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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social ANA MARIA DANTAS DE MAIO O PAPEL DA COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS ORGANIZAÇÕES NO CONTEXTO DA SOCIEDADE MIDIATIZADA São Bernardo do Campo-SP, 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

ANA MARIA DANTAS DE MAIO

O PAPEL DA COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS

ORGANIZAÇÕES NO CONTEXTO DA SOCIEDADE

MIDIATIZADA

São Bernardo do Campo-SP, 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

ANA MARIA DANTAS DE MAIO

O PAPEL DA COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS

ORGANIZAÇÕES NO CONTEXTO DA SOCIEDADE

MIDIATIZADA

Tese apresentada

em cumprimento parcial às exigências do

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social,

da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP)

para obtenção do grau de Doutor.

Orientador: Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno

São Bernardo do Campo-SP, 2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

M285p Maio, Ana Maria Dantas de

O papel da comunicação face a face nas organizações no contexto

da sociedade midiatizada / Ana Maria Dantas de Maio. 2016.

291 p.

Tese (doutorado em Comunicação Social) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade Metodista

de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

Orientação: Wilson da Costa Bueno.

1. Comunicação 2. Comunicação organizacional 3. Midiatização

I. Título.

CDD 302.2

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A tese de doutorado sob o título “O Papel da Comunicação Face a Face nas Organizações no

Contexto da Sociedade Midiatizada”, elaborada por Ana Maria Dantas de Maio, foi defendida

e aprovada em 22 de fevereiro de 2016, perante banca examinadora composta por Prof. Dr.

Wilson da Costa Bueno (Presidente/UMESP), Profª. Drª. Marli dos Santos (Titular/UMESP),

Profª. Drª. Elizabeth Moraes Gonçalves (Titular/UMESP), Prof. Dr. Laan Mendes de Barros

(Titular/Unesp) e Prof. Dr. Wilson Corrêa da Fonseca Júnior (Titular/Embrapa).

______________________________________________________

Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

______________________________________________________

Profª. Drª. Marli dos Santos

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de pesquisa: Comunicação institucional e mercadológica

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DEDICATÓRIA

Ao seu Horácio e dona Rosa,

meus eternos educadores

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AGRADECIMENTOS

“Sim, tá pronta, Chico!” Quantas vezes sonhei em te dar essa resposta nos pouco mais

de 1.400 dias em que você me perguntou: “Tá pronta a tese, mãe?”. Você foi a pessoinha que

acompanhou mais de perto a preparação deste trabalho – e talvez a figura que tenha pago o

preço mais alto para que ele pudesse ser concluído: minha ausência. Pode acreditar que eu

pensei em você e em seu irmão todos os dias em que me sentei na frente do computador para

pesquisar, ler e escrever. Agora acabou! Prontinha, prontinha! Vai encarar???

Victor criou asas e voou no momento em que eu preparava esta pesquisa. Para orgulho

meu e da família inteira, cursava a faculdade de jornalismo na Unesp/Bauru na época da

defesa. Me ajudou nos momentos de dúvidas de português e ao me contar sobre o triste fim de

Dorian Grey. Esse meu filho é um leitor voraz – ainda bem. Só por isso reservei para você

exemplares de livros com capítulos que escrevi durante essa jornada. Sei que estarão muito

bem guardados. Que essa tese lhe sirva de inspiração.

Seu Horácio e dona Rosa, pais perfeitos. Como não agradecer todo o apoio que sempre

recebi de vocês? (Não precisa chorar, mãe!!!). Sei que vocês não entendiam direito quando eu

recusava convites para passear porque tinha que escrever artigos e a tese. Muito do que

produzi nesses quatro anos está nessas páginas. Entendem agora? Obrigada, obrigada, mil

vezes obrigada. Como foi importante estar pertinho nesse período.

Ronaldo e Cláudia, irmãos perfeitos. Ele não muito chegado nessa história de estudos,

pós-graduação, vida universitária. Mas um exemplo de pessoa comprometida com a família,

com seu trabalho, com a vida. Ela... bem, como agradecer a ela? Começamos juntas a cursar o

doutorado, em 2012. Doutora Cláudia finalizou antes e vi que não foi fácil. Mas foi tão

gratificante poder ler seu trabalho e acompanhar sua defesa!! Me inspirei muito em você, irmã

(não vale chorar também!!). Obrigada por todo o apoio que você ofereceu nesse período, a

mim e aos meninos. Meus dois irmãos, vocês são incríveis e os amo muito!

Chegou sua vez, Wilson da Costa Bueno. Soube de sua existência pelos livros. Você

publica muito!! E fico pensando: quantas Anas leem seus textos e não se sentem, como eu,

loucas para se aproximar, conhecer e virar sua orientanda??? Que sorte eu tive! Agradeço por

tudo tudo tudo: pela paciência, pelo estímulo, pela educação e respeito, pelos convites para

publicar, pelo carinho. Sinto muito orgulho do meu orientador.

Wilson Fonseca, o conselheiro acadêmico da Embrapa que virou “co-orientador”.

Quando te escolhi para me acompanhar, pensei apenas nas afinidades que tínhamos: a mesma

universidade, o mesmo orientador, a mesma profissão, o trabalho na mesma unidade da

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Embrapa. Jamais imaginei que suas contribuições pudessem enriquecer tanto este estudo.

Horas ao telefone passavam num piscar de olhos. Fica minha admiração cada vez maior pelo

seu profissionalismo e pelo trato extremamente gentil.

Meu reconhecimento aos professores Laan Mendes de Barros e Elizabeth Gonçalves,

componentes da banca de qualificação, que ajudaram a dar outro rumo para esta tese. Na hora

(vocês nem ficaram sabendo) reagi com choro, frustração e surpresa. Hoje agradeço cada

palavra. A tese ficou muito melhor com as recomendações de vocês! Acertamos na mosca ao

convidá-los para a banca...

Existem algumas pessoas que facilitam sua vida. E algumas instituições que fazem a

diferença na sua vida e na vida de milhões de pessoas. Assim vejo a Embrapa, e com especial

carinho, a Embrapa Pantanal. Quem convive comigo sabe como sou fã dessa organização e

das pessoas que estão ali para facilitar a vida de outras pessoas. Minha gratidão eterna para

Emiko Kawakami de Resende e Milena Ferri, em nome de quem eu saúdo todos (eu disse

TODOS!) os colegas da Embrapa Pantanal. Minha maior preocupação, agora, é poder

retribuir todas as apostas que vocês fizeram em mim. Um agradecimento igualmente

carinhoso à Secom (Secretaria de Comunicação da Embrapa), na figura da atual chefe,

Gilceana Galerani, e ao supervisor de Comunicação da Embrapa Pantanal, Thiago Coppola,

pelas relevantes informações disponibilizadas e pelo apoio incondicional.

Não dá para deixar de mencionar meus companheiros de doutorado, com os quais

aprendi muito sobre pesquisa, sobre comunicação, sobre solidariedade e sobre a vida. Marcelo

da Silva, Ana Carolina Silva e Karla Ehrenberg, fica registrada aqui minha profunda

admiração por vocês. Mônica Castro, querida colega, obrigada pela oportunidade de conhecê-

la melhor. Sem vocês, os caminhos idiossincráticos não teriam a mesma graça.

Um agradecimento especial ao amigo e fisioterapeuta Fabrício Repetti, que,

infelizmente, teve que me acompanhar por um bom período nesses quatro anos, devido à

minha teimosia em jogar vôlei com mais de 45!!! Agradeço não só pelos tratamentos que me

curaram, mas principalmente pelas dicas preciosas para finalizar o doutorado sem muito

estresse. Eu quase consegui! Faltou só a volta ao mundo!

Algumas amigas ficaram pelo caminho durante essa trajetória. Não porque

quiséssemos nos afastar fisicamente, mas porque o destino traçou assim. Adriana Brandão,

Daniela dos Santos e Ieda Borges, não temos nos visto como eu gostaria, não temos nos

encontrado mais, mas vocês fazem parte dessa conquista. Vocês me ajudaram a ser quem eu

sou. São realmente especiais para mim.

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Guardei para o final dois agradecimentos também muito especiais. Ele chegou por

último, quando o processo já havia começado, mas se transformou em peça-chave para o

desenvolvimento e finalização deste trabalho. Virou companheiro, amigo, “co-orientador”,

leitor, palpiteiro de plantão, tradutor, despertador, motorista, terapeuta e, lógico, namorado.

Você sabe que essa tese não teria o mesmo sabor sem a sua presença – e sem a sua ausência,

quando precisei ficar só para finalizar. Vernon Richard Kohl, considere-se corresponsável por

muito do que está escrito nas próximas páginas.

E sem grandes comentários, porque não há necessidade... muito obrigada, meu Deus.

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Lista de tabelas

Tabela 1 - Graduação dos comunicadores da Embrapa 83

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Lista de figuras

Figura 1. Máscara V de Vendetta, que se popularizou nos protestos 36

Figura 2. Primeira reunião do programa Diálogos na Embrapa Pantanal 93

Figura 3. Equipe do Valor entrevista o pecuarista Leonardo de Barros 104

Figura 4. Sidnei Quartier, do jornal A Cidade, durante a imersão no Pantanal 105

Figura 5. Grupo de alunos da UFMS em imersão na fazenda Nhumirim 105

Figura 6. Grupo de alunos da UFMT em imersão no Pantanal Norte 105

Figura 7. Prédio central da Universidade de Stanford, em Palo Alto 112

Figura 8. Atriz Cristiana Oliveira no papel de Juma Marruá 252

Figura 9. Mapas da localização do Pantanal no Brasil, no MT e MS 254

Figura 10. Área da planície pantaneira: horizonte ampliado 255

Figura 11. Tuiuiú, a ave-símbolo do Pantanal 257

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 15

Capítulo I – A SOCIEDADE MIDIATIZADA E AS ESCOLHAS DAS ORGANIZAÇÕES ..... 23

1. O fenômeno da midiatização, mediatização ou bios midiático ................................................. 24

2. O conceito de mediação e a prática da comunicação mediada .................................................. 30

3. Abordagens técnica e filosófica da comunicação face a face .................................................... 39

4. Perspectivas da simultaneidade dos meios e seus critérios de escolha ..................................... 47

4.1 Fatores determinantes para a seleção do meio .................................................................. 50

Capítulo II – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E A COMUNICAÇÃO FACE A

FACE NAS ORGANIZAÇÕES ......................................................................................................... 57

1. Desafio metodológico: a articulação entre os componentes da pesquisa social ........................ 57

1.1 Descrição da coleta de dados para compor o corpus da pesquisa ..................................... 65

2. Comunicação organizacional: a emergência de um novo contexto ........................................... 66

3. Como a comunicação face a face se manifesta nas organizações ............................................. 70

3.1 Da oralidade às redes presenciais: face a face na comunicação interna ............................ 70

3.2 O fim do home-office na Yahoo: valorização das interações face a face? ........................ 76

3.3 A escassez (e profundidade) dos estudos envolvendo o ambiente externo ....................... 76

Capítulo III – ESTRUTURA E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO DA EMBRAPA .................. 81

1. Desenvolvimento do modelo de comunicação .......................................................................... 81

2. A comunicação na Embrapa e a multiplexidade dos meios ...................................................... 83

2.1 Comunicadores vinculados diretamente à chefia-geral: avanço ou retrocesso? ...................... 86

2.2 Em busca da comunicação integrada: aspectos teóricos e práticos ......................................... 88

2.3 Nova estrutura, velhos problemas ........................................................................................... 94

3. Embrapa Pantanal: preocupação com o universo regional ........................................................ 97

3.1 Estudo de caso: a construção planejada de relacionamentos ................................................. 100

Capítulo IV – A COMUNICAÇÃO ENQUANTO RELACIONAMENTO ................................ 111

1. Relacionamento: conceito em permanente construção............................................................ 112

1.1 Relacionamento e comunicação: identificando inter-relações .............................................. 115

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2. Comunicar para relacionar ...................................................................................................... 117

3. Relacionar para comunicar ...................................................................................................... 122

3.1 A vizinhança e a concessionária de energia .......................................................................... 123

3.2 Do virtual ao atual: reflexões sobre os visitantes no Pantanal .............................................. 126

3.3 A tentativa de quebrar o distanciamento na Embrapa Soja ................................................... 131

3.4 Mudanças e engajamento na rede social presencial .............................................................. 133

4. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 136

Capítulo V – REAÇÕES PREVISÍVEIS E AJUSTES DO DISCURSO ORGANIZACIONAL 141

1. Deixas simbólicas e os elementos da comunicação analógica ................................................ 141

2. George Mead e a previsibilidade das reações do Outro .......................................................... 144

3. Contrafluxo da escuta e outras ideias sobre antecipações ....................................................... 147

3.1 Schutz: adaptações a partir de experiências passadas ou fantasias ....................................... 147

3.2 Thompson: a recepção como processo criativo de interpretação .......................................... 150

3.3 Goffman: de olho nas inconsistências da plateia e dos atores ............................................... 151

3.4 Braga: respostas esperadas no sistema de circulação interacional ........................................ 154

4. Reações da alteridade no universo organizacional .................................................................. 157

5. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 165

Capítulo VI – A CONVENIÊNCIA DO DISCURSO SOBRE COMUNICAÇÃO FACE A FACE

............................................................................................................................................................. 169

1. Uma empresa sem foco e sua líder controversa ...................................................................... 170

2. Discursos em relação: a tônica da AD..................................................................................... 174

2.1 Tipologia de discursos: elemento facilitador da análise ........................................................ 177

2.2 Deslocamento e deslizamento: movimentos de ressignificação ............................................ 181

2.3 Quando dizer é fazer e o pedido vira ordem ......................................................................... 186

2.4 O silêncio, o não-dito e seus significados ............................................................................. 192

2.5 Do interdiscurso ao silêncio: as descobertas possíveis.......................................................... 203

3. Outros dizeres sobre comunicação face a face ........................................................................ 204

4. Face revelada e face escondida: possíveis rupturas ................................................................. 209

5. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 213

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Capítulo VII – FUNÇÃO MEDIADORA DO ESPAÇO FÍSICO NA COMUNICAÇÃO

ORGANIZACIONAL ....................................................................................................................... 217

1. Teoria das mediações sociais: origens e atualizações ............................................................. 217

1.1 Inconsistência, envelhecimento e abstracionismo: críticas à teoria ...................................... 222

1.2 Concepções recentes sobre as mediações sociais .................................................................. 224

2. O espaço geográfico como parte integrante do contexto......................................................... 229

2.1 Regras restritivas para uso do espaço e seus efeitos constrangedores ................................... 232

2.2 Espaços de vivência x espaços mediados pela mídia ............................................................ 235

3. A força mediadora do lugar na comunicação organizacional ................................................. 241

4. Pantanal: paisagem mediada e sua função mediadora ............................................................. 245

4.1 Paisagens e experiências partilhadas: valores culturais......................................................... 246

4.2 Discursos midiáticos e a construção do imaginário sobre regiões exóticas .......................... 248

4.3 Elementos mediadores marcantes do Pantanal ...................................................................... 253

4.4 Uma experiência pantaneira de constrangimento às avessas ................................................ 257

5. Interpretação e validação da hipótese ...................................................................................... 258

CONCLUSÕES ................................................................................................................................. 263

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 275

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MAIO, Ana Maria Dantas de. O papel da comunicação face a face nas organizações no

contexto da sociedade midiatizada. 2016. 291 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social)

–Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

RESUMO

Este estudo trata da comunicação face a face nas organizações sob diferentes abordagens

teóricas. Considera a perspectiva da simultaneidade dos meios, já que as empresas utilizam

diversos canais para dialogar com seus públicos de interesse. Leva em conta o fenômeno da

midiatização, que reestrutura o modo como as pessoas se relacionam na sociedade

contemporânea. O objetivo geral da pesquisa é sistematizar papeis potencialmente exercidos

pela interação face a face e conhecer algumas circunstâncias que envolvem sua prática nas

organizações. Por se tratar de uma tese teórica, a pesquisa bibliográfica se apresenta como um

dos principais procedimentos metodológicos; análises de casos empíricos e um estudo de caso

desenvolvido na Embrapa Pantanal constituem situações ilustrativas. Conclui-se que a

comunicação face a face nas empresas ocorre de forma simultânea e combinada a outros

canais de comunicação, porém, ela proporciona resultados práticos e filosóficos ainda pouco

explorados. É rara a utilização estratégica de contatos presenciais como mecanismo para

estabelecer relacionamentos, conhecer as reações alheias e ajustar a comunicação, aliar o

discurso corporativo às práticas empresariais e avaliar o contexto onde se desenvolvem as

interações, o que pode ser decisivo para a comunicação organizacional.

Palavras-chave: Comunicação face a face; comunicação organizacional; midiatização;

comunicação mediada; Pantanal

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MAIO, Ana Maria Dantas de. O papel da comunicação face a face nas organizações no

contexto da sociedade midiatizada. 2016. 291 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social)

–Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

RESUMEN

Esta investigación aborda la comunicación cara a cara en las organizaciones bajo diferentes

enfoques teóricos. Considera la perspectiva de la simultaneidad de los Media, puesto que las

empresas utilizan varios canales para dialogar con sus públicos estratégicos. Lleva en cuenta

el fenómeno de la mediatización, que reestructura el modo como las personas se relacionan en

la sociedad contemporánea. El objetivo general del estudio es sistematizar roles

potencialmente ejercidos por la interacción cara a cara y conocer algunas circunstancias que

envuelven su práctica en las organizaciones. Por tratarse de una tesis teórica, la pesquisa

bibliográfica se presenta como uno de los principales procedimientos metodológicos; análisis

de casos empíricos y la investigación de un caso que ha pasado en la Embrapa Pantanal

constituyen situaciones ilustrativas. Se concluye, por lo tanto, que la comunicación cara a cara

en las empresas ocurre de forma simultánea y combinada a otros canales de comunicación; sin

embargo, ella proporciona resultados prácticos y filosóficos que aún han sido poco

explotados. Es rara la utilización de contactos presenciales como mecanismo para establecer

relacionamientos, conocer las reacciones de los otros y ajustar la comunicación, aliando el

discurso corporativo a las prácticas empresariales y evaluando el contexto donde se

desarrollan las interacciones, lo que puede ser decisivo para la comunicación organizacional.

Palabras-clave: Comunicación cara a cara; comunicación organizacional; mediatización;

comunicación mediada; Pantanal

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MAIO, Ana Maria Dantas de. O papel da comunicação face a face nas organizações no

contexto da sociedade midiatizada. 2016. 291 p. Tese (Doutorado em Comunicação Social)

–Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

ABSTRACT

This study addresses face-to-face communications in organizations according to different

theoretical approaches. It considers the perspective of simultaneous occurrence of different

forms of communication, since enterprises use different channels to interact with its various

publics of interest. It takes into account the mediatization phenomenon, which restructures the

way in which people relate with each other in contemporary society. The general aim of the

research is to systematize roles that are potentially played in face-to-face interaction and to

determine some of the circumstances that apply to its practice in organizations. Since this is a

theoretical dissertation, bibliographical survey stands out as one of its main methodological

procedures; analyses of empirical cases and a case study developed at Embrapa Pantanal

constitute illustrative instances. The conclusion is that face-to-face communication occurs in

enterprises simultaneously and combined with other communication channels, however,

allowing practical and philosophical results as of yet scarcely explored. Only seldom is in

person contact used strategically as a mechanism for establishing relationships, finding out

the reaction of others and adjusting communications accordingly, linking corporate discourse

to practice and evaluating the context within which interactions take place, which can be

decisive for corporate communication.

Key words: Face-to-face communication; corporate communication; mediatization; mediated

communication; Pantanal

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15

INTRODUÇÃO

A comunicação organizacional enfrenta nessas primeiras décadas do século 21 o

desafio de inovar. Nesse sentido, a disponibilidade de tecnologias de informação e

comunicação se apresenta como forte aliada, facilitando contatos e conexões entre as

empresas e seus públicos de interesse. O objeto de pesquisa desta tese é a comunicação face a

face no contexto organizacional, que coexiste com os avanços tecnológicos e desponta como

possível mecanismo de inovação para construir ou aprimorar relações corporativas. Este

estudo diferencia as noções de relacionamentos e conexões, com base em autores da

sociologia contemporânea como Zygmunt Bauman e Dominique Wolton.

Enquanto objeto de pesquisa, a comunicação face a face é aqui analisada a partir de

suas imbricações com as interações tecnologicamente mediadas, praticadas em organizações

inseridas em uma sociedade em transformação. A investigação se propõe a lançar diferentes

olhares sobre essa inter-relação, construídos à luz de correntes teóricas da comunicação e de

outras disciplinas, como a sociologia, a geografia e a linguística. A interdisciplinaridade

apresenta-se naturalmente como suporte para elucidar alguns aspectos do objeto de estudo.

As transformações em curso na sociedade mencionadas acima afetam a essência dos

relacionamentos, intervindo diretamente nas organizações e na comunicação praticada por

elas. Esse processo é caracterizado por uma nova forma de estruturação social que leva em

conta a lógica da mídia e vem sendo chamado por alguns estudiosos de midiatização. Não se

trata apenas da intensificação do uso de tecnologias, tampouco dos efeitos que elas venham a

provocar sobre as relações sociais: a midiatização institui novas formas de pensar. Entender a

comunicação face a face no contexto das organizações requer simultaneamente o

conhecimento desse fenômeno, que vem oxigenando o próprio campo científico da

comunicação.

A pesquisa comunicacional vive um momento de fecundas descobertas a respeito das

implicações da nova onda tecnológica – a eclosão das chamadas “novas mídias” – sobre a

sociedade e sobre o próprio campo de estudos. Observa-se uma visível concentração de

trabalhos voltados à análise das características, aplicabilidade, efeitos, performance, interfaces

e outras abordagens envolvendo a comunicação digital, sobretudo das redes sociais digitais –

lembrando que no ambiente físico essas redes estão longe de constituir “novidade”.

O esforço científico não tem apresentado o mesmo vigor para explorar formas mais

convencionais de comunicação humana. Esse desequilíbrio coloca-se como uma das

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justificativas para o desenvolvimento desta tese: é perceptível a carência de investigações que

deem conta de explicar o papel da comunicação face a face diante do universo da sociedade

midiatizada. Tem sido mais habitual localizar na literatura nacional e internacional linhas de

pesquisa que comparam as formas de comunicação presencial com aquelas mediadas por

tecnologias; entretanto, começa a despontar nos Estados Unidos uma tendência a se estudar os

distintos canais em perspectiva de interdependência, haja vista que a multiplicidade de meios

caracteriza a comunicação entre indivíduos, entre grupos ou organizações.

Esta investigação considera a abordagem multimeios, embora priorize evidenciar a

comunicação face a face no ambiente organizacional. A opção por uma tese panorâmica1,

fundamentada predominantemente na pesquisa teórica e epistemológica, se justifica pela

necessidade de avançar na análise e no conhecimento que envolvem as interações presenciais

no cenário contemporâneo e de dar sequência a trabalhos recentes realizados por outros

estudiosos do tema. Casos empíricos desenvolvidos em diferentes organizações e um estudo

de caso ambientado no Pantanal brasileiro serão apresentados como ilustrativos da construção

teórica.

A essência desta tese está ancorada nos relacionamentos organizacionais construídos e

mantidos com o uso planejado da comunicação face a face, o que explica o respaldo teórico

de autores que se dedicaram a explorar as interações sociais, como George Mead, Alfred

Schutz, Erving Goffman, Paul Watzlawick e seus companheiros da Escola de Palo Alto. Do

Brasil, as contribuições partem de Muniz Sodré, Ciro Marcondes Filho, José Luiz Braga,

entre outros. Esses estudiosos vêm discutindo os rumos das teorias da comunicação tendo

como pano de fundo o processo de midiatização e questionando, especificamente no caso de

Marcondes Filho, os excessos da utilização de tecnologias nos diálogos entre as pessoas.

Contribuições igualmente relevantes emergem de autores ligados à concepção

relacional da comunicação organizacional. O grupo de pesquisa "Comunicação no Contexto

Organizacional: aspecto teóricos-conceituais", vinculado à Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais (PUC/Minas/CNPq), vem trabalhando sob esse paradigma. Pesquisadores

que se tornaram referência em comunicação organizacional no Brasil também vêm

rediscutindo o conceito de comunicação integrada dentro da visão relacional, que se afasta da

formatação instrumental marcante no início dos trabalhos e da pesquisa em comunicação

organizacional no país.

1 Na tipologia de teses, trata-se daquela que aprofunda o assunto em toda a sua amplitude.

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17

O desenvolvimento de estudos específicos sobre comunicação face a face no universo

empresarial se encontra em fase embrionária em universidades brasileiras. Algumas

investigações têm sido desenvolvidas no âmbito da comunicação interna e muito pouca

atenção vem sendo dispensada à utilização das interações presenciais com públicos externos.

No país, o tema tem sido alvo de investigações desenvolvidas por Eduardo Guerra Murad

Ferreira (2011, 2012), Marta Terezinha Motta Campos Martins (2012, 2013), Elizabeth

Moraes Gonçalves e Katia Perez (2009), Katia Perez (2010), Wilma Pereira Tinoco Vilaça

(2012, 2013), Wilma Leila Matos Soares (2010), Rosângela Florczak de Oliveira (2013) e

Maria Lúcia Bettega (2013), entre outros. Na literatura internacional o destaque fica para o

sociólogo norte-americano Thomas Larkin, que atua como consultor e também direciona suas

análises para o ambiente interno.

O objetivo geral desta tese é sistematizar papeis potencialmente exercidos pela

interação face a face e conhecer algumas condições e particularidades que envolvem a prática

dessa modalidade nas organizações, considerando que ela representa um dos meios possíveis

de estabelecer relacionamentos com os públicos de interesse. Em síntese, a principal questão

que esta pesquisa fundamentalmente teórica se propõe a desvendar é: qual o papel reservado à

comunicação face a face e em que circunstâncias ela se desenvolve nas organizações que,

paralelamente, se utilizam de forma progressiva das interações tecnologicamente mediadas?

Para chegar a essa resposta, foram traçados quatro objetivos específicos: a) verificar, à

luz de teorias que focalizam o caráter relacional da comunicação, em que medida as

interações face a face interferem na construção e aprimoramento de relacionamentos

empresariais com públicos externos e internos; b) observar teoricamente de que forma o

acesso às manifestações do interlocutor, bem como às chamadas deixas simbólicas (ou pistas

comunicacionais), possibilita que a organização utilize a comunicação face a face para antever

reações e adaptar seu discurso; c) relacionar discursos organizacionais sobre a comunicação

face a face com supostas intencionalidades das empresas e apontar possíveis contradições

entre o dito e as práticas institucionais; d) compreender, sob a esteira da teoria das mediações,

o modo como os ambientes físicos onde ocorrem as interações face a face condiciona a

comunicação organizacional, podendo inibir ou constranger o interlocutor que ocupa

momentaneamente o espaço do Outro.

Esses objetivos foram traduzidos em hipóteses de pesquisas. São elas:

Hipótese 1: Quando adotada de forma planejada, a comunicação face a face permite

que as organizações construam e aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse;

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Hipótese 2: A comunicação face a face proporciona na interação com o interlocutor a

observação direta de suas reações; com isso, a organização que utiliza a comunicação face a

face de forma planejada obtém acesso a elementos não-verbais que permitem prever essas

reações e ajustar seu discurso;

Hipótese 3: O discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser

utilizado para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas;

Hipótese 4: O local onde se desenvolve a interação face a face interfere na

comunicação organizacional, provocando limitação da liberdade de expressão e

constrangimento nos interlocutores que venham a ocupar temporariamente o espaço

dominado pelo Outro.

Observa-se que as hipóteses contemplam aspectos práticos, que envolvem diretamente

as rotinas empresariais, e teóricos, que permitem aprofundar o conhecimento a respeito dos

relacionamentos organizacionais, dos ajustes da comunicação a partir de observações das

reações do Outro, dos discursos empresariais sobre comunicação face a face e da relação entre

o espaço físico onde ocorrem os encontros presenciais e possíveis situações de

constrangimento.

Assim sendo, esta pesquisa se organiza em sete capítulos, além desta introdução e das

considerações finais. Antes de iniciar a apresentação de cada parte, cabe uma explicação sobre

o modelo de narrativa adotado. Por se tratar de um estudo teórico permeado por casos

empíricos considerados ilustrativos, optou-se por construir um discurso que não esgota a

fundamentação teórica nos primeiros capítulos, como acontece em boa parte das teses e

dissertações. Neste caso, como se poderá observar, todos os capítulos – com exceção do

terceiro – apresentam uma discussão teórica voltada para determinada especificidade do tema.

O capítulo 1 tem a função de contextualizar a pesquisa a partir do processo de

midiatização, que nessas páginas será definida, problematizada e relacionada ao conceito de

bios virtual – uma espécie de forma de vida midiatizada –, proposto por Muniz Sodré. Esse

debate envolve as noções de real e imaginário, bem como os conceitos de real, virtual e atual,

imprescindíveis para compreender a relação do homem com a realidade. Também nessa

primeira divisão se encontram duas construções conceituais centrais para a tese: a de

comunicação face a face e a de comunicação tecnologicamente mediada, tanto em seus

aspectos técnicos quanto filosóficos.

O capítulo segue com a apresentação das perspectivas da simultaneidade e da

multiplexidade dos meios, a partir de estudos norte-americanos. Pessoas, grupos ou

organizações se comunicam e se relacionam utilizando os mais diversos canais; daí a

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necessidade de estudar a comunicação face a face como uma dessas possibilidades, uma parte

do todo. Pesquisas recentes indicam que os vínculos se fortalecem e a satisfação com os

relacionamentos aumenta na medida em que se amplia a variedade de canais de comunicação.

Os fatores que interferem na escolha dos veículos que as empresas vão utilizar para contatar

seus públicos são demonstrados no desfecho dessa primeira parte.

O capítulo 2 apresenta a descrição metodológica deste trabalho, que articula teorias,

métodos e técnicas no âmbito da pesquisa social. Descreve ainda os critérios de escolha do

corpus de análise – situações em que empresas utilizam ou se manifestam sobre a

comunicação face a face levantadas a partir de estudos pré-existentes. Antes de detalhar esses

trabalhos científicos que envolvem organizações e comunicação face a face, há uma breve

atualização do conceito de comunicação organizacional a partir do paradigma relacional.

O capítulo 3 é dedicado à comunicação da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária, organização onde é desenvolvido o estudo de caso mencionado anteriormente.

A pesquisa procura contextualizar a comunicação praticada na empresa a partir de sua

política, história e estrutura, discutindo recentes mudanças adotadas pela instituição. O

conceito de comunicação integrada é debatido nesse contexto, já que a Embrapa parece se

esforçar para minimizar a fragmentação do campo que envolve a atuação de distintos

profissionais. Em seguida o capítulo direciona a análise para uma das unidades da

organização, a Embrapa Pantanal, localizada em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Nesta

célula se desenvolveu entre 2010 e 2012 um projeto de comunicação organizacional que

priorizou as interações face a face com públicos externos. O estudo de caso apresenta e avalia

parte desse programa.

No capítulo 4 a comunicação é vinculada à perspectiva do relacionamento para que a

primeira hipótese possa ser verificada. A definição de relações sociais é revisitada sob a

perspectiva do bios virtual e busca-se construir as inter-relações entre os conceitos de

relacionamento e comunicação. Estudiosos da chamada Escola de Palo Alto, ligados à

Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, fundamentam essa discussão ao estabelecerem

a ideia de metacomunicação: mais importante que o conteúdo transmitido durante a interação

social é a relação que se cria a partir desse diálogo. O conteúdo inclui ainda a ocorrência

desse fenômeno – a metacomunicação – em quatro organizações brasileiras.

O capítulo 5 começa com a discussão sobre a previsibilidade das reações do Outro e a

possibilidade de ajustes na comunicação organizacional que planeja as interações face a face.

A base teórica parte de George Mead, porém, encontra ressonância entre outros autores, como

John Thompson, Erving Goffman, Alfred Schutz e o brasileiro José Luiz Braga. Todos esses

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estudiosos trabalham com a abordagem de observar os comportamentos da alteridade e ajustar

discursos ou condutas durante o processo comunicacional. A ocorrência desse fenômeno é

avaliada em três organizações brasileiras, para que a segunda hipótese possa ser verificada.

A análise de discurso da escola francesa e a teoria das faces do canadense Erving

Goffman fundamentam a discussão teórica do capítulo 6, que lança um olhar alternativo e

crítico para a comunicação face a face no contexto organizacional. A ideia é investigar

manifestações corporativas sobre as interações presenciais, demarcadas pelas vantagens e

benefícios proporcionados por esse tipo de contato. A teoria dos atos de fala, desenvolvida

por John Langshaw Austin, as tipologias de discurso, as noções de deslocamento e

deslizamento de sentidos e as diferentes funções do silêncio discursivo são tratadas nesse

capítulo, que evoca ainda a importância da interdiscursividade e do dialogismo.

Ainda no capítulo 6, as intencionalidades comunicadas são debatidas a partir da

concepção de representação de fachada e representação de fundo, desenvolvida por Goffman.

De acordo com o pesquisador do Canadá, a simples presença de outros indivíduos altera

substancialmente o modo de agir de um sujeito. No âmbito organizacional, essa discussão

tangencia os cuidados com imagem e reputação. Ilustram a proposição teórica discursos

proferidos pela empresa de tecnologia de informação Yahoo e pela mídia a respeito dessa

organização norte-americana. Foram revisitados também dois enunciados envolvendo os

grupos Nivea e Fiat, já estudados anteriormente por Gonçalves e Perez (2009). Esse conjunto

de análises discursivas define as condições para a verificação da hipótese 3.

O capítulo 7 fomenta o debate a respeito da controversa teoria das mediações,

introduzida no universo da comunicação pelo espanhol Manuel Martin Serrano e fortalecida a

partir das contribuições do espanhol-colombiano Jesús Martín-Barbero. As origens e

concepções mais atuais, bem como críticas a essa corrente, são discutidas nessas páginas,

permitindo compreender de que forma uma instância mediadora pode assumir papel

constrangedor ou inibidor da liberdade de expressão.

Esse conteúdo é associado ao conceito de espaço físico que, como parte integrante do

contexto na comunicação face a face, exerce algum tipo de condicionamento durante as

interações. Uma das discussões mais instigantes é a relativização do processo de midiatização,

que avança com intensidades distintas sobre territórios e culturas. Lugares como Pantanal e

Amazônia, considerados distantes e isolados por habitantes dos grandes centros urbanos,

apresentam perspectivas mediada e mediadora, que precisam ser compreendidas pelos

profissionais de comunicação organizacional que atuam nesses ambientes. O controle sobre o

cenário das interações complementa a discussão que envolve a avaliação da quarta e última

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hipótese. Mais uma vez o embate extrapola o nível teórico e se manifesta nas rotinas

empresariais.

Nas considerações finais, os objetivos específicos e o objetivo geral da tese são

resgatados e analisados com base em toda a pesquisa desenvolvida entre 2012 e 2015.

Constata-se que a comunicação face a face praticada pelas organizações na sociedade

midiatizada ainda está aquém de sua potencialidade. São poucos os casos em que essa

modalidade de interação é planejada e executada de forma estratégica nas organizações, assim

como se mostram bastante limitados os estudos científicos a respeito do tema. De qualquer

forma, a tese procura explorar as características únicas da comunicação face a face, que,

articulada às interações mediadas por tecnologias, pode proporcionar resultados diferenciados

às organizações, especialmente quando o foco estiver nos relacionamentos. Ao final, é

proposta a sistematização de uma agenda para a prática e para os estudos da comunicação face

a face no contexto organizacional.

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Capítulo I – A SOCIEDADE MIDIATIZADA E AS ESCOLHAS

DAS ORGANIZAÇÕES

Inseridas na sociedade, as organizações acompanham o processo de desenvolvimento

das formas de se relacionar e do uso de tecnologias que se criam e se transformam ao longo

do tempo. Quando as ferramentas evoluem, é natural que as empresas adotem os avanços

tecnológicos e se adaptem, modificando também seus procedimentos internos e as formas de

relacionamento com seus públicos. Nas primeiras décadas do século 21, no entanto, observa-

se que a estrutura da sociedade se modifica em função do que tem sido denominado lógica da

mídia. Essa transformação atinge a essência das relações sociais, afetando diretamente as

organizações e a comunicação praticada por elas.

O fenômeno conhecido como midiatização – ou a vivência do bios virtual (SODRÉ,

2002, 2006) – reorienta as relações sociais na contemporaneidade. Ao transcender o simples

uso instrumental da mídia e impor uma dinâmica estruturante da vida social, a midiatização

caracteriza não apenas um período ou uma civilização: ela institui um novo modo de pensar e

agir.

As organizações adequam-se a essa nova forma de vida, conjugando modos diversos

de promover contato com seus públicos internos e externos. Parte da pesquisa em

comunicação – e em midiatização – absorve, atualmente, a tendência de tratar o uso

simultâneo dos meios na condução dos relacionamentos; essa concomitância pode incluir os

canais face a face (reuniões, palestras, conversas presenciais formais e informais), os veículos

de massa (televisão, rádio, revistas, jornais e sites), bem como as mídias que permitem

interação interpessoal (e-mails, smartphones e seus aplicativos, telefones etc). Esse novo

olhar ocupa o espaço da investigação que privilegiava, até então, a comparação e segregação

entre as distintas modalidades de comunicação.

Ao considerar que os contatos ocorrem, ao mesmo tempo, tanto de forma presencial

quanto por meio de aparatos tecnológicos, adota-se como fundamento a proposição gestáltica

de que o todo é maior que a soma de suas partes1. As relações analisadas a partir do uso de

1 A abordagem sobre a relação entre o todo e as partes é complexa e exigiria uma discussão ampliada sobre

dialética (e seu método de pensamento baseado nas contradições entre o singular e o universal); o imperativo de

Blaise Pascal (1623-1662), segundo o qual é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto

conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes; a teoria sistêmica (o todo não é redutível às partes), já

que “a organização em sistema produz qualidades ou propriedades desconhecidas das partes concebidas

isoladamente: as emergências” (MORIN, 2003, p. 26, grifo do autor); e o princípio hologrâmico formatado pelo

próprio Morin (2003, p. 94), “em que não apenas a parte está no todo, como o todo está inscrito na parte”. O

estudo da comunicação face a face, a priori uma parte do sistema comunicacional, considera as intersecções

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múltiplos meios serão percebidas sob outras angulações, já que as diferentes formas de

comunicação podem conter em si manifestações das demais.

Este capítulo aborda os sombreamentos e inter-relações sinalizados nas definições de

mediação e midiatização; a problematização de conceitos-chave de comunicação face a face e

comunicação mediada para a compreensão teórica do objeto investigado; as perspectivas de

simultaneidade dos meios como direcionamento metodológico; e a descrição de critérios que

determinam a escolha da modalidade de comunicação pelas organizações. Todo esse conteúdo

será tratado, a partir de agora, numa inevitável contextualização, “processo de reflexão,

aprofundamento, sistematização e exposição que dá valor sócio-histórico e científico aos

projetos” (MALDONADO, 2011, p. 280, grifo do autor). A sociedade midiatizada só pode ser

compreendida a partir do entendimento do conceito de midiatização, o que justifica o ponto de

partida desta tese.

1. O fenômeno da midiatização, mediatização ou bios midiático

O desvelamento do uso da comunicação face a face nas organizações transita,

necessariamente, pelo conhecimento do contexto da sociedade contemporânea e do processo

de midiatização – ou mediatização – que a envolve2. Olhares científicos de distintas áreas

focalizam a compreensão desse processo sob perspectivas plurais. Pesquisas recentes do

campo da comunicação sugerem que, se até o final do século passado a tradição norte-

americana demarcava duas subdisciplinas para a investigação – a comunicação de massa e a

comunicação interpessoal (ROGERS, 1999) –, hoje essa ciência incorpora uma terceira via,

voltada para a midiatização.

Um dos autores que se ocupa do tema é Luís Mauro Sá Martino (2012, p. 222),

segundo o qual “em linhas gerais, midiatização pode ser entendida como o conjunto das

transformações ocorridas na sociedade contemporânea relacionadas ao desenvolvimento dos

meios eletrônicos e virtuais de comunicação”3. Ou seja, não se refere apenas à intensificação

desta com as outras modalidades de comunicação. Ademais, o olhar dirigido a esta parte se configura como

contribuição para a compreensão do processo global da comunicação. 2 A pesquisa bibliográfica que fundamenta esta tese encontrou as duas grafias para o mesmo fenômeno. Assim

como Clarisse Castro Alvarenga e Kátia Hallak Lombardi (2012, p. 271), que detectaram as duas formas de

escrita, será adotado o padrão “midiatização”, respeitando-se nas citações a grafia escolhida pelos autores. 3 Essa definição pode ser considerada bastante simplista, já que o fenômeno da midiatização não se instala com o

aparecimento de meios eletrônicos e digitais. No entanto, é aceitável a compreensão de que o processo foi

potencializado e acelerado a partir deles.

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do uso de tecnologias nas relações sociais, mas aos reflexos que esse comportamento impõe

na estruturação da sociedade. De acordo com ele,

trata-se de um conceito que permite destacar, como componente fundamental

da vida contemporânea, a presença ubíqua das mídias, não apenas como

transmissores de mensagens, mas como dispositivos de produção de sentidos

disseminados pela sociedade, em suas diversas mediações sociais,

configurando-se como uma das referências às práticas cotidianas.

(MARTINO, 2012, p. 222).

Diante do entrelaçamento com a cotidianidade, torna-se inviável dissociar a

midiatização dos prováveis reflexos que ela venha a imprimir na cultura contemporânea dos

agrupamentos que a incorporam. Laan Mendes de Barros (2012) explica que as informações

circulam em interações sociais e podem provocar desdobramentos, afetando inclusive o modo

de organização da vida em sociedade. Depois de atingir o receptor, de forma individual ou

coletiva, o conteúdo midiático passa por um processo de apropriação e interpretação e

recircula por novos fluxos comunicacionais, que podem ser presenciais ou tecnologicamente

mediados.

Esse processo de circulação pós-recepção é descrito por Braga (2006, 2012a),

considerado uma das referências do país nos estudos sobre a midiatização. De acordo com ele,

[...] percebemos hoje a midiatização da sociedade como uma criação e

recriação contínua de circuitos, nos quais, articulados com processos de

oralidade e processos do mundo da escrita, os processos que exigem ou

exercem intermediação tecnológica se tornam particularmente

caracterizadores da interação. (BRAGA, 2012a, p. 50).

Para Braga, a midiatização é um conceito em vias de construção, porém, com

potencial para se transformar em “processo interacional de referência”, a exemplo do que

representaram no passado a oralidade e a escrita. Esse fenômeno, no entanto, não isola a

invenção tecnológica; pelo contrário, associa a ela o componente social que aciona e direciona

o uso dos meios, impondo inclusive adaptações às mídias ao longo do tempo.

Há também quem atribua à midiatização a ideia de que a sociedade se apropria da

lógica da mídia. O pesquisador alemão Andreas Hepp elabora uma revisão de literatura sobre

o tema na tentativa de aprofundar a compreensão dessa lógica, partindo de estudos que, ainda

no século passado, tentavam decifrar o papel da mídia. De acordo com o investigador, o

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conceito de lógica da mídia foi introduzido na pesquisa comunicacional pelos norte-

americanos David Altheide e Robert Snow.

Teoricamente, então, temos estudado comunicação porque seu processo,

tecnologia, lógica e organização influenciam a construção social da realidade.

Deste ângulo, cultura pode ser vista como um processo reflexivo da forma

constituindo conteúdo, que transforma-se ainda em outras formas. Dito de

outro modo, a organização da comunicação, que nós definimos em termos de

formatos, torna-se inserida no conteúdo do que está sendo comunicado.

(ALTHEIDE; SNOW, 1992, p. 466, tradução nossa).

Para esses teóricos, a lógica da mídia subentende não apenas que o estilo, a natureza e

a forma de comunicação condicionam o que é apresentado a uma audiência, mas também que

as expectativas, preferências e experiência dos membros da audiência, entremeadas por essa

lógica, afetam outras atividades e envolvimentos.

Os estudos de Hepp apresentam ainda outras fontes, como Asp (1990 apud HEPP,

2013), para quem é necessário considerar três campos de influência para entender o papel da

mídia na sociedade: o mercado, a ideologia e o sistema de normas que envolvem os processos

de produção da mídia. “Este terceiro campo – e aqui Asp explicitamente se refere a Altheide e

Snow – pode ser melhor descrito como um campo de „lógica da mídia‟” (HEPP, 2013, p. 617,

tradução nossa).

Para Hepp, no entanto, foi o dinamarquês Stig Hjarvard quem conseguiu refletir de

forma mais contundente sobre como elementos da cultura e da sociedade tornaram-se

orientados pela lógica da mídia. Hjarvard estaria preocupado em analisar as confluências entre

a mídia enquanto instituição e outras instituições sociais. O conceito de midiatização utilizado

por ele considera que a mídia se tornou uma instituição semi-independente na sociedade à

qual as outras instituições tiveram que se adaptar e, simultaneamente, está integrada ao

cotidiano de outros domínios institucionais que, cada vez mais, utilizam as tecnologias de

comunicação para estabelecer e manter relações sociais (HJARVARD, 2012).

O autor entende que os meios de comunicação, sejam eles de massa ou os

instrumentos digitais interativos, exibem características e procedimentos próprios, que

condicionam outras instâncias. Hjarvard (2014, p. 26-27, grifo do autor) compreende “as

lógicas como as regras e os recursos específicos que governam um domínio particular”. Ao

direcionar seus estudos para as transformações culturais e sociais, o pesquisador define

midiatização como

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[...] o processo pelo qual a sociedade, em um grau cada vez maior, está

submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica. Esse processo é

caracterizado por uma dualidade em que os meios de comunicação passaram a

estar integrados às operações de outras instituições sociais ao mesmo tempo

em que também adquiriram o status de instituições sociais em pleno direito.

Como consequência, a interação social – dentro das respectivas instituições,

entre instituições e na sociedade em geral – acontece através dos meios de

comunicação. O termo lógica da mídia refere-se ao modus operandi

institucional, estético e tecnológico dos meios, incluindo as maneiras pelas

quais eles distribuem recursos materiais e simbólicos e funcionam com a ajuda

de regras formais e informais. (HJARVARD, 2012, p. 65, grifos do autor).

Hjarvard também é indicado por Sonia Livingstone (2009) como um dos autores que

observou o enfraquecimento da influência de instituições sociais tradicionais como a família,

a igreja e a escola na formação de indivíduos membros da sociedade, papel assumido já há

algum tempo pela mídia – que atua como fornecedora de informações, de orientação moral e,

principalmente, como a mais importante narradora da sociedade sobre si mesma.

Portanto, se a midiatização está vinculada à chamada lógica da mídia, há que se levar

em conta as relações institucionais de poder, os processos de produção midiática e a

apropriação dos meios tecnológicos para distribuição de recursos simbólicos. Mais uma vez, o

conceito de midiatização não se restringe à âncora tecnológica, mas engloba a noção de

mudança, de transformações sociais e culturais em função da adoção intensiva de técnicas de

comunicação na cotidianidade.

As definições dos pesquisadores supracitados correspondem, ao menos em parte, ao

conceito de bios midiático ou bios virtual articulado por Muniz Sodré na tentativa de

conjeturar essa nova circunstância social. De acordo com este investigador, “a partir de uma

realidade sistêmica [...], surge uma verdadeira forma de vida – o bios virtual, uma espécie de

comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se

convertem em prática social” (SODRÉ, 2006, p. 99, grifo do autor). A mídia impõe sua lógica

à cotidianidade, interpondo uma dinâmica própria que agora caracteriza as relações sociais e a

existência humana.

Ainda de acordo com Sodré (2002, p. 24, grifo do autor), “implica a midiatização, por

conseguinte, uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no

mundo, ou, pensando-se na classificação aristotélica das formas de vida4, um bios específico”.

Essa especificidade explicaria, por exemplo, a autonomia e soberania das mediações

tecnológicas em comparação com as formas de interação presentes nas mediações

4 De acordo com Sodré (2002, p. 25), Aristóteles distingue três gêneros de existência (bios) na Polis: vida

contemplativa, vida política e vida prazerosa (do corpo).

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tradicionais. Ele aponta que “o indivíduo é solicitado a viver, muito pouco auto-

reflexivamente, no interior das tecnointerações, cujo horizonte comunicacional é a

interatividade absoluta ou a conectividade permanente” (SODRÉ, 2002, p. 24).5

Observa-se aparente congruência entre o pensamento de Sodré e autores citados por

Hepp, ao menos quando esses últimos manifestam que a midiatização está associada à forma

dos meios de comunicação, e não ao seu conteúdo. Essa discussão remete à famosa máxima

de Marshall McLuhan – “o meio é a mensagem” – analisada criteriosamente por Sodré (2006,

p. 19):

Mas quando se admite que “o meio é a mensagem”, está se dizendo que há

sentido no próprio meio, logo, que a forma tecnológica equivale ao conteúdo

e, portanto, não mais veicula ou transporta conteúdos-mensagens de uma

matriz de significações (uma “ideologia”) externa ao sistema, já que a própria

forma é essa matriz. Tal é o sentido ou o “conteúdo” da tecnologia: uma forma

de codificação hegemônica, que intervém culturalmente na vida social, dentro

de um novo mundo sensível criado pela reprodução imaterial das coisas, pelo

divórcio entre forma e matéria.

Signos e imagens passam a configurar, na perspectiva do bios midiático, uma nova

ordem cultural que, por sua vez, encontra ressonância filosófica em estudos realizados na

Grécia antiga. A alegoria da caverna, apresentada por Platão em “A República”, torna-se

absolutamente atual na abordagem de Sodré (2006, p. 26), por trazer à tona a discussão sobre

real e imaginário:

Platão mostra que, para os homens aprisionados e distantes da luz do sol, a

verdade da caverna são as sombras ou as silhuetas das coisas que se projetam

na parede, à luz do fogo. Sombras não são propriamente coisas, e sim os seus

indícios. Sem as referências básicas, os homens deixam de perceber as

sombras enquanto tais e vivem de sensações, isto é, da mera aparência, que é

ao mesmo tempo a sua realidade e a impossibilidade de fazer a distinção entre

as coisas e suas projeções. Nesta pura sensibilidade em que consiste o ser das

sombras, sem se dar conta de sua radical escravidão, o homem não pensa

livremente, não se realiza como pleno sujeito da razão e da linguagem.

Evidencia-se que o sujeito que se nega a deixar a convivência exclusiva com a sombra

e se contenta com a vida projetada “dentro da caverna” – ou envolta no mundo midiatizado –

dificilmente viverá uma emancipação pessoal e social. Tende a se submeter à lógica de um

5 Primo (2008, p. 30) é crítico do uso do termo interatividade. Para ele, “quando se fala em „interatividade‟, a

referência imediata é sobre o potencial multimídia do computador e de suas capacidades de programação e

automatização de processos”. Trata-se, na visão desse pesquisador, de uma visão tecnicista e insuficiente para o

processo que ele estuda, a interação mediada por computador.

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mundo constituído por simulacros, distanciando-se de referências concretas do real. Sodré

aponta que a opção pela caverna não é inconsequente: afeta a realização pessoal, a plenitude

do indivíduo.

O empréstimo da alegoria da caverna para fundamentar discussões sobre o real e o

imaginário não é exclusividade de Sodré. Ao teorizar sobre a concepção da opinião pública,

Walter Lippmann também a utiliza como referência. De acordo com Lippmann (2010, p. 37),

“[...] o que cada homem faz está baseado não em conhecimento direto e determinado, mas em

imagens feitas por ele mesmo ou transmitidas a ele [sombras]”.

A relação entre a cultura de massa, real e imaginário está incorporada também à obra

de Edgar Morin, que vincula esse debate ao funcionamento dos meios de comunicação de

massa. Martín-Barbero (2003, p. 94-95, grifos do autor) o aponta como um dos responsáveis

por introduzir essa abordagem no campo da comunicação.

[...] o trabalho de Morin leva a sério o cultural na hora de pensar a indústria

cultural, e a define como o conjunto dos “dispositivos de intercâmbio

cotidiano entre o real e o imaginário”6, dispositivos que proporcionam apoios

imaginários à vida prática e pontos de apoio prático à vida imaginária. [...] Eis

aí, segundo Morin, a verdadeira mediação, a função de meio, que cumpre dia a

dia a cultura de massa: a comunicação do real com o imaginário.

Se a discussão sobre essa dualidade já esboçava contornos complexos no âmbito dos

meios de comunicação de massa e da indústria cultural, o recrudescimento das

tecnointerações – enquanto forma hegemônica de interação social – reacende o debate em

função da virtualização das relações na sociedade midiatizada7.

Alguns meios passam a ser comparados a próteses humanas, tamanha a dependência

que o organismo e a consciência do indivíduo desenvolvem em relação ao aparato técnico. “É

uma grande transformação, que privilegia a dimensão técnica do homem, em tal magnitude

que a forma da consciência contemporânea é fundamentalmente tecnológica”, afirma Sodré

(2006, p. 95). Com isso, o autor acrescenta que “o relacionamento do sujeito humano com a

realidade obriga-se hoje a passar pela tecnologia, em especial as tecnologias da informação,

em todos os seus modos de realização” (SODRÉ, 2006, p. 95).

O autor associa a midiatização à articulação das instituições sociais tradicionais com

as tecnologias da informação a reboque do mercado. “O bios midiático é uma espécie de clave

6 Segundo Martín-Barbero, a frase entre aspas está no livro O Espírito do Tempo, de Morin.

7 Os conceitos de virtual, real e atual serão discutidos na próxima seção, nas perspectivas de Sodré (2002) e

Neves (2006).

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virtual aplicada à vida cotidiana, à existência real-histórica do indivíduo” (SODRÉ, 2006, p.

101). A metáfora merece ser explorada: enquanto clave, essa forma de vida é uma sinalização

responsável pelo tom adotado na pauta; detém a prerrogativa de definir a nomenclatura e a

sonoridade das notas que compõem a partitura e que vão resultar na peça musical. É a clave,

ou o bios virtual, que determina os rumos da sociedade, sua trajetória. Para finalizar, Sodré

(2006, p. 122) conceitua bios midiático ou bios virtual como “expressões adequadas para o

novo tipo de forma de vida [...] caracterizado por uma realidade imaginarizada, isto é, feita de

fluxos de imagens e dígitos, que reinterpretam continuamente com novos suportes

tecnológicos as representações tradicionais do real”.

A compreensão do fenômeno da midiatização torna-se, portanto, fundamental para

visualizar o contexto onde estão inseridas as organizações e analisar as tendências de adoção

da comunicação face a face e da comunicação tecnologicamente mediada, cujos conceitos e

características serão apresentados a seguir.

2. O conceito de mediação e a prática da comunicação mediada

No universo da pesquisa em comunicação, o termo mediação pode ser considerado, no

mínimo, ambíguo, quando não, complexo. Seu significado vai variar de acordo com o

contexto do que se pretende classificar como mediado. O entendimento mais técnico e

simplista está relacionado ao sentido de “intermediação”, ou seja, um instrumento que se

interpõe entre sujeitos interlocutores. De acordo com a definição de Thompson (2008, p. 78-

79),

as interações mediadas implicam o uso de um meio técnico (papel, fios

elétricos, ondas eletromagnéticas, etc.) que possibilitam a transmissão de

informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no

espaço, no tempo, ou em ambos. [...] Os participantes não compartilham o

mesmo referencial de espaço e de tempo e não podem presumir que os outros

entenderão expressões denotativas.

O próprio Thompson (2011, p. 193) afirma que “mesmo uma simples troca de

expressões verbais numa situação face a face pressupõe um conjunto de aparelhos e condições

técnicas (laringe, cordas vocais, lábios, ondas de ar, ouvidos, etc.) [...]”. Convém, no entanto,

distinguir as mediações estritamente técnicas – aquelas que são artificialmente criadas ou

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construídas – daquelas que se encontram naturalmente presentes no ambiente e no corpo

humano, como os itens enumerados entre parênteses pelo autor.

Com base nessa caracterização, pesquisadores de várias nacionalidades têm adotado as

siglas CMC (Comunicação Mediada por Computador) ou CTM (Comunicação

Tecnologicamente Mediada) para referir-se às interações mediadas por objetos técnicos. Este

será o entendimento para o conceito de comunicação mediada nesta tese.

No entanto, o conceito de mediação se complexifica quando passa a envolver

elementos que circundam o processo comunicacional, especialmente na instância da recepção.

Neste caso, o sentido é diverso e as complicações começam pelas dificuldades de tradução.

Pesquisadora do Reino Unido, Livingstone (2009) constata imprecisões ao consultar colegas

de idiomas esloveno, polonês, tibetano, islandês, português, búlgaro, estoniano, francês e

alemão e verificar que os sentidos para “mediation” não coincidem nessas distintas línguas.

Os significados de “mediation” em inglês e “mediação” em português divergem. De

acordo com Livingstone (2009, p. 4, tradução nossa, grifo da autora), “em português,

mediação é usado como um termo acadêmico para a negociação dos significados dos meios

entre produtores e consumidores, apesar de este não estar no uso rotineiro nem ser nosso uso

do termo em inglês”.

Há ainda o conceito foneticamente semelhante de “midiação”, proposto por Thompson

(2011), que vem do original em língua inglesa “mediazation” e é utilizado no contexto social

e histórico da transmissão de formas simbólicas da cultura moderna. O processo que ele

descreve como “midiação” trata da “proliferação rápida de instituições e meios de

comunicação de massa e o crescimento de redes de transmissão através das quais formas

simbólicas mercantilizadas se tornaram acessíveis a um grupo cada vez maior de receptores”

(THOMPSON, 2011, p. 21). Difere, portanto, do sentido de “mediação” adotado pelos

estudos latino-americanos.

Outra variante é apresentada por Schutz, um teórico da comunicação face a face,

quando se refere à ausência dessa situação. Ele chama de “mediatidade” o processo de

comunicação indireta com os “contemporâneos”8:

Para esclarecer esse conceito de “mediatidade”, examinemos duas formas

diferentes através das quais venho a conhecer um contemporâneo. A primeira

forma, já mencionamos: meu conhecimento é derivado de um encontro face a

8 De acordo com Schutz (1979a, p. 217), contemporâneo “é alguém que sei que coexiste comigo no tempo, mas

que não vivencio imediatamente. Esse tipo de conhecimento é, por conseguinte, sempre indireto e impessoal”. Já

o interlocutor na situação face a face é tratado pelo autor como “semelhante”.

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face anterior com a pessoa em questão. Mas, desde então, esse conhecimento

tornou-se mediato ou indireto porque saiu do alcance de minha observação

direta. Pois faço inferências com relação ao que está se passando em sua

mente na hipótese de que ela permanece bastante igual desde que a vi pela

última vez, embora, noutro sentido, eu saiba muito bem que ela deve ter

mudado, por ter absorvido novas experiências ou simplesmente em virtude de

ter envelhecido. Mas, quanto a como ela mudou, o meu conhecimento ou é

indireto ou inexistente. (SCHUTZ, 1979a, p. 218).

A análise de Schutz concebe o mundo estruturado em termos do alcance real, isto é, do

aqui e do agora. Embora essa perspectiva não coincida com o mundo midiatizado, que retém

outro tipo de estruturação, a contribuição do autor revela-se expressiva para a constituição do

conceito em questão, especialmente por associar o conhecimento indireto com a

impessoalidade e a necessidade de inferências.

Considerado o precursor da teoria da mediação social, o espanhol Manuel Martin

Serrano (1976, p. 180, tradução nossa) define mediação como “a atividade de controle social

que impõe limites ao que poderia ser dito, e às maneiras de dizê-lo, por meio de um sistema

de ordem”. Ele teria inspirado outro espanhol, Jesús Martín-Barbero9, a aprofundar os estudos

sobre o tema na América Latina.

Na década de 1980, Martín-Barbero preconizava que a pesquisa em comunicação

deveria migrar seu foco dos meios de comunicação para as mediações.

Eu, desde o começo, por intuição, me opus à visão hegemônica, norte-

americana, de estudar os efeitos dos meios. Eu não negava a importância dos

meios, mas dizia que era impossível entender a importância, a influência nas

pessoas, se não estudássemos como as pessoas se relacionavam com os meios.

O que eu comecei a chamar de mediações eram aqueles espaços, aquelas

formas de comunicação que estavam entre a pessoa que ouvia o rádio e o que

era dito no rádio. [...] Mediação significava que entre estímulo e resposta há

um espesso espaço de crenças, costumes, sonhos, medos, tudo o que configura

a cultura cotidiana. (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 154).

O conceito de mediação, bem como a teoria da mediação social proposta por Martin

Serrano, será retomado e aprofundado no capítulo 7. Por ora, cabe problematizar a

comunicação mediada por tecnologias, disseminada nas organizações inseridas na sociedade

midiatizada. Se, por um lado, a adesão à CTM representa avanços incontestáveis nas

possibilidades de contatos entre interlocutores, por outro, a onipotência da técnica preocupa

9 Nascido na Espanha, Martín-Barbero vive na Colômbia desde 1963 e sua obra tem grande capilaridade entre

pesquisadores brasileiros.

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cientistas sociais contemporâneos que levantam uma discussão filosófica a respeito da

virtualização dos relacionamentos.

Alguns deles consideram a comunicação direta, sem artefatos técnicos, mais próxima

de uma perspectiva humanista e apontam para possíveis “perdas” que acompanhariam o

abandono desse hábito. Outros defendem o avanço tecnológico das práticas comunicacionais

e descartam efeitos sociais negativos, classificando como “conservadoras” e “resistentes” as

posturas contrárias. Essas correntes dicotômicas alimentam o que José Pinheiro Neves (2006)

denomina de perspectivas tecnofóbicas e tecnofílicas da pesquisa em comunicação. A

primeira, segundo ele, teme uma sociedade dominada por robôs; a segunda aposta em uma

sociedade ideal em que as máquinas permitem uma vida feliz10

.

Um dos autores que refletem a respeito da incidência da comunicação mediada sobre a

sociedade é Zygmunt Bauman (2001, 2004, 2008, 2011), que vem insistindo na metáfora do

“líquido” para descrever a época atual11

. Nesses tempos de modernidade líquida, segundo

Bauman (2011, p. 27, grifo do autor), “[...] o contato face a face é substituído pelo contato tela

a tela dos monitores; as superfícies é que entram em contato. [...] O que se perde é a

intimidade, a profundidade e durabilidade da relação e dos laços humanos”.

O sociólogo acrescenta que não vê sentido na multiplicação das possibilidades de

conexão e a proporcional solidão causada pela falta de engajamento e de interesse. Na visão

dele, ainda que involuntariamente, os prejuízos subjacentes à profunda automatização das

relações humanas devem superar, e muito, suas aparentes vantagens.

Pensamento semelhante é compartilhado pelo pesquisador Dominique Wolton (2004,

2006, 2007, 2010). Para ele, “nenhuma técnica de comunicação, por mais eficiente que seja,

jamais alcançará o nível de complexidade e de cumplicidade da comunicação humana”

(WOLTON, 2004, p. 35). Em várias obras, o autor pontua que o maior desafio na

comunicação contemporânea é compreender a alteridade:

Porque na comunicação o mais complicado é sempre o outro. Quanto mais

fácil é entrar em contato com alguém, de um lado ao outro do mundo a

qualquer instante, mais rápido percebemos os limites da compreensão. As

facilidades de comunicação não bastam para melhorar o conteúdo da

interação. (WOLTON, 2004, p. 37, grifo do autor).

10

“„Tecnófobos‟ e „tecnófilos‟ têm razão em vários dos pontos a que se apegam” (SODRÉ, 2002, p. 203). Essa

classificação remete aos conceitos de apocalípticos e integrados, criados por Umberto Eco na década de 1960

para rotular aqueles que viam na cultura de massa uma ameaça à democracia e os que a defendiam por entender

que abriam as portas para a cultura do lazer a milhões de excluídos (MATTELART; MATTELART, 2004). 11

“Um líquido é algo que ganha novas formas sem perder seus componentes. Mas, como todo fluido, não tem

nenhum tipo de forma, está sempre se reestruturando” (MARTINO, 2009, p. 234).

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Para esse pensador, há equívocos envolvendo a questão da comunicação mediada por

computador; um deles é que “não há relação direta entre multiconexão e capacidade de se

relacionar com o outro” (WOLTON, 2006, p. 86); outro engano seria a confusão entre

comunicação e informação. Diz Wolton (2006, p. 86) que “o progresso técnico permite

produzir e distribuir uma grande quantidade de informações. No entanto, isso é

comunicação?”, questiona.

O pesquisador brasileiro Ciro Marcondes Filho (2001, 2004, 2005, 2008a, 2009, 2010,

2011, 2012) também se posiciona de forma reticente em relação às interações mediadas pela

técnica. Ele chama a atenção para a importância da “atmosfera circundante”, configurada pelo

ambiente onde ocorre a cena comunicacional, exclusiva dos encontros face a face.

Na nova realidade medial, a comunicação intersubjetiva, tetê-à-tête, direta, é

substituída pelos meios de comunicação socialmente abrangentes. Desaparece

a mística do olhar, da percepção do rosto, da atmosfera circundante, criadora

do evento comunicacional, da noção de sentido; sai de cena a magia das

múltiplas linguagens que [Gregory] Bateson chamava de “jogo da

comunicação”, essa arte de desvendar a fala do outro não pelas palavras

propriamente ditas, mas pelo ar, pelo jeito, pela postura, pela situação, pelo

contexto, por sinais invisíveis e meramente sensoriais, pela intuição, pelo

“sexto sentido”. Todo um campo do relacionamento humano passa agora a

competir com uma nova situação em que tudo isso é convertido em sinal

técnico, registrado, fixado, eternizado. Ora, para dar conta da necessidade

comunicacional das pessoas, é preciso, então, que a nova realidade medial crie

um substituto para a cena comunicacional do face a face. Algo tem que fazer

o papel da atmosfera, da hecceidade, do campo de sensações e de forças

visíveis e invisíveis que constituíam a relação direta. É a emergência do

contínuo atmosférico de sentido da sociedade de massa. (MARCONDES

FILHO, 2010, p. 109, grifos do autor).

Enquanto Bauman, Wolton e Marcondes Filho indicam perdas de alguns valores que

comprometeriam a humanização12

no processo de comunicação mediada, pesquisas recentes

apontam para outros tipos de prejuízos, de um ponto de vista mais pragmático. É o caso do

norte-americano Charles Berger, para quem os efeitos contabilizados pela CTM não seriam

tão recentes. “Desde a invenção da imprensa, cada vez mais da realidade que os humanos

experimentam têm se tornado simbolicamente mediada” (BERGER, 2005, p. 434, tradução

nossa).

12

De acordo com Martin Serrano (2009, p. 12-13), “na „humanização‟, se tem em vista de que maneira a

comunicação está envolvida na vigência das normas e na prática dos comportamentos, dos quais dependem a

existência e a perpetuação dos grupos humanos. [...] Em outras palavras: „a humanização começa quando o

grupo social pode comunicar sobre seus vínculos com a Natureza‟”.

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A leitura que o pesquisador faz é clara: como os meios de comunicação se

desenvolveram bastante, as pessoas estão cada vez menos expostas à informação natural,

direta, proveniente do mundo físico. Avaliando trabalhos de Borgmann (1999 apud BERGER,

2005, p. 435, tradução nossa), ele alerta que “como a experiência de realidade das pessoas

torna-se cada vez mais mediada simbolicamente, elas vão perder o contato com o mundo que,

cada vez mais, é representado a elas na forma digital”. Segundo ele, o uso regular da

comunicação mediada por computador, com base em textos digitados, “pode influenciar os

padrões de autorrevelação, estratégias de aquisição de informações, troca de turno

[revezamento de fala], velocidade de fala, e interrupções quando indivíduos se envolvem em

interações face a face com outros” (BERGER, 2005, p. 435, tradução nossa).

Para ilustrar essa preocupação, Berger (2005) cita dois exemplos de interferência da

comunicação indireta – no contexto de uma sociedade midiatizada – sobre a rotina dos

cidadãos americanos. O primeiro seria que o cotidiano dos habitantes dos Estados Unidos é

agora vivido mais como um filme, devido às sutis intervenções de longo prazo das indústrias

do cinema e da televisão. O segundo envolve a educação: professores que estão na ativa há

mais de 30 anos percebem que os alunos contemporâneos da graduação esperam deles uma

performance mais divertida, algo semelhante à atuação de um showman, em comparação com

os alunos do passado. Com isso, o estudo sugere que a exposição de longo prazo à mídia do

entretenimento pode alterar as expectativas daqueles que vão acompanhar uma apresentação

qualquer, mesmo fora dos ambientes tradicionais de entretenimento.

Há também no Brasil exemplos da hibridez das duas modalidades, como a

transposição do anonimato típico da rede para as ruas, onde ocorrem os encontros presenciais.

Em junho e julho de 2013, o país viveu uma onda de protestos políticos nas capitais e cidades

do interior, muitos deles marcados pela violência. A proteção que o anonimato proporciona ao

indivíduo nas relações mediadas foi perseguida durante as manifestações, com o uso de

máscaras e tecidos encobrindo os rostos, especialmente por aqueles que praticavam atos de

vandalismo e temiam ser reconhecidos pelas imagens de televisões e jornais. Como

consequência, os governos dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo aprovaram, em 2013 e

2014, respectivamente, leis que proíbem o uso de máscaras ou qualquer outra forma de

ocultar o rosto de cidadãos que participem de manifestações públicas.

Da mesma forma como o anonimato das redes migrou, em parte, para as ruas, um

outro fenômeno pode ser observado na mesma ocasião. Manifestantes utilizaram com

frequência as máscaras conhecidas como V de Vendetta – ou V de Vingança, em português

(Figura 1) – originárias de uma história em quadrinhos publicada na década de 1980, que

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depois se tornou filme, em 2005, e passou a interagir em diversos graus com internautas que

utilizaram as redes sociais para articular os protestos. Esses dois exemplos ilustram não

apenas as nuances nos padrões de autorrevelação previstas por Berger, como também a

infiltração de elementos construídos simbolicamente no universo real13

.

FIGURA 1. Máscara V de Vendetta, que se popularizou nos protestos, 2013

Foto: Ana Maio

Tratando ainda dos condicionamentos da comunicação mediada sobre o

comportamento humano e social, outra pesquisa recente desenvolvida na Universidade da

Califórnia revela que pré-adolescentes estão perdendo a habilidade para reconhecer as

emoções humanas em função do uso intensivo da comunicação tecnologicamente mediada e

da consequente falta de tempo dedicado às interações face a face. Os investigadores

observaram dois grupos de pré-adolescentes com idades entre 11 e 13 anos; um deles, com 51

participantes, passou cinco dias em um acampamento onde era proibido o uso de telas; o

outro, formado por 54, permaneceu na rotina que incluía o uso de smartphones, videogames e

televisores.

O estudo fornece evidência que, em cinco dias de interação exclusivamente

presencial, sem acesso a tela ou dispositivo de mídia para comunicação, pré-

adolescentes melhoraram suas métricas relacionadas ao entendimento da

emoção não-verbal, significativamente mais que o grupo de controle [...].

Portanto, os resultados sugerem que o tempo em tela digital, mesmo quando

usado para interação social, poderia reduzir o tempo gasto desenvolvendo

13

Para aprofundar essa discussão, caberia explorar o conceito de narrativa transmídia, elaborado por Henry

Jenkins (2009, p. 138) ao estudar a cultura da convergência: “uma história transmídia desenrola-se através de

múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”.

Essa especificidade, no entanto, foge do escopo desta tese.

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habilidades em leitura de sinais não-verbais da emoção humana. (UHLS et al,

2014, p. 391, tradução nossa).14

Mais uma vez, cabe aqui relacionar a insensibilidade dos pré-adolescentes estudados

ao mito platônico das cavernas; vivenciando o mundo por meio de telas, ainda que em

interações sociais, essa geração teria acesso apenas a projeções das coisas (indícios), e não às

coisas em si. É previsível que suas habilidades em relação à identificação das emoções

humanas se desenvolvam de forma distinta das gerações anteriores ao advento das chamadas

novas mídias.

Uma abordagem igualmente interessante sobre a relação homem/máquina é

apresentada pelo pesquisador português José Pinheiro Neves.

A solução não passa por acabar com a técnica em direção a uma pureza

humana natural [...]. Trata-se de estar atento e resistir a tudo o que nos arraste

para aglomerados rígidos comandados por lógicas binárias. A questão da

dicotomia, da forma binária de pensar (tal como a linguagem binária e a

programação linear em fluxograma associada) não é inofensiva. (NEVES,

2006, p. 130).

O grau de complexidade dos mediadores técnicos atuais explica, segundo o

investigador, a tomada de consciência do sujeito contemporâneo a respeito da onipresença da

técnica. O pensamento de Neves (2006) acompanha a metáfora proposta por McLuhan, dos

meios como extensão do homem, ao reconhecer o notório reposicionamento da tecnologia na

vida humana: “os sistemas em rede, os computadores, são próteses cada vez mais autónomas

da nossa memória e da nossa capacidade de comunicação” (NEVES, 2006, p. 99).

Uma abordagem alternativa emerge, aqui, em relação a essas possíveis intervenções

dos meios técnicos sobre o homem. De acordo com Pierre Lévy (1993, p. 10), a sucessão das

tecnologias que apoiam o desenvolvimento intelectual não se dá por substituição, “mas antes

por complexificação e deslocamentos de centros de gravidade”. Oralidade, escrita,

informática e outras técnicas de armazenamento e processamento das representações que

venham a surgir “tornam possíveis ou condicionam certas evoluções culturais, ao mesmo

tempo em que deixam uma grande margem de iniciativa e interpretação para os protagonistas

da história” (LÉVY, 1993, p. 10, grifo nosso). A concepção deste autor afasta suas reflexões

14

Os autores apontam como uma limitação do estudo a impossibilidade de distinguir se a interação com a

natureza – durante o acampamento os adolescentes se envolveram com diversas atividades no campo – teria

provocado efeitos sobre a leitura dos sinais não-verbais das emoções humanas; mas sugerem que essa hipótese

seria contraintuitiva, considerando que as atividades desenvolvidas nesse ambiente seriam inerentemente menos

sociais.

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sobre as tecnologias da inteligência de quaisquer parâmetros de determinismo tecnológico.

De certo modo, quando novas tecnologias se apresentam, o homem passa a incorporá-

las em sua forma de ver o mundo, dentro de um processo cumulativo, e não substitutivo. O

indivíduo que têm acesso aos meios digitais desenvolve habilidades e sensibilidades distintas

em comparação com aquele que utilizava apenas a oralidade e a escrita. Esse know-how cria

condições para lidar com situações novas, porém, não impõe transformações, segundo a

perspectiva de Lévy.

Assim como o filósofo francês, Neves rejeita o viés dicotômico sobre a relação entre

homem e máquina, acrescentando que “o essencial situa-se no facto de o homem deixar de ser

o único actor autenticamente intencional, passando a ser atravessado pela intencionalidade da

ferramenta/aparelho” (NEVES, 2006, p. 103). A autonomia e intencionalidade das máquinas

explicam, em parte, a hibridez a que o autor se refere quando se trata da comunicação face a

face. As relações humanas automatizadas ganham sentido outro, que não a significação direta

e simplificada que as gerações anteriores ao paradigma tecnológico estavam habituadas. O

equilíbrio na adoção dos objetos técnicos apresenta-se como um caminho aparentemente

viável para contemplar a convivência entre homem e tecnologia.

Neves é um dos autores que trabalham o conceito de virtual, apontando para uma

proximidade entre virtual e atual substituindo a dicotomia virtual/real. “Enquanto que no par

virtual/real estamos no reino da analogia e da representação, no par virtual/actual já nos

situamos num outro plano, diferente” (NEVES, 2006, p. 36). Segundo este autor, torna-se

irrelevante a distinção entre o virtual (pensado em termos de possibilidade) e o real (percebido

como algo concreto). Neves enxerga uma relação limitante entre virtual e real, porém, explica

que “o virtual e o actual estabelecem uma relação gestaltista, onde a diferença é pensada em

termos de intensidade: uma cor, em si é uma virtualidade que constantemente se actualiza

com diferentes intensidades” (NEVES, 2006, p. 37).

Sodré (2002, p. 120) também dedica parte de seus estudos ao “virtus como metáfora” e

aponta que “são muitos os exemplos, ao longo da história, de estimulações imaginativas

destinadas a favorecer no indivíduo a sensação vívida de uma realidade ausente”, ou seja, a

virtualidade.

Tem-se aqui a primeira formulação do sentido duplo da palavra “virtual”:

aquilo que existe em potência, que não é objetivável como “coisa”. A segunda

é o virtual entendido como a realidade de uma aparência desencarnada, com a

coisa ou o corpo noutra dimensão representativa, simulativa de um “outro

mundo”. (SODRÉ, 2002, p. 120).

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Ele aborda o fenômeno tecnológico que permite recriar a “sensação” de presença e o

atesta como uma modelização matemática de uma realidade original, uma digitalização do

concreto. Na visão do pesquisador, “todo o empenho dessa realidade técnica [...] dá ao

participante sensação de inclusão ou de imersão na cena projetada” (SODRÉ, 2002, p. 121),

uma falsa representação de vivência.

Assim como Neves (2006), Sodré indica que nos dicionários virtual não se opõe a real,

e sim a atual, algo que já se concretizou, do que já se tomou consciência. Ele explica que atual

refere-se às “faculdades presentes, e não potenciais” (SODRÉ, 2002, p. 122) e aponta o termo

“potencial” como um dos significados para virtual. “No senso comum, virtual é simplesmente

falta de existência” (SODRÉ, 2002, p. 123).

O atual configura-se, assim, como uma resposta a seu oposto, o virtual:

“contrariamente ao possível, estático e já construído, o virtual é como um

complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanham

uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer”. A

semente, por exemplo, é virtualidade, enquanto que a árvore é a sua

atualização. (SODRÉ, 2002, p. 124, grifo do autor).

Desta forma, Sodré (2002, p. 138) contribui para dirimir quaisquer opacidades a

respeito dos três significados, observando que virtual “denota algo que tem apenas potência

de ser. Não é de fato o contrário de real – uma vez que todo real tem o virtual em sua

dinâmica –, mas ainda é algo incompleto do ponto de vista eidético, por ter existência

meramente propositiva”. Com essa discussão, os dois autores esclarecem contrapontos

envolvendo a virtualização, conceito relevante para esta pesquisa que se propõe a contribuir

para o conhecimento a respeito dos condicionamentos que a comunicação mediada pode

imprimir às organizações.

A seguir, será traçado trajeto semelhante a respeito da comunicação face a face,

iniciando pela definição técnica e percorrendo, posteriormente, trilhas filosóficas envolvendo

o conceito. Não obstante este estudo se empenhe em absorver as diferentes formas de

comunicação em perspectiva de simultaneidade, torna-se fundamental caracterizar cada

modalidade para que elas possam ser compreendidas em suas essências.

3. Abordagens técnica e filosófica da comunicação face a face

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A introdução da técnica na comunicação humana estabelece uma ruptura na forma

como esse processo era praticado até então e nas reflexões a respeito dele. Mauro Wilton de

Sousa (2006, p. 14-15) observa que “a comunicação presencial e interpessoal, matriz do

processo das relações sociais, à medida que recebe o concurso da técnica, chegando ao que se

denomina como a fase de comunicação coletiva, efetiva um novo modo de se compreender a

comunicação na sociedade e especialmente neste século”.

Assim como a comunicação tecnologicamente mediada, a definição da comunicação

face a face alinhava dimensões técnicas e filosóficas. A perspectiva técnica pode ser

introduzida pela variedade semântica com que essa modalidade de interação é descrita

cientificamente. No Brasil, é atribuída a esse modelo uma diversidade de denominações que

incluem comunicação interpessoal, presencial, oral, dialógica, direta, intersubjetiva, diádica,

olho no olho, cara a cara, frente a frente, entre outras. Cabem aqui algumas ressalvas em

relação ao termo “comunicação interpessoal”.

Herdada da tradição de pesquisa norte-americana, essa nomenclatura refere-se a uma

subdivisão das disciplinas estudadas naquele país, conforme visto anteriormente, na seção 1.

No entendimento de Everett Rogers (1999, p. 628, tradução nossa),

comunicação interpessoal envolve a troca de informações face a face entre

duas ou mais pessoas. Aqui, nós consideramos comunicação interpessoal

como incluindo as especialidades acadêmicas como a teoria retórica e crítica,

comunicação organizacional, comunicação intercultural, comunicação e

educação, e outras.

Mostra-se amplo o campo de investigação que o autor abarca sob a tutela da

comunicação interpessoal. Outro pesquisador norte-americano que se dedica ao estudo da

comunicação interpessoal é Berger, autor de uma revisão de literatura a respeito do tema. De

acordo com o material reunido pelo estudioso, algumas circunstâncias precisam ser

consideradas na abordagem da comunicação interpessoal, como as diferenças observadas em

relacionamentos íntimos e em transações comerciais, as questões emocionais que envolvem

esse tipo de conversa, as perdas que a ausência de sinais não-verbais proporcionam à

comunicação mediada, entre outras.

A utilização do termo “interpessoal”, no entanto, não representa consenso entre

estudiosos brasileiros. A pesquisadora Margarida Maria Krohling Kunsch (2008, 2010),

ligada à Universidade de São Paulo, está entre aqueles que utilizam o conceito proveniente da

pesquisa norte-americana em seus trabalhos sobre comunicação organizacional. No entanto,

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Alex Primo (2008, p. 96) pondera que “interação interpessoal não é sinônimo de interação

presencial. Uma conversa entre duas pessoas ao telefone ou em um fórum na Internet é uma

interação interpessoal15

, apesar delas não compartilharem o mesmo espaço físico ou

temporal”. Para ele, portanto, não há um entendimento automático de que o interpessoal

corresponderia ao olho no olho.

Uma definição tecnicamente clássica de interação face a face bastante replicada por

pesquisadores brasileiros vem de Thompson (2008, p. 78, grifos do autor), segundo o qual

a interação face a face acontece num contexto de co-presença; os participantes

estão imediatamente presentes e partilham um mesmo sistema referencial de

espaço e de tempo. Uma outra característica da interação face a face é que os

participantes normalmente empregam uma multiplicidade de deixas

simbólicas para transmitir mensagens e interpretar as que cada um recebe do

outro. As palavras podem vir acompanhadas de piscadelas e gestos,

franzimento de sobrancelhas e sorrisos, mudanças de entonação e assim por

diante. Os participantes de uma interação face a face são constantemente e

rotineiramente instados a comparar as várias deixas simbólicas e a usá-las para

reduzir a ambiguidade e clarificar a compreensão da mensagem.

Mais recentemente, o pesquisador aprofundou a caracterização da comunicação face a

face, afirmando que a produção e recepção de formas simbólicas acontecem em contextos

sociais estruturados e especificando as diferenças entre a interação presencial e a mediada por

instrumento técnico.

As características espaciais e temporais do contexto de produção de uma

forma simbólica podem coincidir ou sobrepor-se com as características do

contexto de recepção, como no caso da troca de manifestações verbais em uma

interação face a face. Numa situação face a face, a pessoa que fala e o ouvinte

partilham o mesmo ambiente local, e as características desse ambiente estão,

comumente, incorporadas às formas simbólicas e à interação da qual são parte

(por exemplo, ao atribuir a especificidade referencial a expressões e pronomes

demonstrativos). Mas as características espaciais e temporais do contexto de

produção podem divergir, significativa ou inteiramente, das características do

contexto de recepção. Essa é a situação típica de formas simbólicas que são

transmitidas através de algum tipo de meio técnico – por exemplo, uma carta

que é escrita num contexto e lida noutro, ou um programa de televisão que é

produzido num contexto e assistido numa pluralidade de outros contextos

diversificados no tempo e no espaço. (THOMPSON, 2011, p. 194).

Os estudos de Thompson limitam-se a descrever o que ocorre durante o contato

presencial. Essa caracterização expõe objetivamente os vestígios que os interlocutores

15

No sentido de entre pessoas.

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compartilham durante a interação, ou seja, as deixas simbólicas ou pistas comunicacionais.

Elas são provenientes da chamada comunicação não-verbal, sinalizada por meio de

comportamentos, cheiros, cenários, cores, expressões corporais e faciais, atitudes, entonação,

vibração, enfim, uma pluralidade de manifestações simbólicas que significam tanto quanto a

linguagem verbal – ou mais16

. Esse conjunto, e não apenas suas partes, deve ser considerado

ao se pensar a comunicação.

Além de Thompson, outro estudioso que prioriza a dimensão técnica do que acontece

durante um encontro presencial é Schutz (1979a, p. 180, grifos do autor):

Digo que outra pessoa está ao alcance da minha experiência direta quando ela

compartilha comigo um tempo comum e um espaço comum. Ela compartilha

comigo um espaço comum quando está presente, pessoalmente, e estou

consciente dela como tal e, além disso, quando estou consciente dela como

essa pessoa ela própria, esse indivíduo em particular, e do seu corpo como o

campo no qual estão em jogo os sintomas de sua consciência interior. Ela

compartilha comigo um tempo comum quando sua experiência flui lado a lado

com a minha, quando posso, a qualquer momento, buscar e captar seus

pensamentos conforme eles passam a existir, em outras palavras, quando

estamos “envelhecendo” juntos. Pessoas assim, ao alcance da experiência

direta uma da outra, estão no que chamo de situação “face a face”. A situação

face a face pressupõe, então, uma simultaneidade real de cada uma das

correntes de consciência distintas.

Conforme será aprofundado no capítulo 4, Schutz trata o contato presencial como

“relacionamento do Nós”, situação que requer dos participantes uma “orientação para o Tu” –

diferente da comunicação mediada em que a orientação é para Eles. No entanto, as maiores

contribuições do autor para o conceito são os ingredientes que ele considera indispensáveis

para que o relacionamento do Nós, de fato, se concretize na situação face a face. São eles:

uma linguagem comum, capaz de permitir a interpretação de significados compartilhados; a

reciprocidade de motivações e a descoberta dos motivos do sujeito com o qual se interage; um

sistema de relevâncias similar entre os atores; e, em especial, a atenção dispensada durante o

encontro, já que “o participante precisa tornar-se intencionalmente consciente da pessoa que o

confronta” (SCHUTZ, 1979a, p. 181).

O simples fato de compartilhar o mesmo espaço ao mesmo tempo não valida

automaticamente a comunicação face a face entre participantes da cena interacional, pois o

“envelhecer juntos”, ainda que por poucos momentos, exige a tomada de consciência em

16

“Alguma investigação não oficial nos laboratórios das universidades parece indicar que, em média, a

totalidade do conteúdo das conversas humanas é constituída por sete por cento de material verbal e 93 por cento

de insinuações não verbais. A palavra oral nunca está sozinha. A entoação, volume, rima e outros valores tonais

têm intencionalidade e força.” (KERCKHOVE, 1997, p. 155).

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relação ao outro e a observação dos “signos” que se manifestam nos movimentos não-verbais.

Mas o fato de eu ver você como um semelhante não quer dizer que eu também

seja um semelhante para você, a não ser que você esteja consciente de mim. E,

é claro, é bem possível que você não esteja prestando nenhuma atenção a mim.

A orientação para o Tu, portanto, pode ser unilateral ou recíproca. É unilateral

se apenas um de nós percebe a presença do outro. É recíproca se nós estamos

mutuamente conscientes um do outro, isto é, se cada um de nós está orientado

para o Tu em relação ao outro. Dessa forma se constitui, a partir da orientação

para o Tu, o relacionamento face a face (ou relacionamento social diretamente

vivenciado). (SCHUTZ, 1979a, p. 182).

Diferentemente de Thompson, a obra de Schutz tem sido pouco explorada entre

pesquisadores brasileiros. Porém, suas teorias a respeito do “relacionamento social

diretamente vivenciado” mostram-se absolutamente atuais e capazes de contribuir para

esclarecer o fenômeno, ainda que seus pensamentos não tenham levado em conta o advento da

midiatização.

A abordagem filosófica a respeito da comunicação face a face reflete determinada

passionalidade com que cientistas vêm incorporando esse conhecimento. Marcondes Filho

(2004, p. 77) valoriza a comunicação não-verbal ao constatar que “a lógica do corpo não

permite mal-entendidos; a pura presença da pessoa, queira ou não, já comunica”. Estar

presente ou ausente em determinada situação estabelece um sentido, assim como a atenção

dispensada durante a presença. O compartilhamento do mesmo espaço físico e do exato

momento permite que os interlocutores observem a si próprios em busca de indicadores sobre

o andamento do processo comunicacional.

Um dos argumentos utilizados pela corrente tecnofóbica está relacionado à

complementaridade entre a comunicação verbal e não-verbal. Ao considerar apenas as

palavras ditas ou escritas, o participante da interação estará abrindo mão de um repertório

simbólico que completa o ato comunicativo, seja em um encontro presencial ou mediado.

Caso observe apenas as deixas simbólicas, perderá boa parte de um conteúdo igualmente

essencial para a completude do processo, que é a expressão da língua, o enunciado

propriamente dito. Essa ambivalência pode contradizer ou endossar um discurso, daí a

importância de confrontar palavra e gesto no momento em que se configura a comunicação.

Essa discussão conduz ao controle sobre a comunicação não-verbal e,

consequentemente, sobre a comunicação presencial. Segundo Marcondes Filho (2010, p. 330),

as expressões corporais e situacionais auxiliam na compreensão do enunciado propriamente

dito, porém “não significa que iremos entender exatamente o que o outro está querendo dizer,

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mas que controlamos mais variáveis. Mesmo assim, esse entendimento, esse deciframento

ainda é sujeito a erros”.

Na sociedade contemporânea, a comunicação face a face é valorizada na mesma

proporção em que se torna mais incomum e com prognósticos incertos. Os indivíduos

mostram-se cada vez menos preparados para encarar esse tipo de contato, perdendo inclusive

a habilidade natural para estar diante do outro. As interações mediadas seduzem com

facilidade porque, entre outros aspectos, estabelecem uma espécie de proteção do indivíduo,

que reduz consideravelmente seu nível de exposição.

Bauman apresenta uma análise crítica a respeito das interações face a face. De acordo

com ele, para compartilhar experiências é preciso compartilhar espaços:

Com efeito, o desenvolvimento da compreensão mútua e a troca de

experiências de vida de que essa compreensão necessita é a única razão pela

qual – apesar da facilidade de se comunicar eletronicamente com maior

rapidez e muito menos trabalho e problemas – empresários e acadêmicos

continuam viajando, visitando-se e se encontrando em conferências17

. Se a

comunicação pudesse ser reduzida à transferência de informação, sem

necessidade da “fusão de horizontes”, então, em nossa era da internet e da rede

mundial, o contato físico e o compartilhamento (mesmo que temporário e

intermitente) de espaço e experiências teriam se tornado redundantes. Mas não

se tornaram, e até agora nada indica que isso ocorrerá. (BAUMAN, 2004, p.

138).

O ato comunicativo tem maior probabilidade de ocorrência quando há sintonia entre os

interlocutores, condição facilitada quando se cria um denominador comum entre significados

e contextos. Esse fenômeno, no entanto, não antecede necessariamente o processo,

especialmente na comunicação face a face entre desconhecidos. Ele é construído

paulatinamente durante as interações e apropriado pelos participantes, que, assim, ampliam as

chances de sucesso da comunicação.

Quando essa fusão de horizontes inexiste e o relacionamento entre estranhos sequer

começou, o encontro é caracterizado pelo imprevisível. “Não sabemos o que esperar e

podemos ter que inventar na hora as formas de nos dirigir a eles. Esse tipo de comunicação

que não se apoia antes de tudo no reconhecimento, denominei comunicação da diferença”

(CAIAFA, 2013, p. 41, grifo da autora). A nomenclatura é bastante oportuna e opõe-se

categoricamente à “fusão” proposta por Bauman.

O sociólogo coloca que a comunicação direta reduz a impessoalidade e incrementa o

17

Conforme será visto adiante, outras categorias, como os chefes de Estado, persistem nos encontros presenciais.

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relacionamento ao proporcionar a compreensão mútua:

É aí, nesse plano “microssocial” de encontros face a face, que diferentes

tradições, crenças, motivações culturais e estilos de vida [...] se confrontam a

pequena distância e à queima-roupa; elas compartilham o dia a dia e

inevitavelmente dialogam entre si, numa conversa pacífica e benevolente, ou

tormentosa e antagônica, mas que leva sempre à familiarização, e não ao

estranhamento, contribuindo então para o respeito, a solidariedade e o

entendimento mútuo. (BAUMAN, 2011, p. 205).

Embora reconheça o valor da comunicação face a face, o autor admite que ela

incomoda – quando não amedronta – o indivíduo da sociedade hodierna que prioriza as

conexões e relações mediadas e evita os riscos e a imprevisibilidade do contato olho no olho.

“Um encontro face a face exige o tipo de habilidade social que pode inexistir ou se mostrar

inadequado em certas pessoas, e um diálogo sempre significa se expor ao desconhecido: é

como se tornar refém do destino” (BAUMAN, 2008, p. 27). O sujeito contemporâneo deseja

controle sobre suas ações e reações e, para isso, a comunicação mediada é sua forte aliada,

particularmente porque permite que o ator se preserve ante o anonimato.

Wolton (2007, 2010) atenta para a questão do uso da comunicação face a face e

mediada e descarta a possibilidade de substituição de uma pela outra, esclarecendo que

“somos seres sociais, não seres de informação” (2010, p. 34). Ele enfatiza as preferências de

empresários e chefes de Estado:

A comunicação a distância não substituirá a comunicação humana direta.

Quanto mais os homens podem se comunicar por meios sofisticados,

interativos, mais eles têm vontade de se encontrar; o desafio da comunicação

tecnológica não substitui a necessidade da comunicação direta. Se, em um

primeiro momento, pode-se crer que racionalizando a comunicação seriam

reduzidos os deslocamentos, os custos, o tempo, a fadiga, percebe-se hoje que

os homens têm sobretudo necessidade de se encontrar diretamente. Basta

observar os chefes de Estado. Todos os meios de comunicação a distância

estão disponíveis para que eles não tenham que se deslocar. Entretanto, eles

não param de viajar durante todo o ano, de um país a outro, ainda que os

deslocamentos sejam sempre incômodos, fatigantes e repletos de protocolos.

Por que eles se deslocam então? Justamente porque os problemas tornando-se

mundiais, os riscos cada vez maiores, e os equilíbrios cada vez mais frágeis,

os responsáveis políticos querem se ver, se falar, para reencontrar e

experimentar a dimensão humana da política e da história. Isto também é

verdade para os empresários: a necessidade de ir ver por si mesmo transpõe a

eficácia da comunicação a distância. (WOLTON, 2007, p. 196, grifos do

autor).

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Como ilustração da busca por essa “dimensão humana da política e da história”, cabe

apresentar relatos envolvendo o ex-primeiro ministro do Reino Unido, Winston Churchill, que

se encaixam exatamente nesse perfil:

Em certo nível, o maduro Churchill tinha menos necessidade de viajar do que

a maioria dos políticos, porque tinha habilidades extraordinárias para

comunicação a longa distância. Seus livros eram bem escritos e vendiam bem.

Suas transmissões radiofônicas eram lendárias e ainda suscitam calafrios. Suas

cartas e telegramas em caráter particular eram persuasivos ou inspiradores,

conforme as exigências da ocasião. Mas estava convencido de que o contato

pessoal era o melhor modo de conseguir que as coisas fossem feitas. Como

disse em Quebec em 1944, “que método ineficaz é a correspondência para

transmitir o pensamento humano... telegrafada com toda a rapidez, todas as

instalações da... intercomunicação moderna. Não passa de paredes mortas,

espaços vazios em comparação com os contatos pessoais...”. Na década de

1950 ele continuava a acreditar nisso e cunhou a expressão „reunião de

cúpula‟. Esperava que os líderes americanos, britânicos e soviéticos

conseguissem resolver a Guerra Fria encontrando-se frente a frente.

(LAVERY, 2012, p. 11).

Em outras situações, a comunicação face a face serviu como obstáculo para a

continuidade do processo comunicativo, conforme o diálogo abaixo que menciona o ex-

presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln:

Certa vez, o Presidente Lincoln, depois de receber determinado visitante,

chamou seu secretário e recomendou-lhe:

– Não quero mais conversa com esse homem!

O secretário, surpreso com a atitude do Presidente, homem reconhecidamente

tolerante, quis saber:

– Por que, presidente?

– Não gostei da cara dele!

– Mas, presidente... O pobre do homem tem culpa da cara que tem?

A resposta de Lincoln foi incisiva:

– Depois dos 40 anos, nós somos responsáveis por nosso rosto! (PENTEADO,

2012, p. 121).

Esses recortes demonstram como o contato face a face pode ser crucial para

estabelecer ou romper relações. Embora as experiências de Churchill e Lincoln não sejam

contemporâneas ao advento da internet, observa-se que executivos e chefes de Estado

continuam optando por deslocamentos e encontros presenciais para participar de discussões,

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negociações, eventos e reuniões, apesar dos avanços tecnológicos18

. As videoconferências e

programas de conversação instantânea ocupam espaço nos processos de interação, mas não

chegam a substituir a comunicação face a face.

Em estudo mais recente, John Caughlin e Liesel Sharabi (2013) avaliam a

comunicação face a face e a mediada em relacionamentos íntimos sob a perspectiva da

interdependência (uma não exclui a outra). Eles concluem que mesmo entre estudantes

universitários norte-americanos, que utilizam canais tecnológicos com muita frequência,

alguns assuntos são reservados para conversas presenciais. “Se mesmo esse grupo orientado

tecnologicamente tende a estar mais próximo e mais satisfeito se algumas interações

acontecem de forma presencial, isso sugere que o valor colocado em alguns encontros face a

face é particularmente poderoso” (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 889, tradução nossa).

As perspectivas da interdependência comunicativa, de rede social e da totalidade dos

meios serão discutidas a seguir, bem como alguns fatores que orientam as organizações na

definição dos meios que podem compor o repertório de interações com seus públicos e que,

como visto, podem criar, sustentar ou romper seus relacionamentos.

4. Perspectivas da simultaneidade dos meios e seus critérios de

escolha

Relacionamentos organizacionais, inevitavelmente, se apropriam de diversas formas

de comunicação, incluindo aí as modalidades face a face e mediadas pelas mais distintas

técnicas. Sabe-se que elas ocorrem de forma simultânea e a pesquisa em comunicação começa

a direcionar seus olhares para essa abordagem. Caughlin e Sharabi (2013) observam que boa

parte da literatura sobre relacionamentos pessoais envolvendo tecnologias da comunicação se

divide em dois grupos: aqueles que comparam as tecnologias on-line com as off-line e aqueles

que examinam a função das tecnologias nos relacionamentos sem fazer comparações diretas.

O tratamento dos canais em separado tem sido uma decisão razoável; se o

objetivo, por exemplo, é entender como novas tecnologias operam nos

relacionamentos, as condutas mais óbvias são comparar a comunicação via

aqueles canais à comunicação face a face e ver que efeitos e funções estão

associados com aquelas tecnologias. (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 875,

tradução nossa).

18

Um bom exemplo é o Fórum Econômico Mundial realizado todos os anos em Davos, na Suíça, e que reúne

líderes políticos, empresariais, jornalistas e intelectuais para discutir grandes questões mundiais da atualidade.

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No entanto, na ótica desses pesquisadores, essa estratégia não é adequada quando a

intenção é compreender a comunicação sob a perspectiva relacional, isto é, quando se

pretende desvendar de que maneira a comunicação está implicada no desenvolvimento de

relações e bem-estar. “A partir desta perspectiva, o modo como canais operam isoladamente

torna-se menos importante porque há boas razões para pensar que pessoas em relacionamento

usam múltiplos modos de comunicação” (BAYM, 2009 apud CAUGHLIN; SHARABI, 2013,

p. 875, tradução nossa).

Os pesquisadores norte-americanos desenvolveram dois estudos para verificar a

pertinência da teoria da multiplexidade dos meios, que, resumidamente, associa vínculos mais

fortes entre pessoas ao uso de um número maior de canais de comunicação19

. O primeiro

trabalho, chamado por eles de preliminar, foi qualitativo, e consistiu na análise de um grupo

focal com a participação de 17 estudantes universitários. Eles falaram sobre os tipos de

tecnologias de comunicação que utilizam e suas características. Foram contemplados seis

meios: mensagem privada na internet, mensagem pública na internet, mensagem de texto,

chat de internet, vídeo chat e chamadas telefônicas. O grupo confirmou que comunicação face

a face e mediada são complementares e retratou a interação presencial como “um modo de

maior intimidade” (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 880, tradução nossa).

A segunda investigação, considerada pelos pesquisadores como a principal, foi no

estilo survey, com 317 estudantes de graduação. As descobertas sugerem que a intimidade da

relação está ligada à frequência dos vários modos de comunicação. Para Caughlin e Sharabi

(2013, p. 877, tradução nossa), “o argumento central da nossa perspectiva da interdependência

comunicativa é que, além de reconhecer que as pessoas tendem a usar múltiplos modos de

comunicação em relações íntimas, é também importante entender como o uso daqueles modos

está (ou não) interconectado”.

Embora o estudo concentre-se em relacionamentos pessoais próximos, as premissas

levantadas pelos pesquisadores para explicar a interdependência comunicativa parecem

válidas para as interações organizacionais. São elas: a necessidade de integrar a comunicação

mediada e a comunicação face a face para promover algumas discussões; a ausência de

segmentação entre esses dois modos; e a dificuldade de transição entre a comunicação

mediada e a face a face. Eles relacionam essas três premissas às sensações de proximidade e

19

Em inglês, os autores utilizam o termo “media multiplexity” para se referir à teoria. O termo multiplexidade

não foi localizado em dicionários de língua portuguesa; mesmo assim, esta tese opta pela tradução livre,

estabelecendo o neologismo. O sentido é o de multiplicidade (variedade) de meios. Porém, a tradução para o

inglês seria “multiplicity”, termo não adotado pelos estudiosos norte-americanos citados.

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satisfação com os relacionamentos e desvinculam sua ocorrência à ideia simplista de

comunicação somada.

O estudo sugere que as interações face a face e mediada estão relacionadas à

proximidade e qualidade dos relacionamentos e constata que “ao invés de as pessoas

substituírem a comunicação face a face pela tecnologicamente mediada ou vice-versa, parece

que em relações mais íntimas e mais satisfatórias, elas geralmente se comunicam mais tanto

de forma presencial quanto via tecnologias” (CAUGHLIN; SHARABI, 2013, p. 886, tradução

nossa). Para finalizar, os pesquisadores inter-relacionam as três premissas, observando que:

a interdependência comunicativa é considerada alta na medida em que a

integração da comunicação tecnologicamente mediada e a face a face é alta, a

dificuldade de transição de um modo a outro é baixa e a extensão do modo de

segmentação é baixa [...]. Parece que pessoas que estão mais próximas em

seus relacionamentos tendem geralmente a exibir mais sinais de interconexão

entre comunicação mediada e comunicação face a face, mas ainda reservam

uns poucos tópicos para a comunicação face a face, talvez porque a

comunicação face a face retém um status especial. (CAUGHLIN; SHARABI,

2013, p. 887, tradução nossa).

A pesquisa dos norte-americanos indica que o sucesso dos relacionamentos

contemporâneos pode estar condicionado à maneira como as pessoas absorvem e utilizam os

diversos canais de comunicação disponíveis. Metodologicamente, os resultados são

contundentes no sentido de defender o fim do isolamento – ou da segmentação – dos meios e

apostar em investigações que considerem o uso múltiplo de canais e formas de interação. A

mesma proposta é apresentada por Caroline Haythornthwaite (2005), que estuda os efeitos de

redes sociais e conectividade à internet.

É atribuído a essa pesquisadora o desenvolvimento da teoria da multiplexidade dos

meios, citada no estudo anterior, pressupondo que o uso de uma variedade maior de aparatos

tecnológicos é capaz de fortalecer os vínculos entre os participantes da interação. Portanto, a

pesquisadora também opta pela mudança de paradigma que implica enxergar a comunicação

construindo relacionamentos através de múltiplos meios de forma integrada, simultânea.

Haythornthwaite nomeia esse novo olhar de “perspectiva de rede social” e seus

estudos priorizam as interações entre pessoas, e não comportamentos individuais ou a estrita

relação homem-computador. A investigação da autora a respeito da inter-relação entre

vínculos fortes e fracos dos interlocutores e os canais utilizados para a interação será

retomada adiante, na discussão dos critérios de escolha dos meios.

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Por ora, cabe reforçar a tendência de integrar as diversas mídias na pesquisa em

comunicação – e também em midiatização. Hepp (2013) chama de “totalidade dos meios” ou

“abordagem transmedial” o paradigma que desponta nesse campo científico. De acordo com o

pesquisador alemão, “a midiatização presente é caracterizada pelo fato que vários „campos‟ da

cultura e sociedade são comunicativamente construídos através de uma variedade de mídias

ao mesmo tempo” (HEPP, 2013, p. 621, tradução nossa).

Essa abordagem, segundo o estudioso, não deve ser alijada das investigações que

buscam compreender as transformações sociais vinculadas à lógica da mídia. Torna-se

inviável analisar o fenômeno da midiatização se não houver um esforço de compreender o

processo pensando nos meios de comunicação como um todo, integrados, atuando de forma

conjunta.

No entanto, fundamental para um desenvolvimento maior da abordagem de

midiatização é uma perspectiva transmedial. Em tempos de crescente

"mediação de tudo”, diferentes meios estão totalmente envolvidos em nossa

mutante construção comunicativa de cultura e sociedade. Este é o ponto em

que devemos nos concentrar. (HEPP, 2013, p. 627, tradução nossa).20

As perspectivas transmedial, de rede social ou da interdependência comunicativa

apontam para a mesma direção: a pesquisa em comunicação e midiatização precisa considerar

a simultaneidade do uso dos meios nos processos de interação social, incluindo nessa

diversidade as conversas presenciais. O desenvolvimento tecnológico recente tem sido tão

intenso, veloz e expressivo que os contatos face a face, em alguns casos, chegam a ser

ignorados por cientistas que se propõem a estudar a variedade de canais.

4.1 Fatores determinantes para a seleção do meio

Diante desse paradigma, a pesquisa bibliográfica aponta alguns fatores determinantes

para a escolha do meio de comunicação; essas sinalizações são válidas tanto para

interlocuções pessoais (relações mais íntimas) quanto para os contatos empresariais. Um

desses fatores é o assunto a ser tratado. O conteúdo a ser abordado durante a interação orienta

diretamente a seleção do mecanismo mais apropriado. É o que indicam os estudos de

Caughlin e Sharabi (2013) e Martins (2012).

20

A expressão “mediação de tudo” é uma referência de Hepp ao título do artigo de Livingstone (2009).

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51

Os primeiros evidenciam, como já foi dito, que mesmo estudantes universitários norte-

americanos, bastante apegados às ferramentas tecnológicas, manifestam sua preferência em

reservar alguns tópicos para conversas presenciais. Ao estudar o uso da oralidade em uma

organização estatal brasileira e entrevistar alguns dirigentes sobre suas preferências de

contato, Martins (2012, p. 157) seleciona uma das observações registradas: “[...] os assuntos

mais impactantes eram tratados imediatamente ao seu surgimento, preferencialmente pelas

conversas face a face”.

De fato, os temas abordados nos processos de interação podem ser considerados

determinantes para a escolha do meio. É bastante provável, de modo geral, que assuntos

rotineiros e menos delicados sejam absorvidos pela rede de instrumentos tecnológicos mais

impessoais – advertindo que as noções de delicados ou rotineiros são subjetivas, podendo

variar de pessoa para pessoa. Assuntos relevantes e de maior impacto tendem a ser tratados de

forma mais particular, com o uso de mecanismos privados e singulares de comunicação, como

um telefonema, um e-mail ou carta personalizados ou ainda uma conversa face a face.

As pesquisas de Haythornthwaite (2005) destacam que o tipo de vínculo entre os

participantes da interação interfere diretamente na escolha do canal. “Resultados de uma série

de estudos de redes sociais de comunicação e uso da mídia entre pesquisadores acadêmicos e

estudantes a distância [on-line] revelam que o uso do meio varia de acordo com a força do

vínculo entre os comunicadores” (HAYTHORNTHWAITE, 2005, p. 126, tradução nossa).

Além de pontuar os tipos de canais mais utilizados em determinadas relações sociais, a

investigadora afirma que a quantidade de meios está relacionada à força dos laços.

Ela caracteriza como vínculos fracos aqueles constituídos entre pessoas que se

conhecem pouco, frequentam outros círculos e desenvolvem experiências diferentes. Já os

laços fortes seriam aqueles observados entre amigos e colegas de trabalho que compartilham

informações, recursos e contatos. De acordo com Haythornthwaite (2005, p. 127, tradução

nossa), “os vínculos mantidos pelos pares podem variar do fraco para o forte de acordo com

os tipos de trocas, frequência de contatos, intimidade, duração dos relacionamentos, etc”.

Embora o foco do trabalho da pesquisadora seja a relação entre os multimeios e os

vínculos, seus estudos sugerem que o tempo de relacionamento, a colocalização e as escolhas

organizacionais ou administrativas também representam fatores determinantes na seleção do

canal. Haythornthwaite acrescenta que o uso de meios de comunicação é dinâmico e pode

mudar com o passar do tempo. Como exemplo, ela cita aulas a distância monitoradas por

instrutores em que parte do grupo de alunos começa o contato utilizando um meio e, ao longo

do tempo, opta por outra mídia para se comunicar com os colegas.

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Relações que começam em ambientes virtuais, como os chats ou sites de

relacionamento, podem evoluir para o uso de telefones ou encontros presenciais ao longo do

tempo. Portanto, a duração do relacionamento consolida-se como outro fator determinante não

apenas da definição do veículo inicial, mas também da ampliação e migração entre meios de

comunicação.

A colocalização ou copresença configura-se igualmente como item influente na

escolha dos suportes, tanto para situações de vínculos fracos ou fortes. Haythornthwaite

(2005, p. 135, tradução nossa) identificou dois padrões de uso dos meios em sua pesquisa:

um padrão de ampla conectividade com baixa frequência de comunicação,

sustentado por estruturas oportunistas, como encontros de corredor

decorrentes da colocalização física, e encontros em aula devido à participação

conjunta; e um segundo padrão de conectividade seletiva com aqueles de

vínculos próximos de trabalho ou sociais, caracterizado pela mais alta

frequência de comunicação e uso de meios de comunicação de pessoa-a-

pessoa, privados e opcionais.

Em um dos grupos que ela estudou – formado por pesquisadores que trabalham juntos

e se comunicam por encontros presenciais (casuais e programados) e por diversas ferramentas

tecnológicas – “a colocalização física e estruturas de reuniões obrigatórias (para aulas,

projetos de pesquisa) criaram ampla conectividade através do meio face a face, com colegas

de trabalho e amigos mais próximos adicionando e-mail e outros canais a este repertório”

(HAYTHORNTHWAITE, 2005, p. 135-136, tradução nossa).

A copresença é um facilitador para as conversas face a face, embora não seja limitante.

Conforme visto anteriormente, várias categorias profissionais se deslocam no espaço para

manter diálogos presenciais. Porém, o estudo em questão mostra que a presença física não é

sinônimo de vinculação efetiva, pois a colocalização pode se caracterizar como circunstancial,

ou seja, ela permite a conectividade, mas não garante a comunicação.

Em relação às escolhas organizacionais e administrativas, Haythornthwaite sugere que

esse tipo de decisão determina o meio que será oferecido e promovido nos processos

interacionais. “Escolhas organizacionais, administrativas ou governamentais serão altamente

influentes ao estabelecer não apenas quais meios conectam vínculos fracos, mas também se

vínculos latentes e fracos podem se fortalecer” (HAYTHORNTHWAITE, 2005, p. 139,

tradução nossa)21

.

21

A autora define vínculos latentes como aqueles tecnicamente possíveis, mas ainda não socialmente ativados.

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Na mesma linha, o estudo de JoAnne Yates, Wanda Orlikowski e Kazuo Okamura

(1999) aponta para outro fator determinante na escolha dos meios, especialmente em

relacionamentos organizacionais: a mediação do uso tecnológico. Os autores referem-se a

uma linha de pesquisa segundo a qual

o uso dos novos meios eletrônicos dentro de uma comunidade é fortemente

influenciado não apenas pelos usuários, mas também por aqueles indivíduos

que implementam a tecnologia, fornecem treinamento, propõem diretrizes de

uso e alteram a tecnologia para adaptá-la às mudanças nas condições de uso.

Nós chamamos tal ação de mediação do uso tecnológico (Okamura et al.

1994, Orlikowski et al. 1995), e postulamos que ela influencia criticamente a

eficácia do uso do meio dentro de uma comunidade, inicialmente e ao longo

do tempo. (YATES; ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999, p. 83, tradução

nossa, grifo dos autores).

Os investigadores desenvolveram esse estudo em uma instituição japonesa de pesquisa

e desenvolvimento. Resumidamente, eles observaram padrões de comportamento e

comunicação entre os membros de um projeto de pesquisa a partir da implantação de um

sistema eletrônico de interação entre os participantes. Yates, Orlikowski e Okamura avaliaram

como determinados gêneros22

foram transpostos do sistema tradicional para o informatizado,

constatando que alguns sofreram mudanças significativas e outros permaneceram no formato

tradicional, alterando tão somente o suporte técnico.

No entanto, uma das observações mais interessantes do trabalho foi a percepção da

influência que a equipe responsável pela implantação e monitoramento técnico do sistema

exerceu sobre o projeto de pesquisa e sobre a interação entre seus membros, não apenas na

fase de implantação, mas durante o desenvolvimento dos trabalhos.

Com base em nosso estudo, caracterizamos a mediação do uso tecnológico

como deliberada, contínua e como intervenção organizacionalmente

sancionada [aprovada] dentro de um contexto de uso que ajuda a adaptar uma

nova tecnologia de comunicação àquele contexto, modifica o contexto na

medida em que seja apropriado para acomodar o uso da tecnologia e facilita o

uso efetivo contínuo da tecnologia ao longo do tempo. (YATES;

ORLIKOWSKI; OKAMURA, 1999, p. 85, tradução nossa).

22

Yates e Orlikowski (1992 apud YATES, ORLIKOWSKI e OKAMURA, 1999, p. 84, tradução nossa) definem

gênero como “tipos socialmente reconhecidos de ações comunicativas – tais como memorandos, reuniões,

relatório de despesas e seminários de treinamento – que são usualmente adotados por membros de uma

comunidade para realizar determinados propósitos sociais”.

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Para os pesquisadores, independente de facilidades e melhorias obtidas com a

implantação do sistema eletrônico de comunicação ou de eventuais distorções que possam ter

ocorrido, a interferência dessa equipe técnica na rotina e, portanto, na essência do trabalho da

comunidade científica pesquisada, não deve ser menosprezada.

A mediação do uso tecnológico efetivou-se por meio da criação de grupos de

discussão on-line, da elaboração e modificações de diretrizes e políticas para o uso do

sistema, da educação e treinamento dos usuários e do próprio exemplo de como essa equipe

utilizava os canais. “Os mediadores influenciaram conhecimento, expectativas e hábitos de

atores neste meio, portanto, moldando explicitamente como os participantes do projeto

adotaram gêneros nesse novo meio ao longo do tempo” (YATES; ORLIKOWSKI;

OKAMURA, 1999, p. 97, tradução nossa).

Os três autores constataram que a implantação das novas tecnologias mediada por essa

equipe provocou transformações nos padrões de interação social na comunidade estudada.

Yates, Orlikowski e Okamura (1999, p. 98, tradução nossa) observam que “essas mudanças às

vezes pareciam pequenas [...]. Contudo, tais mudanças também alteraram a natureza da

interação social no grupo do projeto”.

O processo de mediação do uso tecnológico em uma organização está condicionado ao

contexto cultural da instituição, bem como à autoridade da equipe mediadora e à credibilidade

que esse grupo desfruta junto aos usuários. Caso esse contexto seja desfavorável, as ações

mediadoras podem ser percebidas como coercitivas e sofrer resistência. O estudo sugere que a

adoção de meios tecnológicos em organizações precisa considerar as formas de interação

social pré-existentes nesse ambiente, para que sejam reproduzidas ou alteradas de forma

coerente.

Assunto, tipo de vínculo, tempo de relacionamento, colocalização, escolhas

organizacionais ou administrativas e mediação do uso tecnológico são fatores já identificados

que interferem na escolha do meio de comunicação. Presume-se que outras variáveis

potencialmente orientadoras nessa seleção tornar-se-ão objetos de estudo da pesquisa

comunicacional, como a urgência, o perfil ou personalidade dos participantes da interação, a

(in)disponibilidade técnica, o grau de distância entre interlocutores, a comodidade, o custo,

etc. Aos poucos, a investigação em comunicação e em midiatização avança no sentido de

desvendar os contextos, as circunstâncias e os meios apropriados para as interações sociais,

contribuindo para que a comunicação organizacional aprimore seus relacionamentos de forma

inovadora e equilibrada.

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No capítulo seguinte, o campo teórico das possibilidades de escolha cede espaço para

uma revisão de literatura a respeito das práticas comunicacionais nas organizações: será

abordada a forma como algumas empresas se apropriam da comunicação face a face no Brasil

e no exterior. Será possível verificar que as interações presenciais são estudadas com mais

frequência no ambiente interno, muito provavelmente porque a copresença se mostre uma

constante. No entanto, pesquisas que envolvem o uso da comunicação face a face com

públicos externos, de forma planejada, começam a despontar, enriquecendo o conhecimento

científico a respeito do fenômeno no contexto das organizações. A apresentação do suporte

metodológico desta tese e uma concepção atualizada sobre comunicação organizacional –

considerada a partir do paradigma relacional – introduzem o conteúdo a seguir.

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Capítulo II – REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO E

A COMUNICAÇÃO FACE A FACE NAS ORGANIZAÇÕES

A revisão de literatura permitiu localizar diversos trabalhos que avaliam a prática da

comunicação face a face em organizações; alguns foram selecionados para compor o corpus

desta pesquisa. Antes de apresentar e discutir esse material, no entanto, serão expostas a

trajetória teórico-metodológica deste estudo e a concepção relacional que envolve a pesquisa

em comunicação organizacional no Brasil.

De acordo com o pensamento de Alberto Efendy Maldonado (2011, p. 297), “cultivar

a dimensão teórica é uma arte, um exercício de liberdade e uma prática de sobrevivência

frutífera que o pesquisador realiza como uma de suas máximas satisfações”. A opção por uma

investigação predominantemente teórica exige investimento compulsório em uma densa

pesquisa bibliográfica. O acesso ao conhecimento previamente produzido, o cruzamento de

ideias e as reflexões propiciadas por essa escolha representam, desde já, um esforço

recompensado.

1. Desafio metodológico: a articulação entre os componentes da

pesquisa social

A apresentação do suporte teórico-metodológico no universo da pesquisa social requer

um olhar diferenciado. Primeiro, porque ele ultrapassa a simples descrição dos métodos e

técnicas que norteiam a investigação: justifica todas as decisões tomadas durante o processo.

Segundo, porque a metodologia exige um alinhamento entre a estruturação teórica que

fundamenta a pesquisa e os caminhos que serão percorridos durante sua execução. Ademais, a

complexidade dos fenômenos sociais demanda que o investigador procure um equilíbrio entre

o rigor científico e o avanço criativo do conhecimento.

Antonio Carlos Gil (2011, p. 6) pondera sobre a problemática das generalizações nas

pesquisas sociais e humanas, pois “se as pesquisas nas ciências naturais com frequência

conduzem ao estabelecimento de leis, nas ciências sociais não conduzem mais do que à

identificação de tendências”. E refere-se ao pensamento de Christian Laville e Jean Dionne

(1999, p. 35), para quem “o verdadeiro, em ciências humanas, apenas pode ser um verdadeiro

relativo e provisório”.

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Essa aparente imprecisão/subjetividade/nebulosidade não inviabiliza as investigações

nessa área. O próprio Gil (2011, p. 5) explica que

os fatos sociais dificilmente podem ser tratados como coisas, pois são

produzidos por seres que sentem, pensam, agem e reagem, sendo capazes,

portanto, de orientar a situação de diferentes maneiras. Da mesma forma o

pesquisador, pois ele é também um autor que sente, age e exerce sua

influência sobre o que pesquisa. [...] Na verdade, nas ciências sociais, o

pesquisador é mais do que um observador objetivo: é um ator envolvido no

fenômeno.

A pesquisa social pode se aprimorar se elementos particulares implícitos à trajetória

do investigador forem formalmente apresentados. É esse o posicionamento de Jiani Adriana

Bonin (2011, p. 24): “as escolhas que [o pesquisador] empreende, na maior parte das vezes,

têm relação com a sua caminhada profissional, investigativa e vital. Tomar consciência dessas

motivações e explicitá-las é importante como gesto de vigilância epistemológica”.

Neste caso, o interesse pela temática da comunicação face a face é despertado por mais

de uma razão. Uma delas é a incômoda percepção de que as investigações envolvendo o

universo da comunicação digital praticamente monopolizam o interesse dos cientistas da área.

E não sem motivos. A sociedade hodierna vivencia os processos de midiatização e de

midiação que precisam ser compreendidos em sua plenitude também pelo viés

comunicacional.

Diante dessa propensão à exploração da “novidade”, menor esforço tem sido

empreendido às formas mais convencionais de comunicação. Historicamente, o desabrochar

de tecnologias de comunicação sempre provocou semelhante fascínio (BRIGGS; BURKE,

2004), seja na esfera social, seja no microcosmo acadêmico. O advento do rádio e da

televisão, por exemplo, justifica a intensa produção científica em torno da comunicação de

massa a partir de meados do século XX em vários redutos de investigação. Em contrapartida,

tornam-se mais esporádicos os estudos focados exclusivamente na comunicação face a face,

não obstante essa modalidade mantenha sua práxis na sociedade contemporânea. Há carência

de estudos que inter-relacionem as interações face a face ao contexto do bios virtual.

Outra razão que motiva a presente pesquisa é a vivência desta pesquisadora em um

ambiente inusitado, o Pantanal brasileiro1. Tido pelo senso comum como um lugar inóspito,

isolado e distante – e paralelamente considerado um “santuário ecológico” – o Pantanal

1 A autora desta tese viveu em Corumbá (MS) entre 2007 e 2012, trabalhando na Embrapa Pantanal. Em 2012

mudou-se temporariamente para o Estado de São Paulo, onde desenvolveu esta tese de doutoramento.

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contribuiu para provocar a percepção de que os contatos mediados por tecnologias são

insuficientes para gerar comunicação.

Convém abrir um parêntese para delimitar a concepção de comunicação mencionada.

Trata-se de um processo que envolve dois ou mais indivíduos momentaneamente

comprometidos com o compartilhamento de mensagens verbais e não-verbais e focados no

ambiente e nas circunstâncias em que esse fenômeno se desenvolve. Esse processo vai,

deliberadamente, provocar reações na alteridade, sejam elas positivas ou negativas, de

concordância ou discordância, contribuindo para modificar visões, comportamentos e/ou

posicionamentos preconcebidos.

A comunicação se realiza em momentos específicos, embora a relação de contato entre

os participantes possa ser duradoura. Não se descarta a possibilidade de que a comunicação

venha a ocorrer por meio de instrumentos de mediação, porém, ela tende a ser mais profunda,

efetiva e completa quando os interlocutores se encontram no mesmo ambiente físico

simultaneamente, compartilhando as deixas simbólicas e tomando consciência da presença do

outro2. Fecha parêntese.

As percepções de insuficiência e limitação atribuídas empiricamente à comunicação

tecnologicamente mediada justificam, dessa maneira, a curiosidade científica a respeito dos

encontros presenciais. A pesquisa exploratória apresenta-se como a mais adequada para esse

tipo de estudo, pois “implica um movimento de aproximação ao fenômeno concreto a ser

investigado buscando perceber seus contornos, suas especificidades, suas singularidades”

(BONIN, 2011, p. 39). A necessidade de atualizar o conhecimento sobre o objeto selecionado,

considerando o contexto contemporâneo e a conexão entre diferentes formas de comunicação,

apoia-se também em aspectos levantados por Gil (2011, p. 27):

As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver,

esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de

problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.

De todos os tipos de pesquisa, estas são as que apresentam menor rigidez no

planejamento. Habitualmente envolvem levantamento bibliográfico e

documental, entrevistas não padronizadas e estudos de caso. [...] São

desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo

aproximativo, acerca de determinado fato.

A disposição para explorar cientificamente um fenômeno social demandou ainda outro

tipo de procedimento: a pesquisa qualitativa, demarcada pelo peso da interpretação dos dados.

2 Essa concepção de comunicação se fundamenta em pensamentos de Marcondes Filho, Bauman, Wolton e

Schutz, explícitos em suas obras citadas nas referências.

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É comum que as pessoas suponham que a pesquisa qualitativa é marcada por

uma rica descrição de ações pessoais e ambientes complexos, e ela é, mas a

abordagem qualitativa é igualmente conhecida [...] pela integridade de seu

pensamento. Não existe uma única forma de pensamento qualitativo, mas uma

enorme coleção de formas: ele é interpretativo, baseado em experiências,

situacional e humanístico. Cada pesquisador fará isso de maneira diferente,

mas quase todos trabalharão muito na interpretação. Eles tentarão transformar

parte da história em termos experienciais. Eles mostrarão a complexidade do

histórico e tratarão os indivíduos como únicos, mesmo que de modos

parecidos com outros indivíduos. (STAKE, 2011, p. 41).

Embora permitam relativa flexibilidade em comparação com as pesquisas

quantitativas, os estudos qualitativos terão validade equivalente ao rigor científico adotado.

Essa meta é perseguida durante todo o processo de elaboração da tese, da definição do objeto

de estudo à redação final do texto.

A definição do tipo de pesquisa – exploratória e qualitativa – se concretiza de forma

concomitante à escolha do arcabouço teórico compatível com a compreensão do objeto de

estudo. Todo o trabalho se desenvolve no âmbito do paradigma relacional da comunicação,

fundamentado em teorias que consideram as interações e os relacionamentos elementos-chave

do processo comunicacional. Entre elas, destacam-se as obras de George Mead, precursor do

interacionismo simbólico, de estudiosos da Escola de Palo Alto (ou Colégio Invisível) e do

fenomenologista Alfred Schutz, cuja obra se harmoniza com as duas primeiras.

Ao avaliar o quadro de referência do interacionismo, Gil (2011, p. 23) pontua que “a

análise interacionista procura relacionar símbolos e interação, ou seja, verificar como os

significados surgem no contexto do comportamento. Procura também tomar o ponto de vista

dos indivíduos, ou seja, sua interpretação da realidade”. Da Escola de Palo Alto,

especialmente da obra de Paul Watzlawick, Janet Beavin e Don Jackson (2007), provém a

noção de que o relacionamento está acima da troca de conteúdos. Influenciado por Edmund

Husserl e Max Weber em um primeiro momento, e por George Mead em uma etapa posterior,

Schutz (1979a) introduz elementos diferenciados para a definição de comunicação face a face,

além de pesquisá-la sob a perspectiva dos relacionamentos.

Outros aportes teóricos tangenciam a fundamentação desta pesquisa, como a nova

teoria de comunicação proposta por Marcondes Filho; a metáfora do mundo líquido, por

Bauman; os pressupostos que valorizam a alteridade, preconizados por Wolton; o conceito de

bios midiático, de Sodré; e a teoria das mediações sociais, articulada por Martin Serrano,

Jesús Martín-Barbero e outros teóricos latino-americanos.

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A partir das definições do aporte teórico, cabe ao investigador do campo das ciências

sociais conjugar a precaução epistemológica com o rigor científico para desenvolver seu

estudo. Esse percurso se configura por meio da escolha do método, “conjunto de

procedimentos suficientemente gerais, para possibilitar o desenvolvimento de uma

investigação científica ou de significativa parte dela” (GIL, 2011, p. 16).

Neste estudo, a seleção de métodos articulados de pesquisa ocorre de forma natural, a

começar pela contextualização, que assume posição de destaque na condução do trabalho.

Maldonado (2001 apud PEREIRA, 2011, p. 158) defende que “a reconstrução metodológica

não precisa só de informações externas provenientes dos quadros teóricos utilizados, o

método requer informações que o contexto sociocultural – o objeto – impõe à pesquisa”. Ao

contextualizar sua investigação, o autor estará atribuindo sentidos outros ao conteúdo

estudado. “No caso da comunicação, é indispensável situar cada pesquisa nos múltiplos

contextos nos quais vai ser produzida de modo a valorizá-la na sua dimensão sociopolítica”

(MALDONADO, 2011, p. 280).

A contextualização se encontra explícita nesta investigação em dois momentos

cruciais: na apresentação da sociedade midiatizada (capítulo 1) e na descrição de detalhes

relacionados ao Pantanal (a seguir, nos capítulos 3 e 7). De acordo com Carmem Rejane

Antunes Pereira (2011, p. 163), “os lugares em que os sujeitos estão inseridos, suas condições

sociais, econômicas e culturais são elementos que compõem suas visões de mundo” e não

poderiam ser ignorados em um estudo como este.

Outra etapa devidamente percorrida durante todo o período de elaboração deste estudo

é a pesquisa bibliográfica, começando na fase que antecede a preparação do projeto e

estendendo-se até a redação final. De acordo com Ida Regina Stumpf (2005, p. 61), “descobrir

o que outros já escreveram sobre um assunto, juntar ideias, refletir, concordar, discordar e

expor seus próprios conceitos pode se tornar uma atividade criativa e prazerosa”.

A busca pela produção científica dos pares constitui um dos procedimentos

metodológicos mais profícuos, pois é dessa leitura que surgem novas concepções e velhos

dogmas são abandonados. Segundo Bonin (2011, p. 31), “toda pesquisa que se compromete

efetivamente com o avanço do conhecimento necessita colocar-se em diálogo com a produção

do campo onde se insere (e de outros afins) no que concerne à problemática investigada, nos

vários âmbitos da sua fabricação [...]”.

É durante a pesquisa bibliográfica que o estudioso tem a oportunidade de colocar em

prática as ações sugeridas por Juremir Machado da Silva (2011, p. 36):

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Num trabalho exaustivo, rigoroso, o autor deve confrontar os diferentes

olhares e ser capaz de: a) fazer a mediação entre eles; b) superá-los; c) gerar

uma síntese; d) mostrar se eles podem ser dialogicamente antagônicos e

complementares; e) apontar pontos fortes e fracos em cada um deles.

A construção do diálogo entre as fontes citadas nesta tese torna-se um processo ainda

mais desafiador, considerando a natureza teórica do trabalho. Cada convergência ou

divergência de pensamentos é devidamente analisada e manifestada, na medida em que

ultrapassam o filtro da relevância. A exposição dos diferentes olhares representa, neste caso,

um ponto alto do estudo.

A abordagem teórico-metodológica da Análise de Discurso (AD) é igualmente

contemplada neste trabalho ao apresentar os fundamentos e ferramentas ideais para a

verificação da hipótese 3. Neste caso, a AD permite expandir o conhecimento a respeito de

intencionalidades disfarçadas por discursos organizacionais. Para Eni Puccinelli Orlandi

(2001, p. 117),

a análise de discurso não é um método de interpretação, não atribui nenhum

sentido ao texto. O que ela faz é problematizar a relação com o texto,

procurando apenas explicitar os processos de significação que nele estão

configurados, os mecanismos de produção de sentidos que estão funcionando.

Compreender, na perspectiva discursiva, não é, pois, atribuir um sentido, mas

conhecer os mecanismos pelos quais se põe em jogo um determinado processo

de significação.

A AD possibilita que o investigador associe o texto ao contexto; o locutor ao

enunciador e ao autor3; o alocutário ao destinatário e ao leitor. O analista de discurso avalia

produção, mensagem, veículo e recepção, tudo de forma contextualizada e inter-relacionada.

Compreende, ainda, as relações subjacentes que envolvem o processo de atribuição de sentido

ao que foi comunicado.

Segundo Milton José Pinto (1999, p. 23), “a análise de discursos não se interessa tanto

pelo que o texto diz ou mostra, pois não é uma interpretação semântica de conteúdos, mas sim

em como e por que o diz e mostra”. E continua: “não se esgota na análise imanente dos textos,

[...], pois ela só se completa com a fase de contextualização” (PINTO, 1999, p. 25).

3 De modo simplificado, pode-se vincular o locutor à voz, o enunciador ao papel que assume essa voz e o autor à

relação com o social, com o exterior. A mesma lógica vale para a instância da recepção (ORLANDI, 2001).

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Dentro dessa perspectiva, a incursão na AD é aprofundada pela recorrência à teoria

dos atos de fala, que contribui para identificar possíveis intencionalidades do discurso. O

conceito de perlocução ou ato perlocucionário, de Austin (1990, p. 95, grifo do autor), tende a

revelar-se esclarecedor: “[...] podemos realizar atos perlocucionários, os quais produzimos

porque dizemos algo, tais como convencer, persuadir, impedir ou, mesmo, surpreender ou

confundir”.

A análise de discursos envolvendo a comunicação face a face corresponde a uma

estratégia para ampliar a compreensão do objeto de estudo, já que nem sempre o enunciado

equivale ao que se pretende dizer ou não-dizer. O detalhamento desse suporte teórico-

metodológico será apresentado no capítulo 6.

A descrição metodológica passa ainda pela seleção de um delineamento de pesquisa

capaz de dar conta da experiência vivenciada por esta autora: o estudo de caso. Para Robert

Yin (2001, p. 32), estudo de caso é “uma investigação empírica que investiga um fenômeno

contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o

fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.

Gil (2009) aponta como principais características do estudo de caso: a) é um

delineamento de pesquisa; b) preserva o caráter unitário do fenômeno pesquisado; c) investiga

um fenômeno contemporâneo; d) não separa o fenômeno do seu contexto; e) é um estudo em

profundidade; f) requer a utilização de múltiplos procedimentos de coleta de dados. As

condições previstas para a validade científica do estudo de caso foram cumpridas.

Embora Gil demonstre reservas em relação ao desenvolvimento do estudo em uma

única organização, especialmente aquela em que o pesquisador trabalha, ele reconhece que a

metodologia é aplicável quando o caso é classificado como revelador, aquele “que ocorre

quando um pesquisador tem a oportunidade de observar e analisar um fenômeno que se

mostra inacessível a outros pesquisadores” (GIL, 2009, p. 51).

Foi a situação observada entre 2010 e 2012 na Embrapa Pantanal – Empresa Brasileira

de Pesquisa Agropecuária, instalada em Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Na ocasião, essa

ferramenta metodológica adequou-se sobremaneira às necessidades de compreensão de um

fenômeno comunicacional: a interação face a face priorizada em um projeto de comunicação

organizacional, liderado por esta pesquisadora, envolvendo o contato entre atores da empresa,

estudantes de comunicação e jornalistas da região Sudeste do país, considerados na ocasião

públicos de interesse para a organização. Tal projeto e outras considerações metodológicas

serão detalhados no próximo capítulo.

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O estudo de caso recomenda ainda a combinação de múltiplos procedimentos de coleta

de dados. Foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas, entrevistas informais e técnicas

previstas em pesquisas documentais e etnográficas, como complemento para as etapas de

contextualização e observação de reações durante as interações face a face. A experiência

desta autora com o projeto a estimulou a adotar o estilo confessional na redação do estudo de

caso, narrado em primeira pessoa, conforme orientação de Gil (2009, p. 137):

Muitos estudos de caso são conduzidos de forma tal que fica difícil dissociar a

atuação do pesquisador do processo de pesquisa. Ele tende a ser muito mais

que um observador; passa a ser, de alguma forma, um participante. Ele

constitui, a rigor, o instrumento primário da coleta de dados. Por essa razão,

redigir o relatório imprimindo um caráter pessoal pode ser visto até mesmo

como uma questão de coerência.

Os contatos face a face experimentados durante o projeto foram negociados

previamente de forma mediada e tiveram desdobramentos também por meio do uso de

tecnologias, especialmente através da troca de e-mails, telefonemas e mensagens em redes

sociais, contemplando, na prática, a perspectiva de simultaneidade dos meios.

Igualmente fundamental é a delimitação das hipóteses, que vão direcionar o

desenvolvimento da pesquisa. De acordo com Gil (2011, p. 41), “hipótese é uma suposta

resposta ao problema a ser investigado. É uma proposição que se forma e que será aceita ou

rejeitada somente depois de devidamente testada”. Para esta tese foram formuladas quatro

hipóteses: 1) Quando adotada de forma planejada, a comunicação face a face permite que as

organizações construam e aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse; 2) A

comunicação face a face proporciona na interação com o interlocutor a observação direta de

suas reações; com isso, a organização que utiliza a comunicação face a face de forma

planejada obtém acesso a elementos não-verbais que permitem prever essas reações e ajustar

seu discurso; 3) O discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser utilizado

para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas; 4) O local onde se desenvolve a

interação face a face interfere na comunicação organizacional, provocando limitação da

liberdade de expressão e constrangimento nos interlocutores que venham a ocupar

temporariamente o espaço dominado pelo Outro.

O desenvolvimento desta tese não esgota a fundamentação teórica nos primeiros

capítulos. Optou-se por construir uma narrativa que entrelaça os elementos teóricos e a

avaliação de cada hipótese, procedimento que se manifesta nos capítulos 4, 5, 6 e 7. Estudos

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sobre a prática da comunicação face a face em organizações ilustram e ratificam cada uma

dessas proposições. O modo como eles foram selecionados – incluindo o processo de tomada

de decisões e os critérios adotados na coleta de dados – será demonstrado a seguir.

1.1 Descrição da coleta de dados para compor o corpus da pesquisa

O corpus de análise desta tese foi coletado em repositórios digitais de produção

científica da área de comunicação no Brasil. A princípio, a busca ampliada permitiu acessar o

estado da arte da pesquisa em comunicação face a face no país. Nessa etapa, não foi

localizada nenhuma compilação de pesquisas nacionais sobre o tema: o conteúdo localizado

estava disperso. Foi necessário agrupá-lo e identificar autores e instituições que se dedicam ao

assunto. Com o tempo, a coleta foi refinada e direcionada aos trabalhos envolvidos

exclusivamente com o ambiente organizacional.

A procura de material começou em 2013 e foi atualizada em 2014. “Comunicação face

a face” foi a palavra-chave procurada nos principais portais acadêmicos e bibliotecas virtuais,

começando pelo Portal Periódico Capes4, que reúne parte da produção científica brasileira e

tem acesso restrito a instituições de pesquisa. Nesse ambiente é possível encontrar artigos de

periódicos, teses, dissertações e livros de autores nacionais e estrangeiros. Como o volume

encontrado foi pequeno, admitiu-se variações como “interação face a face”, “comunicação

interpessoal” e “comunicação presencial”, o que não ampliou significativamente os

resultados.

O Google Acadêmico foi outra plataforma consultada na fase inicial da pesquisa,

também com resultados quantitativos abaixo da expectativa. O procedimento seguinte foi

explorar a produção científica apresentada nos principais congressos de comunicação do país,

como o Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom, o congresso anual da

Abrapcorp5 e o encontro da Compós

6.

A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações foi outro repositório utilizado

na pesquisa, ao lado das bibliotecas digitais de universidades como a USP, UFMG, UFRJ,

UFRGS, UFBA, UnB, PUC-SP, Umesp e Unesp7. Embora a busca tenha priorizado trabalhos

4 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da

Educação. 5 Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas.

6 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação.

7 As siglas referem-se, respectivamente à: Universidade de São Paulo; Universidade Federal de Minas Gerais;

Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Universidade Federal da

Bahia; Universidade de Brasília; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Universidade Metodista de São

Paulo e Universidade Estadual Paulista.

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estritamente ligados ao campo da comunicação, foram elencadas algumas pesquisas de outras

áreas do conhecimento, quando relevantes para a investigação.

O corpus de análise é completado por um conjunto de textos jornalísticos que relata o

fim do trabalho home-office na empresa norte-americana Yahoo, em 2013. No início daquele

ano a organização decidiu convocar todos os seus trabalhadores a voltarem aos escritórios e

abandonar as atividades profissionais isoladas, em casa. O grupo utilizou como argumento o

fato de que o contato presencial na empresa garante mais qualidade e integração. Enquanto o

discurso oficial da organização apontava nessa direção, alguns veículos da imprensa

especializada sinalizaram que a medida poderia significar, na verdade, corte de gastos e

estímulo às demissões voluntárias.

Não foram localizados estudos científicos que avaliassem a decisão, porém, como a

medida está fortemente relacionada ao enfoque da comunicação face a face, optou-se por

produzir uma análise dos discursos jornalístico e organizacional como forma de compreender

uma das faces do fenômeno. Os textos foram localizados por meio do site de buscas Google,

com as palavras-chave “Yahoo” e “home-office”. Uma biografia sobre a empresa e sua

principal executiva, publicada em 2015, lançou luz sobre o problema pesquisado.

Contradições localizadas nos discursos do caso Yahoo foram verificadas também em

pesquisas desenvolvidas em organizações instaladas no Brasil.

2. Comunicação organizacional: a emergência de um novo contexto

O processo de amadurecimento da comunicação organizacional no Brasil, nesse início

do século 21, coincide com um cenário de instabilidade e incerteza promovido pelas relações

líquidas da modernidade8; pelos efeitos da globalização nos sistemas econômico, social,

político e cultural; pela explosão das novas tecnologias que libertam e, ao mesmo tempo,

aprisionam o homem; e pela emergência de uma sociedade pautada pelo

consumo/consumismo. A noção de tempo vincula-se à de velocidade; a de espaço à ideia de

mobilidade. É nesse contexto hodierno que será trabalhado o conceito de comunicação

organizacional.

Seria improdutivo traçar um histórico sobre a evolução da comunicação

organizacional no Brasil, trabalho já executado com maestria por estudiosos como Wilson da

8 Conforme visto no capítulo 1, a metáfora da liquidez é tratada em várias obras do sociólogo Zygmunt Bauman

e se relaciona à volatilidade e à fluidez que caracterizam a atualidade. “[...] os líquidos, diferentemente dos

sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o

tempo” (BAUMAN, 2001, p. 8).

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Costa Bueno (2003, 2009a), Margarida Kunsch (2008), Waldemar Luiz Kunsch (2009),

Cleusa Maria Andrade Scroferneker (2011), Backer Ribeiro Fernandes (2011), Maria

Aparecida Ferrari (2011a) e Paulo Nassar (2008, 2012). Parte-se da premissa que a

comunicação organizacional ou empresarial9 evoluiu de forma exponencial no Brasil da

década de 1980 até a atualidade.

Não é desprezível a influência que sofreu de correntes teóricas norte-americanas, com

vieses funcionalista, mecanicista ou instrumental. Sua prática caracterizava-se pelo seguinte

esquema: a organização (emissora) transmitia mensagens aos públicos (receptores) com os

quais desejava se relacionar, sob a convicção de que suas intencionalidades seriam atingidas.

Essa lógica parecia sólida e ainda hoje existem comunicadores e organizações que seguem

esse modelo.

O problema é que o mundo vem sofrendo profundas transformações. “O que este

início de século está nos ensinando é que a instabilidade deixa de ser um momento transitório

para estabelecer-se como um estado permanente. Portanto, os momentos de estabilidade se

projetam como períodos transitórios de uma instabilidade estrutural” (MANUCCI, 2010, p.

175). Diante desse novo paradigma, em que a solidez é posta em xeque, não há mais espaço

para pensar a comunicação como um processo estanque e previsível. A complexidade passou

a tecer as bases desse processo envolvendo a organização, seus interlocutores e o contexto

onde se desenvolve a comunicação. Nesse sentido, Euclides Guimarães (2011, p. 146) pontua

que

para as organizações, isso [a modernidade líquida] traz profundas

decorrências, a começar pelo perigo do comprometimento de um aspecto que

lhe é essencial, a configuração de procedimentos e rotinas fixas como o que

faz dela uma instituição organizada. Na palavra organização encontra-se

embutida a ideia de rotinas e hábitos cristalizados. Organizar é, por natureza,

conspirar contra o acaso e tal conspiração não se faz senão pela afixação de

hábitos, sem a qual os atos humanos se tornam sobremaneira imprevisíveis.

Instaura-se, portanto, um paradoxo organizacional. Segundo esse autor, “a única

garantia dada, [é] a de que as coisas não poderão manter-se por muito tempo como estão”

(GUIMARÃES, 2011, p. 146). Como forma de mitigar essa inconstância, alguns estudiosos

introduzem uma eventual noção reguladora da comunicação no âmbito das organizações.

Assim, ela seria definida “como um mecanismo corretor, no intuito de sanear a instabilidade e

9 Neste estudo, os termos comunicação organizacional e comunicação empresarial serão utilizados como

sinônimos.

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proporcionar a clareza” (FAUSTO NETO, 2011, p. 48). No entanto, antes de atribuir esse

“poder” à comunicação, é preciso mergulhar no paradigma relacional para conhecer os limites

que norteiam essa prática empresarial10

.

Esse paradigma oferece suporte às investigações conduzidas pelo grupo de pesquisa

“Comunicação no contexto organizacional: aspectos teórico-conceituais”, vinculado à

Pontifícia Universidade Católica (PUC/Minas/CNPq). Seus pesquisadores propõem uma

abordagem crítica, que considera aspectos sociológicos da comunicação organizacional,

identificada com estudos europeus11

.

Nessa linha, Fábia Pereira Lima e Fernanda de Oliveira Silva Bastos (2012, p. 37), em

coletânea lançada pelo grupo de pesquisa, explicam que

uma análise da comunicação no contexto organizacional, com base no

paradigma relacional, não considera o processo de dimensões estanques; pelo

contrário, o analisa com base em seu movimento, suas articulações e relações.

Nesse sentido, estudar comunicação no contexto organizacional é analisar a

relação entre sujeitos interlocutores (e devemos ver a organização como um

dos interlocutores) que constroem sentido na interação por eles estabelecida

pelas trocas simbólicas mediadas por diferentes dispositivos, em determinado

contexto. O fenômeno comunicacional, dessa maneira, só pode ser

compreendido como globalidade em que os elementos se afetam mutuamente

e, na relação, se reconfiguram e reconfiguram a sociedade.

Os estudos relacionais consideram o contexto e a linguagem como fatores

condicionantes do processo comunicacional e vislumbram a construção de sentido que ocorre,

invariavelmente, na esfera da recepção. O interlocutor incorpora o protagonismo da relação,

antes reservado à organização. É o que indicam Ivone de Lourdes Oliveira e Carine Caetano

de Paula (2011, p. 105):

A hegemonia da organização no processo interativo, assim como o controle e

planejamento dos processos comunicacionais, torna-se dependente dos

repertórios interpretativos dos grupos que afetam ações organizacionais e são

por ela afetados, já que o sentido é processado na instância receptora, fugindo,

portanto, da perspectiva da gestão organizacional.

10

“Quando falamos de paradigma da comunicação, não estamos nos referindo propriamente às teorias acionadas,

mas ao esquema cognitivo que nos conduz e nos instrui a ver uma coisa e não outra” (FRANÇA, 2001, p. 13). 11

Um dos autores contemporâneos que fundamentam essa visão de mundo é o sociólogo francês Louis Quéré,

diretor de pesquisa do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). No entanto, as raízes teóricas que

valorizam a análise a partir da interação entre interlocutores remete à obra de George Mead e da escola do

interacionismo simbólico.

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Assim como a mídia, as empresas passam a atuar como produtoras de repertórios que

poderão reorientar eventual atribuição de sentido. Nesse contexto, a gestão da comunicação

organizacional e as investigações desse campo abandonam os referenciais do chamado

paradigma informacional, que previa a transmissão de informações de modo linear e

mecânico de uma instância emissora para outra receptora, com o propósito de provocar

determinados efeitos.

Um dos conceitos de comunicação organizacional que se aproximam do paradigma

relacional, por valorizar a alteridade no processo comunicativo, é apresentado por Ferrari

(2011b, p. 156):

Contemporaneamente, a comunicação organizacional é vista como o processo

que visa a conseguir o equilíbrio sustentável entre a visão e a missão

estabelecidas pela coalizão dominante12

e as expectativas daqueles que

compõem a organização, na busca de uma rede sistêmica que permita uma

satisfação de ambos os lados: públicos e organização.

Embora Ferrari atraia para essa noção as expectativas dos interlocutores, nota-se que a

idealização e a prática da comunicação organizacional parece limitada às ações e atitudes da

instituição. Observa-se o comprometimento da organização com a perspectiva dos públicos;

acredita-se que a corporação vá considerar suas necessidades, esperanças e desejos ao planejar

a comunicação. No entanto, a centralidade do processo permanece na jurisdição da empresa,

diferentemente da proposta de Fábia Lima (2011, p. 118):

O entendimento da comunicação pelo viés relacional implica concebê-la como

um processo de construção conjunta entre interlocutores (sujeitos sociais),

com base em discursos (formas simbólicas que trazem as marcas de sua

produção, dos sujeitos envolvidos e do contexto), em situações singulares

(dentro de determinado contexto). Por essa perspectiva, as organizações são

consideradas sujeitos sociais enunciadores ou leitores de discursos cuja ação

no mundo institui um contexto específico de interações que enquadra, ainda,

enunciações e leituras de outros sujeitos sociais.

Essa visão introduz os interlocutores como sujeitos da comunicação e considera

possível um posicionamento inusitado da organização, enquanto “leitora de discursos”, e não

somente como produtora. O conceito incorpora a ideia de que as empresas precisam praticar a

escuta com mais vigor, antes mesmo de elaborar os planejamentos comunicacionais e definir

12

Coalizão dominante é uma expressão cunhada por estudiosos da Administração e que, de acordo com o

pesquisador norte-americano James Grunig, refere-se à alta direção das organizações, bem como às instâncias

tomadoras de decisões (GRUNIG; FERRARI; FRANÇA, 2011).

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com quais públicos pretendem estabelecer relacionamentos. Essa tendência foi descrita por

uma pesquisa sobre comunicação corporativa nas organizações desenvolvida em 2008: “Ouvir

os públicos envolvidos com a empresa é uma prática que se consolida para a promoção do

diálogo desejável nas relações humanas empresariais”.13

Um parâmetro que se impõe nos estudos contemporâneos da comunicação empresarial

é a dimensão humana das organizações, que começa a ser valorizada também na pesquisa

brasileira. Por mais que se estabeleçam relações institucionais e que os indivíduos assumam

momentaneamente identidades corporativas, ainda assim são pessoas que conversam dentro e

fora das organizações, constituindo sua essência. Por mais que as técnicas sejam disseminadas

para formalizar esses contatos internos e externos, elas sempre estarão interligando duas ou

mais pessoas. A comunicação humana, mesmo nos ambientes organizacionais, precisa ser

levada em conta.

3. Como a comunicação face a face se manifesta nas organizações

O levantamento sobre a pesquisa em comunicação face a face no Brasil revela a falta

de estruturação desse tema no campo científico. Não há linhas de pesquisa específicas

tampouco instituições que priorizem o assunto: ele se encontra difuso dentro do próprio

campo da comunicação e dialoga com outras áreas do conhecimento, como turismo, gestão e

desenvolvimento regional, língua portuguesa, linguística, ciência da informação e letras,

demonstrando a transdisciplinaridade que caracteriza o objeto de estudo.

No universo da comunicação organizacional foram localizados trabalhos que tratam

dos contatos presenciais, a maioria no contexto da comunicação interna. Essa associação se

explica, muito provavelmente, porque no âmbito interno as relações se desenvolvem em

situação de copresença com mais frequência, facilitando a observação do fenômeno. Nem

sempre o escopo dos estudos encontrados é a interação face a face; algumas pesquisas

discutem o tema de forma transversal, o que não compromete a qualidade de algumas

contribuições para o desenvolvimento do conhecimento científico.

3.1 Da oralidade às redes presenciais: face a face na comunicação interna

13

A pesquisa foi realizada pela Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), sob a coordenação

de Paulo Nassar e Suzel Figueiredo, com apoio do jornal Valor. Os resultados estão disponíveis em:

http://issuu.com/aberje/docs/comunica__o_corporativa_nas_organiza__es?e=1148821/2599306. Acesso em: 29

abr. 2015.

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Uma das pesquisas mais recentes é a tese de doutoramento de Martins (2012), que, de

certa forma, sugere uma inversão da lógica do paradigma tecnológico ao afirmar que “a

comunicação face a face é uma forma modernizada de comunicar” (MARTINS, 2012, p. 98).

O trabalho que a investigadora desenvolve sobre o uso da oralidade na Embrapa Soja, na

cidade de Londrina (PR), confirma o que outras pesquisas igualmente vêm percebendo: existe

um movimento de retomada ou valorização da comunicação face a face em organizações de

alta performance, de modo planejado e com objetivos bem definidos. Pode-se afirmar que

esses casos constituem exceções, e não regra, no entanto, estão produzindo resultados que

merecem o olhar atento da comunidade científica.

A tese de Martins restringe-se às relações entre gestores e subordinados (comunicação

interna), entretanto, algumas observações podem ser emprestadas à comunicação

organizacional como um todo, até porque vão produzir reflexos exteriores. A pesquisa

comprova, por exemplo, que tanto os gestores quanto os funcionários reconhecem o caráter

estratégico da oralidade.

Os atores sociais têm, nas interações face a face, o nível mais básico e

fundamental de relações mútuas, posto que a vida e as relações humanas são

eminentemente sociais. Obteve-se segurança para afirmar que essas interações

alcançam elevados patamares de relacionamento de gestores com suas equipes

e provocam impactos na produtividade e na performance das organizações.

(MARTINS, 2012, p. 223).

De acordo com a pesquisadora, a oralidade é uma característica das culturas latino-

americana e brasileira, o que favorece a condução da comunicação face a face também nas

empresas desse continente. “O que se almeja fazer entender é que nenhum avanço é capaz de

interferir nesta natureza que mantém as interações face a face como as mais significativas

experiências de socialização”, prossegue Martins (2012, p. 226).

Além da constatação de que a oralidade estimula os relacionamentos internos, as

relações de confiança e a legitimação dos líderes, a tese descreve impactos que podem ser

percebidos por interlocutores externos. “A grandeza e a manutenção do prestígio de uma

empresa podem ter relação direta com o nível de interações face a face ocorridas entre seus

atores” (MARTINS, 2012, p. 233).

Em publicação mais recente, a autora justifica a relevância dos estudos científicos a

respeito dessa temática:

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Se, por um lado, consideram alguns que subjugar a tecnologia na comunicação

organizacional seja um desleixo, parece também um desleixo que o uso da

comunicação oral entre atores sociais brasileiros seja desvinculado desta que é

uma cultura de acentuada oralidade. Omissão de grande impacto seria, pois,

desprender a oralidade dos estudos organizacionais que, na visão da

pesquisadora [a própria Martins], está imersa na responsabilidade científica

das relações públicas. A presença da tecnologia nos processos internos e

externos está posta e bem acolhida, porém as questões humanas é que

precisam urgentemente figurar nos níveis mais elevados de discussão

gerencial –, e isto poderá ser possível a partir de uma abordagem dialógica da

academia com o mercado de trabalho. (MARTINS, 2013, p. 564-565).

Na visão da autora, a opção pela oralidade determina um diferencial para a gestão da

comunicação empresarial. A tese é um dos trabalhos recentes mais instigantes a respeito das

interações face a face nas organizações, porém, não é o único. Também focando o ambiente

interno, Perez (2010) traça um paralelo entre a comunicação face a face formal, planejada e

executada pelas empresas, e a informal, mais conhecida como rádio-peão. De acordo com a

autora, os processos formalizados de comunicação face a face – que se constituem por

reuniões entre gestores e subordinados, encontros entre equipes e eventos dirigidos aos

funcionários – foram introduzidos no Brasil na década de 1990, por influência norte-

americana. Ela avalia práticas formais de comunicação face a face em empresas como a Fiat,

a Santista Têxtil, a Nivea e a Promon.

Hoje, os dois formatos convivem juntos na organização e são parte

fundamental da comunicação interna. Se avaliarmos a comunicação face a

face, seja formal ou informal, ela irá mostrar características muito parecidas: a

co-presença, a fala, a comunicação não-verbal, entre outras, inclusive, em

alguns casos, a cumplicidade e a sensação de poder porque „sabemos mais que

os outros‟. Mas se podemos detectar características semelhantes, não podemos

dizer o mesmo dos objetivos e dos conteúdos desses dois formatos de

comunicação. O objetivo da comunicação formal face a face está vinculado ao

negócio da empresa e a rádio-peão, ao negócio dos funcionários. Os conteúdos

também. (PEREZ, 2010, p. 153).

A autora identifica a perspectiva de simultaneidade dos canais de comunicação, ao

menos ao se referir à comunicação formal: “eleger um modelo único de comunicação formal

seria inviável, já que os vários veículos se complementam e atendem públicos diferenciados

dentro da comunidade empresarial” (PEREZ, 2010, p. 56). Ela inclui nessa relação dos

“vários veículos” as interações face a face.

Em outro estudo, Gonçalves e Perez utilizam a análise de discurso para avaliar cases

de comunicação formal face a face e classificam a retomada desse formato como “uma

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espécie de volta às origens da comunicação” (GONÇALVES; PEREZ, 2009, p. 5). As

pesquisadoras destacam a credibilidade e confiabilidade proporcionadas pela comunicação

face a face no ambiente empresarial.

A comunicação interna da Fiat também é objeto de estudo de Vilaça (2012, 2013). A

pesquisadora apresenta o plano de comunicação da empresa, implantado em 2006 a partir de

um diagnóstico, e que contempla três grandes eixos de atuação: a informação (comunicação

mediada através de veículos impressos e eletrônicos); clima/motivação (ações para melhorar o

clima organizacional) e a comunicação dialógica (comunicação face a face ou direta).

As ações de comunicação dialógica envolvem projetos como o “Fale com o

Presidente”; “Encontro Institucional”; “Encontro de Líderes”; “Canal Aberto”; “Reunião de

Bom Dia”; “Roteiro de Líderes”; “Comunicação Encadeada” e “Papo Livre”, todos

promovendo contatos presenciais. Ao ouvir os funcionários sobre a comunicação da empresa,

Vilaça (2012) observa que ela é tida como estratégica, ao mesmo tempo em que,

antagonicamente, é considerada um bom instrumento para enviar recados. Algumas respostas

justificam sua existência como mecanismo para evitar a comunicação informal, “considerada

muito prejudicial para qualquer organização” (VILAÇA, 2012, p. 235).

Ao analisar os grupos de discussão que criou e as entrevistas em profundidade que

aplicou na empresa, a investigadora acrescenta: “a melhor forma de comunicação é face a

face. As reuniões são vistas como as melhores possibilidades de interação com a chefia e

foram citadas por funcionários de diferentes áreas” (VILAÇA, 2013, p. 646, grifo da autora).

Ainda com foco na comunicação interna, Soares (2010) dedica-se a avaliar as práticas

de comunicação no interior do Banpará – Banco do Estado do Pará. A autora conclui que as

instituições devem mesclar ferramentas tecnológicas com a comunicação face a face, e não

substituir uma pela outra. Nota-se que, embora a abordagem não tenha a mesma profundidade

teórica de outros trabalhos aqui estudados, a análise é pertinente e soma-se às pesquisas que

envolvem o contato presencial no âmbito da comunicação organizacional.

Oliveira (2013) é outra pesquisadora que vem se dedicando ao tema, embora sua

abordagem transcenda a comunicação face a face e caminhe em direção a uma visão que ela

considera mais abrangente: o diálogo.

Reduzido a programas da chamada comunicação face-a-face, pouco se investe

no estudo e na prática das conversações dialógicas tendo em vista que o

investimento maior ainda é para as perspectivas prescritivas, funcionalistas e

utilitárias oriundas do modelo matemático da comunicação. É preciso avançar,

ampliar e problematizar a contribuição do diálogo. (OLIVEIRA, 2013, p. 365,

grifo da autora).

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A pesquisadora adota a perspectiva de que diálogo é sempre relação e propõe

compreender melhor a criação de vínculos por meio de conversas dialógicas e o

fortalecimento das condições humanas nas organizações. Seu estudo sugere como contexto

um cenário cada vez mais caracterizado pela flexibilidade e mobilidade e fundamenta-se nos

pressupostos teóricos da complexidade.

Até o início de 2015, Oliveira não havia delimitado o diálogo aos encontros

presenciais – e nem sinalizava que o faria. Também não foram localizadas, até aquele período,

evidências de que ela pretenderia extrapolar o ambiente interno das organizações em suas

análises. Segundo a autora, o estudo se encontrava em fase inicial.

Outra estudiosa que examina as interações face a face no contexto interno das

organizações é Bettega (2013). Ao associar a comunicação face a face ao que ela chama de

“rede social presencial”, a autora pesquisa a Roda do Chimarrão, um evento organizacional

presencial que reúne todos os anos funcionários do grupo Randon e seus familiares em Caxias

do Sul (RS), desde 198414

. A cultura gaúcha, no caso, atua como forte apelo na mediação com

os participantes. “São atos comunicativos codificados e manifestados de forma ritualística,

que promovem a formação de redes presenciais as quais manifestam valores e o espírito de

pertença à organização” (BETTEGA, 2013, p. 131).

O uso de símbolos e rituais durante um encontro de uma rede social presencial reforça,

na visão da pesquisadora, o sentimento de identificação e engajamento. Os contatos físicos

proporcionam oportunidades de interação e de construção de relacionamentos. Investigar

cientificamente uma rede social presencial no cerne de uma sociedade que prioriza entender

as intricadas experiências comunicacionais das redes sociais digitais pode soar como uma

antinomia. A percepção é da própria estudiosa, ao constatar que

parece dicotômico fomentar a promoção de encontros presenciais, nos quais as

pessoas precisem ver e sentir seu interlocutor, em plena era virtual em que as

mídias sociais eletrônicas ocupam grande parte do dia de muitas pessoas.

Porém, ao se analisar o que ocorre no encontro Roda do Chimarrão, é possível

verificar que novas identidades surgem a partir de movimentos culturais

criados e promovidos no interior das organizações. (BETTEGA, 2013, p. 135-

136).

14

Kunsch (2003, p. 189) denomina esse tipo de evento como comunicação dirigida aproximativa, “aquela que

traz os públicos para junto da organização. Caracteriza-se pela presença física e pelo contato direto e pessoal dos

públicos com a organização. Trata-se, portanto, de uma comunicação interativa presencial”.

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Essa capacidade de estabelecer novas identidades a partir dos encontros face a face é

amplamente abordada na obra de Goffman (2011a, 2011b), especialmente no livro A

representação do eu na vida cotidiana, com seus conceitos de representações de fachada e de

fundo, conforme será observado em capítulo posterior.

Embora alguns autores vislumbrem a retomada da comunicação face a face nas

organizações, os estudos de Bettega (2013), bem como os de Martins (2012), destacam a

manutenção dessa modalidade de comunicação ao longo dos anos nas organizações estudadas.

Com os resultados favoráveis alcançados, gestores do grupo Randon e da Embrapa Soja

optaram por não abandonar esse modelo, apesar dos apelos do avanço tecnológico presentes

na sociedade midiatizada.

Antes de encerrar a apresentação de estudos que abordam a comunicação face a face

na arena interna das organizações, torna-se praticamente obrigatório citar um autor que se

tornou referência no assunto e tem influenciado a prática e a teoria. Trata-se de Thomas J.

Larkin, sociólogo formado pela Universidade de Oxford, com doutorado em comunicação

pela Universidade estadual de Michigan.

Depois de passar pela academia como estudante e docente, Larkin decidiu dedicar-se

ao mercado, atuando como consultor. Defende a comunicação face a face na comunicação

interna, especialmente quando existe a necessidade de mudanças de comportamento e quebra

de resistência por parte dos funcionários. Ele tem duas entrevistas publicadas na revista

Comunicação Empresarial da Aberje, uma realizada por Nara Damante, em 2005, e outra por

Laura Knap, em 2013. O consultor afirma que

o comunicador pode usar um veículo impresso ou eletrônico, mas os

empregados não querem assistir a alguma coisa, eles não querem ler. Querem

uma relação direta, fazer perguntas, ouvir respostas. Para ter essa comunicação

face a face é preciso que uma pessoa confie na outra. É muito mais fácil isso

acontecer pessoalmente do que num veículo escrito. (LARKIN, 2005, p. 4).

Larkin admite que alguns conteúdos devem ser comunicados de forma mediada, pelo

nível de detalhamento que exigem. No entanto, ele reafirma que informações relevantes que

afetem o trabalho devem ser tratadas de forma presencial. O autor chega a estimar que

“apenas 2% das pessoas mudarão seu comportamento tendo como base uma mensagem

mediada (pôster, brochura, vídeo, web)” (LARKIN, 2013, p. 11). Na mesma entrevista,

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pontua que o comportamento dos outros 98% muda a partir de conversas face a face com

pessoas confiáveis.

3.2 O fim do home-office na Yahoo: valorização das interações face a face?

Os textos jornalísticos – incluindo a íntegra de um comunicado organizacional – que

abordam o fim do home-office na empresa Yahoo fazem parte do corpus desta pesquisa. O

discurso da empresa para seus funcionários sob a perspectiva da mídia será avaliado no

capítulo 6. Reforçando o que foi antecipado na seção 1.1, no início de 2013 a empresa de

tecnologia comunicou a seus 15 mil empregados em todo o mundo que a partir de junho

daquele ano todas as atividades profissionais deveriam ser desenvolvidas nos escritórios, e

não mais em casa.

A notícia repercutiu em vários países, inclusive no Brasil, já que o home-office é uma

prática que tem sido adotada por diversas organizações. Foi selecionado um conjunto de

matérias jornalísticas, publicadas em sites especializados em empregos e carreiras. A análise

de discurso desse material vai privilegiar a linguagem, a contextualização e as

intencionalidades que podem estar por trás de um apelo ao “trabalhar juntos”.

Até aqui, os estudos sobre as empresas e suas experiências com a comunicação face a

face ficaram circunscritos ao ambiente interno. A partir de agora, serão apresentados estudos

que tratam da interação além dos limites da organização, ou seja, que envolvem seus

interlocutores externos. Em um deles, a comunicação se dá em encontros face a face; em

outro, a interação se desenvolve por intermédio de cartas, mas com ampla discussão a respeito

da comunicação presencial.

3.3 A escassez (e profundidade) dos estudos envolvendo o ambiente externo

Conforme visto no capítulo 1, apesar de a perspectiva de simultaneidade dos meios

representar uma tendência metodológica, nem todos os estudos utilizam essa abordagem.

Ainda é bastante comum encontrar pesquisas que segmentam os canais, seja para compará-los

ou relacioná-los. É o caso, por exemplo, de Gilvan Ferreira de Araújo (2006), que pesquisou a

troca de cartas entre pacientes e direção de um hospital da cidade de Belo Horizonte (MG).

Embora seu objeto de estudo seja a comunicação mediada por cartas, Araújo mergulha

no universo da comunicação face a face por considerá-la uma espécie de modelo para as

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correspondências. O pesquisador explica que no hospital ocorrem as interações face a face,

que posteriormente são representadas por meio da escrita pelos usuários. A organização

trabalha com respostas padrão ou personalizadas, dependendo do caso. Para ele, as cartas não

criam proximidade entre o hospital e os usuários, já que “escondem muito mais do que

apresentam” (ARAÚJO, 2006, p. 149).

A obra de Goffman fundamenta boa parte da dissertação, embora Araújo também

busque suporte em autores como Peter Berger, Thomas Luckmann, Alfred Schutz e Charles

Herton Cooley, que veem nas relações face a face o protótipo das interações sociais.

Terminado o envolvimento presencial, o relacionamento se tornaria indireto. Araújo (2006)

explica que a escolha de Goffman como base teórica justifica-se pela perspectiva de que a

comunicação escrita apresenta características da comunicação oral.

Epistemologicamente, concordamos que a observação dos encontros entre as

pessoas é mais valorosa; uma vez que nas cartas as entonações de voz, os

gestos e os atos involuntários não podem ser percebidos. Além disso, a

tendência dos sujeitos ao escreverem cartas é a de se colocarem no papel de

“vítimas”, como se suas atitudes fossem apenas reações às atitudes do outro e

não ações de si mesmos. Em outras palavras, podemos afirmar que nem tudo o

que acontece nas interações face a face é relatado nas cartas, pois a própria

distância do “outro” serve de estratégia para formas de persuasão através do

texto que podem mudar os atos, as falas e as expressões do corpo. (ARAÚJO,

2006, p. 99).

Uma importante contribuição desse autor refere-se à percepção de que as interações

presenciais não permitem representações imaginárias, já que todo o contexto é decodificado

pelos participantes. Além disso, Araújo (2006) acrescenta que a diferença entre as duas

formas de interação está na vivência da situação e no posterior relato sobre essa experiência,

caracterizando essas distinções e a importância dos contextos nas duas modalidades.

Assim, entre a leitura de uma carta e a observação da cena descrita por ela

existe uma diferença básica posicionada entre dois aspectos: a presença dos

sujeitos da ação no momento em que ela acontece (incluindo seu contexto) e a

narrativa que eles fazem dela algum tempo depois através das cartas. Este

intervalo de tempo e mudança de espaço apresenta distorções representativas e

interpretativas sobre o mesmo acontecimento, mas não muda o significado

construído durante a interação presencial. (ARAÚJO, 2006, p. 151-152).

O investigador constrói uma narrativa em que a comparação das duas formas de

interação resulta numa complementaridade, ou seja, o leitor vai compreender melhor o

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fenômeno da mediação pela troca de cartas ao conhecer o conceito e as características da

comunicação face a face.

Outro trabalho que avança nessa seara é a pesquisa realizada por Ferreira (2011,

2012), que avalia a comunicação face a face com públicos externos, a saber, a comunidade

vizinha da empresa Ampla, uma concessionária de distribuição de energia elétrica com sede

em Niterói (RJ). A perspectiva de Ferreira (2012, p. 2) é a do diálogo social,

[...] aqui entendido como um processo de comunicação multilateral que,

através da interação face a face continuada entre organização e públicos de

interesse estratégico, em espaços comuns, busca o entendimento e o consenso,

articulando valores, representações e significados sociais sobre os elementos

constituintes da relação (pessoas, fatos, processos, objetos), e estabelecendo

instâncias de relacionamento e de comprometimento dos agentes sociais

participantes.

Ferreira vislumbra a comunicação enquanto relacionamento. Muito embora as relações

estudadas por esse investigador se estabeleçam no âmbito do entorno onde a empresa está

instalada, observa-se que o olhar voltado para fora da organização acrescenta novos

ingredientes ao conhecimento sobre os limites e potencialidades da comunicação presencial.

Antes de aprofundar a análise sobre os estudos de Ferreira, convém destacar que toda

referência ao chamado “diálogo social” deve remeter à ideia de comunicação face a face, já

que esse formato é inerente ao conceito descrito acima e caracteriza o modo de interação entre

a organização e a comunidade investigada.

Ferreira adota um tom bastante crítico em relação ao seu objeto de estudo. “O diálogo

social não pode ser analisado de forma inocente. É um processo comunicacional que articula

interesses, valores e instâncias de poder” (FERREIRA, 2011, p. 317). A política da empresa

que optou por implantar um mecanismo de comunicação face a face com a comunidade

vizinha inclui a capacitação dos agentes sociais envolvidos nesse processo, fortalecendo o que

ele chama de capital social da região. Os contextos, as variáveis culturais, o tempo dedicado à

interação e os espaços onde ela ocorre são amplamente discutidos na tese.

Soma-se a “não inocência” do diálogo social sua capacidade de provocar reações e

transformações entre os envolvidos nesse processo, conforme aponta Ferreira (2011, p. 314):

Assim, tratar a comunicação como um sistema de relacionamento nos levou a

refletir sobre os processos de comunicação de uma organização, mas também

acerca do papel estruturante do capital social de um território. Tanto a

organização quanto os atores sociais da região em que esta atua são levados a

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repensar suas práticas, as lógicas de pensamento, a articulação dos múltiplos

interesses e as visões de mundo existentes.

Mesmo que o processo de envolvimento entre as partes encontre-se em fase inicial, o

pesquisador percebe a ocorrência dessa mútua influência entre os participantes da interação

face a face. Segundo Ferreira (2011, p. 317), a organização “passa por um processo de

abertura e internalização das variáveis culturais externas”, enquanto a comunidade “constitui

expectativas e exigências mais sofisticadas sobre os agentes produtivos locais”.

Para aprofundar a reflexão sobre essas mudanças, convém considerar que, na visão

desse estudioso, essa disposição em dialogar faz emergir naturalmente o conflito entre duas

realidades distintas que envolvem as organizações: a produtiva e a reputacional. A primeira

consiste em seus interesses financeiros, a gestão racional, o controle de processos, entre

outros. A realidade reputacional traz à tona, por exemplo, questões voltadas à qualidade dos

relacionamentos e preocupações éticas em relação às decisões tomadas que possam afetar

grupos de interesse.

A realidade produtiva torna-se a instância mais relevante para os estudos que

contemplam o paradigma informacional, aquele que se preocupa com a mecânica da

transmissão das mensagens para atender somente aos interesses empresariais. Diante de todas

as transformações do mundo líquido moderno, essa concepção torna-se ultrapassada e

insuficiente para explicar os processos comunicacionais contemporâneos. A realidade

reputacional das organizações acomoda-se ao paradigma relacional, pois o contexto e a

alteridade não podem mais ser ignorados. O investimento em relacionamentos – e o próprio

trabalho dos comunicadores organizacionais – ganha novo fôlego a partir de declarações

como esta:

O relato dado por um dos diretores da Ampla revela, com brutal clareza, que a

opção pelo diálogo se deu em função da complexidade social, política e legal

das cidades atendidas pela concessionária. Porém, apesar da motivação

original, uma série de transformações acaba acontecendo na organização ao

longo do tempo. A continuidade da interação provoca mudanças estruturais

nos processos operacionais e na lógica de pensamento e decisão. O diálogo

social viabiliza a construção de um capital de confiança que amortece crises e

percepções negativas, mas não é capaz, como nenhuma outra estratégica de

comunicação, de aplacar os efeitos danosos de uma operação ineficiente.

(FERREIRA, 2011, p. 315).

A partir deste relato, pode-se inferir que: 1) por mais que a organização rejeite a ideia

de dialogar com seus interlocutores externos, haverá situações em que ela será pressionada a

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fazê-lo. A escolha da interação face a face ou de outros mecanismos de comunicação vai

depender diretamente da dimensão do problema motivador da conversa; 2) a comunicação

face a face, apesar de eficaz e eficiente para a solução de conflitos, é insuficiente para

restaurar danos provocados pela disjunção entre discurso e prática.

O autor confirma ainda a existência de uma teia articulada de influências que começa

pela comunicação face a face com a comunidade próxima e se expande, com naturalidade,

para outras instâncias.

Em um ambiente relacional, o diálogo de consenso possibilita a uma

organização trabalhar as múltiplas influências da percepção acerca de uma

organização que um stakeholder tem sobre a do outro. A credibilidade

adquirida na comunidade estimula a boa vontade da mídia, que por sua vez,

fortalece a posição da organização diante do governo e tem reflexos na

avaliação de risco dos acionistas e dos clientes. Há uma rede de influências

sendo tecida. (FERREIRA, 2011, p. 315-316).

Essa cadeia articulada de influência reforça a observação de Martins (2012),

apresentada na seção 3.1, sobre o prestígio que uma organização pode desfrutar a partir das

práticas de comunicação face a face em seu ambiente interno. Outra organização que investiu

nas interações presenciais com o público externo é a Embrapa Pantanal, cuja análise teórica e

pesquisa empírica serão exploradas no próximo capítulo.

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Capítulo III – ESTRUTURA E POLÍTICA DE COMUNICAÇÃO

DA EMBRAPA

Antes de iniciar a apresentação e discussão do estudo de caso desenvolvido na

Embrapa Pantanal, convém contextualizar a organização como um todo e a unidade instalada

em Corumbá. Estudos científicos na área de comunicação organizacional envolvendo a

Embrapa não são incomuns, mas apresentam um complicador: se desatualizam rapidamente.

Isso ocorre porque, apesar de manter a mesma política de comunicação em vigor desde 2002,

a estrutura e as práticas comunicacionais estão em constante desenvolvimento.

As próprias pesquisas que avaliam a comunicação da empresa constatam o caráter

inovador da área. Mesmo assim, alguns problemas históricos persistem, alimentados pela

própria dispersão geográfica de suas instalações. Se por um lado a comunicação

tecnologicamente mediada atenua as dificuldades de contato, por outro a organização começa

a investir em programas de estímulo à comunicação face a face. A situação descrita a partir de

agora foi observada entre 2007 e 2015, período em que foi possível acompanhar e estudar a

comunicação da empresa.

1. Desenvolvimento do modelo de comunicação

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa é uma organização estatal,

vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, criada durante o regime

militar na gestão do então presidente Emílio Garrastazu Médici. A lei nº 5.851, que prevê sua

fundação, é de 7 de dezembro de 1972, entretanto, a primeira diretoria tomou posse em 26 de

abril de 1973, data considerada como sua efetiva criação1. Sua função era desenvolver

tecnologias, por meio de pesquisas aplicadas, para fomentar o avanço da agricultura nacional.

Nos primeiros 20 anos de sua história, o modelo de pesquisa adotado pela empresa era

circular, com início e fim centrados na figura do produtor rural. A comunicação

organizacional acompanhou essa orientação, fundamentada no difusionismo praticado pelos

profissionais das áreas de ciências agrárias que geralmente conduziam o processo de

transmissão de informações ao homem do campo. De acordo com Wilson Corrêa da Fonseca

Júnior et al (2009, p. 80), “[...] verifica-se ao longo da história da empresa a estreita ligação

1 Informações obtidas no site www.embrapa.br. Acesso em: 2 mar. 2014.

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entre regime político, modelo de desenvolvimento, modelo de pesquisa e modelo de

comunicação”.

A partir da década de 1990 a Embrapa se adapta ao novo contexto político do Brasil e

implanta profundas mudanças em sua gestão. A organização passa a considerar a necessidade

da adoção de tecnologias compatíveis com o desenvolvimento sustentável e percebe que o

público urbano também se torna estratégico. Três políticas setoriais interdependentes

configuram-se como pilares da administração da empresa: pesquisa e desenvolvimento,

negócios tecnológicos e comunicação empresarial (FONSECA JÚNIOR et al, 2009; SILVA;

DUARTE, 2007). A estrutura de comunicação se fortalece, com a contratação de profissionais

especializados para atuar em Brasília e nas unidades descentralizadas. Projetos de

comunicação passam a ser financiados formalmente pelo Sistema Embrapa de Gestão.

Em 2015, ao completar 42 anos, a missão da empresa é viabilizar soluções de

pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da

sociedade brasileira2. Naquela ocasião ela possuía 17 unidades centrais (instaladas em

Brasília-DF); quatro laboratórios virtuais localizados no exterior (Estados Unidos, União

Europeia, China e Coreia do Sul); três escritórios internacionais (América Latina e África);

além de 46 unidades de pesquisa descentralizadas em praticamente todos os Estados da

Federação, onde atuavam quase 10 mil funcionários3.

A empresa adota uma classificação para suas unidades com base no perfil das

pesquisas desenvolvidas. As unidades de produtos, por exemplo, são aquelas que focam suas

pesquisas em sistemas de produção agrícolas ou pecuários, como Embrapa Soja, Embrapa

Gado de Leite, Embrapa Trigo, Embrapa Algodão etc.; unidades ecorregionais são aquelas

que direcionam suas pesquisas para a sustentabilidade dos biomas onde estão instaladas,

como a Embrapa Pantanal, Embrapa Tabuleiros Costeiros, Embrapa Amazônia Oriental,

Embrapa Cerrados etc; unidades de serviço são voltadas, como o próprio nome informa, à

prestação de serviços tecnológicos, como a Embrapa Informação Tecnológica, Embrapa

Gestão Territorial, Embrapa Produtos e Mercado etc; mais recentemente foi criada a

classificação unidades de pesquisa em temas básicos, como a Embrapa Informática

Agropecuária, Embrapa Agroenergia, Embrapa Instrumentação, entre outras. Na prática, essa

diferenciação representa universos bastante distintos de atuação profissional, tanto para os

pesquisadores quanto para as equipes de comunicação.

2 Neste caso, agricultura deve ser entendida em sentido amplo, incluindo a pecuária e todas as outras atividades

relacionadas à produção no campo. 3 Disponível em: https://www.embrapa.br/quem-somos. Acesso em: 5 set. 2015.

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2. A comunicação na Embrapa e a multiplexidade dos meios

A estrutura de comunicação da empresa é considerável. Em setembro de 2015 a

Embrapa contabilizava 221 profissionais formados em comunicação trabalhando na sede e em

unidades administrativas, que ficam em Brasília (DF), e nas unidades espalhadas pelo Brasil.

Na verdade, havia ainda mais 116 profissionais com outras graduações atuando nos núcleos

de comunicação, em áreas de comunicação de unidades que não possuem o setor específico,

na Embrapa Informação Tecnológica, na Secom e nas unidades centrais4. Do total de

comunicadores, até setembro de 2015, 170 eram pós-graduados, sendo 108 especialistas, 56

mestres e seis doutores. A tabela 1 mostra as áreas de graduação dos profissionais de

comunicação.

TABELA 1. Graduação dos comunicadores da Embrapa – Setembro 2015

Área da graduação Número de profissionais

Jornalismo 120

Relações públicas 58

Publicidade 21

Design 16

Marketing 3

Radialismo 1

Área não identificada 2

TOTAL 221

Fonte: Embrapa/Secom-Secretaria de Comunicação

De acordo com Bueno (2009a, p. 321), “poucas são as instituições de ensino superior

no Brasil que podem contar com tantos mestres e doutores em Comunicação como a

Embrapa, fato que apenas reforça sua condição de excelência na área”. De fato, em buscas

realizadas nas plataformas da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, do Banco

4 Todas as informações sobre a estrutura atual de comunicação da Embrapa foram repassadas por e-mail pela

Secom – Secretaria de Comunicação da organização.

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de Teses da Capes e do Google Acadêmico não é difícil encontrar produções científicas a

respeito da comunicação na Embrapa, ora elaboradas pelos próprios profissionais da empresa,

ora por estudiosos de fora. O fato de a Embrapa possuir um programa próprio de incentivo à

pós-graduação tem estimulado seus comunicadores a se capacitarem e parte deles se propõe a

estudar a própria organização.

Em sua pesquisa sobre o uso da oralidade na comunicação interna da Embrapa Soja,

Martins (2012, p. 232), que não tem vínculo com a organização, observa que

tratava-se de um ambiente de sofisticadas tecnologias e de elevado

conhecimento acadêmico/científico detido tanto por empregados como por

suas chefias. Por estes motivos, identificou-se o reconhecimento dos gestores

e dos empregados para o real interesse em escutar o que estivesse sendo dito e

em aceitar o ponto de vista do outro como reflexos essenciais para amoldar

linguagens.

Obviamente que a realidade da Embrapa Soja não pode ser projetada para todas as

unidades da empresa, pois há que se respeitar as particularidades de cada contexto. No

entanto, a Embrapa possui diretrizes gerais para a sua comunicação organizacional,

formalizadas em sua Política de Comunicação, cuja elaboração envolveu a participação de –

senão todos – boa parte dos profissionais da área, orientados por uma consultoria externa. O

documento, fortemente internalizado, norteia o pensamento que envolve o “fazer

comunicação” na organização.

A primeira versão da Política da Comunicação da empresa foi formulada em 1995 e

tornou-se fundamental para organizar o processo comunicacional da Embrapa. Heloiza Dias

da Silva e Jorge Duarte (2007, p. 7) explicam que “nela não se detalhava ações, planos,

projetos e programas específicos, mas se estabeleciam orientações e normas para

planejamento e execução, sistematizando a comunicação e maximizando seu desempenho”.

Sete anos depois, por haver um entendimento de que as políticas devem ser atualizadas e se

adequar aos novos cenários, o documento passou por um amplo processo de revisão.

A política em vigor foi publicada em 2002, o que explica sua abordagem ainda tímida

em relação às chamadas novas tecnologias. No entanto, em alguns pontos parece bastante

atual, por exemplo, quando recomenda que a comunicação na empresa seja vista como

instrumento de inteligência competitiva. Resguarda o uso de instrumentos e linguagens

adequadas no tratamento com os públicos diversos. Valoriza os focos institucional e

mercadológico da comunicação, delineando os cuidados que devem ser tomados em relação à

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imagem e reputação da empresa (e de suas pesquisas) e determinando a forma de conduzir a

comunicação relacionada à transferência de tecnologia.

Também estão delimitadas na política as instâncias que devem se manifestar

publicamente em cada ocasião e como deve ser concebido o relacionamento com distintos

públicos. O conteúdo inclui, ainda, orientações para a valorização da marca Embrapa e define

os procedimentos a serem tomados em relação à identidade visual da empresa. Propõe a

capacitação para os profissionais da comunicação, bem como uma estrutura compatível com

as condições necessárias para que eles possam desenvolver seu trabalho. Estabelece a

hierarquização do setor, sugerindo o perfil ideal do gerente de comunicação5.

Ao analisar o documento e cruzar as informações com a pesquisa que desenvolveu na

unidade de Londrina, Martins (2012, p. 225) percebeu que “as macro-orientações da empresa-

sede foram tão absorvidas que, hoje, nota-se uma assimilação/apreensão perpetrada por esse

fato desde o nível interpessoal de comunicação, até os fluxos descendentes de decisão e

autoridade”.

O estímulo ao uso da comunicação face a face está presente na política de

comunicação da empresa, o que permite inferir que se trata de uma diretriz a ser seguida. “A

comunicação interpessoal deve ser estimulada por meio de debates e reuniões,

particularmente quando estiverem em pauta assuntos que mereçam esclarecimento e para os

quais seja necessário um contato direto com os empregados” (EMBRAPA, 2002, p. 53).

Em outro ponto, o documento recomenda contatos presenciais também com o público

externo: “A comunicação que privilegia a área rural não pode ignorar, sob pena de tornar-se

elitista e contribuir para a exclusão social, as práticas tradicionais de relacionamento entre as

pessoas do campo, fundadas, quase sempre, na comunicação interpessoal” (EMBRAPA,

2002, p. 24).

Mesmo antes de Haythornthwaite (2005) delinear a teoria da multiplexidade dos

meios, a política da empresa já contemplava o uso simultâneo de canais, ao orientar sobre a

comunicação administrativa – aquela que trata dos comunicados oficiais.

Quando for o caso, deve empenhar-se para que os atos de abrangência geral –

e que digam respeito a um número significativo ou à totalidade dos

empregados – sejam amplamente divulgados, seja através do processo de

comunicação interpessoal, seja pela sua inserção, em forma de matéria ou

5 Mais informações sobre este documento podem ser obtidas na referência EMBRAPA, 2002. Até novembro de

2014 o documento estava disponibilizado no site para acesso externo. Com a reformulação da intranet em 2015,

a política está disponível apenas para acesso interno.

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notícia, nos veículos editados nas Unidades e destinados aos empregados.

(EMBRAPA, 2002, p. 66).

Em fevereiro de 2011 foi instituído em grupo de trabalho para revisar novamente a

política de comunicação da empresa. A mobilização envolveu intensa participação dos

profissionais da área e, embora ainda não tenha sido adotada, essa versão atualizada deverá

ser considerada na nova governança da empresa. Em 2104, a chefe da Secom, Gilceana

Soares Moreira Galerani, anunciou a existência de um projeto em construção para

desenvolver essa nova governança e o trabalho prevê um novo olhar para as políticas da

Embrapa. Segundo ela, é provável que um documento único contemple as políticas mais

como princípios do que como direcionamentos, com possibilidade de estabelecer políticas

para os macroprocessos de produção (Pesquisa e Desenvolvimento, Transferência de

Tecnologia e Administração). “Os processos transversais, incluindo a comunicação

organizacional, devem ser contemplados na agenda institucional, mais curta e mais dinâmica”

(GALERANI, 2014b). Em 2015, quando foi publicado o 6º Plano Diretor da Embrapa, a

comunicação é apresentada como tema transversal e gestão institucional.

A mudança de perspectiva da comunicação organizacional da Embrapa – que deixou

de ser vista como um dos pilares de sustentação administrativa e se tornou um dos temas

transversais da gestão – foi acompanhada de transformações estruturais implantadas ainda em

2011. A chamada ACS (Assessoria de Comunicação Social), em Brasília, já era vinculada à

presidência da empresa, mas parte das representações nas diferentes cidades era subordinada a

uma chefia adjunta, e não à instância máxima, que nas unidades se chama chefia-geral. Uma

das novidades foi exatamente essa: eliminar as chefias adjuntas de comunicação e vincular a

comunicação diretamente às chefias-gerais. A seguir, detalhes desse processo.

2.1 Comunicadores vinculados diretamente à chefia-geral: avanço ou retrocesso?6

Em 2011, a ACS atingiu um patamar mais elevado e passou a se chamar Secom –

Secretaria de Comunicação da Embrapa, ao mesmo tempo em que houve uma padronização

das áreas de comunicação das unidades – todas passaram a se chamar Núcleos de

Comunicação Organizacional - NCOs. Naquele ano, em março, foram instituídas quatro

6 As informações sobre as recentes reestruturações da comunicação da Embrapa foram obtidas a partir de

entrevistas por e-mail com a chefia da Secom, de documentos administrativos e de matérias veiculadas

internamente.

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coordenadorias vinculadas a Secom: 1) Coordenadoria de Articulação e Estudos em

Comunicação; 2) Coordenadoria de Relações Públicas; 3) Coordenadoria de Jornalismo; 4)

Coordenadoria de Gestão da Marca e Publicidade. Como os próprios nomes indicam, o

critério de distribuição dos profissionais para cada frente de trabalho estava intimamente

ligado às diferentes habilitações da formação superior em Comunicação Social (jornalismo,

relações públicas e publicidade), com exceção da primeira.

A Coordenadoria de Articulação e Estudos em Comunicação – CEC tinha entre suas

atribuições promover e apoiar estudos e avaliações visando garantir maior eficiência da

comunicação da empresa. Em outras palavras, a CEC “pensava” a comunicação

organizacional, administrando, entre outros processos, o planejamento integrado em

comunicação, instituído formalmente também em 2011.

Pela primeira vez, por força de regulamentação interna, os próprios comunicadores

assumiram a supervisão do setor de comunicação nas unidades da empresa, função que até

então cabia a outros profissionais7. Os NCOs passaram a ser vinculados diretamente às

chefias-gerais. Outra inovação foi o convite para que todos os supervisores de comunicação

começassem a participar do processo de elaboração do planejamento integrado, inclusive de

forma presencial, em Brasília.

Dois anos depois dessas alterações, no final de 2013, a Secom realizou pesquisas com

os profissionais de comunicação e com os chefes-gerais para avaliar a reestruturação. Os

resultados indicaram mais avanços que retrocessos. De acordo com Galerani (2014a), 70%

entendem que essa última configuração está acertada e não gostariam de descartá-la. No

entanto, 30% ainda consideram que seria melhor a vinculação dos NCOs a uma das chefias-

adjuntas.

As principais mudanças positivas apontadas nas pesquisas foram a maior presença dos

profissionais de comunicação nas instâncias estratégicas e a visão mais ampla dos processos

da instituição. Já os principais argumentos daqueles que não aprovaram a vinculação à chefia-

geral estão relacionados à estagnação e ao comodismo dos profissionais, no sentido de

ouvirem e atenderem somente a esse gestor – atuarem como uma espécie de assessor do

chefe-geral – e não participarem mais das atividades de rotina das unidades relacionadas às

outras áreas, como a de Pesquisa e Desenvolvimento, Transferência de Tecnologia e a de

Administração. Alguns respondentes alegaram que transferência de tecnologia seria o

7 Por se tratar de uma empresa de pesquisa agropecuária, os cargos de chefia (inclusive da chefia adjunta de

comunicação) eram exercidos até então por agrônomos, veterinários, biólogos, zootecnistas e outros

profissionais de carreiras ligadas à atividade-fim da organização.

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macroprocesso mais impactante para a imagem da Embrapa e, por isso, ainda entendiam que a

comunicação deveria ficar vinculada a essa chefia.

Segundo Galerani (2014a), “do ponto de vista corporativo, a mudança gerou fluxos

mais organizados de comunicação entre a Secom e as unidades, uma vez que todos os

contatos e articulações passaram a ser feitos entre a Secretaria, o chefe-geral e o supervisor do

NCO”. A chefia da Secom aponta ainda que esse fator possibilitou maior agilidade no trâmite

das providências e decisões, o que se traduz em maior eficiência da comunicação como um

todo. Em 2013, no entanto, a Secom passou a operar com nova estrutura organizacional,

mantendo as vinculações já presentes nos regimentos das unidades descentralizadas

(vinculação dos NCOs às chefias-gerais) e reorganizando as áreas internas da Secom em

equipes multidisciplinares relacionadas ao negócio da Empresa (pesquisa, transferência de

tecnologias e administração) e à comunicação digital, excluindo a organização por

habilitações da comunicação social e extinguindo a CEC.

2.2 Em busca da comunicação integrada: aspectos teóricos e práticos

Antes de apresentar novas reformulações na comunicação organizacional da Embrapa

no sentido de promover a prática da comunicação integrada, convém problematizar esse

conceito. Kunsch (2003, p. 14) aponta que “as organizações devem ter entre os objetivos de

comunicação o de buscar equilíbrio entre os seus interesses e os dos públicos a elas

vinculados”. Isso significa que ouvir os stakeholders constitui um princípio norteador dessa

proposta.

Entendemos por comunicação integrada uma filosofia que direciona a

convergência das diversas áreas, permitindo uma atuação sinérgica. Pressupõe

uma junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica, da

comunicação interna e da comunicação administrativa, que formam o mix, o

composto da comunicação organizacional. (KUNSCH, 2003, p. 150).8

8 De acordo com Kunsch (2003, p. 152), “comunicação administrativa é aquela que se processa dentro da

organização, no âmbito das funções administrativas”; a comunicação interna é “uma ferramenta estratégica para

compatibilização dos interesses dos empregados e da empresa, através do estímulo ao diálogo, à troca de

informações e de experiências e à participação de todos os níveis” (RHODIA, 1985 apud KUNSCH, 2003, p.

154); “a comunicação mercadológica é responsável por toda a produção comunicativa em torno dos objetivos

mercadológicos, tendo em vista a divulgação publicitária dos produtos ou serviços de uma empresa” (KUNSCH,

2003, p. 162); por fim, define comunicação institucional como aquela que “por meio das relações públicas,

enfatiza os aspectos relacionados com a missão, a visão, os valores e a filosofia da organização e contribui para o

desenvolvimento do subsistema institucional, compreendido pela junção desses atributos” (KUNSCH, 2003, p.

165).

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Ao equacionar esse mix, a pesquisadora sugere, indiretamente, o trabalho articulado

dos diferentes profissionais que atuam na área da comunicação organizacional, como relações

públicas, jornalistas, publicitários, designers e outros. Apenas a atuação conjunta permitiria

colocar em prática a filosofia da comunicação integrada, ou seja, “as orientações que as

organizações, por meio de seus departamentos de comunicação, devem dar à tomada de

decisões e à condução das práticas de todas as suas ações comunicativas” (KUNSCH, 2003, p.

179).

No entanto, o conceito de comunicação integrada não se esgota na conexão entre os

profissionais e os diferentes tipos de comunicação. É necessário planejamento para “abrir

canais de diálogo com os públicos e ouvir a opinião pública, auscultando seus anseios e suas

necessidades” (KUNSCH, 2003, p. 167). Se consideradas as premissas do paradigma

relacional, é possível avançar na definição: a integração deve dimensionar a real participação

dos públicos de interesse nos processos de tomada de decisões organizacionais, especialmente

quando determinado grupo é afetado pelas deliberações.

Embora reconheça que a comunicação integrada represente hoje mais um discurso

incorporado por gestores da comunicação do que a prática efetiva nas organizações, Bueno

(2009a, p. 9) defende que “a comunicação empresarial deixou de ser um conjunto de

atividades, desenvolvida de maneira fragmentada, para constituir-se em um processo

integrado que orienta o relacionamento da empresa ou entidade com todos os seus públicos de

interesse”. De acordo com o pesquisador,

comunicação integrada consiste no conjunto articulado de esforços, ações,

estratégias e produtos de comunicação, planejados e desenvolvidos por uma

empresa ou entidade, com o objetivo de agregar valor à sua marca ou de

consolidar a sua imagem junto a públicos específicos ou à sociedade como um

todo. (BUENO, 2009b).

O conceito proposto pelo pesquisador conecta as noções de comunicação institucional

e mercadológica que, de maneira alguma, podem ser tratadas de forma isolada na sociedade

contemporânea. A ideia de integração fundamenta a mais recente reorganização introduzida

na estrutura de comunicação da Embrapa em outubro de 2013. A mudança foi motivada por

três procedimentos sinalizadores: um longo mapeamento e análise de processos internos; a

avaliação de estruturas de comunicação em grandes empresas; e uma ampla pesquisa de

imagem concluída em 2012. Essa pesquisa, que ouviu empregados da Embrapa e lideranças

de 16 segmentos de público externo, registrou a necessidade de uma comunicação mais

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focada no negócio da empresa e apontou a comunicação digital como o caminho mais

adequado na atualidade para manter contato com os públicos9.

Com base nessa nova realidade, as quatro coordenadorias implantadas em 2011 foram

substituídas pelas seguintes: 1) Coordenadoria de Comunicação Institucional; 2)

Coordenadoria de Comunicação em Ciência e Tecnologia; 3) Coordenadoria de Comunicação

Mercadológica; 4) Coordenadoria de Comunicação Digital.

A ideia é integrar os processos e adequar a comunicação à estrutura organizacional da

empresa, que tem três diretorias executivas: de Pesquisa e Desenvolvimento, de

Administração e de Transferência de Tecnologia e Negócios. Pela nova reestruturação, as

equipes/coordenadorias agora agrupam e integram profissionais das várias habilitações da

comunicação e cada equipe/coordenadoria passa a atender a um macroprocesso do sistema de

gestão da empresa, além da criação da coordenadoria para cuidar exclusivamente da

comunicação digital.

Como a mudança é razoavelmente recente, a Secom ainda não teve condições de

analisar formalmente seus impactos. Porém, com base em observações da rotina e de

avaliações informais de gestores e profissionais de comunicação, teria ocorrido um

fortalecimento da atuação dos comunicadores junto às equipes de Pesquisa e

Desenvolvimento, Transferência de Tecnologia e Negócios e de Administração. Essa

aproximação, de acordo com Galerani (2014a), “impacta diretamente em geração de conteúdo

de maior densidade, com foco nos principais usuários dos conhecimentos e tecnologias da

Embrapa [clientes]”. Os profissionais da Secom trabalham agora quase que juntamente às

diretorias e departamentos citados acima, acompanhando de perto seu vocabulário, suas

diretrizes e suas atividades, contribuindo mais proativamente para o alcance de metas e

objetivos.

Um exemplo dessa integração é a mudança de foco na presença da Embrapa

em feiras e exposições. Agora, um grupo de trabalho liderado pela Secom

decide o calendário anual de feiras e a prioridade é a presença da Embrapa em

eventos com áreas dinâmicas no campo, com maior possibilidade de negócios

e de se fazer transferência de tecnologia, diferente do modus

operandi anterior, quando a Secom definia o calendário e o foco de

participação era principalmente na presença institucional da empresa em

estandes. (GALERANI, 2014a).

9 Informação publicada na matéria “Secom tem nova estrutura”, veiculada na intranet da Embrapa em 4 de

novembro de 2013.

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A Coordenadoria de Comunicação em Ciência e Tecnologia, por exemplo, elaborou

um plano de comunicação para a área de Pesquisa e Desenvolvimento, contendo desde

auditoria de opinião com lideranças de pesquisadores até a criação de comunidades virtuais

em sistema de redes para facilitar a comunicação entre essa área. Como as equipes das

coordenadorias são compostas por profissionais de jornalismo, relações públicas e

publicidade, elas pensam a comunicação como um todo, desde o planejamento e as sondagens

até a execução e a avaliação de resultados.

Ainda de acordo com avaliação informal da Secom, a equipe de Comunicação Digital

tem fortalecido a presença da Embrapa na internet, priorizando o desenvolvimento do novo

portal, lançado em 2014 e, ao mesmo tempo, proporcionando monitoramento constante das

mídias sociais, o que ajuda a diretoria da empresa na tomada de decisões e na administração e

prevenção de riscos. Essa nova coordenadoria – que até 2013 consistia em uma supervisão

formada por apenas dois jornalistas – contava em 2015 com nove profissionais, entre

jornalistas, relações públicas, publicitária, designer, programador de tecnologia de

informação, além de três estagiários de comunicação organizacional, atuando exclusivamente

na melhoria da presença da Embrapa na internet.

Questionada sobre a valorização da comunicação face a face na empresa, a chefia da

Secom entende que a estatal estimula todas as ações de comunicação possíveis. O incentivo a

cada meio depende de cada situação, de cada demanda, de cada grupo que tem características

específicas e por isso pede uma linguagem e um canal específico também, conforme prevê a

política de comunicação.

De acordo com Galerani (2014a), “a empresa atua numa diversidade impressionante

de empregados, regiões, culturas, produtos etc. Impossível padronizar procedimentos de

comunicação numa empresa assim. Procura-se respeitar essa diversidade e adequar canais e

linguagens a cada situação”. Como a organização é grande e está geograficamente dispersa

pelo território nacional – além dos serviços implantados no exterior –, o uso de

videoconferências tem facilitado o contato entre o público interno. Os funcionários se

conectam diariamente também por e-mail, telefonemas, fax, intranet, cartas e circulares,

programas de mensagens instantâneas e mídias sociais, entre outros instrumentos mediadores.

Ao completar 42 anos, no primeiro semestre de 2015, a empresa anunciou o

lançamento do programa Diálogos, uma série de medidas para estimular o debate interno

sobre temas relevantes e ouvir sugestões de funcionários contemplando, mais uma vez, a

multiplicidade de canais. Ao menos três propostas previam o uso da comunicação face a face:

reuniões presenciais locais periódicas entre gerentes e empregados, eventos presenciais

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corporativos de integração e debate e visitas às unidades para conversas a respeito da

programação de transferência de tecnologias.

A gestão da empresa solicitou aos chefes-gerais que estabeleçam calendário de

reuniões periódicas presenciais com os funcionários de cada unidade, com o objetivo de

ampliar espaços interativos, atender a dúvidas, obter sugestões e contribuições e provocar

alinhamento de estratégias de gestão. De acordo com Galerani, a Secom elaborou e

disponibilizou para os gestores de todas as unidades um protocolo de orientações para a

execução dessas reuniões, incluindo possíveis pautas para discussão, formas de condução da

reunião, modelo de questionário de avaliação de cada encontro e de um relatório simplificado

para apresentação dos resultados (informação verbal)10

.

Em maio de 2015 a expectativa era que ocorressem cinco reuniões por ano e essa meta

foi inserida como obrigatória na agenda de prioridades de cada unidade. A orientação é para

que os chefes não a conduzam sozinhos – devem dividir essa tarefa com chefes adjuntos ou

supervisores, prática que a direção da empresa visualiza como empoderamento e valorização

dos gestores intermediários. A agenda dessas reuniões, bem como os relatórios com os

resultados, será cobrada como meta corporativa, já que consta no sistema oficial de

planejamento e acompanhamento de resultados da Embrapa. Em setembro de 2015 Galerani

informou que o programa estava em pleno andamento e várias reuniões nesse formato já

haviam sido realizadas.11

A chefia da Secom acrescenta ainda que, para que essas discussões não se percam, os

temas mais debatidos – tanto da área de pesquisa e transferência de tecnologia, como também

da área administrativa e de governança – seriam levados a um evento corporativo presencial,

realizado anualmente, com a participação de funcionários das unidades e de especialistas

ligados a esses temas. O primeiro encontro presencial nesse formato deveria ocorrer, ao

menos, um ano após o início da implantação das reuniões, ou seja, a partir de 2016.

A proposta do Diálogos surge em um momento em que a comunicação

tecnologicamente mediada se consolida na empresa. De acordo com a Secom, pesquisas de

clima organizacional e sobre os veículos de comunicação oferecidos, além de um recente

diagnóstico de comunicação interna, motivaram a adoção das medidas.

10

Parte das informações sobre o programa Diálogos foi obtida por telefone com a chefia da Secom na tarde de

24 de março de 2015. O jornal interno Folha da Embrapa, veiculado no trimestre abril/junho de 2015, destacou o

programa Diálogos em sua reportagem de capa. 11

A primeira reunião presencial do programa Diálogos, entre gestores e funcionários, foi realizada na Embrapa

Pantanal no dia 16 de outubro de 2015. Um dos temas tratados foi o VI Plano Diretor da Embrapa 2014-2034.

Dos 131 funcionários, 67 participaram (Figura 2). A segunda reunião aconteceu um mês depois, em 17 de

novembro.

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O contexto pede isso. As pesquisas de clima mostram que as pessoas pedem

mais comunicação apesar de todos os veículos e excesso de informação que

temos. Precisamos, então, explorar o que é pouco explorado, tentar algo mais

desafiador, mas com boa perspectiva para um ambiente de inovação como é a

Embrapa. O face a face lembra conversa, bate-papo, interação, interesse pelo

outro... Esses itens foram muito citados/demandados nas últimas pesquisas

realizadas. (GALERANI, 2015).

Pouco antes do lançamento do programa, a expectativa da Secom era que o Diálogos

se tornasse modelo para a comunicação organizacional, a exemplo do que a empresa

conseguiu com sua Política de Comunicação e com seu Manual de Conduta nas Mídias

Sociais, publicado em abril de 2012.

Figura 2. Primeira reunião do programa Diálogos na Embrapa Pantanal, 2015

Fonte: Embrapa Pantanal/Foto: Nicoli Dichoff

As mudanças estruturais ocorridas em 2011 e 2013, apresentadas nesta seção,

aparentemente aproximam a comunicação da Embrapa de um patamar estratégico – muito

próximo da coalizão dominante citada por James Grunig (2011) – e indicam que a

organização procura, com efeito, praticar a comunicação integrada proposta por Kunsch

(2003) e Bueno (2009a, 2009b). Por se tratar de modificações recentes, no entanto, ainda não

é possível afirmar que a integração tenha se concretizado nos níveis operacional, tático e

estratégico.

Ela parece mais evidente na articulação entre os profissionais que atuam nos distintos

macroprocessos do sistema de gestão da empresa, embora a prática de ouvir os públicos de

interesse também venha sendo estimulada na organização, tanto em suas unidades quanto em

Brasília. São avanços significativos – sujeitos a constantes revisões – não só para a

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comunicação da empresa, mas que podem, de fato, balizar novos padrões de atuação dos

profissionais em comunicação organizacional no Brasil e na América Latina.

2.3 Nova estrutura, velhos problemas

Os avanços propostos até o momento canalizam soluções para alguns problemas

detectados pela organização, como a atuação fragmentada das equipes de comunicação, o

desajuste entre a estrutura de comunicação e o sistema de gestão da empresa, a frágil presença

da Embrapa no ambiente digital e a atuação até então pouco estratégica dos comunicadores

nas unidades descentralizadas.

Entretanto, outros desafios se impõem para a gestão da comunicação nessa

organização. Um deles pode envolver uma questão cultural, histórica ou de algum teor mais

difuso. Existe um conflito de visões entre os comunicadores que trabalham na sede, em

Brasília, e aqueles que atuam nas outras unidades. Parece não haver uma compreensão mútua

a respeito das atividades desenvolvidas em cada extremidade dessa estrutura. Nas unidades

dispersas, circula a ideia de que os comunicadores da sede centralizam decisões e acabam por

sobrecarregar as equipes com pesadas demandas. Em Brasília, existe uma impressão de que os

comunicadores de fora reivindicam mais autonomia e demonstrariam pouca vontade em

atender às necessidades da corporação.

A origem desse embate pode estar na desinformação sobre os trabalhos desenvolvidos

pelas diferentes equipes, conforme aponta Duarte (2006, p. 250):

O relacionamento dos jornalistas de Centros de Pesquisa com a Assessoria de

Comunicação Social (ACS), da Sede, [hoje Secom] era bastante limitado.

Também estava entre reduzido ou inexistente o contato entre jornalistas de

centros de pesquisa – limitado, em geral, a contatos em exposições

agropecuárias. O jornalista era obrigado a agir sozinho, sem orientações gerais

e tinha a tarefa permanente de buscar apoio para desempenhar suas atividades.

A ACS limitava-se a atender e propor demandas específicas, tipo solicitar

matérias para o jornal Folha da Embrapa. De parte dos jornalistas dos centros

de pesquisa, em muitos casos, parecia haver inibição e desinformação sobre

como agir para travar esse relacionamento ou o que dele se esperar. O

resultado foi o desconhecimento tanto da ACS sobre os jornalistas dos centros

de pesquisa, suas atividades e problemas, como desses jornalistas sobre a

ACS12

.

12

Os jornalistas Jorge Duarte e Antônio Luiz Oliveira Heberlê, ambos profissionais da Embrapa, oferecem

grandes contribuições sobre a história inicial da difusão científica e da comunicação na empresa, objetos de

estudo de suas dissertações de mestrado. Versões resumidas podem ser encontradas em Duarte e Ribeiro, 2006.

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Essa colisão de percepções pode ser amenizada (ou não) pelo fato de a gestão da

comunicação da Embrapa, na sede, ter sido assumida em outubro de 2012 por uma

profissional que atuava em unidade e conhece agora as duas realidades. Embora não se trate

de fenômeno recente, a falta de compreensão mútua tende a diminuir devido aos convites para

que os supervisores de comunicação das unidades participem pessoalmente do planejamento

integrado em Brasília.

Relacionada à dificuldade anterior, a sensação de sobrecarga de trabalho

experimentada entre as equipes de comunicação coloca-se como outro desafio a ser

enfrentado. Apesar de contar com um quadro superior a 200 comunicadores, o volume de

trabalho é considerável e parece aumentar com o desenvolvimento tecnológico e a

necessidade de se produzir sempre mais. As pesquisas avançam rapidamente, os processos

administrativos nem sempre acompanham essa velocidade e a necessidade de levar o

conhecimento à sociedade cresce em progressão geométrica. A contratação de novos

profissionais depende de concursos públicos e ainda existe dificuldade em reter talentos,

especialmente em cidades menores, mais afastadas dos grandes centros e com estrutura

urbana precária.

Eventuais terceirizações de serviços na área de comunicação apresentam-se como uma

solução para reduzir essa sobrecarga e otimizar a operacionalização. No entanto, muitas vezes

elas são desestimuladas pelo excesso de burocracia que caracteriza as empresas públicas no

Brasil. Todas as contratações precisam ser previstas com antecedência em orçamentos

próprios, os recursos frequentemente são escassos e a escolha do prestador de serviço pelo

sistema de licitação nem sempre garante a qualidade que a empresa deseja. O excesso de

burocracia tem sido uma preocupação constante da direção da Embrapa, entretanto, poucos

avanços têm sido registrados nessa área.

Outro problema difícil de ser equacionado é a própria gestão da comunicação em uma

estrutura tão grande, tão dispersa e tão diversa como a da Embrapa. As culturas regionais

exercem forte apelo sobre os profissionais de comunicação, que tentam preservar suas

crenças, seus costumes e suas visões de mundo, nem sempre alinhadas aos discursos e à

atuação da corporação. Se a diversidade for percebida como um valor e uma oportunidade de

crescimento pelos gestores, saem ganhando a empresa, seus colaboradores e a sociedade. Se

houver qualquer tentativa de quebrar essa relação respeitosa à cultura alheia, os riscos de

desentendimento mútuo tendem a se acentuar.

Não tem sido uma reação incomum o profissional de comunicação de uma unidade da

Embrapa classificada como “de produto” sentir dificuldade em compreender os processos e

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prioridades de uma unidade “ecorregional” ou “de serviços”, por exemplo. A própria gestão

da empresa, ao estabelecer seus processos e procedimentos internos, precisa levar em conta

essa diversidade de atuação.

Apesar dos problemas mencionados acima, nota-se a satisfação e o orgulho que boa

parte dos comunicadores sente por trabalhar na Embrapa. Em janeiro de 2014, uma

comunicadora postou a seguinte frase em uma rede social:

Estou vivendo os últimos momentos da vida boa, sem hora pra nada, sem

compromissos, curtindo esta cidade que tanto amo em companhia de minhas

filhotas. Um mês foi suficiente para curtir férias. Amanhã volto ao trabalho,

disposta a dar o melhor de mim para continuar fazendo da minha empresa um

orgulho brasileiro.13

Em novembro de 2014, outra funcionária expôs o seguinte comentário, também em

uma rede social: “tá cansativo, mas a gente aguenta, tudo pela nossa empresa”. O

comprometimento dos profissionais de comunicação com a empresa é notório. Em geral,

percebe-se uma identificação entre os anseios do comunicador e a dinâmica de trabalho

proposta pela organização. Muitos se sentem valorizados pela possibilidade de intervir nas

tomadas de decisões, seja por meio da participação em comitês, comissões ou grupos de

trabalho, seja pela facilidade de contatos com a “coalização dominante”.

Os comunicadores possuem autonomia para apresentar e liderar projetos em suas áreas

de atuação, o que proporciona exercer atividades de gestão, multiplicar seus relacionamentos

e ampliar o conhecimento sobre a empresa e seu negócio. Além da possibilidade de assumir

um projeto, têm sido cada vez mais comuns os convites para que esses profissionais integrem

projetos de pesquisa e de transferência de tecnologia liderados por pesquisadores ou analistas,

contribuindo com ações de comunicação voltadas aos mais variados temas.

Pesam também para essa satisfação as oportunidades nada desprezíveis de capacitação

que a Embrapa oferece aos profissionais: vão desde cursos técnicos e palestras isoladas até o

pós-doutorado no exterior. Essa política de investir na qualificação do funcionário cria uma

relação de confiança, admiração e respeito. Afinal, a organização apoia a formação de uma

massa crítica que tem discernimento para reconhecer disparidades entre práticas responsáveis,

consistentes e sérias e meros discursos vazios.

13

Optou-se por preservar a identidade dessa funcionária e da autora do próximo comentário, já que as

manifestações espontâneas ocorreram em espaços virtuais privados.

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3. Embrapa Pantanal: preocupação com o universo regional

A Embrapa Pantanal é uma das unidades mais antigas da empresa. Foi criada em 24 de

fevereiro de 1975 com o objetivo de atender demandas da pecuária extensiva praticada no

Pantanal, considerada a maior planície inundável do mundo. Em 1984, sua missão foi

ampliada após constatação da complexidade socioeconômica e ambiental daquele bioma. O

centro de pesquisa fica no município de Corumbá e é uma das três unidades instaladas no

Estado de Mato Grosso do Sul. As outras duas são a Embrapa Gado de Corte, em Campo

Grande, e a Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados.

A missão da Embrapa Pantanal é viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e

inovação para a sustentabilidade do Pantanal, com foco na agricultura e no uso dos recursos

naturais em benefício da sociedade. Em outubro de 2015 o quadro era composto por 131

funcionários, incluindo pesquisadores, analistas, técnicos e assistentes. A equipe de

comunicação é formada por seis profissionais: três jornalistas, dois relações públicas e uma

administradora de empresas.

A rotatividade na equipe de comunicação local é um dos problemas enfrentados. Das

três comunicadoras que atuavam naquela unidade até 2006, nenhuma permaneceu. A

profissional mais antiga da equipe chegou em 2007. Nos dois anos seguintes, outros dois

profissionais passaram por Corumbá e acabaram transferidos para outras unidades. A

profissional de comunicação contratada mais recentemente começou a trabalhar em maio de

2014; em julho do mesmo ano, a administradora foi transferida para o setor.

A distância dos grandes centros urbanos do país é um dos motivos que levam os

profissionais a desistirem de Corumbá, cidade fundada em 1778, localizada na fronteira com a

Bolívia e atualmente com pouco mais de 100 mil habitantes. O município é bastante

conhecido pelas altas temperaturas durante a primavera e o verão, que beiram (e às vezes

ultrapassam) 40º C. Por outro lado, a região oferece alguns atrativos, como uma vida

razoavelmente tranquila, vários eventos culturais durante o ano14

, receptividade afetiva por

parte dos moradores locais e colegas de trabalho, além da beleza natural do Pantanal

brasileiro. A cidade também conta com certa estrutura de comércio e serviços, transporte

aéreo, fluvial e rodoviário.

14

Destaques para o Festival América do Sul, que acontece geralmente em maio; o tradicional Banho de São

João, em junho; o Carnaval de rua com forte participação popular, em fevereiro ou março; o Festival de Pesca e

o Festival Gastronômico, normalmente realizados em novembro.

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Se a retenção de talentos é uma das dificuldades da equipe local de comunicação da

Embrapa Pantanal, ela não é a única. Os profissionais avaliam que há sobrecarga de trabalho

diante do volume de informações técnicas, científicas e administrativas geradas. Por se tratar

de uma unidade ecorregional, a diversidade de pesquisas desenvolvidas exige que os

comunicadores ampliem seu universo de conhecimento. Aliás, por ser considerado um bioma

extremamente complexo, entender a dinâmica do Pantanal é um processo que consome

tempo. Alguns pesquisadores estimam que um período de cinco anos é relativamente razoável

para começar a compreender o local com segurança.

As pesquisas empreendidas pela Embrapa no Pantanal contemplam a pecuária e todos

os aspectos ligados à sustentabilidade dessa atividade, a pesca e aquicultura, a agricultura

familiar, a fauna, a flora, o solo, a hidrologia, os ciclos de inundação, a geração de bioenergia,

o clima, a produção de alimentos e fármacos a partir da biodiversidade local, enfim, uma

vasta gama de conhecimento é gerada todos os anos pela equipe local de pesquisadores.

A equipe de comunicação se envolve não apenas com a divulgação das informações

científicas e tecnológicas relevantes, mas também atua na construção e manutenção de

relacionamentos com parceiros internos e externos, monitora a imagem e a reputação da

unidade, participa de projetos de pesquisa e ações de transferência de tecnologia, acompanha

parte das publicações produzidas por todas as equipes de trabalho, mantém veículos de

comunicação interna, propõe projetos de melhoria de clima organizacional, disponibiliza

conteúdo para os ambientes digitais e atende às demandas solicitadas pela sede.

Outra característica que diferencia a Embrapa Pantanal de outras unidades é o forte

apelo midiático que o bioma proporciona, dentro e fora do país. O interesse de veículos de

comunicação regionais, nacionais e internacionais pelas pesquisas envolvendo a planície é

considerável. Os contatos de jornalistas à procura de informações e entrevistas são

praticamente diários e o atendimento à imprensa se configura como uma das atividades mais

corriqueiras dos profissionais de comunicação.

Em 2014, o supervisor do NCO da Embrapa Pantanal, Thiago Nery da Cunha

Coppola, descreveu a inovação como o maior desafio para a comunicação da unidade. “Há

muito tempo os meios de comunicação utilizados para transferir tecnologias e para divulgar

pesquisas da Embrapa são aplicados da mesma forma sem grandes inovações, padronizados e,

muitas vezes, desconectados das necessidades da região” (COPPOLA, 2014). Ainda segundo

ele,

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hoje seguimos as diretrizes de Brasília e executamos muitas atividades de

interesse da Sede ou o que eles acham que é mais eficaz, mas que pode não

traduzir a realidade para uma unidade de fronteira. A Embrapa Pantanal tem

suas particularidades e só quem vive aqui sabe os anseios da população e a

forma de gerar a interação entre a unidade e a sociedade, imprensa, produtores

e tomadores de decisão. Portanto, a maior dificuldade é inovar, criar novos

meios de comunicação, quer sejam com eventos diferenciados ou atendimento

personalizado à imprensa, a fim de interagir mais com os públicos.

(COPPOLA, 2014).

O supervisor vem constatando que a sociedade contemporânea se interessa por ciência

e inovação e responde muito bem quando convidada a participar de eventos promovidos pela

Embrapa Pantanal. Alguns desses eventos são inovadores e fogem da rotina empresarial, pois

sua organização demanda tempo, recursos humanos e altos investimentos. Em contrapartida,

geram interação, transferência de tecnologia e retorno institucional.

Portanto, sair da rotina, da padronização, é o nosso desafio. Transformar a

rotina da comunicação da Embrapa Pantanal em atividades inovadoras que

atraiam o interesse dos diversos públicos é fundamental. Essas atividades

incluem a implementação das mídias sociais, eventos com grande interação

com o público e novos meios de interação entre o NCO e os demais

comunicadores, principalmente imprensa, formadores de opinião, tomadores

de decisão e, não menos importantes, os blogueiros, que são a bola da vez.

Mas, como disse, isso demanda tempo, recursos humanos e um pouco mais de

autonomia dos NCOs para trabalharem em cima das demandas locais, de

acordo com a percepção das chefias locais, comunicadores, funcionários da

unidade e comunidade local. (COPPOLA, 2014).

Nota-se, pelo menos em relação ao que se observou até 201215

, que o desempenho da

equipe do NCO ainda era muito voltado às dimensões operacional e tática. Os

relacionamentos com interlocutores externos, por exemplo, ocorriam sem planejamento,

priorização, monitoramento e avaliação. Essas situações de interação simplesmente

aconteciam, contrapondo as recomendações de Fábio França (2008, p. 74), segundo o qual, “o

relacionamento não pode ser ocasional, esporádico. [...] É preciso que ele seja planejado na

sua intenção, no seu estabelecimento e no seu desenvolvimento, a fim de que possa ser

acompanhado e monitorado, isto é, ele deve ser administrado”.

Em 2010, houve a primeira tentativa da equipe de comunicação de construir

relacionamentos mais sólidos e duradouros com alguns públicos de interesse, por meio do

projeto Construção da imagem da pecuária sustentável do Pantanal, que será detalhado a

15

Naquele ano esta autora, que atuava como supervisora do NCO da Embrapa Pantanal, afastou-se da unidade

para cursar o doutorado no Estado de São Paulo.

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seguir. Naquela ocasião, a equipe atuou em uma instância mais estratégica, porém, ao final do

programa, em 2012, as ações sofreram descontinuidade.

Antes de prosseguir, reforça-se a justificativa apresentada na descrição metodológica

(capítulo 2) a respeito da redação científica do estudo de caso no estilo confessional, “calcado

na experiência do pesquisador, que não reluta em colocar sua posição pessoal, sendo

apresentado em primeira pessoa” (GIL, 2009, p. 136). A próxima seção será exposta nesse

formato em função do envolvimento desta pesquisadora com o caso em questão.

3.1 Estudo de caso: a construção planejada de relacionamentos

O projeto de comunicação citado acima foi minha primeira experiência formalizada de

desenvolver uma proposta no chamado Sistema Embrapa de Gestão – SEG, que apoia

iniciativas consideradas compatíveis com a missão da empresa. Resumidamente, fui

convidada pelo então chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da unidade, Thierry Ribeiro

Tomich, a atender a uma forte demanda para o centro de pesquisa: havia a necessidade de

propagar a informação que a principal atividade econômica praticada na região, a pecuária, se

desenvolve de forma sustentável sem causar grandes impactos ambientais. A constatação é

fruto de estudos promovidos pelo corpo local de pesquisadores. A intenção do gestor era

disseminar a mensagem de forma abrangente, para a sociedade brasileira, e não atingir um

público específico.

A partir dessa demanda, que condizia com a missão da Embrapa Pantanal, comecei a

planejar as ações, junto com a equipe de comunicação. O projeto foi aprovado em dezembro

de 2009 e entrou em execução em abril de 2010, com duração prevista de dois anos e

orçamento aproximado de R$ 265 mil (cerca de US$ 150 mil em valores da época).

A ideia básica era estabelecer relacionamentos com alguns veículos de comunicação

de circulação nacional, cujas redações estavam localizadas na região Sudeste do país16

, tendo

como finalidade imediata a divulgação do conteúdo sobre a sustentabilidade da pecuária

pantaneira e, como objetivo de longo prazo, cultivar relação de confiança com os profissionais

contatados. Além dos jornalistas desses veículos, busquei uma aproximação da Embrapa

Pantanal com futuros comunicadores, firmando parcerias com os cursos de comunicação

social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS e da Universidade Federal de

16

Alguns veículos de relevância regional foram contemplados pela iniciativa, por estarem situados em cidades

de médio porte do interior paulista, considerada uma região economicamente importante para disseminar a

informação.

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Mato Grosso – UFMT, Estados onde está localizado o Pantanal. No meu entender, esses

estudantes constituíam um stakeholder valioso para a visão de futuro da unidade.

Diversas outras ações foram desenvolvidas nesses dois anos, entre elas: 1) mídia

training para preparar os pesquisadores da unidade para atender a imprensa; 2) criação de um

banco de dados inteligente com todos os jornalistas contatados17

; 3) ampla avaliação dos

resultados do projeto (incluindo clipagem, duas pesquisas nacionais de opinião e auditoria de

imagem na mídia); 4) campanha interna para preparar os pesquisadores para um possível

aumento de demanda, por meio de um treinamento para administração do tempo; 5) visitas

dirigidas ao Pantanal; 6) acompanhamento científico do projeto (apresentei e debati resultados

preliminares em congressos nacional e internacional de comunicação); 7) tentativa de

sensibilização de um roteirista de TV para a produção de uma peça ficcional que abordasse a

região pela perspectiva histórica; 8) transferência de tecnologias que permitem manter a

sustentabilidade da pecuária nas fazendas pantaneiras, por meio de palestras, dias de campo,

participação em semanas acadêmicas de ciências agrárias e em feiras e exposições

agropecuárias; 9) articulação com outros grupos que defendem o ideal e a prática da pecuária

sustentável.

Influenciada pela abordagem relacional da comunicação e decidida a promover uma

aproximação diferenciada entre a organização e aquele público, priorizei a comunicação face

a face para os contatos com os jornalistas, com alternância do espaço de diálogo: ora os

encontros presenciais ocorreram em grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, ora

em Corumbá e no meio do Pantanal. Essa imersão dos interlocutores na planície pantaneira

me leva a crer que o ambiente, enquanto espaço com função mediadora, pode ter

condicionado os relacionamentos construídos, discussão que será travada no capítulo 7.

Apesar de o projeto ter se desenvolvido em diversas frentes, o estudo de caso vai se

concentrar nas ações que envolveram a construção de relacionamentos com os jornalistas. O

primeiro passo foi selecionar os veículos/programas que seriam contatados: cinco na capital

do Rio de Janeiro, 12 na capital paulista, dois no interior de São Paulo e um em Campo

Grande (MS).

Depois de solicitar à Secretaria de Comunicação da Embrapa uma indicação de

jornalistas das redações escolhidas, fiz os primeiros contatos com eles de forma mediada,

17

Diferente dos mailings tradicionais, que contêm apenas os contatos dos jornalistas e dos veículos e se

desatualizam com muita rapidez, esse banco de dados segue proposta concebida por Bueno (2008, 2009a) e

reúne informações a respeito do perfil dos profissionais de imprensa, suas formações, preferências, habilidades,

interesses, hobbies e receios. Ao final do projeto, compartilhei o banco com todos os NCOs parceiros da

iniciativa e com a Coordenadoria de Jornalismo da Secom.

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utilizando telefone e correio eletrônico para descobrir quem seriam os interlocutores

adequados para agendar as visitas. O e-mail reproduzido abaixo demonstra exatamente como

foi o primeiro contato com a redação do jornal O Globo:

Boa tarde Ana Lúcia, Roberta e Renato,

Tudo bem? Conversei com o Renato por telefone no começo da tarde e estou

enviando este e-mail para tentar agendar um contato pessoal com vocês na

semana que vem.

Estamos com um projeto de divulgação das pesquisas desenvolvidas pela

Embrapa Pantanal, especialmente ligadas às editorias de ciência, economia e

meio ambiente.

O foco deste projeto é mostrar ao público brasileiro que a pecuária praticada

aqui no Pantanal de forma extensiva e tradicional vem ajudando a conservar o

bioma há quase 300 anos. Hoje ele é o ecossistema brasileiro mais

conservado, com 87% de sua vegetação nativa intacta. Mas estamos

preocupados porque as terras têm sido herdadas ou vendidas e as tecnologias

que os novos proprietários tentam implantar não respeitam as características

do Pantanal (especialmente o ciclo de cheia e de seca). [...] Na área

econômica, essa pauta tem a ver com a produção de carne orgânica. Temos

pesquisa de consumo que mostra como anda a procura por este produto nos

principais centros do país, incluindo o Rio...

Bem... essa é apenas uma das sugestões de pautas. Temos muitos outros temas

para oferecer e por isso gostaríamos de encontrá-los.

Aguardo um contato para, se possível, marcarmos um horário.

Obrigada pela atenção,

Ana Maio. (MAIO, 2010).

Optei por visitar as redações do Rio de Janeiro e São Paulo em 2010 e 2011,

respectivamente. Na primeira viagem, convidei a jornalista Kadijah Suleiman Jaghub, que na

época atuava na Embrapa Agropecuária Oeste – atualmente trabalha em Campo Grande, na

Embrapa Gado de Corte. Nas visitas a São Paulo, me acompanhou a jornalista Adriana

Brandão, que trabalhou cerca de dois anos na Embrapa Gado de Corte e depois foi transferida

para a Embrapa Caprinos e Ovinos, em Sobral (CE). O objetivo de visitar as redações em

dupla era a otimização do trabalho. Havia, inicialmente, uma visita prevista a redações no

interior de São Paulo, que precisou ser cancelada devido à necessidade de economizar

recursos.

Em setembro de 2010, Kadijah e eu estivemos no Rio para a primeira fase da

comunicação face a face18

. Preparei uma série de sugestões de pautas ligadas ao trabalho dos

18

Os contatos nessa primeira viagem foram feitos com Luciene Braga (editora de economia do jornal O Dia);

Clóvis Saint-Clair (editor de economia do jornal Extra); Nelma Esteves (produtora de jornalismo regional da

Globonews-Rio); Vanda Viveiro de Castro e Francesca Terranova (chefe de produção e produtora do Globo

Repórter, respectivamente); e Ana Lúcia Azevedo (editora de ciência do jornal O Globo). Todos os cargos

relacionados entre parênteses se referem às ocupações em 2010 e podem estar desatualizados. Luciene, por

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cientistas da Embrapa Pantanal – Kadijah fez o mesmo em relação à sua unidade – e

conversamos com os jornalistas a respeito das possibilidades de matérias. Fomos muito bem

recebidas em todas as redações: alguns dedicaram mais tempo a nossa conversa e outros

demonstraram pressa, comportamento comum entre esses profissionais.

Como resultado prático dessa viagem, alguns jornalistas contatados se interessaram

pelas sugestões de pautas e produziram reportagens sobre as pesquisas científicas

desenvolvidas pela Embrapa no Pantanal. Foi o caso do programa Globo Repórter e do jornal

O Dia, que publicou três matérias no espaço Vida & Meio Ambiente no mesmo mês da visita.

Em maio de 2011, Adriana Brandão e eu desembarcamos em São Paulo para uma

agenda bastante apertada de visitas19

. Alguns contatos não estavam previamente marcados,

como o Portal R7 e a revista Galileu, mas os interlocutores de veículos do mesmo grupo

empresarial – no caso, a TV Record e a Editora Globo – gentilmente se ofereceram a nos

levar até eles, ampliando para 14 o número de veículos contatados na capital paulista. No caso

da Folha de S.Paulo, como o primeiro contato presencial com a repórter já havia ocorrido no

ano anterior no Pantanal20

, a visita naturalmente excedeu o espaço da redação e estendeu-se

até o almoço em um restaurante próximo do jornal.

A partir das visitas às capitais que renderam contatos presenciais com 25 jornalistas,

sugeri ao comitê gestor do projeto – formado pela equipe de comunicadores da Embrapa

Pantanal e por uma pesquisadora envolvida com a área de transferência de tecnologias – que

os veículos convidados a visitar o Pantanal deveriam ser: jornais Valor, O Globo, Folha de

S.Paulo, revista IstoÉ Dinheiro, o site Rural Centro (Campo Grande-MS), além dos jornais A

Cidade (Ribeirão Preto-SP) e Diário (Marília-SP)21

.

exemplo, deixou a redação do jornal e em 2012 atuava na assessoria da Companhia de Desenvolvimento Urbano

do Porto do Rio, a Cdurp. 19

Estivemos pessoalmente com Reinaldo Lopes e Giuliana Maria Miranda Santos (ele, editor, e ela, repórter de

ciência da Folha de S.Paulo); Sérgio Lírio e Gerson Freitas Júnior (redator-chefe e repórter da revista Carta

Capital, respectivamente); Edvaldo Nunes (coordenador de pauta do Jornal da Record); Giselli Souza e Felipe

Maia (subeditora de economia e editor de Meio Ambiente do Portal R7); Fernando Lopes (editor de

agronegócios do jornal Valor); Alessandra di Palma (editora do programa Brasil Urgente, da Band TV); Priscilla

Santos (editora da revista Galileu); Rute Araújo e Juliana Ribeiro (editora e repórter da revista IstoÉ Dinheiro

Rural, respectivamente); Alexandre Mansur (editor-executivo da revista Época); Janice Kiss (editora da revista

Globo Rural); Lisiane Oliveira e Gustavo Casadio (editores executivos do portal Terra); Lilian Barros Ferreira

(repórter de ciência do portal UOL); Afra Balazina (repórter de ambiente do jornal O Estado de S.Paulo); e

Ricardo Westin (repórter da revista Veja). Todos os cargos relacionados entre parênteses se referem às

ocupações em 2011 e podem estar desatualizados. 20

Devido a uma necessidade de antecipação de agenda da Embrapa, a viagem ao Pantanal da repórter Giuliana

Miranda e do repórter fotográfico Adriano Vizoni, da Folha de S.Paulo, ocorreu em setembro de 2010, portanto,

antes da visita à redação. 21

A escolha dos veículos do interior paulista tentou suprir, em parte, o cancelamento da viagem para visitar as

redações daquela região. O site de Campo Grande foi convidado devido ao interesse do jornalista responsável e

facilidade de acesso, o que também reduziu os custos com a viagem.

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No total, 12 jornalistas e repórteres fotográficos participaram da imersão no Pantanal,

sendo que dois deles foram contatados pessoalmente em São Paulo: o editor de agronegócios

do Valor, antes da viagem ao Mato Grosso do Sul, e a repórter da Folha, após a imersão. As

visitas dirigidas incluíram várias fazendas, entre elas a Nhumirim, campo experimental da

Embrapa Pantanal.

Também em 2010 e 2011, 56 estudantes do curso de comunicação social da UFMS e

da UFMT visitaram fazendas do Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense. No Mato

Grosso, a atividade foi viabilizada por meio de uma parceria com a Acrimat – Associação dos

Criadores de Mato Grosso. O objetivo foi apresentar aos futuros jornalistas, formados na

região, a sustentabilidade da pecuária pantaneira e, a partir do contato face a face, criar

relacionamentos que pudessem ter continuidade por meio da mediação técnica22

. As figuras 3,

4, 5 e 6 ilustram momentos dessas visitas.

De fato, alguns alunos, especialmente do Mato Grosso do Sul, continuaram me

enviando e-mails e mantendo contato por meio da rede social Facebook. Chegaram a me

convidar para a festa de formatura da turma, em março de 2011, da qual participei,

estabelecendo um segundo momento de contato presencial. Outros alunos, depois de

formados, escreveram e-mails contando sobre suas primeiras experiências profissionais.

FIGURA 3. Equipe do Valor entrevista o pecuarista Leonardo de Barros, 201123

Fonte: Embrapa Pantanal/Foto: Raquel Brunelli

22

Detalhes da experiência com os estudantes podem ser obtidos em Maio e Soares (2010) e Maio (2011). 23

Proprietário da fazenda Rancharia, situada no Pantanal sul-mato-grossense.

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FIGURA 4. Sidnei Quartier, do jornal A Cidade, durante a imersão no Pantanal, 2011

Fonte: Embrapa Pantanal/Foto: Weber Sian/A Cidade

FIGURA 5. Grupo de alunos da UFMS em imersão na fazenda Nhumirim, 2011

Fonte: Embrapa Pantanal

FIGURA 6. Grupo de alunos da UFMT em imersão no Pantanal Norte, 2011

Fonte: Embrapa Pantanal

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O contato face a face com os jornalistas que se deslocaram até Corumbá, e de lá

seguiram para uma ou mais fazendas do Pantanal, proporcionou a ocorrência de vários

fenômenos elencados pelos teóricos no capítulo 1. A cena comunicacional, abordada por

Marcondes Filho (2010), foi um dos aspectos marcantes durante a imersão por envolver um

cenário diferenciado como o Pantanal; as deixas simbólicas, de Thompson (2008), puderam

ser intercambiadas e observadas conforme as conversas (e silêncios) se desenvolviam,

contribuindo para regular o diálogo; o acesso ao mundo físico, tratado por Berger (2005),

permitiu que os jornalistas convidados se informassem sobre a realidade imediata, sem

intermediações; a capacidade de se relacionar com o outro, preconizada por Wolton (2006),

foi estimulada com a experiência; a intimidade e os laços humanos se fortaleceram, ao menos

durante o período de interação face a face, conforme o pensamento de Bauman (2011); fez-se

o relacionamento do Nós, com as partes tomando consciência mútua, segundo Schutz

(1979a).

Atendendo a um pedido meu, alguns jornalistas enviaram, por e-mail, depoimentos

relatando suas percepções sobre as diferenças entre produzir matérias por meios mediados e

face a face, especificamente no ambiente do Pantanal. Como a discussão que envolve o papel

mediador do espaço físico ficou reservada para o capítulo 7, o conteúdo será descrito

oportunamente.

Antes de avaliar o desdobramento dos relacionamentos planejados pelo projeto, vou

expor outra experiência envolvendo a comunicação face a face, ocorrida na mesma época, por

ser bastante semelhante aos contatos relatados acima. A iniciativa, dessa vez, partiu da

produção do programa Globo Rural, da TV Globo. O jornalista Maurino Marques, produtor

do programa em São Paulo, entrou em contato mediado comigo em novembro de 2011,

solicitando informações para uma reportagem sobre o rio Paraguai que ele estava planejando

– na ocasião, organizava o roteiro e definia as pautas. Ele também trocou e-mails com a

jornalista Raquel Brunelli, da Embrapa Pantanal, com alguns pesquisadores e com a chefia da

unidade.

Segundo Maurino, a intenção da equipe do programa era percorrer o rio, das nascentes

até a foz, revelando aspectos históricos, ambientais, hidrográficos, econômicos, turísticos e

até artísticos. Foram dois anos e meio de gravações e um complexo trabalho de produção e

edição, exibido em cinco capítulos entre julho e agosto de 2014. A comunicação face a face

entre Maurino e vários funcionários da Embrapa Pantanal ocorreu no início de 2012, quando

ele esteve em Corumbá a trabalho. Naquele ano, a equipe do programa – incluindo os

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repórteres José Hamilton Ribeiro e Eunice Ramos – manteve outros encontros presenciais

com nossos pesquisadores.

Meu último contato mediado com Maurino havia ocorrido em março de 2012, logo

após o início do meu afastamento da Embrapa para a pós-graduação. Trinta meses depois, ele

voltou a entrar em contato mediado para compartilhar comigo o agradecimento que havia

enviado à organização:

Prezada Dra. Emiko [Resende, chefe da unidade] e equipe de pesquisadores da

Embrapa,

Chegamos ao final do trabalho sobre o Rio Paraguai. Foram 5 capítulos (o

último entra neste domingo). Neles, a editoria do programa tentou colocar toda

a riqueza de informações que os repórteres José Hamilton Ribeiro e Eunice

Ramos encontraram no longo caminho que percorreram. Foram 2 anos e meio

de gravações.

Tenho a dizer que boa parte das informações que nos guiaram nesse projeto do

Globo Rural veio das conversas que as equipes tiveram com vocês, seja nas

gravações [face a face], por e-mail ou telefone. Todos nos atenderam muito

bem e, de alguma forma, ajudaram os repórteres a elucidar um pouco da vida

no Rio Paraguai. Todos aqui da equipe do Globo Rural agradecem a Embrapa

Pantanal por isto.

A lamentar, fica o fato de que guardamos muito do precioso material que

captamos, incluindo várias entrevistas feitas com vocês. As limitações do

espaço no programa, do tempo para cada história ou assunto e as decisões

editoriais nos obrigaram a deixar de fora parte das gravações. O mesmo

ocorreu com as entrevistas feitas com outras fontes das demais instituições que

nos ajudaram.

Ao final nos sobraram boas ideias para tentar aproveitar de outra forma o que

gravamos. Sem nenhuma promessa, vamos ver o que ainda poderemos utilizar

em algumas reportagens futuras.

Espero que compreendam os nossos métodos, certos ou errados, mas foi o que

permitiu que a gente colocasse no ar a série sobre o Rio Paraguai. Muito

obrigado e contem com o Globo Rural sempre que tiverem uma notícia para

divulgar, boa ou ruim. (MARQUES, 2014).

Seria imprudência garantir que o relacionamento entre a Embrapa Pantanal e o

programa Globo Rural obteve tal nível de reconhecimento e durabilidade se não tivessem

ocorrido os encontros face a face. Porém, é bastante provável que esses contatos presenciais

entre as duas equipes tenham contribuído para a construção dessa relação de respeito e

admiração mútua.

A partir desse caso, foi dado um passo importante para que o interlocutor assumisse o

protagonismo da construção conjunta dos rumos da organização: em 2014, Maurino Marques,

Fernando Lopes (Valor) e Giuliana Miranda (Folha) foram indicados como representantes do

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público externo e convidados a participar do processo de avaliação das demandas da Embrapa

Pantanal durante a revisão do plano diretor da unidade.

De volta ao desenvolvimento de relacionamentos criados a partir do projeto, dos sete

veículos convidados para a imersão no Pantanal, três grandes jornais da região Sudeste

mantiveram contatos com o NCO nos anos de 2012, 2013 e 2014: O Globo, Valor e Folha de

S.Paulo. A revista Globo Rural, visitada no Rio, também voltou a procurar a organização

nesse período, de acordo com relatos da equipe de comunicação24

. As conversas com Maurino

Marques, da TV Globo, se estenderam até o início de 2015.

A discussão sobre a imersão no Pantanal será aprofundada no capítulo 7, entretanto, é

possível antecipar que ao menos dois fatores se mostram referenciais para distinguir os

contatos face a face nas grandes cidades e no Pantanal. O primeiro é que os diálogos nas

redações foram breves, duraram minutos ou, no máximo, poucas horas. Em Corumbá e nas

fazendas, as conversas presenciais se estenderam durante alguns dias e envolveram mais

pessoas. Ou seja, variáveis como a duração do encontro e o número de participantes da

interação influenciam na continuidade e, possivelmente, na qualidade dos relacionamentos.

O segundo é a mudança na cotidianidade dos jornalistas convidados que, ao

interromperem suas rotinas nas redações para dedicar um tempo à viagem, estabelecem um

“intervalo” potencialmente marcante. Um artigo escrito por mim avaliou algumas imersões:

Foi possível observar que o tempo, um “ativo” que o jornalista doa à empresa

em que atua – já que se permite ficar ligado 24 horas por dia ao trabalho – tem

um diferencial no Pantanal. Primeiro, porque ao aceitar ir para a fazenda ele

sabe que estará desconectado (e indisponível para a redação), o que pode

induzir a um relaxamento ou a um estresse. Segundo, porque o ritmo temporal

no bioma é desacelerado. Embora o dia tenha 24 horas em qualquer ponto do

planeta, no campo essas horas parecem se esticar. Sobra tempo para as

relações face a face, para o descanso, para a contemplação, para as refeições

bem servidas, para o sono tranquilo. Naquela cotidianidade, o jornalista

desenvolve outra relação com o tempo. (MAIO, 2014a, p. 13) 25

.

A articulação entre a duração dos contatos presenciais, o número de pessoas

envolvidas nas interações, a quebra na rotina de trabalho e o estabelecimento de uma nova

relação com o tempo fornece subsídios para caracterizar a comunicação face a face, ao menos

24

Meu afastamento temporário pode ter prejudicado esse monitoramento. E, conforme informado na seção 3, o

encerramento do projeto impôs a descontinuidade das ações planejadas de fomento aos relacionamentos. 25

É importante informar que no período das imersões no Pantanal, a fazenda da Embrapa não dispunha de

conexão à internet e o sistema de telefonia era bastante precário, impondo acentuado isolamento. O acesso à rede

na fazenda Nhumirim foi disponibilizado a partir do segundo semestre de 2012.

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nas condições em que ela se desenvolveu neste estudo de caso. Notei ainda que em um

ambiente como o Pantanal, o processo de midiatização – e seus efeitos – parece se

desenvolver também de forma mais lenta e menos invasiva, porém, igualmente irreversível.

Considero necessário, a partir do capítulo seguinte, direcionar a investigação para o

conceito de relacionamento; ele será avaliado à luz de correntes teóricas que posicionam a

comunicação como prática menos interessada na transmissão de conteúdos e mais preocupada

em estabelecer vínculos entre pessoas, grupos ou organizações. O capítulo 4 marca o início da

validação das hipóteses.

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Capítulo IV – A COMUNICAÇÃO ENQUANTO

RELACIONAMENTO

A validação da primeira hipótese proposta nesta tese (quando adotada de forma

planejada, a comunicação face a face permite que as organizações construam e

aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse) passa, necessariamente, pela

discussão do conceito de relacionamento no âmbito do bios virtual. Há que se providenciar a

atualização conceitual, já que a noção de relacionamento incorpora, hoje, elementos

sociológicos típicos da sociedade midiatizada. O primeiro passo em direção a esse

entendimento foi dado no capítulo 2, durante a fundamentação do paradigma relacional.

A escolha paradigmática envolve, neste estudo, uma curiosa conjunção capaz de

agregar pensamentos aparentemente distintos – e ao mesmo tempo tão próximos – como os de

George Mead, Paulo Watzlawick, Erving Goffman, Alfred Schutz e outros. O principal

denominador comum entre esses teóricos é tratar a comunicação sob a perspectiva das

interações e relações sociais, portanto, conferindo inequívoca importância ao Outro e ao

contexto. As abordagens estabelecem conexões entre sujeitos e manifestações simbólicas

presentes na linguagem, no ambiente imediato e no comportamento dos indivíduos envolvidos

na interação – daí a relevância da comunicação mesmo entre estudiosos que não a elegem

diretamente como objeto de estudo.

George Mead, por exemplo, considerado o “pai do interacionismo”, não foi um teórico

da comunicação. Vera Veiga França (2008, p. 75) aponta que “a comunicação não constituiu a

preocupação central de Mead, mas o seu principal eixo explicativo”. Alguns dos principais

teóricos de Palo Alto, por sua vez, são provenientes de áreas do conhecimento tão diversas

como a antropologia, a psiquiatria, a matemática, a linguística ou a sociologia. O austríaco

Schutz formou-se em direito e ciências sociais, mas dedicou seus estudos à filosofia das

ciências sociais tão logo se mudou para os Estados Unidos, em 1939. Apesar dessa

diversidade, o universo da comunicação move esses teóricos que despontam nos Estados

Unidos quase simultaneamente.

Mead e seus seguidores começam a expor suas ideias (consideradas “alternativas” para

a época) entre os anos de 1920 e 1930, na Universidade de Chicago. A história do Colégio

Invisível – nome pelo qual ficou conhecido um grupo de estudiosos da Universidade de

Stanford, localizada na cidade de Palo Alto, na Califórnia (Figura 7) – “inicia-se em 1942,

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impulsionada pelo antropólogo Gregory Bateson1, que se associa a Birdwhistell, Hall,

Goffman2, Watzlawick etc” (MATTELART; MATTELART, 2004, p. 67). Nessa mesma

época, Schutz produz seus estudos fenomenológicos na New School for Social Research,

instalada na cidade de Nova York.

O fato é que essas linhas de pensamento inovaram a forma de enxergar o processo

comunicativo naquela época e, não sem motivos, estão sendo retomadas por pesquisadores

contemporâneos. É bastante provável que o processo de midiatização justifique esse resgate: a

comunidade científica procura compreender o fenômeno da comunicação envolvida nas

relações sociais no cenário dominado pela liquidez.

FIGURA 7. Prédio central da Universidade de Stanford, em Palo Alto, 2014

Fonte: Arquivo pessoal

A validação da hipótese requer, ainda, profunda discussão a respeito do planejamento

e adoção dos encontros presenciais por organizações que objetivam construir, reforçar ou

manter relacionamentos com stakeholders. Mais do que simples ilustração da proposição

teórica, o conhecimento científico das experiências organizacionais torna-se emblemático

para a sistematização do papel da comunicação face a face no campo empresarial globalizado,

conectado, midiatizado.

1. Relacionamento: conceito em permanente construção 1 Biólogo, especialista em história natural, antropólogo, teórico da comunicação, da psiquiatria e da cibernética,

Bateson concebia os organismos em sólida relação com o meio ambiente. Ele via a comunicação humana como

um jogo em que é preciso interpretar de forma coerente o que é dito (comunicação digital) e a forma de dizer

(comunicação analógica). Sua obra destaca a comunicação não-verbal (MARCONDES FILHO, 2011). 2 A citação de Goffman por Mattelart e Mattelart (2004) merece um esclarecimento. Ora o pesquisador de

origem canadense é incluído no grupo dos interacionistas (p. 137), ora entre os representantes de Palo Alto (p.

67). Ao invés de confundir, essa dupla identificação pode indicar uma real aproximação entre as duas correntes

teóricas. A discussão sobre o posicionamento de Goffman será retomada posteriormente.

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O ponto de partida para problematizar o conceito de relacionamento está em

definições prévias propostas por sociólogos e filósofos que estudaram a fundo questões da

sociabilidade. Um deles é Max Weber (2002, p. 45), para quem relação social é “a situação

em que duas ou mais pessoas estão empenhadas em uma conduta onde cada qual leva em

conta o comportamento da outra de uma maneira significativa, estando, portanto, orientada

nestes termos”. Levar em conta o comportamento do Outro pressupõe determinado grau de

atenção a esse indivíduo durante certo período – fundamento que aproxima as visões de

Weber e Schutz.

Definição na mesma linha é proposta por Habermas (1983a apud FERREIRA, 2011, p.

87), que utiliza o termo “relacionamento social” para se referir ao “comportamento dos

diversos atores, que é reciprocamente relacionado e orientado, em seu conteúdo e significado.

O conceito de relacionamento social levaria o sujeito social a ponderar sobre os seus

interesses e os dos demais sujeitos”. Nesse caso, há interesses outros na construção do

relacionamento que extrapolam a instância pessoal, e eles estão devidamente justificados pela

inclusão do “social” para qualificar o tipo de relação. Há que se atentar, no entanto, para a

orientação recíproca observada por Habermas, isto é, a noção de mutualidade o ajuda a

descrever o fenômeno.

Outra questão discutida por Habermas está vinculada à continuidade dos

relacionamentos. Ao abordar a interação como sistema, teóricos de Palo Alto defendem que as

sequências de comunicação ocorrem durante um período de tempo, estabelecendo

determinado padrão. Relações duradouras, portanto, dependeriam de uma continuidade nos

contatos.

Já para Habermas (1983a), a cada contato, um acordo está sendo estabelecido,

ou seja, é um processo fluido e em contínua transformação. Acompanhar a

trajetória das mudanças é necessário para ajustar as estratégias e compreender

melhor, a cada contato, quem é o interlocutor, suas intenções, posição na rede

e prováveis reações. [...] A persistência em manter canais de diálogo é um

caminho que leva a revelar quem somos e quais as nossas reais intenções,

motivações e capacidade de nos reinventarmos. (FERREIRA, 2011, p. 230).

A ideia de relacionamento está naturalmente associada à durabilidade, à construção de

um processo de interação recíproca que se estenda durante determinado tempo, seja por meio

da repetição constante de padrões, seja pelas transformações recorrentes sugeridas por

Habermas. Nota-se, no entanto, que a continuidade ou interrupção de uma relação social está

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condicionada a uma série de fatores, incluindo interesse, empatia, intimidade, motivação,

afinidade, conveniência, prazer, necessidade, coerção, respeito, curiosidade, ideologia, entre

outras.

Uma terceira contribuição é apresentada por Schutz, criador do conceito de

“relacionamento do Nós”, antecipado no capítulo 1. Para esse autor,

é somente dentro do relacionamento do Nós que posso vivenciar

concretamente você num determinado momento de sua vida. Vamos colocar

esses pontos em termos de uma fórmula: posso viver dentro dos seus

contextos de significado subjetivos somente na medida em que vivencio você

diretamente dentro de um relacionamento do Nós atualizado e dotado de

conteúdo. (SCHUTZ, 1979a, p. 183-184).

Para o pensador, o relacionamento se concretiza a partir do momento em que os

interlocutores captam as experiências vividas pelo Outro, por meio da presença corporal e dos

sinais que o corpo revela da consciência alheia. “Envelhecer juntos” é uma prática possível se

as experiências compartilhadas forem simultâneas. Outra observação bastante original desse

autor é sua convicção de que o relacionamento só pode ser percebido reflexivamente a partir

do momento em que o contato presencial é suspenso.

Quando você e eu estamos imediatamente envolvidos um com o outro, toda

experiência é colorida por esse envolvimento. Na medida em que vamos

pensar sobre as experiências que temos em conjunto, aí temos que nos

distanciar um do outro. Se vamos focalizar nossa atenção no relacionamento

do Nós, temos que parar de focalizá-la um no outro. Mas isso significa sair do

relacionamento face a face, porque somente nesse último é que vivemos

dentro do Nós. (SCHUTZ, 1979a, p. 184, grifo do autor).

Portanto, as proposições de Schutz invocam a necessidade de o relacionamento

transcender o simples contato e emergir na consciência dos participantes, manifestar-se

subjetivamente enquanto relação. Em todas as definições apresentadas, a questão da alteridade

adquire caráter decisivo. Não resta dúvida de que relacionamento exige atenção entre as

partes e conhecimento dos contextos onde a interação se desenvolve. Esse contexto, por sua

vez, não se restringe ao ambiente físico, pois incorpora também matizes histórico-culturais

que possam estar envolvidas nos relacionamentos, sejam eles conjugais, familiares,

organizacionais ou sociais. Essa última característica acrescenta um elemento novo à

construção conceitual, já que mudanças contextuais podem implicar transformações na

concepção e na forma de se relacionar.

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Há poucas décadas, por exemplo, a expressão “relacionamento virtual” mostrava-se

distante da cotidianidade e da análise acadêmica. Trata-se, na modernidade líquida, de uma

prática comum cujas especificidades os cientistas ainda procuram entender com exatidão.

Bauman (2011) é um dos estudiosos que questionam se o padrão de conectividade que

permite interações sociais praticamente ininterruptas traz algum tipo de vantagem pessoal.

“As relações virtuais contam com teclas de „excluir‟ e „remover spams‟ que protegem contra

as consequências inconvenientes (e principalmente consumidoras de tempo) da interação mais

profunda” (BAUMAN, 2011, p. 23).

Retomando o conceito de virtual trabalhado no primeiro capítulo, os relacionamentos

virtuais seriam aqueles que precedem os relacionamentos atuais, ou seja, apresentam

potencialidade de vir a ser. Ainda não são, e justamente por ainda não serem, estariam

fortemente vinculados ao imaginário dos envolvidos, ao universo das sensações estimuladas –

e equidistantes do relacionamento do Nós, atualizado, concreto e consciente de Schutz. O

contato virtual tende a se tornar um relacionamento, porém, nada garante que será efetivado.

De qualquer modo, a comunicação atua, no mínimo, como fio condutor para a criação

de relacionamentos e de vínculos entre interlocutores. Porém, pode representar algo mais. Na

próxima seção serão abordadas possíveis inter-relações entre os dois conceitos –

relacionamento e comunicação –, discussão que possibilita aprofundar o conhecimento

teórico-conceitual antes de analisar se as relações face a face estabelecidas nas organizações

contribuem ou não para essa finalidade.

1.1 Relacionamento e comunicação: identificando inter-relações

Qual é, no entanto, a relação entre comunicação e relacionamento? Pode-se dizer que

há interdependência entre os dois conceitos? Existe comunicação sem relacionamento ou

relacionamento sem comunicação? São termos equivalentes? A abordagem de Baxter e

Montgomery (1996 apud BERGER, 2005, p. 428, tradução nossa) coloca a comunicação

como origem dos relacionamentos. “A perspectiva dialética relacional postula que os

relacionamentos pessoais surgem através da comunicação, e mesmo que os parceiros de

relacionamentos pareçam ter a mesma visão, as perspectivas deles são necessariamente

diferentes; assim, a completa fusão entre eles pode não ocorrer”.

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De acordo com as pesquisadoras norte-americanas3, as relações próximas encarnam

situações antagônicas, como a de interdependência e a de independência. Ou seja, estar em

comunicação ou estar se relacionando com não implica, necessariamente, aliança permanente

ou pensamento uníssono. Por meio das práticas comunicativas, os agentes sociais fazem

emergir as contradições que organizam suas relações.

Wolton também propõe algumas interligações entre os dois conceitos. O pensador

apregoa que “só a comunicação possibilita o gerenciamento dessa relação ambivalente entre

eu e o outro” (WOLTON, 2004, p. 56), ou seja, ele atribui à comunicação a possibilidade de

eventual articulação e controle sobre o relacionamento. A própria definição que esse

estudioso concebe de comunicação envolve a noção de relacionamento: “a comunicação é o

aprendizado da convivência num mundo de informações onde a questão da alteridade é

central” (WOLTON, 2010, p. 88). Aqui, a ideia de relacionamento subjaz à questão do Outro:

saber se relacionar é pré-requisito para aprender a comunicar.

Para George Mead, conforme visto anteriormente, a comunicação configura-se como o

eixo explicativo das interações sociais, que, potencialmente, podem vir a se transformar em

relacionamentos. Estudiosa da obra de Mead, França, V. (2008, p. 75) pontua que

é a comunicação que permite a superação dos dualismos contra os quais ele

[Mead] se batia: indivíduo/sociedade, interior/exterior, mente/conduta. Assim

é que as palavras “comunicação”, “processo comunicativo”, “linguagem” são

repetidas reiteradamente ao longo dos vários capítulos de seu livro, o que nos

permite e nos incita a explorar o uso e a natureza desse conceito para o autor.

Ainda segundo a autora, Mead presume existir comunicação “quando os gestos se

tornam símbolos, quando eles fazem parte de uma linguagem e trazem um sentido partilhado

por todos os indivíduos envolvidos na ação” (FRANÇA, V., 2008, p. 76). A comunicação

seria, assim, elemento básico para que sujeitos em interação obtenham sintonia para fins de

compreensão mútua durante o processo interativo.

Para decifrar melhor essa inter-relação é crucial conhecer o conceito de “ato social”

utilizado pelo pensador americano. De acordo com Mead (1973, p. 55, tradução nossa), o ato

social pode ser entendido como “um todo dinâmico – como algo que está acontecendo –, do

qual nenhuma parte pode ser considerada ou entendida em si mesma – como um complexo

processo orgânico que está implícito em cada estímulo particular e em cada reação individual

3 Em 2014, Leslie Baxter atuava como professora da University of Iowa e Barbara M. Montgomery era decana

da Millersville University.

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envolvidos nele”.

O ato social não equivale aos conceitos de relacionamento já estudados, mas

aproxima-se sobremaneira da ideia de uma cena conversacional, já que é nesse ato que

estímulos e respostas serão intercambiados a partir de um mecanismo de significação. A

comunicação subsidia e explica esse processo, que permite a interação entre humanos a partir

do uso de símbolos.

Além das inter-relações de origem, explicação, articulação e controle entre os dois

conceitos, há uma corrente teórica que justapõe comunicação e relacionamento, fundindo-os

de forma bastante sólida. Para os estudiosos de Palo Alto, a inter-relação existente entre os

dois conceitos ganha o status de razão de ser: o relacionamento é encarado como propósito da

comunicação. É hora de desvendar o que eles denominam metacomunicação.

2. Comunicar para relacionar

Para entender o conceito de metacomunicação é preciso, antes, conhecer um pouco

sobre a linha de pensamento dos teóricos do Colégio Invisível. Essa corrente adota cinco

axiomas conjeturais da comunicação, ou seja, se um deles falhar, a comunicação pode não se

concretizar: 1) é impossível não comunicar; 2) toda a comunicação tem um aspecto de

conteúdo e um aspecto de relação (metacomunicação); 3) a natureza de uma relação está na

contingência da pontuação das sequências comunicacionais entre os comunicantes

(observando a sucessão de mensagens é possível deduzir uma lógica da comunicação); 4) os

seres humanos comunicam de forma digital e analógica (ou verbal e não-verbal); 5) todas as

trocas comunicacionais são simétricas (relações baseadas na igualdade e minimização das

diferenças) ou complementares (relações entre diferentes, no sentido de hierarquia social)

(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007).

Boa parte do pensamento que fundamenta a teoria se encontra no livro Pragmática da

Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação,

publicado em 1967 por Paul Watzlawick, Janet Helmick Beavin e Don D. Jackson, do

Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto. Dizem eles que “desde esta perspectiva da

pragmática, todo o comportamento, não só a fala, é comunicação; e toda a comunicação –

mesmo as pistas comunicacionais num contexto impessoal – afeta o comportamento”

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(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 19)4.

Embora as concepções desse grupo subsidiem a essência deste capítulo, é preciso

esclarecer que o axioma “Não se pode não comunicar” revela-se incoadunável com o

entendimento de comunicação adotado por esta tese. Seria adequada a substituição do verbo

“comunicar” pelo “sinalizar”, conforme explica Marcondes Filho (2010, p. 15, grifo do autor).

Todos somos, em princípio, emissores. O tempo todo estamos emitindo sinais.

Os pesquisadores da Faculdade Invisível, em torno de Gregory Bateson,

chamam isso de comunicar, “tudo comunica, não dá para não comunicar”,

quando, mais apropriado – diríamos nós – seria dizer que tudo sinaliza, não dá

para não sinalizar. Comportar-se é sinalizar; se eles dizem que comunicação,

assim como comportamento, não tem negativo, dizemos nós que o sinalizar

não possui negativo: não dá para não sinalizar.

O principal argumento de Marcondes Filho é que a comunicação se concretiza a partir

de uma decisão do receptor, e não do emissor. Os sinais disponibilizados o tempo todo em

todos os lugares podem se converter em informação a partir do momento em que recebem a

atenção do receptor; e potencialmente se transformam em comunicação se o outro percebe,

entende e reage ao que foi informado.

Ainda no cerne desse dilema, Watzlawick e Marcondes Filho divergem em relação à

intencionalidade da comunicação. Em entrevista concedida a Carol Wilder (1978),

Watzlawick explica que a comunicação pode ocorrer mesmo em “uma total ausência de

intencionalidade”. Para esse estudioso, ela não se concretiza em apenas uma situação: se não

houver pelo menos outra pessoa atuando como interlocutora5.

Para o pesquisador brasileiro, no entanto, a aceitação da comunicação sem intenções

deve ser vista com ressalvas, pois “mesmo negando que se queira comunicar, do ponto de

vista do inconsciente, há intenções, mesmo na postura, no silêncio e no não-comunicar”

(MARCONDES FILHO, 2011, p. 112). Essa dissonância é o único senão que esta pesquisa

atribui ao pensamento de Palo Alto, o que não compromete a adoção das outras quatro

premissas.

O axioma a seguir define metacomunicação: “Toda a comunicação tem um aspecto

de conteúdo e um aspecto de comunicação tais que o segundo classifica o primeiro e é,

portanto, uma metacomunicação”. Para chegar a essa proposição, os autores se basearam nas

4 Pragmática deve ser entendida como efeitos comportamentais da comunicação. No próximo capítulo será

observado que as chamadas “pistas comunicacionais” de Palo Alto correspondem às “deixas simbólicas” de

Thompson (2008) e aos “signos” de Schutz (1979b). 5 Como exemplo, Watzlawick questiona: “a árvore que cai na floresta faz barulho se ninguém estiver lá para

ouvir?” (WILDER, 1978, p. 42, tradução nossa).

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noções de “relato” e “comando” apresentadas por Bateson (1951)6. Eles entendem que a

comunicação tem o poder de definir a relação, ou seja, ela não apenas transmite um conteúdo

(relato) como impõe um comportamento (ordem).

Interpretando a pragmática, Marcondes Filho (2010, p. 290) acrescenta que as relações

representam o “verdadeiro princípio organizador do diálogo. As relações passam cólera,

delicadeza, agressividade, afeto porque nelas estão embutidos certos direitos, privilégios,

posições e hierarquias; é nelas que se assentam as competições, as disputas de poder”. A

observação do professor é válida para quaisquer tipos de relacionamentos, porém, pode se

mostrar especialmente significativa na instância da comunicação organizacional, onde

hierarquia, direitos e disputas de poder determinam os rumos da metacomunicação e, por

vezes, do próprio negócio.

Encaixa-se aqui uma reflexão a respeito dessa disputa de poder propiciada pela

construção de relacionamentos pelas organizações. Há determinado consenso de que as

empresas procuram relações harmônicas para legitimar suas posições no mercado. Porém,

nem toda organização segue essa conduta. Para algumas interessa expor o conflito, o

confronto e o desequilíbrio nas relações de poder, conforme pode ser observado em

organizações criminosas, terroristas e mesmo em movimentos sociais fundamentados no

embate político ou ideológico. Fonseca Júnior (2005) defende que a comunicação

organizacional compreenda a dinâmica de organizações criminosas levando-se em

consideração alguns avanços passíveis de serem apreendidos a partir de tais experiências.

“Enquanto o interesse pelas organizações criminosas, sob o aspecto ético, está associado a

práticas nada confiáveis, no âmbito da epistemologia e da ontologia esse interesse pode

representar a oxigenação da Comunicação Organizacional” (FONSECA JÚNIOR, 2005).

Verifica-se, na atualidade, a intensa utilização de tecnologias de informação por

organizações criminosas, como as brasileiras PCC (Primeiro Comando da Capital) e

Comando Vermelho, ligadas ao universo carcerário, bem como por organizações terroristas

baseadas em outros continentes, como a Al-Qaeda, Estado Islâmico e Boko Haram. Vídeos

com cenas de violência explícita preparados pelos integrantes desses grupos têm sido

distribuídos pela internet e são reproduzidos frequentemente por emissoras de televisão, com

cortes. As tecnologias tiram essas organizações do anonimato em pouco tempo. No entanto,

as estratégias de comunicação face a face dessas organizações ainda são pouco exploradas

6 Nesse texto, Bateson afirma que toda mensagem em trânsito tem dois tipos de significado: ela é uma declaração

ou relato sobre o que ocorreu antes e, ao mesmo tempo, é uma ordem, comando ou estímulo para o que vai

ocorrer posteriormente.

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midiatica e cientificamente.

No caso do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que investe em

veículos próprios de comunicação por considerar pouco democrática a mídia brasileira, há

relatos de situações de comunicação face a face, especialmente quando o interesse é ampliar o

quadro de participantes e formatar uma política de boa vizinhança com o entorno dos

acampamentos.

A comunicação é encarada pela organização como um instrumento para a

formação de quadros políticos e a conquista de suas reivindicações. No

documento Por uma política de Comunicação do MST, formulado em março

de 1995, fica clara essa preocupação. No texto, é sugerida a criação de um

coletivo que trate do assunto, define-se que a relação com os meios de

comunicação seria feita por alguns dos dirigentes mais capacitados e orienta-

se que todos mantenham bons contatos com jornalistas, além de indicar a

produção de materiais de qualidade para serem divulgados. (FONSECA, 2006,

p. 10).

Assim como outras empresas, o movimento social elabora sua política de comunicação

e, também por isso, as estratégias adotadas não devem ser ignoradas pelas pesquisas de

comunicação organizacional. Isabel Costa da Fonseca (2006) observa que os acampamentos

construídos com barracas de lona funcionam como espaço de estímulo aos laços de

solidariedade e troca comunicativa. A articulação em rede, nessa organização, valoriza

também os contatos presenciais: “agenda-se reuniões com as famílias em suas casas e em

„espaços públicos‟ das comunidades, forma-se grupos de sem terra para uma ocupação,

realiza-se assembleias, organiza-se encontros regionais e assim por diante” (FONSECA,

2006, p. 13-14).

Embora o enfrentamento se configure como diretriz do MST para expor sua luta em

favor da reforma agrária diante de uma conjuntura considerada desfavorável à organização,

percebe-se que alguns relacionamentos buscam a cordialidade também como mecanismo de

legitimação e desenvolvimento. Assim como quaisquer outras organizações, o grupo busca

constituir uma identidade por meio da utilização de recursos simbólicos.

Em alguns casos, organizações que planejam sua comunicação em ações de confronto

estão à procura da visibilidade proporcionada pela mídia. Atos violentos, como a decapitação

de cristãos ou o sequestro de adolescentes na África, são noticiados com grande destaque

pelas grandes corporações midiáticas. A ciência da comunicação já começa a questionar os

efeitos desse tipo de divulgação. De qualquer forma, ainda que os embates sejam a

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formatação desejada para a autoapresentação de algumas organizações, sabe-se que com

alguns públicos específicos o relacionamento cultivado deverá ser amistoso ou, ao menos,

consensual.

Marcondes Filho (2011) reconhece que os pesquisadores de Palo Alto não chegaram a

aprofundar o debate sobre as relações de poder na metacomunicação, mas considera que

abriram caminho para essa discussão. “É esse plano – o das relações de poder, segundo nós –

que detém a posição dominante e que, em última análise, valida a comunicação”

(MARCONDES FILHO, 2011, p. 117).

Para os integrantes do Colégio Invisível, ao menos outros dois fatores interferem na

constituição dos relacionamentos: as manifestações não-verbais expressas durante o contato e

o contexto em que a comunicação ocorre. Atentam que o contexto sempre restringe a

comunicação, em maior ou menor grau, e incluem nesse caráter limitante a própria troca de

conteúdos. “Numa sequência comunicacional, toda e qualquer troca de mensagens restringe

o número dos possíveis movimentos seguintes” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON,

2007, p. 120, grifo dos autores).

Os três teóricos explicam que o termo metacomunicação tem origem na analogia com

a matemática, considerando que “a estrutura formal da matemática é um cálculo; e

metamatemática é esse cálculo expresso” (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p.

36). O prefixo “meta” indica ir além, transcender o radical “comunicação”, sentido condizente

com a situação em que a ação comunicativa pretende o estabelecimento de relações através da

interação social.

Watzlawick, Beavin e Jackson (2007, p. 36, grifos dos autores) reforçam que a

metacomunicação se manifesta “quando deixamos de usar a comunicação para comunicar,

mas a empregamos para comunicar sobre comunicação, como inevitavelmente acontece na

pesquisa de comunicação, então recorremos a conceitualizações que não são parte da

comunicação, mas sobre esta”.

Considerando então o aspecto relacional da comunicação humana mais importante que

a troca de dados, os teóricos de Palo Alto oferecem contribuições metodológicas que ajudam a

caracterizar essa abordagem. Eles recomendam, por exemplo, que para entender “por que”

uma determinada relação existe, deve-se tentar averiguar “como” ela existe. A adaptação da

pergunta é um modo de identificar a natureza do relacionamento sob uma perspectiva que,

certamente, vai considerar elementos da comunicação na resposta.

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Recorde-se que, em toda e qualquer comunicação, os participantes oferecem-

se mutuamente definições de suas relações ou, em termos mais categóricos,

cada um deles procura determinar a natureza da relação. Do mesmo modo,

cada um reage com a sua definição das relações, a qual pode confirmar,

rejeitar ou modificar a do outro. (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON,

2007, p. 121).

Sem o reconhecimento dessas definições mútuas, relacionamentos correm o risco de se

dissolver, já que eles carecem de regras para se tornarem estáveis. A perspectiva teórica

originada em Stanford assegura, assim, o princípio de que a comunicação traduz-se em

relacionamento. De fato, esse parece ser o propósito de organizações que investem em

projetos de comunicação face a face: construir relacionamentos sólidos, duradouros e de

qualidade com seus públicos. Em contrapartida, o que impediria que a finalidade de promover

esses relacionamentos fosse também para melhor comunicar?

3. Relacionar para comunicar

A adoção da comunicação face a face com foco nos relacionamentos corporativos foi

diagnosticada em pelo menos quatro trabalhos científicos: a pesquisa sobre o diálogo social

construído pela empresa concessionária de energia elétrica Ampla, no Rio de Janeiro; sobre a

oralidade na comunicação interna na Embrapa Soja, no Paraná; sobre redes sociais presenciais

promovidas pelo Grupo Randon, no Rio Grande do Sul; e no estudo de caso sobre o projeto

de comunicação organizacional desenvolvido pela Embrapa Pantanal, no Mato Grosso do Sul.

Mensurar a qualidade e intensidade de relacionamentos é uma tarefa árdua para a

prática da comunicação organizacional. Existem metodologias específicas para essa

finalidade, como a proposta por Linda Hon e James Grunig (1999)7. Esse levantamento não

foi aplicado nesta pesquisa, pois foge ao escopo teórico da tese. No entanto, uma breve

análise da metodologia proposta pelos dois pesquisadores norte-americanos permite verificar

alguns indicadores considerados na avaliação. Entre eles, estão os níveis de confiança,

controle mútuo, satisfação e comprometimento. Para definir a natureza das relações com os

stakeholders, os autores adotam duas classificações: relacionamento de troca (prevê

7 Trata-se de um método quantitativo, que envolve a aplicação de um questionário com 46 perguntas ao público

de interesse, de preferência, em mais de uma oportunidade. Galerani (2006) traduziu o questionário para o

português e explica o funcionamento da metodologia. Recentemente, Grunig propôs uma avaliação qualitativa

dos relacionamentos, com a aplicação de entrevistas em profundidade ou grupos focais. O ideal, segundo

Galerani (2006), é que as duas partes envolvidas no relacionamento sejam ouvidas.

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benefícios ou recompensas entre os participantes) ou relacionamento comunal (a preocupação

central é o bem-estar do outro).

Para uma avaliação qualitativa dos relacionamentos planejados pelas organizações – e

sem a pretensão de obter os mesmos resultados previstos na aplicação criteriosa da

metodologia de Hon e Grunig – serão observados nas análises a seguir indícios ou relatos da

ocorrência de confiança, mútuo controle, comprometimento, satisfação e outros indicadores

que possam sinalizar qualidade e intensidade dos relacionamentos desenvolvidos na Ampla,

na Embrapa Pantanal, na Embrapa Soja e no Grupo Randon. O objetivo é verificar se a prática

da comunicação face a face instituída nessas empresas pode ter contribuído ou não para a

construção ou aprimoramento de relacionamentos de qualidade.

3.1 A vizinhança e a concessionária de energia

Conforme antecipado no capítulo 2, Ferreira (2011) desenvolveu sua tese sobre

diálogo social na concessionária Ampla para avaliar os resultados de um projeto de diálogo

social implantado pela organização para se comunicar/relacionar com a comunidade vizinha.

O pesquisador caracteriza teoricamente o diálogo social e avalia a adoção dessa prática pela

empresa.

De fato, a organização estabeleceu relacionamento com a comunidade do entorno,

ofereceu capacitação para os sujeitos envolvidos no diálogo social, manteve a prática

continuada dos encontros presenciais e, ainda assim, atendeu apenas parcialmente as

dimensões do diálogo social para o consenso. “Ela ainda está em um estágio anterior, o

diálogo participativo” (FERREIRA, 2011, p. 314).

Entre os aspectos responsáveis por esse resultado parcial estão a centralidade do

processo de mobilização comunitária e a propriedade do local dos encontros, decisões que,

segundo o estudioso, precisam ser revistas caso a empresa queira saltar para a condição do

diálogo para o consenso. A questão dos locais onde ocorrem as interações face a face será

debatida nesta tese, de forma mais profunda, no capítulo 7.

Uma das conclusões mais instigantes do estudo de Ferreira é que a prática da

comunicação face a face, através do método do diálogo social, provocou mudanças

significativas tanto na empresa como na comunidade. Conforme visto anteriormente, a Ampla

encarou um processo de abertura e conseguiu incorporar aspectos da cultura externa, enquanto

a comunidade vizinha passou a estabelecer expectativas e exigências diferenciadas em relação

aos agentes produtivos locais. Percebe-se, nesse caso, um indício de intensidade do

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relacionamento, considerando que se o vínculo criado fosse frágil, dificilmente promoveria

tais mudanças de atitude. A alteração de comportamento representa, nas concepções de

Ferreira (2011) e Galerani (2006), uma das possibilidades de ganho da comunicação

organizacional.

O depoimento de uma liderança dos usuários envolvida no diálogo social obtido pelo

pesquisador aponta para a percepção de que “a relação com a Ampla melhorou bastante. Eu

não vou dizer que o serviço melhorou tanto assim, mas a relação da empresa com o usuário

melhorou. A empresa está mais flexível” (FERREIRA, 2011, p. 303). A satisfação do

consumidor se manifesta no depoimento, no momento em que ele declara a evolução positiva

do relacionamento.

O autor da tese afirma ainda que o início da relação foi conturbado, porém, aos

poucos, as duas partes reconstruíram o relacionamento a partir de mudanças (planejadas pela

organização) na forma de atuar e reagir. Parte dessas transformações pode ser explicada pela

citação abaixo, que, apesar de longa, resume boa parte do pensamento do investigador a

respeito das potencialidades do diálogo presencial (daí a opção por reproduzi-la na íntegra):

Na interação dialógica face a face, estabelecida no cotidiano da relação entre

os agentes sociais, são instituídos o relacionamento, o grau de confiança, de

reciprocidade, as assimetrias e as complementaridades. Isto se dá pelo fato de

uma organização poder ser definida como um sistema de interações endógenas

e exógenas. Portanto, deveríamos fazer uma retomada da interação, por parte

das teorias da comunicação. Parte significativa do pensamento sobre interação

está atrelada à relação entre indivíduos. A relação entre uma pessoa jurídica e

uma pessoa física é pouco tratada. Todavia, o cruzamento do debate teórico

entre interação e reputação nos levou a considerar a comunicação como um

processo de interação dialógica com os stakeholders, em um sistema pautado

pela transparência e a ética. É um sistema permeado por conflitos,

significados, consonâncias e dissonâncias. A interação dialógica é um

processo de comunicação interpessoal no qual os agentes sociais

compartilham significados, mantêm, adquirem, mudam ou excluem valores

que constituem ou não a realidade (objetiva e subjetiva) em que vivem. Na

perspectiva organizacional, a interação é uma forma de resolver conflitos e

estabelecer canais de diálogo que equalizem as expectativas dos públicos de

interesse e as dela. A interação comunicativa trata do conteúdo e da relação –

comunicação e metacomunicação, respectivamente. Portanto, ao proferir um

discurso, o agente social está trabalhando o conteúdo em si e a relação com os

interlocutores. Quanto mais saudável for a relação, menos tempo será

destinado ao confronto relacional. Tais relações são duradouras porque estão

em constante desenvolvimento e constroem uma história compartilhada. A

continuidade e a consistência da relação são fundamentais. (FERREIRA,

2011, p. 319-320).

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A questão da confiança é profundamente discutida no estudo. Para o autor, “o conceito

de confiança passa pela necessidade de conhecer o outro e se dar a conhecer e reconhecer os

atributos positivos da identidade da organização (o que ela realmente é)” (FERREIRA, 2011,

p. 191). Novamente, depoimentos colhidos na pesquisa com a Ampla permitem averiguar a

ocorrência desse fenômeno envolvendo a organização, começando pela perspectiva de um

diretor: “a relação deles [clientes] com a empresa ficou menos distante e de mais confiança. A

gente ainda tem muito problema. São problemas de qualidade, de faturamento, de conta

errada, mas ele confia mais” (FERREIRA, 2011, p. 290, grifos nossos).

Do ponto de vista de um líder social, representante dos usuários da concessionária, a

confiança aparece subentendida no relato sobre a melhoria do relacionamento:

Hoje eu entendo a posição da Ampla. É um diálogo porque eles ouvem as

nossas críticas. Eu costumo dizer que tudo que é bom tem uma coisa que é

falha. [...] Existem falhas? Existem falhas, mas as falhas que eu vejo são

coisas pequenas. As coisas positivas que eu vejo são mais aproveitáveis. Tem

muito mais ganhos do que perdas [...]. (informação verbal) [de uma liderança

social pesquisada]. (FERREIRA, 2011, p. 288).

Ao instituir o programa de diálogo social com a comunidade do entorno, a Ampla

introduziu uma estratégia de comunicação que implica, igualmente, cuidado com o

relacionamento. A empresa se dispôs a ouvir esse stakeholder e o estudo da USP indica

avanços nas relações. Embora não seja possível afirmar categoricamente que os

relacionamentos construídos a partir dos contatos face a face refletem um alto nível de

qualidade, as conclusões do autor e depoimentos apresentados permitem inferir que não se

trata de relações superficiais.

As comunidades estudadas por Ferreira8 constituem um importante público externo

com o qual a empresa decidiu se relacionar. Assim como os habitantes do entorno, outros

grupos configuram-se como relevantes, seja para legitimar a reputação organizacional, seja

para ampliar seus negócios (e lucros). A proximidade física é uma variável condicionante para

a pesquisa que ele desenvolveu, entretanto, nem sempre o público de interesse se encontra tão

acessível geograficamente.

O fato é que, esteja ele perto ou longe, “[...] as organizações geralmente tomam

decisões melhores quando ouvem e colaboram com seus stakeholders, antes de tomar

decisões finais, em vez de simplesmente tentar persuadi-los a aceitar os objetivos

8 A pesquisa foi desenvolvida em cinco cidades do Rio de Janeiro.

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organizacionais depois que as decisões são tomadas” (HON; GRUNIG, 1999, p. 8, tradução

nossa)9.

3.2 Do virtual ao atual: reflexões sobre os visitantes no Pantanal

O trabalho desta autora na Embrapa e o desenvolvimento do estudo de caso

apresentado no capítulo 3 permitem observar que o processo de escuta de stakeholders

externos é prática sistemática de gestão da organização. Ao menos em duas ocasiões ele é

marcante: quando a empresa atualiza seu plano diretor – ação que ocorre, geralmente, a cada

quatro anos; e em intervalos menores, quando as unidades convocam reuniões de seus CAEs

(Comitê Assessor Externo), formados por representantes de setores produtivos e/ou da

comunidade envolvida com a atividade-fim da empresa.

Nem sempre esses públicos vivem nas redondezas da organização, como no caso da

concessionária de energia. Ademais, os contatos podem exceder os dois processos descritos

acima e ocorrer durante a vigência de projetos, sejam eles de pesquisa, de transferência de

tecnologia ou mesmo de comunicação. Assim como na empresa Ampla, a aproximação da

Embrapa Pantanal com o público de interesse selecionado permitiu a construção planejada de

relacionamentos por meio da comunicação face a face.

A propósito, os contatos presenciais foram priorizados ainda durante a etapa de

planejamento do projeto Construção da Imagem da Pecuária Sustentável do Pantanal, em

2009. É pertinente detalhar esse processo, já que a etapa de preparação é determinante na

concepção da hipótese. Após a solicitação de divulgação do caráter sustentável da pecuária

pantaneira pelo então chefe de pesquisa, mencionada no capítulo anterior, e a constatação de

que a demanda seria compatível com a missão da Embrapa Pantanal, reuniões presenciais

ocorreram entre os membros do setor de comunicação para discutir estratégias e iniciar a

elaboração da proposta.

Encontros face a face chegaram a envolver também a equipe de pesquisadores

convidados a participar do projeto, para que eles conhecessem a ideia e contribuíssem com

sua formulação. Ainda durante a fase de planejamento, a Embrapa Pantanal providenciou uma

viagem da proponente para conversas face a face com possíveis parceiros no Mato Grosso do

9 Para essa afirmação, os autores dizem se basear na obra de Michael Porter, especialista em administração

estratégica da Escola de Negócios de Harvard.

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Sul e no Mato Grosso, reuniões que se concretizaram também no segundo semestre de 2009 e

auxiliaram na elaboração da proposta10

.

Apesar de não ter ocorrido, durante o planejamento, uma consulta prévia aos

jornalistas que seriam contatados na fase de execução –, os veículos só foram definidos

posteriormente – a proposta buscou incorporar prováveis interesses desse público na

organização, na tentativa de contemplar o comprometimento mútuo. A Embrapa Pantanal se

empenharia em firmar relacionamentos mais sólidos com esse grupo e construir uma imagem

midiática positiva sobre a atividade econômica; os jornalistas – presumia-se – estariam

interessados em notícias (boas ou ruins) envolvendo o “santuário ecológico”.

O planejamento levou em conta as regras do Sistema Embrapa de Gestão, seguindo

rigorosamente os prazos e utilizando o modelo de projetos disponível, que prevê a

identificação da proposta e da proponente, descrição e estrutura, caracterização, equipe,

planos de ação, atividades e orçamento. Foram instituídos cinco planos de ação – gestão do

projeto, diagnóstico e monitoramento, estratégias para a mídia, comunicação para públicos

estratégicos e transferência de tecnologias. Para cada plano foram descritas as atividades

previstas, as equipes e instituições envolvidas, bem como os responsáveis pelos

acompanhamentos. Metas e resultados também foram estabelecidos durante o planejamento.

Após a aprovação do projeto pelas instâncias responsáveis, na sede da empresa, em

Brasília, a execução das atividades começou em março de 2010. Para esta tese, cabe detalhar

ações que contemplam a comunicação face a face e sua complementaridade com o uso de

tecnologias. Elas envolvem, basicamente, contatos com jornalistas da região Sudeste do Brasil

e com estudantes de comunicação da UFMS e UFMT.

É possível inferir que a ocorrência de um único contato presencial favorece o

estabelecimento de uma relação menos formal; entretanto, aparenta ser insuficiente para

instituir entre os atores a percepção de simultaneidade das correntes de consciência distintas,

isto é, o “envelhecer juntos” proposto por Schutz. Quando a duração desse encontro se

prolonga – como o registrado com os estudantes da UFMS e com as equipes de jornalistas,

que estiveram por mais de um dia na fazenda Nhumirim, as experiências fluem lado a lado

por mais tempo, permitindo a criação de uma “memória” visual e/ou afetiva entre os

interlocutores, reativada a cada novo contato.

10

Foram visitadas as duas universidades federais de MS e MT, a Acrimat (Associação dos Criadores de Mato

Grosso), a ABPO (Associação Brasileira de Pecuária Orgânica), a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária

de Mato Grosso do Sul), a WCS-Brasil (Associação Conservação da Vida Silvestre), a WWF-Brasil (World

Wildlife Fund, ou Fundo Mundial para a Natureza), a Secom/MT (Secretaria de Estado de Comunicação Social

do Governo de Mato Grosso), a Seprotur (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da

Indústria, do Comércio e do Turismo de Mato Grosso do Sul) e o Muhpan (Museu de História do Pantanal).

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Desde a última vez que estivemos juntos, você teve experiências novas e as

viu de novos pontos de vista. Com cada mudança de experiência e abordagem,

você se tornou uma pessoa levemente diferente. Mas, de algum modo, não

consigo manter isso em mente enquanto faço minhas coisas diárias. Levo sua

imagem comigo e ela permanece a mesma. Mas aí, talvez, ouço dizer que você

mudou. Então passo a ver você como um contemporâneo – não um

contemporâneo qualquer, é verdade, mas um que já conheci intimamente.

(SCHUTZ, 1979a, p. 216).

Qualquer grau razoável dessa intimidade mencionada por Schutz dificilmente se

estabelece em um único contato face a face, seja nas redações, na sala de aula ou mesmo no

Pantanal. Entretanto, a presença física e a cena comunicacional proporcionam a constituição

da memória acima citada, favorável ou desfavorável à ocorrência de novos contatos, e afastam

a possibilidade de instituição da indiferença11

.

Ao avaliar os relacionamentos com os estudantes antes, durante e depois do projeto,

constata-se que os vínculos partiram do inexistente – não havia qualquer tipo de contato entre

os acadêmicos de comunicação das duas universidades com a organização – e atingiram o

pico durante as viagens às fazendas em 2010 e 2011. Com os estudantes da UFMT, os

contatos se encerraram logo depois das viagens12

. Alguns ex-alunos da UFMS mantêm

conversas, de forma esporádica e mediada por tecnologias, com integrantes da Embrapa

Pantanal.

Em fevereiro de 2011, nove meses após o contato face a face na fazenda, a então

estudante A enviou a seguinte mensagem por e-mail: “Quero te convidar para nossa

formatura, já que fez parte da nossa formação. Se vier tem convite garantido”13

. O

reconhecimento de que o projeto da Embrapa contribuiu para a formação acadêmica e

profissional do grupo funciona como indício do comprometimento mútuo entre as partes

envolvidas no relacionamento: os estudantes foram importantes para o projeto, assim como o

projeto foi relevante para a formação dos alunos.

Por meio de uma rede social digital e da troca de e-mails, ex-alunos têm informado a

Embrapa Pantanal sobre suas conquistas profissionais, solicitam encaminhamento de

11

A indiferença faria parte do universo da incomunicação, caracterizada por Wolton (2010) como as situações

em que o outro está ausente, discorda ou rejeita a mensagem. 12

Alguns fatores podem ajudar a explicar o afastamento, como a distância física, o pouco tempo de contato (a

viagem durou apenas um dia) e a ausência de um elo de ligação, como o papel mediador exercido por

professores da UFMS com os alunos daquelas turmas. 13

A opção por não identificar as estudantes se deve ao caráter privado das mensagens. O e-mail em questão foi

recebido por [email protected] em 24 fev. 2011.

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currículos, sugerem outras parcerias e propõem novos encontros, conforme atestam as

mensagens trocadas pelo Facebook em abril de 2014 com a ex-aluna B, da UFMS:

4/26, 10:17am

Aluna: Oi Ana!! Vc estará em Corumbá no feriado? Tenho um casório no dia

3, daí se estiver por aí podemos nos ver. Faz tempo que tbm não vejo a Raquel

[Soares Juliano, pesquisadora da Embrapa Pantanal envolvida com o projeto]!

bjo grande =**

4/26, 11:20am

Ana Maio: Oi querida... infelizmente não. Estou fazendo meu doutorado e

morando em Marília (SP) até o começo de 2016, quando volto para

Corumbá.[...] Mas vamos manter contato e quando der, a gente se encontra

sim.... Saudades!!! Bjs

4/27, 11:55pm

Aluna: com ctz!! não perco vcs de vista hehe por mais que nosso convívio

tenha sido restrito a uma viagem, foi tão bom!! Mantenhamos contato sim!!

bjo grande e sucesso no doc e bjo na Raquel tbm. (MAIO, 2014b).

A manifestação espontânea da ex-estudante depois de quatro anos da viagem – que

ocorreu em maio de 2010 – revela a satisfação vivenciada durante o encontro presencial. Ao

proferir o julgamento “foi tão bom!!”, a interlocutora está afastada da situação face a face e

pensa, reflexivamente, sobre as experiências vividas em conjunto, exatamente como sugere

Schutz. Não se trata, obviamente, de um comportamento generalizado; no entanto, nota-se

que a iniciativa foi marcante para esse indivíduo. A troca de mensagens deixa em aberto

futuras conversas cara a cara – que poderão ou não ocorrer. De qualquer modo, são sujeitos

que transitaram da condição de contemporâneos para a de semelhantes e voltaram a de

contemporâneos, porém com a incorporação da “intimidade” descrita por Schutz.

As equipes de jornalistas que visitaram fazendas no Pantanal também tiveram um

período de convivência maior com os anfitriões, o que indubitavelmente repercutiu na

qualidade e na continuidade dos relacionamentos. Nos casos em que os encontros foram mais

breves, como nas visitas às redações, alguns relacionamentos se prolongaram por meio da

troca de mensagens por e-mail. No ambiente físico de trabalho, o Outro – que antes se

manifestava por som e texto – surge encarnado; voz, corpo e rosto se personificam. Muniz

Sodré (2006, p. 13) contribui para essa abstração:

É que se trata propriamente do que está aquém ou além do conceito, isto é, da

experiência de uma dimensão primordial, que tem mais a ver com o sensível

do que com a medida racional. Por exemplo, a dimensão da corporeidade nas

experiências de contato direto, em que se “vive”, mais do que se interpreta

semanticamente, o sentido: sentir implica o corpo, mais ainda, uma necessária

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conexão entre espírito e corpo. Ou então, a dimensão da imagem, em que o

afeto e a tatilidade se sobrepõem à pura e simples circulação de conteúdos.

A vivência do sentido, dentro da perspectiva de Sodré, explica a intencionalidade da

Embrapa Pantanal ao priorizar a comunicação face a face como mecanismo de interação com

esses públicos. É notória, no entanto, a complementaridade assumida pela comunicação

mediada na preparação dos encontros presenciais e na continuidade das conversas.

Dificilmente os relacionamentos teriam se consolidado sem o uso conjugado dos canais.

Alguns contatos que começaram virtuais, na concepção adotada por esta tese,

tornaram-se relacionamentos atuais durante os encontros face a face e sua sequência por meio

da mediação tecnológica. Assim como no caso dos estudantes, pode-se afirmar que

jornalistas, classificados inicialmente como contemporâneos, se tornaram semelhantes e, após

a suspensão dos diálogos presenciais, voltaram à condição de contemporâneos, mas “não um

contemporâneo qualquer”.

O ponto alto da comunicação face a face com os jornalistas ocorreu durante as visitas

ao Pantanal. A maioria das sete equipes desenvolveu uma reação positiva ao participar da

imersão, verificada por manifestações verbais e não-verbais observadas no campo14

. Durante

os três ou quatro dias em que trabalharam na região, repórteres e fotógrafos demonstraram

satisfação por participar da vivência, se integraram ao ambiente e se mostraram abertos aos

novos relacionamentos.

Visitantes e anfitriões compartilharam vivências de caráter estritamente profissional,

ao mesmo tempo em que trocaram experiências pessoais nos momentos das refeições, do

descanso, durante os longos trajetos percorridos e nas conversas informais que intercalavam

as entrevistas e fotografias. Essas situações representam uma realidade pouco convencional

nas rotinas do fazer jornalístico e praticamente utópica nos casos de relacionamentos

mediados por tecnologias.

Passados quatro anos do final do projeto, observa-se que as relações mais sólidas e

duradouras são aquelas que tiveram maior número de contatos presenciais e mediados,

exatamente como prevê a teoria de Haythornthwaite (2005). Os grandes jornais que

participaram da experiência reestabeleceram o contato com a Embrapa Pantanal, conforme

relatado no capítulo anterior. Com o profissional do programa Globo Rural, da TV Globo, o

contato também perdurou.

14

Detalhes da imersão serão abordados no capítulo 7, que trata da função mediadora do espaço físico nas

relações sociais.

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Três profissionais desse grupo em que ocorreu maior número de contatos foram

convidados a opinar no processo de revisão do plano diretor da Embrapa Pantanal ao final de

2014, uma oportunidade de exercer o mútuo controle da relação. Dois responderam assim que

solicitados. Um deles escreveu: “Como vai, Ana, tudo certo? Conte comigo. Depois te ligo

para conversarmos com calma”; o outro profissional também se manifestou: “Bom dia Ana,

tudo bem por aqui e vc? Viu, eu recebi o e-mail com o formulário sim e respondi no dia

seguinte até. Enviei em seguida. Acho que fiz tudo certo rs rs. Será que não chegou ou eu

errei ao enviar? Vou dar uma conferida aqui”15

. O terceiro profissional não respondeu ao

convite feito por e-mail.

Sintetizando: os relacionamentos com jornalistas foram gerados a partir de 2010, com

a implantação do projeto, tiveram seu ápice durante os encontros face a face, ocorridos entre

2010 e 2012, e se mantêm, de forma branda e esporádica, no período pós-projeto, basicamente

por meio do uso de tecnologias para os contatos. Esse ciclo parece natural, assim como

aparenta ser simples a retomada das conversas, caso haja interesse por qualquer uma das

partes. Evidencia-se uma predisposição de colaboração mútua.

3.3 A tentativa de quebrar o distanciamento na Embrapa Soja

Na Embrapa Soja a pesquisa que avalia a importância da oralidade na comunicação

interna também avança em direção ao caráter relacional das interações face a face. A

fundamentação teórica da tese de doutoramento de Martins aponta caminhos que coincidem

com a premissa de “comunicar para relacionar”. Logo na introdução, a autora afirma que “os

interlocutores recebem, processam, produzem e reproduzem comunicação que repercute nos

relacionamentos e gera transformação” (MARTINS, 2012, p. 17).

De acordo com a pesquisadora, mesmo no contexto organizacional, os interlocutores

buscam pelas relações humanas. Ela explica que a identidade organizacional é construída a

partir das pessoas responsáveis pelos produtos e serviços, e não por robôs. Para Martins

(2012, p. 55), “se barreiras existirem nas interações entre atores, este será um fenômeno

relacional com foco em pessoas e não em tecnologia”. Essa manifestação reforça a ideia de

que a essência da comunicação e dos relacionamentos não é transferida automaticamente para

as máquinas.

15

O primeiro e-mail foi recebido no dia 27 nov. 2014 por [email protected]; o segundo chegou na mesma

data por [email protected].

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Da mesma forma, a estudiosa reserva às interações face a face uma identificação com

aspectos estratégicos da comunicação organizacional. Ela acrescenta que

a comunicação interna moderna requer práticas conservadoras, sendo a

oralidade uma estratégia indissociável do sucesso na gestão de pessoas. A base

da comunicação está no relacionamento entre as pessoas, a organização se

comunica pelas pessoas, portanto, meios eletrônicos, redes sociais e outras

formas de comunicação presentes nas rotinas administrativas servem somente

como ferramentas, embora com reduzido grau estratégico para a comunicação.

(MARTINS, 2012, p. 64).

Martins visualiza em sua tese alguns dos efeitos sociais que a adoção da oralidade na

comunicação interna pode proporcionar. Para a investigadora, “comunicação é

relacionamento humano e implica considerá-la fator presente entre os indicadores para que a

sociedade de hoje consiga coexistir com as organizações” (MARTINS, 2012, p. 65). Mais do

que uma opção de meio de comunicação, a autora enxerga a oralidade como uma orientação

de sua política de relacionamentos.

Exatamente como no caso Ampla, Martins (2012) aponta que a comunicação oral na

Embrapa Soja promove mudanças de comportamento nas partes envolvidas: os chefes da

unidade passam a conhecer as expectativas dos subordinados; por outro lado,

o valor do diálogo e das interações foi marcante nas inferências dos

empregados que declararam apreciar exposição oral de seu líder imediato, pois

confirmaram que a comunicação face a face era uma forma de interação que

permitia adequações imediatas às necessidades, à linguagem e às condições do

interlocutor. (MARTINS, 2012, p. 222).

Essa constatação funciona também como indício de intensidade dos relacionamentos,

condição que justifica a ocorrência de transformações nas posturas profissionais. Em sua

pesquisa de campo, a investigadora entrevista funcionários e dirigentes da unidade para

verificar o uso estratégico da comunicação oral no ambiente de trabalho e, consonante com a

fundamentação teórica apresentada, constata que o uso dessa modalidade de interação

extrapola a simples transmissão de mensagens. Esse posicionamento se evidencia quando um

dos chefes locais – identificado no estudo como Sujeito A – reconhece o aspecto relacional da

comunicação:

O trabalhador de campo é estratégico para a unidade. Quebrar a barreira de

comunicação, a barreira de posição, aí a pessoa começa a falar livremente. Ele

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fica mais franco com a gente. Mais importante que a linguagem é quebrar o

distanciamento. Deixa mais calcado no contato face a face. A estratégia que eu

uso não é a comunicação, sim a forma de relacionamento, criar intimidade,

diálogo mais franco, comunicação melhor. Melhora o processo de

comunicação (Sujeito A). (MARTINS, 2012, p. 164).

Esse e outros dirigentes revelam que o contato face a face permite ajustes mais

imediatos no processo de comunicação, característica interacionista que será aprofundada no

próximo capítulo. Alguns dados levantados pela pesquisa de campo de Martins (2012)

indicam também a relação da comunicação face a face com a satisfação dos funcionários. Ela

perguntou aos empregados da organização como era o relacionamento entre eles e o superior

imediato do setor onde atuavam. “As respostas apuradas mostraram que os sujeitos

aprovavam a capacidade relacional da liderança imediata, pois 66% afirmaram estar

satisfeitos e 19% disseram estar totalmente satisfeitos com estas relações” (MARTINS, 2012,

p. 197). Convém destacar que essas relações são permeadas pela oralidade, de acordo com a

tese.

Valores como confiança, franqueza e sinceridade também são associados à

comunicação presencial de acordo com a coleta de dados da investigadora. Um dos chefes da

Embrapa Soja, identificado como Sujeito C, declara:

Olha, eu vejo assim a questão da confiança e da sinceridade, da franqueza eu

vejo isso como fundamental. [...] quando a gente conversa, quando a gente

ouve, não significa que a gente tenha que concordar. Então isso eu sempre falo

de uma forma bem franca e transparente. [...] então eu sempre procuro ser

muito transparente nesse relacionamento. [...] E essa construção acontece

melhor quando a relação não é mediada pela tecnologia, ou seja, quando a

relação é feita face a face (Sujeito C). (MARTINS, 2012, p. 174).

Chefias da Embrapa Soja informaram à pesquisadora que a oralidade teria sim um

caráter estratégico não só para aprimorar a comunicação interna como para provocar impactos

no estreitamento da relação profissional. Um supervisor chegou a comentar que a palavra

falada dava “emoção àquilo que é pedido por escrito” (MARTINS, 2012, p. 193). Em se

tratando de relações humanas, ainda que no cenário organizacional, não se vê equívocos ao

acrescentar doses de emoção na rotina de trabalho.

3.4 Mudanças e engajamento na rede social presencial

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134

A interação e o engajamento de funcionários do Grupo Randon, de Caixas do Sul

(RS), são tema de estudo de Bettega (2013), que avalia a formação de uma rede social

presencial sob a perspectiva dos movimentos culturais. Uma vez por ano o grupo reúne mais

de oito mil empregados e seus familiares – totalizando cerca de 16 mil pessoas – em um

evento chamado Roda do Chimarrão. A autora explica que o momento é rico para a

transmissão da tradição gaúcha, para a criação do sentimento de pertença à organização e para

a interação entre os participantes.

Bettega também admite a proximidade entre os conceitos de comunicação e

relacionamento. Segundo ela, “os relacionamentos são formas que visam aproximar pessoas e

são constituídas por meios e ferramentas de comunicação que servem para fazer a mediação

social” (BETTEGA, 2013, p. 126). O que a autora chama de redes sociais presenciais são

justamente o diálogo face a face e as interações pessoais.

No caso do Grupo Randon, a Roda do Chimarrão começou em 1984, sempre como

forma de valorizar a cultura gaúcha por meio de manifestações artísticas e gastronômicas. A

própria longevidade do evento torna-se indício da qualidade dos relacionamentos construídos

por meio dessa rede social presencial. Ademais, a iniciativa promove a aproximação física do

quadro de funcionários e seus familiares, ação que interessa à comunicação corporativa.

Bettega sintetiza as ações de relacionamento que a Roda do Chimarrão é capaz de

proporcionar aos participantes: mobilização, engajamento, interação, orgulho, pertencimento,

ação e mudança. Esse último item coincide com relatos apresentados pela Ampla e pela

Embrapa Soja e sugere a intensidade dos relacionamentos presenciais: “a ação adotada pela

organização, enquanto prática de envolvimento dos indivíduos em festividades, pode

desenvolver um ambiente favorável à convivência dos colaboradores organizacionais e

provocar mudanças nas formas de os mesmos atuarem como profissionais” (BETTEGA,

2013, p. 134).

No caso da interação, a autora avalia que o evento proporciona momentos de trocas

simbólicas entre os interlocutores. “O mecanismo adotado para que a interação ocorra os leva

à convivência em equipe e busca mostrar a importância do bom relacionamento inter e

intrapessoal” (BETTEGA, 2013, p. 133).

Ela recorre a David Berlo (1968, p. 118-119, grifo do autor) para definir o fenômeno:

“o termo interação denomina o processo de assunção recíproca de papéis, o desempenho

mútuo de comportamentos empáticos”. No entendimento desse autor, quando ocorre a adoção

recíproca de papéis, os sujeitos se encontram em comunicação por interagirem um com o

outro.

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A inclusão das ideias de Berlo em estudos que envolvam a comunicação sob a

perspectiva relacional faz todo o sentido. Na década de 1960 esse autor já vislumbrava a

comunicação como processo, uma concepção embrionária do paradigma relacional sustentado

por pesquisadores contemporâneos da comunicação organizacional.

Se aceitarmos o conceito de processo, veremos os acontecimentos e as

relações como dinâmicos, em evolução, sempre em mudança, contínuos.

Quando chamamos algo de processo, queremos dizer também que não tem um

começo, um fim, uma sequência fixa de eventos. Não é coisa estática, parada.

É móvel. Os ingredientes do processo agem uns sobre os outros; cada um afeta

todos os demais. (BERLO, 1968, p. 29, grifos do autor).

Desde o século passado, portanto, pesquisadores da comunicação já prenunciavam as

relações como evolutivas, contínuas, móveis e, por que não, líquidas. O estado de “fusão” dos

relacionamentos16

– e dos acontecimentos – havia sido observado pelo pesquisador norte-

americano, o que torna ao menos parte de sua obra bastante atual. Berlo (1968, p. 119)

também insistia em definir a interação como “o ideal da comunicação, a meta da comunicação

humana”, sua primaz finalidade.

Retomando o estudo de Bettega, torna-se patente que a comunicação face a face

promovida pela rede presencial explica o aparecimento de novas identidades alicerçadas nos

movimentos de cultura popular dentro do ambiente organizacional. Por sua vez, essas novas

identidades estão condicionadas à ocorrência das interações face a face. O caso Randon

inscreve-se como mais um exemplo de que a comunicação extrapola a função de transmissão

de conteúdos e coopera para a criação e manutenção de relacionamentos entre o público

interno da organização.

Nas quatro situações apresentadas acima nota-se que, de fato, a comunicação traduz-se

em relacionamento, seja com públicos internos ou externos, próximos ou distantes. A questão

que surge a partir desta análise é “relacionar para que?”. No contexto organizacional, parece

inverossímil que a busca por relações com stakeholders tenha como finalidade a construção

de amizades ou outro tipo de aproximação desinteressada.

Os relacionamentos entre empresas são sustentados por interesses ligados ao mundo

dos negócios, sejam eles a ampliação direta dos lucros, a criação de parcerias estratégicas, o

investimento em redes de contatos, aproximações para fins políticos e até mesmo a

necessidade de adequar a troca de conteúdos. É provável que nas organizações estudadas a

16

A passagem da água do estado sólido para o líquido recebe o nome de fusão.

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criação de relacionamentos sirva para melhorar o próprio intercâmbio de mensagens,

estabelecendo um mecanismo autorrenovável e circular de interesses/necessidades. A

comunicação alimenta o relacionamento que retroalimenta a comunicação. Sobrepostos, os

dois fenômenos se autofavorecem. Pode-se falar, assim, em metacomunicação e também em

metarrelacionamento.

4. Interpretação e validação da hipótese

O componente relacional da comunicação, abordado pelas correntes teóricas

defendidas por Schutz e pelos estudiosos de Palo Alto, aliado às pesquisas que associam a

comunicação face a face à construção e manutenção de relacionamentos nas organizações

permite confirmar, reservadamente para os casos pesquisados, a primeira hipótese desta tese:

quando adotada de forma planejada, a comunicação face a face permite que as

organizações construam e aprimorem relacionamentos com seus públicos de interesse.

Conforme mencionado no detalhamento metodológico, é preciso cautela em relação às

generalizações em pesquisa social – a aceitação da hipótese pode sinalizar uma tendência,

entretanto, não constitui verdade absoluta ou incontestável.

No momento em que organizações como a Ampla, a Embrapa Pantanal, a Embrapa

Soja e o Grupo Randon planejam ações de comunicação face a face – seja através de projetos

específicos ou de suas políticas de comunicação –, elas estão em busca de relacionamentos

mais sólidos e duradouros com seus públicos de interesse.

A confirmação, no entanto, requer atenção especial à ideia de planejamento da

comunicação presencial. Os mesmos resultados dificilmente seriam obtidos levando-se em

conta apenas os contatos face a face casuais, que ocorrem de forma rotineira em qualquer

organização. Planejar as interações cara a cara significa estabelecer objetivos, metas e

resultados, além de uma programação a ser cumprida dentro de um determinado período.

Cabe ainda considerar a necessidade de avaliação das ações e eventuais ajustes para o

aprimoramento das relações com os públicos de interesse. Todas as empresas estudadas neste

capítulo planejaram suas interações face a face.

A hipótese aponta ainda que a comunicação face a face permite que as organizações

construam os relacionamentos desejáveis, porém, não garante, por si só, que esse objetivo seja

alcançado. Um dos senões pode se localizar no fato de as organizações estudadas priorizarem

em determinada circunstância a comunicação presencial, embora ela não ocorra de forma

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isolada. O sucesso de projetos que visam estabelecer relacionamentos está condicionado ao

uso de múltiplos meios de comunicação, especialmente quando o fator “distância” é limitante,

como no caso da Embrapa Pantanal. No entanto, mesmo entre a organização e seu público

interno ou aquele que vive nas redondezas, é plausível que se usem telefones, mensagens

instantâneas, e-mails e outros canais para iniciar ou fortalecer os relacionamentos em questão.

Embora a interação tecnologicamente mediada ofereça esse suporte, não restam

dúvidas de que a comunicação face a face incrementa os contatos e permite construir relações

diferenciadas ao longo do tempo. A continuidade das interações caracteriza os

relacionamentos, ainda que não haja padrões ou regras que delimitem prazos de validade. Os

contatos serão sempre intermitentes, porém, tornam-se a base das relações sociais. É somente

na continuidade que os indivíduos em relação terão oportunidade de conhecer melhor suas

identidades, motivações, intenções e reações. Relacionamentos interrompidos suspendem esse

processo. O afastamento tende a tornar os interlocutores meros contemporâneos, na

perspectiva de Schutz.

No âmbito da sociedade midiatizada, os canais de comunicação mediada podem ser

considerados imprescindíveis para a manutenção dos relacionamentos, embora essa mesma

sociedade se mostre receptiva às relações mais humanas construídas por meio de encontros

presenciais. A combinação equilibrada das duas modalidades mostra-se imperativa para a

gestão de relacionamentos organizacionais.

A consciência da relação e as definições mútuas sobre o relacionamento constituem

requisitos para que o laço entre os atores não se dissolva. Indivíduos em relação buscam

definir para si os mecanismos de funcionamento desse ato e reagem às definições do Outro.

Não precisam, necessariamente, concordar ou manter pensamentos equivalentes; é necessário,

no entanto, que reconheçam subjetivamente o relacionamento. Ainda na esteira de Schutz,

pressupõe-se que linguagem e motivações comuns atuem como combustíveis para o estar em

relação.

Os estudos organizacionais avaliados contribuem, de alguma forma, para que a

percepção dos relacionamentos em questão aflore tanto entre os pesquisadores que elegem

seus objetos de estudo, quanto entre os próprios atores representados nos trabalhos científicos

– e que são estimulados a refletir sobre as relações ao serem entrevistados ou participarem de

algum modo das pesquisas.

Os autores dos trabalhos comprometem-se com o distanciamento epistemológico

possível para proceder a análise científica da metacomunicação no universo que se propõem a

avaliar. Os sujeitos entrevistados refletem sobre as relações – distanciando-se delas – na

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tentativa de colaborar com a investigação. Há um despertar para a inter-relação entre

comunicação e relacionamento. A própria ciência promove a metacomunicação.

Pesquisadores e atores entrevistados por eles mencionam, de forma recorrente, alguns

dos indicadores selecionados por Hon e Grunig em sua metodologia que atesta a qualidade

dos relacionamentos. A referência a esses indícios sugere que foram construídas relações de

alta qualidade, embora não seja possível classificá-las de forma categórica como tais, já que

não houve mensuração.

Outros indicadores, como a continuidade/longevidade dos relacionamentos e as

mudanças de comportamento constatadas a partir dos contatos face a face, não devem ser

menosprezados. É certo que contatos exclusivamente virtuais podem se prolongar no tempo,

porém, não chegam a constituir relacionamentos atuais, de acordo com os conceitos adotados

por esta tese. Da mesma forma, a possibilidade de modificações nos comportamentos de

interlocutores é passível de ocorrer em contatos tecnologicamente mediados. Não são

conhecidos, no entanto, o grau e a profundidade dessas mudanças. No grupo Randon, Bettega

(2013) chega a relatar o aparecimento de novas identidades culturais a partir dos encontros

presenciais.

A discussão da hipótese conduz ainda a uma questão metodológica levantada pelo

grupo de Palo Alto: por que uma relação existe e como ela existe? A primeira resposta indica

a natureza do relacionamento. As quatro organizações promovem relacionamentos de troca

com seus públicos – e não relacionamentos comunais. Isso significa que as relações persistem

em função de motivações comuns e interesses dos interlocutores.

A segunda resposta é mais complexa. A questão de “como” as relações existem deve

ser respondida em dois tempos, considerando o passado e o presente. Em determinada

circunstância – o recorte realizado pelos quatro estudos organizacionais – elas existiram de

forma presencial, configurando seus participantes como semelhantes e induzindo a um

envelhecer juntos. Estabeleceram-se, naquelas situações dadas, relacionamentos intensos e,

muito provavelmente, de qualidade. No presente, especialmente no caso da Embrapa Pantanal

– onde se sabe que o projeto foi interrompido –, os semelhantes retornaram ao estado de

contemporâneos. Não se trata apenas de uma substituição de nomenclatura, mas da

constatação de ocorrência de um processo que institui, entre outras instâncias, o grau de

confiança e o relacionamento do Nós. O contemporâneo “que já conheci intimamente” é

distinto daquele que se reproduz indefinidamente como um contemporâneo qualquer. A

comunicação face a face se apropria dessa condição como indicador de seu diferencial.

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No capítulo seguinte, serão desvendadas características da teoria de George Mead e

outros estudiosos a respeito das interações simbólicas. Durante o contato, seja ele mediado ou

presencial, os interlocutores têm acesso a sinais que possibilitam prever a reação alheia e

ajustar a fala. Entretanto, os elementos não-verbais presentes exclusivamente nos encontros

face a face tornam esse processo menos sujeito a imprecisões. Assim como neste capítulo,

além dos argumentos teóricos, essa percepção se concretiza nas pesquisas empíricas do campo

da comunicação organizacional selecionadas para o corpus desta tese.

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Capítulo V – REAÇÕES PREVISÍVEIS E AJUSTES DO

DISCURSO ORGANIZACIONAL

O universo da comunicação não-verbal e o processo de significação sustentam parte

do conteúdo deste capítulo, que introduz uma discussão a respeito das deixas simbólicas,

pistas comunicacionais ou signos, componentes não-verbais das conversações que interferem

na interpretação e compreensão de mensagens. Aprofundar esse conhecimento é relevante

para a validação da hipótese 2: a comunicação face a face proporciona na interação com o

interlocutor a observação direta de suas reações; com isso, a organização que utiliza a

comunicação face a face de forma planejada obtém acesso a elementos não-verbais que

permitem prever essas reações e ajustar seu discurso.

A abordagem prossegue com a apresentação do pensamento de George Mead a

respeito da previsibilidade das reações alheias e, em seguida, elenca aportes teóricos que

reforçam a ideia de que é possível planejar a comunicação com base na antecipação do

comportamento do Outro e ajustar os discursos previamente. Toda essa discussão passa a ser

dirigida à comunicação organizacional a partir de observações contidas em estudos realizados

na Embrapa Soja (PR), na concessionária Ampla (RJ) e no estudo de caso da Embrapa

Pantanal (MS). A etapa final do capítulo, que inclui a discussão e validação da hipótese,

amplia o entrelaçamento entre as contribuições teóricas e a prática das organizações.

1. Deixas simbólicas e os elementos da comunicação analógica

A abordagem sobre comunicação não-verbal requer uma explicação a respeito das

deixas simbólicas, termo adotado por Thompson (2008) para se referir ao conjunto de sinais

perceptíveis durante o desenvolvimento da interação e que orientam a interpretação do

conteúdo. Conforme antecipado, os estudiosos de Palo Alto denominam as deixas simbólicas

de “pistas comunicacionais”, que estariam ligadas ao contexto onde o processo interativo se

desenvolve e contribuem para a compreensão da pragmática da comunicação. No entanto,

Watzlawick, Beavin e Jackson (2007) explicam que o estudo da comunicação humana

também absorve aspectos sintáticos (relativos à transmissão) e semânticos (ligados à

significação) do processo. “Conquanto seja perfeitamente possível transmitir séries de

símbolos com exatidão sintática, eles permaneceriam desprovidos de significado se o emissor

e o receptor não tivessem antecipadamente concordado sobre a sua significação”

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(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 19, grifo nosso). Ou seja, é necessário que

haja uma “convenção semântica” para que os interlocutores consigam interpretar não somente

o discurso engendrado no âmbito da comunicação verbal como as pistas comunicacionais

atreladas à comunicação não-verbal, que esses teóricos aproximam do conceito de

“comunicação analógica”:

O que é, pois, a comunicação analógica? A resposta é relativamente simples:

virtualmente é toda a comunicação não-verbal. Este termo, entretanto, é

equívoco, porque está frequentemente restringido aos movimentos corporais,

apenas, ao comportamento conhecido como cinético. Nós sustentamos que o

termo deve abranger postura, gestos, expressão facial, inflexão de voz,

sequência, ritmo e cadência das próprias palavras, e qualquer outra

manifestação não-verbal de que o organismo seja capaz, assim como as pistas

comunicacionais infalivelmente presentes em qualquer contexto em que uma

interação ocorra. (WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 57, grifo

dos autores).

Enquanto os teóricos da Califórnia, Thompson e o próprio Mead admitem que a

comunicação não-verbal envolve o intercâmbio de símbolos, o austríaco Alfred Schutz

prefere falar em troca de “signos”. É nesse ponto, especificamente, que os pensamentos desse

estudioso se tornam dissonantes em relação à obra de George Mead. De acordo com Helmut

Wagner (1979), discípulo de Schutz e responsável pela publicação de uma coletânea póstuma

do mestre, deve ser valorizada a distinção terminológica entre símbolo e signo elaborada pelo

autor.

Na verdade, ao propor a teoria de signos e símbolos, Schutz trava uma discussão sobre

como comunicar experiências transcendentes de outras instâncias de significado para o mundo

da vida cotidiana. Para isso, ele relaciona os conceitos de experiência e transcendência. De

acordo com João Carlos Correia (2004, p. 169), “Schutz insistirá em que o único modo em

que as transcendências do mundo podem ser incluídas na experiência imediata é através dos

processos de referência apresentacional proporcionadas pelas marcas, indicações, signos e

símbolos”.

Enquanto as definições de marcas e indicações estariam associadas às categorias de

representações mais simples, envolvendo lembretes subjetivos e indicadores de fatos, objetos

ou eventos para serem notados, as noções de signos e símbolos são trabalhadas de forma mais

complexa.

Quanto aos signos, são artefactos feitos ou usados por alguém para comunicar

alguma ideia a alguma outra pessoa. O signo remete a alguma intenção de

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expressão e utilização por parte de seu utilizador e aponta para alguém que lê

o signo e recebe sua mensagem. Quando olhamos para um signo não o

olhamos como um objeto, mas como algo representativo de outra coisa

qualquer. (CORREIA, 2004, p. 170).

Na concepção de Schutz, nem todos os signos pressupõem a intenção de comunicar. Já

a comunicação implica a utilização de signos propositais, pois indica que o comunicador

deseja ser compreendido pelo interlocutor, que pode ou não estar presente na cena

comunicacional. É absolutamente necessário que os interlocutores compartilhem um sistema

comum de códigos para que seja possível a interpretação desses sinais.

De acordo com Wagner (1979), os signos não existem em si. Potencialmente, passam

a existir a partir do momento em que pessoas ou grupos de pessoas lhe atribuem significado.

Em função disso, verifica-se que o signo carece de interlocução; somente o processo de

atribuição de sentido tornará possível sua inteligibilidade, interpretação ou compreensão1. “O

reconhecimento do signo como signo e o seu significado correto, isto é, „intencionado‟,

dependem do uso do mesmo sistema objetivo de signos pelas duas partes” (WAGNER, 1979,

p. 21).

Se os signos, para Schutz, referem-se a um conjunto de experiências que integram o

mundo circundante dos atores envolvidos na interação, os símbolos fariam parte de outra

dimensão, mais precisamente daquela que traduz experiências ulteriores à realidade da vida

cotidiana.

O símbolo pode ser definido como uma referência de apresentação de ordem

superior na qual o membro do par que apresenta é um objeto, fato ou evento

da realidade de nossa vida cotidiana, enquanto o outro membro do par, o que é

apresentado, se refere a uma ideia que transcende nossa experiência da vida

cotidiana. (SCHUTZ, 1979b, p. 243).

De acordo com Wagner (1979, p. 22), “os símbolos são, segundo ele [Schutz], signos

de outra categoria, ou signos de signos”. Essa imersão na teoria dos signos e símbolos

elaborada por Alfred Schutz permite averiguar, assim, que sua definição de signo estaria mais

próxima do que George Mead trata por símbolos e Thompson por deixas simbólicas.

1 Ao detalhar os processos de significação, Orlandi (2001) explica que não é apenas quem escreve que significa;

quem lê também produz sentidos. Ela se baseia em estudos de Halliday (1976 apud ORLANDI, 2001) para

diferenciar o inteligível (a que se atribui sentido atomizadamente, codificação) do interpretável (a que se atribui

sentido levando-se em conta o contexto linguístico, coesão) e do compreensível (é a atribuição de sentidos

considerando o processo de significação no contexto de situação, colocando-se em relação

enunciado/enunciação). Os conceitos de enunciado e enunciação serão retomados no próximo capítulo, que

explora a análise de discurso.

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Observa-se, ainda, uma natural aproximação entre a discussão de elementos da

comunicação não-verbal e alguns estudos ligados à análise de discurso de origem francesa, a

chamada AD. Embora o campo de atuação da AD seja substancialmente mais amplo, há que

se admitir que o conhecimento em torno das deixas simbólicas manifestas na conversação

pode contribuir para a elucidação das chamadas “condições de produção”, especialmente de

discursos presenciais2.

Os signos potencializam a compreensão do contexto e dos comportamentos dos

participantes de uma cena interativa – embora a AD extrapole (e muito) a análise contextual e

comportamental. A proposição de Schutz sobre os signos remete, ainda que potencialmente,

ao exercício da análise discursiva:

O número de ambiguidades associadas à noção de “entender outra pessoa”

torna-se ainda maior quando introduzimos a questão da compreensão dos

signos que ela está usando. De um lado, há o que é compreendido no signo em

si, há ainda o que a outra pessoa quer dizer com o uso desse signo e,

finalmente, o significado do fato de que ela está usando o signo aqui, agora e

nesse determinado contexto. (SCHUTZ, 1979a, p. 164, grifos do autor).

A discussão acima se anexa ao pensamento de George Mead na medida em que esse

estudioso sugere uma fina sintonia entre a consciência individual, o processo de significação e

as interações sociais, conduzida pela mediação simbólica, isto é, “por meio da linguagem ou

de gestos, as pessoas criam significados” (SILVA, P., 2007, p. 86).

2. George Mead e a previsibilidade das reações do Outro

Em sua única obra, publicada em 19343, três anos após a sua morte, George Mead

recorre à psicologia social para explicar o vínculo entre o comportamento humano e o meio

em que ele se desenvolve. O autor lançou subsídios para a construção da corrente teórica que

seu discípulo Herbert Blumer denominaria, posteriormente, de “interacionismo simbólico”.

De acordo com essa concepção, a simbolização adquire status privilegiado na sociedade, já

que “os homens não agem em função das coisas, mas do significado que as coisas tomam no

2 O conceito de “condições de produção” é fundamental para a AD e pode ser definido como “o conjunto dos

elementos que cerca a produção de um discurso: o contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde

falam, a imagem que fazem de si, do outro e do assunto de que estão tratando. Todos esses aspectos devem ser

levados em conta quando procuramos entender o sentido de um discurso” (BRANDÃO, 2009, p. 6). 3 Mind, Self and Society não foi traduzida para o português. Esta tese utilizou a versão em espanhol, publicada

em 1973.

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145

processo de comunicação” (RÜDIGER, 2011, p. 40). Para os interacionistas, os símbolos

fundamentam o processo de comunicação e, por isso, exigem um reconhecimento coletivo. De

acordo com Francisco Rüdiger (2011, p. 42), são eles que “permitem planejar o próprio

comportamento e interagir em conjunto”.

Mead propõe um deslocamento do sujeito, ou seja, que os indivíduos em interação

procurem se colocar no lugar do Outro na tentativa de prever suas reações – com base nos

processos de significação e não em abstratas especulações. Essa atitude requer atenção

especial aos “gestos” que servem de estímulo às reações alheias4. Quando o gesto pode ser

interpretado e concorre para a adaptação do Outro – e para a autoadaptação de quem

manifestou o sinal anterior – ele pode ser entendido como símbolo significante.

A comunicação consciente – a conversação consciente de gestos – surge

quando os gestos se tornam signos, quer dizer, quando chegam a ter, para os

indivíduos que os fazem e os que reagem a eles, significações definidas, em

termos do comportamento subsequente dos indivíduos que os fazem; de modo

que, servindo de indícios prévios para os indivíduos que reagem a eles, do

comportamento subsequente dos indivíduos que os fazem, possibilitam a

adaptação mútua dos distintos componentes individuais do ato social; e, além

disso, ao provocar nos indivíduos que os fazem as mesmas reações,

implicitamente, que provocam explicitamente nos indivíduos a quem são

feitos, tornam possível o surgimento da consciência de si mesmo em relação a

essa adaptação mútua. (MEAD, 1973, p. 108-109, tradução nossa).

Esse processo de interação simbólica permite, segundo Mead, que os participantes

ajustem seus comportamentos e suas falas5. As ideias do teórico norte-americano podem ser

aplicadas tanto a circunstâncias de interação imediata – os interlocutores vão adaptando suas

respostas mediante os sinais percebidos e ressignificados –, quanto em contextos mais

estratégicos, que envolvam o planejamento da comunicação. Nesse último caso, a

previsibilidade das reações da alteridade auxilia na elaboração de formas mais adequadas de

contato e conversação, mitigando as possibilidades de incomunicação. “A habilidade da

pessoa para se colocar no lugar de outras pessoas lhe proporciona os indícios do que deve

fazer em uma situação específica” (MEAD, 1973, p. 286-287, tradução nossa).

4 Gestos, na concepção de Mead (1973, p. 86, tradução nossa), podem ser entendidos como os “inícios de atos

sociais que são estímulos para a reação de outros indivíduos”. 5 Essa possibilidade de ajuste na comunicação é mencionada também em estudos sobre as tecnologias da

inteligência desenvolvidos por Pierre Lévy (1993). O pesquisador vislumbra a comunicação como um jogo em

que cada nova mensagem, potencialmente, altera o contexto e o sentido do que já foi e do que será comunicado.

Ele compara a comunicação a um tabuleiro de xadrez: cada novo lance reorganiza as jogadas passadas e futuras.

“O jogo da comunicação consiste em, através de mensagens, precisar, ajustar, transformar o contexto

compartilhado pelos parceiros [...]. Palavras, frases, letras, sinais ou caretas interpretam, cada um à sua maneira,

a rede de mensagens anteriores e tentam influir sobre o significado das mensagens futuras” (LÉVY, 1993, p. 22).

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146

Mead vincula a significação às reações do Outro e aponta que ela pode ser expressa

por meio dos símbolos e da linguagem, convencionados e operacionalizados na experiência

humana.

O próprio indivíduo desempenha o papel da outra pessoa à qual excita e sobre

a qual influi. E graças à adoção desse papel do outro se encontra em condições

de voltar a si e, dessa maneira, dirigir seu próprio processo de comunicação.

Essa adoção do papel do outro, expressão que tenho usado com tanta

frequência, não é simplesmente de importância passageira. Não é algo que

aconteça meramente como resultado acidental do gesto, mas que tem

importância para o desenvolvimento da atividade cooperativa. O efeito

imediato de tal adoção do papel reside no controle que o indivíduo é capaz de

exercer sobre sua própria reação. (MEAD, 1973, p. 272, tradução nossa).

George Mead observa ainda que as atividades sociais humanas dependem da

cooperação entre indivíduos. Esses, por sua vez, vivem em comunidades ou grupos sociais

organizados, que lhe proporcionam uma unidade pessoal (self) e que ele denomina “o outro

generalizado”6. Embora a obra de Mead privilegie as relações entre indivíduos ou grupos de

indivíduos, em determinado momento ele menciona a aplicabilidade empresarial de sua teoria.

O administrador de uma ferrovia ou de uma empresa privada de serviços

públicos tem que se colocar no lugar da comunidade a que serve, e podemos

ver facilmente que ditos serviços públicos poderiam sair do campo das

ganâncias e converter-se em exitosas empresas econômicas, simplesmente

como meios de comunicação. (MEAD, 1973, p. 311-312, tradução nossa).

A comunicação organizacional não deve, portanto, prescindir dessas reflexões. Pelo

contrário, pode valer-se delas para aprimorar os processos de planejamento e execução de

suas ações. Cabe, no entanto, observar que o ato de se colocar no lugar do Outro e prever suas

reações não garante a eficácia total do processo de ajuste do discurso. A natureza humana

encontra-se subjacente na comunicação e potencialmente estabelece desvios de padrão no

comportamento esperado.

Mead mostra-se atento às variações, postulando que o raciocínio universal seria o

ideal formal da comunicação. “Se o sistema de comunicação pudesse ser teoricamente

6 De acordo com Silva, P. (2007), Mead utiliza o termo “outro generalizado” para referir-se a normas e valores

culturais amplamente aceitos pela sociedade e que fundamentam a autoavaliação. “Numa situação de esporte, a

equipe representa este „outro‟, visto que organiza as condutas dos que estão envolvidos no processo de jogar”

(SILVA, P., 2007, p. 89).

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perfeito, o indivíduo se afetaria a si próprio como afeta aos outros em todo sentido. Esse seria

o ideal da comunicação, um ideal alcançado no raciocínio lógico, onde quer que esse seja

entendido” (MEAD, 1973, p. 336, tradução nossa). Ao considerar que a universalidade dos

símbolos representaria a precisão do processo comunicacional, presume-se que o teórico

reconheça suas imperfeições e limitações.

O que a teoria meadiana prescreve, por conseguinte, é que os processos de

significação oferecem suporte para que as reações alheias sejam conhecidas, avaliadas e

interpretadas, antes de retroalimentarem as decisões subsequentes dos interlocutores. Essa

premissa tem sido sustentada por outros estudiosos da comunicação ao longo do tempo, que

embora utilizem terminologias diferentes, defendem a mesma concepção. Alfred Schutz, John

Thompson, Erving Goffman e o brasileiro José Luiz Braga são alguns exemplos, tratados a

seguir.

3. Contrafluxo da escuta e outras ideias sobre antecipações

Alguns autores se inspiram em George Mead para propor suas versões a respeito da

previsibilidade das reações alheias e possibilidades de ajustes no discurso. Outros referem-se

ao mesmo pressuposto, sem mencionar a teoria meadiana. O fato é que, de um modo ou de

outro, todos colaboram para aprofundar o conhecimento sobre o tema. Entre essas

contribuições, encontram-se o conceito de contrafluxo da escuta, de Braga (2012a, 2012b); e

as noções de perceptividade, trabalhada por Goffman (2011a, 2011b), de expectativa

antecipada da recepção, explorada por Thompson (2011), e do ensaio da interpretação

esperada, relatada nos estudos de Schutz (1979a).

3.1 Schutz: adaptações a partir de experiências passadas ou fantasias

A influência que Mead exerce sobre Schutz está explícita nos pensamentos que o

austríaco desenvolve a respeito da importância do contexto na comunicação, da tomada de

consciência do relacionamento e, principalmente, da possibilidade de se colocar no lugar do

Outro, prever suas reações e ajustar a própria fala. Para Schutz, a projeção do objetivo do

Outro como se fosse seu é uma ação que pode ocorrer em função de experiências anteriores

ou na instância da fantasia. “Esse voltar-se para a compreensão genuína da outra pessoa só me

é possível porque já tive experiências semelhantes à sua, mesmo se apenas em fantasia, ou se

já deparei com ela em manifestações externas” (SCHUTZ, 1979a, p. 175).

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O autor recorre à noção de tipo-ideal, de Max Weber, para explicar a ocorrência – e a

possível variabilidade – dessa projeção. Embora se admita que o tipo-ideal não corresponda à

realidade, supõe-se que ele possa auxiliar na compreensão do objeto estudado. Para Schutz

(1979a, p. 176), existe “certa conformidade nos atos e motivos de padres, soldados, criados,

agricultores de todos os lugares e de todos os tempos. Além disso, existem atos de um tipo tão

geral que é suficiente reduzi-lo aos motivos típicos „de alguém‟ para torná-los

compreensíveis”. A ideia do tipo-ideal torna-se oportuna para mergulhar nas conjunções entre

os pensamentos de Mead e Schutz:

[...] só sou capaz de compreender os atos de outras pessoas imaginando que eu

próprio desempenharia atos análogos se estivesse na mesma situação, dirigido

pelos mesmos “motivos por que” ou orientado pelos mesmos “motivos a fim

de” – sendo que todos esses termos devem ser entendidos no sentido restrito

de analogia “típica”, igualdade “típica”, como explicamos. (SCHUTZ, 1979a,

p. 177).

Particularidades, nesse caso, devem ser cautelosamente analisadas. Há situações em

que o interlocutor terá condições de ajustar seu discurso de forma específica, atentando para

as reações de um público, de um grupo ou de um indivíduo em especial; em outros casos,

como prenuncia Schutz, o emissor adapta sua fala de acordo com manifestações de

representantes de um público “típico”, generalizando suas ações e reações.

Se imagino, ao projetar o meu ato, que você vai compreendê-lo, e que essa

compreensão vai induzir você a reagir, de sua parte de um certo modo,

antecipo que os “motivos a fim de” do meu próprio agir vão-se tornar

“motivos por que” da sua reação, e vice-versa. (SCHUTZ, 1979a, p. 178, grifo

do autor).

O teórico explica que “motivos a fim de” são aqueles que justificam o cumprimento de

uma ação, ou seja, sua finalidade. No caso de atos projetados, trata-se de abstrações pré-

imaginadas que vão explicar a ação futura. Já os “motivos por que” referem-se a experiências

passadas que determinam a forma de agir. O entrelaçamento dessas concepções legitima as

reações e as projeções dessas reações durante a interação social.

A observação das motivações aliada ao reconhecimento de códigos de referência

comuns entre os interlocutores constitui parte relevante do pensamento de Schutz sobre as

antecipações de reações alheias e os ajustes necessários antes da emissão de signos. Sem essa

preparação, o ato comunicacional tende a não se concretizar.

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O signo usado na comunicação sempre é pré-interpretado pelo comunicador

nos termos da interpretação que espera da pessoa a quem o dirigiu. Para ser

compreendido, o comunicador tem, antes de produzir o signo, de antecipar o

código de percepção, de apresentação e de referência segundo o qual o

intérprete o vai categorizar. Portanto, o comunicador tem que desempenhar,

por assim dizer, um ensaio da interpretação esperada, e estabelecer entre as

suas cogitações e o signo comunicativo um contexto tal que o intérprete,

guiado pelo código de apresentação que vai aplicar ao signo, encontre nas

cogitações um elemento do código de referências a elas relacionado.

(SCHUTZ, 1979a, p. 199).

A convenção semântica torna-se, assim, forte aliada de comunicadores que pretendam

aplicar essa teoria. O conhecimento do código de referência de cada público de uma

organização, bem como dos contextos em que se encontram, pode se converter em ativo

valorizado na prática da comunicação empresarial estratégica. São informações que dilatam as

possibilidades de êxito dos comunicadores, embora, como já foi dito, não garantam a

totalidade de acertos.

Assumindo a concepção de comunicação estratégica como aquela fortemente

vinculada a planejamentos e avessa aos improvisos e atos intuitivos (BUENO, 2009a, 2014),

vislumbra-se uma sincronia entre os pressupostos de Mead e Schutz e estudiosos

contemporâneos da comunicação organizacional. Ao postularem que as observações das

reações alheias sejam fundamentadas em processos de significação – ainda que discordem em

relação às noções de símbolos e signos –, os dois autores sugerem alguns percursos

metodológicos que aproximam esse olhar da perspectiva estratégica da comunicação.

Além disso, quando Schutz menciona a necessidade de antecipação do código de

percepção, de apresentação e de referência, ele flerta com a ideia de planejamento. Para

Bueno (2014), a comunicação empresarial só pode ser considerada estratégica se estiver em

sintonia com a gestão e a cultura organizacional; se pautar suas ações em pesquisas, banco de

dados inteligentes e metodologias de avaliação de resultados; e se construir um profundo

conhecimento a respeito dos stakeholders. A observação face a face das reações do Outro

apresenta-se como um mecanismo diferenciado para desvendar hábitos e preferências dos

públicos de interesse e, no contexto da comunicação estratégica, pode ser realizada por

qualquer integrante da organização.

João José Azevedo Curvello (2008) defende a inter-relação entre a visão estratégica e

a descentralização do processo de comunicação nas organizações, com a devida capacitação

de todos os segmentos. Trata-se de “sensibilizá-los para a importância de manter relações

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transparentes e honestas com os diversos públicos. Prepará-los para compreender conceitos e

aspectos de comunicação que hoje sequer são lembrados e referenciados” (CURVELLO,

2008, p. 136-137). Os ensinamentos de Alfred Schutz enquadram-se naturalmente a essa

abordagem.

3.2 Thompson: a recepção como processo criativo de interpretação

Outro autor que se manifesta a respeito da antecipação das reações da alteridade como

forma de adaptação dos conteúdos na esfera da produção é Thompson (2011, p. 201). Afirma

ele que

um indivíduo emprega recursos, baseia-se em regras e implementa esquemas

com o objetivo de produzir formas simbólicas para um receptor particular ou

para um conjunto deles, e a expectativa de recepção de tais formas faz parte

das condições de sua produção. A posição ocupada por um indivíduo em um

campo ou instituição e a expectativa de recepção de uma forma simbólica

pelos indivíduos a quem a mesma é destinada são condições sócias de

produção que moldam a forma simbólica produzida. [...] Uma manifestação

verbal pode, também, carregar os traços da expectativa antecipada de sua

recepção pelos indivíduos para quem ela é destinada, como quando um adulto

modifica o tom de uma expressão verbal dirigida a uma criança. Não é difícil

encontrar outros exemplos das maneiras pelas quais a expectativa antecipada

da recepção das formas simbólicas é rotineiramente incorporada às condições

de produção7.

Como outros exemplos, Thompson relata o trabalho do artista plástico, do escritor ou

do produtor de TV, que podem adaptar suas obras de acordo com as expectativas de recepção.

Essa antecipação das reações alheias encaixa-se também no universo da comunicação

organizacional, podendo a empresa – a qualquer momento e sob quaisquer circunstâncias –

modificar sua conduta e seu discurso para adaptar-se às expectativas de determinado público

de interesse.

Entretanto, essa predisposição para mudanças requer extrema atenção aos contextos

sócio-históricos específicos em que se encontram os interlocutores. Thompson (2011, p. 201)

alerta que “o processo de recepção não é um processo passivo de assimilação; ao contrário, é

um processo criativo de interpretação e avaliação no qual o significado das formas simbólicas

7 O autor utiliza o termo “formas simbólicas” para se referir “a uma ampla variedade de fenômenos

significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de

arte” (THOMPSON, 2011, p. 183).

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é ativamente constituído e reconstituído”. O autor chama esse processo de reprodução

simbólica dos contextos sociais.

Nas obras de Thompson consultadas para esta pesquisa não há menções explícitas a

George Mead. Todavia, é inevitável reconhecer a similaridade das ideias desses dois autores.

Além disso, o pensamento de Thompson chancela o paradigma relacional, especialmente o

pressuposto de que a comunicação se processa na esfera da recepção. O olhar atento para os

públicos e suas demandas não apenas otimiza o trabalho dos comunicadores como estabelece

outro patamar de relacionamentos. São os receptores, e não os produtores, que atribuem

sentido aos conteúdos.

Ao observar a reação do Outro, os participantes da interação acessam, ainda, detalhes

da cena comunicacional, composta pelas manifestações verbais e pelas deixas simbólicas.

Quando compartilham esses sinais, os interlocutores ampliam, hipoteticamente, a

possibilidade de enriquecer o mecanismo de atribuição de sentidos comunicados. A percepção

mais exata oriunda desse fluxo presencial pode contribuir para o planejamento das ações de

comunicação organizacional, conforme será ilustrado na seção 4, a partir de pesquisas

desenvolvidas na Embrapa Soja, na Ampla e na Embrapa Pantanal.

3.3 Goffman: de olho nas inconsistências da plateia e dos atores

Há quem defina Erving Goffman como uma mistura de psicólogo social,

microssociólogo, etnólogo e etólogo humano (SILVA, P., 2007). O teórico da comunicação

face a face – nascido no Canadá, graduado em sociologia na Universidade de Toronto e com

doutorado em sociologia e antropologia social pela Universidade de Chicago – é considerado

por alguns estudiosos um discípulo de George Mead, não obstante se reconheça que sua obra

apresente consideráveis avanços em relação às proposições do mestre. Paulo Vinicius Baptista

da Silva (2007) classifica como moderadas as citações de Mead nos textos de Goffman, mas,

paralelamente, constata uma proximidade entre ambos8. A pesquisa bibliográfica

desenvolvida para esta tese identifica traços do pensamento meadiano em três livros de

Goffman traduzidos para o português. Curiosamente, ao mesmo tempo em que se apropria das

ideias de Mead, o canadense o critica por uma eventual “simplificação exagerada”.

De fato, o pesquisador adiciona doses de complexidade às premissas do suposto

mentor; em parte, porque transpõe algumas ideias interacionistas para o universo da

8 Em “Goffman, discípulo de Mead?”, Silva, P. (2007) traça uma interessante comparação entre o legado dos

dois teóricos.

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comunicação face a face, onde procura desvendar obviedades e manipulações; também por

introduzir métodos da pesquisa antropológica em seus estudos; e, para completar, por recorrer

à dramaturgia como narrativa teórica em sua obra mais conhecida, A representação do eu na

vida cotidiana: o livro é constituído de termos associados à representação teatral9.

Para Silva, P. (2007, p. 92), Goffman faz “a descrição de situações de interações de

múltiplas pessoas, onde cada um deve ser capaz, como afirmou Mead, de ver a si mesmo

desde a perspectiva de vários outros e pautar sua própria conduta em função dos acordos

sociais”. Exemplos dessa postura que concebe convenções sociais como mecanismos de

ajuste comportamental – e remete à noção do outro generalizado de Mead – são abundantes

em A representação do eu.... Relações entre marido e mulher, criado e patroa ou entre

médicos e pacientes ilustram as explicações do investigador para a ideia central deste

capítulo: o colocar-se no lugar do Outro para antecipar suas reações e adaptar o discurso.

“Um indivíduo pode ser sua própria plateia ou imaginar um público presente”, afirma

Goffman (2011a, p. 80), ao indicar que a ação humana está vinculada às expectativas alheias.

Em outro livro, Ritual de interação, o pesquisador avaliza, mais uma vez, a ideia da troca de

papéis no processo interativo:

Todas as pessoas vivem num mundo de encontros sociais que as envolvem, ou

em contato face a face, ou em contato mediado com outros participantes. Em

cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar o que às vezes é

chamado de linha – quer dizer, um padrão de atos verbais e não verbais com o

qual ela expressa sua opinião sobre a situação, e através disto sua avaliação

sobre os participantes, especialmente ela própria. Não importa que a pessoa

pretenda assumir uma linha ou não, ela sempre o fará na prática. Os outros

participantes pressuporão que ela assumiu uma posição mais ou menos

voluntariamente, de forma que se ela quiser ser capaz de lidar com a resposta

deles a ela, ela precisará levar em consideração a impressão que eles

possivelmente formaram sobre ela. (GOFFMAN, 2011b, p. 13, grifo do autor).

Em outras palavras, esse indivíduo terá que se projetar perante a alteridade para

compreender suas reações e planejar sua conduta. Para isso, é relevante que exercite a

perceptividade, termo que Goffman associa à habilidade social para desvendar os

comportamentos dos interlocutores. Para compreender melhor, convém antecipar o que o

autor chama de fachada; e, seguidamente, sua concepção de preservação da fachada10

. Para

ele, em uma situação de interação, fachada é “a parte do desempenho do indivíduo que

9 Na última página o autor explica que o trabalho não está interessado nos aspectos do teatro propriamente dito.

“Diz respeito à estrutura dos encontros sociais – a estrutura daquelas entidades da vida social que surgem sempre

que as pessoas entram na presença física imediata umas das outras” (GOFFMAN, 2011a, p. 231). 10

Os dois conceitos serão aprofundados no capítulo 6. Goffman utiliza, em inglês, o vocábulo face.

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funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que

observam a representação” (GOFFMAN, 2011a, p. 29). A representação de fachada é aquela a

que os interlocutores têm acesso visual, em contraposição à representação de fundo, que

ocorre em situações reservadas.

Já a preservação da fachada (face-work) designa “as ações tomadas por uma pessoa

para tornar o que quer que esteja fazendo consistente com a fachada” (GOFFMAN, 2011b, p.

20). Qualquer esforço para salvar a fachada busca neutralizar incidentes, na perspectiva do

investigador. Com base nessas definições, Goffman (2011b, p. 21) preconiza que

se uma pessoa quiser empregar seu repertório de práticas para salvar a

fachada, obviamente ela deve, em primeiro lugar, ter consciência das

interpretações que os outros podem ter colocado sobre seus atos, e as

interpretações que ela talvez deva colocar sobre os deles. Em outras palavras,

ela precisa exercer a perceptividade.

Para o canadense, a perceptividade tende a ser alta entre sujeitos que mantêm

expressiva diversidade de relações sociais. Para cada grupo de contato, o participante da

interação pode desenvolver fachadas distintas, o que exige intensa habilidade social para

prevenir ou neutralizar eventuais inconsistências entre elas – incidente que poderia

comprometer a preservação da fachada.

Em outra oportunidade, Goffman pondera que a atitude de projetar-se no lugar do

Outro indica maior possibilidade de sucesso nas interações, além da inevitável personalização

dos contatos.

O indivíduo terá razões aprovadas e não aprovadas para cumprir sua obrigação

enquanto participante da interação, mas em todos os casos, para fazê-lo, ele

precisa ser capaz de rápida e delicadamente assumir o papel dos outros e sentir

as qualificações que a situação deles deve trazer para a sua própria conduta

para que eles não sejam atrapalhados por ela. Ele deve, simpaticamente, ter

consciência dos tipos de coisas nas quais os outros presentes podem se

envolver espontânea e apropriadamente, e então tentar modular sua expressão

de atitudes, sentimentos e opiniões de acordo com a companhia. (GOFFMAN,

2011b, p. 113).

Como se propusesse uma metodologia para o aperfeiçoamento do processo

interacional e sua possível aplicabilidade sobre a reputação – o que pode ser particularmente

útil para o contexto organizacional –, o autor sugere que os participantes se mantenham

bastante focados nas reações do Outro, ou na “mutualidade especial da interação social

imediata”:

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Isto é, quando duas pessoas estão juntas, pelo menos parte de seu mundo será

composta do fato (e haverá consideração sobre o fato) que uma linha

adaptativa de ação tentada por um deles será facilitada perspicazmente pelo

outro ou receberá oposição também perspicaz, ou ambos, e que tal linha de

ação precisará sempre prosseguir neste mundo inteligentemente prestativo ou

obstrutor. Compreensivamente, os indivíduos assumem a atitude da presença

de outros, independentemente do objetivo em função do qual aplicam a

informação que assim adquirem. (GOFFMAN, 2010, p. 26-27).

Não há dúvidas de que as concepções de Goffman ratificam, ao menos em parte, a

teoria de George Mead. Mesmo quando critica o mestre, o discípulo não discorda de sua

premissa, apenas a considera simplificada. O canadense tinha apenas oito anos de idade

quando o precursor do interacionismo simbólico morreu; ainda assim, teve a oportunidade de

explorar e avançar sobre o conhecimento previamente produzido. O mesmo pode ser dito de

José Luiz Braga, que teve a oportunidade de atualizar o pensamento de Mead, mesmo sem

mencioná-lo nas obras aqui consultadas.

3.4 Braga: respostas esperadas no sistema de circulação interacional

A necessidade de planejar a comunicação com base na antecipação de reações alheias

é observada ainda por Braga (2012b, p. 7), ao apresentar o conceito de contrafluxo da escuta,

um mecanismo “que vai da recepção à produção. Não como „retorno de resposta‟, mas como

previsão, pela auscultação anterior, da leitura que será feita daquilo que dizemos: uma

antecipação”. Continua o pesquisador: “no contrafluxo, passamos a produzir a partir das

respostas que pretendemos, esperamos ou receamos” (BRAGA, 2012b, p. 7). Embora o foco

de Braga seja a produção de formas simbólicas pela mídia, suas inferências são adequáveis à

comunicação organizacional, considerando a empresa como instância produtora de sentido.

Para compreender melhor o conceito de contrafluxo da escuta convém explorar o

contexto em que Braga o introduz. O autor aborda essa definição ao tratar do que ele chama

de sistema de resposta social (BRAGA, 2006) ou sistema de circulação interacional

(BRAGA, 2012a), que pode ser entendido como uma terceira dimensão do processo

comunicacional. De acordo com suas obras, as formas simbólicas produzidas pelo emissor e

consumidas pelo receptor continuam circulando na sociedade por meio de processos de

interação social.

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O conteúdo não se esgota na recepção, pois passa a constituir objeto de circulação que

se espalha por outros canais, denominados circuitos11

. Braga (2006, p. 28, grifo do autor)

acrescenta que

[...] quando se trata de valores simbólicos, e da produção e recepção de

sentidos, o que importa mais é a circulação posterior à recepção [...]. O jornal

pode virar papel de embrulho e lixo, no dia seguinte, mas as informações e

estímulos continuam a circular.

A mesma lógica vale para conteúdos da comunicação empresarial. Um discurso

transmitido por vídeo, jornal, panfleto ou áudio é consumido pelos receptores e, mesmo que

ele se desvincule de seu suporte físico inicial, continuará circulando entre e a partir de

funcionários, acionistas, jornalistas, fornecedores ou quaisquer outros públicos que tenham

tido acesso ao texto original. Maio (2014c, p. 18) observa que “[...] a informação emitida por

uma organização e consumida por seus distintos públicos pode, posteriormente, submeter-se a

um processo de ressignificação e ser levada adiante no tecido social por meio de interações

que ocorrem através de circuitos”. Os comentários pós-consumo das formas simbólicas são

registrados ou não, facilitando ou dificultando eventuais monitoramentos por parte da

organização. Uma conversa informal face a face, em ambiente familiar, pode se referir ao

conteúdo produzido pelo emissor, mas dificilmente será registrada para análises e feedback.

Aliás, Braga (2012b) pontua que os processos fundamentais de circulação midiatizada

estão menos relacionados aos retornos imediatos ao ponto de partida (instância emissora) e

mais à disseminação dos conteúdos através dos circuitos ampliados (instância circulante).

Percebemos, então, um fluxo comunicacional contínuo e adiante. Após a

apropriação dos sentidos de uma mensagem qualquer, seus receptores podem

sempre pôr em circulação no espaço social sua resposta. Essa resposta,

independente de um retorno imediato, segue adiante, em processos diferidos e

difusos. Eventualmente, no conjunto da circulação e pelo embaralhamento

cultural dos múltiplos circuitos, as ideias, proposições, imagens, posições

11

Braga (2012a, p. 41) pondera que esses circuitos “são culturalmente praticados, são reconhecíveis por seus

usuários e podem ser descritos e analisados por pesquisadores”. O autor os considera determinantes na definição

da qualidade das formas simbólicas que circulam na sociedade. “Podemos assumir que, em grande parte, a

qualidade das falas, das criações, dos produtos que circulam na sociedade depende das características e da

qualidade dos circuitos nos quais circulam. Não se trata apenas (e talvez nem principalmente) de competências

individuais dos criadores e produtores. Na continuidade histórica, os produtos gerados em qualquer tipo de

circuito dependem dos processos interacionais que estimulam essa produção, assim como da qualidade da

recepção e da pós-circulação desses produtos” (BRAGA, 2012b, p. 8).

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polêmicas e tendências expressas se reforçam, se contrapõem, desaparecem ou

retornam. O “retorno” que consideramos relevante, nesse nível, é o do circuito

ampliado e não a volta imediata ao ponto de partida. (BRAGA, 2012b, p. 6,

grifo do autor).

A circulação contínua pós-recepção e o contrafluxo da escuta são fenômenos

potencializados na sociedade midiatizada, embora já existissem anteriormente. Na perspectiva

do autor, eles representam componentes fundamentais do processo comunicacional

contemporâneo.

O pressuposto meadiano da adaptação às reações do Outro se incorpora

harmoniosamente ao pensamento de Braga (2012b, p. 7):

Pela escuta, pela importância de “sintonizar” a recepção, pelas delicadezas de

ajuste de endereçamento (nunca exato, sempre disperso e tentativo) alguma

coisa retroage, “modificando” a produção a partir das expectativas sobre sua

recepção e pela repercussão destas expectativas na configuração das falas.

Cada “momento” da circulação, por antecipar os seguintes, procura se adaptar

previamente a estes.

Desta maneira, o contrafluxo da escuta configura-se como um mecanismo que

considera as reações alheias na etapa de produção de conteúdo que vai circular além da

recepção. Thompson também se mostra atento a essa terceira dimensão do processo de

comunicação ao abordar o fenômeno da “midiação ampliada” e, assim como Braga, concentra

suas observações ao universo midiático.

As mensagens recebidas via televisão e outros meios são, comumente, sujeitas

a elaboração discursiva: elas são discutidas pelas pessoas no curso de suas

vidas cotidianas, tanto dentro da região primária de recepção, como numa

variedade de outros contextos interativos nos domínios públicos e privados.

Dessa maneira as mensagens mediadas podem adquirir uma audiência

adicional de receptores secundários que, pessoalmente, não participaram na

quase-interação mediada mas assimilaram alguma versão da mensagem

através da interação com os receptores primários. As mensagens podem,

também, ser assumidas por organizações da mídia e incorporadas em novas

mensagens de mídia, um processo que pode ser descrito como uma midiação

ampliada. Através da elaboração discursiva e da midiação ampliada, as

mensagens recebidas através da mídia são adaptadas e divulgadas para um

círculo sempre crescente de receptores secundários que podem, com isso,

adquirir uma informação sobre acontecimento que eles nem vivenciaram

diretamente nem testemunharam através da mídia. (THOMPSON, 2011, p.

317-318, grifo do autor)12

.

12

Quase-interação mediada é definida por Thompson (2008) como aquela que ocorre por meio dos veículos de

comunicação de massa; ele a considera monológica, ou seja, o fluxo de comunicação se dá, predominantemente,

em único sentido.

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O sistema de circulação interacional de Braga e a noção de midiação ampliada de

Thompson apresentam-se como elementos contextuais significativos para a atualização da

teoria de Mead e sua consequente aplicabilidade na sociedade midiatizada. Embora os estudos

do pesquisador norte-americano não contemplem explicitamente instâncias posteriores à

recepção, é factível estender suas ideias ao sistema de circulação, a partir da premissa que ao

controlar a reação do indivíduo, absorvendo seu papel, produz-se uma comunicação que

referencia a organização da conduta coletiva.

A seguir, será descrita a ocorrência desse fenômeno em três organizações onde se

verifica que a ação de antecipar as reações do Outro a partir de contatos face a face permite

não só a adaptação personalizada do discurso dos interlocutores como também ajustes no

próprio relacionamento profissional.

4. Reações da alteridade no universo organizacional

A tese defendida por Martins (2012) sobre a oralidade na comunicação interna da

Embrapa Soja detalha, em vários trechos, a prática do fenômeno descrito acima. Para

começar, a autora aponta que quando o diálogo é estimulado pelo plano estratégico da

organização, os dirigentes obtêm condições de traduzir, por meio das interações, os anseios e

atitudes dos funcionários. Na fundamentação teórica, ela destaca a ocorrência da comunicação

não-verbal e confirma a premissa de Mead sobre o colocar-se no lugar do Outro.

Mais um diferencial que a comunicação oral comporta é a capacidade para

transmitir estímulos subjetivos, tais como os sentimentos de quem está falando

e que são percebidos pela entonação da voz, pelos gestos, bem como pelo

contexto situacional em que a comunicação acontece. O diálogo é uma

plataforma para interações onde o sujeito falante e o sujeito ouvinte têm a

possibilidade de realizar uma troca contínua de papéis, dentro de uma

concepção genuinamente humanizada de comunicação. (MARTINS, 2012, p.

69).

Para a pesquisadora, a prática do diálogo nas empresas possibilita a redução de

incertezas e a otimização de esforços entre o líder e sua equipe, com reflexos diretos na

qualidade dos relacionamentos organizacionais. Isso ocorre, em parte, porque nos diálogos

presenciais o líder repassa mais do que mensagens: transmite convicções. De acordo com

Martins (2012, p. 72),

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o líder que expõe oralmente suas ideias e projetos para sua equipe de liderados

estabelece uma conversação alargada e pode observar as respostas de seus

interlocutores. Os sinais não verbais emitidos pela equipe de liderados são o

retorno esperado pelo líder e indicarão se sua comunicação deve ser ajustada,

mantida ou ampliada. Um gestor transmite suas convicções através da sua

oralidade e, por esse motivo, a comunicação face a face reflete a crença do

líder sobre a importância de comunicar aquilo que ele está comunicando. Esta

convicção é subjetivamente projetada por meio da voz, da movimentação, dos

gestos e das próprias atitudes que legitimam a liderança perante seus

liderados.

O estudo desenvolvido na Embrapa Soja constata que as deixas simbólicas atuam

como facilitadoras do processo de comunicação interna. A autora afirma categoricamente que

a oralidade é capaz de instaurar percepções, modificar conceitos e provocar adesões,

procedimentos também sancionados por Larkin (2013). Esse é um dos fatores que contribuem

para promover a comunicação interpessoal ao patamar estratégico, de acordo com a pesquisa.

Martins menciona o protagonismo da equipe – o que remete ao pensamento de

Thompson sobre expectativa de recepção – ao abordar a importância do planejamento

comunicacional. Segundo ela, para evitar ruídos, “é preciso planejar as interlocuções, levantar

questionamentos construídos a partir das expectativas da equipe, ter em mente a clareza das

ideias antes de comunicar, os propósitos, aspectos físicos e humanos, ter conteúdo e controle a

fim de facilitar a comunicação” (MARTINS, 2012, p. 106).

A questão do controle é debatida por Mead. O teórico argumenta que em uma

conversação significante – na qual ocorre a atribuição de sentidos e a comunicação se

concretiza – “temos que provocar em nós o tipo de reação que despertamos em outros; temos

que saber o que estamos dizendo, e a atitude do outro, que provocamos em nós mesmos,

controla o que dizemos” (MEAD, 1973, p. 179). Para ele, esse controle baseado na absorção

da atitude do Outro demonstra a racionalidade do processo. A discussão sobre o controle do

processo comunicacional será retomada no capítulo 6; por ora, basta atentar que o

conhecimento das reações alheias interfere no domínio da interação.

Na pesquisa empírica, Martins entrevista dirigentes e funcionários sobre a oralidade na

empresa. Alguns depoimentos revelam-se esclarecedores em relação à importância de se

observar as reações da alteridade, como esse, atribuído ao Sujeito A, um dos dirigentes da

organização:

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A gente passa uma coisa no papel escrito e muitas vezes a forma de

assimilação é diferente de um e de outro. Na conversa não, no olho a gente

começa a ver qual é a reação de um e de outro. [...] por menor que seja o grau

de instrução dele, sempre ele tem o que colaborar. É importante ouvir esse

cara e dar oportunidade para ele falar. Eu gosto muito do oral. Acho que a

gente perde menos tempo. (MARTINS, 2012, p. 152).

O foco da pesquisa de Martins na comunicação face a face faz emergir, quase que

naturalmente, o pensamento dos estudiosos citados no início deste capítulo. Isso se dá em

função da possibilidade de observação das pistas comunicacionais que contribuem para

construir a percepção do comportamento e do contexto. Em decorrência desse acesso aos

elementos não-verbais, surge – também com certa naturalidade – a necessidade/possibilidade

de ajustes.

Outro dirigente da organização, identificado como Sujeito C, relata que “quando a

gente consegue perceber que está havendo um ruído de comunicação, a gente tenta melhorar”

(MARTINS, 2012, p. 153). No entanto, ele pondera que nem sempre essa percepção se

manifesta e, embora a Embrapa Soja tenha introduzido mudanças na linguagem e mais

perspicácia com as necessidades comunicacionais, o dirigente defende que “os mecanismos

envolvidos no controle do processo de comunicação deveriam ser aprimorados” (MARTINS,

2012, p. 153). O estudo demonstra, ainda, que havia a percepção interna em relação aos

ajustes na linguagem e nas relações entre líderes e suas equipes.

Outro depoimento do Sujeito A merece ser reproduzido por detalhar a individualidade

que demarca cada interação:

Se você passa um negócio tudo por e-mail, tudo por jornalzinho, qual a

receptividade? Quem tá gerenciando não consegue, eu pelo menos não

consigo, ter o retorno [...]. Agora no olho a olho a gente vai conversando.

Porque aqui a gente tem que gerenciar, a gente trabalha com indivíduos dos

mais diferentes níveis [...] então é diferente a comunicação o processo que a

gente tem que ter com um e com outro, mas todos eles sabem falar, todos eles

sabem ouvir, eles podem ter reações diferentes, formas de interpretação

diferente, um linguajar diferente. A gente tem que identificar isso e conversar

com cada um deles de acordo com isso, por isso que eu acho que é muito

importante. (MARTINS, 2012, p. 162).

O chefe entrevistado evidencia que, por meio da comunicação face a face, é possível

observar características específicas de cada interlocutor, o que permite a personalização de

cada discurso. De acordo com os depoimentos do Sujeito A, nota-se que os ajustes se

processam no decorrer da interação:

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Com uma conversa olho no olho a gente pode ver qual a reação do indivíduo,

a gente pode utilizar a conversa de repente para motivar, para trocar o foco, de

repente conforme o cara tá olhando você percebe que não tá agradando, eu

acho que é importantíssima comunicação boca a boca, olho a olho, pequenos

grupos, é muito bom, porque a gente age conforme o cara vai reagindo

(Sujeito A). (MARTINS, 2012, p. 174).

A pesquisa na Embrapa Soja indica que a comunicação oral se configura como

importante instrumento de gestão para as lideranças porque facilita o trabalho de articulação.

Em entrevistas, supervisores informam que a oralidade constitui uma “oportunidade dada para

observar o interlocutor e identificar o contorno que a decodificação da mensagem estava

produzindo e se este representava um desvio ao que originalmente precisava ser comunicado”

(MARTINS, 2012, p. 194).

Sempre preocupada em fundamentar suas descobertas em base científica, Martins

(2012, p. 219) recorre a Goffman para certificar que “a face [ou fachada] conduz o emissor a

identificar reações de seus interlocutores que desencadeiam nele sentimentos de frustração,

surpresa ou insucesso”. Isso ocorre porque a fachada é reveladora num processo de interação,

por mais que os interlocutores busquem ocultar algumas pistas. Goffman (2011b) mostra-se

bastante atento às tentativas de disfarces e manipulações nos encontros presenciais e chega a

fazer referência aos sinais óbvios e aos menos aparentes13

. A perceptividade apurada pode

auxiliar indivíduos a identificar sutis diferenças.

Na Embrapa Soja não são apenas os dirigentes, supervisores e líderes que reconhecem

o potencial construtivo das interações olho no olho. De acordo com a pesquisadora, os

empregados “confirmaram que a comunicação face a face era uma forma de interação que

permitia adequações imediatas às necessidades, à linguagem e às condições do interlocutor”

(MARTINS, 2012, p. 222). Essa manifestação aponta para a bipolaridade do processo, já que

as observações da reação alheia e os ajustes do discurso podem se dar a partir de qualquer

participante da interação.

Embora com menor profundidade, a tese que Ferreira (2011) desenvolveu na empresa

Ampla também aponta singularidades em relação à ocorrência do fenômeno em questão no

contexto da comunicação organizacional. Diferentemente da pesquisa anterior, o foco desse

autor é o público externo envolvido na prática do diálogo social em busca do consenso. O

13

Os artigos “Constrangimento e organização social” e “A alienação da interação” tratam, especificamente, de

desvios e situações malsucedidas inerentes à comunicação face a face. Eles estão disponíveis em Goffman

(2011b).

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pensamento de Mead norteia parte do estudo, já que a empresa percebeu a necessidade de

antecipar as reações da comunidade com a qual decidiu se relacionar por meio da

comunicação face a face.

É com base em suas percepções que cada sujeito tentará prever a reação, os

comportamentos e as intenções dos outros. A realidade, sob tal perspectiva, é

tão subjetiva quanto objetiva. A realidade social imediata é uma percepção

pessoal do ambiente em que estamos imersos. Cabe a uma organização, que

deseje desenvolver espaços profícuos de interação, ser capaz de “assumir o

papel” dos atores sociais com os quais irá interatuar para relativizar sua

posição e buscar um consenso. (FERREIRA, 2011, p. 166).

A experiência de diálogo social da Ampla poderia ter sido diferente caso a

organização optasse por ignorar a estratégia de “assumir o papel” dos indivíduos,

especificamente, e da comunidade como um todo – o que Mead denomina o outro

generalizado. Não é desprezível o peso dessa decisão para uma empresa que se dispõe a

interagir com um de seus stakeholders no modelo que a concessionária escolheu.

Não obstante o pesquisador tenha demonstrado que a iniciativa de diálogo surgiu em

função da complexidade social, política e legal dos municípios atendidos pela empresa,

observa-se determinado empenho da organização em exercer com eficiência a ação planejada,

ainda que o objetivo seja trabalhar com elementos persuasivos. Nada impede que mensagens

de caráter persuasivo sejam elaboradas e emitidas por quaisquer dos interlocutores

participantes da interação – representantes da organização ou da comunidade. Do mesmo

modo, não é prerrogativa da empresa a tentativa de se colocar no lugar do Outro para

antecipar reações – os atores sociais, enquanto sujeitos engajados no diálogo – detêm

igualmente essa condição.

A compreensão dos papéis desempenhados e dos significados elaborados

pelos outros pode permitir uma interação mais rica e estabelecer pontes

interculturais ou traçar caminhos para a persuasão. Uma organização pode

articular uma fala que, aparentemente, atenda às expectativas do grupo e esteja

lastreada por definições culturais legítimas socialmente e que esteja travestida

de consenso. Tal estratégia poderia levar os discordantes a um

constrangimento. Isso não quer dizer que as intenções e os resultados sejam

negativos, mas que o caminho trilhado foi o da persuasão e não o do debate.

Desta forma, uma mensagem persuasiva define ou redefine exigências

culturais, normas, papéis, posições e sanções do grupo para a formação ou

modificação de um dado comportamento socialmente aprovado por membros

de um grupo social. (FERREIRA, 2011, p. 166-167).

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A abordagem referente à Embrapa Pantanal possui particularidades em relação aos

outros dois trabalhos. Por se tratar de um estudo de caso com intenso envolvimento desta

pesquisadora, parte dos resultados é fruto do acompanhamento, da observação participante e

das percepções obtidas a partir do projeto Construção da Imagem da Pecuária Sustentável do

Pantanal. A análise reflexiva da criação dos relacionamentos indica que na fase de

planejamento o “colocar-se no lugar do Outro” ocorre de forma intuitiva – não havia sido

incorporado naquela ocasião o conhecimento de toda a fundamentação teórica proporcionado

por este estudo.

De qualquer modo, conforme aponta Schutz (1979a), a etapa que antecede os contatos

face a face segue a premissa da analogia típica: a equipe de comunicação organizacional

busca projetar-se no lugar dos jornalistas típicos, de veículos de comunicação típicos em

busca de pautas típicas que pudessem atrair a atenção desse público. O fato de ter atuado

anteriormente em redações de jornais impressos facilita essa absorção do papel do Outro, pois

havia uma experiência prévia delimitando critérios de noticiabilidade que pudessem despertar

o interesse dos jornalistas. Até esse momento, no entanto, os interlocutores consistem em

meros contemporâneos, de acordo com a classificação proposta por Schutz (1979a).

A partir das visitas ao Pantanal, tanto por parte dos estudantes de comunicação quanto

dos jornalistas da região Sudeste, os ajustes de fala e de conduta se processam de forma

contínua. Durante as interações, é possível observar que anfitriões e convidados procuram

compreender as reações do Outro como forma de facilitar a adaptação àquela vivência,

considerada um desafio para as duas partes.

No entanto, o maior avanço em termos de ajuste de comportamento para novos

planejamentos em comunicação organizacional se dá a partir da visita de um dos veículos à

fazenda Nhumirim, da Embrapa. Embora a maioria das equipes de jornalistas tenha

demonstrado satisfação em participar da imersão no Pantanal, dois profissionais de um jornal

– repórter e fotógrafo – manifestaram desconforto e incômodo com a experiência. A

proporção em que o ambiente físico possa ter colaborado para essa reação será averiguada no

capítulo 7, entretanto, é conveniente antecipar, em parte, o episódio ocorrido em outubro de

2010.

Os estudos de Goffman sobre as interações face a face justificam metodologicamente a

escolha dessa cena como referencial para a análise das reações e ajustes: “a resistência ao

espírito de uma ocasião, expressa numa recusa em manter envolvimentos mútuos

ocasionados, é aparentemente um dispositivo tão útil para transmitir tantas coisas que

normalmente é possível esperar que alguma pessoa num ajuntamento o empregará”

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(GOFFMAN, 2010, p. 187). Assim, o comportamento arredio, especialmente do repórter,

deve ser observado como algo a ser dito.

A ansiedade desse jornalista pode ser observada logo no início da visita, quando, ao

chegar a Corumbá, anunciou que já havia produzido boa parte das matérias por contatos

mediados e que tinha pressa em finalizar a reportagem. Durante o percurso à fazenda, que

dura cerca de cinco horas de caminhonete, demonstrou muita preocupação com o fato de

permanecer os próximos dias desconectado e procurou se informar sobre a possibilidade de

falar com sua editora por telefone.

Profissional jovem (menos de 30 anos) com características bastante urbanas,

acostumado a viajar a Europa como turista e traduzir textos de outros idiomas para o jornal,

ele procurava evitar “passeios” pela fazenda – recusando algumas ofertas nesse sentido –, o

que seria inevitável para a produção de fotos e coleta de dados para a reportagem. Ao transitar

de caminhonete pela Nhumirim, às vezes evitava descer da carroceria, como todos os

acompanhantes, permanecendo sobre o veículo, onde fazia suas anotações.

Constantemente utilizava a comunicação verbal para revelar que estava muito

preocupado em antecipar a produção do material para “acalmar” a editora. Na fazenda,

chegou a solicitar a antecipação do retorno à cidade e de Corumbá à região Sudeste, o que se

tornou, em parte, inviável, em função das dificuldades logísticas que envolvem a mobilidade

naquela região.

Expressões faciais e gestos indicavam a impaciência do jornalista e do

fotógrafo, que pareciam manter no meio do mato o mesmo ritmo acelerado das

redações. Havia uma evidente incompatibilidade entre o tempo que seria

necessário para a elaboração completa da matéria e a ansiedade que os dois

profissionais demonstravam para encerrar o trabalho. (MAIO, 2014a, p. 3).

Parte da insatisfação pode ser atribuída a problemas ocorridos durante a recepção na

fazenda. As roupas de cama fornecidas não estavam adequadas e as refeições também fugiram

dos padrões das equipes que visitaram o local antes e depois. Porém, fica evidente que a falta

de conexão com o mundo urbano é o que mais incomodou, em especial, o repórter. As outras

equipes participantes do projeto demonstraram, em contrapartida, comportamentos opostos,

aproveitando os dias de desconexão para desfrutar o Pantanal14

.

14

O descontentamento daquela equipe manifestado durante a visita não se refletiu na produção da reportagem

veiculada. Uma das explicações pode ser a ocorrência de um processo de dissonância cognitiva analisado por

Maio (2014a).

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A observação das reações desses atores no contexto face a face torna-se fundamental

para interpretar aquela situação específica e ponderar sobre acertos e falhas do projeto. A

partir desse episódio, é possível ajustar não apenas discurso e conduta, mas a própria

continuidade do projeto, além de ações futuras de comunicação organizacional.

A primeira providência foi a formalização de um pedido de desculpas à equipe em

função dos problemas de acomodação relatados acima. Em seguida, a Embrapa Pantanal se

mobilizou internamente para detectar as causas do fornecimento inadequado de roupas de

cama e alimentação e evitar que a falha se repetisse. Outro ajuste adotado foi o reforço, junto

às próximas visitas, do aviso de que não haveria possibilidade de conexão via internet com as

redações durante o período no campo. Essa medida procurava deixar claro que naqueles dias

os contatos com as redações – e mesmo com familiares – não seria possível, o que pode ter

influenciado, inclusive, a escolha do perfil do profissional que viajaria ao Pantanal por parte

dos veículos dos grandes centros.

Em longo prazo, o incidente serviu para alertar a equipe de comunicação da Embrapa

sobre reações adversas durante visitas ao Pantanal. Embora o padrão mantido nos últimos

anos seja de adaptação, prazer e até certo encantamento com a beleza cênica do local, a

experiência dos dois profissionais mostra que é preciso estar preparado para a não adaptação,

incluindo um ajuste logístico que possa acelerar o retorno. Dessa forma, as deixas simbólicas

são percebidas, interpretadas e aproveitadas como indicadores para ajustar e aprimorar o

processo de comunicação organizacional.

Segundo a teoria de Schutz (1979a), somente a análise retroativa sobre o envelhecer

junto com essa e as outras equipes poderia fornecer subsídios a respeito dos relacionamentos

sociais diretamente vivenciados. O acompanhamento da comunicação face a face planejada na

organização e a reflexão teórica a respeito dessa experiência com diferentes grupos

proporcionam um aprendizado efetivo a respeito da construção de relações organizacionais.

A partir das singularidades previstas na pesquisa social, os estudos desenvolvidos na

concessionária Ampla, na Embrapa Soja e na Embrapa Pantanal lançam suas contribuições

para a análise da hipótese 2 desta tese, não apenas por corroborar os pressupostos dos teóricos

estudados, mas especialmente por resgatar o protagonismo da comunicação face a face nesse

processo. O cruzamento das experiências avaliadas no Paraná, no Rio de Janeiro e no Mato

Grosso do Sul com toda a teoria explicitada até o momento permitirá a validação da hipótese,

etapa subsequente desta investigação.

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5. Interpretação e validação da hipótese

Duas ideias se encontram conjugadas na hipótese 2, cuja validação depende

exatamente da inter-relação entre elas. A primeira – de que a comunicação face a face

proporciona na interação com o interlocutor a observação direta de suas reações – foi

enfaticamente debatida neste e nos capítulos anteriores. A própria definição de comunicação

face a face e os elementos não-verbais do processo interativo sustentam tal afirmação.

A segunda ideia é mais complexa: com isso, a organização que utiliza a

comunicação face a face de forma planejada obtém acesso a elementos não-verbais que

permitem prever essas reações e ajustar seu discurso. Quando a comunicação

organizacional planeja utilizar o formato face a face com determinado interlocutor ou

determinado público, ela está se projetando diante de um universo diferenciado. Trata-se de

uma situação distinta das conversas informais e inconsequentes trocadas em qualquer

ambiente profissional; a abordagem envolve, sim, uma programação a ser seguida em função

de uma política adotada.

O planejamento da comunicação face a face incorpora, portanto, uma intencionalidade.

É fato que qualquer instrumento de interação admite observar reações do Outro. Frases

escritas em uma carta ou em um e-mail, um programa de televisão, uma conversa por telefone

ou por chat sempre permitem interpretar o comportamento do interlocutor. O que se propõe

aqui é discutir eventuais limitações. Segundo Martins (2012, p. 76), “a comunicação oral

facilita os meios para desenvolver pensamentos e reações dos interlocutores, que podem ser

ou não, favoráveis à boa imagem do emissor”. A autora defende que o treinamento para a

comunicação deva estar inserido no planejamento organizacional. “Diante de uma atitude

estratégica inovadora é pertinente observar as ameaças e as oportunidades, com a finalidade

de implementar ações de relacionamento apropriadas, a cada configuração que o ambiente

externo apresente” (FORTES, 2003, p. 18).

Para Martins, o intercâmbio oral de mensagens “facilita” a observação das reações

alheias. O acesso a uma variedade maior de deixas simbólicas é elemento-chave para debater

essa hipótese, embora o apelo quantitativo não elimine, de forma automática, a possibilidade

de que a troca de conteúdos – e a própria relação – tenha sofrido algum tipo de manipulação.

Neste aspecto, a obra de Goffman torna-se bastante pertinente ao distinguir comportamentos

de fachada e de fundo.

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Se a capacidade humana de disfarçar, manipular e ocultar sinais apresenta-se como

uma limitação, também se incluem nessa categoria a ausência e a escassez das pistas

comunicacionais. Em outras palavras, o acesso aos elementos não-verbais reduz essas

restrições e amplia a possibilidade de atribuição de sentidos confiáveis ao conteúdo

transmitido. Diante de todo o aporte teórico expresso nesta investigação, bem como das

pesquisas realizadas nas três organizações, é possível confirmar a hipótese especificamente

para as três situações estudadas, no entanto, ela não pode ser considerada válida ou definitiva

para outras organizações e outros contextos, cabendo análises pontuais.

A possível adaptação do discurso, do comportamento ou mesmo dos relacionamentos

é uma decisão consciente que cabe exclusivamente a cada interlocutor. A observação das

reações da alteridade fornece o insumo para tais ajustes. No entanto, as intencionalidades em

jogo durante uma interação podem fazer com que esse processo avance ou retroceda. Nas

organizações estudadas por Ferreira (2011) e Martins (2012), bem como na Embrapa

Pantanal, os interlocutores envolvidos optaram por ajustar suas falas e condutas.

Pode ocorrer, todavia, que a organização tenha acesso às deixas simbólicas e encontre

dificuldades para interpretá-las. Esse impasse merece atenção na sociedade midiatizada, pois,

conforme visto em Yalda Uhls et al (2014), no capítulo 1, as habilidades humanas para

decifrar emoções não-verbais tendem a diminuir em função da falta de tempo dedicado a essa

prática. Sem a capacidade de atribuir sentidos às pistas comunicacionais e de lidar com esse

rico material, os ganhos proporcionados pela comunicação face a face tornam-se inutilizáveis.

Para a gestão das organizações, essa discussão acrescenta novos olhares em direção à

metacomunicação. A opção pela comunicação face a face – lembrando sempre que ela

representa apenas um dos canais de comunicação disponíveis – abre um leque de alternativas

e de riscos para a empresa. Em casos de sucesso, o contato presencial coopera para o

fortalecimento das relações e para a melhoria do fluxo comunicacional. Porém, as interações

cara a cara podem também proporcionar resultados indesejáveis, como constrangimentos

causados pela falta de sintonia manifestada por meio das deixas simbólicas.

De qualquer modo, este capítulo reforça a proposição apresentada anteriormente por

Ferreira (2011, p. 166), de que “a compreensão dos papéis desempenhados e dos significados

elaborados pelos outros pode permitir uma interação mais rica”, além de reduzir as incertezas.

Há cerca de oito décadas, talvez sem ter essa exata noção, George Mead esboçava um

mecanismo para agregar valor à comunicação empresarial, descoberta que apenas

recentemente a ciência social vem aprimorando.

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No capítulo seguinte, a condução da pesquisa ganha outro viés. Serão analisados

discursos a respeito da comunicação face a face e como eles podem mascarar alguns

interesses das organizações. Textos que divulgam e avaliam o fim do home-office na empresa

Yahoo compõem parte do corpus do capítulo 6; no entanto, posturas semelhantes foram

localizadas em outras empresas e serão devidamente discutidas. A análise de discurso e a

teoria das faces de Goffman configuram-se, assim, como suporte teórico-metodológico para a

avaliação da hipótese 3.

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Capítulo VI – A CONVENIÊNCIA DO DISCURSO SOBRE

COMUNICAÇÃO FACE A FACE

Este capítulo propõe um olhar crítico para o estudo da comunicação face a face: o uso

que se faz de suas propriedades positivas para sustentar interesses organizacionais. Não é por

acaso que essa discussão acontece após todo o debate envolvendo o conceito de comunicação

presencial, a construção de relacionamentos e os ajustes de condutas e discursos empresariais.

O conhecimento prévio dessas dimensões permite avaliar, de maneira mais contundente, a

apropriação – devida ou indevida – das vantagens dessa modalidade de comunicação por parte

das organizações. Nestas páginas serão estudadas, sob a perspectiva da análise de discurso,

situações em que três companhias se manifestam sobre a comunicação face a face – a Yahoo,

a Nivea e a Fiat –, sendo a primeira abordada com maior profundidade.

A análise de discurso (AD) da escola francesa e as proposições do canadense Erving

Goffman (2010, 2011a, 2011b) sobre as interações face a face fundamentam teoricamente a

avaliação da hipótese 3: o discurso das organizações sobre comunicação face a face pode

ser utilizado para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas. Contradições entre

o dito, o não-dito e distintas formas de dizer serão observadas na análise de discurso sobre

uma polêmica envolvendo a empresa norte-americana de tecnologia da informação Yahoo.

Em 2013 a organização decidiu eliminar a prática do home-office, ou seja, a possibilidade de

os funcionários trabalharem em casa, alegando que fisicamente juntos o trabalho teria mais

qualidade. Inconsistências discursivas semelhantes – sugeridas a priori pela própria hipótese

– já haviam sido observadas por estudiosos brasileiros envolvendo outras organizações, de

forma menos incisiva.

A discussão começa com a apresentação de informações sobre a Yahoo, sua cultura

organizacional e o perfil de sua principal executiva, Marissa Mayer, colhidos a partir de uma

publicação biográfica lançada em janeiro de 2015 nos Estados Unidos e em novembro do

mesmo ano no Brasil. Em seguida é exposto o embasamento teórico sobre a análise de

discurso, destacando os pensamentos de Michel Pêcheux (2014), Eni Orlandi (2007, 2011,

2012) e Dominique Mainguenau (2004a, 2004b), entre outros estudiosos da AD, além de

Mikhail Bakhtin (1984, 1997), teórico da linguagem. Durante o procedimento de análise do

caso Yahoo, quatro especificidades serão abordadas: a noção de gêneros de discurso; os

conceitos de deslocamento e deslizamento de sentidos; as definições de ato ilocucionário e ato

perlocucionário provenientes da teoria dos atos de fala; e as diferentes formas de silêncio, que

se mostram determinantes para a compreensão discursiva.

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Se a materialidade do discurso permite investigar as pistas deixadas pelos

enunciadores nos atos de fala, a teoria de Goffman subverte essa ordem, ao sugerir que na

comunicação os sujeitos podem se apropriar de artifícios como farsas, simulações e

dissimulações. Ou seja, o autor questiona o grau de confiabilidade do enunciado1,

relativizando sua autenticidade. O cruzamento dessas teorias, a análise do caso Yahoo e a

incorporação de outros estudos organizacionais alicerçam a avaliação da terceira hipótese.

1. Uma empresa sem foco e sua líder controversa

A polêmica relacionada à eliminação da prática do home-office pela Yahoo apresenta

como pano de fundo a filosofia de trabalho da organização e as ações implementadas por sua

principal executiva. Se por um lado a Yahoo pode ser considerada uma organização dinâmica,

“descolada” e respeitada, por outro ela é descrita como uma empresa sem foco de atuação,

burocrática, fechada e instável. É o que transmite o biógrafo Nicholas Carlson, editor-chefe

do site de notícias Business Insider e um estudioso dessa companhia, no livro Marissa Mayer:

a CEO que revolucionou o Yahoo!2. Ele detalha os bastidores da organização com base em

fontes anônimas, desde sua criação, em meados da década de 1990, até 2014, o segundo ano

em que a companhia esteve sob o comando da “superestrela”.

Os criadores da Yahoo, Jerry Yang e David Filo, eram estudantes de design na

Universidade de Stanford quando começaram a esboçar uma ferramenta que concentrava em

um site listas com endereços eletrônicos que achavam interessantes, uma espécie de guia.

Essa “diversão” começou a virar negócio em 1994, quando o navegador Netscape passou a

oferecer um link direto para Yahoo.com, atraindo milhares de acessos diários. No início de

1995 a Yahoo se tornou uma corporação e já recebia as primeiras ofertas de aquisição, todas

recusadas. “Na década de 1990, o Yahoo era a internet” (CARLSON, 2015, p. 24, grifo do

autor). Chegou a valer US$ 128 bilhões no intervalo de cinco anos – quando atingiu seu auge

– e em seguida começou a decair.

1 José Luiz Fiorin (2013, p. 48) apresenta uma definição bastante objetiva para enunciação e enunciado:

“Enunciação é ação de enunciar, ou em outras palavras, o ato de dizer. [...] O enunciado, portanto, é aquilo que é

dito, é o produto da enunciação. Temos o dizer e o dito, ou seja, a enunciação e o enunciado. O ato de dizer, a

enunciação, produz um dito, que é o enunciado”. 2 A sigla inglesa CEO significa Chief Executive Officer, cargo que corresponde ao diretor executivo de uma

empresa, aquele que detém maior autoridade na hierarquia de uma organização. Carlson utiliza o artigo definido

“o”, no masculino, para se referir à empresa Yahoo. Nesta tese, será usada a forma feminina “a” Yahoo,

resguardando as citações do referido autor.

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Um dos maiores problemas apontados pelo biógrafo é a falta de direcionamento do

negócio. De acordo com Carlson (2015), enquanto marcas como Google, Pay-Pal e eBay

eram naturalmente associadas a busca, pagamentos e leilões, respectivamente, a Yahoo não

possuía uma identidade e um negócio claramente definidos. Para se ter uma ideia, em 2000 a

organização oferecia um conjunto de 400 produtos e serviços. Em novembro de 2006 o Wall

Street Journal publicou um memorando escrito por um funcionário da divisão de músicas

intitulado “Manifesto Pasta de Amendoim”. Nesse documento, Brad Garlinghouse se

queixava de

não termos uma visão focada e coerente de nossa companhia. Queremos fazer

tudo e ser tudo, para todo mundo. Sabemos disso há anos, falamos disso sem

parar e não fazemos nada de fundamental para lidar com essa situação. [...] Já

ouvi que nossa estratégia é como pasta de amendoim espalhada por uma

miríade de oportunidades que continuam a evoluir no mundo on-line.

Resultado: uma fina camada de investimento espalhada sobre tudo o que

fazemos e, portanto, sem focalizar nada em particular. Odeio pasta de

amendoim. Todos nós devíamos odiar. (CARLSON, 2015, p. 74).

Desde que foi criada, a organização convivia com o debate sobre sua identidade no

sentido de definir se deveria atuar como uma empresa de mídia, focada na produção e

distribuição de conteúdo, ou uma empresa de produtos, direcionada a desenvolver ferramentas

de software para internet, como buscas, armazenamento de fotos, serviços de mensagens,

entre outros. Nesse cenário de indefinição, Nicholas Carlson relata a passagem de todos os

CEOs pela organização e avalia as decisões mais impactantes que tomaram, até chegar em

Marissa Ann Mayer, apontada como uma celebridade do mundo da tecnologia, que assumiu a

empresa em 17 de julho de 2012, grávida de cinco meses3. Ela era adepta da estratégia de que

“a melhor maneira para o Yahoo se reinventar seria acompanhar a migração de PCs para

celulares e se tornar realmente uma grande empresa de aplicativos” (CARLSON, 2015, p.

210).

De acordo com a imagem divulgada pela mídia, Marissa pode ser “interpretada” como

uma executiva poderosa e bem-sucedida. Enquadra-se no padrão ocidental de beleza: loira,

3 Na primeira gestação, a mídia criou um amplo debate desfavorável à executiva porque ela permaneceu apenas

duas semanas em licença e teria declarado em uma conferência que “o bebê tem sido muito mais fácil do que

todo mundo disse que seria” (CARLSON, 2015, p. 227). Esse comentário gerou críticas como a de Lisa Belkin,

do Huffing Post, que publicou uma carta aberta à CEO: “Querida Marissa Mayer [...] colocar numa mesma

sentença as palavras „bebê‟ e „fácil‟ faz de você aquele tipo de mãe de quem não gostamos muito” (CARLSON,

2015, p. 227-228). De qualquer forma, nota-se que a executiva não se incomoda em atender a imprensa quando a

pauta é sua vida pessoal. O tratamento é diferente quando o interesse envolve a Yahoo. Em setembro de 2015

Marissa anunciou estar grávida de gêmeas.

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olhos azuis, magra, jovem4, cabelos tratados, maquiagem discreta e trajes elegantes. Assume o

estilo sofisticado, inteligente e esportista. Antes de atuar como CEO da Yahoo, foi vice-

presidente de serviços geográficos e locais do Google, outra conhecida empresa do ramo de

tecnologias5. De certo modo, a Yahoo parece personificar algumas qualidades da sua

presidente – em especial a jovialidade, vitalidade e dinamismo – ao construir sua própria

imagem institucional.

Considerada tímida e socialmente pouco à vontade, Marissa também é descrita como

uma pessoa bastante ambiciosa. Carlson (2015, p. 135) comenta que “em geral, era vista

como robótica ou arrogante. Sentia grande dificuldade em olhar as pessoas nos olhos”. No

entanto, sua competência técnica sempre foi amplamente reconhecida. Em termos de

comunicação organizacional, a executiva surpreendeu a equipe logo na primeira semana na

Yahoo, ao enviar e-mail a toda a empresa dando um “olá” e convidando todos a visitar sua

sala e apresentar ideias para o futuro da organização. “Os funcionários levaram o convite ao

pé da letra e começaram a despencar na sala dela como uma avalanche” (CARLSON, 2015, p.

204).

A executiva também implementou reuniões semanais com os yahoos (modo como os

funcionários se tratam) – em formato presencial para quem trabalhava na sede, em Sunnyvale,

na Califórnia, e on-line para os demais empregados. De acordo com a biografia, essas

reuniões aconteciam nas tardes de sexta-feira e eram chamadas de FYI – For Your

Information6. Marissa sempre iniciava os encontros alertando para a confidencialidade dos

assuntos que seriam tratados. Em seguida apresentava as novas contratações da semana e

divulgava novidades. Ao final, abria espaço para perguntas, que tanto poderiam ser feitas ao

vivo, com o uso de um microfone, como enviadas ao longo da semana por um aplicativo na

intranet. Em ocasiões de maior tensão, os funcionários pediram que as perguntas fossem

enviadas de forma anônima, o que foi atendido pela executiva.

Marissa explicou que a ideia desses encontros era tornar o Yahoo uma

companhia mais aberta e transparente, na qual os funcionários pudessem se

comunicar com os executivos e considerá-los responsáveis. Também se

pretendia eliminar a queixa, feita pelos funcionários, de que faltava

comunicação: agora, teriam acesso a todas as informações de que precisavam

para ter sucesso.

4 Em maio de 2016, a dirigente completa 41 anos.

5 A atuação de Marissa Mayer no Google lhe rendeu o apelido de “Googirl”. Sua relação com a imprensa, desde

2007, era ambígua. Em alguns momentos, Carlson (2015) evidencia que a executiva adorava a atenção da mídia

a ponto de possuir um grupo no setor de relações públicas da organização responsável por promover sua carreira;

em outros, nota-se claramente a aversão e o desprezo de Marissa ao assédio midiático. 6 Em tradução livre, Para Sua Informação.

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Ela esperava igualmente que as reuniões FYI diminuíssem os vazamentos para

a imprensa [...] (CARLSON, 2015, p. 216).

De acordo com Carlson (2015), Marissa Mayer chegou a estimular os funcionários a

denunciar colegas que vazassem informações da companhia, relatando uma situação em que

ela própria denunciou ao Google um colega suspeito de colaborar com jornalistas. Apesar de

impor essas restrições, a CEO, de fato, tomou algumas medidas no sentido de melhorar o

clima organizacional, como reformas em áreas físicas para garantir mais conforto ao quadro

funcional, a oferta de café da manhã, almoço e jantar gratuitos, a retirada de catracas de

controle de acesso e a distribuição de smartphones (e não mais BlackBerrys) a todos os

yahoos.

Queria que o Yahoo fosse um lugar onde as pessoas pudessem

trabalhar e estar bem porque tinham acesso a um vasto leque de

informações, porque se sentiam fortalecidas e eram instigadas a ter

sucesso. Primeiro, porém, queria que ser um funcionário do Yahoo

deixasse de ser uma droga e que aquele se tornasse “sem dúvida o

melhor lugar para trabalhar”. (CARLSON, 2015, p. 219).

Esse foi um dos argumentos empregados por Marissa no comunicado interno em que

anuncia o fim do home-office na empresa, em fevereiro de 2013 – e que deveria entrar em

vigor em junho daquele ano. A executiva foi muito criticada pela imprensa por adotar essa

política e um debate mundial foi instituído pela mídia especializada. Havia o entendimento

que a decisão da Yahoo poderia abrir um precedente para que outras organizações seguissem

a mesma estratégia. De fato, pelo menos outras duas grandes corporações anunciaram medida

semelhante nos meses seguintes: as americanas Best Buy e Hewlett-Packard.

A Yahoo permaneceu calada diante das críticas e, aparentemente, não forneceu

detalhes sobre a suspensão. Não foram localizados textos jornalísticos informando quantos

funcionários seriam atingidos e quantos iriam optar por demissões voluntárias – caso não

aceitassem trabalhar nos escritórios7. A ausência de informações precisas e o amplo alvoroço

criado pela mídia sinalizavam que o fim do home-office na Yahoo afetaria uma grande parcela

dos funcionários.

7 Ao ser convidada para o cargo, Marissa foi informada que a Yahoo estaria com excesso de funcionários e que

deveria promover demissões. Contrária a essa medida, ela conseguiu evitar grandes cortes e acabou

implementando em 2014 um polêmico sistema de avaliação de desempenho que desagradou os funcionários e

provocou considerável desgaste para sua gestão.

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Apenas em janeiro de 2015, na biografia lançada por Carlson, aparecem os primeiros

números envolvidos com a decisão. Do universo de 15 mil funcionários, 164 teriam sido

afetados e apenas um teria sido demitido por não comparecer ao trabalho por duas semanas. A

publicação também dá mais detalhes da operacionalização: “o Yahoo arcaria com os custos da

mudança e até daria aumento de salário para cobrir eventuais aumentos no custo de vida para

os que tivessem de sair de uma área rural para a zona urbana ou suburbana” (CARLSON,

2015, p. 220-221).

De acordo com o biógrafo, a empresa também admitiu abrir exceções: trabalhar em

casa por motivo de força maior durante um dia ou dois não seria considerado problema.

Carlson (2015, p. 221) acrescenta que “a maioria dos funcionários achou a suspensão uma

medida inteligente, ainda que transmitida de modo precário”. Por sinal, a mensagem da CEO

sobre o fim do home-office foi apontada como uma das falhas que ela deveria apresentar ao

Conselho de Diretoria da organização. Essa mensagem, que vazou para a imprensa, será alvo

da análise de discurso aqui empreendida, bem como o conteúdo jornalístico que a acompanha.

2. Discursos em relação: a tônica da AD

Conhecer teorias que formatam a análise de discurso representa explorar outro

universo do conhecimento que tangencia o campo da comunicação, com um efeito colateral

permanente: nunca mais a leitura de textos (verbais ou não-verbais) será a mesma. A

apreensão dos mecanismos de produção discursiva e das nuances que envolvem a prática da

recepção tende a se tornar um procedimento habitual para o analista, ainda que ele não esteja

empenhado em um trabalho científico de AD.

“A finalidade do analista de discurso não é interpretar, mas compreender como um

texto funciona, ou seja, como um texto produz sentidos” (ORLANDI, 2012, p. 19). Uma série

de fatores incide sobre as interpretações – e eles não estão restritos à instância de produção do

discurso: as condições inerentes à recepção, ou à leitura dos textos, também determinam os

sentidos que serão atribuídos à mensagem.

Uma interpretação discursiva consideraria as manifestações semânticas, sintáticas,

lexicais, gramaticais, fonéticas e ortográficas do texto, entre outras. Na AD, interessam

também os contextos imediatos em que o discurso é produzido e absorvido, além das

delimitações históricas, sociais, culturais e ideológicas que possam tecer influências sobre o

conteúdo. Importam ainda o sujeito que enuncia – enunciador – e aquele que atribui

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significados ao texto, chamado de coenunciador. Se não bastasse esse conjunto de

informações relevantes sobre as condições de produção e de recepção, a AD considera

fundamental que um discurso seja analisado não de forma fechada, em si mesmo, mas em

relação a outros discursos. “O „sentido‟ de um texto, de uma frase, e, no limite, de uma

palavra, só existe em referência a outros textos, frases ou palavras que constituem seu

„contexto‟ [...]” (PÊCHEUX, 2014, p. 165).

A noção de interdiscurso pode contribuir para a compreensão dessa lógica, já que todo

texto contém vestígios de textos anteriores. De acordo com Orlandi (2012, p. 59), “em sua

definição, o interdiscurso é o conjunto de dizeres já ditos e esquecidos que determinam o que

dizemos, sustentando a possibilidade mesma do dizer. Para que nossas palavras tenham

sentido é preciso que já tenham sentido”. As citações são exemplos clássicos da existência do

interdiscurso; porém, como expõe a autora, nem sempre essa presença é evidente – muitas

vezes pode se mostrar “esquecida” dada a naturalidade com que passa a operar em um

determinado enunciado.

A presença do interdiscurso denota posições ideológicas adotadas pelo enunciador. Se

o sujeito escolhe dizer de uma maneira – e não de outra – está selecionando sentidos que serão

transmitidos e apagando outras possibilidades de dizer. Para Orlandi, (2012, p. 28), “[...] a

memória discursiva (o interdiscurso) se estrutura pelo esquecimento: esquecemos como os

sentidos se formam de tal modo que eles aparecem como surgindo em nós”. E prossegue: “Os

sentidos – sempre aí em seu movimento de produzir rupturas, acontecimentos – não estão, no

entanto, jamais soltos (desligados, livres), eles são administrados (geridos)” (ORLANDI,

2012, p. 28). Da mesma forma, a recepção, interpretação e compreensão de um discurso

adquirem determinado sentido em detrimento de outros possíveis, porém, descartados.

Maria Cecília Souza-e-Silva (2013), ao abordar a obra de outro teórico relevante da

AD francesa – Dominique Maingueneau –, explica o princípio da primazia do interdiscurso,

que prevê assumir a precedência do interdiscurso sobre o discurso e adotar, como unidade de

análise, “esse espaço de trocas construído pelo analista” (SOUZA-E-SILVA, 2013, p. 100). O

autor francês será retomado na próxima seção, na discussão sobre gêneros de discurso.

Explorando essa premissa de que para a AD o sentido de um texto se configura em

relação a outro(s) texto(s), convém introduzir a noção de dialogismo, conceito proposto pelo

filósofo russo Mikhail Bakhtin, em 1929, quando publicou pela primeira vez os estudos sobre

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a obra de Dostoevsky8. Suas pesquisas sobre linguística e metalinguística revelam a

autonomia, a força e a singularidade das vozes do autor e dos personagens.

Portanto, as obras de Dostoevsky não contêm discurso final, conclusivo, que

defina qualquer coisa de forma definitiva. [...] O discurso do herói e o discurso

sobre o herói são determinados por uma atitude dialógica aberta em relação a

si próprio e em relação ao outro. [...] Não existe no mundo de Dostoevsky o

que quer que seja firme, morto, acabado, sem poder responder, o que quer que

tenha dito sua última palavra. (BAKHTIN, 1984, p. 251, tradução nossa).

Em outras palavras, “dialogismo significa que um discurso se constitui em oposição a

outro. Portanto, ele é heterogêneo: um discurso mostra a si mesmo e seu contrário”, explica

Fiorin (2013, p. 64). Trata-se de um sentido construído a partir de múltiplas vozes (polifonia),

de caráter inconclusivo e contrário ao que Bakhtin denomina monologismo. “À guisa de

definição, o monologismo se refere a um discurso único, definitivo e uniforme. O

monologismo não deixa revelar os outros discursos que permeiam a prática discursiva”

(MARCUZZO, 2008, p. 4).

Esse caráter aberto do discurso, defendido por Bakhtin, torna-se metodologicamente

determinante para a AD, pois o dialogismo só pode ser captado a partir da observação de

discursos em oposição. “A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece

entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano

do sentido (não como objeto ou exemplo linguístico), entabularão uma relação dialógica”

(BAKHTIN, 1997, p. 345-346).

A análise discursiva do caso Yahoo adota como metodologia a avaliação de um

conjunto de textos jornalísticos e organizacionais sobre o mesmo objeto, permitindo uma

comparação entre eles e abrindo espaço para a manifestação desse diálogo. Esse conjunto de

enunciados, dispersos no tempo e no espaço e permeáveis a posicionamentos heterogêneos,

coincide com o conceito de formação discursiva apresentado por Michel Foucault (1987, p.

43, grifo do autor):

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,

semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos

de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma

regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos,

8 A grafia correta do nome do romancista russo seria Fiódor Dostoiévski, porém, esta tese reproduz a forma

encontrada na versão inglesa de Problems of Dostoevsky's Poetics, editada pela Universidade de Minnesota

(Estados Unidos).

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transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação

discursiva [...].

Na AD, a definição de formação discursiva pode ser entendida sob outra perspectiva, a

de Pêcheux. O filósofo, considerado um dos fundadores da análise de discurso francesa,

reveste o conceito de uma carga ideológica, que o afasta sobremaneira da noção foucaultiana.

Um estudo comparativo entre as duas definições, elaborado por Roberto Leiser Baronas

(2011), indica que a paternidade conceitual pode ser partilhada entre os dois, aparecendo

ligeiramente antes em Pêcheux – 1968 – e no ano seguinte nas publicações de Foucault. “[...]

Aproximar Pêcheux e Foucault no tocante as noções de formação discursiva e de discurso é

muito problemático, sobretudo do ponto de vista teórico, visto que as bases epistemológicas

que sustentam os seus trabalhos são distintas” (BARONAS, 2011, p. 6).

Investigadora do patrimônio intelectual de Pêcheux, Orlandi (2011, p. 27) sintetiza a

definição do mestre: “As formações discursivas são formações componentes das formações

ideológicas e que determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada em

uma conjuntura dada”. O acesso à distinção entre os dois conceitos de formação discursiva

torna-se pertinente para a compreensão das ideias de deslizamento e deslocamento de sentido

que serão abordadas na seção 2.2.

Enquadrar os textos selecionados sobre a empresa Yahoo como jornalísticos e

organizacionais constitui, a priori, um procedimento deveras simplista diante da

complexidade que envolve a tipologia de discursos. Esforços de classificação em gêneros,

espécies ou tipos discursivos têm sido empreendidos por renomados teóricos da AD,

demonstrando que a identificação de um texto com certas características de linguagem não é

acessória para a condução da análise.

2.1 Tipologia de discursos: elemento facilitador da análise

Por que é importante enquadrar o discurso a ser analisado em um determinado tipo?

Orlandi acredita que a classificação tem uma função metodológica e explica que o tipo “é um

princípio organizador: primeiro passo para a possibilidade de se generalizarem certas

características, se agruparem certas propriedades e se distinguirem classes” (ORLANDI,

2011, p. 217). Ao classificar o discurso em determinada categoria, o analista estará atribuindo

algumas particularidades preconcebidas ao seu objeto de estudo e encaminhando a análise.

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Dois critérios seriam fundamentais para a seleção da tipologia: a natureza do texto e o

objetivo da análise.

A autora avalia com cautela a classificação institucional dos discursos, bastante

difundida na AD:

Merece atenção, aqui, a espécie de tipologia que distingue discurso político,

jurídico, religioso, jornalístico, etc. É uma tipologia que se coloca de forma

consensual. Ela é referida à existência de instituições. Uma variação dessa

tipologia é a que coloca a distinção entre domínios (institucionais) do saber:

discurso filosófico, científico, poético, etc. [...]. O problema, a meu ver, em

relação a essas espécies de tipologia, é que já partem de distinções

apriorísticas, dadas de acordo com um critério já estabelecido alhures: ou pela

sociologia, ou pela teoria do conhecimento, etc. O critério, que já vem dado, é

herdado pela análise de discurso como tal. (ORLANDI, 2011, p. 224).

Responsável por uma instigante revisão de literatura sobre a diversidade de

classificações discursivas, a própria Orlandi propõe sua tipologia, que inclui a existência de

discursos autoritários, polêmicos e lúdicos. Para compreender essa categorização, é

imprescindível atentar para a noção de polissemia – a possibilidade de dizer o diferente

utilizando a mesma forma, ou seja, as várias significações de uma mesma palavra, de uma

mesma frase, da mesma construção linguística. Também é constitutiva das definições a ideia

de reversibilidade, isto é, a possibilidade de troca de papéis entre locutor e ouvinte do

discurso.

Discurso lúdico: é aquele em que a reversibilidade entre interlocutores é total,

sendo que o objeto do discurso se mantém como tal na interlocução,

resultando disso a polissemia aberta [...].

Discurso polêmico: é aquele em que a reversibilidade se dá sob certas

condições e em que o objeto do discurso está presente, mas sob perspectivas

particularizantes dadas pelos participantes que procuram lhe dar uma direção,

sendo que a polissemia é controlada [...].

Discurso autoritário: é aquele em que a reversibilidade tende a zero, estando o

objeto do discurso oculto pelo dizer, havendo um agente exclusivo do discurso

e a polissemia contida [...]. (ORLANDI, 2011, p. 154, grifos da autora).

É possível observar que a tipologia proposta por Orlandi baseia-se nas condições de

produção do discurso e envolve aspectos ideológicos. A pesquisadora esclarece que os tipos

propostos não se impõem de forma absoluta – há uma possibilidade de dominância de um

deles e uma tendência de assumirem, em maior ou menor grau, determinados critérios por ela

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predefinidos. Para reforçar essa relativização, Orlandi (2011) defende que sua tipologia seja

aplicada com grande flexibilidade.

2.1.1 Gêneros discursivos nas perspectivas de Bakhtin e Maingueneau

A problematização das classificações discursivas passa também pela noção de

gêneros9. Bakhtin é um dos autores que trabalham esse enquadramento e, diferentemente de

Orlandi, acata sem restrições a proposta de critérios institucionais e das esferas do

conhecimento para fundamentar o conceito. Para ele, a utilização da língua está atrelada às

diversas atividades humanas, que acabam por definir o conteúdo temático, o estilo e a

construção composicional do que é dito. “Qualquer enunciado considerado isoladamente é,

claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente

estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN,

1997, p. 279, grifos do autor).

O filósofo reconhece a “extrema heterogeneidade” dos gêneros discursivos, que

incluem desde os diálogos cotidianos até os textos literários, passando pelas diferentes formas

de manifestações científicas, sociopolíticas, artísticas, entre outras. Para tentar facilitar a

análise teórica dessa infinidade de discursos, ele propõe outra classificação: o gênero de

discurso primário (ou simples) e o gênero de discurso secundário (complexo). Como exemplo

do primário, apresenta a réplica do diálogo cotidiano ou uma carta pessoal. A partir do

momento em que essa réplica ou essa carta são absorvidas por um romance, por exemplo, elas

passam a integrar um discurso secundário, mais elaborado. Ao serem incorporadas ao

discurso literário, essas formas primárias perdem a conexão com a vida cotidiana: há uma

mudança significativa na natureza do discurso.

Por admitir a coexistência entre sua tipologia e aquela que vincula os gêneros às

atividades humanas, Bakhtin enxerga uma articulação irredutível entre os gêneros discursivos

e o estilo dos enunciados. Por isso, pondera que “as mudanças históricas dos estilos da língua

são indissociáveis das mudanças que se efetuam nos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1997,

p. 285), ainda que reconheça a relativa estabilidade dos enunciados que formatam os gêneros.

Outro estudioso que se debruça sobre a questão dos gêneros é Maingueneau. Ele

aponta para a utilidade dessa classificação tipológica, constatando que “para um locutor, o

9 Pinto (1999) prefere chamar a variedade de gêneros discursivos de espécies de discursos, porém, sua

fundamentação para essa escolha é apresentada de maneira demasiadamente superficial.

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fato de dominar vários gêneros de discurso é um fator de considerável economia cognitiva”

(MAINGUENEAU, 2004a, p. 63, grifo do autor). E exemplifica:

Graças ao nosso conhecimento dos gêneros do discurso, não precisamos

prestar uma atenção constante a todos os detalhes de todos os enunciados que

ocorrem à nossa volta. Em um instante somos capazes de identificar um dado

enunciado como sendo um folheto publicitário ou como uma fatura e, então,

podemos nos concentrar apenas em um número reduzido de elementos.

(MAINGUENEAU, 2004a, p. 64).

O linguista chegou a elaborar sua tipologia com três grandes categorias: gêneros

autorais, rotineiros e conversacionais. Entretanto, posteriormente, decidiu revisar sua proposta

original e agrupá-la em apenas duas: gêneros conversacionais e instituídos

(MAINGUENEAU, 2004b). De acordo com alguns estudiosos da obra de Maingueneau, há

uma aproximação entre a classificação sugerida por ele e por Bakhtin. É o que sustenta

Jauranice Rodrigues Cavalcanti (2013, p. 440):

Para Maingueneau, os gêneros conversacionais caracterizam-se por não ter

uma ligação forte com lugares institucionais, papéis ou roteiros estáveis, sendo

sua composição e temática bastante instáveis: são os parceiros que ajustam e

negociam a interação enquanto essa ocorre. Os gêneros instituídos, ao

contrário, estabelecem a priori papéis para seus participantes que, no geral,

permanecem constantes ao longo da interação.

Dessa maneira, na visão dessa autora, os gêneros conversacionais estariam para os

primários, de Bakhtin, assim como os gêneros instituídos corresponderiam aos secundários.

Maingueneau (2004b) subdivide essa categoria mais complexa em quatro modos que,

resumidamente, variam dos enunciados mais engessados e quase blindados a variações

(gêneros instituídos de modo I) até aqueles caracteristicamente mais personalizados ou

autorais (gêneros instituídos de modo IV), em que é possível explorar certo grau de

originalidade. Catálogos telefônicos e registros de cartórios se colocam como exemplos dos

modos mais fechados, enquanto romances e telenovelas se encaixam nos gêneros mais

flexíveis.

Com base nessas distinções de tipos e gêneros discursivos, esta pesquisa adota a

classificação apresentada inicialmente por Bakhtin, de gêneros identificados com atividades

humanas – e que Maingueneau adapta para atividades sociais. Portanto, os gêneros de

discursos jornalísticos e de discursos organizacionais evidenciam algumas características que

tendem a facilitar o trabalho de AD.

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O primeiro tem por finalidade transmitir informações e formar opinião entre seus

interlocutores; estabelece uma parceria legítima entre o jornalista e o veículo de comunicação

(enunciadores) com o público consumidor das informações (coenunciador); é exercido a partir

de lugares legítimos: a redação, enquanto local do enunciador, e o espaço itinerante do

receptor, que pode ter acesso às notícias em qualquer ambiente; pressupõe momentos

igualmente legítimos, envolvendo a periodicidade, a continuidade e a validade das

matérias/artigos; exige um suporte técnico para sua viabilização; e obedece a um determinado

padrão de organização textual (ou construção composicional, como prefere Bakhtin). Esses

requisitos fazem parte da concepção de gêneros de discurso de Maingueneau (2004a).

Por sua vez, o gênero de discurso organizacional também apresenta características

que o identificam. Sua finalidade é proporcionar a circulação de informações que possam

atender às necessidades e/ou interesses da organização e dos públicos com as quais se

relaciona; permite a criação de relacionamentos entre a empresa e seus interlocutores internos

e externos; o enunciado é concebido em um determinado ambiente físico ou virtual onde a

organização esteja instalada ou em espaços temporariamente definidos como pontos de

encontro com seus interlocutores; o discurso organizacional envolve também a questão

temporal: os enunciados podem ser ora perecíveis ora perenes, dependendo do que é

comunicado e em quais circunstâncias; predominantemente, o enunciado requer um suporte

material para sua circulação e armazenamento; a elaboração textual possui características

próprias, podendo variar desde documentos administrativos padronizados até criativas

campanhas publicitárias.

Esses elementos fundamentam a inserção das formações discursivas do caso Yahoo

nos gêneros acima indicados, porém, não haveria quaisquer objeções para que elas pudessem,

paralelamente, ser enquadradas nos gêneros secundários, de Bakhtin, ou instituídos, de

Maingueneau. Também não haveria justificativa para afastá-las dos discursos polêmicos

preconizados por Orlandi. A definição da tipologia constitui condição necessária para a

compreensão dos conceitos de deslocamento e de deslizamento de sentidos, que serão tratados

na próxima seção. Eles entram em cena porque o texto a ser analisado apresenta uma

construção discursiva híbrida – a fala sobre a empresa e a fala da empresa compõem o mesmo

enunciado, conforme será demonstrado a seguir.

2.2 Deslocamento e deslizamento: movimentos de ressignificação

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Antes de resgatar os dois conceitos, é interessante introduzir uma das matérias

jornalísticas selecionadas para a análise de discurso envolvendo a Yahoo. A propósito, o

corpus foi coletado em sites especializados em empregos e carreiras durante dois momentos

distintos: início de 2013, quando a empresa anuncia o fim do home-office para junho do

mesmo ano, e entre o final de 2014 e início de 2015, em uma tentativa de atualização do tema.

O silêncio instituído no intervalo entre esses dois momentos também será objeto de análise.

Cabe, ainda, outro adendo: em geral, as matérias selecionadas para análise grafam

Yahoo com o ponto de exclamação, sinal que é adotado no logotipo da empresa e deixa

marcas de grandiloquência, surpresa, expressividade. No entanto, no site institucional da

Yahoo, que pode ser considerado um discurso formal, a organização se apresenta nos textos

escritos sem a exclamação10

.

A matéria em questão foi publicada no dia 25 de fevereiro de 2013 pela revista digital

“Info Exame”, da Editora Abril11

. Ao final, o texto reproduz, na íntegra, a tradução do

memorando interno distribuído aos funcionários da empresa, um autêntico enunciado

organizacional.

Marissa Mayer elimina home office no Yahoo!

Por Barbara Ladeia, de Exame.com • segunda, 25 de fevereiro de 2013

Paul Zimmerman/Getty Images for TechCrunch/AOL

Uma das principais tarefas de Marissa Mayer é enxugar a estrutura da empresa, que inchou ao longo dos últimos 15 anos

10

A narrativa desta tese segue o discurso formal da empresa localizado no site norte-americano

(https://info.yahoo.com/, acesso em: 22 maio 2015), sem o uso da exclamação, mas reproduz a grafia encontrada

nos textos jornalísticos. 11

A Info Exame começou a circular em 1986 como um encarte impresso da revista de economia e negócios

Exame. Além do foco em informática, trata de tendências científicas e tecnológicas. A estimativa do número de

leitores é de aproximadamente 600 mil. Em dezembro de 2014, a Editora Abril anunciou o fim da impressão da

revista, informando que a publicação continuaria apenas em versão digital. Informações obtidas em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Info_Exame. Acesso em: 27 maio 2015.

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São Paulo - Na contramão das tendências em recursos humanos, o Yahoo! anuncia o fim do

home office em todos os países onde atua. A partir de junho, todos os funcionários deverão

trabalhar nos escritórios da empresa.

Em nota, divulgada a todos os funcionários na última sexta-feira, Jackie Reses, vice-

presidente executiva de pessoas e desenvolvimento, afirmou que ―velocidade e qualidade são

muitas vezes sacrificadas quando se trabalha de casa‖.

Segundas intenções - No entanto, essa pode estar sendo mais uma das decisões de Marissa

Mayer com a intenção de diminuir os custos operacionais da empresa, os quais cresceram

muito nos últimos 15 anos.

Segundo a Business Insider, um dos efeitos colaterais dessa decisão seria a demissão

voluntária daqueles que não pretendem se encaixar na nova regra da companhia. Embora

não tenha mencionado demissões após ser empossada no cargo, uma das principais

preocupações de Mayer seria reduzir os gastos.

Para isso, colocou Ken Goldman na posição de Chief Financial Officer (CFO), veterano da

indústria de tecnologia. Segundo o analista na JMP Securities LLC, Erik Suppiger, em

entrevista à Bloomberg, Goldman é conhecido no mercado por sua capacidade de corte de

custos e melhoria da gestão de recursos.

Veja a tradução da nota enviada por Jackie Reses a todos os funcionários

―Ao longo dos últimos meses, introduzimos uma série de grandes benefícios e ferramentas

para nos tornar uma empresa mais produtiva, eficiente e divertida. Com a introdução de

iniciativas como FYI, Metas e PB&J, queremos que todos participem na nossa cultura e

contribuam para esse impulso positivo. De Sunnyvale a Santa Monica, Bangalore a Pequim -

acho que todos nós podemos sentir a energia e os zumbidos nos nossos escritórios.

Para se tornar o melhor lugar para trabalhar, comunicação e colaboração serão

importantes, por isso temos de estar trabalhando lado-a-lado. É por isso que é fundamental

que estejamos todos presentes em nossos escritórios. Algumas das melhores decisões e ideias

vêm de discussões no corredor e na cafeteria, vem de conhecer novas pessoas e das reuniões

improvisadas. Velocidade e qualidade são muitas vezes sacrificadas quando se trabalha de

casa. Nós precisamos ser um Yahoo!, e isso começa por estarmos fisicamente juntos.

A partir de junho, pedimos a todos os funcionários em home office para trabalhar nos

escritórios do Yahoo!. Se isso impacta você, seu gestor já está ciente dos próximos passos.

Para o resto de nós, que ocasionalmente têm de ficar em casa para esperar o rapaz da

televisão a cabo, por favor, use o bom senso no espírito de colaboração. Ser um Yahoo não

envolve apenas o seu trabalho cotidiano, mas também as interações e experiências que só são

possíveis em nossos escritórios.

Obrigada a todos vocês, nós já fizemos um progresso notável como uma empresa – e o

melhor ainda está por vir.‖12

12

Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/carreira/marissa-mayer-elimina-home-office-no-yahoo-

25022013-34.shl. Acesso em: 25 ago. 2014.

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184

O texto acima será analisado de forma detalhada no decorrer deste capítulo. Por ora, a

pesquisa se dirige aos efeitos da conexão entre os dois gêneros de discurso no mesmo

enunciado. A discussão pode começar pela investigação da autoria e da recepção. O

comunicado organizacional foi produzido pela instituição Yahoo, assinado pela vice-

presidente executiva de pessoas e desenvolvimento, Jackie Reses, que fala em nome da

presidente e diretora executiva Marissa Mayer. O objetivo do memorando é atingir o público

interno da empresa.

O sujeito enunciador do discurso jornalístico é, outrossim, polifônico. Podem ser

enumeradas a revista Info, a repórter que assina a matéria, Barbara Ladeia, a editora Abril, as

fontes que se manifestam no texto (o site Business Insider, o analista Erik Suppiger e a revista

de negócios americana Bloomberg), além da própria Yahoo, por meio do documento

reproduzido. O coenunciador ideal do discurso jornalístico é o público interessado em

negócios, empregos e carreiras, especialmente focado no mercado de tecnologias da

informação. No entanto, como o site da Info é acessível a qualquer internauta e não há

restrições de leitura, o público receptor real é composto pela heterogeneidade.

Essa movimentação de textos indica que um discurso teoricamente “privado”, dirigido

a funcionários da organização, sofreu um deslocamento para outra formação discursiva, a

jornalística, tornando-se de domínio público e angariando múltiplas (re)interpretações dos

novos coenunciadores. Considerando o pensamento pêcheuxiano de que “as palavras mudam

de sentido ao passarem de uma formação discursiva para outra” (ORLANDI, 2011, p. 27),

pode-se inferir que os significados do discurso absorvido pelo gênero jornalístico serão

reacomodados ou reestruturados.

A origem conceitual de deslocamento é atribuída a Pêcheux, ao mencionar a provável

circulação de enunciados entre diferentes regiões discursivas.

Nessa perspectiva, o interdiscurso, longe de ser efeito integrador da

discursividade, torna-se desde então seu princípio de funcionamento: é porque

os elementos da sequência textual, funcionando em uma formação discursiva

dada, podem ser importados (meta-forizados) de uma sequência pertencente a

uma outra formação discursiva que as referências discursivas podem se

construir e se deslocar historicamente. (PÊCHEUX, 2014, p. 158, grifo do

autor).

A partir dessa concepção, outros pesquisadores passam a explorar a definição e a

confrontá-la com a ideia de deslizamento. “Considero que um movimento de ressignificação

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pode ocorrer de duas formas: pode ser caracterizado como um deslocamento de uma formação

discursiva para outra, ou como um deslizamento entre posições-sujeito no âmbito de uma

mesma formação discursiva” (MITTMAN, 2014, p. 37-38, grifos da autora).

Os dois fenômenos representam, de acordo com a pesquisadora, possibilidades de

atribuir novos significados ao acontecimento enunciado, sendo que o deslocamento envolve

basicamente a troca de lugares discursivos e seus efeitos. Quando a Yahoo se apresenta a seus

funcionários como uma empresa divertida, está assumindo certa leveza na rotina de trabalho,

o que pode constituir um sentido positivo. Ao se deslocar para o discurso jornalístico, a

caracterização de empresa divertida será ressignificada e é possível que alguns interlocutores

a interpretem como falta de seriedade, um sentido não desejável aos olhos do mercado.

O que motiva um deslocamento? No caso da reportagem acima, uma leitura plausível

é a busca da credibilidade através da completude13

. Ao transferir a íntegra do texto do

ambiente interno da empresa para o circuito noticioso da Info, o enunciador não somente

apresenta uma comprovação irrefutável do que é dito como revela a

permeabilidade/vulnerabilidade da comunicação interna da organização. O que pode e o que

deve ser dito – questão colocada por Pêcheux em seu conceito de formação discursiva – e a

relação de poder entre a organização e a mídia ficam em evidência nessa reflexão.

O conceito de deslizamento envolve outro grau de complexidade e requer a

compreensão do binômio posição-sujeito.

Considerando a diferença entre as concepções de formação discursiva (de

Foucault, com busca de uma regularidade, e de Pêcheux, na redação com a

formação ideológica) descrita acima, cabe trazer aqui a diferença entre as duas

concepções de posição-sujeito. Para Foucault, a posição-sujeito é um lugar

vazio que pode ser ocupado por qualquer indivíduo. Já na perspectiva dos

analistas do discurso que seguem os preceitos de Pêcheux, a posição-sujeito é

pensada a partir das relações de identificação ou contra-identificação com uma

formação discursiva (o que Pêcheux chama de tomada de posição), o que leva

a concluir que a posição-sujeito é já ocupada pelos saberes de uma formação

ideológica. (MITTMAN, 2014, p. 38).

A noção de posição-sujeito, a partir da intervenção da pesquisadora, se coloca

interligada à condição de autoria e pode ou não envolver aspectos da formação ideológica,

dependendo da abordagem teórica escolhida. O processo de ressignificação estabelecido a

partir do deslizamento pressupõe uma negociação entre a produção de sentidos concebida

13

O mesmo raciocínio a respeito da motivação do deslocamento pela Info é válido para esta tese – um discurso

do gênero científico que se apropria de narrativas jornalísticas, organizacionais e de uma variedade de discursos

científicos anteriores com a finalidade de avalizar o conhecimento em construção.

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dentro da mesma formação discursiva, bem como entre a atribuição de sentidos por parte do

interlocutor, que será convidado a perceber a troca de vozes – sem garantia efetiva de que

consiga identificar essa movimentação e compreender seus efeitos.

O deslizamento é observável na formação discursiva jornalística publicada pela revista

Info. O processo de ressignificação de sentidos reflete a tensão na posição-sujeito, ora

ocupada pelo discurso empresarial em defesa do fim do home-office, ora preenchida por uma

construção textual contrária à medida – “na contramão das tendências em recursos humanos,

o Yahoo! anuncia o fim do home office em todos os países onde atua‖, posiciona-se, logo no

início, a reportagem.

[...] uma palavra ou expressão nunca possui sentido evidente, nem o sentido

está colado a ela. Dessa forma, as palavras e expressões escorregam, deslizam

seus sentidos de acordo com as FDs [formações discursivas] em que estão

inscritas. O trabalho do analista é, por isso, considerar os ditos e não-ditos, os

possíveis deslizamentos e deslocamentos de sentido entre os diferentes

discursos. (MEDEIROS; NOBLE, 2014, p. 7).

Deslocamento e deslizamento manifestam-se, assim, como mecanismos dialógicos do

discurso e permitem que o analista apreenda as relações estabelecidas entre os elementos

linguísticos e a exterioridade do texto. Nesse sentido, a inserção do comunicado interno no

enunciado confronta o discurso organizacional com seu contrário, em termos ideológicos.

Uma avaliação superficial poderia confundir a decisão editorial da revista com o respeito ao

princípio de pluralidade de opiniões, comumente defendido pelos discursos institucionais

midiáticos. Entretanto, o tratamento jornalístico dispensado ao tema controverte essa análise –

e os processos de ressignificação aqui estudados fundamentam essa percepção.

A seguir, a incursão pela AD aproxima-se da teoria dos atos de fala, consagrada por

ajudar a identificar possíveis intencionalidades do discurso. Austin (1990) explica a íntima

relação entre dizer e fazer ao propor os conceitos de ilocução ou força ilocucionária e de

perlocução ou ato perlocucionário. Embora essa teoria venha sendo criticada por sua

incapacidade de dar conta de explicar em profundidade o uso da linguagem, ela oferece o

suporte necessário para uma análise performativa do discurso organizacional da Yahoo.

2.3 Quando dizer é fazer e o pedido vira ordem

Tem origem na filosofia da linguagem a teoria dos atos de fala, concebida pelo

britânico John Langshaw Austin (1911-1960) para tentar explicar o uso que se faz da

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linguagem no cotidiano. Para o filósofo, em determinadas condições, dizer equivale a fazer –

no sentido de agir. O exemplo clássico citado pelo autor é dizer “aceito” em uma cerimônia de

casamento. O noivo (ou noiva), no caso, não está simplesmente pronunciando um ruído ou

relatando algo, está se casando, realizando um ato.

Quando o dizer concretiza uma ação, Austin explica que o proferimento é

performativo. “[...] Caracterizamos, de modo preliminar, o proferimento performativo como

aquela expressão linguística que não consiste, ou não consiste apenas, em dizer algo, mas em

fazer algo, não sendo um relato, verdadeiro ou falso, sobre alguma coisa” (AUSTIN, 1990, p.

38). Desse modo, de acordo com o estudioso, a fala performativa pode ser feliz (se obtiver o

resultado previsto) ou infeliz (se não atingir seu objetivo). Para que um proferimento

performativo seja feliz, é necessário que as circunstâncias sejam adequadas e que o falante

seja autorizado a se pronunciar.

Em contraponto aos performativos, Austin apresenta os proferimentos constatativos,

aqueles que se limitariam a descrever, relatar ou informar algo e, em função disso, podem ser

verdadeiros ou falsos. Um exemplo seria a frase “Essa bicicleta é amarela”. A classificação,

aparentemente, é revestida de simplicidade. No entanto, o próprio Austin demonstra certa

insegurança em relação à proposta – ele chega a indicar um teste gramatical para que o

analista verifique se o verbo é, de fato, performativo ou constatativo14

. Para tentar sustentar a

validade da relação entre o dizer e o fazer, o autor propõe, então, outra categorização: atos

locucionários, atos ilocucionários e atos perlocucionários.

O primeiro seria aquele em que se diz algo com sentido, levando-se em conta a

gramática e as referências. Os atos ilocucionários seriam aqueles que, ao serem proferidos,

indicam uma intenção – estão intrinsecamente ligados aos proferimentos performativos. O

autor correlaciona a esse tipo de ato uma força ilocucionária, uma capacidade de provocar

efeitos. “Em geral, o efeito equivale a tornar compreensível o significado e a força da locução.

Assim, a realização de um ato ilocucionário envolve assegurar sua apreensão” (AUSTIN,

1990, p. 100, grifo do autor). Já o ato perlocucionário é aquele que, efetivamente, provoca

efeitos no interlocutor em função do que foi dito15

.

14

O teste consiste em verificar se o proferimento performativo está formulado na primeira pessoa do singular do

presente do modo indicativo da voz ativa, por exemplo, “Aposto que meu time vencerá”. A fórmula, no entanto,

só é válida para performativos explícitos. 15

O exemplo a seguir, publicado por Josué Cândido da Silva (2007), pode contribuir para o entendimento da

teoria: “O primeiro deles é o ato locucionário, ou seja, o ato de dizer a frase. O segundo ato é o que Austin

chama de ilocucionário, o ato executado na fala, ou seja, ao proferir um ato locucionário. Nesse caso, ao dizer "o

senhor está pisando no meu pé" não tive a simples intenção de constatar uma situação, mas a de protestar ou

advertir para que a outra pessoa parasse de pisar no meu pé. Por fim, há ainda um terceiro ato, chamado de

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Para que esses atos se realizem, é mister “uma combinação de intenções do falante e

convenções sociais com diferentes graus de formalidade” (MARCONDES, 2003, p. 28). A

subjetividade caracteriza as intencionalidades do enunciador, enquanto as convenções

condicionam as formas do dizer – os interlocutores seguem, invariavelmente, determinados

hábitos e condutas ao se pronunciar.

Como forma de distinguir os atos ilocucionários dos perlocucionários, Austin sugere a

aplicação da metodologia “ao dizer” e “por dizer”. Assim, quando um enunciado se associar à

fórmula “ao dizer algo eu estava dando uma ordem, exigindo uma postura, fazendo um

pedido ou uma promessa”, por exemplo, estaria estabelecida uma ilocução. Já a expressão

“por dizer algo eu consegui isso, eu provoquei aquilo, ou ainda, eles tomaram tal decisão”,

constitui um ato perlocucionário, desde que o efeito seja concretizado.

Quando a cúpula da Yahoo escreve “A partir de junho, pedimos a todos os

funcionários em home office para trabalhar nos escritórios do Yahoo!.”, uma força

ilocucionária se manifesta. Utilizando a fórmula austiniana, ao proferir esse enunciado, a

empresa está, na verdade, comunicando uma decisão e imprimindo uma ordem. Até mesmo os

encaminhamentos seguintes estão explícitos: “Se isso impacta você, seu gestor já está ciente

dos próximos passos”. O próprio Austin, ao elaborar uma listagem de verbos com força

ilocucionária, acrescenta, entre eles, o pedir.

A força ilocucionária se constrói, nesse caso, a partir de argumentos que antecedem o

enunciado performativo: “Para se tornar o melhor lugar para trabalhar, comunicação e

colaboração serão importantes, por isso temos de estar trabalhando lado-a-lado. É por isso

que é fundamental que estejamos todos presentes em nossos escritórios. Algumas das

melhores decisões e ideias vêm de discussões no corredor e na cafeteria, vem de conhecer

novas pessoas e das reuniões improvisadas. Velocidade e qualidade são muitas vezes

sacrificadas quando se trabalha de casa. Nós precisamos ser um Yahoo!, e isso começa por

estarmos fisicamente juntos”. A tentativa de convencimento da empresa é elaborada em cima

de situações exclusivas do convívio face a face.

Segundo Leosmar Aparecido da Silva (2007, p. 3), “se um ato deve considerar o que é

dito, o que o interlocutor entende, a força do dito e o seu efeito, num determinado enunciado,

o interlocutor pode entender uma ordem como um pedido ou um pedido como uma ordem”.

No enunciado analisado, há vestígios que indicam que não se trata deliberadamente de um

pedido – e os interlocutores podem sim apreender o discurso como uma ordem.

perlocucionário, que é o de provocar um efeito em outra pessoa através da minha locução, influenciando em

seus sentimentos ou pensamentos. Na situação descrita, para que o outro tire o pé de cima do meu.”

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A princípio, o comunicado interno teria por objetivo apenas convencer os funcionários

a trabalhar nos escritórios. Caso essa finalidade fosse cumprida a contento, o efeito do

enunciado seria concretizado e o proferimento performativo poderia ser considerado feliz.

“Austin afirma que, para que haja um performativo feliz, é necessário que exista um

procedimento convencional, a certeza de um efeito convencional, as palavras adequadas

proferidas pelas pessoas adequadas nas circunstâncias adequadas, e todo o rito deve ser

executado por todos os participantes de forma correta e completa” (SILVA, L., 2007, p. 3).

Essa seria uma conclusão pertinente se o analista de discurso tivesse considerado

apenas o discurso organizacional. Porém, a interdiscursividade e o dialogismo entre os

enunciados revelam que há outros interesses em cena. O texto jornalístico sugere que a Yahoo

tomou a decisão de eliminar o trabalho em casa porque precisa enxugar custos – o que pode

ser observado na legenda da fotografia, no intertítulo “segundas intenções” e nos três

parágrafos seguintes, com destaque para o trecho “um dos efeitos colaterais dessa decisão

seria a demissão voluntária daqueles que não pretendem se encaixar na nova regra da

companhia”.

É absolutamente previsível que a empresa jamais enunciasse algo como “precisamos

enxugar custos e por isso gostaríamos que aqueles que não aceitarem a norma de trabalhar nos

escritórios da empresa peçam demissão”. O que a organização deixou de dizer – o não-dito –

foi substituído por outro dizer16

. Danilo Marcondes (2003, p. 37, grifo do autor) decifra

situações em que ocorre essa omissão do dizer:

Porém, há muitos atos de fala indiretos que são realizados de modo indireto

porque, por diversas razões, devem permanecer indiretos, porque não podem

ter sua força ilocucionária explicitada, caso contrário, fracassariam ou seriam

mal sucedidos. A ironia e a insinuação são exemplos disso, assim como a

barganha. Como tornar explícitos estes atos que resistem à explicitação é um

dos principais desafios que o método deve enfrentar.

A solução metodológica encontrada para verificar intencionalidades não-ditas foi a

comparação e o confronto do discurso organizacional com o discurso jornalístico ou, em

outras palavras, um olhar mais atento à manifestação do dialogismo. A análise não permite

comprovar, no entanto, a efetivação do ato perlocucionário subentendido em “por dizer „a

partir de junho, pedimos a todos os funcionários em home office para trabalhar nos

escritórios do Yahoo!‘, os funcionários que não se enquadraram pediram demissão”.

16

Discussão mais aprofundada sobre o não-dito e o silêncio nos discursos será apresentada na próxima seção.

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O efeito do dizer se mostra, nesse caso, hipotético, porque não foram localizados na

mídia especializada registros sobre a operacionalização do fim do home-office. Sem acesso a

essa informação, não seria possível constatar a adesão dos funcionários ao trabalho nos

escritórios (efeito anunciado pela organização) ou prováveis pedidos de demissão voluntária

(efeito sugerido pela revista Info). Contudo, foram encontrados mais recentemente – dois anos

após a divulgação do comunicado – indícios que permitem atribuir certo fundamento ao

enunciado jornalístico17

.

A nova safra de matérias revela a política recessiva adotada pela organização. Esta

pesquisa selecionou três títulos, com os respectivos lides, como forma de ilustração:

Texto n. 1:

Yahoo encerra suas operações na China18

por Gabriel Garcia 19/03/2015 10h37

O Yahoo anunciou que irá fechar seu último escritório na China, em uma medida que

deve cortar 300 vagas. A empresa havia vendido suas operações na China para o Alibaba,

em 2005.

Em processo de redução de despesas e cortes de funcionários no mundo todo, a

empresa afirmou a seus empregados em Pequim que irá fechar o escritório local. Apesar de

não dizer quantos cortes serão feitos na China, a empresa empregava entre 200 e 300

funcionários no país.

Texto n. 2:

Yahoo demite 400 funcionários na Índia19

07 de outubro de 2014 17h38

BANGALORE – O Yahoo está diminuindo o tamanho de suas operações em

Bangalore, na Índia — no país asiático, a empresa concentra seu maior centro de engenharia

fora dos EUA. Em declaração distribuída à imprensa nesta terça-feira, a empresa declarou

que estava adequando algumas de suas equipes a escritórios menores, com a dispensa de 400

funcionários.

Texto n. 3:

17

Nova busca de textos jornalísticos foi realizada na plataforma Google no primeiro semestre de 2015 em sites

de língua portuguesa e inglesa; as palavras-chave digitadas foram Yahoo, home-office e funcionários

(employees). Foram localizadas várias matérias informando sobre cortes e demissões na organização, mas

nenhuma menção ao fim do home-office. 18

Texto completo da revista Info disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/mercado/2015/03/yahoo-

encerra-suas-operacoes-na-china.shtml. Acesso em: 25 mar. 2015. 19

Matéria original retirada do blog Link, no portal Estadão, disponível em:

http://blogs.estadao.com.br/link/yahoo-demite-400-funcionarios-na-india/. Acesso em: 25 mar. 2015.

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Yahoo terá de demitir 1400 funcionários, dizem analistas20

Adeline Daniele, da INFO 10/04/2015 12:04

Segundo analistas da Morgan Stanley, empresa global de serviços financeiros, a CEO

Marissa Mayer teria que demitir mais 1 400 funcionários para manter a receita

do Yahoo estável neste ano.

As demissões fariam parte de uma série de cortes que a empresa tem feito em seu

quadro de funcionários desde outubro do ano passado.

Com base nessa complementação do corpus de pesquisa, pode-se inferir que os efeitos

hipotéticos do ato perlocucionário se transformam em efeitos potenciais – ainda assim, não

comprovados pela mídia especializada. Os três enunciados apresentados acima revelam, ao

menos, que a organização tinha a intenção e a necessidade de cortar gastos. Dessa forma, a

teoria dos atos de fala contribui para elucidar o uso da linguagem pela empresa e pela mídia.

Algumas fragilidades na concepção da teoria, no entanto, têm sido diagnosticadas por

estudiosos da obra de Austin. Adriano Nunes de Freitas (2009) aponta pelo menos duas. A

primeira seria comparar enunciados de diferentes níveis, o que, segundo ele, incorre em

resultados distorcidos. Ou seja, na visão desse autor, não é possível comparar “aceito me

casar” ou “prometo que vou lhe escrever” com “essa bicicleta é amarela”. Para se situar no

mesmo nível, o performativo da última sentença, que está implícito, deveria estar evidente:

“informo que essa bicicleta é amarela”. “A ausência do termo indicador da função pode

provocar a ilusão de que estamos „meramente dizendo algo!‟ Como se isso já não fosse fazer

alguma coisa” (FREITAS, 2009, p. 34). Para o pesquisador, há inconsistência nas definições

de proferimentos constatativos e performativos, pois, ao descrever algo também se cumpre a

função performativa de informar.

A segunda crítica de Freitas está relacionada ao que Austin entende por ação. De

acordo com o autor, o filósofo teria utilizado seu conhecimento na área jurídica para associar

a ideia de fazer à noção de ato jurídico, o que acaba constituindo uma limitação para os atos

de fala. “A noção de ato jurídico parece ter sido usada como base para caracterizar os

proferimentos performativos porque através deles – de maneira semelhante ao que acontece

20

Texto completo na área de negócios da revista Exame.com, disponível em:

http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/yahoo-tera-de-demitir-1400-funcionarios-dizem-analistas. Acesso

em: 24 maio 2015.

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na área jurídica – também podemos fazer coisas com palavras em um sentido especial”

(FREITAS, 2009, p. 35, grifo do autor).

Outros descompassos envolvendo a teoria do britânico são apontados por Marcondes

(2003). Depois de consultar autores que tentam dar continuidade ao pensamento de Austin, o

pesquisador enumera os seguintes problemas: 1) a inviabilidade de avaliar cientificamente

casos particulares que tratam de situações concretas do uso da linguagem; 2) a falta de

definição do peso que as condições subjetivas e convencionais exercem sobre o proferimento

bem-sucedido; 3) a ausência de foco no processo de interação (a teoria é direcionada ao

falante); 4) o baixo nível de sofisticação da classificação das forças ilocucionárias proposta

por Austin; 5) a incapacidade de explicar os elementos implícitos dos enunciados.

De fato, algumas incongruências apontadas pelo investigador foram detectadas no

processo de análise, especialmente a última. Todavia, não chegam a inviabilizar a AD, já que,

como acrescenta o próprio Marcondes (2003, p. 36), “nenhuma análise pode jamais esgotar o

ato em toda a sua complexidade e o alcance da análise depende do enfoque adotado”. A teoria

dos atos de fala se mostra suficiente para, conjuntamente com as outras perspectivas teóricas

adotadas neste capítulo, permitir a avaliação da terceira hipótese.

2.4 O silêncio, o não-dito e seus significados

A análise de discurso em andamento requer uma abstração a respeito do silêncio. Ao

menos em duas situações ele se mostra instigante no caso Yahoo – no momento em que a

mídia se cala sobre a polêmica envolvendo o fim do home-office na empresa, justamente no

período em que a regra deveria entrar em vigor, e quando a organização adota um discurso

para justificar a decisão, elege argumentos que constroem um sentido com essa finalidade e

acaba por silenciar outros.

2.4.1 A descontinuidade do dito e a perspectiva do silêncio local

No primeiro caso, não se pode falar em silenciamento absoluto, e sim em um silêncio

substancial se comparado ao alvoroço midiático estabelecido por ocasião do anúncio da

medida, entre fevereiro e maio de 2013. A magnitude conferida ao debate pelos veículos de

comunicação especializados em negócios está fartamente registrada na internet, em sites de

língua inglesa, portuguesa e espanhola, anunciando e repercutindo a polêmica deliberação da

empresa naquele momento.

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Nenhum texto jornalístico abordando o assunto foi localizado por esta pesquisa

durante a implantação da norma proibitiva, em junho daquele ano, nem nos meses

subsequentes, como forma de avaliar os resultados. O fato de não terem sido encontradas

novas matérias não exclui a possibilidade de que elas tenham sido produzidas. O que se pode

inferir é que a eventual circulação, caso tenha ocorrido, foi bastante restrita. Essa é a primeira

situação de silêncio que será trabalhada teoricamente a partir de agora.

Orlandi (2007) reposiciona a concepção do silêncio nos estudos da linguagem ao

propor que, ao invés de pensá-lo como falta, seria conveniente vislumbrar a própria

linguagem como excesso. Ou seja, a pesquisadora promove o silêncio à condição de figura

discursiva e o afasta da posição quase automática de fundo. Na prática, confere a ele certo

protagonismo, sugerindo uma análise a partir de sua face positiva.

Segundo ela, o silêncio é condição para o significado e “há um sentido no silêncio”

(ORLANDI, 2007, p. 12). Embora difícil de ser observado e problematizado, o silêncio é

real, é certo, está lá. O poeta sul-mato-grossense Manoel de Barros (2015, p. 115) revela

detalhes de quando conseguiu, supostamente, “fotografá-lo”:

Difícil fotografar o silêncio.

Entretanto tentei. Eu conto:

Madrugada, a minha aldeia estava morta.

Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.

Eu estava saindo de uma festa.

Eram quase quatro da manhã.

Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina.

O silêncio era um carregador?

Estava carregando o bêbado.

Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada.

Preparei minha máquina de novo.

Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.

Fotografei o perfume.

Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.

Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.

Fotografei o sobre.

Foi difícil fotografar o sobre.

Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça21

.

Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski –

seu criador.

Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.

21

Nuvem de calça é o título de um poema sobre o amor não correspondido escrito pelo russo Vladimir

Maiakóvski (1893-1930).

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Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua

noiva.

A foto saiu legal.

Se o trecho “foi difícil fotografar o sobre” sintetiza a complexidade que se impõe ao

poeta para captar a imagem do silêncio, o fragmento “a foto saiu legal” indicaria o ato

consumado. Na análise de discurso não é diferente: como o silêncio é real e é certo, sua

apreensão teórica torna-se possível. Incerta se mostra a linguagem, que pode ou não

entrecortá-lo.

A tentativa de Orlandi de elevar o silêncio a uma categoria superior se justifica pelo

entendimento da comunicação como modelo privilegiado/hegemônico na sociedade

contemporânea – a linguista fala em uma “ideologia da comunicação, do apagamento do

silêncio” (ORLANDI, 2007, p. 35). É como se o uso da linguagem verbal e não-verbal

respondesse por um movimento existencial. O não-dizer e o não-manifestar-se incomodam, a

ponto de o sujeito se tornar uma espécie de refém das referências simbólicas.

Ainda na esteira de Orlandi (2007, p. 29-30), “o homem está „condenado‟ a significar.

Com ou sem palavras, diante do mundo, há uma injunção à „interpretação‟: tudo tem de fazer

sentido (qualquer que ele seja). O homem está irremediavelmente constituído pela sua relação

com o simbólico”22

. Se a fala comunica, o silêncio idem.

A visão da linguística sobre o silêncio é apenas uma perspectiva de análise; a poética é

outra. A psicanalista Juliana Hernandez recorreu a vários campos da cultura, inclusive a

linguística, na tentativa de compreender o silêncio – ora apaziguador, ora insuportável –

relatado por uma paciente. Outras contribuições surgiram da própria psicanálise, da literatura,

da religião, da filosofia e da matemática.

Na abordagem matemática, um dos significados do silêncio é equiparado ao algarismo

zero. Da mesma forma como a linguista Orlandi pressupõe o silêncio como condição para o

significado, “o zero é o enigma que envolve essa condição de possibilidade do um; o nada em

que se abriga o mistério da origem, e que, como tal, precede o um” (KOVADLOFF, 2003, p.

100 apud HERNANDEZ, 2004, p. 144).

O estudo de Hernandez revela que, independentemente da perspectiva do campo de

análise, o silêncio se apresenta sempre com um duplo estatuto, podendo exercer mais de uma

22

Parafraseando o axioma dos teóricos de Palo Alto (não se pode não comunicar), do pesquisador Marcondes

Filho (não se pode não sinalizar), e do próprio Goffman (2010, p. 45) com “o indivíduo não pode não dizer

nada”, Orlandi (2007, p. 70) decreta: “não se pode não significar”.

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função. Se o zero equivale ao nada, ao vazio, a autora explica que o silêncio no sentido de

falta, de subtração, corresponderia, na matemática, ao menos um (-1).

Desta forma, a falta sempre será relacionada com uma retirada. Primeiro, é

preciso que haja a ruptura de uma experiência total (aliás, só perceptível como

total uma vez finda, já que um contínuo de nada ou de silêncio não é

perceptível), para que a descontinuidade permita o reconhecimento do estado

ou condição anterior. É a quebra, a ruptura, o corte, a castração, que permitirá

que algo exista [...]. (HERNANDEZ, 2004, p. 145).

A concepção de silêncio enquanto falta fundamenta o fenômeno observado na

cobertura jornalística envolvendo a Yahoo, caracterizado pela descontinuidade. Contudo,

antes de desenvolver a análise específica dessa situação discursiva, é válido conhecer as

classificações atribuídas ao silêncio por Orlandi (2007, p. 24):

[...] distinguimos entre: a) o silêncio fundador, aquele que existe nas palavras,

que significa o não-dito e que dá espaço de recuo significante, produzindo as

condições para significar; e b) a política do silêncio, que se subdivide em: b1)

silêncio constitutivo, o que nos indica que para dizer é preciso não-dizer (uma

palavra apaga necessariamente as “outras” palavras); e b2) o silêncio local,

que se refere à censura propriamente (aquilo que é proibido dizer em uma

certa conjuntura). Isso tudo nos faz compreender que estar no sentido com

palavras e estar no sentido em silêncio são modos absolutamente diferentes

entre si. E isso faz parte da nossa forma de significar, de nos relacionarmos

com o mundo, com as coisas e com as pessoas.

O silêncio fundador, aquele que institui o espaço para a significação, representa, em

última instância, uma concepção filosófica intrínseca ao silêncio. A compreensão do

funcionamento das duas situações de silenciamento envolvendo a empresa Yahoo se aproxima

mais da política do silêncio, que estabelece fronteiras entre o dizer e o não-dizer. Não obstante

a ideia de censura deva ser ressignificada, a noção de silêncio local se apresenta como

compatível com a falta observada no discurso jornalístico.

Orlandi utiliza, na definição supracitada, o vocábulo “censura”. Entretanto, ao detalhar

o conceito de silêncio local ela substitui essa palavra pela expressão “interdição do dizer”

(ORLANDI, 2007, p. 74) e coloca a censura como um dos exemplos dessa modalidade. O

termo censura, no Brasil e em outros países da América Latina, carrega um sentido

suficientemente institucionalizado, devido ao período do regime militar em que foi

implantada “enquanto política pública de fala e silêncio” (ORLANDI, 2007, p. 75).

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Na atualidade, nota-se a existência de outras formas menos evidentes e mais

sofisticadas de censura. “Estamos, hoje, diante de processos de interdição plurais, difusos,

indiretos e internacionais, mais adequados a um capitalismo neoliberal, informacional e

globalizado”, aponta Maria Cristina Castilho Costa (2014, p. 29). O acompanhamento dos

enunciados a respeito do fim do home-office na Yahoo evoca uma interrupção na fala, porém,

seria precipitado atribuir essa suspensão a um ato institucionalizado de censura. Não

configura imprudência, todavia, afirmar que interesses difusos poderiam explicar o

silenciamento.

Venício Lima (2014) pontua, por exemplo, que a própria estrutura do mercado das

empresas midiáticas implica um tipo de censura que afeta a capacidade crítica dos veículos de

comunicação, ameaçando a liberdade de imprensa. Essa modalidade de interdição extrapola

os arranjos de negócios.

Além de se transformar em empresa e operar dentro da lógica do capital, a

imprensa passou também a deter o monopólio virtual da construção,

manutenção e reprodução de capital simbólico e, portanto, a funcionar dentro

de outra lógica, isto é, a lógica do poder. (LIMA, 2014, p. 18).

As relações de poder que cercam a organização estudada e a mídia especializada são

desconhecidas. Sabe-se, porém, que toda situação de censura pressupõe movimentos de

resistência. Entretanto, nas buscas realizadas para esta pesquisa, essa manifestação do opor-se

à interdição não transparece. A única materialidade disponível, até o momento, é a da

ausência. Daí a oportunidade de diversificar as possibilidades de leitura dos discursos

disponíveis e do silêncio manifesto, praticando-se, a partir dessa relação, outras escutas.

Antes de atribuir sentidos ao silêncio midiático em estudo, é importante recorrer à

interface comum entre a AD e a premissa do pensamento meadiano, trabalhada no capítulo

anterior, sobre a efetividade de se colocar no lugar do outro para observar as reações da

alteridade e adaptar o discurso ou a conduta.

Na própria produção discursiva, há a inscrição do outro. Se pensarmos o

campo da leitura, isso fica assim: a função-autor tem seu duplo no efeito-

leitor. E isto está constituído na materialidade do texto. Não se pode falar do

lugar do outro; no entanto, pelo mecanismo da antecipação, o sujeito-autor

projeta-se imaginariamente no lugar em que o outro o espera com sua escuta e,

assim, “guiado” por esse imaginário, constitui, na textualidade, um leitor

virtual que lhe corresponde, como um seu duplo. (ORLANDI, 2012, p. 61).

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Esse exercício de antecipação justifica a prática de leitura adotada nesta AD, com a

instauração do caminho inverso do descrito acima: a análise do silêncio discursivo será

realizada a partir da projeção da analista tentando ocupar, imaginariamente, o lugar de

enunciadores virtuais da mídia com a finalidade de estabelecer conexões que expliquem a

ausência do dito.

Já foi mencionado que o silêncio, enquanto fundador, exerce a função de garantia do

movimento dos sentidos; e que a AD, de certo modo, estimula a adoção de novas práticas de

leitura. Portanto, a partir de toda a articulação teórica esboçada, cabe, enfim, perguntar: o que

significa o silêncio midiático envolvendo o caso Yahoo? Algumas respostas plausíveis,

esboçadas antes e depois do lançamento da biografia sobre a Yahoo: 1) a organização não

quis se manifestar e a mídia lhe assegurou esse direito; 2) haveria uma espécie de pacto

deliberado entre organização e mídia para silenciar sobre o assunto, devido a interesses não

sabidos; 3) o entusiasmo que motivou a mídia por ocasião do anúncio da medida teria se

esgotado; 4) houve interesse por parte da mídia, porém, o acesso à informação sofreu algum

tipo de bloqueio, o que teria desmotivado a continuidade na cobertura (improvável); 5) não

haveria informação nova a ser divulgada, o que tornaria o noticiário repetitivo (improvável);

6) a mídia teria optado pelo silêncio ao, supostamente, ter tido acesso ao número reduzido de

funcionários atingidos pelo fim do home-office, o que não justificaria o intenso debate criado

por ela; 7) o silêncio teria sido proposital para restringir a discussão e evitar que outras

organizações adotassem a mesma medida, o que iria contra os interesses de grupos de

comunicação23

.

Nota-se que, embora esses sentidos atribuídos ao silêncio sejam possíveis, alguns se

mostram inverossímeis. No caso do item 4, impedimentos de acesso à informação costumam

ser driblados pela prática do jornalismo investigativo. O enunciador midiático não dependeria

apenas da fonte oficial – no caso, a empresa – para produzir seu material e poderia ter

recorrido a fontes alternativas. O quinto tópico também indica algum grau de

improbabilidade, considerando que a instituição da medida – ou a eventual desistência de

implantação por parte da empresa – representariam atos novos a serem noticiados, bem como

a repercussão positiva ou negativa da adoção do trabalho nos escritórios. As duas últimas

suposições só puderam ser elaboradas a partir de informações disponibilizadas na biografia de

23

Na seção 4, uma oitava possibilidade será ventilada a partir da teoria de Goffman.

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Carlson. Até então, a forma como a mídia conduziu a cobertura não permitia afirmar, sequer,

que o fim do home-office havia sido, de fato, adotado pela organização24

.

Os prováveis sentidos atribuídos ao silêncio midiático não se aplicam ao silenciamento

organizacional. Desde o início, a Yahoo se cala sobre a proibição do trabalho em casa. O

portal Business Insider, que funciona como fonte de informação para sites de vários países,

noticia em 23 de fevereiro de 2013 que o memorando interno divulgado naquela data era um

documento confidencial25

. O mesmo Business Insider publica, em 19 de abril daquele mesmo

ano, a notícia intitulada “Marissa Mayer defende o fim do home-office”26

(tradução nossa),

que não é fruto de entrevista com a dirigente nem de qualquer comunicado oficial da

organização. A fala da CEO é obtida a partir de um discurso de encerramento de uma

conferência em Los Angeles dirigida a profissionais de recursos humanos.

Apesar de se apresentar internamente como uma empresa “divertida” e de frequentar

com regularidade o espaço midiático, a Yahoo tem se mostrado uma organização

relativamente fechada do ponto de vista da comunicação organizacional. De acordo com o

conjunto de textos analisados, as únicas circunstâncias recentes que motivaram

pronunciamentos oficiais da empresa foram os anúncios de desativação dos escritórios na

China e na Índia, comunicados por meio de nota à imprensa. Todas as outras matérias

estudadas exibiam como origem o Business Insider, analistas de mercado e fontes não

identificadas ligadas à organização ou aos funcionários. O próprio Nicholas Carlson menciona

que antes, durante e ao final de seu trabalho biográfico, manteve contato com a Yahoo:

Quando estava no início do projeto, procurei o Yahoo e Marissa Mayer a fim

de saber se gostariam de cooperar. Alguns meses e e-mails depois, obtive uma

resposta negativa. Nunca tive essa cooperação. Fiz tentativas frequentes de

mudar esse quadro, enviando e-mails e telefonando enquanto dava andamento

ao projeto. A última vez que falei com o setor de Relações Públicas do Yahoo

sobre este livro foi quando perguntei se a companhia gostaria de ajudar a

checar os fatos que eu citava. A pessoa de RP do Yahoo me disse: “Não

pensamos em participar do livro, nem mesmo da verificação dos fatos”. Por

fim, quando concluí a primeira versão do texto, me prontifiquei a conferir os

fatos relacionados no livro como um gesto de cortesia. Nunca obtive resposta.

(CARLSON, 2015, p. 276).

24

Na biografia há uma breve menção de que a suspensão do home-office teria sido bem-sucedida. “A proibição

de trabalhar em casa aumentou a produtividade” (CARLSON, 2015, p. 257). 25

Disponível em: http://www.businessinsider.com/yahoo-working-from-home-memo-2013-2. Acesso em: 3 jun.

2015. 26

Disponível em: http://www.businessinsider.com/marissa-mayer-defends-her-work-from-home-ban-2013-4.

Acesso em: 4 jun. 2015.

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O biógrafo acrescenta que, além de não participarem, o setor de RP e a própria

Marissa Mayer teriam instruído funcionários e ex-funcionários da organização, além de

amigos pessoais, a não colaborarem com o levantamento de dados para o livro. Essa postura é

utilizada como justificativa para que o biógrafo recorresse a fontes anônimas para ter acesso

às informações.

2.4.2 Silêncio constitutivo (ou o dizer para não dizer)

A segunda modalidade de silêncio observada nos discursos envolvendo a Yahoo se

manifesta na escolha de sentidos para justificar a decisão da empresa e se enquadra na

categoria de silêncio constitutivo proposta por Orlandi (2007). Nesse caso, o objeto deixa de

ser o discurso jornalístico e passa a se constituir pelo discurso organizacional, mais

precisamente o memorando interno. Contudo, a interdiscursividade se mantém como

elemento indispensável para a AD aqui empreendida.

O silêncio constitutivo é o não-dito necessariamente excluído. Por aí se

apagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que poderiam instalar o

trabalho significativo de uma “outra” formação discursiva, uma “outra” região

de sentidos. O silêncio trabalha assim os limites das formações discursivas,

determinando consequentemente os limites do dizer. (ORLANDI, 2007, p. 73-

74).

Dessa forma, para compreender o silêncio constitutivo, é preciso, previamente,

analisar o dito. A organização faz escolhas lexicais e semânticas – dentro de um contexto

discursivo – para transmitir a seus funcionários a ideia de que trabalhar juntos, em situação de

comunicação face a face, seria a melhor opção para a Yahoo naquele momento. Alguns

enunciados resgatados do memorando traduzem essa noção: “De Sunnyvale a Santa Monica,

Bangalore a Pequim - acho que todos nós podemos sentir a energia e os zumbidos nos nossos

escritórios”; “Para se tornar o melhor lugar para trabalhar, comunicação e colaboração

serão importantes, por isso temos de estar trabalhando lado-a-lado”; e ainda “Algumas das

melhores decisões e ideias vêm de discussões no corredor e na cafeteria, vem de conhecer

novas pessoas e das reuniões improvisadas. Velocidade e qualidade são muitas vezes

sacrificadas quando se trabalha de casa.”

O artifício textual escolhido para tentar convencer os funcionários a aderir à novidade

busca associar a ideia do “fisicamente juntos” (situação face a face, possível apenas nos

escritórios da empresa) a elementos linguísticos carregados de positividade, como a repetição

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do adjetivo comparativo de superioridade “melhor”: “o melhor lugar para trabalhar” e “as

melhores decisões e ideias”. Já a prática do trabalho em casa aparece vinculada à noção de

“sacrifício” (termo que remete à privação e renúncia) de valores como qualidade e velocidade.

A forma de dizer adotada pela organização faz, ainda, um apelo à “identidade” dos

funcionários, construída pelo uso do infinitivo do verbo “ser”. “Nós precisamos ser um

Yahoo!, e isso começa por estarmos fisicamente juntos” e “Ser um Yahoo não envolve apenas

o seu trabalho cotidiano, mas também as interações e experiências que só são possíveis em

nossos escritórios”. Assim, o trabalho e o convívio face a face passam a compor o DNA de

quem concorda em abandonar o home-office, ao mesmo tempo em que um novo

silenciamento se institui: não há vestígios sobre o que caracterizava “ser um Yahoo” antes do

anúncio da medida. De qualquer forma, o dialogismo bakhtiniano emerge aqui validando seu

contrário: quem não se adaptar à nova regra não é um Yahoo e, portanto, está excluído desse

quadro. O enunciado “ser um Yahoo” faz surgir o implícito “não ser um Yahoo”.

Para Orlandi (2007, p. 66), há diferença substancial entre o não-dito (silêncio) e o

implícito: “[...] nós distinguimos silêncio e implícito, sendo que o silêncio não tem uma

relação de dependência com o dizer para significar: o sentido do silêncio não deriva do

sentido das palavras”. O implícito abre uma brecha para dar a entender o que deixou de ser

dito, sem o peso de assumir a responsabilidade do dizer. Também é característico do implícito

certa indução do dito ao não-dito e vice-versa. “Não é assim que concebemos o silêncio. Ele

não remete ao dito; ele se mantém como tal; ele permanece silêncio e significa” (ORLANDI,

2007, p. 66). Apesar das distinções, são conceitos muito próximos.

Voltando à análise do discurso organizacional, convém atribuir sentidos à valorização

de atos informais instituída no comunicado interno. Por meio desse recurso, a empresa

procura se aproximar dos funcionários. Esse tratamento pode ser observado tanto na

autoidentificação empresa divertida quanto na aceitação do que é discutido no corredor e na

cafeteria bem como nas reuniões improvisadas. Essa informalidade adere, de certo modo, ao

próprio conceito de comunicação face a face e ao propósito do que a organização anuncia

estar buscando.

Outras observações relacionadas ao enunciado merecem ser estudadas, antes de

introduzir a análise do silêncio constitutivo. Uma delas se refere ao sujeito da enunciação.

Conforme já antecipado, a autoria coletiva inscrita no comunicado inclui as vozes da vice-

presidente Jackie Reses, que assina o documento, mas que fala em nome da presidente

Marissa Mayer, através de quem a própria empresa, enquanto instituição, se manifesta.

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Ao se comunicar com os funcionários, a Yahoo incorpora, em geral, o pronome

pessoal “nós”, para se colocar no mesmo plano dos coenunciadores. O uso do “nós” enquadra

na mesma perspectiva o sujeito falante e seus interlocutores, aproximando-os e até

confundindo-os, propositadamente. Quando a organização, a vice-presidente e Marissa Mayer

dizem “introduzimos uma série de grandes benefícios e ferramentas para nos tornar uma

empresa mais produtiva, eficiente e divertida”, elas estão compartilhando essas conquistas

com os funcionários e instalando um ambiente de cumplicidade.

A mesma estrutura linguística produz essa possibilidade de leitura em “queremos que

todos participem na nossa cultura”, “todos nós podemos sentir a energia e os zumbidos nos

nossos escritórios”, “por isso [nós] temos de estar trabalhando lado-a-lado”, “é fundamental

que estejamos todos presentes em nossos escritórios”, e ainda em “Nós precisamos ser um

Yahoo!”, entre outras passagens.

Porém, em um dado momento, a narrativa que transita entre o “nós” e o “nosso” sofre

ruptura com a inserção do “você” e do “seu”. Isso ocorre imediatamente após a convocação

oficial para abandonar o trabalho em casa. “A partir de junho, pedimos a todos os

funcionários em home office para trabalhar nos escritórios do Yahoo!. Se isso impacta você,

seu gestor já está ciente dos próximos passos”, continua o memorando. A cumplicidade se

desfaz e um distanciamento se impõe na medida em que os “nossos” escritórios se

transformam nos “escritórios da Yahoo”, sugerindo uma suspensão, ainda que breve, do

espírito colaborativo que vinha sendo construído.

A posição-sujeito é ocupada agora por um ser hierarquicamente superior que emite

uma ordem e deixa pendentes os passos subsequentes. Há uma transferência da

responsabilidade do dizer e do fazer para a figura do “gestor”. Esse ente generalizado e

dotado de poder é autorizado a decidir e encaminhar o futuro dos empregados. Privilegiado, o

gestor detém antecipadamente um trunfo: informações decisivas e ainda desconhecidas do

coenunciador (já está ciente dos próximos passos).

Como se a frieza da narrativa tivesse sido notada a tempo e incomodasse o próprio

enunciador, surge, na sequência imediata, uma tentativa de reaproximação um tanto

enigmática: “para o resto de nós...”. Retorna o sujeito compartilhado, porém, não mais o

“nós” puro e indissolúvel, mas o “nós” qualificado pelo “resto”. Resto que pode significar

sobra, sugerir certo desprezo e até mesmo relativizar o “nós” que “ocasionalmente têm de

ficar em casa para esperar o rapaz da televisão a cabo”. Esse “nós”, certamente, exclui a

cúpula da organização e os funcionários que não trabalham em casa. Aos outros – ou ao

“resto” – a organização solicita o favor de usar “o bom senso no espírito de colaboração”.

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202

Mais uma vez, o dialogismo suscita seu contrário (e implícito): faltaria bom senso àquele que

trabalha em casa.

O antagonismo nós/você é retomado no penúltimo parágrafo do memorando, quando o

enunciado define o “ser um Yahoo” a partir da oposição entre o “seu” trabalho cotidiano (em

casa, esperando o rapaz da televisão a cabo) e “as interações e experiências que só são

possíveis em nossos escritórios”.

Outra observação que merece atenção é o sentido otimista – e vago – produzido pelo

enunciador ao final da mensagem, novamente a partir da dicotomia nós/você. Ao pronunciar

“Obrigada a todos vocês”, a(s) autora(s) se posiciona(m) em um plano distinto do lugar onde

estão “vocês”27

, dirigindo-se diretamente a esses interlocutores. No entanto, o “nós” é

rapidamente resgatado: “nós já fizemos um progresso notável como uma empresa – e o

melhor ainda está por vir”. O enunciado intenciona concluir que, adotando a controversa

medida, o futuro da empresa será promissor.

O discurso organizacional da Yahoo constitui, com propriedade, a defesa de algumas

características das interações face a face que, ao longo desta tese, de fato foram observadas na

prática empresarial e na fundamentação teórica. Porém, a definição de silêncio constitutivo de

Orlandi (2007) exige que se questione: ao dizer tudo isso, o que a organização calou? Quais

sentidos possíveis foram apagados? O que foi preciso dizer para silenciar o que não poderia e

não deveria ter sido dito?

O enunciado da revista Info, reproduzido na íntegra neste capítulo, seria capaz, por si

só, de indicar sentidos que deixaram de ser pronunciados no discurso organizacional. A

“segunda intenção” da empresa de provocar demissões voluntárias a partir da impopularidade

da medida seria um deles. O foco do discurso nas vantagens e benefícios das interações

presenciais – utilizado como estratégia de convencimento e constituinte da força ilocucionária

do enunciado – também silenciou as dificuldades que permeiam sua prática: os custos com

deslocamentos, o tempo perdido no trânsito, a falta de habilidade cada vez mais comum para

conversar frente a frente, entre outras. Foi exposta apenas a face positiva do contato

presencial.

O que foi dito apaga, ainda, o sentido de uma possível crise da organização, que se

transforma em dito meses depois, quando sites especializados começam a propagar

27

Na versão original do memorando em inglês, o “thanks” não identifica o gênero do sujeito falante, embora o

texto apareça assinado, logo em seguida, por Jackie. Na tradução publicada pela revista Info, os autores optaram

por definir o gênero feminino no agradecimento e por excluir a assinatura (embora ela tenha sido mencionada

anteriormente na matéria jornalística). Desse modo, intuitivamente, o “muito obrigada” pode ser tomado como

manifestação de representantes femininas que compõem a formação discursiva: a vice-presidente Jackie Reses, a

CEO Marissa Mayer ou a própria organização Yahoo.

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203

informações sobre fechamentos de escritórios e demissões. Nesse caso, a mensagem de

otimismo que encerra o discurso organizacional (“e o melhor ainda está por vir”) silencia

dificuldades de gestão e prognósticos pouco favoráveis.

Outros sentidos poderiam ser atribuídos ao silêncio constitutivo, todavia, esse tipo de

análise jamais se esgota. “Podemos dizer, generalizando, que toda denominação apaga

necessariamente outros sentidos possíveis, o que mostra que o dizer e o silenciamento são

inseparáveis: contradição inscrita nas próprias palavras” (ORLANDI, 2007, p. 74).

2.5 Do interdiscurso ao silêncio: as descobertas possíveis

Sentidos diversos atravessam os discursos que tratam do anúncio do fim do home-

office na Yahoo. Por meio da AD e da conjugação de teorias específicas que estruturam esse

conhecimento, é possível construir um processo de significação em torno do que a mídia e a

organização comunicam, ainda que o memorando interno tenha chegado a conhecimento

público sem o consentimento da empresa – o que também é um gesto expressivo, conforme

será avaliado adiante.

O percurso da análise discursiva começa com a apresentação da cultura organizacional

da companhia e do perfil da CEO, passa pela introdução de conceitos básicos da AD francesa,

pelas definições de tipologias e gêneros de discurso, além das noções de deslocamento e

deslizamento de sentidos, avança sobre a teoria dos atos de fala – com seus proferimentos

performativos, força ilocucionária e atos perlocucionários – até culminar com a reflexão sobre

o silêncio. Cada perspectiva teórica e metodológica permite explorar um segmento do todo – e

outras abordagens poderiam ter sido adotadas. Faz-se necessário, agora, analisar o conjunto

estudado.

A interdiscursividade constitui-se como relação capital para a atribuição de sentidos;

os resultados da pesquisa seriam diferentes se a AD considerasse uma unidade textual que não

apresentasse esse diálogo entre discursos. O material se revela oportuno também por

congregar, no mesmo enunciado, dois gêneros discursivos que defendem interesses opostos,

conferindo amplitude às tramas que envolvem a enunciação: a fala sobre a organização adota

um posicionamento ideológico, enquanto a fala da organização sustenta outro.

O deslocamento do discurso organizacional em direção ao discurso jornalístico

implica um processo de ressignificação do dito, já que essa movimentação não acontece

casualmente. O mesmo se pode dizer em relação ao deslizamento de sentidos, que institui na

posição-sujeito um enquadramento ideológico previamente anunciado, contrário à medida

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204

adotada pela organização. A teoria dos atos de fala revela a força do dizer da Yahoo, nem

sempre explícita, porém, indiscutivelmente presente.

Por fim, os dois tipos de silêncio observados na AD instauram suspeitas em relação às

intencionalidades dos discursos midiático e organizacional. As principais: 1) por que a mídia

interrompe (ou minimiza) a cobertura que vinha sendo efetuada sobre a decisão da empresa?

2) a organização procura dissimular a situação de crise utilizando-se de um discurso otimista e

favorável às interações face a face?

Erving Goffman (2010, 2011a, 2011b) poderá elucidar essas questões, com sua teoria

sobre a preservação da face. Antes de examiná-la, no entanto, serão apresentadas situações

discursivas sobre a comunicação face a face envolvendo outras organizações, que podem ter

trilhado caminhos semelhantes ao da Yahoo. Ou não.

3. Outros dizeres sobre comunicação face a face

Poucos são os trabalhos acadêmicos localizados que se ocupam de investigar a prática

da comunicação face a face nas organizações sob a ótica das teorias da linguagem. Gonçalves

e Perez (2009) são autoras de uma dessas pesquisas. Elas refletem sobre a maneira como

algumas organizações trabalham junto ao público interno a formação de imagens e sentidos

que depois passam a circular fora dos limites da empresa. O foco do estudo está nos

elementos não-verbais do discurso, presentes na modalidade de comunicação face a face.

O não-dito encontra na comunicação formal face a face um rico material de

estudo. Pelas características desse formato, tudo o que circunda o discurso dito

está repleto de mensagens (o não-dito) que contribuem para a formação dos

sentidos e das imagens na mente dos públicos internos. O conhecimento do

funcionamento da linguagem, do discurso como revelador da subjetividade,

propicia uma leitura mais crítica e revela elementos implicitados na

organização da mensagem. Dessa forma, é possível entender, além do

conteúdo semântico da mensagem, a imagem que é elaborada dos atores

envolvidos no processo comunicativo. (GONÇALVES; PEREZ, 2009, p. 7).

As pesquisadoras acrescentam que os meios utilizados na comunicação com

funcionários carregam um significado; no caso da comunicação face a face, a pessoa que fala

pela organização, dotada de autoridade, possui uma representatividade que não pode ser

ignorada. É o caso de dirigentes empresariais que se tornam porta-vozes de algumas

informações que precisam chegar aos empregados. O estudo de Gonçalves e Perez apresenta

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três empresas que adotaram a comunicação face a face em sua comunicação interna como

forma de trabalhar a produção da imagem: a Fiat, a Nivea e a Santista Têxtil28

.

O que chama a atenção no artigo é a conclusão, quando as autoras sugerem que nem

tudo realmente é o que parece ser, mesmo quando o diálogo envolve a presença física:

As formas de comunicação face a face elaboradas pelas organizações ainda

estão em uma fase inicial e são pouco usadas, mas demonstram sua força e

importância para formar imagens de ética, comprometimento, transparência

aos seus públicos internos e que são atributos racionais muito valorizados pela

sociedade e pelo mercado. Por um outro lado, essas interações entre as pessoas

e o ambiente apropriado provocam outras imagens, que tocam o lado

emocional dos públicos internos – o sentimento de estar junto, de pertencer, de

colaboração, de orgulho – e que também chegam aos públicos externos,

provocando emoções, simpatia, afeição.

Nesse contexto vale lembrar que tais discursos têm o seu lado avesso, uma

espécie de retrato de Dorian Gray29

, onde existe a face bela e ilusória, à vista

de todos, e a face real (muitas vezes imperfeita), porém escondida. É com esse

pensamento que precisamos analisar os discursos das organizações, em suas

significações e sentidos, no ethos organizacional, no “fazer crer e fazer fazer”

sempre sugeridos. (GONÇALVES; PEREZ, 2009, p. 14).

A busca pelo “lado avesso” dos discursos envolvendo a comunicação face a face nas

organizações motiva a releitura das matérias jornalísticas que serviram de base para o estudo

de Gonçalves e Perez. Das três reportagens citadas, duas foram encontradas e serão, agora,

revisitadas. O texto “Jogo de tabuleiro para desenvolver competências”, que abordava uma

experiência de comunicação face a face vivenciada por funcionários da Santista Têxtil, não

pode ser recuperado. O site Vida Profissional, que havia publicado a matéria em 2007, não

existe mais e seu conteúdo foi excluído da internet.

A própria Santista Têxtil, que chegou a ser reconhecida no final dos anos 1990 como a

primeira multinacional têxtil brasileira, deixou de existir enquanto empresa na década

28

As três empresas mais a Promon são objeto de estudo de Perez (2010) em sua dissertação de mestrado sobre a

comunicação face a face formal e informal nas organizações. O grupo Promon atua em diversos segmentos de

infraestrutura e tem sede em São Paulo. O fragmento de texto sobre essa empresa que Perez utiliza em sua

pesquisa não pode ser localizado. 29

O romance “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde (1854-1900), conta a história do jovem Dorian,

membro da alta burguesia inglesa do século 19 e dono de sublime beleza. Aos 18 anos, o rapaz tem seu retrato de

corpo inteiro pintado pelo artista Basil Hallward e percebe que ele próprio irá envelhecer, enquanto o quadro

manterá sua aparência bela e jovial. Oferece, então, sua alma para que isso não aconteça e, sob a influência do

aristocrata Lord Henry, passa a viver em um mundo egoísta e cheio de vícios. Dorian se torna uma pessoa má:

seduz, mata, explora, induz ao suicídio. Nesse período, a imagem do quadro se altera, revelando uma face

monstruosa, enquanto o verdadeiro Dorian se mantém fisicamente belo. O livro não deixa claro se as mudanças

no retrato ocorrem na superfície pintada ou se são fruto da imaginação do jovem. No final, Dorian tenta destruir

a tela com uma faca, para eliminar a imagem desfigurada, mas acaba se matando, já que o quadro seria sua alma

incorporada. Informações obtidas em: http://livrospralerereler.blogspot.com.br/2011/06/o-retrato-de-dorian-

gray.html. Acesso em: 7 jun. 2015.

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seguinte, depois de passar por processos de aquisição, fusão e divisão. A marca Santista é

atualmente explorada pela indústria espanhola Tavex (segmento de brim e roupas) e pela

Coteminas (segmento de cama, mesa e banho).

As matérias que relatam situações envolvendo a comunicação face a face nas empresas

Fiat e Nivea foram recuperadas e indicam intensa relação entre o uso da comunicação face a

face e tentativas de convencimento dos funcionários, corroborando o que Larkin (2013) havia

postulado sobre sua eficácia para mudanças de comportamento. Embora falas “das empresas”

estejam inseridas no discurso jornalístico, os conteúdos analisados revelam

predominantemente falas “sobre as empresas” produzidas pelas revistas Exame e Você RH, as

duas do grupo Abril30

.

As duas narrativas seguem o mesmo padrão. Começam descrevendo uma situação de

crise ou um desafio a ser superado, em seguida apresentam o responsável pelas mudanças que

vão contar como solucionaram os problemas utilizando, entre outras medidas, a comunicação

face a face, e, ao final, relatam o desfecho bem-sucedido. Nos dois discursos – e em outros

tantos produzidos pelas revistas especializadas em negócios – o entrevistado assume a aura do

herói, aquele que detém a autoridade mítica para afastar o mal (a crise, as dificuldades) e fazer

reinar o bem (a estabilidade, o reconhecimento público, a satisfação geral).

Lícia Egger-Moellwald (2011, p. 34-35) revela como é construída a imagem desse

executivo heroico e bem-sucedido, sujeito das enunciações que serão analisadas a seguir:

Aceitar trabalhos em horários impróprios ou em excesso e que exigem

enormes sacrifícios pessoais como “algo sagrado” e irrecusável, é visto como

etapa necessária para o triunfo profissional. Este comportamento que anestesia

a percepção da realidade é alimentado por rituais e estímulos variados

(premiações por competência, bônus por metas atingidas, [...]). Esse processo

de comunicação formal, aliado ao que é veiculado nas revistas executivas,

lança um véu poético sobre realidades que de outra forma seriam sórdidas.

Porém, nesse contexto o exagero passa insuspeito, uma vez que a figura do

herói contra todas as adversidades tem como destino certo o Olimpo

corporativo.

O véu poético a que se refere a autora pode ser observado nos discursos sobre a Nivea

e a Fiat. Não seria exagero enxergar uma espécie de “estatuto do milagre” nas medidas

adotadas pelos heróis para salvar as empresas. O subtítulo da matéria “Virando o jogo”, que

30

Na verdade, o conteúdo original utilizado por Gonçalves e Perez (2009) sobre a Nivea não foi localizado no

site da revista Você RH. A edição nº 4, que circulou no segundo semestre de 2008, não está disponibilizada na

internet. Contudo, o mesmo texto havia sido reproduzido pelo blogueiro Flávio Fausto, em 2011, e pode ser

recuperado para o estudo. A matéria “Virando o Jogo” está disponível em:

http://flaviofausto.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html. Acesso em: 6 jun. 2015.

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expõe o caso da Nivea, segue esse modelo: “Graças a um plano que aumentou o

envolvimento dos funcionários, a Nivea reduziu pela metade seu índice de rotatividade”.

Essa história é contada em três atos: o desafio, a solução e os resultados, demarcados

como subtítulos. O desafio da Nivea é conter um índice de evasão de 30%, indicado pela

reportagem como o dobro da média do mercado para aquela ocasião. A solução “para virar o

jogo” é a implantação de um plano organizacional composto por seis ações, das quais a

comunicação face a face é o foco de uma delas. É no item “solução” que a autoridade máxima

da empresa aparece. “Duas vezes por mês, o presidente, Nicolas Fischer, passou a reservar

sua agenda para tomar café da manhã com um grupo de 12 funcionários. Selecionadas por

área de atuação e sem distinção de nível hierárquico, as equipes têm total liberdade para

falar sobre o que bem entendem, dos negócios da empresa a questões pessoais. O acesso ao

presidente mexeu com o brio do grupo. ‗Você percebe neles o orgulho, a vontade de fazer

parte‘, afirma Mônica Longo, diretora de RH.”

O trecho destacado se encaixa em um discurso do gênero jornalístico e apresenta um

dizer sobre a organização. O interdiscurso se manifesta, todavia, no momento em que a

diretora Mônica Longo empresta sua fala para confirmar o dito pela revista. O depoimento

aparece entre aspas e pode ser enquadrado como um fragmento de discurso organizacional.

Ao afirmar que “o acesso ao presidente mexeu com o brio do grupo”, a formação discursiva

atribui um peso forte à ação que aproxima os funcionários da “entidade” presidente. Em

parágrafo anterior, essa medida é apresentada como “fundamental no aumento do grau de

envolvimento”.

Na terceira etapa, onde são mencionados os resultados obtidos com o “milagre”, a

matéria sintetiza o sucesso em dados numéricos: a rotatividade caiu praticamente pela metade

(17%), houve 146 movimentações internas, 43 promoções e o faturamento cresceu 15%.

Curiosamente, o texto termina com uma autopromoção do grupo editorial: “A resposta dos

funcionários também chegou. Em 2008, pela primeira vez, a Nivea figurou no Guia Você S/A-

Exame – As Melhores Empresas para Você Trabalhar”, chancelando toda a produção

discursiva, ou seja, é como se a inclusão nesse ranking certificasse a conduta empresarial e

justificasse a publicação da reportagem.

O texto “A empresa do ano”, em que a revista Exame relata a experiência da Fiat,

segue o mesmo roteiro31

, com uma pequena inovação: o primeiro parágrafo procura expor a

movimentação provocada pela ótima fase vivida pela organização. Já no segundo parágrafo o

31

Reportagem disponível em: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/922/noticias/a-empresa-do-ano-

m0163860. Acesso em: 6 jun. 2015.

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padrão narrativo se instaura: “Em 2004, quando o atual presidente da montadora, Cledorvino

Belini, assumiu o controle, o cenário era muito diferente [...]. Se a situação era difícil por

aqui, na matriz da montadora italiana, em Turim, era ainda mais delicada. A Fiat vivia a pior

crise de sua centenária história, acumulando dívidas de mais de 5 bilhões de dólares. Na

época, a bancarrota da empresa fundada pelo clã Agnelli era uma possibilidade real”.

Descrito o cenário caótico – na verdade essa crise chega a ser comparada a uma guerra

–, surge a figura heroica para resolver os impasses. “Primeiro brasileiro a comandar a

operação nacional, Belini – um homem formado na cultura do grupo Fiat, onde passou 35 de

seus 59 anos de vida – instituiu um ‗senso de urgência‘ na companhia. [...] Para que todos os

funcionários entendessem o novo norte, Belini adotou táticas de comunicação simples”.

O enunciado passa então a relatar a ação de comunicação face a face adotada pela

empresa. O presidente se reuniu dezenas de vezes com a equipe para explicar as mudanças

que seriam implantadas. No trecho a seguir, o interdiscurso se manifesta: “Para facilitar o

entendimento, nessas apresentações Belini lançava mão de um personagem fictício, um

pipoqueiro em dificuldades com seu negócio. A Fiat era esse pipoqueiro e, para sair da crise,

teria de cortar custos, criar novos produtos e melhorar sua eficiência. ‗A associação fazia

com que todos entendessem a urgência da mensagem‘, diz”. A voz da organização é

introduzida no discurso jornalístico, também para corroborar a ideia em desenvolvimento. O

discurso atenua a distinção entre duas ideias muito próximas: “todos entendessem” e o

implícito “todos se convencessem”.

Ao final, quando os resultados consagram o sucesso, outra fala da organização se

mistura à fala sobre a organização para atestar o dito. “O desempenho da operadora brasileira

da Fiat chamou a atenção da matriz. No final do ano passado, o italiano Sergio Marchionne,

presidente mundial da montadora, anunciou durante uma visita ao Brasil investimentos de 5

bilhões de reais até 2010. ‗Quando estive no Brasil, em novembro, fiquei impressionado com

o comprometimento dos funcionários‘, afirmou Marchionne a Exame, por e-mail. ‗Essa

característica foi indispensável na virada que fizemos e terá grande importância para o

grupo nos próximos anos‘”.

Assim como na narrativa sobre a Nivea, as medidas que provocaram a “virada” na Fiat

não se restringem à adoção da comunicação face a face – elas são acompanhadas de outras

ações igualmente impactantes. Porém, as duas construções textuais realçam a interação face a

face, concedendo inequívoca importância à sua prática. Gonçalves e Perez (2009) percebem

esse peso e avaliam os discursos sob a perspectiva da construção de imagens perante o

público interno.

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Para esta tese importa desvendar as intencionalidades que podem estar encobertas pelo

discurso das organizações sobre a comunicação face a face. Nas situações envolvendo a Nivea

e a Fiat, o acesso ao discurso organizacional limita-se às frases entre aspas apresentadas no

universo dos discursos jornalísticos. Contudo, conforme demonstram as teorias da linguagem,

o dialogismo entre discursos se apresenta como mecanismo bastante eficaz no processo de

atribuição de sentidos. Destarte, os discursos híbridos podem contribuir para elucidar o uso

empresarial da linguagem.

Pode-se afirmar, pela análise discursiva envolvendo a Fiat e a Nivea, que a

comunicação face a face é percebida pelas organizações como forma eficiente de persuasão e

convencimento, especialmente em momentos de crise ou de transformações mais amplas.

Assim como o discurso organizacional da Yahoo, as duas empresas exploram em seus dizeres

apenas os aspectos positivos desse tipo de convívio. Mesmo o discurso jornalístico do caso

Yahoo, que se coloca contrário ao fim do trabalho em casa, não aponta desvantagens ou

dificuldades relacionadas à prática da comunicação presencial.

Portanto, os discursos sobre comunicação face a face envolvendo as duas organizações

trabalham sim o lado avesso: não chegam a esconder a “face real (muitas vezes imperfeita)”,

que compreende a necessidade de ajustes, cortes de gastos e adaptações, porém, exacerbam “a

face bela e ilusória”, muitas vezes colorida pelos gestores que buscam se aproximar dos

funcionários, legitimando suas posições (míticas) e fortalecendo suas políticas. As

organizações contam, para esse fim, com o apoio nada discreto dos veículos de comunicação

especializados.

4. Face revelada e face escondida: possíveis rupturas

Quando elaborou sua teoria sobre as faces, entre o final da década de 1950 e início dos

anos 1960, Goffman certamente não cogitava abranger relacionamentos mediados ou contatos

envolvendo organizações. Suas concepções se fundamentam estritamente na comunicação

face a face entre sujeitos individuais ou, no máximo, entre grupos – que ele denomina

equipes. Embora suas descobertas sejam orientadas ao universo das interações presenciais,

algumas de suas ideias têm sido adotadas para explicar o fenômeno da preservação da

fachada, já abordado no capítulo anterior e aqui retomado.

Preservar a fachada consiste em adotar medidas que garantam a consistência entre

ações em desenvolvimento e a aparência representada pelo indivíduo. Se houver dissonância

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nesse processo, a fachada corre risco de entrar em colapso, afetando não apenas o ator

responsável pela representação, mas a própria coesão do público que acompanha a exibição e

que tende a manter o equilíbrio social ou o status quo.

Maingueneau (2004a) aproxima a teoria das faces dos estudos discursivos. Segundo

ele, todo indivíduo possui duas fachadas: “uma face negativa, que corresponde ao „território‟

de cada um (seu corpo, sua intimidade etc.); e uma face positiva, que corresponde à „fachada‟

social, à nossa própria imagem valorizante que tentamos apresentar aos outros”

(MAINGUENEAU, 2004a, p. 38). Essa apresentação requer, por vezes, negociações

envolvendo os discursos.

Visto que uma mesma fala pode ameaçar uma face com o intuito de preservar

uma outra, os interlocutores são constantemente levados a buscar um acordo, a

negociar. Eles devem efetivamente procurar um meio de preservar suas

próprias faces sem ameaçar a de seu parceiro. Desenvolve-se, então, todo um

conjunto de estratégias discursivas para encontrar um ponto de equilíbrio entre

essas exigências contraditórias. (MAINGUENEAU, 2004a, p. 39).

Assim como a teoria de Goffman se adapta naturalmente à análise de discurso, a

princípio não há empecilho em associá-la ao contexto organizacional. Institucionalmente, as

empresas também se empenham em construir e conservar sua imagem e reputação, processo

que ocorre efetivamente por meio das representações de fachada com o uso da linguagem.

O grande diferencial dos estudos do canadense, no entanto, se encontra na discussão

das intencionalidades e motivações que envolvem os atores durante as interações, sejam elas

explícitas ou reservadas. “Mensagens linguísticas são consideradas voluntárias e intencionais;

mensagens expressivas, por outro lado, muitas vezes precisam preservar a ficção de que elas

são espontâneas, involuntárias e não calculadas, o que é verdade em alguns casos”, aponta

Goffman (2010, p. 23-24).

O pesquisador não hesita em demonstrar que a comunicação – mesmo aquela

conduzida face a face – é passível de manipulação. Em diversas obras ele pontua que o

indivíduo altera sua performance quando se encontra na presença de outras pessoas; às vezes

assume uma condição sincera, em outras opta por disfarçar sua representação. De qualquer

modo, o sujeito age em função da percepção alheia, que o autor chama de plateia. Essa

plateia, por sua vez, também tem a faculdade de forjar suas manifestações em resposta ao

ator. A interação assemelha-se, assim, a um jogo, movido por regras, objetivos e blefes.

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Por mais que um indivíduo, um grupo ou uma organização tenham boas intenções em

relação às suas representações cotidianas, Goffman sustenta que as impressões causadas no

decorrer desse processo estão sempre sujeitas à ruptura; ele denomina essas rupturas de

incidentes. “Quando acontece um incidente, a realidade patrocinada pelos atores é ameaçada”

(GOFFMAN, 2011a, p. 194). Cabe aqui investigar a ruptura registrada na Yahoo sob a

perspectiva desse pesquisador.

O autocontrole das manifestações públicas de um indivíduo se mostra complexo, em

função das duas faces a serem administradas, das diversas possibilidades de manipulação e da

interpretação que os outros poderão atribuir às representações – além, logicamente, da

articulação entre todos esses fatores. No âmbito organizacional, onde a cotidianidade envolve

um número maior de indivíduos submetidos a relações hierárquicas e em contato com

públicos heterogêneos, essa complexidade se amplifica.

A cada dia as organizações buscam controlar a posição social conquistada por meio da

atuação conjunta de seus integrantes. Goffman (2011a, p. 74) lembra que “uma condição, uma

posição ou um lugar social não são coisas materiais que são possuídas e, em seguida,

exibidas; são um modelo de conduta apropriada, coerente, adequada e bem articulada”. Essa

condição justifica todo o cuidado que envolve a preservação das fachadas. Na Yahoo, a

exposição não autorizada de um discurso construído para permanecer na região de fundo

provocou um incidente.

Algumas cenas ocorrem quando os companheiros de equipe não conseguem

mais apoiar a representação inepta uns dos outros e deixam escapar uma

crítica pública imediata a respeito dos próprios indivíduos com quem

deveriam estar em cooperação dramatúrgica [...]. Um dos efeitos da briga é

fornecer à plateia uma visão dos bastidores, e outro é deixá-la com o

sentimento de que há alguma coisa seguramente suspeita relativamente a uma

representação, quando aqueles que a conhecem melhor não se entendem.

(GOFFMAN, 2011a, p. 193).

Seguramente alguns integrantes da equipe apoiam o fim do home-office e outros o

rejeitam. O documento interno se tornou de conhecimento público porque um indivíduo ou

um grupo decidiu expor essa divisão. Goffman (2011a, p. 83), mais uma vez, contribui para a

compreensão dessa ruptura: “parece ser opinião geral que o desacordo público entre os

membros da equipe não somente os incapacita para uma ação conjunta, mas também perturba

a realidade patrocinada por eles”.

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A exposição desse conflito nas mídias e a forma como a organização reage ao

noticiário também serão avaliadas do ponto de vista de Goffman. A postura silenciosa da

Yahoo naquele momento representaria uma atitude coerente com a necessidade de manter

determinada idealização no imaginário coletivo. A manifestação pública da organização em

resposta às insinuações midiáticas poderia comprometer o mistério envolto no assunto,

estabelecendo uma familiaridade desinteressante com a plateia naquela ocasião.

É uma noção largamente defendida que as restrições ao contacto, a

manutenção da distância social, fornecem um meio pelo qual o temor

respeitoso pode ser gerado e mantido na plateia, um meio [...] pelo qual a

plateia pode ser mantida num estado de mistificação com relação ao ator.

(GOFFMAN, 2011a, p. 68).

A postura do público tende a alimentar essa (falta de) reação da empresa. “Sem

dúvida, no que diz respeito a manter as distâncias sociais, a plateia frequentemente cooperará,

agindo de maneira respeitosa, com reverente temor pela sagrada integridade atribuída ao ator”

(GOFFMAN, 2011a, p. 69). Ou seja, mesmo após a divulgação do conflito e o silêncio da

organização, não se observa cobrança, por parte da mídia, em relação a um posicionamento

oficial da empresa. A imagem e reputação da Yahoo não parecem abaladas em função dessa

ruptura.

Por outro lado, Goffman aponta para os riscos desse ritual de mistificação, quando a

relevância da plateia parece relativizada.

Entre os vários tipos de objetos com os quais o indivíduo [ou a organização]

deve lidar durante sua presença entre outras pessoas, um merece atenção

especial: as próprias outras pessoas. A impressão que ele cria através de seus

negócios com elas e as características que elas imputam a ele como

consequência têm uma importância especial para sua reputação, pois aqui as

testemunhas têm um interesse pessoal direto naquilo que testemunham.

(GOFFMAN, 2011b, p. 161).

Assim, o posicionamento da Yahoo – ao desconsiderar essas outras pessoas e apostar

na hipótese da idealização – sugere a assunção de riscos. A imagem e reputação da

organização, ao que parece, não sofreram danos em função do silenciamento midiático, uma

atitude típica de cooperação da plateia. De qualquer modo, conjugar o pensamento de

Goffman com o estudo de discursos sobre comunicação face a face no contexto das

organizações é uma decisão metodológica que traduz a preocupação em entender o que é

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revelado e o que se procura esconder ou, figurativamente, desvendar os distúrbios

estabelecidos entre o retrato e a materialização de Dorian Gray.

5. Interpretação e validação da hipótese

Algumas nuances precisam ser consideradas na análise da hipótese 3, especialmente

quando se observa os discursos sobre comunicação face a face envolvendo a Yahoo, a Fiat e a

Nivea, bem como as intencionalidades não reveladas publicamente pelas três organizações. A

proposta é verificar se o discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser

utilizado para mascarar intencionalidades nem sempre explícitas.

A teoria das faces de Goffman é categórica: o sujeito modifica suas representações de

fachada quando percebe a presença de outros indivíduos. Considerado válido esse raciocínio

também para o mundo das organizações, não resta dúvida de que as manifestações públicas de

qualquer empresa são moldadas a partir da percepção da alteridade. A decisão organizacional

de revelar ou camuflar determinada representação é, portanto, um ato consciente, baseado em

uma série de fatores contextuais e circunstanciais.

Logo, os estudos de Goffman sustentam ao menos a proposição genérica de que é

possível que as declarações públicas – ou os discursos – das organizações possam mascarar

uma realidade que a empresa preferiria manter como representação de fundo. Já a análise de

discurso e os estudos empreendidos nas três empresas merecem aqui uma avaliação mais

aprofundada, já que tratam especificamente dos discursos sobre a comunicação face a face.

Um primeiro ponto a se considerar é que a manifestação formal de organizações sobre

as interações face a face não é comum. O tema, por si só, não conta com o mesmo apelo de

outros assuntos que inundam a cotidianidade das empresas, como o comportamento do

mercado, as tecnologias, a política econômica, o desenvolvimento sustentável, entre outros.

Falar publicamente sobre interações face a face indica que a organização olha para essa

modalidade e tem algo relevante para comunicar sobre ela.

A concepção teórica da análise de discurso aplicada sobre esse material permite

averiguar a forma como são construídos os sentidos, tanto na instância de produção (as

empresas e a mídia) quanto na de recepção, levando em conta os gêneros em que se inserem e

suas ressignificações elaboradas a partir dos deslizamentos e deslocamentos. A teoria que

envolve a AD revela ainda que o silêncio se apresenta tão significante quanto a fala, e

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exprime sentidos que deixam de ser ditos. A força do dito, mensurada pela teoria dos atos de

fala, mostra-se relevante para a compreensão das intencionalidades discursivas.

O discurso da Yahoo é emblemático no sentido de que uma empresa do ramo de

tecnologia da informação, reconhecida mundialmente, defende com propriedade, perante seus

funcionários, a prática do trabalho lado a lado. Não é difícil encontrar argumentos favoráveis

à comunicação face a face – por sinal, as três organizações estudadas destacam apenas os

pontos positivos dessa forma de interação: seus aspectos complicados e desvantajosos migram

para a esfera do não-dito. Não é possível afirmar que a Yahoo optou, deliberadamente, por

esconder de seu público interno a intenção de que pretenderia se beneficiar de demissões

voluntárias a partir do fim do home-office. Paralelamente, não é recomendável descartar essa

possibilidade, diante dos indícios apresentados e fundamentados pela AD.

Os discursos sobre a comunicação face a face envolvendo a Fiat e a Nivea são,

igualmente, providenciais. Se a narrativa, por um lado, indica que as situações de crise

vivenciadas pelas organizações, ou seja, a face negativa (ou “monstruosa”, lembrando Dorian

Gray) não chega a ser escondida, por outro, a tentativa de convencimento do público interno

permanece implícita. Em outras palavras: a comunicação face a face teria sido utilizada nas

duas empresas com a intenção de persuadir os funcionários; porém, o discurso corporativo

(incorporado nos discursos jornalísticos sobre as duas organizações) não expõe essa

funcionalidade abertamente. Mais uma vez, a AD permite constatar a existência de indícios de

que o convencimento tenha, de fato, ocorrido. Revela-se uma conveniência dos discursos

favoráveis à comunicação face a face para sustentar interesses organizacionais – e não se

discute aqui a legitimidade desses interesses, até porque não está descartada a possibilidade de

que o discurso empresarial sobre comunicação face a face seja compatível com boas práticas

institucionais.

Assim sendo, o fato de não ser possível afirmar que os discursos foram utilizados com

a finalidade de mascarar as intencionalidades nem sempre explícitas não permite negar que

isso, de fato, tenha ocorrido. Os três casos são ilustrativos de que a hipótese pode ser válida e,

portanto, não deve ser descartada. Com base em toda a discussão teórica e nos três discursos

avaliados, considerando-os exemplares, confirma-se a terceira hipótese desta tese,

especificamente para as situações aqui enquadradas. Para outros contextos e circunstâncias, a

premissa pode ser considerada indicativa, porém, carece de avaliações particularizadas.

No próximo capítulo a pesquisa se volta para a função mediadora do espaço físico nos

processos de comunicação empresarial. A ideia é buscar compreender, sob a esteira da teoria

da mediação, o modo como os ambientes físicos onde ocorrem as interações face a face

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condicionam a comunicação organizacional, podendo inibir o interlocutor que ocupa

momentaneamente o espaço do outro. Essa discussão passa, necessariamente, pela questão do

controle do cenário e pelas dificuldades que envolvem a prática da comunicação face a face.

Mais uma vez, empresas que vivenciam esse tipo de situação e a fundamentação teórica sobre

o assunto vão embasar o processo de verificação da hipótese.

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Capítulo VII – FUNÇÃO MEDIADORA DO ESPAÇO FÍSICO

NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

Conforme discussão conceitual apresentada no capítulo 1, o termo mediação segue

controverso no âmbito da pesquisa em comunicação, ora exprimindo o uso de meios técnicos

na interação entre sujeitos, ora representando o processo de negociação de significados que

envolve a recepção de mensagens, baseado em elementos culturais das sociedades onde

ocorre. O espaço físico, como parte integrante do contexto onde a comunicação face a face se

desenvolve, manifesta seu papel mediador, condicionando a conduta de emissores e

receptores. A teoria das mediações sociais fundamenta a compreensão desse processo.

A partir dela e de estudos sobre a conexão entre ambientes físicos e comunicação, será

verificada a quarta e última hipótese proposta por esta tese: o local onde se desenvolve a

interação face a face interfere na comunicação organizacional, provocando limitação da

liberdade de expressão e constrangimento nos interlocutores que venham a ocupar

temporariamente o espaço dominado pelo Outro.

Assim, o percurso começa pelas origens da teoria das mediações e segue em direção a

concepções mais atuais, já que essa corrente é capaz de explicar o mecanismo de

funcionamento de eventual constrangimento, limitação da liberdade de expressão ou outros

efeitos restritivos proporcionados por instâncias mediadoras. Em seguida, pesquisas

envolvendo a comunicação face a face em organizações sinalizam a interferência do cenário

nas interações que compreendem ora relacionamentos hierárquicos, ora interdependentes.

Adiante, será discutido o caráter mediador de uma paisagem específica: uma fazenda do

Pantanal brasileiro. Essa análise considera a experiência partilhada entre anfitriões e

convidados durante a execução do projeto de comunicação organizacional desenvolvido pela

Embrapa Pantanal. O estudo específico sobre esse espaço físico se justifica por sua natureza

mediadora e mediada: ao mesmo tempo em que condiciona as interações que abriga, o

Pantanal tem sua imagem construída pela mídia e essa mediação dos meios intervém nas

ações de comunicação organizacional planejadas e desenvolvidas na região. Por fim, a

hipótese será verificada à luz da prática da comunicação organizacional relatada e da

discussão teórica apresentada.

1. Teoria das mediações sociais: origens e atualizações

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Na América Latina o termo “mediação” começa a obter sua configuração atual entre o

final da década de 1970 e início da de 1980, quando autores espanhóis se debruçam sobre o

tema. A teoria da mediação social (no singular) foi proposta por Manuel Martin Serrano nessa

época1. “Do ponto de vista formal, a mediação equivale ao sistema de regras e de operações

aplicadas a qualquer conjunto de atos, ou de coisas pertencentes a planos heterogêneos da

realidade, para introduzir uma ordem” (MARTIN SERRANO, 1976, p. 179, tradução nossa).

Considerado um dos estudiosos que ajudaram a quebrar paradigmas na pesquisa em

comunicação na América Latina, Martin Serrano defende que as investigações deveriam

privilegiar a criatividade e o compromisso com a ética, o que confrontava os interesses

autoritaristas que vigoravam na região naquele período e rompia com o modelo funcionalista

de investigação importado dos Estados Unidos (MALDONADO, 2008). A linha de

pensamento do espanhol considera que a análise das mediações está relacionada ao controle

social e, em consequência, com questões envolvendo o poder.

Ao desenvolver seu estudo para tentar dirimir “uma confusão entre a televisão (com

minúscula) como objeto tecnológico e a Televisão (com maiúscula) como instituição social

mediadora”, Martin Serrano (2010, p. 5) acaba por construir as bases da teoria da mediação

social. O pesquisador defende que o controle social exercido por essa mídia ocorre menos em

função da diversidade de conteúdo que ela oferece à audiência e mais pela restrição de

códigos de interpretação transmitidos por meio das mensagens. A noção de código,

fundamental para a compreensão da função mediadora do espaço físico, pode tanto ser

concebida em sua versão mais simplificada – a ideia de um sistema codificante –, quanto estar

associada a uma tomada de posição em relação aos acontecimentos, aderindo, assim, ao

conceito de ideologia.

De acordo com essa hipótese, ao Mediador será possível controlar a visão de

mundo oferecida à audiência na televisão, sem necessidade de declarar

explicitamente juízos de valor. [...] Existiria uma correspondência entre os

juízos de valor sociais – graças aos quais o Mediador alcança o controle – e as

relações lógicas, por meio das quais o meio codifica as mensagens. (MARTIN

SERRANO, 2010, p. 6, tradução nossa).

A pesquisa revela que, de uma combinação possível de 559.871 subconjuntos de

estereótipos narrativos, a televisão oferecia à audiência apenas 29, limitando, dessa maneira, o

acesso à amplitude de visões de mundo. De certo modo, ao impor uma forma singular de

1 A partir do momento em que outros teóricos latino-americanos se apropriam dos primeiros estudos de Martin

Serrano, eles passam a denomina-la de teoria das mediações sociais, no plural.

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apresentar a realidade, a instância mediadora introduz um efetivo sistema de controle sobre

essa realidade. Em outras palavras: enquanto instituição mediadora, a televisão “permite

incluir a interpretação que se quer induzir como um componente da informação” (MARTIN

SERRANO, 2007, p. 16, tradução nossa), ou seja, ela instaura o modo de conceber o mundo

que lhe convém. Na prática, ao consumir um conteúdo midiático ou frequentar um

determinado espaço físico, essa distinção entre a mensagem e as regras de interpretação (ou

de comportamento no local) não se evidencia.

Em outro estudo, Martin Serrano (2007) amplia sua preocupação com a

pseudoconstrução da realidade assumida pela mídia em função de regras do mercado. Ele

questiona a legitimidade da relação produzida pela mídia entre objetos naturais e objetos

fabricados.

A economia de mercado prossegue com sua inevitável missão de utilizar para

um uso econômico todos os territórios e recursos existentes. A transformação

dos bens de livre disposição em mercadorias se corresponde, a nível das

mentalidades, com a identificação entre o fabricado e o natural. A água é

engarrafada e vendida como “pura”. Os espaços inexplorados são urbanizados

e promovidos como “virgens”. Neste livro [La Mediación Social] se mostra

que, pela primeira vez na história, os objetos (artificiais) ocupam as

representações, o lugar das coisas (naturais). A forma como o mercado vem

vinculando a natureza com a produção supõe uma reconstrução da imagem do

mundo. (MARTIN SERRANO, 2007, p. 20, tradução nossa, grifos do autor).

De acordo com Esteban Mate (1984), que aprofundou os estudos sobre o livro La

Mediación Social, identifica-se um processo de mediação quando os objetos materiais ou

imateriais são associados a determinados objetivos por meio de um processo de interpretação

da realidade, que direciona comportamentos e ações. “Portanto, a mediação, na comunicação,

não se manifesta tanto no nível dos conteúdos explícitos, como no nível da organização dos

relatos; concretamente, a mediação opera na seleção de dados de referência e na conexão

entre os dados de referência” (MATE, 1984, p. 75, tradução nossa).

As mediações não são impostas: elas instalam-se a partir de relações ideológicas

compartilhadas entre indivíduos, grupos, organizações ou sociedades, articulando os modos

como a realidade será interpretada pelos sujeitos. Não obstante, elas não operam de forma

isolada, o que interfere diretamente no processo de construção do real. Ao mesmo tempo em

que o sujeito possa estar sob orientação da mediação dos meios de comunicação (massivos ou

não), ele se submete a outras instâncias mediadoras, como sua própria cultura, sua experiência

cognitiva, as noções espaço-temporais que vivencia, a linguagem através da qual se comunica,

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entre muitas outras. O que se observa, no entanto, é que essas outras dimensões têm sido

elaboradas, cada vez mais, a partir de conteúdos (e códigos) disponibilizados midiaticamente.

Talvez em função dessas relações complexas, Martin Serrano tenha sido um dos

primeiros estudiosos a observar que a tentativa de controlar as mediações torna-se sedutora.

“Controlar a forma de mediar é aplicar ao conteúdo da realidade o modelo de ordem e o tipo

de significações que posteriormente serão utilizados pelo destinatário da informação para

compreender o presente, prever o futuro e, portanto, para atuar” (MARTIN SERRANO, 1976,

p. 181). Por vezes, esse controle é exercido de modo sutil, como na escolha de símbolos que

serão utilizados na comunicação a partir de um repertório disponível2.

Considerados na contemporaneidade uma forma importante de mediação, os meios de

comunicação tiveram sua hegemonia questionada pelo pesquisador espanhol-colombiano

Jesús Martín-Barbero, autor do clássico Dos Meios às Mediações. Segundo Martino (2009, p.

179, grifos do autor),

o livro propõe um deslocamento dos estudos de Comunicação: no lugar de se

preocupar com os meios e suas condições específicas de produção ou

mensagem, era preciso pensar nas mediações, nos processos culturais, sociais

e econômicos que enquadravam tanto a produção quanto a recepção das

mensagens da mídia. [...] Pode-se entender por mediações as estruturas de

construção de sentido às quais o receptor está vinculado. A história pessoal, a

cultura de seu grupo, suas relações sociais imediatas, sua capacidade cognitiva

são mediações, mas também interferem no processo sua maneira de assistir

televisão, sua relação com os meios e com as mensagens veiculadas.

As pesquisas que deram origem a esse pensamento revolucionário para a América

Latina, curiosamente, também analisavam a comunicação em diferentes ambientes físicos,

conforme relata o próprio teórico:

Quando comecei a fazer pequenas investigações, não foram sobre os meios.

Comecei investigações sobre como as pessoas se comunicam numa feira de

bairro, a diferença de como se comunicavam num supermercado, como se

comunicavam num cemitério mais popular e num cemitério com jardins. [...]

Mas eu sempre parti do ponto que a comunicação não era apenas os meios e

que, para a América Latina, era muito mais importante estudar o que acontecia

na igreja aos domingos, nos salões de baile, nos bares, no estádio de futebol.

Ali estava realmente a comunicação das pessoas. Não podíamos entender o

que o povo fazia com o que ouvia nas rádios, com o que via na televisão, se

não entendíamos a rede de comunicação cotidiana. (MARTÍN-BARBERO,

2000, p. 153).

2 Na seção 2, adiante, a discussão do controle sobre o cenário será ampliada com as contribuições de Goffman

(2011a) e Ferreira (2011).

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Essa rede cotidiana de comunicação, citada pelo teórico, envolve as conversações face

a face mediadas pelo contexto. As investigações sobre mediações, concebidas naquela ocasião

como matriz epistemológica por Martín-Barbero, se contrapõem ao modelo funcionalista

norte-americano que privilegiava os estudos dos meios de comunicação e seus efeitos. “Nesse

sentido, algo que marca o pensamento de Martín-Barbero é a centralidade do ser-humano –

inserido em seu lugar social e marcado por vivências e mediações – nos estudos da

comunicação” (BARROS, 2009, p. 90).

Mais recentemente, o investigador opta por rever sua proposição inicial e desloca suas

pesquisas das mediações culturais da comunicação para as mediações comunicativas da

cultura. Essa migração acontece porque Martín-Barbero percebe a força com que os meios de

comunicação incidem sobre a sociabilidade. O autor constata que, mesmo nos países latinos,

as pessoas estão cada vez mais isoladas e dedicando seu tempo aos meios.

De alguma maneira, nesse momento aceito que muda o lugar a partir do qual

estava olhando. Olhava a partir da nossa cotidianidade comunicativa latino-

americana, rica, festiva, e a contrapunha à solidão dos norte-americanos [...].

Era preciso assumir não a prioridade dos meios, mas sim que “o comunicativo

está se transformando em protagonista de uma maneira muito mais forte”.

(MARTÍN-BARBERO, 2009a, p. 152).

De certo modo, o pesquisador passa a reconhecer que a cotidianidade é vivenciada,

frequentemente, por meio da técnica. “[...] Os meios de comunicação constituem hoje

espaços-chave de condensação e intersecção de múltiplas redes de poder e de produção

cultural”, aponta Martín-Barbero (2003, p. 20), embora ainda resista à ideia de que a

tecnologia seja a grande instância mediadora entre as pessoas e o mundo. “[...] O que a

tecnologia medeia hoje, de modo mais intenso e acelerado, é a transformação da sociedade em

mercado, e deste em principal agenciador da mundialização (em seus muitos e contrapostos

sentidos)” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 20).

Para sintetizar, o pesquisador defende uma pesquisa orientada para o entorno dos

meios, e não para seu núcleo. Para ele, cabe aos estudos de comunicação investigar o que as

pessoas fazem a partir da recepção midiática – concepção muito próxima ao conceito de

circulação apresentado por Braga (2006, 2012a, 2012b) e trabalhado no capítulo 5. Apesar de

admitir a intensa influência midiática sobre a cotidianidade, Martín-Barbero insiste que a

pesquisa comunicacional latino-americana deve privilegiar as mediações e seu caráter

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interdisciplinar, e não os meios. Um dos gargalos de sua proposta se encontra, entretanto, na

definição nebulosa de mediação.

1.1 Inconsistência, envelhecimento e abstracionismo: críticas à teoria

Dos meios às mediações é um trabalho bastante denso de Martín-Barbero. Não

obstante a evidência da ampla adoção do pensamento desse autor nos estudos

comunicacionais da América Latina, alguns pesquisadores têm criticado sua obra e apontado

fragilidades na teoria das mediações (no plural). Uma das análises mais contundentes nesse

sentido vem de Luiz Signates (2006, p. 56), para quem Martín-Barbero não consegue

delimitar satisfatoriamente o conceito de mediações, apesar da centralidade do tema em seu

principal livro: “não o define claramente, nem o historia”, afirma.

O pesquisador avalia cuidadosamente Dos Meios às Mediações e verifica que o

conceito de mediação aparece 37 vezes na obra. “Dessas citações, em 21 oportunidades o

autor o utiliza como categoria vinculante de dicotomias específicas e, em maioria,

antinômicas [...]. Nas demais, efetua simples citações, sem um comprometimento explícito

com sua definição” (SIGNATES, 2006, p. 62). Ainda de acordo com esse estudioso, é

possível extrair do livro cinco possibilidades de definição para o conceito. Seriam elas: como

constructo ou categoria teórica; como discursividade específica; como estruturas, formas e

práticas vinculatórias; como dispositivo de viabilização e legitimação da hegemonia ou

resolução imaginária da luta de classes no âmbito da cultura; e, a mais instigante para esta

tese, como instituição ou local geográfico. Nesse último caso, Signates (2006, p. 65)

complementa: “instituição cuja prática relaciona sentidos, modos de vida e instituições

(simulação e desativação dessas relações significa abandono da condição mediadora). Lugar

de vivência de sentidos ambíguos ou sintetizadores (como o bairro)”.

De fato, Dos Meios às Mediações interpõe entendimentos múltiplos para a ideia de

mediação. Embora o laço com as questões culturais se revele profundo em todo o livro, é

comum que Martín-Barbero aproxime o conceito da ideia de conexão (ou prática vinculatória,

como prefere Signates), mesmo quando utiliza um espaço físico como exemplo:

O bairro surge, então, como o grande mediador entre o universo privado da

casa e o mundo público da cidade, um espaço que se estrutura com base em

certos tipos específicos de sociabilidade e, em última análise, de comunicação:

entre parentes e vizinhos. O bairro proporciona às pessoas algumas referências

básicas para a construção de um a gente, ou seja, de uma “sociabilidade mais

ampla do que aquela que se baseia nos laços familiares, e ao mesmo tempo

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mais densa e estável do que as relações formais e individualizadas impostas

pela sociedade”3. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 286, grifos do autor).

Ao vincular o ambiente privado da casa ao universo público do restante da cidade, o

bairro se apresenta como instância mediadora. Assume também a condição de espaço

impreciso de vivência de sentidos. Na tentativa de amenizar os problemas com a definição do

termo, Signates (2006) sugere três ideias que devem ser afastadas do entendimento de

mediação: a de intermediação, a de filtro e a de intervenção no processo comunicativo.

A crítica extrapola a obra de Martín-Barbero e atinge também os pensamentos de

Raymond Williams, Guillermo Orozco-Gómes e das brasileiras Maria Immacolata Vassallo

de Lopes, Sílvia Borelli e Vera Resende. Os argumentos levantados por Signates o levam a

concluir que inexiste uma teoria das mediações enquanto os estudos de comunicação não

oferecerem suporte teórico-metodológico consistente.

As concepções de Martín-Barbero, Néstor Canclini e Orozco-Gómes também são alvo

de contestações por parte de Marcondes Filho (2008b), em artigo no qual avalia os impasses

de uma teoria da comunicação latino-americana. O professor da USP começa analisando

negativamente o afastamento de Martín-Barbero do campo da comunicação e sua

aproximação da sociologia da cultura, além de atribuir um caráter ultrapassado às ideias

defendidas pelo teórico espanhol-colombiano.

O difícil no paradigma teórico de Martín-Barbero é tentar modernizar a leitura

do processo de comunicação, que exige algo novo, dinâmico, acoplado à

própria dinâmica das novas tecnologias, carregando conceitos envelhecidos

como ideologia, imperialismo, dominação ou hegemonia. (MARCONDES

FILHO, 2008b, p. 71).

Para Marcondes Filho, as conversas do entorno, aquelas que se realizam em interações

posteriores ao contato com o conteúdo midiático, caracterizam um processo distinto da

comunicação. Ele o denomina de prática da sociabilidade e pondera: “são momentos

diferentes” (MARCONDES FILHO, 2008b, p. 73). O autor defende que o fenômeno da

comunicação só pode ser apreendido no instante único em que a recepção ocorre e desde que

promova uma modificação interna, uma emoção, uma sensibilização no indivíduo.

Ainda de acordo com esse pesquisador, as mediações, ou seja, “tudo o que acontece

depois do momento comunicacional é repercussão, é efeito, é reverberação social do fato, não

3 A frase entre aspas é atribuída por Martín-Barbero a J. G. Cantor Magnani, autor de Festa no Pedaço, 1984, p.

138.

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224

mais minha experiência direta com o vivenciado” (MARCONDES FILHO, 2008b, p. 77,

grifo do autor). Observa-se que o tom da crítica envolve questões filosóficas e

epistemológicas da pesquisa em comunicação, uma discussão que o próprio campo trava

desde que foi instituído – ainda é vigoroso o debate sobre a instituição/consolidação da

disciplina.

A teoria das mediações é classificada como demasiadamente abstrata por Jorge Luiz

Cunha Cardoso Filho (2012), que aponta ainda a falta de metodologias para operacionalizá-la.

De acordo com o investigador, “pesquisas recentes estão questionando metodologicamente a

envergadura explicativa da teoria de Martín-Barbero” (CARDOSO FILHO, 2012, p. 172),

especialmente na área de estudos da recepção.

Uma delas provém de Veneza Mayora Ronsini (2010), para quem é fundamental

investir na pesquisa in loco da experiência, que vai delimitar o objeto e método de pesquisa.

“Penso que pode ser prematuro designar a proposta de Martín-Barbero como modelo teórico-

metodológico, pois se trata de uma perspectiva teórica que vem sendo desenvolvida em

termos de sua especificidade no tocante à sua operacionalidade na pesquisa empírica”, coloca

Ronsini (2010, p. 6). De acordo com a pesquisadora, essa fragilidade é superada com a

aplicação de métodos já consagrados nas ciências sociais e humanas.

A relação de críticos inclui ainda Muniz Sodré, que na próxima seção terá sua obra

associada à problemática da mediação por diversos investigadores. Embora reconheça o

indiscutível interesse de pesquisadores do campo comunicacional por esse tema, Sodré (2002,

p. 250) adverte que “o conceito de mediação não consegue ultrapassar a sua enorme

imprecisão cognitiva, já apontada por vários autores, inclusive o próprio Raymond Williams,

uma de suas fontes originárias”. Williams decidiu abandonar o conceito.

Diante de toda essa controvérsia, esta pesquisa adota o entendimento de que a teoria

das mediações se encontra em plena atualização e convive com as peculiaridades impostas por

esse status. O desenvolvimento de estudos que utilizam os pensamentos de Martín-Barbero,

Orozco-Gómes, Martin Serrano, Garcia Canclini e outros teóricos revela a existência de

espaço para a consolidação dessa corrente. Nessa linha, serão expostas a seguir algumas

abordagens de estudiosos que vêm atuando no sentido de fortalecer a inteligibilidade do

fenômeno da mediação.

1.2 Concepções recentes sobre as mediações sociais

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Pesquisas sobre mediações publicadas recentemente têm procurado articular os

conceitos de mediação e midiatização, conduta inevitável diante das características da

sociedade contemporânea. Essa tendência explica, em parte, citações recorrentes a José Luiz

Braga e Muniz Sodré – dois dos expoentes nos estudos sobre midiatização no país – nos

trabalhos mais atuais e acompanha a evolução da perspectiva barberiana.

Gislene Silva (2012), por exemplo, enxerga similaridades conceituais entre a vivência

em um bios midiático e as “mediações dos meios” a que se referia Martín-Barbero. “Na

contemporaneidade, é essa „mediação social tecnologicamente exacerbada‟ que, para Sodré4,

define-se como midiatização, processo com relativa autonomia em face das formas interativas

presentes nas mediações tradicionais” (SILVA, 2012, p. 115). O próprio pesquisador

espanhol-colombiano evoca essa transformação ao constatar que

a mudança foi esta: reconhecer que a comunicação estava mediando todos os

lados e as formas da vida cultural e social dos povos. Portanto, o olhar não se

invertia no sentido de ir das mediações aos meios, senão da cultura à

comunicação. Foi aí que comecei a repensar a noção de comunicação.

(MARTÍN-BARBERO, 2009a, p. 153).

As mediações, que originariamente se concretizariam em ambientes de contato pessoal

– também chamados de formas de vida tradicionais – sofrem, cada vez mais, intervenções da

lógica midiática, tornando indissolúvel a conexão entre mediação e midiatização. O bios

virtual, de Sodré, apresenta-se naturalmente como o espaço contemporâneo onde se

desenvolvem essas complexas relações. Martín-Barbero (2009b) denomina esse novo

ecossistema de “entorno tecnocomunicativo”.

Na mesma linha de pensamento, artigo publicado por Barros (2012) busca inter-

relacionar os conceitos de mediação e midiatização, lembrando que a base da teoria das

mediações está em La Mediación Social, de Martin Serrano5. Ele comenta a mudança de

abordagem de Martín-Barbero, destacando a força ostentada pela tecnologia nas interações

humanas:

E essa reformulação nos permite traçar um paralelo entre os conceitos de

mediação e midiatização. As “mediações comunicativas da cultura” poderiam

4 A frase entre aspas se encontra no livro Antropológica do Espelho e, tanto nas edições de 2002, utilizada por

esta tese, como de 2008, consultada por Silva (2012), se encontra na página 24. 5 Em Dos Meios às Mediações, Martín-Barbero (2003) recorre ao autor espanhol em uma das tentativas de

delinear o conceito. A nota nº 159 da terceira parte da obra, acrescentada imediatamente após o vocábulo

mediação (p. 303), complementa o texto original: “no sentido que o conceito tem em M. Martin Serrano, La

Mediación Social, Madri, 1977” (p. 343).

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ser entendidas como midiatização da cultura. Vale observar que os dois termos

não são conflitantes, já que eles sugerem conotações bem próximas. Enquanto

“midiatização” vem sendo pensada como uma nova forma de sociabilidade,

decorrente de uma lógica midiática, “mediação” traz já de algum tempo o

sentido das interações sociais, que nos dias de hoje se dão essencialmente –

mas não exclusivamente – por intermédio da mídia. (BARROS, 2012, p. 88).

Ao reconhecer que as interações ocorrem preponderantemente por vias midiáticas,

mas não exclusivamente através delas, Barros endossa argumentos de pesquisadores que

relativizam o conceito de midiatização, como Carlos Alberto de Carvalho e Leandro Lage

(2012) e Cláudio Cardoso de Paiva (2012). Como as mediações são agora estudadas no

âmbito da sociedade midiatizada – ou em processo de midiatização –, convém observar como

se configura a apropriação da lógica midiática nas brechas visualizadas por esses autores.

Para Carvalho e Lage (2012, p. 248), “as mediações em ambiente de midiatização

implicam complexos processos de negociação de sentido”. O olhar cauteloso se justifica pelas

considerações a seguir:

Partilhamos da ideia de que o processo de midiatização, a despeito de seu

alicerce tecnológico e da dinâmica avassaladora com que invade os processos

e mediações sociais, ainda é lacunar, pois não prepondera a ponto de suprimir

formas tradicionais de sociabilidade e de atravessar com essa veemência

generalizante a totalidade dos processos comunicacionais. (CARVALHO;

LAGE, 2012, p. 249-250).

Em outras palavras, ainda haveria espaço na atualidade para mediações não

midiatizadas, percebidas fora desse processo de reestruturação social. Os autores chegam a

essa inferência ao avaliar reflexivamente os impactos da midiatização sobre o ambiente

midiático, justamente para verificar eventuais metamorfoses em mediações que envolvem o

fazer jornalístico. Constatam que “as lógicas da mídia não estão imunes às demandas sociais,

que as obrigam a promover mudanças nos seus modos e formas de dar a ver as sociedades em

suas contradições” (CARVALHO; LAGE, 2012, p. 250-251).

Como exemplo, eles apontam que o processo de produção jornalística tem

incrementado a participação do público receptor, seja por meio do estímulo ao “eu repórter”,

seja pela invasão das imagens de procedência amadora, entre outras. Esse fenômeno, inerente

ao processo de midiatização, provoca um rearranjo de papéis na prática cotidiana do

jornalismo, porém, é insuficiente para modificar sua essência. “Mesmo que com novos

participantes, a produção jornalística ainda é submissa a parâmetros e constrangimentos

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organizacionais. Daí porque seria equivocado superestimar o „protagonismo do leitor‟ [...]”,

acrescentam Carvalho e Lage (2012, p. 255). A conclusão do estudo atesta que embora os

sistemas tecnológicos e as formas de interação sejam moldados pela midiatização, os

processos comunicacionais que permitem construir a realidade ainda são organizados e

definidos pela sociedade.

Outro pesquisador que relativiza o fenômeno da midiatização é Paiva (2012, p. 149),

ao lembrar que “do lado de fora da sociedade midiatizada estão os desplugados, os „sem

banda larga‟, os outsiders do século XXI”. Essa categoria, ainda desconectada, provavelmente

vivencia os processos de midiatização e de mediação de forma diferenciada6. Esses indivíduos

estariam excluídos da nova ordem da cultura se for considerado válido o “imperativo da

visibilidade”7, comprometendo efeitos generalizantes da midiatização.

Na perspectiva germânica, a ideia de mediação apresenta uma abordagem mais

abstrata que na América Latina, de acordo com artigo publicado por Marco Toledo Bastos

(2012). O conceito estaria descolado das noções de media e de comunicação “pois seu objeto

é a circulação social dos signos na cultura” (BASTOS, 2012, p. 65). De acordo com esse

pesquisador, estudos alemães inserem a mediação como uma etapa inicial do processo de

midiatização, que se manifesta sempre que os veículos de comunicação de massa se

transformam em fonte principal de informação em determinado recorte social. Esse processo

avança na medida em que as audiências vão se tornando dependentes da mídia.

Com isso, o entendimento das mediações praticado na América Latina, que

remete a processos de negociação de significado e sentido entre produtores e

consumidores de media, ou à maneira como temas e debates são

reconfigurados após circularem nos meios de comunicação, é objeto de

controvérsia em outros contextos acadêmicos. (BASTOS, 2012, p. 71).

Outra concepção relativamente recente de mediação é apresentada por Sodré (2002,

2006), que comumente vincula o conceito a instituições sociais, como família, escola, igreja,

6 Apenas como dado ilustrativo – já que esses índices se desatualizam rapidamente – a Pesquisa Brasileira de

Mídia 2015 (PBM 2015), divulgada em dezembro de 2014, aponta que 48% dos brasileiros utilizam a internet

regularmente, o que equivale a dizer que 52% ainda não se conectam com regularidade. A mesma pesquisa,

encomendada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e executada pelo Ibope, revela

que 95% da população assistem televisão e 55% ouvem rádio. Disponível em:

http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-

atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf. Acesso em: 3 jul. 2015. Para dados de vários países, vale

conferir levantamento do Banco Mundial, atualizado em 2013 e disponível em:

http://data.worldbank.org/indicator/IT.NET.USER.P2. Acesso em: 3 jul. 2015. 7 Conceito atribuído à pesquisadora argentina Paula Sibilia que significa a necessidade de exposição pessoal na

sociedade contemporânea, na linha de que para “existir” é necessário “ser visto” na internet.

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sindicato, partido, entre outras. De acordo com esse pensador, as mediações estão

condicionadas a bases materiais, “que se consubstanciam em instituições ou formas

reguladoras do relacionamento em sociedade” (SODRÉ, 2002, p. 21). Essas instituições

acabam por orientar práticas de conduta que mobilizam as consciências individuais e

coletivas. “Valores e normas institucionalizados legitimam e outorgam sentido social às

mediações”, acrescenta Sodré (2002, p. 21). Quatro anos depois, o pesquisador arrisca uma

definição mais direta:

Mediação é o ato originário de qualquer cognição, porque implica o trânsito

ou a “comunicação” da propriedade de um elemento para outro, por meio de

um terceiro termo. Este terceiro é precisamente o signo, um meio de articular

dois elementos diversos, por exemplo, um objeto e uma ideia interpretante.

(SODRÉ, 2006, p. 91).

A noção de prática vinculatória de Martín-Barbero está presente no conceito proposto

por Sodré, embora não o restrinja. Ao relacionar mediações a instituições reguladoras dos

relacionamentos sociais, o pesquisador brasileiro sugere uma articulação que estabelece

sentidos apriorísticos para determinadas interações, algo semelhante à noção de gêneros e

tipos de discurso estudada no capítulo anterior.

Depois de problematizar a teoria das mediações, esta tese passa a considerar, para a

análise da hipótese, as seguintes perspectivas: a) a centralidade das relações humanas no

processo comunicacional (coadunável com a pesquisa sobre comunicação face a face); b) a

negociação de sentidos em relação à ambiguidade do discurso midiático e da vivência em

determinado espaço geográfico; c) a concepção de que o receptor é sujeito ativo em qualquer

processo comunicacional; d) a existência de códigos de interpretação instaurados pela

instância mediadora (no caso, regras pré-estabelecidas para ocupação de um espaço físico)

como forma de controle social; e e) a relativização do processo de midiatização em alguns

espaços geográficos e sua relação com a função mediadora desse cenário.

O espaço físico não será considerado uma mediação em si, a despeito dessa

possibilidade aberta pela interpretação que Signates oferece sobre a obra de Martín-Barbero.

Essa decisão se baseia na falta de consistência teórica para sustentar tal proposição, já que as

pesquisas mais recentes envolvendo a teoria das mediações apontam para outras direções.

Ademais, o próprio Signates (2006, p. 76) alerta para a tendência inquietante de se considerar

tudo como mediação:

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Afinal, se a noção de mediação se tornar um conceito do tipo guarda-chuva,

que permita levar até a mais simplória das totalizações – tudo é mediação

(logo, nada o é) – todo o valor heurístico propiciado pela abertura de suas

possibilidades pode redundar apenas em generalizações sem qualquer

utilidade teórica.

No entanto, para a análise aqui empreendida, será considerado o papel mediador dos

lugares geográficos, ou seja, as formas como esses locais interferem na construção de sentidos

durante o processo de interação face a face. Será discutido também até que ponto esses

espaços são vivenciados ou idealizados através da mediação dos meios, especialmente no

ambiente de interação Pantanal, em que a mídia concorre para a construção simbólica de

cenários. A ideia é verificar se a negociação de sentidos durante a experiência desenvolvida

localmente afeta a regulação da liberdade de expressão.

2. O espaço geográfico como parte integrante do contexto

Já foi dito, em diversos momentos desta pesquisa, que o contexto se configura como

elemento essencial para a construção de sentidos durante a comunicação face a face. As trocas

verbais ou não-verbais que formatam a interação presencial são sensíveis às condições que

demarcam a interlocução: o tempo, o espaço, os gestos, as vestimentas, a história, enfim, uma

série de propriedades que interferem na caracterização e na condução do encontro. Estudiosos

de Palo Alto, em meados do século passado, já identificavam essa interferência: “o contexto

pode ser mais ou menos restritivo, mas determina sempre as contingências, em certa medida”

(WATZLAWICK; BEAVIN; JACKSON, 2007, p. 120, grifo dos autores).

Este capítulo seleciona um elemento contextual, o espaço geográfico, para verificar

sua função mediadora em situações envolvendo a comunicação face a face. O espaço físico é

objeto de estudo da geografia e trata-se de um conceito em constante evolução. A princípio, a

ciência vinculava espaço à noção de área, de superfície terrestre. Com o tempo, a definição

evoluiu a passou a considerar as relações humanas que afetam essa superfície, especialmente

aquelas envolvendo questões econômicas, políticas e simbólico-culturais (BRAGA, 2007).

A geografia diferencia os conceitos de espaço, lugar, território, ambiente, paisagem e

região. Nesta pesquisa, no entanto, espaço geográfico, espaço físico e os demais termos

citados acima serão tomados como sinônimos e no sentido amplo, sem a precisão conceitual

daquela área de conhecimento. Será denominado espaço a área física, palpável, mensurável,

natural ou artificial, que serve como cenário para as interações sociais.

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Para alguns investigadores, as intervenções do espaço físico na comunicação

organizacional são consideradas evidentes. É o caso de Antonio Lucas Marín (1997, p. 106,

tradução nossa):

[...] pensando nas organizações, a comunicação entre as pessoas está muito

influenciada pelo ambiente físico e social em que ocorrem. O ambiente físico

onde se desenvolve a organização não é indiferente à relação comunicativa,

elementos arquitetônicos, decoração, distribuição de espaços, limpeza, etc.,

podem resultar em obstáculos ou facilidades para a comunicação entre as

pessoas.

Muito provavelmente por perceber esse diferencial, a empresa Nivea adotou, em seu

plano de reestruturação para reduzir a rotatividade, mencionado no capítulo anterior,

mudanças em suas instalações. Até o ambiente físico sofreu modificações. Localizada na

capital paulista, a Nivea ocupa dois andares muito charmosos, com direito a orquídeas

espalhadas por toda a área. Esse capricho também entra como plano de ação para segurar

seus talentos, informa a matéria Virando o Jogo8.

É patente que a avaliação do espaço como elemento mediador para a comunicação

organizacional extrapola os cuidados com a decoração. Algumas questões inter-relacionadas

se apresentam como essenciais para essa discussão, como o controle do cenário onde ocorre o

encontro e o nível de transparência que se pretende exibir.

Ao avaliar as representações de fachada e de fundo, Erving Goffman (2011a) explica

que o domínio do cenário pode propiciar à equipe responsável uma sensação de segurança,

pois cabe a ela a condução do processo:

Em muitas situações importantes, porém, o ambiente social no qual a

interação se realiza é montado e conduzido por uma das equipes somente, o

que contribui de modo mais íntimo para o espetáculo que esta equipe exibe do

que para o da outra, em resposta ao da primeira. Um freguês numa loja, um

cliente num escritório, um grupo de visitas numa casa, são pessoas que se

revestem de uma representação e mantêm uma fachada, mas o cenário no qual

fazem isso está fora de seu controle imediato, sendo parte integrante da

apresentação organizada por aqueles a cuja presença compareceram.

(GOFFMAN, 2011a, p. 89).

Em algumas situações de interação, o comando dessas operações é assumido por

atores pré-determinados: os anfitriões, ao recepcionarem convidados; os chefes, ao

8 Disponível em: http://flaviofausto.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html. Acesso em 28 jun. 2015.

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convocarem seus subordinados para uma reunião; o gerente, ao receber consumidores na loja

que administra; o diretor teatral, ao apresentar sua peça à plateia. “Julga-se muitas vezes que o

controle do cenário é uma vantagem durante a interação. Em sentido estrito, esse controle

permite à equipe introduzir dispositivos estratégicos para determinar a informação que o

público é capaz de adquirir” (GOFFMAN, 2011a, p. 90). Se por um lado, o domínio

representa uma vantagem, o autor aponta os riscos inerentes a essa exposição:

Certamente é preciso pagar um preço pelo privilégio de realizar uma

representação na própria casa; a pessoa tem a oportunidade de transmitir

informações a seu próprio respeito por meios cênicos, mas nenhuma

oportunidade de esconder as espécies de fatos transmitidos pelo cenário.

(GOFFMAN, 2011a, p. 92).

Receber com certa regularidade interlocutores “na própria casa”, que, no contexto

organizacional se traduz por qualquer instalação física que represente a institucionalidade

empresarial – seja uma sala, um auditório, um barracão, uma plataforma de petróleo, uma

mina, um templo ou uma fazenda –, implica a adoção de uma política de portas abertas. Na

década de 1980, a organização Rodhia se notabilizou por apostar nessa estratégia.

A experiência está relatada no livro Portas Abertas, que revela a transformação na

cultura organizacional da empresa, até então refratária à exposição pública e indiferente ao

incremento dos relacionamentos com seus stakeholders. Um plano de comunicação,

elaborado pela equipe do jornalista e relações públicas Walter Nori, propôs mudanças

profundas na forma de a organização se apresentar. O presidente passou a ter um

relacionamento próximo da mídia e a se posicionar publicamente diante de assuntos de

interesse do setor e da empresa. A abertura envolveu também a área física. De acordo com

Célia Valente e Walter Nori (1990), foi adotada a prática do open house9 e a Rodhia passou a

receber grupos de visitantes em suas instalações.

Para Ferreira, que estudou a prática do diálogo social adotada pela concessionária

Ampla no Rio de Janeiro,

9 A literatura sobre a prática do open house é limitada no Brasil. Alguns autores chamam essa iniciativa de

visitas dirigidas, press tour ou press trip: a organização convida públicos de interesse (geralmente jornalistas)

para visitar suas instalações e manter um contato mais próximo com os dirigentes. Ocorrem com frequência nas

áreas de lazer, turismo e indústrias automotivas. Alguns setores têm utilizado essa ferramenta de comunicação

organizacional como forma de divulgação de informações estratégicas e/ou para estabelecer relacionamentos

mais estreitos com a mídia.

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há um aspecto positivo no fato de a empresa abrir as portas para as lideranças,

ela cria a sensação de transparência, ela deixa que parte de sua rotina

operacional seja conhecida e desmistifica algumas dimensões de seus

processos, torna viva e tangível a empresa; povoa de rostos e lugares a

imaginação coletiva, ela se dá a conhecer, assim como em visitas guiadas

feitas, há muitos anos, por fábricas como a Garoto, a Kibon, a CPFL e tantas

outras que abrem suas portas. (FERREIRA, 2011, p. 289-290).

O lado positivo da exposição de bastidores durante as conversas presenciais não inibe

a discussão sobre a possibilidade de constrangimento de interlocutores em espaços visitados.

Essa limitação de liberdade ou sensação de embaraço vivenciada em determinados ambientes

pode estar menos associada às características físicas do local e mais às regras pré-

estabelecidas de uso e ocupação de espaços, algo semelhante ao que Martin Serrano

denominou de códigos nos processos de mediação por ele estudados.

2.1 Regras restritivas para uso do espaço e seus efeitos constrangedores

As visitas que profissionais da Embrapa fizeram aos veículos de comunicação da

região Sudeste em 2010 e 2011, como atividade do projeto Construção da Imagem da

Pecuária Sustentável do Pantanal, foram marcadas por demonstrações de acolhimento,

respeito, consideração e, simultaneamente, pela vivência de certo desconforto. Os anfitriões

cumpriram seus papéis dentro dos padrões previstos da etiqueta profissional, porém, os

lugares visitados exprimiam uma carga contextual restritiva.

Redações não parecem projetadas para receber visitas. Em geral, nos grandes centros

elas estão instaladas em espaços amplos, mas com alta densidade de ocupação, o que

transmite a ideia de aperto. Cada jornalista ocupa sua bancada, mesa ou baia, com

computador, telefone, canetas e papeis. O número de cadeiras é proporcional ao de

profissionais, exigindo que convidados permaneçam em pé ou encontrem cadeiras disponíveis

pertencentes a jornalistas em horário de folga ou em entrevistas fora da redação. A pressão do

deadline é outro fator recorrente, explícito no ambiente, assim como a agitação típica do

trabalho de apuração jornalística. Essas condições inviabilizam a redação como espaço para

uma conversa tranquila.

Embora esse tenha sido o cenário frequente encontrado durante os contatos em São

Paulo e Rio de Janeiro, houve situações em que as visitantes foram convidadas a ocupar uma

mesa de reuniões – um pouco mais afastada do burburinho dos repórteres –, e a continuar a

conversa em uma cafeteria no andar térreo do edifício de um dos jornais e em um restaurante

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nas redondezas de outro. Foram tentativas dos anfitriões para driblar o alvoroço do local de

trabalho. O código mediador implícito no ambiente redacional direciona os diálogos para a

finitude, pois o tempo é sempre escasso para jornalistas. A sensação de embaraço, nesses

casos, esteve associada a essas regras de ocupação de um território conjugadas às instalações

propriamente ditas.

Regulações do ambiente também são apresentadas por Sennet (2002, p. 108-109 apud

CORTEZ, 2010, p. 308) ao avaliar a função social dos cafés europeus nos séculos 17 e 18,

enquanto espaços de comunicação confiável:

A fim de que as informações fossem as mais completas possíveis,

suspendiam-se temporariamente todas as distinções de estrato social; qualquer

pessoa que estivesse sentada num café tinha o direito de conversa com quem

quer que fosse, abordar qualquer assunto, quer conhecesse as outras pessoas,

quer não, quer fosse instada a falar, quer não. Era desaconselhável fazer

referência às origens sociais das pessoas com quem se falava no café, porque

isso poderia ser obstáculo ao livre fluxo da conversa.

Observam-se, nitidamente, os diferentes graus de restrição impostos pelos espaços da

redação e do café. Os códigos que regulam um e outro imprimem normas de conduta, que

podem afetar os participantes das interações de forma antagônica, estimulando posturas mais

espontâneas e relaxadas ou mais rígidas e tensas. Outra contribuição nesse sentido vem de

Goffman (2011b, p. 106-107), ao pesquisar os domínios do constrangimento articulados com

relações hierárquicas em uma organização:

Em muitos estabelecimentos grandes, jornadas de trabalho escalonadas,

cafeterias segregadas e medidas semelhantes ajudam a garantir que aqueles

que têm posições distintas e estão próximos em um conjunto de relações não

terão que se encontrar em situações fisicamente íntimas quando deveriam

esperar manter a igualdade e a distância. Entretanto, a orientação democrática

de alguns de nossos estabelecimentos mais recentes tende a juntar membros de

posições diferentes da mesma equipe de trabalho em lugares como a cafeteria,

o que causa desconforto. Não há como eles agirem de forma a não perturbar

um dos dois conjuntos básicos de relações que eles têm uns com os outros. É

muito provável que essas dificuldades ocorram em elevadores, pois neles

indivíduos que não se sentem exatamente confortáveis para conversar

precisam passar um tempo juntos demais para ignorar a oportunidade de

conversas informais – um problema que alguns, é claro, resolvem através de

elevadores executivos especiais. O constrangimento, então, é incorporado

ecologicamente ao estabelecimento.

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A ideia de constranger está vinculada a de tolher a liberdade, cercear e até coagir. A

definição de constrangimento vem da psicologia social e indica um estado emocional ligado à

ansiedade gerada em função do reconhecimento da expectativa alheia durante uma situação de

interação real ou imaginária. Para Valdiney Gouveia et al (2005, p. 232), “o constrangimento

pode ser percebido como o resultado da preocupação que as pessoas manifestam acerca do

seu comportamento observado e o desejo de agir segundo as expectativas e os interesses dos

demais”.

Os reflexos do constrangimento podem ser psicológicos e fisiológicos, conforme

apontam Gouveia et al (2005, p. 232): “os comportamentos que o evidenciam são comumente

acompanhados por rubor, sorriso nervoso, redução do contato visual e sinais evidentes de

nervosismo”. Também Goffman (2011b, p. 95) relaciona sinais visíveis em situações de

constrangimento extremo: “enrubescimento, balbucios, gaguejar, uma voz estranhamente

aguda ou grave, a fala trêmula ou entrecortada, suor, palidez, piscadelas, tremor das mãos,

movimentos hesitantes ou vacilantes, distração e disparates”. Para o autor, em caso de

desconcertos leves esses sinais podem se tornar imperceptíveis.

Mais importante que os sintomas, para a verificação da hipótese, é desvendar possíveis

fatores que favoreçam o embaraço ou comprometam a liberdade de expressão. A metodologia

aplicada no estudo de Gouveia et al, que avalia a relação entre o constrangimento e

autoimagem, levanta uma série de circunstâncias sociais que podem desencadear sensações

desconcertantes e, embora a análise considere a situação de interação, observa-se que algumas

proposições contemplam espaços físicos específicos10

. A explicitação dessas situações é

crucial para demonstrar que o papel mediador do território, por si só, pode não explicar de

modo suficiente o constrangimento: é preciso examinar também as regras sociais pré-

estabelecidas (código) para sua ocupação e as circunstâncias envolvendo a interação em si.

Esse conjunto de elementos contextuais determina a ocorrência ou não de situações

desorientadoras.

De acordo com Goffman (2011b), as identidades sociais e o ambiente determinam os

tipos adequados de conduta para cada situação de interação. O autor apresenta ainda uma

classificação para os eventos embaraçosos, dividindo-os em incidentes constrangedores

abruptos e situações desagradáveis ou desconfortáveis. Os primeiros corresponderiam a

ocorrências agudas, marcantes e geralmente de menor duração, enquanto os últimos seriam

10

Alguns exemplos previstos na metodologia atribuída a Theodore M. Singelis: tropeçar e cair num lugar

público; abrir a porta de um banheiro público e descobrir que já está ocupado; estar provando uma roupa em um

provador e alguém entrar e lhe ver em roupa íntima; sair para jantar com alguém muito especial e seu antigo(a)

noivo(a) se sentar na mesa do lado, entre outros (GOUVEIA et al, 2005).

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representados por um embaraço contínuo – podendo perdurar do início ao final do encontro –,

de teor mais leve e envolvendo reações pouco perceptíveis. Essa categorização é pertinente

por introduzir uma espécie de mensuração do nível de constrangimento.

Avaliadas as possíveis causas e os diferentes graus de desconforto, torna-se importante

acrescentar que, apesar de o desconcerto afetar um indivíduo ou grupo de indivíduos em uma

dada situação, outros interlocutores estarão impreterivelmente envolvidos na cena

constrangedora, na condição de espectadores. A teoria de Goffman esclarece que os

participantes da interação tendem a buscar uma posição de equilíbrio para salvar o encontro

com os menores prejuízos possíveis às fachadas de todos os presentes.

2.2 Espaços de vivência x espaços mediados pela mídia

Revistas especializadas em carreiras e empregos colocam em circulação discursos que

formatam o imaginário coletivo a respeito das melhores organizações para se trabalhar e até

sobre a figura heroica do executivo, conforme demonstrado no capítulo 6. Da mesma forma, a

mídia produz conteúdos acerca de lugares considerados exóticos, como a Amazônia e o

Pantanal, perpetuando idealizações construídas a partir de um número reduzido de

perspectivas. O processo de midiatização incrementa esse tipo de mediação e justifica um

debate, ainda que breve, sobre experiências vividas e mediadas.

Marcondes Filho (2008a, p. 77) alerta para uma espécie de fechamento do universo

imaginário oriundo desse abastecimento midiático:

Os produtos culturais que trabalham com imagens (filmes, televisão) trazem

um imaginário já pronto. Quando eu assisto a uma cena da Índia, do Alasca,

de Ruanda, eu já não fabrico mais na minha cabeça esse imaginário, eu apenas

instalo essas imagens em meu repertório e elas passam a ser as imagens

referência desses temas, elas se sobrepõem às minhas fantasias, se eu já as

tinha anteriormente.

Ao se tornarem referência, os discursos ou imagens mediados pelos veículos de

comunicação permitem que o interlocutor que não conhece ou vivencia os objetos

apresentados estabeleça um tipo diferente de experiência – o sujeito se aproxima do conteúdo

mediado sem se afastar do contexto em que se encontra: uma sala de cinema ou TV, uma

biblioteca, uma redação, um carro, o ambiente de trabalho etc.

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O espaço e os lugares representam obstáculos intransponíveis: não posso, a

distância, sentir o clima, o cheiro, conhecer os costumes e os modos de vida.

Isto requer deslocamento e tempo a cada vez. O que se conquistou, de um

lado, se perde outra vez de outro. Embora as técnicas de comunicação

permitam “ver”, elas não permitem sentir. Existe simplesmente um limite, a

“experiência cognitiva”. Velho debate filosófico e teológico... (WOLTON,

2004, p. 75).

Diferentes tipos de experiência vêm sendo estudados por pesquisadores de vários

países. O próprio Wolton, na França, procura desvendar as particularidades da vivência não

mediada, aquela que exige o confronto com a alteridade. “O que é a experiência humana? O

contrário da comunicação midiática ou da Internet. Ela exige tempo, não é nem comunicável

nem reprodutível, resulta na maioria das vezes de fracassos e depende de fatores não

dominados” (WOLTON, 2004, p. 393). O autor enxerga uma distância cada vez mais

acentuada entre o mundo da experiência e a comunicação.

Também na França, Louis Quéré (2010) aponta para uma abordagem pragmática de

experiência. De acordo com esse estudioso, apesar da dificuldade de conceber uma

experiência sem relacioná-la a alguém, o conceito deve ser investigado a partir da

impessoalidade.

A experiência é impessoal e objetiva, portanto a-subjetiva, e sua

personalização e subjetivação se fazem através de uma apropriação: o

processo impessoal que é a experiência se torna “minha” experiência por uma

interpretação ou um ato retrospectivo de apropriação, geralmente no contexto

de interações sociais em que se coloca a possibilidade de reivindicar ou

atribuir uma responsabilidade. A experiência desaparece nessa apropriação.

(QUÉRÉ, 2010, p. 19).

Assim como Wolton, Quéré trabalha a singularidade das sensações. Ele explica que a

vivência é um componente da experiência e adverte para as armadilhas ao tentar descrevê-las.

De acordo com o autor, sensações podem ser expressas, porém, são indescritíveis pela

linguagem. Como exemplo, coloca a impossibilidade de se transmitir através do relato o

aroma do café e a dor de dente, sensações de ordem privada que apenas o eu pode sentir. “[...]

Em se tratando de minhas sensações ou de meus sentimentos, eles me são imediatamente

acessíveis, e só o são para mim, enquanto o outro não pode mais que adivinhá-los, supor ou

descobrir através de sua expressão (em meu rosto, por exemplo)” (QUÉRÉ, 2010, p. 23-24).

Assim, na perspectiva desse pensador, a sensação de ocupar determinado ambiente poderia

ser sentida, mas não descrita.

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Na Alemanha, uma das palavras utilizadas nas pesquisas sobre experiência é Erlebnis,

que remete à ideia de unicidade, de algo que não pode ser reproduzido, transmitido ou

comunicado a outrem:

A Erlebnis poderia ser traduzida como vivência, um tipo de saber que não está

relacionado à condução da Razão, mas com a contingência e as circunstâncias

do indivíduo no mundo, de modo que cada um possui a sua própria vivência.

Esta não é verificável, tampouco pode ser reproduzida mediante

procedimentos, seu domínio é o da tradição e da finitude. (CARDOSO

FILHO, 2008, p. 138).

Ao estudar a relação entre o uso social dos meios e processos de midiatização,

Cardoso Filho (2012, p. 179) aborda as formas de apropriação de gêneros culturais por meio

da vivência: “[...] aquele que faz/padece da experiência pode não só acionar o convencional

como também atentar para a singularidade que se estabelece naquela interação específica e,

desse modo, fazer aparecer elementos ainda não previstos, perspectivas desviantes”. O

convencional seriam os elementos identificáveis de um gênero cultural, enquanto o teor

particular só seria passível de apreensão nas experiências. Ao convidar jornalistas e estudantes

para a imersão no Pantanal, a Embrapa buscava ampliar as perspectivas de produção de

conteúdo para além daquelas convencionais, exibidas rotineiramente pela mídia.

Um dos teóricos que mais se dedica a desvendar as diferenças entre a experiência

vivida e a mediada é Thompson. Segundo ele, que igualmente recorre ao termo Erlebnis para

sustentar sua definição, a experiência de vida “é também uma experiência situada, no sentido

de que a adquirimos em contextos práticos da vida cotidiana. São atividades práticas de nosso

dia-a-dia e de nosso encontro com outros em contextos de interação face a face que lhe dão o

conteúdo” (THOMPSON, 2008, p. 197).

O autor pontua que a comunicação mediada estabelece um novo tipo de experiência.

Além de o sujeito não se deslocar no tempo e no espaço do contexto onde consome o

conteúdo transmitido, Thompson (2008, p. 200) acrescenta que “os indivíduos podem ter

experiências similares através da mídia sem compartilhar os mesmos contextos de vida” ao

terem acesso comum a formas mediadas de comunicação.

As inferências do autor podem ser úteis para descrever ocorrências possíveis, por

exemplo, envolvendo pessoas que visitam lugares considerados exóticos ou distantes (dos

grandes centros urbanos):

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Tão profunda é a medida em que a nossa compreensão do mundo foi

modelada pelos produtos da mídia hoje que, quando viajamos pelo mundo

para lugares mais distantes como visitante ou turista, nossa experiência vivida

é muitas vezes precedida por um conjunto de imagens e expectativas

adquiridas através de nossa prolongada exposição aos produtos da mídia.

Mesmo naqueles casos em que a nossa experiência de lugares distantes não

coincide com nossas expectativas, o sentimento de novidade ou surpresa

muitas vezes confirma o fato de que nossa experiência vivida foi precedida

por uma série de ideias preconcebidas e derivadas, pelo menos em parte, das

palavras e imagens transmitidas pela mídia. (THOMPSON, 2008, p. 38-39).

Duas considerações são necessárias para complementar o pensamento de Thompson.

A primeira: embora as concepções do autor tenham sido elaboradas levando em conta apenas

os meios de comunicação de massa, suas ideias podem ser válidas igualmente para o conteúdo

convencional que circula no ambiente digital11

. Segunda: a construção do imaginário pela

mídia parece mais palpável quando se refere a territórios distantes e desconhecidos, porém, o

mecanismo funciona de modo semelhante quando a mídia cria padrões (ou estereótipos) para

definir cenários urbanos e mais próximos. Telenovelas e propagandas se apropriam

costumeiramente desses modelos.

Não é apenas a dicotomia distante/próximo que incorpora funções mediadoras na

construção de imaginários. Graziela Bianchi (2011, p. 134) apresenta discussão semelhante

nas experiências concretizadas em ambientes rurais e urbanos:

A vivência experimentada em um cotidiano urbano é muito distinta da

percebida no contexto rural, são outras temporalidades, outras maneiras de se

encarar o trabalho, as relações e, em muitos casos, de se relacionar com os

meios de comunicação. É, com certeza, uma relação de “estranhamento”

vivida, na qual estão presentes ritualidades e experiências com as quais não se

está acostumado.

Em função dessa disparidade, os estudos envolvendo a comunicação face a face em

espaços urbanos, como a sede da Embrapa Soja instalada em Londrina (PR) e a

concessionária Ampla em cidades do Rio de Janeiro, terão um enquadramento distinto das

experiências vivenciadas na fazenda pantaneira12

. Outra divisão que suscita reflexões por

11

Reitera-se que o conteúdo convencional é aquele que carrega elementos identificáveis de um gênero cultural,

podendo estar condicionado ou não à mediação exercida pelos meios de comunicação. É possível que a restrição

de estereótipos imposta pela mídia se manifeste também na produção de conteúdos caseiros. Caberiam estudos

específicos para detalhar os confrontos de diferentes mediações sobre a elaboração e publicação de conteúdos

digitais (caseiros e profissionais), bem como a respeito da massificação desse conteúdo. 12

Outra característica marcante que diferencia as empresas é sua natureza jurídica: pública ou privada. Uma

organização pública como a Embrapa, que não visa diretamente o lucro, exercerá outros tipos de mediações

sobre seus relacionamentos e seus processos.

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direcionar o entendimento do papel mediador do território é o antagonismo

conhecido/desconhecido.

Se lugares como Pantanal e Amazônia nunca foram visitados por uma parcela

majoritária da população, para os habitantes e frequentadores daquelas regiões eles se tornam

a referência e o estranho passa a caracterizar os outros espaços. Essa relativização de

perspectiva, por vezes ignorada por moradores dos grandes centros urbanos, representa

significativas diferenças na análise das mediações.

Em geral, o conhecido acalma enquanto o desconhecido assusta. Essa associação

explica a conduta de grandes redes hoteleiras ao adotar o mesmo padrão arquitetônico em

diferentes países com culturas diversas. Wolton (2004, p. 75-76) investiga essa relação:

Por que os hotéis internacionais são sempre tão idênticos, com um simples

toque de cultura local no âmbito da cozinha e da decoração interna? Por razões

econômicas, obviamente, mas também para garantir aos clientes um mínimo

de padronização, de referenciais, para tranquilizar aqueles que estão longe de

casa. A padronização da hotelaria internacional, além dos custos, é um meio

cultural oferecido aos que viajam para que não se sintam muito “deslocados”.

Eles estão em um ambiente seguro, que lhes permite abordar mais facilmente

o outro quando saem do hotel. Essa padronização facilita a previsibilidade que

é, como se sabe, uma das condições da comunicação; o outro é sempre menos

ameaçador quando podemos antecipar o seu comportamento.

Obviamente, existem turistas que preferem o novo, o desconhecido e o diferente

justamente para fugir do habitual. São sujeitos dispostos a viver experiências únicas e se

expor às mediações, correndo o risco de constrangimentos. Alguns dos jornalistas que

estiveram no Pantanal participando do projeto de comunicação da Embrapa tiveram a

oportunidade de confrontar a versão da planície construída pela mídia – e que dominava seus

imaginários – com a vivência naquele ambiente. Em depoimentos, os convidados relatam a

diferença entre produzir a reportagem no local e por meio do uso de tecnologias.

Jornalista A: Na minha opinião, há uma grande diferença entre estar no local e

fazer a matéria por telefone, internet ou qualquer outro meio a distância. Ter

passado um tempo na fazenda com certeza ampliou muito a minha percepção

sobre o que é o trabalho da Embrapa. Mesmo que por uns poucos dias, eu vivi,

conversei, dormi, comi e acordei naquela realidade, e vi o quão complexo é

todo o trabalho. E eu confesso que fiquei muito impressionada. Achei incrível

todas as privações que os pesquisadores passam (falta da comida favorita, de

energia elétrica, de conforto...), tudo para conseguir fazer um trabalho legal e,

claro, inviável em outro lugar. São tantos os exemplos legais: a Marcelle

acordando às 4h pra procurar os veados campeiros que ela pesquisa, a Sandra

enfrentando tudo para divulgar a importância do Tucura, o Urbano indo até as

fazendas da região para conversar com os produtores... Até o pessoal que saía

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de madrugada para procurar jacaré e carrapato! Quando a gente está na

redação, não tem a percepção do todo. Muitas vezes, quando recebemos um

relatório, não temos muita noção de todo o trabalho por trás da pesquisa.

Achei que a visita me fez perder um pouco isso. Deu pra perceber que os

números – da Embrapa ou de qualquer outra instituição de pesquisa– não são

geração espontânea. Têm muito suor, sacrifício e picadas de mosquito!13

.

Jornalista B: A diferença entre as diferentes formas de fazer uma entrevista é

visível. Por e-mail, a meu ver, é a pior delas. O repórter não tem controle

sobre quando o entrevistado responderá, nem pode rebater o que foi escrito

com novas perguntas. O telefone é um modo tão prático quanto apressado.

Muitas vezes o entrevistado limita-se a dizer o que lhe foi perguntado, mesmo

que tenha como apresentar novas revelações. O "ao vivo" exige mais

investimento das redações, mas, a meu ver, ao menos em grandes reportagens,

este investimento compensa. Ainda mais quando a pauta é sobre um bioma

como o Pantanal. Um repórter que conhece o lugar sobre o qual escreve fará

uma matéria incomparavelmente melhor do que aquele que não saiu da

Redação. A visita vai lhe dar intimidade com o tema.

Os autores dos próximos depoimentos destacam elementos da comunicação não

verbal, como os cheiros e a troca de olhares, além dos reflexos que essa experiência trouxe

para suas vidas profissional e pessoal:

Jornalista C: Complexo, misterioso e imprevisível, o Pantanal impõe a

qualquer jornalista que se disponha a escrever sobre ele o desafio de entendê-

lo, ainda que superficialmente. Sem que a lógica do regime de inundações do

bioma seja minimamente entendida, o desafio de escrever uma reportagem

pantaneira torna-se praticamente impossível. Para que essa lógica seja

contemplada, é indispensável que o jornalista tenha algum contato com a

região e seus moradores e especialistas, experientes no trato com as cheias e as

estiagens que definem o próprio desenvolvimento econômico-social de

municípios e regiões dos Estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. No

meu caso específico, foi uma experiência fantástica passar uma semana no

Pantanal, dos pontos de vista profissional e pessoal. Não conhecia o bioma e

os contatos que pude fazer durante a viagem, a convite da Embrapa Pantanal,

renderam resultados que serão fundamentais para o futuro da cobertura da

editoria de Agronegócios do jornal [...] relacionada à região.

Jornalista D: Não se faz reportagem – como a propiciada pela Embrapa

Pantanal – por telefone. É imprescindível que o repórter esteja no local dos

fatos. Até em matérias mais comuns é importante a presença do repórter.

Informações por telefone, apenas as essenciais, breves, no fechamento da

edição ou que ocorram em locais bem distantes da redação (em outra cidade,

por exemplo). O repórter tem que amassar barro, comer poeira, sentir cheiro,

ter o sol, a chuva e a lua como testemunhas. Sentir o ambiente, o que é bom, o

que não é. O repórter é como um aluno de escola. Se não tiver entendido a

lição, irá mal na prova. Se assimilar bem a lição (o assunto) certamente vai

fazer boa matéria. É bom olhar nos olhos do entrevistado, ver como se veste,

13

Os e-mails dos quatro jornalistas foram enviados, respectivamente, em 13 out. 2010; 5 nov. 2010; 14 out. 2011

e 3 nov. 2011, todos para o endereço [email protected].

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como se porta, sua índole, como fala, testar seus conhecimentos. Como

domina o assunto. Na matéria pelo telefone, embora resolva muitas vezes, não

há essa possibilidade. E, na maioria das vezes, não se obtém grande qualidade.

A menos que o repórter, em outra ocasião, tenha “olhado” e “cheirado” o

evento. Enfim, o repórter é como cobra: se não andar, não engole sapo.

As descrições dos jornalistas se inscrevem na esfera da tentativa, como preconiza

Quéré (2010), já que as sensações vividas por eles foram incorporadas a seus repertórios e não

podem ser reproduzidas ou compartilhadas. De qualquer modo e em alguma medida, observa-

se uma sensibilização; elementos mediadores do espaço físico atuam na relação dos

convidados com o próprio fazer jornalístico. A experiência marca, assim, uma ruptura entre a

concepção do local mediada pelos veículos de comunicação e aquela vivenciada

presencialmente. O imaginário é ressignificado.

Antes de apresentar mais detalhes da função mediadora da paisagem no Pantanal, a

pesquisa segue com experiências organizacionais envolvendo o espaço físico e a comunicação

face a face em duas organizações: a Ampla e a Embrapa Soja, estudadas respectivamente por

Ferreira (2011) e Martins (2012).

3. A força mediadora do lugar na comunicação organizacional

A percepção de que o espaço físico interfere nas relações entre dirigentes e

empregados é detectada na tese de Martins (2012), desenvolvida na Embrapa Soja. O

ambiente de trabalho, em geral, reúne atores de diferentes níveis hierárquicos. Desse modo, a

análise do papel mediador do espaço geográfico deve considerar também o tipo de relação

envolvida nas interações.

Ao estudar o uso da oralidade na comunicação interna da organização, a pesquisadora

pergunta aos funcionários se o local teria algum tipo de influência na qualidade do processo

comunicativo. Cerca de metade deles (51%) – número equivalente a 82 respondentes – avalia

que sim e levanta questões interessantes, como a dicotomia formalidade/informalidade. Há

um entendimento de que informações sérias e oficiais precisam ser transmitidas em ambientes

adequados e que repreensões ou orientações técnicas devem ocorrer em lugares reservados.

Funcionários da organização mencionam que a espontaneidade depende do local e

que, em função do espaço, alguns diálogos podem não fluir como deveriam. Também

apontam como obstáculos à conversa oral os barulhos, ruídos e, principalmente, a presença

inibidora de outras pessoas. Na concepção de alguns, nenhuma das partes envolvidas na

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interação pode se sentir pouco à vontade durante o encontro. Eles reconhecem que alguns

espaços apresentam propriedades inibidoras e constrangedoras.

A mesma percepção emerge nas entrevistas que Martins faz com os dirigentes da

empresa. Um deles, identificado como Sujeito A, responde que evita algumas interlocuções

em sua sala por considerá-la um território constrangedor:

Sempre que tenho que pedir, passar alguma coisa para alguém ou solicitar

alguma coisa para alguém pego um papel e uma pasta e vou na sala do

indivíduo. [...] Então eu gosto mais de ir até o meu interlocutor. Então a

comunicação oral não por telefone, sempre interpessoal e face a face, e sempre

evitando chamar à minha sala. O ambiente é uma barreira (Sujeito A).

(MARTINS, 2012, p. 170).

Outro chefe, apresentado na tese como Sujeito B, compartilha o mesmo entendimento:

Se eu tenho alguma coisa que acho que pode melhorar a performance dele

naquela atividade isso eu já digo na reunião que eu reúno às vezes o grupo

todo ou então eu vou lá, eu nem peço pra ele vir aqui, eu vou lá na sala do

cara, falo lá com ele porque me parece que se você está na sua casa as coisas

são diferentes do que você vem na sala do chefe para resolver um assunto

(Sujeito B). (MARTINS, 2012, p. 177).

O significado de barreira atribuído às salas dos dirigentes deve ser encarado como uma

função mediadora incidente sobre o processo de comunicação. A noção mais complexa de

código, apresentada por Martin Serrano, torna-se válida para refletir sobre os componentes

ideológicos que fundamentam o uso desse território. Os chefes ocupam uma posição

hierárquica superior e estariam em vantagem em relação aos subordinados, pois cabem a eles

as decisões que instituem a rotina de trabalho, bem como a avaliação periódica de

desempenho de sua equipe.

Esse desequilíbrio que reveste a relação é representado de forma simbólica pela

própria função assumida pelo gestor e transcende a figura pessoal do superior. O local

ocupado por ele, o material de trabalho que utiliza, sua assinatura e outras representações

simbólicas adquirem um caráter mediador. Independentemente da mensagem e do conteúdo

dos diálogos, as regras pré-estabelecidas para a ocupação do território e para o exercício da

função superior mediam as interações.

De acordo com Martins (2012), a postura das chefias de evitar algumas interações em

suas salas busca amenizar essa lógica de dominação. “Ao ir ao encontro do subordinado, o

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chefe dava ao empregado um valor que não teria visibilidade, caso o espaço da interlocução

fosse o escritório do dirigente” (MARTINS, 2012, p. 177). Observa-se uma tentativa de

flexibilizar a construção de sentidos em relação ao conteúdo a ser comunicado. Martins não

menciona em seu trabalho uma outra possibilidade: o acesso à sala da chefia pelo empregado

pode significar para esse último um sinal de prestígio e valorização, invertendo justamente

essa atribuição de sentidos.

Da mesma forma, Ferreira (2011) alerta para os cuidados que a corporação deve tomar

ao selecionar o espaço da interação face a face, pois este funciona também como instância

mediadora do processo.

O local onde a interação dialógica ocorre é representativo e demarca o

posicionamento relativo dos agentes discursivos. O diálogo social com ênfase

no consenso precisa se dar em um espaço que possa ser entendido,

simbolicamente, como de todos. Mesmo que não possa ser considerado

público, que seja, pelo menos, coletivo. Quando a “casa” é do outro, e este é o

agente de maior poder relativo na relação, há um natural constrangimento e

cerceamento da liberdade de expressão. [...] O local e a gestão do processo

importam. (FERREIRA, 2011, p. 317).

O pesquisador avalia a prática do diálogo social da concessionária Ampla com as

comunidades vizinhas. Embora exista um “agente de maior poder relativo na relação”, já não

se identifica, nesse caso, posicionamento hierárquico. A Ampla e as lideranças da

comunidade, que periodicamente são convidadas a dialogar, constroem um relacionamento de

interdependência: a organização precisa do apoio institucional da vizinhança e essa, por sua

vez, necessita dos serviços prestados pela concessionária. Estabelece-se uma relação de troca,

a princípio, instituída pela empresa.

Ferreira registra o desejo das lideranças de transferir o local das interlocuções da sede

da companhia para a comunidade. Dentro da organização, os participantes figuram como

convidados e alegam falta de tempo e liberdade para questionamentos mais incisivos.

“Declaram que muitas pessoas se sentem constrangidas e que são cerceadas pela empresa”,

aponta Ferreira (2011, p. 289). Ademais, as lideranças argumentam que, se os encontros

ocorressem fora dos domínios da Ampla, o papel de representantes comunitários no projeto

corporativo seria melhor compreendido.

As lideranças, quando questionadas sobre o local das interações, ressaltam que

preferiam e que já propuseram que fosse modificado. Entendem que, se cada

reunião ocorresse em uma comunidade, articulada por aquela liderança local,

permitiria um maior conhecimento e reconhecimento da realidade do outro. O

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compartilhamento da visão de mundo, da perspectiva cultural e dos elementos

de mediação de cada grupo possibilitaria mais clareza das motivações

discursivas. (FERREIRA, 2011, p. 289).

Por conceber os lugares geográficos como elementos de construção de sentidos, o

pesquisador desenvolve uma classificação espacial em quatro categorias, tentativa rara de

sistematizar a relação entre a organização, o território e seu papel mediador com um dos

públicos de interesse:

- espaços da organização (totalmente privados): quando ocorrem lugares de

propriedade ou uso exclusivos da empresa. Nesse caso, são lugares privados,

mesmo que, em algum contexto, sejam usados como local para debates

públicos ou de interesse público. É o caso, por exemplo, do uso de salas,

galpões e auditórios da organização para as reuniões entre as comunidades e

representantes da empresa. As lideranças comunitárias entram no local como

convidadas. Seu direito de uso do espaço é transitório e obedece a regras

estabelecidas previamente;

- espaços da organização na comunidade (privados de uso coletivo): quando

ambientes são especialmente construídos ou contratados pela empresa, mas

localizados na comunidade. Eles têm como principal função serem espaços

utilizados para os fóruns entre a organização e a comunidade. É o caso de

alguns projetos para os quais as organizações alugam salas, e espaços na

comunidade ou de alguma igreja, clube, associação de bairro, como sede dos

projetos sociais. As regras do espaço são compartilhadas;

- espaços mútuos (híbridos em constituição): é o caso das organizações

constituídas para implantar projetos desenvolvidos, mantidos e promovidos

em parceria pelas organizações com as comunidades. Quando são

estabelecidos conselhos comunitários que irão gerenciar a implantação de uma

proposta conjunta de ação, esse tipo de espaço é constituído;

- espaços da comunidade (comunitários ou públicos): lugares como escolas,

igrejas, associações de bairro, galpões públicos, praças ou ONGs.

(FERREIRA, 2011, p. 131-132).

Essa classificação pode auxiliar na compreensão do Pantanal enquanto espaço híbrido

de interação, já que ele aglutina o espaço público (o bioma, considerado patrimônio da

humanidade) com o privado, propriedades particulares, incluindo a fazenda Nhumirim, da

Embrapa. Essa discussão será implementada na próxima seção. Antes disso, convém ponderar

que, na concepção de Ferreira (2011, p. 133), inexiste um lugar livre de mediações: “[...] um

espaço de pura comunicação racional, sem interferências do poder, do dinheiro e das

hierarquias é um modelo prototípico, ideal, mas que não se realiza plenamente na

contemporaneidade [...]”.

As experiências envolvendo os espaços de interação face a face estudadas por Martins

(2012) e Ferreira (2011) nas duas organizações apresentam, ainda, uma característica comum,

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que não se aplica ao próximo ambiente a ser pesquisado, o Pantanal. Nos dois casos, a escolha

do território onde se desenvolve a comunicação presencial é, de certa forma, opcional, há uma

relativa flexibilidade. O chefe da Embrapa detém a prerrogativa de dialogar fora de sua sala,

no espaço de domínio do empregado. A Ampla também pode optar por transferir o espaço de

conversas para a área da comunidade. No caso do Pantanal, essa transferência se mostra

inexequível: se a proposta é experimentar o ambiente, conhecer sua biodiversidade e os

modos de vida locais, o único procedimento a ser adotado é o deslocamento até a região.

4. Pantanal: paisagem mediada e sua função mediadora

Em publicações didáticas e científicas, o Pantanal brasileiro aparece descrito como

uma planície alagável, onde o regime de cheia e de seca regula as condições ambientais,

favorecendo a conservação da biodiversidade. Na mídia, especificamente no enquadramento

jornalístico, a mesma região tem sido apresentada como santuário ou paraíso ecológico, com

destaque para a beleza cênica formada por extensas áreas verdes entrecortadas por pequenas

lagoas e habitada por animais selvagens. Já a moldura ficcional revela um Pantanal

misterioso, ao mesmo tempo tranquilo e tranquilizante, cenário de romances inocentes vividos

por personagens rústicos e marcantes.

As diferentes mediações se manifestam, assim, como recortes que direcionam a

visibilidade e a percepção sobre o ambiente. A verossimilhança presente ou ausente nesses

discursos não está em discussão; o que essa seção pretende identificar são as diferentes

perspectivas de descrição de um mesmo espaço geográfico, que se estabelecem como

referências no imaginário coletivo, a ponto de condicionar quaisquer tipos de ações

desenvolvidas naquele território, sejam elas cotidianas ou excepcionais.

Atividades planejadas e executadas no contexto da comunicação organizacional em

regiões de rica biodiversidade, como Amazônia e Pantanal, estão submetidas a um duplo viés

mediador: o conhecimento prévio que os interlocutores envolvidos acumulam sobre o

território ainda não visitado e o papel mediador das próprias paisagens incidindo sobre as

interações. Para entender essa sobreposição, estudos empreendidos no campo da geografia

introduzem noções agregadoras sobre a concepção de paisagem – conceito que deve ser

compreendido nas dimensões rural e urbana. Autores dessa disciplina apontam que as

pesquisas sobre um determinado espaço geográfico não podem prescindir da imersão. No

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campo da comunicação a mesma metodologia parece adequada para alguns estudos sobre as

mediações.

4.1 Paisagens e experiências partilhadas: valores culturais

“Por que estudar os significados das paisagens? Porque revelam valores e concepções

de mundo, experiências pessoais e processos históricos que estão muito além da forma

apreendida pela visualidade mais imediata”, pondera Mário Masaru Sakaguti Junior (2010, p.

20). O autor explica que a ideia de paisagem não deve se restringir à vista panorâmica ou ao

conjunto visual de determinado lugar. Ele faz parte de uma corrente da geografia que

entrelaça as paisagens com a cultura, conexão bastante promissora para a pesquisa dos

aspectos mediadores inerentes aos espaços físicos.

Também representante dessa vertente, Euler Sandeville Junior (2004) vincula

paisagem à experiência, desencoraja estudos exclusivamente por via indireta, como imagens e

cartografia, e defende olhares transdisciplinares para a compreensão dos lugares. De acordo

com o geógrafo, devido à natureza da paisagem, a imersão se institui como metodologia capaz

de produzir sentidos para seu conhecimento. “O sentido da paisagem não pode ser dado

apenas pelo universo teórico e existencial do observador, sob o risco de um estereótipo. Na

verdade, a paisagem é mais intensamente revelada a partir das pessoas que têm nela uma

experiência comum”, coloca Sandeville Junior (2004, p. 3), advertindo que comum deve ser

entendido tanto na concepção de corriqueiro como de coletivo.

A ideia de experiência partilhada para a compreensão das paisagens revela-se oportuna

para decifrar os processos de mediação que envolvem o ambiente físico. Para Sandeville

Junior (2004, p. 4), a imersão torna-se válida mesmo para territórios desabitados por

humanos, “pois revelará aspectos que não podem ser percebidos por via indireta de bases de

dados e leituras de instrumentos”.

Basicamente, refiro-me à necessidade de um contato direto, não apenas no

nível rudimentar da percepção visual dos objetos que se encontram na

paisagem, pois não são em si mesmos formadores da paisagem. Esse contato

deve colocar a experiência humana em evidência. Trata-se de reconhecer a

paisagem em sua dimensão estética, não de beleza plástica (arranjo formal) ou

de utilidade (adequação funcional), mas de uma experiência sensível, que é o

modo como usamos o termo estética aqui. A paisagem é uma experiência

humana. Desafia, portanto, uma relação de alteridade e descentramento, de

revisão de pressupostos, onde somos imensamente renovados por essa

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experiência, ou seja, se constrói o sentido de uma paisagem partilhada.

(SANDEVILLE JUNIOR, 2004, p. 4).

A proposta metodológica de Sandeville Junior excede os interesses da geografia e

oferece suporte para descobertas interessantes no campo da comunicação. Se o espaço físico é

reconhecido como experiência humana e se as mediações aqui pesquisadas têm sua essência

vinculada à vivência, o deslocamento e a imersão despontam como alternativas viáveis para o

estudo das instâncias mediadoras nos processos comunicacionais.

O autor reforça a importância dessa metodologia por meio de um exemplo similar

àqueles fornecidos por Quéré (2010). Para ele, o sujeito só saberá exatamente o que é uma

maçã ao experimentá-la (por mais que as descrições indiquem sua cor, textura, sabor e

dimensões). Da mesma forma, Sandeville Junior (2004) sugere que as paisagens só podem ser

compreendidas se foram vivenciadas e se houver um envolvimento14

. Sakaguti Junior (2010,

p. 39) ajuda a explicar o desenvolvimento desse processo:

O ser humano, ao entrar e permanecer em contato com os espaços, os lugares

e as paisagens, cria vínculos com os mesmos. Eles se tornam parte da vida e,

desse modo, familiares. A paisagem, o espaço, o lugar são palcos para a

encenação da vida cotidiana e não têm sua existência apenas em si mesmos,

são elementos que compõem as experiências de vida. Na memória, espaço,

lugar e paisagem são elementos sempre presentes, são como cúmplices das

experiências de vida, boas ou ruins, íntimas ou rotineiras. É possível afirmar,

então, que eles podem ser alvos de uma grande carga de sentimentos humanos,

o que lhes atribui uma significação especial, que não está reduzida ao que é

simplesmente racional e utilitário.

Conforme observa Sakaguti Junior, os vínculos estabelecidos com o espaço físico são

responsáveis pela construção de significados especiais atribuídos a ele. Em ambientes

notadamente urbanos, onde vive a maioria da população, as mediações parecem menos

perceptíveis por estarem incorporadas àquela cotidianidade. Quando ocorre o deslocamento

de atores urbanos para o ambiente rural, surge o “estranhamento” relatado anteriormente por

Bianchi (2011).

14

Goffman (2010, p. 54) apresenta sua definição para envolvimento, tomando como pano de fundo as interações

face a face: “o envolvimento refere-se à capacidade de um indivíduo de voltar, ou deixar de voltar, sua atenção

concentrada a alguma atividade disponível – uma tarefa solitária, uma conversa, um esforço de trabalho

colaborativo. Implica uma certa proximidade admitida entre o indivíduo e o objeto de envolvimento, uma certa

absorção aberta de parte daquele que está envolvido. Pressupõe-se que o envolvimento numa atividade expressa

o propósito ou objetivo do ator”.

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248

Assim, os contrastes entre urbano e rural persistem como elementos distintivos das

mediações espaciais e serão explorados na seção 4.3. Outra mediação relevante que assume o

protagonismo na construção de imaginários é aquela formatada pela mídia e que, na sociedade

midiatizada, se estabelece como hegemônica. Nesse sentido, alguns estudiosos – geralmente

conhecedores de realidades outras – começam a questionar a coerência entre os lugares

apresentados pela mídia e os lugares reais.

A concepção de Gaston Bachelard (1884-1962) sobre imaginação formal e imaginação

material fundamenta, ao menos filosoficamente, o fenômeno que esse capítulo se propõe a

investigar. O autor atenta para o vício da ocularidade – aquela tendência de a cultura ocidental

privilegiar a causa formal (ligada à visão) em detrimento da causa material (experiências que

envolvem outros sentidos). “O próprio vocabulário científico e filosófico („evidência‟,

„intuição‟, „visão de mundo‟, etc.) revelaria esse preconceito que faz do conhecimento uma

extensão da visão, um desdobramento da imaginação formal” (PESSANHA, 1978, p. XII).

Para Bachelard, a experiência de elaborar e contemplar uma pintura seria distinta da de

se produzir e observar uma escultura, por exemplo. Por isso, ele reivindica o caráter legítimo

e irredutível das imagens que a mão recolhe na matéria:

Uma mão ociosa e acariciante que percorre linhas bem feitas, que inspeciona

um trabalho concluído, pode ficar encantada com uma geometria fácil. Ela

conduz a uma filosofia de um filósofo que vê o operário trabalhar. No reino da

estética, essa visualização do trabalho concluído leva naturalmente à

supremacia da imaginação formal. Ao contrário, a mão trabalhadora e

imperiosa apreende a dinamogenia essencial do real ao trabalhar uma matéria

que, ao mesmo tempo, resiste e cede como uma carne amante e rebelde.

(BACHELARD, 1998, p. 14, grifo do autor).

Considerando válido esse pressuposto, o indivíduo que conhece espaços como

Pantanal e Amazônia exclusivamente pela imaginação formal – muitas vezes por imagens

visuais disponibilizadas pela mídia – terá uma concepção diferente daquele que se desloca à

região, abre as porteiras, sacode nas caminhonetes ou lombos de cavalos e sente a temperatura

e o cheiro do local. Esse sujeito constrói uma imaginação material e, certamente, retornará

desses lugares com outro repertório e outras experiências, pois se submeteu a outras

mediações.

4.2 Discursos midiáticos e a construção do imaginário sobre regiões exóticas

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249

A vinculação de ambientes exóticos a uma concepção mítica – como a que sustenta a

ideia de santuário ecológico –, construída pelo discurso midiático, não é fenômeno recente.

Ao estudar as duas Amazônias, a mítica e a real, Paulo Bráz Clemencio Schettino (2013)

recorre à literatura de ficção para desvendar as descrições mediadas sobre aquele espaço. Sua

pesquisa cita obras como as do romancista Gastão Cruls, que em 1925 escreveu A Amazônia

Misteriosa e, cinco anos depois, Amazônia que Eu Vi, relatando, respectivamente, o ambiente

imaginado e o vivido. Também em 1930, o escritor português Ferreira de Castro, que morou

quatro anos na floresta amazônica, publicou A Selva, obra de ficção ambientada naquele

território. Por fim, menciona Euclides da Cunha, autor de Um Paraíso Perdido – ensaios,

estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia, coletânea de textos produzidos a partir de uma

expedição àquela região, em 1904, lançada na década de 1990. De acordo com Schettino

(2013, p. 11),

as histórias em quadrinhos desenhados, de fácil leitura e apreensão imediata,

os filmes cinematográficos e as telenovelas ocupam-se de construir o

imaginário das pessoas, independentemente das diferenças culturais e

nacionalidades e capacidade de abstração exigida pelo hermetismo simbólico

da palavra. As duas Amazônias jazem confundidas para sempre na profusão

de filmes e teleplays produzidos pelo século afora assim como não mais é

possível distinguir a verdade da ficção15

.

O viés edênico que abastece a cobertura midiática sobre a Amazônia também é objeto

de estudo de Manuel José Sena Dutra (2001, p. 2), para quem a mídia reproduz ou transforma

antigas visões estereotipadas, “de modo especial aquelas que retratam a Amazônia como um

lugar paradisíaco e, contraditoriamente, ao mesmo tempo inóspito, no qual coexistiriam a

exuberância física da natureza e a invisibilidade humana”.

Os estereótipos, a que Dutra se refere, alimentam igualmente boa parte da narrativa

jornalística e ficcional contemporânea sobre o Pantanal. Não é o caso de condenar essas

construções imaginárias, já que elas cumprem uma função discursiva. Como bem coloca

Lippmann (2010, p. 92), “a renúncia a todos os estereótipos por uma completa inocente

aproximação à realidade empobreceria a vida humana”. E acrescenta:

As mais sutis e difundidas de todas as influências são aquelas que criam e

mantêm o repertório de estereótipos. Conta-nos sobre o mundo antes de nós o

15

Conceitos como “verdade” e “real” devem ser tomados em sua subjetividade e caberia uma discussão

filosófica a respeito. Esta tese, no entanto, não vai aprofundar esse debate, apenas procura chamar a atenção para

a relatividade dessas definições.

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vermos. Imaginamos a maior parte das coisas antes de as experimentarmos. E

estas preconcepções, a menos que a educação tenha nos tornado mais

agudamente conscientes, governam profundamente todo o processo de

percepção. Eles marcam certos objetos [ou lugares] como familiar ou

estranho, enfatizando a diferença, de forma que o levemente familiar é visto

como muito familiar, e o de alguma forma estranho como profundo alienígena.

(LIPPMANN, 2010, p. 91-92).

A percepção mitificada do Pantanal tem sido fomentada pelos veículos de

comunicação, especialmente através da mediação de produtos ficcionais. De acordo com

Maio (2009, p. 217), “até a década de 1980, a população do restante do país o conhecia menos

pelos veículos de comunicação e mais pelas cartilhas e livros didáticos utilizados nas aulas de

geografia”. O próprio acesso dos meios à região era difícil, o que impedia uma cobertura

jornalística regular.

Esse quadro começa a se alterar a partir de uma intervenção da extinta TV Manchete16

.

A novela Pantanal, exibida pela primeira vez nessa emissora em 1990, apresenta ao país uma

região desconhecida, estranha, misteriosa e mítica, adotando uma narrativa inovadora para a

época.

De repente, surge uma telenovela que nitidamente foge dos padrões. Ela traz

um outro andamento, um outro tempo, um outro ritmo, assumidamente mais

lento, com planos contemplativos de longa duração, focalizando mais

paisagens que protagonistas, com tratamento plástico mais elaborado e

marcante presença da música. (MACHADO; BECKER, 2008, p. 12).

O sucesso chegou a abalar o monopólio da maior emissora aberta de TV do Brasil, a

Rede Globo, em horário nobre. Escrita por Benedito Ruy Barbosa e dirigida por Jayme

Monjardim, a novela tinha um enredo simples: a história de amor entre a pantaneira Juma

Marruá, conhecida por se transformar em onça quando irritada, e Jove, um jovem urbano que

vivia com a mãe no Rio de Janeiro, mas decide viajar ao Pantanal para conviver com o pai, o

fazendeiro José Leôncio. Lá ele conhece Juma e começa o romance. O protagonismo, no

entanto, foi da natureza.

De acordo com Anna Maria Balogh (2002, p. 142), “no tocante à exploração do

espaço, a escolha do Pantanal como locação foi de rara felicidade: poucos espaços nos

levariam de forma tão veemente ao mito do „paraíso perdido‟ quanto esse”. A novela foi

16

A emissora carioca, pertencente à família Bloch, se autopromovia com o slogan “O Brasil que o Brasil não

conhece passa na Manchete” (BALOGH, 2002, p. 146). Funcionou de 1983 a 1999.

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reprisada em outras duas ocasiões: em 1991 pela própria TV Manchete e em 2008 pelo SBT

(Sistema Brasileiro de Televisão).

Arlindo Machado e Beatriz Becker pesquisaram esse fenômeno da teledramaturgia e

os resultados estão reunidos no livro Pantanal: a reinvenção da telenovela, onde captam

também aspectos da recepção do produto midiático:

[...] para a imensa massa de telespectadores que vivia no meio urbano poluído,

fechado, policiado, marcado pelo medo e pela solidão, chegar em casa à noite

e defrontar-se com aquelas paisagens amplas e diferenciadas, aqueles

personagens naturais, aquela liberdade e transparência, já representava, pelo

menos, a promessa de que alguma forma de redenção e romantismo ainda era

possível. (MACHADO; BECKER, 2008, p. 23).

De acordo com os pesquisadores, a novela transferiu para o imaginário dos

telespectadores um discurso poético e edênico sobre o bioma. O ethos do local fica fortemente

evidenciado no depoimento que a atriz Cristiana Oliveira, que interpretou a personagem Juma

Marruá (Figura 8), concede a Beatriz Becker:

No dia em que eu cheguei no Pantanal eu tive vontade de chorar. Porque o

choque é absurdo. O choque do urbano com aquela coisa selvagem, sabe? É

muito grande e você se sente desse tamanhinho. Você vê o quanto é

insignificante. O Pantanal agora é a minha segunda casa. Eu senti essa

necessidade de melhorar como pessoa, de me desenvolver como ser humano.

Eu aprendo. Nessa distância toda que estou tendo, eu aprendo a dar valor a

muita coisa. Coisas a que eu não dava valor porque estavam todo dia a meu

lado, entende? Agora eu dou valor. (MACHADO; BECKER, 2008, p. 54).

Esse “choque” a que se refere a atriz pode refletir também a ruptura entre o Pantanal

idealizado que compunha seu repertório pessoal antes da visita e a vivência naquele espaço

durante o período de filmagem. Na verdade, não há incoerências marcantes entre o ambiente

exibido pela novela e a realidade. “Um trabalho de ficção pode ter quase qualquer grau de

fidelidade, e desde que o grau de fidelidade possa ser levado em conta, a ficção não é

enganosa” (LIPPMANN, 2010, p. 30). No entanto, a perspectiva ficcional e a própria

produção televisiva configuram-se como mediações e restringem as possibilidades de

interpretação, como preconiza Martin Serrano (2007).

Outra peça ficcional que segue, em parte, a mesma fórmula da novela é o filme

Cabeça a Prêmio, lançado em 2009 e dirigido por Marco Ricca. Apesar de inserida no gênero

policial, a trama se desenvolve na região de fronteira do Pantanal brasileiro e se caracteriza

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por “uma mistura de aclimatação a um ambiente inóspito e desconhecido e uma tranquilidade

muito grande na condução de sua narrativa” (VALENTE, 2009).

O estilo poético de narrativa da telenovela e do filme parece ter migrado para outros

produtos midiáticos não-ficcionais, como matérias jornalísticas e documentários, e persiste até

a atualidade. Conforme Maio (2009, p. 218),

[...] a dramaturgia não foi a única forma de divulgação do Pantanal. Desde

então, a planície pantaneira frequenta o noticiário da mídia impressa,

eletrônica e digital de forma esporádica, mas não menos deslumbrante.

Turismo, meio ambiente e ciência são ingredientes básicos de reportagens

sobre a região, mas a cobertura jornalística praticada desde então, em rede

nacional, permanece bastante próxima da ficção. A opção pela cobertura

jornalística bucólica do Pantanal pela televisão parece sustentada pelo receptor

carente de fantasias e/ou saturado do cardápio de violência exibido

diariamente nos centros urbanos.

FIGURA 8. Atriz Cristiana Oliveira no papel de Juma Marruá, 1990

Fonte: UOL Celebridades

17

As riquezas sociais que delimitam aquela cultura e o desenvolvimento tecnológico

como diferencial para a sustentação da economia local são algumas das abordagens ausentes

ou pouco exploradas pelo jornalismo de grande circulação na cobertura sobre o Pantanal.

Certos silenciamentos também são observados por Dutra (2001, p. 2) em relação à Amazônia.

“Ao lado de uma Amazônia urbana e moderna subsistem outras amazônias singulares e

dotadas de especificidades que as tornam frequentes itens das pautas da mídia, com destaque

para a televisão.”

17

Disponível em: http://celebridades.uol.com.br/album/2013/10/09/veja-fotos-da-atriz-cristiana-

oliveira.htm#fotoNav=3. Acesso em: 4 mar. 2014.

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A priorização do exótico reforça o discurso da imutabilidade, perpetuando o

estereótipo de paraísos ecológicos e de ambientes inóspitos tanto para a Amazônia quanto

para o Pantanal. As noções de modernidade, de urbanidade e de desenvolvimento soam

sempre estranhas para o consumidor de bens simbólicos que não tem a oportunidade de se

deslocar até esses territórios.

4.3 Elementos mediadores marcantes do Pantanal

Algumas características próprias da planície pantaneira funcionam como instâncias

mediadoras das interações desenvolvidas naquele ambiente. Um deles é a própria ruralidade,

que vem sendo inter-relacionada com a percepção temporal por Bianchi (2011) e outros

autores. Dessa forma, o binômio ruralidade/temporalidade distingue uma mediação que incide

sobre as propriedades espaciais.

As diferentes temporalidades inscritas no cotidiano de quem habita o meio

rural são negociadas e transformam-se em um tempo único, onde está inserido

o tempo de trabalho, da família, do descanso e onde o midiático também entra

em negociação. A existência de quem vive no meio rural é constantemente

marcada pelo tempo de plantar, tempo de colher, tempo de adubar, tempo de

sol, tempo de chuva, tempo do trabalho, tempo da casa, tempo midiático.

Todos esses tempos apresentam uma existência individual, mas é a junção e

suas relações que estabelecem o tempo da vida do sujeito que vive no campo.

(BIANCHI, 2011, p. 140).

Na urbanidade, os parâmetros temporais também caracterizam o modo de vida, no

entanto, são elaborados a partir de outras escalas: tempo de congestionamento, tempo na fila

de espera, duração da sessão de cinema, horas extras trabalhadas, tempo de download, data de

vencimento do cartão de crédito, deadline, entre outras. A intervenção do tempo como

elemento de configuração do espaço é semelhante: mudam as variáveis. Além disso, a

escassez de moradores em propriedades rurais contribui para uma sensação de monotonia.

“As vistas panorâmicas parecem estáticas, despertando uma sensação de imobilidade e

inalterabilidade no decorrer do tempo. A impressão é a de que continuariam a ser como são

por muito tempo” (SAKAGUTI JUNIOR, 2010, p. 116).

Quando convidados de regiões urbanas visitam espaços rurais, como o Pantanal ou a

Amazônia, eles se deparam com esse mecanismo temporal diferenciado e desenvolvem diante

dele reações de adaptação ou desajuste. A presença de aparelhos transmissores de

comunicação de massa, como televisão e rádio, atenua, em parte, a sensação de

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estranhamento. A conexão à internet vai, gradativamente, ocupando esses espaços longínquos,

garantindo maior familiaridade com o local.

FIGURA 9. Mapas da localização do Pantanal no Brasil, no MT e MS

Fontes: Embrapa Pantanal/Geoprocessamento e Guia de viagem UOL

18

Se a vista panorâmica transmite a sensação de imutabilidade, no Pantanal ela também

se associa à infinitude ou ausência de limites. A própria localização do bioma (Figura 9) –

distante dos grandes centros econômicos do país – contribui para essa percepção. Com área

de aproximadamente 140 mil quilômetros quadrados, a planície se espalha por dois Estados

brasileiros: Mato Grosso (35%) e Mato Grosso do Sul (65%). Pode ser acessada em sua

porção norte, cujas cidades mais importantes são Cáceres (MT) e Poconé (MT), ou pelo sul,

onde se destacam os municípios de Aquidauana (MS), Miranda (MS) e Corumbá.

Cerca de 1.400 quilômetros separam, por exemplo, as cidades de São Paulo e

Corumbá, distância que, ao ser percorrida, evoca a noção de grandeza territorial do país.

Afora a percepção da distância e da extensão do Pantanal, o simples fato de viver naquele

espaço parece imprimir determinadas características aos habitantes:

Embora cada ambiente ou ecossistema possa afetar as pessoas de forma

distinta, há, provavelmente, um efeito geral que provoca praticamente as

mesmas reações em todos os frequentadores. Quem passa muito tempo no

mar, por exemplo, se expõe mais a determinados sentimentos – e a maioria

das pessoas sente exatamente esses mesmos “determinados sentimentos”;

quem mora no Pantanal tende a falar manso, ser desconfiado e, ao mesmo

18

Disponível em: http://viagem.uol.com.br/guia/cidade/pantanal.jhtm. Acesso em: 9 set. 2010.

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tempo, solidário; o sujeito que vive na floresta amazônica tem uma índole

diferente daquele que vive na mata atlântica. (MORAES, 2014).19

Existe uma característica própria daquela vista natural que remete à ausência de

limites, percebida também pelo poeta Manoel de Barros ao descrever que “no Pantanal não se

pode passar régua. Sobremuito quando chove. A régua é existidura de limite. E o Pantanal não

tem limites” (BARROS, 1997, p. 29). Essa sensação se relaciona com as amplas áreas de

terrenos planos, contínuos, comparáveis ao mar (Figura 10).

Existe um limite real e efetivo na paisagem, mas por alguma característica do

ambiente, temos a impressão de que não há limites, que a paisagem não tem

fim, que não há horizontes etc., e essa impressão então fica como que

permanente. Por exemplo: no mar aberto em que para onde se olhe só se

enxerga mar e céu que se confundem como um horizonte contínuo e

constante; principalmente após vários dias no mar e sem ver terra. Esse tipo de

sensação também ocorre no Pantanal, porque a paisagem, apesar de

multivariada, parece ser sempre a mesma; tem-se a impressão de que não há

um limite; tem-se a impressão de que não há horizonte. (MORAES, 2014).

FIGURA 10. Área da planície pantaneira: horizonte ampliado, 2010

Fonte: NCO/Embrapa Pantanal

A percepção da falta de horizontes ou de limites se impõe como elemento físico e

psicológico de interferência durante as interações face a face. Há diferenças substanciais entre

conversar em ambiente aberto, amplo e indefinido e um diálogo delimitado por paredes. As

sensações que podem se associar à comunicação cara a cara no Pantanal são diversas e

19

As contribuições do socioeconomista André Steffens Moraes, ex-pesquisador da Embrapa Pantanal, ex-marujo

e atual pesquisador da Embrapa Soja, foram incorporadas à tese pela perspicácia de suas impressões pessoais

sobre a paisagem pantaneira, elaboradas ao longo dos anos em que frequentou aquele ecossistema. Agradeço

pela rica colaboração.

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imprevisíveis, podendo incluir ausência de controle, perda de referências, excesso de

informalidade, falta de proteção, de concretude, de concentração e de determinação, entre

muitas outras. A descrição da atriz Cristiane Oliveira também pode ser recuperada,

particularmente quando ela menciona se sentir pequena diante da imensidão do espaço. Essa

projeção diante do ambiente se reflete, de alguma maneira, nas conversas ali desenvolvidas.

A discussão a respeito do espaço físico levanta também o debate sobre o público e o

privado. Conforme já antecipado, as experiências de comunicação face a face promovidas

pelo projeto de comunicação organizacional da Embrapa ocorreram em territórios que podem

ser considerados híbridos: as fazendas visitadas, áreas privadas, pertencentes a uma pessoa

física ou jurídica, e o Pantanal enquanto reserva da biosfera, um território de interesse

público. Pesquisas desenvolvidas pela Embrapa indicam que 95% da planície são ocupados

por propriedades particulares.

A presença física na região será regida, assim, por códigos mistos de ocupação.

Visitantes e anfitriões podem observar nas paisagens a sobreposição de interesses: o público

buscando a preservação do território e o privado tentando ampliar os lucros a partir da

exploração econômica do local. Esse aparente confronto, até então, se encontra razoavelmente

equilibrado, devido à operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável. A

convivência harmoniosa entre o boi e as espécies selvagens é tida como exemplar desse

balanceamento. Essa circunstância também manifesta sua função mediadora, já que os

diálogos naquele território rotineiramente tangenciam a questão da sustentabilidade.

A proximidade entre interlocutores e animais selvagens é outro fator que, com

frequência, incide sobre as interações. Já foi dito que a beleza cênica e a biodiversidade, em

geral, encantam os visitantes. Ao transitar pela planície, de caminhonete, a cavalo ou a pé, não

é difícil avistar quatis, veados, cervos, antas, tamanduás, queixadas, porcos monteiros, jacarés,

capivaras e, obviamente, a ave símbolo do Pantanal, o tuiuiú (Figura 11). Os frequentadores

também vão ver muitos bois, já que a pecuária de corte é a atividade que mais se adaptou à

região. A vegetação e as águas que se acumulam em baías e corixos20

completam o visual.

Diante da imprevisibilidade com que os animais podem se aproximar dos humanos, é

provável que os diálogos no campo sejam interrompidos para a contemplação ou mesmo para

o deslocamento em direção a áreas mais seguras. Observa-se que a presença da fauna não

provoca constrangimento, e sim outros tipos de sensações, como medo, ansiedade,

20

Corixos são pequenos rios que se formam em épocas de chuva e desaguam em outros rios maiores.

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curiosidade, apreensão, receio etc. Invariavelmente, os animais são temas de conversas

ambientadas no Pantanal.

FIGURA 11. Tuiuiú, a ave-símbolo do Pantanal

Fonte: NCO/Embrapa Pantanal

Outros elementos mediadores se apresentam como característicos daquele lugar. O

perfil acolhedor dos habitantes da região é um deles. Embora desconfiado, como indicado

anteriormente, o homem pantaneiro se distingue pela hospitalidade e solidariedade. Os hábitos

culturais dessa população – entre eles as rodas de tereré21

, as modas de viola e a contação de

causos – convidam o visitante a se integrar ao ambiente, conduta reforçada pelo acesso ainda

precário às tecnologias da informação. O fenômeno da midiatização, no entanto, tende a

alterar essa cotidianidade, impondo outros tipos de mediações.

4.4 Uma experiência pantaneira de constrangimento às avessas

A teoria apresentada até aqui, bem como as experiências práticas de comunicação

organizacional pesquisadas recentemente, permite inferir que a sensação de constrangimento é

passível de ocorrer em quaisquer ambientes que sirvam de cenário para interações. Há uma

percepção do senso comum de que as regras pré-estabelecidas para ocupação de um espaço

geográfico interferem na situação de interlocução, inibindo a livre manifestação de visitantes

temporários. Entretanto, constrangimentos podem atingir, também, os responsáveis pelo

domínio do território.

21

Bebida semelhante ao chimarrão, mas feita com água fria.

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A experiência vivenciada pela dupla de jornalistas da região Sudeste que se sentiu

incomodada na fazenda da Embrapa Pantanal foi suficiente para constranger não apenas a

equipe de comunicação da unidade, como a chefia-geral e os responsáveis pelo setor de

campos experimentais, que administram a fazenda. Ao tomarem conhecimento de que as

condições de recepção dos visitantes não corresponderam ao planejado, todos esses atores se

mobilizaram na tentativa de salvar a representação, de acordo com as proposições de Goffman

(2011a).

Pedidos de desculpas foram encaminhados aos profissionais da imprensa por uma

equipe de anfitriões notadamente frustrada e constrangida. Foram tomadas as providências

necessárias para que essas falhas não se repetissem nas visitas posteriores. O episódio

confronta a ideia de que o constrangimento seja um sentimento exclusivo do visitante.

Ademais, a única equipe de jornalistas a demonstrar insatisfação durante a estadia não chegou

a exibir sinais de constrangimento. O desconforto foi assumido e exposto aos anfitriões,

contrariando a expectativa de inibição inerente às situações constrangedoras.

Uma última consideração sobre a experiência envolvendo a comunicação face a face

no Pantanal: as relações entre anfitriões e convidados se caracterizava, assim como na Ampla,

pela interdependência: a organização precisava do apoio dos jornalistas para divulgar a região,

assim como os jornalistas, naquela ocasião, precisavam da Embrapa para a realização de seu

trabalho. A partir dessa experiência de comunicação organizacional desenvolvida no Mato

Grosso do Sul e das demais, no Paraná e Rio de Janeiro, acredita-se que já foram levantados

elementos suficientes para a verificação da hipótese 4.

5. Interpretação e validação da hipótese

Algumas condições presentes nos espaços físicos parecem, de fato, condicionar o

desenvolvimento da comunicação face a face, particularmente os códigos pré-estabelecidos

que determinam condutas durante o uso e ocupação de lugares. Regras sociais definem

comportamentos típicos para certos ambientes, como permanecer em silêncio durante uma

sessão de cinema, um culto em um templo religioso ou uma apresentação de palestra em um

auditório; já em uma partida de futebol, dentro de um estádio, demonstrações de efusividade

são esperadas e bem-vindas; diálogos em tons cordiais são previstos em escritórios e

ambientes similares de trabalho; gritos, correrias e brincadeiras aparecem como hábitos

correntes no pátio escolar durante o intervalo de aulas de uma unidade de educação infantil; a

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259

contemplação silenciosa de obras de arte se mostra compatível com a postura prevista para

visitantes de um museu.

Conforme demonstrado na fundamentação teórica deste capítulo, os contextos onde se

desenvolvem as interações face a face impõem diferentes graus de restrições. De acordo com

os estudos de comunicação organizacional aqui discutidos, é provável que ambientes com

barreiras físicas concretas e artificiais, como paredes, muros ou balcões, estabeleçam

condições mais limitantes – porém seguras – para a comunicação. O ambiente visto como

obstáculo talvez justifique uma percepção mais palpável do potencial constrangedor de

algumas instalações, conforme apontam os estudos na Ampla e na Embrapa Soja.

Por outro lado, espaços inseridos na natureza podem apresentar-se como cenários

mais relaxantes e menos formais, onde possíveis tensões durante os diálogos seriam contidas

pela própria intervenção da paisagem. Essas preconcepções foram verificadas nos três

ambientes pesquisados, mas é recomendável ampliar o conjunto de locais estudados para

estabelecer, de forma mais sólida, essas relações.

Neste capítulo foi possível observar que os ambientes físicos – e seus códigos

mediadores – induzem a certos comportamentos e atitudes. Porém, também é perceptível que

o espaço físico, por si só, repercute de maneira limitada sobre as condutas. As formas de

interação face a face são determinadas por uma coleção articulada de elementos contextuais,

como o ambiente, as regras e costumes sociais, o tipo de relação entre interlocutores, o tempo,

entre outros.

Em função dessa constatação, convém encarar com reservas a hipótese 4: o local onde

se desenvolve a interação face a face interfere na comunicação organizacional,

provocando limitação da liberdade de expressão e constrangimento nos interlocutores

que venham a ocupar temporariamente o espaço dominado pelo Outro. De fato, o espaço

geográfico interfere no planejamento e execução de ações de comunicação organizacional,

porém, não determina, de modo isolado, as possíveis reações apontadas na hipótese. Assim, o

território, visto de forma desarticulada e independente de outras circunstâncias, não pode ser

considerado elemento constrangedor na interação, embora possa contribuir para essa situação.

Um segundo ponto compromete a aprovação da hipótese. A experiência vivenciada na

fazenda da Embrapa no Pantanal revela que o constrangimento não afeta, potencialmente,

apenas o interlocutor que visita o espaço dominado pelo Outro, mas pode atingir igualmente o

anfitrião. O controle sobre o cenário durante a recepção de jornalistas no Pantanal, ou nas

reuniões organizadas pela Ampla, ou ainda nas salas dos dirigentes da Embrapa Soja, de fato,

propicia maior segurança aos atores responsáveis pelos encontros. Porém, amplia, na mesma

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proporção, o risco levantado por Goffman (2011a): o acesso da plateia à região de fundo pode

ameaçar a representação da fachada se fragilidades na composição do cenário forem expostas.

Mais uma vez, observa-se que a análise fragmentada do espaço no contexto interacional

inviabiliza a comprovação da hipótese da maneira como foi formulada. Há diversos fatores

envolvidos na problematização das interações face a face que não podem ser desconsiderados.

Durante a elaboração do projeto de pesquisa que resultou nesta tese, havia um

entendimento – oriundo do senso comum, de experiências profissionais anteriores e de

leituras preliminares – de que situações constrangedoras estariam vinculadas especificamente

ao ambiente da interação. A pesquisa bibliográfica e experiências de comunicação

organizacional avaliadas com mais rigor, no entanto, comprovam que é necessário articular

vários aspectos mediadores para explicar a ocorrência do constrangimento e de restrições à

liberdade de expressão. Dessa forma, a hipótese 4 não pode ser integralmente confirmada ou

rejeitada. No entanto, como ocorreu em capítulos anteriores, ela fomenta uma discussão que

merece ser ampliada e exerce a função de indicadora de tendências na análise da interferência

dos lugares nas interações face a face.

Antes de finalizar o capítulo, cabem algumas ponderações de cunho teórico. A

discussão em torno das funções mediadoras dos espaços físicos levanta um debate importante

a respeito da intensificação do processo de midiatização na sociedade como um todo e em

alguns espaços geográficos em particular. O trabalho de comunicação organizacional

desenvolvido em regiões consideradas exóticas precisa levar em conta a evolução desse

processo. O conhecimento das instâncias mediadoras desses ambientes será adquirido, em

grande parte, por meio de tentativa e erro, pois a pesquisa em comunicação a respeito dessas

condições contextuais é incipiente.

A discussão desenvolvida nestas páginas aponta, como indica Martín-Barbero, a

centralidade do ser humano inserido em um contexto social, demarcado por mediações e

vivências. Investigadores que se aventuram por essa seara encaram ao menos dois desafios

contundentes: a complexidade de articular os aspectos mediadores do contexto e a

impossibilidade de se reproduzir as sensações vivenciadas durante as experiências

(CARDOSO FILHO, 2008; QUÉRÉ, 2010; WOLTON, 2004).

Daí a relevância de metodologias como a imersão, apontada como caminho para

exploração do espaço geográfico por Sandeville Junior (2004) e Sakaguti Junior (2010).

Mesmo sabendo, de antemão, das dificuldades que enfrentará ao tentar descrever

cientificamente sua experiência em determinado local, o pesquisador que optar pela vivência

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vai adquirir um conhecimento único e indispensável se quiser, de fato, desvendar o papel

mediador dos ambientes nos processos comunicacionais.

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CONCLUSÕES

A comunicação face a face deve ser compreendida, no âmbito desta pesquisa, como

uma opção que se soma aos meios tecnológicos disseminados na sociedade contemporânea

para ampliar as possibilidades de relacionamentos entre organizações e seus públicos de

interesse. As conversas presenciais são caracterizadas por especificidades que foram

construídas e desconstruídas a cada capítulo, levando-se em conta diferentes perspectivas. A

atribuição de sentido ao conjunto teórico aqui elaborado deve considerar o processo de

midiatização da sociedade, que imprime transformações substanciais nas formas como as

pessoas se relacionam e avança em distintas velocidades condicionadas por particularidades

territoriais e culturais.

O diferencial desta tese está justamente na relativização do fenômeno de midiatização

em ambientes considerados exóticos e geograficamente distantes sob a perspectiva de grandes

centros urbanos, na articulação entre o uso de múltiplos meios de comunicação pelas

organizações, bem como na dilatação da abordagem para mais de uma empresa – tentando

avançar na compreensão das singularidades da comunicação face a face a partir de esforços

empreendidos por outros pesquisadores.

A investigação indica que a própria midiatização pode servir de estímulo para o

entendimento das relações sociais na contemporaneidade, sob a ótica da comunicação. Essa

observação justifica a recorrência a teóricos que se dedicaram a desvendar processos de

interações sociais, como George Mead, Alfred Schutz, Erving Goffman e estudiosos da

Escola de Palo Alto.

A perspectiva da simultaneidade dos meios, defendida por Caughlin e Sharabi (2013),

sugere que a qualidade dos relacionamentos se eleva quando os contatos mesclam tecnologia

e copresença. A concepção de relacionamento adotada por esta pesquisa prevê que ele se

desenvolva ao longo do tempo – e o uso da comunicação tecnologicamente mediada mostra-

se imprescindível para que haja continuidade. Por outro lado, o relacionamento do Nós,

conceito trabalhado por Schutz (1979a), só é possível a partir de contatos face a face,

estimulados por motivações e linguagem comuns. O que o autor chama de mediatidade – a

comunicação indireta entre as pessoas – impede que meros contemporâneos se transformem

em seres semelhantes, aqueles que têm consciência um do outro.

Um dos objetivos específicos propostos por esta tese foi verificar, à luz de teorias que

focalizam o caráter relacional da comunicação, se as interações face a face interferem na

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construção e aprimoramento de relacionamentos empresariais com públicos externos e

internos. Para tanto, foi formulada a hipótese 1: quando adotada de forma planejada, a

comunicação face a face permite que as organizações construam e aprimorem

relacionamentos com seus públicos de interesse. A fundamentação teórica e os exemplos de

empresas que planejam a comunicação face a face para interagir com determinados públicos

permitiram confirmar a hipótese especificamente para os casos estudados e responder de

forma positiva ao objetivo específico, além de comprovar que a situação ideal é a de

equilíbrio entre as diferentes modalidades de interação.

O desbalanceamento observado atualmente em favor de canais mediados revela a falta

de visão estratégica em relação ao potencial oferecido pela comunicação face a face,

especialmente quando o foco é a gestão de relacionamentos. Esse alerta está subscrito na tese

de Martins (2012), que destaca justamente o uso estratégico da oralidade nos processos de

comunicação interna de uma organização.

Ainda que o encontro presencial seja único – e contanto que tenha sido planejado e

executado com a finalidade de estabelecer ou fortalecer determinado relacionamento – haverá,

na concepção de Schutz, uma mudança de perspectiva em relação aos que regressam ao status

de contemporâneos: não se trata mais de um sujeito qualquer, mas de um indivíduo com o

qual se conviveu e com quem se desenvolveu relativo grau de confiança e intimidade.

Convivência, aliás, que não prescinde de tempo, atenção e compartilhamento de experiências

simultâneas, ou do “envelhecer juntos”, outra orientação teórica de Schutz.

O segundo objetivo específico desta tese se propôs a observar teoricamente de que

forma o acesso às manifestações do interlocutor, bem como às chamadas deixas simbólicas

(ou pistas comunicacionais), possibilita que a organização utilize a comunicação face a face

para antever reações de determinado público e adaptar seu discurso, considerando

pressupostos da previsibilidade das reações do Outro, de George Mead; do contrafluxo da

escuta, de José Luiz Braga; da expectativa antecipada da recepção, de John Thompson; e do

exercício da perceptividade, de Erving Goffman. Esses estudiosos defendem que sujeitos em

interação podem perceber os comportamentos da alteridade, ressignificá-los e utilizá-los como

insumo para adaptar suas condutas e seus discursos, ajustando a comunicação e minimizando

riscos de atritos, desentendimentos ou conflitos.

Vinculada a esse objetivo estava a hipótese 2: a comunicação face a face

proporciona na interação com o interlocutor a observação direta de suas reações; com

isso, a organização que utiliza a comunicação face a face de forma planejada obtém

acesso a elementos não-verbais que permitem prever essas reações e ajustar seu

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discurso. Essa premissa foi confirmada tanto pela fundamentação teórica quanto para as três

empresas avaliadas, porém, não é possível estendê-la para outras organizações e/ou

circunstâncias sem a realização de estudos pontuais.

Ao descrever sua participação em um evento presencial – uma palestra acadêmica –,

França (2010) elabora uma análise do contexto e das expectativas que atuam na cena,

sintetizando boa parte do pensamento relacionado a esse objetivo específico da pesquisa.

O meu relato naquele evento não seria o mesmo se eu não estivesse pensando

no ambiente e nas pessoas que iriam ouvi-lo; se ele não tivesse sido

antecedido por leituras e uma convivência anterior com Quéré1, pelas

discussões com os colegas de minha universidade na preparação do que seria

aquele evento e na confluência e acomodação de nossa respectiva

compreensão sobre os temas e as questões em pauta. Esses antecedentes me

permitiram vislumbrar possíveis interpretações e funcionaram como estímulo,

de tal maneira que minha intervenção em grande medida constitui uma reação

e uma resposta não apenas ao que já havia sido vivido antes, mas àquilo que, à

luz do passado, eu podia projetar como reações e posicionamentos possíveis

daqueles a quem me dirigia. Assim, compreender esse entorno abre os

sentidos do texto para a compreensão da situação comunicativa como um

todo. (FRANÇA, 2010, p. 48).

Observa-se que a autora contempla a ocorrência de contatos presenciais ao mencionar

a convivência anterior com o conferencista, as discussões com os colegas da universidade na

etapa de preparação do evento e situações semelhantes vivenciadas no passado. Ao

desenvolver habilidades envolvendo a prática da comunicação face a face, a pesquisadora

projeta possíveis reações do público e se organiza para apresentar sua fala, coincidindo com a

premissa de que conhecendo melhor o contexto e os prováveis comportamentos alheios é

possível se antecipar e planejar com mais segurança suas próprias ações.

A atuação individual de França durante o simpósio condiz com as experiências

estudadas em três organizações localizadas no Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso do Sul.

As empresas completaram o ciclo de planejamento, execução e avaliação da comunicação

face a face, optando por adaptar suas condutas e discursos a partir dessas interações. A

exploração do contrafluxo da escuta equivale a uma atuação estratégica na comunicação

organizacional, porém, ao que tudo indica, ela estaria prejudicada sem a adequada capacitação

dos profissionais envolvidos. Conforme aponta Martins (2012), o trabalho com comunicação

exige treinamento, que deve ser previsto em políticas corporativas e devidamente planejado.

1 No evento, o II Simpósio Internacional – Comunicação e Experiência Estética, Vera França iria abrir o debate a

partir de conferência proferida por Louis Quéré.

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Interpretar diálogos face a face requer conhecimento, prática e habilidade para

“traduzir” as deixas simbólicas e demais elementos que compõem o contexto. Pesquisas

desenvolvidas fora do país, especialmente aquela publicada por Uhls et al (2014),

demonstram que as novas gerações tendem a perder a sensibilidade para decifrar emoções

humanas devido à escassez de tempo dedicado aos contatos presenciais. Organizações

também parecem negligenciar a formação de talentos nessa especialidade.

Apesar de esta tese atestar que a comunicação face a face reduz as incertezas durante a

interação, todo o conjunto de informações levantadas em conversas presenciais tende a ser

subaproveitado pela comunicação organizacional se não houver investimento na área. Ao

comunicador cabe não somente interpretar e compreender os elementos que envolvem a

comunicação não-verbal, mas principalmente situá-los no bios virtual. Essa discussão,

desenvolvida em profundidade nesta tese, aponta que na sociedade midiatizada – e mesmo em

espaços geográficos onde o processo de midiatização avança de forma mais branda – a

capacidade para planejar e utilizar estrategicamente essa fonte de informações parece

comprometida.

O terceiro objetivo específico desta pesquisa buscava relacionar discursos

organizacionais sobre a comunicação face a face com supostas intencionalidades das

empresas e apontar possíveis contradições entre o dito e as práticas institucionais. Para trilhar

esse caminho, além da fundamentação teórica baseada na análise de discurso da escola

francesa, foi explorada a teoria das representações de fachada e representações de fundo do

interacionista Erving Goffman. Foi construída, a partir desses pressupostos, a hipótese 3: o

discurso das organizações sobre comunicação face a face pode ser utilizado para

mascarar intencionalidades nem sempre explícitas.

Algumas organizações já perceberam que valorizar a comunicação face a face pode

render bons ativos no mundo dos negócios e procuram associar suas marcas a essa

modalidade de interação. Em busca desse bônus, manifestam-se internamente e/ou na mídia

especializada em empregos e carreiras defendendo essa forma de comunicação e destacando

apenas seus aspectos positivos. No capítulo que lança esse olhar alternativo para a

emblemática comunicação face a face no contexto da comunicação organizacional, observa-se

que nem sempre o discurso corporativo coincide com as práticas empresariais.

Embora ainda pouco frequentes, os discursos organizacionais sobre comunicação face

a face tornam-se convenientes para sustentar determinados posicionamentos empresariais,

legítimos ou não. A partir da análise de discurso – considerando as perspectivas dos gêneros

discursivos, dos deslocamentos e deslizamentos de sentido, dos atos ilocucionários e

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perlocucionários provenientes da teoria dos atos de fala e da significação do silêncio – a tese

conclui que, em três casos estudados, envolvendo as organizações Yahoo, Fiat e Nivea, há

indícios de que o discurso sobre comunicação face a face, de fato, pode ter encoberto supostas

intencionalidades das organizações. Esta hipótese só pode ser avaliada a partir do olhar atento

à interdiscursividade.

Ademais, a teoria das faces (ou fachadas) de Goffman revela que, assim como sujeitos

individuais ou pequenos grupos, as empresas também buscam negociar sentidos ao construir

sua imagem e reputação (representação de fachada). No entanto, as representações de fundo,

quando expostas, atuam como complicadoras nesse processo. Destarte, se a premissa sobre o

potencial dissimulante do discurso organizacional não pode ser estendida a todas as

organizações que se arriscam a formalizar manifestações sobre comunicação face a face, ao

menos nos casos analisados não foi possível descartá-la. Em função dessa constatação, a

terceira hipótese foi considerada válida especificamente para os três casos estudados.

O quarto objetivo específico desta tese almejava compreender, sob a esteira da teoria

da mediação, o modo como os ambientes físicos onde ocorrem as interações face a face

condicionam a comunicação organizacional, podendo inibir ou constranger o interlocutor que

ocupa momentaneamente o espaço do Outro. A hipótese 4 foi formulada para avaliar essa

situação: o local onde se desenvolve a interação face a face interfere na comunicação

organizacional, provocando limitação da liberdade de expressão e constrangimento nos

interlocutores que venham a ocupar temporariamente o espaço dominado pelo Outro.

De fato, os espaços cênicos não se projetam como neutros em processos

comunicativos. Por fazerem parte do contexto – e integrarem as chamadas deixas simbólicas –

os lugares detêm significados e exercem uma função mediadora. A controversa teoria das

mediações sociais, explorada inicialmente por autores espanhóis como Manuel Martin

Serrano e Jesús Martín-Barbero, coloca as relações humanas no centro dos processos de

comunicação, embora reconheça o poder da tecnologia. Mais recentemente, essa teoria vem

sendo vinculada aos estudos sobre midiatização – alguns pesquisadores a colocam como uma

etapa inicial desse processo; outros vislumbram similaridades entre as mediações dos meios e

o bios midiático, proposto por Muniz Sodré.

Pode-se inferir que as mediações sociais são cada vez mais condicionadas pela lógica

da mídia, embora em alguns redutos esse processo ocorra de forma menos invasiva, como em

espaços geográficos considerados peculiares, como Pantanal e Amazônia. Uma característica

dessas áreas é sua abordagem mediadora e mediada: ao mesmo tempo em que condicionam os

diálogos desenvolvidos sob seus domínios, esses lugares só são conhecidos por grande

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parcela da população através da mídia, que passa a simbolizar sua existência no imaginário

coletivo. É imperativo que a comunicação organizacional praticada nesses territórios

reconheça essa complexidade.

A pesquisa mostrou que os espaços físicos condicionam a comunicação face a face,

porém, não de forma desarticulada. É mister associar a paisagem – urbana ou rural – aos

demais elementos do contexto, como as regras sociais pré-estabelecidas para a ocupação de

espaços, os tipos de relacionamentos em interação, o controle sobre o cenário, o tempo de

contato, entre muitos outros. Representantes da Escola de Palo Alto decretam que restrições

na comunicação serão sempre definidas/determinadas pelo contexto.

Investigações recentes desenvolvidas em empresas brasileiras revelam o potencial

constrangedor de determinadas estruturas físicas, especialmente quando o ambiente é visto

como barreira ou obstáculo à comunicação. Ambientes naturais, onde instalações

artificialmente construídas se revestem de importância secundária, parecem mais propensos

ao fluxo dos diálogos. No entanto, é necessário expandir essa análise sobre a relação entre

espaços naturais, artificiais, informalidade, fluidez e controle.

A discussão ao final deste estudo aponta que o território pode contribuir para a

ocorrência de constrangimento e limitação da liberdade de expressão, porém, não de forma

isolada e descontextualizada. Ficou comprovado, ainda, que situações desconcertantes não são

exclusivas do visitante, podendo atingir igualmente os anfitriões. Isso ocorre porque a

comunicação face a face amplia os riscos de exposição das representações de fundo. Assim

sendo, da maneira como foi previamente formulada, essa hipótese não pode ser confirmada

nem rejeitada integralmente.

A avaliação das quatro hipóteses corrobora o que fora antecipado no detalhamento

metodológico: a pesquisa em ciências sociais é capaz de apontar tendências, e não de

estabelecer verdades. De forma geral, as premissas só puderam ser confirmadas para casos

específicos e determinados, cabendo novos estudos para a ampliação do conhecimento a

respeito do tema. As validações, no entanto, permitem utilizar as hipóteses como indicadores

para avaliação de posturas e discursos institucionais.

A principal questão que esta pesquisa se propôs a responder, entretanto, está

relacionada ao papel atual reservado à comunicação face a face nas organizações e em que

circunstâncias ela se desenvolve, considerando o avanço das interações tecnologicamente

mediadas no contexto da sociedade midiatizada. Conversas presenciais ocorrem

rotineiramente em quaisquer ambientes profissionais e não devem ser confundidas com

projetos ou programas de relacionamentos que sistematizem o uso dos contatos cara a cara.

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Refletir sobre elementos da cotidianidade revela-se um procedimento mais desafiador para a

pesquisa do que aprofundar o conhecimento a respeito de situações ou eventos episódicos.

A comunicação face a face nas empresas ocorre de forma simultânea e combinada a

outros canais de comunicação, porém, ela proporciona resultados práticos e filosóficos pouco

explorados pelas organizações. Raramente se verifica a utilização plena e estratégica dos

contatos presenciais como mecanismo para criar e fortalecer relacionamentos profissionais,

para conhecer as reações alheias e ajustar a comunicação, para alinhar o discurso corporativo

às práticas empresariais e para avaliar com mais precisão o conjunto contextual que pode ser

decisivo para a comunicação organizacional, entre eles o espaço físico onde se desenvolvem

as interações. Esse subaproveitamento da potencialidade da comunicação face a face pode ter

sua origem no desconhecimento de suas especificidades, na falta de habilidade para praticá-la

e gerenciá-la, na presunção equivocada de que as interações mediadas possam dar conta da

totalidade da comunicação ou mesmo no desinteresse. A própria ciência da comunicação vem

apresentando produção mais volumosa em relação às pesquisas envolvendo interações

mediadas por tecnologias.

Essas são as circunstâncias que envolvem, na contemporaneidade, o uso planejado e

estratégico da comunicação face a face em organizações. Empresas que optaram por investir

em projetos que priorizam/valorizam as interações presenciais relatam internamente, na mídia

especializada ou através de pesquisas científicas aqui mencionadas os resultados positivos

alcançados. Eles estão associados à qualidade nos relacionamentos, retenção de talentos,

produtividade, imagem e reputação institucional, legitimação de lideranças e fomento de

parcerias. Também foram vinculados à comunicação face a face valores como

comprometimento, respeito, engajamento, mobilização, credibilidade e confiança. Esses

ganhos só puderam ser sistematizados porque a tese analisou um conjunto de empresas,

agrupando os principais benefícios.

Porém, a comunicação face a face implica também dificuldades de planejamento e

operacionalização. Custo mais alto, maior consumo de tempo, necessidade de deslocamentos

espaciais e capacitação de talentos para atuar nessa modalidade são alguns fatores limitantes.

A situação ideal seria a busca do equilíbrio, para que a organização desfrute dos benefícios da

comunicação tecnologicamente mediada, e, ao mesmo tempo, usufrua das vantagens que

apenas a comunicação face a face pode proporcionar.

Outro ponto inexplorado pelos estudiosos da comunicação face a face é sua ocorrência

em organizações que priorizam o conflito. Nem sempre as instituições utilizam a

comunicação como mecanismo para buscar harmonia. Organizações criminosas, por exemplo,

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têm se valido da comunicação tecnologicamente mediada para expor cenas de violência e

promover o terror. Embora não tenham sido localizados estudos específicos, há indícios de

que mesmo alguns grupos que associam sua imagem à ideia de confronto procuram, em

determinadas situações, desfrutar as vantagens da comunicação face a face com públicos de

interesse.

Esta tese procura, portanto, apresentar e discutir algumas circunstâncias que envolvem

a interação face a face para disponibilizar às organizações conhecimento que possa nortear

suas escolhas, seja ampliando os contatos presenciais já desenvolvidos, seja planejando e

implantando novos programas que considerem o referencial teórico e analítico aqui construído

para a avaliação da comunicação com públicos de interesse. Não se trata de diretrizes

indicativas de sucesso empresarial; ao contrário, são contribuições que auxiliam na detecção

de problemas de comunicação organizacional inseridas em uma perspectiva crítica.

Além desse conhecimento passível de ser aplicado, a pesquisa procurou avançar no

debate teórico-metodológico. Embora a metodologia do estudo de caso não represente uma

inovação, ela se adequou a esta tese permitindo contemplar cientificamente uma experiência

de comunicação organizacional vivenciada no Pantanal brasileiro, somando-se às demais

pesquisas desenvolvidas por outros investigadores. O detalhamento empírico demonstrado a

partir da análise do projeto de comunicação organizacional desenvolvido pela Embrapa

Pantanal traz para esta tese um componente experimental que subsidia uma das discussões

centrais: a construção de relacionamentos organizacionais a partir de um planejamento que

prioriza os contatos face a face com alguns públicos de interesse.

Essa experiência apresenta dados primários inéditos em relação à comunicação

organizacional praticada no bioma. A empresa projetou contatos presenciais com stakeholders

e alternou os espaços de diálogos, o que permitiu averiguar características do contexto que

condicionam as interações. Equipes de jornalistas da região Sudeste e estudantes de

comunicação de duas universidades federais convidados a visitar o Pantanal tornaram-se

sujeitos da comunicação face a face, assumindo a condição de semelhantes em relação aos

atores que atuam naquela região. A observação das reações desses grupos permitiu colocar em

xeque, entre outras, a ideia de que (apenas) os visitantes se sentiriam constrangidos em

ambientes controlados pelo Outro. Os dados empíricos indicam ainda que alguns

relacionamentos estabelecidos a partir de encontros pessoais tendem a ser duradouros e

confiáveis, a ponto de interlocutores externos serem chamados a opinar sobre o futuro da

organização. O uso conjugado de tecnologias mostrou-se fundamental para iniciar e dar

continuidade aos relacionamentos, conforme demonstrado pelo método do estudo de caso.

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No âmbito teórico, as contribuições começam pelo enquadramento do estudo no

paradigma relacional. Uma investigação que se dispõe a explorar a comunicação face a face

imprime, naturalmente, a valorização da alteridade no contexto da comunicação

organizacional. Promover o diálogo presencial com seus públicos de interesse significa algo

além de escutar e acolher. Trata-se de uma demonstração de respeito, atenção e dedicação

cada vez mais exígua, quando não de uma possibilidade de empoderamento desse

stakeholder. Na sociedade midiatizada, as organizações dependem progressivamente das

inter-relações com esses públicos. Cativar torna-se uma estratégia mais sedutora do que

ignorar ou enfrentar.

A sustentação teórica do paradigma relacional interpela autores que estudaram a fundo

as interações sociais. A inclusão de Alfred Schutz na pesquisa bibliográfica revela-se uma

re(descoberta) gratificante, pois, até então, poucos investigadores brasileiros da comunicação

haviam explorado sua obra. Schutz traz para o debate conceitos inovadores, como o

relacionamento do Nós, o envelhecer juntos, além das noções de contemporâneos e

semelhantes. Há muitas lacunas a serem preenchidas pela sua teoria. A adaptação dos

pensamentos de George Mead para o universo da comunicação organizacional também se

configura como uma contribuição teórica desta pesquisa.

Ao mesmo tempo em que a tese resgata teóricos que despontaram no século passado,

por considerá-los atuais, foi reservado espaço para contemplar autores contemporâneos

preocupados com o excesso de conectividade (ou alinhados à abordagem tecnofóbica).

Bauman, Wolton e Marcondes Filho alertam para os exageros da comunicação

tecnologicamente mediada e alegam que a convivência torna-se o grande desafio para a

sociedade pós-internet. É importante considerar as críticas tecidas por esses estudiosos,

especialmente para fundamentar a necessidade de equilíbrio entre os diversos modos de

comunicação.

Enquanto essa perspectiva mais cautelosa é levada em conta, esta tese encontra na

literatura internacional recentes pesquisas que avançam na integração dos meios de

comunicação e inter-relacionam os veículos com os laços estabelecidos. Um exemplo é a

teoria da multiplexidade dos meios, proposta por Haythornthwaite (2005), dentre outras – a

maioria de origem norte-americana. Esses estudos abrem caminhos prósperos para a pesquisa

em comunicação organizacional, especialmente com foco em relacionamentos.

Outra contribuição teórica foi a inserção da análise de discurso como olhar alternativo

para a comunicação face a face no contexto das organizações, conduzindo ao debate autores

ligados às teorias da linguagem. Esse cruzamento proporcionou uma reflexão a respeito das

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manifestações públicas das empresas sobre essa modalidade de comunicação e de prováveis

interesses encobertos por esses discursos. Descobriu-se, a partir dessa análise, que apenas os

benefícios ligados às interações presenciais têm sido destacados pelas empresas.

O resgate da teoria das mediações sociais e consequente debate sobre suas origens,

atualizações e fragilidades foi outra proposta engendrada por esta pesquisa no sentido de

contribuição para a discussão teórica. O avanço, no entanto, se encontra na conexão desse

conhecimento com o contexto que envolve a comunicação face a face, em especial o espaço

geográfico, e na interdisciplinaridade buscada para explicar a relação das paisagens com os

diálogos presenciais.

Por fim, o debate teórico recebeu ainda desta tese contribuições a respeito do

fenômeno da midiatização. Além da revisão conceitual, observou-se que a pesquisa em

comunicação não pode abrir mão de refletir sobre o avanço desigual desse processo e sobre as

diferentes maneiras de lidar com ele. O bios virtual se concretiza como o ambiente onde se

desenvolvem as relações humanas e ignorá-lo corresponderia a fechar os olhos para a

reestruturação da sociedade. É preciso acompanhar o ritmo e a intensidade com que a lógica

da mídia se instala em diferentes territórios e de que forma atua sobre culturas distintas. Essa

discussão deve fazer parte da essência das teorias da comunicação contemporâneas.

A maior limitação para o desenvolvimento desta investigação se concentrou

exatamente na escassez de conhecimento acumulado sobre comunicação face a face no

contexto de organizações brasileiras. Reforça-se a necessidade de distinguir entre a ocorrência

de interações cara a cara em rotinas institucionais, o planejamento de ações envolvendo

contatos presenciais e a reflexão científica a respeito delas. Sabe-se que os encontros face a

face acontecem diariamente nas organizações, seja por meio de reuniões para solucionar

problemas, palestras técnicas ou encontros informais. Porém, mostram-se ainda incomuns

projetos específicos de comunicação face a face nas empresas e confirma-se a raridade de

estudos científicos sobre essas experiências. Pode-se afirmar que, no Brasil, a pesquisa em

comunicação face a face no âmbito organizacional encontra-se em fase embrionária.

Diante desse cenário, há um campo considerável a ser explorado em futuras pesquisas,

especialmente se confirmada a expectativa de a comunicação face a face vir a se fortalecer em

função da saturação de informações e conexões provenientes das interações tecnologicamente

mediadas. A percepção de que a comunicação face a face está propensa a se tornar moderna e

atual está explícita em estudos como o de Martins (2012) e de Gonçalves e Perez (2009). A

temática dos relacionamentos sociais e humanos deve exigir muito esforço da pesquisa em

comunicação nos próximos anos. Duas intervenções de Wolton apontam nessa direção: “não

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há relação direta entre multiconexão e a capacidade de se relacionar com o outro” (2006, p.

86) e “o canal não basta para criar a relação” (2008, p. 15).

Hiatos podem ser preenchidos ainda no conhecimento a respeito de elementos

contextuais que interferem nas interações face a face, a exemplo do que se buscou pesquisar

nesta tese sobre as intervenções do espaço geográfico nos diálogos presenciais. Também se

apresenta como terreno fértil para investigação a inter-relação entre a comunicação cara a cara

e os demais canais de comunicação empresarial na perspectiva de simultaneidade dos meios,

trabalho apenas iniciado por este estudo.

Cabe ainda, a exemplo do que Haythornthwaite (2005) vem desenvolvendo nos

Estados Unidos, vasculhar a profundidade dos vínculos em relação à quantidade de meios de

comunicação utilizados. Não foram localizadas pesquisas nessa linha publicadas no Brasil,

bem como trabalhos que abordem os critérios adotados pelas organizações para a escolha dos

meios de comunicação para abordar seus públicos de interesse. Além desses estudos de

inspiração norte-americana, seriam proveitosos trabalhos que investigassem os motivos que

levam empresas brasileiras a relegar a comunicação face a face e, até mesmo, o desinteresse

dos cientistas nacionais a respeito do tema. Como as pesquisas na área são incipientes,

quaisquer contribuições no sentido de ampliar o conhecimento a respeito dessa modalidade de

comunicação são extremamente valiosas.

Diante de toda a discussão apresentada e das reflexões desenvolvidas nesta tese, é

proposta a sistematização de uma agenda para os estudos e práticas em comunicação

organizacional em que se leve em conta:

a comunicação face a face deve ser vista pelos profissionais da área e pela

coalização dominante como estratégica para o desenvolvimento de

relacionamentos organizacionais e, consequentemente, do próprio negócio;

os profissionais de comunicação organizacional precisam se capacitar para atuar

estrategicamente com projetos e programas de comunicação face a face,

considerando não apenas suas vantagens, mas principalmente as dificuldades que

envolvem sua prática;

essa capacitação profissional necessita ampliar o conhecimento sobre as deixas

simbólicas ou pistas comunicacionais, características da comunicação face a face,

para que a construção de sentido durante o processo de interação seja teoricamente

fundamentada, e não especulativa;

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a perspectiva da simultaneidade dos meios deve ser considerada nos planejamentos

de comunicação organizacional; se a instituição almeja estabelecer

relacionamentos de vínculos fortes, é recomendável que amplie os canais de

comunicação a serem utilizados, incluindo projetos de comunicação face a face,

conforme prescreve a teoria da multiplexidade dos meios;

o processo de midiatização deve ser conhecido, considerado e relativizado, quando

for o caso, pelos profissionais de comunicação, em função do local e da herança

cultural onde atuam;

é conveniente que os planejamentos que envolvam a comunicação face a face nas

organizações detalhem elementos contextuais que incidam sobre as interações; no

caso do espaço físico, os profissionais devem estar atentos para as vantagens de se

controlar o cenário e para os riscos de exposição implicados;

quando possível, discursos sobre comunicação face a face e práticas

organizacionais precisam estar em sintonia, para que se evitem elucubrações a

respeito de intencionalidades ilegítimas ou ocultas e atenuar riscos para a imagem

e reputação da empresa;

a pesquisa em comunicação organizacional pode direcionar novos olhares para a

comunicação face a face, a partir da instituição do processo de midiatização,

contribuindo para esclarecer aspectos teóricos ainda obscuros sobre esse tema.

Por fim, na sociedade midiatizada – ou em processo de midiatização –, é patente que a

comunicação face a face se torne indissociável da mediação dos meios – em sua dimensão

cultural. A lógica da mídia se revela sedutora e soberana. Se as relações humanas são

permeadas por distintas mediações culturais, a própria mídia se apresenta como um elemento

mediador próprio da cultura midiatizada. Esse pensamento explica, em parte, porque a

comunicação face a face, em sua essência, se distancia dos holofotes. Ao mesmo tempo,

justifica as razões pelas quais algumas organizações começam a buscar o diferencial

proporcionado exclusivamente por ela.

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