UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · vida dos educandos da EJA do SESC Ler Nova Cruz....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA ANÁLISE SOBRE A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE APLICADA À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS NA ESCOLA SESC LER EM NOVA CRUZ/RN Nathália Thaís Trajano da Fonsêca Silva NOVA CRUZ-RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA

ANÁLISE SOBRE A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE

APLICADA À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS

VIVENCIADAS NA ESCOLA SESC LER EM NOVA CRUZ/RN

Nathália Thaís Trajano da Fonsêca Silva

NOVA CRUZ-RN

2016

Nathália Thaís Trajano da Fonsêca Silva

ANÁLISE SOBRE A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE

APLICADA À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS

VIVENCIADAS NA ESCOLA SESC LER EM NOVA CRUZ/RN

Artigo Científico apresentado ao Curso de Pedagogia, na modalidade à distância, do Centro de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia, sob a orientação do professor Esp. Hélder Pacheco de Medeiros.

NOVA CRUZ-RN

2016

ANÁLISE SOBRE A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE

APLICADA À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS

VIVENCIADAS NA ESCOLA SESC LER EM NOVA CRUZ/RN

Por

Nathália Thaís Trajano da Fonsêca Silva

Artigo Científico apresentado ao Curso de Pedagogia, na modalidade à distância, do Centro de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura em Pedagogia.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________

Prof. Esp. Hélder Pacheco de Medeiros

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_____________________________________________________

Prof.ª Ms. Antônia Costa de Andrade

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

______________________________________________________

Prof.ª Convidada Ms. Hiltnar Silva Muniz Rochael

Secretaria Municipal de Educação do RN

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ANÁLISE SOBRE A PEDAGOGIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE

APLICADA À EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: EXPERIÊNCIAS

VIVENCIADAS NA ESCOLA SESC LER EM NOVA CRUZ/RN

SILVA, Nathália Thaís Trajano da Fonsêca¹

MEDEIROS, Helder Pacheco²

RESUMO

A partir de pesquisa de natureza observacional descritiva assistemática, o presente artigo consiste em desvelar os efeitos da pedagogia libertadora de Paulo Freire na vida dos educandos da EJA do SESC Ler Nova Cruz. A pedagogia libertadora e humanista possibilitam os oprimidos enxergarem o mundo da opressão, passando a comprometer-se com sua transformação. Mediante as observações e os discursos informais proferidos pelos alunos e professores, é inegável as transformações promovidas por esta pedagogia. Desta forma, permeada por tal, a metodologia sesquiana vem fomentando o desenvolvendo de cidadãos críticos reflexivos e atuantes frente ao contexto social que os rodeiam, capazes de transformar suas trajetórias de vida por meio do conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Educação libertadora, Paulo Freire, Educação de Jovens e Adultos, SESC Ler Nova Cruz.

ABSTRACT

From research unsystematic descriptive observational nature, this article is to reveal the effects of liberating pedagogy of Paulo Freire in the lives of students of EJA SESC Read New Cross. The liberating and humanist pedagogy allow the oppressed see themselves the world of oppression, going to commit to your transformation. Through the observations and informal talks by students and teachers, it is undeniable the changes promoted by this pedagogy. Thus, encompassed by such a sesquiana methodology is encouraging developing critical citizens reflective and active against the social context around them, able to transform their life trajectories through knowledge.

KEYWORDS: Liberating education , Paulo Freire , Youth and Adult Education, SESC Read New Cross.

¹ Graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Técnica em Informática

(IFRN). Técnica em Administração (IFRN). Ex-estagiária do SESC LER Nova Cruz. Professora do ensino infantil da rede

pública de educação. E-mail: [email protected]

² Especialista e Professor da Escola de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Professor Orientador do Curso de Pedagogia EAD – UFRN. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Oprimidos por uma sociedade excludente, que lhes negou o direito da educação

em um determinado momento de suas vidas, os educandos da modalidade EJA –

Jovens e Adultos, após percorrerem um árduo e duro caminho, procuram agora a

escola para que esta possa lhe servir como um meio de esperança, transformação e

principalmente libertação. Foi exatamente este contexto encontrado nas salas de

aulas de jovens e adultos do SESC Ler Nova Cruz.

Este artigo tem como objetivo analisar os efeitos da pedagogia libertadora de

Paulo Freire na vida dos educandos da EJA da instituição de ensino SESC Ler Nova

Cruz, que vem aplicando em seu processo de aprendizagem uma metodologia

diferenciada, voltada à construção de um saber transformador.

Para Freire (1987, p.18), há na sociedade uma divisão entre dois sujeitos: o

opressor e o oprimido. O primeiro é responsável por oprimir, aprisionar e

desumanizar, enquanto que o segundo, que já se adaptou a essa condição, chega

muitas das vezes a sentir receio de uma possível libertação.

Ainda de acordo com este autor:

“A libertação, por isto, é um parto. E um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se.” (FREIRE, 1987, p.19).

A pedagogia libertadora e humanista faz com que primeiro os oprimidos

enxerguem o mundo da opressão, e dessa forma passem a comprometer-se com

sua transformação. E quando transformada a realidade opressora, deixa de ser

pedagogia do oprimido, e passa a ser a pedagogia dos sujeitos em constante

transformação.

Dessa forma, diante do notório e brilhante trabalho deste grande professor e

pesquisador, bem como de sua pedagogia do oprimido, da esperança, do amor e do

diálogo, logo se percebe que esta conjuntura sócio pedagógica é fator

preponderante na metodologia utilizada pelos docentes da escola em questão.

A educação dentro das salas de aula do SESC Ler Nova Cruz, não é uma

alienante transferência de conhecimentos, nem tampouco uma educação bancária

(depositária), onde os alunos são meros depositários do saber. Ao contrário da

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educação libertadora, na visão bancária o conhecimento é uma transmissão, uma

verdadeira “doação” dos que se dizem “sábios” aos que julgam nada saber. Ao invés

de comunicar-se, o docente faz comunicados e depósitos que os discentes, meros

repositórios, recebem pacientemente, memorizam e repetem.

Diante deste pressuposto Freire (1987) sugere:

“Uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo especializado neles e não aos homens como “corpos conscientes”. A consciência como se fosse alguma seção “dentro” dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá “enchendo” de realidade. Uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que se vão transformando em seus conteúdos. Como se os homem fossem uma presa do mundo e este um eterno caça ,dor daqueles, que tivesse por distração “enchê-los” de pedaços seus” (FREIRE, 1987, p.36).

Diferentemente da equivocada concepção bancária, a educação promovida

no SESC Ler Nova Cruz, verdadeiramente se compromete com a libertação e a

problematização dos homens em suas relações com o mundo. Os educadores desta

unidade optam pela humanização, pelo diálogo, pelo trabalho pedagógico voltado e

associado à realidade de seus educandos.

O papel do educador, bem como da escola problematizadora é promover por

meio diálogo e do amor o desenvolvimento de sujeitos críticos que busquem

permanentemente por sua libertação e que se percebam como seres co-

construtores da realidade que os rodeiam. Dessa forma, de acordo com Freire

(1987, p.47), “não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar

verdadeiro: um pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-

homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade”.

Por isso, diante deste contexto que envolve o diálogo, a humanização e a

libertação, surge o seguinte questionamento: quais os efeitos da pedagogia

libertadora de Paulo Freire na vida dos educandos da modalidade EJA do SESC Ler

Nova Cruz?

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Para compreender o que de fato se configura a educação libertadora, é preciso

voltar um pouco ao passado, especificamente ao período colonial, onde já é possível

perceber as primeiras e sutis práticas voltadas à educação de jovens e adultos. Tais

ações deram início com a escolarização primeiramente dos povos indígenas e

posteriormente dos povos africanos, que rotulados como ignorantes e não civilizados

pelos “educadores” jesuítas, receberam de maneira compulsória uma educação

“cristã”, que tinha apenas um único propósito, o de combater com veemência os

cultos aborígenes e pagãos e dessa forma propagar e garantir a supremacia do

catolicismo.

Como lembra BRENNAND e ROSSI (2009, p.201), a educação destes

indivíduos imprimia uma significativa transformação de vida, pois desde muito cedo,

era necessário apagar todos os vestígios de seus costumes e crenças para que

assim pudessem adquirir um novo modo de vida. Para que isso ocorresse, os

jesuítas se desvelaram em utilizar “eficazes” instrumentos de catequização e

instrução, os rigorosos castigos. A disciplina, a autopunição e o medo,

caracterizavam essa “pedagogia” praticada com rispidez pelos jesuítas.

Já dizia Freire (1987, p. 16) que a humanização é nada mais do que a

vocação negada dos homens. Vocação esta negada por meio da injustiça,

desigualdade, opressão e violência imposta pelos opressores. Desta forma, a

desumanização, apesar de um fato concreto na história, não é porém, um desígnio

divino, mas o produto de ordenação injusta que acarreta na violência dos

opressores.

Por aproximadamente 210 anos a educação brasileira esteve sob o domínio

religioso da Companhia de Jesus. De início, as práticas educativas, voltaram-se

apenas a “salvar” as almas perdidas. Posteriormente, organizaram um sistema

educativo mais abrangente na qual viria a se consolidar com as primeiras casas de

ler e escrever.

Com a Era Pombalina, bem como a crise do antigo regime, ocorre em 1879 à

expulsão dos jesuítas. De acordo com Pereira et al. (2012, p. 11) é a partir deste

momento que iniciam os registros históricos da propagação da educação noturna

para adultos, mais conhecida como Educação Popular. Esta foi uma das diversas

maneiras de mobilização de massas adotadas no Brasil.

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Devido à conjuntura social vigente, a escolarização não era vista como um

fator necessário daquela época, passando a ser fundamental para o progresso

social apenas a partir da Lei Saraiva, promulgada em 1881, na qual restringe o voto

e a candidatura apenas àqueles que dominam o mundo da leitura e escrita. Com a

participação popular por meio do voto, é possível constatar numerosos

procedimentos de cunho político, social e cultural de mobilizações das classes

populares.

Com a expansão industrial, no século XX, iniciou-se de maneira tímida, porém

progressiva, um movimento de valorização da educação de adultos. A partir destas

mobilizações, surgiram diversos embates e discussões políticas acerca da educação

como dever do Estado, culminando na Revolução de 30. Este período também foi

marcado pelo surgimento do “Manifesto dos Pioneiros” que acarretou em grandes

mudanças no âmbito educacional na Constituição Brasileira de 1934.

Diante destes episódios, Pereira et al. (2012, p. 12) afirma que as

transformações e mudanças políticas, econômicas e sociais, acabaram fomentando

o espaço da Educação de Jovens e Adultos na história da educação brasileira. Vale

salientar que com o estabelecimento do Plano Nacional de Educação, o ensino

primário passou a ser instituído como responsabilidade do Estado, oferecendo este,

de forma gratuita, integral, sendo de frequência obrigatória e concedido como um

direito constitucional amplo para os adultos. Segundo Haddad e Di Pierro (2000,

p.110) “Pela primeira vez a educação de jovens e adultos era reconhecida e recebia

um tratamento particular”.

Por meio da criação, estudos e pesquisas do Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos (INEP), em 1942 foi instaurado o Fundo Nacional do Ensino Primário,

onde teria por incumbência executar um plano contínuo de ampla extensão da

educação básica, na qual abrangesse o ensino supletivo para adolescentes e

adultos. Posteriormente, presidiu-se a este fundo que 25% de seus recursos seriam

empregados em um plano geral de ensino supletivo proposto a adolescentes e

adultos analfabetos.

Com o início da década de 40, as reformas na educação brasileira deram

continuidade, tendo como destaque o ensino profissional a partir da formação do

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. É então, a partir deste contexto que a

qualificação profissional da Educação de Jovens e Adultos passa a se instaurar.

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Em 1945, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura (UNESCO), propalava para o mundo a gigantesca disparidade entre os

países, advertindo a importância da educação, principalmente a educação de

adultos, para desenvolvimento das nações. Por isso requisitou aos países que dela

faziam parte, e entre eles estavam o Brasil, a erradicar o índice de analfabetismo.

Tendo em vista o cenário de efervescência política internacional do pós-guerra, bem

como os movimentos e eventos voltados para educação de adultos, houve uma

preocupação relevante acerca da educação elementar comum.

Foi então que surgiram as iniciativas do governo federal, sendo promovida a

primeira Campanha de Educação de Adultos, lançada em 1947. Esta campanha

tinha o propósito de alfabetizar os adultos em um período de três meses, onde seria

proporcionado ao adulto analfabeto um curso primário em duas etapas de sete

meses, o preparo profissional e o desenvolvimento social.

Com a realização do II Congresso Nacional de Educação de Adultos, em

1958, intensificou-se a preocupação em traçar novamente as características

particulares e um espaço específico para essa modalidade de ensino, tendo em vista

que a atuação educativa estava reproduzindo as mesmas ações da educação

infantil. Dentro dessa perspectiva, devemos considerar diversos acontecimentos,

como campanhas, movimentos, eventos e programas no âmbito da educação de

adultos, que vai de 1959 a 1964.

Com o início do ano de 1964, deu-se o período conhecido como golpe militar.

Esta fase a qual passou o Brasil foi marcado por um Estado opressor e ditatorial

onde todos os movimentos relacionados à educação e cultura populares foram

coibidos, seus líderes presos e seus ideais totalmente censurados. Dessa forma

todos os programas voltados à educação de jovens e adultos foram interrompidos,

pelo fato de divergirem com os interesses dos militares.

Um dos movimentos reprimidos foi o Movimento de Cultura Popular (MCP),

criado em 1960 na cidade do Recife. Tendo como líderes o ideólogo Germano

Coelho e o grande educador Paulo Freire, tinha como principal objetivo realizar “uma

ação comunitária de educação popular, a partir de uma pluralidade de perspectivas,

com ênfase na cultura popular, além de formar uma consciência política e social nos

trabalhadores, preparando-os para uma efetiva participação na vida política do

País.” (GASPAR, 2010 apud BOLEIZ, 2012, p.11).

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As relações entre o trabalho de Freire e ascendente massa popular são bem

evidentes. Angustiado com a problemática do analfabetismo, este educador

direcionou-se às massas que estiveram “inexistentes” na história. Sempre se voltou

às camadas mais oprimidas. A serviço da liberdade confiou no poder da

conscientização. Para Freire (2001, p. 23) a educação tem a missão primordial de

fomentar no indivíduo um juízo crítico dos fatos propostos pela elite, bem como

oferecer a oportunidade de escolher seu próprio caminho.

Como era de se esperar, os grupos reacionários confundiram o movimento de

libertação com uma rebelião. Não apenas devido os seus ideais, mas, sobretudo,

porque quis fazer da libertação do homem o sentido real de sua proposta, Paulo

Freire foi extremamente hostilizado e exilado do país. Porém, continuou dando

prosseguimento ao movimento de libertação do homem através da educação, pelo

mundo a fora.

Paulo Freire foi bem mais que um ideólogo, foi um pensador “casado” com a

vida e com a existência, onde levava dentro si a bandeira da liberdade. Para ele:

“Em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação de consciências, “a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes”. Os métodos da opressão não podem, contraditoriamente, servir à libertação do oprimido. Nessas sociedades, governadas pelos interesses de grupos, classes e nações dominantes, a “educação como prática da liberdade” postula, necessariamente, uma “pedagogia do oprimido”. Não pedagogia para ele, mas dele. Os caminhos da liberação são os do oprimido que se libera: ele não é coisa que se resgata, é sujeito que se deve autoconfigurar responsavelmente” (FREIRE, 1987, p.5).

A educação libertadora a qual promulgava Freire, diz respeito a uma

pedagogia em que o oprimido possa ter a plena possibilidade de refletir, analisar e

descobrir-se como sujeito construtor de sua própria história. É nesse contexto que

se efetiva o sentido da alfabetização: o de aprender a escrever sua própria

existência, ou seja, biografar-se, historicizar-se. Assim se dá a pedagogia de Paulo

Freire, sendo método de alfabetização, tem como proposta a prática da libertação.

Para ele alfabetizar é conscientizar, e se o educador promove a conscientização,

consequentemente também oferece a libertação.

Através da proposta libertadora deste educador, a qual considerava a

educação como uma maneira de interferir no mundo, idealizou-se a metodologia

freireana. Tal prática educacional, preconiza a primazia do homem como ser ativo de

mudanças dentro da sociedade, tendo o diálogo como grande aliado para que o

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alfabetizando possa ter acesso ao mundo da leitura e escrita de forma lúdica,

dinâmica e socializadora.

De acordo com o método, os alfabetizadores devem partir de palavras do

cotidiano dos alfabetizandos, as famosas palavras geradoras, para que desse modo

os educandos formem seu universo vocabular. A alfabetização não é um mero

processo de palavras, mas a consciência analítica e critica da cultura do mundo a

nossa volta, é além de tudo, a abertura de novos mundos, novos caminhos, novas

conquistas e novas histórias.

A primeira e uma das mais famosas experiências da metodologia de Paulo

Freire foi observada no nordeste brasileiro, mais precisamente na cidade de

Angicos, situada no querido estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1962. Os

resultados alcançados por Freire por meio do movimento de educação popular

tiveram uma grande repercussão, causando profundas inquietações por parte da

opinião pública. Aconteceu então simplesmente o inesperado, 300 trabalhadores

foram alfabetizados em 45 dias.

O método de Paulo Freire refuta a prática educativa voltada para as cartilhas

e manuais escolares, pois esta, segundo ele, leva os educandos a serem meros

expectadores, depósitos de memorizações e não sujeitos construtores de suas

realidades. Assim, ao invés das cartilhas, foram criados cadernos de cultura, nestes,

os conteúdos eram vinculados a vivencia dos alfabetizandos, para que eles

pudessem refletir acerca de suas realidades.

Para Gadotti e Romão (2006):

“O conceito de Educação de Jovens e Adultos vai se movendo na direção do de Educação Popular na medida em que a realidade começa a fazer algumas exigências à sensibilidade e à competência científica dos educadores e das educadoras. Uma destas exigências tem com a compreensão crítica dos educadores do que vem ocorrendo na cotidianidade do meio popular. Não é possível a educadores e educadoras pensar apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos populares. Os próprios conteúdos a serem ensinados não podem ser totalmente estranhos àquela cotidianidade. O que acontece, no meio popular, nas periferias das cidades, nos campos – trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se para rezar ou para discutir seus direitos - , nada pode escapar à curiosidade arguta dos educadores envolvidos na prática de Educação Popular” (GADOTTI; ROMÂO, 2006, p. 15).

A valorização da cultura do educando é indispensável para o processo de

conscientização e libertação preconizado por Freire. Sua proposta propaga a relação

dialógica entre o educador e o educando, onde estes se expressam sobre aspectos

da realidade, possibilitando desta forma novas descobertas.

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O método Freireano parte da análise da realidade do educando, que nada

mais é do que a fala do mesmo. Assim os temas geradores são imbuídos da

problematização da prática de vida dos alunos e os conteúdos programáticos são

resultados de uma metodologia dialógica.

Paulo Freire propõe a execução de seu método em cinco fases:

1ª Fase: Diz respeito ao levantamento do universo vocabular propalado pela

comunidade a qual os educandos estão inseridos;

2ª Fase: Após o levantamento das palavras e temas de significativa relevância no

cotidiano dos alunos, é necessário realizar uma seleção das mesmas, levando em

conta a riqueza fonética e morfológica, bem como o sentido prático na realidade

social, cultural e política dos alunos;

3ª Fase: Nesta fase é preciso evidenciar situações reais da vida cotidiana dos

alunos, devendo estas serem discutidas com o propósito de suscitar uma análise

crítica reflexiva dos problemas locais, regionais, nacionais e mundiais;

4ª Fase: Organização de um roteiro que sirva como subsídio para debates

propostos;

5ª Fase: Nesta fase é necessário criar fichas das palavras para a decomposição das

famílias fonéticas equivalentes as palavras geradoras.

A proposta deste grande educador é um dos métodos mais inovadores no

âmbito do processo educacional. O educando é instigado a refletir acerca do seu

papel na sociedade ao mesmo tempo em que aprende a escrita da própria palavra

“sociedade”. É desafiado a pensar e repensar sobre sua história de vida. Essa

reflexão possibilita a suplantação da consciência ingênua para a consciência crítica.

Assim, o diferencial deste método é promover uma aprendizagem libertadora e

integradora.

Na verdade, a educação como prática de liberdade, é uma ação de

conhecimento, uma proximidade crítica e reflexiva com a realidade. Segundo Freire

(1987, p.23), a pedagogia libertadora possui dois momentos diferentes. No primeiro,

os oprimidos vão descobrindo o mundo opressor o qual estão inseridos e assim

envolvendo-se no processo de transformação; no segundo momento, quando já há

uma transformação na realidade de vida do ser oprimido, a pedagogia deixa de ser

do homem oprimido e passa agora a ser do homem livre, em processo de constante

libertação.

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A hostilidade a qual é imposta os oprimidos faz deles seres desumanizados,

vistos e rotulados como “coisas”. Por isso a grande missão da pedagogia libertadora

é libertar os oprimidos da violenta desumanização dos opressores. Dessa maneira,

quando estes percebem claramente os seus opressores, se empenham vorazmente

em prol de sua libertação, passando a acreditarem em si mesmos, suplantando todo

e qualquer compromisso ou conivência com o sistema opressor. É como homens,

comprometidos com a liberdade, e não como “coisas”, que os oprimidos necessitam

lutar.

Diante dessa realidade, Freire relata a sua severa critica acerca da educação

como um instrumento de opressão, a qual ele denomina como “educação bancária”.

Para ele, esta educação caracteriza-se por relações essencialmente narradoras e

dissertadoras, ou seja, tem o seu basilar fundamentado apenas no falar, narrar,

dissertar, sendo estas constituídas totalmente fora da realidade dos educandos,

alheias a experiência existencial dos mesmos.

Nela, o professor é o sujeito principal e protagonista do processo pedagógico,

cuja principal missão é enxertar nos educandos todos os alienantes conteúdos de

sua narração. Vale ressaltar que tais conteúdos são fragmentos completamente

desagregados à vida dos alfabetizandos e que por isso não possuem nenhum

sentido.

Dessa forma, o processo pedagógico em que está pautada a educação

bancária, é um ato meramente de depositar, onde os alfabetizandos são

depositários e os alfabetizadores os depositantes. Os depositários, vistos e julgados

como tábulas rasas, memorizam e repetem pacientemente todas as informações,

anúncios, mensagens e avisos transmitidos pelos que se julgam detentores do

saber.

É notório que a educação bancária anula toda e qualquer transformação ou

inovação, inibindo também a criticidade dos educandos, atendendo dessa forma os

interesses dos opressores. Para estes, a manutenção de uma educação fajuta,

caracterizada por uma falsa generosidade é primordial para que a classe dominada

não busque o pensar. Pois uma educação que estimula o pensar autêntico, bem

como a criticidade, acaba por incitar a libertação dos oprimidos.

Por isso Freire critica veemente a educação bancária, e propõe invalidação da

mesma. Segundo ele, esta educação transforma os homens em “vasilhames”,

“recipientes”, meros depósitos preenchidos pelos que se julgam sábios educadores.

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De acordo com Paulo Freire (1981):

“A alfabetização, assim, se reduz ao ato mecânico de “depositar” palavras, sílabas e letras nos alfabetizandos. Este “depósito” é suficiente para que os alfabetizandos comecem a “afirmar-se”, uma vez que, em tal visão, se empresta à palavra um sentido mágico. Escrita e lida, a palavra é como se fosse um amuleto, algo justaposto ao homem que não a diz, mas simplesmente a repete. Palavra quase sempre sem relação com o mundo e com as coisas que nomeia. Daí que, para esta concepção distorcida da palavra, a alfabetização se transforme em um ato pelo qual o chamado alfabetizador vai “enchendo” o alfabetizando com suas palavras. A significação mágica emprestada à palavra se alonga noutra ingenuidade: a do messianismo. O analfabeto é um “homem perdido”. É preciso, então, “salvá-lo” e sua “salvação” está em que consinta em ir sendo "enchido” por estas palavras, meros sons milagrosos, que lhe são presenteadas ou impostas pelo alfabetizador que, às vezes, é um agente inconsciente dos responsáveis pela política da campanha” (FREIRE, 1981, p. 11).

É por estes motivos que Freire condena tal educação, para ele o educando

não é um ser inativo, passivo, vazio e propenso a ser bitolado. Para este educador

há algo primordial a qual transforma e liberta tanto o alfabetizando como o

alfabetizador: o diálogo.

O diálogo promove interação, democracia, reflexão, socialização e

principalmente libertação. Sim! Libertação daqueles que vivem imersos a opressão.

Os educandos tem a oportunidade de relatar e criticar os fatos ao seu redor,

compartilhar conhecimentos e saberes. Dessa forma, no processo educativo, o

professor não apenas ensina, mas em meio à troca de diálogo também é educado

pelo sujeito aluno.

Assim, a dialogicidade é o cerne da pedagogia libertadora. É o encontro dos

sujeitos, mediados pelo mundo, em um processo de ação reflexão, onde os mesmos

se transformam, através de um novo caminho proposto pelo diálogo. Por isso, “o

diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza o

refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e

humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no

outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos

permutantes” (FREIRE, 1987, p.45).

É preciso antes de tudo analisar o processo de dialogicidade. Pois, não

haverá verdadeiramente diálogo se há amor ao próximo e ao mundo. Sendo o

basilar da dialogicidade, o amor é, também, o próprio diálogo. Por isso no amor não

pode haver dominação ou subordinação, mas uma relação de solidariedade, onde o

compromisso com a libertação seja seu principal cerne.

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JESUS CRISTO, o maior mestre deste mundo, disse:

“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me valerá. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor.O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos; quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor” (BÍBLIA SAGRADA, 1 Coríntios 13:1-13. Bíblia Online. Acesso em 09 de Abril de 2016).

Dessa forma, o amor é capaz de suprimir toda e qualquer opressão, abrindo

possibilidades para que o educando por meio do diálogo, liberte-se da situação

opressora.

O diálogo, portanto, é um ato de humildade, de esperança e de fé. É preciso

reconhecer que o educandos possuem uma vasta bagagem de conhecimentos a

serem partilhados. É necessário ter esperança que a situação opressora logo terá

fim e é imprescindível ter fé, pois “não há também, diálogo, se não há fé nos

homens” (FREIRE, 1987, p.45).

Vale salientar que não há diálogo verdadeiro se não há nos sujeitos

envolvidos um pensar crítico, reflexivo. Pensar que possibilite o educando perceber

e rejeitar as amarras impostas pelos opressores.

Assim, o diálogo como prática de liberdade é indispensável no processo

pedagógico. Ele não tem inicio no momento em que o educando e o educador já

estão imersos na situação dialógica, mas quando este antes do processo ocorrer

questiona acerca do que vai dialogar com aqueles.

Para o educador crítico e dialógico, o conteúdo programático não é um

conjunto de bens a serem doados ou depositados na mente dos alunos, mas a

problematização dos elementos cotidianos dos educandos. A verdadeira educação

problematizadora e autentica acontece na relação dialógica entre professor e aluno,

mediatizados pelo mundo.

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Conforme Feitosa (1999):

“Os conteúdos de ensino são resultados de uma metodologia dialógica. Cada pessoa, cada grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não é transmitir conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida. A transmissão de conteúdos estruturados fora do contexto social do educando é considerada "invasão cultural" ou "depósito de informações" porque não emerge do saber popular” (FEITOSA, 1999, p. 1).

É justamente esta metodologia dialógica e problematizadora propagada pelos

princípios da pedagogia libertadora de Paulo Freire que norteiam o processo

pedagógico do SESC Ler Nova Cruz.

De acordo com a proposta desta instituição podem matricular-se jovens e

adultos, homens e mulheres, a partir dos 15 anos de idade que não estejam

alfabetizados ou que não tenham concluído o ensino fundamental no primeiro

segmento. A inscrição é gratuita, sendo necessária apenas a apresentação de

documentos de acordo com os critérios escolares.

A instituição de ensino SESC por meio do ensino gratuito de jovens e adultos

contribui significativamente para a erradicação do índice de analfabetismo no país,

bem como com a formação continuada da cidadania pelo domínio da escrita e

leitura, possibilitando a inserção do sujeito crítico reflexivo na sociedade.

Segundo o PPP, um dos aspectos diferenciais da escola é a formação

continuada da equipe pedagógica, que tem acarretado grande êxito em relação ao

processo de ensino e aprendizagem (PPP, 2015, p. 10).

Dessa maneira, o SESC Ler propõe alfabetizar jovens e adultos através da

criação de centros educacionais de cunho interdisciplinar e participativo,

fundamentados numa proposta inovadora. À comunidade novacruzense está à

disposição não apenas salas de aulas, como também a biblioteca, que dispõe de

riquíssimo acervo, além de outros espaços próprios para a prática de atividades

esportivas, culturais e sociais.

Tais ambientes se caracterizam pela composição de um trabalho de grande

primazia didático-pedagógica, incorporando as metas curriculares a um amplo leque

de exigências socioculturais. A união de atividades disponibilizadas a comunidade

representa a concepção de alfabetização do SESC Ler, onde o cerne de sua

proposta é o aprendizado da leitura e escrita paralelo a uma constante prática de

diálogo entre os educandos e educadores de maneira que jovens e adultos possam

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analisar e refletir acerca de suas próprias experiências, bem como desenvolver a

consciência crítica sobre sua relação com a sociedade.

A equipe SESC Ler Nova Cruz é constituída por vinte e um funcionários,

sendo entre eles sete educadoras e uma orientadora pedagógica que atuam em

conjunto para o êxito da aprendizagem na educação de jovens e adultos. Vale

salientar que toda equipe manifesta atitudes de solidariedade, otimismo, acolhimento

e cooperação nas atividades realizadas na unidade escolar, havendo dessa forma,

uma verdadeira integração entre todos os colaboradores.

Para que haja uma aprendizagem eficaz, as ações educativas realizadas pelo

SESC Ler Nova Cruz, voltadas ao público da EJA, são elaboradas de forma que

toda e qualquer informação venha ocasionar novos conhecimentos aos discentes

envolvidos neste processo, sendo os direcionamentos relacionados às necessidades

cotidianas da comunidade.

Dessa forma “os educandos da EJA, simultaneamente à aprendizagem da

escrita, precisam desenvolver novas habilidades e criar novas motivações de

maneira a transformarem a si mesmos, interessando-se por questões comuns a

todos e, quando necessário, interferindo na realidade da qual tomam parte.” (PPP,

2015, p.17). Nesse contexto, é prioritário, portanto para o SESC Ler Nova Cruz, que

no processo de aquisição e desenvolvimento dos códigos linguísticos as vivencias

dos alunos sejam o foco central.

As escolas do município de Nova Cruz que ofertam cursos na modalidade de

educação de jovens e adultos limitam-se seu funcionamento ao turno da noite.

Diante deste fato, o SESC Ler resolveu inovar, oferecendo cursos para jovens e

adultos no turno vespertino.

Para fundamentar a sua ação didática pedagógica a instituição de ensino

acima referida, se fundamenta em quatro pilares na formação institucional do sujeito,

são eles:

Aprender a conhecer: o sujeito aprende a aprender e posteriormente goza

das oportunidades oferecidas pela educação no decorrer de toda vida;

Aprender a fazer: O sujeito não se limita apenas a finalidade de adquirir uma

qualificação profissional, mas de uma forma mais abrangente, adquirir

competências necessárias para que se tornem cidadãos aptos a enfrentar as

diversas experiências e situações promovidas pelo meio social;

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Aprender a viver junto: Significa desenvolver a compreensão das

particularidades do outro, da relação de interdependência, ou seja, realizar

trabalho em equipe, respeitar o pluralismo;

Aprender a ser: Significa agir de forma autônoma, desenvolvendo sua

personalidade, discernimento e responsabilidade social.

Diante desse contexto, é perceptível que o fazer pedagógico do SESC Ler

Nova Cruz pauta-se numa prática que tem como foco a constituição de valores

éticos intrinsicamente ligados ao processo de ensino aprendizagem, onde cada

discente é visto como um sujeito capaz de participar, compreender e avaliar a ética

dos problemas propostos pela realidade.

A instituição educativa compreende que o currículo é o conjunto de valores,

saberes, vivências, experiências e ações realizadas e difundidas pela e na escola,

direta ou indiretamente. Dessa forma é necessário compreender o currículo para

além de uma gama de conteúdos fracionados, preconizando o desenvolvimento de

aprendizagens que fomentem a transformação de vida.

Vale salientar que o seu currículo procura levar para o cotidiano da sala de

aula todas as questões relacionadas ao mundo do trabalho, sempre se articulando

com as demais áreas de atuação do SESC: saúde, lazer e cultura.

A constituição do currículo, bem como o seu desenvolvimento ocorre por meio

da seleção realizada por docentes, alunos e coordenadores de temas pertinentes

que são abordados nos seus diversos aspectos, de modo interdisciplinar, buscando

integralizar as áreas de conhecimento. Os temas de significativa importância para

os alunos, frutos do processo dialógico entre os vários atores envolvidos no

processo educativo, se consolidam em projetos pedagógicos.

METODOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa de natureza observacional

descritiva assistemática, classificando-se como longitudinal prospectiva e

retrospectiva. É observacional descritiva assistemática, tendo em vista que os

resultados obtidos advêm da total observação realizada e registrada pelo

pesquisador que de forma livre, sem fichas ou listas de registro, embora tenha

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cumprido as recomendações determinadas pelos objetivos desta pesquisa, realizou

este estudo. Classifica-se como longitudinal pelo fato de ter sido realizada ao longo

de um determinado tempo, baseando-se em observações e no acompanhamento de

toda aprendizagem dos alunos da modalidade EJA da escola SESC Ler Nova Cruz,

por isso prospectiva. Esta pesquisa também se baseia em dados de períodos

passados de alunos egressos, repassados pelas docentes desta mesma instituição

de ensino, por isso também caracterizada como retrospectiva.

Este tipo de estudo varia de acordo com a função adotada pelo pesquisador

mediante a situação em observação, tendo em vista este fato, vale ressaltar que o

pesquisador deste estudo é um observador participante, onde pôde se envolver com

o grupo de pessoas estudadas, sem, no entanto, revelar sua atividade

observacional.

“A observação, sob algum aspecto, é imprescindível em qualquer processo de

pesquisa científica, pois ela tanto pode conjugar-se a outras técnicas de coleta de

dados como pode ser empregada de forma independente e/ou exclusiva.” Dessa

forma “a observação é à base de toda investigação no campo social, podendo ser

utilizada em trabalho científico de qualquer nível, desde os mais simples estágios até

os mais avançados” (RICARDSON 1999, p.259).

O ato de observar sempre decorre de um objetivo. O objetivo desta pesquisa

é analisar e mostrar não apenas aos colaboradores do SESC Ler Nova Cruz, mas e

principalmente a toda comunidade que dele se beneficia (ou não), os efeitos da

pedagogia libertadora de Paulo Freire na vida dos seus educandos da Educação de

Jovens e Adultos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo teve efetivamente inicio no ano de 2015, quando a pesquisadora

em ação no ano de 2014 teve a oportunidade de fazer parte da equipe SESC Ler

Nova Cruz como estagiária da unidade.

No decorrer dessa riquíssima caminhada a mesma teve o privilégio de

acompanhar as turmas de Educação de Jovens e Adultos e pôde observar a

metodologia utilizada pelas docentes. Tendo uma enorme admiração pelas ideias do

grande professor Paulo Freire, logo percebeu em suas vivencias que era

exatamente a pedagogia libertadora deste pedagogo, a utilizada pelas docentes do

SESC Ler Nova Cruz.

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Tendo em vista tal admiração pelas concepções e ideais deste pedagogo,

como dito anteriormente, e percebendo a importância deste estudo para toda

comunidade iniciou-se o primeiro passo desta pesquisa: a observação do

comportamento, bem como o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos (ativos

do ano de 2015) da EJA frente a este metodologia libertadora.

O segundo passo foi observar mais atentamente os alunos das turmas

concluintes. O terceiro passo ocorreu através de conversas informais com os

próprios alunos concluintes e seus professores, para que assim a pesquisa tivesse

um maior embasamento.

O quarto passo, ocorrendo no ano seguinte, ou seja, no ano de 2016, a

pesquisadora voltou a observar as turmas como um todo, observando aqueles que

já estavam desde o ano passado, bem como os que ingressaram no ano corrente.

O quinto passo ocorreu também por meio de um diálogo informal com os

alunos e professores, culminado então no sexto passo que foi às análises e

discussões deste estudo.

ANÁLISES E DISCUSSÕES

As informações obtidas por meio das observações e diálogos informais

objetivaram buscar os efeitos da pedagogia libertadora de Paulo Freire na vida dos

educandos da modalidade EJA do SESC Ler Nova Cruz. Esta escola possui

atualmente um universo de 175 alunos neste segmento. O corpo discente é

composto por aposentados, empregados formais e informais, donas de casa e

desempregados.

O perfil do alunado que estuda no período vespertino é bastante distinto

quando comparado aos que estudam no período noturno. Aqueles possuem o

público feminino em sua grande maioria, onde diante da necessidade de dedicar-se

a família e as tarefas domésticas, ficam impossibilitadas de estudar à noite. Já os

alunos deste horário, é notório que a distribuição por sexo é equilibrada, sendo

formado por adultos trabalhadores, que por este motivo optam pelo turno da noite.

O alunado da EJA do SESC Ler Nova Cruz caracteriza-se por um público a

qual não teve oportunidade de estudar quando ainda jovens devido a alguns fatores,

dentre eles estão o trabalho no campo, a realidade socioeconômica vigente de suas

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épocas; pois tinham que trabalhar para ajudar nas despesas de casa, gravidez

precoce e ainda a rejeição do cônjuge que não permitia a ida à escola.

Mediante este período de observações e diálogo com os alunos, foi

perceptível o amor e a gratidão que estes possuem em relação à instituição como

um todo. São imensamente agradecidos pelo acolhimento, desde a equipe

operacional à equipe pedagógica.

Em suas falas muitos mencionaram que antes de estudar no SESC Ler não

conheciam nem mesmo a letra “o” e hoje já conhecem uma imensidão de letras e

muitos já sabem ler e escrever. O que mais chama a atenção é o fato de todos

mencionarem que uma das coisas mais importantes que o SESC Ler lhes

proporcionou foi à construção de laços de amizades e afetividade.

Muitos alunos relataram que viviam sozinhos e desmotivados. Através de um

convite feito por colegas, filhos e até mesmo pelas professoras; pois estas no início

do ano realizam visitas em diversos bairros e comunidades em busca de alunos;

resolveram matricular-se, e foi então que a vida deles mudou, criaram vínculos

afetivos com novos colegas e desenvolveram diversas habilidades as quais

pensavam não possuírem.

Os alunos também relataram que o corpo docente é composto não apenas

por meras professoras, mas de verdadeiras amigas. Segundo eles, estas são

amorosas, divertidas, competentes e estão sempre preocupadas com o aprendizado

e bem estar dos mesmos.

Vale ressaltar que em seus depoimentos muitos mencionaram os sonhos que

puderam realizar. A grande maioria dos alunos não sabia assinar o próprio nome

antes de estudar no SESC Ler, e hoje realizaram o sonho de assinar o nome na

carteira de identidade e outros ainda puderam retirar a carteira de habilitação.

Outros realizaram o sonho de ler os versículos da bíblia, bem como ler e cantar os

louvores de suas respectivas crenças.

Outro fator que chamou bastante atenção foi o fato dos alunos relatarem a

respeito das festas, oficinas, palestras, cursos e passeios. Segundo eles, a escola

aqui analisada proporciona muita alegria, aprendizado, lazer, bem estar e

entretenimento. Momentos como estes são únicos na vida destes alunos que hoje

vivem a oportunidade a qual antes não puderam vivenciar.

Através dos cursos de capacitação profissional, nas áreas de culinária,

artesanato e corte/costura muitos dos alunos puderam melhorar suas rendas

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mensais, tornando-se empreendedores. Isto, segundo a equipe pedagógica, é

motivo de orgulho e satisfação a todos que fazem parte desta instituição.

Segundo a professora Alvistela Crisanto (2016):

“Trazer para a sala de aula a pedagogia libertadora viabiliza despertar no nosso alunado da Educação de Jovens e Adultos a consciência de que ele (a) é capaz de exercer seu papel na sociedade na qual está inserido (a), com conhecimento, capaz de analisar criticamente as questões levantadas no contexto social em que vivemos” (Alvistela Crisanto, professora da EJA do SESC Ler Nova Cruz).

É importante também relatar o notório sentimento paradoxal dos alunos

formandos. Por um lado sentem-se felizes por estarem alcançando uma vitoriosa

conquista, por outro se sentem tristes por estar deixando a família SESC Ler.

Esta instituição também recebe em seu seio sócio educacional alunos

provenientes do CAPS Ad. Ao longo das observações realizadas percebeu-se o

grande desenvolvimento e progresso de alguns alunos tanto no que diz respeito à

aprendizagem quanto na luta contra o álcool e as drogas ilícitas.

Vale destacar o caso do aluno Nelson, mais conhecido como “Nelson do

repente”, que mesmo na luta constante contra o álcool, com o auxílio das

professoras e de todo SESC Ler conseguiu concretizar o sonho de escrever seu

próprio livro de repentes, que em uma das ocasiões festivas da escola, pôde

compartilha-lo com todos os seus colegas.

Segue abaixo alguns depoimentos de alunos, porém, é necessário salientar

que para a preservação da identidade dos mesmos, serão caracterizados por nomes

fictícios.

“No SESC Ler eu encontrei tudo o que desejava na minha vida, o povo aqui é

muito bom, as meninas são ótimas, excelentes para ensinar, são preparadas

mesmo. Eu estou gostando muito e pelo meu gosto eu só vou sair quando morrer”.

A.C.

“Olhe antigamente o estudo era no campo, a gente passava necessidade, não

tinha condições de estudar. Agora na terceira idade estou aprendendo no SESC. Eu

não sabia o que era uma letra “o”, agora já estou sabendo, estou dando graças

primeiro a Deus e gosto muito das professoras, elas tem carinho com a gente. E tem

minhas amigas e amigos, lanche de boa qualidade, quadrilha, tem festa, tem muitas

coisas boas.”

A.B.

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“Eu vim estudar no SESC, por que eu tinha muita vontade de aprender a ler,

eu lia, mas era pouco! Estou gostando de estudar aqui e também quero tirar a

habilitação.”

A.M.

“Coisa que eu nunca tive na minha infância hoje estou tendo aqui. Gosto

muito das professoras, gosto de todos, das brincadeiras, das quadrilhas, dos

passeios! Eu não tenho vontade de sair daqui nunca, porque é o meu divertimento.”

CI

“Eu vim estudar por que eu não sabia de nada, queria estudar para aprender

alguma coisa. Minha vontade era de pegar a bíblia para ler, ler uma placa, alguma

coisa assim. E graças a Deus eu consegui! Escrever não sei bem ainda, mas para

ler eu leio.”

ElI

“Eu gosto muito daqui, toda noite eu me ajeito logo cedo para vir. Eu gosto

demais das professoras, gosto dos alunos, de todos aqui. Eu não tenho o que dizer

de ninguém.”

LU

“Vim estudar aqui através da minha esposa, ela fez minha matrícula, Eu vim,

estou muito feliz, aprendi bastante, que não sabia! E gosto muito aqui do SESC, é

muito importante para nós alunos.”

M.F.

“Eu nunca fui à escola, eu não entendia o que era uma leitura, eu não

entendia o que era uma estrofe, eu não entendia o que era negocio de leitura

nenhuma, não entendia. Aí depois de chegar aqui comecei a prestar atenção. Lia e

escrevia muito errado, mas agora graças a Deus estou escrevendo mais ou menos e

agradeço as professoras que são pessoas maravilhosas, aprendi muito com elas.

Enquanto eu estiver aqui vou aprender. Eu não sabia de nada, mas graças a Deus

agora posso ler sem medo, sem problema, depois que eu entrei aqui já li muito

bonito, sem errar. Eu não sabia o que era estudo. Meu pai não me deixou estudar.

Eu passei quinze dias lendo a carta do ABC, minha mãe botou escondido, ai quando

meu pai descobriu quase que bate na minha mãe.”

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M.J.

“Eu gosto muito de estudar aqui no SESC. Eu não queria estudar, eu vim

através de José Ailton que disse era ótimo, Eu vim, estou gostando, gosto das

professoras, das diretoras, gosto da merenda, tudo que faz aqui pra gente é bom, é

ótimo. Eu quero ficar mais três anos aqui se Deus quiser!”

MARI

“Eu não sabia de nada, só sabia fazer meu nome, ler e escrever eu não sabia,

estava numa série muito avançada, mas não adianta você está numa série

avançada sem saber de nada. Faz três anos que eu estou aqui e já aprendi muita

coisa, desenvolvi a leitura, hoje o que eu não sabia eu sei. Então eu agradeço muito,

foi uma oportunidade muita boa eu vim para cá.”

PRI

“Eu vim para cá para desenvolver a leitura. Aqui foi o colégio melhor que

encontrei de aprender. Se Deus quiser vou aprender aqui tudo que eu quero para

mim correr atrás de alguma coisa melhor para minha vida, encontrar um trabalho

melhor. Tudo o que precisar, aqui vai dá o melhor para todos os alunos”

ROS

Mediante as observações e os discursos proferidos pelos alunos e

professores, é inegável as transformações promovidas por esta pedagogia

libertadora. O progresso na leitura e escrita é nítido, a descoberta de novas

habilidades desperta o desenvolvimento de outras, sonhos são realizados, e o

melhor de tudo acontece, os alunos passam a acreditar em si mesmos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O SESC Ler Nova Cruz é uma instituição de excelência, que vem

promovendo um aprendizado alicerçado no diálogo, no amor e na constante reflexão

das relações e experiências cotidianas do seu alunado. Observar e acompanhar o

desenvolvimento dos discentes, bem como a concretização de seus sonhos, foi uma

oportunidade extremamente enriquecedora.

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Inicialmente, mesmo sem revelar os verdadeiros objetivos desta pesquisa, foi

perceptível a timidez de alguns alunos em dialogar e desvelar suas histórias. Porém

ao se engajarem no âmbito da pedagogia libertadora e aperfeiçoarem os laços

afetivos com a pesquisadora deste estudo, muitos abriram as “portas” de suas vidas.

Esta pesquisa pôde comprovar que de fato a pedagogia libertadora de Paulo

Freire, aplicada na instituição em questão, provoca grandes progressos e mudanças

na vida de seus alunos. A tristeza e desmotivação desaparecem dando lugar a

autoconfiança, a alegria, a construção de laços afetivos e a dialogicidade.

Sonhos são realizados, como a aprendizagem da leitura e escrita. Alunos que

viviam em casa acomodados e fadados ao próprio desprezo, recuperam agora sua

vida social e constroem novos laços de amizade. Outros ainda descobrem

habilidades as quais não pensavam ter e iniciam a vida empreendedora.

Vale destacar que esse resultado positivo não seria possível se não houvesse

uma equipe empenhada em promover o sucesso da aprendizagem dos alunos. As

professoras desta escola, as devidas homenagens e aplausos mediante a dedicação

de cada uma em suscitar a mudança na vida daqueles que tiveram suas

oportunidades roubadas por uma sociedade desigual e excludente.

Despertar no aluno da EJA a valorização, a criticidade e autonomia são um

dos objetivos imbuídos nos princípios que norteiam a ação didático pedagógica do

SESC Ler Nova Cruz. Desta forma, permeada por uma pedagogia libertadora, a

metodologia sesquiana vem fomentando o desenvolvendo de cidadãos críticos

reflexivos e atuantes frente ao contexto social que os rodeiam, capazes de

transformar suas trajetórias de vida por meio do conhecimento.

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REFERÊNCIAS

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