).
O lado positivo da exposição de bastidores durante as conversas presenciais não inibe
a discussão sobre a possibilidade de constrangimento de interlocutores em espaços visitados.
Essa limitação de liberdade ou sensação de embaraço vivenciada em determinados ambientes
pode estar menos associada às características físicas do local e mais às regras pré-
estabelecidas de uso e ocupação de espaços, algo semelhante ao que Martin Serrano
denominou de códigos nos processos de mediação por ele estudados.
2.1 Regras restritivas para uso do espaço e seus efeitos constrangedores
As visitas que profissionais da Embrapa fizeram aos veículos de comunicação da
região Sudeste em 2010 e 2011, como atividade do projeto Construção da Imagem da
Pecuária Sustentável do Pantanal, foram marcadas por demonstrações de acolhimento,
respeito, consideração e, simultaneamente, pela vivência de certo desconforto. Os anfitriões
cumpriram seus papéis dentro dos padrões previstos da etiqueta profissional, porém, os
lugares visitados exprimiam uma carga contextual restritiva.
Redações não parecem projetadas para receber visitas. Em geral, nos grandes centros
elas estão instaladas em espaços amplos, mas com alta densidade de ocupação, o que
transmite a ideia de aperto. Cada jornalista ocupa sua bancada, mesa ou baia, com
computador, telefone, canetas e papeis. O número de cadeiras é proporcional ao de
profissionais, exigindo que convidados permaneçam em pé ou encontrem cadeiras disponíveis
pertencentes a jornalistas em horário de folga ou em entrevistas fora da redação. A pressão do
deadline é outro fator recorrente, explícito no ambiente, assim como a agitação típica do
trabalho de apuração jornalística. Essas condições inviabilizam a redação como espaço para
uma conversa tranquila.
Embora esse tenha sido o cenário frequente encontrado durante os contatos em São
Paulo e Rio de Janeiro, houve situações em que as visitantes foram convidadas a ocupar uma
mesa de reuniões – um pouco mais afastada do burburinho dos repórteres –, e a continuar a
conversa em uma cafeteria no andar térreo do edifício de um dos jornais e em um restaurante
233
nas redondezas de outro. Foram tentativas dos anfitriões para driblar o alvoroço do local de
trabalho. O código mediador implícito no ambiente redacional direciona os diálogos para a
finitude, pois o tempo é sempre escasso para jornalistas. A sensação de embaraço, nesses
casos, esteve associada a essas regras de ocupação de um território conjugadas às instalações
propriamente ditas.
Regulações do ambiente também são apresentadas por Sennet (2002, p. 108-109 apud
CORTEZ, 2010, p. 308) ao avaliar a função social dos cafés europeus nos séculos 17 e 18,
enquanto espaços de comunicação confiável:
A fim de que as informações fossem as mais completas possíveis,
suspendiam-se temporariamente todas as distinções de estrato social; qualquer
pessoa que estivesse sentada num café tinha o direito de conversa com quem
quer que fosse, abordar qualquer assunto, quer conhecesse as outras pessoas,
quer não, quer fosse instada a falar, quer não. Era desaconselhável fazer
referência às origens sociais das pessoas com quem se falava no café, porque
isso poderia ser obstáculo ao livre fluxo da conversa.
Observam-se, nitidamente, os diferentes graus de restrição impostos pelos espaços da
redação e do café. Os códigos que regulam um e outro imprimem normas de conduta, que
podem afetar os participantes das interações de forma antagônica, estimulando posturas mais
espontâneas e relaxadas ou mais rígidas e tensas. Outra contribuição nesse sentido vem de
Goffman (2011b, p. 106-107), ao pesquisar os domínios do constrangimento articulados com
relações hierárquicas em uma organização:
Em muitos estabelecimentos grandes, jornadas de trabalho escalonadas,
cafeterias segregadas e medidas semelhantes ajudam a garantir que aqueles
que têm posições distintas e estão próximos em um conjunto de relações não
terão que se encontrar em situações fisicamente íntimas quando deveriam
esperar manter a igualdade e a distância. Entretanto, a orientação democrática
de alguns de nossos estabelecimentos mais recentes tende a juntar membros de
posições diferentes da mesma equipe de trabalho em lugares como a cafeteria,
o que causa desconforto. Não há como eles agirem de forma a não perturbar
um dos dois conjuntos básicos de relações que eles têm uns com os outros. É
muito provável que essas dificuldades ocorram em elevadores, pois neles
indivíduos que não se sentem exatamente confortáveis para conversar
precisam passar um tempo juntos demais para ignorar a oportunidade de
conversas informais – um problema que alguns, é claro, resolvem através de
elevadores executivos especiais. O constrangimento, então, é incorporado
ecologicamente ao estabelecimento.
234
A ideia de constranger está vinculada a de tolher a liberdade, cercear e até coagir. A
definição de constrangimento vem da psicologia social e indica um estado emocional ligado à
ansiedade gerada em função do reconhecimento da expectativa alheia durante uma situação de
interação real ou imaginária. Para Valdiney Gouveia et al (2005, p. 232), “o constrangimento
pode ser percebido como o resultado da preocupação que as pessoas manifestam acerca do
seu comportamento observado e o desejo de agir segundo as expectativas e os interesses dos
demais”.
Os reflexos do constrangimento podem ser psicológicos e fisiológicos, conforme
apontam Gouveia et al (2005, p. 232): “os comportamentos que o evidenciam são comumente
acompanhados por rubor, sorriso nervoso, redução do contato visual e sinais evidentes de
nervosismo”. Também Goffman (2011b, p. 95) relaciona sinais visíveis em situações de
constrangimento extremo: “enrubescimento, balbucios, gaguejar, uma voz estranhamente
aguda ou grave, a fala trêmula ou entrecortada, suor, palidez, piscadelas, tremor das mãos,
movimentos hesitantes ou vacilantes, distração e disparates”. Para o autor, em caso de
desconcertos leves esses sinais podem se tornar imperceptíveis.
Mais importante que os sintomas, para a verificação da hipótese, é desvendar possíveis
fatores que favoreçam o embaraço ou comprometam a liberdade de expressão. A metodologia
aplicada no estudo de Gouveia et al, que avalia a relação entre o constrangimento e
autoimagem, levanta uma série de circunstâncias sociais que podem desencadear sensações
desconcertantes e, embora a análise considere a situação de interação, observa-se que algumas
proposições contemplam espaços físicos específicos10
. A explicitação dessas situações é
crucial para demonstrar que o papel mediador do território, por si só, pode não explicar de
modo suficiente o constrangimento: é preciso examinar também as regras sociais pré-
estabelecidas (código) para sua ocupação e as circunstâncias envolvendo a interação em si.
Esse conjunto de elementos contextuais determina a ocorrência ou não de situações
desorientadoras.
De acordo com Goffman (2011b), as identidades sociais e o ambiente determinam os
tipos adequados de conduta para cada situação de interação. O autor apresenta ainda uma
classificação para os eventos embaraçosos, dividindo-os em incidentes constrangedores
abruptos e situações desagradáveis ou desconfortáveis. Os primeiros corresponderiam a
ocorrências agudas, marcantes e geralmente de menor duração, enquanto os últimos seriam
10
Alguns exemplos previstos na metodologia atribuída a Theodore M. Singelis: tropeçar e cair num lugar
público; abrir a porta de um banheiro público e descobrir que já está ocupado; estar provando uma roupa em um
provador e alguém entrar e lhe ver em roupa íntima; sair para jantar com alguém muito especial e seu antigo(a)
noivo(a) se sentar na mesa do lado, entre outros (GOUVEIA et al, 2005).
235
representados por um embaraço contínuo – podendo perdurar do início ao final do encontro –,
de teor mais leve e envolvendo reações pouco perceptíveis. Essa categorização é pertinente
por introduzir uma espécie de mensuração do nível de constrangimento.
Avaliadas as possíveis causas e os diferentes graus de desconforto, torna-se importante
acrescentar que, apesar de o desconcerto afetar um indivíduo ou grupo de indivíduos em uma
dada situação, outros interlocutores estarão impreterivelmente envolvidos na cena
constrangedora, na condição de espectadores. A teoria de Goffman esclarece que os
participantes da interação tendem a buscar uma posição de equilíbrio para salvar o encontro
com os menores prejuízos possíveis às fachadas de todos os presentes.
2.2 Espaços de vivência x espaços mediados pela mídia
Revistas especializadas em carreiras e empregos colocam em circulação discursos que
formatam o imaginário coletivo a respeito das melhores organizações para se trabalhar e até
sobre a figura heroica do executivo, conforme demonstrado no capítulo 6. Da mesma forma, a
mídia produz conteúdos acerca de lugares considerados exóticos, como a Amazônia e o
Pantanal, perpetuando idealizações construídas a partir de um número reduzido de
perspectivas. O processo de midiatização incrementa esse tipo de mediação e justifica um
debate, ainda que breve, sobre experiências vividas e mediadas.
Marcondes Filho (2008a, p. 77) alerta para uma espécie de fechamento do universo
imaginário oriundo desse abastecimento midiático:
Os produtos culturais que trabalham com imagens (filmes, televisão) trazem
um imaginário já pronto. Quando eu assisto a uma cena da Índia, do Alasca,
de Ruanda, eu já não fabrico mais na minha cabeça esse imaginário, eu apenas
instalo essas imagens em meu repertório e elas passam a ser as imagens
referência desses temas, elas se sobrepõem às minhas fantasias, se eu já as
tinha anteriormente.
Ao se tornarem referência, os discursos ou imagens mediados pelos veículos de
comunicação permitem que o interlocutor que não conhece ou vivencia os objetos
apresentados estabeleça um tipo diferente de experiência – o sujeito se aproxima do conteúdo
mediado sem se afastar do contexto em que se encontra: uma sala de cinema ou TV, uma
biblioteca, uma redação, um carro, o ambiente de trabalho etc.
236
O espaço e os lugares representam obstáculos intransponíveis: não posso, a
distância, sentir o clima, o cheiro, conhecer os costumes e os modos de vida.
Isto requer deslocamento e tempo a cada vez. O que se conquistou, de um
lado, se perde outra vez de outro. Embora as técnicas de comunicação
permitam “ver”, elas não permitem sentir. Existe simplesmente um limite, a
“experiência cognitiva”. Velho debate filosófico e teológico... (WOLTON,
2004, p. 75).
Diferentes tipos de experiência vêm sendo estudados por pesquisadores de vários
países. O próprio Wolton, na França, procura desvendar as particularidades da vivência não
mediada, aquela que exige o confronto com a alteridade. “O que é a experiência humana? O
contrário da comunicação midiática ou da Internet. Ela exige tempo, não é nem comunicável
nem reprodutível, resulta na maioria das vezes de fracassos e depende de fatores não
dominados” (WOLTON, 2004, p. 393). O autor enxerga uma distância cada vez mais
acentuada entre o mundo da experiência e a comunicação.
Também na França, Louis Quéré (2010) aponta para uma abordagem pragmática de
experiência. De acordo com esse estudioso, apesar da dificuldade de conceber uma
experiência sem relacioná-la a alguém, o conceito deve ser investigado a partir da
impessoalidade.
A experiência é impessoal e objetiva, portanto a-subjetiva, e sua
personalização e subjetivação se fazem através de uma apropriação: o
processo impessoal que é a experiência se torna “minha” experiência por uma
interpretação ou um ato retrospectivo de apropriação, geralmente no contexto
de interações sociais em que se coloca a possibilidade de reivindicar ou
atribuir uma responsabilidade. A experiência desaparece nessa apropriação.
(QUÉRÉ, 2010, p. 19).
Assim como Wolton, Quéré trabalha a singularidade das sensações. Ele explica que a
vivência é um componente da experiência e adverte para as armadilhas ao tentar descrevê-las.
De acordo com o autor, sensações podem ser expressas, porém, são indescritíveis pela
linguagem. Como exemplo, coloca a impossibilidade de se transmitir através do relato o
aroma do café e a dor de dente, sensações de ordem privada que apenas o eu pode sentir. “[...]
Em se tratando de minhas sensações ou de meus sentimentos, eles me são imediatamente
acessíveis, e só o são para mim, enquanto o outro não pode mais que adivinhá-los, supor ou
descobrir através de sua expressão (em meu rosto, por exemplo)” (QUÉRÉ, 2010, p. 23-24).
Assim, na perspectiva desse pensador, a sensação de ocupar determinado ambiente poderia
ser sentida, mas não descrita.
237
Na Alemanha, uma das palavras utilizadas nas pesquisas sobre experiência é Erlebnis,
que remete à ideia de unicidade, de algo que não pode ser reproduzido, transmitido ou
comunicado a outrem:
A Erlebnis poderia ser traduzida como vivência, um tipo de saber que não está
relacionado à condução da Razão, mas com a contingência e as circunstâncias
do indivíduo no mundo, de modo que cada um possui a sua própria vivência.
Esta não é verificável, tampouco pode ser reproduzida mediante
procedimentos, seu domínio é o da tradição e da finitude. (CARDOSO
FILHO, 2008, p. 138).
Ao estudar a relação entre o uso social dos meios e processos de midiatização,
Cardoso Filho (2012, p. 179) aborda as formas de apropriação de gêneros culturais por meio
da vivência: “[...] aquele que faz/padece da experiência pode não só acionar o convencional
como também atentar para a singularidade que se estabelece naquela interação específica e,
desse modo, fazer aparecer elementos ainda não previstos, perspectivas desviantes”. O
convencional seriam os elementos identificáveis de um gênero cultural, enquanto o teor
particular só seria passível de apreensão nas experiências. Ao convidar jornalistas e estudantes
para a imersão no Pantanal, a Embrapa buscava ampliar as perspectivas de produção de
conteúdo para além daquelas convencionais, exibidas rotineiramente pela mídia.
Um dos teóricos que mais se dedica a desvendar as diferenças entre a experiência
vivida e a mediada é Thompson. Segundo ele, que igualmente recorre ao termo Erlebnis para
sustentar sua definição, a experiência de vida “é também uma experiência situada, no sentido
de que a adquirimos em contextos práticos da vida cotidiana. São atividades práticas de nosso
dia-a-dia e de nosso encontro com outros em contextos de interação face a face que lhe dão o
conteúdo” (THOMPSON, 2008, p. 197).
O autor pontua que a comunicação mediada estabelece um novo tipo de experiência.
Além de o sujeito não se deslocar no tempo e no espaço do contexto onde consome o
conteúdo transmitido, Thompson (2008, p. 200) acrescenta que “os indivíduos podem ter
experiências similares através da mídia sem compartilhar os mesmos contextos de vida” ao
terem acesso comum a formas mediadas de comunicação.
As inferências do autor podem ser úteis para descrever ocorrências possíveis, por
exemplo, envolvendo pessoas que visitam lugares considerados exóticos ou distantes (dos
grandes centros urbanos):
238
Tão profunda é a medida em que a nossa compreensão do mundo foi
modelada pelos produtos da mídia hoje que, quando viajamos pelo mundo
para lugares mais distantes como visitante ou turista, nossa experiência vivida
é muitas vezes precedida por um conjunto de imagens e expectativas
adquiridas através de nossa prolongada exposição aos produtos da mídia.
Mesmo naqueles casos em que a nossa experiência de lugares distantes não
coincide com nossas expectativas, o sentimento de novidade ou surpresa
muitas vezes confirma o fato de que nossa experiência vivida foi precedida
por uma série de ideias preconcebidas e derivadas, pelo menos em parte, das
palavras e imagens transmitidas pela mídia. (THOMPSON, 2008, p. 38-39).
Duas considerações são necessárias para complementar o pensamento de Thompson.
A primeira: embora as concepções do autor tenham sido elaboradas levando em conta apenas
os meios de comunicação de massa, suas ideias podem ser válidas igualmente para o conteúdo
convencional que circula no ambiente digital11
. Segunda: a construção do imaginário pela
mídia parece mais palpável quando se refere a territórios distantes e desconhecidos, porém, o
mecanismo funciona de modo semelhante quando a mídia cria padrões (ou estereótipos) para
definir cenários urbanos e mais próximos. Telenovelas e propagandas se apropriam
costumeiramente desses modelos.
Não é apenas a dicotomia distante/próximo que incorpora funções mediadoras na
construção de imaginários. Graziela Bianchi (2011, p. 134) apresenta discussão semelhante
nas experiências concretizadas em ambientes rurais e urbanos:
A vivência experimentada em um cotidiano urbano é muito distinta da
percebida no contexto rural, são outras temporalidades, outras maneiras de se
encarar o trabalho, as relações e, em muitos casos, de se relacionar com os
meios de comunicação. É, com certeza, uma relação de “estranhamento”
vivida, na qual estão presentes ritualidades e experiências com as quais não se
está acostumado.
Em função dessa disparidade, os estudos envolvendo a comunicação face a face em
espaços urbanos, como a sede da Embrapa Soja instalada em Londrina (PR) e a
concessionária Ampla em cidades do Rio de Janeiro, terão um enquadramento distinto das
experiências vivenciadas na fazenda pantaneira12
. Outra divisão que suscita reflexões por
11
Reitera-se que o conteúdo convencional é aquele que carrega elementos identificáveis de um gênero cultural,
podendo estar condicionado ou não à mediação exercida pelos meios de comunicação. É possível que a restrição
de estereótipos imposta pela mídia se manifeste também na produção de conteúdos caseiros. Caberiam estudos
específicos para detalhar os confrontos de diferentes mediações sobre a elaboração e publicação de conteúdos
digitais (caseiros e profissionais), bem como a respeito da massificação desse conteúdo. 12
Outra característica marcante que diferencia as empresas é sua natureza jurídica: pública ou privada. Uma
organização pública como a Embrapa, que não visa diretamente o lucro, exercerá outros tipos de mediações
sobre seus relacionamentos e seus processos.
239
direcionar o entendimento do papel mediador do território é o antagonismo
conhecido/desconhecido.
Se lugares como Pantanal e Amazônia nunca foram visitados por uma parcela
majoritária da população, para os habitantes e frequentadores daquelas regiões eles se tornam
a referência e o estranho passa a caracterizar os outros espaços. Essa relativização de
perspectiva, por vezes ignorada por moradores dos grandes centros urbanos, representa
significativas diferenças na análise das mediações.
Em geral, o conhecido acalma enquanto o desconhecido assusta. Essa associação
explica a conduta de grandes redes hoteleiras ao adotar o mesmo padrão arquitetônico em
diferentes países com culturas diversas. Wolton (2004, p. 75-76) investiga essa relação:
Por que os hotéis internacionais são sempre tão idênticos, com um simples
toque de cultura local no âmbito da cozinha e da decoração interna? Por razões
econômicas, obviamente, mas também para garantir aos clientes um mínimo
de padronização, de referenciais, para tranquilizar aqueles que estão longe de
casa. A padronização da hotelaria internacional, além dos custos, é um meio
cultural oferecido aos que viajam para que não se sintam muito “deslocados”.
Eles estão em um ambiente seguro, que lhes permite abordar mais facilmente
o outro quando saem do hotel. Essa padronização facilita a previsibilidade que
é, como se sabe, uma das condições da comunicação; o outro é sempre menos
ameaçador quando podemos antecipar o seu comportamento.
Obviamente, existem turistas que preferem o novo, o desconhecido e o diferente
justamente para fugir do habitual. São sujeitos dispostos a viver experiências únicas e se
expor às mediações, correndo o risco de constrangimentos. Alguns dos jornalistas que
estiveram no Pantanal participando do projeto de comunicação da Embrapa tiveram a
oportunidade de confrontar a versão da planície construída pela mídia – e que dominava seus
imaginários – com a vivência naquele ambiente. Em depoimentos, os convidados relatam a
diferença entre produzir a reportagem no local e por meio do uso de tecnologias.
Jornalista A: Na minha opinião, há uma grande diferença entre estar no local e
fazer a matéria por telefone, internet ou qualquer outro meio a distância. Ter
passado um tempo na fazenda com certeza ampliou muito a minha percepção
sobre o que é o trabalho da Embrapa. Mesmo que por uns poucos dias, eu vivi,
conversei, dormi, comi e acordei naquela realidade, e vi o quão complexo é
todo o trabalho. E eu confesso que fiquei muito impressionada. Achei incrível
todas as privações que os pesquisadores passam (falta da comida favorita, de
energia elétrica, de conforto...), tudo para conseguir fazer um trabalho legal e,
claro, inviável em outro lugar. São tantos os exemplos legais: a Marcelle
acordando às 4h pra procurar os veados campeiros que ela pesquisa, a Sandra
enfrentando tudo para divulgar a importância do Tucura, o Urbano indo até as
fazendas da região para conversar com os produtores... Até o pessoal que saía
240
de madrugada para procurar jacaré e carrapato! Quando a gente está na
redação, não tem a percepção do todo. Muitas vezes, quando recebemos um
relatório, não temos muita noção de todo o trabalho por trás da pesquisa.
Achei que a visita me fez perder um pouco isso. Deu pra perceber que os
números – da Embrapa ou de qualquer outra instituição de pesquisa– não são
geração espontânea. Têm muito suor, sacrifício e picadas de mosquito!13
.
Jornalista B: A diferença entre as diferentes formas de fazer uma entrevista é
visível. Por e-mail, a meu ver, é a pior delas. O repórter não tem controle
sobre quando o entrevistado responderá, nem pode rebater o que foi escrito
com novas perguntas. O telefone é um modo tão prático quanto apressado.
Muitas vezes o entrevistado limita-se a dizer o que lhe foi perguntado, mesmo
que tenha como apresentar novas revelações. O "ao vivo" exige mais
investimento das redações, mas, a meu ver, ao menos em grandes reportagens,
este investimento compensa. Ainda mais quando a pauta é sobre um bioma
como o Pantanal. Um repórter que conhece o lugar sobre o qual escreve fará
uma matéria incomparavelmente melhor do que aquele que não saiu da
Redação. A visita vai lhe dar intimidade com o tema.
Os autores dos próximos depoimentos destacam elementos da comunicação não
verbal, como os cheiros e a troca de olhares, além dos reflexos que essa experiência trouxe
para suas vidas profissional e pessoal:
Jornalista C: Complexo, misterioso e imprevisível, o Pantanal impõe a
qualquer jornalista que se disponha a escrever sobre ele o desafio de entendê-
lo, ainda que superficialmente. Sem que a lógica do regime de inundações do
bioma seja minimamente entendida, o desafio de escrever uma reportagem
pantaneira torna-se praticamente impossível. Para que essa lógica seja
contemplada, é indispensável que o jornalista tenha algum contato com a
região e seus moradores e especialistas, experientes no trato com as cheias e as
estiagens que definem o próprio desenvolvimento econômico-social de
municípios e regiões dos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. No
meu caso específico, foi uma experiência fantástica passar uma semana no
Pantanal, dos pontos de vista profissional e pessoal. Não conhecia o bioma e
os contatos que pude fazer durante a viagem, a convite da Embrapa Pantanal,
renderam resultados que serão fundamentais para o futuro da cobertura da
editoria de Agronegócios do jornal [...] relacionada à região.
Jornalista D: Não se faz reportagem – como a propiciada pela Embrapa
Pantanal – por telefone. É imprescindível que o repórter esteja no local dos
fatos. Até em matérias mais comuns é importante a presença do repórter.
Informações por telefone, apenas as essenciais, breves, no fechamento da
edição ou que ocorram em locais bem distantes da redação (em outra cidade,
por exemplo). O repórter tem que amassar barro, comer poeira, sentir cheiro,
ter o sol, a chuva e a lua como testemunhas. Sentir o ambiente, o que é bom, o
que não é. O repórter é como um aluno de escola. Se não tiver entendido a
lição, irá mal na prova. Se assimilar bem a lição (o assunto) certamente vai
fazer boa matéria. É bom olhar nos olhos do entrevistado, ver como se veste,
13
Os e-mails dos quatro jornalistas foram enviados, respectivamente, em 13 out. 2010; 5 nov. 2010; 14 out. 2011
e 3 nov. 2011, todos para o endereço [email protected].
241
como se porta, sua índole, como fala, testar seus conhecimentos. Como
domina o assunto. Na matéria pelo telefone, embora resolva muitas vezes, não
há essa possibilidade. E, na maioria das vezes, não se obtém grande qualidade.
A menos que o repórter, em outra ocasião, tenha “olhado” e “cheirado” o
evento. Enfim, o repórter é como cobra: se não andar, não engole sapo.
As descrições dos jornalistas se inscrevem na esfera da tentativa, como preconiza
Quéré (2010), já que as sensações vividas por eles foram incorporadas a seus repertórios e não
podem ser reproduzidas ou compartilhadas. De qualquer modo e em alguma medida, observa-
se uma sensibilização; elementos mediadores do espaço físico atuam na relação dos
convidados com o próprio fazer jornalístico. A experiência marca, assim, uma ruptura entre a
concepção do local mediada pelos veículos de comunicação e aquela vivenciada
presencialmente. O imaginário é ressignificado.
Antes de apresentar mais detalhes da função mediadora da paisagem no Pantanal, a
pesquisa segue com experiências organizacionais envolvendo o espaço físico e a comunicação
face a face em duas organizações: a Ampla e a Embrapa Soja, estudadas respectivamente por
Ferreira (2011) e Martins (2012).
3. A força mediadora do lugar na comunicação organizacional
A percepção de que o espaço físico interfere nas relações entre dirigentes e
empregados é detectada na tese de Martins (2012), desenvolvida na Embrapa Soja. O
ambiente de trabalho, em geral, reúne atores de diferentes níveis hierárquicos. Desse modo, a
análise do papel mediador do espaço geográfico deve considerar também o tipo de relação
envolvida nas interações.
Ao estudar o uso da oralidade na comunicação interna da organização, a pesquisadora
pergunta aos funcionários se o local teria algum tipo de influência na qualidade do processo
comunicativo. Cerca de metade deles (51%) – número equivalente a 82 respondentes – avalia
que sim e levanta questões interessantes, como a dicotomia formalidade/informalidade. Há
um entendimento de que informações sérias e oficiais precisam ser transmitidas em ambientes
adequados e que repreensões ou orientações técnicas devem ocorrer em lugares reservados.
Funcionários da organização mencionam que a espontaneidade depende do local e
que, em função do espaço, alguns diálogos podem não fluir como deveriam. Também
apontam como obstáculos à conversa oral os barulhos, ruídos e, principalmente, a presença
inibidora de outras pessoas. Na concepção de alguns, nenhuma das partes envolvidas na
242
interação pode se sentir pouco à vontade durante o encontro. Eles reconhecem que alguns
espaços apresentam propriedades inibidoras e constrangedoras.
A mesma percepção emerge nas entrevistas que Martins faz com os dirigentes da
empresa. Um deles, identificado como Sujeito A, responde que evita algumas interlocuções
em sua sala por considerá-la um território constrangedor:
Sempre que tenho que pedir, passar alguma coisa para alguém ou solicitar
alguma coisa para alguém pego um papel e uma pasta e vou na sala do
indivíduo. [...] Então eu gosto mais de ir até o meu interlocutor. Então a
comunicação oral não por telefone, sempre interpessoal e face a face, e sempre
evitando chamar à minha sala. O ambiente é uma barreira (Sujeito A).
(MARTINS, 2012, p. 170).
Outro chefe, apresentado na tese como Sujeito B, compartilha o mesmo entendimento:
Se eu tenho alguma coisa que acho que pode melhorar a performance dele
naquela atividade isso eu já digo na reunião que eu reúno às vezes o grupo
todo ou então eu vou lá, eu nem peço pra ele vir aqui, eu vou lá na sala do
cara, falo lá com ele porque me parece que se você está na sua casa as coisas
são diferentes do que você vem na sala do chefe para resolver um assunto
(Sujeito B). (MARTINS, 2012, p. 177).
O significado de barreira atribuído às salas dos dirigentes deve ser encarado como uma
função mediadora incidente sobre o processo de comunicação. A noção mais complexa de
código, apresentada por Martin Serrano, torna-se válida para refletir sobre os componentes
ideológicos que fundamentam o uso desse território. Os chefes ocupam uma posição
hierárquica superior e estariam em vantagem em relação aos subordinados, pois cabem a eles
as decisões que instituem a rotina de trabalho, bem como a avaliação periódica de
desempenho de sua equipe.
Esse desequilíbrio que reveste a relação é representado de forma simbólica pela
própria função assumida pelo gestor e transcende a figura pessoal do superior. O local
ocupado por ele, o material de trabalho que utiliza, sua assinatura e outras representações
simbólicas adquirem um caráter mediador. Independentemente da mensagem e do conteúdo
dos diálogos, as regras pré-estabelecidas para a ocupação do território e para o exercício da
função superior mediam as interações.
De acordo com Martins (2012), a postura das chefias de evitar algumas interações em
suas salas busca amenizar essa lógica de dominação. “Ao ir ao encontro do subordinado, o
243
chefe dava ao empregado um valor que não teria visibilidade, caso o espaço da interlocução
fosse o escritório do dirigente” (MARTINS, 2012, p. 177). Observa-se uma tentativa de
flexibilizar a construção de sentidos em relação ao conteúdo a ser comunicado. Martins não
menciona em seu trabalho uma outra possibilidade: o acesso à sala da chefia pelo empregado
pode significar para esse último um sinal de prestígio e valorização, invertendo justamente
essa atribuição de sentidos.
Da mesma forma, Ferreira (2011) alerta para os cuidados que a corporação deve tomar
ao selecionar o espaço da interação face a face, pois este funciona também como instância
mediadora do processo.
O local onde a interação dialógica ocorre é representativo e demarca o
posicionamento relativo dos agentes discursivos. O diálogo social com ênfase
no consenso precisa se dar em um espaço que possa ser entendido,
simbolicamente, como de todos. Mesmo que não possa ser considerado
público, que seja, pelo menos, coletivo. Quando a “casa” é do outro, e este é o
agente de maior poder relativo na relação, há um natural constrangimento e
cerceamento da liberdade de expressão. [...] O local e a gestão do processo
importam. (FERREIRA, 2011, p. 317).
O pesquisador avalia a prática do diálogo social da concessionária Ampla com as
comunidades vizinhas. Embora exista um “agente de maior poder relativo na relação”, já não
se identifica, nesse caso, posicionamento hierárquico. A Ampla e as lideranças da
comunidade, que periodicamente são convidadas a dialogar, constroem um relacionamento de
interdependência: a organização precisa do apoio institucional da vizinhança e essa, por sua
vez, necessita dos serviços prestados pela concessionária. Estabelece-se uma relação de troca,
a princípio, instituída pela empresa.
Ferreira registra o desejo das lideranças de transferir o local das interlocuções da sede
da companhia para a comunidade. Dentro da organização, os participantes figuram como
convidados e alegam falta de tempo e liberdade para questionamentos mais incisivos.
“Declaram que muitas pessoas se sentem constrangidas e que são cerceadas pela empresa”,
aponta Ferreira (2011, p. 289). Ademais, as lideranças argumentam que, se os encontros
ocorressem fora dos domínios da Ampla, o papel de representantes comunitários no projeto
corporativo seria melhor compreendido.
As lideranças, quando questionadas sobre o local das interações, ressaltam que
preferiam e que já propuseram que fosse modificado. Entendem que, se cada
reunião ocorresse em uma comunidade, articulada por aquela liderança local,
permitiria um maior conhecimento e reconhecimento da realidade do outro. O
244
compartilhamento da visão de mundo, da perspectiva cultural e dos elementos
de mediação de cada grupo possibilitaria mais clareza das motivações
discursivas. (FERREIRA, 2011, p. 289).
Por conceber os lugares geográficos como elementos de construção de sentidos, o
pesquisador desenvolve uma classificação espacial em quatro categorias, tentativa rara de
sistematizar a relação entre a organização, o território e seu papel mediador com um dos
públicos de interesse:
- espaços da organização (totalmente privados): quando ocorrem lugares de
propriedade ou uso exclusivos da empresa. Nesse caso, são lugares privados,
mesmo que, em algum contexto, sejam usados como local para debates
públicos ou de interesse público. É o caso, por exemplo, do uso de salas,
galpões e auditórios da organização para as reuniões entre as comunidades e
representantes da empresa. As lideranças comunitárias entram no local como
convidadas. Seu direito de uso do espaço é transitório e obedece a regras
estabelecidas previamente;
- espaços da organização na comunidade (privados de uso coletivo): quando
ambientes são especialmente construídos ou contratados pela empresa, mas
localizados na comunidade. Eles têm como principal função serem espaços
utilizados para os fóruns entre a organização e a comunidade. É o caso de
alguns projetos para os quais as organizações alugam salas, e espaços na
comunidade ou de alguma igreja, clube, associação de bairro, como sede dos
projetos sociais. As regras do espaço são compartilhadas;
- espaços mútuos (híbridos em constituição): é o caso das organizações
constituídas para implantar projetos desenvolvidos, mantidos e promovidos
em parceria pelas organizações com as comunidades. Quando são
estabelecidos conselhos comunitários que irão gerenciar a implantação de uma
proposta conjunta de ação, esse tipo de espaço é constituído;
- espaços da comunidade (comunitários ou públicos): lugares como escolas,
igrejas, associações de bairro, galpões públicos, praças ou ONGs.
(FERREIRA, 2011, p. 131-132).
Essa classificação pode auxiliar na compreensão do Pantanal enquanto espaço híbrido
de interação, já que ele aglutina o espaço público (o bioma, considerado patrimônio da
humanidade) com o privado, propriedades particulares, incluindo a fazenda Nhumirim, da
Embrapa. Essa discussão será implementada na próxima seção. Antes disso, convém ponderar
que, na concepção de Ferreira (2011, p. 133), inexiste um lugar livre de mediações: “[...] um
espaço de pura comunicação racional, sem interferências do poder, do dinheiro e das
hierarquias é um modelo prototípico, ideal, mas que não se realiza plenamente na
contemporaneidade [...]”.
As experiências envolvendo os espaços de interação face a face estudadas por Martins
(2012) e Ferreira (2011) nas duas organizações apresentam, ainda, uma característica comum,
245
que não se aplica ao próximo ambiente a ser pesquisado, o Pantanal. Nos dois casos, a escolha
do território onde se desenvolve a comunicação presencial é, de certa forma, opcional, há uma
relativa flexibilidade. O chefe da Embrapa detém a prerrogativa de dialogar fora de sua sala,
no espaço de domínio do empregado. A Ampla também pode optar por transferir o espaço de
conversas para a área da comunidade. No caso do Pantanal, essa transferência se mostra
inexequível: se a proposta é experimentar o ambiente, conhecer sua biodiversidade e os
modos de vida locais, o único procedimento a ser adotado é o deslocamento até a região.
4. Pantanal: paisagem mediada e sua função mediadora
Em publicações didáticas e científicas, o Pantanal brasileiro aparece descrito como
uma planície alagável, onde o regime de cheia e de seca regula as condições ambientais,
favorecendo a conservação da biodiversidade. Na mídia, especificamente no enquadramento
jornalístico, a mesma região tem sido apresentada como santuário ou paraíso ecológico, com
destaque para a beleza cênica formada por extensas áreas verdes entrecortadas por pequenas
lagoas e habitada por animais selvagens. Já a moldura ficcional revela um Pantanal
misterioso, ao mesmo tempo tranquilo e tranquilizante, cenário de romances inocentes vividos
por personagens rústicos e marcantes.
As diferentes mediações se manifestam, assim, como recortes que direcionam a
visibilidade e a percepção sobre o ambiente. A verossimilhança presente ou ausente nesses
discursos não está em discussão; o que essa seção pretende identificar são as diferentes
perspectivas de descrição de um mesmo espaço geográfico, que se estabelecem como
referências no imaginário coletivo, a ponto de condicionar quaisquer tipos de ações
desenvolvidas naquele território, sejam elas cotidianas ou excepcionais.
Atividades planejadas e executadas no contexto da comunicação organizacional em
regiões de rica biodiversidade, como Amazônia e Pantanal, estão submetidas a um duplo viés
mediador: o conhecimento prévio que os interlocutores envolvidos acumulam sobre o
território ainda não visitado e o papel mediador das próprias paisagens incidindo sobre as
interações. Para entender essa sobreposição, estudos empreendidos no campo da geografia
introduzem noções agregadoras sobre a concepção de paisagem – conceito que deve ser
compreendido nas dimensões rural e urbana. Autores dessa disciplina apontam que as
pesquisas sobre um determinado espaço geográfico não podem prescindir da imersão. No
246
campo da comunicação a mesma metodologia parece adequada para alguns estudos sobre as
mediações.
4.1 Paisagens e experiências partilhadas: valores culturais
“Por que estudar os significados das paisagens? Porque revelam valores e concepções
de mundo, experiências pessoais e processos históricos que estão muito além da forma
apreendida pela visualidade mais imediata”, pondera Mário Masaru Sakaguti Junior (2010, p.
20). O autor explica que a ideia de paisagem não deve se restringir à vista panorâmica ou ao
conjunto visual de determinado lugar. Ele faz parte de uma corrente da geografia que
entrelaça as paisagens com a cultura, conexão bastante promissora para a pesquisa dos
aspectos mediadores inerentes aos espaços físicos.
Também representante dessa vertente, Euler Sandeville Junior (2004) vincula
paisagem à experiência, desencoraja estudos exclusivamente por via indireta, como imagens e
cartografia, e defende olhares transdisciplinares para a compreensão dos lugares. De acordo
com o geógrafo, devido à natureza da paisagem, a imersão se institui como metodologia capaz
de produzir sentidos para seu conhecimento. “O sentido da paisagem não pode ser dado
apenas pelo universo teórico e existencial do observador, sob o risco de um estereótipo. Na
verdade, a paisagem é mais intensamente revelada a partir das pessoas que têm nela uma
experiência comum”, coloca Sandeville Junior (2004, p. 3), advertindo que comum deve ser
entendido tanto na concepção de corriqueiro como de coletivo.
A ideia de experiência partilhada para a compreensão das paisagens revela-se oportuna
para decifrar os processos de mediação que envolvem o ambiente físico. Para Sandeville
Junior (2004, p. 4), a imersão torna-se válida mesmo para territórios desabitados por
humanos, “pois revelará aspectos que não podem ser percebidos por via indireta de bases de
dados e leituras de instrumentos”.
Basicamente, refiro-me à necessidade de um contato direto, não apenas no
nível rudimentar da percepção visual dos objetos que se encontram na
paisagem, pois não são em si mesmos formadores da paisagem. Esse contato
deve colocar a experiência humana em evidência. Trata-se de reconhecer a
paisagem em sua dimensão estética, não de beleza plástica (arranjo formal) ou
de utilidade (adequação funcional), mas de uma experiência sensível, que é o
modo como usamos o termo estética aqui. A paisagem é uma experiência
humana. Desafia, portanto, uma relação de alteridade e descentramento, de
revisão de pressupostos, onde somos imensamente renovados por essa
247
experiência, ou seja, se constrói o sentido de uma paisagem partilhada.
(SANDEVILLE JUNIOR, 2004, p. 4).
A proposta metodológica de Sandeville Junior excede os interesses da geografia e
oferece suporte para descobertas interessantes no campo da comunicação. Se o espaço físico é
reconhecido como experiência humana e se as mediações aqui pesquisadas têm sua essência
vinculada à vivência, o deslocamento e a imersão despontam como alternativas viáveis para o
estudo das instâncias mediadoras nos processos comunicacionais.
O autor reforça a importância dessa metodologia por meio de um exemplo similar
àqueles fornecidos por Quéré (2010). Para ele, o sujeito só saberá exatamente o que é uma
maçã ao experimentá-la (por mais que as descrições indiquem sua cor, textura, sabor e
dimensões). Da mesma forma, Sandeville Junior (2004) sugere que as paisagens só podem ser
compreendidas se foram vivenciadas e se houver um envolvimento14
. Sakaguti Junior (2010,
p. 39) ajuda a explicar o desenvolvimento desse processo:
O ser humano, ao entrar e permanecer em contato com os espaços, os lugares
e as paisagens, cria vínculos com os mesmos. Eles se tornam parte da vida e,
desse modo, familiares. A paisagem, o espaço, o lugar são palcos para a
encenação da vida cotidiana e não têm sua existência apenas em si mesmos,
são elementos que compõem as experiências de vida. Na memória, espaço,
lugar e paisagem são elementos sempre presentes, são como cúmplices das
experiências de vida, boas ou ruins, íntimas ou rotineiras. É possível afirmar,
então, que eles podem ser alvos de uma grande carga de sentimentos humanos,
o que lhes atribui uma significação especial, que não está reduzida ao que é
simplesmente racional e utilitário.
Conforme observa Sakaguti Junior, os vínculos estabelecidos com o espaço físico são
responsáveis pela construção de significados especiais atribuídos a ele. Em ambientes
notadamente urbanos, onde vive a maioria da população, as mediações parecem menos
perceptíveis por estarem incorporadas àquela cotidianidade. Quando ocorre o deslocamento
de atores urbanos para o ambiente rural, surge o “estranhamento” relatado anteriormente por
Bianchi (2011).
14
Goffman (2010, p. 54) apresenta sua definição para envolvimento, tomando como pano de fundo as interações
face a face: “o envolvimento refere-se à capacidade de um indivíduo de voltar, ou deixar de voltar, sua atenção
concentrada a alguma atividade disponível – uma tarefa solitária, uma conversa, um esforço de trabalho
colaborativo. Implica uma certa proximidade admitida entre o indivíduo e o objeto de envolvimento, uma certa
absorção aberta de parte daquele que está envolvido. Pressupõe-se que o envolvimento numa atividade expressa
o propósito ou objetivo do ator”.
248
Assim, os contrastes entre urbano e rural persistem como elementos distintivos das
mediações espaciais e serão explorados na seção 4.3. Outra mediação relevante que assume o
protagonismo na construção de imaginários é aquela formatada pela mídia e que, na sociedade
midiatizada, se estabelece como hegemônica. Nesse sentido, alguns estudiosos – geralmente
conhecedores de realidades outras – começam a questionar a coerência entre os lugares
apresentados pela mídia e os lugares reais.
A concepção de Gaston Bachelard (1884-1962) sobre imaginação formal e imaginação
material fundamenta, ao menos filosoficamente, o fenômeno que esse capítulo se propõe a
investigar. O autor atenta para o vício da ocularidade – aquela tendência de a cultura ocidental
privilegiar a causa formal (ligada à visão) em detrimento da causa material (experiências que
envolvem outros sentidos). “O próprio vocabulário científico e filosófico („evidência‟,
„intuição‟, „visão de mundo‟, etc.) revelaria esse preconceito que faz do conhecimento uma
extensão da visão, um desdobramento da imaginação formal” (PESSANHA, 1978, p. XII).
Para Bachelard, a experiência de elaborar e contemplar uma pintura seria distinta da de
se produzir e observar uma escultura, por exemplo. Por isso, ele reivindica o caráter legítimo
e irredutível das imagens que a mão recolhe na matéria:
Uma mão ociosa e acariciante que percorre linhas bem feitas, que inspeciona
um trabalho concluído, pode ficar encantada com uma geometria fácil. Ela
conduz a uma filosofia de um filósofo que vê o operário trabalhar. No reino da
estética, essa visualização do trabalho concluído leva naturalmente à
supremacia da imaginação formal. Ao contrário, a mão trabalhadora e
imperiosa apreende a dinamogenia essencial do real ao trabalhar uma matéria
que, ao mesmo tempo, resiste e cede como uma carne amante e rebelde.
(BACHELARD, 1998, p. 14, grifo do autor).
Considerando válido esse pressuposto, o indivíduo que conhece espaços como
Pantanal e Amazônia exclusivamente pela imaginação formal – muitas vezes por imagens
visuais disponibilizadas pela mídia – terá uma concepção diferente daquele que se desloca à
região, abre as porteiras, sacode nas caminhonetes ou lombos de cavalos e sente a temperatura
e o cheiro do local. Esse sujeito constrói uma imaginação material e, certamente, retornará
desses lugares com outro repertório e outras experiências, pois se submeteu a outras
mediações.
4.2 Discursos midiáticos e a construção do imaginário sobre regiões exóticas
249
A vinculação de ambientes exóticos a uma concepção mítica – como a que sustenta a
ideia de santuário ecológico –, construída pelo discurso midiático, não é fenômeno recente.
Ao estudar as duas Amazônias, a mítica e a real, Paulo Bráz Clemencio Schettino (2013)
recorre à literatura de ficção para desvendar as descrições mediadas sobre aquele espaço. Sua
pesquisa cita obras como as do romancista Gastão Cruls, que em 1925 escreveu A Amazônia
Misteriosa e, cinco anos depois, Amazônia que Eu Vi, relatando, respectivamente, o ambiente
imaginado e o vivido. Também em 1930, o escritor português Ferreira de Castro, que morou
quatro anos na floresta amazônica, publicou A Selva, obra de ficção ambientada naquele
território. Por fim, menciona Euclides da Cunha, autor de Um Paraíso Perdido – ensaios,
estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia, coletânea de textos produzidos a partir de uma
expedição àquela região, em 1904, lançada na década de 1990. De acordo com Schettino
(2013, p. 11),
as histórias em quadrinhos desenhados, de fácil leitura e apreensão imediata,
os filmes cinematográficos e as telenovelas ocupam-se de construir o
imaginário das pessoas, independentemente das diferenças culturais e
nacionalidades e capacidade de abstração exigida pelo hermetismo simbólico
da palavra. As duas Amazônias jazem confundidas para sempre na profusão
de filmes e teleplays produzidos pelo século afora assim como não mais é
possível distinguir a verdade da ficção15
.
O viés edênico que abastece a cobertura midiática sobre a Amazônia também é objeto
de estudo de Manuel José Sena Dutra (2001, p. 2), para quem a mídia reproduz ou transforma
antigas visões estereotipadas, “de modo especial aquelas que retratam a Amazônia como um
lugar paradisíaco e, contraditoriamente, ao mesmo tempo inóspito, no qual coexistiriam a
exuberância física da natureza e a invisibilidade humana”.
Os estereótipos, a que Dutra se refere, alimentam igualmente boa parte da narrativa
jornalística e ficcional contemporânea sobre o Pantanal. Não é o caso de condenar essas
construções imaginárias, já que elas cumprem uma função discursiva. Como bem coloca
Lippmann (2010, p. 92), “a renúncia a todos os estereótipos por uma completa inocente
aproximação à realidade empobreceria a vida humana”. E acrescenta:
As mais sutis e difundidas de todas as influências são aquelas que criam e
mantêm o repertório de estereótipos. Conta-nos sobre o mundo antes de nós o
15
Conceitos como “verdade” e “real” devem ser tomados em sua subjetividade e caberia uma discussão
filosófica a respeito. Esta tese, no entanto, não vai aprofundar esse debate, apenas procura chamar a atenção para
a relatividade dessas definições.
250
vermos. Imaginamos a maior parte das coisas antes de as experimentarmos. E
estas preconcepções, a menos que a educação tenha nos tornado mais
agudamente conscientes, governam profundamente todo o processo de
percepção. Eles marcam certos objetos [ou lugares] como familiar ou
estranho, enfatizando a diferença, de forma que o levemente familiar é visto
como muito familiar, e o de alguma forma estranho como profundo alienígena.
(LIPPMANN, 2010, p. 91-92).
A percepção mitificada do Pantanal tem sido fomentada pelos veículos de
comunicação, especialmente através da mediação de produtos ficcionais. De acordo com
Maio (2009, p. 217), “até a década de 1980, a população do restante do país o conhecia menos
pelos veículos de comunicação e mais pelas cartilhas e livros didáticos utilizados nas aulas de
geografia”. O próprio acesso dos meios à região era difícil, o que impedia uma cobertura
jornalística regular.
Esse quadro começa a se alterar a partir de uma intervenção da extinta TV Manchete16
.
A novela Pantanal, exibida pela primeira vez nessa emissora em 1990, apresenta ao país uma
região desconhecida, estranha, misteriosa e mítica, adotando uma narrativa inovadora para a
época.
De repente, surge uma telenovela que nitidamente foge dos padrões. Ela traz
um outro andamento, um outro tempo, um outro ritmo, assumidamente mais
lento, com planos contemplativos de longa duração, focalizando mais
paisagens que protagonistas, com tratamento plástico mais elaborado e
marcante presença da música. (MACHADO; BECKER, 2008, p. 12).
O sucesso chegou a abalar o monopólio da maior emissora aberta de TV do Brasil, a
Rede Globo, em horário nobre. Escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jayme
Monjardim, a novela tinha um enredo simples: a história de amor entre a pantaneira Juma
Marruá, conhecida por se transformar em onça quando irritada, e Jove, um jovem urbano que
vivia com a mãe no Rio de Janeiro, mas decide viajar ao Pantanal para conviver com o pai, o
fazendeiro José Leôncio. Lá ele conhece Juma e começa o romance. O protagonismo, no
entanto, foi da natureza.
De acordo com Anna Maria Balogh (2002, p. 142), “no tocante à exploração do
espaço, a escolha do Pantanal como locação foi de rara felicidade: poucos espaços nos
levariam de forma tão veemente ao mito do „paraíso perdido‟ quanto esse”. A novela foi
16
A emissora carioca, pertencente à família Bloch, se autopromovia com o slogan “O Brasil que o Brasil não
conhece passa na Manchete” (BALOGH, 2002, p. 146). Funcionou de 1983 a 1999.
251
reprisada em outras duas ocasiões: em 1991 pela própria TV Manchete e em 2008 pelo SBT
(Sistema Brasileiro de Televisão).
Arlindo Machado e Beatriz Becker pesquisaram esse fenômeno da teledramaturgia e
os resultados estão reunidos no livro Pantanal: a reinvenção da telenovela, onde captam
também aspectos da recepção do produto midiático:
[...] para a imensa massa de telespectadores que vivia no meio urbano poluído,
fechado, policiado, marcado pelo medo e pela solidão, chegar em casa à noite
e defrontar-se com aquelas paisagens amplas e diferenciadas, aqueles
personagens naturais, aquela liberdade e transparência, já representava, pelo
menos, a promessa de que alguma forma de redenção e romantismo ainda era
possível. (MACHADO; BECKER, 2008, p. 23).
De acordo com os pesquisadores, a novela transferiu para o imaginário dos
telespectadores um discurso poético e edênico sobre o bioma. O ethos do local fica fortemente
evidenciado no depoimento que a atriz Cristiana Oliveira, que interpretou a personagem Juma
Marruá (Figura 8), concede a Beatriz Becker:
No dia em que eu cheguei no Pantanal eu tive vontade de chorar. Porque o
choque é absurdo. O choque do urbano com aquela coisa selvagem, sabe? É
muito grande e você se sente desse tamanhinho. Você vê o quanto é
insignificante. O Pantanal agora é a minha segunda casa. Eu senti essa
necessidade de melhorar como pessoa, de me desenvolver como ser humano.
Eu aprendo. Nessa distância toda que estou tendo, eu aprendo a dar valor a
muita coisa. Coisas a que eu não dava valor porque estavam todo dia a meu
lado, entende? Agora eu dou valor. (MACHADO; BECKER, 2008, p. 54).
Esse “choque” a que se refere a atriz pode refletir também a ruptura entre o Pantanal
idealizado que compunha seu repertório pessoal antes da visita e a vivência naquele espaço
durante o período de filmagem. Na verdade, não há incoerências marcantes entre o ambiente
exibido pela novela e a realidade. “Um trabalho de ficção pode ter quase qualquer grau de
fidelidade, e desde que o grau de fidelidade possa ser levado em conta, a ficção não é
enganosa” (LIPPMANN, 2010, p. 30). No entanto, a perspectiva ficcional e a própria
produção televisiva configuram-se como mediações e restringem as possibilidades de
interpretação, como preconiza Martin Serrano (2007).
Outra peça ficcional que segue, em parte, a mesma fórmula da novela é o filme
Cabeça a Prêmio, lançado em 2009 e dirigido por Marco Ricca. Apesar de inserida no gênero
policial, a trama se desenvolve na região de fronteira do Pantanal brasileiro e se caracteriza
252
por “uma mistura de aclimatação a um ambiente inóspito e desconhecido e uma tranquilidade
muito grande na condução de sua narrativa” (VALENTE, 2009).
O estilo poético de narrativa da telenovela e do filme parece ter migrado para outros
produtos midiáticos não-ficcionais, como matérias jornalísticas e documentários, e persiste até
a atualidade. Conforme Maio (2009, p. 218),
[...] a dramaturgia não foi a única forma de divulgação do Pantanal. Desde
então, a planície pantaneira frequenta o noticiário da mídia impressa,
eletrônica e digital de forma esporádica, mas não menos deslumbrante.
Turismo, meio ambiente e ciência são ingredientes básicos de reportagens
sobre a região, mas a cobertura jornalística praticada desde então, em rede
nacional, permanece bastante próxima da ficção. A opção pela cobertura
jornalística bucólica do Pantanal pela televisão parece sustentada pelo receptor
carente de fantasias e/ou saturado do cardápio de violência exibido
diariamente nos centros urbanos.
FIGURA 8. Atriz Cristiana Oliveira no papel de Juma Marruá, 1990
Fonte: UOL Celebridades
17
As riquezas sociais que delimitam aquela cultura e o desenvolvimento tecnológico
como diferencial para a sustentação da economia local são algumas das abordagens ausentes
ou pouco exploradas pelo jornalismo de grande circulação na cobertura sobre o Pantanal.
Certos silenciamentos também são observados por Dutra (2001, p. 2) em relação à Amazônia.
“Ao lado de uma Amazônia urbana e moderna subsistem outras amazônias singulares e
dotadas de especificidades que as tornam frequentes itens das pautas da mídia, com destaque
para a televisão.”
17
Disponível em: http://celebridades.uol.com.br/album/2013/10/09/veja-fotos-da-atriz-cristiana-
oliveira.htm#fotoNav=3. Acesso em: 4 mar. 2014.
253
A priorização do exótico reforça o discurso da imutabilidade, perpetuando o
estereótipo de paraísos ecológicos e de ambientes inóspitos tanto para a Amazônia quanto
para o Pantanal. As noções de modernidade, de urbanidade e de desenvolvimento soam
sempre estranhas para o consumidor de bens simbólicos que não tem a oportunidade de se
deslocar até esses territórios.
4.3 Elementos mediadores marcantes do Pantanal
Algumas características próprias da planície pantaneira funcionam como instâncias
mediadoras das interações desenvolvidas naquele ambiente. Um deles é a própria ruralidade,
que vem sendo inter-relacionada com a percepção temporal por Bianchi (2011) e outros
autores. Dessa forma, o binômio ruralidade/temporalidade distingue uma mediação que incide
sobre as propriedades espaciais.
As diferentes temporalidades inscritas no cotidiano de quem habita o meio
rural são negociadas e transformam-se em um tempo único, onde está inserido
o tempo de trabalho, da família, do descanso e onde o midiático também entra
em negociação. A existência de quem vive no meio rural é constantemente
marcada pelo tempo de plantar, tempo de colher, tempo de adubar, tempo de
sol, tempo de chuva, tempo do trabalho, tempo da casa, tempo midiático.
Todos esses tempos apresentam uma existência individual, mas é a junção e
suas relações que estabelecem o tempo da vida do sujeito que vive no campo.
(BIANCHI, 2011, p. 140).
Na urbanidade, os parâmetros temporais também caracterizam o modo de vida, no
entanto, são elaborados a partir de outras escalas: tempo de congestionamento, tempo na fila
de espera, duração da sessão de cinema, horas extras trabalhadas, tempo de download, data de
vencimento do cartão de crédito, deadline, entre outras. A intervenção do tempo como
elemento de configuração do espaço é semelhante: mudam as variáveis. Além disso, a
escassez de moradores em propriedades rurais contribui para uma sensação de monotonia.
“As vistas panorâmicas parecem estáticas, despertando uma sensação de imobilidade e
inalterabilidade no decorrer do tempo. A impressão é a de que continuariam a ser como são
por muito tempo” (SAKAGUTI JUNIOR, 2010, p. 116).
Quando convidados de regiões urbanas visitam espaços rurais, como o Pantanal ou a
Amazônia, eles se deparam com esse mecanismo temporal diferenciado e desenvolvem diante
dele reações de adaptação ou desajuste. A presença de aparelhos transmissores de
comunicação de massa, como televisão e rádio, atenua, em parte, a sensação de
254
estranhamento. A conexão à internet vai, gradativamente, ocupando esses espaços longínquos,
garantindo maior familiaridade com o local.
FIGURA 9. Mapas da localização do Pantanal no Brasil, no MT e MS
Fontes: Embrapa Pantanal/Geoprocessamento e Guia de viagem UOL
18
Se a vista panorâmica transmite a sensação de imutabilidade, no Pantanal ela também
se associa à infinitude ou ausência de limites. A própria localização do bioma (Figura 9) –
distante dos grandes centros econômicos do país – contribui para essa percepção. Com área
de aproximadamente 140 mil quilômetros quadrados, a planície se espalha por dois Estados
brasileiros: Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%). Pode ser acessada em sua
porção norte, cujas cidades mais importantes são Cáceres (MT) e Poconé (MT), ou pelo sul,
onde se destacam os municípios de Aquidauana (MS), Miranda (MS) e Corumbá.
Cerca de 1.400 quilômetros separam, por exemplo, as cidades de São Paulo e
Corumbá, distância que, ao ser percorrida, evoca a noção de grandeza territorial do país.
Afora a percepção da distância e da extensão do Pantanal, o simples fato de viver naquele
espaço parece imprimir determinadas características aos habitantes:
Embora cada ambiente ou ecossistema possa afetar as pessoas de forma
distinta, há, provavelmente, um efeito geral que provoca praticamente as
mesmas reações em todos os frequentadores. Quem passa muito tempo no
mar, por exemplo, se expõe mais a determinados sentimentos – e a maioria
das pessoas sente exatamente esses mesmos “determinados sentimentos”;
quem mora no Pantanal tende a falar manso, ser desconfiado e, ao mesmo
18
Disponível em: http://viagem.uol.com.br/guia/cidade/pantanal.jhtm. Acesso em: 9 set. 2010.
255
tempo, solidário; o sujeito que vive na floresta amazônica tem uma índole
diferente daquele que vive na mata atlântica. (MORAES, 2014).19
Existe uma característica própria daquela vista natural que remete à ausência de
limites, percebida também pelo poeta Manoel de Barros ao descrever que “no Pantanal não se
pode passar régua. Sobremuito quando chove. A régua é existidura de limite. E o Pantanal não
tem limites” (BARROS, 1997, p. 29). Essa sensação se relaciona com as amplas áreas de
terrenos planos, contínuos, comparáveis ao mar (Figura 10).
Existe um limite real e efetivo na paisagem, mas por alguma característica do
ambiente, temos a impressão de que não há limites, que a paisagem não tem
fim, que não há horizontes etc., e essa impressão então fica como que
permanente. Por exemplo: no mar aberto em que para onde se olhe só se
enxerga mar e céu que se confundem como um horizonte contínuo e
constante; principalmente após vários dias no mar e sem ver terra. Esse tipo de
sensação também ocorre no Pantanal, porque a paisagem, apesar de
multivariada, parece ser sempre a mesma; tem-se a impressão de que não há
um limite; tem-se a impressão de que não há horizonte. (MORAES, 2014).
FIGURA 10. Área da planície pantaneira: horizonte ampliado, 2010
Fonte: NCO/Embrapa Pantanal
A percepção da falta de horizontes ou de limites se impõe como elemento físico e
psicológico de interferência durante as interações face a face. Há diferenças substanciais entre
conversar em ambiente aberto, amplo e indefinido e um diálogo delimitado por paredes. As
sensações que podem se associar à comunicação cara a cara no Pantanal são diversas e
19
As contribuições do socioeconomista André Steffens Moraes, ex-pesquisador da Embrapa Pantanal, ex-marujo
e atual pesquisador da Embrapa Soja, foram incorporadas à tese pela perspicácia de suas impressões pessoais
sobre a paisagem pantaneira, elaboradas ao longo dos anos em que frequentou aquele ecossistema. Agradeço
pela rica colaboração.
256
imprevisíveis, podendo incluir ausência de controle, perda de referências, excesso de
informalidade, falta de proteção, de concretude, de concentração e de determinação, entre
muitas outras. A descrição da atriz Cristiane Oliveira também pode ser recuperada,
particularmente quando ela menciona se sentir pequena diante da imensidão do espaço. Essa
projeção diante do ambiente se reflete, de alguma maneira, nas conversas ali desenvolvidas.
A discussão a respeito do espaço físico levanta também o debate sobre o público e o
privado. Conforme já antecipado, as experiências de comunicação face a face promovidas
pelo projeto de comunicação organizacional da Embrapa ocorreram em territórios que podem
ser considerados híbridos: as fazendas visitadas, áreas privadas, pertencentes a uma pessoa
física ou jurídica, e o Pantanal enquanto reserva da biosfera, um território de interesse
público. Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa indicam que 95% da planície são ocupados
por propriedades particulares.
A presença física na região será regida, assim, por códigos mistos de ocupação.
Visitantes e anfitriões podem observar nas paisagens a sobreposição de interesses: o público
buscando a preservação do território e o privado tentando ampliar os lucros a partir da
exploração econômica do local. Esse aparente confronto, até então, se encontra razoavelmente
equilibrado, devido à operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável. A
convivência harmoniosa entre o boi e as espécies selvagens é tida como exemplar desse
balanceamento. Essa circunstância também manifesta sua função mediadora, já que os
diálogos naquele território rotineiramente tangenciam a questão da sustentabilidade.
A proximidade entre interlocutores e animais selvagens é outro fator que, com
frequência, incide sobre as interações. Já foi dito que a beleza cênica e a biodiversidade, em
geral, encantam os visitantes. Ao transitar pela planície, de caminhonete, a cavalo ou a pé, não
é difícil avistar quatis, veados, cervos, antas, tamanduás, queixadas, porcos monteiros, jacarés,
capivaras e, obviamente, a ave símbolo do Pantanal, o tuiuiú (Figura 11). Os frequentadores
também vão ver muitos bois, já que a pecuária de corte é a atividade que mais se adaptou à
região. A vegetação e as águas que se acumulam em baías e corixos20
completam o visual.
Diante da imprevisibilidade com que os animais podem se aproximar dos humanos, é
provável que os diálogos no campo sejam interrompidos para a contemplação ou mesmo para
o deslocamento em direção a áreas mais seguras. Observa-se que a presença da fauna não
provoca constrangimento, e sim outros tipos de sensações, como medo, ansiedade,
20
Corixos são pequenos rios que se formam em épocas de chuva e desaguam em outros rios maiores.
257
curiosidade, apreensão, receio etc. Invariavelmente, os animais são temas de conversas
ambientadas no Pantanal.
FIGURA 11. Tuiuiú, a ave-símbolo do Pantanal
Fonte: NCO/Embrapa Pantanal
Outros elementos mediadores se apresentam como característicos daquele lugar. O
perfil acolhedor dos habitantes da região é um deles. Embora desconfiado, como indicado
anteriormente, o homem pantaneiro se distingue pela hospitalidade e solidariedade. Os hábitos
culturais dessa população – entre eles as rodas de tereré21
, as modas de viola e a contação de
causos – convidam o visitante a se integrar ao ambiente, conduta reforçada pelo acesso ainda
precário às tecnologias da informação. O fenômeno da midiatização, no entanto, tende a
alterar essa cotidianidade, impondo outros tipos de mediações.
4.4 Uma experiência pantaneira de constrangimento às avessas
A teoria apresentada até aqui, bem como as experiências práticas de comunicação
organizacional pesquisadas recentemente, permite inferir que a sensação de constrangimento é
passível de ocorrer em quaisquer ambientes que sirvam de cenário para interações. Há uma
percepção do senso comum de que as regras pré-estabelecidas para ocupação de um espaço
geográfico interferem na situação de interlocução, inibindo a livre manifestação de visitantes
temporários. Entretanto, constrangimentos podem atingir, também, os responsáveis pelo
domínio do território.
21
Bebida semelhante ao chimarrão, mas feita com água fria.
258
A experiência vivenciada pela dupla de jornalistas da região Sudeste que se sentiu
incomodada na fazenda da Embrapa Pantanal foi suficiente para constranger não apenas a
equipe de comunicação da unidade, como a chefia-geral e os responsáveis pelo setor de
campos experimentais, que administram a fazenda. Ao tomarem conhecimento de que as
condições de recepção dos visitantes não corresponderam ao planejado, todos esses atores se
mobilizaram na tentativa de salvar a representação, de acordo com as proposições de Goffman
(2011a).
Pedidos de desculpas foram encaminhados aos profissionais da imprensa por uma
equipe de anfitriões notadamente frustrada e constrangida. Foram tomadas as providências
necessárias para que essas falhas não se repetissem nas visitas posteriores. O episódio
confronta a ideia de que o constrangimento seja um sentimento exclusivo do visitante.
Ademais, a única equipe de jornalistas a demonstrar insatisfação durante a estadia não chegou
a exibir sinais de constrangimento. O desconforto foi assumido e exposto aos anfitriões,
contrariando a expectativa de inibição inerente às situações constrangedoras.
Uma última consideração sobre a experiência envolvendo a comunicação face a face
no Pantanal: as relações entre anfitriões e convidados se caracterizava, assim como na Ampla,
pela interdependência: a organização precisava do apoio dos jornalistas para divulgar a região,
assim como os jornalistas, naquela ocasião, precisavam da Embrapa para a realização de seu
trabalho. A partir dessa experiência de comunicação organizacional desenvolvida no Mato
Grosso do Sul e das demais, no Paraná e Rio de Janeiro, acredita-se que já foram levantados
elementos suficientes para a verificação da hipótese 4.
5. Interpretação e validação da hipótese
Algumas condições presentes nos espaços físicos parecem, de fato, condicionar o
desenvolvimento da comunicação face a face, particularmente os códigos pré-estabelecidos
que determinam condutas durante o uso e ocupação de lugares. Regras sociais definem
comportamentos típicos para certos ambientes, como permanecer em silêncio durante uma
sessão de cinema, um culto em um templo religioso ou uma apresentação de palestra em um
auditório; já em uma partida de futebol, dentro de um estádio, demonstrações de efusividade
são esperadas e bem-vindas; diálogos em tons cordiais são previstos em escritórios e
ambientes similares de trabalho; gritos, correrias e brincadeiras aparecem como hábitos
correntes no pátio escolar durante o intervalo de aulas de uma unidade de educação infantil; a
259
contemplação silenciosa de obras de arte se mostra compatível com a postura prevista para
visitantes de um museu.
Conforme demonstrado na fundamentação teórica deste capítulo, os contextos onde se
desenvolvem as interações face a face impõem diferentes graus de restrições. De acordo com
os estudos de comunicação organizacional aqui discutidos, é provável que ambientes com
barreiras físicas concretas e artificiais, como paredes, muros ou balcões, estabeleçam
condições mais limitantes – porém seguras – para a comunicação. O ambiente visto como
obstáculo talvez justifique uma percepção mais palpável do potencial constrangedor de
algumas instalações, conforme apontam os estudos na Ampla e na Embrapa Soja.
Por outro lado, espaços inseridos na natureza podem apresentar-se como cenários
mais relaxantes e menos formais, onde possíveis tensões durante os diálogos seriam contidas
pela própria intervenção da paisagem. Essas preconcepções foram verificadas nos três
ambientes pesquisados, mas é recomendável ampliar o conjunto de locais estudados para
estabelecer, de forma mais sólida, essas relações.
Neste capítulo foi possível observar que os ambientes físicos – e seus códigos
mediadores – induzem a certos comportamentos e atitudes. Porém, também é perceptível que
o espaço físico, por si só, repercute de maneira limitada sobre as condutas. As formas de
interação face a face são determinadas por uma coleção articulada de elementos contextuais,
como o ambiente, as regras e costumes sociais, o tipo de relação entre interlocutores, o tempo,
entre outros.
Em função dessa constatação, convém encarar com reservas a hipótese 4: o local onde
se desenvolve a interação face a face interfere na comunicação organizacional,
provocando limitação da liberdade de expressão e constrangimento nos interlocutores
que venham a ocupar temporariamente o espaço dominado pelo Outro. De fato, o espaço
geográfico interfere no planejamento e execução de ações de comunicação organizacional,
porém, não determina, de modo isolado, as possíveis reações apontadas na hipótese. Assim, o
território, visto de forma desarticulada e independente de outras circunstâncias, não pode ser
considerado elemento constrangedor na interação, embora possa contribuir para essa situação.
Um segundo ponto compromete a aprovação da hipótese. A experiência vivenciada na
fazenda da Embrapa no Pantanal revela que o constrangimento não afeta, potencialmente,
apenas o interlocutor que visita o espaço dominado pelo Outro, mas pode atingir igualmente o
anfitrião. O controle sobre o cenário durante a recepção de jornalistas no Pantanal, ou nas
reuniões organizadas pela Ampla, ou ainda nas salas dos dirigentes da Embrapa Soja, de fato,
propicia maior segurança aos atores responsáveis pelos encontros. Porém, amplia, na mesma
260
proporção, o risco levantado por Goffman (2011a): o acesso da plateia à região de fundo pode
ameaçar a representação da fachada se fragilidades na composição do cenário forem expostas.
Mais uma vez, observa-se que a análise fragmentada do espaço no contexto interacional
inviabiliza a comprovação da hipótese da maneira como foi formulada. Há diversos fatores
envolvidos na problematização das interações face a face que não podem ser desconsiderados.
Durante a elaboração do projeto de pesquisa que resultou nesta tese, havia um
entendimento – oriundo do senso comum, de experiências profissionais anteriores e de
leituras preliminares – de que situações constrangedoras estariam vinculadas especificamente
ao ambiente da interação. A pesquisa bibliográfica e experiências de comunicação
organizacional avaliadas com mais rigor, no entanto, comprovam que é necessário articular
vários aspectos mediadores para explicar a ocorrência do constrangimento e de restrições à
liberdade de expressão. Dessa forma, a hipótese 4 não pode ser integralmente confirmada ou
rejeitada. No entanto, como ocorreu em capítulos anteriores, ela fomenta uma discussão que
merece ser ampliada e exerce a função de indicadora de tendências na análise da interferência
dos lugares nas interações face a face.
Antes de finalizar o capítulo, cabem algumas ponderações de cunho teórico. A
discussão em torno das funções mediadoras dos espaços físicos levanta um debate importante
a respeito da intensificação do processo de midiatização na sociedade como um todo e em
alguns espaços geográficos em particular. O trabalho de comunicação organizacional
desenvolvido em regiões consideradas exóticas precisa levar em conta a evolução desse
processo. O conhecimento das instâncias mediadoras desses ambientes será adquirido, em
grande parte, por meio de tentativa e erro, pois a pesquisa em comunicação a respeito dessas
condições contextuais é incipiente.
A discussão desenvolvida nestas páginas aponta, como indica Martín-Barbero, a
centralidade do ser humano inserido em um contexto social, demarcado por mediações e
vivências. Investigadores que se aventuram por essa seara encaram ao menos dois desafios
contundentes: a complexidade de articular os aspectos mediadores do contexto e a
impossibilidade de se reproduzir as sensações vivenciadas durante as experiências
(CARDOSO FILHO, 2008; QUÉRÉ, 2010; WOLTON, 2004).
Daí a relevância de metodologias como a imersão, apontada como caminho para
exploração do espaço geográfico por Sandeville Junior (2004) e Sakaguti Junior (2010).
Mesmo sabendo, de antemão, das dificuldades que enfrentará ao tentar descrever
cientificamente sua experiência em determinado local, o pesquisador que optar pela vivência
261
vai adquirir um conhecimento único e indispensável se quiser, de fato, desvendar o papel
mediador dos ambientes nos processos comunicacionais.
262
263
CONCLUSÕES
A comunicação face a face deve ser compreendida, no âmbito desta pesquisa, como
uma opção que se soma aos meios tecnológicos disseminados na sociedade contemporânea
para ampliar as possibilidades de relacionamentos entre organizações e seus públicos de
interesse. As conversas presenciais são caracterizadas por especificidades que foram
construídas e desconstruídas a cada capítulo, levando-se em conta diferentes perspectivas. A
atribuição de sentido ao conjunto teórico aqui elaborado deve considerar o processo de
midiatização da sociedade, que imprime transformações substanciais nas formas como as
pessoas se relacionam e avança em distintas velocidades condicionadas por particularidades
territoriais e culturais.
O diferencial desta tese está justamente na relativização do fenômeno de midiatização
em ambientes considerados exóticos e geograficamente distantes sob a perspectiva de grandes
centros urbanos, na articulação entre o uso de múltiplos meios de comunicação pelas
organizações, bem como na dilatação da abordagem para mais de uma empresa – tentando
avançar na compreensão das singularidades da comunicação face a face a partir de esforços
empreendidos por outros pesquisadores.
A investigação indica que a própria midiatização pode servir de estímulo para o
entendimento das relações sociais na contemporaneidade, sob a ótica da comunicação. Essa
observação justifica a recorrência a teóricos que se dedicaram a desvendar processos de
interações sociais, como George Mead, Alfred Schutz, Erving Goffman e estudiosos da
Escola de Palo Alto.
A perspectiva da simultaneidade dos meios, defendida por Caughlin e Sharabi (2013),
sugere que a qualidade dos relacionamentos se eleva quando os contatos mesclam tecnologia
e copresença. A concepção de relacionamento adotada por esta pesquisa prevê que ele se
desenvolva ao longo do tempo – e o uso da comunicação tecnologicamente mediada mostra-
se imprescindível para que haja continuidade. Por outro lado, o relacionamento do Nós,
conceito trabalhado por Schutz (1979a), só é possível a partir de contatos face a face,
estimulados por motivações e linguagem comuns. O que o autor chama de mediatidade – a
comunicação indireta entre as pessoas – impede que meros contemporâneos se transformem
em seres semelhantes, aqueles que têm consciência um do outro.
Um dos objetivos específicos propostos por esta tese foi verificar, à luz de teorias que
focalizam o caráter relacional da comunicação, se as interações face a face interferem na
264
construção e aprimoramento de relacionamentos empresariais com públicos externos e
internos. Para tanto, foi formulada a hipótese 1: quando adotada de forma planejada, a
comunicação face a face permite que as organizações construam e aprimorem
relacionamentos com seus públicos de interesse. A fundamentação teórica e os exemplos de
empresas que planejam a comunicação face a face para interagir com determinados públicos
permitiram confirmar a hipótese especificamente para os casos estudados e responder de
forma positiva ao objetivo específico, além de comprovar que a situação ideal é a de
equilíbrio entre as diferentes modalidades de interação.
O desbalanceamento observado atualmente em favor de canais mediados revela a falta
de visão estratégica em relação ao potencial oferecido pela comunicação face a face,
especialmente quando o foco é a gestão de relacionamentos. Esse alerta está subscrito na tese
de Martins (2012), que destaca justamente o uso estratégico da oralidade nos processos de
comunicação interna de uma organização.
Ainda que o encontro presencial seja único – e contanto que tenha sido planejado e
executado com a finalidade de estabelecer ou fortalecer determinado relacionamento – haverá,
na concepção de Schutz, uma mudança de perspectiva em relação aos que regressam ao status
de contemporâneos: não se trata mais de um sujeito qualquer, mas de um indivíduo com o
qual se conviveu e com quem se desenvolveu relativo grau de confiança e intimidade.
Convivência, aliás, que não prescinde de tempo, atenção e compartilhamento de experiências
simultâneas, ou do “envelhecer juntos”, outra orientação teórica de Schutz.
O segundo objetivo específico desta tese se propôs a observar teoricamente de que
forma o acesso às manifestações do interlocutor, bem como às chamadas deixas simbólicas
(ou pistas comunicacionais), possibilita que a organização utilize a comunicação face a face
para antever reações de determinado público e adaptar seu discurso, considerando
pressupostos da previsibilidade das reações do Outro, de George Mead; do contrafluxo da
escuta, de José Luiz Braga; da expectativa antecipada da recepção, de John Thompson; e do
exercício da perceptividade, de Erving Goffman. Esses estudiosos defendem que sujeitos em
interação podem perceber os comportamentos da alteridade, ressignificá-los e utilizá-los como
insumo para adaptar suas condutas e seus discursos, ajustando a comunicação e minimizando
riscos de atritos, desentendimentos ou conflitos.
Vinculada a esse objetivo estava a hipótese 2: a comunicação face a face
proporciona na interação com o interlocutor a observação direta de suas reações; com
isso, a organização que utiliza a comunicação face a face de forma planejada obtém
acesso a elementos não-verbais que permitem prever essas reações e ajustar seu
265
discurso. Essa premissa foi confirmada tanto pela fundamentação teórica quanto para as três
empresas avaliadas, porém, não é possível estendê-la para outras organizações e/ou
circunstâncias sem a realização de estudos pontuais.
Ao descrever sua participação em um evento presencial – uma palestra acadêmica –,
França (2010) elabora uma análise do contexto e das expectativas que atuam na cena,
sintetizando boa parte do pensamento relacionado a esse objetivo específico da pesquisa.
O meu relato naquele evento não seria o mesmo se eu não estivesse pensando
no ambiente e nas pessoas que iriam ouvi-lo; se ele não tivesse sido
antecedido por leituras e uma convivência anterior com Quéré1, pelas
discussões com os colegas de minha universidade na preparação do que seria
aquele evento e na confluência e acomodação de nossa respectiva
compreensão sobre os temas e as questões em pauta. Esses antecedentes me
permitiram vislumbrar possíveis interpretações e funcionaram como estímulo,
de tal maneira que minha intervenção em grande medida constitui uma reação
e uma resposta não apenas ao que já havia sido vivido antes, mas àquilo que, à
luz do passado, eu podia projetar como reações e posicionamentos possíveis
daqueles a quem me dirigia. Assim, compreender esse entorno abre os
sentidos do texto para a compreensão da situação comunicativa como um
todo. (FRANÇA, 2010, p. 48).
Observa-se que a autora contempla a ocorrência de contatos presenciais ao mencionar
a convivência anterior com o conferencista, as discussões com os colegas da universidade na
etapa de preparação do evento e situações semelhantes vivenciadas no passado. Ao
desenvolver habilidades envolvendo a prática da comunicação face a face, a pesquisadora
projeta possíveis reações do público e se organiza para apresentar sua fala, coincidindo com a
premissa de que conhecendo melhor o contexto e os prováveis comportamentos alheios é
possível se antecipar e planejar com mais segurança suas próprias ações.
A atuação individual de França durante o simpósio condiz com as experiências
estudadas em três organizações localizadas no Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso do Sul.
As empresas completaram o ciclo de planejamento, execução e avaliação da comunicação
face a face, optando por adaptar suas condutas e discursos a partir dessas interações. A
exploração do contrafluxo da escuta equivale a uma atuação estratégica na comunicação
organizacional, porém, ao que tudo indica, ela estaria prejudicada sem a adequada capacitação
dos profissionais envolvidos. Conforme aponta Martins (2012), o trabalho com comunicação
exige treinamento, que deve ser previsto em políticas corporativas e devidamente planejado.
1 No evento, o II Simpósio Internacional – Comunicação e Experiência Estética, Vera França iria abrir o debate a
partir de conferência proferida por Louis Quéré.
266
Interpretar diálogos face a face requer conhecimento, prática e habilidade para
“traduzir” as deixas simbólicas e demais elementos que compõem o contexto. Pesquisas
desenvolvidas fora do país, especialmente aquela publicada por Uhls et al (2014),
demonstram que as novas gerações tendem a perder a sensibilidade para decifrar emoções
humanas devido à escassez de tempo dedicado aos contatos presenciais. Organizações
também parecem negligenciar a formação de talentos nessa especialidade.
Apesar de esta tese atestar que a comunicação face a face reduz as incertezas durante a
interação, todo o conjunto de informações levantadas em conversas presenciais tende a ser
subaproveitado pela comunicação organizacional se não houver investimento na área. Ao
comunicador cabe não somente interpretar e compreender os elementos que envolvem a
comunicação não-verbal, mas principalmente situá-los no bios virtual. Essa discussão,
desenvolvida em profundidade nesta tese, aponta que na sociedade midiatizada – e mesmo em
espaços geográficos onde o processo de midiatização avança de forma mais branda – a
capacidade para planejar e utilizar estrategicamente essa fonte de informações parece
comprometida.
O terceiro objetivo específico desta pesquisa buscava relacionar discursos
organizacionais sobre a comunicação face a face com supostas intencionalidades das
empresas e apontar possíveis contradições entre o dito e as práticas institucionais. Para trilhar
esse caminho, além da fundamentação teórica baseada na análise de discurso da escola
francesa, foi explorada a teoria das representações de fachada e representações de fundo do
interacionista Erving Goffman. Foi construída, a partir desses pressupostos, a hipótese 3: o
discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser utilizado para
mascarar intencionalidades nem sempre explícitas.
Algumas organizações já perceberam que valorizar a comunicação face a face pode
render bons ativos no mundo dos negócios e procuram associar suas marcas a essa
modalidade de interação. Em busca desse bônus, manifestam-se internamente e/ou na mídia
especializada em empregos e carreiras defendendo essa forma de comunicação e destacando
apenas seus aspectos positivos. No capítulo que lança esse olhar alternativo para a
emblemática comunicação face a face no contexto da comunicação organizacional, observa-se
que nem sempre o discurso corporativo coincide com as práticas empresariais.
Embora ainda pouco frequentes, os discursos organizacionais sobre comunicação face
a face tornam-se convenientes para sustentar determinados posicionamentos empresariais,
legítimos ou não. A partir da análise de discurso – considerando as perspectivas dos gêneros
discursivos, dos deslocamentos e deslizamentos de sentido, dos atos ilocucionários e
267
perlocucionários provenientes da teoria dos atos de fala e da significação do silêncio – a tese
conclui que, em três casos estudados, envolvendo as organizações Yahoo, Fiat e Nivea, há
indícios de que o discurso sobre comunicação face a face, de fato, pode ter encoberto supostas
intencionalidades das organizações. Esta hipótese só pode ser avaliada a partir do olhar atento
à interdiscursividade.
Ademais, a teoria das faces (ou fachadas) de Goffman revela que, assim como sujeitos
individuais ou pequenos grupos, as empresas também buscam negociar sentidos ao construir
sua imagem e reputação (representação de fachada). No entanto, as representações de fundo,
quando expostas, atuam como complicadoras nesse processo. Destarte, se a premissa sobre o
potencial dissimulante do discurso organizacional não pode ser estendida a todas as
organizações que se arriscam a formalizar manifestações sobre comunicação face a face, ao
menos nos casos analisados não foi possível descartá-la. Em função dessa constatação, a
terceira hipótese foi considerada válida especificamente para os três casos estudados.
O quarto objetivo específico desta tese almejava compreender, sob a esteira da teoria
da mediação, o modo como os ambientes físicos onde ocorrem as interações face a face
condicionam a comunicação organizacional, podendo inibir ou constranger o interlocutor que
ocupa momentaneamente o espaço do Outro. A hipótese 4 foi formulada para avaliar essa
situação: o local onde se desenvolve a interação face a face interfere na comunicação
organizacional, provocando limitação da liberdade de expressão e constrangimento nos
interlocutores que venham a ocupar temporariamente o espaço dominado pelo Outro.
De fato, os espaços cênicos não se projetam como neutros em processos
comunicativos. Por fazerem parte do contexto – e integrarem as chamadas deixas simbólicas –
os lugares detêm significados e exercem uma função mediadora. A controversa teoria das
mediações sociais, explorada inicialmente por autores espanhóis como Manuel Martin
Serrano e Jesús Martín-Barbero, coloca as relações humanas no centro dos processos de
comunicação, embora reconheça o poder da tecnologia. Mais recentemente, essa teoria vem
sendo vinculada aos estudos sobre midiatização – alguns pesquisadores a colocam como uma
etapa inicial desse processo; outros vislumbram similaridades entre as mediações dos meios e
o bios midiático, proposto por Muniz Sodré.
Pode-se inferir que as mediações sociais são cada vez mais condicionadas pela lógica
da mídia, embora em alguns redutos esse processo ocorra de forma menos invasiva, como em
espaços geográficos considerados peculiares, como Pantanal e Amazônia. Uma característica
dessas áreas é sua abordagem mediadora e mediada: ao mesmo tempo em que condicionam os
diálogos desenvolvidos sob seus domínios, esses lugares só são conhecidos por grande
268
parcela da população através da mídia, que passa a simbolizar sua existência no imaginário
coletivo. É imperativo que a comunicação organizacional praticada nesses territórios
reconheça essa complexidade.
A pesquisa mostrou que os espaços físicos condicionam a comunicação face a face,
porém, não de forma desarticulada. É mister associar a paisagem – urbana ou rural – aos
demais elementos do contexto, como as regras sociais pré-estabelecidas para a ocupação de
espaços, os tipos de relacionamentos em interação, o controle sobre o cenário, o tempo de
contato, entre muitos outros. Representantes da Escola de Palo Alto decretam que restrições
na comunicação serão sempre definidas/determinadas pelo contexto.
Investigações recentes desenvolvidas em empresas brasileiras revelam o potencial
constrangedor de determinadas estruturas físicas, especialmente quando o ambiente é visto
como barreira ou obstáculo à comunicação. Ambientes naturais, onde instalações
artificialmente construídas se revestem de importância secundária, parecem mais propensos
ao fluxo dos diálogos. No entanto, é necessário expandir essa análise sobre a relação entre
espaços naturais, artificiais, informalidade, fluidez e controle.
A discussão ao final deste estudo aponta que o território pode contribuir para a
ocorrência de constrangimento e limitação da liberdade de expressão, porém, não de forma
isolada e descontextualizada. Ficou comprovado, ainda, que situações desconcertantes não são
exclusivas do visitante, podendo atingir igualmente os anfitriões. Isso ocorre porque a
comunicação face a face amplia os riscos de exposição das representações de fundo. Assim
sendo, da maneira como foi previamente formulada, essa hipótese não pode ser confirmada
nem rejeitada integralmente.
A avaliação das quatro hipóteses corrobora o que fora antecipado no detalhamento
metodológico: a pesquisa em ciências sociais é capaz de apontar tendências, e não de
estabelecer verdades. De forma geral, as premissas só puderam ser confirmadas para casos
específicos e determinados, cabendo novos estudos para a ampliação do conhecimento a
respeito do tema. As validações, no entanto, permitem utilizar as hipóteses como indicadores
para avaliação de posturas e discursos institucionais.
A principal questão que esta pesquisa se propôs a responder, entretanto, está
relacionada ao papel atual reservado à comunicação face a face nas organizações e em que
circunstâncias ela se desenvolve, considerando o avanço das interações tecnologicamente
mediadas no contexto da sociedade midiatizada. Conversas presenciais ocorrem
rotineiramente em quaisquer ambientes profissionais e não devem ser confundidas com
projetos ou programas de relacionamentos que sistematizem o uso dos contatos cara a cara.
269
Refletir sobre elementos da cotidianidade revela-se um procedimento mais desafiador para a
pesquisa do que aprofundar o conhecimento a respeito de situações ou eventos episódicos.
A comunicação face a face nas empresas ocorre de forma simultânea e combinada a
outros canais de comunicação, porém, ela proporciona resultados práticos e filosóficos pouco
explorados pelas organizações. Raramente se verifica a utilização plena e estratégica dos
contatos presenciais como mecanismo para criar e fortalecer relacionamentos profissionais,
para conhecer as reações alheias e ajustar a comunicação, para alinhar o discurso corporativo
às práticas empresariais e para avaliar com mais precisão o conjunto contextual que pode ser
decisivo para a comunicação organizacional, entre eles o espaço físico onde se desenvolvem
as interações. Esse subaproveitamento da potencialidade da comunicação face a face pode ter
sua origem no desconhecimento de suas especificidades, na falta de habilidade para praticá-la
e gerenciá-la, na presunção equivocada de que as interações mediadas possam dar conta da
totalidade da comunicação ou mesmo no desinteresse. A própria ciência da comunicação vem
apresentando produção mais volumosa em relação às pesquisas envolvendo interações
mediadas por tecnologias.
Essas são as circunstâncias que envolvem, na contemporaneidade, o uso planejado e
estratégico da comunicação face a face em organizações. Empresas que optaram por investir
em projetos que priorizam/valorizam as interações presenciais relatam internamente, na mídia
especializada ou através de pesquisas científicas aqui mencionadas os resultados positivos
alcançados. Eles estão associados à qualidade nos relacionamentos, retenção de talentos,
produtividade, imagem e reputação institucional, legitimação de lideranças e fomento de
parcerias. Também foram vinculados à comunicação face a face valores como
comprometimento, respeito, engajamento, mobilização, credibilidade e confiança. Esses
ganhos só puderam ser sistematizados porque a tese analisou um conjunto de empresas,
agrupando os principais benefícios.
Porém, a comunicação face a face implica também dificuldades de planejamento e
operacionalização. Custo mais alto, maior consumo de tempo, necessidade de deslocamentos
espaciais e capacitação de talentos para atuar nessa modalidade são alguns fatores limitantes.
A situação ideal seria a busca do equilíbrio, para que a organização desfrute dos benefícios da
comunicação tecnologicamente mediada, e, ao mesmo tempo, usufrua das vantagens que
apenas a comunicação face a face pode proporcionar.
Outro ponto inexplorado pelos estudiosos da comunicação face a face é sua ocorrência
em organizações que priorizam o conflito. Nem sempre as instituições utilizam a
comunicação como mecanismo para buscar harmonia. Organizações criminosas, por exemplo,
270
têm se valido da comunicação tecnologicamente mediada para expor cenas de violência e
promover o terror. Embora não tenham sido localizados estudos específicos, há indícios de
que mesmo alguns grupos que associam sua imagem à ideia de confronto procuram, em
determinadas situações, desfrutar as vantagens da comunicação face a face com públicos de
interesse.
Esta tese procura, portanto, apresentar e discutir algumas circunstâncias que envolvem
a interação face a face para disponibilizar às organizações conhecimento que possa nortear
suas escolhas, seja ampliando os contatos presenciais já desenvolvidos, seja planejando e
implantando novos programas que considerem o referencial teórico e analítico aqui construído
para a avaliação da comunicação com públicos de interesse. Não se trata de diretrizes
indicativas de sucesso empresarial; ao contrário, são contribuições que auxiliam na detecção
de problemas de comunicação organizacional inseridas em uma perspectiva crítica.
Além desse conhecimento passível de ser aplicado, a pesquisa procurou avançar no
debate teórico-metodológico. Embora a metodologia do estudo de caso não represente uma
inovação, ela se adequou a esta tese permitindo contemplar cientificamente uma experiência
de comunicação organizacional vivenciada no Pantanal brasileiro, somando-se às demais
pesquisas desenvolvidas por outros investigadores. O detalhamento empírico demonstrado a
partir da análise do projeto de comunicação organizacional desenvolvido pela Embrapa
Pantanal traz para esta tese um componente experimental que subsidia uma das discussões
centrais: a construção de relacionamentos organizacionais a partir de um planejamento que
prioriza os contatos face a face com alguns públicos de interesse.
Essa experiência apresenta dados primários inéditos em relação à comunicação
organizacional praticada no bioma. A empresa projetou contatos presenciais com stakeholders
e alternou os espaços de diálogos, o que permitiu averiguar características do contexto que
condicionam as interações. Equipes de jornalistas da região Sudeste e estudantes de
comunicação de duas universidades federais convidados a visitar o Pantanal tornaram-se
sujeitos da comunicação face a face, assumindo a condição de semelhantes em relação aos
atores que atuam naquela região. A observação das reações desses grupos permitiu colocar em
xeque, entre outras, a ideia de que (apenas) os visitantes se sentiriam constrangidos em
ambientes controlados pelo Outro. Os dados empíricos indicam ainda que alguns
relacionamentos estabelecidos a partir de encontros pessoais tendem a ser duradouros e
confiáveis, a ponto de interlocutores externos serem chamados a opinar sobre o futuro da
organização. O uso conjugado de tecnologias mostrou-se fundamental para iniciar e dar
continuidade aos relacionamentos, conforme demonstrado pelo método do estudo de caso.
271
No âmbito teórico, as contribuições começam pelo enquadramento do estudo no
paradigma relacional. Uma investigação que se dispõe a explorar a comunicação face a face
imprime, naturalmente, a valorização da alteridade no contexto da comunicação
organizacional. Promover o diálogo presencial com seus públicos de interesse significa algo
além de escutar e acolher. Trata-se de uma demonstração de respeito, atenção e dedicação
cada vez mais exígua, quando não de uma possibilidade de empoderamento desse
stakeholder. Na sociedade midiatizada, as organizações dependem progressivamente das
inter-relações com esses públicos. Cativar torna-se uma estratégia mais sedutora do que
ignorar ou enfrentar.
A sustentação teórica do paradigma relacional interpela autores que estudaram a fundo
as interações sociais. A inclusão de Alfred Schutz na pesquisa bibliográfica revela-se uma
re(descoberta) gratificante, pois, até então, poucos investigadores brasileiros da comunicação
haviam explorado sua obra. Schutz traz para o debate conceitos inovadores, como o
relacionamento do Nós, o envelhecer juntos, além das noções de contemporâneos e
semelhantes. Há muitas lacunas a serem preenchidas pela sua teoria. A adaptação dos
pensamentos de George Mead para o universo da comunicação organizacional também se
configura como uma contribuição teórica desta pesquisa.
Ao mesmo tempo em que a tese resgata teóricos que despontaram no século passado,
por considerá-los atuais, foi reservado espaço para contemplar autores contemporâneos
preocupados com o excesso de conectividade (ou alinhados à abordagem tecnofóbica).
Bauman, Wolton e Marcondes Filho alertam para os exageros da comunicação
tecnologicamente mediada e alegam que a convivência torna-se o grande desafio para a
sociedade pós-internet. É importante considerar as críticas tecidas por esses estudiosos,
especialmente para fundamentar a necessidade de equilíbrio entre os diversos modos de
comunicação.
Enquanto essa perspectiva mais cautelosa é levada em conta, esta tese encontra na
literatura internacional recentes pesquisas que avançam na integração dos meios de
comunicação e inter-relacionam os veículos com os laços estabelecidos. Um exemplo é a
teoria da multiplexidade dos meios, proposta por Haythornthwaite (2005), dentre outras – a
maioria de origem norte-americana. Esses estudos abrem caminhos prósperos para a pesquisa
em comunicação organizacional, especialmente com foco em relacionamentos.
Outra contribuição teórica foi a inserção da análise de discurso como olhar alternativo
para a comunicação face a face no contexto das organizações, conduzindo ao debate autores
ligados às teorias da linguagem. Esse cruzamento proporcionou uma reflexão a respeito das
272
manifestações públicas das empresas sobre essa modalidade de comunicação e de prováveis
interesses encobertos por esses discursos. Descobriu-se, a partir dessa análise, que apenas os
benefícios ligados às interações presenciais têm sido destacados pelas empresas.
O resgate da teoria das mediações sociais e consequente debate sobre suas origens,
atualizações e fragilidades foi outra proposta engendrada por esta pesquisa no sentido de
contribuição para a discussão teórica. O avanço, no entanto, se encontra na conexão desse
conhecimento com o contexto que envolve a comunicação face a face, em especial o espaço
geográfico, e na interdisciplinaridade buscada para explicar a relação das paisagens com os
diálogos presenciais.
Por fim, o debate teórico recebeu ainda desta tese contribuições a respeito do
fenômeno da midiatização. Além da revisão conceitual, observou-se que a pesquisa em
comunicação não pode abrir mão de refletir sobre o avanço desigual desse processo e sobre as
diferentes maneiras de lidar com ele. O bios virtual se concretiza como o ambiente onde se
desenvolvem as relações humanas e ignorá-lo corresponderia a fechar os olhos para a
reestruturação da sociedade. É preciso acompanhar o ritmo e a intensidade com que a lógica
da mídia se instala em diferentes territórios e de que forma atua sobre culturas distintas. Essa
discussão deve fazer parte da essência das teorias da comunicação contemporâneas.
A maior limitação para o desenvolvimento desta investigação se concentrou
exatamente na escassez de conhecimento acumulado sobre comunicação face a face no
contexto de organizações brasileiras. Reforça-se a necessidade de distinguir entre a ocorrência
de interações cara a cara em rotinas institucionais, o planejamento de ações envolvendo
contatos presenciais e a reflexão científica a respeito delas. Sabe-se que os encontros face a
face acontecem diariamente nas organizações, seja por meio de reuniões para solucionar
problemas, palestras técnicas ou encontros informais. Porém, mostram-se ainda incomuns
projetos específicos de comunicação face a face nas empresas e confirma-se a raridade de
estudos científicos sobre essas experiências. Pode-se afirmar que, no Brasil, a pesquisa em
comunicação face a face no âmbito organizacional encontra-se em fase embrionária.
Diante desse cenário, há um campo considerável a ser explorado em futuras pesquisas,
especialmente se confirmada a expectativa de a comunicação face a face vir a se fortalecer em
função da saturação de informações e conexões provenientes das interações tecnologicamente
mediadas. A percepção de que a comunicação face a face está propensa a se tornar moderna e
atual está explícita em estudos como o de Martins (2012) e de Gonçalves e Perez (2009). A
temática dos relacionamentos sociais e humanos deve exigir muito esforço da pesquisa em
comunicação nos próximos anos. Duas intervenções de Wolton apontam nessa direção: “não
273
há relação direta entre multiconexão e a capacidade de se relacionar com o outro” (2006, p.
86) e “o canal não basta para criar a relação” (2008, p. 15).
Hiatos podem ser preenchidos ainda no conhecimento a respeito de elementos
contextuais que interferem nas interações face a face, a exemplo do que se buscou pesquisar
nesta tese sobre as intervenções do espaço geográfico nos diálogos presenciais. Também se
apresenta como terreno fértil para investigação a inter-relação entre a comunicação cara a cara
e os demais canais de comunicação empresarial na perspectiva de simultaneidade dos meios,
trabalho apenas iniciado por este estudo.
Cabe ainda, a exemplo do que Haythornthwaite (2005) vem desenvolvendo nos
Estados Unidos, vasculhar a profundidade dos vínculos em relação à quantidade de meios de
comunicação utilizados. Não foram localizadas pesquisas nessa linha publicadas no Brasil,
bem como trabalhos que abordem os critérios adotados pelas organizações para a escolha dos
meios de comunicação para abordar seus públicos de interesse. Além desses estudos de
inspiração norte-americana, seriam proveitosos trabalhos que investigassem os motivos que
levam empresas brasileiras a relegar a comunicação face a face e, até mesmo, o desinteresse
dos cientistas nacionais a respeito do tema. Como as pesquisas na área são incipientes,
quaisquer contribuições no sentido de ampliar o conhecimento a respeito dessa modalidade de
comunicação são extremamente valiosas.
Diante de toda a discussão apresentada e das reflexões desenvolvidas nesta tese, é
proposta a sistematização de uma agenda para os estudos e práticas em comunicação
organizacional em que se leve em conta:
a comunicação face a face deve ser vista pelos profissionais da área e pela
coalização dominante como estratégica para o desenvolvimento de
relacionamentos organizacionais e, consequentemente, do próprio negócio;
os profissionais de comunicação organizacional precisam se capacitar para atuar
estrategicamente com projetos e programas de comunicação face a face,
considerando não apenas suas vantagens, mas principalmente as dificuldades que
envolvem sua prática;
essa capacitação profissional necessita ampliar o conhecimento sobre as deixas
simbólicas ou pistas comunicacionais, características da comunicação face a face,
para que a construção de sentido durante o processo de interação seja teoricamente
fundamentada, e não especulativa;
274
a perspectiva da simultaneidade dos meios deve ser considerada nos planejamentos
de comunicação organizacional; se a instituição almeja estabelecer
relacionamentos de vínculos fortes, é recomendável que amplie os canais de
comunicação a serem utilizados, incluindo projetos de comunicação face a face,
conforme prescreve a teoria da multiplexidade dos meios;
o processo de midiatização deve ser conhecido, considerado e relativizado, quando
for o caso, pelos profissionais de comunicação, em função do local e da herança
cultural onde atuam;
é conveniente que os planejamentos que envolvam a comunicação face a face nas
organizações detalhem elementos contextuais que incidam sobre as interações; no
caso do espaço físico, os profissionais devem estar atentos para as vantagens de se
controlar o cenário e para os riscos de exposição implicados;
quando possível, discursos sobre comunicação face a face e práticas
organizacionais precisam estar em sintonia, para que se evitem elucubrações a
respeito de intencionalidades ilegítimas ou ocultas e atenuar riscos para a imagem
e reputação da empresa;
a pesquisa em comunicação organizacional pode direcionar novos olhares para a
comunicação face a face, a partir da instituição do processo de midiatização,
contribuindo para esclarecer aspectos teóricos ainda obscuros sobre esse tema.
Por fim, na sociedade midiatizada – ou em processo de midiatização –, é patente que a
comunicação face a face se torne indissociável da mediação dos meios – em sua dimensão
cultural. A lógica da mídia se revela sedutora e soberana. Se as relações humanas são
permeadas por distintas mediações culturais, a própria mídia se apresenta como um elemento
mediador próprio da cultura midiatizada. Esse pensamento explica, em parte, porque a
comunicação face a face, em sua essência, se distancia dos holofotes. Ao mesmo tempo,
justifica as razões pelas quais algumas organizações começam a buscar o diferencial
proporcionado exclusivamente por ela.
275
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