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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES
CURSO DE DESIGN
CADA UM E TODOS NÓS
Abordagem do consumo colaborativo no ambiente escolar
através da metodologia HCD
TAYNARA DE MENDONÇA GONÇALVES
Natal, RN
2015
TAYNARA DE MENDONÇA GONÇALVES
CADA UM E TODOS NÓS
Abordagem do consumo colaborativo no ambiente escolar através da
metodologia HCD
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Designer pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
ORIENTADORA: Prof. Ba. Lorena Torres
Natal, RN
TAYNARA DE MENDONÇA GONÇALVES
CADA UM E TODOS NÓS
Abordagem do consumo colaborativo no ambiente escolar através da metodologia HCD
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para
obtenção do título de Bacharel em Designer pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte.
ORIENTADORA: Prof. Ba. Lorena Gomes Torres Oliveira
Aprovado em: ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Prof. Ba. Lorena Gomes Torres Oliveira
Orientadora
Universidade do Rio Grande do Norte
________________________________________________________
Prof. PhD. Olavo Fontes Magalhães Bessa
Membro
Universidade do Rio Grande do Norte
________________________________________________________
Prof. MSc. Juliana Donato Cantalice
Membro
Universidade do Rio Grande do Norte
NATAL, 2015
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus sobre todas as coisas.
Agradeço a meu pai pelo incentivo constante e por ter me ensinado que ter vontade de
aprender nunca é demais.
À minha mãe por toda a compreensão e paciência, especialmente nos momentos
estressantes ao longo deste caminho.
Ao meu amado Yago, pela paciência de ter me ouvido falar constantemente desse
trabalho. Todos os dias. O tempo todo! Pela motivação constante, pelo carinho infinito e
claro, por ter me ajudado a cortar, furar e costurar 54 sketchbooks sem reclamar.
A Lorena pela generosidade e por ser uma orientadora fantástica, cujo amor e a
dedicação ao design é uma inspiração constante.
À Escola Freinet, pela carta branca que deram para a realização deste trabalho.
Agradeço especialmente a Rui e a Haylla pela generosidade e amizade.
A Diogo, pelo companheirismo de Freinet, trabalhos, e yoga.
A Elisa e Mateus, por serem uma constante fonte de inspiração.
A Heitor, pela crença inabalável de que cada um de nós pode mudar o mundo.
A Bárbara e Luíza pelos almoços de uma tarde inteira que mantinham a minha sanidade.
A Rafael por sempre ter acreditado em mim, mesmo quando eu mesma não o fazia.
À Rita e Amanda por simplesmente serem as pessoas incríveis que são.
À Ana Luiza, Brunna, Babi, Ana Casquin, por estarem comigo desde o começo.
Agradeço a todos os amigos, familiares e professores que de alguma forma fizeram
parte de tudo isso. Nada disso seria possível sem a ajuda imensurável de tantas pessoas,
afinal, uma andorinha só não faz verão!
Forse non farò cose importanti, ma la storia è fatta di
piccoli gesti anonimi, forse domani morirò, magari prima
di quel tedesco, ma tutte le cose che farò prima di morire e
la mia morte stessa saranno pezzetti di storia, e tutti i
pensieri che sto facendo adesso influiscono sulla mia
storia di domani, sulla storia di domani del genere umano.
Italo Calvino
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Porcentagem da população urbana brasileira em relação à rural. .................. 24
Figura 2 - Setores de maior emissão de CO2 ................................................................. 25
Figura 3 - Ciclo de vida de uma embalagem sustentável ............................................... 26
Figura 4 - Condições essenciais para que a sociedade assimile estilos de vida
sustentáveis. .................................................................................................................... 29
Figura 5 - Círculo vicioo da confiança. .......................................................................... 34
Figura 6 - Estilo de vida individualista x Estilo de vida colaborativo. ........................... 36
Figura 7 - Solução de Serviço Tradicional. .................................................................... 39
Figura 8 – Solução de Comunidade Criativa. ................................................................. 39
Figura 9 - As três lentes do HCD. .................................................................................. 50
Figura 10 - Gráfico representativo do processo do HCD. .............................................. 51
Figura 11 - Os 5 PORQUÊS exemplificados ................................................................. 53
Figura 12 - Fachada da escola Freinet Natal .................................................................. 55
Figura 13 - Pátio da Escola Freinet Natal antes do intervalo. ........................................ 56
Figura 14 – Encontro do Meio Ambiente. ...................................................................... 57
Figura 15 – Alunos se agrupando para o Encontro do Meio Ambiente ......................... 58
Figura 16 – Kit entregue às crianças para a produção dos desenhos .............................. 61
Figura 17 – Página inicial do site Joanninha. ................................................................. 62
Figura 18 – Resumo do funcionamento do serviço Joanninha. ...................................... 62
Figura 19 – Página Incial do Site Retroca ...................................................................... 63
Figura 20 – Esquema explicativo do funcionamento do serviço. ................................... 64
Figura 21 – Página Inicial do Social Funding ................................................................ 65
Figura 22 – Alguns dos diários prontos empilhados.. .................................................... 67
Figura 23 – Página de identificação do diário.. .............................................................. 67
Figura 24 – Interior do diário. ........................................................................................ 68
Figura 25: Comunicado de divulgação da Feira da Troca. ............................................. 70
Figura 26 – Questionário de satisfação aplicado com as crianças. ................................. 71
Figura 27 – Convite para a 2° Feira da Troca de Brinquedos. ....................................... 73
Figura 28 – Parede transformada em quadro negro em intervenção no Restaurante
Universitário da UFRN. .................................................................................................. 74
Figura 29 – Painel de PVC após ser fixado na área comum da escola. .......................... 75
Figura 30 – Painel já com a pergunta e os pilotos disponíveis para uso. ....................... 75
Figura 31 – Desenho de uma aluna que disse não utilizar muito sua casa de bonecas. . 78
Figura 32 – Desenho de um aluno que afirmou que sua família quase não usa um dos
carros .............................................................................................................................. 79
Figura 33 – Desenho escaneado era parte da produção da atividade. ............................ 80
Figura 34 – Esquema dos 5 Porquês compilando as respostas mais comuns. ................ 85
Figura 35 – Crianças se divertindo após o Evento-Protótipo. ........................................ 86
Figura 36 – Infográfico com o resultado das entrevistas com as crianças. .................... 88
Figura 37 – Infográfico com os resultados das entrevistas com os pais. ........................ 89
Figura 38 – Crianças se reunindo para iniciar a Feira da Troca. .................................... 91
Figura 39 – Aluna após a Feira da Troca com seu brinquedo novo. .............................. 92
Figura 40 – Aluna preenchendo o painel no segundo dia............................................... 93
Figura 41 – Alunos preenchendo o painel no segundo dia da experiência. .................... 94
Figura 42 – Algumas respostas. ...................................................................................... 94
Figura 43 – último registro antes da retirada do painel. ................................................. 95
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Comparação: Venda tradicional x PSS ........................................................ 31
Quadro 2 – Categorias de PSS ........................................................................................ 32
Quadro 3 – Tabela de classificação para comunidades criativas............................... .... 42
Quadro 4 – classificação das brincadeiras entre individuais e em grupo ....................... 83
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13
1.1. OBJETIVO ...................................................................................................... 14
1.1.1. Objetivos específicos ...................................................................................... 15
1.2. LIMITES DA PESQUISA ............................................................................... 15
1.3. ESTRUTURA DO TRABALHO .................................................................... 16
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................... 17
2.1. CONSUMO E CULTURA MATERIAL ........................................................ 17
2.2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ..................................................... 20
2.2.1. O Novo Papel do Design .................................................................................... 22
2.2.2. O dano causado por um sistema falido ............................................................ 23
2.2.3. Inovações de Sistemas ....................................................................................... 27
2.2.4. Sistema Produto-Serviço (PSS) - Um novo eixo para o Design ..................... 29
2.3. CONSUMO COLABORATIVO ..................................................................... 33
2.4. INOVAÇÃO SOCIAL ..................................................................................... 36
2.4.1. Comunidades Criativas ..................................................................................... 39
2.6. A CRIANÇA, O BRINQUEDO E O DESIGN ............................................... 46
2.7. HUMAN CENTERED DESIGN ..................................................................... 49
3. OBJETO DE ESTUDO ..................................................................................................... 54
3.1. ESCOLA FREINET ........................................................................................ 55
4. METODOLOGIA ............................................................................................................. 59
4.1. OUVIR (H) ...................................................................................................... 59
4.1.1. Definir um desafio estratégico .......................................................................... 59
4.1.2. Procurando inspiração em outros lugares ...................................................... 61
4.1.3. Escolher métodos de pesquisa .......................................................................... 65
4.2. CRIAR (C) ....................................................................................................... 68
4.2.1. Identificar Padrões ............................................................................................ 68
4.2.2. Transformar Ideias em Realidade ................................................................... 69
4.2.3. Coletar feedbacks .............................................................................................. 70
4.3. IMPLEMENTAR (D) ...................................................................................... 72
4.3.1. Desenvolver a receita de um modelo sustentável ............................................ 72
4.3.2. Plano de aprendizagem ..................................................................................... 73
4.3.3. Analisar os resultados ....................................................................................... 76
5. ANÁLISE ........................................................................................................................... 77
5.1. OUVIR (H) ...................................................................................................... 78
5.1.1. Definir desafio estratégico ................................................................................ 78
5.1.2. Procurando inspiração em outros lugares ...................................................... 81
5.1.3. A escolha de métodos de pesquisa .................................................................... 82
5.2. CRIAR ............................................................................................................. 84
5.2.1. Os 5 porquês ...................................................................................................... 84
5.2.3. Coletar feedbacks .............................................................................................. 87
5.3. IMPLEMENTAR (D) ...................................................................................... 90
5.3.1. Feira da Troca de Brinquedos .......................................................................... 90
5.3.2. Plano de aprendizagem ..................................................................................... 92
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 97
6.1. DIRETRIZES PROJETUAIS .......................................................................... 98
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 99
ANEXO 01 – INFORMATIVO SOBRE CONSUMO COLABORATIVO ENTREGUE NA
ESCOLA FREINET ................................................................................................................ 106
ANEXO 02 – CARTILHA INFORMATIVA SOBRE CONSUMO COLABORATIVO . 107
RESUMO
MENDONÇA, Taynara. CADA UM E TODOS NÓS: Abordagem do consumo
colaborativo no ambiente escolar através da metodologia HCD. Monografia
(Bacharelado em Design) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.
Viver em uma sociedade baseada no consumo está colocando o planeta numa posição
cada vez mais delicada no que se refere aos recursos naturais e o equilíbrio ecológico.
Neste trabalho o design entra como agente inovador para buscar alternativas mais
sustentáveis através do Consumo Colaborativo. Este tipo de Inovação Social tem como
objetivo uma diminuição efetiva do impacto ambiental causado pelo consumismo,
alterando a lógica da posse e substituindo pelo direito do uso. Dentro do contexto da
Escola Freinet, o trabalho consiste na elaboração de uma ação colaborativa e,
consequentemente, uma mudança nos hábitos de consumo nos alunos do Ensino
Fundamental I. Para tanto, foi utilizada a metodologia do Human Centered Design
(HCD) que coloca o usuário como centro do desenvolvimento do projeto. A partir das
etapas Ouvir, Criar e Implementar, chegou-se ao resultado da Feira da Troca de
Brinquedos, onde as crianças aprenderam de maneira lúdica que um brinquedo não
precisa ser novo para propiciar momentos de diversão. Sendo assim, neste trabalho, o
design é visto como uma disciplina integradora que ganha forma à medida que funciona
como um catalisador para a inovação.
Palavras-chave: Escola Freinet; Consumo colaborativo; Inovação Social; Human
Centered Design.
ABSTRACT
Living in a society based on consumption is putting the planet in an increasingly
difficult position in relation to natural resources and the ecological balance. In this paper
the design comes as innovative agent to seek more sustainable alternatives through the
Collaborative Consumption. This type of social innovation aims at an effective decrease
of the environmental impact caused by consumerism, changing the logic of possession
and substituting the right to use. Within the context of Escola Freinet, the paper is the
development of a collaborative action and hence a change in consumption habits in the
elementary school students. Therefore, we used the methodology of the Human
Centered Design (HCD) which, as the name suggests, puts the user at the center of
project development. From the steps Hear, Create and Deliver, came to the result of the
Toy Exchange, where kids learn in a playful way that a toy does not need to be brand
new to provide fun. Thus, in this paper, the design is seen as an integrative discipline
that takes shape as it acts as a catalyst for innovation.
Key words: Escola Freinet; collaborative consumption; social innovation; human
centered design.
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1. INTRODUÇÃO
Estamos vivendo em um sistema decadente. O planeta está nos seus limites em
relação aos recursos naturais e nós ainda nos comportamos como se eles fossem
infinitos. No geral, a sociedade ocidental ainda é baseada no consumo, associamos a
aquisição de bens à qualidade e vida, como se a posse nos garantisse o bem-estar.
Em contrapartida, temos também uma série de pequenas transformações ocorrendo
em todo o mundo. São soluções espontâneas, criadas por pessoas comuns que se
organizam coletivamente com o propósito comum de solucionar algum problema. Essa
série de mudanças locais pode não parecer muito, mas tem condições de trazer o
impacto necessário para uma mudança global. Essas iniciativas são chamadas Inovações
Sociais.
Partindo dessa recente lógica de rompimento com o sistema vigente, temos ainda o
Consumo Colaborativo, um tipo de inovação social muito específico que altera o
paradigma da necessidade de ter tudo. Ele altera a perspectiva de “possuir” para
“acessar”, uma vez que substitui a posse exclusiva pelo compartilhamento.
A vontade antiga de realizar um projeto cujo impacto causaria uma intervenção real
na vida das pessoas constituiu a primeira motivação deste projeto. Apesar dos vários
trabalhos acadêmicos, nunca houve a oportunidade de não apenas incluir as pessoas
durante o processo, como de fato gerar uma mudança positiva na vida delas. Em função
desse desejo de incluir as pessoas no projeto, foi utilizada a metodologia do Human
Centered Design, ou simplesmente HCD, sigla que será utilizada ao longo do presente
trabalho. O HCD preza por colocar o ser humano no centro do processo do design e não
apenas colocado para testar uma solução.
Somado a isso, durante o período de intercâmbio pelo programa Ciência sem
Fronteiras houve a oportunidade de fazer um projeto para o público infantil. A
experiência foi extremamente proveitosa, mas sempre houve certo ressentimento de,
pelos motivos mais diversos, não ter tido o contato com crianças durante o processo do
desenvolvimento daquele projeto.
Complementarmente, outra parte da motivação veio do entendimento de que o
designer possui um papel social importante e pouco explorado. Passamos do tempo em
14
que nossa obrigação era apenas criar um produto ergonômico e funcional ou um projeto
gráfico legível e esteticamente agradável. Nosso dever pode ser este, mas pode ser
também muitos outros mais.
O design está inserido no mundo complexo, e com isso, nós temos questões
complexas e não necessariamente tangíveis para resolver. Reinventar a maneira como se
consome, diminuindo o acúmulo e descarte de produtos é também tarefa dos designers,
mesmo que para isso, nenhum produto sequer seja projetado. Neste trabalho, procuro
fazer jus a meu papel social, enquanto profissional, enquanto cidadã. Dele pouca coisa
tangível foi resultada, mas a transformação, sem dúvidas é bastante real.
Os sistemas complexos são moldados por todas as pessoas que os utilizam,
conforme afirma Thackara (2008), que ainda completa que nessa nova era de inovação
colaborativa, os designers estão tendo de evoluir de autores individuais de objetos, ou
construções, para facilitadores da mudança entre grande grupo de pessoas.
Por ser multidisciplinar, o design se encaixa nesse contexto como uma ferramenta
de transformação social. Para Margolin (2006) face à crescente complexidade, os
designers tem que pensar mais profundamente sobre o que desejam para futuro e qual o
seu papel na construção do mesmo no presente.
De tal maneira, o presente trabalho busca incentivar o consumo colaborativo no
contexto local da Escola Freinet, localizada na cidade do Natal no Rio Grande do Norte,
por meio de ações de design. Uma vez implementado, é possível fazer o projeto crescer
e se aprimorar a fim de que se torne não apenas um trabalho acadêmico, mas sim uma
nova cultura de hábitos de consumo no contexto da escola, que levará para toda uma
nova geração de cidadãos uma alternativa aos hábitos consumistas que podem levar à
exaustão de recursos naturais
1.1.OBJETIVO
O estudo tem como objetivo principal promover uma mudança de hábitos dos
alunos do Ensino Fundamental I da Escola Freinet, abordando o consumo colaborativo
como prática para um estilo de vida mais sustentável através de ferramentas
metodológicas baseadas no Human Centered Design.
15
1.1.1. Objetivos específicos
a) Compreender o funcionamento de uma comunidade criativa através dos
estudos de caso e da Escola Freinet;
b) Introduzir o conceito de sustentabilidade através do consumo colaborativo;
c) Identificar demandas de objetos a serem trocados;
d) Promover a participação dos alunos no processo projetual;
e) Incentivar o compartilhamento de objetos entre os alunos;
f) Incentivar também a participação da família dos alunos das ações
colaborativas que serão criadas.
1.2. LIMITES DA PESQUISA
O recorte específico do estudo são cinquenta e quatro crianças entre seis e onze anos
de idade que frequentam regularmente o Ensino Fundamental I (do 1° ao 5°ano) da
Escola Freinet. A escola está localizada na cidade do Natal no estado do Rio Grande do
Norte. Para que não houvesse muita interferência no currículo acadêmico já definido
para os alunos, a escola delimitou as atividades a uma vez por semana, entre vinte e
trinta minutos por turma, podendo haver mais tempo caso o professor ou a professora
responsável os liberasse.
Inicialmente foi proposto à escola que o projeto fosse realizado dentro das já
existentes oficinas de design, cujo recorte é o Ensino Fundamental II (6°ao 9°ano).
Todavia, foi informado pela direção que as oficinas já estavam trabalhando na
cenografia de uma peça de teatro realizada pelos alunos que seria apresentada no final
do corrente ano. Sendo assim, foi preferível alterar o recorte para o Ensino Fundamental
I, que teria maior disponibilidade para o estudo.
O projeto em questão pretende analisar como o design pode promover uma mudança
de hábitos em prol da sustentabilidade a partir do consumo colaborativo, em escala
micro e factível (as crianças do Ensino Fundamental I da Escola Freinet), mas com
aplicação possível também em escalas maiores. Ou seja, essa proposta irá refletir,
analisar e prototipar uma ação colaborativa dentro da Escola Freinet, a fim de propagar
a inovação social, mais especificamente o consumo colaborativo, entre os alunos,
professores e pais das crianças participantes.
16
1.3.ESTRUTURA DO TRABALHO
Para uma melhor compreensão da maneira como o trabalho foi estruturado, temos
uma breve apresentação sobre o que será tratado nos capítulos. Retomando todo o
percurso para a execução deste projeto, iniciamos pelo que foi explorado na
fundamentação teórica. Abrimos o trabalho introduzindo o conceito de consumo para as
ciências sociais e como o seu caráter ambíguo contribui para que ele não seja estudado
com mais profundidade nesta área. Após essa reflexão, seguimos introduzindo o
conceito de desenvolvimento sustentável, abordando ainda o novo contexto em que o
designer está inserido, os danos causados pelo sistema vigente de consumo e
introduzindo o conceito de inovações de sistemas, mais especificamente para abordar o
sistema produto-serviço e como ele se encaixa neste trabalho.
A seguir conceitua-se o consumo colaborativo e argumenta-se sobre sua
importância e como esse conceito pode fazer a diferença em escala global. Seguido pela
inovação social, este tópico reflete sobre como essas mudanças de caráter local e
espontâneas podem contribuir para a transformação social. Dentro deste mesmo tópico
iniciamos a fala sobre as comunidades criativas e fazemos um gancho sobre como a
escola pode ser uma importante aliada e, porque não, protagonista dessas iniciativas de
cunho sustentável. Falaremos ainda sobre a importância das novas gerações neste
processo. Sobre as novas gerações, mais especificamente, as crianças, abordamos a
importância do brinquedo para o desenvolvimento infantil. Seguindo todas essas falas,
finalizamos conceituando a metodologia HCD.
Já no capítulo seguinte, temos a contextualização do objeto de estudo, onde a fala
aborda a Escola Freinet e conta um pouco de suas características e história. Partindo
disso, o capítulo quatro aborda toda a metodologia, explicando todo o processo
elaborado para o presente trabalho. No capítulo cinco, analisamos os resultados
oriundos das etapas metodológicas aplicadas. Por fim temos as considerações finais
sobre o projeto e as diretrizes, que encaminham este trabalho para possíveis novos
desdobramentos.
17
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo será abordada toda a pesquisa na qual este trabalho foi baseado.
Inicialmente será feita uma reflexão sobre o a forma como o consumo é tratado dentro
dos estudos acadêmicos e a importância da cultura material. Após essa reflexão,
abordaremos o desenvolvimento sustentável, onde será discutido o dano causado ao
planeta, possíveis soluções e onde o design se insere nesse contexto. Neste mesmo
tópico, abordaremos também a introdução do conceito de sistema de produto-serviço, o
PSS. Após esse tópico, será dado o espaço para a conceituação do Consumo
Colaborativo e porque esta prática pode ser a peça-chave para uma mudança para um
estilo de vida sustentável.
Ainda será abordado o tema da inovação social, que não será apenas conceituado,
mas também servirá de base para o conceito de comunidade criativa, contexto onde esse
trabalho se insere. A partir desse ponto será iniciada uma reflexão sobre a escola
enquanto comunidade criativa e a importância das novas gerações na difusão de estilos
de vida mais sustentáveis. Finalizamos o capítulo com uma análise da importância do
brinquedo para a criança e o que isso tem a ver com o design.
2.1.CONSUMO E CULTURA MATERIAL
Durante muito tempo, os cientistas sociais relegaram o consumo ao
esquecimento em seus estudos, mesmo que esse aspecto estivesse intrínseco nas
relações pessoais e econômicas desde a Revolução industrial. Para Barbosa e Campbell
(2013) a definição ambivalente de consumo segundo teria contribuído com esse
esquecimento. Clarke, Marcus e Housiaux (2003) comentam esses significados
múltiplos de consumo.
Paradoxalmente, consumo significa tanto “destruir” (no sentido de
usar até acabar ou esgotar) quanto criar (na acepção de, fazer uso de,
usufruir) [...] Os dois lados da natureza ambivalente do consumo
parecem caminhar juntos quando agimos como consumidores. Daí a
razão pela qual tantas pessoas querem consumir tanto. Entretanto, essa
ambivalência causa todos os tipos de problemas teóricos e
dificuldades conceituais naquilo que hoje se chama de “estudo de
consumo”. (CLARKE, MARCUS e HOUSIAUX, 2003)
Segundo Barbosa e Campbell (2013), em razão desse caráter ambivalente, o
consumo passou a ser tratado como um tema de complexidade que engloba várias
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atividades. Não se trata mais de considerar apenas produtos e mercadorias como formas
de consumo. Há também todos os outros tipos de bens e serviços, mesmo aqueles de
caráter coletivo, que normalmente não são pensados dessa forma, são sim uma relação
de consumo.
Já para Douglas e Isherwood (2004), o desprezo pelo estudo do consumo tem
um viés mais moralista, proveniente do hábito de classificar as necessidades mais ou
menos importantes, sem antes uma avaliação imparcial.
De um lado está higiênica ou materialista; do outro a teoria das
necessidades por inveja. De acordo com a primeira, nossas
necessidades reais, as mais básicas e universais, são nossas
necessidades físicas, as que temos em comum com o gado [...] e eles
[os economistas] reconhecem dois tipos de necessidades - as
espirituais e as físicas -, mas dão prioridade às físicas. Conferem a elas
dignidade de necessidade enquanto degradam todas as outras
demandas à classe de carências artificiais, falsas, luxuosas e até
mesmo imorais. (DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004)
De tal maneira, o consumo possui um histórico de análises sempre associado ao
individualismo e à futilidade. Esse repúdio moral ao consumo demonstra uma tendência
que temos em acreditar que as relações humanas no sentido social se dão por si sós.
Como se os artefatos não exercessem qualquer função além do uso.
Barbosa e Campbell (2013) alertam que não podemos esquecer que dentro do
binarismo classificatório entre “essencial” e “supérfluo”, há a possibilidade de controle
do consumo alheio - sobretudo das classes menos favorecidas - impondo um padrão de
fechado, dizendo o que se deve ou não consumir. Para os autores, a relação do uso do
artefato como mediação social, a forma de aquisição e a ressignificação dos artefatos
pelas classes menos favorecidas, foram completamente ignoradas por muitos anos, pois
estas, não eram consideradas (tanto pela academia quanto pelo mercado) consumidoras.
Desta forma, podemos dizer que as relações de consumo são muito maiores e
mais complexas do que a simples relação de compra e uso o artefato. Para Douglas e
Isherwood (2004), não há como separar essas relações, uma vez que os artefatos são
usados também como intermediários de relações interpessoais.
Tire-os [os bens de consumo] da interação humana, e você desmantela
tudo. Ao serem oferecidos, aceitos ou rejeitados, eles reforçam ou
solapam as fronteiras existentes. Os bens são tanto o hardware quanto
o software, por assim dizer, de um sistema de informação cuja
principal preocupação é monitorar seu próprio desempenho.
(DOUGLAS E ISHERWOOD, 2004)
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Os artefatos estão impregnados de significados. Segundo Cardoso (2013), eles
são analisados mais comumente por sua função. No entanto, um objeto pode ser
extremamente útil, ser de um material raro, uma herança de família, mas terá vínculo
emocional com algumas pessoas e não com outras.
Existem muitas funções possíveis para um artefato, mas para Cresto (2013), o
que o tornará biografia, identidade se dá pela relação estabelecida com o objeto e como
esta relação ocorre. Os objetos mediam nossa relação com o mundo e com as outras
pessoas. Dessa forma, imprimimos significados aos objetos que vão muito além de
forma, função, material empregado e valor de mercado.
Douglas e Isherwood (2004) reforçam a ideia argumentando que bens que
servem às necessidades físicas, não possuem mais ou menos significado que música e
poesia, por exemplo. Todos são formas de consumo, seja material ou imaterial. Eles
ainda alertam que todos os bens possuem significados, mas nenhum deles o é por si. Os
significados estão nas relações entre os bens com eles mesmos e com os consumidores.
Os autores supracitados ainda postulam que os bens “marcam”, ou seja, eles
julgam, colocam etiquetas sociais em algo ou alguém. O homem é um ser social,
portanto, cada pessoa é uma fonte e um objeto de julgamentos. Os objetos que
escolhemos são dotados de valor por concordância dos outros consumidores.
De acordo com Barbosa e Campbell (2013), o consumo está intimamente ligado
à cultura. Indivíduos não consomem aleatoriamente. Toda sociedade possui uma lógica
cultural específica e isto deve ser levada em consideração quando se pensa em suas
necessidades básicas. Os autores reforçam que o instinto de sobrevivência é aspecto de
qualquer espécie viva, não sendo exclusividade humana. A questão não é como
sobrevivemos, e sim como escolhemos sobreviver. A distinção entre o essencial e o
supérfluo é tão subjetiva, que a mesma coisa pode ter as duas classificações em
sociedades diferentes.
As formas de consumo também se multiplicaram ao longo das últimas décadas.
Não é mais uma questão de comprar para obter. Pode-se obter o direito de uso sobre um
objeto que o indivíduo não comprou, mas alugou, emprestou, etc. A condição de
compra foi parcialmente substituída pela condição de acesso, que pode ou não se dar da
20
maneira tradicional. Desta maneira, coloca-se o consumo num patamar muito mais
complexo do que a definição trazida pelo senso-comum.
Hoje, o uso legal de uma mercadoria não implica sua aquisição. Pode-
se usar uma coisa sem comprá-la e, mesmo assim, ter direitos sobre
ela, como é o caso do leasing, do aluguel de bens de consumo, entre
outros mecanismos legais e sociais de acesso. Daí se falar não mais
em “venda de produtos”, mas em “venda de acesso” a produtos.
(BARBOSA E CAMPBELL, 2013)
Essa “venda de acesso” pode ser vista em inúmeras ações de inovação social
conforme veremos mais adiante. Ela substitui a necessidade da posse de um objeto
pouco utilizado por um produto cujo potencial é explorado com mais eficiência e por
mais de um usuário. Este tipo de comportamento em relação ao consumo pode ser
considerado também um fator contribuinte para um estilo de vida sustentável. Conforme
veremos adiante, as relações de consumo e a sustentabilidade estão intrinsecamente
interligadas.
2.2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O termo desenvolvimento sustentável é descrito pela primeira vez em 1987, no
Relatório de Brundtland1 a expressão exprime o conceito de uma série de sistemas que
determinam que as atividades humanas não devam interferir nos ciclos naturais com o
intuito de conservar seu capital natural2 para as próximas gerações. Tudo isso levando
em consideração a resiliência, isto é, a capacidade do ecossistema de receber ações
negativas sem causar efeitos irreversíveis ao mesmo.
Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de
transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos
investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a
mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e
futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.
(BRUNDTLAND, 1987)
1 Gro Harlem Brundtland foi ministra do meio ambiente e posteriormente Primeira-Ministra na Noruega.
Seu engajamento ao meio ambiente rendeu-lhe uma comissão na ONU dedicada a estudos ambientais. Os resultados dos estudos da comissão foram base para a criação de um documento intitulado Nosso Futuro Comum (Our Common Future), publicado em 1987 que ficou também conhecido por Relatório de Brundtland. O documento é o primeiro a conceituar o desenvolvimento sustentável. 2 Capital natural é uma metáfora para os recursos naturais, como água, terra e os minerais, quando
vistos como meios de produção. Podem ser renováveis ou não.
21
Em suma, o relatório defende que os sistemas econômicos e sociais não devem
continuar alheios às questões ambientais. De acordo com Mebratu (1998), ao definir
este conceito, o Relatório sublinha a forte ligação entre redução da pobreza, melhoria
ambiental e equidade social com crescimento econômico sustentável.
Segundo Edwards (2013), a ideia de crescimento e de bem-estar social, deve
estar sempre atrelada à preservação dos recursos naturais pelas gerações presentes em
benefício das gerações futuras. Desenvolvimento sustentável é, portanto, uma série de
ações para o bem-estar social, pensadas para manter o equilíbrio dos ecossistemas do
planeta.
Segundo o IISD (International Institute for Sustainable Development), todas as
definições de desenvolvimento sustentável exigem que visualizemos o mundo como um
sistema complexo formado por outros sistemas interligados entre si. Uma vez que
passamos a enxergar o planeta desta forma, percebemos a ligação entre os problemas
ambientais.
O conceito de desenvolvimento sustentável está enraizado neste tipo de
pensamento sistêmico. Ele nos ajuda a entender a nós mesmos e ao
nosso mundo. Os problemas que enfrentamos são complexos e graves e
não podemos tratá-los da mesma forma que os criou. Mas podemos
enfrentá-los. (IISD, 2013)
Ainda segundo o IISD, quando adquirimos essa visão sistêmica, podemos
entender como que a poluição atmosférica da América do Norte afeta a qualidade do ar
na Ásia, e que os pesticidas pulverizados na Argentina poderia prejudicar populações de
peixes ao largo da costa da Austrália.
A WWF (World Wildlife Fund) alerta que para ser alcançado, o
desenvolvimento sustentável depende de planejamento das autoridades e o
reconhecimento de que os recursos naturais são finitos. O conceito de desenvolvimento
sustentável gera uma nova maneira de se desenvolver economicamente, mas desta vez,
levando em conta o meio ambiente. O desenvolvimento sustentável sugere, de fato,
qualidade em vez de quantidade, com a redução do uso de matérias-primas e produtos e
o aumento da reutilização e da reciclagem.
Para Hopwood, Mellor e O'brien (2005), as ideias expressas nesse conceito de
desenvolvimento sustentável reconhecem a dependência dos seres humanos sobre o
meio ambiente para atender às suas necessidades e bem-estar, em um sentido muito
mais amplo do que apenas explorar os recursos, de forma que a ecologia e a economia
estão se tornando cada vez mais entrelaçadas em um contexto tanto local quanto global.
22
Desta forma podemos estabelecer uma conexão entre economia e
sustentabilidade através do desenvolvimento sustentável. Tanto a natureza quanto a
economia são sistemas. Olhar para as duas coisas e interliga-las num sistema complexo
parece ser a maneira mais eficiente de alcançar uma sociedade sustentável. O design,
então, entra no cerne do desenvolvimento sustentável por enxergar essas relações
sistêmicas.
2.2.1. O Novo Papel do Design
O papel do design enquanto profissão se modificou consideravelmente nas
últimas décadas. De acordo com Schneider (2010) não há unicidade na definição do
design, no entanto, seus contextos de aplicação vêm sendo ampliados. No passado o
design se limitava pelas formas, pela função e por objetos tangíveis. Nos dias atuais
temos o design envolvido com as áreas mais diversas, tais como: gestão,
empreendedorismo, serviços, programas de computador, o meio urbano, etc. O autor
ainda sustenta que o design é a capacidade criativa de visualizar os processos de
interação e das mensagens de diferentes atores de maneira sistêmica.
Para Bonsiepe (1997), a conceituação de design sofreu uma sequencia de
transformações até os dias atuais, além das mudanças dos temas centrais do discurso
projetual. O design está em pauta, ou como o autor coloca está “na crista da onda”. Para
o autor, o design hoje é entendido “como fator decisivo nas discussões sobre a
eficiência e competitividade de empresas e economias”.
Em consonância, Margolin (2007) define que historicamente a tarefa do Design
era muito mais simples do que a que encontramos hoje. O que era e o que não era
responsabilidade do design era simples de definir. Atualmente, face à crescente
complexidade, os designers tem que pensar mais profundamente sobre o que desejam
para futuro e qual o seu papel na construção do mesmo no presente.
Bonsiepe (1997) ainda enfatiza que é importante ressaltar a situação
contraditória do design. Enquanto este é quase onipresente em nossas vidas, há um
considerável déficit no que se refere à teoria, que carece de pesquisas aprofundadas. O
autor questiona a possível relação entre a ausência de uma teoria rigorosa do design e
vulnerabilidade do discurso de projeto e propõe uma reinterpretação do design por meio
da abertura de uma nova perspectiva, saindo do referencial de boa forma e de suas
tendências sócio pedagógicas.
23
Thackara (2005), quando se refere à importância do design ligada às mudanças e
comportamentos em sistema inteligíveis, afirma que precisamos de novas formas de
entender a morfologia dos sistemas, ou seja, sua interface, suas dinâmicas, sua
“inteligência”: como eles funcionam, o que os estimula, como e porque eles mudam. Na
concepção de Cardoso (2011), a grande importância do design reside, atualmente,
precisamente em sua capacidade de construir pontes e forjar relações num mundo cada
vez mais esfacelado pela especialização e fragmentação dos saberes.
O design, portanto, está imerso nesse contexto complexo. Neste sentido
podemos aborda-lo em diversas dimensões, sendo a solução de questões
contemporâneas como a transição rumo à sustentabilidade, o viés principal deste
trabalho.
2.2.2. O dano causado por um sistema falido
A sustentabilidade tem estado em pauta com bastante frequência nas últimas
décadas em razão do cada vez mais óbvio, uso indevido de recursos naturais. Uma vez
que esses recursos são finitos, devem ser utilizados com prudência e responsabilidade.
De acordo com Layrargues (2010) o conceito de desenvolvimento ainda é associado por
muitos ao modelo da civilização ocidental industrializada de consumo, que é visto como
único e universal. No entanto o autor alerta para fato de que um quarto de século de
crescimento econômico não bastou para resolver os problemas sociais dos países
ocidentais, portanto, estamos vivendo num sistema falido, tanto no sentido social,
quanto ambiental.
Segundo Manzini e Vezzoli (2011) a sustentabilidade não deve ser encarada
apenas como uma direção a ser seguida, e sim um objetivo a ser alcançado, tanto pela
população enquanto sociedade de consumo quanto dos responsáveis pela produção e
desenvolvimento de produtos e serviços.
Ainda segundo os autores embora estejamos formando consciência dos males
que o consumo desenfreado pode causar ao capital natural, ainda estamos muito aquém
do que deveria ser uma sociedade sustentável. Para tanto, seria necessário consumir uma
quantidade 90% inferior ao consumo praticado atualmente.
Os efeitos deste consumo desenfreado já estão sendo sentidos. Segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o aquecimento global causa a morte de 150 mil
pessoas por ano devido, principalmente, às variações do nível do mar. Edwards (2013)
postula que os danos ambientais serão primeiramente sentidos nas grandes cidades pelo
24
aumento intenso da densidade populacional das mesmas. (Figura 1) Com uma
população urbana cada vez maior, o planeta enfrenta mais problemas, tanto ambientais e
sociais.
Figura 1 - Porcentagem da população urbana brasileira em relação à rural. Fonte: Baseada no senso de
2010. Autora, 2015
Situação também tipicamente urbana é a alta emissão de dióxido de carbono.
Para Edwards (2013) o consumo desenfreado está intimamente ligado aos altos níveis
de CO2.
O estilo de vida é um aspecto fortemente relacionado à emissão de CO2.
Na medida em que o ser humano se torna mais próspero, deseja e
consome mais. O consumo aumenta a utilização de recursos, a geração
de resíduos e, finalmente, a produção de CO2. (EDWARDS, 2013)
As consequências dos altos níveis de emissão de CO2 podem ser vistos por todo
o mundo. Elas vão desde o aumento do nível do mar à escassez de alimentos. Conforme
vemos no gráfico abaixo (Figura 2), a indústria é responsável por boa parte dessa
emissão, juntamente com a agropecuária e o setor energético.
25
Figura 2 - Setores de maior emissão de CO2. Fonte: Instituto socioambiental, 2012/ - Imagem
redesenhada pela autora para melhor resolução da imagem.
No entanto, as emissões de CO2 não são o único fator contribuinte para a
degradação do planeta. A produção em massa também. Segundo Leadbeater (2008), nós
não conseguimos compreender bem o impacto cumulativo do consumo em nível
coletivo. O autor exemplifica: Se todos os um bilhão de computadores pessoais
ficassem desligados por uma noite, a energia economizada seria suficiente para iluminar
o Empire State Building, em Nova York, por dentro e por fora durante trinta anos. Para
Thackara (2008), são essas pequenas ações, que em escala global, acabam causando
esse enorme peso para o planeta.
Hawken, A. Lovins e L. Lovins (1999) realizaram um estudo sobre meio
ambiente e Revolução Industrial e chegaram à conclusão de que nos últimos cinquenta
anos, nós consumimos mais bens e serviços do que todas as gerações anteriores
somadas. Esse número alarmante ressalta a dimensão do dano que estamos causando.
Desta forma, como nós, enquanto designers, podemos fazer para diminuir a
gravidade desde quadro? Thackara (2005) afirma que, em países desenvolvidos, uma
porcentagem significativa, (em torno de 90%) dos materiais e da energia utilizada para o
desenvolvimento de produtos, poderia ser reduzida sem que houvesse qualquer
mudança em termos qualitativos na produção. Por este e por outros aspectos, podemos
afirmar que a sustentabilidade é, portanto, uma questão do design.
26
Uma das formas de levar a sustentabilidade como uma meta de projeto, é a
utilização da análise do Life Cycle Design. Segundo Manzini e Vezzoli (2011), o
designer, enquanto projetista, deve considerar todas as etapas produtivas para o
desenvolvimento de um produto, desde a escolha das matérias primas até o seu descarte.
(Figura 3)
Figura 3 - Ciclo de vida de uma embalagem sustentável. Fonte: Ciclo Vivo
Thackara (2005) comenta a importância de se pensar em todas as etapas de uso
dos artefatos para se chegar a um produto sustentável.
O projeto do ciclo de vida do produto ambientalmente saudável leva em
conta todos os processos que ocorrem em relação ao produto durante o
seu ciclo de vida, a partir de berço ao túmulo, ou ainda melhor, do berço
ao berço. (THACKARA, 2005)
Para Papanek (1971), quando se fala em poluição através do descarte de
produtos, o ciclo é mais complexo do que se pensa usualmente. Fatores como
embalagem e até a poluição causada pelo transporte destes produtos devem ser
considerados.
Trabalhar todo o ciclo de vida do produto, no entanto, não é a única maneira do
designer contribuir para o desenvolvimento sustentável. De fato, caso nossa sociedade
continue associando a aquisição de bens à qualidade de vida, pouco se resolverá. Ao
contrário, se o fator sustentável do produto for utilizado como marketing, é possível que
ocorra o que se Manzini (2008) chama de efeito boomerang.
27
Demo-nos conta de que os produtos, quando se tornam leves, menores,
eficientes e econômicos, tendem a mudar seu status e proliferar,
promovendo formas de consumo mais difusas e aceleradas, sendo
atraídos para dentro dos ciclos da moda (como acontece com os
relógios) ou do mundo instantâneo dos bens descartáveis (como no caso
das câmeras fotográficas). (MANZINI, 2008)
Em outras palavras, o fator sustentável do produto pode se tornar um chamariz
para o aumento da venda do mesmo. Desta forma, mesmo que o impacto ambiental por
unidade do produto seja menor, o alto consumo faz com que se volte ao patamar inicial
de impacto.
Isso não quer dizer, entretanto, que estejamos proibidos de divulgar os
benefícios ambientais do produto, ou de torna-los mais leves e melhores. O efeito
boomerang não é, de forma alguma, culpa do designer. Enquanto for um padrão social
associar aquisição de bens à qualidade de vida, dificilmente alcançaremos o ideal de
sociedade sustentável.
2.2.3. Inovações de Sistemas
Conforme pudemos observar nos dados anteriores, é evidente que necessitamos
de uma mudança radical nos hábitos de produção e consumo para que o planeta não
entre em colapso. Todavia, não haverá qualquer adesão às práticas sustentáveis se as
mesmas causarem uma diminuição no bem-estar social. Desta forma, como podemos
assumir o compromisso de atingir o ideal de sociedade sustentável sem afetar as
condições para o bem-estar social? Vezzoli (2010) defende que se a sustentabilidade for
inteiramente proposta e assumida, haverá várias mudanças para que haja uma
descontinuidade sistêmica do modelo atual. Estilos de vida sustentáveis devem ser
amplamente difundidos para que seja eficaz.
[...] dada a natureza da dimensão desta mudança, transição para a
sustentabilidade (e, mais especificamente, para estilos de vida
sustentáveis) deverá ser compreendida como um processo de
aprendizado social de amplo alcance em que se faz necessária uma
descontinuidade sistêmica – importante para que os desafios da
transição sejam enfrentados com seriedade, e para eu aconteçam as
chamadas inovações de sistemas. (VEZZOLI, 2010)
As mudanças nos hábitos sociais devem preencher o requisito de possuir um modo
de viver com os mesmos valores e critérios de qualidade de vida do passado, mas com
menos produtos (menos automóveis, menos luz, menos produtos descartáveis, etc.).
Neste sentido o papel do design é radicalmente alterado, onde a função deste passará de
criar e desenvolver um produto para o novo paradigma que é oferecer as experiências e
28
os resultados para as pessoas, (FUKUSHIMA, 2009). Alterar os hábitos de consumo, já
culturalmente arraigados socialmente, é desafiador, mas não impossível.
De acordo com Sen (2000), a liberdade de escolha é fundamental para que haja
qualquer avanço ou desenvolvimento, que deve ser orientado para uma melhoria no
bem-estar; liberdade para assegurar que as pessoas são ativas e protagonistas de suas
próprias vidas e não beneficiárias de algum programa social de desenvolvimento.
Segundo Layard (2003), basear o bem-estar no consumo não altera os índices de
felicidade. Em seu estudo sobre a relação entre crescimento de consumo e felicidade, o
economista apurou que, de 1950 até os anos 2000, a renda dos americanos e britânicos
subiu mais que a metade, no entanto, o número daqueles que se consideram “muito
felizes” se manteve percentualmente estável. Estes dados denotam que, ao contrário do
senso-comum, mais bens não significa mais felicidade.
Para Manzini e Vezzoli (2011) uma sociedade sustentável pode ser alcançada uma
vez que se consiga equilibrar dois aspectos: a inovação tecnológica nos meios de
produção e uma mudança considerável nos hábitos de consumo atualmente vigentes. O
primeiro aspecto, conforme já foi comentado, diz respeito ao produto enquanto projeto.
A escolha de materiais, embalagem, a diminuição no uso de recursos energéticos, são,
por exemplo, formas de inovação produtiva. O segundo aspecto possui raízes mais
profundas conforme será explorado no presente trabalho. Eles classificaram três
condições essenciais para que a sociedade assimile estilos de vida sustentáveis:
1. Que os indivíduos (e as comunidades) tenham informações ambientais corretos;
2. Que aos indivíduos (e às comunidades) sejam oferecidas alternativas sistêmicas
socialmente aceitáveis e favoráveis ao ambiente;
3. Que se desenvolva uma cultura adequada para interpretar corretamente as
informações ambientais e reconhecer o valor das alternativas propostas.
Em outras palavras, para que as posturas adotadas pela população em prol da
sustentabilidade num sentido de mudança de hábitos, elas devem passar pelo processo
citado acima. As pessoas devem obter informação sobre os problemas ambientais;
possuir alternativas social e ambientalmente adequadas; e por último, estar preparadas
intelectualmente para reconhecer a melhor alternativa. (Figura 4)
29
Figura 4 - Condições essenciais para que a sociedade assimile estilos de vida sustentáveis. Fonte: Baseado
em Manzini e Vezzoli (2011). Autora, 2015
Para tanto, um novo paradigma econômico deve ser formado. E este paradigma
depende do aumento da conscientização da sociedade para com o meio ambiente,
assegurando qualidade e sustentabilidade ao processo. E é nesse aspecto que se abre
espaço à importância do capital humano para o desenvolvimento sustentável. É isto que,
somado à vontade coletiva e à viabilidade política que favorecerá os processos de
capacitação das sociedades locais, ampliando suas possibilidades de inovação e
respondendo aos obstáculos atuais, utilizando-se de suas próprias capacidades num
processo de aprendizagem permanente. (BUARQUE, 2006)
Em outras palavras, a participação das pessoas é essencial para a geração e a
manutenção de soluções sustentáveis. São elas que, em sua vontade coletiva,
proporcionaram as possibilidades de inovação em seu entorno. De tal maneira, as
políticas públicas podem atuar de maneira educativa, capacitando as comunidades para
que essa inovação seja possível e propagada.
2.2.4. Sistema Produto-Serviço (PSS) - Um novo eixo para o Design
Conforme debatido no tópico anterior, uma descontinuidade no sistema
socioeconômico atual se faz necessária tanto no aspecto ambiental quanto no aspecto
social. O design, e consequentemente o designer, é fundamental para que essa mudança
seja efetiva efetivada de maneira satisfatória, atendendo as demandas sustentáveis.
Essa troca de paradigma nos hábitos de consumo se dá num eixo produto-
serviço (Product Service System, doravante PSS). O PSS, nada mais é do que uma
30
lógica inovadora que desloca o centro dos negócios da comercialização de produtos
físicos para produtos e sistemas de serviços que tem mais chances de juntos satisfazer
uma demanda específica (UNEP, 2002). Em outras palavras, é a substituição do produto
pelo resultado. Em vez de um carro, oferecemos mobilidade; em vez de CD’s,
oferecemos música e assim por diante. É a troca da posse pelo direito de uso.
A configuração do PSS, de unir produto e serviço não é novidade. Hotéis,
lavanderias e táxis oferecem esse tipo de dinâmica. Todavia, a diferença está no fato do
PSS oferecer ao consumidor uma motivação no aspecto ambiental, e não apenas
econômico. (UNEP, 2002)
O conceito de PSS surgiu no Norte da Europa, mais especificamente na
Escandinávia e na Holanda, a partir de estudos na área ambiental e social na década de
1990. Esse conceito é originário de uma abordagem focada na sustentabilidade num
contexto industrial. A ideia era de “vender desempenho” em vez de vender “bens”
(SPRING; ARAÚJO, 2009).
Segundo Baines et. al. (2007), a ideia de aliar produtos e serviços em uma coisa
só é capaz de separar o sucesso econômico do consumo material, o que
consequentemente reduz os impactos ambientais provenientes das atividades
econômicas. A vantagem deste sistema é aumentar o tempo de uso de determinados
produtos e estender sua função a partir de serviços incorporados ao mesmo. É a venda
do uso e não da posse. O usuário também se beneficia desta dinâmica uma vez que paga
pela utilização da funcionalidade sem ter as responsabilidades e custos adicionais
associados à posse, mas que isso é encargo da empresa que oferece o serviço.
Thackara (2005) é consoante com este pensamento quando ele argumenta que
um sistema de produto-serviço fornece acesso a produtos, ferramentas, oportunidades e
capacidades quando precisa-se realizar um trabalho - em outras palavras, ferramentas
para usar, não possuir.
Para Landim e Medeiros (2009), a necessidade pela busca de soluções
sustentáveis inevitavelmente encontra na desmaterialização um grande potencial.
O design vem sofrendo, cada vez mais, influência por parte das
conseqüências ambientais resultantes dos padrões de produção e
consumo desenfreados da sociedade atual. Assim, a busca por soluções
mais sustentáveis no desenvolvimento de produtos vem avançando,
chegando a níveis de desmaterialização da propriedade e do bem
material em si, para o fornecimento de resultados e soluções baseados
nas necessidades dos consumidores, base do Sistema Produto-Serviço
(PSS). (LANDIM & MEDEIROS, 2009)
31
Desta maneira, temos o PSS como uma solução chave para o alcance da
sustentabilidade através da diminuição nos padrões de consumo atuais. Para entender
melhor o funcionamento desses sistemas produto-serviço, analisemos o quadro a seguir:
Quadro 1 – Comparação: Venda tradicional x PSS. Fonte: Autora, 2015. Adaptado de Landim e
Medeiros (2009).
Podemos observar que a principal diferença entre o PSS e o modelo tradicional é
que no PSS temos uma inversão de valores. O proprietário do produto é o fornecedor do
serviço e não o usuário do mesmo, portanto possui as responsabilidades de manutenção
e gastos adicionais. Com isso, as fases da vida do produto são otimizadas ao máximo,
utilizando sua capacidade ociosa num nível muito mais elevado do que se o proprietário
fosse o consumidor.
A maioria dos autores em toda literatura pesquisada, sugere três categorias
principais para cada tipo de PSS. Destas, Tukker (2004) ainda desencadeia essas
categorias e transforma em oito tipos conforme podemos observar na tabela:
32
Quadro 2 – Categorias de PSS. Fonte: Autora, 2015. Adaptado de Alano, Figueiredo e Merino (2013)
Na análise da tabela podemos observar as três grandes categorias do PSS e seus
desdobramentos. Entre eles, destaca-se o Use-oriented-service, ou, serviço orientado
33
pelo uso, por ser o que mais se aproxima da abordagem deste projeto. Este
desdobramento contém um aspecto fundamental e consoante com o presente trabalho,
que é o compartilhamento de produtos físicos, alterando assim o sentido da posse
absoluta.
2.3.CONSUMO COLABORATIVO
Nos últimos anos, estamos vendo cada vez mais pessoas aderindo a serviços de
compartilhamento. Para Botsman e Rogers (2011), os negócios ligados a
compartilhamento são a tendência econômica da sociedade moderna. Em tempos que o
aspecto sustentável no desenvolvimento deve tomar importância, compartilhar produtos
pode ser a solução-chave de várias questões socioambientais.
As mudanças climáticas e as pressões de populações e recursos impulsionam os
negócios de compartilhamento, afirma Gansky (2011).
A população mundial vai chegar a nove bilhões de pessoas por volta da
metade do século, assim como os recursos críticos, incluindo terras, água
potável e petróleo estão encolhendo. A matemática simples sugere que,
para que possamos ter um mundo sustentável, próspero e cheio de paz,
teremos de fazer um trabalho muito mais eficiente de compartilhamento
dos recursos que temos. (GANSKY, 2011)
Ainda de acordo com a autora, historicamente, crises econômicas fazem com
que se crie uma extrema desconfiança da sociedade consumidora com marcas e modelos
antigos. De tal maneira, essas épocas favorecem o surgimento de novas empresas e o
remodelamento das antigas. O consumidor altera sua atitude em resposta à crise e fica
aberto a experimentar novos produtos e serviços.
Botsman e Rogers (2011) comentam que o fator sustentável acaba sendo, em
alguns casos, uma consequência não intencional do consumo colaborativo. Não
intencional no sentido da ação não ter sido pensada inicialmente com esse viés, mas que
as relações de consumo estabelecidas, causam menor impacto ambiental. A
sustentabilidade, portanto, está intrínseca nas ações e consumo colaborativo, seja ela
intencional ou não.
Para Gansky (2011), o consumo colaborativo cria negócios prósperos e com
novas abordagens, em sua maioria sustentáveis. A autora defende que esse tipo de
economia produz uma “linha dupla inferior”, ou seja, empreendimentos mais
sustentáveis e que geram mais lucro. A “linha” ainda pode ser tripla, caso se
acrescentem os benefícios sociais envolvidos.
34
Apesar dos benefícios, o consumo colaborativo enfrentou alguma resistência.
Segundo Barbosa e Campbell (2013), depois do advento da noção de liberdade
individual e juntamente com isso, a crescente urbanização, a sociedade passou a
relacionar bens de consumo à liberdade individual.
Todavia, o consumo em seu caráter colaborativo, não anula os direitos
individuais dos indivíduos. A raiz é um pouco mais profunda. Segundo Jacobs (1961), a
noção de comunidade não se perdeu inteiramente. Ela ainda está presente em cidades
menores e em bairros, mas é praticamente inexistente nas grandes metrópoles.
As metrópoles não são apenas subúrbios mais povoados [...] diferem em
aspectos fundamentais, e um deles é que as cidades grandes estão, por
definição, cheias de desconhecidos. (JACOBS, 1961).
Estabelecer certo grau de confiança entre desconhecidos é, segundo Botsman e
Rogers (2011), um dos pilares para bom funcionamento do consumo colaborativo. Na
aquisição tradicional de bens, temos sempre um intermediário que preenche a lacuna
entre a produção e o consumo. O consumo colaborativo elimina essa necessidade. As
contribuições e trocas devem ser autogeridas.
Gansky (2011) afirma que, para um negócio de compartilhamento funcionar, o
empreendedor deve criar o “círculo vicioso da confiança” (Figura 5).
Figura 5 - Círculo vicioso da confiança. Fonte: Autora, 2015. Adaptado de Gansky (2011)
35
O círculo deve consistir em quatro etapas:
a) Comprometimento: o empreendedor deve cumprir a promessa que faz ao cliente
quando oferece o serviço;
b) Aprendizagem: a relação estreita com os usuários deve servir de banco de dados
para que o empreendimento aprenda mais sobre ele a fim de atendê-lo melhor;
c) Teste: tentar novas possibilidades e testá-las;
d) Execução: Colocar em prática o que foi testado e aprendido com o usuário do
serviço para aprimorar e refinar as ofertas.
Para Leadbeater (2008), a confiança pode vir também da chamada Web 2.0, ou seja,
as redes sociais. Chegamos a um patamar de conexão global tão imenso, que voltamos a
uma época em que se alguém fizer algo errado ou constrangedor, toda a comunidade
(online e off-line) ficará sabendo. É o que chamamos de aldeia global.
Outro pilar, segundo Botsman e Rogers (2011), é a formação de massa crítica. A
massa crítica é um termo sociológico para descrever o impulso necessário para tornar
um sistema autossustentável. Esse impulso deve se dar tanto em participantes do
sistema quanto em produtos, pois se faz necessário dar poder de escolha para os
usuários. Por se tratar de uma ação colaborativa, quanto mais pessoas, mais escolhas
elas terão.
Para tornar mais claro, Gansky (2011) argumenta que num sistema de troca de
roupas, por exemplo, se não houver certa variedade de tamanhos e estilos, a adesão será
pequena, pois o usuário pode não encontrar nada para trocar.
O terceiro aspecto é apostar na capacidade ociosa de um produto. (Figura 6). Obre
isso Steffen (2007) exemplifica que um americano comum usará uma furadeira elétrica
entre seis e treze minutos, em média, durante toda sua vida útil. Isso significa que
existem milhões de furadeiras subutilizadas nos Estados Unidos. Esse potencial não
utilizado se chama capacidade ociosa.
É um grande desperdício que tantos produtos não sejam utilizados enquanto tantos
outros estão sendo produzidos. Gansky (2011) afirma que a porcentagem diária de
tempo em que um americano médio usa o próprio carro é de apenas 8%.
36
Figura 6 - Estilo de vida individualista x Estilo de vida colaborativo. Fonte: Autora, 2015. Adaptado de
Botsman e Rogers (2011).
Podemos concluir então que, conforme Meroni (2007) conceitua a inovação social,
que o consumo colaborativo é uma forma de inovação, pois, entre outros fatores,
consegue aliar interesses pessoais a interesses sociais além de alterar fortemente os
hábitos pré-estabelecidos na forma de consumir.
O consumo colaborativo tem a vantagem de fazer parte do interesse
pessoal do usuário, não enfatizando a culpa nem o sacrifício pessoal.
Além disso, mudanças de hábito precisam ser fáceis e convenientes para a
pessoa média e devem, ao mesmo tempo, criar valor tanto para a empresa
quanto para a sociedade. E, quando um novo comportamento rende
recompensas fortes, é mais provável que ele dê certo. (BOSTSMAN E
ROGERS, 2011).
O consumo colaborativo é uma maneira inovadora de diminuir o impacto ambiental,
melhorar as relações sociais e economizar tempo, dinheiro e espaço alterando seus
hábitos da relação de posse para a relação de uso. É um processo consoante com os
conceitos de PSS, em que se é priorizado o uso e não a posse. O valor, portanto, não
está no artefato em si, mas na utilidade do mesmo.
2.4.INOVAÇÃO SOCIAL
A transição para um estilo de vida sustentável é um processo de aprendizado
social. Para Manzini (2008), este processo se dará de forma difusa e a partir de
diferentes soluções criativas e especialmente em iniciativas locais. E uma série de
mudanças locais traz impacto para uma mudança global. Essas soluções criativas de
mudanças locais são chamadas de inovação social.
37
O termo inovação social, refere-se a mudanças no modo como
indivíduos ou comunidades agem para resolver seus problemas ou criar
novas oportunidades. Tais inovações são guiadas mais por mudanças de
comportamento do que por mudanças tecnológicas ou de mercado,
geralmente emergindo através de processos organizacionais “de baixo
para cima” em vez daquelas “de cima para baixo”. (MANZINI, 2008)
Segundo André e Abreu (2006) o conceito de inovação social esteve ligado ao
de inovação tecnológica até anos 1980. Só a partir desta década é que o conceito
começou a se descolar da inovação tecnológica e passou a também ser acompanhado de
cunho de políticas sociais e do ordenamento do território. As perspectivas mais recentes
separam completamente as definições da inovação social da tecnológica, atribuindo-lhe
uma ideologia não mercantilizada, um caráter coletivo e uma uma geração objetiva de
transformações das relações sociais.
Nesta óptica, a inovação social implica sempre uma iniciativa que
escapa à ordem estabelecida, uma nova forma de pensar ou fazer algo,
uma mudança social qualitativa, uma alternativa – ou até mesmo uma
ruptura – face aos processos tradicionais. A inovação social surge como
uma “missão ousada e arriscada”.(ANDRÉ & ABREU, 2006)
André e Abreu (2006) ainda enfatizam que no caso da inovação tecnológica,
pode-se permitir que o mercado fosse o propulsor da mesma. As empresas inovam,
principalmente para evitar riscos de perder seu espaço para a concorrência. Já a
inovação social não depende da concorrência. A sua mola propulsora é o objetivo de
vencer adversidades e os riscos embora a possibilidade de aproveitar oportunidades e de
responder a desafios pareça ser também o grande incentivo.
De acordo com a Young Foundation (2006), períodos de crise (seja social,
econômica ou ambiental) em que um problema particularmente é enfrentado e épocas de
grande democratização de novas tecnologias são terreno fértil para o surgimento de
inovações sociais.
A partir desta estrutura praticamente espontânea, as ações de inovação social
podem vir a ser um excelente guia rumo a escolhas sustentáveis de estilo de vida.
Manzini (2008) classifica essa criatividade socialmente difusa como ações
colaborativas. Em outras palavras, a inovação social atua como um agente de mudança
social que vem da própria sociedade, enquanto a mesma trabalha colaborativamente
para um fim comum.
Para André e Abreu (2006), a inovação social é capaz de proporcionar ainda a
promoção da inclusão social e a capacitação de atores sociais sujeitos, potencial ou
38
efetivamente, a risco de exclusão/marginalização social, proporcionando uma mudança,
mais ou menos intensa, das relações de poder.
De acordo com Meroni (2007), inovações sociais representam uma
descontinuidade de contexto, porque elas desafiam o modo tradicional do fazer e o
substitui por outros modos, muito diferentes do que estamos acostumados além de mais
sustentáveis e criativos.
A autora ainda ilustra que tal fato é verdadeiro tanto em organizações sistêmicas
para o compartilhamento de objetos ou espaços, onde o uso individual é mais
recorrente, quanto em iniciativas de serviços participativos, onde antes, a solução se
baseava na passividade dos usuários e assim por diante. Meroni (2007) afirma que,
pesar das múltiplas possibilidades, as ações de inovação social possuem alguns fatores
comuns entre elas.
Buscam soluções concretas, que acabam por reforçar o tecido social;
Colocam em prática novas ideias de bem-estar;
Dão grande valor aos “bens comuns”;
Possuem ações colaborativas;
Acrescentam novos conceitos de comunidade e de localidade;
Conseguem aliar interesses pessoais a interesses socioambientais.
Em outras palavras, as ações de inovação social permitem a aliança de interesses
pessoais a interesses gerais, sendo os mesmos sociais e/ou ambientais. Também
possuem a capacidade de gerar ações colaborativas, que envolvam todo um grupo de
pessoas ou comunidades, construindo assim um tecido social mais forte que prioriza os
bens comuns aos bens individuais, gerando assim, conceitos mais sustentáveis de bem-
estar. Desta maneira, podemos afirmar que as iniciativas de inovação social são
importantíssimas para a ruptura do sistema atual. No que se refere à sustentabilidade é
evidente que a forma como vivemos e consumimos hoje não é a ideal.
É importante ressaltar o viés coletivo da inovação social. Ela não é possível sem
a participação e o engajamento de vários atores, que podem possuir diferentes relações
com o sistema. É dentro desse contexto coletivo que continuaremos a tratar a inovação
social.
39
2.4.1. Comunidades Criativas
A inovação social só é possível quando um grupo de pessoas se engaja para
desenvolver e executar estas soluções criativas no meio em que vivem. Essas pessoas
são capazes de solucionar o problema a partir de recombinações do que já existe sem
esperar mudanças de sistema, ou seja, sem que essas soluções surjam “de cima para
baixo3”, vindas da economia, de gestão pública ou de mudanças na infraestrutura.
Segundo Meroni (2007), estas pessoas formam comunidades criativas.
Por esta razão, considerando que a capacidade de reorganizar
elementos já existentes em novas e significativas combinações é uma
das possíveis definições de criatividade, tais grupos podem ser
definidos como comunidades criativas: pessoas que, de forma
colaborativa inventam, aprimoram e gerenciam soluções inovadoras
para novos modos de vida. (MERONI, 2007)
Esse modelo é diferente do modelo vigente e mais amplamente utilizado, no
qual o representante e o cliente já possuem papéis predeterminados para as soluções de
serviços e, nessa situação, o representante serve o cliente (Figura 7). Para a nova
proposta de soluções de serviço Comunidades Criativas – há uma abordagem
diferenciada, cujas relações lineares são evitadas, dando forma, preferencialmente, a
interações de cada membro de forma individual e circular (Figura 8), conduzindo à
redefinição dos limites particulares e públicos (MANZINI; MERONI; KRUCKEN,
2006).
Figura 7 - Solução de Serviço Tradicional. Figura 8 – Solução de Comunidade Criativa.
Fonte: CAMPOS. 2011 Fonte: CAMPOS, 2011
Segundo Campos (2011), a proposição desse novo tipo de solução para serviços
não sugere o isolamento de seus grupos, mas sim uma ampliação da rede de trocas pelo
3 As soluções provenientes de ações “debaixo para cima” são aquelas que não dependem de iniciativa
privada ou de políticas públicas. Elas surgem, normalmente, de maneira espontânea iniciada pelas pessoas organizadas enquanto comunidade ou coletivo. Uma vez que a iniciativa prospera, pode ser assimilada pelo governo ou alguma instituição.
40
mundo. Esses grupos terão um princípio funcional comum, baseado em três conceitos
fundamentais: serviços colaborativos, bens compartilhados e ecologia do tempo, por
meio da promoção de um tempo lento e contemplativo. Para ela a função do designer
passa a ser fundamental na atuação junto às Comunidades Criativas, mesmo aquelas que
não surgem no cerne do design. Krucken e Montenegro (2010) enfatizam a importância
do envolvimento do design na inovação social.
“[…] sendo que o principal desafio do Design na contemporaneidade é,
justamente, desenvolver e/ou suportar o desenvolvimento de soluções
que exigem uma visão mais ampla do projeto, envolvendo produtos,
serviços e comunicação, de forma conjunta e sustentável”
(KRUCKEN; MONTENEGRO, 2010).
O design é, portanto, fundamental para a inovação social e as comunidades
criativas como um todo, mesmo que elas surjam espontaneamente fora desse nicho. A
capacidade de enxergar os problemas complexos de maneira sistêmica, os
conhecimentos metodológicos e a experiência projetual tornam o designer profissional
ideal para integrar as comunidades criativas com seus diferentes atores e aspirações.
Para Manzini (2008), essas comunidades nascem de problemas comuns à vida
contemporânea e aplicam sua criatividade para romper modelos dominantes, que apesar
de oferecerem uma ampla gama de produtos e serviços, não consegue atender à
demanda sustentável. Ele ainda comenta que comunidades criativas vão prosseguindo
em seus processos de inovação e, os desenvolvimentos das soluções encontradas
caminham rumo ao que se chama empreendimento social difuso.
Leadbeater (2006) define o empreendimento social difuso, aquele em que os
participantes se auto-organizam em sua vida cotidiana, para alcançar um resultado final
que é de interesse direto dos mesmos. Eles produzem qualidade social, uma vez que
buscam resolver seus próprios problemas de maneira colaborativa. Desta forma,
produzem sociabilidade.
Um empreendimento difuso difere dos empreendimentos sociais tradicionais,
uma vez que, ao invés de se preocupar com problemas sociais mais graves, os
empreendimentos sociais difusos, se concentram em problemas comuns do cotidiano
daqueles que fazem parte dele. Em outras palavras, as pessoas envolvidas no
empreendimento difuso, buscam ajuda, pelo menos em parte, a si mesmas. Esses
empreendimentos socialmente difusos podem gerar o que ele chama de casos
promissores, ou seja, soluções que estão dando certo e possuem grandes chances de
41
sucesso efetivo. Quando os casos promissores alcançam o patamar desejado de sucesso,
as comunidades criativas se tornam organizações colaborativas. (MANZINI, 2008)
Para Cipolla (2004), organizações colaborativas são iniciativas de produção e
serviço baseadas em relações colaborativas, que, por consequência, possui um alto grau
de confiança mútua, isto é, a produção e os serviços surgem da qualidade relacional dos
envolvidos. Disso, podemos entender que a qualidade relacional é um pré-requisito para
a existência de organizações colaborativas. O autor ainda finaliza que as comunidades
criativas – e seus desdobramentos – podem ser consideradas como protótipos de modos
de vida sustentável.
Já que são tão benéficas, como podemos facilitar a existência de comunidades
criativas? Laundry (2000) e Leadbeater (2006) concordam que os contextos favoráveis
são complexos demais para serem “projetados”, porém alguns elementos podem ser
imaginados e realizados. Para tanto são necessários uma política de governança
participativa e um ambiente tolerante.
Sobre ambientes tolerantes, Florida (2002, 2005) comenta que os mesmos são
necessários, pois as comunidades criativas, por definição, possuem formas de
organização diferentes das usuais, o que significa promover algo que não se encaixa nas
regras vigentes. A tolerância se faz necessária porque uma comunidade criativa em
potencial pode ser destruída por incompreensão e hostilidade política.
Para que uma comunidade criativa funcione de fato é preciso, portanto,
proporcionar um ambiente em que a diversidade não seja um problema, e sim aceita
como um diferencial, algo que impulsione as ideias e valorize a função de cada um de
seus atores dentro do sistema. O ambiente tolerante é um fator que não só influencia,
como beneficia a participação ativa dos atores enquanto cidadãos.
Manzini (2008) sustenta que aumentar o grau de participação do cidadão nos
instrumentos de governança cria condições de reforço do tecido social, o grau de
tolerância e consequentemente, transforma o contexto em propício para o surgimento de
comunidades criativas. Daí a importância de uma governança participativa.
A partir de todas essas análises a cerca da inovação social e das comunidades
criativas, se faz necessário discorrer, mesmo que brevemente, algumas iniciativas
internacionais acerca do tema. Alguns programas foram criados, especialmente na
Europa e colocaram o design com um dos catalisadores dos processos de inovação,
sendo o EMUDE, um dos pioneiros nesse aspecto.
42
Emerging User Demands for Sustainable Solutions (EMUDE), ou Demandas
Emergentes do Usuário para Soluções Sustentáveis, em português – foi um programa de
atividades financiadas pela Comissão Europeia, cujo objetivo é explorar o potencial de
inovação social como o catalisador da inovação tecnológica e de produção, tendo como
objetivo a sustentabilidade. Para tanto, o intuito era lançar luz sobre os casos em que
indivíduos e comunidades utilizar os recursos existentes de uma forma original de trazer
a inovação do sistema. A partir dele, pretende-se identificar a demanda por produtos,
serviços e soluções que tais casos e comunidades expressam, e apontam para linhas que
poderiam levar a uma maior eficiência, acessibilidade e difusão de investigação.
EMUDE foi promovido e desenvolvido por um consórcio de universidades
europeias e centros de pesquisa. A fim de identificar uma coleção de casos promissores
que criou uma rede de observadores, conhecidos como antenas, abrangendo equipas de
investigadores e alunos de 8 escolas de design europeias (EMUDE, 2008).
Do EMUDE ainda derivaram outras iniciativas como LOLA (Looking for
Likely Alternatives); O CCSL (Creative Communites for Sustainable Lifestyles) e a
DESIS (Design for Social Innovation and Sustainability), sendo esta última com
atuação também no Brasil.
Quadro 3 – Tabela de classificação para comunidades criativas. Fonte: CAMPOS, 2011
43
Como referência de análise de comunidades, ao verificar seus parâmetros a fim
de que se enquadrem ou não ao conceito de Comunidades Criativas, foi utilizado o
quadro de check-list do EMUDE, apresentado acima no Quadro 3.
O quadro foi utilizado para determinar se o objeto de estudo escolhido se
enquadrava na situação de comunidade criativa. Na comparação dos requisitos do
quadro e do que foi visto e analisado na primeira visita à escola, pode-se afirmar que o
ambiente escolar, especificamente, a Escola Freinet, pode ser classificado como uma
comunidade criativa por consequência dos seguintes fatores:
Por ser uma cooperativa, pode-se dizer que os atores deste sistema se
auto-organizaram, atendendo ao requisito 1 da tabela, e também
promovem uma solução inovadora, pois criaram uma escola justamente
pela insatisfação com o sistema de ensino tradicional;
A escola também atua no contexto da cidade do Natal, sendo, portanto,
considerada uma iniciativa local conforme o item 2;
O ambiente é socialmente positivo, pois promove uma interação
diversificada entre os atores do sistema;
A diminuição na pegada ecológica não pode ser bem calculada, mas por
se tratar de uma escola pequena, ela provavelmente não é tão grande.
Desta maneira, podemos afirmar com segurança que a Escola Freinet pode ser
considerada uma comunidade criativa. Sendo assim, esta definição abre espaço para
discutir a escola enquanto canal para a sustentabilidade, viabilizando conceitos e
práticas para uma nova geração de cidadãos.
2.5.A ESCOLA PELO VIÉS DA SUSTENTABILIDADE
De acordo com Delors (1999), cabe à educação fornecer algum tipo de mapa para o
mundo complexo o qual vivemos, e ao mesmo tempo ser “a bússola que permita
navegar através dele”. Com este posicionamento, podemos entender a escola - sendo ela
o meio para a educação - como o grande norteador para as questões contemporâneas.
A sociedade Ocidental foi alicerçada dentro de um paradigma em que se acreditava
que o progresso material era ilimitado, e deveria ser obtido por meio de um crescimento
econômico e tecnológico. É bastante evidente que este paradigma é obsoleto quando se
leva em consideração os dias de hoje. Estamos, portanto, vivendo um processo de
44
mudança de paradigma, “de ressimbolização da compreensão da vida e dos modos de
viver, a educação surge como elemento fundamental de disseminação de novos
conceitos e oportunidade de conscientização e criação do novo, especialmente a
educação voltada para a integralidade e a sustentabilidade” (MOUCHREK, 2014). Para
se adequar aos desafios contemporâneos, a educação precisa viabilizar ao ser humano
oportunidades para um desenvolvimento integral (DELORS, 1999).
A proposta por uma “educação para autonomia” de Paulo Freire (2011) se faz
bastante coerente nesse contexto. De acordo com o autor, a autonomia é um processo de
amadurecimento do ser para si e ocorre em meio às experiências e escolhas da vida.
Desta forma, uma educação voltada para a autonomia precisa centrada em experiências
que estimulem as decisões e as responsabilidades que as mesmas trazem. Sobre isso
Mouchrek (2014) afirma:
As noções de autonomia e protagonismo são centrais para o
desenvolvimento de adolescentes e jovens, especialmente em face dos
desafios contemporâneos. Apresentam-se fatores relevantes para a
promoção da cultura de sustentabilidade, na medida em que estão na
base de diversas compreensões e habilidades a desenvolver nesse
processo. (MOUCHREK, 2014)
Conforme foi defendido nos tópicos acima, é inegável a preocupação com as
questões ambientais. No entanto, se faz necessário, quebrar o paradigma social que
constitui na associação de consumo a bem-estar. A escola pode ser o elemento-chave
para a catalisação desses processos. Conscientizar crianças e adolescentes em idade
escolar perpetua o desenvolvimento sustentável é importante para garantir a preservação
de ecossistemas e recursos naturais para as próximas gerações.
Segundo Edwards (2013), dedicamos muito tempo em definições de princípios
para o desenvolvimento sustentável, mas pouco se faz para que esses conceitos fossem
introduzidos na sociedade. Para ele, uma educação ambiental em todos os níveis
escolares é essencial para evitar que os mesmos erros sejam cometidos.
A chave está na educação, desde a escola primária até os cursos de pós-
graduação. As autoridades educacionais locais, os organismos responsáveis pelo
desenvolvimento dos planos de estudo, as escolas de arquitetura e, obviamente, os
profissionais que empenham um papel fundamental neste sentido. (EDWARDS, 2013)
45
Um exemplo prático dos resultados de uma educação ambiental atuante é a
cidade de Curitiba. Segundo dados da Prefeitura de Curitiba (PREFEITURA DE
CURITIBA, 2014) durante o mandato de Jaime Lerner como prefeito da cidade, foram
feitos avanços na educação ambiental. A conscientização sobre as questões ambientais
se deu nas escolas e fora delas. A consequência dessas ações levou a 100% da área da
cidade ser atendida pela coleta seletiva e a participação massiva da população (cerca de
70% dos curitibanos contribui com a coleta seletiva) foi essencial pra que isso
acontecesse.
Para Edwards (2013), levar as questões de desenvolvimento sustentável para o
ambiente escolar, coloca a conscientização ambiental no mesmo patamar de outros
valores. Essa valorização do desenvolvimento sustentável nas escolas ajuda também a
formar a consciência de que o bem-estar social não precisa ser baseado na aquisição de
bens conforme defende Manzini (2008).
De acordo com o psicólogo Tomasello (2009), crianças são 2naturalmente
sociáveis e cooperativas, mas por volta dos três anos de idade, começam a aderir às
normas culturais. Nessa fase, o sentimento de cooperação pode ser incentivado ou
desestimulado, mas a segunda opção tem sido a mais recorrente em virtude do
individualismo socialmente imposto que vivemos atualmente. (TOMASELLO, 2009)
Desta maneira podemos entender que a educação ambiental pode e deve ser
estimulada dentro das escolas, com crianças e adolescentes de todas as idades, com o
intuito de não perder o instinto de cooperação e coletividade e para que a importância
das ações sustentáveis seja reconhecida e reforçada.
Temos uma geração inteira se formando, conforme afirma Stone (2011). Eles
serão os próximos cidadãos ativos na nossa sociedade, logo, o ideal é que a mesma
possa contar agora com líderes e cidadãos que pensem de maneira consciente no que se
refere à sustentabilidade; que compreendam a ligação entre os sistemas humanos e os
naturais e que efetivamente possam agir nesse sentido.
Sem este amparo proveniente do estímulo à práticas sustentáveis, as gerações
mais recentes ficam a mercê da publicidade, que cada dia concentra mais seus esforços
num público cada vez mais jovem. Constantemente vemos dados alarmantes. No Brasil,
as crianças influenciam 80% das decisões de compra de uma família (TNS/InterScience,
46
outubro de 2003). Desta maneira, crianças são um público-alvo importante, não apenas
pelo poder influência sobre o que a família compra, mas por, desde cedo, adquirir
fidelidade a marcas e a hábitos consumistas.
É com este cenário de consumismo infantil que devemos contrapor. É preciso
promover novas mentalidades e ideais sustentáveis. Para Mouchrek (2014), é necessário
investir no desenvolvimento de novos cenários de estilo de vida entre as novas
gerações. Desta maneira se fortalece o pensamento crítico, a autonomia, a habilidade de
fazer escolhas e promove novas formas de pensar. Ela ainda argumenta que uma
educação que permite uma consciência cidadã será essencial para um futuro melhor.
Além da formação escolar que educa os jovens a serem membros
participativos da sociedade, há outros aspectos importantes para a
construção de uma identidade saudável e uma consciência cidadã,
fundamental para esta formação/educação integral: estimular reflexão,
formar competências para lidar com a complexidade e os desafios dos
próximos tempos, a formação de lideranças, conscientização sobre
escolhas e responsabilidades, entre outros. (MOUSHREK, 2014).
Podemos argumentar, portanto, que se faz necessário um investimento maior na
formação dessas gerações mais novas para garantir que elas tenham consciência de sua
responsabilidade e de seu poder transformado, afinal, daqui a alguns anos, eles definirão
a sociedade em que vivemos. Os jovens e especialmente as crianças são nosso futuro.
O consumo desenfreado não é algo que deva ser estimulado, embora a criança se
utilize de bens de consumo para seu desenvolvimento. Neste aspecto temos o
brinquedo, um segmento de artefatos muito específico para a criança enquanto mercado
consumidor, podendo ser utilizado tanto para enfatizar hábitos de consumo exagerado,
quanto para ensinar e apresentar novos modelos de consumo.
2.6.A CRIANÇA, O BRINQUEDO E O DESIGN
O brinquedo pode ser considerado um fator importante no desenvolvimento da
criança, pois ele estimula a imaginação. Para Fontoura e Pereira (2012) isso tem tudo a
ver com o design. Segundo os autores, o design está ligado à capacidade humana de
tomar decisões e solucionar problemas. Sendo assim, num sentido amplo, pode-se dizer
que o ser humano desenvolve atividades de design diariamente e que isto vem desde a
infância.
Alguns seres humanos procuram, por vocação ou interesse próprio,
desenvolver um pouco mais uma ou outra capacidade. Assim, numa
sociedade organizada, encontra-se sujeitos que se dedicam e que fazem
47
do design e da tecnologia atividades profissionais. Desta forma, estas
atividades exigem formação adequada em instituições de ensino
profissionalizante – normalmente em instituições de ensino superior.
Porém, deve-se ter sempre em mente que as capacidades de
“desenhar” [to design] , de “construir” [to make] e de “utilizar” [to
use], são características comuns a todos os seres humanos,
independentemente de sexo, cor, idade ou raça. (FONTOURA E
PEREIRA, 2012)
Fontoura e Pereira (2012) ainda argumentam que historicamente, os brinquedos
e os jogos infantis foram por muito tempo, considerados apenas uma forma de recreação
prazerosa à criança. Na Idade Média, as brincadeiras eram tidas como algo sem
seriedade e associadas aos jogos de azar. No Renascimento, as brincadeiras foram
entendidas com mais liberdade, como elementos úteis para o desenvolvimento da
inteligência e para facilitar o estudo. Porém, as brincadeiras permaneceram por muito
tempo à margem dos estudos pedagógicos.
Segundo Baynes (1992), a infância é um período de desenvolvimento físico e
mental rápido e bastante intenso e isto não deve ser desprezado. A curiosidade natural
infantil deve ser estimulada, é importante que as crianças, especialmente as mais novas,
sejam motivadas a continuar no caminho da descoberta. Isto exige algum esforço, mas
com ele a criança aprende a valorizar os resultados obtidos. Este é um dos primeiros
passos que as crianças devem dar em direção à aquisição da tenacidade e ao
desenvolvimento do pensamento criativo, fatores essenciais no enfrentamento da vida,
no exercício do controle sobre o entorno e na construção do futuro.
Quando uma variedade de habilidades de manipulação são usadas em
conjunto, as crianças têm a experiência de 'domínio' um aspecto do
mundo. (...) À medida que crescem, as crianças atingem o domínio de
uma gama extremamente variada de ferramentas e equipamentos. Eles
aprendem a pintar e desenhar, recortar e colar, construir castelos de
areia, comer com talheres “de gente grande” e usar balanços e
gangorras. É claro não só que as crianças têm um grande prazer em
dominar essas habilidades, mas que o uso das habilidades abre novos
mundos de jogo e atividade incluindo aqueles fundamentais para a
concepção e a implementação. (BAYNES, 1992)
É importante ressaltar que a criança não deve ser creditada como um adulto em
miniatura, ao contrário, elas apresentam uma visão própria do mundo ao seu redor e
interage com ele de forma diferente do adulto. Isto para cada etapa de seu
desenvolvimento. Cada faixa etária possui uma maneira de se comportar e perceber o
seu entorno, o que implica numa assimilação progressiva do contexto em que ela está
inserida, resultando numa acomodação das estruturas mentais a um novo dado do
mundo exterior. (RODRIGUES, 2014)
48
O psicólogo russo L. S. Vygotsky é reconhecido como um pioneiro da psicologia
do desenvolvimento. Em seu livro “A Formação Social da Mente”, coletânea de ensaios
selecionados do autor, ele afirma com veemência que o brinquedo não pode ser visto
apenas como uma atividade prazerosa para a criança.
Definir o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança é
incorreto por duas razões. Primeiro, muitas atividades dão à criança
experiências de prazer muito mais intensas do que o brinquedo, como
por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a criança não se sacie. E,
segundo, existem jogos nos quais a própria atividade não é agradável,
como, por exemplo, predominantemente no fim da idade pré-escolar,
jogos que só dão prazer à criança se ela considera o resultado
interessante. Os jogos esportivos (não somente os esportes atléticos,
mas também outros jogos que podem ser ganhos ou perdidos) são,
com muita frequência, acompanhados de desprazer, quando o
resultado é desfavorável para a criança. (VYGOTSKY, 1989)
O brinquedo é muito mais que apenas uma atividade prazerosa. E ignorar isto é
ignorar também que o brinquedo preenche necessidades da criança. Eles são os
primeiros objetos com significância para a criança. Vygotsky (1989) ainda defende que
a importância do brinquedo se dá também no sentido de que a criança passa a sair de
situações completamente imaginárias para situações com regras que o brinquedo impõe.
Para um dos exponentes da psicologia do desenvolvimento reconhecido como
um dos fundadores da Teoria da Atividade, Leontiev (1998) argumenta que ao brincar e
criar uma situação imaginária, a criança pode assumir diferentes papéis: ela pode se
tornar o que ela quiser: um adulto, outra criança, um animal, ou um personagem
televisivo; ela adapta o seu comportamento e passa a agir e se comportar como se ela
fosse madura do que de fato é. Ao representar o papel de “mãe”, ela irá seguir as regras
de comportamento maternal, porque agora ela pode ser a “mãe”, e ela procura agir como
ela entende que uma mãe age. É no brinquedo que a criança consegue ir além do seu
comportamento habitual, atuando num nível superior ao que ela realmente se encontra.
Vygotsky (1989) também argumenta que um brinquedo/brincadeira que interessa
a uma criança de três anos, por exemplo, pode não despertar nenhum interesse a uma
criança de seis anos ou mais; isso ocorre porque a brincadeira não é uma atividade
estática, ela evolui e se modifica na medida em que a criança cresce e se desenvolve
cognitivamente.
Pode-se concluir, então, que o brinquedo é parte fundamental do
desenvolvimento infantil. Segundo Rodrigues (2014), ele pode ser uma importante
ferramenta para estimulação da motivação positiva, pois desenvolve a motivação
49
externa, ligada a percepção por meio dos sentidos, à conformação estética dos objetos,
com formas e disposições de elementos que chamem a atenção da criança e,
consequentemente, trabalhem a motivação interna, ligada à fatores subjetivos
relacionados ao artefato, como a curiosidade, o desejo de competência, a dedicação e a
aspiração de seguir um modelo.
Dessa forma, a criança não deve ser ignorada enquanto usuário. E sim vista
como um usuário mais específico. Embora o conceito de design centrado no ser humano
utilize recomendações importantes, há uma grande limitação no "usuário" (definido aqui
como ser humano), que não é considerado especificamente para incluí-las. Há uma
grande diferença na percepção de crianças e adultos e seus conhecimentos também são
diferenciados. No entanto, essas diferenças não fazem deles um grupo menos
importante e nem justifica que sejam ignoradas. (BISSOLOTTI, GONÇALVES E
PEREIRA, 2015)
O brinquedo, portanto, está intrinsecamente relacionado à criança. Um é sempre
associado ao outro, mas conforme abordamos anteriormente, vivemos numa sociedade
em que o consumo exacerbado é estimulado, pois está associado ao bem-estar. Ligado a
este fator, também temos a criança como um mercado consumidor bastante explorado
pela publicidade, sendo ela bastante influenciada nesse sentido.
Então como equilibrar as demandas sustentáveis pela desmaterialização com
demanda da criança pelo brinquedo? Conforme veremos adiante nas análises, o
brinquedo se mostrou um artefato recorrente dentre todos com potencial para o consumo
colaborativo. A experiência que o brinquedo proporciona é mais importante que o
artefato em si, dessa forma, ainda é possível para a criança experienciar um brinquedo
novo, sem que o mesmo seja necessariamente comprado. O brinquedo também
demonstra como uma abordagem lúdica para a sustentabilidade.
2.7. HUMAN CENTERED DESIGN
O Human-Centered Design (HCD) é comumente descrito por vários autores
como um conjunto de ferramentas. Pode ser considerado como uma expressão
metodológica dos princípios de Design Thinking. Foi lançada na década de 90 pela
agência norte-americana de design IDEO com base sua própria prática do design
thinking e distribuído na forma de “kit de ferramentas” sob patrocínio da fundação Bill
e Melinda Gates para divulgação do design thinking como ferramenta de inovação para
50
organizações que trabalham em comunidades carentes ao redor do mundo (SEGURA,
2012).
De acordo com a IDEO (2012), ele é chamado de “Centrado no ser humano”,
pois no desenvolvimento de projetos cujas soluções estão essencialmente voltadas para
a satisfação do desejo dos usuários e a transformação da forma como eles se relacionam
com determinados produtos ou serviços.
A razão pela qual esse processo é chamado de “Centrado no ser
humano” é que ele começa pelas pessoas para as quais estejamos
criando a solução. O processo do HCD começa por examinar as
necessidades, desejos e comportamento das pessoas cujas vidas
queremos influenciar com nossas soluções. Procuramos ouvir e
entender o que querem, a chamada “Lente do Desejo”. Enxergamos o
mundo através dessa lente durante várias etapas do processo do design.
Uma vez identificado qual é o Desejo do usuário, começamos a
examinar nossas soluções através das lentes Praticabilidade e
Viabilidade. (IDEO, 2012)
A empresa ainda argumenta sobre as “três lentes” pelas quais a ferramenta é
guiada. (Figura 9) a fim de sempre chegar a soluções ideais para os usuários.
Figura 9 - As três lentes do HCD. Fonte: IDEO.
Observando as diversas definições encontradas no site da empresa, podemos
evidenciar que a IDEO não possui apenas uma maneira de solucionar problemas
distintos, mas sim uma série de ferramentas para a criação do melhor método a ser
utilizado em cada cenário. O modelo de processo também é divido em três etapas. São
elas: Ouvir (Hear), Criar (Create) e Implementar (Deliver). De acordo com Chaves,
Bitterncourt e Taralli (2013), essas etapas são definidas da seguinte forma:
51
A etapa Ouvir se norteia por pesquisas qualitativas a fim de gerar empatia
através do design e de chegar a uma compreensão mais profunda da situação problema.
Os métodos oferecidos para esta etapa no kit de ferramentas são divididos em duas
partes. Inicialmente se sugere o uso de entrevistas e outras formas de investigação
qualitativa, para em seguida aplicar sobre as informações levantadas em métodos de
avaliação. Essa etapa é sobre uma abordagem diferenciada com as pessoas em seus
próprios contextos a fim de entender em profundidade os seus problemas.
A etapa Criar tem como objetivo transformar os dados colhidos na pesquisa em
soluções aplicáveis ao contexto real do problema. Para tanto, é necessário filtrar as
informações coletadas na fase Ouvir e traduzi-las em forma de insights sobre a realidade
atual em oportunidades para o futuro. Esta é a parte mais abstrata do processo, quando
se deve converter necessidades concretas dos indivíduos em insights mais gerais sobre a
população e modelos de sistemas. Durante esta fase, as soluções são criadas somente
com o filtro do Desejo, definido acima, em mente.
A última etapa, Implementar, guia a equipe na realização da ideia selecionada,
através da iteração na produção de mini-pilotos e planejamento do monitoramento e
avaliação de resultados. Essa fase desafiará a equipe a criar os elementos necessários
para que a solução tenha sucesso e para monitorar o seu impacto.
No gráfico a seguir, (Figura 10) vemos as etapas do processo e seus
desdobramentos.
Figura 10 - Gráfico representativo do processo do HCD. Fonte: IDEO
52
É importante ressaltar que as três etapas não precisam ocorrer necessariamente
em ordem, podendo não apenas ser invertida, como mais de uma etapa acontecer
simultaneamente. A Etapa Ouvir, por exemplo, ocorre durante todo o processo,
inclusive durante a etapa final Implementar.
Segundo a IDEO (2012), O HCD é um método é flexível o suficiente para ser
utilizado de forma complementar a outras metodologias existentes ou ser suplementado
por elas. Desta maneira, a autora optou por acrescentar outras ferramentas
metodológicas do design que foram consideradas importantes para o contexto do
projeto.
Dentre elas podemos ressaltar a “Wallet Project”, ferramenta projetual
originalmente proposta pelo “The K12 Lab” laboratório de design thinking para
crianças da universidade de Stanford, nos Estados Unidos. O Projeto “Wallet” é muito
rápido e dá uma visão geral de todo o processo de design. No tempo estipulado de uma
hora, é pedido para que os alunos realizem uma série de etapas.
A primeira é esboçar sua carteira ideal. Em seguida, as crianças devem
entrevistar o seu parceiro para obter ideias para melhorias sobre sua carteira. A partir
deste feedback, elas retornam ao papel e esboçam novas alternativas e depois disso
testam as novas ideias e partem para a produção de um modelo físico. Esse tipo de
atividade de conceituação e prototipagem rápida tem como objetivo expor as crianças a
princípios básicos do design, como a interação, a geração de conceitos e principalmente
a centralidade no usuário.
Foi também utilizado como base metodológica o conjunto de ferramentas
proposto por Schneider e Stickendorn (2012) em sua publicação sobre o design thinking
de serviços. Das ferramentas sugeridas, foram utilizadas: os cinco porquês e a sondagem
cultural.
Os cinco porquês são uma corrente de perguntas cuja função é explorar mais
profundamente o problema até chegar na sua raiz. O designer (ou a equipe de designers)
elaborar uma pergunta que resuma o problema e dela deviam-se outras perguntas - os
porquês - para forçar os usuários a pensar mais a fundo sobre o tema. Abaixo (Figura
11) temos um exemplo mais claro de como isso é feito.
53
Figura 11 - Os 5 PORQUÊS exemplificados. Fonte: Autora, 2015. Adaptado de Schneider e Stickendorn
(2012)
Schneider e Stickendorn (2012) defendem que a ferramenta é uma forma
simples de estabelecer relação entre o problema principal e suas causas subjacentes. Os
cinco porquês podem ser utilizados em diversas situações e uma de suas vantagens é
que o usuário poderá enxergar uma situação problemática que normalmente não veria
quando apenas pensasse sobre a questão.
Foi utilizada também a Sondagem Cultural. A ferramenta consiste em coletar as
informações de forma não-invasiva e sem a interferência do pesquisador. O usuário
participa utilizando um kit de autodocumentação. Este kit pode consistir em diferentes
tipos de registro, podendo ser entregue ao usuário tanto uma câmera, microfone, etc.
quanto uma simples mensagem de texto.
Para Schneider e Stickendorn (2012) a ferramenta é importante, pois permite que
insights sejam gerados sem a presença do pesquisador, a sondagem funciona como uma
forma de identificar mais profundamente os desejos e crenças dos usuários. Ela também
consegue trazer uma diversidade maior de perspectivas para o cerne do design. Também
foi considerada a possibilidade de dar autonomia às crianças. A auto documentação se
mostrou eficiente nesse sentido, pois a criança tem total liberdade com o que irá
registrar, sendo ela a única responsável por seu conteúdo.
54
O Human Centered Design, juntamente com as ferramentas adicionais, se
mostrou uma metodologia ajustável para a realização do projeto. Dentro das restrições
de tempo, espaço e levando em consideração a idade e o background dos usuários em
questão, a flexibilidade nas etapas do método foi fundamental para que todo o processo
fosse possível.
3. OBJETO DE ESTUDO
O objeto de estudo da pesquisa é a Escola Freinet, localizada na Avenida
Hermes da Fonseca, no bairro de Lagoa Nova, na cidade do Natal no Rio Grande do
Norte. A partir da visita realizada ao local, pode-se perceber que esta escola se mostrou
a melhor escolha para a pesquisa por uma série de fatores, entre eles a metodologia de
ensino diferenciada; a cultura solidificada de serem abertos e receptivos a projetos
universitários em geral e, principalmente à diversidade.
A escola é uma cooperativa, portanto possui alunos pagantes e não pagantes,
promovendo assim um recorte social mais amplo. Há também a política de inclusão;
alunos com deficiência assistem às aulas com os alunos sem deficiência. Sendo assim a
escola já promove a inovação, sendo ela mesma uma comunidade criativa.
55
3.1.ESCOLA FREINET
A Escola Freinet de Natal foi oficialmente inaugurada em 30 de outubro de
1996. Foi uma das primeiras linhas de ação da Cooperativa de Professores do Rio
Grande do Norte – COOPERN, criada no dia 08 de julho desse mesmo ano. A escola
surgiu do descontentamento dos professores fundadores da cooperativa com o sistema
de ensino público vigente.
Segundo João Viannei, professor de artes e atual diretor da escola, o intuito era
se diferenciar do ensino tradicional com uma pedagogia revolucionária. Assim, foi
escolhida a pedagogia Freinet. A diretriz da escola é baseada em formar alunos
preparados para exercer seus direitos e responsabilidades enquanto cidadão consciente.
Figura 12 - Fachada da escola Freinet Natal. Fonte: http://escolafreinetrn.com/
De acordo com o diretor, a escola procura não normatizar nem classificar o
aluno pelo fracasso, mas sim tomar o fracasso como ponto de partida para o sucesso. E
faz o possível para integrar a participação dos alunos e dos pais nesse processo.
56
Figura 13 - Pátio da Escola Freinet Natal antes do intervalo. Fonte: Autora, 2015
A metodologia utilizada na escola foi criada pelo pedagogo francês Célestin
Freinet. (1886 – 1966). Após a Primeira Guerra Mundial, Freinet começou a lecionar e
iniciou suas experiências didáticas e juntamente com a esposa atuou fortemente no
campo da educação e expandiu o movimento. Após a Segunda Guerra Mundial, lançou
a campanha “25 alunos por classe” que virou prática comum nas escolas francesas.
Hoje, o “Movimento Freinet” atua em 43 países, inclusive no Brasil.
De acordo com Viannei, a escola procura dar autonomia ao aluno e as avaliações
são baseadas no progresso do aluno e não nos erros cometidos. Esse pensamento vai de
encontro com Brown (2010) quando ele afirma que os comportamentos do usuário
nunca estão certos ou errados, todavia são sempre significativos.
Além das disciplinas tradicionais, a Escola Freinet, oferece oficinas em
diferentes áreas. Como música, artes visuais e design. A oficina de design é dada aos
alunos do Fundamental II, ou seja, do 6° ao 9°. Inicialmente a proposta era ensinar as
crianças sobre conceitos do design, ferramentas de projeto e principalmente atividades
manuais relacionadas à área. Todavia, no semestre corrente, foi decidido que os alunos
dessa oficina trabalhariam para produzir a cenografia e o figurino da peça de teatro que
a escola realiza anualmente.
57
Figura 14 – Encontro do Meio Ambiente. Fonte: Autora, 2015.
A política de inclusão também é forte na escola. Entre os alunos regulares
existem portadores de deficiência – física ou mental – tão integrados ao ambiente
quanto os alunos sem deficiência nesse sentido.
A primeira visita à escola aconteceu no dia 15 de Maio de 2015, para estabelecer
o primeiro contato com a instituição e conferir se haveria abertura para o projeto.
Coincidentemente, estava acontecendo o Encontro do Meio Ambiente (Figura 15) que,
após a conversa inicial com a direção da escola, fui convidada a acompanhar. O evento
consistia em propostas de melhorias para as questões ambientais vindas de todas as
turmas da escola. Da Educação Infantil ao Ensino Médio.
As propostas foram diversas e foram desde enviar uma carta ao prefeito para
arborizar a cidade, até questões como obsolescência programada. Tanto a diversidade
nas propostas quanto o evento em si, demonstram a autonomia dada aos alunos de
desenvolverem seu senso crítico.
Essa autonomia dada aos alunos converge com o argumento de Freire (2011)
que prega que ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Nesse sentido, a autonomia
passa a ser importante na pedagogia porque se centra nas experiências estimuladoras da
responsabilidade respeitando a liberdade individual.
58
Figura 15 – Alunos se agrupando para o Encontro do Meio Ambiente. Fonte: Autora, 2015
Portanto, a autonomia dada aos alunos os torna suficientemente abertos a inferir,
opinar e participar de ações de inovação social feitas na escola. Torres (2013) reforça
que no âmbito projetual, a opinião e as reações das pessoas são elementos fundamentais
para o design. A opinião pode confirmar ou ajudar a identificar a origem de uma ação,
para então elaborar uma proposta de projeto mais eficiente e condizente com a
realidade. As impressões com a primeira visita à escola foram essenciais para a pesquisa
e a escolha da metodologia a ser aplicada.
59
4. METODOLOGIA
A metodologia adotada partiu dos preceitos do Human Centered Design (HCD)
que visa a participação dos usuários no processo de criação de soluções aplicáveis e
viabiliza a aceitação das propostas. Por se tratar de uma metodologia flexível, também
foram utilizadas ferramentas complementares oriundas do Design Thinking para
auxiliar no processo.
É importante ressaltar que, para que não houvesse conflito com o planejamento
pedagógico da escola, as atividades relacionadas ao projeto foram limitadas às turmas
do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental I (por terem menos aulas do que o Fundamental
II e o Ensino Médio). Havia ainda um limite temporal de 20 a 30 minutos por turma,
uma vez por semana, podendo se estender caso o docente responsável pela turma
liberasse. Para que as etapas fossem realizadas, era necessário ir até a sala de cada turma
e pedir licença à professora responsável. Esta limitação foi a principal motivação para a
escolha tanto da metodologia e das ferramentas específicas do HCD e de outros
métodos, pois o pouco tempo exige dinamismo e eficiência. A seguir as etapas do
método HCD eu foram utilizadas.
4.1. OUVIR (H)
Inicialmente fez-se necessário conhecer melhor o contexto em que as crianças da
Escola Freinet estão inseridas e o grau de aceitação das mesmas quanto ao ato de
compartilhar. Em função do tempo reduzido disponibilizado para interagir com as
crianças, cerca de trinta minutos em cada sala, a fase Ouvir (H) da metodologia foi
adaptada. Foi dada preferência a ferramentas com o uso de desenhos, pois estes são uma
maneira primordial de comunicação e de expressão para as crianças. Segundo Borges
(1994) a criança ao desenhar, expressa fragmentos do real que lhe foram significativos.
4.1.1. Definir um desafio estratégico
A base para o HCD é um desafio estratégico bem definido, pois este desafio irá
nortear o restante da fase Ouvir, determinando, por exemplo, que como estruturar
entrevistas com usuário. O desafio pode ser decidido ou identificado. Segundo a IDEO,
é essencial que este desafio esteja moldado em termos humanos e não tecnológicos.
Para tanto, foi feita a opção de identificar o desafio em vez de apenas decidi-lo. Para
tanto, utilizei as duas ferramentas abaixo:
60
a) Desenho Reflexivo
Na etapa Ouvir da metodologia HCD, é importante avaliar o conhecimento pré-
existente. Originalmente, esta avaliação é feita com a equipe de design, todavia, a autora
preferiu realizar a atividade em conjunto com as crianças. O objetivo foi avaliar se elas
tem consciência da subutilização dos artefatos e porque isso é problemático.
Nas turmas do 1° e 2° ano do Ensino fundamental, cujas idades variam de seis a
sete anos, foi realizado a atividade do desenho reflexivo que consistia numa conversa
com as crianças sobre as coisas que elas possuíam e não utilizavam mais. Após essa
pequena conversa com a participação de todos os alunos presentes, um total de doze
crianças, (ao todo nestas turmas há dezesseis alunos, sendo dez no 1° ano e seis no 2°
ano) foi pedido para que eles desenhassem o objeto da casa deles que era menos
utilizado e que explicassem o motivo para a existência dessa capacidade ociosa. O
material utilizado para esta atividade foi: folhas de papel A4, lápis de cor, giz de cera e
hidrocor (Figura 16).
b) O Projeto da Mochila
Esta atividade foi realizada com os alunos das turmas do 4° ano e 5° ano do
Ensino Fundamental, cujas idades variam entre 9 a 11 anos. As duas turmas somadas
tem 26 alunos. A ferramenta foi baseada no kit de ferramentas de Design Thinking para
Crianças da Universidade de Stanford (K12 Lab Network). A ferramenta original se
chama “Wallet Project”. O ponto forte desta ferramenta é ser bastante prática, o que
num tempo reduzido se faz necessário. Foi feita uma alteração na ferramenta original; A
mala originalmente proposta foi substituída por mochila, por ser um objeto dentro do
contexto escolar, uma realidade mais próxima das crianças. Também foi retirada a etapa
da prototipagem em virtude do tempo reduzido com as crianças (30 minutos por turma).
As outras etapas da ferramenta foram mantidas.
O objetivo dessa ferramenta é ensinar de forma abstrata sobre colaboração e
sobre os alunos foram divididos em duplas. Foi utilizada uma folha A4 dobrada, lápis
de cor, giz de cera e hidrocor, exatamente como o kit da ferramenta anterior. A criança
deveria desenhar sua “mochila ideal”, ou seja, uma mochila diferente das que ela já
usava, nesta metade do papel e sua mochila deveria ter elementos que a tornassem única
e melhor do que as comuns.
61
Figura 16 – Kit entregue às crianças para a produção dos desenhos. Fonte: Autora, 2015.
Depois de feito esse primeiro desenho, as duplas deveriam conversar entre si e
explicar porque as suas mochilas eram especiais. Feita esta etapa, eles trocavam a folha
e utilizavam a metade não utilizada. Nesta etapa, as crianças deveriam desenhar sua
versão da mochila que o colega havia desenhado. Ao final da atividade deveríamos
comparar as duas versões da mochila e discutir qual era a melhor e os motivos. O
objetivo geral era verificar a aceitação da colaboração em projetos pessoais.
4.1.2. Procurando inspiração em outros lugares
Como ferramenta de inspiração para novas ideias, foi feita uma análise de
similares. As escolhas desses similares em específico se deram a partir do contexto com
o qual o projeto estava inserido. Foi levada em consideração a idade das crianças, o
ambiente escolar e, obviamente, o consumo colaborativo.
a) Análise de similares
Foi feita uma pesquisa de ações colaborativas já realizadas, dando preferência à
casos bem sucedidos dentro do Brasil. Foram eles: Joanninha - Aluguel de Brinquedos;
Retroca e o Social Funding.
i) Joanninha - Aluguel de Brinquedos
Joanninha é um serviço de aluguel de brinquedos criado por duas empresárias de São
Paulo que, em uma viagem à Europa, conheceram esse modelo de negócio trazê-lo para
62
o Brasil. O catálogo conta com uma boa variedade de brinquedos, sendo sua maioria,
brinquedos de cunho educativo.
Figura 17 – Página inicial do site Joanninha. Fonte: http://www.joanninha.com.br/
O serviço conta com uma plataforma online onde a pessoa cadastrada escolhe
um plano dos planos de assinatura disponíveis. Com um valor fixo mensal, o usuário
recebe uma quantidade fixa de “Joanninhas”, as moedas do site e com elas, pode-se
escolher um ou mais brinquedos, dependendo da quantidade de Joanninhas disponiveis.
Figura 18 – Resumo do funcionamento do serviço Joanninha. Fonte:
http://www.joanninha.com.br/index.php?id=/como_funciona/index.php
63
O usuário recebe o brinquedo em casa, com frete grátis. Não há tempo limite para a
devolução do brinquedo. O site sugere um mês para fazer a troca e manter a rotatividade
dos brinquedos, mas este tempo não é obrigatório. Do site Joanninha foi extraído o
artefato principal para o projeto. Também foi considerado interessante o tempo
indeterminado para a devolução do brinquedo em questão.
ii) Retroca
Retroca é um site de compra e venda de roupas e sapatos usados de crianças. Nele,
os pais podem se cadastrar, vender e comprar qualquer tipo de roupa e calçado
infantil. O site promete um desconto de até 80% no preço original do produto.
Figura 19 – Página Incial do Site Retroca. Fonte: http://www.retroca.com.br/
Para a venda, o processo consiste em solicitar uma Sacola Retroca. Esta sacola é
gratuita, basta enchê-la com as roupas que o usuário desejar vender, levar ao correio (o
frete é pago pelo site) e após o recebimento o usuário é pago por cada um dos itens que
forem colocados a venda no site. Eles possuem uma política de qualidade para evitarem
a venda de produtos em um mau estado. Também há um processo de higienização da
roupa antes da mesma ser colocada à venda.
64
Figura 20 – Esquema explicativo do funcionamento do serviço. Fonte:
http://www.retroca.com.br/comofunciona
O processo de compra é exatamente como a compra em qualquer outro serviço de e-
commerce. O usuário vai até o catálogo da loja, escolhe o produto, faz o pagamento
online e recebe o produto em casa. Deste similar, foi utilizado a possibilidade de
consumo por duas vias, no caso do Retroca é a possibilidade tanto de comprar quanto de
vender, no projeto em si, é ter que dar algo para poder participar da troca.
iii) Social Funding
É uma plataforma colaborativa de doação de tempo. Iniciativa da Escola Farrupilha, na
cidade de Porto Alegre - RS, com o projeto #DaEscolaPraVida. Em um incentivo á
cidadania, a escola criou o Social Funding.
65
Figura 21 – Página Inicial do Social Funding. Fonte:
http://www.colegiofarroupilha.com.br/socialfunding/
Nele os alunos podem criar vários projetos voltados para a sociedade e encontrar
voluntários. Para cada projeto, há um número de horas que precisam ser doadas, ou seja,
o tempo em que o voluntário precisará se dedicar ao projeto; e também uma meta e os
dias restantes para que esta seja alcançada, como no crownfunding4. Também são
colocados projetos que não são iniciativas de alunos, e sim de instituições e ONGs da
cidade. O site também mostra os projetos concluídos e coloca a opção do usuário ver
“como foi” e ver os resultados; se o projeto foi bem sucedido, se não foi, como e
quando ocorreu, etc. Deste similar especificamente, não foi utilizado nada para o projeto
já executado, mas possíveis desdobramentos sobre a doação do tempo serão descritos
nas Diretrizes.
4.1.3. Escolher métodos de pesquisa
Esta etapa consiste em pesquisar e definir qual o método de pesquisa mais
adequado para o objetivo do projeto. Para este caso, escolhi o método da
autodocumentação descrito a seguir:
4 Financiamento coletivo (crowdfunding) consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse
coletivo através da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas físicas interessadas na iniciativa. O termo é muitas vezes usado para descrever especificamente ações na Internet com o objetivo de arrecadar dinheiro para artistas, jornalismo cidadão, pequenos negócios e start-ups, campanhas políticas, iniciativas de software livre, filantropia e ajuda a regiões atingidas por desastres, entre outros.
66
a) O Diário das Brincadeiras
Esta ferramenta é uma união do Caderno Artesanal proposto Ellen Lupton, em
seu livro Eu que Fiz (2008), publicado em conjunto com sua irmã Julia Lupton.(2008) e
a Sondagem Cultural de Schneider e Stickendorn no livro Isto é Design Thing de
Serviços (2014). O Caderno Artesanal é uma ferramenta que Lupton e Lupton (2008)
classificam como essenciais para manter um conjunto de soluções simples. O caderno é
um registro visual do fluxo de pensamento do designer e dele podem surgir soluções
para problemas complexos. Na publicação, há instruções de como fazer o seu próprio
Caderno Artesanal.
Em contrapartida, a Sondagem Cultural (SCHENIDER; STICKERDORN. 2014)
tem como objetivo que o projetista seja o menos invasivo possível para coletar
informações dos usuários. É uma pesquisa em que o usuário faz uma autodocumentação
acerca da interação a ser observada. Este registro deve ser feito com a ajuda de um kit,
que deve ficar um tempo determinado com o usuário para que ele o complete.
Os autores são bastante abertos quanto à escolha do que deveria ser este kit, por
este motivo, foi aglutinada a ferramenta do Caderno Artesanal de Lupton e Lupton
(2008), com o objetivo que as crianças registrassem no diário de maneira espontânea
suas brincadeiras e sua interação com brinquedos em geral.
Para a realização deste método, cinquenta sketchbooks de tamanho A5 com dez
páginas cada, todas foram confeccionados pela própria autora. Esse sketchbook é
chamado de Meu Diário de Brincadeiras (Figuras 22, 23 e 24) e foi entregue a todas as
crianças do ensino Fundamental I. O diário serve para que as crianças registrem o maior
número possível de suas brincadeiras durante uma semana. Foi pedido para que eles
registrassem diariamente suas brincadeiras, informando se brincaram sozinhos ou com
alguém, se usaram brinquedos ou não. Essas informações deveriam estar na forma de
texto ou desenhos, da maneira como a criança se sentisse mais à vontade de se
expressar.
67
Figura 22 – Alguns dos diários prontos empilhados. Fonte: Autora, 2015.
Figura 23 – Página de identificação do diário. Fonte: Autora, 2015.
68
Figura 24 – Interior do diário. Fonte: Autora, 2015.
O diário foi confeccionado com cartolina branca na capa e papel pautado no
miolo. A capa foi deixada em branco para que a criança se sentisse livre para desenhar o
que desejasse nela, para torna-la original e única. Havia também um espaço na primeira
página para que a criança colocasse seu nome e seu ano escolar.
4.2.CRIAR (C)
A segunda etapa (criar) consiste na tradução dos depoimentos coletados a partir
de seminários e discussões entre membros da equipe de projeto. O diálogo deve permitir
o alcance de um determinado nível de abstração para o desenvolvimento de estruturas,
soluções e oportunidades que serão a base para o retorno a um nível concreto de
planejamento, com o desenvolvimento de futuros protótipos.
4.2.1. Identificar Padrões
Esta etapa é como o próprio nome sugere, um momento para identificar padrões,
fatos ou situações que se repetem ao longo da pesquisa. Para fazer com que esses
padrões emergissem foi utilizada a seguinte ferramenta:
a) Os Cinco Porquês
Esta ferramenta do design thinking consiste em fazer uma corrente de perguntas
para explorar melhor a raiz do problema. Mais uma vez, uma ferramenta rápida e
69
dinâmica foi favorecida em função do tempo limitado com as crianças. Segundo
Scheneider e Stickdorn (2014), os cinco porquês são uma maneira prática e simples de
ligar causas subjacentes aos problemas aparentes. A utilidade se dá principalmente por
obter um entendimento de questões complexas e para provocar uma abordagem
profunda na explicação de problemas comuns pelas pessoas que estão respondendo às
perguntas.
A pergunta inicial era “Por que você não usa mais algum brinquedo seu?”. A
partir da resposta para esta pergunta, continuávamos com outro “Por quê?” e assim
sucessivamente até encontrar a motivação primordial. Esta ferramenta foi utilizada em
todas as turmas do Ensino Fundamental I e registrada em vídeo.
4.2.2. Transformar Ideias em Realidade
A intenção nesta parte da metodologia é “construir para pensar”, ou seja, colocar em
prática a ideia inicial para estabelecer o que funciona e o que não funciona no processo.
Para tanto, foi elaborada a execução do evento-protótipo descrito a seguir:
a) Evento-Protótipo
A partir dos resultados obtidos nas etapas anteriores, foi iniciado o protótipo da
ação colaborativa: uma feira de troca de brinquedos. Para a realização do mesmo, foi
preciso engajar não apenas as crianças, mas principalmente os pais, bem como os
professores. Para tanto, foi produzido um comunicado, que foi entregue à todas as
crianças do Ensino Fundamental 1 e colados em seus cadernos para que os pais
pudessem ler. Todos os comunicados foram produzidos em preto e branco para facilitar
a reprodução dos mesmos na própria escola.
Foi entregue no dia 18 de Setembro e divulga a troca dos brinquedos e resume
em poucas linhas a importância da ação, conforme vemos na figura abaixo (Figura 25).
Este comunicado foi feito no tamanho de 1/3 de uma A4 (21 cm x 9,9 cm) a fim de
minimizar o número de cópias necessárias.
70
Figura 25: Comunicado de divulgação da Feira da Troca. Fonte: Autora, 2015.
No dia 25 de Setembro de 2015 foi realizada a 1° Feira da Troca. Após a
constante divulgação para promover uma conscientização dentro das famílias e de
bastante incentivo dentro da escola com os alunos e professores, a feira foi realizada. Os
brinquedos foram recolhidos nos primeiros horários para que pudéssemos organizá-los
no espaço antes que as crianças pudessem interferir e para que todas tivessem o mesmo
tempo para analisar e escolher seus brinquedos novos.
As crianças que contribuíram com brinquedos para serem trocados foram
liberadas para o recreio por volta de vinte minutos antes das demais para que a troca
fosse realizada. Ao iniciar o processo de troca, foi necessária bastante diplomacia para a
organização e para que o máximo número possível de crianças saísse satisfeita com a
sua troca.
Houve bastante tempo de negociação, para sanar dúvidas e para as escolhas.
Quando o restante das crianças foi liberado para o recreio, muitas delas assistiram a
troca e interferiram com suas opiniões e ajudaram os colegas nas escolhas. Cerca de dez
minutos depois, todas as crianças participantes haviam feito a troca e já estavam
brincando e exibindo para seus amigos os brinquedos novos. Após o encerramento da
feira, ainda houvera trocas posteriores entre os alunos.
4.2.3. Coletar feedbacks
Após a realização do evento-protótipo, a metodologia HCD considera
importante coletar feedbacks. Em concordância, foi feita uma verificação do grau de
aceitação da ideia tanto das crianças quanto dos pais.
71
a) Entrevistas em grupo
Para entender como foi a experiência do protótipo para as crianças, em especial,
em medir o nível de satisfação após o evento protótipo. Para tanto, foi realizada uma
entrevista com aqueles que participaram da troca. A fim de manter o foco no assunto,
foi elaborado um pequeno questionário (Figura 26) sobre como foi a experiência de
trocar brinquedos ao invés comprar.
Figura 26 – Questionário de satisfação aplicado com as crianças. Fonte: Autora, 2015.
As crianças foram chamadas até o pátio da escola e nos sentamos em círculo,
para que todos se sentissem à vontade em verbalizar e para não atrapalhar os colegas em
atividades didáticas. O questionário foi lido em voz alta para todos se manifestarem e
marcarem suas alternativas. A entrevista foi realizada no dia 7 de Outubro com dez das
crianças que participaram da troca.
b) Entrevistas individuais
Para uma apuração mais ampla dos resultados da Feira de Trocas e impacto geral
na vida familiar da criança, conversei com alguns dos pais das mesmas para ouvir suas
opiniões. Não sendo possível encontrar pessoalmente os pais das crianças participantes,
72
a entrevista foi feita por telefone. Ao todo, dez familiares, sendo quatro pais e seis mães,
responderam minhas perguntas e fizeram críticas, considerações e deram sugestões.
4.3. IMPLEMENTAR (D)
A última etapa (implementar) do método HCD se refere à implementação,
propriamente dita, das soluções propostas anteriormente. O método assume que a maior
parte das organizações pode já possuir um conjunto de processos de implementação e
propõe que, neste caso, as atividades sugeridas possam complementar ou mesmo
transformar os processos existentes. O desenvolvimento das soluções é feito levando-se
em conta questões financeiras, técnicas e produtivas, também estimulando a proposição
e desenvolvimento de novas soluções.
4.3.1. Desenvolver a receita de um modelo sustentável
A partir dos dados colhidos até então, especialmente do feedback dado pelos alunos e
pelos pais deles, foi iniciado o processo de implementar uma solução permanente.
a) Troca de Brinquedos
Considerando o sucesso e os bons feedbacks do protótipo, com algumas pequenas
alterações, foi feita uma versão oficial da Feira de Troca. Mais uma vez, para estimular
a participação, divulgação, ocorreu, mas dessa vez mais intensa para angariar novos
participantes. Após a etapa da coleta e análise dos feedbacks, foi iniciado o trabalho
com o material de divulgação. Mais uma vez houve a restrição do preto e branco para
facilitar a reprodução do material na escola.
O primeiro comunicado foi entregue no dia 5 de outubro e é de tamanho A5. O
objetivo deste era difundir o termo “consumo colaborativo” entre as famílias das
crianças e argumentar de forma simplificada alguns dos benefícios dessa mudança de
hábitos. (Anexo 1).
O segundo comunicado (Figura 27) de tamanho 10,5 cm x 9,9 cm, ou seja, 1/9
de folha A4 se trata de um convite para o evento protótipo. Foi entregue no dia 8 de
Outubro de 2015. É uma chamada para que os pais permitam que seus filhos levem os
brinquedos para a troca no dia marcado para o evento.
73
Figura 27 – Convite para a 2° Feira da Troca de Brinquedos. Fonte: Autora, 2015.
Para reforçar a informação, foi repetida a utilização do convite do comunicado
anterior, este, entregue no dia 13 de Outubro.
A 2° Feira da Troca aconteceu no dia 16 de Outubro de 2015, na comemoração
da escola para o dia das crianças. Havia algodão doce, pipoca e uma cama elástica para
as crianças brincarem. As crianças foram reunidas para entregar todos os brinquedos
pois a Feira começaria dali a poucas horas.
Depois da arrecadação e da organização de todos os itens, ainda foi dado um
tempo extra às crianças, pois a cama elástica ainda estava disponível e considerei
inadequado interromper uma brincadeira em detrimento a outra. Passada mais uma hora,
todas as crianças que levaram brinquedos foi agrupadas para troca no “espaço” - a
maneira como é chamada a área coberta do pátio da escola.
4.3.2. Plano de aprendizagem
Após a etapa de implementação (D), se faz necessário continuar a melhorar o
sistema proposto. Aprendendo com a experiência da implementação, deve-se ainda
coletar mais dados a fim de chegar a soluções ainda melhores no futuro.
74
a) Painel
Ao questionar o que ainda poderia ser extraído da experiência, chegou-se à
conclusão de que um meio físico para que as crianças expressassem suas impressões e
opiniões sobre as experiência de troca seria conveniente.
De tal maneira, foi proposto à escola fazer um mural de tinta preta fosca a fim de
transformar uma das paredes em quadro negro, conforme vemos no exemplo da Figura
28.
Figura 28 – Parede transformada em quadro negro em intervenção no Restaurante Universitário da
UFRN. Fonte: Página Espaço de Convivência dos meus sonhos, 2014.
De tal maneira, foi pedida autorização da escola para fazer algo próximo a isso,
mas o pedido foi negado. A Escola Freinet funciona num prédio histórico e qualquer
intervenção deve ser previamente avisada e passar por um processo burocrático para
aprovação. Todavia, a escola ofereceu a opção de fazer a intervenção com algo portátil e
removível, e não na parede.
Sendo assim, algumas opções foram consideradas, sendo, por fim, optada a
colocação de um painel de PVC no Espaço, com a disponibilidade de pilotos para que
as crianças escrevessem ou desenhassem. A priorização pelo painel de PVC se deu,
muito em função da possibilidade dele ser apagado e reutilizado após o período de
intervenção. Foi disponibilizado um painel o tanto quanto pequeno, mas relativamente
suficiente ao número de alunos do Ensino Fundamental I.
75
Figura 29 – Painel de PVC após ser fixado na área comum da escola. Fonte: Autora, 2015.
Figura 30 – Painel já com a pergunta e os pilotos disponíveis para uso. Fonte: Autora, 2015.
No painel, um texto foi impresso e colado com o questionamento: O que é mais
divertido, TROCAR ou COMPRAR? (Por quê?)
76
4.3.3. Analisar os resultados
A última parte da etapa de Implementação (D) é fazer um apanhado geral de
todo o caminho percorrido para a realização do projeto e que se resultou disso. Esta
parte veremos mais adiante no tópico de Análise.
77
5. ANÁLISE
Neste capítulo, estão descritos os resultados da aplicação do método HCD na
Escola Freinet em suas três fases - Ouvir, Criar e Implementar - conforme descrito no
capítulo anterior. Em seguida é feita uma análise dos dados colhidos nas diferentes
ferramentas utilizadas em cada etapa.
Dentro da fase Ouvir (H), foram utilizadas as seguintes ferramentas:
Desenho Reflexivo, onde avaliou-se o grau de entendimento das crianças em
relação aos objetos subutilizados e que objetos seriam esses;
Projeto Mochila, uma ferramenta rápida que apura a receptividade dos alunos a
projetos colaborativos;
Análise de similares que proporcionou um entendimento melhor do sistema de
atividades colaborativas e tomou alguns atributos como inspiração;
Diário de brincadeiras que viabilizou um entendimento sobre a relação das
crianças com os brinquedos;
A partir deste ponto, iniciou-se a fase Criar (C) da metodologia, cujas etapas são:
Os Cinco Porquês foram utilizados para buscar padrões e identificar a motivação
chave para que uma criança perca o interesse em seus brinquedos;
O Evento-Protótipo foi utilizado como experiência a fim de detectar o que
funciona e o que não funciona numa ação colaborativa entre crianças;
As Entrevistas em Grupo apuraram o grau de satisfação das crianças com a
experiência realizada no protótipo;
As Entrevistas Individuais feitas com os pais viabilizaram uma delimitação do
impacto da experiência sobre a família.
Iniciou-se então, a última etapa da metodologia HCD, a Implementar (D), onde
o que foi percebido nas fases anteriores foi tomado como base. Nesta fase foram
efetuadas as seguintes etapas:
Feira da Troca de Brinquedos: esta etapa foi consequência do protótipo. Após
analisar o que deu certo e o que deu errado na primeira versão do evento, o
segundo trouxe consigo uma nova percepção acerca do consumo colaborativo;
A etapa do painel foi uma solução encontrada para o Plano de Aprendizado,
etapa do HCD. Dele foi obtido o resultado da opinião das crianças após as
experiências de troca.
78
5.1.OUVIR (H)
A fase H da metodologia HCD consiste em criar empatia com os usuários no
contexto existe. Para tanto, foram utilizadas as seguintes etapas.
5.1.1. Definir desafio estratégico
Para que o desafio estratégico fosse bem delineado, foram utilizadas duas
ferramentas: o Desenho Reflexivo e o Projeto Mochila, cujos resultados vemos
detalhadamente a seguir.
a) Desenho Reflexivo
Nesta atividade foi pedido para que as crianças refletissem sobre os objetos que
elas possuem em casa, mas não utilizam mais. A atividade foi realizada com as turmas
do primeiro e do segundo ano do Ensino Fundamental. Ao todo, as duas turmas
possuem 16 alunos, todavia, no dia em que a atividade foi realizada, apenas 12 estavam
presentes. A maioria das crianças desenhou brinquedos, conforme vemos nas figuras
abaixo (Figura 31).
Figura 31 – Desenho de uma aluna que disse não utilizar muito sua casa de bonecas. Fonte: Autora, 2015.
79
Ao pedir uma justificativa do motivo do não uso desses brinquedos, a resposta
mais comum foi a de que elas já tinham brincado muito com ele. Outros objetos
diferentes de brinquedos foram: carro, roupa e livro (Figura 32)
Figura 32 – Desenho de um aluno que afirmou que sua família quase não usa um dos carros. Fonte:
Autora, 2015.
Estes resultados demonstram claramente que os brinquedos são os artefatos que
caem mais rápido em desuso. Desta forma, eles foram classificados como uma
oportunidade de alto potencial em vista da quantidade de crianças que conseguiram
identificar rapidamente que usam pouco alguns de seus brinquedos. No, entanto, se fez
necessário verificar se havia demanda também para outros tipos de artefato.
b) Projeto Mochila
Esta atividade foi realizada com as crianças do 4° e do 5° ano do Ensino
Fundamental, reunidos na mesma sala de aula, pois tinham horário livre depois do
intervalo. Dos 26 alunos dessas turmas (sendo 16 no 4° ano e 10 no 5° ano), 22 estavam
presentes no dia em que se realizou a atividade. Para a realização da atividade, era
necessário formar duplas, o que causou conflito entre eles, sendo necessária
interferência para determiná-las para que nenhuma criança sobrasse. Por ter sido feita
nos horários depois do recreio, foi difícil manter os alunos com foco na atividade.
O momento de trocar ideias com seus colegas foi outra dificuldade, depois de
finalmente se concentrarem para fazer o desenho, a interrupção para a troca de ideias
80
gerou outra dispersão generalizada antes que eles finalmente discutissem as ideias e
trocassem de folha. Ainda assim, alguns resultados foram obtidos da atividade.
Após terminarem o segundo desenho, foi pedido para que as crianças os
destrocassem falassem sobre como era a sua ideia inicial e o que eles acharam da versão
de seu colega sobre a mesma coisa. A maioria das crianças estavam dispersas demais
para de fato participarem, entretanto, duas duplas não só finalizaram os desenhos, como
realmente discutiram as ideias e chegaram à exatamente a mesma conclusão: um novo
desenho unindo as duas versões da mochila seriam a melhor solução para agradar a
todos os envolvidos. (Figura 33).
Figura 33 – Desenho escaneado era parte da produção da atividade. Fonte: Autora, 2015.
As falhas na realização desta etapa serviram para guiar as posteriores.
Doravante, não foi mais realizada qualquer atividade depois do horário do recreio,
porque após minutos de incessante brincadeira, é muito difícil para as criança voltarem
à sala de aula, sentar prestarem atenção em qualquer coisa. Também foi evitada a união
de duas ou mais turmas de uma vez, pois a maior quantidade de crianças gera mais
distrações entre elas. Isso somado a pouca experiência da autora em sala de aula
tornaram esta etapa mais um aprendizado pessoal do que um resultado relevante para o
trabalho.
81
5.1.2. Procurando inspiração em outros lugares
Nesta etapa do HCD, se fez necessário apurar algumas ações similares ao
pretendido no trabalho e procurar pontos fortes desses similares que poderiam ser
incorporados ao projeto.
a) Análise de similares
Conforme dito no capítulo da Metodologia, no tópico sobre a análise de
similares, eles foram escolhidos porque de alguma forma tinham algo em comum com o
contexto do projeto. No caso do site Joanninha, temos os seguintes atributos a serem
levados em consideração:
A utilização do brinquedo como artefato para a promoção do consumo
colaborativo;
O sistema de aluguéis disponibilizado para os usuários;
A possibilidade de utilizar o brinquedo alugado por tempo inderteminado;
A assinatura mensal paga pelos usuários que mantém o serviço em
funcionamento sem que eles dependam da devolução dos brinquedos.
Dentre os atributos citados, o mais relevante para o projeto em questão é a
utilização do brinquedo como artefato para o consumo colaborativo pois este já havia se
demonstrado, nas etapas anteriores, o maior potencial para uma ação do gênero.
Também foi observado o aspecto do uso do brinquedo alugado ser por tempo
indeterminado, dando aos pais e à criança autonomia para a forma como aquele artefato
será utilizado.
Já no caso do site Retroca, foram analisados os seguintes atributos:
O produto oferecido são roupas e calçados infantis, outro tipo de artefato com
potencial para uma ação colaborativa na Escola Freinet.
A possibilidade de não só comprar roupas usadas, mas também vender peças em
bom estado que não servem mais na criança, evitando desperdício e trazendo
lucro também para o usuário;
O controle de qualidade feito pela empresa pela qualidade dos produtos
disponibilizados no site que previne o usuário de ser lesado em relação à
compra.
Destes atributos, o mais significativo para o projeto é a possibilidade da
colaboração em duas vias, ou seja, tanto ter a possibilidade de vender quanto de
comprar, abrindo espaço também para a troca dos artefatos, sem que haja intermédio
financeiro.
82
Por último, analisamos os atributos da plataforma online Social Funding, que foi
escolhido por se tratar de uma iniciativa de consumo colaborativo realizada por uma
escola.
Autonomia: a abertura que a plataforma dá para que os alunos do Colégio
Farroupilha (de onde surgiu a iniciativa) de cadastrarem seus próprios projetos e
contribuírem com os projetos que quiserem;
A doação do tempo. Não há a interferência de qualquer artefato tangível, a
colaboração vem no formato do engajamento pessoal em cada projeto.
Para o projeto em si, este similar nçao foi utilizado em qualquer um de seus
atributos, todavia, ele foi considerado na elaboração das diretrizes conforme veremos no
próximo capítulo.
Os três projetos analisados possuem um fator em comum que não pode deixar de
ser mencionado: todos funcionam como plataforma online para a realização de ações
“offline”. No entanto, em função do recorte para este trabalho serem crianças do Ensino
Fundamental I, com idades de 6 a 11 anos, utilizar uma plataforma online dificultaria o
processo de desenvolvimento.
Embora a geração atual tenha nascido após a democratização tecnológica, elas
ainda são muito novas para terem acesso total à internet. A grande maioria das crianças,
em especial as mais novas, só utiliza o meio online para jogar. Há também o fato de que
nessa idade, o acompanhamento da família com o conteúdo que a criança consome
online é importante. Portanto, para a criação de uma plataforma online para a difusão e
o engajamento para uma ação colaborativa precisaria de um envolvimento maior da
família, o que foi considerado dificultoso para um período de execução tão curto.
A possibilidade de uma plataforma online que não só difunda, mas também
facilite a criação de projetos colaborativos não foi descartada, sendo colocada nas
diretrizes especialmente se o recorte for com adolescentes.
5.1.3. A escolha de métodos de pesquisa
Esta fase do HCD consistiu em escolher uma ferramenta para facilitar a pesquisa
qualitativa no trabalho, que, conforme vimos no capítulo da Metodologia, foi a
autodocumentação através do diário de brincadeiras.
a) O Diário de Brincadeiras
Dentre os 54 diários entregues, 29 foram devolvidos, um total de 53,7%. Dentre
os devolvidos ainda havia 3 em branco ou com informação insuficiente, cuja criança
83
responsável escreveu ou desenhou menos de uma página. Portanto, dos 54 originais,
apenas 26 puderam ser analisados corretamente. No quadro a seguir, temos as
informações que mais se repetiram dentre os diários. É importante ressaltar que o
quadro foi dividido entre brinquedos e brincadeiras individuais x brinquedos e
brincadeiras em grupo. Esta classificação foi dada a partir dos relatos das crianças das
atividades que elas faziam sozinhas e das que elas faziam com amigos ou parentes.
Algumas das atividades em questão se mostraram versáteis, pois foram descritas tanto
como atividades que a criança faz sozinha, quanto por atividades em grupo.
Quadro 4 – classificação das brincadeiras entre individuais e em grupo. Fonte: Autora, 2015.
Além da classificação de brincadeiras relatada acima, também há outros dados
relevantes:
7 crianças consideraram assistir desenhos animados uma brincadeira;
1 criança considerou livro um brinquedo, pois se diverte bastante lendo;
30, ou seja, aproximadamente 55% das crianças têm irmãos com quem brincam;
45% das crianças são filhas únicas ou não tem irmãos com idade para brincar
com eles, sendo muito mais velhos ou muito mais novos;
As crianças mais novas (especialmente as do 1° ano) consideram como
brincadeira um maior número de atividade que as crianças mais velhas;
100% das crianças do 5° ano disseram que não brincam quando estão sozinhos e
nem consideram jogar videogame uma brincadeira, em contramão às crianças
das outras séries.
84
Aproximadamente 40% das crianças não descreveu qualquer atividade
individual no diário. Destas, cerca de 90% eram do 4° ou 5°ano do Ensino
Fundamental;
Com exceção de “brincar de casinha/boneca”, não houve diferenciação de
gênero entre os brinquedos e as brincadeiras das crianças.
Observou-se que, conforme o pressuposto, a brincadeira é priorizada sobre o
brinquedo. As crianças demonstraram mais interesse no que lhes parecia mais divertido,
mesmo que em algumas das brincadeiras não se utilizasse objeto algum como suporte.
Também pode-se notar que as atividades em grupo são priorizadas às individuais. A
maioria das crianças preferia deixar os brinquedos de lado e participar de alguma
atividade com amigos/parentes do que o oposto.
Logo, pode-se concluir que o valor dado ao brinquedo pela criança não é
financeiro, elas levam em conta apenas a diversão proporcionada por ele. Considerando
a presença maciça de artefatos caros, como tablets e ao mesmo tempo de atividades
simples como pular corda ou elástico, a experiência é colocada acima do valor de
mercado. Também foi percebida uma preferências por brinquedos não-limitantes, ou
seja. sem papéis ou funções extremamente pré-definidas. Partindo desses resultados,
iniciei o processo de criação.
5.2.CRIAR
A partir daí, iniciou-se a fase de criação no projeto, desenvolvendo possíveis
soluções.
Identificar Padrões:
5.2.1. Os 5 porquês
A ferramenta dos 5 Porquês foi feita em todas as turmas do Ensino Fundamental
I da escola. De turma em turma, eu iniciei a brincadeira com a pergunta: Por que você
deixa de usar um brinquedo? A atividade foi feita em grupo e gravada em vídeo.
Diferentemente do esperado, as crianças tentaram responder algo diferente do que o
colega anterior havia dito, me dando uma riqueza de respostas acima do esperado. No
entanto, ainda é possível ver um padrão bem explícito, pois houve muitas respostas com
palavras diferentes para as mesmas coisas. No esquema abaixo podemos verificar as
respostas mais comuns desta ferramenta.
85
Figura 8 - Figura 34 – Esquema dos 5 Porquês compilando as respostas mais comuns. Fonte: Autora,
2015.
Conforme podemos ver claramente, as crianças se cansam de um brinquedo
porque usaram demais, ou porque o mesmo já não é mais adequado à idade dela, sendo
uma combinação das duas coisas a resposta final mais provável. Os interesses mudam
com a idade, dessa forma, podemos dizer que o grau de interesse de uma criança por um
brinquedo específico se altera rapidamente e o brinquedo já completamente explorado,
sempre será preterido em relação a uma novidade.
5.2.2. Evento-Protótipo
Após a divulgação da Feira da Troca, algumas crianças se mostravam resistentes
ao ato de ter que se desfazer de algo seu para ganhar algo em troca. Portanto, apenas 20
e uma das 54 crianças do Ensino Fundamental I levaram seus brinquedos para a troca. A
atividade ocorreu antes do recreio, por volta das 9:15 da manhã. A grande maioria das
crianças pareceu plenamente satisfeita com a sua troca e após a feira, ainda houve trocas
paralelas entre elas. Por ter ocorrido logo antes do recreio, as crianças que não levaram
brinquedos para trocar puderam assistir uma parte significativa da atividade de troca e a
maioria se manifestou verbalmente estarem arrependidas de não terem levado nada.
Um fator a ser considerado foi que sobraram três brinquedos. Não era esperado
que algumas crianças levassem mais de dois brinquedos, sendo que duas delas (um
menino e uma menina) levaram cinco brinquedos cada. Foi permitido que as crianças
levassem para casa a mesma quantidade de brinquedos de trouxeram para a escola,
86
sendo que as duas crianças levaram cinco brinquedos cada, se contentaram com menos
do que essa quantidade. Os brinquedos que sobraram foram guardados na escola até que
se resolvesse o que fazer com eles.
Algumas das crianças, especialmente as do 4° ano, perguntaram quando haveria
outra feira porque não sabiam que seria tão divertido ou já tinham interesse em trocar,
mas esqueceram de levar o brinquedo no dia.
Durante o recreio, a empolgação com os brinquedos recém-trocados pode ser
constatada. (Figura 35) As crianças começaram a brincar imediatamente e
compartilharam inclusive com seus amigos que não participaram da experiência. Desta
forma, pode-se concluir que apesar de não haver uma participação massiva, o evento
protótipo foi bem sucedido em seu intuito de promover a uma pequena mudança nos
hábitos de consumo de maneira divertida.
Figura 35 – Crianças se divertindo após o Evento-Protótipo. Fonte: Autora.
87
Das crianças participantes apenas uma demonstrou não gostar de troca, conforme
veremos na análise das entrevistas feitas posteriormente. No infográfico (Figura 36)
podemos conferir detalhadamente a participação na Feira da Troca.
5.2.3. Coletar feedbacks
Nesta fase, se faz necessário verificar o grau de satisfação dos atores do sistema com
o evento-protótipo.
a) Entrevistas em Grupo
A fim de medir a satisfação das crianças com a experiência de troca, foi
elaborado um questionário simples e rápido para que elas expressassem o que elas
achavam. Todas as crianças que participaram da troca responderam ao questionário.
Nos anexos, a entrevista estruturada e aplicada diretamente.
A entrevista com o questionário foi feito em grupo, de sala em sala,
principalmente para que eu os acompanhasse em caso de dúvida na interpretação do
texto, pois parte significativa da amostragem está em idade de alfabetização. Na
primeira turma em que o questionário foi aplicado, o 3°ano, a presença de um adulto na
resolução do questionário se mostrou importante, uma vez que, na penúltima pergunta
“Você trocaria de brinquedo de novo outro dia?”, muitas crianças entenderam que
teriam que trocar o brinquedo que elas haviam acabado de receber na troca, fazendo
com que muitos marcassem “não” como resposta até eu explicar o que quis dizer com a
pergunta e elas marcarem sim. Já atenta que esta questão particularmente foi ambígua
para as crianças, nas turmas seguintes, o enunciado foi melhor explicado para que elas
marcassem a resposta mais conscientemente do que a pergunta significava. Abaixo o
gráfico com as respostas.
88
Figura 36 – Infográfico com o resultado das entrevistas com as crianças. Fonte: Autora, 2015.
Pode-se concluir que no geral, a grande maioria das crianças se sentiu satisfeita
com a troca, tanto enquanto experiência quanto em relação ao brinquedo trocado.
Quanto a outras coisas para trocar, poucas crianças responderam a esta questão. Do
total, apenas 35.4% responderam algo além de brinquedos. Apenas 8% das crianças não
trocaria novamente, mas destas, cerca de 87% disseram que não trocariam porque
estavam satisfeitos com todos os brinquedos que tinham, mas poderiam trocar no futuro,
caso se cansassem deles.
b) Entrevistas individuais
Sobre o impacto da Feira da Troca dentro do ambiente familiar, foi feita uma
entrevista também com alguns dos pais dos alunos que participaram da experiência.
Dentre os familiares entrevistados, 4 eram pais e 6 eram mães de alguma das crianças.
No geral, todos foram bastante receptivos com a proposta da troca, dos quais:
89
Figura 37 – Infográfico com os resultados das entrevistas com os pais. Fonte: Autora, 2015
Ainda em relação aos familiares das crianças, foi lhes perguntado qual a melhor maneira
de ensinar a seus filhos sobre o consumo colaborativo. As repostas foram bem
parecidas, em resumo todos consideraram importante dar o exemplo para as crianças, ou
seja, não apenas falar sobre o assunto, mas demonstrar com atitudes que o apego
material não é algo necessário para o bem-estar. Dentre as falas dos familiares, alguns
pontos foram considerados feedbacks importantes:
Apenas uma mãe se deu por insatisfeita com a troca feita pela filha, mas a
questão era que a aluna tem alergia à pelúcia, e devido a falta desta informação,
foi permitido que a menina levasse o porquinho de pelúcia que ela tanto
desejava. Desta forma, foi solicitado à escola informações sobre alergias e outras
possíveis restrições que as crianças poderiam ter em relação a algum brinquedo
para que o fato não se repetisse;
Ao ser perguntado sobre a melhor maneira de ensinar valores como o de
compartilhar às crianças, um dos pais respondeu que além do exemplo a ser
dado em casa, que: “a Feira da Troca foi uma forma muito interessante de
abordar o tema, porque é lúdica, as crianças se divertem. Eu nunca havia
pensado em algo do tipo”;
90
Uma mãe afirmou que a Feira da Troca foi “uma belíssima iniciativa da escola!
Deveria acontecer com frequência maior e abrir para outros tipos de objeto”. Ela
ainda citou que participa de uma bazar na igreja que frequenta e que algo
parecido poderia ser aplicado também na escola;
Outra mãe comentou que seu filho tem dificuldades para dividir os brinquedos
com os colegas e a feira foi uma boa oportunidade para ela trabalhar este aspecto
da personalidade da criança em casa, ajudando-o a desapegar de algumas coisas
antigas;
Já o pai de um dos meninos participantes disse que seu filho não tem irmãos, e
por este motivo, a ideia de compartilhar sempre foi bastante enfatizada, porque a
criança não teria a experiência para aprender a lidar com isso. De fato, a criança
em questão foi a que mais levou brinquedos para troca e não se importou de, no
total, ter ficado com um brinquedo a menos do que levou.
Disto concluímos que o impacto na vida familiar foi tão positivo quando na
escola. Alguns dos entrevistados ainda comentaram o quanto seus filhos voltaram
felizes da escola naquele dia e o quanto gostaram dos brinquedos. Os feedbacks
extraídos da experiência foram importantes para o trabalho, enfatizando a relevância do
mesmo.
5.3.IMPLEMENTAR (D)
Nesta fase do HCD, a experiência gerada nas fases anteriores serve como ponto
de partida para uma execução mais adequada do projeto.
5.3.1. Feira da Troca de Brinquedos
Com divulgação mais intensa e menos espaçada entre os dias da semana e a
experiência prévia das crianças com a troca no Evento Protótipo, mais crianças
trouxeram brinquedos para a Feira da Troca. Dos 54 alunos, 32 levaram algo para
trocar, ou seja, mais da metade do total de crianças do Ensino Fundamental.
Os três brinquedos que sobraram do evento-protótipo foram colocados à
disposição junto com os novos brinquedos disponibilizados para a troca. A fim de evitar
uma sobra como ocorreu anteriormente, foi pedido que as crianças participantes
levassem no mínimo um e no máximo três brinquedos cada uma.
91
Figura 38 – Crianças se reunindo para iniciar a Feira da Troca. Fonte: Autora, 2015
A troca agora se deu de maneira mais veloz. As crianças já sabiam como
funcionava a troca, portanto, poucas dúvidas surgiram. A mediação para que as trocas
ocorressem foi maior do que no protótipo, a fim de sanar todas as possíveis dúvidas e
evitar conflitos entre as crianças que quisessem os mesmos brinquedos.
A troca foi mais rápida dessa vez, tanto por causa da mediação constante, quanto
pelo fato de que mesmo as crianças que não participaram da última Feira, elas já haviam
visto o evento antes e já estavam mais seguras em trocar. Houve alguns casos de
crianças que já negociaram entre si antes do início da feira, utilizando o tempo oficial da
feira apenas para pegar ver tudo o que estava disponível e ter certeza de que haviam
feito uma boa troca.
92
Figura 39 – Aluna após a Feira da Troca com seu brinquedo novo. Fonte: Autora, 2015
Ao fim das negociações e das trocas, não sobrou nenhum brinquedo desta vez
(Figura 39). As crianças continuaram no espaço seguindo com a brincadeira. Todas
pareciam felizes com seus brinquedos recém-trocados.
5.3.2. Plano de aprendizagem
a) Painel
A participação dos alunos em relação ao painel foi intensa desde o primeiro
momento. O painel foi fixado no “Espaço” da escola poucos minutos antes do recreio.
Uma vez saídas da sala de aula, não foi necessário chamar ou convidar nenhuma criança
para preencher o painel, a curiosidade desperta por aquele objeto foi o suficiente para
93
que várias delas ficassem ao redor para ler o enunciado e responder à pergunta. O
primeiro registro foi feito assim que o quadro foi, conforme vemos na Figura 40.
Neste mesmo dia, depois do recreio, o painel foi apagado para dar espaço para
novas respostas para o dia seguinte. O painel também chamou atenção de outros alunos
que não eram do Ensino Fundamental I, sendo que alguns dos alunos do Fundamental II
e do Ensino Médio também responderam a questão. O painel ficou na escola por um
tempo total de dois dias e precisou ser apagado pelo menos três vezes.
Figura 40 – Aluna preenchendo o painel no segundo dia. Fonte: Autora, 2015.
94
Figura 41 – Alunos preenchendo o painel no segundo dia da experiência. Fonte: Autora, 2015.
Figura 42 – Algumas respostas. Fonte: Autora, 2015.
A grande maioria das respostas no painel eram, de fato, referentes ao
questionamento sobre Troca x Compra, com poucas interferências externas, como
assinaturas e comentários.
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Figura 43 – último registro antes da retirada do painel. Fonte: Autora, 2015.
O último registro, (Figura 43) foi feito pelo diretor após a minha saída da escola.
Conforme observamos, as respostas foram unânimes, as crianças consideraram trocar
mais divertido que comprar. Apenas uma resposta é destoante, mas ainda ressalta a
importância das duas formas de experiência e foi obviamente escrita por um aluno mais
velho. O resultado exprime o quanto a experiência da Feira da Troca foi significativa
para elas e o quanto um ato simples se provou uma maneira lúdica de ensinar valores
sustentáveis sem que elas mesmas se dessem conta disso.
Todo o processo trouxe grande aprendizagem para a área do consumo
colaborativo, especialmente por ter sido desenvolvido para crianças e com a ajuda dela.
Desta forma, levando em consideração a importância de manter o sistema
autossustentável, foi elaborada uma cartilha que, de modo simplificado, explica os
métodos aplicados à Escola Freinet e os resultados encontrados.
b) Elaboração da Cartilha do Consumo Colaborativo na Escola
Para que as transformações dos hábitos de consumo continuassem vivas na
escola, foi gerada uma cartilha sobre o aprendizado em relação ao consumo
colaborativo na Escola Freinet. A grande importância da cartilha reside na possibilidade
da mudança continuar acontecendo, mesmo que não haja nenhum designer ao redor para
possibilitar os projetos.
96
Inicialmente foi pensado em deixar o material apenas na Escola Freinet, para
que eles realizassem outros tipos de ações colaborativas a fim de que isto se torne um
hábito constante na escola. Todavia, a força do consumo colaborativo está justamente na
difusão do conhecimento. Saber da existência e do funcionamento de ações do tipo pode
ser a motivação que faltava nos contextos mais diversos.
Dessa forma, foi decidido elaborar uma cartilha que não servisse exclusivamente
à Escola Freinet, mas que fosse uma ferramenta utilizável também a qualquer pessoa
que queira iniciar uma mudança de hábitos em seu entorno. Logo, a cartilha preza por
ensinar, didaticamente, como iniciar eventos, ações pontuais ou serviços colaborativos
através da experiência feita na Escola Freinet, especificamente com as crianças do
Ensino Fundamental.
Foi considerada importante também, a introdução de outros tipos de ações
colaborativas que poderiam ter sido feitas no mesmo contexto da escola, conforme
veremos adiante nas Diretrizes. A cartilha é composta de ideias de ações de consumo
colaborativo, funcionando como uma espécie de manual de instruções. As iniciativas
foram divididas em categorias e organizadas pelo grau de dificuldade, tempo necessário
para a realização da mesma e quantas pessoas precisam ser mobilizadas para que possa
acontecer.
Foi dada prioridade a uma linguagem simplificada, pois a intenção principal é
difundir o conhecimento adquirido não apenas para designers, mas para todas as pessoas
interessadas em mudar o seu próprio contexto, tornando o sistema não apenas
autossustentável, mas também replicável a outras escolas e comunidades criativas em
geral. O conteúdo da cartilha pode ser averiguado no Anexo 02.
97
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O consumo é uma parte significante de nossas vidas, sendo o significado dos
artefatos muito mais amplo do que apenas sua função, servindo também como
mediadores para nossas relações sociais e “etiquetas” de identificação para nossas
personalidades e gostos pessoais. Mas o modelo econômico que considera a quantidade
de bens diretamente proporcional ao bem-estar está em falência, bem como o nosso
planeta, por consequência desses hábitos nocivos.
A sustentabilidade se fará, principalmente, nas pequenas coisas. As mudanças de
hábitos diários dentro de uma casa, um bairro, uma comunidade ou uma escola, podem
parecer pequenas, mas são parte de um todo; de um sistema complexo ao qual estamos
todos inseridos. É evidente que se faz necessária uma intervenção séria e comprometida
nas políticas públicas, a fim de acabar com os grandes desperdícios e evitar tragédias.
Todavia, mesmo que todas as medidas de políticas públicas possíveis fossem tomadas, a
mudança não se sustentaria sem o envolvimento e comprometimento das pessoas.
A mudança tem que vir das pessoas enquanto indivíduos para que se comportem
coerentemente enquanto comunidade. Por este motivo, o recorte apresentado neste
trabalho (alguns dos alunos da Escola Freinet), mesmo que pequeno, consegue
representar o começo de uma mudança maior. As crianças atuam como agentes de
transformação em seu entorno, então, este recorte reduzido acaba por ser um pouco
maior do que o esperado, uma vez que o aprendizado se deu também nas famílias delas.
Levando em consideração que o objetivo geral deste trabalho era promover uma
mudança de hábitos nos alunos da Escola Freinet, através do consumo colaborativo,
podemos dizer que ele foi alcançado de maneira mais do que satisfatória. A repercussão
da Feira da Troca foi além do Ensino Fundamental, tendo chamado atenção até mesmo
dos alunos que não estavam envolvidos no processo, professores e especialmente, os
pais das crianças, ao ponto de, espontaneamente, ligarem para a escola perguntando
quando seria a próxima Troca de Brinquedos, pois eles já queriam separar alguns itens.
No entanto, é importante ressaltar que, mesmo com a boa repercussão, novos
projetos e ações colaborativas podem e devem ser feitos na escola, a fim de construir
uma cultura de compartilhamento, que pode ir além do material. Em função do tempo
pré-determinado para a realização do projeto no viés acadêmico, algumas possibilidades
não foram exploradas, sendo deixadas em “stand by” conforme vemos nas Diretrizes.
98
6.1. DIRETRIZES PROJETUAIS
Mesmo com os bons resultados apresentados neste trabalho, é importante
ressaltar que esta é apenas a ponta do iceberg. Uma vez se provando um ambiente
favorável para a inovação social, a escola, ou especificamente no caso deste trabalho, a
Escola Freinet, as possibilidades para outras ações colaborativas são incontáveis.
Portanto, pontuaremos agora alguma dessas possibilidades em forma de diretrizes do
projeto.
Implementar um calendário de ações colaborativas, para que elas ocorram
durante todo o ano letivo e que vão além da Feira da Troca de Brinquedos,
como, por exemplo:
1. Brechó Escolar - Um evento para troca de peças de vestuário, podendo ser os
próprios uniformes da escola, que não servem mais no aluno, mas ainda estão
em condições de uso, ou roupas em geral, sem a limitação do fardamento. É
ideal que esta prática aconteça duas vezes ao ano, no início de cada semestre;
2. Feira de Livros - Uma troca de livros funcionando exatamente como a troca de
brinquedos, porém com publicações em geral, incluindo livros, quadrinhos,
revistas, etc. Preferencialmente no mês de Abril, pois neste mês comemora-se o
Dia Nacional do Livro Infantil;
3. Feira do Escambo - evento mais generalista envolvendo toda a escola, para que
alunos, pais e professores tragam quaisquer objetos que não queiram mais e
troquem por algo novo.
Utilizar o espaço já existente da oficina de design, não só para aprender sobre a
área, mas para produzir artefatos úteis à escola a partir do reuso criativo de
materiais, desenvolvendo, por exemplo, figurinos e elementos cenográficos para
as peças de teatro realizadas anualmente pela escola apenas com materiais
reutilizados;
Criação plataformas online de consumo colaborativo, para que ele não fique
restrito aos eventos “offline” realizados pontualmente e também para abrir um
espaço para que os alunos desenvolvam suas próprias ações colaborativas;
Possibilitar projetos de doação de tempo, onde a moeda de troca não é algo
tangível e sim o tempo que o indivíduo dedicará a uma causa específica.
99
REFERÊNCIAS
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Schmidt Alves Diaz . Sistema Produto - Serviço: Uma análise de aplicação da
gestão de design em um caso de servitização em produtos do vestuário. Projética,
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ANDRÉ, I., & ABREU A. (2006). Dimensões e espaços da inovação social. Finisterra,
XLI, 81, p. 121-141.
BARBOSA,L.; CAMPBELL, C. Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro:
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BAYNES, K. Children designing: progression and development in design and
technology at key stage 1 and 2. Loughborough: DD&T / Loughborough University,
1992.
BISSOLOTTI, K.; GONÇALVES, B.; PEREIRA, A. T. C.; "Design Centrado na
Criança: Estudo de recomendações para uma boa experiência", p. 1045-1055 In:
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BORGES, Teresa Maria Machado. A criança em idade pré -escolar. São Paulo: Ática,
1994 (Série Educação).
BOTSMAN, R.; ROGERS, R. O que é meu é seu: Como o Consumo Colaborativo
vai mudar o nosso mundo. Porto Alegre: Bookman, 2011.
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