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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE UNIDADE ACADÊMICA ESPECIALIZADA EM MÚSICA ESCOLA DE MÚSICA CURSO DE LICENCIATURA BRÍGIDA BESSA PAIVA A MUSICALIZAÇÃO DOS SURDOS: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA DE MUSICALIZAÇÃO DE ALUNOS DO CENTRO DE ATENDIMENTO AOS SURDOS (CAS/NATAL-RN) Natal/RN Novembro/ 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

UNIDADE ACADÊMICA ESPECIALIZADA EM MÚSICA

ESCOLA DE MÚSICA

CURSO DE LICENCIATURA

BRÍGIDA BESSA PAIVA

A MUSICALIZAÇÃO DOS SURDOS: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA

DE MUSICALIZAÇÃO DE ALUNOS DO CENTRO DE ATENDIMENTO

AOS SURDOS (CAS/NATAL-RN)

Natal/RN

Novembro/ 2012

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BRÍGIDA BESSA PAIVA

A MUSICALIZAÇÃO DOS SURDOS: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA

DE MUSICALIZAÇÃO DE ALUNOS DO CENTRO DE ATENDIMENTO

AOS SURDOS (CAS/NATAL-RN)

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura em

Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como pré-requisito para a obtenção do título de

licenciado em música.

Orientadora: Profa. Ms. Catarina Shin Lima de Souza

Natal/RN

Novembro/2012

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BRÍGIDA BESSA PAIVA

A MUSICALIZAÇÃO DOS SURDOS: UM RELATO DA EXPERIÊNCIA

DE MUSICALIZAÇÃO DE ALUNOS DO CENTRO DE ATENDIMENTO

AOS SURDOS (CAS/NATAL-RN)

Monografia apresentada à Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, na área de educação

musical como parte dos requisitos para obtenção

do título de Licenciada em Música.

Aprovada em:__/__/__

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________

Professora Ms. Catarina Shin Lima de Souza

Orientadora

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

___________________________________________________

Professora Ms. Maria Clara de Almeida Gonzaga

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

__________________________________________________

Professora Ms. Maristela de Oliveira Mosca

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Natal, 26 de novembro de 2012

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Catalogação da Publicação na Fonte

Biblioteca Setorial da Escola de Música

P149m Paiva, Brígida Bessa.

A musicalização dos surdos: um relato da experiência de

musicalização de alunos do Centro de Atendimento aos Surdos

(CAS/NATAL-RN) / Brígida Bessa Paiva. – Natal, 2012.

87 f. : il.; 30 cm.

Orientadora: Catarina Shin Lima de Souza.

Monografia (graduação) – Escola de Música, Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, 2012.

1. Educação musical para surdos - Monografia. 2. Educação

especial - Monografia. I. Centro de Atendimento aos Surdos

(CAS). II. Souza, Catarina Shin Lima de. III. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU 78:376.33

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RESUMO

Este trabalho apresenta o relato de experiência de musicalização de crianças surdas do Centro

de Atendimento ao Surdo (CAS – Natal/RN). Considera-se a musicalização como

fundamental no processo de aprendizagem e inclusão de crianças surdas, e como parte

integrante da Educação Especial e da Educação Inclusiva. Especificamente o relato da

experiência expõe como o aluno surdo compreende o que seja ritmo, pulso utilizando recursos

percussivos, e elementos da música. Para isto a experiência de musicalização foi realizada

com aulas expositivas e práticas nas dependências da Escola de Música da UFRN e do CAS.

Parte da fundamentação teórica deste trabalho encontra se no conceito de surdez, Educação

Especial e Educação Inclusão, e em autores como Haguiara (2003), Louro (2004) e outros.

Constata-se que o processo de musicalização das crianças do CAS foi possível, e mesmo

havendo algumas dificuldades na execução de algumas atividades, percebeu-se que as

crianças surdas executam o ritmo e o pulso na música, adquiridas com a combinação de

métodos visuais, percussivos, jogos lúdicos e musicais.

Palavras chaves: Educação Especial; Surdez; Musicalização.

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ABSTRACT

This paper presents an experience report of deaf children musicalization at the Deaf Service

Center (CAS-Natal/RN). It is considered that the musicalization is regarded as central in the

learning process the fundamental musicalization in the deaf children learning process, and as

a part of the Special and Inclusive Education. Specifically, the experience report explains how

the deaf student understands what is rhythm, pulse using percussive resources, and elements

of music. For this, the musicalization experience was taught using a combination of

theoretical and practical lectures at the Music School of Federal University of Rio Grande do

Norte and at the CAS. Part of the theoretical foundations of this paper are the concepts of

deafness, Special and Inclusive Education, and are based on the authors like Haguiara (2003),

Blonde (2004) and others. It appears that the process of children musicalization at the CAS

was possible, and even with some difficulties in the implementation of some activities, it was

perceived that deaf children perform rhythm and pulse in music, acquired with the

combination of visual, percussive, games and musical methods.

Keywords: Special Education; Deafness; Musicalization.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha orientadora Profa. Ms. Catarina Shin que teve bastante paciência

comigo, com as minhas dúvidas e inseguranças. Por abrir sua casa para me ajudar com os

livros e ser compreensiva com minhas ausências no CIART (Curso de Iniciação Artística), do

qual devo boa parte da minha formação acadêmica e do meu aprendizado enquanto

professora.

Quero agradecer, de maneira incondicional, ao meu esposo Ângelo Magalhães que

sempre esteve presente em todos os momentos da minha vida nestes últimos 10 anos.

Agradecer à minha família, em especial minhas irmãs e meu sobrinho fonte de pura inocência

e que consegue me tirar as mais gostosas risadas. Às minhas primeiras professoras de música

Nadja Paiva (pessoa que me incentivou a escolher a música) e Maria Clara de Almeida

Gonzaga. À Maria Clara devo toda orientação e amizade que teve comigo durante toda minha

formação acadêmica, a ela também dedico este trabalho e que me faz lembrar que esteve

comigo desde meu ingresso nesta universidade. Aos professores que participaram de forma

direta ou indireta da minha formação, Prof. Isaac Samir (a quem primeiro iniciou a orientação

deste trabalho, sou muito grata), Profa. Amélia Dias(que me iniciou nas atividades do CIART,

sou muito grata), Prof. Alexandre Johnson (meu prof. de flauta transversal), Profa. Valéria

Carvalho, Prof. André Muniz, Profa. Maria de Lourdes (DEART). Estes estão sempre

dispostos a ensinar.

Quero agradecer em especial Felipe Eduardo Barbosa, o professor de percussão que

esteve presente comigo em todos os momentos no projeto de musicalização dos meus alunos

surdos, na verdade, nossos alunos. Um grande obrigada!

Agradecer as minhas maiores amigas Virgínia Paiva (irmã), Helena Paiva, Ana Maria

Carvalho, Elisangela Lima, Nadja Paiva.

Milhões de gratidões à Equipe do CAS (Centro de Atendimento aos Surdos), à diretora

Aldenora Bezerra, Anizete, Glécia e o seu coral em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)

maravilhoso, a Adriana que me cedeu seus alunos e a minha primeira professora de Libras

Juliana Alves. Vocês são pessoas lindas!

Às Mães e aos meus alunos surdos aos quais dedico esta monografia, pois sem a

compreensão e esforços das mães nada disso teria acontecido, e aos meus alunos

maravilhosos um valioso Obrigada de todo coração.

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“Ritmo é vida e quem está vivo não escapa dele”.

(Haguiara-Cervellini)

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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10

CAPÍTULO I: O CENÁRIO INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E

INCLUSIVA ............................................................................................................................. 14

1.1 A EDUCAÇÃO E A ESCOLA INCLUSIVA NO CENÁRIO INTERNACIONAL. ............................... 17

1.2 A SURDEZ, A INCLUSÃO E OS DIREITOS SOCIAIS. .............................................................. 20

CAPÍTULO II: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA

SOCIEDADE MODERNA E NO BRASIL. ............................................................................. 23

2.1 A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA SOCIEDADE MODERNA ......................................................... 23

2.2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL. ............................. 25

2.3 A EDUCAÇÃO ESPECIAL E A EDUCAÇÃO INCLUSIVA. ....................................................... 29

CAPÍTULO III: O PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS ............ 32

3.1 A SURDEZ E SUAS CARACTERÍSTICAS. .............................................................................. 32

3.2 A MUSICALIZAÇÃO E A CRIANÇA SURDA. ......................................................................... 37

3.3 A MUSICALIDADE E A SURDEZ .......................................................................................... 38

CAPÍTULO IV: A EXPERIÊNCIA DE MUSICALIZAÇÃO COM CRIANÇAS SURDAS .. 40

4.1 BREVE HISTÓRICO DO CENTRO DE ATENDIMENTO AO SURDO (CAS) ............................... 41

4.2 A EXPERIÊNCIA DE MUSICALIZAÇÃO COM OS ALUNOS DO CENTRO DE ATENDIMENTO AO

SURDO (CAS) ........................................................................................................................ 42

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 50

ANEXOS .................................................................................................................................. 51

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 - Professora Brígida Bessa Paiva apresentando os instrumentos de percussão, na sala de

percussão da Escola de Música da UFRN, aos alunos surdos do CAS........................44

Imagem 02 - Professor Felipe Eduardo Barbosa regendo e iniciando os alunos surdos do CAS aos

instrumentos percussivos..............................................................................................46

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – A Surdez e os efeitos da Comunicação................................................................34

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INTRODUÇÃO

O tema da musicalização de crianças surdas ganhou ainda mais importância com a sua

associação às questões ligadas à Educação Inclusiva e Educação Especial. A inclusão de

crianças com surdez vem sendo discutido amplamente em eventos como a Convenção sobre

os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nova York, 2007), a Conferência Mundial sobre

Educação Especial (Salamanca, 1994) e a Conferência Mundial sobre Educação para Todos

(Jomtien/Tailândia, 1990).

Mesmo não tendo como centro do debate o tema da musicalização, os resultados

desses eventos e seus encaminhamentos vêm contribuindo no sentido de estabelecer

conceitos, ações institucionais e atribuições para os governos sejam no campo local ou

estadual, de como devem ser encaminhadas as questões que envolvem a criança surda.

Alguns dos propósitos desses eventos foram de promover, proteger e assegurar o

exercício pleno e equitativo da Educação Especial e Inclusiva como um dos direitos das

crianças com surdez e outras necessidades especiais, também consideradas direitos humanos e

liberdades fundamentais. Nesse sentido, o tema da surdez entre crianças deixa de ser apenas

uma questão de inclusão na escola, mas uma necessidade de políticas sociais mais amplas, e

do reconhecimento da totalidade dos direitos humanos. Em se tratando de crianças com

limites auditivos ou surdez profunda, o tema da inclusão implica pensar nos limites e avanços

dos diversos tipos de metodologia de aprendizagem, sobretudo o papel da musicalização,

levando em consideração fatores como a linguagem e suas diversas expressões comunicativas,

como Libras.

Nesse trabalho, as pessoas que possuem impedimentos de longo prazo, e com

necessidades de aprendizagem especiais em virtude de seus limites de natureza física, mental,

intelectual ou sensorial, permite-nos refletir sobre as instituições de ensino e o papel da

comunicação. Afirmarmos aqui, seguindo as orientações da Convenção sobre Direitos das

Pessoas com Deficiência, que no campo da temática da Educação Especial e da Educação

Inclusiva a comunicação é fundamental. A língua de sinais e sua associação a métodos de

musicalização é parte integrante da comunicação e fundamental para a realização do processo

de inclusão de crianças com surdez ou outros limites sensoriais. Esta expressão da linguagem

encontra-se entre a diversidade das línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação

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não-orais. No que se refere às dificuldades sociais e culturais estabelecidas, a língua de sinais

é fundamental, e importante para impedir a discriminação de crianças com surdez e na

expansão do estigma social. A língua de sinais, para muitos, ainda é um limite comunicativo,

tão importante e de forte apelo social, ao ponto de muitas pessoas pensarem que crianças

surdas não podem executar a música. Assim, a comunicação, a língua de sinais e o processo

de inclusão se encontram no centro das questões que envolvem as discriminações atuais,

sobretudo por considerar a Linguagem de Sinais uma expressão da “deficiência” e a

musicalização um processo e que não permite, plenamente, a realização de outros direitos

sociais.

O tema da inclusão de crianças surdas, e especificamente o papel desempenhado pela

musicalização e sua capacidade de potencializar os direitos sociais, implica também em

reconhecer a dignidade de todos estes alunos, sua autonomia individual e liberdade de escolha

e independência pessoal. O processo de inclusão de crianças surdas por meio da

musicalização é fator fundamental para a inibição da discriminação, a plena e efetiva

participação e inclusão dessas pessoas numa sociedade cada vez mais diversa. Estes princípios

contidos na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência nos leva, mais

especificamente, a incentivar instituições, famílias e professores a reconhecerem em crianças

surdas suas capacidades, direitos e preservação de suas identidades.

Por outro lado, o desenvolvimento pleno dessas novas necessidades voltadas à

inclusão de crianças com surdez ou limites auditivos requer obrigações institucionais, de

estados e instituições responsáveis por desenvolverem métodos relacionados à Educação

Especial e Inclusiva. Assim como destaca a Convenção sobre Direitos das Pessoas com

Deficiência, as instituições devem se comprometer com ações de inclusão, assegurando e

promovendo o pleno exercício dos direitos dos pejorativamente chamados “excluídos”,

combatendo qualquer tipo de discriminação que atinja alunos surdos ou qualquer outra

“deficiência”. É preciso adotar novas legislações e regras administrativas que permitam a

realização dos direitos reconhecidos nas referidas Convenções. É necessária a participação de

toda a sociedade, de estados que desenvolvam programas e políticas protetoras e promotoras

dos direitos humanos das pessoas com surdez.

Portanto, este trabalho é voltado para a compreensão da criança com surdez. Aqui, o foco está

no papel que tem a musicalização como elemento fundamental no processo de aprendizagem e

inclusão de crianças surdas, no seu aprendizado artístico, especialmente musical, sob as devidas

orientações metodológicas. Quando falamos em musicalização, pensamos no processo de ensino

aprendizagem e como o aluno vivenciará esse contato direto com a música. Segundo Gainza

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(1988), os objetivos da musicalização é tornar o indivíduo um ser sensível e receptivo aos

estímulos sonoros, onde obtenha respostas de índole musical. Com isso, os estímulos

musicais são essenciais nesse processo de musicalização. Deste modo, podemos entender que

há maneiras diversificadas de se musicalizar, explorando todos os sentidos possíveis que cada

aluno dispõe. No caso da surdez, esse aprendizado se dá principalmente através das vibrações

sentidas pelo corpo, com uma atenção diferenciada ao campo de visão da criança e também

com a utilização de cores para distinguir células rítmicas.

O objetivo mais amplo desse trabalho é contribuir na discussão sobre o papel da

musicalização, enquanto parte integrante da Educação Especial e da Educação Inclusiva no

processo de aprendizado de crianças surdas.

Assim, esse trabalho relata a experiência de musicalização ocorrida entre alunos

surdos do Centro de Apoio aos Surdos (CAS) e como eles, mesmo cientes dos limites físicos,

conseguem compreender algumas noções básicas que lhes permitem executar música. Por

fim, objetiva-se especificamente que o aluno surdo compreenda o que seja ritmo, pulso

utilizando recursos percussivos, e elementos da música como as células rítmicas.

A discussão desse tema e a descrição do relato de experiência são importantes por

encontrarem-se associados, como já mencionamos, ao papel da musicalização para surdos, e

da expansão no Brasil da Educação Especial e Educação Inclusiva. Também é significativo

em função de muitas instituições discutirem e pesquisarem formas metodológicas que

facilitem o aprendizado de pessoas com surdez em seus diversos níveis e possibilitando o

ensino da música independente de suas “limitações”.

A importância de relatar esta experiência diz respeito à sua possibilidade de relacionar

princípios teóricos associados à Educação Especial e Inclusiva e outros que caracterizam o

processo de musicalização, além das condições em que os alunos surdos aprendem. A questão

central aqui é compreender como crianças surdas em uma determinada faixa etária aprendem

com metodologias tipicamente musicais. Nesta perspectiva, este é um trabalho inovador,

porque além de contribuir para uma compreensão mais ampla do papel da música na inclusão

social, volta-se também para compreensão do surdo como um novo educando e capaz de

realizar atividades artísticas musicais, algo historicamente “estigmatizado” na relação música-

surdez. Por outro lado, é importante por permitir pensar o papel de instituições de ensino

inclusivas e, especificamente, a capacidade que elas possuem em defesa dos lugares do surdo

na sociedade. Nesse sentido é possível afirmar que este relato de experiência discute o lugar

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do surdo na sociedade, mas também o lugar da música no contexto de sociedade de diferentes

e possíveis de serem incluídos.

Metodologicamente, a experiência de musicalização com as crianças surdas do Centro

de Atendimento ao Surdo (CAS), foi realizada com aulas expositivas e práticas, organizada

nas dependências da Escola de Música da UFRN e do CAS, divididas em dois encontros

semanais, totalizando três horas semanais. As aulas foram por nós ministradas, com

orientação e com auxilio de aluno do bacharelado em percussão. Todas as etapas foram

realizadas sob a orientação de uma professora da Escola de Música da UFRN.

Parte significativa das fundamentações teóricas deste trabalho encontra-se no conceito

de surdez, Educação Especial e Inclusiva, além de outros, e em autores como (Haguiara;

2003); Louro (2004) e outros. Ainda como sustentação teórica normativa, discute-se os

parâmetros jurídicos e pedagógicos presentes na Declaração Mundial de Educação para Todos

e na Declaração de Salamanca.

O trabalho está organizado em cinco capítulos, além dessa introdução. No primeiro é

discutido o cenário internacional da Educação Especial e Educação Inclusiva, com base nas

principais convenções internacionais. No segundo capítulo são discutidas, brevemente, as

características históricas da Educação Especial na Sociedade Moderna e no Brasil, e sua

relação com a surdez. No capitulo terceiro discutimos alguns dos elementos que compõe o

processo de musicalização de crianças surdas. O capitulo quarto trata-se, especificamente, do

relato de experiência de musicalização de alunos com surdez do Centro de Atendimento ao

Surdo (CAS). E por ultimo, fazemos as nossas considerações finais.

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CAPÍTULO I: O CENÁRIO INTERNACIONAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E

INCLUSIVA

Os últimos vintes anos que antecederam o final do século XX foram marcados por um

intenso debate internacional acerca dos rumos da educação. Muitos países passaram a elaborar

uma série de recomendações sobre os caminhos que deveriam tomar as propostas

educacionais e como o tema da inclusão nelas seria confirmado. Isto se mostrou importante

em especial aos países pobres, onde os atrasos no número de alunos na escola, de jovens e

adultos alfabetizados encontravam-se muito inferior dos esperados por instituições como

UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura). Isto

demonstrou a necessidade de pensar a educação e a educação inclusiva. No caso brasileiro, os

incentivos a educação e educação inclusiva se misturaram a ideia de política afirmativa, após

a redemocratização e de maior participação do país no mundo global.

Para pensar a educação e educação inclusiva, foi estabelecido um diálogo mais aberto

e onde a participação dos países pobre na criação de uma nova proposta para educação passou

a revelar uma política educacional mais integrada. Esta série de encontros revelou a urgente

necessidade de uma agenda para a educação inclusiva e com um olhar diferenciado em função

das diferenças econômicas e sociais que marcam os países. Os encontros apontaram para um

momento da educação em escala global muito distinta daquela em que as necessidades

especiais se revelavam como problemas educacionais. O processo educativo seria inovador na

medida em que criasse alternativas de aprendizagem novas e dinâmicas para crianças, jovens

e adultos com necessidades especiais.

Este cenário sobre as novas necessidade educacionais encontrou expressão

internacional com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, proposta aprovada na

Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em março de 1990, na cidade de Jomtien,

Tailândia. Este encontro não se limitou a definir das diretrizes educacionais para crianças,

jovens e adultos, mas também os de necessidade educacional especiais. Trata-se de um

documento amplo e orientador de uma diversidade de políticas públicas voltadas a amenizar

os problemas internos de cada país quanto à educação, e, especialmente, a educação básica.

O encontro parte dos dados quantitativos e históricos que afetam a realidade

educacional mundial. Assim, como se mostra na Declaração Mundial sobre Educação para

Todos,

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(...) mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são

meninas, não têm acesso ao ensino primário;∙ mais de 960 milhões de adultos

dois terços dos quais mulheres são analfabetos, e o analfabetismo funcional é

um problema significativo em todos os países industrializados ou em

desenvolvimento; mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao

conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam

melhorar a qualidade de vida e ajuda-los a perceber e a adaptar-se às

mudanças sociais e culturais; e ∙ mais de 100 milhões de crianças e incontáveis

adultos não conseguem concluir o ciclo básico, e outros milhões, apesar de

concluí-lo, não conseguem adquirir conhecimentos e habilidades essenciais.

(pág. 01).

Como se percebe, problemas como o analfabetismo, a necessidade de desenvolver

novas habilidades e a dificuldade de acesso à informação e conhecimento revelaram-se

problemas não só localizados em países pobres, mas dispersos globalmente e necessitados de

políticas públicas também globais e transversais. A Declaração Mundial sobre Educação para

Todos, representava assim, uma tentativa útil e internacional de preparar as nações para o

próximo século. O documento chamava atenção para os problemas que atingem a educação,

sobretudo a educação básica, sujeito aos efeitos de problemas econômicos como o aumento da

dívida externa, ameaças de estagnação econômica e aumento populacional. Estas ameaças à

educação tornaram-se, assim, um dos centros do debate internacional. Esta Declaração

realizada na Tailândia serviu para pensar o processo educacional desenvolvido no Brasil, e

avançar nos processo de inclusão de crianças, jovens e adultos com necessidades especiais.

Países como o Brasil, segundo o documento, sofriam mais ao tentarem solucionar os

problemas do seu sistema educacional.

O cenário da educação nos anos 1980 retratado pela Declaração Mundial sobre

Educação para Todos teve uma razoável melhora na década seguinte. No Brasil, os anos de

1990 revelaram uma educação cada vez mais voltada para o mercado, como integrações entre

instituições públicas e privadas que incentivavam um ensino técnico e menos crítico e

reflexivo, acentuado pela onda de privatizações que atingiu parte significativa das atividades

econômicas e instituições públicas de ensino superior. Por outro lado, esse mesmo período

revelou ser um momento promissor mais acentuado nos períodos posteriores. É um período

em que a educação mostrava-se promissora para um significativo número de mulheres

voltadas para o mercado de trabalho; uma série de direitos sociais cada vez exigidos, todo um

avanço científico e cultural, e todo um conjunto de promessas de novas plataformas

educacionais que emergiam do ritmo das informações a estabilidade econômica. O Brasil

pareceu se encontrar na agenda da Declaração Mundial sobre a Educação para Todos com as

novas exigências que seriam dadas a educação, especialmente a inclusão na educação.

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A Declaração Mundial sobre Educação para Todos estabelecia que cada pessoa

criança, jovem ou adulto deve estar e ter acesso às condições de aproveitar as oportunidades

educativas. Estas deveriam ser destinadas à satisfação de suas necessidades básicas de

aprendizagem, que compreendem a leitura, a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de

problemas, além de chamados conteúdos básicos da aprendizagem, como conhecimentos,

habilidades, valores e atitudes. Isto permitiria o desenvolvimento pleno das potencialidades de

crianças, jovens e adultos, especialmente, no que ser refere a viver e trabalhar com dignidade,

melhoraria da qualidade de vida, e, assim, tomar decisões para que possa continuar

aprendendo, características que “mudam com o decorrer do tempo” (DECLARAÇÃO

MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990, pág. 03).

Tomadas estas condições, seria então possível apregoar uma educação não apenas

voltada para a diminuição da pobreza e desigualdade, sobretudo frente aos problemas

estruturais presentes nos anos 1980. Tratava-se de uma orientação educativa voltada para:

[...] a possibilidade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e

desenvolver sua herança cultural, linguística e espiritual, de promover a

educação de outros, de defender a causa da justiça social, de proteger o meio

ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que

difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos

humanos comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela

solidariedade internacionais em um mundo interdependente. (idem, pag. 03).

Nesse sentido, a Declaração Mundial sobre Educação para todos passava a concentrar-

se na educação enquanto a base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano

permanente. A educação básica estaria no núcleo dos problemas e alternativas transversais

voltadas à inclusão dos alunos com necessidades de aprendizado especial. O foco na educação

básica passaria a contemplar as necessidades educacionais, inserida em políticas públicas

onde o acesso à educação, a promoção da equidade; a atenção na aprendizagem, à criação de

um ambiente adequado à aprendizagem e o fortalecimento de alianças entre instituições

diretamente ligadas ao processo educativo seriam fundamentais na busca de amenizar o atraso

educacional. O foco na educação básica estaria no centro das probabilidades de concretizar o

potencial humano que, como indica a Declaração depende do acesso das pessoas à educação e

da articulação entre o crescente conjunto de conhecimentos com os novos meios de sua

difusão.

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1.1 A educação e a escola inclusiva no cenário internacional.

A Declaração Mundial sobre Educação para todos trouxe a necessidade de estabelecer

um foco naqueles historicamente excluídos do processo mais amplo e formal de

aprendizagem. Assim, passava a entrar no centro do debate internacional a necessidade de

estabelecer métodos dinâmicos e inovadores que pudessem suprir o atraso educacional em

países pobres e também industrializados. Estariam aqui inclusos as necessidades especiais e

educacionais, voltadas aqueles alvos de preconceitos e demais estigmas sociais. Aponta-se,

então, para um compromisso de superar as disparidades educacionais entre grupos excluídos,

pobres, os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e

zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias

étnicas, raciais e linguísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra.

É nesse sentido que a Declaração Mundial sobre Educação para Todos é um avanço no

debate internacional. O foco nas políticas públicas inclusivas passaria a ser fortalecida e onde

as necessidades básicas educacionais atingiriam pessoas com deficiências requerentes de

atenção diferenciada, na medida em que isto pudesse lhes garantir a igualdade de acesso à

educação frente aos incluídos, pobres e todo e qualquer tipo de deficiência. A inclusão, assim,

passava a ter intensidade na agenda de um sistema educativo mais integrado local e

globalmente.

Especificamente quanto ao tema da inclusão educacional, a Declaração de Salamanca

é um complemento a Declaração de Educação para Todos. Esta primeira passa a estabelecer

os princípios, as políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. O foco

aqui é uma extensão da Declaração Mundial sobre Educação para Todos e onde a criança

passa ser um sujeito de direitos fundamentais e irrevogáveis, especialmente quando a

necessidade da educação e das oportunidades que lhes devem ser ofertadas para que possa

atingir e manter um nível adequado de aprendizagem. Parte-se do princípio que incluir a

criança é incluir um sujeito de direito com características, interesses, habilidades e

necessidades de aprendizagem únicas, e deve ser inserida num sistema educacional que leve

em conta a vasta diversidade dessas características e necessidades. Em particular para pessoas

com necessidades diferenciadas (especiais), a escola exerce um papel central. A Declaração

de Salamanca estabelece que todas àqueles com este tipo de necessidades devem ter acesso à

escola, uma escola regular que os acomode dentro de uma “pedagogia centrada na criança”, e

capaz de satisfazer suas necessidades. O papel institucional aqui é realçado na medida em que

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há uma necessidade de uma redefinição das práticas docentes e institucionais, que possam se

voltar à educação inclusiva enquanto meio mais eficaz de combater os preconceitos e

estigmas sociais. A redefinição do papel das instituições de ensino, especificamente o papel

da escola, estaria, assim, incluída nas recomendações estabelecidas na Declaração de

Salamanca. As escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas

dificuldades de aprendizagem, sejam elas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,

linguísticas ou outras. Estariam incluídas, ainda, deficientes e superdotados, segunda ainda a

Declaração de Salamanca, e crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de

população nômade, e aquelas pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais.

Como se vê, a proposta de educação no cenário internacional parece requerer uma

“nova escola”, ciente de novos desafios não convencionais que a marcaram historicamente. A

escola estaria voltada para a inclusão de “todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades

educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de

aprendizagem” (Salamanca, 1994, p.03). Cabe à escola desenvolver formas inclusivas de

educar, estando a “nova escola” na condição de uma escola inclusiva, especialmente por

tratar-se, como afirma a Declaração de Salamanca, de uma instituição capaz de criar

pedagogias que solucionem desvantagens severas. A virtude de nova escola não se remete ao

fato de gerar valores universais, mas de prover uma educação de alta qualidade, em que todas

as crianças, sempre que possível, aprendam juntas, frente às suas diversas e específicas

diferenças.

Como caminho para especificar as diretrizes da educação e da educação inclusiva, e

mais ainda, ao papel exercido pela escola, a Declaração de Salamanca orienta que as crianças

com necessidades educacionais especiais somente devem ser encaminhadas a classes ou

escolas especiais em casos de exceções, onde fique claro que o processo de aprendizagem em

classes regulares é evidentemente comprometido, ou que esta não atenda às necessidades da

criança. Estaríamos, aqui, nos reportando a uma dimensão sistemática da educação especial,

onde as escolas regulares e as escolas especiais atuam em conjunto. As escolas especiais

estariam também no centro de um sistema educacional inovador, com profissionais com

conhecimento necessário para identificação precoce de crianças com deficiências. Assim

como ressalta o documento, as escolas especiais podem servir como centro de treinamento e

de recursos para os profissionais das escolas regulares, e podem representar escolas especiais

ou unidades dentro das escolas inclusivas voltadas às crianças com deficiências que não

possam ser adequadamente atendidas em classes ou escolas regulares.

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Para o caso brasileiro, a significativa contribuição do debate internacional sobre a

educação e educação inclusiva, parece ter exigido, no âmbito jurídico, um conjunto de normas

que garantam a efetivação dos direitos sociais para as crianças e minorias, e onde a educação

destinada à inclusão seja realmente efetivada. Podemos afirmar que a legislação nacional que

orienta as práticas de educação inclusiva também está em linha com que estabelece a

Declaração de Salamanca.

Resguardada as devidas diferenças nacionais, as ações legais em defesa de um sistema

integrado e de educação inclusiva devem atentar para o reconhecimento da igualdade de

oportunidade para crianças, jovens e adultos com deficiências nos vários níveis educacionais.

Tendo em vista as condições diferenciadas em que atuam as escolas regulares e inclusivas, as

medidas legislativas devem ser vistas como referencias para as ações das escolas integradas a

legislações complementares, e destinadas também à saúde, ao bem-estar social, ao

treinamento vocacional e ao trabalho das crianças e jovens com necessidades educacionais

especiais. Quando tratada enquanto uma legislação voltada à educação inclusiva, a Declaração

de Salamanca estabelece que as leis da educação inclusiva devem complementar as

necessidades mais gerais especificadas abaixo.

Em primeiro lugar, as políticas educacionais em todos os níveis, do nacional ao local,

devem focar na criança com deficiência, e estas deveriam frequentar instituições de ensino

próximas às suas residências. Em segundo, as políticas de “desmarginalização” de crianças

devem ser parte integrante de planos nacionais que objetivem atingir uma educação para

todos. A atenção especial deveria ser dada à garantia da igualdade de acesso e oportunidade

para meninas e mulheres deficientes. Uma atenção especial deveria ser prestada às

necessidades das crianças e jovens com deficiências múltiplas ou severas, como o caso de

crianças com autismo e surdez. Devem existir políticas educacionais que levem em

consideração as diferenças e situações individuais. Cabe destacar, para os fins futuros desse

trabalho, as importâncias que devem ter em nível nacional as políticas públicas voltadas à

diversidade linguística contemporânea, como é caso dos meios de comunicação entre os

surdos, por exemplo, que deveria garantir a todas as pessoas surdas o acesso à educação em

escola bilíngue. Um dos desafios da educação inclusiva e dos marcos políticos e jurídicos que

a regulam encontram em atender as necessidades diferenciadas de crianças, jovens e adultos

surdos e deficientes auditivos. Para estes, a orientação e o fortalecimento de escolas mais

adequadamente providas em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas

regulares, voltadas para suprir tais limites, é fundamental.

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1.2 A surdez, a inclusão e os Direitos Sociais.

O tema da surdez entre crianças e jovens ganhou ainda mais importância com a sua

associação às questões de direitos sociais, especialmente discutidas na Convenção sobre

Direitos das Pessoas com Deficiência. Os resultados desse evento e seus encaminhamentos

vêm contribuindo no sentido de estabelecer conceitos e atribuições para as instituições de

ensino e governos, seja no âmbito local ou estadual. Em sintonia com a proposta da

Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, este trabalho considera que:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de

natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com

diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na

sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (p. 16)

Assim como exposto em seu artigo primeiro, o propósito da Convenção é promover,

proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades

fundamentais para todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade.

Nesse sentido, portanto, o tema da surdez entre crianças e jovens deixa de ser apenas uma

questão de inclusão na escola, mas uma necessidade de políticas sociais e do reconhecimento

da totalidade dos direitos humanos. Mas em se tratando de criança com limites auditivos ou

surdez profunda, o tema da inclusão implica pensar nos limites e avanços dos diversos tipos

de metodologia de aprendizagem, levando em consideração a linguagem e suas diversas

expressões comunicativas, como Libras, Braille, etc. É importante destacar que neste trabalho

as pessoas que possuem impedimentos de longo prazo, e com necessidades de aprendizagem

especiais em virtude de seus limites de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, levam

as instituições de ensino a discutirem o papel da comunicação. Afirmamos aqui, assim como

na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que no âmbito da temática da

inclusão como direito social a comunicação é fundamental. Para este trabalho, as práticas de

musicalização de jovens com surdez a comunicação é fenômeno que:

[...] “abrange as línguas, a visualização de textos, o Braille, a comunicação

tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim

como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de

voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de

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comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis”

(pag. 17).

Nesse sentido, consideramos a língua de sinais como parte integrante da comunicação

e fundamento para a realização do processo de inclusão de crianças com surdez ou outros

limites sensoriais. Consideramos que esta expressão da linguagem encontra-se entre a

diversidade das línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não falada, ou

seja, não verbal. No âmbito das dificuldades sociais e culturais estabelecidas, a língua de

sinais é fundamental e importante para impedir a discriminação de crianças e jovens com

surdez e na expansão do estigma social. Esta forma de comunicação, para muitos, ainda é um

limite comunicativo, tão importante e de forte apelo social, ao ponto de muitas pessoas

pensarem que crianças e jovens surdos não podem executar a música. Assim, a comunicação,

a língua e o processo de inclusão se encontram no centro das questões que envolvem as

discriminações, sobretudo por considerar a Linguagem de Sinais ainda uma “deficiência”, um

impedimento para a realização de outros direitos sociais. Isto estaria de encontro ao

estabelecido na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual este trabalho

se fundamenta. Assim como destaca o documento, esta interpretação

[...] impossibilita o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de

oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e

liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural,

civil ou qualquer outro [...] (pág.17).

O tema da inclusão de crianças e jovens com surdez, e especificamente o papel

desempenhado pela musicalização e sua capacidade de potencializar os direitos sociais,

implica também em reconhecer a dignidade essencial a todos este alunos, sua autonomia

individual e liberdade de escolha e independência pessoal. O processo de inclusão de crianças

e jovens surdos por meio da musicalização é fator fundamental para a inibição da

discriminação, a plena e efetiva participação e inclusão dessas pessoas numa sociedade cada

vez mais diversa. Estes princípios contidos na Convenção sobre Direitos das Pessoas com

Deficiência nos leva, mais especificamente, a incentivar instituições, famílias e professores a

reconhecerem em crianças e jovens surdos suas capacidades, direitos e preservação de suas

identidades.

Por outro lado, o desenvolvimento pleno dessas novas necessidades voltadas à

inclusão de crianças e jovens com surdez requer algumas obrigações institucionais, de órgãos

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governamentais e instituições responsáveis por desenvolverem métodos e ações inclusivas.

Assim como destaca a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, estas

instituições devem se comprometer com ações de inclusão, assegurando e promovendo o

pleno exercício dos direitos dos chamados “excluídos”, combatendo qualquer tipo de

discriminação que atinja alunos com deficiência. É necessária a adoção de novas legislações e

regras administrativas que permitam a realização dos direitos reconhecidos na referida

Convenção. É necessária a participação de toda a sociedade, de governos que desenvolvam

programas e políticas protetoras e promotoras dos direitos humanos das pessoas com

deficiência.

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CAPÍTULO II: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL

NA SOCIEDADE MODERNA E NO BRASIL.

2.1 A Educação Especial na Sociedade Moderna

A compreensão do que seja a surdez envolve, necessariamente, aspectos sócio-

históricos. A surdez, considerando um fator para o encaminhamento da educação especial, é

considerada apenas em parte como um limite a aprendizagem, como se mostra historicamente.

A educação especial é compreendida na sociedade moderna como questão que

envolve, assim como destaca Silveira Bueno (2004), os dilemas de uma sociedade europeia e

os problemas sociais de conflito de interesse e de classe. Nesse sentido, a educação especial

encontra-se inserida no contexto mais amplo da educação regular e inclusiva que marca os

países no tempo, e onde o aluno surdo vivencia os dramas cotidianos que resultam das

contradições da sociedade moderna europeia. A educação especial é inserida num contexto da

necessidade de incluir o chamado excepcional. E também se encontra numa moderna

sociedade democrática, que estaria promovendo a integração da anormalidade e

excepcionalidade, de crianças e jovens, na diversidade do meio social.

O momento da educação especial, em particular, o da criança surda, possui como

marco o sec. XVI. Segundo Silveira Bueno (2004), o surdo é compreendido enquanto um

deficiente, e, assim, passava por um processo de segregação social, e onde instituições como

os asilos eram os lugares para onde esses sujeitos eram levados pelas autoridades locais.

Destacamos aqui, a criança, vista como deficiente, ou seja, surda. As igrejas, na Europa,

tiveram um papel fundamental como pioneiras na educação especial, especificamente as

ordens Beneditinas que passaram a educar crianças surdas-mudas, assim como destaca

Silveira Bueno (2004). No sec. XVII temos a continuidade da educação especial, e onde as

crianças surdas europeias tiveram um papel mais significativo na expansão de livros onde o

ensino para surdos era divulgado. No contexto europeu, cabe destacar o papel de países como

a Espanha, de onde se propagou parte do ensino voltado à educação especial de crianças,

expandindo-se para países não latinos, com uma formalização escrita da língua de sinais, a

quirologia, ou, como se denominava em outros países, como a Inglaterra, a linguagem natural

da mão.

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Os chamados preceptores, nomes atribuídos aos professores de educação especial, para

alunos surdos, também existiram em países como França. Holanda, Itália, Alemanha, ainda no

sec. XVII e sec. XVIII o que leva a afirmar que havia um interesse em expandir o ensino ou a

educação especial por toda Europa.

A escola, lentamente, passou a substituir o papel exercido pelos preceptores, ainda

uma prática no sec. XVII e inicio de XVIII. Percebemos uma Europa onde a educação era um

privilégio, com algumas variações em países como a Holanda, onde a linguagem da mão

também era ensinada aos filhos de comerciantes mais abastados. Isto também será percebido

no Brasil, desde o Império, até, em certa medida, no sec. XX, como veremos mais adiante.

Educar crianças surdas na idade moderna europeia significava, predominantemente, a

substituição da fala por gestos, pela mímica e gestos labiais, algo diferente do curriculum

destinado aos filhos da elite. O que se percebe é que na idade moderna europeia os

preceptores já compreendiam a necessidade de propagar a língua de sinais e o entendimento

de que surdos conseguem apreender, assim como outros desafortunados como, por exemplo,

os cegos. Assim, como destaca Silveira Bueno (2004):

O que se pode depreender desses dois séculos é o inicio do movimento

contraditório de participação-exclusão, que caracteriza todo o

desenvolvimento da sociedade capitalista, que se baseia na homogeneização

para a produtiva que perpassará toda a história da educação especial (p. 80).

A questão central a que se refere do sec. XVI e XVII é saber que a criança surda,

necessitada da educação era uma criança da nobreza, da burguesia, o que mostra este caráter

participação-exclusão o qual se refere o autor indicado. Cegos, surdos-mudos, se inseriam

nesse contingente. A grande questão era saber onde se encontravam os surdos, cegos e mudos

excluídos socialmente. Os pobres surdos, cegos e mudos, se encontram nas estatísticas dos

asilos ou hospitais, ou nas feiras, ou nas vilas, ruas, nas cidades vistas como andarilhos

anormais.

Mas é no sec. XVIII que a educação especial avança no mundo europeu moderno. Em

Paris, no sec. XVIII são criados os primeiros institutos de ensino para crianças com surdez,

como o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, em 1760, além do Instituto dos Jovens Cegos,

em 1784. Na Europa, questões que envolveram a educação especial como o “gestualismo vs

oralismo”, se mostram importantes para o avanço do ensino dos surdos e cegos, e da

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formalização das instituições nacionais de ensino, em particular na França no período

revolucionário.

Assim, as primeiras escolas para surdos mudos eram públicas, e destinadas a uma

tríplice função, a ampliação de oportunidades ocupacionais para deficientes, onde a instrução

do surdo permitia sua inserção na sociedade. Havia um deslocamento do surdo mudo para o

interior das instituições, ou seja, da elite para o povo miúdo como ressalta Silveira Bueno

(2004). Propagava-se o processo de segregação social, do estigma social, confinando os

excluídos nas intuições especializadas na educação especial.

2.2 Breves considerações sobre a Educação Especial no Brasil.

O tema da educação especial no Brasil, historicamente situado, revela o importante

papel das instituições de educação especial. Como destaca Silveira Bueno (2004), instituições

como o Instituto Benjamin Constant, e o Instituto Nacional de educação de surdos,

localizados no Rio de Janeiro, na década de cinquenta do século XIX, estão entre as

instituições que, ainda no Brasil Império, exerceram uma importante função na contribuição

para o ensino de crianças e jovens com necessidades especiais. Percebe-se, ainda no referido

autor, que a criação dessas instituições esteve associada a necessidades, em parte da elite

brasileira e de outras instituições e governos internacionais, em particular o governo francês.

Observa-se que o avanço das necessidades educacionais especiais num Brasil ocorre num

cenário mais urbano, e, como é percebida ainda em Silveira Bueno (2004), a educação

especial ainda não se mostra como sendo uma necessidade coletiva, mas restrita a interesses

de grupos próximos às instâncias de poder local. Mas este cenário não deixou de mostrar,

particularmente para instituições como o Instituto dos Meninos Cegos, um abandono e graves

problemas de gestão. Muitas delas se converteram em “casas” ou asilos para àqueles

considerados inválidos, ou excluídos socialmente. Cabe destacar, assim como faz Silveira

Bueno (2004), que as instituições voltadas à educação especial revelaram o caráter

assistencialista e histórico que, em certa medida, parece ainda refletir contemporaneamente,

notando que a cultura da educação especial defronta-se, ainda na sociedade brasileira, com a

ideia de que aqueles indivíduos com necessidades de educação especial merecem cuidados

especiais por não serem sujeitos úteis. A falta de politicas públicas voltadas à educação

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especial mostra um Brasil do sec. XIX em que as instituições especializadas eram oriundas de

uma prática do favor e de iniciativas isoladas.

Com o advento da República, a educação especial passaria por alguns avanços. Isto foi

percebido com o tratamento dado a pessoas com doenças mentais, onde a educação especial

passava a se associar a questões de saúde pública e de certa higienização social. Instituições

voltadas a essas necessidades como o Instituo Boudeville e o Pestalozzi, tiveram destaque já

no inicio do século XX. Muitas dessas instituições especializadas na educação de cegos e

deficientes auditivos se localizavam em centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro.

O surgimento da República também mostrou a educação especial com objeto de

interesse de instituições privadas, ainda destinadas a um público com um poder aquisitivo

maior. Esta mudança se colocava ao lado do crescimento de outras instituições filantrópicas

assistenciais. Estas mudanças se deparam com necessidades de uma educação voltada àqueles

com necessidades específicas, fruto da debilidade mental e onde, escolas e institutos,

passaram a compreender esses limites com a recém-psicologia.

O cenário republicano e das novas mudanças nas instituições educativas,

especialmente o avanço do interesse por parte de grupos privados, se mostrava, como destaca

Silveira Bueno (2004), a institucionalização da segregação, onde o aluno era seu principal

motor. Espaços nas escolas, novos especialistas, e toda uma nova forma de ver o diferente,

surgiram com a República e, particularmente, a escola e as instituições de educação especial

irão expressar em salas especializadas e outros profissionais a educação especial ainda com

traços de segregação. Como destaca Januzzi (1985 apud BUENO, 2004):

[...] seleção de anormais, com especificação das deficiências observadas e do

regime especial de que necessitassem, bem como a criação de classes escolas

para eles e orientação técnica aos profissionais neles atuantes (pg. 36).

Assim, a República e seu transcurso histórico é revelador de uma educação especial

defrontada com o problema histórico da segregação. Mas também mostrava um país destinado

a pensar a educação especial e a dinâmica de suas instituições especializadas dentro de um

conjunto de regras científicas, que envolvia a medicina e práticas de análises psicológicas.

Estaríamos diante, assim, de um avanço da ciência, mas também dos preconceitos sociais, e

onde a sala de aula revelaria o aluno bom e o aluno anormal.

No transcurso histórico da educação especial, após as décadas de 1930 e 1940, as

instituições voltaram-se, ainda com um modesto incentivo público, ao tratamento de

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problemas mentais e visuais. Observa-se, após esses períodos uma distribuição nacional das

instituições voltadas à educação. No Nordeste brasileiro, estados como Bahia, Recife, Ceará e

Paraíba criaram ou modernizaram suas instituições de educação especial. Após os anos 1930 e

1940 a criação da Fundação para o livro do cego no Brasil, importante instituição de ampla

representação para o ensino e produção textual em Braile, e dos processos de formação

técnica, destinada ao docente para o ensino dos cegos. Em Belo Horizonte, surgia inserido

nesse contexto, a única instituição especializada na educação especial de surdos; o instituto

Santa Inês. Mesmo em meados do século, a educação especial não tinha um caráter de direito

social, mas de filantropia, assistencialista, com a proposta também de “caridade” religiosa.

Porém, como destaca Silveira Bueno (2004), o Estado exerceria um papel fundamental frente

a um processo de privatização da educação especial.

A ação do Estado em relação à educação especial, embora não atingisse a

quantidade de atendimentos das entidades privadas e se restringisse

basicamente a deficiência mental, foi sistematizando e se organizando através

da normatização e da centralização do atendimento por parte de órgãos

públicos (p. 114).

O Estado passava a contribuir com um processo interno e interinstitucional de

segregação, criando instituições especializadas nas chamadas patologias individuais,

sobretudo a mental, e orientando as escolas a realizarem um processo seletivo no ato das

matrículas, onde a sala dos normais não sofreria retardo no aprendizado por comporem um

ambiente mais homogêneo social e biologicamente. Encontrava-se a educação especial não

sob a responsabilidade compartilhada entre professores e demais especialistas, mas restrita a

médicos e psicólogos. Isto mostra uma educação especial organizada pelo Estado e com baixa

integração entre demais membros da sociedade, e da escola ainda como lugar de diversas

salas de aula, àquelas dos normais, ou seja, homogeneizadas, e àquelas chamadas “classes

especiais”, com pessoas com doenças mentais. Como firma Silveira Bueno (2004), “assim,

essa visão de educação especial, em que a cura, a reabilitação e a eliminação de

comportamentos inadequados constituíam seu núcleo central, a escola (pg. 116-117)”.

Assim, a educação especial em meados do sec. XX se inseria num contexto de Estado

em processo de reordenação, no campo das reformas educacionais, trabalhistas, sanitárias e

previdenciárias. Isto impedia segundo Silveira Bueno (2004) o avanço e conscientização das

classes operárias sobre as questões nacionais. No que se refere à educação especial, o

julgamento das doenças mentais como impedimento para as atividades de trabalho serviam

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para reafirmar o poder de uma classe sobre a outra. Ou seja, os deficientes mentais, ou aqueles

com necessidades de aprendizado especial, não portavam de direitos.

O início dos anos 1950 revelou para a educação especial brasileira, o papel mais

intenso das instituições privadas. Expandiam-se nacionalmente as instituições especializadas

com a educação especial, sejam elas públicas ou privadas. Cabe destacar a expansão das

federações destinadas ao tratamento de pessoas com problemas mentais e necessitadas de

educação especial, cabe destacar as instituições como Pestalozzi e as APAES, e sua

significativa contribuição nesse sentido, já a época.

No trato com os problemas auditivos, diversas instituições foram sendo criadas nas

cidades de Recife, Fortaleza, Salvador e a ampliação de novas escolas em São Paulo e Rio de

Janeiro. Em muitas dessas cidades e estados surgiram os centros de reabilitação e clínicas

privadas, dedicados ao atendimento das famílias ricas. Muitas dessas instituições eram

privadas e localizadas nos grandes centros urbanos do país, especialmente destinadas às

crianças. As instituições que se expandiam pelo país passaram a mostrar a importância da

educação especial e da contribuição que elas ofereciam, sejam elas privadas ou públicas.

Muitas delas terão, após as décadas de 1960 e 1970, uma significativa contribuição na

elaboração de políticas públicas voltadas à qualificação da educação especial no Brasil. Após

essas décadas temos uma ampliação do atendimento, especialmente das classes especiais e das

secretarias estaduais de educação. Do total da população estimada para a década de 1970,

10% apenas era atendida pela rede privada e pública no que se refere à educação especial.

No cenário dos anos 1970 e posterior, o resultado das campanhas em defesa da

educação especial passou a chamar atenção para a educação de crianças e jovens surdos, com

a campanha para a educação do surdo brasileiro, Campanha para a Educação do Surdo

Brasileiro – CESB (Decreto no. 42.728, de 3 de dezembro de 1957), seguida da campanha

nacional de educação dos cegos, e de outros movimentos.

A educação especial passava a ser um tema cada vez mais prioritário na educação do

país, especialmente com o Plano Setorial de Educação e Cultura, do inicio da década de 1970.

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2.3 A Educação Especial e a Educação Inclusiva.

Quando se trata da relação da Educação Especial com a Educação Inclusiva, além dos

aspectos históricos já destacados, a atualidade demonstra que ainda existem limites quanto,

em primeiro lugar, à relação professor-alunos em sala de aula e, à formação docente

especializada, também, com as diferenças entre a diversidade dos alunos. Como se percebe, a

história da Educação Especial é a tentativa de também ser uma Educação Inclusiva, mas como

foi visto, voltada ainda, predominantemente para a elite, concentrada nas instituições e com

sérias dificuldades de evitar processos como o de segregação social. Assim, a Educação

Especial se mostra uma problemática na atualidade ainda necessitando de superação. É no

cotidiano escolar, sobretudo nas experiências vividas entre professores e alunos, nas

abordagens pedagógicas e, por vezes, inovadoras, que se percebem os limites práticos e

teóricos da relação entre a Educação Especial e a Educação Inclusiva. Isto não significa

afirmar que haja uma fragmentação, mas limites inerentes a qualquer processo educativo.

Além dos limites da formação docente e da relação professor - aluno, muitas escolas

regulares ainda precisam conter as condições técnicas e de infraestrutura capazes de

proporcionar um ambiente adequado à inserção do aluno surdo às condições de aprendizagem

da escola regular. É nesse sentido que não podemos pensar a Educação Especial fora do

contexto da Educação Inclusiva e de suas características históricas que, como se observou,

estão na sociedade moderna europeia. É assim que podemos afirmar que a educação inclusiva

precisa atentar para as necessidades nascidas com a educação especial. Isto não significa a

existência de duas “escolas”, ou de suas “pedagogias”, mas a necessidade de uma coexistência

que possa, de acordo com as regras da cultura, e das politicas de inclusão, permitirem um

aprendizado para aqueles e aquelas historicamente segregados.

Na atualidade, é visto que há um esforço por parte de professores, instituições e de

demais participantes do processo de educação especial em garantir, por meios como as novas

tecnologias educacionais, políticas públicas, o acesso de crianças e jovens com necessidades

educacionais especiais a escola regular. No Brasil, esse esforço cresce com a década de 1990,

e onde a escola inclusiva passou a ser o centro de novas exigências pedagógicas no sentido de

incluir os diferentes. Nesse sentido, cabe às escolas regulares “receberem” a diversidade de

alunos com necessidade de aprendizagem especial, sem resistência às questões de credo, etnia

e nacionalidade. Estamos, assim, diante não apenas de uma “nova escola”, mas de exigências

pedagógicas, de governos e também das famílias, diferentes daquelas em que nasce a

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educação especial. Ou seja, a educação especial é, também, o resultado de outra forma de

pensar a educação regular inclusiva e esta, por sua vez, requer outras formas de gerar

aprendizagem por parte de professores e instituições. Assim como destaca Glat e Blanco

(2007),

A educação inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o

acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e

discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimento de

identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem (p. 16).

O centro das grandes mudanças quando se fala de educação especial e inclusiva é a

escola. A escola regular contemporânea precisa não somente rever as práticas pedagógicas,

administrativas, curriculares e de conteúdo, mas inserir-se no universo das diferenças

existentes entre os alunos com surdez, cegueira e demais características dos alunos com

necessidades educacionais especiais. Assim como destaca Glat e Blanco (2007), “a educação

inclusiva poder ser considerada uma nova cultura escolar [...] uma concepção de escola que

visa ao desenvolvimento de respostas educativas que atinjam todos os alunos” (p. 16-17).

A escola encontra-se nos centros das novas respostas educativas ainda não por

representar uma escola tradicional, nem voltada para o mercado, mas por encontrar-se longe

dessas ambientes.

Mas estamos, também, diante de novas questões que envolvem a educação especial.

Ela precisa abranger a diversidade dos alunos e seu atendimento especializado direto, mas

também precisa ser um suporte a educação regular com proposta inclusiva. Nesse sentido,

como já destaca, estamos falando de uma mudança nos sistemas educacionais, e não da

existência de suas escolas desconectadas. Como salienta Glat e Blanco (2007), ao se referirem

à educação especial,

A Educação Especial não deve ser concebida como um sistema educacional

especializado à parte, mas sim como um conjunto de metodologias, recursos e

conhecimentos (materiais, pedagógicos e humanos) que a escola comum

deverá dispor para atender a diversidade de seu alunado (p.17).

Alunos com surdez, cegueira ou demais características físicas, estando na escola

inclusiva, não podem limitar-se ao mero convívio escolar, e onde a instituição ofereça apenas

a matrícula, a sua presença na escola, mas um espaço onde estes tipos de alunos aprendam os

conteúdos socialmente valorizados para todos os alunos da mesma faixa etária. É preciso,

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assim, a escola atentar-se para as peculiaridades desses tipos de alunos, em suas

aprendizagens e desenvolvimento. Assim, como afirma Glat e Blanco (2007), não estamos

nos referindo aqui a uma diferença, mas “a Educação Especial constitui-se como um conjunto

consistente de conhecimento teóricos e práticos, estratégias, metodologias e recursos para

auxiliar a promoção da aprendizagem de alunos com deficiências e outros comprometimentos

(p. 18).” Assim, a relação entre a Educação Especial e a Educação Inclusiva, refere-se ao

exercício de direitos sociais, e não de uma ruptura deles.

Quando consideramos a criança e o jovem como sujeitos de direitos, e a educação

especial enquanto resultado disto considera-se que a criança e o jovem surdo é aquele que

porta limites auditivos, considera-se que este enquanto vistos como “normais”, desenvolve

sua capacidade de aprendizagem em função da maioria dos seus estímulos decorrentes de sua

capacidade auditiva. Já nos seus primeiros anos, a criança, por exemplo, corresponde aos sons

em função dos estímulos externos, motivados por sua capacidade auditiva. O

desenvolvimento da criança está associado, na escola ou fora dela, diretamente à sua

capacidade de ouvir o exterior, a realidade externa a si e a ela se adaptar continuamente.

As dificuldades de aprendizagem de uma criança surda são determinadas pela falta de

comunicação com seus professores e colegas. A escola inclusiva e a Educação Especial são

fundamentais para quebrar estas barreiras. Em se tratando de educação especial é necessário

identificar se os alunos são capazes de corresponder às atividades em sala de aula,

considerando as questões afetivas e sociais que as envolvem. No próximo capítulo,

discutiremos a surdez e a musicalização como elemento pedagógico de uma educação

especial. Veremos a surdez e suas características e como o processo de musicalização para

surdos permite um aprendizado, em linhas com os princípios defendidos aqui neste trabalho

no que se refere à educação especial e a inclusão.

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CAPÍTULO III: O PROCESSO DE MUSICALIZAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS

3.1 A surdez e suas características.

A surdez é uma característica que dificulta o desenvolvimento da linguagem, e,

consequentemente, o processo comunicativo entre as crianças. Como destaca González (2007

apud Smith, 2008), a criança é considerada surda quando “não percebe os sons nem mesmo

com a ajuda de amplificadores” (p.120). Ainda segundo o mesmo autor, quando se refere à

Escola Americana para os surdos, a definição surdez mais usual implica numa incapacidade

com níveis que varia de intensidade, de médio a profundo, e inclui os termos surdos e

limitados de ouvido. Este último seria o indivíduo que, com um auxilio auditivo, possui

audição residual que lhe permite processar informações e, consequentemente, comunicar-se.

O surdo, por outro lado, é aquele cuja incapacidade auditiva lhe impossibilita o

processamento de informações pela audição comprometida completamente, estando assim,

com limites sérios de exercer a comunicação, quando a audição como meio único de exercê-

la. González (2007) estabelece que, do ponto de vista educativo, é possível classificar as

crianças como hipoacúsicos e àqueles com surdez profunda. Estes primeiros seriam:

[...] crianças com audição deficiente, em virtude disso podem ter alteração na

articulação, na reestruturação da linguagem, ou ainda no léxico, mas com a

ajuda de uma prótese auditiva podem desenvolver uma vida normal. Portanto,

a característica fundamental dessas crianças é adquirir a linguagem oral por

via auditiva (p. 120).

As crianças com surdez profunda são aquelas que possuem uma perda auditiva total

(GONZÁLEZ, 2007). Assim como aponta o autor, “a informação não chega até elas em nível

auditivo, embora tenham uma boa amplificação, por isso a informação é recebida pelo visual

(p. 120)”. Sua peculiaridade é a impossibilidade de adquirir a linguagem oral por via auditiva.

Na criança, a fala e a linguagem são consequências diretas da audição. A surdez afeta

a criança diretamente em seu desenvolvimento e na sua linguagem. Como destaca Adamek e

Darrow (2005), a comunicação é a base de nosso ser social e cognitivo; sem ela, nós somos

excluídos do mundo. O resultado do isolamento pode afetar todos os aspectos do nosso

desenvolvimento psicológico, social e intelectual. Assim, a criança surda ou o hipoacúsico

sofre, em medidas diferentes, as condições de existência plena enquanto ser social. Estaria,

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assim, submetido à perda auditiva, diretamente relacionada ao grau e aos níveis de decibéis

que a criança pode ouvir algo relacionado diretamente ao processo do desenvolvimento da

fala. Quando observamos a classificação apresentada por Adamek e Darrow (2005), assim

como, na tabela abaixo, temos a descrição dos tipos de perdas auditivas e suas características.

Tabela 01 – A Surdez e os efeitos da Comunicação

GRAU DE PERDA

EFEITO SOBRE A COMUNICAÇÃO

Perda leve (27 a 40 dB)

-Pode ter dificuldade de ouvir discurso

fraco ou distante.

-Pode ter algumas dificuldades com as

linguagens artísticas.

-Pode ter pouco ou nenhum problema em

ouvir música, mas pode ter dificuldade de

compreender letras.

Perda moderada (41 a 55 dB)

-Compreende uma conversa a uma

distância de três a cinco pés (1,5m);

-Pode perder 50% de um diálogo se não

for face a face;

-Pode ter vocabulário limitado e

irregularidades na fala;

-Necessitará de textos para seguir as

palavras.

Perda acentuada (56 a 70 dB)

-Pode entender apenas conversações altas;

-Terá dificuldade nas discussões em

grupo;

-É provável ter limitações na fala,

vocabulário limitado e dificuldade no uso

e compreensão da linguagem;

-O uso de instrumentos de percussão e de

baixa afinação.

Perda Severa (71 a 90 dB)

- Pode ouvir voz baixa ao próximo ao

ouvido;

-Pode ser capaz de identificar sons

ambientes;

-Pode ser capaz de discriminar vogais,

mas não consoantes;

-Provavelmente a fala e a linguagem

sejam prejudicadas.

-Uso de tambores e instrumentos de

metais graves.

Perda profunda (91 ou mais) -Mais consciência de vibrações do que

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padrões tonais;

-Depende mais da visão do que da audição

como principal meio de comunicação;

-Provavelmente a fala e a linguagem

sejam prejudicadas;

-Ênfase musical sobre elementos rítmicos.

Fonte: Adaptado da livre tradução de ADAMEK, Mary S.; DARROW, Alice-Ann. Music in Special

Education. USA: The American Music Therapy Association, 2005.

A perda auditiva, diferente da surdez, parece não afetar totalmente o desenvolvimento

intelectual das crianças, mas, por outro lado, pode implicar no atraso de seu sucesso

educacional, algo significativo, sobretudo, nas questões também relacionadas ao fracasso

escolar.

Ainda em se tratando da surdez, para González (2007) há dois momentos da perda

auditiva, que são os surdos pré-locutivos e surdos pós-locutivos. Os primeiros são aquelas

crianças que a surdez antecede a aquisição da fala. Estariam na faixa etária entre zero e cinco

anos de idade. Os pós-locutivos são aqueles que ficam surdos após a aquisição da linguagem,

especificamente, após os cinco anos de idade, logo já possuindo as estruturas de linguagem

capazes de lhes garantir mais facilidade na comunicação. Em se tratando de intervenções

estritamente educacionais, Gozález (2007) alerta para que “a primeira coisa que temos de

determinar é quais são suas habilidade de aptidões que os sujeitos têm para poder organizar

seu ensino em função de sua capacidade” (p. 128). Muitas das dificuldades de aprendizado,

especificamente entre aluno surdo e professor ouvinte, e entre alunos surdos, dar-se-ão pela

ausência da comunicação oral.

O processo de musicalização envolve os tipos de surdez que atinge as crianças.

Segundo Marchesi (2004), a surdez pode ser compreendida “como uma alteração produzida

tanto no órgão da audição como na via auditiva” (pág. 172). Segundo esse mesmo autor as

tipologias de surdez estão relacionadas ao lugar onde ocorreu a lesão, e nesse sentido a surdez

pode ser uma surdez condutiva ou de transmissão, neurossensorial ou de percepção e a surdez

mista.

Essas tipologias de surdez remetem, como já falamos, a uma alteração no sentido da

criança. Quando a surdez é condutiva, o que foi afetado foi o ouvido externo e há por parte da

criança surda uma dificuldade de compreender os sons em função da dificuldade da

transmissão das ondas sonoras do ouvido externo para o ouvido interno. Este tipo de surdez

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além de outros fatores está associado à malformação genética do ouvido interno e externo,

mas, há a possibilidade de tratamento e a criança ouvir, não sendo uma surdez grave que

impossibilite o desenvolvimento da linguagem oral.

A surdez neurossensorial envolve o ouvido interno e o cérebro podendo ter origem

genética por intoxicação, infecção ou por alterações vasculares. A criança surda, com esse

tipo de surdez tem afetada a quantidade e a qualidade da audição. Ela ouve pouco, os sons são

distorcidos e suas frequências comprometidas. A criança com esse tipo de surdez tem sua

audição seriamente comprometida sendo necessário o implante coclear como a possibilidade

da criança surda ouvir. A surdez mista, diferente das demais, possui este nome porque na

criança surda o ouvido interno e externo são prejudicados, e sua origem pode ser uma

alteração ocorrida no ouvido externo para o ouvido interno. Trata-se de uma surdez que tem

suas causas relacionadas à surdez neurosensorial ou uma combinação de tipos de surdez.

Assim, seu tratamento exige uma abordagem diferenciada desde a inserção cirúrgica, implante

coclear como tentativa de recuperar o funcionamento do ouvido externo médio e interno.

Segundo Marchesi (2004), a surdez também está relacionada à idade da perda auditiva

a reação emocional dos pais e o próprio desenvolvimento da criança. Segundo ele, quando se

trata de surdez há dois grandes tipos de causa: as de base hereditária e as adquiridas, muito

embora em muitas crianças surdas as origens da surdez são desconhecidas.

Existe um significativo percentual de surdos como origem de surdez genética, com uma

surdez de caráter recessivo. Mas como ressalta este autor apenas 10% das pessoas surdas tem

pais surdos. É mais provável encontrarmos uma surdez adquirida causada por problemas

anoxia neonatal (diminuição da oxigenação cerebral), infecções, incompatibilidade de RH ou

rubéola.

As diferenças de surdez entre as crianças são mais amplas e envolvem fatores

ambientais. Estes fatores estão relacionados diretamente ao desenvolvimento da criança,

fatores, por exemplo, a atitude dos pais perante a surdez dos filhos; as ações de super proteção

podem levar a uma relação em que a criança surda é tratada como ouvinte ou, em outros

casos, em consequência da sua surdez, os pais criam um ambiente descontraído de

comunicação. Fatores ambientais assim estão relacionados ao espaço em que a criança surda

vive. Pais surdos e crianças surdas convivem em um ambiente bem distinto das crianças

surdas com pais ouvintes. A aceitação do filho surdo e o desenvolvimento da comunicação

irão variar em função desses ambientes.

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Os fatores ambientais são fundamentais para o desenvolvimento educativo da criança

surda e envolve o estímulo sensorial atividades comunicativas e expressivas, o uso da

linguagem de sinais, sobretudo para criança com uma surdez profunda, o recurso de símbolos

e o envolvimento dos pais é fundamental no processo educacional.

Ainda é preciso destacar que a criança surda requer uma educação adaptada às suas

possibilidades, como uso de objetos que facilitam o conjunto de sua aprendizagem e não

sejam um impedimento ao desenvolvimento educativo da criança, nem ao seu

desenvolvimento linguístico nem o comunicativo. Assim, a educação da criança surda

envolve um ambiente linguístico e um ambiente comunicativo.

O ambiente linguístico refere-se ao processo de socialização linguística pela qual

passa a criança, e neste caso muito semelhante ao processo da criança ouvinte. Para o caso de

pais ouvintes é utilizado à linguagem oral, o aprendizado de sinais próprios ao sistema de

comunicação presente na comunidade surda. Este ambiente linguístico muda em função da

surdez profunda exigir um tratamento diferenciado para a criança, pois a aquisição da

linguagem oral ou de sinais é mais difícil, pois não é um processo espontâneo ou natural, mas

vivido de um intenso intercâmbio de comunicação e de informação, o que exige um

acompanhamento metódico por parte dos adultos. Segundo Marchesi (2004) “não é estranho

ouvir os pais de crianças surdas dizerem que estão trabalhando uma palavra com seu filho, o

que seria surpreendente se estivesse se referindo a um filho ouvinte” (pag. 178).

O ambiente comunicativo envolve a relação entre os adultos e a criança surda. Os

choros, os balbucios dos primeiros quatro meses tendem a diminuir após os quatro meses de

idade mostrando perdas auditivas graves e profundas. A criança surda não se mostra da

mesma maneira que uma criança ouvinte. Isto mostra uma dificuldade de comunicação entre

mãe ou pai ouvinte e a criança surda. Como ressalta Marchesi (2004), o ambiente

comunicativo em que se encontra a criança surda envolve três aspectos relevantes da

comunicação entre pais e filhos; a alternância, a referência conjunta e os jogos de antecipação.

A alternância refere-se ao papel que cada interlocutor exerce no espaço comunicativo. Isso

implica aos pais maior tempo de vocalização com a criança surda. A referência conjunta,

como fala Marchesi (2004), é um indicador das atividades que a mãe e a criança surda

realizam. Neste caso, a criança surda pode vir a diminuir, por exemplo, a relação do rosto da

mãe com os sons que ela realiza dificultando assim, a vocalização para chamar a atenção da

criança. Os jogos de antecipação são atividades em que a criança e a mãe exercem um papel

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que se repete. Existe uma interação de ações e sinais repetitivos, uma estrutura interativa de

símbolos linguísticos. São jogos que são acompanhados por expressões orais.

Veremos como segue que frente a estas características das crianças com surdez, o

processo de musicalização representa um dos meios eficazes para produzir a comunicação

entre crianças com surdas e deficientes auditivos.

3.2 A musicalização e a criança surda.

Podemos dizer que em muitas instituições dedicadas ao atendimento a pessoas com

deficiência tais como escolas especiais ou centros de reabilitação a música é parte integrante

das atividades diárias. Mas, muitas instituições concentram-se na reabilitação como forma de

trabalhar a comunicação em grupo, sociabilização, recreação, entre outros objetivos

terapêuticos ou sociais. Segundo Louro (2006), “a música pode ser um instrumento

importante para se aprimorar a comunicação, com muita frequência assume aspectos de

recreação e, certamente, é fonte comprovada de reabilitação” (p. 27). Como destaca a autora,

a musicalização é um meio importante e visto como um processo pedagógico de

sensibilização e alfabetização, além permitir da melhora na vida dos indivíduos. A

musicalização, considerada como parte da Educação Musical, possui a capacidade de educar

os indivíduos, atingindo aspectos de ordem cognitiva e de sua vida material, como o trabalho

e demais atividades escolares. A grande contribuição da musicalização, como parte da

Educação Musical, é apontar que os limites são as molas de propulsão para a realização

pessoal das crianças surdas, sejam essas realizações musicais ou de outra natureza. Esta seria,

segundo ainda Louro (2006), “a grande contribuição da educação musical no processo de

desenvolvimento humano” (p. 28).

Assim, a musicalização é fator fundamental no processo linguístico e de comunicação

de crianças surdas. Neste trabalho, essa concepção de Louro (2006) aqui utilizada nos

possibilita compreender que características a mais influenciam diretamente no processo de

musicalização de crianças surdas.

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3.3 A musicalidade e a surdez

A musicalidade, segundo Haguiara-Severline (2003), é característica do sujeito

humano e, na nossa perspectiva, também uma característica presente na criança surda, e

refere-se a:

[...] a possibilidade que o homem tem de expressar a música interna, ou entrar

em sintonia com a música externa, por meio do seu corpo e seus movimentos,

por meio da sua voz, cantando, do tocar, do perceber, um instrumento sonoro

musical ou não, ou de uma escuta musical atentiva (p.75).

A musicalidade está associada diretamente à música interna, capaz de ser desenvolvida

por crianças surdas. É aquela música criada e vivida internamente, que permanece na audição

interior e ainda não se materializou, ou seja, não foi expressa acusticamente.

No que se refere à surdez, a música interna pode ser desenvolvida relacionando à

chamada língua de sinais, historicamente conhecida como a linguagem das mãos, a

instrumentos rítmicos, de percussão. A criança surda, como se perceberá no relato de

experiência enquanto um dos objetivos deste trabalho, expõe a música interna, a exterioriza,

por uma relação entre a LIBRAS, a experiência com os instrumentos percussivos e, com a

devida orientação especializada. É assim, que o processo de musicalização de crianças surdas

se materializa, ou seja, é um processo em que a musicalidade, especificamente a música

interna se revela externamente, mostrando a capacidade de musicalidade presente nas crianças

surdas. Sabemos que este processo não é um processo imediatista, automatizado, mas que

requer tempo e as condições sociais e educacionais adequadas para a sua realização.

Ainda, assim, não podemos afirmar que a música interna seja uma característica do

processo de musicalização das crianças surdas e que atinge genericamente todas elas. Cada

criança surda desenvolverá, em tempos diferentes e expressará a “sua” música interna

diferentemente. Quanto aos instrumentos, também cabe ressaltar que eles possuem um

impacto diferenciado ou autônomo no processo de musicalização. Eles atuam conjuntamente

com outros elementos e os instrumentos permitem que algumas crianças, ao experimentá-los,

desenvolvam em tempos e diferentemente sua musica interna. Assim, esses elementos atuam

como estímulos ao desenvolvimento da musicalidade.

Como afirma Haguiara-Severline (2003), ao se referir à musicalidade expressa

corporalmente, é possível verificarmos estas características, assim como aponta a autora:

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Quando falo em musicalidade expressa corporalmente, estou me referindo a

várias possibilidades, então vejamos. Se o indivíduo vivencia com sua audição

interior qualquer estrutura rítmica, esta pode se manifestar por meio do

cantarolar, do expressar-se pela percussão do chão com os pés, ou do

tamborilar uma mesa com os dedos (p. 76).

Mas a música interna é fortemente afetada pelo ritmo externo, seja diante de um ritmo

marcante, o corpo de expressar musicalmente. No caso da surdez, parte significativa da

compreensão rítmica é possível com o auxilio da Língua Brasileira de Sinais, que orienta na

compreensão dos tempos rítmicos e gêneros musicais. Estariam assim despertando os

elementos primeiros da musicalidade do ser humano, que complementam os elementos da

musicalidade interna de qualquer sujeito humano, os batimentos cardíacos e respiratórios. “O

surdo reage à música e expressa sua musicalidade” (Haguiara-Severline;2003).

Fundamentando-nos em Haguiara-Severline (2003), é possível afirmar que, o uso de

aparelhos de amplificação sonora facilita a percepção do mundo sonoro. Mas não é

exclusivamente por essa via que o sujeito surdo pode ter acesso ao som. “Por todo seu corpo é

possível captar as vibrações das ondas sonoras. Estas podem ser percebidas pela pele e pelos

ossos” (p. 79). Estes seriam meios de comunicação que afetam o sujeito surdo permitindo-lhe

reagir frente a vibrações, uma vivência musical e expressão de sua musicalidade. O corpo,

assim, funciona como um meio multissensorial.

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CAPÍTULO IV: A EXPERIÊNCIA DE MUSICALIZAÇÃO COM CRIANÇAS

SURDAS

O trabalho é o resultado de um projeto de musicalização que se originou a partir de

uma experiência vivenciada pela autora desta monografia na cidade de Recife/PE, na

condição de participante no X Encontro Regional Nordeste da ABEM, em 2011, onde dentro

das atividades foi apresentado um projeto de musicalização para pessoas surdas, chamado:

“Som da Pele”. Neste projeto existem tanto pessoas surdas quanto ouvintes. Uma das

metodologias utilizadas é o uso de um metrônomo feito com luzes de cores diferentes. O seu

idealizador, professor Airton Silva, também conhecido popularmente como “Ras Batman

Griô”, utiliza este metrônomo de iluminação como recurso pedagógico adaptado às pessoas

surdas, uma vez que a linguagem do surdo é visual.

A partir dessa experiência e metodologia surgiu a ideia de realizar um projeto de

musicalização para pessoas surdas, uma vez que em Natal/RN os projetos nessa área são

pouco explorados. O foco não seria as pessoas com surdez, nem o uso desse recurso

pedagógico, mas com foco na criança surda ou com deficiência auditiva e o uso de

instrumentos percussivos. Inicialmente, o trabalho voltou-se para o processo de musicalização

de uma criança surda de uma escola inclusiva, o Núcleo de Educação da Infância

(NEI/UFRN), sob a orientação do Professor Ms. Isaac Samir Cortez. As atividades utilizadas

na educação musical inclusiva eram estritamente adaptadas a uma única criança surda que

tinha quatro anos. As atividades musicais eram planejadas de maneira equitativa da criança

surda em relação aos demais alunos. No entanto, a partir dessas atividades surgiram as

adaptações visuais. Criávamos métodos pedagógicos visuais a fim de incluir aquela criança

nas atividades musicais da turma. Ministravam-se aulas de música com a apresentação de

imagens, além da música. A criança já era oralizada, ouvia pequenos ruídos, não sendo

totalmente surda. Seu nível de surdez não permitia definir os sons melódicos dos instrumentos

e nem das músicas propostas nas atividades. Partindo do nível de surdez desta criança as

atividades eram adaptadas de maneira visual, com o uso de sons mais fortes, com

instrumentos de bandinha rítmica, afim de que a criança pudesse sentir a vibração dos

instrumentos. A partir dessa experiência vivida no NEI, surgiu a necessidade de ampliar os

estudos sobre a temática da musicalização de crianças surdas, agora, com um objetivo de lidar

não apenas com uma criança, mas uma turma de alunos surdos. Partiu-se, então, para a

realização de um curso de Libras, uma vez que havia uma dificuldade, em comunicar-me com

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a criança surda. Com a realização desse curso foram estabelecidos os primeiros contatos de

maneira mais concreta com a comunidade surda1. Com essa aproximação e com o bom

acolhimento na comunidade surda, surgiu o projeto de musicalização da criança surda do

Centro de Atendimento ao Surdo (CAS).

4.1 Breve histórico do Centro de Atendimento ao Surdo (CAS)

O Centro de Atendimento ao Surdo (CAS) é uma instituição especializada em

Educação Especial, especificamente no atendimento e apoio as pessoas com surdez. Nele

estão matriculadas crianças, jovens e adultos, que possuem surdez profunda e deficiente

auditivos. No Brasil o CAS é o resultado dos Programas de expansão das instituições voltadas

ao atendimento de pessoas com necessidades especiais, e, no Rio Grande do Norte, Natal,

Parnamirim e Mossoró são as únicas cidades onde se localizam suas representantes. A

instituição é o resultado das ações estabelecidas por meio de parcerias entre a Secretaria de

Educação Especial do Ministério da Educação - SEESP/MEC e as Secretarias Estaduais de

Educação, também com o objetivo de promover a formação continuada de professores e de

instrutores de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.

O CAS inicia suas atividades em 2005, nos estabelecimentos da Escola Estadual

Manoel Dantas, localizado na Rua Alberto Maranhão, bairro do Tirol, Natal/RN. Possui um

total de 170 alunos surdos matriculados, e é atualmente dirigido pela professora Aldenora

Bezerra Fernandes da Silva. As atividades direcionadas aos professos são, dentre outras, a

formação continuada para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para surdos. O

incentivo da inclusão da LIBRAS nas escolas brasileiras como componente curricular

destinado a alunos surdos e ouvintes também faz parte de uma de suas atividades. Além disso,

o CAS proporciona a formação continuada de tradutor e intérprete de LIBRAS para a atuação

nas escolas de educação básica, e oferece atendimento educacional especializado e material

didático para os alunos com surdez ou deficiência auditiva.

1 Comunidade surda considerada neste trabalho consiste nas relações entre pessoas surdas, sejam elas de

natureza cultural, política, além de outras. Nesse sentido consideramos que uma das características fundamentais

da comunidade surda é a Língua de Sinais, elemento aglutinador das pessoas e suas relações nas comunidades

surdas, e fundamental para o desenvolvimento da identidade surda e dos surdos entre si.

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Para os fins deste trabalho, o CAS representou uma instituição importante, tendo em

vista a sua proposta pedagógica de Educação Especial, e sua disponibilidade em desenvolver

uma atividade em colaboração com alunos da Escola de Música da UFRN e onde no centro

das discussões estivessem a surdez e o processo de musicalização de alunos surdos. Este

trabalho tornou-se viável em função do CAS proporcionar os primeiros e o maior contato com

a comunidade surda. Com a colaboração estabelecida entre CAS e Escola de Música da

UFRN foi iniciado o processo de musicalização para os alunos surdos.

Como não poderíamos alterar a rotina educacional dos alunos do CAS, as aulas foram

estabelecidas entre uma divisão de tarefas, onde os alunos teriam aulas na Escola de Música e,

também, nas salas de aula do CAS. As aulas tiveram início após um comunicado e reunião

formal com os pais dos alunos surdos. Após um acordo firmado entre professores, pais e

alunos, deu-se o início formal das atividades de sala de aula que resultariam no relato de

experiência. Cabe destacar o grande interesse despertando entre os alunos surdos de passarem

por uma atividade em que teriam contato direto com instrumentos musicais e professores de

música. Após firmando este acordo, foram estabelecidos o número e as crianças surdas que

iriam participar das aulas de musicalização. Foram escolhidas crianças surdas na faixa etária

de 10 até 13 anos, compondo uma turma de 15 alunos, divididos em 5 meninas e 10 meninos.

Desse total de alunos encontravam-se crianças com surdez outras com deficiência auditiva.

4.2 A experiência de Musicalização com os alunos do Centro de

Atendimento ao Surdo (CAS)

O relato de experiência sobre o processo de musicalização obedece aos procedimentos

metodológicos já ressaltados no início deste trabalho. Neste capítulo são expostas as

atividades de musicalização realizadas com os alunos surdos.

Como já foi destacado, o processo de musicalização ocorreu semanalmente. Nos

primeiros, a timidez entre os alunos caracterizou o primeiro encontro, o que revelou as

novidades e a maneira nova para professores e alunos com essa experiência. As descobertas

foram acontecendo ao longo das aulas.

Na primeira semana de aula os alunos surdos tiveram um contato com os instrumentos

de percussão. A ansiedade e a curiosidade marcou esse primeiro encontro. Nele, os alunos

tiveram o contado com instrumentos percussivos como o “surdo”, o bumbo, marimbas,

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caixas, tambores, repiques, etc. Após esse contato inicial, cada instrumento apresentado foi

destinado aos alunos que os tocassem e percebessem como eram os sons (vibrações) que os

mesmo produziam sons esparsos. Uma atividade possibilitada com a ajuda da LIBRAS,

procedimento que marcou todos os encontros e a comunicação entre professor e aluno. Foi

percebido nesse primeiro contato, especificamente para um grupo de alunos, que os sons

agudos os incomodavam. Neste caso, percebemos que se tratava da existência de resíduos

auditivos, revelando uma reação aos estímulos a certos tipos de sons.

Ainda nesse primeiro encontro, os alunos surdos do CAS conheceram a Escola de

Música. Algo que chamou nossa atenção durante essa atividade foi o fato que, na Escola de

Música, alguns alunos estudavam com seus instrumentos e, nesse momento, os alunos surdos

pararam e ficaram a observar curiosos. Na ocasião conheceram, ainda, o baixo acústico, o

trompete, trombone, e outros instrumentos que despertavam sua curiosidade. Muitos passaram

a indagar acerca dos nomes dos instrumentos, e os tocavam a fim de sentir suas vibrações.

Imagem 01

Como recurso para a musicalização, na segunda semana propusemos a atividade do

jogo de flecha. Esta é uma atividade que consiste em fazer um jogo usando flechas

imaginárias e passando-as com as palmas e olhares entre participantes, em movimentos

rápidos. Percebemos que esta atividade logrou o êxito esperado, pois percebemos que os

alunos surdos, conseguiram se concentrar e trabalhar a percepção, o sentido de pergunta e

Imagem 01 – Professora Brígida Bessa Paiva apresentando os

instrumentos de percussão, na sala de percussão da Escola de Música

da UFRN, aos alunos surdos do CAS.

Fonte: acervo pessoal da orientadora Prof. Ms. Catarina Shin.

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resposta, integração da turma e o desenvolver da pulsação, fator importante no processo de

musicalização. Esta atividade foi seguida por todos os alunos e dentro do tempo que a

professora propôs. Ainda nesta semana, especificamente na segunda aula, estabelecemos a

divisão dos ritmos em cores, recorrendo ao recuso visual associado a LIBRAS. Utilizamos o

azul como representação de uma palma, o amarelo para duas palmas, o vermelho para três

palmas e o verde em quatro palmas. Nesta atividade os resultados foram positivos, e

atenderam as expectativas da proposta pedagógica, qual seja estabelecer ritmos com auxílios

visuais.

Na terceira semana utilizando a ideia a ideia de cores, foi estabelecida para cada cor

uma batida. Desta vez, além da combinação da comunicação com a linguagem de sinais e as

cores para as respectivas batidas, utilizamos o recurso corporal. Cada aluno utilizaria parte do

corpo na execução dos ritmos. Azul uma batida no peito, amarelo duas batidas no peito,

vermelho três batidas nas pernas e verde quatro batidas dividindo duas no peito e duas nas

pernas. No segundo encontro, nesta mesma semana, os alunos surdos do Centro de

Atendimento ao Surdo já realizam essa atividade rítmica fazendo as batidas de maneira bem

definida. Em alguns momentos eles saiam do tempo em que foi proposto, mas seguiam as

orientações da regência e retornavam até se desencontrarem e, em seguida, novamente voltar

ao tempo. Percebemos que esse exercício foi fundamental para desenvolver entre os quinze

alunos o “controle” rítmico.

Na quarta semana foi iniciada a utilização dos instrumentos de percussão. Como

recurso de musicalização, para os instrumentos graves foi disposta uma fita de cor azul

identificando o timbre do instrumento. Para os instrumentos de sons médios foi estabelecida

uma fita de cor amarela, e, por fim, nos instrumentos agudos foi estabelecida uma fita de cor

rosa. As escolhas das cores foram feitas de maneira aleatória com vistas a identificar o

instrumento. Uma vez que o surdo tem uma linguagem visual, as cores facilitam a

organização. Neste momento de primeiros contatos com os instrumentos os alunos foram

deixados livres para descobrirem os instrumentos. Esses momentos foram essenciais para a

identidade deles com quais instrumentos que iriam trabalhar ao longo das aulas.

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Imagem 02

Na quinta semana, com os instrumentos já definidos, a turma foi organizada em três

grupos: alunos com instrumentos graves, médios e agudos. Para os instrumentos graves,

passamos duas batidas como referência ao gênero do baião, e ,para os demais instrumentos,

passamos uma batida com o contratempo acerca do baião. Enquanto um grupo executava duas

batidas o outro fazia uma. Foi estabelecida uma regência simples e lenta, com o objetivo de

possibilitar memorização das batidas.

Na sexta semana foi dado continuidade a este recurso de musicalização. Foi constatada

uma significativa dificuldade no grupo ao executar o contratempo. O contratempo gerou

dificuldades, entre os alunos, de entrar no ritmo dos demais. Passamos a fazer um trabalho

mais individualizado. Fazíamos as batidas e pedíamos para que os alunos repetissem, ainda

assim, o grupo demonstrou dificuldades em executar essa atividade. Foi solicitado para que

eles fizessem junto com professores, em alguns momentos com êxito, no entanto, logo depois

eles se perdiam no tempo.

Na sétima semana insistimos em fazer a mesma atividade na busca pela memorização

do tempo. Agora dividimos a turma em dois grupos, dentro de cada grupo fizemos as divisões

dos tempos com a mesma estrutura, grupo com instrumentos graves e grupo com instrumentos

Imagem 02 - Professor Felipe Eduardo Barbosa regendo e iniciando

os alunos surdos do CAS aos instrumentos percussivos.

Fonte: acervo pessoal de Brígida Bessa Paiva.

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agudos. A fim de tentar facilitar as questões visuais do grupo com o professor e o controle do

professor em perceber os alunos que estão com mais dificuldades rítmicas. Percebemos que os

alunos que faziam o contratempo do ritmo do baião, e possuíam mais dificuldades. Tentamos

fazer uma brincadeira do susto, afim de que eles entendessem como se dá o contratempo. Eles

em muitos momentos conseguiam. No entanto, quando juntava todo o grupo eles se

desencontravam no ritmo proposto. Percebendo essas dificuldades conversamos com a

orientadora e ela propôs retomar ao trabalho do ritmo com o uso das cores e do corpo, e que

todos os alunos fizessem as mesmas células rítmicas sem dividir os tempos.

Em vista desses limites, na oitava semana foi desenvolvido com os alunos o estudo do

ritmo, e o gênero baião com o uso do corpo, sem fazer suas divisões. Os resultados foram

surpreendentes, pois partindo da ideia de não dividir o contratempo os alunos conseguiram

realizar a batida de maneira uníssona, deixando clara a execução do e do gênero baião.

Na nona semana dividimos a turma em dois grandes grupos. A proposta da atividade

consistiu numa proposta de jogos, onde um grupo executava duas batidas como se fosse um

jogo de perguntas e respostas. Um grupo fazia duas batidas como pergunta, e o outro grupo

fazia uma batida como resposta ao primeiro. Com essa dinâmica o grupo avançou

visivelmente, pelo fato de que jogo tornou-se bastante visual entre os alunos. Isto facilitou a

compreensão do tempo e do contratempo. Ao perceber isto, será desenvolvida nas próximas

aulas adaptações de atividades com jogo para crianças surdas, facilitando, assim, a

compreensão diretamente na música.

Este projeto terá continuidade por mais um mês, até o término do semestre, não senso

possível relatar, neste presente trabalhos, por questões cronológicas, os resultados dos últimos

encontros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho permitiu compreender que o processo de musicalização de crianças

surdas é um processo amplo, e que exige desde uma mudança no comportamento das

instituições de apoio às pessoas com surdez, como também o engajamento de toda sociedade.

Os documentos e encontros internacionais em defesa a criança com surdez mostram a

tamanha importância que temáticas como o da musicalização, da educação especial e

inclusiva adquiriram nos últimos tempos. Isto foi importantíssimo para que percebêssemos

como a surdez implica, além de uma mudança nas metodologias de ensino da escola regular,

também uma mudança de comportamento das famílias e sua maior participação na vida dos

chamados “excluídos”.

Constatamos que a temática da educação especial e inclusiva e o lugar da criança

surda nesse processo vêm sendo historicamente discutido. O papel das instituições na história,

desde a sociedade moderna europeia e no Brasil mostram as dificuldades de se construir um

ambiente favorável à aprendizagem e dignidade da criança surda. Isto nos fez perceber como

não é possível tratar o diferente como um ser patológico, relegado aos espaços da escola como

um ser excluído, sem direitos, sem habilidades, sem o acesso a música, ao fortalecimento de

sua identidade. É dessa maneira que entendemos o papel fundamental das escolas e de outras

instituições de ensino no que refere à criança surda como um sujeito de direitos, tão

importante quando qualquer outra criança, jovem ou adulto em processo de formação. Esse

breve estudo sobre a educação especial e inclusiva nos mostrou que estamos diante de novos e

antigos desafios, e a criança surda e a escola especial se encontram também no centro das

discussões.

Com esse trabalho foi possível compreender a complexidade de educar uma criança

surda, nos vários tipos e necessidade especiais. Com este trabalho foi possível aprender que a

surdez é um fenômeno não apenas biológico, mas social e educativo, e que exige de

professores, pais e alunos, um novo olhar para si mesmos.

E no que se refere à musicalização, este processo tão discutido na academia, se

apresentou para nós como um grande desafio, fazendo-nos refletir sobre como ocorre o

processo de aprendizagem de crianças surdas por meio de recursos visuais, percussivos,

alguns típicos e acessíveis apenas aos ouvintes. Isto foi e é um desafio para nós, sobretudo por

saber que a surdez e suas tipologias implicam diretamente no processo de aprendizagem de

uma criança, independente de sua origem social ou étnica.

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Confessamos que as dificuldades de compreender a surdez e de como realizar na

prática um processo de musicalização, exigiu de nós professores outras habilidades não

conquistadas individualmente, como a linguagem brasileira de sinais (LIBRAS) e todo o

processo de aceitação na comunidade surda, algo que não foi alcançado com facilidade,

especialmente pela dificuldade inicial da comunicação e da importância do trabalho, realizado

por diversos professores, teria na nossa formação e na compreensão do papel desempenhado

por instituições como o Centro de Atendimento ao Surdo (CAS).

Afirmamos que o processo de musicalização de crianças surdas do CAS foi e está sendo

um processo complexo, único, importante para todos os participantes (alunos, professores e

especialistas). Ele nos vem mostrando que a musicalização de pessoas com surdez é possível,

e como todo e qualquer processo de aprendizagem é lento e repleto de desafios. Desenvolver

uma metodologia, conhecer cada aluno dentro de seus distintos processos de aprendizagem,

alguns com grandes dificuldades, outros com menos, assim como qualquer processo de

aprendizado seja para criança surda ou ouvinte é instigante e, ao mesmo tempo, cercado de

questionamentos e dúvidas. Com isto tivemos momentos de entusiasmos, assim como de

desestímulos frente às diversas dificuldades de acessos aos espaços direcionados ao ensino

das crianças surdas. Mas mesmo frente às dificuldades, percebemos em todos os alunos o

entusiasmo nas aulas, a vontade de aprender música. O desejo de realizarem uma

apresentação já se torna latente por parte dos alunos e dos professores do CAS. Esta

apresentação ainda irá acontecer, pois o processo de musicalização foi de certa forma, lento, e

pelo cronograma estipulado para a apresentação deste trabalho, alguns objetivos, por força

dos próprios dos alunos, professores e pais, ainda não puderam ser aqui demostrados.

Mas com processo de musicalização dos alunos surdos do CAS foi desenvolver neles a

percepção do que seja a regência, como se organizam as batidas, ou seja, o ritmo, pulso, e eles

os executam, especialmente o gênero do baião, algo que não foi conseguido com facilidade, e

somente por meio da combinação de recursos visuais, instrumentos e atividade e jogos. Com

isso percebemos que a compreensão da música por meio desses recursos, além das vibrações

por meio do contato com os instrumentos é possível, algo que nos empolgou e estimulou a

continuar.

Ouvir alunos surdos que não têm contato direto no seu cotidiano com a música e vê-los

executarem atividades que, muitas vezes, revelam-se difíceis para alunos ouvintes, foi uma

experiência muito importante e gratificante. E, ainda, compreender que sob as devidas

orientações e uso de metodologias direcionadas a essas pessoas com necessidades especiais, é

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possível elas se manifestarem e se expressarem musicalmente. É comprovar que a exclusão

social, a segregação de crianças surdas devem ser combatidas. É nesse sentido que devemos

incentivar cada vez mais as formações continuadas, os avanços nos estudos em educação

especial e inovar métodos de aprendizado de crianças surdas e defender o papel fundamental

que exerce a música nesse processo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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aprendizagem”. In: BRASIL. Plano Decenal de Educação para Todos. Brasília: MEC/SEF,

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Educação do Surdo Brasileiro. Diário Oficial da União - Seção 1 - 03/12/1957 , Página

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GAINZA, V.H. DE. Estudos de psicopedagogia musical. São Paulo: Summus, 1988.

GONZÁLEZ, Eugenio. Necessidades educacionais específicas: intervenção

psicoeducacional. Artmed, Porto Alegre, 2007.

HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A Musicalidade do Surdo: representação e estigma.

São Paulo: Plexus Editora, 2003.

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inclusão. Porto Alegre: Artmed, 5° Edição, 2008.

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UNESCO. Salamanca/Espanha: UNESCO, 1994.

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ANEXOS

ANEXO 1

Declaração Mundial sobre Educação para Todos

Aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos Satisfação das Necessidades

Básicas de Aprendizagem. Jomtien, Tailândia 5 a 9 de março de 1990

Declaração Mundial sobre Educação para Todos. WCEFA Nova Iorque, abril de 1990

DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS PLANO DE AÇÃO

PARA SATISFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS DE APRENDIZAGEM Aprovada

pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos Satisfação das Necessidades Básicas

de Aprendizagem. Jomtien, Tailândia 5a 9 de março de 1990.

Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem

PREÂMBULO

Há mais de quarenta anos, as nações do mundo afirmaram na Declaração Universal dos

Direitos Humanos que "toda pessoa tem direito à educação". No entanto, apesar dos esforços

realizados por países do mundo inteiro para assegurar o direito à educação para todos,

persistem as seguintes realidades:

∙ mais de 100 milhões de crianças, das quais pelo menos 60 milhões são meninas, não têm

acesso ao ensino primário;

∙ mais de 960 milhões de adultos dois terços dos quais mulheres são analfabetos, e o

analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados ou

em desenvolvimento; mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao

conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a

qualidade de vida e ajuda-los a perceber e a adaptarse às mudanças sociais e culturais; e

∙ mais de 100 milhões de crianças e incontáveis adultos não conseguem concluir o ciclo

básico, e outros milhões, apesar de concluílo, não conseguem adquirir conhecimentos e

habilidades essenciais.

Ao mesmo tempo, o mundo tem que enfrentar um quadro sombrio de problemas, entre os

quais: o aumento da dívida de muitos países, a ameaça de estagnação e decadência

econômicas, o rápido aumento da população, as diferenças econômicas crescentes entre as

nações e dentro delas, a guerra, a ocupação, as lutas civis, a violência; a morte de milhões de

crianças que poderia ser evitada e a degradação generalizada do meioambiente.

Esses problemas atropelam os esforços envidados no sentido de satisfazer as necessidades

básicas de aprendizagem, enquanto a falta de educação básica para significativas parcelas da

população impede que a sociedade enfrente esses problemas com vigor e determinação.

Durante a década de 80, esses problemas dificultaram os avanços da educação básica em

muitos países menos desenvolvidos. Em outros, o crescimento econômico permitiu financiar a

expansão da educação mas, mesmo assim, milhões de seres humanos continuam na pobreza,

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privados de escolaridade ou analfabetos. E em alguns países industrializados, cortes nos

gastos públicos ao longo dos anos 80 contribuíram para a deterioração da educação.

Não obstante, o mundo está às vésperas de um novo século carregado de esperanças e de

possibilidades. Hoje, testemunhamos um autêntico progresso rumo à dissensão pacífica e de

uma maior cooperação entre as nações. Hoje, os direitos essenciais e as potencialidades das

mulheres são levados em conta. Hoje, vemos emergir, a todo momento, muitas e valiosas

realizações científicas e culturais. Hoje, o volume das informações disponível no mundo

grande parte importante para a sobrevivência e bem estar das pessoas é extremamente mais

amplo do que há alguns anos, e continua crescendo num ritmo acelerado. Estes

conhecimentos incluem informações sobre como melhorar a qualidade de vida ou como

aprender a aprender. Um efeito multiplicador ocorre quando informações importantes estão

vinculadas com outro grande avanço: nossa nova capacidade em comunicar.

Essas novas forças, combinadas com a experiência acumulada de reformas, inovações,

pesquisas, e com o notável progresso em educação registrado em muitos países, fazem com

que a meta de educação básica para todos pela primeira vez na história seja uma meta viável.

Em conseqüência, nós, os participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos,

reunidos em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 de março de 1990: Relembrando que a educação é

um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro;

Entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais

sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o

progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional;

Sabendo que a educação, embora não seja condição suficiente, é de importância fundamental

para o progresso pessoal e social;

Reconhecendo que o conhecimento tradicional e o patrimônio cultural têm utilidade e valor

próprios, assim como a capacidade de definir e promover o desenvolvimento;

Admitindo que, em termos gerais, a educação que hoje é ministrada apresenta graves

deficiências, que se faz necessário torna-la mais relevante e melhorar sua qualidade, e que ela

deve estar universalmente disponível;

Reconhecendo que uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis

superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte,

para alcançar um desenvolvimento autônomo; e

Reconhecendo a necessidade de proporcionar às gerações presentes e futuras uma visão

abrangente de educação básica e um renovado compromisso a favor dela, para enfrentar a

amplitude e a complexidade do desafio, proclamamos a seguinte:

Declaração Mundial sobre Educação para Todos:

Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem

EDUCAÇAO PARA TODOS: OBJETIVOS

ARTIGO 1

SATISFAZER AS NECESSIDADES BÁSICAS DE APRENDIZAGEM

1. Cada pessoa criança, jovem ou adulto deve estar em condições de aproveitar as

oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.

Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos essenciais para a aprendizagem

(como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os

conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes),

necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas

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potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento,

melhorar a qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo. A

amplitude das necessidades básicas de aprendizagem e a maneira de satisfazê-las variam

segundo cada país e cada cultura, e, inevitavelmente, mudam com o decorrer do tempo. 2. A

satisfação dessas necessidades confere aos membros de uma sociedade a possibilidade e, ao

mesmo tempo, a responsabilidade de respeitar e desenvolver sua herança cultural, lingüística

e espiritual, de promover a educação de outros, de defender a causa da justiça social, de

proteger o meio ambiente e de ser tolerante com os sistemas sociais, políticos e religiosos que

difiram dos seus, assegurando respeito aos valores humanistas e aos direitos humanos

comumente aceitos, bem como de trabalhar pela paz e pela solidariedade internacionais em

um mundo interdependente.

3. Outro objetivo, não menos fundamental, do desenvolvimento da educação, é o

enriquecimento dos valores culturais e morais comuns. É nesses valores que os indivíduos e a

sociedade encontram sua identidade e sua dignidade. 4. A educação básica é mais do que uma

finalidade em si mesma. Ela é a base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano

permanentes, sobre a qual os países podem construir, sistematicamente, níveis e tipos mais

adiantados de educação e capacitação.

EDUCAÇAO PARA TODOS: UMA VISÃO ABRANGENTE E UM

COMPROMISSO RENOVADO

ARTIGO 2

EXPANDIR O ENFOQUE

1. Lutar pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos exige mais do

que a ratificação do compromisso pela educação básica. É necessário um enfoque abrangente,

capaz de ir além dos níveis atuais de recursos, das estruturas institucionais, dos currículos e

dos sistemas convencionais de ensino, para construir sobre a base do que há de melhor nas

práticas correntes. Existem hoje novas possibilidades que resultam da convergência do

crescimento da informação e de uma capacidade de comunicação sem precedentes. Devemos

trabalhar estas possibilidades com criatividade e com a determinação de aumentar a sua

eficácia.

2. Este enfoque abrangente, tal como exposto nos Artigos 3 a 7 desta Declaração, compreende

o seguinte: universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade; ∙ concentrar a atenção

na aprendizagem, ∙ ampliar os meios e o raio de ação da educação básica; propiciar um

ambiente adequado à aprendizagem; ∙ fortalecer alianças.

3. A concretização do enorme potencial para o progresso humano depende do acesso das

pessoas à educação e da articulação entre o crescente conjunto de conhecimentos relevantes

com os novos meios de difusão desses conhecimentos.

ARTIGO 3

UNIVERZALIZAR O ACESSO À EDUCAÇÃO E PROMOVER A EQÜIDADE

1. A educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos. Para tanto,

é necessário universalizá-la e melhorar sua qualidade, bem como tomar medidas efetivas para

reduzir as desigualdades. 2. Para que a educação básica se torne equitativa, é mister oferecer a

todas as crianças, jovens e adultos, a oportunidade de alcançar e manter um padrão mínimo de

qualidade da aprendizagem. 3. A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir o

acesso à educação para meninas e mulheres, e superar todos os obstáculos que impedem sua

participação ativa no processo educativo. Os preconceitos e estereótipos de qualquer

natureza devem ser eliminados da educação.

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4. Um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais deve ser assumido. Os

grupos excluídos os pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das

periferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos

indígenas; as minorias étnicas, raciais e lingüísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra;

e os povos submetidos a um regime de ocupação não devem sofrer qualquer tipo de

discriminação no acesso às oportunidades educacionais.

5. As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem

atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos

portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo.

ARTIGO 4

CONCENTRAR A ATENÇÃO NA APRENDIZAGEM

1. A tradução das oportunidades ampliadas de educação em desenvolvimento efetivo para o

indivíduo ou para a sociedade dependerá, em última instância, de, em razão dessas mesmas

oportunidades, as pessoas aprenderem de fato, ou seja, apreenderem conhecimentos úteis,

habilidades de raciocínio, aptidões e valores. Em conseqüência, a educação básica deve estar

centrada na aquisição e nos resultados efetivos da aprendizagem, e não mais exclusivamente

na matrícula, freqüência aos programas estabelecidos e preenchimento dos requisitos para a

obtenção do diploma. Abordagens ativas e participativas são particularmente valiosas no que

diz respeito a garantir a aprendizagem e possibilitar aos educandos esgotar plenamente suas

potencialidades. Daí a necessidade de definir, nos programas educacionais, os níveis

desejáveis de aquisição de conhecimentos e implementar sistemas de avaliação de

desempenho.

ARTIGO 5

AMPLIAR OS MEIOS E O RAIO DE AÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA A diversidade, a

complexidade e o caráter mutável das necessidades básicas de aprendizagem das crianças,

jovens e adultos, exigem que se amplie e se redefina continuamente o alcance da educação

básica, para que nela se incluam os seguintes elementos: A aprendizagem começa com o

nascimento. Isto implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionados seja

através de estratégias que envolvam as famílias e comunidades ou programas institucionais,

como for mais apropriado. ∙ O principal sistema de promoção da educação básica fora da

esfera familiar escola fundamental. A educação fundamental deve ser universal, garantir a

satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, e levar em

consideração a cultura, as necessidades e as possibilidades da comunidade. Programas

complementares alternativos podem ajudar a satisfazer as necessidades de aprendizagem das

crianças cujo acesso à escolaridade formal é limitado ou inexistente, desde que observem os

mesmos padrões de aprendizagem adotado; na escola e disponham de apoio adequado. ∙ As

necessidades básicas de aprendizagem de jovens e adultos são diversas, e devem ser atendidas

mediante uma variedade de sistemas. Os programas de alfabetização são indispensáveis, dado

que saber ler e escrever constitui-se uma capacidade necessária em si mesma, sendo ainda o

fundamento de outras habilidades vitais. A alfabetização na língua materna fortalece a

identidade e a herança cultural. Outras necessidades podem ser satisfeitas mediante a

capacitação técnica, a aprendizagem de ofícios e os programas de educação formal e não

formal em matérias como saúde, nutrição, população, técnicas agrícolas, meio ambiente,

ciência, tecnologia, vida familiar incluindo-se aí a questão da natalidade e outros problemas

sociais. ∙ Todos os instrumentos disponíveis e os canais de informação, comunicação e ação

social podem contribuir na transmissão de conhecimentos essenciais, bem como na

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informação e educação dos indivíduos quanto a questões sociais. Além dos instrumentos

tradicionais, as bibliotecas, a televisão, o rádio e outros meios de comunicação de massa

podem ser mobilizados em todo o seu potencial. a fim de satisfazer as necessidades de

educação básica para todos. Estes componentes devem constituir um sistema integrado

complementar, interativo e de padrões comparáveis e deve contribuir para criar e desenvolver

possibilidades de aprendizagem por toda a vida.

ARTIGO 6

PROPICIAR UM AMBIENTE ADEQUADO À APRENDIZAGEM

A aprendizagem não ocorre em situação de isolamento. Portanto, as sociedades devem

garantir a todos os educandos assistência em nutrição, cuidados médicos e o apoio físico e

emocional essencial para que participem ativamente de sua própria educação e dela se

beneficiem. Os conhecimentos e as habilidades necessários à ampliação das condições de

aprendizagem das crianças devem estar integrados aos programas de educação comunitária

para adultos. A educação das crianças e a de seus pais ou responsáveis respaldam-se

mutuamente, e esta interação deve ser usada para criar, em benefício de todos, um ambiente

de aprendizagem onde haja calor humano e vibração.

ARTIGO 7

FORTALECER AS ALIANÇAS

As autoridades responsáveis pela educação aos níveis nacional, estadual e municipal têm a

obrigação prioritária de proporcionar educação básica para todos. Não se pode, todavia,

esperar que elas supram a totalidade dos requisitos humanos, financeiros e organizacionais

necessários a esta tarefa. Novas e crescentes articulações e alianças serão necessárias em

todos os níveis: entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel

especial dos professores, dos administradores e do pessoal que trabalha em educação; entre os

órgãos educacionais e demais órgãos de governo, incluindo os de planejamento, finanças,

trabalho, comunicações, e outros setores sociais; entre as organizações governamentais e não

governamentais, com o setor privado, com as comunidades locais, com os grupos religiosos,

com as famílias. É particularmente importante reconhecer o papel vital dos educadores e das

famílias. Neste contexto, as condições de trabalho e a situação social do pessoal docente,

elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para todos, devem ser

urgentemente melhoradas em todos os países signatários da Recomendação Relativa à

Situação do Pessoal Docente OIT/UNESCO (1966). Alianças efetivas contribuem

significativamente para o planejamento, implementação, administração e avaliação dos

programas de educação básica. Quando nos referimos a "um enfoque abrangente e a um

compromisso renovado", incluímos as alianças como parte fundamental.

EDUCAÇÃO PARA TODOS: OS REQUISITOS

ARTIGO 8

DESENVOLVER UMA POLÍTICA CONTEXTUALIZADA DE APOIO

1. Políticas de apoio nos setores social, cultural e econômico são necessárias à concretização

da plena provisão e utilização da educação básica para a promoção individual e social. A

educação básica para todos depende de um compromisso político e de uma vontade política,

respaldados por medidas fiscais adequadas e ratificados por reformas na política educacional

e pelo fortalecimento institucional. Uma política adequada em matéria de economia,

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comércio, trabalho, emprego e saúde incentiva o educando e contribui para o

desenvolvimento da sociedade.

2. A sociedade deve garantir também um sólido ambiente intelectual e científico à educação

básica, o que implica a melhoria do ensino superior e o desenvolvimento da pesquisa

científica. Deve ser possível estabelecer, em cada nível da educação, um contato estreito com

o conhecimento tecnológico e científico contemporâneo.

ARTIGO 9

MOBILIZAR OS RECURSOS

1. Para que as necessidades básicas de aprendizagem para todos sejam satisfeitas mediante

ações de alcance muito mais amplo, será essencial mobilizar atuais e novos recursos

financeiros e humanos, públicos, privados ou voluntários. Todos os membros da sociedade

têm uma contribuição a dar, lembrando sempre que o tempo, a energia e os recursos dirigidos

à educação básica constituem, certamente, o investimento mais importante que se pode fazer

no povo e no futuro de um país.

2. Um apoio mais amplo por parte do setor público significa atrair recursos de todos os órgãos

governamentais responsáveis pelo desenvolvimento humano, mediante o aumento em valores

absolutos e relativos, das dotações orçamentárias aos serviços de educação básica. Significa,

também, reconhecer a existência de demandas concorrentes que pesam sobre os recursos

nacionais, e que, embora a educação seja um setor importante, não é o único. Cuidar para que

haja uma melhor utilização dos recursos e programas disponíveis para a educação resultará

em um maior rendimento, e poderá ainda atrair novos recursos. A urgente tarefa de satisfazer

as necessidades básicas de aprendizagem poderá vir a exigir uma realocação dos recursos

entre setores, como por exemplo, urna transferência de fundos dos gastos militares para a

educação. Acima de tudo, é necessário uma proteção especial para a educação básica nos

países em processo de ajustes estruturais e que carregam o pesado fardo da dívida externa.

Agora, mais do que nunca, a educação deve ser considerada uma dimensão fundamental de

todo projeto social, cultural e econômico.

ARTIGO 10

FORTALECER SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL

1. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem constitui-se uma responsabilidade

comum e universal a todos os povos, e implica solidariedade internacional e relações

econômicas honestas e eqüitativas, a rim de corrigir as atuais disparidades econômicas. Todas

as nações têm valiosos conhecimentos e experiências a compartilhar, com vistas à elaboração

de políticas e programas educacionais eficazes. 2. Será necessário um aumento substancial, a

longo prazo, dos recursos destinados à educação básica. A comunidade mundial, incluindo os

organismos e instituições intergovernamentais, têm a responsabilidade urgente de atenuar as

limitações que impedem algumas nações de alcançar a meta da educação para todos. Este

esforço implicará, necessariamente, a adoção de medidas que aumentem os orçamentos

nacionais dos países mais pobres, ou ajudem a aliviar o fardo das pesadas dívidas que os

afligem. Credores e devedores devem procurar fórmulas inovadoras e eqüitativas para reduzir

este fardo, uma vez que a capacidade de muitos países em desenvolvimento de responder

efetivamente à educação e a outras necessidades básicas será extremamente ampliada ao se

resolver o problema da dívida. 3. As necessidades básicas de aprendizagem dos adultos e das

crianças devem ser atendidas onde quer que existam. Os países menos desenvolvidos e com

baixa renda apresentam necessidades especiais que exigirão atenção prioritária no quadro da

cooperação internacional à educação básica, nos anos 90.

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4. Todas as nações devem agir conjuntamente para resolver conflitos e disputas, pôr fim às

ocupações militares e assentar populações deslocadas ou facilitar seu retorno a seus países de

origem, bem como garantir o atendimento de suas necessidades básicas de aprendizagem. Só

um ambiente estável e pacífico pode criar condições para que todos os seres humanas,

crianças e adultos, venham a beneficiar-se das propostas desta declaração. Nós, os

participantes da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, reafirmamos o direito de

todos à educação. Este é o fundamento de nossa determinação individual e coletiva assegurar

educação para todos. Comprometemo-nos em cooperar, no âmbito da nossa esfera de

responsabilidades, tomando todas as medidas necessárias à consecução dos objetivos de

educação para todos. Juntos apelamos aos governos, às organizações interessadas e aos

indivíduos, para que se somem a este urgente empreendimento.

As necessidades básicas de aprendizagem para todos podem e devem ser satisfeitas.

Não há modo mais significativo do que este para iniciar o Ano Internacional da Alfabetização

e avançar rumo às metas da Década das Nações Unidas para os Portadores de Deficiências

(l9831992), Década Internacional para o Desenvolvimento Cultural (19881997), Quarta

Década das Nações Unidas para o Desenvolvimento (19912000), Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e Estratégias para o

Desenvolvimento da Mulher, e da Convenção sobre os Direitos da Criança. Nunca antes uma

época foi tão propícia à realização do nosso compromisso em proporcionar oportunidades

básicas de aprendizagem a todos os povos do mundo.

Adotamos, portanto, esta Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das

Necessidades Básicas de Aprendizagem, e aprovamos o Plano de Ação para Satisfazer as

Necessidades Básicas de Aprendizagem, com a finalidade de atingir os objetivos

estabelecidos nesta Declaração.

INTRODUÇÃO

1. Este Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem deriva da

Declaração Mundial sobre Educação para Todos, adotada pela Conferência Mundial sobre

Educação para Todos, da qual participaram representantes de governos, organismos

internacionais e bilaterais de desenvolvimento, e organizações não governamentais.

Fundamentado no conhecimento coletivo e no compromisso dos participantes, o Plano de

Ação foi concebido como uma referência e um guia para governos, organismos

internacionais, instituições de cooperação bilateral, organizações não governamentais

(ONGs), e todos aqueles comprometidos com a meta da educação para todos. Este plano

compreende três grandes níveis de ação conjunta:

(i) ação direta em cada país;

(ii) cooperação entre grupos de países que compartilhem certas características e interesses; e

(iii) cooperação multilateral e bilateral na comunidade mundial. 2. Países, individualmente ou

em grupos, assim como organizações internacionais, continentais, e nacionais, poderão

recorrer ao Plano de Ação para elaborar os seus próprios planos de ação e programas, em

conformidade com os seus objetivos específicos, sua determinação e o interesse de seus

representados. Assim tem funcionado, por dez anos, o Projeto Principal da UNESCO sobre

Educação para a América Latina e o Caribe. Outros exemplos deste tipo de iniciativa são o

Plano de Ação da UNESCO para a Erradicação do Analfabetismo no Ano 2000, adotado pela

Conferência Geral da UNESCO em sua vigésima quinta reunião (l989); o Programa Especial

da ISESCO (l9902000); a revisão em curso, pelo Banco Mundial, de sua política para a

educação fundamental; e o Programa da USAID para o Fomento da Educação Básica e

Alfabetização. Na medida em que esses planos de ação, políticas e programas sejam coerentes

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com este Plano, os esforços internacionais para satisfação das necessidades básicas de

aprendizagem convergirão, facilitando a cooperação.

3. Ainda que os países tenham muitos interesses comuns, no que tange à satisfação das

necessidades básicas de aprendizagem de suas populações, é evidente que o caráter e a

intensidade dessas preocupações variam de acordo com a real situação da educação básica e

do contexto cultural e sócio econômico de cada país. Caso se mantenham os índices atuais de

matrícula, por volta do ano 2000 mais de 160 milhões de crianças no mundo inteiro não terão

acesso ao ensino fundamental, pura e simplesmente em função do crescimento populacional.

Em grande parte da África ao Sul do Saara e em muitos outros países de baixa renda,

proporcionar educação fundamental a um sempre crescente contingente de crianças

permanece um desafio a longo prazo. Apesar dos progressos na alfabetização de adultos, a

maioria desses países ainda apresenta elevados índices de analfabetismo, o número de

analfabetos funcionais adultos é crescente, e constituise, de fato, um grave problema social na

maior parte da Ásia e dos Estados Árabes, assim como na Europa e na América do Norte.

Muitas pessoas se vêem privadas da igualdade de acesso à educação por razões de raça, sexo,

língua, deficiência, origem étnica ou convicções políticas. Além disso, elevadas percentagens

de evasão escolar e resultados de aprendizagem medíocres são problemas detectados

igualmente em todo o mundo. Estas considerações bem gerais ilustram a necessidade de uma

ação decisiva em grande escala, com objetivos e metas claramente definidos.

OBJETIVOS E METAS

4. O objetivo último da Declaração Mundial sobre Educação para Todos é satisfazer as

necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos. O esforço de

longo prazo para a consecução deste objetivo pode ser sustentado de forma mais eficaz, uma

vez estabelecidos objetivos intermediários e medidos os progressos realizados. Autoridades

competentes, aos níveis nacional e estadual, podem tomar a seu cargo o estabelecimento

desses objetivos intermediários, levando em consideração tanto os objetivos da Declaração

quanto as metas e prioridades gerais do desenvolvimento nacional.

5. Objetivos intermediários podem ser formulados como metas específicas dentro

dos planos nacionais e estaduais de desenvolvimento da educação. De modo geral, essas

metas:

(i) indicam, em relação aos critérios de avaliação, ganhos e resultados esperados em um

determinado lapso de tempo;

(ii) definem as categorias prioritárias (por exemplo, os pobres, os portadores de deficiências);

e

(iii) são formuladas de modo a permitir comprovação e medida dos avanços registrados. Essas

metas representam um "piso" não um "teto" para o desenvolvimento contínuo dos serviços e

dos programas de educação.

6. Objetivos de curto prazo suscitam um sentimento de urgência e servem como parâmetro de

referência para a comparação de índices de execução e realização. À medida que as condições

da sociedade mudam, os planos e objetivos podem ser revistos e atualizados. Onde os

esforços pela educação básica tenham que focalizar a satisfação das necessidades específicas

de determinados grupos sociais ou camadas da população, o estabelecimento de metas

direcionadas a esses grupos prioritários de educandos pode ajudar planejadores, profissionais

e avaliadores a não se desviarem do seu objetivo. Metas observáveis e mensuráveis

contribuem para a avaliação objetiva dos progressos.

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7. As metas não precisam ser fundamentadas exclusivamente em tendências e recursos atuais.

Objetivos preliminares podem refletir uma apreciação realista das possibilidades oferecidas

pela Declaração, no que concerne à mobilização das capacidades humanas, organizativas e

financeiras adicionais, em torno de um compromisso de cooperação para o desenvolvimento

humano. Países que apresentem baixos índices de alfabetização e escolarização, além de

recursos nacionais muito limitados, serão confrontados com escolhas difíceis ao longo do

processo de estabelecimento de metas nacionais a prazos realistas.

8. Cada país poderá estabelecer suas próprias metas para a década de 1990, em consonância às

dimensões propostas a seguir:

1. Expansão dos cuidados básicos e atividades de desenvolvimento infantil, incluídas aí as

intervenções da família e da comunidade, direcionadas especialmente às crianças pobres,

desassistidas e portadoras de deficiências;

2. Acesso universal e conclusão da educação fundamental (ou qualquer nível mais elevado de

educação considerado "básico") até o ano 2000;

3. Melhoria dos resultados de aprendizagem, de modo que a percentagem convencionada de

uma amostra de idade determinada (por exemplo, 80% da faixa etária de 14 anos), alcance ou

ultrapasse o padrão desejável de aquisição de conhecimentos previamente definido;

4. Redução da taxa de analfabetismo adulto à metade, digamos, do nível registrado em 1990,

já no ano 2000 (a faixa etária adequada deve ser determinada em cada país). Ênfase especial

deve ser conferida à alfabetização da mulher, de modo a reduzir significativamente a

desigualdade existente entre os índices de alfabetização dos homens e mulheres;

5. Ampliação dos serviços de educação básica e capacitação em outras habilidades essenciais

necessárias aos jovens e adultos, avaliando a eficácia dos programas em função de mudanças

de comportamento e impactos na saúde, emprego e produtividade;

6. Aumento da aquisição, por parte dos indivíduos e famílias, dos conhecimentos, habilidades

e valores necessários a uma vida melhor e um desenvolvimento racional e constante, através

de todos os canais da educação inclusive dos meios de comunicação de massa, outras formas

de comunicação tradicionais e modernas, e ação social, sendo a eficácia destas intervenções

avaliadas em função das mudanças de comportamento observadas. 9. Sempre que possível,

deve-se estabelecer níveis de desempenho para os aspectos anteriormente indicados. Tais

níveis devem ser coerentes com a atenção prioritária dada pela educação básica à

universalização do acesso e à aquisição da aprendizagem, consideradas aspirações conjuntas e

inseparáveis. Em todos os casos, as metas de desempenho devem incluir a igualdade entre os

sexos. No entanto, a determinação dos níveis de desempenho e da proporção de participantes

que deverão atingir esses níveis em programas específicos de educação básica, deve ser

deixada a cargo de cada país.

PRINCÍPIOS DE AÇÃO

4. O primeiro passo consiste em identificar, de preferência mediante um processo de

participação ativa, envolvendo grupos e a comunidade, os sistemas tradicionais de

aprendizagem que existem na sociedade e a demanda real por serviços de educação básica,

seja em termos de escolaridade formal, seja em programas de educação não formal. Consiste

em abordar, por todos os meios, as necessidades de aprendizagem básica: cuidados básicos e

oportunidades de desenvolvimento e educação infantis; ensino fundamental relevante, de

qualidade, ou uma educação extraescolar equivalente para as crianças; e alfabetização,

conhecimentos básicos e capacitação de jovens e adultos em habilidades para a vida cotidiana.

Significa também capitalizar o uso dos meios tradicionais e modernos de informação e de

tecnologias para educar o público em questões de interesse social e apoiar as atividades de

educação básica. Esses elementos complementares da educação básica devem ser concebidos

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de maneira a garantir o acesso equitativo, a participação contínua e a aquisição efetiva da

aprendizagem. A satisfação das necessidades básicas de aprendizagem também envolve ações

de adequação dos ambientes familiar e comunitário à aprendizagem, e a correlação da

educação básica a um contexto sócio econômico mais amplo. É preciso ainda reconhecer o

caráter de complementaridade e os efeitos multiplicadores dos investimentos de recursos

humanos em matéria de população, saúde e nutrição. 11. Por serem as necessidades básicas de

aprendizagem complexas e diversas, sua satisfação requer ações e estratégias multi setoriais

que sejam parte integrante dos esforços de desenvolvimento global. Se, mais uma vez, a

educação básica for considerada corno responsabilidade de toda a sociedade, muitos parceiros

deverão unir-se às autoridades educacionais, aos educadores e a outros trabalhadores da área

educacional, para o seu desenvolvimento. Isso implica que uma ampla gama de colaboradores

famílias, professores, comunidades, empresas privadas (inclusive as da área de informação e

comunicação), organizações governamentais e não governamentais, instituições, etc. participe

ativamente na planificação, gestão e avaliação das inúmeras formas assumidas pela educação

básica. 12. As práticas correntes e os dispositivos institucionais de provimento de educação

básica e os mecanismos de cooperação nesta esfera devem ser cuidadosamente avaliados,

antes da criação de novos mecanismos ou instituições. Construir sobre os esquemas de

aprendizagem existentes, reabilitando as escolas deterioradas, aperfeiçoando a capacidade e as

condições de trabalho do pessoal docente e dos agentes de alfabetização, parece ser mais

rentável e produzir resultados mais imediatos que os projetos iniciados a partir de zero. 13. A

realização de ações conjuntas com organizações não governamentais, em todos os níveis,

oferece grandes possibilidades. Essas entidades autônomas, ao mesmo tempo que defendem

pontos de vista públicos, independentes e críticos, podem desempenhar funções de

acompanhamento, pesquisa, formação e produção de material, em proveito dos processos da

educação não formal e da educação permanente. 14. O propósito primeiro da cooperação

bilateral e multilateral deve nascer do verdadeiro espírito de parceria: não se trata de

transplantar modelos rotineiros, mas de fomentar o desenvolvimento da capacidade endógena

das autoridades de cada país e de seus colaboradores nacionais, para a satisfação eficaz das

necessidades básicas de aprendizagem. As ações e os recursos devem ser empregados para

fortalecer as características essenciais dos serviços de educação básica, concentrando-se na

capacidade de gestão e de análise, que podem estimular novos avanços. A cooperação e o

financiamento internacionais podem ser particularmente valiosos no apoio a reformas

importantes ou ajustes setoriais, e no fomento e teste de abordagens inovadoras no ensino e na

administração, quando seja necessária a experimentação de novas opções e/ou quando

envolvam investimentos maiores que o previsto e, finalmente, quando o conhecimento de

experiências relevantes produzidas alhures for de alguma utilidade. 15. Cooperação

internacional deve ser oferecida, prioritariamente, aos países atualmente menos capazes de

satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de suas populações. Deve intentar,

também, ajudar países a corrigir suas desigualdades internas quanto às oportunidades de

educação. Tendo em vista que dois terços dos adultos analfabetos e das crianças que não vão à

escola são mulheres, será necessário priorizar a melhoria do acesso de meninas e mulheres à

educação e a supressão de quantos obstáculos impeçam a sua participação ativa, onde quer

que existam essas injustiças.

1. AÇÃO PRIORITÁRIA A NÍVEL NACIONAL

16. O progresso na satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos

dependerá, em última instância, das ações adotadas em cada país, individualmente. Ainda que

cooperação e ajuda financeira continentais e intercontinentais possam apoiar e facilitar essas

ações, as autoridades públicas, as comunidades e as diversas contrapartes nacionais são os

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agentes chave de todo progresso. Os governos nacionais são os principais responsáveis pela

coordenação do uso dos recursos internos e externos. Dada a diversidade de situações,

capacidades, planos e metas de desenvolvimento dos países, este Plano de Ação pode apenas

sugerir certas áreas como merecedoras de atenção prioritária. Cada país determinará

soberanamente quais ações concretas e específicas, além daquelas já em curso, fazem-se

necessárias em cada uma das seguintes áreas.

1.1 AVALIAR NECESSIDADES E PLANEJAR AÇÕES

17. Para alcançar o conjunto de suas metas, cada país será encorajado a elaborar ou atualizar

planos de ação mais amplos e a longo prazo, aos níveis local e nacional, para a satisfação das

necessidades de aprendizagem consideradas básicas. No contexto dos planos e estratégias

gerais de desenvolvimento ou específicos para a educação, já existentes, um plano de ação de

educação básica para todos será necessariamente multissetorial, de forma a orientar as

atividades dos setores envolvidos (por exemplo, educação, informação, meios de

comunicação, trabalho, agricultura, saúde). Modelos de planejamento estratégico variam por

definição. No entanto, a maioria deles envolve ajustes constantes entre os objetivos, recursos,

ações e limitações. A nível nacional, os objetivos são comumente expressos em termos gerais,

ocorrendo o mesmo com respeito aos recursos do governo central, enquanto que as ações são

executadas a nível local. Assim, planos locais divergirão naturalmente, quando num mesmo

contexto, não apenas quanto ao seu alcance, mas também quanto ao conteúdo. Planos de ação

nacional, estadual e local devem prever variações de condições e circunstâncias. Podem,

portanto, especificar: ∙ os estudos para a avaliação dos sistemas existentes (análises dos

problemas, falhas e êxitos); ∙ as necessidades básicas de aprendizagem a serem satisfeitas,

incluindo também capacidades cognitivas, valores e atitudes, tanto quanto conhecimentos

sobre matérias determinadas; ∙ as línguas a serem utilizadas na educação; ∙ os meios para

estimular a demanda e a participação em grande escala na educação básica; ∙ as formas de

mobilização da família e obtenção do apoio da comunidade local; ∙ as metas e objetivos

específicos; ∙ o capital necessário e os recursos ordinários, devidamente avaliados, assim

como as possíveis medidas para garantir seu efetivo retorno; ∙ os indicadores e procedimentos

a serem usados para medir os progressos obtidos na consecução das metas; ∙ as prioridades no

uso dos recursos e no desenvolvimento dos serviços e dos programas ao longo do tempo; ∙ os

grupos prioritários que requerem medidas especiais; ∙ os tipos de competência requeridos para

implementar o plano; ∙ os dispositivos institucionais e administrativos necessários; ∙ os meios

para assegurar o intercâmbio de informação entre programas de educação formal e outros

programas de educação básica; e ∙ a estratégia de implementação e o cronograma.

1.2 DESENVOLVER UM CONTEXTO POLÍTICO FAVORÁVEL

18. Um plano de ação multissetorial implica ajustes das políticas setoriais de forma a

favorecer a interação mutuamente proveitosa entre os setores, em consonância aos objetivos

de desenvolvimento global do país. As ações orientadas para a satisfação das necessidades

básicas de educação devem ser parte integrante das estratégias de desenvolvimento nacional e

regional, e estas, por sua vez, devem refletir a prioridade conferida ao desenvolvimento

humano. Podem ser necessárias medidas legislativas ou de outro tipo para promover e facilitar

a cooperação entre os diversos parceiros envolvidos. Promover o compromisso com a

educação básica, bem como informar o público sobre o tema, são passos importantes no

sentido de criar um contexto político favorável, aos níveis nacional, regional e local.

19. Quatro passos concretos merecem atenção: (i) o início de atividades, aos níveis nacional e

regional, para renovar o compromisso amplo e público com o objetivo da educação para

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todos; (ii) a redução da ineficácia do setor público e das práticas abusivas no setor privado;

(iii) a melhor capacitação dos administradores públicos e o estabelecimento de incentivos para

reter mulheres e homens qualificados no serviço público; e (iv) a adoção de medidas para

fomentar a participação mais ampla na concepção e na execução dos programas de educação

básica.

1.3. DEFINIR POLÍTICAS PARA A MELHORIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA

20. As pré-condições para a qualidade, equidade e eficácia da educação são construídas na

primeira infância, sendo os cuidados básicos e as atividades de desenvolvimento e educação

infantis condições essenciais para a consecução dos objetivos da educação básica. Esta deve

corresponder às necessidades, interesses e problemas reais dos participantes do processo de

aprendizagem. A relevância dos currículos pode ser incrementada vinculando-se

alfabetização, habilidades matemáticas e conceitos científicos aos interesses e primeiras

experiências do educando, como, por exemplo, aquelas relativas à nutrição, saúde e trabalho.

Enquanto muitas necessidades variam consideravelmente entre os países e dentro deles e,

portanto, a maior parte de um currículo deva ser sensível às condições locais, há também

muitas necessidades universais e interesses comuns que devem ser levados em conta nos

programas educacionais e no discurso pedagógico. Questões como a proteção do meio

ambiente, uma relação equilibrada população/recursos, a redução da propagação da AIDS e a

prevenção do consumo de drogas são problemas de todos, igualmente.

21. As estratégias específicas, orientadas concretamente para melhorar as condições de

escolaridade, podem ter como foco: os educandos e seu processo de aprendizagem; o pessoal

(educadores, administradores e outros); o currículo e a avaliação da aprendizagem; materiais

didáticos e instalações. Estas estratégias devem ser aplicadas de maneira integrada; sua

elaboração, gestão e avaliação devem levar em conta a aquisição de conhecimentos e

capacidades para resolver problemas, assim como as dimensões sociais, culturais e éticas do

desenvolvimento humano. A formação dos educadores deve estar em consonância aos

resultados pretendidos, permitindo que eles se beneficiem simultaneamente dos programas de

capacitação em serviço e outros incentivos relacionados à obtenção desses resultados;

currículo e avaliações devem refletir uma variedade de critérios, enquanto que os materiais,

inclusive a rede física e as instalações, devem seguir a mesma orientação. Em alguns países, a

estratégia deve incluir mecanismos para aperfeiçoar as condições de ensino e aprendizagem,

de modo a reduzir o absenteísmo e ampliar o tempo de aprendizagem. Para satisfazer as

necessidades educacionais de grupos que não participam da escolaridade formal, fazem-se

necessárias estratégias apropriadas à educação não formal. Estas incluem e transcendem os

aspectos já mencionados, e podem ainda conceder especial atenção à necessidade de

coordenação com outras formas de educação, o apoio de todos os parceiros envolvidos, os

recursos financeiros permanentes e a plena participação da sociedade. Encontramos um

exemplo deste enfoque aplicado à alfabetização no "Plano de Ação para a Erradicação do

Analfabetismo antes do Ano 2000", da UNESCO. Outras estratégias podem ainda recorrer aos

meios de comunicação para satisfazer as necessidades educacionais mais amplas de toda a

comunidade devendo, todavia, vincular-se à educação formal, à educação não formal, ou a

uma combinação de ambas. A utilização dos meios de comunicação traz em si um tremendo

potencial no que diz respeito a educar o público e compartilhar um volume considerável de

informações entre aqueles que necessitam do conhecimento.

22. Ampliar o acesso à educação básica de qualidade satisfatória é um meio eficaz de

fomentar a equidade. A permanência do envolvimento de meninas e mulheres em atividades

de educação básica até a consecução do nível padrão de aprendizagem pode ser garantida se

lhes forem oferecidos incentivos, via medidas especialmente elaboradas para esse fim e,

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sempre que possível, com a participação delas. Enfoques similares são necessários para

incrementar as possibilidades de aprendizagem de outros grupos desassistidos.

23. Promover urna educação básica eficaz não significa oferecer educação a mais baixos

custos, porém utilizar, com maior eficácia, todos os recursos (humanos, organizativos e

financeiros), para obter os níveis pretendidos de acesso e desempenho escolar. As

considerações anteriores relativas à relevância, à qualidade e à equidade não se constituem

alternativas à eficácia, representam, antes, as condições específicas em que esta deve ser

obtida. De fato, em alguns programas, a eficácia irá exigir um aumento, e não uma redução

dos recursos. No entanto, se os recursos existentes podem ser utilizados por um número maior

de educandos ou se os mesmos objetivos de aprendizagem podem ser alcançados a um menor

custo por aluno, então será facilitada à educação básica a consecução das metas de acesso e

desempenho para os grupos atualmente desassistidos.

1.4 APERFEIÇOAR CAPACIDADES GERENCIAIS, ANALÍTICAS E TECNOLÓGICAS

24. Serão necessárias inúmeras habilidades e especialidades para pôr em prática essas

iniciativas. Tanto o pessoal de supervisão e administração quanto os planejadores, arquitetos

de escolas, os formadores de educadores, especialistas em currículo, pesquisadores, analistas,

etc., são igualmente importantes para qualquer estratégia de melhoria da educação básica. Não

obstante, são muitos os países que não lhes proporcionam capacitação especializada, a fim de

preparálos para o exercício de suas funções; isto é especialmente correto quanto à

alfabetização e outras atividades de educação básica que se desenvolvem fora da escola. Uma

concepção mais ampla da educação básica será pré-requisito crucial para a efetiva

coordenação de esforços entre esses muitos participantes. E, em muitos países, o

fortalecimento e o desenvolvimento da capacidade de planejamento e gestão, aos níveis

estadual e local, com uma maior distribuição de responsabilidades, serão necessários.

Programas de formação e de capacitação em serviço para o pessoal chave devem ser iniciados

ou reforçados onde já existirem. Tais programas podem ser particularmente úteis à introdução

de reformas administrativas e técnicas inovadoras no campo da administração e da supervisão.

25. Os serviços técnicos e os mecanismos para coletar, processar e analisar os dados

referentes à educação básica podem ser melhorados em todos os países. Essa é uma tarefa

urgente em muitas nações, onde faltam informações e/ou pesquisas confiáveis sobre as

necessidades básicas de aprendizagem da população, e sobre as atividades de educação básica

existentes. Uma base de informações e conhecimentos sobre um determinado país é vital para

a preparação e execução de seu plano de ação. Uma implicação capital do enfoque na

aquisição de aprendizagem é a necessidade de se elaborarem e aperfeiçoarem sistemas

eficazes para a avaliação do rendimento individual dos educandos e do sistema de ensino. Os

dados derivados da avaliação dos processos e dos resultados devem servir de base a um

sistema de informação administrativa para a educação básica.

26. A qualidade e a oferta da educação básica podem ser melhoradas mediante a utilização

cuidadosa das tecnologias educativas. Onde tais tecnologias não forem amplamente utilizadas,

sua introdução exigirá a seleção e/ou desenvolvimento de tecnologias adequadas, aquisição de

equipamento necessário e sistemas operativos, a seleção e treinamento de professores e

demais profissionais de educação aptos a trabalhar com eles. A definição de tecnologia

adequada varia conforme as características de cada sociedade e poderá mudar rapidamente, na

medida em que as novas tecnologias (rádio e televisão educativos, computadores e diversos

auxiliares audiovisuais para a instrução) se tornem mais baratas e adaptáveis aos diversos

contextos. O uso da tecnologia moderna também permite melhorar a gestão da educação

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básica. Cada país deverá reavaliar periodicamente sua capacidade tecnológica presente e

potencial, em relação aos seus recursos e necessidades básicas educacionais.

1.5. MOBILIZAR CANAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

27. As novas possibilidades que surgem a todo momento exercem poderosa influência na

satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, e é evidente que esse potencial

educativo mal começa a ser aproveitado. Essas novas possibilidades são, em grande parte,

resultado da convergência de duas forças, ambas subprodutos recentes do processo de

desenvolvimento geral. Em primeiro lugar, a quantidade de informação disponível no mundo

uma boa parcela da qual importante para a sobrevivência e o bem estar básico dos povos é

imensamente maior do que a existente há poucos anos, e o seu ritmo de crescimento continua

se acelerando. Por outro lado, quando uma informação importante está associada a outro

grande avanço moderno a nova capacidade de intercomunicação no mundo de hoje produz-se

um energético efeito multiplicador. E existe, de fato, a possibilidade de dominar essa força e

utiliza-la positiva, consciente e intencionalmente, para a satisfação das necessidades de

aprendizagem já definidas.

1.6. ESTRUTURAR ALIANÇAS E MOBILIZAR RECURSOS

28. Na definição do plano de ação e na criação de um contexto de políticas de apoio à

promoção da educação básica, seria necessário pensar em aproveitar ao máximo as

oportunidades de ampliar a colaboração existente e incorporar novos parceiros como, por

exemplo, a família e as organizações não governamentais e associações de voluntários,

sindicatos de professores, outros grupos profissionais, empregadores, meios de comunicação,

partidos políticos, cooperativas, universidades, instituições de pesquisa e organismos

religiosos, bem como autoridades educacionais e demais serviços e órgãos governamentais

(trabalho, agricultura, saúde, informação, comércio, indústria, defesa, etc.). Os recursos

humanos e organizativos representados por estes colaboradores nacionais deverão ser

eficazmente mobilizados para desempenhar seu papel na execução do plano de ação. A

parceria deve ser estimulada aos níveis comunitário, local, estadual, regional e nacional, já

que pode contribuir para harmonizar atividades, utilizar os recursos com maior eficácia e

mobilizar recursos financeiros e humanos adicionais, quando necessário.

29. Os governos e seus parceiros podem analisar a alocação e uso corrente dos recursos

financeiros e outros para a educação e capacitação nos diferentes setores, a fim de determinar

se apoio adicional à educação básica pode ser obtido mediante: (i) o incremento da eficácia;

(ii) a mobilização de fontes adicionais de financiamento, dentro e fora do orçamento público;

e (iii) a redistribuição dos fundos dos orçamentos de educação e capacitação atuais, levando

em conta os critérios de eficácia e equidade. Nos países onde a contribuição orçamentaria

total para a educação é escassa, será necessário estudar a possibilidade de realocar, para a

educação básica, certos fundos públicos, anteriormente destinados a outros fins.

30. Avaliar os recursos já destinados ou potencialmente disponíveis para a educação básica,

comparando-os com o orçamento previsto para a execução do plano de ação, permite detectar

possíveis inadequações que, a longo prazo, podem afetar o calendário das atividades

planejadas ou solicitar alternativas diversas de solução. Os países que necessitam de ajuda

externa para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de suas populações podem

utilizar a estimativa de recursos e o plano de ação como base para a discussão com seus

aliados internacionais, e também para coordenar financiamentos externos.

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31. Os educandos constituem, em si mesmos, um recurso humano vital a ser mobilizado. A

demanda pela educação e a participação nas atividades educativas não podem ser meramente

pressupostas, antes, devem ser estimuladas ativamente. Os educandos potenciais precisam ver

que os benefícios da educação são maiores do que os custos a serem enfrentados, seja por

deixarem de receber ganhos, seja pela redução do tempo disponível para atividades

comunitárias, domésticas, ou lazer. Meninas e mulheres, em particular, podem ser

convencidas a abrir mão das vantagens da educação básica por razões inerentes a

determinadas culturas. Essas barreiras à participação podem ser superadas pelo emprego de

incentivos e programas adaptados ao contexto local, fazendo com que sejam encaradas, pelos

educandos, suas famílias e comunidades, como "atividades produtivas". Além disso, os

educandos tendem a obter maior proveito da educação quando são parte integrante do

processo educativo, ao invés de serem considerados como simples "insumos" ou

"beneficiários". A atenção às questões da demanda e da participação ajudará a garantir a

mobilização das capacidades pessoais dos educandos para a educação.

32. Os recursos da família, principalmente em tempo e apoio recíprocos, são vitais para o

êxito das atividades de educação básica. Podem ser oferecidos às famílias incentivos e

assistência que lhes assegurem que os seus recursos serão investidos de modo a permitir que

todos os seus membros possam se beneficiar, o mais plena e eqüitativamente possível, das

oportunidades de educação básica.

33. O proeminente papel do professor e demais profissionais da educação no provimento de

educação básica de qualidade deverá ser reconhecido e desenvolvido, de forma a otimizar sua

contribuição. Isso irá implicar a adoção de medidas para garantir o respeito aos seus direitos

sindicais e liberdades profissionais, e melhorar suas condições e status de trabalho,

principalmente em relação à sua contratação, formação inicial, capacitação em serviço,

remuneração e possibilidades de desenvolvimento na carreira docente, bem como para

permitir ao pessoal docente a plena satisfação de suas aspirações e o cumprimento satisfatório

de suas obrigações sociais e responsabilidades éticas.

34. Em parceria com o pessoal escolar e agentes comunitários, as bibliotecas devem

constituir-se elo essencial no processo de provisão de recursos educativos a todos os

educandos da infância à idade adulta tanto nos meios escolares quanto não escolares. É

preciso, portanto, reconhecer as bibliotecas como inestimáveis fontes de informação.

35. Associações comunitárias, cooperativas, instituições religiosas e outras organizações não

governamentais também desempenham papéis importantes no apoio e provisão de educação

básica. Sua experiência, competência, dinamismo e relações diretas com os diversos setores

que representam constituem-se valiosos recursos na identificação e satisfação das

necessidades básicas de aprendizagem. Deve-se promover sua participação ativa em alianças

para a educação básica, mediante políticas e mecanismos que fortaleçam suas capacidades e

reconheçam sua autonomia.

2. AÇÃO PRIORITÁRIA AO NÍVEL REGIONAL (CONTINENTAL,

SUBCONTINENTAL E INTERCONTINENTAL)

36. As necessidades básicas de aprendizagem devem ser satisfeitas mediante ações integradas

dentro das fronteiras de cada país. Porém, existem muitas formas de cooperação entre países

com condições e interesses similares, que poderiam contribuir e, de fato, contribuem para esse

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esforço. Algumas regiões já elaboraram planos, como o Plano de Ação de Jacarta para o

Desenvolvimento dos Recursos Humanos, aprovado pela ESCAP, 1988. Mediante o

intercâmbio de informações e experiências, a colaboração entre especialistas, o uso comum de

instalações e os projetos de atividades conjuntas, vários países, trabalhando integradamente,

podem incrementar sua base de recursos e diminui; seus custos, em benefício mútuo.

Frequentemente, esses convênios se estabelecem entre nações vizinhas (nível subcontinental),

de uma mesma grande região geocultural (continental ou subcontinental), ou entre as que

compartilham o mesmo idioma ou mantêm entre si relações culturais e comerciais (inter) ou

subcontinental). Organizações continentais e internacionais desempenham, muitas vezes, um

papel importante num tal contexto, facilitando este tipo de cooperação entre países. Na

exposição a seguir, todas essas atividades estarão englobadas no termo "regional". De modo

geral, os convênios "regionais" já existentes deveriam ser fortalecidos e providos dos recursos

necessários ao seu funcionamento eficaz, ajudando os países a satisfazer as necessidades

básicas de aprendizagem de sua população.

2.1 INTERCAMBIAR INFORMAÇÕES, EXPERIÊNCIAS E COMPETÊNCIAS

37. Diversos mecanismos regionais, tanto de caráter intergovernamental quanto não

governamental, promovem a cooperação em matéria de educação e capacitação, saúde,

desenvolvimento agrícola, pesquisa e informação, comunicação, e em outros campos relativos

à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Esses mecanismos podem ser ainda

mais ampliados para fazer face às necessidades (em constante mudança) das partes. Entre

outros possíveis exemplos, cabe indicar os quatro programas regionais estabelecidos sob a

égide da UNESCO, na década de 80, para apoiar os esforços nacionais para a universalização

da educação fundamental e eliminar o analfabetismo adulto: ∙ Projeto Principal de Educação

para América Latina e o Caribe; ∙ Programa Regional para a Erradicação do Analfabetismo na

África; Programa de Educação para Todos na Ásia e no Pacífico (APPEAL); ∙ Programa

Regional para a Universalização e Renovação da Educação Primária e a Erradicação do

Analfabetismo nos Estados Árabes no Ano 2000 (ARABUPEAL).

38. Além das consultas técnicas e políticas organizadas em interação com esses programas,

podem ser empregados outros mecanismos de consulta relativos a políticas de educação

básica. Seria possível recorrer, sempre que necessário, às conferências de ministros de

educação, auspiciadas pela UNESCO e por várias organizações regionais, às assembléias

ordinárias das comissões regionais das Nações Unidas e a algumas reuniões transregionais,

organizadas pela Secretaria da Comunidade Britânica das Nações, à CONFEMEN

(Conferência Permanente dê Ministros de Educação dos Países Francófonos), à Organização

de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OECD), e à Organização lslâmica para a

Educação, a Ciência e a Cultura (ISESCO). Além disso, numerosas conferências e encontros

organizados por organismos não governamentais oferecem aos profissionais oportunidades de

troca de informações e pontos de vista sobre questões técnicas e políticas. Os promotores

dessas conferências e reuniões poderiam analisar meios de ampliar a participação, para

incluir, quando conveniente, representantes de outros setores engajados na luta pela satisfação

das necessidades básicas de aprendizagem.

39. As oportunidades de utilização conjunta das mensagens e programas dos meios de

comunicação deveriam ser aproveitadas plenamente pelos países que possam intercornunicá-

las ou elaborá-las em parceria especialmente onde os vínculos linguísticas e culturais

ultrapassem fronteiras políticas.

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EMPREENDER ATIVIDADES CONJUNTAS

40. Há muitas atividades que podem ser realizadas conjuntamente pelos países, em apoio aos

esforços nacionais de implementação dos planos de educação básica. As atividades conjuntas

deveriam ser concebidas com vistas ao aproveitamento das economias de escala e às

vantagens comparativas dos países participantes. Seis áreas parecem-nos particularmente

apropriadas a essa forma de colaboração regional: (i) capacitação de pessoal chave, como

planejadores, administradores, formadores de educadores, pesquisadores, etc.; (ii) esforços

para melhorar a coleta e análise da informação; (iii) pesquisa; (iv) produção de material

didático; (v) utilização dos meios de comunicação para satisfazer as necessidades básicas de

aprendizagem; e (vi) gestão e uso dos serviços de educação à distância. Também, nesse

aspecto, existem muitos mecanismos que poderiam ser utilizados para fomentar tais

atividades. Entre eles, o Instituto Internacional de Planejamento da Educação, da UNESCO, e

suas redes de capacitação e pesquisa, bem como a rede de informação do IBE e o Instituto de

Educação da UNESCO; as cinco redes para a inovação educacional, operando sob os

auspícios da UNESCO; os grupos consultivos de pesquisa e estudo (RRGAs), associados ao

Centro Internacional de Pesquisa Para o Desenvolvimento (IDRC); o "Com monwealth of

Learning"; o Centro Cultural Asiático para a UNESCO; a rede participante estabelecida pelo

Conselho Internacional para a Educação de Adultos; e a Associação Internacional para a

Avaliação do Desempenho Escolar, que congrega as principais instituições nacionais de

pesquisa de, aproximadamente, 35 países. Certas agências de desenvolvimento bilateral e

multilateral, que acumularam experiência valiosa em uma ou mais dessas áreas, devem

interessar-se em participar nas atividades conjuntas. As cinco comissões regionais das Nações

Unidas podem prestar apoio adicional a essa colaboração regional, particularmente pela

mobilização de dirigentes para a tomada das medidas adequadas.

AÇÃO PRIORITÁRIA A NÍVEL MUNDIAL

41. A comunidade mundial tem uma sólida história de cooperação em educação

desenvolvimento. Entretanto, financiamentos internacionais para a Educação registraram uma

certa estagnação em princípios dos anos 80; ao mesmo tempo, muitos países sofreram

desvantagens resultantes do crescimento de sua dívida e das relações econômicas

canalizadores de recursos financeiros e humanos para países mais ricos. Países

industrializados ou em desenvolvimento compartilham um interesse comum pela educação

básica; por isso mesmo, a cooperação internacional poderá aportar valioso apoio aos esforços

e ações nacionais e regionais, no sentido de implementar um enfoque mais amplo da

Educação para Todos. Tempo, energia e fundos destinados à educação básica constituem-se,

talvez, o mais importante investimento que se pode fazer no povo e no futuro de um país; há

uma clara necessidade e um forte argumento moral e econômico apelando à solidariedade

internacional para que se proporcione cooperação técnica e financeira aos países que carecem

dos recursos necessários ao atendimento das necessidades básicas de aprendizagem de suas

populações.

3.1 COOPERAR NO CONTEXTO INTERNACIONAL

42. Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem constitui-se responsabilidade comum

e universal a todos os povos. As perspectivas de satisfação dessas necessidades são

determinadas, em parte, pela dinâmica das relações e do comércio internacional. Graças ao

relaxamento das tensões e ao decréscimo do número de conflitos armados, apresenta-se agora

uma possibilidade real de redução do tremendo desperdício representado pelos gastos

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militares que poderão, então, ser canalizados para setores socialmente úteis, entre os quais a

educação básica. A urgente tarefa de satisfação das necessidades básicas de aprendizagem

pode vir a requerer uma tal realocação de recursos entre os diversos setores. A comunidade

mundial e os governos nacionais deverão proceder ao planejamento dessa conversão de

recursos a fins pacíficos, munidos de coragem, e discernimento, agindo de forma cuidadosa e

refletida. Serão igualmente necessárias medidas internacionais para redução ou eliminação

dos desequilíbrios ora registrados nas relações comerciais, e também para reduzir o fardo da

dívida, de forma a possibilitar aos países de baixa renda reconstituir suas economias, otimizar

e manter os recursos humanos e financeiros necessários ao desenvolvimento e ao provimento

de educação básica às suas populações. Políticas de ajuste estrutural devem assegurar os

níveis adequados de recursos a serem alocados para a educação.

FORTALECER AS CAPACIDADES NACIONAIS

43. Apoio internacional deve ser proporcionado, quando solicitado, aos países desejosos de

desenvolver as capacidades nacionais necessárias ao planejamento e administração dos

programas e serviços de educação básica ( ver seção 1.4). Cabe a cada nação, em particular, a

responsabilidade capital pela elaboração e administração dos programas de provisão das

necessidades de aprendizagem de toda a população. A cooperação internacional pode

traduzir-se também em capacitação e desenvolvimento institucional para a coleta, análise e

pesquisa de dados, inovações tecnológicas e metodológicas educacionais. Sistemas

informáticos e outros métodos modernos de gerenciamento poderiam também ser

introduzidos, com ênfase nos níveis inferior e médio de administração. Essas capacidades

serão ainda mais necessárias como apoio à melhoria da qualidade da educação fundamental e

à introdução de programas extraescolares inovadores. Além do apoio direto a países e

instituições, a cooperação internacional pode também ser proveitosamente canalizada para

atividades conjuntas intercâmbio de programas de pesquisa, capacitação e informação

conduzidas por entidades internacionais, regionais e bilaterais. De fato, atividades de

capacitação e informação devem ser baseadas e apoiadas, aperfeiçoadas e fortalecidas, quando

for o caso, por instituições e programas já existentes, em detrimento da criação de novas

estruturas. Um tal tipo de apoio será particularmente valioso no âmbito da cooperação técnica

entre países em desenvolvimento, nos quais tanto as circunstâncias quanto os recursos

disponíveis para lidar com elas são, muitas vezes, similares.

3.3 PRESTAR APOIO CONTÍNUO E DE LONGO PRAZO ÀS AÇÕES NACIO NAIS E

REGIONAIS (CONTINENTAIS, SUBCONTINENTAIS E INTERCONTINENTAIS)

44. Satisfazer às necessidades básicas de aprendizagem de todas as pessoas em todos os

países, é, obviamente, um empreendimento a longo prazo. Este Plano de Ação provê diretrizes

para a formulação de planos de ação nacional e estadual para o desenvolvimento da educação

básica, mediante o compromisso duradouro dos governos e seus colaboradores nacionais, com

a ação conjunta para a consecução das metas e objetivos que eles mesmos se propuseram.

Instituições e agências internacionais, entre as quais pontuam inúmeros patrocinadores,

copatrocinadores e patrocinadores associados da Conferência Mundial sobre Educação para

Todos, devem empenhar-se ativamente no planejamento conjunto e sustentação do seu apoio

de longo prazo às ações nacionais e regionais tipificadas nas seções anteriores. Os principais

patrocinadores da iniciativa de Educação para Todos (PNUD, UNESCO, UNICEF, Banco

Mundial), cada um no âmbito de seu mandato e responsabilidades especiais, e de acordo com

a decisão de suas instâncias diretoras, devem ratificar seu compromisso de apoio às áreas

prioritárias de ação internacional listadas abaixo, e a adoção de medidas adequadas para a

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consecução dos objetivos da Educação para Todos. Sendo a UNESCO a agência das Nações

Unidas particularmente responsável pela educação, deverá conceder prioridade à

implementação do Plano de Ação e fomento à provisão dos serviços necessários ao

fortalecimento da cooperação e coordenação internacionais.

45. Uma maior assistência financeira se faz necessária para que os países menos

desenvolvidos possam implementar seus planos autônomos de ação, em consonância ao

enfoque mais amplo da Educação para Todos. Uma autêntica parceria, caracterizada pela

cooperação e compromissos conjuntos de longo prazo, permitirá a obtenção de melhores

resultados e o estabelecimento das bases para um aumento substancial do financiamento

global para este importante subsetor da educação. A pedido dos governos, as agências

multilaterais e bilaterais deverão concentrar seu apoio em ações prioritárias, especialmente a

nível nacional (ver seção 1), em áreas, como as que se seguem: a. Desenho ou atualização de

planos de ação multisetoriais nacionais ou estaduais (ver item 1.1), o que deve acontecer no

início dos anos 90. Muitos países em desenvolvimento carecem de assistência técnica e

financeira para a coleta e análise de dados, em particular, e também para a organização de

consultarias nacionais. b. Esforços nacionais e cooperação entre países para atingir um nível

satisfatório de qualidade e relevância na educação fundamental (com forme os itens 1.3 e 2

acima). Experiências que envolvam a participação das famílias, comunidades locais e

organizações não governamentais no incremento da relevância da educação e melhoria de sua

qualidade podem ser proveitosamente compartilhadas por diferentes países. c.

Universalização da educação fundamental nos países economicamente mais pobres. As

agências internacionais de financiamento deveriam considerar negociações caso a caso para a

provisão de apoio a longo prazo, de modo a ajudar cada país em seu progresso rumo à

universalização da educação fundamental, dentro do calendário estabelecido por cada país. As

agências externas devem reavaliar as práticas ordinárias de assistência, e encontrar maneiras

de prestar ajuda efetiva aos programas de educação básica que exigem não uma contribuição

intensiva de capital e tecnologia, porém, apoio orçamentário a longo prazo. Nesse sentido, é

preciso atentar para os critérios relativos à cooperação para o desenvolvimento da educação,

levando em conta mais que considerações meramente econômicas. d. Programas desenhados

para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de grupos desassistidos, jovens fora

da escola e adultos com pouco ou nenhum acesso à educação básica. Todos os parceiros

poderão compartilhar suas experiências e competências na concepção e execução de medidas

e atividades inovadoras, bem como concentrar seus financiamentos para a educação básica em

categorias e grupos específicos (por exemplo: mulheres, camponeses pobres, portadores de

deficiências), e assim melhorar significativamente as oportunidades e condições de

aprendizagem que lhes são acessíveis. e. Programas de educação para mulheres e meninas.

Tais programas devem objetivar a eliminação das barreiras sociais e culturais que têm

desencorajado, e mesmo excluído, mulheres e meninas dos benefícios dos programas

regulares de educação, bem como promover a igualdade de oportunidades para elas em todos

os aspectos de suas vidas. f. Programas de educação para refugiados. Os programas a cargo de

organizações como o Alto Comitê das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e a

Agências das Nações Unidas de Obras e Socorro aos Refugiados Palestinos no Oriente

Próximo (UNRWA), exigem um apoio financeiro a longo prazo, mais substancial e seguro,

para o cumprimento dessa reconhecida responsabilidade internacional. Nos casos em que os

países que acolhem refugiados necessitem de assistência técnica e financeira internacional

para fazer face às necessidades básicas dos refugiados as de aprendizagem, inclusive a

comunidade internacional poderá aliviar este fardo mediante o incremento da cooperação.

Esta se estenderá também ao esforço para assegurar às pessoas que vivem em territórios

ocupados, que foram deslocadas pela guerra ou por outras calamidades, o acesso a programas

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de educação básica que preservem sua identidade cultural. g. Programas de educação básica

de todo tipo em países com altas taxas de analfabetismo (como na África ao Sul do Saara) e

com grandes contingentes populacionais iletrados (como no sul da Ásia). Será necessário uma

considerável assistência para reduzir significativamente o elevado número de adultos

analfabetos no mundo. h. Formação de capacidades para pesquisa. planejamento e a

experimentação de inovações em pequena escala. O êxito das atividades de Educação para

Todos dependerá fundamentalmente da capacidade de cada país conceber e executar

programas que reflitam as condições nacionais. Para isso, será indispensável uma sólida base

de conhecimentos, alimentada pelos resultados da pesquisa, lições aprendidas com

experiências e inovações, tanto quanto pela disponibilidade de competentes planejadores

educacionais. 46. A coordenação dos financiamentos externos para educação é uma área de

co-responsabilidade a nível nacional, que deve ser assumida igualmente pelos diversos

parceiros, e onde os governos beneficiários devem tomar a si a iniciativa, de forma a garantir

o uso eficaz dos recursos, de acordo com as suas prioridades. As agências de financiamento

do desenvolvimento devem explorar formas inovadoras e mais flexíveis de cooperação, em

consulta com os governos e as instituições com os quais trabalham e cooperam em iniciativas

regionais, como é o caso do Grupo de Trabalho de Doadores para a Educação na África. Além

disso, devem ser criados outros fóruns, onde as agências de financiamento e os países em

desenvolvimento possam colaborar na elaboração de projetos entre países e discutir assuntos

gerais relativos à ajuda financeira.

CONSULTAS ACERCA DE QUESTÕES DE POLÍTICA

47. Os atuais canais de comunicação e fóruns de consulta entre as muitas partes engajadas na

satisfação das necessidades básicas de aprendizagem deverão ser plenamente utilizados

durante a década de 90, com o intuito de manter e ampliar o Consenso internacional em que

se baseia este Plano de Ação. Alguns canais e fóruns, como a Conferência Internacional de

Educação, que acontece a cada dois anos, atuam globalmente, enquanto outros se concentram

em regiões específicas, grupos de países ou categorias de parceiros. Na medida do possível, as

organizações devem procurar coordenar estas consultas e compartilhar os resultados. 48.

Além disso, e com a finalidade de manter e desenvolver a iniciativa da Educação para Todos,

a comunidade internacional precisará tomar as medidas apropriadas para assegurar a

cooperação entre os organismos interessados, utilizando, se possível, os mecanismos

existentes, de forma a: (i) continuar propugnando a Educação Básica para Todos,

aproveitando-se o impulso gerado pela Conferência Mundial; (ii) facilitar o intercâmbio de

informação sobre os processos realizados na consecução das metas da educação básica

estabelecidas por cada país, individualmente, e também sobre as estruturas e os recursos

organizativos necessários para o êxito destas iniciativas; (iii) encorajar novos parceiros a

somarem-se a este esforço mundial; e (iv) assegurar que todos os participantes estejam

plenamente conscientes da importância de se sustentar um sólido apoio à educação básica.

CALENDÁRIO INDICATIVO DE IMPLEMENTAÇÃO PARA OS ANOS 90

49. No processo de determinação de seus próprios objetivos e metas intermediárias e

preparação do plano de ação para sua consecução, cada país deverá estabelecer um calendário

que harmonize e programe as atividades específicas. Do mesmo modo, devem ser as ações

regionais e internacionais programadas ordenadamente, a fim de ajudar os países a atingir

suas metas dentro do tempo proposto. O calendário geral que se segue propõe fases

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indicativas para o trabalho a ser desenvolvido ao longo dos anos noventa; evidentemente, é

possível que certas fases venham a se imbricar neste processo, tornando necessário adaptar as

datas pré-estabelecidas às condições específicas de cada país e ao seu contexto

organizacional. 1. Governos e organizações devem estabelecer metas específicas e completar

ou atualizar seus pianos de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (ver

seção 1. 1); adotar medidas para a criação de um contexto político favorável (l.2), delinear

políticas para o incremento da relevância, qualidade, equidade e eficiência dos serviços e

programas de educação básica (l.3); definir como será feita a adaptação dos meios de

comunicação e informação à satisfação das necessidades básicas de aprendizagem (l.4);

mobilizar recursos e estabelecer alianças operacionais (l. 6). Os parceiros internacionais

poderão prestar ajuda mediante o apoio direto e a cooperação regional, completando esta

etapa preparatória (19901991). 2. As agências de desenvolvimento devem estabelecer

políticas e planos para a década de 90, em consonância ao seu compromisso de manter o

apoio a longo prazo às ações nacionais e regionais, e ampliar a ajuda técnica e financeira à

educação básica (3.3). Todos os parceiros devem fortalecer e utilizar os mecanismos

apropriados de consulta e cooperação já existentes, bem como estabelecer procedimentos para

o acompanhamento dos progressos aos níveis regional e internacional (19901993). 3 .

Primeira etapa de implementação dos planos de ação: os organismos nacionais de

coordenação irão monitorar a implementação e propor ajustes aos planos. Etapa de realização

de ações regionais e internacionais de apoio (19901995). 4. Os governos e as organizações

procederão à avaliação do período intermediário de implementação de seus respectivos planos

e, caso necessário, farão ajustes. Governos, organizações e agências de desenvolvimento

deverão empreender também uma ampla revisão das políticas aos níveis regional e mundial

(19951996). 5. Segunda etapa de implementação dos planos de ação e apoio regional e

internacional. As agências de desenvolvimento promoverão ajustes em seus planos, onde

necessário, e incrementos consoantes em sua ajuda à educação básica (19962000). 6.

Governos, organizações e agências de desenvolvimento deverão avaliar as realizações e

empreender uma ampla revisão das políticas aos níveis regional e mundial (20002001). 50.

Jamais testemunharemos um outro momento tão propício à renovação do compromisso com o

esforço a longo prazo para satisfação das necessidades básicas de aprendizagem de todas as

crianças, jovens e adultos. Tal esforço exigirá, contudo, um muito maior e racional aporte de

recursos para a educação básica e capacitação do que tem sido feito até o momento. Todavia,

os benefícios advindos deste esforço começarão a ser colhidos de imediato, e crescerão um

tanto a cada dia, até a solução dos grandes problemas mundiais que hoje enfrentamos. E isso

graças, em grande parte, à determinação e perseverança da comunidade internacional na

persecução de sua meta: Educação para Todos.

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ANEXO 2

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das

Necessidades Educativas Especiais

Reconvocando as várias declarações das Nações Unidas que culminaram no documento das

Nações Unidas "Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pessoas com

Deficiências", o qual demanda que os Estados assegurem que a educação de pessoas com

deficiências seja parte integrante do sistema educacional. Notando com satisfação um

incremento no envolvimento de governos, grupos de advocacia, comunidades e pais, e em

particular de organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso à

educação para a maioria daqueles cujas necessidades especiais ainda se encontram

desprovidas; e reconhecendo como evidência para tal envolvimento a participação ativa do

alto nível de representantes e de vários governos, agências especializadas, e organizações

inter-governamentais naquela Conferência Mundial.

1. Nós, os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88

governos e 25 organizações internacionais em assembléia aqui em Salamanca, Espanha, entre

7 e 10 de junho de 1994, reafirmamos o nosso compromisso para com a Educação para

Todos, reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as

crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular

de ensino e re-endossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito

de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam guiados.

2. Acreditamos e Proclamamos que: • toda criança tem direito fundamental à educação, e deve

ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, • toda criança

possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas,

• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser

implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e

necessidades, • aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola

regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de

satisfazer a tais necessidades, • escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva

constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se

comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para

todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e

aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema

educacional.

3. Nós congregamos todos os governos e demandamos que eles: • atribuam a mais alta

prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de

se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou

dificuldades individuais. • adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de

política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes

razões para agir de outra forma. • desenvolvam projetos de demonstração e encorajem

intercâmbios em países que possuam experiências de escolarização inclusiva. • estabeleçam

mecanismos participatórios e descentralizados para planejamento, revisão e avaliação de

provisão educacional para crianças e adultos com necessidades educacionais especiais. •

encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas

portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à

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provisão de serviços para necessidades educacionais especiais. • invistam maiores esforços

em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da

educação inclusiva. • garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de

treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de

educação especial dentro das escolas inclusivas.

4. Nós também congregamos a comunidade internacional; em particular, nós congregamos: -

governos com programas de cooperação internacional, agências financiadoras internacionais,

especialmente as responsáveis pela Conferência Mundial em Educação para Todos,

UNESCO, UNICEF, UNDP e o Banco Mundial: • a endossar a perspectiva de escolarização

inclusiva e apoiar o desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos os

programas educacionais; • As Nações Unidas e suas agências especializadas, em particular a

ILO, WHO, UNESCO e UNICEF: • a reforçar seus estímulos de cooperação técnica, bem

como reforçar suas cooperações e redes de trabalho para um apoio mais eficaz à já expandida

e integrada provisão em educação especial; • organizações não-governamentais envolvidas na

programação e entrega de serviço nos países; • a reforçar sua colaboração com as entidades

oficiais nacionais e intensificar o envolvimento crescente delas no planejamento,

implementação e avaliação de provisão em educação especial que seja inclusiva; • UNESCO,

enquanto a agência educacional das Nações Unidas; • a assegurar que educação especial faça

parte de toda discussão que lide com educação para todos em vários foros; • a mobilizar o

apoio de organizações dos profissionais de ensino em questões relativas ao aprimoramento do

treinamento de professores no que diz respeito a necessidade educacionais especiais. • a

estimular a comunidade acadêmica no sentido de fortalecer pesquisa, redes de trabalho e o

estabelecimento de centros regionais de informação e documentação e da mesma forma, a

servir de exemplo em tais atividades e na disseminação dos resultados específicos e dos

progressos alcançados em cada país no sentido de realizar o que almeja a presente Declaração.

• a mobilizar FUNDOS através da criação (dentro de seu próximo Planejamento a Médio

Prazo. 1996-2000) de um programa extensivo de escolas inclusivas e programas de apoio

comunitário, que permitiriam o lançamento de projetos-piloto que demonstrassem novas

formas de disseminação e o desenvolvimento de indicadores de necessidade e de provisão de

educação especial.

5. Por último, expressamos nosso caloroso reconhecimento ao governo da Espanha e à

UNESCO pela organização da Conferência e demandamos-lhes realizarem todos os esforços

no sentido de trazer esta Declaração e sua relativa Estrutura de Ação da comunidade mundial,

especialmente em eventos importantes tais como o Tratado Mundial de Desenvolvimento

Social (em Kopenhagen, em 1995) e a Conferência Mundial sobre a Mulher (em Beijing, e,

1995). Adotada por aclamação na cidade de Salamanca, Espanha, neste décimo dia de junho

de 1994.

ESTRUTURA DE AÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

Introdução •

1. Esta Estrutura de Ação em Educação Especial foi adotada pela conferencia Mundial em

Educação Especial organizada pelo governo da Espanha em cooperação com a UNESCO,

realizada em Salamanca entre 7 e 10 de junho de 1994. Seu objetivo é informar sobre políticas

e guias ações governamentais, de organizações internacionais ou agências nacionais de

auxílio, organizações não governamentais e outras instituições na implementação da

Declaração de Salamanca sobre princípios, Política e prática em Educação Especial. A

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Estrutura de Ação baseia-se fortemente na experiência dos países participantes e também nas

resoluções, recomendações e publicações do sistema das Nações Unidas e outras organizações

inter-governamentais, especialmente o documento "Procedimentos-Padrões na Equalização de

Oportunidades para pessoas Portadoras de Deficiência . Tal Estrutura de Ação também leva

em consideração as propostas, direções e recomendações originadas dos cinco seminários

regionais preparatórios da Conferência Mundial. •

2.O direito de cada criança a educação é proclamado na Declaração Universal de Direitos

Humanos e foi fortemente reconfirmado pela Declaração Mundial sobre Educação para

Todos. Qualquer pessoa portadora de deficiência tem o direito de expressar seus desejos com

relação à sua educação, tanto quanto estes possam ser realizados. Pais possuem o direito

inerente de serem consultados sobre a forma de educação mais apropriadas às necessidades,

circunstâncias e aspirações de suas crianças. •

3.O princípio que orienta esta Estrutura é o de que escolas deveriam acomodar todas as

crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,

lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças

de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças

pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos

desavantajados ou marginalizados. Tais condições geram uma variedade de diferentes

desafios aos sistemas escolares. No contexto desta Estrutura, o termo "necessidades

educacionais especiais" refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades

educacionais especiais se originam em função de deficiências ou dificuldades de

aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e portanto

possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua escolarização.

Escolas devem buscar formas de educar tais crianças bem-sucedidamente, incluindo aquelas

que possuam desvantagens severas. Existe um consenso emergente de que crianças e jovens

com necessidades educacionais especiais devam ser incluídas em arranjos educacionais feitos

para a maioria das crianças. Isto levou ao conceito de escola inclusiva. O desafio que

confronta a escola inclusiva é no que diz respeito ao desenvolvimento de uma pedagogia

centrada na criança e capaz de bem sucedidamente educar todas as crianças, incluindo aquelas

que possuam desvantagens severa. O mérito de tais escolas não reside somente no fato de que

elas sejam capazes de prover uma educação de alta qualidade a todas as crianças: o

estabelecimento de tais escolas é um passo crucial no sentido de modificar atitudes

discriminatórias, de criar comunidades acolhedoras e de desenvolver uma sociedade inclusiva.

4. Educação Especial incorpora os mais do que comprovados princípios de uma forte

pedagogia da qual todas as crianças possam se beneficiar. Ela assume que as diferenças

humanas são normais e que, em consonância com a aprendizagem de ser adaptada às

necessidades da criança, ao invés de se adaptar a criança às assunções pré-concebidas a

respeito do ritmo e da natureza do processo de aprendizagem. Uma pedagogia centrada na

criança é beneficial a todos os estudantes e, consequentemente, à sociedade como um todo. A

experiência tem demonstrado que tal pedagogia pode consideravelmente reduzir a taxa de

desistência e repetência escolar (que são tão características de tantos sistemas educacionais) e

ao mesmo tempo garantir índices médios mais altos de rendimento escolar. Uma pedagogia

centrada na criança pode impedir o desperdício de recursos e o enfraquecimento de

esperanças, tão freqüentemente conseqüências de uma instrução de baixa qualidade e de uma

mentalidade educacional baseada na idéia de que "um tamanho serve a todos". Escolas

centradas na criança são além do mais a base de treino para uma sociedade baseada no povo,

que respeita tanto as diferenças quanto a dignidade de todos os seres humanos. Uma mudança

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de perspectiva social é imperativa. Por um tempo demasiadamente longo os problemas das

pessoas portadoras de deficiências têm sido compostos por uma sociedade que inabilita, que

tem prestado mais atenção aos impedimentos do que aos potenciais de tais pessoas. •

5. Esta Estrutura de Ação compõe-se das seguintes seções:

I. Novo pensar em educação especial

II. Orientações para a ação em nível nacional: A. Política e Organização B. Fatores

Relativos à Escola C. Recrutamento e Treinamento de Educadores D. Serviços Externos de

Apoio E. Áreas Prioritárias F. Perspectivas Comunitárias G. Requerimentos Relativos a

Recursos

III. Orientações para ações em níveis regionais e internacionais •

6. A tendência em política social durante as duas últimas décadas tem sido a de promover

integração e participação e de combater a exclusão. Inclusão e participação são essenciais à

dignidade humana e ao desfrutamento e exercício dos direitos humanos. Dentro do campo da

educação, isto se reflete no desenvolvimento de estratégias que procuram promover a genuína

equalização de oportunidades. Experiências em vários países demonstram que a integração de

crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é melhor alcançada dentro de

escolas inclusivas, que servem a todas as crianças dentro da comunidade. É dentro deste

contexto que aqueles com necessidades educacionais especiais podem atingir o máximo

progresso educacional e integração social. Ao mesmo tempo em que escolas inclusivas

provêem um ambiente favorável à aquisição de igualdade de oportunidades e participação

total, o sucesso delas requer um esforço claro, não somente por parte dos professores e dos

profissionais na escola, mas também por parte dos colegas, pais, famílias e voluntários. A

reforma das instituições sociais não constitui somente um tarefa técnica, ela depende, acima

de tudo, de convicções, compromisso e disposição dos indivíduos que compõem a sociedade.

7. Principio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender

juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que

elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de

seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma

educação de qualidade à todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais,

estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na verdade, deveria

existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de necessidades

especiais encontradas dentro da escola.

8. Dentro das escolas inclusivas, crianças com necessidades educacionais especiais deveriam

receber qualquer suporte extra requerido para assegurar uma educação efetiva. Educação

inclusiva é o modo mais eficaz para construção de solidariedade entre crianças com

necessidades educacionais especiais e seus colegas. O encaminhamento de crianças a escolas

especiais ou a classes especiais ou a sessões especiais dentro da escola em caráter permanente

deveriam constituir exceções, a ser recomendado somente naqueles casos infreqüentes onde

fique claramente demonstrado que a educação na classe regular seja incapaz de atender às

necessidades educacionais ou sociais da criança ou quando sejam requisitados em nome do

bem-estar da criança ou de outras crianças.

9. A situação com respeito à educação especial varia enormemente de um país a outro.

Existem por exemplo, países que possuem sistemas de escolas especiais fortemente

estabelecidos para aqueles que possuam impedimentos específicos. Tais escolas especais

podem representar um valioso recurso para o desenvolvimento de escolas inclusivas. Os

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profissionais destas instituições especiais possuem nível de conhecimento necessário à

identificação precoce de crianças portadoras de deficiências. Escolas especiais podem servir

como centro de treinamento e de recurso para os profissionais das escolas regulares.

Finalmente, escolas especiais ou unidades dentro das escolas inclusivas podem continuar a

prover a educação mais adequada a um número relativamente pequeno de crianças portadoras

de deficiências que não possam ser adequadamente atendidas em classes ou escolas regulares.

Investimentos em escolas especiais existentes deveriam ser canalizados a este novo e

amplificado papel de prover apoio profissional às escolas regulares no sentido de atender às

necessidades educacionais especiais. Uma importante contribuição às escolas regulares que os

profissionais das escolas especiais podem fazer refere-se à provisão de métodos e conteúdos

curriculares às necessidades individuais dos alunos.

10. Países que possuam poucas ou nenhuma escolas especial seriam em geral, fortemente

aconselhados a concentrar seus esforços no desenvolvimento de escolas inclusivas e serviços

especializados - em especial, provisão de treinamento de professores em educação especial e

estabelecimento de recursos adequadamente equipados e assessorados, para os quais as

escolas pudessem se voltar quando precisassem de apoio - deveriam tornar as escolas aptas a

servir à vasta maioria de crianças e jovens. A experiência, principalmente em países em

desenvolvimento, indica que o alto custo de escolas especiais significa na prática, que apenas

uma pequena minoria de alunos, em geral uma elite urbana, se beneficia delas. A vasta

maioria de alunos com necessidades especiais, especialmente nas áreas rurais, é

consequentemente, desprovida de serviços. De fato, em muitos países em desenvolvimento,

estima-se que menos de um por cento das crianças com necessidades educacionais especiais

são incluídas na provisão existente. Além disso, a experiência sugere que escolas inclusivas,

servindo a todas as crianças numa comunidade são mais bem sucedidas em atrair apoio da

comunidade e em achar modos imaginativos e inovadores de uso dos limitados recursos que

sejam disponíveis. Planejamento educacional da parte dos governos, portanto, deveria ser

concentrado em educação para todas as pessoas, em todas as regiões do país e em todas as

condições econômicas, através de escolas públicas e privadas.

11. Existem milhões de adultos com deficiências e sem acesso sequer aos rudimentos de uma

educação básica, principalmente nas regiões em desenvolvimento no mundo, justamente

porque no passado uma quantidade relativamente pequena de crianças com deficiências

obteve acesso à educação. Portanto, um esforço concentrado é requerido no sentido de se

promover a alfabetização e o aprendizado da matemática e de habilidades básicas às pessoas

portadoras de deficiências através de programas de educação de adultos. Também é

importante que se reconheça que mulheres têm freqüentemente sido duplamente

desavantajadas, com preconceitos sexuais compondo as dificuldades causadas pelas suas

deficiências. Mulheres e homens deveriam possuir a mesma influência no delineamento de

programas educacionais e as mesmas oportunidades de se beneficiarem de tais. Esforços

especiais deveriam ser feitos no sentido de se encorajar a participação de meninas e mulheres

com deficiências em programas educacionais.

12. Esta estrutura pretende ser um guia geral ao planejamento de ação em educação especial.

Tal estrutura, evidentemente, não tem meios de dar conta da enorme variedade de situações

encontradas nas diferentes regiões e países do mundo e deve desta maneira, ser adaptada no

sentido ao requerimento e circunstâncias locais. Para que seja efetiva, ela deve ser

complementada por ações nacionais, regionais e locais inspirados pelo desejo político e

popular de alcançar educação para todos.

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II. LINHAS DE AÇÃO EM NÍVEL NACIONAL A. POLÍTICA E ORGANIZAÇÃO

13. Educação integrada e reabilitação comunitária representam abordagens complementares

àqueles com necessidades especiais. Ambas se baseiam nos princípios de inclusão, integração

e participação e representam abordagens bem testadas e financeiramente efetivas para

promoção de igualdade de acesso para aqueles com necessidades educacionais especiais como

parte de uma estratégia nacional que objetive o alcance de educação para todos. Países são

convidados a considerar as seguintes ações concernentes a política e organização de seus

sistemas educacionais. •

14. Legislação deveria reconhecer o princípio de igualdade de oportunidade para crianças,

jovens e adultos com deficiências na educação primária, secundária e terciária, sempre que

possível em ambientes integrados. •

15. Medidas Legislativas paralelas e complementares deveriam ser adotadas nos campos da

saúde, bem-estar social, treinamento vocacional e trabalho no sentido de promover apoio e

gerar total eficácia à legislação educacional. •

16. Políticas educacionais em todos os níveis, do nacional ao local, deveriam estipular que a

criança portadora de deficiência deveria freqüentar a escola de sua vizinhança: ou seja, a

escola que seria freqüentada caso a criança não portasse nenhuma deficiência. Exceções à esta

regra deveriam ser consideradas individualmente, caso-por-caso, em casos em que a educação

em instituição especial seja requerida. •

17. A prática de desmarginalização de crianças portadoras de deficiência deveria ser parte

integrante de planos nacionais que objetivem atingir educação para todos. Mesmo naqueles

casos excepcionais em que crianças sejam colocadas em escolas especiais, a educação dela

não precisa ser inteiramente segregada. Freqüência em regime não-integral nas escolas

regulares deveria ser encorajada. Provisões necessárias deveriam também ser feitas no sentido

de assegurar inclusão de jovens e adultos com necessidade especiais em educação secundária

e superior bem como em programa de treinamento. Atenção especial deveria ser dada à

garantia da igualdade de acesso e oportunidade para meninas e mulheres portadoras de

deficiências.

• 18. Atenção especial deveria ser prestada às necessidades das crianças e jovens com

deficiências múltiplas ou severas. Eles possuem os mesmos direitos que outros na

comunidade, à obtenção de máxima independência na vida adulta e deveriam ser educados

neste sentido, ao máximo de seus potenciais.

• 19. Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações

individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os

surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de

garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso a educação em sua língua nacional de

signos. Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas

surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em escolas especiais ou

classes especiais e unidades em escolas regulares. •

20. Reabilitação comunitária deveria ser desenvolvida como parte de uma estratégia global

de apoio a uma educação financeiramente efetiva e treinamento para pessoas com necessidade

educacionais especiais. Reabilitação comunitária deveria ser vista como uma abordagem

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específica dentro do desenvolvimento da comunidade objetivando a reabilitação, equalização

de oportunidades e integração social de todas as pessoas portadoras de deficiências; deveria

ser implementada através de esforços combinados entre as pessoas portadoras de deficiências,

suas famílias e comunidades e os serviços apropriados de educação, saúde, bem estar e

vocacional. •

21. Ambos os arranjos políticos e de financiamento deveriam encorajar e facilitar o

desenvolvimento de escolas inclusivas. Barreiras que impeçam o fluxo de movimento da

escola especial para a regular deveriam ser removidas e uma estrutura administrativa comum

deveria ser organizada. Progresso em direção à inclusão deveria ser cuidadosamente

monitorado através do agrupamento de estatísticas capazes de revelar o número de estudantes

portadores de deficiências que se beneficiam dos recursos, know-how e equipamentos

direcionados à educação especial bem como o número de estudantes com necessidades

educacionais especiais matriculados nas escolas regulares. •

22. Coordenação entre autoridades educacionais e as responsáveis pela saúde, trabalho e

assistência social deveria ser fortalecida em todos os níveis no sentido de promover

convergência e complementariedade, Planejamento e coordenação também deveriam levar em

conta o papel real e o potencial que agências semi públicas e organizações não-

governamentais podem ter. Um esforço especial necessita ser feito no sentido de se atrair

apoio comunitário à provisão de serviços educacionais especiais.

23. Autoridades nacionais têm a responsabilidade de monitorar financiamento externo à

educação especial e trabalhando em cooperação com seus parceiros internacionais, assegurar

que tal financiamento corresponda às prioridades nacionais e políticas que objetivem atingir

educação para todos. Agências bilaterais e multilaterais de auxílio, por sua parte, deveriam

considerar cuidadosamente as políticas nacionais com respeito à educação especial no

planejamento e implementação de programas em educação e áreas relacionadas.

B. FATORES RELATIVOS À ESCOLA

24. o desenvolvimento de escolas inclusivas que ofereçam serviços a uma grande variedade

de alunos em ambas as áreas rurais e urbanas requer a articulação de uma política clara e forte

de inclusão junto com provisão financeira adequada - um esforço eficaz de informação

pública para combater o preconceito e criar atitudes informadas e positivas - um programa

extensivo de orientação e treinamento profissional - e a provisão de serviços de apoio

necessários. Mudanças em todos os seguintes aspectos da escolarização, assim como em

muitos outros, são necessárias para a contribuição de escolas inclusivas bem-sucedidas:

currículo, prédios, organização escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e

atividades extra-curriculares.

25. Muitas das mudanças requeridas não se relacionam exclusivamente à inclusão de crianças

com necessidades educacionais especiais. Elas fazem parte de um reforma mais ampla da

educação, necessária para o aprimoramento da qualidade e relevância da educação, e para a

promoção de níveis de rendimento escolar superiores por parte de todos os estudantes. A

Declaração Mundial sobre Educação para Todos enfatizou a necessidade de uma abordagem

centrada na criança objetivando a garantia de uma escolarização bem-sucedida para todas as

crianças. A adoção de sistemas mais flexíveis e adaptativos, capazes de mais largamente levar

em consideração as diferentes necessidades das crianças irá contribuir tanto para o sucesso

educacional quanto para a inclusão. As seguintes orientações enfocam pontos a ser

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considerados na integração de crianças com necessidades educacionais especiais em escolas

inclusivas. Flexibilidade Curricular. •

26. O currículo deveria ser adaptado às necessidades das crianças, e não viceversa. Escolas

deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas a criança com

habilidades e interesses diferentes.

27. Crianças com necessidades especiais deveriam receber apoio instrucional adicional no

contexto do currículo regular, e não de um currículo diferente. O princípio regulador deveria

ser o de providenciar a mesma educação a todas as crianças, e também prover assistência

adicional e apoio às crianças que assim o requeiram.

28. A aquisição de conhecimento não é somente uma questão de instrução formal e teórica. O

conteúdo da educação deveria ser voltado a padrões superiores e às necessidades dos

indivíduos com o objetivo de torná-los aptos a participar totalmente no desenvolvimento. O

ensino deveria ser relacionado às experiências dos alunos e a preocupações práticas no sentido

de melhor motivá-los.

29. Para que o progresso da criança seja acompanhado, formas de avaliação deveriam ser

revistas. Avaliação formativa deveria ser incorporada no processo educacional regular no

sentido de manter alunos e professores informados do controle da aprendizagem adquirida,

bem como no sentido de identificar dificuldades e auxiliar os alunos a superá-las.

30. Para crianças com necessidades educacionais especiais uma rede contínua de apoio

deveria ser providenciada, com variação desde a ajuda mínima na classe regular até

programas adicionais de apoio à aprendizagem dentro da escola e expandindo, conforme

necessário, à provisão de assistência dada por professores especializados e pessoal de apoio

externo.

31. Tecnologia apropriada e viável deveria ser usada quando necessário para aprimorar a taxa

de sucesso no currículo da escola e para ajudar na comunicação, mobilidade e aprendizagem.

Auxílios técnicos podem ser oferecidos de modo mais econômico e efetivo se eles forem

providos a partir de uma associação central em cada localidade, aonde haja know-how que

possibilite a conjugação de necessidades individuais e assegure a manutenção.

32. Capacitação deveria ser originada e pesquisa deveria ser levada a cabo em níveis nacional

e regional no sentido de desenvolver sistemas tecnológicos de apoio apropriados à educação

especial. Estados que tenham ratificado o Acordo de Florença deveriam ser encorajados a usar

tal instrumento no sentido de facilitar a livre circulação de materiais e equipamentos às

necessidades das pessoas com deficiências. Da mesma forma, Estados que ainda não tenham

aderido ao Acordo ficam convidados a assim fazê-lo para que se facilite a livre circulação de

serviços e bens de natureza educacional e cultural.

Administração da Escola

33. Administradores locais e diretores de escolas podem ter um papel significativo quanto a

fazer com que as escolas respondam mais às crianças com necessidades educacionais

especiais desde de que a eles sejam fornecidos a devida autonomia e adequado treinamento

para que o possam fazê-lo. Eles (administradores e diretores) deveriam ser convidados a

desenvolver uma administração com procedimentos mais flexíveis, a reaplicar recursos

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instrucionais, a diversificar opções de aprendizagem, a mobilizar auxílio individual, a oferecer

apoio aos alunos experimentando dificuldades e a desenvolver relações com pais e

comunidades, Uma administração escolar bem sucedida depende de um envolvimento ativo e

reativo de professores e do pessoal e do desenvolvimento de cooperação efetiva e de trabalho

em grupo no sentido de atender as necessidades dos estudantes.

34. Diretores de escola têm a responsabilidade especial de promover atitudes positivas

através da comunidade escolar e via arranjando uma cooperação efetiva entre professores de

classe e pessoal de apoio. Arranjos apropriados para o apoio e o exato papel a ser assumido

pelos vários parceiros no processo educacional deveria ser decidido através de consultoria e

negociação.

35. Cada escola deveria ser uma comunidade coletivamente responsável pelo sucesso ou

fracasso de cada estudante. O grupo de educadores, ao invés de professores individualmente,

deveria dividir a responsabilidade pela educação de crianças com necessidades especiais. Pais

e voluntários deveriam ser convidados assumir participação ativa no trabalho da escola.

Professores, no entanto, possuem um papel fundamental enquanto administradores do

processo educacional, apoiando as crianças através do uso de recursos disponíveis, tanto

dentro como fora da sala de aula.

Informação e Pesquisa

36. A disseminação de exemplos de boa prática ajudaria o aprimoramento do ensino e

aprendizagem. Informação sobre resultados de estudos que sejam relevantes também seria

valiosa. A demonstração de experiência e o desenvolvimento de centros de informação

deveriam receber apoio a nível nacional, e o acesso a fontes de informação deveria ser

ampliado.

37. A educação especial deveria ser integrada dentro de programas de instituições de pesquisa

e desenvolvimento e de centros de desenvolvimento curricular. Atenção especial deveria ser

prestada nesta área, a pesquisa-ação locando em estratégias inovadoras de ensino-

aprendizagem. professores deveriam participar ativamente tanto na ação quanto na reflexão

envolvidas em tais investigações. Estudos-piloto e estudos de profundidade deveriam ser

lançados para auxiliar tomadas de decisões e para prover orientação futura. Tais experimentos

e estudos deveriam ser levados a cabo numa base de cooperação entre vários países.

C. RECRUTAMENTO E TREINAMENTO DE EDUCADORES

38. Preparação apropriada de todos os educadores constitui-se um fator chave na promoção de

progresso no sentido do estabelecimento de escolas inclusivas. As seguintes ações poderiam

ser tomadas. Além disso, a importância do recrutamento de professores que possam servir

como modelo para crianças portadoras de deficiências torna-se cada vez mais reconhecida. •

39. Treinamento pré-profissional deveria fornecer a todos os estudantes de pedagogia de

ensino primário ou secundário, orientação positiva frente à deficiência, desta forma

desenvolvendo um entendimento daquilo que pode ser alcançado nas escolas através dos

serviços de apoio disponíveis na localidade. O conhecimento e habilidades requeridas dizem

respeito principalmente à boa prática de ensino e incluem a avaliação de necessidades

especiais, adaptação do conteúdo curricular, utilização de tecnologia de assistência,

individualização de procedimentos de ensino no sentido de abarcar uma variedade maior de

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habilidades, etc. Nas escolas práticas de treinamento de professores, atenção especial deveria

ser dada à preparação de todos os professores para que exercitem sua autonomia e apliquem

suas habilidades na adaptação do currículo e da instrução no sentido de atender as

necessidades especiais dos alunos, bem como no sentido de colaborar com os especialistas e

cooperar com os pais.

40. Um problema recorrente em sistemas educacionais, mesmo naqueles que provêem

excelentes serviços para estudantes portadores de deficiências refere-se a falta de modelos

para tais estudantes. alunos de educação especial requerem oportunidades de interagir com

adultos portadores de deficiências que tenham obtido sucesso de forma que eles possam ter

um padrão para seus próprios estilos de vida e aspirações com base em expectativas realistas.

Além disso, alunos portadores de deficiências deveriam ser treinados e providos de exemplos

de atribuição de poderes e liderança à deficiência de forma que eles possam auxiliar no

modelamento de políticas que irão afetá-los futuramente. Sistemas educacionais deveriam,

portanto, basear o recrutamento de professores e outros educadores que podem e deveriam

buscar, para a educação de crianças especiais, o envolvimento de indivíduos portadores de

deficiências que sejam bem sucedidos e que provenham da mesma região. •

41. As habilidades requeridas para responder as necessidades educacionais especiais deveriam

ser levadas em consideração durante a avaliação dos estudos e da graduação de professores. •

42. Como formar prioritária, materiais escritos deveriam ser preparados e seminários

organizados para administradores locais, supervisores, diretores e professores, no sentido de

desenvolver suas capacidades de prover liderança nesta área e de aposta e treinar pessoal

menos experiente.

43. O menor desafio reside na provisão de treinamento em serviço a todos os professores,

levando-se em consideração as variadas e freqüentemente difíceis condições sob as quais eles

trabalham. Treinamento em serviço deveria sempre que possível, ser desenvolvido ao nível da

escola e por meio de interação com treinadores e apoiado por técnicas de educação à distância

e outras técnicas autodidáticas. •

44. Treinamento especializado em educação especial que leve às qualificações profissionais

deveria normalmente ser integrado com ou precedido de treinamento e experiência como uma

forma regular de educação de professores para que a complementariedade e a mobilidade

sejam asseguradas. •

45. O Treinamento de professores especiais necessita ser reconsiderado com a intenção de se

lhes habilitar a trabalhar em ambientes diferentes e de assumir um papel-chave em programas

de educação especial. Uma abordagem não categorizante que embarque todos os tipos de

deficiências deveria ser desenvolvida como núcleo comum e anterior à especialização em uma

ou mais áreas específicas de deficiência. •

46. Universidades possuem um papel majoritário no sentido de aconselhamento no processo

de desenvolvimento da educação especial, especialmente no que diz respeito à pesquisa,

avaliação, preparação de formadores de professores e desenvolvimento de programas e

materiais de treinamento. Redes de trabalho entre universidades e instituições de

aprendizagem superior em países desenvolvidos e em desenvolvimento deveriam ser

promovidas. A ligação entre pesquisa e treinamento neste sentido é de grande significado.

Também é muito importante o envolvimento ativo de pessoas portadoras de deficiência em

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pesquisa e em treinamento pata que se assegure que suas perspectivas sejam completamente

levadas em consideração.

D. SERVIÇOS EXTERNOS DE APOIO

47. A provisão de serviços de apoio é de fundamental importância para o sucesso de políticas

educacionais inclusivas. Para que se assegure que, em todos os níveis, serviços externos sejam

colocados à disposição de crianças com necessidades especiais, autoridades educacionais

deveriam considerar o seguinte:

48. Apoio às escolas regulares deveria ser providenciado tanto pelas instituições de

treinamento de professores quanto pelo trabalho de campo dos profissionais das escolas

especiais. Os últimos deveriam ser utilizados cada vez mais como centros de recursos para as

escolas regulares, oferecendo apoio direto aquelas crianças com necessidades educacionais

especiais. Tanto as instituições de treinamento como as escolas especiais podem prover o

acesso a materiais e equipamentos, bem como o treinamento em estratégias de instrução que

não sejam oferecidas nas escolas regulares.

49. O apoio externo do pessoal de recurso de várias agências, departamentos e instituições,

tais como professor-consultor, psicólogos escolares, fonoaudiólogos e terapeutas

ocupacionais, etc.., deveria ser coordenado em nível local. O agrupamento de escolas tem

comprovadamente se constituído numa estratégia útil na mobilização de recursos

educacionais bem como no envolvimento da comunidade. Grupos de escolas poderiam ser

coletivamente responsáveis pela provisão de serviços a alunos com necessidades educacionais

especiais em suas áreas e (a tais grupos de escolas) poderia ser dado o espaço necessário para

alocarem os recursos conforme o requerido. Tais arranjos também deveriam envolver serviços

não educacionais. De fato, a experiência sugere que serviços educacionais se beneficiariam

significativamente caso maiores esforços fossem feitos para assegurar o ótimo uso de todo o

conhecimento e recursos disponíveis.

E. ÁREAS PRIORITÁRIAS

50. A integração de crianças e jovens com necessidades educacionais especiais seria mais

efetiva e bem-sucedida se consideração especial fosse dada a planos de desenvolvimento

educacional nas seguintes áreas: educação infantil, para garantir a educabilidade de todas as

crianças: transição da educação para a vida adulta do trabalho e educação de meninas.

Educação Infantil

51. O sucesso de escolas inclusivas depende em muito da identificação precoce, avaliação e

estimulação de crianças pré- escolares com necessidades educacionais especiais. Assistência

infantil e programas educacionais para crianças até a idade de 6 anos deveriam ser

desenvolvidos e/ou reorientados no sentido de promover o desenvolvimento físico, intelectual

e social e a prontidão para a escolarização. Tais programas possuem um grande valor

econômico para o indivíduo, a família e a sociedade na prevenção do agravamento de

condições que inabilitam a criança. Programas neste nível deveriam reconhecer o princípio da

inclusão e ser desenvolvidos de uma maneira abrangente, através da combinação de atividades

pré-escolares e saúde infantil.

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52. Vários países têm adotado políticas em favor da educação infantil, tanto através do apoio

no desenvolvimento de jardins de infância e pré-escolas, como pela organização de

informação às famílias e de atividades de conscientização em colaboração com serviços

comunitários (saúde, cuidados maternos e infantis) com escolas e com associações locais de

famílias ou de mulheres.

Preparação para a Vida Adulta

53. Jovens com necessidades educacionais especiais deveriam ser auxiliados no sentido de

realizarem uma transição efetiva da escola para o trabalho. Escolas deveriam auxiliá-los a se

tornarem economicamente ativos e provê-los com as habilidades necessárias ao cotidiano da

vida, oferecendo treinamento em habilidades que correspondam às demandas sociais e de

comunicação e às expectativas da vida adulta. Isto implica em tecnologias adequadas de

treinamento, incluindo experiências diretas em situações da vida real, fora da escola. O

currículo para estudantes mais maduros e com necessidades educacionais especiais deveria

incluir programas específicos de transição, apoio de entrada para a educação superior sempre

que possível e conseqüente treinamento vocacional que os prepare a funcionar

independentemente enquanto membros contribuintes em suas comunidades e após o término

da escolarização. Tais atividades deveria ser levadas a cabo com o envolvimento ativo de

aconselhadores vocacionais, oficinas de trabalho, associações de profissionais, autoridades

locais e seus respectivos serviços e agências.

Educação de Meninas

54. Meninas portadoras de deficiências encontram-se em dupla desvantagem. Um esforço

especial se requer no sentido de se prover treinamento e educação para meninas com

necessidades educacionais especiais. Além de ganhar acesso a escola, meninas portadoras de

deficiências deveriam ter acesso à informação, orientação e modelos que as auxiliem a fazer

escolhas realistas e as preparem para desempenharem seus futuros papéis enquanto mulheres

adultas.

Educação de Adultos e Estudos Posteriores

55. Pessoas portadoras de deficiências deveriam receber atenção especial quanto ao

desenvolvimento e implementação de programas de educação de adultos e de estudos

posteriores. Pessoas portadoras de deficiências deveriam receber prioridade de acesso à tais

programas. Cursos especiais também poderiam ser desenvolvidos no sentido de atenderem às

necessidades e condições de diferentes grupos de adultos portadores de deficiência.

F. PERSPECTIVAS COMUNITÁRIAS

56. A realização do objetivo de uma educação bem- sucedida de crianças com necessidades

educacionais especiais não constitui tarefa somente dos Ministérios de Educação e das

escolas. Ela requer a cooperação das famílias e a mobilização das comunidades e de

organizações voluntárias, assim como o apoio do público em geral. A experiência provida por

países ou áreas que têm testemunhado progresso na equalização de oportunidades

educacionais para crianças portadoras de deficiência sugere uma série de lições úteis.

Parceria com os Pais

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57. A educação de crianças com necessidades educacionais especiais é uma tarefa a ser

dividida entre pais e profissionais. Uma atitude positiva da parte dos pais favorece a

integração escolar e social. Pais necessitam de apoio para que possam assumir seus papéis de

pais de uma criança com necessidades especiais. O papel das famílias e dos pais deveria ser

aprimorado através da provisão de informação necessária em linguagem clara e simples; ou

enfoque na urgência de informação e de treinamento em habilidades paternas constitui uma

tarefa importante em culturas aonde a tradição de escolarização seja pouca.

58. Pais constituem parceiros privilegiados no que concerne as necessidades especiais de suas

crianças, e desta maneira eles deveriam, o máximo possível, ter a chance de poder escolher o

tipo de provisão educacional que eles desejam para suas crianças.

59. Uma parceria cooperativa e de apoio entre administradores escolares, professores e pais

deveria ser desenvolvida e pais deveriam ser considerados enquanto parceiros ativos nos

processos de tomada de decisão. Pais deveriam ser encorajados a participar em atividades

educacionais em casa e na escola (aonde eles poderiam observar técnicas efetivas e aprender

como organizar atividades extra-curriculares), bem como na supervisão e apoio à

aprendizagem de suas crianças.

60. Governos deveriam tomar a liderança na promoção de parceria com os pais, através tanto

de declarações políticas quanto legais no que concerne aos direitos paternos. O

desenvolvimento de associações de pais deveria ser promovida e seus representante

envolvidos no delineamento e implementação de programas que visem o aprimoramento da

educação de seus filhos. Organizações de pessoas portadoras de deficiências também

deveriam ser consultadas no que diz respeito ao delineamento e implementação de programas.

Envolvimento da Comunidade

61. A descentralização e o planejamento local favorecem um maior envolvimento de

comunidades na educação e treinamento de pessoas com necessidades educacionais especiais.

Administradores locais deveriam encorajar a participação da comunidade através da garantia

de apoio às associações representativas e convidando-as a tomarem parte no processo de

tomada de decisões. Com este objetivo em vista, mobilizando e monitorando mecanismos

formados pela administração civil local, pelas autoridades de desenvolvimento educacional e

de saúde, líderes comunitários e organizações voluntárias deveriam estar estabelecidos em

áreas geográficas suficientemente pequenas para assegurar uma participação comunitária

significativa.

62. O envolvimento comunitário deveria ser buscado no sentido de suplementar atividades na

escola, de prover auxílio na concretização de deveres de casa e de compensar a falta de apoio

familiar. Neste sentido, o papel das associações de bairro deveria ser mencionado no sentido

de que tais forneçam espaços disponíveis, como também o papel das associações de famílias,

de clubes e movimentos de jovens, e o papel potencial das pessoas idosas e outros voluntários

incluindo pessoas portadoras de deficiências em programas tanto dentro como fora da escola.

63. Sempre que ação de reabilitação comunitária seja provida por iniciativa externa, cabe à

comunidade decidir se o programa se tornará parte das atividades de desenvolvimento da

comunidade. Aos vários parceiros na comunidade, incluindo organizações de pessoas

portadoras de deficiência e outras organizações não-governamentais deveria ser dada a devida

autonomia para se tornarem responsáveis pelo programa. Sempre que apropriado, agências

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governamentais em níveis nacional e local também deveriam prestar apoio. O Papel das

Organizações Voluntárias

64. Uma vez que organizações voluntárias e não-governamentais possuem maior liberdade

para agir e podem responder mais prontamente às necessidades expressas, elas deveriam ser

apoiadas no desenvolvimento de novas idéias e no trabalho pioneiro de inovação de métodos

de entrega de serviços. Tais organizações podem desempenhar o papel fundamental de

inovadores e catalizadores e expandir a variedade de programas disponíveis à comunidade.

65. Organizações de pessoas portadoras de deficiências - ou seja, aquelas que possuam

influência decisiva deveriam ser convidadas a tomar parte ativa na identificação de

necessidades, expressando sua opinião a respeito de prioridades, administrando serviços,

avaliando desempenho e defendendo mudanças.

Conscientização Pública

66. Políticos em todos os níveis, incluindo o nível da escola, deveriam regularmente reafirmar

seu compromisso para com a inclusão e promover atitudes positivas entre as crianças,

professores e público em geral, no que diz respeito aos que possuem necessidades

educacionais especiais. •

67. A mídia possui um papel fundamental na promoção de atitudes positivas frente a

integração de pessoas portadoras de deficiência na sociedade. Superando preconceitos e má

informação, e difundindo um maior otimismo e imaginação sobre as capacidades das pessoas

portadoras de deficiência. A mídia também pode promover atitudes positivas em

empregadores com relação ao emprego de pessoas portadoras de deficiência. A mídia deveria

acostumar-se a informar o público a respeito de novas abordagens em educação,

particularmente no que diz respeito à provisão em educação especial nas escolas regulares,

através da popularização de exemplos de boa prática e experiências bem-sucedidas.

G. REQUERIMENTOS RELATIVOS A RECURSOS •

68. O desenvolvimento de escolas inclusivas como o modo mais efetivo de atingir a educação

para todos deve ser reconhecido como uma política governamental chave e dado o devido

privilégio na pauta de desenvolvimento da nação. É somente desta maneira que os recursos

adequados podem ser obtidos. Mudanças nas políticas e prioridades podem acabar sendo

inefetivas a menos que um mínimo de recursos requeridos seja providenciado. O

compromisso político é necessário, tanto a nível nacional como comunitário. Para que se

obtenha recursos adicionais e para que se re-empregue os recursos já existentes. Ao mesmo

tempo em que as comunidades devem desempenhar o papel- chave de desenvolver escolas

inclusivas, apoio e encorajamento aos governos também são essenciais ao desenvolvimento

efetivo de soluções viáveis. •

69.A distribuição de recursos às escolas deveria realisticamente levar em consideração as

diferenças em gastos no sentido de se prover educação apropriada para todas as crianças que

possuem habilidades diferentes. Um começo realista poderia ser o de apoiar aquelas escolas

que desejam promover uma educação inclusiva e o lançamento de projetos-piloto em algumas

áreas com vistas a adquirir o conhecimento necessário para a expansão e generalização

progressivas. No processo de generalização da educação inclusiva, o nível de suporte e de

especialização deverá corresponder à natureza da demanda. •

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70. Recursos também devem ser alocados no sentido de apoiar serviços de treinamento de

professores regulares de provisão de centros de recursos, de professores especiais ou

professores-recursos. Ajuda técnica apropriada para assegurar a operação bem-sucedida de

um sistema educacional integrador, também deve ser providenciada. Abordagens integradoras

deveriam, portanto, estar ligadas ao desenvolvimento de serviços de apoio em níveis nacional

e local.

71. Um modo efetivo de maximizar o impacto refere-se a união de recursos humanos

institucionais, logísticos, materiais e financeiros dos vários departamentos ministeriais

(Educação, Saúde, Bem-Estar-Social, Trabalho, Juventude, etc.), das autoridades locais e

territoriais e de outras instituições especializadas. A combinação de uma abordagem tanto

social quanto educacional no que se refere à educação especial requererá estruturas de

gerenciamento efetivas que capacitem os vários serviços a cooperar tanto em nível local

quanto em nível nacional e que permitam que autoridades públicas e corporações juntem

esforços.

III. ORIENTAÇÕES PARA AÇÕES EM NÍVEIS REGIONAIS E INTERNACIONAIS

72. Cooperação internacional entre organizações governamentais e não governamentais,

regionais e inter-regionais, podem ter um papel muito importante no apoio ao movimento

frente a escolas inclusivas. Com base em experiências anteriores nesta área, organizações

internacionais, inter-governamentais e não governamentais, bem como agências doadoras

bilaterais, poderiam considerar a união de seus esforços na implementação das seguintes

abordagens estratégicas.

73. Assistência técnica deveria ser direcionada a áreas estratégicas de intervenção com um

efeito multiplicador, especialmente em países em desenvolvimento. Uma tarefa importante

para a cooperação internacional reside no apoio no lançamento de projetos-piloto que

objetivem testar abordagens e originar capacitação.

74. A organização de parcerias regionais ou de parcerias entre países com abordagens

semelhantes no tocante à educação especial poderia resultar no planejamento de atividades

conjuntas sob os auspícios de mecanismos de cooperação regional ou sub-regional. Tais

atividades deveriam ser delineadas com vistas a levar vantagens sobre as economias da escala,

a basear-se na experiência de países participantes, e a aprimorar o desenvolvimento das

capacidades nacionais.

75. Uma missão prioritária das organizações internacionais e facilitação do intercâmbio de

dados e a informação e resultados de programas-piloto em educação especial entre países e

regiões. O colecionamento de indicadores de progresso que sejam comparáveis a respeito de

educação inclusiva e de emprego deveria se tornar parte de um banco mundial de dados sobre

educação. Pontos de enfoque podem ser estabelecidos em centros sub-regionais para que se

facilite o intercâmbio de informações. As estruturas existentes em nível regional e

internacional deveriam ser fortalecidas e suas atividades estendidas a campos tais como

política, programação, treinamento de pessoal e avaliação.

76. Uma alta percentagem de deficiência constitui resultado direto da falta de informação,

pobreza e baixos padrões de saúde. À medida que o prevalecimento de deficiências em termos

do mundo em geral aumenta em número, particularmente nos países em desenvolvimento,

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deveria haver uma ação conjunta internacional em estreita colaboração com esforços

nacionais, no sentido de se prevenir as causas de deficiências através da educação a qual, por,

sua vez, reduziria a incidência e o prevalecimento de deficiências, portanto, reduzindo ainda

mais as demandas sobre os limitados recursos humanos e financeiros de dados países.

77. Assistências técnica e internacional à educação especial derivam-se de variadas fontes.

Portanto, torna-se essencial que se garanta coerência e complementaridade entre organizações

do sistema das Nações Unidas e outras agências que prestam assistência nesta área.

78. Cooperação internacional deveria fornecer apoio a seminários de treinamento avançado

para administradores e outros especialistas em nível regional e reforçar a cooperação entre

universidades e instituições de treinamento em países diferentes para a condução de estudos

comparativos bem como para a publicação de referências documentárias e de materiais

instrutivos.

79. A Cooperação internacional deveria auxiliar no desenvolvimento de associações

regionais e internacionais de profissionais envolvidos com o aperfeiçoamento da educação

especial e deveria apoiar a criação e disseminação de folhetins e publicações, bem como a

organização de conferências e encontros regionais.

80. Encontros regionais e internacionais englobando questões relativas à educação deveriam

garantir que necessidades educacionais especiais fossem incluídas como parte integrante do

debate, e não somente como uma questão em separado. Como modo de exemplo concreto, a

questão da educação especial deveria fazer parte da pauta de conferência ministeriais

regionais organizadas pela UNESCO e por outras agências inter-governamentais.

81. Cooperação internacional técnica e agências de financiamento envolvidas em iniciativas

de apoio e desenvolvimento da Educação para Todos deveriam assegurar que a educação

especial seja uma parte integrante de todos os projetos em desenvolvimento.

82. Coordenação internacional deveria existir no sentido de apoiar especificações de

acessibilidade universal da tecnologia da comunicação subjacente à estrutura emergente da

informação.

83. Esta Estrutura de Ação foi aprovada por aclamação após discussão e emenda na sessão

Plenária da Conferência de 10 de junho de 1994. Ela tem o objetivo de guiar os Estados

Membros e organizações governamentais e não-governamentais na implementação da

Declaração de Salamanca sobre Princípios , Política e Prática em Educação Especial.

Procedimentos-Padrões das Nações Unidas para a Equalização de Oportunidades para Pessoas

Portadoras de Deficiências, A/RES/48/96, Resolução das Nações Unidas adotada em

Assembléia Geral.