UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
ÉRICA BOLZAN
DAS PRESCRIÇÕES ÀS PRÁTICAS DE PESQUISA/FORMAÇÃO COMPARTILHADAS: O LUGAR DO LIVRO DIDÁTICO
NA EDUCAÇÃO FÍSICA
VITÓRIA 2014
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Bolzan, Érica, 1989- B694d
Das prescrições às práticas de pesquisa/formação compartilhadas : o lugar do livro didático na educação física / Érica Bolzan. – 2014.
110 f. : il. Orientador: Wagner dos Santos. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade
Federal do Espírito Santo, Centro de Educação Física e Desportos.
1. Educação física. 2. Livros didáticos. 3. Educação
permanente. 4. Propostas didático-pedagógicas. I. Santos, Wagner dos. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação Física e Desportos. III. Título.
CDU: 796
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ÉRICA BOLZAN
DAS PRESCRIÇÕES ÀS PRÁTICAS DE PESQUISA/FORMAÇÃO
COMPARTILHADAS: O LUGAR DO LIVRO DIDÁTICO
NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação Física, na área de concentração Educação Física, Currículo e Cotidiano Escolar.
Orientador: Prof. Dr. Wagner dos Santos.
VITÓRIA
2014
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ÉRICA BOLZAN
DAS PRESCRIÇÕES ÀS PRÁTICAS DE PESQUISA/FORMAÇÃO
COMPARTILHADAS: O LUGAR DO LIVRO DIDÁTICO
NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Física do
Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Física, na
área de concentração Educação Física, Currículo e Cotidiano Escolar.
Aprovada em 15 de Abril de 2014. COMISSÃO EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. Wagner dos Santos Universidade Federal do Espírito Santo Orientador ________________________________________ Prof. Dr. André da Silva Mello Universidade Federal do Espírito Santo _______________________________________ Prof.a Dr.ª Silvana Ventorim Universidade Federal do Espírito Santo ________________________________________ Prof. Dr. Marcos Garcia Neira Universidade de São Paulo
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Com amor, à minha família, especialmente à minha mãe, Dora, ao meu pai, Gilson, e
à minha princesa, Ana Júlia, as riquezas da minha vida.
4
AGRADECIMENTOS
À professora Silvana Ventorim, por estar em minha banca examinadora e por tudo o
que tem representado para a minha formação, orientando-me na Iniciação Científica,
na construção da monografia, na minha participação nos primeiros congressos, e
ensinando-me também pelo exemplo de pessoa e de profissional que é.
Ao professor Wagner dos Santos, por confiar a mim um projeto de tamanha
importância e dimensão, pela responsabilidade e empenho dedicado à minha
formação, por sua disponibilidade, apoio e atenção e pelas orientações que foram
fundamentais para meu crescimento acadêmico.
Aos professores André Mello e Marcos Neira, por aceitarem meu convite para
compor a banca examinadora desta dissertação, contribuindo para o enriquecimento
do trabalho e compartilhando comigo os frutos deste projeto.
Aos colegas do mestrado, pelos momentos de compartilhamento de experiências,
trajetórias, projetos e dificuldades.
Aos amigos, professores e colegas com quem convivi no Proteoria, em especial aos
alunos Igor, Fran, Livinha e Thaise, e aos professores Ana Cláudia, Andrea e Felipe
Carneiro, pelas conversas e momentos de estudo.
Ao amigo e mestre Antonio Carlos Moraes, pelos ensinamentos, pelo incentivo e
pelo apoio por compartilhar os momentos de estudo, de alegria, de angústias e de
escolhas pessoais e profissionais.
Às minhas amigas Cecília, Milainy e Lidiane, por me acompanharem nesta trajetória
e, espero, nas muitas outras que virão.
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A Gabriel, com amor, por ser meu amigo e companheiro, compreensivo e atencioso
em todos os momentos.
Aos professores participantes da formação continuada, Aline, Sylvia, Jamile, Elvira,
Marlos, Flávia, Nazian, Nailson, Anderson, Bianca, Paulo e Sandro, por suas
narrativas que foram muito mais do que dados, representando as possibilidades
incríveis que esses profissionais têm produzido no cotidiano das escolas.
À equipe pedagógica, aos professoras e aos pequeninos do CMEI “São Patrício”,
por me aliviaram o cansaço e as correrias diárias com suas conversas, sorrisos e
abraços.
À Capes, pela concessão de bolsa de estudo.
A Deus, por me proporcionar sabedoria na tomada de decisões, equilíbrio emocional
e espiritual nos momentos de tensão e, acima de tudo, fé, força e coragem para que
eu pudesse realizar mais este sonho.
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Eu não sou daqui também, marinheiro, Mas eu venho de longe
E ainda do lado de trás da terra. Além da missão cumprida,
Vim só dar despedida.
Filho de sol poente Quando teima em passear
Desce de sal nos olhos doente da falta de voltar.
Filho de sol poente Quando teima em passear
Desce de sal nos olhos doente da falta que sente do mar Vim só dar despedida [...]
“Despedida”, de Marcelo Camelo.
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RESUMO
Investiga o livro didático na Educação Física tendo como fonte a produção
acadêmica publicada em periódicos, a forma e conteúdo de sete propostas didático-
pedagógicas e a análise de proposta construída pelo Proteoria, que tem como eixo
central as práticas pedagógicas de professores. Caracteriza-se como uma pesquisa
plurimetodológica, utilizando-se de estudo bibliográfico, documental e da
(auto)biografia. Na pesquisa bibliográfica, mapeia e analisa textos que abordam
propostas didático-pedagógicas para o ensino da Educação Física e aponta
aumento de interesse sobre o tema, sobretudo a partir da década de 2000,
publicações que têm sido produzidas na relação de parceria entre consultores das
universidades e professores das instituições escolares, valorizando a participação
dos docentes. Na pesquisa documental, analisa sete propostas didático-
pedagógicas com o objetivo de investigar, nas suas formas, os dispositivos de leitura
elaborados para projetar as práticas pedagógicas, e, no conteúdo, as
representações sobre identidade da Educação Física como componente curricular.
Conclui que essas propostas são produto da parceria entre universidade e
instituições escolares, dialogando com os professores das redes de ensino. Suas
formas e conteúdo indicam relação com as atuais políticas nacionais de
reconfiguração da educação básica pelos princípios da integralização,
interdisciplinaridade em áreas de conhecimento, especialmente no ensino médio. Na
pesquisa (auto)biográfica, ao investigar o livro didático produzido pelos professores
de Educação Física das redes de ensino da Grande Vitória-ES em parceria com
docentes e alunos da Universidade Federal do Espírito Santo, observa coerências
entre o propósito do projeto, como o protagonismo e autoria do professor, a
produção de conhecimento a partir das experiências e o livro didático como caixa de
utensílios. Discute, ainda, a necessidade de se aprofundar a progressão e
complexidade dos conteúdos, o diálogo entre diferentes conhecimentos escolares e
a valorização do protagonismo dos alunos na produção de livros didáticos.
Palavras-chave: Propostas didático-pedagógicas. Livro didático. Formação
continuada. Educação Física.
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ABSTRACT
Investigates the textbook in Physical Education taking as source academic works
published in journals; the form and the content of seven didactic-pedagogic
proposals; analysis of propose built by PROTEORIA whose central axis are the
pedagogical practices of teachers. It is characterized as a plurimethodolical research
using bibliographic, documentary study and (auto) biography. In bibliographical
research, maps and analyzes texts that addressing teaching and pedagogical
proposals for the teaching of physical education and points the increased of interest
on the topic, especially from the 2000 decade. These publications have been
produced in a partnership relationship between university consultants and teachers
of educational institutions, valorizing the participation of teachers. In documentary
research, analyzes seven didactic-pedagogic proposals in order to investigate the
forms, reading devices designed to project the pedagogical practices and, in content,
representations of Physical Education identity as a curriculum component. Concludes
that these proposals are the product of a partnership between universities and
educational institutions, dialoguing with teachers of networks. Its forms and contents
indicate relationship with current national policies reconfiguration of basic education
by the principles of integralization, and interdisciplinarity and areas of knowledge,
especially in high school. In (auto) biographical research, investigating the textbook
produced by Physical Education teachers of teaching networks of Grande Vitória -
ES, in partnership with professors and students of the Federal University of Espírito
Santo, it is observed the coherences between the purpose of project, as protagonism
and authorship of the teacher, the production of knowledge from experience and
textbook as utensils box. Also discusses the need for further progression and
complexity of contents, dialogue between different school knowledge and to enhance
the protagonism of students in the production of textbooks.
Keywords: Teaching and pedagogical proposals. Textbook. Continued formation.
Physical education.
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 ─ Ritmo de produção por ano .............................................. 23
Gráfico 2 ─ Quantidade de textos por periódico ................................ 25
Gráfico 3 ─ Procedência institucional .................................................. 27
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 ─ Autores e grupos de pesquisa............................................. 29
Quadro 2 ─ Estrutura do documento...................................................... 46
Quadro 3 ─ Etapas da educação............................................................ 49
Quadro 4 ─ Conteúdos das coleções pedagógicas e caixas de utensílios.............................................................................
67
Quadro 5 ─ Eixos norteadores da produção e análise do livro.............. 82
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - MG........................................................................................................ 43
Figura 2 - ES......................................................................................................... 43
Figura 3 - GO........................................................................................................ 43
Figura 4 - PE......................................................................................................... 43
Figura 5 - PR......................................................................................................... 44
Figura 6 - SP......................................................................................................... 44
Figura 7 - RJ.......................................................................................................... 44
Figura 8 - Capítulo 3 do Livro do Paraná.............................................................. 50
Figura 9 - Head spin Livro do Paraná................................................................... 50
Figura 10 - Os esportes nos Cadernos de São Paulo............................................ 51
Figura 11 - Representação da sociedade............................................................... 62
Figura 12 - Atividade de futebol.............................................................................. 62
Figura 13 - Esporte e consumo............................................................................... 63
Figura 14 - Mídia e consumo.................................................................................. 63
Figura 15 - Ondas magnéticas................................................................................ 63
Figura 16 - Representatividade dos esportes......................................................... 64
Figura 17 - Ensino do judô...................................................................................... 70
Figura 18 - Ensino da capoeira............................................................................... 70
Figura 19 - Atividade do Livro do Paraná................................................................ 70
Figura 20 - Transtornos alimentares nos Cadernos de São Paulo......................... 71
Figura 21 - Imagem corporal nos Cadernos de São Paulo..................................... 71
Figura 22 - Histórias em quadrinhos....................................................................... 90
Figura 23 - Caixa de diálogo................................................................................... 95
Figura 24 - O que é funk?....................................................................................... 96
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LISTA DE SIGLAS
CBC Currículo Básico Comum
CBCE Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
CONBRACE Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte
DCNEB Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
ETHNÓS Grupo de Estudos Etnográficos em Educação Física e Esporte
GTTs Grupos de Trabalhos Temáticos
IES Instituições de Ensino Superior
INES Instituto Nacional de Educação de Surdos
LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
PNLD Plano Nacional do Livro Didático
PROTEORIA Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física
PUC-MG Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
RBCE Revista Brasileira de Ciências do Esporte
UFES Universidade Federal do Espírito Santo
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFU Universidade Federal de Uberlândia
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNIB Universidade Ibirapuera
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNISUAM Centro Universitário Augusto Motta
UPE Universidade de Pernambuco
USP Universidade de São Paulo
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................ CAMINHOS METODOLÓGICOS............................................................................ ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO...............................................................................
15 17 18
CAPÍTULO I 1 O ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA............................................................
1.1 DOS INDICADORES BIBLIOMÉTRICOS: O LUGAR DA PRODUÇÃO ACADÊMICA..........................................................................................................
1.2 “MAS A EDUCAÇÃO FÍSICA TEM LIVROS DIDÁTICOS?!”: O DEBATE SOBRE AS PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS E PRESCRIÇÕES.....................................................................................................
1.2.1 Quanto às Perspectivas Teóricas.............................................................. 1.2.2 Entre Usos, Prescrições e Maneiras de Produzir Propostas Didático-Pedagógicas..........................................................................................................
1.2.3 Propostas Didático-Pedagógicas como Objetos de Análise...................
20 23 30 30 34 36
CAPÍTULO II 2 PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS E SUAS PROJEÇÕES PARA O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA.......................................................................... 2.1 DAS FORMAS À PROJEÇÃO DAS PRÁTICAS NAS COLEÇÕES PEDAGÓGICAS E CAIXAS DE UTENSÍLIOS.......................................................
2.1.1 Quanto às Capas..........................................................................................
2.1.2 Sumários e Organização dos Textos.........................................................
2.1.3 A Iconografia como Recurso Didático.......................................................
2.1.4 Apresentações, Objetivos de Publicação e Autoria.................................
41 43 43 46 49 51
14
CAPÍTULO III 3 IDENTIDADE E PRÁTICA PEDAGÓGICA NAS PROPOSTAS E LIVROS DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA....................................................................
58
3.1 AS REPRESENTAÇÕES SOBRE IDENTIDADE DO COMPONENTE CURRICULAR: DE QUE EDUCAÇÃO FÍSICA ESTAMOS FALANDO?................ 3.2 REPRESENTAÇÕES SOBRE PRÁTICA PEDAGÓGICA: COMPREENSÃO SOBRE CONTEÚDO, METODOLOGIA E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA..................................................................................................................... 3.3 ENTRE IDENTIDADES E PRÁTICAS: DISCUTINDO UM LIVRO DIDÁTICO PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA.................................................................................
60 66 73
CAPÍTULO IV 4 O LIVRO DIDÁTICO COMO LUGAR DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA............................................................
4.1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO.................................................
4.2 O LIVRO DIDÁTICO NA VISÃO DE SEUS AUTORES....................................
4.2.1 A Pesquisa como Eixo da Intervenção e do Projeto................................
4.2.2 Autoria e Relação de Parceria....................................................................
4.2.3 A Experiência e a Prática como Eixo Central do Conhecimento............
4.2.4 Sistematização dos Projetos, da Forma ao Conteúdo do Livro..............
77 79 81 82 86 91 95
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 99 6 REFERÊNCIAS................................................................................................... 102
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INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é parte de um projeto maior denominado “Educação Física e a
relação dos saberes com o cotidiano escolar: elementos para uma teoria”,
desenvolvido no Proteoria,1 grupo ao qual estamos vinculada desde a graduação,
por meio da Iniciação Científica, em que ingressamos em 2008. O projeto2 tem como
objetivo apresentar elementos para uma teoria da Educação Física que assuma
como referência as práticas produzidas no cotidiano da educação escolarizada (da
Educação Infantil à Formação Inicial e Continuada de professores). A definição do
objeto de estudo pelo viés das práticas evidenciará, com base nas pistas e indícios
(GINZBURG, 1989) deixados pelos professores e alunos, os processos de
constituição das identidades culturais produzidos na/pela Educação Física, os
sentidos e significados produzidos pela relação com o saber experienciado por esse
componente curricular e suas implicações para a avaliação, e o currículo praticado
no cotidiano escolar.
Neste estudo, focalizamos os livros didáticos como possibilidade e necessidade
pedagógica para intervenção na Educação Física, discutindo acerca dos referenciais
teóricos que têm abordado o tema e acenando outras possibilidades a fim de
potencializar a produção e uso desse dispositivo.
A delimitação do objeto “livro didático” deu-se, inicialmente, em função das
pesquisas desenvolvidas no Proteoria, mas toca-nos de maneira particular como
professora da rede de ensino da Serra-ES, pois percebemos a necessidade de
debates em torno dos documentos e materiais orientadores que ofereçam
visibilidade às práticas pedagógicas da Educação Física. Além disso, mergulhar nas
narrativas dos professores significou reconhecer-nos em suas práticas, deslumbrar-
nos diante de inúmeras possibilidades, criatividades e tantas maneiras e artes de
ensinar.
Trabalhamos com um conceito ampliado do objeto, entendendo os livros
didáticos como dispositivos constituídos por protocolos que direcionam a leitura e
1 Fundado em 1999, o Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria) é vinculado
ao Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo. 2 Projeto com registro no comitê de ética sob o número 15419913.4.0000.5542.
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visam orientar as ações dos professores. Nesse caso, incluímos como fonte e objeto
de análise documentos de naturezas diferentes, que, no entanto, se aproximam, por
orientarem e prescreverem a prática. Por isso, temos como temáticas gerais: as
propostas, as diretrizes e as orientações curriculares, os dispositivos, os livros e os
cadernos didáticos, os quais, ao longo do texto, serão mencionados como livros
didáticos ou propostas didático-pedagógicas.
Para o desenvolvimento deste trabalho, levantamos algumas questões que
nortearam nossos olhares: Como se tem configurado a produção acadêmica sobre
livros didáticos na Educação Física escolar? O que se tem destacado nas
discussões sobre o tema? Que representações os livros didáticos e propostas
pedagógicas existentes têm projetado sobre identidade e prática pedagógica da
Educação Física como componente curricular? Qual o lugar do professor da
educação básica na construção desses dispositivos didáticos? É possível uma
produção do conhecimento que se paute na experiência e nas práticas de ensino?
Este estudo justifica-se pela possibilidade de articulação da formação de
professores por meio da pesquisa e da investigação com a prática. A apresentação
e análise do livro produzido possibilitarão à comunidade acadêmica e a outros
professores de Educação Física o contato com um material que dá visibilidade à
riqueza de ações que se têm produzido nos cotidianos escolares.
Justifica-se, ainda, pois a produção acadêmica sobre o tema, iniciada na
década de 1980, indica aumento de interesse nos últimos dois anos e tem sinalizado
questões no cenário acadêmico, como a participação dos professores na produção
de livros didáticos, as propostas didático-pedagógicas como objeto de estudo e
diferentes denominações para dispositivos de orientação de ensino.
Identificamos, nessa produção, que haveria espaço e necessidade para
desenvolver um estudo que analisasse a forma e o conteúdo de propostas didático-
pedagógicas que têm circulado nas redes estaduais de ensino, investigando os
dispositivos que objetivam direcionar a leitura e as práticas, os projetos editoriais e a
participação dos professores na construção desses documentos e as
representações da Educação Física como componente curricular.
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O estudo de Antunes, Amaral e Luiz (2008), por exemplo, indica a necessidade
de se construírem propostas pedagógicas que deem visibilidade ao que o professor
faz em seu cotidiano. Assim, o Capítulo IV deste trabalho, além de apresentar um
projeto de formação continuada que dá visibilidade à prática pedagógica de
professores na forma de livro didático, analisa-o apontando seus méritos e lacunas a
fim de contribuir para a produção dos livros didáticos da Educação Física.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa adota uma metodologia de abordagem qualitativa, com estrutura
plurimetodológica, pois o objeto de estudo é analisado de diferentes maneiras, por
meio de estudo bibliográfico, investigação documental e utilização do método
(auto)biográfico. Nesse caso, os quatro capítulos que compõem a dissertação
apresentam autonomia metodológica, o que nos permitiu focalizar os livros didáticos
em três dimensões, uma vez que os textos se articulam entre si.
Na primeira abordagem do objeto, trazemos a pesquisa bibliográfica do tipo
estado do conhecimento (ANDRÉ, 2009), utilizando indicadores bibliométricos
(SANTOS; KOBASHI, 2005) e discussão sobre o conteúdo dos textos. Constituíram
nossas fontes a Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), as Revistas
Movimento, Motriz, Pensar a Prática, a Revista Mineira de Educação Física, a Artus
e o periódico Motrivivência3 bem como os Anais do Congresso Brasileiro de Ciências
do Esporte (Conbrace), no período de 1930 a 2012.
Nos Capítulos II e III, efetuamos a segunda abordagem metodológica, que se
caracteriza como pesquisa documental com análise de forma e conteúdo
(GINZBURG, 1989) das propostas didático-pedagógicas estaduais: a Proposta
Curricular de Minas Gerais, o Currículo Básico do Espírito Santo, o Currículo em
Debate de Goiás, as Orientações Teórico-Metodológicas de Pernambuco, o Livro
Didático Público do Paraná, os Cadernos do Professor de São Paulo e os Materiais
3 Fontes definidas a partir do Catálogo de Periódicos da Educação Física (2002), que reúne as
referências de periódicos no período de 1930 a 2000. A partir de 2001, recorremos às próprias revistas até o momento em que permaneceram em circulação.
18
Didáticos do Rio de Janeiro. Ao analisarmos o conteúdo dos textos, interessamo-nos
pelas representações projetadas sobre identidade e prática pedagógica da
Educação Física como componente curricular. A investigação sobre as
representações coloca-as num campo de concorrência e competição, pois
[...] as lutas de representações têm tanta importância quanto as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção de mundo social, os valores que são os seus e o seu domínio (CHARTIER R, 2002, p. 17).
O terceiro momento deste trabalho está materializado no Capítulo IV e se
configura como pesquisa (auto)biográfica, com quatorze professores que atuam na
educação básica da Grande Vitória, entendendo as narrativas como instrumentos de
formação e investigação. Compreendemos que, por meio da narrativa, o professor
elege e avalia o que foi significativo para ele, no que se refere à construção da sua
identidade, às práticas formativas, às vivências de situações de aprendizagem, aos
questionamentos sobre suas práticas e sobre a construção da sua história como
docente. Assim, “[...] ao narrar-se, a pessoa parte dos sentidos, significados e
representações que são estabelecidos à experiência” (SOUZA, 2006, p. 104).
As narrativas foram produzidas por professores que participaram do projeto de
extensão realizado pelo Proteoria, chamado “Livro didático na Educação Física”, que
teve como objetivos oferecer formação continuada aos professores de Educação
Física, discutir e analisar os processos (auto)formativos, dar visibilidade às práticas
pedagógicas produzidas pelos professores no cotidiano escolar e construir um livro
didático a partir das práticas narradas pelos professores.
ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO
O estudo está estruturado em quatro capítulos com características de artigos
que se articulam de acordo com o objeto de análise, organizando-se da seguinte
maneira:
No Capítulo I, de natureza bibliográfica, traçamos um panorama sobre as
discussões acadêmicas em periódicos da Educação Física, apresentando dados
19
bibliométricos a fim de identificar onde se concentram as publicações, instituições e
sujeitos envolvidos. No conteúdo dos textos, investigamos as teorias que
fundamentam as propostas mapeadas, as discussões para produção e usos desses
dispositivos e as maneiras de analisar propostas pedagógicas e livros didáticos que
circulam na produção acadêmica.
No Capítulo II, com base em análise documental, interessamo-nos em
investigar sete propostas didático-pedagógicas4, focalizando os dispositivos e
protocolos de projeção como formas de orientar a leitura e as práticas.
No Capítulo III, analisamos o conteúdo dessas propostas com o objetivo de
discutir as representações acerca da identidade e da prática pedagógica da
Educação Física como componente curricular.
No Capítulo IV, analisamos o livro didático produzido durante a formação
continuada de quatorze professores das redes de ensino da Grande Vitória-ES,
tendo como referência as narrativas (auto)biográficas. Apresentamos caminhos para
a construção de um livro que tenha como eixo os projetos pedagógicos
desenvolvidos pelos professores de Educação Física, utilizando três tópicos de
análise: a pesquisa como eixo da intervenção e do projeto; a autoria e a relação de
parceria; a experiência e a prática como eixos centrais do conhecimento.
4 Proposta Curricular de Minas Gerais (2005), Currículo Básico Comum do Espírito Santo (2009),
Orientações Teórico-Metodológicas de Pernambuco (2010), Currículo em Debate de Goiás (2007),
Livro Didático Público do Paraná (2006), Cadernos do Professor de São Paulo (2009) e Materiais
Didáticos do Rio de Janeiro (2006).
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CAPÍTULO I
1 O ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE PROPOSTAS DIDÁTICO-
PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA
Neste primeiro capítulo, realizamos uma pesquisa bibliográfica nos principais
periódicos que tratam da Educação Física a fim de investigar como as propostas
didático-pedagógicas têm sido abordadas. Para tanto, traçamos inicialmente uma
aproximação com o tema, entendendo o livro didático como um dispositivo de
orientação do ensino. Ao percebermos que a temática ainda é recente nos debates
da Educação Física escolar, optamos por ampliar o conceito de livro didático, pois,
em sua ausência na trajetória da área, outros documentos têm-se incumbido de
orientar e prescrever.
O Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) subsidia o trabalho pedagógico dos
professores da educação básica fornecendo o Guia do Livro Didático para que
escolham os exemplares que utilizarão. Analisando o último Guia (2012),
observamos que as disciplinas de Educação Física e Artes não estão ali
representadas. Isso indicaria um desinteresse pelas áreas, ou a real inexistência de
livros didáticos para essas disciplinas?
No que se refere à Educação Física, temos acompanhado iniciativas de
universidades, prefeituras e estados na produção de diretrizes e livros didáticos para
professores e alunos. Como exemplos, temos a obra “Para ensinar Educação Física:
possibilidades de intervenção na escola” (DARIDO; SOUZA JÚNIOR, 2013), o Livro
Didático Público do Paraná (2006) e os Cadernos do Professor de São Paulo (2009).
Embora existam diversas propostas que objetivam orientar a ação docente e o
aprendizado do aluno, o termo “livro didático”, como veremos neste trabalho, é
recente na orientação desse componente curricular.
No campo da educação, para ser considerado didático um livro precisa ser
usado de forma sistemática no ensino-aprendizagem de determinado objeto do
conhecimento humano, geralmente já consolidado como disciplina escolar. Além
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disso, caracteriza-se por ser passível de uso na situação de aprendizado coletivo,
orientado por um professor (LAJOLO, 1996).
Entendemos o livro didático como um dispositivo no qual o professor busca
ferramentas para ensinar, inventar o fazer cotidiano e mediar o ensino. Por sua vez,
o aluno, ao utilizar esse dispositivo, pode aprender pela apropriação de um saber
cuja existência é depositada nesse objeto. Pensados no contexto escolar, os
dispositivos seriam “[...] lugar de realizações inventivas, as que tratam do ‘como
fazer’ e que acompanham as reformas vindas de cima ou as inovações do campo”
(A-M CHARTIER, 2002, p. 11).
Diante desse cenário, interessamo-nos por compreender, a partir do
mapeamento em periódicos e nos anais do Conbrace, o ritmo de publicação da
produção acadêmica, os periódicos nos quais circula, os autores e instituições
envolvidos na produção de livros didáticos. Ao dialogarmos com o conteúdo dos
textos, evidenciamos as propostas que circulam no campo acadêmico e
investigamos as perspectivas teóricas assumidas na formulação de diretrizes, livros
didáticos e prescrições para o ensino.
Compreenderemos como têm avançado a produção do conhecimento sobre o
tema, as possíveis lacunas, a maneira como as propostas didático-pedagógicas vêm
sendo pensadas e discutidas com finalidade de orientar a Educação Física escolar.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, do tipo estado do
conhecimento, em que apresentaremos o lugar da produção acadêmica sobre livros
didáticos pela utilização de indicadores bibliométricos e diálogo com os textos, a
partir das questões predefinidas.
Estudos do tipo estado do conhecimento fazem uma síntese integrativa da
produção acadêmica em determinada área do conhecimento e período de tempo.
Têm sido utilizados para indicar temáticas e metodologias priorizadas pelos
pesquisadores, fornecendo importantes elementos para aperfeiçoar a pesquisa em
um campo do saber (ANDRÉ, 2009).
Na análise da produção científica, há um conjunto expressivo de indicadores
bibliométricos, chamados indicadores de produção científica, que são construídos
pela contagem do número de publicações por tipo de documento, instituição, área de
22
conhecimento, país e outros (SANTOS; KOBASHI, 2005). A análise desses
indicadores contribui para a compreensão da estrutura da comunidade científica, do
objetivo particular da pesquisa ou do seu impacto social, político e econômico. Neste
estudo, definimos como indicadores: ritmo de produção, distribuição por periódico,
procedência institucional e autoria.
A imprensa periódica, fonte deste trabalho, é um local privilegiado para
entendermos a lógica de funcionamento da área da Educação e da Educação Física,
uma vez que, ao evidenciar os saberes relacionados à atuação pedagógica,
possibilita analisar os discursos veiculados pelos grupos sociais, assim como as
lutas por legitimidade que buscam normatizar práticas exemplares (CATANI;
BASTOS, 1997; SCHNEIDER, 2003).
Realizamos o levantamento de publicações no período de 1930 a 2012, tendo
inicialmente como referência a relação de revistas do Catálogo de Periódicos
(FERREIRA NETO et al., 2002),5 que reúne as referências bibliográficas de 36
revistas da Educação Física publicadas entre 1930 e 2000, razão pela qual
definimos o período mapeado. De 2001 a 2012, recorremos às mesmas revistas do
Catálogo que permaneceram em circulação, investigando os títulos das publicações.
Selecionamos textos no formato completo, excluindo os resumos, pois não
forneciam elementos suficientes para análise.
Inicialmente, a seleção se deu pelo descritor livro didático, que nos permitiu
encontrar sete textos. Diante desse quantitativo, optamos por ampliar os descritores
incluindo os termos: dispositivo, proposta, referencial, orientação, currículo,
parâmetro e diretriz. Pela leitura dos títulos e resumos, mapeamos 36 textos nas
seguintes fontes: Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), Revista
Movimento, Motriz, Pensar a Prática, Revista Mineira de Educação Física, Artus,
Motrivivência e Anais do Conbrace.6
5 Disponível em CD-ROM e on-line no endereço eletrônico
<http://proteoria.org/modules/publisher/search.php>. 6 Das 36 revistas reunidas no Catálogo, oito publicaram sobre o tema. Reconhecemos a possibilidade
de que textos possam não ter sido mapeados, diante da quantidade de dados investigados. Porém, as discussões sistematizadas apresentam um panorama das publicações sobre diretrizes, livros didáticos e prescrições para a prática pedagógica da Educação Física escolar.
23
1.1 DOS INDICADORES BIBLIOMÉTRICOS: O LUGAR DA PRODUÇÃO
ACADÊMICA
No indicador que se refere à quantidade de publicações por ano, identificamos
em que tempo se localizava a produção sobre livros didáticos e propostas
pedagógicas. Uma primeira análise do Gráfico 1 fornece-nos pistas para pensarmos
sobre a ausência de produções no período de 1930 a 1988.
Gráfico 1 – Ritmo de produção por ano.
A nosso ver, esse silenciamento decorre de uma diferença de nomenclatura, e
não da ausência de prescrições para o ensino da Educação Física. Em 1932, a
sessão “Lição de Educação Física”, da revista de Educação Física, tinha como
finalidade divulgar métodos regulamentados pelo Exército para o ensino dessa
disciplina nos meios militar e civil. Ferreira Neto e outros (2003) constataram que os
conteúdos e métodos para a instituição militar e a escolar eram diferentes e que as
lições para as escolas na década de 1930 eram teoricamente fundamentadas,
tinham como objeto robustecimento do corpo, educação respiratória e
desenvolvimento dos bons hábitos, com conteúdos que se utilizavam de jogos e
brincadeiras como forma de tornar a Educação Física atraente para os alunos.
Apesar de o período pesquisado corresponder a 72 anos (1930-2012), o
primeiro artigo encontrado data do ano de 1989. Desse momento em diante, o ritmo
24
de produção dos 36 textos varia, mas, considerando a quantidade de periódicos e o
recorte temporal,7 entendemos que seja indicativo de uma produção escassa. No
período de 1990 a 2000 há um aumento de publicações, somando-se seis: uma em
1990, duas em 1997 e três em 1999.
Uma possível justificativa para esse aumento é a afirmação das propostas
pedagógicas e diretrizes curriculares como condutores de uma ideologia de
educação crítica concebida pelas teorias que ganharam força no Brasil a partir da
década de 1990. Moreira (2000) considera que essas teorias críticas (a pedagogia
dos conteúdos e a educação popular) parecem ser as que mais ocuparam espaço e
fundamentaram iniciativas de reorientação curricular nesse período.
Na década de 2000, há uma concentração da produção com 22 publicações
que correspondem a 61% do total de trabalhos encontrados. A partir de 1997, o
Conbrace publicou em todas as edições subsequentes, mantendo o ritmo da
produção e contribuindo para os picos de publicação a cada dois anos. Isso pode
ser observado também nos anos em que não aconteceu o evento (1998, 2000,
2002), nos quais o ritmo de produção diminuiu. No ano de 2005, há um pico de
produção em função do XIV Conbrace, quando foram publicados cinco trabalhos.
Além disso, esse aumento pode estar relacionado às políticas nacionais de
fornecimento de livros didáticos, como o PNLD, instituído em 2004, que, embora não
contemplasse a Educação Física, pode ter impulsionado a publicação de propostas
de orientação, principalmente por iniciativas governamentais em nível estadual e
municipal.
Vale ressaltar que, nos dois últimos anos (2010-2012), encontramos cinco
textos, sinalizando que o debate vem ganhando força na Educação Física. Dessas
cinco publicações, quatro fazem referência ao termo “livro didático”, que vem sendo
incorporado pelos autores. É interessante relacionar o ritmo de produção com as
denominações encontradas para os dispositivos assumidos nos textos. Dos 36
trabalhos analisados, sete utilizaram o termo livro didático. Com relação aos demais
7 Ao realizar um levantamento bibliográfico nas mesmas fontes, com recorte temporal de 1930-2000,
sobre avaliação do processo de ensino-aprendizagem na Educação Física escolar, Santos (2005) encontrou um corpus documental de 33 artigos. Os mapeamentos oferecem indícios sobre o lugar ocupado pela área de ciências humanas na produção acadêmica da Educação Física no Brasil, sobretudo no período de 1960 ao final da década de 1980.
25
descritores, dezenove usaram propostas; oito, diretrizes, referenciais, orientações e
parâmetros; um, currículo básico, e um, dispositivo. Até a década de 2000, os
descritores encontrados foram propostas, diretrizes, referenciais, orientações e
parâmetros. Somente a partir de 2007 é que houve incorporação do termo livro
didático, demarcando também uma mudança na forma e conteúdo dos dispositivos
produzidos, que passaram a ser mais direcionados para a prática de ensino,
delimitando conteúdo, objetivo, metodologia e avaliação.
Identificamos que o aumento de interesse da produção acadêmica em
apresentar, discutir e analisar propostas didático-pedagógicas, principalmente na
década de 2000, está relacionado às iniciativas governamentais para construção
dessas propostas, como ocorreu nos estados do Paraná, de Minas Gerais (por
exemplo, no município de Uberlândia), do Rio Grande do Sul, da Paraíba e de
Recife. Em uma primeira análise, poderíamos relacionar esse aumento de produção
a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Física (1998), que
indicam possibilidades e necessidade de construção de documentos que orientem a
prática pedagógica do professor.Em 2010, o ritmo se mantém, porém o Conbrace
deixa de ser o principal lugar de produção, com o aumento de publicações em
revistas, acenando para um amadurecimento na qualidade acadêmica das
discussões e o seu fortalecimento.
Quanto à distribuição das publicações nas fontes, observamos que se
concentra no Conbrace, conforme Gráfico 2.
Gráfico 2 – Quantidade de textos por periódico.
26
O primeiro texto mapeado encontra-se na Revista Artus, no ano de 1989, única
fonte que não está em circulação. Na Revista Mineira, temos apenas uma
publicação, no ano de 1997. Na Pensar a Prática, há dois trabalhos, um no ano de
2008 e outro no de 2011. A Motrivivência apresenta quatro textos, um em 1990, um
em 1993, um em 2008 e um em 2011. Nesse periódico, identificamos que dois
textos podem ter relação com as temáticas propostas pela revista “Educação Física
escolar e o compromisso com a escola pública”, de 1993, e “Educação Física e o
mundo do trabalho”, de 2011.
A RBCE é editada desde 1979. Vale ressaltar que de 2000 a 2008 foi uma
revista temática, período em que encontramos três textos: um em 2001, no número
temático sobre “Formação profissional docente e prática educativa em Educação
Física”; um em 2005, na temática “Infância e Educação Física/Ciências do Esporte”;
e um em 2007, “Didática da Educação Física/Ciências do Esporte”. Na Revista
Movimento, temos quatro textos publicados em 1999, 2004, 2008 e 2009. Na revista
Motriz, há também quatro, dois em 2010, um em 2011 e um em 2012, o que indica
regularidade na produção na virada da década de 2000 para 2010.
O Conbrace é organizado pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
(CBCE), tem periodicidade bienal e sua primeira edição ocorreu em 1979. A escolha
dessa fonte justifica-se por sua representatividade nas produções voltadas para as
Ciências Humanas/Sociais da Educação Física, sobretudo a partir de 1990. Os
trabalhos apresentados nos nove congressos realizados entre 1979 e 1995 foram
publicados na RBCE em forma de resumos. De 1997 em diante, o Conbrace passou
a publicar as produções nos Anais, na forma de resumo expandido ou de trabalho
completo. A primeira publicação sobre o tema ocorreu em 1997, mantendo-se nos
eventos subsequentes com pelo menos uma publicação, perfazendo um total de
dezessete. Destacamos o ano de 2001 com três produções, e o ano de 2005 com
cinco.
Os Anais são organizados em doze Grupos de Trabalhos Temáticos (GTTs).
Os dezessete textos estão distribuídos nos seguintes GTTs: seis no Escola, cinco no
Políticas Públicas, dois no Formação Profissional e Mundo do Trabalho, um no
27
Epistemologia, um no Atividade Física, um no Memórias da Educação Física e
Esporte. Um texto publicado nos Anais de 1997 não indica o GTT.
Ao investigarmos a filiação institucional dos autores, identificamos que a
procedência se concentra em Instituições de Ensino Superior (IES), em órgãos
públicos, como prefeituras, secretarias estaduais e federais, e em colégios
particulares, como pode ser verificado no Gráfico 3.
Gráfico 3 – Procedência institucional.
Observamos que as IES predominam na produção com 29 textos (78%), dos
quais 23 têm vínculo exclusivo com elas e seis foram produzidos em colaboração
com secretarias de educação de prefeituras. Das 27 IES públicas envolvidas,
identificamos que 21 (78%) são instituições federais e seis (22%), estaduais. Das
nove publicações procedentes de IES particulares, três foram elaboradas em
parceria com IES federais e quatro com estaduais. Esses dados demonstram a
significativa influência dessas instituições públicas na produção acadêmica, pois
mesmo os textos procedentes das particulares são de autores vinculados a
entidades públicas.8
Como podemos observar no Gráfico 3, a IES que mais publicou sobre o tema
foi a Universidade Estadual Paulista (Unesp), que é a responsável pela edição da
8 Resultados similares são apresentados por Santos (2011) no campo da educação e Matos e outros
(2013) no da Educação Física.
28
revista Motriz. Todas as publicações da revista procedem da própria instituição que
produz o periódico.
Dos oito textos procedentes de prefeituras, dois foram publicados por
professora da rede de ensino. Os demais são provenientes de parceria entre
prefeituras e universidades, graças à assessoria que os professores das
universidades prestam às prefeituras na construção de propostas. Esses dados nos
oferecem pistas sobre o modo como acontece esse processo de assessoria, pois
muitos dos textos anunciam a participação dos docentes da educação básica na
produção dos materiais em parceria com as IES (TEIXEIRA; SOUSA; ALVES, 2005;
ANDRADE, 2007; ANGULSKI et al., 2007), questão a ser discutida no próximo
tópico.
No que se refere à autoria, 21 trabalhos foram elaborados coletivamente e
quinze, individualmente, constituindo-se em um dado importante para pensar as
políticas dos grupos de pesquisa. Oito pesquisadores publicaram duas ou mais
vezes, perfazendo um total de 67 pesquisadores que publicaram sobre o tema. A
autora que mais publicou foi Suraya Cristina Darido, com cinco textos, quatro dos
quais na Motriz (2010a, 2010b, 2011, 2012) e um no Conbrace (2011). Marcílio de
Souza Júnior é o segundo autor, com três textos, um na RBCE (2007) e dois no
Conbrace (2005). Para além dos dois pesquisadores, temos os estudos de Cíntia
Muller Angulski, Rodrigo Graboski Fratti, Gislene Alves do Amaral e Vânia de Fátima
Noronha Alves, com duas publicações de cada um. No Quadro 1, podemos observar
os autores que mais publicaram, sua relação com grupos de pesquisa e as
temáticas de estudo dos grupos/autores, dados obtidos na plataforma Lattes.
Dos autores que mais publicaram, Rodrigo Graboski Fratti e Gislene Alves do
Amaral não se encontram vinculados a grupos de pesquisa, no entanto, investigam
temáticas de estudo, como política educacional e currículo, que estão relacionadas
ao tema em questão. Os demais estão vinculados a grupos que pesquisam sobre
Educação Física escolar, prática pedagógica, gestões públicas, política educacional,
currículos e livros didáticos.
As produções dos grupos indicam o fortalecimento da produção sobre
determinada temática, pois estabelecem uma continuidade de publicações a partir
29
de um dado referencial teórico, possibilitando uma leitura mais ampliada daquilo que
se pesquisa. Oferecem ainda pistas para identificarmos os pesquisadores que se
constituem como vozes autorizadas, com capacidade técnica e poder social para
intervir e falar em nome de um determinado grupo (MATOS et al., 2013; SANTOS,
2011).
Quadro 1 – Autores e grupos de pesquisa.
Os dados bibliométricos evidenciam que os estudos sobre propostas
pedagógicas alavancaram a partir da década de 1990 e aumentaram na década de
2000, em um movimento que acompanhou as iniciativas de estados e municípios
para construção de diretrizes e livros didáticos para a Educação Física.
Três momentos demarcam o ritmo de publicação. O primeiro caracteriza-se
pelo silenciamento, podendo constituir-se por outras nomenclaturas; o segundo
aponta um aumento de interesse em relação às iniciativas de construção de
Autores que mais
publicaram
Publicações
Grupo de pesquisa
Temática de estudo
Suraya Cristina Darido
5
Laboratório de Estudos e Trabalhos Pedagógicos em Educação Física – Unesp
Pesquisa a Educação Física escolar.
Marcílio de Souza Júnior
3
Estudos Etnográficos em Educação Física e Esporte (ETHNÓS) – Upe
Pesquisa a prática pedagógica da Educação Física. Pretende avançar na assessoria a gestões públicas.
Cíntia Muller Angulski
2
Integra a equipe Técnico-Pedagógica de Educação Física do Departamento de Educação Básica do estado do Paraná.
Realiza estudos com ênfase em teoria e prática pedagógica.
Rodrigo Graboski Fratti
2
Não identificado
Pesquisa Educação Física escolar, corpo e sociedade, estudo sobre currículo e política educacional.
Gislene Alves do Amaral
2
Não identificado
Pesquisa Educação Física escolar, currículo e planejamento, formação continuada.
Vânia de Fátima Noronha Alves
2
OTIUM – Lazer, Brasil & América Latina – UFMG
O grupo estuda lazer na América Latina. A autora publica sobre Educação Física, lazer, cultura negra e indígena, políticas educacionais, políticas públicas de esporte e lazer.
30
propostas; o terceiro acena para a continuidade de interesse sobre o tema e a
incorporação do termo livro didático.
Desde 1997, o Conbrace tem-se configurado como lugar de referência sobre a
temática, com pelo menos uma publicação em cada edição. Os órgãos gestores do
setor público, prefeituras e estados têm-se destacado na construção de diretrizes,
principalmente em colaboração com as IES, como consequência da consultoria
prestada pelas universidades. No que se refere à autoria, não há sinais de
concentração em um único autor, embora, do total de textos, cinco sejam
publicações de Suraya Darido. Os autores que mais publicaram estão vinculados a
grupos de pesquisa que estudam temas na área escolar.
1.2 “MAS A EDUCAÇÃO FÍSICA TEM LIVROS DIDÁTICOS?!”: O DEBATE SOBRE
AS PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS E PRESCRIÇÕES
“Mas a Educação Física tem livros didáticos?!” Esse foi um questionamento a
nós dirigido quando apresentamos o objeto de nossa pesquisa. A leitura da
produção acadêmica permitiu responder a essa questão e a outras, que serão
abordadas na análise do conteúdo dos 36 textos mapeados. A partir de leitura e
fichamento foram organizadas três categorias: a) Perspectivas teóricas nas
propostas e livros didáticos. b) Entre usos, prescrições e maneiras de produção. c)
Livros didáticos e propostas pedagógicas como objeto de análise.
1.2.1 Quanto às Perspectivas Teóricas
Estão reunidos nessa categoria dezesseis textos (FERREIRA et al., 1989;
ESCOBAR, 1900, 1993; CYRINO, 1997; D’ALMEIDA, 1997; ARAÚJO et al.,1999;
SILVEIRA; PINTO, 2001; FARIA et al., 2003; AMARAL, 2004; ALVES; SILVA, 2001;
ALVIN; OLIVEIRA, 2005; SILVA, 2005; TEIXEIRA; SOUSA; ALVES, 2005;
ANDRADE, 2007; ANGULSKI et al., 2007; KRAVCHYCHYN et al., 2008) que
compreendem 45% das produções. Eles se aproximam, pois fazem circular
31
diretrizes, livros didáticos e prescrições para a prática pedagógica, bem como
concepções acerca da Educação Física escolar.
Os autores deram visibilidade a treze sistematizações para o ensino da
Educação Física. São elas: Proposta pedagógica do Colégio Santo Antônio, de Belo
Horizonte-MG; Proposta para o Ensino Médio em colégio de Maringá-PR; Currículo
da Educação Infantil de Olinda-PE; Diretrizes curriculares de Florianópolis-SC;
Proposta pedagógica do município de Camaragibe-PE; Diretrizes curriculares de
Araucária-PR; Livro didático público do Paraná-PR; Diretrizes curriculares da Serra-
ES; Proposta pedagógica do Rio de Janeiro-RJ e Proposta de ensino para o Ensino
Médio, cada uma abordada uma única vez. A Proposta pedagógica de Uberlândia-
MG, a Proposta curricular para Educação Física de Minas Gerais-MG e a Proposta
curricular de Pernambuco-PE foram abordadas, cada uma, em dois textos.
Pela leitura das fontes, identificamos que todos os trabalhos apresentam
referências teóricas ou nos deixam indícios delas. Em Cyrino (1997) encontramos a
única, na perspectiva da saúde, que dialoga com Nahas e Corbin e Guedes e
Guedes, dando visibilidade a um programa que contextualiza a importância da
Educação Física no ensino médio. Com abordagens teóricas e práticas, os
conteúdos estão relacionados à promoção da saúde e à capacidade física, tendo
como objetivo a conscientização do aluno sobre a importância do exercício físico.
Constroem um ensino pautado no viés da saúde que prioriza os aspectos biológicos
dos alunos, e a atividade profissional do professor é definida pela aplicação de
programas, teorias e técnicas cientificamente planejados.
Ferreira e outros (1989) apresentaram a proposta pedagógica do Rio de
Janeiro, baseada na Educação Psicomotora, elaborada por Le Boulch e Anita
Harrow. Fundamentados nessa perspectiva, discutem a necessidade de “[...] atender
ao processo de crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente,
procurando respeitar sua individualidade biológica e social” (FERREIRA et al., 1989,
p. 43).
A educação psicomotora proposta por esses autores perspectiva uma atuação
pedagógica nos aspectos motor, cognitivo e social das crianças, por isso valorizam a
atuação coletiva do profissional da Educação Física com o professor regente,
32
integrando as diferentes áreas do conhecimento. Os autores defendem a
importância da atuação do professor de Educação Física, no contexto das séries
iniciais, associada a uma intervenção que permita o desenvolvimento da consciência
corporal pelo movimento, usando-o como meio para ensinar os aspectos cognitivos
e sociais, submetendo a Educação Física aos interesses e necessidades de outros
componentes curriculares.
As perspectivas críticas constituem-se como base teórica em onze propostas
aqui apresentadas, indicando um discurso predominante nas diretrizes, livros
didáticos e prescrições da Educação Física. Escobar (1990, 1993), D’Almeida
(1997), Araújo e outros (1999), Alves e Silva (2001), Silveira e Pinto (2001), Faria e
outros (2003), Amaral (2004), Alvin e Oliveira (2005), Silva (2005), Teixeira e outros
(2005), Angulski e outros (2007), Andrade (2007) e Kravchychyn e outros (2008),
apresentaram propostas que assumem a educação, no âmbito teórico, como meio
para transformação da sociedade que, na atual política econômica, é reprodutora de
desigualdade, exploração, alienação e injustiças sociais. Silveira e Pinto (2001, p.
139) indicaram que o papel da Educação Física
[...] é educar para compreender e transformar a realidade que nos cerca, a partir de sua especificidade que é a cultura de movimento humano [...]. Temos que dar nossa contribuição para que o aluno possa conhecer, escolher, vivenciar, transformar, planejar e ser capaz de julgar os valores associados à prática da atividade física, mais do que apenas praticar sem entender essa prática, simplesmente aderindo (ou não) à moda da atividade física.
Dentre as abordagens que oferecem fundamentos para construção dos
argumentos, destacam-se a crítico-superadora (SOARES et al., 1992) e a crítico-
emancipatória (KUNZ, 1994). Ambas apresentam particularidades, mas se
assemelham por se tratar de teorias que ganharam força nos debates sobre
Educação Física escolar a partir década de 1990, apresentando propostas de ensino
que tecem críticas ao paradigma da aptidão física, do esporte de rendimento e da
educação psicomotora.
Fundamentados nessas teorias, os autores evidenciam que os livros didáticos
não devem caracterizar-se pela prescrição, traduzindo o uso adequado e a
33
participação dos professores na produção das orientações como caminhos para que
não se transformem em manuais didáticos.
Identificamos que as propostas trazidas por Ferreira e outros (1989), Araújo e
outros (1999), Faria e outros (2003), Amaral (2004), Alvin e Oliveira (2005), Teixeira,
Sousa e Alves (2005), Andrade (2007) e Angulski e outros (2007) evidenciam os
professores como autores ou participantes do próprio processo de construção,
sinalizando para a importância da experiência dos docentes. Para Angulski e outros
(2007, p. 5), a construção do Livro Didático Público do Paraná foi
[...] resultado de um processo que valorizou as experiências dos professores, acumuladas ao longo da sua trajetória profissional no espaço escolar, a troca de experiências entre professores da mesma disciplina do nível médio da rede e professores das Instituições de Ensino Superior, sem perder de vista o rigor da pesquisa e a cientificidade do conhecimento de forma crítica e reflexiva.
Nessa perspectiva, os professores da educação básica são figuras centrais do
processo de construção de diretrizes e livros didáticos. A formação continuada é um
espaço-tempo que viabiliza a participação desses profissionais (AMARAL, 2004;
ANGULSKI et al., 2007).
No entanto, Faria e outros (2003) e Teixeira, Souza e Alves (2005) ponderam
as dificuldades relacionadas a essa participação, pois, como destacado em Faria e
outros (2003, p. 9), “[...] nossas limitações teóricas dificultam a sistematização das
experiências”, ressaltando que a assessoria dos professores das universidades é
fundamental para minimizar tais dificuldades. Essa afirmação leva-nos a considerar
o contexto de que esses professores participam e a entender que os embates
acontecem na construção de propostas que têm um referencial teórico definido,
exigindo dos profissionais estudo e domínio, pois, nesse caso, o objetivo da
proposta foi “[...] estabelecer uma unidade identitária de caráter curricular, baseada
numa perspectiva crítica de Educação” (FARIA et al., 2003, p. 9).
Deparamo-nos aqui com uma questão que atravessa as três perspectivas –
promoção da saúde, psicomotricidade e crítica –, qual seja, mesmo construindo um
argumento contra a prescrição, a visão sobre o conhecimento e sobre como deve
ser orientado o ensino da Educação Física tem-se pautado numa relação vertical
34
que classifica e determina o que deve ser colocado em prática, fundamentando-se
em
[...] um paradigma que pressupõe uma única forma de conhecimento válido, o conhecimento científico, cuja validade reside na objetividade que decorre da separação entre teoria e prática, entre ciência e ética; [...] que avança pela especialização e pela profissionalização do conhecimento, com o que gera uma nova simbiose entre saber e poder, onde não cabem os leigos, que assim se vêem expropriados de competências cognitivas e desarmados dos poderes que elas conferem [...] (SANTOS, 1989, p. 34).
Assim, o conhecimento científico concebe o professor como sujeito que
precisa ser conscientizado, adequando suas práticas a modelos e paradigmas que
não permitem outras formas de ação e compreensão da realidade. Entendemos as
diretrizes e os livros didáticos como produtos do diálogo da prática pedagógica dos
professores, pois, se considerarmos a leitura e os usos que deles fazemos, veremos
que esses materiais permitirão que outros professores das escolas se identifiquem e
se reconheçam nesse conhecimento produzido, pois falam com e não para o
professor de maneira compartilhada. Nesse ponto, é interessante estarmos atentos
para o fato de a leitura se relacionar com “[...] empatia, projeção, identificação. Ela
maltrata obrigatoriamente o livro, adapta-o às preocupações do leitor”
(COMPAGNON, 2003, p. 143).
Portanto, se o professor não se identifica no que lê, não projetará
possibilidades de ação, de usos e apropriações para sua prática. É preciso, nesse
caso, levarmos em consideração que a Educação Física é um componente curricular
que não tem sua trajetória histórica de escolarização marcada pela presença,
orientação e prescrição do livro didático, mas nem por isso deixa de existir.
1.2.2 Entre Usos, Prescrições e Maneiras de Produzir Propostas Didático-
Pedagógicas
Neste tópico, concentram-se nove textos, correspondendo a 24% do total de
publicações (ABIB, 1999; FRATTI, 1999; ARAÚJO, 2005; ANTUNES; AMARAL;
LUIZ, 2008; GUIMARÃES, 2008; DARIDO et al., 2010; GALATTI; PAES; DARIDO,
2010; MACIEIRA; MATA; HERMIDA, 2011; DINIZ; DARIDO, 2012;), que apresentam
35
discussões teóricas sobre livros didáticos na Educação Física com aproximações
aos referenciais do campo da educação, possibilitando-nos compreender sua
finalidade e as bases para sua construção.
Textos como os de Diniz e Darido (2012), Araújo (2005), Galatti, Paes e Darido
(2010) e Darido e outros (2010) discutem acerca do livro didático e seus usos,
defendendo uma orientação crítica que não seja prescritiva. Para Diniz e Darido
(2012, p. 180), o livro didático é um “[...] recurso complementar para o processo de
ensino-aprendizagem, estimulando a criatividade dos alunos, desde que este
profissional faça um uso crítico do material que possui em mãos”.
Destacamos que, se, em um primeiro momento, os referenciais de educação
crítica foram contrários aos livros didáticos por comprometerem a autonomia do
professor, em um segundo momento, sua valorização pode ser vista como
ferramenta para orientar a atuação do professor nessa perspectiva. Associado a
esta narrativa, temos o argumento de que o contexto da década de 1980 foi
significativo para manifestações de uma crítica à função sociopolítica e
conservadora na escola, que se refletiu na construção de propostas curriculares.
Entretanto,
[...] esse avanço no campo das ideias não foi acompanhado na realidade concreta, no chão da escola, já que se percebe um grande descompasso no que diz respeito à qualidade da produção teórica dos intelectuais brasileiros desenvolvida principalmente nas universidades federais e o que vem acontecendo na realidade escolar concreta (MACIEIRA; MATA; HERMIDA, 2011, p. 112).
A reflexão de Macieira, Mata e Hermida (2011) fortalece o argumento de que a
universidade e o conhecimento científico são as vozes autorizadas para discutir e
produzir diretrizes e livros didáticos. Também Darido e outros (2010, p. 456) afirmam
que “[...] é papel da comunidade científica e acadêmica envidar esforços no sentido
da elaboração, construção e avaliação de materiais didáticos no interior da
Educação Física na escola”. A relação de parceria entre universidade e instituições
escolares é uma questão pertinente nos textos analisados, no entanto acenamos a
necessidade de se investigar de que maneira essa relação se tem dado no processo
de construção das propostas. Diante desses questionamentos, cabe-nos pensar
sobre as relações de parceria nas assessorias e no lugar do saber do professor
36
nesses materiais, diante da afirmativa de que a voz autorizada na produção do
conhecimento é a da academia.
Anunciamos a necessidade de uma inversão epistemológica na construção e
concepção de propostas pedagógicas e livros didáticos para a Educação Física, pois
é importante construir uma rede de colaboração entre professores da universidade e
professores da educação básica, reconhecendo-os como participantes e autores a
partir da sistematização de suas experiências de ensino com diferentes conteúdos,
possibilitando que outros professores busquem inspiração e maneiras de ensinar a
partir de experiências concretas.9
O texto de Antunes, Amaral e Luiz (2008) traz uma contribuição para se pensar
a construção de propostas pedagógicas, partindo de uma perspectiva da visibilidade
ao que o professor já faz ou consegue fazer em seu cotidiano:
[...] ao se optar por um tipo de metodologia que coloque em evidência o que o professor já faz, ou consegue fazer, estar-se-á procurando, ao mesmo tempo, compreender a realidade, contextualizando-a e, também, produzindo ações que possam ser desencadeadas a partir desta mesma prática, que resultem em mudanças significativas (ANTUNES; AMARAL; LUIZ, 2008, p. 145).
As discussões teóricas traçadas estão pautadas em referenciais da educação,
como podemos observar nos textos de Darido e outros (2010) e de Diniz e Darido
(2012), não permitindo considerar as especificidades do componente curricular.
Nesse ponto a produção acadêmica evidencia lacunas. Também as orientações
mencionadas priorizam o ensino fundamental e médio, apresentando apenas uma
proposta direcionada para a educação infantil – Proposta Curricular da Educação
Infantil de Olinda –, configurando-se como um tema a ser explorado na produção
acadêmica.
1.2.3 Propostas Didático-Pedagógicas como Objetos de Análise
Essa categoria corresponde a 32% das publicações e, neste momento,
dedicamo-nos aos onze estudos que analisaram propostas pedagógicas ou livros
9 Os materiais didáticos do Rio de Janeiro são fruto de práticas pedagógicas desenvolvidas por
professores das escolas públicas estaduais.
37
didáticos. Os autores debruçam-se sobre os documentos prescritos, a abrangência
do documento no contexto escolar e a opinião de professores e alunos que fizeram
uso dos livros didáticos. Os estudos foram agrupados nos seguintes eixos: a) análise
da forma e conteúdo de documentos; b) autores que analisaram propostas de cuja
construção participaram; c) críticas produzidas aos documentos prescritos.
Os dispositivos abordados foram: o Currículo Básico do Paraná (FRATTI,
2001), as Orientações Governamentais Nacionais (MARTINS et al., 2001), a
Proposta Curricular de Recife (SOUZA JÚNIOR, 2005a, 2005b, 2007),o Livro
Didático Público do Paraná (ANGULSKI; ÁVILA, 2009), os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs (GRAMORELLI; NEIRA, 2009), as Apostilas de Recreação do
professor Odilon Barbosa (FERNANDES; MOURA, 2011), o Referencial Curricular
do Rio Grande do Sul (MARTINY; FLORÊNCIO; GOMES-DA-SILVA, 2011), o Livro
Didático de Basquetebol (RODRIGUES; DARIDO, 2011) e o Livro Didático sobre
Saúde (RUFINO; DARIDO, 2011).
Por meio de pesquisa documental, Fernandes e Moura (2011) analisaram a
forma e o conteúdo das apostilas do professor Odilon Barbosa, investigando a
possibilidade de terem sido utilizadas, na década de 1970, como um dispositivo
didático. Estudos como esses sinalizam que materiais de uso pedagógico estão
presentes em diferentes contextos, e, embora não explícito nos referenciais teóricos,
os autores analisaram suas fontes com base na pesquisa histórica. Fernandes e
Moura (2011, p. 4) concluem que os dispositivos
[...] possuem formato semelhante, contendo pensamentos e ideias do próprio Barbosinha, e também de autores desconhecidos, que versam sobre os mais diferentes temas, e que traz com muita ênfase uma preocupação acentuada com a criança, com a educação, e com o desenvolvimento de valores e atitudes por intermédio da recreação.
As análises produzidas sobre propostas e livros didáticos estão centralizadas
em autores que participaram de sua produção, havendo uma relação direta entre o
consultor que oferece assessoria com aquele que representa o meio acadêmico e
que viabiliza a circulação das propostas didático-pedagógicas. Esses textos balizam
análises no conteúdo documental e no processo de implementação das propostas
no contexto escolar.
38
Souza Júnior (2005a, 2005b) entende que a proposta de Recife se constitui no
âmbito de uma teoria crítica de currículo, defendendo que, em vez de ser construída
por especialistas para ser aplicada pelos professores,
[...] faz opção por construir paulatina e coletivamente uma proposição, que retrate os avanços e os limites existentes na realidade educacional do Município [...] fazendo com que o docente não seja um mero receptor e executor de políticas educacionais, e sim um profissional organicamente engajado também no processo de formulação e implementação curricular (SOUZA JÚNIOR, 2005b, p. 4).
Souza Júnior (2007) investigou, além do documento prescrito, o processo de
implementação da proposta e, por meio de entrevista com os professores, identificou
que o “[...] avanço conquistado na dimensão política e em especial na construção
dos documentos não atinge as mesmas proporções no cotidiano escolar” (SOUZA
JÚNIOR, 2007, p. 95). Atribuiu essa dificuldade à “nova” forma de organização da
proposta em ciclos, à identidade e à trajetória histórica da Educação Física.
Observamos que, embora os professores participem da construção das
propostas, o insucesso da implementação é inerente ao documento, recaindo sobre
os sujeitos e suas práticas, e não à forma como foi pensado e produzido. Nesse
movimento, percebemos poucas críticas aos livros e propostas didáticas, sobretudo
daqueles que fizeram parte de sua construção.
Rodrigues e Darido (2011) e Rufino e Darido (2011) desenvolveram uma
metodologia de análise dos livros didáticos que, segundo os autores, avalia sua
“aplicabilidade” no contexto escolar. Para tanto, disponibilizaram os livros em
escolas do interior de São Paulo, sendo um livro didático de basquetebol
(RODRIGUES; DARIDO, 2011) para ser utilizado por professores do ensino
fundamental dos municípios de Limeira-SP e Rio Claro-SP e um livro didático sobre
o tema transversal da saúde (RUFINO; DARIDO, 2011), que foi analisado na visão
de alunos do ensino fundamental de uma escola pública do interior de São Paulo.
Alguns autores fazem críticas aos documentos prescritivos (FRATTI, 2001;
MARTINS et al., 2001; MARTINY; FLORÊNCIO; GOMES-DA-SILVA, 2011). Ao
contextualizar a análise do referencial do Rio Grande do Sul, Martiny, Florêncio e
Gomes-da-Silva (2011, p. 2) levantam uma crítica às iniciativas dos estados que,
após a elaboração dos PCNs, lançaram referenciais teóricos como meio de
39
alienação e conformação das práticas, objetivando “[...] inculcar valores e hábitos
‘adequados’ às transformações econômicas, sociais e culturais que estavam
ocorrendo no processo de consolidação de um modelo de capitalismo da eficiência
social” (MARTINY; FLORÊNCIO; GOMES-DA-SILVA, 2011, p. 2).
Embora reconheçam a importância da iniciativa para a área, esses autores
afirmam preocupação com o caráter prescritivo do referencial do Rio Grande do Sul,
defendendo a necessidade de o documento ser vivenciado, debatido e reestruturado
pelos professores das escolas para que não se transforme em “[...] um manual
didático, um discurso dominante, um conhecimento oficial que silencia o movimento
e a organização dos trabalhadores da educação” (MARTINY; FLORÊNCIO;
GOMES-DA-SILVA, 2011, p. 10).
Quanto ao conteúdo dos textos, mapeamos 22 propostas para o ensino da
Educação Física. Se considerarmos a localização regional, oito deles são da Região
Sudeste: quatro de Minas Gerais (duas de colégios particulares), duas de São Paulo
(produzidas para validação), uma do Espírito Santo e uma do Rio de Janeiro; seis
são provenientes da Região Sul: quatro do estado do Paraná (uma de colégio
particular), uma de Santa Catarina e uma do Rio Grande do Sul; e cinco da Região
Nordeste: uma do estado da Paraíba e as demais do estado de Pernambuco, das
cidades de Olinda, Recife, Camaragibe, e uma estadual. Esses dados indicam que
os estados que produzem mais propostas publicam mais sobre o tema. Se
relacionarmos as produções com a procedência dos autores dos textos,
perceberemos que as instituições estão centralizadas nas Regiões Sudeste, Sul e
Nordeste.
A teoria crítica é a principal referência dos autores para pensarem a orientação
da Educação Física no contexto escolar e sustenta uma concepção de educação e
de conhecimento. A análise desse cenário faz-nos projetar algumas questões para
pensar a maneira de orientar a prática pedagógica: a) Embora essa perspectiva
reconheça o professor como autor de experiência e saber, não estaria pensando a
Educação Física de maneira paradigmática, ao desconsiderar o que ela vem sendo
nas escolas? b) Qual o lugar da prática dos professores no discurso acadêmico? c)
Cabe à teoria determinar uma única forma de ação e compreensão da realidade? d)
40
As generalizações que produzem uma metanarrativa sobre as escolas e seus
sujeitos não acabam reforçando um cenário de reprodução social?
Parece-nos que essas questões demarcam a fundamentação dos livros
didáticos que se apresentam de maneira silenciada em discursos que acenam para
a necessidade de considerar os professores como (co)produtores de diretrizes e
livros didáticos. Outra possibilidade interpretativa do aumento de interesse pela
temática está em compreendê-la como uma maneira de igualar a Educação Física a
outros componentes, em uma tentativa de significá-la dentro do espaço escolar,
conferindo-lhe reconhecimento e status.
41
CAPÍTULO II
2 PROPOSTAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS E SUAS PROJEÇÕES PARA O
ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Embora o PNLD não contemple a Educação Física, temos acompanhado, no
campo acadêmico, principalmente a partir de 2000, movimentos interessados na
produção, discussão e análise de materiais dessa natureza (ANGULSKI; ÁVILA,
2007; ANGULSKI et al., 2009; DARIDO et al., 2010; MARTINY; FLORÊNCIO;
GOMES-DA-SILVA, 2011; RODRIGUES; DARIDO, 2011; RUFINO; DARIDO, 2011).
No levantamento bibliográfico, encontramos 36 textos que abordam propostas
pedagógicas e livros didáticos. Identificamos que o aumento dessas produções a
partir de 2000 pode estar relacionado com as iniciativas de prefeituras e estados na
publicação dessas obras e também com as assessorias prestadas por
pesquisadores das universidades.
De maneira particular, neste capítulo, interessa-nos compreender, por meio da
materialidade documental, como se constituem essas propostas didático-
pedagógicas, analisando os dispositivos construídos para didatizar e orientar o
ensino da Educação Física. Estudos dessa natureza fazem-se relevantes para
compreender as maneiras como eles são pensados, o que projetam como ideal para
intervenção na Educação Física escolar e as vozes autorizadas para
prescrever/orientar esse componente curricular, pois “[...] não existe nenhum texto
fora do suporte que o dá a ler, que não há compreensão de um escrito, qualquer que
ele seja, que não dependa das formas através das quais ele chega ao seu leitor”
(CHARTIER R, 2002, p. 127).
Na Educação Física, estudos que objetivaram a análise de livros didáticos são
recentes, levantando críticas ao conteúdo documental (MARTINY; FLORÊNCIO;
GOMES-DA-SILVA, 2011), focalizando aspectos nem sempre específicos da
disciplina, como a organização em ciclos de aprendizagem e o conceito de
competência (SOUZA JÚNIOR, 2005a, 2005b, 2007).
42
Identificamos, ainda, textos que apresentam análises produzidas pelos próprios
autores das propostas ou livros didáticos (ANGULSKI; ÁVILA, 2009; GRAMORELLI;
NEIRA, 2009) e estudos, como os de Rufino e Darido (2011) e Rodrigues e Darido
(2011), que apostaram em uma metodologia que analisa os livros didáticos baseada
na opinião de alunos e professores, após a aplicação desse material nas escolas.
A partir de Carvalho (2001), denominamos duas naturezas de documentos:
uma os define como caixas de utensílios, apresentando ferramentas para auxiliar em
situação de ensino; outra, como coleções pedagógicas que fornecem um repertório
de informações e de referenciais críticos para o professor, orientando-o contra a
prescrição de modelos.
No que se refere a nosso corpus documental, os livros e cadernos didáticos do
Paraná (2006), de São Paulo (2009) e do Rio de Janeiro (2006) são como caixas de
utensílios, pois sistematizam e projetam maneiras de abordar o ensino da Educação
Física com atividades e sugestões de avaliação. As propostas pedagógicas e
diretrizes de Minas Gerais (2005), de Goiás (2007), do Espírito Santo (2009) e de
Pernambuco (2010) são como coleções pedagógicas, pois apresentam discussões
teóricas acerca do componente curricular, pressupostos sobre objetivos, conteúdos,
metodologia e avaliação nem sempre específicos.
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa documental cujo desenho
metodológico está pautado no paradigma indiciário e na leitura da forma e conteúdo
das fontes propostas por Ginzburg (1989). No que se refere à forma, nosso interesse
é compreender capas, sumários, apresentações, público visado e iconografia. Trata-
se da análise das características materiais do impresso ou, como define Toledo
(2001), o estudo do aparelho crítico entendido como um conjunto de procedimentos
editoriais projetados como meio de didatizar ou direcionar o seu uso.
Selecionadas as fontes a partir do mapeamento de propostas didático-
pedagógicas na produção acadêmica, no período de 1930 a 2012, no qual
identificamos 22 propostas, e observadas as iniciativas de prefeituras e estados,
definimos as propostas didático-pedagógicas a partir das regiões em que se
concentravam (Sudeste, Nordeste e Sul), focalizando as secretarias estaduais.
Diante desse cenário, visitamos os sites das Secretarias de Educação em busca dos
43
possíveis documentos, considerando as regiões das propostas encontradas no
mapeamento produzido.
2.1 DAS FORMAS À PROJEÇÃO DAS PRÁTICAS NAS COLEÇÕES
PEDAGÓGICAS E CAIXAS DE UTENSÍLIOS
Analisamos a seguir o projeto editorial das sete propostas didático-
pedagógicas, classificadas de acordo com a natureza de cada uma em coleções
pedagógicas e caixas de utensílios, observando as aproximações e os
distanciamentos presentes nos dispositivos.
2.1.1 Quanto às Capas
A capa de um documento representa o primeiro contato do leitor com o texto,
por isso, segundo Berto (2008), constitui-se como “porta de entrada” para o
conteúdo que o leitor encontrará em seu interior, pois diz muito daquilo que se
deseja dar a ler.
No que se refere às capas das coleções, temos a Proposta de Minas Gerais
(2005) e as Orientações de Pernambuco (2010) totalmente em preto e branco,
(Figuras 1 e 4). A proposta de Pernambuco (Figura 4) traz o emblema do Estado.
Figura 1 – MG Figura 2 – ES Figura 3 – GO Figura 4 – PE
44
O Currículo do Espírito Santo (2009) tem capas em cores, de acordo com as
áreas de conhecimento, e traz a sigla da Secretaria Estadual de Educação, como na
Figura 2. O Currículo em Debate, de Goiás, expõe detalhe lateral em amarelo e é o
único que apresenta uma imagem, como podemos observar na Figura 3.
De maneira semelhante, conforme as Figuras 5 a 7, temos as capas das caixas
de utensílios. A capa do Livro do Paraná (Figura 5) apresenta-se na cor azul e
estampa o emblema do estado. Os 28 Cadernos de Educação Física de São Paulo
(Figura 6) são todos na cor roxa, também com o emblema do estado. O material do
Rio de Janeiro (Figura 7) traz capa em preto e branco e não apresenta recursos
iconográficos no seu conteúdo, diferenciando-se do documento do Paraná e de São
Paulo.
As capas foram produzidas em poucas cores e imagens, tendo em vista que se
trata de documentos sem fins comerciais. São facilmente acessíveis no formato on-
line e/ou distribuídos gratuitamente de maneira impressa para professores e alunos
das redes de ensino. Nessa direção, analisando os Cadernos de História do estado
de São Paulo, Boim (2010, p. 84) também identificou que
[...] nas capas não são aplicados muitos recursos artísticos e gráficos, como fotos, ilustrações e cores, diferente do que acontece nas capas de livros didáticos aprovados pelo PNLD, que apresentam projetos gráficos mais elaborados e atrativos a cada novo edital.
Figura 5 – PR Figura 6 – SP Figura 7 - RJ
45
Concordamos com o autor quanto às necessidades do mercado do livro
didático, que demarca a diferença entre um material que compete com outras
editoras e os dispositivos produzidos pelos estados, que não têm concorrência.
Assim, apresentam um material pouco atrativo aos professores e aos alunos. Esses
documentos são enviados às escolas para serem seguidos, pois seus projetos
editoriais objetivam a unidade no que se ensina nas redes de ensino. Além disso,
sabemos que há tentativas de controle sobre seus usos, quando realizadas
avaliações para identificar em que medida o aluno se apropriou dos conhecimentos
partindo dos documentos oficiais, como podemos observar na apresentação da
Proposta Curricular de Minas Gerais (2005, p. 9):
A importância dos CBCs justifica tomá-los como base para a elaboração da avaliação anual do Programa de Avaliação da Educação Básica (Proeb), para o Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar (PAAE) e para o estabelecimento de um plano de metas para cada escola.
Observando o layout, identificamos que as capas das publicações de Minas
Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraná não trazem imagens.
Trazem o nome da disciplina como título e se configuram como capas-padrão, pois
são utilizadas nos fascículos dos demais componentes curriculares.
As capas do material do Espírito Santo e de Goiás são coloridas e também são
usadas para todas as disciplinas e destacam outros elementos. A capa do Currículo
Básico do Espírito Santo, com o slogan da Secretaria de Educação, demarca uma
política e uma gestão responsáveis por sua produção. O documento de Goiás
(Figura 3) apresenta uma imagem que nos remete ao conhecimento valorizado pela
escola, entendendo-a como lugar da palavra, da linguagem ou de outras formas de
simbolização do mundo, do texto, do saber sistematizado, cujo modo de existência é
a linguagem escrita (SCHNEIDER; BUENO, 2005; CHARLOT, 2009; SANTOS;
MAXIMILIANO, 2013;).
46
2.1.2 Sumários e Organização dos Textos
Se as capas se constituem como a porta de entrada, os sumários
compreendem o modo como os editores pensam e organizam o impresso e o
conteúdo colocado em circulação, produzindo uma intenção de controle e
didatização. Nesse ponto, Roger Chartier (2002, p. 244) salienta a própria forma
como é apresentado o impresso: “[...] disposição da paginação, os modos de recorte
do texto, as convenções tipográficas são investidos de uma ‘função expressiva’ e
sustentam a construção da significação”.
No Quadro 2, temos a quantidade de páginas e a organização dos
documentos:
Quadro 2 – Estrutura do documento.
Dispositivo didático
Quantidade de páginas
Organização do documento
Coleções pedagógicas Minas Gerais
68 Documento único para Educação Física. Contém apresentação e introdução, os objetivos da disciplina na escola, trajetória histórica, finalidades, metodologia e avaliação. Eixos temáticos e habilidades a serem desenvolvidas.
Espírito Santo
45 Apresentação, processo de construção e habilidades a serem alcançadas. Sugestão de conteúdo básico, concepção sobre Educação Física e suas contribuições para formação do aluno, objetivos, metodologia, competências, habilidades e conteúdos.
Goiás 27 Contempla todas as disciplinas. Contém apresentação, matrizes e habilidades do ensino fundamental. Cada componente apresenta introdução sobre as expectativas de aprendizagem e tabelas para cada ano do ensino fundamental, contendo conteúdos, eixos temáticos e expectativas de aprendizagem.
Pernambuco 64 Contém concepção de educação, Educação Física, objetivos, ciclos de aprendizagem, os saberes em ciclos, procedimentos didático-pedagógicos e avaliação.
Caixas de utensílios Paraná 248 É dividido por conteúdos estruturantes. São 47 páginas para o esporte
(futebol e voleibol), 29 para jogos, 63 para ginástica (circo, ginástica e atividade física e saúde), 32 para lutas (capoeira e judô), 62 para o conteúdo dança (mídia e corpo do adolescente e hip hop).
São Paulo 35 São 28 cadernos de Educação Física. Cada série possui quatro volumes correspondentes aos bimestres do ano. Contém carta aos professores e orientações sobre os conteúdos do bimestre. Apresenta situações de aprendizagem, atividade avaliadora, proposta de situações de recuperação e recursos de aprofundamento sobre o conteúdo, como livros, artigos, sites e filmes.
Rio de Janeiro
87 Contém apresentação e está organizado em 19 relatos de aulas de professores: dez para o ensino fundamental e nove para o ensino médio. De maneira geral, os conteúdos são: esportes, jogos, ginástica, dança, caminhada ecológica.
47
Das coleções pedagógicas, a Proposta de Minas Gerais (2005) tem maior
quantidade de páginas referentes à Educação Física, dispondo de amplo conteúdo
teórico para discutir as finalidades da disciplina, diretrizes para o ensino, orientações
metodológicas e avaliativas. Já a Proposta de Goiás (2007) tem a menor quantidade
de páginas (27), considerando que esse documento é predominantemente composto
por tabelas que organizam os conteúdos e as habilidades a serem alcançadas para
cada série.
Surpreende na análise da forma que, mesmo que as coleções pedagógicas
tenham característica de instrução teórica, a quantidade de páginas é menor, se
comparadas as coleções com as caixas de utensílios. Por exemplo, o Livro do
Paraná tem 248 páginas, pois prioriza discussões teóricas acerca das práticas
corporais, dando mais profundidade e permitindo a ampliação do conteúdo para
seus aspectos políticos, sociais e culturais, tendo em vista o público de alunos a que
se destina. Especialmente nesse documento, percebemos que há intenção de tornar
a Educação Física, a partir da perspectiva crítica, uma disciplina mais reflexiva no
ensino médio, possivelmente em função da configuração das Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (2006) e das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Básica (DCNEB) (BRASIL, 2013), que agrupam as disciplinas em
áreas de conhecimento, entre elas a Educação Física, que compõe a de linguagens,
códigos e suas tecnologias, juntamente com Língua Portuguesa, Língua Estrangeira
Moderna e Arte.
O fascículo do Rio de Janeiro (2006) contém 87 páginas, com apresentação,
sumário e dezenove relatos de experiências. Cada relato ocupa de duas a três
páginas com estrutura de plano de aula, contendo cabeçalho, que identifica a
escola, introdução, objetivos, desenvolvimento, resultado e análise crítica feita pelo
professor sobre a aula ministrada. Esse documento materializa uma proposta que
pensa o professor como colaborador e autor a partir das suas experiências de
ensino, de situações concretas de aula. Observamos que esse material poderia ser
potencializado, oferecendo mais espaço para o professor relatar o ensino-
aprendizagem dos conteúdos, não os resumindo a uma única atividade. Esse
movimento permitiria ao leitor a compreensão sobre a continuidade do processo.
48
Quanto à forma, as coleções pedagógicas aproximam-se, evidenciando os
objetivos de cada componente curricular, conteúdos, metodologia e avaliação.
Embora apresentem tabelas distribuídas por série/ano, encontramos uma repetição
de conteúdos sem que possamos visualizar a progressão pedagógica no que se
refere ao aumento de complexidade do conhecimento ao longo dos anos, ou mesmo
nesse mesmo ano. As discussões são relacionadas com atuação docente, definição
de conteúdo, uma vez que não objetivam as formas de ensinar e situações
concretas para atuação pedagógica.
As caixas de utensílios aproximam-se, ao abordarem os conteúdos específicos
da Educação Física, diferenciando-se nas maneiras de orientar o ensino e a
aprendizagem. O Livro Didático do Paraná (2006) caracteriza-se por propor
discussões teóricas e práticas dentro de conteúdos estruturantes: esporte, jogos,
ginástica, lutas e dança. Nos Cadernos de São Paulo (2009), os conteúdos são
desvelados em propostas de situações de aprendizagem, apresentando, aula a aula,
como fazer, dispondo de diferentes ferramentas para o ensino. Por fim, os Materiais
Didáticos do Rio de Janeiro (2006) trazem relatos de experiências de professores
com exemplos de aulas de diferentes conteúdos.
Um ponto relevante que aproxima coleções pedagógicas e caixas de utensílios
é a definição dos conteúdos pelos segmentos de ensino, indicando aumento de
discussão teórica no ensino médio (PARANÁ, 2006; SÃO PAULO, 2009; ESPÍRITO
SANTO, 2009), sobretudo pela definição de eixos temáticos, permitindo-nos
observar o processo de escolarização da Educação Física, que se vai tornando mais
teorizada, reflexiva e interdisciplinar à medida que avança para o ensino médio.
Essa opção assume o saber privilegiado pela escola e busca integralizar a
Educação Física no currículo escolar, podendo afastá-la das vivências das práticas
corporais, que constituem um patrimônio cultural imaterial. Concordamos com
Charlot (2009, p. 245) quando esclarece o objetivo fundamental de uma educação
que se pretende física, que visa ao corpo, é o próprio corpo.
A apropriação de regras e reflexividade valem quando elas surtem efeitos no corpo, isto é, quando são incorporadas, quando contribuem para aquele domínio de si no seu corpo que é igualmente domínio de seu mundo por um sujeito incorporado e engajado em relações intersubjetivas.
49
Quanto aos conteúdos que estruturam as caixas de utensílios, o Livro do
Paraná e os Cadernos de São Paulo oferecem maior variedade de vivências das
práticas corporais. Ambos se aproximam por sua organização prescritiva, por meio
de dispositivos que conduzem o ensino da Educação Física, como, por exemplo, as
atividades, questões a serem problematizadas com o aluno, pesquisas e propostas
de avaliação, produzidas em torno de objetivos definidos pelas intenções e
perspectivas teóricas de seus autores.
Identificamos que o ensino fundamental e médio são os níveis privilegiados nos
documentos analisados, como podemos observar no Quadro 3.
Quadro 3 – Etapas da educação.
Documentos
Ensino Fundamental ciclo I (1.º ao 5.º)
Ensino Fundamental ciclo II (6.º ao 9.º)
Ensino Médio
Coleções pedagógicas Minas Gerais X X Espírito Santo X X X Pernambuco X X X Goiás X X
Caixas de utensílios Paraná X São Paulo X X Rio de Janeiro X X
Ao investigarmos o estado do conhecimento sobre as propostas e livros
didáticos na Educação Física, o estudo evidenciou que, dos 36 textos que discutem
orientações para a prática pedagógica, apenas três (D’ALMEIDA, 1997; FARIA et al.,
2003; SILVA, 2005) mencionam propostas e livros que abordam a educação infantil.
2.1.3 A Iconografia como Recurso Didático
No que se refere aos dispositivos iconográficos, identificamos que as coleções
pedagógicas não fazem uso desses recursos, em função da própria natureza desses
documentos, pois são constituídos de discussões acerca das finalidades do
componente curricular, dos conteúdos a serem ensinados, da metodologia, da
avaliação e não têm intenção de projetar práticas para o ensino. Nesse caso, os
50
dispositivos iconográficos são dispensáveis, além de ser um recurso que gera maior
investimento financeiro.
As caixas de utensílios, como o Livro Didático do
Paraná (2006) e os Cadernos de São Paulo (2009),
trazem imagens, desenhos, fotografias, telas e pinturas.
Essas caixas utilizam ricamente as fotografias e os
desenhos. As iconografias são predominantemente
coloridas e, em uma primeira análise, têm por objetivo
tornar os livros mais didáticos e agradáveis aos olhos do
leitor. As imagens também são utilizadas para confirmar o
que está escrito, como podemos observar na Figura 8,
extraída do Capítulo 3, “Eu faço esporte ou sou usado pelo esporte?”, do livro do
Paraná.
No Capítulo 3, os autores discutem o “[...] lazer passivo, do qual os meios de
comunicação, em especial a televisão, fazem uso com bastante propriedade,
tornando os espectadores em potenciais consumidores da indústria do lazer”
(PARANÁ, 2006, p. 54). Com esse movimento, objetivam desenvolver uma
conscientização acerca do consumo, partindo do pressuposto de que as pessoas
são telespectadores passivos e alienados.
As imagens são utilizadas também para didatizar o ensino e permitem a
visualização de movimentos e posicionamentos corporais
específicos, como podemos observar na Figura 9, que
mostra o giro de cabeça (Head spin), no Capítulo 14 do
livro do Paraná, que apresenta o “Hip hop – movimento
de resistência ou consumo?”.
As imagens expressam as opções teóricas dos
autores, pois, segundo Bastos, Lemos e Busnello (2007,
p. 42), “[...] a imagem é uma proposta ou protocolo de
leitura, sugerindo ao leitor a compreensão do texto e seu
significado”. No livro do Paraná (2006), observamos
dispositivos iconográficos em formato de desenhos feitos
Figura 8 – Capítulo 3 do Livro do Paraná.
Figura 9 – Head spin Livro do Paraná.
51
especialmente para transmitir a mensagem, como forma de reafirmar e direcionar a
justa compreensão sobre as discussões que propõem dentro dos conteúdos,
relacionadas com a opção teórico-crítica, como destacamos na Figura 8, inserida na
discussão sobre os meios de comunicação como produtores de alienação para o
consumo.
Também nos Cadernos de São Paulo (2009), observamos inúmeras imagens
de esportes, ginástica, danças e lutas acompanhadas de quadros com aspectos
técnicos e táticos, demonstrando a opção por reconhecer a importância desses
elementos no ensino da Educação Física.
A Figura 10 representa jogadores disputando a bola no futsal, no capítulo que
aborda esse conteúdo, objetivando propiciar aos alunos a compreensão cada vez
mais ampla do esporte coletivo, para que eles
pratiquem essa atividade de maneira elaborada
(SÃO PAULO, 2009).
Para além de conduzir o olhar do leitor, a
partir dos documentos do Paraná e de São Paulo
destacamos as imagens como dispositivos
importantes na composição de livros que se
destinam à orientação da Educação Física, pois
possibilitam a visualização das manifestações e
expressões corporais.
2.1.4 Apresentações, Objetivos de Publicação e Autoria
Neste tópico, analisamos as apresentações que acompanham cada
documento, escritas, em sua maioria, por autores responsáveis pelo impresso. Nas
apresentações, são defendidas ideias que deram origem aos livros, expressando
como eles foram criados e postos em circulação, ou seja, aquilo que os
autores/editores idealizavam para sua utilização nos meios onde circulam (BERTO,
Figura 10 – Os esportes nos Cadernos de São Paulo.
52
2008). Desse modo, interessamo-nos pelos objetivos e intencionalidades das
propostas, pela forma como se deu o processo de produção, autoria e consultoria.
As iniciativas de Secretarias de Educação ao publicar dispositivos para
orientar a prática pedagógica estão previstas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN – Lei n.º 9.394/96), que estabelece que cabe aos
Municípios e aos Estados a função de colaborar com a União, com vistas a que se
estabeleçam competências e diretrizes para a educação, com o objetivo de
assegurar uma formação básica comum.
É possível ainda correlacionar o interesse da Educação Física na produção
desse tipo de material com a publicação dos PCNs e das DCNEB. Também a
ausência da disciplina no PNLD e a necessidade de orientar a prática podem ter
provocado iniciativas das redes de ensino em produzir livros com características
didático-pedagógicas.
As coleções pedagógicas do Espírito Santo e de Minas Gerais expressam
discursos que indicam a produção de currículos comuns para as escolas estaduais.
Além disso, organizam os saberes por áreas de conhecimento, tensionados pelas
atuais políticas nacionais que visam a outra forma de estruturação da educação
básica, em especial no ensino médio, objetivando a integralização curricular.
Observamos que, nas DCNEB (BRASIL, 2013), há a prescrição de uma
organização curricular baseada nessa integralização, regida pelo princípio da
interdisciplinaridade. Para possibilitar esse movimento, especificamente no ensino
médio, os componentes curriculares obrigatórios devem ser organizados nas áreas
de conhecimento: I – Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Materna (para
populações indígenas), Língua Estrangeira Moderna, Arte (em suas diferentes
linguagens: cênicas, plásticas e, obrigatoriamente, musical) e Educação Física; II –
Matemática; III – Ciências da Natureza: Biologia, Física e Química; IV – Ciências
Humanas: História, Geografia, Filosofia e Sociologia (BRASIL, 2013).
Essa organização leva-nos a pensar sobre os conteúdos da Educação Física
escolar, sobretudo quando observamos as questões direcionadas à disciplina nas
últimas edições do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que indicam a
53
necessidade de uma teorização desses conteúdos em diálogo com diferentes áreas
de conhecimento, inclusive ciências da natureza, nas discussões sobre saúde.
A Proposta Curricular de Minas Gerais objetivou fornecer aos professores uma
orientação para o ensino e “[...] reduzir as grandes diferenças existentes entre as
várias regiões do estado” (MINAS GERAIS, 2005, p. 9). No que se refere às caixas
de utensílios, os objetivos estão pautados no discurso de orientação dos
professores, constituindo-se como material de apoio para suas práticas de ensino
(SÃO PAULO, 2009).
A valorização das experiências dos professores apresenta-se, mesmo que
indiciariamente, nas coleções pedagógicas e caixas de utensílios, objetivando
reconhecê-los como autores do ensino e, ao mesmo tempo, dar legitimidade aos
discursos construídos para e/ou com o professor. Essa participação é valorizada nos
projetos editoriais de diferentes formas. Nessa concepção, os professores inserem-
se como autores dos capítulos (PARANÁ, 2006), nas reflexões e discussões
realizadas nos cursos de formação que forneceram subsídios à produção dos
documentos (PERNAMBUCO, 2010; MINAS GERAIS, 2005), ou no envio de
sugestões para reedição (GOIÁS, 2007). O Livro Didático do Paraná (2006, p. 4)
autodenomina-se “[...] como uma iniciativa sem precedentes de valorização da
prática pedagógica e dos saberes da professora e do professor, para criar um livro
público, acessível, uma fonte densa e credenciada de acesso ao conhecimento”.
Os materiais didáticos do Rio de Janeiro (2006) dão visibilidade a um “[...]
produto elaborado pelos próprios professores da rede; consiste em materiais
orientadores para que cada disciplina possa trabalhar a nova proposta curricular, no
dia-a-dia da sala de aula” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 4).
Identificamos também ações do Espírito Santo (2009) de mapear professores
referência de cada disciplina, considerando a situação funcional, a formação
acadêmica e a atualização permanente, o exercício constante de uma prática
“pedagógica inovadora”, além da atuação na elaboração de itens para as avaliações
nacionais e estaduais. O que está em questão é a concepção do que seja produzir
uma orientação para a prática pedagógica, pois a participação dos professores pode
constituir-se em uma estratégia editorial não apenas para qualificar as produções,
54
mas também como forma de legitimar o próprio documento, entendendo que os
impressos podem constituir-se em uma “[...] estratégia de divulgação e
convencimento do professorado sobre determinado projeto, proposta pedagógica ou
lei sobre a educação” (FERREIRA NETO et al., 2003, p. 58). Por isso, faz-se
necessário compreender quem são os autores, considerando aqueles mencionados
nos documentos.
Recorrendo aos currículos on-line, identificamos, como autoras do documento
de Minas Gerais (2005), Eustáquia Salvadora de Sousa, professora da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Maria Gláucia Costa Brandão,
que atua no cenário político e como consultora educacional, Aleluia Heringer Lisboa
Teixeira, do Colégio Santo Agostinho, em Contagem-MG, e Vânia de Fátima
Noronha Alves, professora da PUC-MG e consultora em Educação Física e lazer.
Essas autoras têm circulado nas publicações, apresentando o processo de
construção da proposta curricular de Minas Gerais (ALVES; SILVA, 2001; TEIXEIRA;
SOUSA; ALVES, 2005). No trabalho de parceria, há uma necessidade de legitimar o
discurso via universidade, de conferir reconhecimento a esse discurso, de fazê-lo
circular nas produções acadêmicas, o que relaciona consultoria, publicação e
aumento de divulgação.
Também Marcílio de Souza Júnior, um dos autores do documento de
Pernambuco (2010), circula na produção acadêmica publicando textos que têm
como objetivo discutir e analisar os ciclos de aprendizagem na proposta curricular de
Pernambuco (SOUZA JÚNIOR, 2005a, 2005b, 2007). A equipe de elaboração do
documento é formada por assessores membros do Grupo de Estudos Etnográficos
em Educação Física e Esporte (ETHNÓS) da Universidade de Pernambuco: Marcelo
Tavares, Marcílio de Souza Júnior e Ana Rita Lorenzini, em parceria com
professores da rede estadual que participaram dos seminários de formação
continuada.
O Currículo em Debate do estado de Goiás (2007) foi elaborado pelos
consultores Anegleyce Teodoro Rodrigues, da Universidade Federal de Goiás, Orley
Olavo Filemon e Pricila Ferreira de Souza, que são professores vinculados à rede
estadual de ensino.
55
No currículo do Espírito Santo (2009), a consultora da disciplina Educação
Física é Ana Flávia Souza Sofiste, que atua como professora colaboradora e tutora
no Pró-licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), na modalidade a distância.
No Livro do Paraná (2006), os autores foram os professores da rede estadual
de ensino Cristiane Brito, Fabiano Antônio dos Santos, Gilson José Caetano, Mauro
José Guasti, Neusa Maria Domingues, Rita de Cássia Wielewski, Sérgio Rodrigues
da Silva, Mário Cerdeira Fidalgo e Felipe Sobczynski Gonçalves. Os professores que
integravam a equipe técnico-pedagógica de Educação Física da Secretaria de
Educação eram Cláudia Sueli Fugikawa, Rodrigo Tramutolo Navarro e Cíntia Müller
Angulski. Esta última autora tem circulado na produção acadêmica sobre livros
didáticos (ANGULSKI et al., 2007; ANGULSKI; ÁVILA, 2009).
Os autores dos Cadernos do Professor de São Paulo (2009) são Adalberto dos
Santos Souza, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Jocimar Daolio,
professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciana Venâncio,
servidora pública do município de São Paulo que presta assessoria às unidades
educacionais, Luiz Sanches Neto, professor da Universidade de Guarulhos, Mauro
Betti, professor da Unesp, e Sérgio Roberto Silveira, servidor da Secretaria de
Estado de São Paulo e professor na Universidade Ibirapuera (Unib).
Os materiais didáticos do Rio de Janeiro (2006) foram produzidos no processo
de formação continuada realizada pela Secretaria de Educação. Os autores
mencionados foram 36 professores da rede estadual de ensino, que sistematizaram
suas intervenções como relatos de experiência, em forma de planos de aula. Os
professores orientadores foram Eliete Maria Silva Cardozo, da Faculdade de
Educação Física do Centro Universitário Augusto Motta (Unisuam), André Luiz da
Costa e Silva, do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), e Luciana Silva
Abdalad, professora da Unisuam.
De maneira geral, compreendemos que os autores são professores das
universidades públicas e particulares que prestaram assessoria/consultoria na
produção dos materiais, professores que exercem função técnico-pedagógica nas
Secretarias e professores das redes estaduais que participaram das discussões
56
durante a construção dos materiais ou atuaram como autores dos capítulos. O
movimento de parceria e colaboração entre universidades e instituições escolares
tem marcado a produção de propostas didático-pedagógicas para orientação da
Educação Física.
Ao investigarmos as parcerias na produção dos dispositivos, identificamos que
essas associações ocorrem entre universidades e secretarias e são formalizadas
nos textos, reconhecendo sua importância. Os autores das propostas também têm
circulado na produção acadêmica (ALVES; SILVA, 2001; TEIXEIRA; SOUSA;
ALVES, 2005; ANGULSKI et al., 2007; SOUZA JÚNIOR, 2007; ANGULSKI; ÁVILA,
2009) publicando propostas e livros didáticos, produzindo discussões e análises das
propostas existentes, inclusive daquelas de cuja construção participaram.
As marcas da participação dos professores são mais evidenciadas no
documento do Rio de Janeiro, constituído pelas narrativas das práticas pedagógicas
dos docentes. Já nos demais documentos, percebemos que essa participação foi
viabilizada pelos momentos de discussão. De maneira geral, constatamos a
intencionalidade de legitimar a participação do professor como um processo de
construção coletiva, garantindo a representatividade da categoria. Podemos definir
a participação dos professores como estratégia editorial não apenas para qualificar
os documentos pela contribuição com suas experiências, mas também como forma
de conferir legitimidade a esses impressos, tendo em vista o público a que se
destina.
Um ponto que merece destaque é que as formas dos documentos estão
centralizadas no professor e no ensino, não havendo preocupação em considerar o
aluno como sujeito aprendente ou, ainda, como produtor de cultura. Nesse caso, é
necessário que propostas didático-pedagógicas considerem a voz do aluno e suas
práticas de apropriação, reconhecendo as suas expectativas quanto aos saberes
ensinados e aprendidos nas aulas de Educação Física.
Os documentos analisados são exemplos de como a Educação Física vem
aproximando-se dos demais componentes curriculares, no que se refere aos
avanços na concepção de livros didáticos para professores e alunos. Os dispositivos
57
formais investigados evidenciam o esforço da comunidade acadêmica, em
colaboração com os professores das escolas, na produção desses materiais.
58
CAPÍTULO III
3 IDENTIDADE E PRÁTICA PEDAGÓGICA NAS PROPOSTAS E LIVROS
DIDÁTICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Neste capítulo, analisamos as sete propostas didático-pedagógicas da
Educação Física, por meio de pesquisa documental, investigando as representações
produzidas sobre identidade e prática pedagógica. A análise dos projetos editoriais
dos livros e propostas didático-pedagógicas permitiu-nos afirmar que esses
documentos são publicados com o objetivo de fazer circular um conjunto de
pressupostos para o ensino e aprendizagem, utilizando diferentes dispositivos para
direcionar a compreensão sobre saberes e práticas que competem à Educação
Física como componente curricular.
A partir da apropriação de pressupostos teóricos, intencionalmente os autores
projetam nesses documentos representações sobre a Educação Física e sobre
prática pedagógica. A definição do que deve ser ensinado contribui para a
construção de uma identidade do campo – suas finalidades e atribuições – no
contexto escolar. Pautada nessa compreensão, objetivamos investigar as
representações sobre identidade da Educação Física, evidenciando de que maneira
os autores prescrevem e justificam sua permanência nesse espaço. Relacionadas à
identidade, compreenderemos, também, as representações sobre a prática
pedagógica, considerando a especificidade de um componente curricular que, se por
um lado, se aproxima dos demais por compor um projeto de educação escolarizada,
por outro, em sua especificidade, vem constituindo-se pela diferença.
Entendemos as representações como matrizes de discursos e de práticas que
têm por objetivo a construção do mundo social (CHARTIER R, 2002). A
compreensão das representações acerca da(s) identidade(s) e das práticas
pedagógicas da Educação Física que circulam nos documentos justifica-se porque
nos ajuda a refletir sobre como esse componente curricular se vem constituindo por
diferentes formas.
59
As representações manifestam uma ausência, o que supõe uma clara distinção
entre o que representam e o que é representado. Nesse caso, a representação é um
instrumento que evidencia o ausente, “substituindo-o por uma ‘imagem’ capaz de
trazê-lo à memória e ‘pintá-lo’ tal como é” (CHARTIER R, 2002, p. 74).
Compreendemos o livro didático como lugar de representações (CHARTIER R,
2002) e de estratégia (CERTEAU, 1994), pois se caracteriza por ser um lugar de
poder estabelecido, capaz de produzir, reproduzir, mapear e impor.
Embora recentes, observamos avanços no estudo e na produção de livros com
fins didáticos para a Educação Física. Nessa perspectiva, temos os livros “Educação
Física e temas transversais na escola”, organizado por Suraya Cristina Darido, e
“Para ensinar Educação Física: possibilidades de intervenção na escola”, também
organizado pela autora em parceria com Osmar Moreira de Souza Júnior. Nesse
cenário, destacamos também o Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar,
da Universidade de São Paulo, que, desde 2004, vem debatendo o ensino da
Educação Física e produzindo conhecimento pelo registro das experiências
pedagógicas de professores da educação básica, fundamentadas nos estudos
culturais e no multiculturalismo crítico (NEIRA; LIMA; NUNES, 2012).
Diferentes iniciativas de publicação têm emergido de estados em parceria com
consultores das universidades. Em mapeamento realizado sobre essa produção,
identificamos aumento de interesse na produção, discussão e análise de livros
didáticos e propostas de orientação pedagógica para a Educação Física, sobretudo
a partir da década de 2000 (ANGULSKI; ÁVILA, 2009; DARIDO et al., 2010;
MARTINY; FLORÊNCIO; GOMES-DA-SILVA, 2011; RODRIGUES; DARIDO, 2011).
Nesse cenário, nossas fontes consistem em sete propostas estaduais para o ensino
da Educação Física: a Proposta Curricular de Minas Gerais (2005); o Livro Didático
Público do Paraná (2006); os Materiais Didáticos do Rio de Janeiro (2006); o
Currículo em Debate de Goiás (2007); os Cadernos do Professor de São Paulo
(2009); o Currículo Básico do Espírito Santo (2009), e as Orientações Teórico-
Metodológicas de Pernambuco (2010).
De acordo com a natureza, os documentos estão divididos entre coleções
pedagógicas e caixa de utensílios (CARVALHO, 2001). As propostas e diretrizes de
60
Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Pernambuco são caracterizadas como
coleções pedagógicas, pois oferecem um conjunto de pressupostos críticos para
intervenção do professor, opondo-se à ideia da prescrição. Os livros e cadernos
didáticos do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro são definidos como caixa de
utensílios, pois fornecem um acervo de ferramentas para auxiliar no ensino-
aprendizagem. Optamos por essa organização entendendo que, se por um lado
esses documentos têm em comum orientar a prática pedagógica, por outro utilizam
diferentes suportes e dispositivos para tal.
3.1 AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A IDENTIDADE DO COMPONENTE
CURRICULAR: DE QUE EDUCAÇÃO FÍSICA ESTAMOS FALANDO?
A identidade de um componente curricular se define principalmente por aquilo
que lhe é específico, pelo que se aprende, pelo que se ensina e pela sua
importância na formação dos alunos. No contexto escolar, a Educação Física vem
constituindo identidade de duas formas: primeiro, buscando uma finalidade que
contemple os objetivos de educação escolarizada, nesse caso aproximando-se dos
demais componentes curriculares; segundo, constituindo-se pela diferença, pois
[...] não é uma disciplina escolar “como as demais”. E acrescento: felizmente. Não é igual às demais porque ela lida com uma forma do aprender que não a apropriação de saberes-enunciados. Em vez de tentar anular ou esconder essa diferença, dever-se-ia destacá-la e esclarecê-la. O fato de que é uma disciplina diferente não significa que tem a legitimidade das demais disciplinas [...]. Em vez de se esforçar para aparentar-se normal, conforme a norma dominante de legitimidade escolar, a Educação Física deveria, a meu ver, legitimar-se por referência a outra norma, a outra figura do aprender (CHARLOT, 2009, p. 243).
Segundo Charlot (2000), há quatro figuras do aprender que se manifestam nos
objetos-saberes: nos objetos nos quais os saberes estão incorporados; nos objetos
cujo uso deve ser aprendido; em atividades a serem dominadas, e em dispositivos
relacionais, os quais só podem ser apropriados na relação com o outro. Nesse caso,
a Educação Física inicia pela aprendizagem do saber-domínio e por dispositivos
relacionais, abrindo possibilidades para as outras figuras do aprender.
61
As coleções pedagógicas e as caixas de utensílios compõem um conjunto de
documentos que visam orientar/prescrever a prática e, a partir das falas autorizadas
que neles se constituem, projetam representações sobre a Educação Física escolar.
Entendemos a identidade social “[...] como resultado de uma relação de força entre
representações impostas por aqueles que têm poder de classificar e de nomear e a
definição, submetida ou resistente, que cada comunidade produz de si mesma”
(CHARTIER R, 2002, p. 72).
Identificamos nas coleções pedagógicas que a Educação Física tem o papel de
contribuir para a formação humana de maneira integral, abordando aspectos
corporais, intelectuais, estéticos, políticos e éticos (GOIÁS, 2007; MINAS GERAIS,
2005). Nesse sentido, as orientações teórico-metodológicas de Pernambuco (2010,
p. 56) evidenciam que “[...] a Educação Física precisa se valer de todas as
responsabilidades atribuídas aos demais componentes curriculares na tarefa de
formação para a cidadania e que, sem ela, essa tarefa e projeto estariam
incompletos.
A educação para a cidadania e a autonomia é tema que se destaca nos
discursos dos documentos de Goiás (2007) e Pernambuco (2010), compreendendo
a finalidade da Educação Física na perspectiva da formação para a emancipação,
desenvolvendo nos alunos a consciência dos direitos e deveres, de fazer-se
respeitar, de defender a dignidade, a justiça, a participação na construção das
regras e normas sociais (GOIÁS, 2007).
As teorias utilizadas pelos autores das coleções pedagógicas aproximam-se
das abordagens críticas de educação. Nesse sentido, identificamos que evidenciam
algumas especificidades da Educação Física, que acenam para a necessidade de
priorizar não apenas habilidades técnicas e capacidades físicas, mas também o
contexto histórico-cultural e a compreensão crítica do movimento (ESPÍRITO
SANTO, 2009).
Quanto às caixas de utensílios, na proposta do Paraná (2006), que trata do
Livro Didático, os autores propõem que a Educação Física seja uma disciplina que
constitua um projeto de educação, igualando-a aos demais componentes
curriculares. Dispõe que a finalidade da Educação Física é promover uma educação
62
pautada em reflexões críticas acerca de mídia, de consumo e de estrutura social,
conforme representada na Figura 11.
Ao lidar com a relação saber-domínio e saber-
relacional, que se centraliza na dimensão do fazer com,
a Educação Física apresenta outra lógica para a
formação escolar, pois escola é o lugar da palavra, da
linguagem ou de outras formas de simbolização do
mundo, do texto, do saber sistematizado, cujo modo de
existência é a linguagem. Dessa forma, a perspectiva de
formação tem demarcado a identidade do componente
curricular por um viés que secundariza as práticas
corporais.
Nos documentos do Paraná, do Espírito Santo e
de São Paulo, observamos uma organização do conhecimento que se pauta em
uma integralização curricular, utilizando eixos temáticos, temas transversais e
atividades de cunho teórico para prescrever o ensino da Educação Física, sobretudo
no ensino médio.
Figura 12 – Atividade de futebol. O viés conceitual é uma
característica notável no Livro do
Paraná, principalmente nos dois
primeiros capítulos, que tratam dos
esportes (voleibol e futebol). A
escolha dessas modalidades para
aprofundar as reflexões indica que os
autores partiram do pressuposto de
que os alunos já vivenciaram esses
conteúdos durante a escolarização e
que, portanto, é preciso construir uma
visão crítica em relação à sua prática,
um movimento de releitura, como
podemos observar na atividade em destaque (Figura 12).
Figura 11 – Representação da sociedade.
63
Também contemplando os objetivos de promover reflexões críticas, as Figuras
13 e 14 representam a conscientização dos alunos sobre a relação entre mídia e
consumo.
Figura 13 – Esporte e consumo. Figura 14 – Mídia e consumo.
A Figura 13 representa o esporte como um elemento alienante, comparando-o
com as propagandas que induzem ao consumo passivo, as quais, supostamente,
fazem com que as pessoas ajam e consumam inconscientemente, conforme
também representado na Figura 14. Figuras e imagens como essas são encontradas
em todo o documento e têm como objetivo reafirmar o conteúdo textual, promovendo
a justa compreensão do aluno e projetando uma representação sobre sociedade,
educação e Educação Física. Entendemos a imagem como
[...] tradução de um modo de organização do olhar, que, de tempos em tempos, sofre influências das revoluções técnicas e cria novas formas de apropriação do visível, uma lógica sempre precária, porque presa a um conjunto de fatores históricos, sociais, científicos. Dessa forma, a imagem, por sua própria natureza, é mediática e, portanto, é representação (BELMIRO, 2000, p. 16).
Interessante notar que o livro aborda
conhecimentos conceituais para além da Educação
Física e de seus conteúdos. No capítulo que discute o
voleibol, identificamos um tópico que problematiza: “[...]
como as imagens de uma partida de voleibol chegam
até nossas casas pela TV” (PARANÁ, 2006, p. 35).
Nesse tópico são abordados conhecimentos acerca do
sistema de transmissão via satélite, que permite assistirmos à TV, apresentando
uma explicação sobre ondas magnéticas, como podemos observar na Figura 15.
Figura 15 – Ondas magnéticas.
64
Inserções como essas indicam aumento da complexidade e profundidade do
conteúdo no ensino médio e também a possibilidade de diálogo entre diferentes
disciplinas, promovendo a integralização curricular, sobretudo nas séries finais do
ensino fundamental e principalmente no ensino médio. As políticas nacionais atuais,
como as DCNEB (BRASIL, 2013),
preveem essa interdisciplinaridade, a organização do conhecimento por áreas
e a integralização curricular. Essa lógica tende a tornar a Educação Física uma
disciplina mais teorizada, principalmente pela necessidade de inseri-la em
avaliações, como as do ENEM, que é estruturado a partir das áreas.
Na análise da literatura pedagógica da Educação Física, Freire e Oliveira
(2004) identificaram que os conhecimentos de natureza conceitual e atitudinal são
abordados superficialmente e nem sempre são específicos da Educação Física,
questões pertinentes para a figura em debate. Destacamos que a questão não é
retirar ou rejeitar conhecimentos e aprendizagens teóricas, mas entender que os
conteúdos da Educação Física devem ser
tratados
[...] sem polarizar/dicotomizar o intelectual do corporal e o social do cultural, resgatar um termo muito utilizado na constituição histórica da Educação Física e que, aos poucos, foi perdendo terreno para terminologias autodenominadas críticas e reflexivas. Estamos falando da noção de práticas, expressão que causa desconfiança na área, pois foi associada a atividades eminentemente práticas, consideradas sem consequências para a formação reflexiva do estudante na Educação Básica (MATOS et al., 2013, p. 125).
As diversas imagens de esportes encontradas nos Cadernos de São Paulo
(2009), como mostra a Figura 16, indicam a valorização dessa prática no contexto
da escola, mas, ao mesmo tempo, a necessidade de (re)significá-la como conteúdo,
valorizando a cooperação e discussões acerca da “[...] espetacularização do esporte
no mundo contemporâneo” (SÃO PAULO, 2009, p. 8).
Observamos no Livro do Paraná e nos Cadernos de São Paulo que há uma
representação da Educação Física não só como meio para produzir reflexões acerca
da sociedade, das práticas corporais, incorporando mais elementos conceituais e
Figura 16 – Representatividade dos esportes.
65
teóricos, que indicam um aumento de complexidade e aprofundamento do saber,
mas também como decorrência da necessidade de conferir importância à disciplina
e de aproximá-la dos demais componentes curriculares, tendo em vista que, na atual
organização do ensino médio, a Educação Física compõe a área de linguagens,
códigos e suas tecnologias10, juntamente com as disciplinas de Língua Portuguesa,
Língua Estrangeira e Arte. As características comuns a essas disciplinas possibilitam
a articulação didático-pedagógica interna da área. Decorre daí a possibilidade não
só de enfatizar os conceitos explícitos ou subjacentes às linguagens e códigos, mas
também de promover os procedimentos metodológicos comuns às disciplinas que
constituem a área.
Nessa organização, especificamente a partir de 2009, a Educação Física
passou a integrar o Enem com questões que reforçam o argumento de que há
intenção de adequá-la à lógica escolarizada, questões de conhecimentos teóricos e
conceituais acerca da dança como manifestação cultural, da fisiologia do exercício
físico, dos fundamentos dos esportes e das lutas no contexto contemporâneo, por
exemplo, como podemos observar na questão 107 do Enem, Caderno 6 (BRASIL,
2011, p. 10):
Um dos problemas da violência que está presente principalmente nos grandes centros urbanos são as brigas e os enfrentamentos de torcidas organizadas, além da formação de gangues, que se apropriam de gestos das lutas, resultando muitas vezes em fatalidades. Portanto, o verdadeiro objetivo da aprendizagem desses movimentos foi mal compreendido, afinal as lutas: [...] apresentam a possibilidade de desenvolver o autocontrole, o respeito ao outro e a formação do caráter.
Diante das características que a Educação Física tem assumido,
principalmente no ensino médio, questionamos sobre a especificidade de sua
intervenção no contexto escolar. Concordamos com Charlot (2009) que o objetivo
fundamental de uma educação que se pretende física, que vise ao corpo, é o próprio
corpo, ou seja, a apropriação de regras e a reflexividade valem quando ela oferece
suporte a práticas incorporadas no corpo.
Observamos nas coleções que a especificidade da Educação Física se
apresenta na definição dos conteúdos (danças, lutas, jogos, ginásticas), mas as
10
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf>
66
orientações metodológicas e avaliativas estão pautadas em princípios gerais, como
valorização das experiências dos alunos, práticas inclusivas e interdisciplinaridade
(MINAS GERAIS, 2005; PERNAMBUCO, 2010).
No geral, embora as análises se tenham centralizado nos documentos de São
Paulo e Paraná por suas formas, ilustrações e extensão, observamos nos
documentos de Pernambuco, Goiás, Minas Gerais e Paraná uma tensão entre
conhecimentos que são próprios da Educação Física como meio para educação
integral e crítica. Nas caixas de utensílios de São Paulo e do Rio de Janeiro,
identificamos com mais clareza os saberes mobilizados nas aulas de Educação
Física e a dimensão das maneiras de ensinar esses conteúdos sem polarizar
conhecimentos teóricos ou práticos, temas que abordaremos a seguir.
3.2 REPRESENTAÇÕES SOBRE PRÁTICA PEDAGÓGICA: COMPREENSÃO
SOBRE CONTEÚDO, METODOLOGIA E AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA
No que concerne à relação entre práticas e representações, Roger Chartier
(2004, p. 18) afirma que “[...] não existe prática que não se articule sobre as
representações pelas quais os indivíduos constroem o sentido de sua existência –
um sentido inscrito nas palavras, nos gestos, nos ritos”. Discutiremos as
representações projetadas para a prática pedagógica, compreendendo conteúdos,
metodologia e processos avaliativos e identificando aproximações e distanciamentos
desses elementos com as representações produzidas acerca da identidade da
Educação Física no contexto escolar. Entendemos, conforme Certeau (2002), que
as formalidades das práticas são reveladoras das formas de
aprendizagem/apropriação e uso dos conhecimentos socializados por meio de
diferentes instituições e dispositivos de circulação.
Iniciamos pela compreensão das representações construídas sobre conteúdos
de ensino, entendendo que, para projetarmos os conteúdos da Educação Física em
termos de prática, é preciso entendê-la como uma atividade que se realiza por meio
de ações sobre uma matéria, no caso uma matéria selecionada dos bens culturais
67
produzidos historicamente, que vise ao ensino das práticas corporais (MATOS et al.,
2013).
No geral, coleções pedagógicas e caixas de utensílios propõem de maneira
similar os jogos, os esportes, as lutas, a ginástica, a dança e eixos temáticos,
também entendidos como conteúdos, como podemos observar no Quadro 4.
Quadro 4 – Conteúdos das coleções pedagógicas e caixas de utensílios.
Dispositivo didático Conteúdos
Coleções pedagógicas Minas Gerais Apresentados com os eixos temáticos: esporte, jogos e
brincadeiras, ginástica e danças e expressões rítmicas. Espírito Santo Eixos temáticos: Conhecimento sobre o corpo, corpo-
linguagem/corpo-expressão, jogos e movimentos individuais e coletivos, e jogos esportivos. Conteúdos: Habilidades motoras, mímicas, pantomima, educação postural, esquema corporal, expressão e conscientização corporal, alterações fisiológicas na prática corporal, sedentarismo e obesidade, ginástica, dança, jogos e brincadeiras, esportes individuais e coletivos.
Pernambuco Organização dos saberes em ciclos, os eixos temáticos: ginástica, dança, luta, jogo e esporte.
Goiás Os conteúdos propostos são conhecimentos sobre o corpo humano, jogo, ginástica, dança e esporte, dos quais emergem os eixos temáticos: corpo, movimento e saúde, jogos e brincadeiras da cultura popular, ginástica e suas manifestações culturais, dança, cultura popular e criação, esporte e a construção da cidadania.
Caixas de utensílios Paraná Conteúdos estruturantes: esporte (futebol e voleibol), jogos,
ginástica (circo, ginástica, atividade física e saúde), lutas (capoeira e judô) e danças (mídia e corpo do adolescente e hip hop).
São Paulo Os conteúdos e temas estão distribuídos ao longo das séries, sendo: jogo, esporte, luta, ginástica, atividade rítmica, organismo humano, movimento e saúde, corpo, saúde e beleza, contemporaneidade, mídias e lazer e trabalho.
Rio de Janeiro Esportes coletivos, atletismo, jogos, ginástica, recreação, dança e caminhada ecológica.
Observamos nas coleções pedagógicas e caixas de utensílios que as
diferentes manifestações das práticas corporais não se justificam por constituírem
saberes importantes. Elas também são meio para compreensão da estrutura social,
do consumo inconsciente, do rendimento, da exclusão e da competição. Nessa
perspectiva, os conteúdos são meios para o aluno desenvolver competências e
habilidades a fim de viver e atuar como cidadão em um mundo globalizado e
complexo, intervindo na realidade de forma crítica e criativa (MINAS GERAIS, 2005).
68
As coleções pedagógicas de Minas Gerais, Pernambuco e Goiás apresentam a
especificidade da Educação Física nos conteúdos, pois as orientações sobre
metodologia e avaliação são comuns para todas as disciplinas. Já as caixas de
utensílios do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro apontam os conteúdos que
definem a estruturação dos documentos.
A progressão pedagógica pode ser observada nos documentos de São Paulo
(2009) e do Rio de Janeiro (2006). Para as séries iniciais do ensino fundamental do
documento de São Paulo temos conteúdos, como esporte, dança e ginástica em
seus elementos técnicos e táticos. À medida que tais conteúdos avançam para o
ensino médio, aumentam as discussões balizadas nos eixos temáticos, como, por
exemplo, contemporaneidade e mídia, tendo em vista a idade e a possibilidade de
leitura crítica dos alunos. Nos materiais didáticos do Rio de Janeiro, observamos
uma progressão do conteúdo que, no ensino fundamental, é abordado como
iniciação aos esportes, jogos e recreação e, no ensino médio, avança para as
modalidades esportivas que aprofundam os sistemas de marcação, por exemplo, e a
incorporação de práticas diversificadas, como a caminhada ecológica.
Nos Cadernos de São Paulo, observamos uma organização vertical e
horizontal dos conteúdos. O plano vertical refere-se à disposição do conteúdo ao
longo das séries com base no critério sequencial, de modo que cada tópico parta do
anterior, permitindo aprofundamento, ampliação e progressão. O plano horizontal
tem como pressuposto a integração, que se refere ao relacionamento entre as
diferentes áreas do currículo visando garantir a unidade do conhecimento (HAYDT,
1997), podendo ser observado nos eixos temáticos.
Essa organização também pode ser observada no Currículo Básico do Espírito
Santo, principalmente na utilização dos eixos temáticos que atravessam as séries,
aumentando a complexidade dos conteúdos propostos, à medida que avançam para
o ensino médio, e também no agrupamento das disciplinas em linguagens que
permitem o diálogo entre elas, propondo a integração curricular.
O compromisso da Educação Física com o projeto de educação escolarizada
materializa-se na definição do ensino pelos eixos temáticos. Como podemos
observar no Quadro 4, todas as coleções pedagógicas utilizam-se dessa
69
organização, pois permitem um trabalho compartilhado entre as diferentes
disciplinas que compõem o currículo. Além disso, os eixos temáticos possibilitam a
articulação de discussões e a integralização da disciplina com outros componentes
curriculares, com temas como saúde, beleza, mídia, lazer, mundo do trabalho.
Nesse sentido, observamos nos documentos do Paraná e de São Paulo, no que se
refere ao ensino médio, maior incorporação dos eixos, que possibilita apreensão de
conceitos, produção de discussões, tornando a Educação Física mais teorizada.
O Livro do Paraná propõe uma “[...] desnaturalização das práticas que
compõem o desenvolvimento teórico-prático do ensino da Educação Física na
escola” (PARANÁ, 2006, p. 10). Identificamos que a desnaturalização assim
proposta está mais presente nos conteúdos de futebol e voleibol, que apresentam
um amplo debate teórico em detrimento das vivências práticas. Interessante notar
que o texto apresenta metáforas, utilizando os conteúdos como meio para
compreensão da estrutura social, conforme podemos observar no fragmento do
capítulo que trata das lutas:
No contexto da sociedade capitalista, os combates são permanentes e necessários, sejam eles de ordem social, política ou econômica, que demandam a inserção, participação e o engajamento de todos na luta por uma sociedade mais justa e igualitária (PARANÁ, 2006, p. 184).
A dimensão da prática está representada em diversas figuras como forma de
didatizar e promover a visualização dos movimentos e posicionamentos que tratam
de um saber prático. Portanto, observamos que nos livros didáticos de Educação
Física as imagens são ferramentas importantes para a visualização dos movimentos.
70
No livro do Paraná (2006), o capítulo que aborda as lutas apresenta imagens
que permitem visualizar golpes e posicionamentos, conforme podemos observar nas
Figuras 17 e 18.
Figura 17 – Ensino do judô. Figura 18 – Ensino da capoeira.
Diferentemente dos conteúdos do futebol e do voleibol, em relação aos quais o
discurso passa pela desconstrução, os conteúdos supostamente menos trabalhados
no contexto escolar, como lutas, danças e ginástica, são propostos com atividades
que visam à experiência corporal e discussões que pretendem construir uma
metodologia para o ensino pautada nos pressupostos críticos. Na Figura 19, temos
uma atividade de judô que apresenta a forma de organização da aprendizagem.
Nos Cadernos de São Paulo (2009), os conteúdos são denominados temas e
estão organizados em
torno de situações de
aprendizagem, que
buscam favorecer a
vivência dos
conhecimentos em
situações cotidianas, e de
elaboração de textos. Identificamos que as temáticas do ensino médio, como, por
exemplo, “corpo, saúde e beleza” e “contemporaneidade”, envolvem tópicos que
priorizam a dimensão teórica, com conhecimentos sobre sedentarismo, padrões de
beleza corporal, cuidados com corpo e saúde, treinamento físico, preparação do
aluno para exercer atividade física com autonomia, influência da mídia nos conceitos
Figura 19 – Atividade do livro do Paraná
71
e relações que as pessoas estabelecem com seus corpos, como podemos observar
nas Figuras 20 e 21. Imagens como estas são utilizadas para desconstruir noções
de beleza na contemporaneidade as quais se pressupõe que os alunos já possuam.
Figura 20 – Transtornos alimentares no Caderno de São Paulo.
Figura 21 – Imagem corporal no Caderno de São Paulo.
Quanto às orientações metodológicas, que tratam do “como fazer”, as coleções
pedagógicas estão centradas em princípios amplos, tais como reconhecimento,
valorização das experiências e conhecimentos prévios dos alunos; consideração da
diversidade cultural como ponto de partida da educação inclusiva; integração teoria-
prática; interdisciplinaridade; articulação coerente entre conteúdos, métodos e
recursos didáticos (MINAS GERAIS, 2005; PERNAMBUCO, 2010; GOIÁS, 2007).
As estratégias de ensino das caixas de utensílios são detalhadas,
apresentando característica instrumental e trazendo como elementos metodológicos
a aprendizagem de conceitos, imagens, textos complementares, debates, pesquisa
e atividades (PARANÁ, 2006; SÃO PAULO, 2009). Destacamos que os Cadernos de
São Paulo (2009) têm uma organização didática que apresenta ao professor uma
série de ferramentas para desenvolvimento da aprendizagem a partir dos temas,
com um fascículo por bimestre para cada série. A metodologia é direcionada,
apontando possibilidades de trabalho interdisciplinar, situações de aprendizagem
com tempo previsto de duração, conteúdos específicos a serem tratados, objetivos
materializados nas competências e habilidades, recursos materiais necessários e
referências a livros, artigos, sites e filmes para ampliação do conhecimento do
professor e compreensão dos alunos sobre o tema.
72
Os materiais do Rio de Janeiro (2006) se diferenciam daqueles das demais
caixas de utensílios, pois propõem o como fazer a partir de aulas realizadas por
professores da rede, e avançam na dimensão de pensar e analisar a prática
realizada. No entanto, por se configurarem em planos de aula, não permitem a
compreensão sobre a continuidade do ensino nem sobre a maneira como se
articulariam aos projetos das escolas.
Os procedimentos metodológicos bem como os conteúdos, objetivos e
avaliação devem estar relacionados à especificidade da Educação Física como
componente curricular. Tratando-se de um conhecimento que, nos documentos
analisados, se diz prático, da cultura de movimento, do se-movimentar, das práticas
corporais, os procedimentos metodológicos que permitem situações, técnicas e
métodos de ensino voltados à aprendizagem devem priorizar o objeto que lhe
confere identidade dentro do contexto escolar.
As coleções pedagógicas de Minas Gerais e de Goiás apontam que a
avaliação deve ser processual, permanente, de modo que os professores e alunos
possam problematizar, questionar, avaliar, rever ações. Quanto às caixas de
utensílios, apenas os Cadernos de São Paulo (2009) expõem com clareza atividades
avaliativas que favorecem a geração de informações ou indícios, qualitativos e
quantitativos, verbais e não verbais, que serão interpretados pelo professor nos
termos das competências e habilidades que pretende desenvolver sobre cada tema
(SÃO PAULO, 2009).
Entendemos que a avaliação se configura como um processo de reflexão sobre
e para a ação, contribuindo para que o professor e o aluno se tornem capazes de
perceber indícios, atingir níveis de complexidade na interpretação de seus
significados e incorporá-los como eventos relevantes na dinâmica do ensino-
aprendizagem. Investigando, refina os sentidos e exercita/desenvolve diversos
conhecimentos de modo a se poder agir conforme as necessidades dos envolvidos,
individual e coletivamente considerados (SANTOS, 2005). Assim, conteúdo,
metodologia e avaliação na Educação Física estão diretamente relacionados aos
saberes que ela produz/reproduz:
73
Os saberes tematizados pela Educação Física são, em sua maioria, saberes que se projetam por meio do domínio de uma atividade, no caso as atividades que demandam controle e uso do corpo e dos movimentos, em que não existe referência a um saber-objeto, pelo menos por parte dos alunos, mas à capacidade de saber usar um objeto de forma pertinente. Então o caso não é indicar o que os alunos não conseguiram definir como suas aprendizagens em relação aos saberes compartilhados pela Educação Física, mas pedir que demonstrem o que sabem fazer com os objetos, ou quais atividades sabem realizar (SCHNEIDER; BUENO, 2005, p. 39-40).
A questão que perpassa toda a discussão acerca da prática pedagógica e da
orientação do ensino a partir dos documentos é a identidade da Educação Física
como componente curricular. No contexto escolar, uma disciplina se justifica por sua
contribuição para uma formação integral, sem perder de vista o saber que lhe é
específico, valorizando a experiência corporal, os conteúdos e conhecimentos da
educação do corpo e do movimento que o professor pode mobilizar e tem mobilizado
em suas aulas.
3.3 ENTRE IDENTIDADES E PRÁTICAS: DISCUTINDO UM LIVRO DIDÁTICO
PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA
De maneira geral, o argumento para não se considerarem as coleções
pedagógicas e caixas de utensílios como sendo de caráter prescritivo é valorizar,
nos textos, a participação dos professores na construção dos documentos, como
forma de legitimar o material e permitir maior adesão nas redes de ensino. Quando
analisamos o conteúdo textual, não identificamos as marcas e experiências dos
professores das redes de ensino, mesmo que apareçam como autores dos
capítulos.
E como é possível a experiência profissional se materializar no texto final? O
documento do Rio de Janeiro (2006), que se constitui como caixa de utensílios que
avança na produção de um material, permite que observemos a experiência de
ensino do professor, dando visibilidade a práticas produzidas no cotidiano das
escolas, mesmo tendo como limite a restrição a uma aula.
As finalidades de publicação, a valorização da experiência, a aproximação com
as práticas pedagógicas do professor e a especificidade do campo indicam a
74
necessidade de discutir os pressupostos e modos de produzir livros didáticos para a
Educação Física. Entendemos o livro didático como um dispositivo, uma caixa de
utensílios que fornece ao professor ferramentas e maneiras de ensinar que
permitem diferentes usos. Antunes, Amaral e Luiz (2008) trazem uma contribuição
para a construção de propostas pedagógicas, apontando para a necessidade de
evidenciar o que o professor produz no cotidiano:
[...] ao se optar por um tipo de metodologia que coloque em evidência o que o professor já faz, ou consegue fazer, estar-se-á procurando, ao mesmo tempo, compreender a realidade, contextualizando-a, e, também, produzindo ações que possam ser desencadeadas a partir desta mesma prática, que resultem em mudanças significativas (ANTUNES; AMARAL; LUIZ, 2008, p. 145).
A perspectiva apontada pelos autores acima citados (2008) fornece elementos
para pensarmos em metodologias de produção de livros que evidenciem as práticas
pedagógicas e na construção de materiais que sirvam como orientação, para que o
leitor crie formas próprias de refletir e ensinar os conteúdos da Educação Física.11
A maneira como as coleções pedagógicas e as caixas de utensílios têm sido
pensadas e publicadas – por uma lógica instrumentalizada que valoriza um
conhecimento teórico distante da prática – não tem potencializado os seus usos no
cotidiano. Nesse ponto, concordamos com Santos (2003) na sua crítica à ciência
moderna, no modo exclusivista e autossuficiente de conceber a humanidade e a
natureza, ao privilegiar uma única forma de organizar, conhecer e viver que
desqualifica outros saberes e fazeres considerados alternativos. O autor defende a
importância de movimentos heterológicos, ou seja, de espaços-tempos que
privilegiem e valorizem diferentes vozes, heterogêneas e plurais: científicas,
populares, escolares, acadêmicas, experienciais.
Com base nesses pressupostos, entendemos o livro didático como um lugar
que dá visibilidade a projetos de ensino dos professores, propiciando a
11
Nesse sentido, Wagner dos Santos e outros apresentam um livro didático (no prelo) constituído de projetos pedagógicos desenvolvidos por professores da rede de ensino, reconhecendo-os como autores e “[...] valorizando um saber que surge da prática e, na medida em que é (re)significado pelo processo de rememoração, registro, reflexão e análise produzido na formação continuada, cria possibilidades de retroalimentar essa prática” (SANTOS et al., 2013, p. 10).
75
compreensão, de forma abrangente, dos conteúdos, das possibilidades de
aprendizagens, das maneiras de ensinar e avaliar e, além disso, facultando ao outro
empatia com relação a uma prática concretizada, refletida e sistematizada em forma
de texto.
Produzir conhecimento para um componente curricular que se diferencia por
assumir como referência um saber-domínio e um saber-relacional (CHARLOT, 2000)
é produzir livros didáticos que estejam centrados na prática daqueles que
cotidianamente vêm construindo a identidade da Educação Física e que nem
sempre têm visibilidade. Do ponto de vista escolar, a Educação Física estabelece
outra lógica: “[...] não se trata de uma atividade intelectual, mas sim de uma
atividade física – claro que é a atividade física de um corpo-sujeito e não de um
corpo-máquina” (CHARLOT, 2000, p. 244).
No que diz respeito às coleções pedagógicas e caixas de utensílios,
evidenciamos que os modos de produção do conhecimento sobre Educação Física
precisam avançar em pesquisas com o cotidiano, que investiguem e valorizem o
saber produzido nas escolas. Acreditamos que a Educação Física vem constituindo-
se como componente curricular, principalmente pelas maneiras de ensinar
criadas/inventadas por muitos professores nas escolas, e não pelas prescrições que
partem de um conhecimento que desconsidera essa forma de saber.
Os documentos têm por objetivo orientar, mas dizem de um lugar e produzem
uma representação de Educação Física que tem dialogado pouco com a prática dos
professores. Acenamos para a necessidade de se produzirem livros de orientação a
partir da prática, entendendo que a identidade do campo se vem constituindo pelas
práticas, não pelas formulações predefinidas do que deve ser a Educação Física.
Por isso defendemos a potencialidade de um livro didático que dê visibilidade às
experiências de ensino do professor articuladas a projetos pedagógicos e que
permita a leitura da continuidade do conteúdo e dos movimentos inventivos no
processo de ensino-aprendizagem.
Enfim, faz-se necessária a compreensão dos professores das redes de ensino
acerca das coleções pedagógicas e caixas de utensílios, visando à identificação das
76
possibilidades e limites de sua utilização no contexto da escola como ferramentas
construídas para sinalizar ações de ensino e de aprendizagem.
77
CAPÍTULO IV
4 O LIVRO DIDÁTICO COMO LUGAR DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Neste capítulo, analisamos o livro didático produzido com os professores de
Educação Física das redes de ensino da Grande Vitória-ES em parceria com
docente e alunos da Iniciação Científica e do Mestrado em Educação Física da
Universidade Federal do Espírito Santo.12 Em processo de formação continuada, o
livro foi-se constituindo a partir das narrativas dos professores acerca de seus
projetos pedagógicos, das concepções sobre Educação Física na escola e do livro
didático.
Na análise da produção acadêmica e das propostas didático-pedagógicas
realizada nos capítulos anteriores, identificamos aspectos relevantes, tais como a
valorização da participação dos professores sinalizando a parceria entre
universidade e educação básica na produção dos materiais; a relação vertical,
horizontal e a progressão dos conteúdos ao longo das séries; o esforço em
promover a integralização curricular, inserindo a Educação Física nesse processo
(ESPÍRITO SANTO, 2009; SÃO PAULO, 2009; PARANÁ, 2006).
Nesse sentido, os livros didáticos têm-se constituído em diferentes dispositivos,
metodologias e ferramentas para orientar o ensino e a aprendizagem, com
fascículos para os professores e alunos.13 Com base na compreensão desse
movimento da área, este capítulo tem como objetivo analisar o livro didático
produzido com professores de Educação Física de escolas da Grande Vitória-ES, no
qual é apresentada uma proposta que tem como eixos as práticas pedagógicas, a
pesquisa e a colaboração.
12
O referido livro foi aprovado para publicação pela Editora Phorte. 13
Como exemplos, temos o Livro Didático Público do Paraná, que é distribuído para professores e alunos das escolas estaduais com o objetivo de orientar o ensino e a aprendizagem da Educação Física.
78
No segundo semestre de 2012, assumimos o desafio de promover uma
formação continuada que objetivou construir espaços de compartilhamento e de
produção de narrativas dos professores acerca de seus projetos pedagógicos. O
intuito foi sistematizar as narrativas das práticas de ensino em forma de livro a fim de
compartilhar, criar, sistematizar e inventar outras possibilidades de ensino para a
Educação Física escolar. Esse movimento culminou na obra “Educação Física na
Educação Básica: ações didático-pedagógicas”, aprovada pela Editora Phorte.
Optamos, portanto, por caminhar em contextos diversos, buscando transcender
“[...] o lugar próprio de autoria individualizada, rumo a um projeto estratégico/tático
de criação coletiva” (CARVALHO; RANGEL, 2009, p. 164). Entendemos o livro
didático como um dispositivo que nasce das práticas dos professores e que, desse
modo, deve reconhecer o seu lugar de autoria. Afastamo-nos de uma perspectiva
prescritiva – que pouco ou nada dialoga com o que o professor faz – a fim de
valorizar as ações pedagógicas desenvolvidas pelos professores em seus diferentes
contextos.14
Ao potencializarmos a participação dos docentes, evidenciamos a riqueza dos
detalhes e das especificidades que emergem das ações cotidianas. Defendemos a
ideia de que é possível e necessário construir propostas de ensino a partir da prática
e para a prática, apresentando aos professores de Educação Física e à comunidade
acadêmica um material que permitirá diferentes usos. Com isso nos afastamos de
uma perspectiva que insiste em gerar diagnósticos de denúncia, para apresentar
possibilidades concretas de atuação profissional que valorizem a Educação Física
como componente curricular.
14
Há diferentes iniciativas de produção de livros com fins didáticos que propõem dar visibilidade às práticas pedagógicas de professores de Educação Física. Como exemplos temos “Educação física e culturas: ensaios sobre a prática”, de Neira, Lima e Nunes (2012), e “Reorientação curricular da educação física: materiais didáticos”, produzido pelo estado do Rio de Janeiro (2006).
79
4.1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
Para esta investigação, definimos o uso da pesquisa (auto)biográfica (SOUZA,
2010) com foco na prática pedagógica e na formação continuada de professores.
Através dela, os professores, em produção colaborativa com os formadores,
problematizaram, refletiram, discutiram, narraram e escreveram sobre suas práticas
profissionais, dando outros sentidos a elas e aos contextos de formação. As
narrativas (auto)biográficas foram, dessa maneira, tratadas não meramente como
dados, mas como produtos (CERTEAU, 1994), consequências da ação cultural dos
professores no lugar/espaço da escola.
A pesquisa tem como fonte as (auto)biografias dos professores produzidas
durante a formação continuada, as quais foram assumidas como instrumentos de
investigação e de formação, possibilitando a compreensão das concepções e ações
dos docentes e a mobilização das trajetórias e experiências de ensino.
A esse respeito, Souza (2008, p. 43-44) expõe:
Como investigação, tal abordagem contribui para a apreensão de dispositivos sobre os percursos de formação e de dimensões do cotidiano escolar, de questões vinculadas à profissão, além de possibilitar a apreensão de diferentes processos de aprendizagem, de conhecimento e de formação, através das experiências e modos de narrar as histórias individuais e coletivas [...].
Convidamos os professores a participar da formação por intermédio do
coordenador de formação continuada da Prefeitura da Serra-ES. Posteriormente,
docentes das redes de ensino de Vitória e Vila Velha foram também convidados, por
indicação dos professores da Serra, totalizando quatorze colaboradores. Desses,
dez são da Rede Municipal de Ensino da Serra, dois, da rede de ensino de Vitória, e
dois da rede de ensino de Vila Velha, um dos quais da particular e outro da
municipal. Essa escolha teve como critério a disponibilidade do professor e seu
interesse em compartilhar as experiências e participar dos encontros de formação.
Nosso objetivo foi dar visibilidade às experiências de ensino realizadas, por
meio de projetos pedagógicos que pudessem ser divulgados na forma de livro
didático, em um movimento de formação continuada que permitiu aos professores
80
momentos de estudo e de releitura de sua própria atuação. Desse modo, afirmamos
a necessidade do reconhecimento dessas práticas e dos profissionais que vêm
fazendo com que a Educação Física fortaleça seu espaço dentro da escola.
Essa formação continuada foi realizada quinzenalmente, no Centro de
Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, das 19h às
22h, às segundas-feiras, entre 1.º de outubro de 2012 e 29 de julho de 2013. As
narrativas foram produzidas de maneira coletiva e individual. Nos oito encontros
coletivos, foram abordados os livros didáticos para a Educação Física, as
identidades do componente curricular, os conteúdos de ensino e as narrativas sobre
os projetos. Esses temas foram selecionados pela equipe organizadora com o fim
de promover discussões e refletir, junto com os professores, questões que
atravessam as especificidades de um livro didático na Educação Física.
Os encontros individuais focalizaram a prática e, de acordo com a necessidade,
variaram entre dois e três com cada professor. Nesses encontros foram realizadas
entrevistas com questões semiestruturadas que permitiram aos professores produzir
narrativas orais e compartilhar outras, como diários, trabalhos dos alunos e fotos,
relacionadas à experiência de ensino. Esses encontros foram realizados nas
escolas, no Centro de Educação Física da Ufes, ou em outros espaços, dependendo
da disponibilidade dos professores. As narrativas dos projetos pedagógicos fizeram
parte desse processo formativo concomitante aos encontros quinzenais. Cada
professor tinha o apoio de um aluno do Mestrado e um aluno da Iniciação Científica,
todos orientados pelo coordenador do projeto.
Entre formação continuada, grupos focais, narrativas e entrevistas individuais,
foram registradas e transcritas aproximadamente cinquenta horas de conversa,
totalizando em torno de 450 páginas. Diante da variedade de dados, na análise
optamos pelo cruzamento de informações, permitindo a triangulação, que consiste
em esclarecer fatos, acontecimentos ou interpretações a partir de diferentes fontes
(SARMENTO, 2011).
Depois da transcrição das entrevistas, a equipe formadora se reunia uma vez
por semana para discutir os projetos narrados, buscando problematizações e textos
de apoio relacionados à especificidade de cada prática, para estudo com os
81
professores, sugerindo formas de estruturação e levantando pontos que precisavam
ser aprofundados nos encontros seguintes. Em meio às idas e vindas, os textos
foram sendo estruturados pelos formadores e enviados aos professores para que
escrevessem sobre suas práticas, enriquecendo ainda mais os capítulos que
constituiriam o livro. Dos quatorze professores participantes, dez se sentiram à
vontade para produzir um capítulo sobre sua prática.
4.2 O LIVRO DIDÁTICO NA VISÃO DE SEUS AUTORES
O projeto objetivou, num primeiro momento, oferecer uma formação continuada
aos professores de Educação Física para discutir o livro didático e, num segundo,
construir um livro com características didático-pedagógicas que dessem visibilidade
às práticas por eles vivenciadas (CERTEAU, 1994). O livro didático intitulado
“Educação Física na Educação Básica: ações didático-pedagógicas” tem 172
páginas, compreendendo epígrafe, prefácio, apresentação, os capítulos e os
anexos. O resultado materializou-se em dez capítulos, com autoria dos professores
em parceria com o coordenador, alunos de Mestrado e Iniciação Científica
envolvidos no projeto.
Pela apresentação do livro é possível compreender as bases teóricas que
sustentaram a produção do material. O projeto objetivou anunciar mais a tendência
da escola do que descrevê-la em seus aspectos negativos, dizendo o que não há
nelas para perceber a sua potencialidade (SANTOS, 2005).
Para tanto, alguns eixos nortearam a produção do livro, como podemos
observar no Quadro 5. Buscando pontos de convergência entre o projeto e o
material final e levantando questões que poderiam ser consideradas na construção
de um livro com fins didáticos, esses eixos também possibilitaram a estruturação das
categorias de análise.
82
Quadro 5: Eixos norteadores da produção e da análise do livro.
Eixos norteadores
A pesquisa (ESTEBAN; ZACCUR, 2008) como eixo da formação e atuação profissional, orientando ações de ensino e processos de aprendizagem dos alunos.
O protagonismo dos professores na produção da cultura escolar.
A experiência e a prática como eixo central da produção do conhecimento.
A compreensão do estatuto epistêmico diferenciado da Educação Física, visto que o saber que ela se propõe ensinar parte de um fazer com (SCHNEIDER; BUENO, 2005), de uma prática e da relação que o sujeito estabelece consigo, com o outro e com os objetivos de ensino (CHARLOT, 2009).
Pautadas nessas proposições, foram-se constituindo a formação e a
construção do livro didático, sugerindo uma inversão epistemológica na produção do
conhecimento, que entende a prática como produtora de teoria em um movimento
(re)significação. As análises estão organizadas a partir desses eixos, discutindo-se a
proposta e o material final bem como alguns pontos que, na nossa visão e na dos
professores, podem ser aprimorados.
4.2.1 A Pesquisa como Eixo da Intervenção e do Projeto
A princípio, eu não imaginava que algo que eu tinha planejado, por ser professora, e que tinha um objetivo totalmente voltado para os alunos, não pensei que pudesse ser ampliado. Com as entrevistas, eu achei engraçado, por conta do tanto de coisa que eu deixei passar! E algumas coisas que me foi perguntado, que poderia acontecer e que não aconteceram. Depois disso, eu peguei um material de outro projeto que eu tinha feito e falei: “Ah! não. Esse eu não vou deixar passar, eu vou escrever!” (ROSILÉIA, 2013).
Definimos a pesquisa (ESTEBAN; ZACCUR, 2008) como eixo da formação e
da atuação profissional entendendo-a como uma ação que não se restringe ao
universo científico nem ao professor, mas como um exercício que deve orientar as
ações de ensino e os processos de aprendizagem dos alunos. Desse modo, a
proposta de formação teve a pesquisa como estudo sistemático e intencional dos
profissionais sobre o próprio trabalho, na escola e no processo de formação
continuada.
É sistemático e intencional porque exige maneiras ordenadas e planejadas de
fazer, reunir, registrar, documentar informações e dados da prática dos professores.
83
Portanto, não é uma atitude espontânea, pelo contrário, “[...] é formalizada e
deliberada, em que pressupõe a reconstrução das experiências e do conhecimento
do professor num processo de confronto de saberes” (VENTORIM et al., 2011, p.
31). Concordamos com os autores sobre a necessidade de destacar apontamentos
essenciais que sugerem importantes argumentos para a relação pesquisa, formação
do professor e prática pedagógica:
a) considerar que a crise de paradigmas epistemológicos, ao contrariar o
cientificismo, a pretensa soberania do fenômeno científico e a sua mercantilização,
provoca diferentes possibilidades de apreender e transformar a ciência;
b) questionar a visão unitária de mundo, de educação e de pesquisa, de modo
a romper com a relação normativa, prescritiva e homogeneizadora entre prática
social/educacional e resultados de pesquisa;
c) tomar como objeto de investigação o processo de pesquisa sobre a prática
docente, uma vez que ela já é a própria prática, ela já é uma intervenção que deve
ser permanentemente avaliada por todos os seus atores numa perspectiva de
trabalho coletivo e orgânico, pois uma perspectiva colaborativa de pesquisa entre
instituições e entre sujeitos parece ser uma alternativa;
d) defender a pesquisa no campo da formação docente tendo como argumento
a aproximação entre pesquisadores e professores, entre pesquisa e prática, a fim de
somar esforços para a construção de um conhecimento mútuo e de um encontro
entre suas teorias e suas práticas, isso porque os atores professores, produtores de
saberes que são, não podem estar distantes dos processos de produção de saberes
e de definição da própria prática docente;
e) considerar que o processo da pesquisa do/no/sobre/com o cotidiano escolar
requer abertura diante da complexa tarefa de apreender o real e, por isso, não pode
estar fixado em uma teoria nem em roteiros preestabelecidos, mas permitir que a
constituição dessa metodologia surja do movimento da prática, que, acima de tudo,
exige negociações e mudanças, e, necessariamente, transite pelos detalhes e
pormenores pouco privilegiados, mas potencialmente “explicativos” da prática
docente (VENTORIM et al., 2011).
84
O uso das narrativas (auto)biográficas permitiu a articulação entre prática
pedagógica, pesquisa e formação. Ao narrar, o professor rememorou suas ações e
produziu, no presente, sentidos para as experiências passadas, concomitante a um
processo de formação que permitiu a (re)significação dessas ações, por meio dos
espaços-tempos de compartilhamentos e dos estudos sobre suas práticas
pedagógicas: “Para mim a formação foi fundamental, pois a colaboração me deu
fôlego ao processo de escrita e ainda posso dizer que me fez buscar, me ajudou a
estruturar o que estava superficialmente organizado” (SYLVIA, 2013).
As narrativas de Rosiléia e Sylvia mostram as possibilidades que surgiram a
partir da formação e do movimento de articulação entre o vivido e o registro que
permite ao professor analisar suas próprias práticas. Desse modo, concordamos
com Molina Neto e Molina (2005) que a narrativa é um valioso instrumento para
qualificar nossas reflexões de modo contextualizado e, como resultado, ter a
possibilidade de (re)significar o vivido.
A produção da narrativa (auto)biográfica foi fundamental para que o professor
revisitasse suas práticas, construindo outras formas de interpretá-las. Nesse
contexto, a pesquisa se relaciona à perspectiva de formação continuada pautada na
investigação-formação, ou seja, é uma pesquisa com a prática docente que coloca o
professor como protagonista desse processo, na medida em que narra suas
experiências e as sistematiza em diálogo com os colaboradores. Assim ele não só
investiga a própria prática, como também projeta outras possibilidades de atuação
pedagógica.
No que se refere à atuação dos professores, identificamos que a pesquisa é
fundamental para a realização dos planejamentos e projetos da Educação Física, no
entanto, observamos a dificuldade dos professores em registrar isso de maneira
sistematizada, restringindo-se a fotos de aulas e apresentações. Nesse caso,
destacamos a importância da memória, conforme Rosiléia afirma: “[...] com as
entrevistas, eu achei engraçado, por conta das coisas que eu deixei passar! [...]”.
Para Le Goff (1990, p. 425), “[...] a memória, como propriedade de conservar certas
informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas,
85
graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou
que ele representa como passadas”.
O movimento de pesquisa e estudo é fundamental para as práticas dos
professores, pois, nas redes de ensino da Grande Vitória-ES, não se faz uso de livro
didático para a Educação Física. Os professores pontuam que essa ausência
dificulta o processo de valorização da disciplina. Uma vez incorporado, o livro
didático poderia possibilitar o reconhecimento da Educação Física pela igualdade
com as demais disciplinas:
Acho que, de repente, até igualaria aos outros professores, que todos eles têm (SANDRO, 2012). A questão de ter um livro didático para crianças na Educação Física, eu acho pertinente. Dá moral. Não é que a gente precise disso, mas, indiretamente, a gente precisa sim, [...] para o professor entender a nossa importância [...] (PAULO, 2012). Isso também às vezes nos fragiliza, porque os outros estão de olho em nós: “O cara não tem livro didático, não tem isso nem aquilo [...]” (NAILSON, 2012).
Se, por um lado, esse pouco direcionamento possibilita mais autonomia, por
outro, exige um esforço de produzir e reunir um conjunto de pressupostos, objetivos,
metodologias, conteúdos e formas de avaliar utilizando-se de diferentes fontes de
pesquisa. Nesse sentido, observamos a utilização da pesquisa na sistematização
dos projetos pedagógicos da Educação Física, tendo em vista a carência de
referências sobre o que, como, quando ensinar e como avaliar. Para Elvira, a
pesquisa sempre foi uma ferramenta de auxílio na sua prática:
[...] tem muita gente com muitas idéias. Eu mesma já fiz alguns recortes em livros e montei tipo uma apostila com alguns textos e artigos interessantes para o aluno, enquanto pesquisa. Porque na nossa área nunca teve material específico para o professor e aluno pesquisar. [...] essa questão do livro didático em si é mesmo uma questão de oportunidade de sentar, escrever, montar, porque o conhecimento a gente tem (ELVIRA, 2012).
Destacamos, na narrativa da professora Elvira, a rememoração de suas
produções e sistematização como material de apoio para suas aulas. Ao valorizar
esse movimento, ela dá pistas para pensarmos a necessidade da criação de
espaços-tempos e políticas que garantam ao professor esse momento de pesquisa e
de síntese dos conhecimentos.
86
O exercício de investigação não se restringiu apenas ao professor, estendeu-se
também à equipe da Ufes, constituída por alunos do Mestrado e da Iniciação
Científica e por um professor coordenador, que se debruçaram sobre as narrativas,
transcrevendo-as, sistematizando-as e buscando pistas sobre temas que
precisavam ser aprofundados e elencando textos para serem lidos e debatidos com
os professores.
A pesquisa permeou a sistematização dos projetos pedagógicos, pois foram
estudadas e incluídas no livro diferentes ferramentas de aprofundamento, como links
de textos, autores de referência, dispositivos de imagens, para que o professor
envolvido na formação e o futuro leitor pudessem dispor de um universo de
informações e conhecimentos que ampliasse sua leitura.
Todo esse projeto de construção do livro didático constituiu um movimento de
pesquisa no qual as narrativas foram ferramentas investigativas que permitiram
entradas sobre as maneiras de fazer e ensinar a Educação Física, sobre a atuação
dos professores, possibilitando-os a investigar, refletir e (re)significar a própria
prática.
4.2.2 Autoria e Relação de Parceria
Eu lembro que, quando ela mandou o e-mail com a produção, eu fiquei emocionada! “Deu pra render isso tudo?!” Eu mostrei para o meu marido e falei: “Olha aqui, eu estou importante! [Rs]. “Nossa, ficou 10!”, eu falei pra ela: “Ficou uma maravilha!”. Eu gostei, foi muito bom, foi um desafio! (NAZIAN, 2013).
A perspectiva de autoria assumida para o livro foi a de uma produção
compartilhada que se estabeleceu na relação de parceria e colaboração entre a
equipe da Ufes, formada por três alunos do Mestrado e quatro da Iniciação
Científica, um professor dessa Instituição, que coordenou o projeto, e os professores
das redes de ensino. O desafio era construir uma rede de colaboração em que os
professores da educação básica fossem autores e protagonistas, já que, com eles,
estávamos dando visibilidade a seus projetos. Na narrativa de Sylvia é possível
identificar essa dimensão:
87
[...] olhando o material, ficou muito legal, ficou muito rico, porque partiu da gente! Foi algo que eu pensei, que eu executei, então está tudo ali! Foi uma experiência rica que eu achei que não fosse possível fazer como professora há tempos atrás (SYLVIA, 2013).
A narrativa de Sylvia expressa que o movimento de releitura da própria prática
possibilitou a produção de um registro de sua experiência de forma sistematizada, o
que ela ainda não havia feito durante sua trajetória como professora. A expressão
“há tempos” sinaliza o modo como a formação fez sentido para Sylvia, ao dar
visibilidade às práticas discutindo sobre a necessidade de registrar, sistematizar,
escrever e produzir outras leituras, movimento esse reconhecido pelo envolvimento
na construção do livro e pela participação na formação. O processo de narrar e
investigar o próprio fazer contribuiu para ampliar a visão dos professores sobre o
que eles têm produzido, dando sentido e um lugar de autoria às próprias ações.
O projeto de formação desenvolveu-se em ambiente de colaboração entre
instituições escolares e a Universidade, de modo que colaborar se traduziu na
oportunidade igual de negociação de responsabilidades, em que os participantes
têm voz e vez em todos os momentos da pesquisa. De acordo com Ibiapina (2008,
p. 25):
A prática de pesquisa colaborativa envolve investigadores e professores tanto em processos de produção de conhecimentos quanto de desenvolvimento interativo da própria pesquisa, haja vista que o trabalho colaborativo faz com que professores e pesquisadores produzam saberes, compartilhando estratégias que promovem desenvolvimento profissional. Nessa perspectiva, é atividade de co-produção de conhecimentos e de formação [...]
A possibilidade de aproximação da Universidade com instituições escolares foi
um ponto marcante no desenvolvimento da formação continuada e na produção do
livro didático. Ao investigarmos a autoria das propostas didático-pedagógicas da
Educação Física, como a Proposta Curricular de Minas Gerais (2005), os Cadernos
de Educação Física de São Paulo (2009) e as Orientações Teórico-Metodológicas
de Pernambuco (2010), por exemplo, identificamos um movimento de parceria entre
professores das universidades e professores das escolas. Essa parceria pode
possibilitar, para além de uma aproximação institucional, a criação de espaços
formativos e de compartilhamento dos saberes. Na narrativa do professor Marlos,
observamos como ele entende essa relação institucional:
88
Eu acho essa iniciativa de aproximar a Faculdade, a Ufes, com o que é e o que pode ser feito no chão da escola é uma atitude sábia. Eu não encontro outra palavra para classificar isso. E isso mais uma vez para tentar diminuir essa dificuldade de conexão entre teoria e prática e para, da mesma forma, dar visibilidade ao que é feito na escola, dar alguma aproximação ao professor com o que está sendo produzido na Faculdade e tentar buscar, por meio dessa parceria, essa ponte de aproximação, principalmente dos produtores de conhecimentos teóricos com o que pode ser realmente lá na frente (MARLOS, 2013).
Na construção do texto, cada professor foi acompanhado de um mestrando e
um aluno da Iniciação Científica. Nesse processo, além de narrar, ele escreveu,
pesquisou sua própria atuação e se formou. Esse movimento coletivo de idas e
vindas, entre narrativas, escritas, estudos, discussões e investigação sobre as
práticas pedagógicas, produziu um lugar de autoria compartilhada. Assim, esse
projeto materializou uma formação que promoveu a articulação entre instituições
escolares e Universidade em coerência com a perspectiva de que a pesquisa e a
produção do conhecimento não se restringem ao universo acadêmico, são
construídas na relação com os professores e suas práticas, conferindo-lhes lugar de
autoria, inclusive na publicação do trabalho.
A formação desenvolveu-se tendo como eixo o protagonismo do professor, ao
dar visibilidade às suas práticas no processo de investigação e garantir seu espaço
como autor do livro, o que exigiu rememoração, estudo, releitura e escrita. No
entanto, pode avançar na produção de um conhecimento no qual o protagonismo do
aluno seja considerado, pois estudos como de Charlot (2009) e Santos (2013)
demarcam a necessidade de considerar os alunos e suas relações com o saber,
consigo e com os outros na produção do conhecimento ensinado na Educação
Física, entendendo-os como aqueles que têm uma trajetória de escolarização
marcada pelas experiências com a disciplina.
Concordamos com Charlot (2009) que, partir dos alunos, de suas falas e de
seus corpos, em vez de focar a reflexão sobre o professor e o que ele ensina,
constitui uma ruptura epistemológica fundamental. Assim, o ponto de partida não é
mais o ensinar, o que pretende a Educação Física, mas, sim, o aprender,
compreendendo o que está acontecendo com um aluno quando participa das
atividades desse componente curricular.
89
No livro em análise, a voz desse aluno é evidenciada na narrativa dos
professores, como, por exemplo, quando “[...] eles escolhem no começo do ano o
que gostariam de estudar. Inclusive, algumas coisas eu fico desesperada porque eu
não sei. Futebol americano eu tive que pesquisar, o slackline [...]” (FLAVIA, 2012).
Além disso, também observamos o protagonismo dos alunos nos trabalhos
realizados, como os diários, os desenhos, os raps e as histórias em quadrinho:
“Tirei nota boa na escola Minha mãe elogiou E ganhei computador Cheguei na escola com uma caixa de som A diretora Deoclécia se ligou E foi no ritmo da música E vi que ela gostou Cheguei na escola Estava com minha roupa de hip hop A Deoclécia falou: ‘O que você tá fazendo, menino?’ Dançando hip hop Um ritmo diferente Chapa quente Que a nossa professora de Educação Física nos mostrou É um ritmo contagiante E faz com que a gente [...]” (FRAGMENTO DO RAP “Estudar vale a pena”).
Produções como essas proporcionadas pelos professores nos oferecem pistas
para captar concepções e entendimentos dos alunos acerca das aprendizagens que
eles tiveram com os conteúdos trabalhados. O rap “Estudar vale a pena” foi
produzido no projeto da professora Bianca, que abordou o Hip Hop e foi marcado
pelo protagonismo dos alunos, que escolheram o conteúdo a ser trabalhado e, ao
longo do projeto, produziram músicas, passos, coreografias e desenhos em grafite.
90
Na Figura 22, temos as histórias em quadrinhos produzidas pelos alunos no
projeto “Paz na escola”, da professora Rosiléia. Essas produções sinalizam o modo
como os alunos compreenderam a amplitude do tema e as suas diferentes
representações. As imagens evidenciam ainda a importância que eles atribuíram às
questões relacionadas aos valores, como a humildade, a ajuda, a partilha e a
amizade, que se configuraram como temas trabalhados pela professora.
Figura 22 – Histórias em quadrinhos.
Essas questões se tornam centrais, sobretudo quando se discute um livro
didático para o aluno, mesmo que o livro em análise se caracterize como um livro
para o professor, inquietação presente na fala da professora Aline:
E, aí, esse do aluno... é que eu fico quebrando a minha cabeça como que seria o da educação física. Porque pra mim está muito claro para o professor, a gente pega práticas vivenciadas. Mais agora, para o aluno, como que isso seria? Até que ponto seria interessante? (ALINE, 2012).
Ao analisarmos projetos editoriais de propostas didático-pedagógicas para a
Educação Física, como o Livro Didático do Paraná e os Cadernos de São Paulo,
observamos que a participação do aluno não é uma questão recorrente. No entanto,
quando analisamos o documento Currículo em Debate, do estado de Goiás,
percebemos indícios de que os alunos, de alguma forma, participaram do processo
de produção desse material. Na Introdução, que trata das expectativas de
91
aprendizagem para a Educação Física, encontram-se três produções dos alunos das
escolas estaduais, uma delas é um rap:
O meu rap está chegando para dar a solução “Pras” perguntas que o SEE fez a mim e a meus irmãos Se um dia alguma coisa desejei ter Vale a expectativa de um dia conseguir vencer Entrar na faculdade e gente de verdade poder ser Todas as disciplinas que aqui a gente estuda me fazem melhorar sempre a cada dia E isso é o orgulho dos meus pais e de toda a minha família Educação Física se destaca entre as outras Pois o professor prepara suas aulas Está de parabéns tem respeito com os alunos E ajuda até mesmo quem não convêm. Aluna: Kerolaine Cruvinel Santos do Colégio Estadual Serafim de Carvalho (GOIÁS, 2007, p. 61).
Em outra narrativa, a aluna expressa sua concepção sobre o conteúdo dança:
A beleza de um ritmo, de dançar conforme a música,seja suave, rápida, barulhenta, lenta ou alegre. A dança exibe movimentos maravilhosos. A dança também pode ser um bom remédio para muitos problemas, como, por exemplo, o estresse. A pessoa nervosa, que se integra à dança, começa a se soltar, a se acalmar e a exibir no rosto uma nova expressão: uma sensação de prazer, relaxamento e alegria. Aluna: Thais Alves Miranda – Colégio Estadual Castelo Branco (GOIÁS, 2007, p. 61).
Essas narrativas produzidas pelos alunos das escolas estaduais representam um
avanço na produção de propostas didático-pedagógicas para a Educação Física,
mesmo que essa voz ainda se apresente de forma sutil no conteúdo dos
documentos, mas fica demarcada essa necessidade. O protagonismo do aluno deve
ser valorizado na produção e na autoria de livros didáticos, tendo como base suas
narrativas sobre as experiências vivenciadas na escolarização com a disciplina e os
interesses na ampliação dessas experiências. Esse movimento nos permitirá projetar
coletivamente outras possibilidades de ensino.
4.2.3 A Experiência e a Prática como Eixo Central do Conhecimento
Acho que com base na experiência de vários professores é bem mais interessante do que a gente vê por aí, que geralmente uma pessoa escreve de acordo com a experiência dela. Aqui são vários professores, e cada um sempre contribui na formação, e o que ela falou a gente aprende e faz de
92
acordo com a nossa realidade. E essa vivência realmente ajuda muito, pra mim, pelo menos, como profissional [...] (FLÁVIA, 2012).
O livro didático dá visibilidade a projetos pedagógicos como forma de criar
possibilidades de ensino para a Educação Física tendo como base as narrativas das
práticas dos professores. Ao produzi-lo, a intenção foi discutir e evidenciar as
diferentes maneiras e artes de fazer (CERTEAU, 1994) a Educação Física,
valorizando a experiência.
Para Larossa (2002), o saber da experiência amplifica nosso próprio saber,
retroalimentando-nos e nos tornando mais disponíveis para novas outras
experiências. A produção do livro propiciou-nos e a outros docentes possibilidades
de criar e inventar outras formas de ensino da Educação Física, em um movimento
de compartilhamento de experiências para os que estiveram nos encontros e,
esperamos, para aqueles que tiverem acesso ao livro. Nas palavras de Aline:
[...] uma coisa que deu certo pra mim, eu quero socializar com as pessoas porque pode dar certo com outras. Às vezes o outro pode estar em uma situação hoje, que é de estar em um terraço e não saber como é que eu vou começar a dar aula lá e ver esse trabalho em um livro. O professor pode falar: “Achei!” e, de repente, ter uma luz (ALINE, 2013).
De acordo com Aline, o livro sistematizou experiências que surgiram de
diferentes contextos e que servirão como base para que outros professores
construam suas práticas. No entanto, o livro didático não é uma prescrição ou um
receituário, mas aponta caminhos possíveis a serem trilhados por eles, os quais
podem servir de inspiração para outros. Nesse sentido, o projeto como um todo
pretendeu transcender a visão sobre o conhecimento que tem orientado o ensino da
Educação Física, pautado numa relação vertical que classifica e determina o que
deve ser colocado em prática, fundamentando-se em
[...] um paradigma que pressupõe uma única forma de conhecimento válido, o conhecimento científico, cuja validade reside na objetividade de que decorre a separação entre teoria e prática, entre ciência e ética; [...] que avança pela especialização e pela profissionalização do conhecimento, com o que gera uma nova simbiose entre saber e poder, onde não cabem os leigos, que assim se vêem expropriados de competências cognitivas e desarmados dos poderes que elas conferem [...] (SANTOS, 1989, p. 34).
93
Por meio de exercícios da hermenêutica, Santos (2003) discute a importância
de movimentos heterológicos, ou seja, de espaços e tempos que privilegiem e
valorizem diferentes vozes, heterogêneas e plurais: científicas, populares, escolares,
acadêmicas, experienciais. Ao superarem a perspectiva dialógica, os movimentos
heterológicos privilegiam diferentes formas de interpretar/praticar que podem
promover coletivamente alternativas locais, no contexto onde se inserem, e originar
novas racionalidades que, pela prudência, qualificam o conhecimento e se traduzem
em sabedoria de vida. O conhecimento prudente para uma vida decente, discutido
pelo autor, trata de uma convocação para o enfrentamento de outras possibilidades
a partir de práticas e saberes considerados relevantes para um ou mais grupos e
contextos sociais (FERREIRA NETO; NUNES, 2011).15
Sobre a produção de conhecimento, Chretién (1994) afirma que, no mínimo, a
ciência deve ser um diálogo com o real e que todo discurso sobre essa realidade
continua a ser um discurso humano, mesmo, e sobretudo, quando, por causa de sua
abstração, sejamos tentados a considerá-lo inumano. Trazendo para o contexto
educativo, Santos e Nunes (2006, p. 93) anunciam que “[...] é preciso atentar para
as contribuições práticas, tecidas no cotidiano escolar, que, apesar de não
representarem soluções para uma vivência específica, podem servir de pistas para
demais experiências que poderão surgir”. Essa é a proposta do projeto que afasta a
ideia do livro como prescrição. O professor Marlos expressa assim a necessidade de
o conhecimento científico dialogar com a realidade nas escolas:
A ciência tem que ter humildade de se aproximar. E o professor, que está lá na ponta, tem que ter essa humildade de buscar essa parceria, de ouvir e ser ouvido pelo outro, e, no final das contas, para produzir um conhecimento que possa resultar em uma produção social, de seres humanos sociais (MARLOS, 2013).
A partir desse diálogo, entendemos que os livros didáticos podem ser
constituídos de conhecimentos produzidos pelos e com os professores,
distanciando-se de uma perspectiva prescritiva, pois os dispositivos que os
constituem não são ferramentas únicas, e também pelo fato de que cada pessoa,
com base na leitura, produz e se apropria daquilo que lhe interessa no texto.
15
Neste trabalho, os autores problematizam os usos da formação continuada e os sentidos atribuídos aos espaços de discussão coletiva.
94
Segundo Moreira (2000, p. 27), “[...] teorizar sobre a prática escolar não precisa
configurar prescrição, podendo constituir uma abordagem contextualizada e incluir
aspectos propositivos que favoreçam ao professorado o melhor delineamento de sua
ação pedagógica [...]”.
Essa questão se relaciona à autoria e ao protagonismo do professor na
produção desse teorizar sobre a prática. Quando em contato com o texto, o
professor pode construir sentidos, significados e possibilidades de criação ao se
perceber naquelas práticas, como podemos observar na narrativa da Professora
Rosiléia:
O que mais me ajuda a reinventar teoricamente as minhas práticas são as vivências que eu tenho, nas formações continuadas, de experiências e práticas de outros colegas. É o que me ajuda muito, coisas que eu não encontro mesmo, em livro nenhum (ROSILÉIA, 2012).
O que destacamos na narrativa de Rosiléia é a valorização dos tempos e
espaços de compartilhamento de experiências de ensino, narrativa que aponta para
a necessidade de políticas de formação continuada que promovam essas ações,
que, segundo ela, têm sido significativas para a (re)significação de suas práticas,
demarcando ainda a importância da experiência do outro e reconhecendo-a como
conhecimento válido. O movimento de compartilhamento, associado à produção de
registros escritos, como é o caso do livro didático, pode ser potencializado,
possibilitando que mais professores tenham contato com projetos de ensino
diversos.
Nessa narrativa, Rosiléia estabelece uma igualdade entre o que é
conhecimento teórico e o que é conhecimento prático. As experiências dos
professores apresentam elementos para um saber que não se define nem em uma
nem em outra coisa, mas está em associação, é uma característica presente na
experiência de ensino. Segundo afirma, ela não tem encontrado essas
possibilidades de projeção de práticas de ensino nos livros, como buscamos fazer
na obra em análise.
95
4.2.4 Sistematização dos Projetos: da Forma ao
Conteúdo do Livro
[...] eu achei a proposta muito boa porque aproxima a questão da gente com os professores da escola, porque eles vão olhar as narrativas e vão ver: “Poxa, ela também teve esse problema que eu tive, que eu tenho dentro da escola!”. Então eu achei que foi legal a questão dos relatos, das narrativas, porque aproxima bem para quem for utilizar o livro (JAMILE, 2013).
A verbalização de suas experiências se
constituiu como uma nova leitura daquilo que se
passou e a tocou, oferecendo, inclusive, elementos
para os outros professores (re)pensarem as suas
práticas, produzindo novos sentidos para as suas
vivências, também compartilhadas na formação.
Os dados resultantes das narrativas e
entrevistas foram organizados e sistematizados com cada professor até chegarmos
ao texto final. Assim, cada projeto pedagógico tornou-se um capítulo do livro, do qual
o professor da educação básica e o colaborador da Universidade se constituíram
como autores. Cada texto contém caixas de diálogos, que trazem leituras
complementares referentes aos temas emergentes da prática, como podemos
observar na Figura 23. Essas leituras foram selecionadas pelo professor
coordenador a partir dos temas que emergiram em cada texto. Então professores,
mestrandos e alunos de Iniciação Científica estudavam os textos de referência e
depois discutiam com base na experiência de ensino, o que nos possibilitou ampliar
a leitura acerca das narrativas.
Além dos textos para leituras complementares, outros dispositivos foram
acrescentados, como fotos, imagens, sites de pesquisa. As imagens são entendidas
como narrativas, sejam elas parte dos projetos envolvendo fotos das aulas,
apresentações de encerramento nas escolas, desenhos de autoria dos alunos ou
imagens inseridas no texto como resultado de pesquisas, com o objetivo de
esclarecer assuntos a ele relacionados ou de indicar leituras.
Figura 23: Caixa de diálogo.
Em pesquisa com o cotidiano, Falcão
et al. (2012) dão visibilidade aos
currículos praticados por uma
professora de Educação Física do 4°
ano do Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Vitória-ES.
No trato com o conteúdo Jogos e
brincadeiras, articulam a sua prática
a brincadeiras presentes em obras de
artes, assim como dialogam sobre as
diferenças existentes entre
brinquedos fabricados e brinquedos
construídos artesanalmente.
Essas ações trouxeram não apenas
novas aprendizagens para os alunos,
mas potencializaram o brincar como
uma forma de ser e estar no mundo,
como uma expressão legítima da
infância.
96
Na Figura 24, podemos observar uma caixa de
diálogo lateral que traz informações
complementares ao texto e/ou ao conteúdo
ensinado, promovendo o diálogo de professor para
professor, ampliando a visão sobre determinado
tema, conteúdo ou discussão.
A organização dos textos com auxílio desses
dispositivos mencionados aproxima a concepção do
livro didático com a de “caixa de utensílios”
(CARVALHO, 2001), que coloca à disposição do
professor diferentes ferramentas que auxiliam nos
planejamentos e intervenções, abrindo um leque de
possibilidades de ensino dos conteúdos da
Educação Física.
De maneira geral, os conteúdos dos projetos
narrados foram: danças (populares, regionais, funk, hip hop), jogos (populares e
olímpicos), brincadeiras, esportes (humanizados, convencionais e adaptados) e
ginástica. Ao analisar o livro didático, sentimos a necessidade de demarcar a
progressão pedagógica dos conteúdos, pois essa foi uma das dificuldades
encontradas pelos professores ao narrar os projetos. Essa progressão é importante
para que haja coerência, ampliação e aprofundamento dos saberes e para que não
se ensine nem se aprenda o mesmo ao longo das séries.
No estudo de Santos (2013), a repetição de conteúdos é apontada pelos
alunos do ensino médio como um problema constante nas aulas de Educação
Física, o que acaba gerando desinteresse, principalmente pela não diversificação e
pelo aumento de complexidade. Para melhor compreender a progressão dos
conteúdos de ensino, Haydt (1997) propõe que ela ocorra no plano vertical,
referindo-se à disposição do conteúdo ao longo das séries, e com base no critério
sequencial, que faz com que os tópicos de um conteúdo partam dos anteriores,
permitindo aprofundamento, ampliação e progressão. No plano horizontal, tem-se
como pressuposto a integração, que se refere ao relacionamento entre as diferentes
Figura 24 - O que é funk?
“O funk é um estilo musical que
surgiu da música negra norte-
americana no final da década de
1960. Na verdade, o funk se
originou a partir da Soul Music,
tendo uma batida mais pronunciada
e algumas influências do Rhythm
and Blues, Rock e da música
psicodélica”. Fonte:
http://www.brasilescola.com/artes/f
unk.htm
97
áreas do currículo visando garantir a unidade do conhecimento. Alguns documentos
têm produzido essa integração, como os Cadernos de São Paulo e o Livro Didático
do Paraná, sobretudo pela utilização de eixos temáticos que ampliam a
aprendizagem a partir de temas como saúde e sociedade.
No processo de sistematização dos projetos, além de problemas relativos à
compatibilidade e disponibilidade de horários, ficou evidente também a dificuldade
do professor em sistematizar sua prática antes de assumir esse desafio na formação
continuada. No que concerne à Sylvia, a formação foi importante, pois fez com que
ela despertasse para a importância e as possibilidades dos registros:
A gente tem um planejamento, está ali no caderno. A gente executa e registra, mas acha que só tem pernas para aquilo ali durante o ano. Eu não tinha fôlego para sistematizar tanto, mas depois dessa experiência eu achei interessante. E achei possível! (SYLVIA, 2013).
Entendemos que essa dificuldade se dá, principalmente, por uma questão
específica da Educação Física, que é a produção do registro do que foi vivenciado.
Isso pôde ser observado quando mapeamos as fotos das práticas e identificamos
que estavam mais focalizadas nos momentos de apresentação e encerramento dos
projetos.
A experiência dos alunos com a Educação Física parte de vivências corporais
e, nesse caso, como produz dispositivos de registros pedagógicos? Nos projetos
narrados, tivemos experiências potenciais com o uso da fotografia e a reprodução
em massinha no ensino de ginástica da professora Elvira. Também outros
dispositivos de registro foram produzidos pelos alunos, como os brinquedos, os
diários e as histórias em quadrinhos, construídos nos projetos das professoras
Nazian, Aline e Rosiléia, e os grafites e raps, produzidos nas intervenções de Aline e
Bianca. Esses dispositivos foram diferenciais na concepção do livro, pois apontam
uma possibilidade de reunir e registrar conhecimentos, mesmo aqueles que estão
inscritos no corpo e são registrados sobretudo nas fotografias.
O livro didático materializa um saber-objeto (CHARLOT, 2000), ou seja, um
saber que está incorporado em um objeto. Esse saber é fruto do acúmulo de
conhecimentos, da síntese, da pesquisa e da transformação da narrativa da
experiência em textos enriquecidos com dispositivos de imagem, leitura e fontes de
98
pesquisa. O livro representa a apropriação de um saber que foi vivido,
experimentado na prática, rememorado e (re)significado por seus praticantes em um
processo de formação e estudo.
Apresentar possibilidades de integralização curricular dos conhecimentos é
uma dimensão importante em um livro que se propõe didático, movimento que não
foi alcançado na construção do livro analisado, embora alguns projetos narrados
sejam fruto de parceria entre professores. Destacamos a necessidade de ampliação
dessa integralização para projetos que mobilizem todos os componentes curriculares
e não se restrinjam apenas a dois ou três professores.
Para concretização da interdisciplinaridade, as atuais DCNEB prescrevem o
currículo em áreas e o uso das várias possibilidades pedagógicas de organização,
inclusive espaciais e temporais, e diversificação de programas ou tipos de estudos
possíveis, estimulando alternativas de acordo com as características do alunado e
as demandas do meio social (BRASIL, 2013). Nesse sentido, alguns documentos,
como o Currículo Básico do Espírito Santo, têm organizado as disciplinas em áreas,
a fim de promover maior diálogo entre saberes, considerando que é necessário
integração e contextualização dos conhecimentos escolares, por meio dos temas
transversais e pelo desenvolvimento de competências e habilidades (ESPÍRITO
SANTO, 2009).
As narrativas dos professores nos ofereceram pistas para discutirmos e
analisarmos os processos de construção do livro, destacando-se o movimento de
pesquisa por meio da investigação-formação; a valorização do protagonismo e
autoria do professor; o processo de colaboração e parceria na rememoração, escrita
e (re)significação das experiências; a potencialidade dos saberes produzidos a partir
das práticas de ensino. Alguns elementos, como a progressão dos conteúdos, a
participação efetiva dos alunos na produção do livro e a promoção da integralização
curricular, podem ser focalizados a fim de potencializar a produção do conhecimento
e propiciar a outros professores inspirações para outras práticas.
99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Capítulo I, identificamos que a produção acadêmica avança ao dar
visibilidade a diferentes propostas didático-pedagógicas, ao reconhecer sua
importância na orientação do ensino-aprendizagem, nas discussões sobre a
construção dos livros didáticos e, sobretudo, ao valorizar a participação do professor
da educação básica nesse processo, principalmente nas discussões realizadas em
cursos de formação continuada. A partir de 2007, o termo “livro didático” foi adotado
por alguns autores (ANGULSKI et al., 2007) e passou a ser um objeto de estudo.
O livro didático tem sido alvo não somente de uma comunidade acadêmica,
mas também de políticas educacionais dos estados brasileiros, que têm adotado
essa ferramenta para orientar o ensino da Educação Física, fornecendo livros aos
professores e aos alunos das escolas públicas. Tanto o mapeamento quanto a
análise documental das propostas nos permitem observar essa associação entre os
pesquisadores e as equipes das secretarias de educação, fortalecendo o papel da
consultoria. Essas parcerias explicam o quantitativo de publicações de autores
vinculados aos governos municipais, estaduais e federal que circulam nos periódicos
e congressos da Educação Física, conduzidas, principalmente, pelos docentes das
universidades.
A valorização da participação dos professores na construção e debate das
propostas didático-pedagógicas se fez presente, de diferentes formas, em todos os
momentos da pesquisa. Ao analisarmos o projeto editorial das sete propostas,
identificamos a preocupação em garantir espaço ao professor, sobretudo pelas
discussões, críticas e sugestões dadas.
Nesse sentido, os Materiais Didáticos do Rio de Janeiro avançam por
constituírem um documento que apresenta as práticas pedagógicas nos contextos
das escolas, garantindo o lugar de autoria do professor em cada parte que compõe o
fascículo, reconhecendo-o não apenas como pessoa de experiência, mas também
como produtor de saber. Reconhecer o professor como produtor de saber depende
da concepção de ciência, do rompimento com paradigmas que tentam prever,
100
prescrever e determinar as ações humanas, indo contra o desperdício da
experiência, como nos alerta Boaventura de Sousa Santos (2003).
Nos Capítulos II e III, mergulhamos nos sete documentos que representam o
resultado de estudos e trabalhos com vistas à produção de propostas e livros
didáticos. A riqueza das imagens do Livro do Paraná, o cuidado com a progressão
dos conteúdos dos Cadernos de São Paulo, a preocupação em integrar a Educação
Física com os demais componentes curriculares no Currículo do Espírito Santo, os
indícios do protagonismo do aluno no Currículo em Debate de Goiás, por exemplo,
constituem uma série de questões pertinentes que têm consolidado o livro didático
na área.
Nesses dois capítulos, compreendemos que as representações evidenciadas
pelos autores das coleções pedagógicas definem a Educação Física como
componente curricular que, como os demais, deve contribuir para o projeto de
educação escolarizada fundamentado na educação para a autonomia pautada nas
teorias críticas. Observamos que a especificidade da disciplina está em seus
conteúdos, quais sejam: jogos, ginásticas, danças, lutas. Por outro lado, apontamos
a necessidade de aprofundamento de discussões que abordem aspectos específicos
da Educação Física nos tópicos que orientam metodologias de ensino e propostas
de avaliação.
Quanto às caixas de utensílios, identificamos que as representações sobre a
Educação Física estão mais centradas no “como fazer”, apresentando detalhado
trato didático-pedagógico e configurando-se como documento diretivo (PARANÁ,
2006; RIO DE JANEIRO, 2006; SÃO PAULO, 2009). Destacamos os materiais do
Rio de Janeiro (2006) por representarem um avanço na relação teoria-prática, pois
apresentam aos professores da rede de ensino maneiras de fazer os conteúdos da
Educação Física baseados em experiências de ensino, tendo como limite o fato de
se tratar de exemplos de aulas e impossibilitando, dessa forma, a compreensão
sobre a continuidade do que foi desenvolvido.
Observamos a influência das políticas nacionais nos documentos, sobretudo na
integralização curricular e na interdisciplinaridade, que objetivam aproximar as
101
disciplinas em um movimento que tem promovido maior teorização da Educação
Física, sobretudo no ensino médio.
No Capítulo IV, ao analisarmos o livro didático produzido com os professores,
colocamos em discussão um projeto de formação, investigação e produção do livro
didático, o qual propõe uma inversão epistemológica do conhecimento nascido com
a prática que, (re)significada, se volta para a prática. Assim, mostramos
possibilidades de produzir o protagonismo pelas práticas pedagógicas, entendendo
a pesquisa como fio condutor nesse processo de (re)significação e produção de
sentidos para as experiências.
A narrativa dos professores incentiva-nos a defender a necessidade de
políticas de produção de livros didáticos que garantam participação efetiva daqueles
que, vivendo o cotidiano, reconhecem suas próprias necessidades e as dos alunos.
As parcerias entre universidade e instituições escolares necessitam de apoio formal,
garantindo espaços e tempos de formação para os professores e financiamento para
produção e publicação dos textos produzidos, que servirão de referência para outros
contextos, num livro que reconheça a especificidade da Educação Física e ao
mesmo tempo a (co)autoria do professor no processo de construção e publicação.
Considerando os limites que os resultados deste trabalho apresentam,
afirmamos a necessidade dos livros didáticos como ferramenta pedagógica para
professores, auxiliando e enriquecendo os processos de ensino e aprendizagem nas
aulas de Educação Física. O avanço na sistematização de livros didáticos permitirá
a progressão e aprofundamento dos conteúdos, maior diálogo com outros
conhecimentos e a escuta do aluno, que traz consigo uma experiência de
escolarização com a Educação Física.
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