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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
FACULDADE DE FARMCIA, ODONTOLOGIA E ENFERMAGEM MESTRADO EM CINCIAS FARMACUTICAS
MILENA PONTES PORTELA BESERRA
ESTUDO DOS EVENTOS ADVERSOS EM UM HOSPITAL SECUNDRIO
ACREDITADO DO CEAR: UMA ABORDAGEM NO GERENCIAMENTO DE
RISCOS
Fortaleza
2011
2
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
Universidade Federal do Cear
Biblioteca de Cincias da Sade
B465e Beserra, Milena Pontes Portela.
Estudo dos eventos adversos em hospital secundrio acreditado do Cear: uma
abordagem no gerenciamento de riscos / Milena Pontes Portela Beserra. 2011.
105 f. : il. color., enc. ; 30 cm.
Dissertao (mestrado) Universidade Federal do Cear; Faculdade de Farmcia,
Odontologia e Enfermagem; Departamento de Farmcia, Programa de Ps-Graduao em
Cincias Farmacuticas, 2011.
rea de Concentrao: Farmcia Clnica.
Orientao: Profa. Dra. Marta Maria de Frana Fonteles
1. Sistemas de Notificao de Reaes Adversas a Medicamentos. 2. Gerenciamento de
Segurana. 3. Toxicidade de Drogas I. Ttulo.
CDD 615.704
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MILENA PONTES PORTELA BESERRA
DISSERTAO DE MESTRADO
ESTUDO DOS EVENTOS ADVERSOS EM UM HOSPITAL SECUNDRIO
ACREDITADO DO CEAR: UMA ABORDAGEM NO GERENCIAMENTO DE
RISCOS
FORTALEZA
2011
Trabalho apresentado para defesa de dissertao, visando obter o grau de Mestre em Cincias Farmacuticas. Orientadora: Prof. Dr. Marta Maria de Frana Fonteles
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ESTUDO DOS EVENTOS ADVERSOS EM UM HOSPITAL SECUNDRIO
ACREDITADO DO CEAR: UMA ABORDAGEM NO GERENCIAMENTO DE
RISCOS
ESTA DISSERTAO DE MESTRADO FOI JULGADA COMO REQUISITO
PARA OBTENO DO TTULO DE MESTRE EM CINCIAS FARMACUTICAS
PELO PROGRAMA DE MESTRADO E DOUTORADO EM CINCIAS
FARMACUTICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR. ESTA
DISSERTAO FOI AVALIADA E APROVADA EM SUA FORMA FINAL EM SESSO
PBLICA DE DEFESA, NO DIA 29 DE AGOSTO DE 2011, PELA BANCA
EXAMINADORA COMPOSTA PELOS SEGUINTES PROFESSORES:
________________________________________________________________
Prof Dr Marta Maria de Frana Fonteles (orientadora) Departamento de Farmcia/ UFC
________________________________________________________________ Prof Dr Mirian Parente Monteiro
Departamento de Farmcia/ UFC
________________________________________________________________
Prof Dr Mnica Cardoso Faanha Departamento de Sade Coletiva/ UFC
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Deus, minha famlia, amigos e orientadora pelo
apoio, fora, incentivo, companheirismo e amizade. Sem eles
nada disso seria possvel.
Aos pacientes, objetivo maior de toda atividade
cientfica.
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AGRADECIMENTOS
Prof Marta Maria Frana Fonteles, orientadora desta dissertao, por todo
empenho, sabedoria e compreenso. Gostaria de ratificar a sua competncia,
participao com discusses, correes, e sugestes que fizeram com que
conclussemos este trabalho.
minha famlia pelo carinho, pacincia e incentivo.
s profissionais do gerenciamento de riscos do Hospital Geral Dr Waldemar
Alcntara (HGWA) por sua gentileza na concesso dos dados utilizados no
projeto, so elas: Selma Furtado Magalhes (Gerente de Riscos HGWA),
Rosemeire Pereira Gomes (Farmacutica responsvel pelas notificaes de
suspeitas de reao adversa a medicamentos no HGWA), Joseane Xavier
Nascimento Bento (Enfermeira responsvel pelas notificaes de suspeitas de
reao adversa aos hemocomponentes no HGWA) e Alessandra Rocha Moror
Pinheiro (Enfermeira responsvel pelas queixas tcnicas no HGWA).
A todos os notificadores, que ampliam a perspectiva de reduo de danos
inerentes aos frmacos, sejam eles, profissionais e/ou acadmicos da rea da
sade e pacientes por todas as notificaes espontneas de casos suspeitos de
Reao Adversa a Medicamentos e Queixas Tcnicas.
Ao Servio de Arquivo Mdico do HGWA pelo auxlio na obteno dos dados.
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Primum non nocere
Hipcrates
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RESUMOEstudo dos eventos adversos em um hospital secundrio acreditado do Cear: uma abordagem no gerenciamento de riscos. Autora: Milena Pontes Portela Beserra. Orientadora: Prof. Dr. Marta Maria de Frana Fonteles. [Dissertao de Mestrado Ps-graduao em Cincias Farmacuticas Departamento de Farmcia da Universidade Federal do Cear]. INTRODUO: O Gerenciamento de Riscos Hospitalares atua na preveno, deteco, controle ou eliminao de riscos capazes de causar danos aos pacientes. No Brasil este conceito foi implantado em 2001 pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), do Ministrio da Sade, com o projeto Hospitais Sentinela, e, atualmente, congrega quase duas centenas de instituies. constitudo basicamente por trs pilares: farmacovigilncia, hemovigilncia e tecnovigilncia. Indicadores de resultados como os eventos adversos so ferramentas fundamentais da qualidade por apontarem aspectos do cuidado que podem ser melhorados tornando a assistncia aos pacientes livre de riscos e falhas e, portanto, mais segura. Com o objetivo de melhorar a qualidade assistencial dos servios, nas ltimas dcadas, tiveram fora os Programas de Acreditao Hospitalar que consistem em sistema de avaliao externa que verifica a concordncia da estrutura e dos processos assistenciais adotados com o conjunto de padres previamente estabelecidos. OBJETIVOS: Estudar eventos adversos que acometeram os pacientes internados ou que se relacionaram a medicamentos e correlatos, em um hospital pblico secundrio acreditado pela Organizao Nacional de Acreditao (ONA), no ano de 2010, contextualizando a abordagem no gerenciamento de risco hospitalar. MTODOS: Foi realizado um estudo retrospectivo de base documental no Hospital Geral Dr Waldemar Alcntara (HGWA) com levantamento de todas as notificaes de reaes adversas a medicamentos (RAM), reaes aos hemocomponentes e queixas tcnicas de materiais, equipamentos e medicamentos, estudando, assim, o gerenciamento de riscos com foco na farmacovigilncia, hemovigilncia e tecnovigilncia, respectivamente. RESULTADOS E DISCUSSO: Foram notificados 271 eventos, sendo 166 (61,3%) RAM, 64 (23,6%) queixas tcnicas e 41 (15,1%) reaes transfusionais. Foi encontrado maior nmero de RAM nos pacientes pertencentes aos extremos etrios e em uso de antimicrobianos, conforme j bem descrito na literatura. As principais RAM notificadas foram as dermatolgicas e o grupo medicamentoso mais envolvido foram os antimicrobianos de uso sistmico. O principal hemocomponente transfundido foi o concentrado de hemcias, sendo tambm o maior causador de reaes transfusionais e a anemia a principal indicao. As reaes transfusionais mais notificadas foram: febre (55,6%), dispnia (8,9%) e urticria (8,9%), essas reaes foram imediatas em 92,7% dos casos, pois ocorreram em at 24h aps a transfuso. Foram notificadas 64 queixas tcnicas de 40 produtos diferentes, os principais produtos citados foram: o soro fisiolgico 100mL sistema fechado (14,1%) e fita microporosa (7,8%). Possuam potencial para causar dano direto aos pacientes 81,3% das queixas e a equipe de enfermagem foi a principal notificadora. CONCLUSO: O HGWA apresenta um programa de gerenciamento de riscos eficiente, com manuteno de indicadores positivos e trabalhando em prol da segurana do paciente. Ainda mais importante ressaltar que possvel realizar um servio de qualidade, em termos de gerenciamento de riscos, mesmo quando se trata de um hospital pblico do nordeste brasileiro com limitaes financeiras. Descritores DECS: Gerenciamento de segurana; Sistema de notificao de reaes adversas a medicamentos; Efeitos adversos.
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ABSTRACT
Study of adverse events in an accredited secondary hospital of Cear: an approach to risk management. Author: Milena Pontes Portela Beserra. Supervisor: Prof. Dr Marta Maria de Frana Fonteles. [Master degrees dissertation. Post Graduation in Pharmaceutical Science. Department of Pharmacy Federal University of Cear]. BACKGROUND: Hospital Risk Management acts in the prevention, detection, control or eliminate risks that could cause harm to patients, in Brazil this concept was implemented in 2001 by the National Agency for Sanitary Surveillance (Anvisa), Ministry of Health with the project Sentinel Hospitals, and currently brings together nearly two hundred institutions. It consists basically of three pillars: pharmacovigilance, haemovigilance and technical surveillance. Indicators of results and adverse events are fundamental tools of quality by pointing out aspects of care that can be improved by making patient care without risks and failures, and therefore safer. In order to improve the quality of healthcare services in recent decades had the strength of the Hospital Accreditation Program consisting of external evaluation system that verifies the compliance of the structure and care processes with the adopted set of standards previously established. OBJECTIVES: To study adverse events suffered by hospitalized patients or that were related to drugs and related in a public secondary hospital accredited by National Accreditation Organization (ONA), in 2010, contextualizing the risk management approach in the hospital. METHODS: We conducted a retrospective documentary base at the Hospital General Dr. Waldemar Alcantara (HGWA) a survey of all reports of adverse drug reactions (ADRs), reactions to blood products and technical defects of materials, equipment and drugs, studying, and the risk management with a focus on pharmacovigilance, haemovigilance and technical surveillance, respectively. RESULTS AND DISCUSSION: There have been 271 events, with 166 (61.3%) RAM, 64 (23.6%) technical defects, 41 (15.1%) transfusion reactions. We found a higher number of RAM in patients with extreme age and use of antimicrobials, as well as previously reported. The main reported ADRs were dermatological and medical groups were more involved antimicrobials for systemic use. The main blood component was transfused red blood cells, is also a major cause of anemia, transfusion reactions and the main indication. The most transfusion reactions reported were fever (55.6%), dyspnea (8.9%) and urticaria (8.9%), these reactions were immediate in 92.7% of cases, they occurred in up to 24 hours after transfusion. Techniques have been reported 64 complaints of 40 different products, the main products cited were: saline 100 mL closed system (14.1%) and micropore tape (7.8%). Had the potential to cause direct harm to patients 81.3% the complaints and the nursing staff was the main notifier. CONCLUSION: The HGWA presents a program of effective risk management, maintaining and working on positive indicators for the safety of the patient. Even more important is to note that you can perform a quality service in terms of risk management, even when it comes to a public hospital in northeastern Brazil with financial constraints. MESH Keywords: Risk Management; Adverse Drug Reaction Reporting Systems; Adverse Effects.
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LISTADETABELAS
TABELA DESCRIO PGINA
1 Perfil dos pacientes que apresentaram RAM no HGWA em 2010. 58
2 Nmero de medicamentos suspeitos de causar RAM no HGWA em 2010. 59
3 Manifestaes clnicas notificadas nas RAM de 2010 no HGWA. 60
4 Medicamentos envolvidos em suspeitas de RAM. 61
5 Nmero de RAM notificadas e nmero de admisses por setor. 62
6 Abordagem teraputica para o tratamento da RAM. 63
7 Medicamentos usados para tratamento da RAM. 63
8 Classificao das RAM que ocorreram no HGWA em 2010. 64
9 Hemocomponentes mais transfundidos e envolvimento em reaes transfusionais. 66
10 Distribuio do consumo de hemocomponentes e reaes de acordo com a unidade clnica. 67
11 Manifestaes clnicas relatados nas notificaes de reaes adversas aos hemocomponentes. 68
12 Risco direto sade das queixas tcnicas notificadas no HGWA em 2010. 72
13 Itens sobre os quais recaram as queixas tcnicas no HGWA em 2010. 72
14 Categorias profissionais que registraram as queixas tcnicas em 2010 no HGWA. 73
11
LISTADEQUADROS
QUADRO DESCRIO PGINA
1 Incidentes transfusionais notificveis. 32
2 Classificao das variveis estudadas. 49
3 Escala de probabilidades de RAM segundo Naranjo et al (1981).
53
4 Faixa de valores obtidos a partir da aplicao dos critrios para definio da relao causal de Naranjo e colaboradores.
53
5 Classificao e descrio das reaes adversas a medicamentos (WHO, 2002).
54
12
LISTADEFIGURAS
FIGURA DESCRIO PGINA
1 Fluxograma para a equipe de sade na transfuso de sangue e hemocomponentes
36
2 Fluxograma para notificao de eventos adversos em tecnovigilncia.
39
3 Consumo de hemocomponentes por setor HGWA 2010. 65
4 Evoluo histrica das queixas tcnicas notificadas de 2003-2010 no HGWA.
71
5 Frasco para dieta enteral sem tampa. 73
6 Soro fisiolgico de 100mL (sistema fechado) com a tampa desconectada.
74
7 Embalagem de soro fisiolgico de 500mL sem impresso da data de validade.
74
8 Novas tampas das solues de grande volume que no encaixavam adequadamente aos equipos.
75
9 Vazamento do medicamento na embalagem secundria. 75
10 Embalagem da sonda sem data de validade. 76
11 Blsteres faltando comprimidos. 76
12 Falha na rotulagem do produto, frasco contendo mais de um rtulo e outros no rotulados.
77
13 Alterao na colorao do medicamento. 77
14 Equipo sem controle do gotejamento (roldana com dificuldade de fechar).
78
15 Presena de corpo estranho dentro da ampola contendo soluo estril.
78
13
LISTADEABREVIATURAS
Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria.
ART Adverse Reaction Terminology.
ATC Anatomical Therapeutical Chemical Classification.
CETIP Centro de Terapia Intensiva Peditrica.
EA Eventos adversos.
GRH Gerenciamento de riscos hospitalares.
HGWA Hospital Geral Dr Waldemar Alcntara.
ISGH Instituto de Sade e Gesto Hospitalar.
MMH Material Mdico Hospitalar.
NOTIVISA Sistema de Notificaes em Vigilncia Sanitria.
ONA Organizao Nacional de Acreditao.
OPAS Organizao Panamericana de Sade.
OS Organizao Social.
RAM Reaes adversas a medicamentos.
SUS Sistema nico de Sade.
UCE Unidade de Cuidados Especiais.
UMC Uppsala Monitoring Centre.
UTI Unidade de Terapia Intensiva.
WHO World Health Organization.
14
SUMRIO
RESUMO .............................................................................................................. 8
ABSTRACT ......................................................................................................... 9
LISTA DE TABELAS ........................................................................................ 10
LISTA DE QUADROS ...................................................................................... 11
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... 12
LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................................... 13
APRESENTAO ............................................................................................. 18
1. INTRODUO .............................................................................................. 19
1.1- Riscos Hospitalares ................................................................................. 19
1.1.1- Gerenciamento de riscos .................................................................. 19
1.1.2- Eventos adversos .............................................................................. 20
1.2- Farmacovigilncia ................................................................................... 22
1.2.1- Conceito ............................................................................................ 22
1.2.2- Histrico ........................................................................................... 24
1.2.3- reas de atuao ............................................................................... 24
1.2.4- Objetivos da farmacovigilncia ........................................................ 26
15
1.2.5- Estruturao da farmacovigilncia no mundo .................................. 27
1.2.6- Farmacovigilncia no Brasil ............................................................. 28
1.3- Hemovigilncia ....................................................................................... 29
1.3.1- Conceitos .......................................................................................... 29
1.3.2- Incidentes transfusionais .................................................................. 31
1.3.3- Investigao dos incidentes transfusionais ....................................... 32
1.3.4- Monitoramento do ato transfusional ................................................. 34
1.4- Tecnovigilncia ....................................................................................... 37
1.5 Acreditao Hospitalar .......................................................................... 40
1.6 Acreditao Hospitalar no HGWA ........................................................ 42
1.7 Gerenciamento dos riscos no HGWA .................................................... 43
1.8 Justificativa ............................................................................................ 44
2. OBJETIVOS ................................................................................................... 46
2.1- Geral ........................................................................................................ 46
2.2- Especficos ............................................................................................... 46
3. MTODOS ..................................................................................................... 47
3.1- Tipo de pesquisa ...................................................................................... 47
3.2- Local da pesquisa .................................................................................... 47
16
3.3- Coleta de dados ....................................................................................... 48
3.4- Variveis estudadas ................................................................................. 48
3.5- Procedimento metodolgico dos registros e anlise de reaes adversas a
medicamentos na instituio hospitalar ...................................................................... 50
3.6- Critrios de incluso ................................................................................ 55
3.7- Critrios de excluso ............................................................................... 55
3.8- Anlise estatstica dos dados ................................................................... 56
3.9- Riscos e benefcios .................................................................................. 56
3.10- Aspectos ticos ...................................................................................... 56
4. RESULTADOS .............................................................................................. 57
4.1- Farmacovigilncia ................................................................................... 57
4.1.1- Perfil dos pacientes ........................................................................... 57
4.1.2- Reaes adversas e medicamentos envolvidos ................................ 59
4.1.3- Classificao das reaes ................................................................. 62
4.2- Hemovigilncia ....................................................................................... 65
4.3- Tecnovigilncia ....................................................................................... 69
5. DISCUSSO .................................................................................................. 79
5.1- Farmacovigilncia ................................................................................... 79
17
5.2-Hemovigilncia ........................................................................................ 87
5.3- Tecnovigilncia ....................................................................................... 90
6. CONCLUSO ................................................................................................ 96
7. CONSIDERAES FINAIS E RECOMENDAES ................................. 98
8. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................... 100
9. ANEXOS ...................................................................................................... 108
18
APRESENTAO
Os estudos sobre os riscos hospitalares ainda so cercados por tabus, pois muitas
vezes a abordagem dos eventos adversos segue a linha da identificao para punio e
os profissionais envolvidos na ocorrncia dos eventos adversos sentem-se culpados e
tendem a escond-los. Os riscos existem e acometem verdadeiramente os pacientes
hospitalizados em todo o mundo, assim, entender a ocorrncia dos eventos, identificar
os grupos de risco, alimentar sistematicamente indicadores e, a partir destes dados,
traar estratgias para conduzir adequadamente, prevenir ou eliminar os riscos se faz
necessrio.
A publicao de trabalhos que encarem naturalmente os eventos adversos e
abordem estes como parte possvel da estadia dos pacientes em ambiente hospitalar
pode facilitar a elaborao de campanhas em prol da notificao voluntria destes
eventos.
O grande motivador para realizao deste trabalho foi estudar os eventos
adversos que acometeram os pacientes internados no HGWA em 2010 e mostrar que
possvel gerenciar riscos em um hospital pblico do nordeste do Brasil, alm de
ressaltar a importncia do Programa de Acreditao Hospitalar como orientador e
motivador da garantia da qualidade assistencial.
19
1.INTRODUO
1.1RiscosHospitalares
1.1.1Gerenciamentoderiscos
A administrao de riscos na sade, historicamente, se iniciou nos Estados
Unidos da Amrica, a partir de meados da dcada de 1920, no contexto da crise do erro
mdico, quando gerou processos e sistemas operacionais centrados na preveno,
deteco, controle ou eliminao de riscos capazes de causar danos aos
pacientes/clientes. O programa de administrao de riscos, desenvolvido naquele pas,
constituiu-se em uma das atividades internas voltadas para a garantia da qualidade da
assistncia prestada (KUWABARA et al, 2010).
Em 2001, o conceito de Gerenciamento de Riscos Hospitalares (GRH) foi
introduzido no Brasil pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), do
Ministrio da Sade, com o projeto Hospitais Sentinela, e, atualmente, congrega quase
duas centenas de instituies. A adoo de medidas de valorizao da qualidade da
ateno em sade e a gerncia racional de insumos e equipamentos mdico-hospitalares
(Tecnovigilncia), com vistas a assegurar qualidade e segurana, so dois dos
desdobramentos do projeto. Outras reas, como Farmacovigilncia (vigilncia de
medicamentos) e Hemovigilncia (vigilncia de hemocomponentes), tambm fazem
parte do projeto da ANVISA (KUWABARA et al, 2010).
20
1.1.2Eventosadversos
Eventos adversos (EA) so definidos como complicaes indesejadas
decorrentes do cuidado prestado aos pacientes, no atribudas evoluo natural da
doena de base. Afetando em mdia 10% das admisses hospitalares, constituem
atualmente um dos maiores desafios para o aprimoramento da qualidade na rea da
sade: a sua presena reflete o marcante distanciamento entre o cuidado ideal e o
cuidado real. Quando decorrentes de erros, so denominados EA evitveis. Cabe
ressaltar que 50% a 60% dos EA so considerados passveis de preveno. Em geral, a
ocorrncia destes eventos inesperados no acarreta danos importantes aos pacientes.
Entretanto, incapacidade permanente e bito podem ocorrer. Estima-se que 1.000.000
de EA evitveis ocorram anualmente nos EUA, contribuindo para a morte de 98.000
pessoas. Eventos adversos cirrgicos e aqueles relacionados ao uso de drogas
correspondem s categorias mais freqentes. Alguns fatores favorecem sobremaneira a
ocorrncia de EA, destacando-se a idade dos pacientes, a gravidade do quadro clnico
inicial, a existncia de comorbidades, a durao e a intensidade do cuidado prestado, a
fragmentao da ateno sade, a inexperincia de jovens profissionais envolvidos no
atendimento, a sobrecarga de trabalho, as falhas de comunicao, a introduo de novas
tecnologias e o atendimento de urgncia (ARRAIS, 2002; GALLOTTI, 2004;
FLORENCE; CALIL, 2005; PASSARELLI; JACOB FILHO, 2007).
A presena de EA deve ser interpretada como decorrente de falncias nos
complexos sistemas tcnicos e organizacionais relacionados ateno sade e no
como resultado de aes isoladas praticadas por profissionais incompetentes. A adoo
de medidas punitivas frente aos erros, prtica muito freqente na rea mdica, gerando
21
atitudes de medo e desconfiana nos indivduos, em nada contribui para a preveno dos
mesmos, uma vez que induz ocultao das falhas cometidas. O reconhecimento da real
dimenso destes problemas representa uma oportunidade mpar para o aprimoramento
da segurana dos pacientes (GALLOTTI, 2004; MENDES et al, 2008).
Outras abordagens, como a apurao de carter voluntrio com informao
fornecida pelo prprio profissional, esbarra ainda na cultura predominante de que o erro
uma vergonha e no um mecanismo de aprendizado. A preocupao de que o cuidado
sade no deve ser a causa de um agravo ao paciente vem desde Hipcrates Primum
non nocere um postulado. Os resultados dos estudos investigados no trabalho de
reviso de Mendes et al 2005 contrariam esse postulado hipocrtico. Entender este
fenmeno um importante passo para pensar polticas que garantam a segurana dos
pacientes que procuram assistncia em hospitais (NAGAO-DIAS et al, 2004; MENDES
et al, 2005; DAINESI, 2005).
O enfoque da segurana e qualidade na assistncia ao paciente, com conseqente
criao de uma cultura de segurana, permite que a equipe se sinta segura ao informar a
ocorrncia de um EA. Indicadores de resultados como os eventos adversos so
ferramentas fundamentais da qualidade por apontarem aspectos do cuidado que podem
ser melhorados tornando a assistncia aos pacientes livre de riscos e falhas e, portanto,
mais segura (NASCIMENTO et al, 2008).
Com o objetivo de melhorar a qualidade assistencial dos servios, nas ltimas
dcadas, tiveram fora os Programas de Acreditao Hospitalar que consistem em
sistema de avaliao externa que verifica a concordncia da estrutura e dos processos
assistenciais adotados com o conjunto de padres previamente estabelecidos. No Brasil,
22
a Organizao Nacional de Acreditao (ONA) oferece o Manual Brasileiro de
Acreditao Hospitalar, instrumento que serve de guia s instituies para que
estabeleam padres de atendimento com alta qualidade (MINISTRIO DA SADE,
2002).
1.2Farmacovigilncia
1.2.1Conceito
A farmacovigilncia consiste da cincia e das atividades relativas deteco,
avaliao, compreenso e preveno de efeitos adversos ou quaisquer outros possveis
problemas relacionados a medicamentos. Muitas outras questes tambm so de
relevncia para farmacovigilncia: medicamentos de baixa qualidade; erros de
medicao; notificaes de perda de eficcia; uso de medicamentos para indicaes no
aprovadas e para as quais no h base cientfica adequada (off lable use); notificaes de
casos de intoxicao aguda e crnica; avaliao da mortalidade relacionada a
medicamentos; abuso e uso indevido de medicamentos; interaes medicamentosas
adversas com substncias qumicas, outros medicamentos e alimentos (DAINESI, 2005;
UMC, 2005).
Os conceitos relacionados Farmacovigilncia vm passando por vrias
mudanas, o que pode significar o amadurecimento das atividades a ela relacionadas.
LAPORTE & TOGNONI (1993) conceituaram a Farmacovigilncia como um conjunto
de atividades destinadas a identificar e avaliar os efeitos do uso agudo e crnico, dos
tratamentos farmacolgicos na populao ou em subgrupos expostos a tratamentos
especficos. Em 2002, a Organizao Mundial da Sade (OMS) ampliou o conceito de
23
Farmacovigilncia como sendo a cincia relativa deteco, avaliao, compreenso e
preveno dos efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados a medicamentos.
Sob esta tica, a Farmacovigilncia passa a ter uma abrangncia maior, envolvendo no
apenas as reaes adversas, mas sim, todo e qualquer evento adverso relacionado aos
medicamentos (WHO, 2002; LOURO; ROMANO-LIEBER; RIBEIRO, 2007).
Alm da tradicional definio de farmacovigilncia, que fala do
acompanhamento dos eventos adversos a medicamentos aps a sua colocao no
mercado, e da tambm clssica referncia ao caso da talidomida, na dcada de 60 do
sculo passado, vale acrescentar que o desafio daqueles que trabalham nesta rea , na
verdade, investigar e documentar, em termos epidemiolgicos e socioeconmicos, se o
perfil de segurana obtido nos estudos clnicos, em populaes rigorosamente
selecionadas, ainda vlido quando o medicamento utilizado na prtica clnica, uma
estratgia bem sucedida a notificao espontnea de Reaes Adversas a
Medicamentos (RAM) (DAINESI, 2005). Esse tipo de notificao eficaz em termos de
gerao de um sinal de segurana, uma vez que cada registro constitui uma fonte de
informao do risco dos medicamentos comercializados. A grande limitao da
notificao espontnea de RAM decorre de sua sub-notificao (RIBEIRO-VAZ et al,
2011).
As reaes alrgicas constituem uma frao importante dos eventos adversos
decorrentes da exposio a medicamentos e de seu potencial de morbimortalidade.
importante enfatizar a necessidade de notificao das RAM pelos profissionais
envolvidos no tratamento do paciente de forma sistematizada, por meio de aes de
farmacovigilncia. O custo das RAM para o servio de sade muitas vezes
24
subestimado, pois a maioria das reaes ocorre em pacientes no hospitalizados
(NAGAO-DIAS et al, 2004).
A farmacovigilncia se desenvolveu e continuar a se desenvolver como
resposta a necessidades especiais. Tal influncia ativa precisa ser encorajada e nutrida;
uma fonte de vigor e originalidade que tem contribudo muito para a prtica clnica e
segurana do paciente (COELHO; ARRAIS; GOMES, 1999; UMC, 2005).
1.2.2Histrico
Aps o famoso incidente com a Talidomida em 1961, atividades relacionadas
Farmacovigilncia passaram a ser levadas mais a srio. A Talidomida comeou a ser
utilizada no ano de 1957, e em pouco tempo foi relacionada com uma anomalia que
causava graves malformaes congnitas em recm nascidos de mulheres tratadas
durante a gravidez. Isso fez com que a Talidomida fosse rapidamente retirada do
mercado em um grande nmero de pases (OMS, 2004). No ano de 1960, o desastre da
Talidomida afetou 300 bebs no Brasil. No ano de 2000, outras tragdias ocorreram na
associao com tratamento da leishmaniose; o antimoniato de meglumina causou 300
reaes adversas locais srias, algumas tendo por resultado a morte (DIAS, 2002, 2005).
Esse fato somente reforou a iniciativa do desenvolvimento de processos de
monitoramento de medicamentos no Brasil (DIAS, 2005).
1.2.3reasdeatuao
Os medicamentos tornaram-se uma importante ferramenta teraputica no
tratamento e profilaxia de muitas enfermidades, sendo responsveis pela melhora da
qualidade de vida das pessoas. Para que a farmacoterapia tenha xito e produza os
25
resultados esperados, necessrio que o medicamento seja usado para a condio
clnica apropriada, prescrito na forma farmacutica, doses e perodo de durao do
tratamento adequado e, que, o regime teraputico prescrito seja cumprido (MARIN et
al, 2003).
O impacto do uso de medicamentos em uma sociedade tem vrias facetas. Por
um lado, os medicamentos podem aumentar a expectativa de vida, erradicar certas
doenas, trazer benefcios sociais e econmicos, e por outro lado podem aumentar os
custos da ateno sade quando utilizados inadequadamente e/ou levar ocorrncia de
reaes adversas a medicamentos (PFAFFENBACH et al, 2002). Contudo, mesmo
quando utilizado de forma racional, os medicamentos podem levar ao aparecimento de
alguns eventos indesejveis no decorrer do tratamento. Os eventos adversos podem ser
identificados durante a fase de estudo sobre o medicamento que ocorre antes da
comercializao, conhecida como fase clnica. Os testes clnicos com medicamentos
ocorrem em trs fases distintas, sendo iniciado com voluntrios saudveis e nmero
limitado de pacientes. medida que a segurana do medicamento estabelecida nesse
grupo, buscam-se informaes adicionais em um nmero maior de indivduos, incluindo
aqueles que apresentam a doena que se quer tratar e outra grande variedade de
problemas clnicos. Contudo, o nmero de pacientes submetidos aos estudos nas Fases I
a III limitado e a seleo e tratamento dos pacientes geralmente difere dos mtodos
utilizados na prtica clnica (VENULET; HAM, 1996).
Os Ensaios clnicos so parmetros experimentais constitudos pela Fase I, II e
III para verificar a eficcia e segurana dos medicamentos durante a pr-
comercializao. Estes ensaios clnicos apresentam limitaes para os estudos ps-
26
comercializao, tambm chamados de estudos de Fase IV, tais como: nmero de
pacientes e tempo de durao do tratamento reduzido; excluso de pacientes de risco:
idosos, grvidas, crianas, hepatopatas, nefropatas e pacientes polimedicados; reaes
adversas de baixa frequncia podem no ser detectadas (LAPORTE; TOGNONI, 1993).
Apenas aps a comercializao possvel detectar as reaes menos freqentes, alm da
determinao dos riscos nos grupos de risco e em pacientes com tratamento prolongado.
Torna-se, ento, fundamental levar a cabo uma atitude de vigilncia constante ao
medicamento aps sua colocao no mercado, por meio de atividades de
farmacovigilncia (RIBEIRO-VAZ et al, 2011).
1.2.4Objetivosdafarmacovigilncia
Dentre os objetivos mais importantes da farmacovigilncia esto: deteco de
reaes adversas desconhecidas e interaes; deteco do aumento da frequncia das
reaes adversas conhecidas; identificao dos fatores de risco e os possveis
mecanismos de desenvolvimento de reaes adversas; estimao dos aspectos
quantitativos de anlise benefcio/risco e disseminao da informao necessria para
promover a prescrio e regulao dos frmacos, que em conjunto, tem como metas:
uso racional e seguro de medicamentos; gerenciamento, comunicao dos riscos e
benefcios dos frmacos no mercado e educao e informao aos pacientes (WHO,
2002). Outros objetivos especficos da farmacovigilncia so: melhorar o cuidado com
o paciente e a segurana em relao ao uso de medicamentos e a todas as intervenes
mdicas e paramdicas; melhorar a sade pblica e a segurana em relao ao uso de
medicamentos; contribuir para a avaliao dos benefcios, danos, efetividade e riscos
dos medicamentos, incentivando sua utilizao de forma segura, racional e mais efetiva
27
(inclui-se o uso custo-efetivo); e promover a compreenso, educao e capacitao
clnica em farmacovigilncia e sua comunicao efetiva ao pblico (UMC, 2005).
1.2.5Estruturaodafarmacovigilncianomundo
A necessidade de uma organizao voltada para a cooperao internacional na
rea de segurana foi detectada a partir da ocorrncia de reaes adversas em muitos
pases e estes requerendo mais precocemente um sistema de relato de Problemas
Relacionados a Medicamentos com larga cobertura sobre a populao. A OMS
coordena o sistema de quantificao e deteco de reaes adversas, estabelecido em
1968. Inicialmente foi implantado um projeto piloto em 10 pases que dispunham de um
sistema nacional de notificao de reaes adversas. Os pases que participaram do
projeto piloto foram: Austrlia, Canad, Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Holanda, Nova
Zelndia, Sucia, Reino Unido e EUA (OMS, 2004; UMC, 2005).
Atualmente, o programa da OMS coordenado pelo Centro Colaborador do
Uppsala Monitoring Centre, em Uppsala, Sucia, com a superviso de um comit
internacional. So 86 pases que participam do programa da OMS, destes 75 so
membros oficiais e 11 so considerados membros associados. Os ltimos pases a entrar
no programa foram a Nigria e Malta, no ano de 2004 (OMS, 2004; UMC, 2005). O
Brasil foi inserido neste programa no ano de 2001, como o 62 membro oficial (OPAS,
2002; PETRAMALE, 2002). Outra funo deste centro colaborador receber
notificaes de todos os pases que mantm a Vigibase, uma base de dados mundial
sobre reaes adversas aos medicamentos que atualmente, contm mais de trs milhes
de notificaes (OMS, 2004; UMC, 2005).
28
1.2.6FarmacovigilncianoBrasil
O Programa Brasileiro de Farmacovigilncia constitudo por um conjunto de
projetos que busca atuar em questes fundamentais sobre segurana, efetividade,
qualidade e racionalidade dos medicamentos comercializados no Brasil. O sucesso deste
programa depende da manuteno do Projeto Hospitais Sentinela e da sensibilizao
dos profissionais de sade para a notificao voluntria de eventos relacionados ao uso
de medicamentos (MENDES et al, 2008).
No Brasil os primeiros esforos no sentido de abordar as questes relacionadas
s reaes adversas ocorreram na dcada de setenta. Durante as dcadas de 80 e 90, a
conscincia sobre Farmacovigilncia comeou a ser formada nas escolas de sade,
grupos de defesa do consumidor, centros de informaes sobre medicamentos e
associaes de sade do profissional. Em abril de 1995 foi foi nomeada uma comisso
de tcnicos com a finalidade de propor um Sistema Nacional de Farmacovigilncia,com
um centro coordenador ligado a ento Secretaria de Vigilncia Sanitria, Ministrio da
Sade e centros regionais. Nesta comisso foi decidida a realizao de uma fase piloto
da implantao do Sistema de Notificao Voluntria de Reaes Adversas a
Medicamentos, que, a partir de 1997, deveria estar aberto participao de todos os
profissionais da rea da sade que exercem suas atividades em diferentes nveis do
sistema assistencial, bem como na iniciativa privada (ARRAIS, 1996). O projeto no foi
adiante e durante a dcada de 90, ocorreram iniciativas pioneiras em alguns estados
como Cear, Paran, So Paulo, Mato Grosso do Sul, entre outros.
Nesse perodo, destaca-se o Sistema Estadual de Farmacovigilncia do Cear,
criado em novembro de 1996, a partir de um convnio realizado entre a Universidade
29
Federal do Cear e a Secretaria de Estado da Sade do Cear, tendo com rgo executor
o Grupo de Preveno ao Uso Indevido de Medicamentos (COELHO et al, 1999), este
centro permanece em atividade at os dias atuais. Em 1999, foi criada a Anvisa (DIAS,
2002) e com ela, o Sistema Nacional de Farmacovigilncia.
1.3Hemovigilncia
1.3.1Conceitos
A prtica da transfuso de sangue uma cincia que cresce rapidamente,
modifica-se continuamente e que apresenta uma grande perspectiva de
desenvolvimento. O fracionamento do sangue total traz como vantagens o uso
otimizado em relao ao aproveitamento e eficcia, aumento do tempo de validade de
todos os componentes sangneos, alm de diminuir, consideravelmente, o risco de
reao transfusional. Contudo, essas vantagens somente so obtidas quando h a real
necessidade da transfuso e prescrio adequada com a indicao clnica. A realizao
desse procedimento de forma no criteriosa expe o receptor a srias complicaes
como a aquisio de doenas transmissveis, reaes transfusionais (hemolticas ou no)
que podem ser graves, sensibilizao imunolgica, falha teraputica, aumento no custo
do tratamento e ansiedade gerada no paciente e nos familiares envolvidos. Acrescenta-
se, ainda, o desperdcio de um material nobre, devido ao generoso ato da doao e ao
elevado custo na adequao do mesmo para fins teraputicos (RAZOUK; REICHE,
2004).
A hemovigilncia pode ser definida como um conjunto de procedimentos de
verificao da cadeia transfusional, que objetiva colher e processar informaes dos
30
efeitos colaterais ou inesperados resultantes da transfuso de hemocomponentes. Visa
tomada de providncias que possibilitem prevenir a ocorrncia e/ou a recorrncia desses
efeitos e pode-se consider-la como um sistema de controle final a qualidade e
segurana transfusional (PROIETTI; CIOFFI, 2008).
A hemovigilncia est inserida nas aes de Vigilncia em Sade desenvolvidas
no Brasil e representa uma das reas estratgicas de atuao da ANVISA e do
Ministrio da Sade. A incorporao das aes de hemovigilncia no Sistema nico de
Sade (SUS) traduz-se como um processo importante dentro da qualificao da
medicina transfusional. Dessa forma, o objetivo maior da hemovigilncia o
direcionamento de aes que ampliem e aprimorem a segurana nas transfuses
sanguneas, com particular nfase nos incidentes transfusionais (ANVISA, 2007).
Desde 2000, o Brasil tem discutido o processo de hemovigilncia e, a partir de
2003, a legislao brasileira tornou obrigatria a notificao das soroconverses de
doadores e tambm a ocorrncia de erros ocorridos nos procedimentos de classificao
de pacientes e doadores, bem como nos testes de compatibilidade e nas transfuses em
si (trocas de sangue, por exemplo). At o momento, as notificaes so mnimas, com
pequena gerao de conhecimento nacional sobre o assunto. Parece existir um receio,
por parte dos servios e profissionais, de que a notificao possa denegrir a boa imagem
dos servios de hemoterapia e hospitais existentes no pas (PROIETTI; CIOFFI, 2008).
O conhecimento das variveis que podem levar aos efeitos indesejveis da
transfuso e o seu controle permitem gerenciamento de risco, com minimizao dos
eventos adversos. A qualidade do servio deve ser medida pelo monitoramento de seu
processo e aes preventivas e corretivas tomadas para evitar a ocorrncia ou
31
reincidncia desses eventos. Dentro dessa concepo, as notificaes passam a ser
instrumento indispensvel para que o pas estabelea os riscos existentes no ato
transfusional e que, com o conhecimento adquirido, possa definir aes para minimizar
esses riscos (SEKINE et al, 2008; CALLERA et al, 2004; PROIETTI; CIOFFI, 2008).
1.3.2Incidentestransfusionais
De acordo com o Manual Tcnico de Hemovigilncia publicado pela ANVISA
em 2007 incidentes transfusionais so definidos como agravos ocorridos durante ou
aps a transfuso sangnea e a ela relacionados. Podem ser complicaes relacionadas
com a contaminao bacteriana, reaes hemolticas agudas especialmente aquelas
ocasionadas por incompatibilidade do sistema ABO , edema pulmonar por excesso de
volume, etc.
Considera-se incidente transfusional imediato aquele que ocorre durante a
transfuso ou em at 24 horas aps. E incidente transfusional tardio aquele que ocorre
aps 24 horas da transfuso realizada (CALLERA et al, 2004; ANVISA, 2007). No
quadro 1 esto descritos os incidentes transfusionais notificveis.
32
Quadro 1 Incidentes transfusionais notificveis.
Fonte: Manual tcnico de hemovigilncia - investigao das reaes transfusionais imediatas e tardias no infecciosas. Braslia, 2007
1.3.3Investigaodosincidentestransfusionais
A sistematizao de um processo de investigao complexo devido
diversidade das etiologias das reaes transfusionais, porm, a partir de sinais e
sintomas chaves, possvel diagnosticar corretamente a reaes transfusionais e eleger a
teraputica adequada. Como proteo ao receptor, todo o procedimento transfusional
deve ser monitorado objetivando detectar queixas, sinais e sintomas que podem
evidenciar reaes transfusionais. A avaliao fsica importante porque muitas
complicaes tm sinais e sintomas semelhantes como: desconforto respiratrio,
taquicardia, tremores, calafrios, febre, sudorese, cianose, prurido, eritema, hematria,
urticria, hipertenso, hipotenso e/ou dores, entre outros (CALLERA et al, 2004;
ANVISA, 2007).
Na suspeita de uma reao transfusional o paciente deve ser atendido
prontamente e medidas devem ser implementadas visando diminuir o risco de
IMEDIATOS (AT 24h) TARDIOS (APS 24h)
Reao hemoltica aguda Reao hemoltica tardia
Reao febril no hemoltica Hepatite B
Reao alrgica leve Hepatite C
Reao alrgica moderada HIV/ AIDS
Reao alrgica grave Doena de Chagas
Sobrecarga volmica Sfilis
Contaminao bacteriana Malria
Edema pulmonar no cardiognico HTLV I/II
Reao hipotensiva Doena do enxerto conta o hospedeiro
Hemlise no imune Aparecimento de anticorpos irregulares
33
complicaes. Materiais para emergncia com suporte ventilatrio devem estar
disponveis e em perfeito funcionamento para atender complicaes mais graves.
Algumas condutas devem ser prontamente iniciadas para o atendimento das
reaes transfusionais imediatas, tais como:
1. Interromper a transfuso;
2. Manter acesso venoso com soluo fisiolgica 0,9%;
3. Verificar, a beira de leito, se o hemocomponente foi corretamente
administrado ao paciente destinado;
4. Verificar sinais vitais;
5. Comunicar o ocorrido ao mdico do paciente;
6. Notificar a reao ao servio de hemoterapia por meio de impresso prprio;
7. Enviar as amostras do receptor, quando indicado, o hemocomponente e seu
equipo para o servio de hemoterapia;
8. Quando indicado, enviar amostras de sangue e/ou urina do receptor ao
laboratrio;
9. Registrar em pronturio.
No caso das reaes tardias, queixas como de febre, alterao na colorao da
pele (ictercia) e na urina, petquias, pele escura, distrbios no trato gastrointestinal
devem ser investigadas.
Para esses casos importante:
34
1. Notificar ao mdico sobre sinais e sintomas observados;
2. Coletar amostras do receptor para exames, conforme orientao mdica;
3. Orientar o paciente sobre a suspeita da reao;
4. Notificar a reao ao servio de hemoterapia por meio de impresso prprio;
5. Registrar em pronturio.
Quatro etapas so identificadas para o diagnstico das reaes transfusionais:
1. Identificao dos sinais e sintomas diferenciais;
2. A escolha adequada dos exames laboratoriais;
3. A realizao de pergunta decisria para direcionar a caracterizao da reao;
4. A caracterizao da reao propriamente dita.
1.3.4Monitoramentodoatotransfusional
Ao iniciar a infuso certificar-se de que o acesso venoso satisfatrio, controlar
o fluxo de infuso aps verificar as condies clnicas de cada paciente observando
possveis riscos de sobrecarga de volume (infuses rpidas). A equipe de sade deve
observar atentamente o transcurso da infuso, sinais e sintomas sugestivos reao
transfusional, tais como: ansiedade, desconforto respiratrio, inquietao, calafrios,
prurido, tosse freqente, dor intensa, principalmente em regio lombar, torcica e
membros superiores (ANVISA, 2007).
Normalmente, perdas de acesso venoso, bloqueios ou lentido do fluxo
sanguneo interferem no tempo programado para a transfuso. Assim, a equipe de sade
35
e, principalmente os profissionais de enfermagem, devem estar atentos, observando
periodicamente a venopuno, tendo em mente que o tempo aumentado de exposio da
bolsa um fator de risco para o crescimento bacteriano. Caso no termine no tempo
mximo em 4 horas a bolsa deve ser suspensa e descartada de acordo com as normas de
biossegurana e o mdico do paciente deve ser comunicado, estes cuidados so ainda
mais importantes quando os pacientes esto gravemente enfermos e no conseguem
relatar as prprias queixas, como os pacientes das UTI que so responsveis por grande
parte das transfuses nos hospitais brasileiros (LOBO et al, 2006; ANVISA, 2007;
VOLPATO et al, 2009).
Ao trmino da transfuso o paciente deve ter os sinais vitais aferidos (presso
arterial, pulso, freqncia respiratria e temperatura) e comparados com os parmetros
anteriores, caso ocorra alguma alterao comunicar ao mdico responsvel.
Recomenda-se que o paciente seja monitorado pelo menos em at 01 hora aps o
trmino da transfuso. O material utilizado deve ser descartado de acordo com as
normas de biossegurana e o plano de gerenciamento de resduos de sade. Ao trmino
da transfuso anotar o horrio, guardar a etiqueta/carto de identificao, datar e assinar
(ANVISA, 2007).
A rotina para a equipe de sade na transfuso de sangue e hemocomponentes
est representada na Figura 1.
36
Fonte: Manual tcnico de hemovigilncia - investigao das reaes transfusionais imediatas e tardias no infecciosas. Braslia, 2007
Figura 1 Fluxograma para a equipe de sade na transfuso de sangue e hemocomponentes.
37
1.4Tecnovigilncia
Com a contnua incorporao de tecnologias na sade, o gerenciamento de risco
hospitalar deve ser implantado para sistematizar o monitoramento de eventos adversos,
executando aes para o controle e eliminao de seus danos. Como parte dessas aes,
a tecnovigilncia atua nos procedimentos para aquisio, utilizao e controle da
qualidade de produtos e equipamentos na sade. O propsito do gerenciamento de risco
consiste em identificar a provvel origem dos eventos adversos, avaliar os danos
causados e tomar as decises apropriadas concernentes a esses problemas
(KUWABARA et al, 2010; FLORENCE; CALIL, 2005).
A qualidade requisito fundamental, que propicia a segurana necessria para os
resultados requeridos. Implantar metodologia de avaliao de um produto mdico-
hospitalar na fase pr-aquisio importante e se torna premente, considerando que
eventos adversos podem ocorrer mesmo em situaes usuais com produtos de boa
qualidade (KUWABARA et al, 2010).
A ANVISA publicou em 2003 a Cartilha de Notificaes em Tecnovigilncia,
onde define evento adverso como eventos que produzem, ou potencialmente podem
produzir, resultados inesperados ou indesejados que afetem a segurana de pacientes,
usurios ou outros. Informa que produtos para sade podem ser um fator causador da
morte ou doena/ leso sria do paciente, que inclui eventos que ocorrerem do resultado
de:
Falha do produto;
Defeito de fabricao;
Mau funcionamento;
38
Rotulagem, instrues de uso e embalagem imprpria ou inadequada;
Desenvolvimento imprprio/ inadequado de projeto;
Erro do usurio quando da utilizao dos produtos para sade.
A Cartilha esclarece que para notificar no necessrio ter a certeza da relao
de causa e efeito entre o evento adverso ocorrido e o uso do produto em questo. A
suspeita dessa associao razo suficiente para uma notificao. O envio de uma
notificao no implica que o profissional da sade ou o produto tenha necessariamente
contribudo para a ocorrncia do evento (ANVISA, 2003).
39
Ocorrncia de eventos adversos(NOTIFICAO)
Investigao preliminar
Levantamento de dados
Identificao do produtoNome do produto e modeloSrie/ loteReg. MS/ ANVISAFabricanteFornecedor, distribuidor, representante
Fato ocorridoQuantas vezes ocorreu?Quem detectou?Quando ocorreu?Porque ocorreu?Onde ocorreu?O que ocorreu?Quais as providncias tomadas?Houve consequncias?Levou agravo sade?Poderia levar agravo sade?
Investigao concluda?
Correo no processo
hospitalar?
Problemas de processo?
Informaes satisfatrias?
Tecnovigilncia
Gerncia de riscos
Verificar informaes
Identificao do produtoFato ocorrido
Anlise de coerncia e consistncia da notificao
pelo gerente de risco
No
Sim
Sim
No
No
Sim
Fonte: Cartilha de Notificaes em Tecnovigilncia (ANVISA, 2003).
Figura 2 Fluxograma para notificao de eventos adversos em tecnovigilncia.
40
1.5AcreditaoHospitalar
A organizao hospitalar considerada um sistema complexo, onde as estruturas
e os processos so de tal forma interligados, que o funcionamento de um componente
interfere em todo o conjunto e no resultado final, sendo assim, neste processo, no se
avalia um setor ou departamento isoladamente.
O Processo de Acreditao um mtodo de consenso, racionalizao e
ordenao das Organizaes Prestadoras de Servios Hospitalares e, principalmente de
educao permanente dos seus profissionais. A misso essencial das instituies
hospitalares atender a seus pacientes da forma mais adequada. Por isso, todo hospital
deve preocupar-se com a melhoria permanente da qualidade de sua gesto e assistncia,
buscando uma integrao harmnica das reas mdica, tecnolgica, administrativa,
econmica, assistencial e, se for o caso, de docncia e pesquisa. O incremento de
eficincia e eficcia nos processos de gesto necessrio para assegurar uma assistncia
melhor e mais humanizada sade dos seres humanos que procuram os hospitais
necessitados de cuidados e apoio (MINISTRIO DA SADE, 2002).
O Ministrio da Sade tem desenvolvido grandes esforos para incentivar o
aprimoramento da assistncia hospitalar populao e a melhoria na gesto das
instituies hospitalares. Com esse objetivo, tem implementado programas como o de
Centros Colaboradores para a Qualidade da Gesto e Assistncia Hospitalar, o de
Humanizao da Assistncia, o de Modernizao Gerencial dos Grandes
Estabelecimentos e o de Acreditao Hospitalar. Tem realizado tambm significativos
investimentos no reequipamento e na reforma de inmeros hospitais em todo o Pas
(MINISTRIO DA SADE, 2002).
41
O Programa de Acreditao Hospitalar parte importante desse esforo para
melhorar a qualidade da assistncia prestada pelos hospitais brasileiros. Desde 1997, o
Ministrio da Sade vem persistentemente investindo em palestras de sensibilizao, na
criao e consensualizao de padres e nveis de qualidade, e na sistematizao de
mecanismos que garantam a credibilidade de todo o processo de maneira sustentvel
(FELDMAN et al, 2004).
O desenvolvimento do Programa de Acreditao Hospitalar uma necessidade
em termos de eficincia e uma obrigao do ponto de vista tico. O Ministrio da Sade
e a Organizao Nacional de Acreditao (ONA), reconhecida formalmente como
entidade competente para o desenvolvimento do processo de acreditao hospitalar,
tiveram suas relaes reguladas por convnio, definindo-se suas obrigaes e direitos. O
Ministrio da Sade e a ONA tornaram-se, assim, parceiros em todas as fases do
processo, desde a habilitao de empresas acreditadoras at a certificao dos hospitais.
Ao optar por este formato, o Ministrio da Sade utiliza a competncia acumulada por
empresas privadas, sem eximir-se da regulao de todo o processo. A acreditao
hospitalar organizada em nveis, onde o nvel 1 (acreditado) relacionado a segurana
e estrutura, o nvel 2 (acreditado pleno) relaciona-se organizao e o nvel 3
(acreditado com excelncia) est envolvido com as prticas de gesto de qualidade em
geral, desenvolvendo aes de mrito exemplar (MINISTRIO DA SADE, 2002).
O modelo de manual da ONA utiliza estes trs nveis de padres de avaliao
que vai do mais simples ao mais complexo, incluindo a descrio de critrios que
devem ser cumpridos integralmente por todos os servios e departamentos, para que
seja aceita a conformidade institucional. Os critrios so avaliados e ou verificados
durante a visita dos avaliadores in loco. O grupo normalmente formado por
42
enfermeiro, mdico e administrador que, depois, elaboram o parecer avaliativo.
Considera-se que o nvel de qualidade e o nvel de satisfao so influenciados pela
qualidade tcnico-cientfica dos profissionais, tipo de atendimento, acesso e organizao
dos servios, ratificando o conceito de qualidade baseia-se no equilbrio da trade
estrutura, processo e resultado de um sistema. A atribuio de pesos especficos
medindo a influncia de cada um desses aspectos nos resultados finais da assistncia
permanece tarefa no resolvida ainda, no sistema de sade brasileiro (FELDMAN;
CUNHA, 2006).
1.6AcreditaoHospitalarnoHGWA
O Hospital Geral Dr. Waldemar Alcntara (HGWA) um estabelecimento
assistencial pblico gerido pelo Instituto de Sade e Gesto Hospitalar (ISGH) sob
modelo de gesto de Organizao Social (OS), atendendo exclusivamente a clientela do
SUS e custeado unicamente com recursos pblicos.
O HGWA surgiu em dezembro de 2002, fruto de um processo da Secretaria de
Sade do Estado do Cear, com a misso de prestar servios de sade com qualidade,
em nvel secundrio, aos usurios do SUS referenciados pela Central de Regulao de
Leitos do Estado do Cear e do Municpio de Fortaleza. O Hospital tem a viso de
futuro de consolidar no Cear um modelo de gesto hospitalar inovador e pioneiro,
tornando-se um referencial de excelncia na prestao de servios de sade no Brasil.
A primeira avaliao diagnstica da Acreditao Hospitalar ocorreu em
novembro de 2005 e no ms seguinte o HGWA era um hospital Acreditado (nvel 1).
43
Em setembro de 2006 passou a ser Acreditado Pleno (nvel 2), este nvel foi mantido
nas visitas subseqentes nos anos de 2007 a 2010.
Considerado como o primeiro hospital pblico Acreditado Pleno da regio
norte e nordeste, o HGWA foi o Hospital que apresentou o menor tempo entre
diagnstico e recebimento da certificao de Acreditado (2005) e Acreditado Pleno
(2006), alm de ser o primeiro hospital do Cear com Acreditao Plena (Nvel 2)
entre as instituies hospitalares pblicas e privadas.
1.7GerenciamentodosriscosnoHGWA
O HGWA conta com uma estrutura para o gerenciamento de risco, tendo uma
equipe formada por enfermeiras e farmacuticas responsveis pela notificao,
acompanhamento, investigao e classificao dos diversos eventos adversos, onde
alm da frmacovigilncia, hemo e tecnovigilncia atuam nos demais riscos hospitalares
como acompanhamento de flebites, notificaes de quedas, erros de medicao
(dispensao e administrao).
Na visita de manuteno realizada em 2009 pela Instituio Acreditadora
(Instituto Qualisa de Gesto) foram apontadas como oportunidades de melhoria na rea
do Gerenciamento de Riscos:
Reforar a poltica de gerenciamento de riscos, com foco nos protocolos
preventivos;
Reforar o monitoramento e anlise das no conformidades, eventos sentinela e
eventos adversos, evidenciando tambm aes corretivas e preventivas;
44
Reforar o treinamento dos profissionais para instalao e o registro do
monitoramento das transfuses, bem como reconhecimento e notificao de
eventos adversos;
Reforar a implantao, acompanhamento e definio de indicadores nos
processos de Ateno Farmacutica: Orientao de Interaes Medicamentosas,
Sistema de Farmacovigilncia (Reaes adversas);
Definir metodologia que assegure o histrico da instituio contemplando
anlise crtica dos indicadores.
A partir das oportunidades de melhoria apontadas foram traadas estratgias de
construo de um gerenciamento de risco mais completo, onde cada orientao
apontada foi cuidadosamente seguida, ento em 2010 foi iniciado o monitoramento dos
eventos adversos em hemoterapia, que at ento era realizado por uma empresa
prestadora de servio. Assim, apenas em 2010 foi completado o quadro de
acompanhamento envolvendo a frmacovigilncia, tecnovigilncia e hemovigilncia.
1.8Justificativa
O gerenciamento dos riscos hospitalares fundamental para prestao de um
atendimento de qualidade. A maturidade dos profissionais para trabalhar com os erros e
os eventos adversos, alm do apoio do sistema gestor para encarar os riscos como
indicadores de oportunidade de melhoria s traz benefcios para os usurios da
instituio.
O HGWA trabalha com a abordagem sistmica dos riscos e usa estes indicadores
para melhoria da assistncia prestada. Assim abordar este tema foi uma forma de
45
mostrar a importncia do gerenciamento de riscos e que possvel ter um servio de
qualidade em uma instituio pblica no nordeste do Brasil. Outro importante fato
tratar-se de um hospital acreditado nvel 2 e o gerenciamento de risco vem evoluindo ao
longo tempo, realizando mudanas que foram decorrentes das sinalizaes das
auditorias para acreditao hospitalar.
A escolha da abordagem do ano de 2010 para desenvolvimento da presente
pesquisa se deveu, principalmente, pelo fato da hemovigilncia ter comeado apenas a
partir deste ano, pois nos anos anteriores todos os registros relacionados aos
hemocomponentes ficavam com um servio terceirizado de hemotransfuso, no
existindo estes dados no HGWA e, portanto, no sendo possvel estabelecer dados
comparativos na instituio nem to pouco uma evoluo histrica dos dados da
hemovigilncia.
46
2.OBJETIVOS
2.1Geral
Estudar os eventos adversos que acometeram os pacientes internados e que se
relacionaram a medicamentos e produtos para sade, em um hospital pblico secundrio
acreditado pela ONA, no ano de 2010, contextualizando a abordagem no gerenciamento
de risco hospitalar.
2.2Especficos
Delinear o perfil dos pacientes que foram acometidos por eventos
adversos na instituio do estudo;
Descrever as reaes adversas notificadas na populao estudada,
analisando-as e identificando o principal grupo medicamentoso causador
das reaes adversas, perfazendo a investigao no contexto da
farmacovigilncia;
Traar o perfil das reaes de hemocomponentes (hemovigilncia)
registradas na instituio hospitalar durante o perodo do estudo;
Analisar os registros de notificao de queixas tcnicas de materiais,
medicamentos e equipamentos (tecnovigilncia).
47
3.MTODOS
3.1Tipodepesquisa
O estudo foi do tipo observacional, descritivo, retrospectivo e de base
documental, onde foram estudados os riscos que acometeram os pacientes internados no
Hospital Geral Dr Waldemar Alcntara (HGWA) no perodo de janeiro a dezembro de
2010, perfazendo, sempre que possvel, uma anlise cronolgica, de forma a
proporcionar uma anlise contextual descritiva e comparativa.
3.2Localdapesquisa
A pesquisa foi realizada no HGWA que classificado como hospital de nvel
secundrio dentro da rede pblica de sade, e foi o primeiro hospital pblico do norte e
nordeste a receber o ttulo de acreditao hospitalar nvel 2 pela Organizao Nacional
de Acreditao (ONA). Constitui-se num hospital de apoio para a rede terciria de
assistncia do Estado do Cear, atendendo exclusivamente a clientela do Sistema nico
de Sade (SUS), oferece populao do Cear 301 leitos, distribudos nas clnicas
mdicas, cirrgica, peditrica, Unidade de Cuidados Especiais, UTI adulto, UTI
neonatal, UTI peditrica e berrio mdio risco. Desenvolve ainda assistncia
ambulatorial e domiciliar, como tambm programas especiais e personalizados, com
equipes multidisciplinares para pacientes portadores de enfermidades crnicas (p
diabtico e Acidente Vascular Cerebral).
48
3.3Coletadedados
O estudo de base documental desenvolveu a coleta dos dados a partir das fichas
de notificao de farmacovigilncia, hemovigilncia e tecnovigilncia (anexos 1, 2 e 3)
pertencentes ao setor de gerncia de riscos da instituio hospitalar em estudo. Para as
notificaes incompletas, quando necessrio, foram coletados dados a partir dos
pronturios dos pacientes que apresentaram o risco estudado. Para descrio dos
indicadores foram utilizados os relatrios da gerncia de riscos. Para os dados da
tecnovigilncia foi estabelecido o estudo de uma anlise cronolgica e registros
fotogrficos foram feitos para pronta identificao e anlise.
3.4Variveisestudadas
O Quadro 2 apresenta a classificao das variveis que foram estudadas e
armazenadas em trs bancos de dados diferentes, sendo segmentados em
farmacovigilncia, hemovigilncia e tecnovigilncia.
49
Quadro 2- Classificao das variveis estudadas.
N NOME CLASSIFICAOVARIVEISDAFARMACOVIGILNCIA
1 REAOADVERSASUSPEITA CATEGRICA NOMINAL2 SETORNOTIFICADOR CATEGRICA NOMINAL3 PRONTURIO CATEGRICA NOMINAL4 SEXO CATEGRICA NOMINAL5 IDADE QUANTITATIVA CONTNUA6 NMERODEMEDICAMENTOSEMUSO QUANTITATIVA DISCRETA7 ANTECEDENTESALRGICOS CATEGRICA NOMINAL8 USODEANTIMICROBIANOS CATEGRICA NOMINAL9 TRATAMENTODAREAO CATEGRICA NOMINAL10 CASUALIDADEDAREAOADVERSA CATEGRICA NOMINAL11 GRAVIDADEDAREAOADVERSA CATEGRICA NOMINAL12 CLASSIFICAOWHOARTDAREAO CATEGRICA NOMINAL13 MEDICAMENTOSSUSPEITOS CATEGRICA NOMINAL14 CLASSIFICAOATCDOSMEDICAMENTOS CATEGRICA NOMINAL
VARIVEISDAHEMOVIGILNCIA1 REAOADVERSASUSPEITA CATEGRICA NOMINAL2 SETORNOTIFICADOR CATEGRICA NOMINAL3 PRONTURIO CATEGRICA NOMINAL4 SEXO CATEGRICA NOMINAL5 IDADE QUANTITATIVA CONTNUA6 HEMOCOMPONENTEENVOLVIDO CATEGRICA NOMINAL7 TEMPODEREAO(IMEDIATA/TARDIA) CATEGRICA NOMINAL8 MANIFESTAOCLNICA CATEGRICA NOMINAL9 INDICAODATRANSFUSO CATEGRICA NOMINAL10 DIAGNSTICODOPACIENTE CATEGRICA NOMINAL
VARIVEISDATECNOVIGILNCIA1 PRODUTOENVOLVIDO CATEGRICA NOMINAL2 MATERIALOUMEDICAMENTO CATEGRICA NOMINAL3 RESOLUODOPROBLEMA CATEGRICA NOMINAL4 SETORNOTIFICADOR CATEGRICA NOMINAL5 RISCOAOPACIENTE CATEGRICA NOMINAL6 PROBLEMAAPRESENTADO CATEGRICA NOMINAL
50
3.5 Procedimento metodolgico dos registros e anlise de
reaesadversasamedicamentosnainstituiohospitalar
O procedimento metodolgico adotado no HGWA a partir da notificao
espontnea ou busca ativa de reaes adversas a medicamentos (RAM) nas unidades
clnicas procede com as suspeitas de casos de reaes adversas seguindo as seguintes
fases:
1) Recebimento ou coleta das notificaes: As notificaes recebidas ou
coletadas so examinadas para verificao da necessidade de informaes adicionais
para complementao e controle de qualidade dos dados apresentados como
preenchimento completo dos campos da ficha, acompanhamento dos medicamentos
utilizados e evoluo da suspeita de reao adversa. Para fichas incompletas o
farmacutico da unidade clnica vai at o pronturio coletar as informaes necessrias,
em alguns casos entrevista diretamente o paciente para acompanhamento mais
detalhado dos dados da reao adversa. Todos os pacientes que apresentam reao
adversa entram em seguimento farmacoteraputico para acompanhamento da evoluo
da reao, este acompanhamento acaba nas seguintes situaes: paciente recuperado da
RAM, alta hospitalar, transferncia de hospital ou bito;
2) Estudo do caso suspeito de RAM atravs do levantamento bibliogrfico: A
anlise sistemtica do caso de reao adversa realizada atravs do acompanhamento
do(s) medicamento(s) suspeito(s) e outros medicamentos de uso concomitante e a
prpria doena de base diagnosticada, do paciente em questo, tendo para isso os
seguintes meios: reviso bibliogrfica em livros-texto, busca de informao em banco
de dados e em artigos cientficos;
51
3) Anlise da relao de causalidade: As avaliaes de causalidade ou
imputabilidade so realizadas, de acordo com a metodologia recomendada pelo Centro
Internacional de Monitorizao de Medicamentos da OMS (2002), com observao dos
seguintes fatores:
a) verificao da compatibilidade de tempo entre o aparecimento da reao e o
uso do medicamento;
b) compatibilidade entre a natureza do evento e a farmacologia do medicamento
(natureza e freqncia da RAM);
c) plausabilidade mdica ou farmacolgica como sinais e sintomas;
d) exames laboratoriais, anatomia patolgica, mecanismo de ao,
farmacocintica.
Tambm podem ser levantadas outras causas para o evento observado. De
acordo com essa anlise, a reao classificada como: definida, provvel, possvel,
condicional ou no relacionada;
- Definida: Uma reao que segue uma razovel seqncia cronolgica, a partir da
administrao do medicamento ou da obteno de nveis sricos ou tissulares; que segue
uma resposta padro conhecida para o medicamento suspeito; e que confirmada pela
melhora ao se suspender o medicamento e pelo reaparecimento da reao ao se repetir a
exposio.
- Provvel: Uma reao que segue uma razovel sequncia cronolgica, a partir da
administrao do medicamento ou da obteno de nveis sricos ou tissulares; que segue
52
uma resposta padro conhecida para o medicamento suspeito; e que no pode ser
razoavelmente explicada pelas caractersticas conhecidas do estado clnico do paciente.
- Possvel: Uma reao que segue uma razovel sequncia cronolgica, a partir da
administrao do medicamento ou da obteno de nveis sricos ou tissulares; que segue
uma resposta padro conhecida para o medicamento suspeito; mas que pode ter sido
produzida pelo estado clnico do paciente ou outras teraputicas concomitantes.
- Condicional: Uma reao que segue uma razovel sequncia cronolgica, a partir da
administrao do medicamento ou da obteno de nveis sricos ou tissulares; que no
segue uma resposta padro conhecida para o medicamento suspeito; mas que no pode
ser razoavelmente explicada pelas caractersticas conhecidas.
- No relacionada: Qualquer reao que no segue os critrios acima.
53
Quadro 3 - Escala de probabilidades de RAM segundo Naranjo et al (1981).
Critrios para a definio da relao causal Sim No No sabe Existem relatos conclusivos sobre esta reao? +1 0 0 O evento clnico apareceu aps a administrao da droga suspeita?
+2 -1 0
A reao desapareceu quando a droga suspeita foi descontinuada ou quando um antagonista especfico foi administrado?
+1 0 0
A reao reapareceu quando a droga readministrada? +2 -1 0 Existem causas alternativas(outras que no a droga) que poderiam ser causadoras da reao?
-1 +2 0
A reao reaparece quando um placebo administrado?
-1 +1 0
A droga foi detectada no sangue ou em outros fluidos biolgicos em concentraes sabidamente txicas?
+1 0 0
A reao aumenta de intensidade com o aumento da dose ou torna-se menos severa com a reduo da dose?
+1 0 0
O paciente tem histria de reao semelhante para a mesma droga ou outra similar em alguma exposio
+1 0 0
A reao adversa foi confirmada por qualquer evidncia objetiva?
+1 0 0
Quadro 4 - Faixa de valores obtidos a partir da aplicao dos critrios para definio da relao causal de Naranjo e colaboradores.
Somatrio Categoria Maior ou igual a 9 Definida Entre 5 e 8 Provvel Entre 1 e 4 Possvel Menor ou igual a 0 No relacionada
4) Anlise da gravidade: Na anlise da gravidade das reaes adversas,
utilizada a classificao adaptada a partir de Capell et al (1998). De acordo com essa
anlise, a reao classificada como: leve, moderada, grave ou fatal. Esta anlise feita
com base no algoritmo onde so questionados o uso de medicamentos para o tratamento
da reao, a suspenso do uso do medicamento suspeito, o risco de vida que a RAM
54
possivelmente ocasionou ao paciente, danos agudos ou permanentes, prolongamento da
internao, comprometimento do tratamento;
Quadro 5 Classificao e descrio das reaes adversas a medicamentos (WHO, 2002).
Classificao Descrio Leve Reao de pequena importncia clnica e de curta durao, no
requerendo tratamento ou suspenso do medicamento. Moderada Reao que altera as atividades usuais do paciente, podendo resultar em
incapacidade transitria sem sequelas. Necessita de interveno. Grave Reao que ameaa diretamente a vida do paciente e pode causar
sequelas permanentes. Fatal Reao que resulta em bito.
5) Codificao do (s) medicamento (s) suspeito (s) e da RAM: Para facilitar o
intercmbio de dados acerca de reaes adversas a medicamentos foram institudos
cdigos internacionais para o medicamento envolvido e a reao adversa detectada.
Essa terminologia padro foi desenvolvida dentro do WHO Programme, sendo
conhecida como Anatomical Therapeutical Chemical Classification (ATC) codificando
o medicamento em questo, publicada como WHO-ATC e o Adverse Reaction
Terminology (ART) quando relacionado com reao adversa, publicada como WHO-
ART (WHO, 1995).
6) Apresentao do caso para consenso de classificao: Uma vez por semana
realizada uma reunio onde todos os casos concludos de RAM so apresentados a uma
equipe de farmacuticos clnicos, onde todos os dados so analisados e a classificao
feita a partir do consenso da equipe de acordo com os critrios relacionados. Neste
momento so avaliados se os dados do seguimento esto completos e partir da
possvel finalizar a classificao.
55
3.6Critriosdeincluso
Foram includas no estudo:
a) Todas as fichas de notificao de reao adversa a medicamento de pacientes
hospitalizados no HGWA em 2010 notificadas por busca ativa ou notificao
espontnea.
b) Todas as fichas de notificao de reao adversa a hemocomponentes de
pacientes hospitalizados no HGWA em 2010 notificadas por busca ativa ou
notificao espontnea.
c) Todas as queixas tcnicas ou desvio de qualidade de medicamentos,
materiais ou equipamentos notificadas no HGWA no ano do estudo.
3.7Critriosdeexcluso
Foram estabelecidos como critrios de excluso as fichas incompletas que no
possuam o nmero do pronturio do paciente, ou seja, que incapacitavam a pesquisa
dos dados. Tambm foram excludas as notificaes que no tiveram o estudo concludo
e que no entraram no banco de dados da Gerncia de Riscos do HGWA no ano de
2010. Foram considerados estudos concludos apenas os que apresentaram classificao
e acompanhamento do desfecho da reao at o trmino do ano de 2010. Porm,
nenhuma notificao se enquadrou nos critrios de excluso e todos os dados de 2010
foram aproveitados.
56
3.8Anliseestatsticadosdados
Os dados foram alimentados e analisados no Programa Epi Info, verso 3.5.3,
atualizada em janeiro de 2011, sendo os indicadores e variveis organizados em forma
de tabelas e grficos, em valores absolutos e percentuais. Conforme o tipo de pesquisa
desenvolvida, a anlise foi completamente descritiva com clculo das mdias e desvio
padro.
3.9Riscosebenefcios
Por se tratar de um estudo completamente descritivo e retrospectivo, o trabalho
no gera riscos aos pacientes e nem aos profissionais possivelmente envolvidos. Como
benefcio pode trazer a melhoria da qualidade do servio prestado a partir dos dados
obtidos no estudo.
3.10Aspectosticos
O projeto foi submetido ao Comit de tica em Pesquisa da Universidade
Federal do Cear, sendo aprovado com nmero de protocolo 007/11. A pesquisa no
possui conflitos de interesses e visa melhoria do servio prestado aos pacientes pela
instituio em questo. Todos os dados obtidos para pesquisa so sigilosos e h a
garantia do anonimato. No foi necessrio aplicar o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, pois o trabalho foi exclusivamente de base documental.
57
4.RESULTADOS
Em 2010 foram identificadas no HGWA 271 notificaes de eventos adversos
em 9255 pacientes internados, sendo 166 (61,3%) reaes adversas a medicamentos, 41
(15,1%) reaes a hemocomponentes e 64 (23,6%) queixas tcnicas. No foi possvel
precisar o nmero de pacientes acometidos pelos riscos encontrados, principalmente em
relao s queixas tcnicas, onde um produto ou equipamento pode gerar riscos a uma
enfermaria inteira ou mesmo a toda unidade clnica.
4.1Farmacovigilncia
De janeiro a dezembro de 2010 foram admitidos para internamento 9255
pacientes no HGWA, destes 166 (1,8%) apresentaram reao adversa a medicamento
(RAM), sendo uma suspeita para cada paciente, nenhum paciente teve mais de uma
notificao de suspeita de RAM em 2010. Foram 166 pacientes acometidos de 269
manifestaes clnicas, sendo 84 (50,6%) pacientes acometidos por apenas uma
manifestao e 82 (49,9%) acometidos por 2 ou mais manifestaes. A maioria das
notificaes foi por busca ativa (51,8%; n=86), enquanto 48,2% (n=80) foram por
notificao espontnea.
4.1.1Perfildospacientes
No houve diferena quanto ao sexo dos pacientes que apresentaram RAM,
sendo 50% (n=83) do sexo masculino e 50% (n=83) do sexo feminino. A idade mdia
dos pacientes foi de 31,7 anos ( 29,3 anos), variando de um ms a 94 anos, a maioria
dos pacientes pertenciam populao peditrica com idade de 0 a 10 anos (n=68;
58
41,0%), as outras faixas etrias foram: 11 a 30 anos (n=21; 12,7%), 31 a 60 anos (n=41;
24,7%), 61 a 94 anos (n=36; 21,7%).
Quanto aos antecedentes alrgicos 28 pacientes (16,9%) possuam relato
histrico de reao adversa a medicamentos, sendo citados 12 medicamentos diferentes
e 2 pacientes no souberam informar a qual medicamento apresentaram a reao prvia.
Os medicamentos citados foram: dipirona (n=10; 33,3%), penicilina (n=4; 13,3%),
fenoterol (n=3; 10,0%), metoclopramida (n=3; 10,0%), hioscina+dipirona (n=2; 6,7%),
paracetamol (n=2; 6,7%), amoxicilina (n=1; 3,3%), cido acetil saliclico (n=1; 3,3%),
diclofenaco (n=1; 3,3%), fitomenadiona (n=1; 3,3%), cloreto de potssio xarope (n=1;
3,3%) e tramadol (n=1; 3,3%).
Tabela 1 Perfil dos pacientes que apresentaram RAM no HGWA em 2010.
SEXO N %FEMININO 83 50MASCULINO 83 50TOTAL 166 100IDADE N %010 68 411130 21 12,73160 41 24,7>60 36 21,6TOTAL 166 100ANTECEDENTESALRGICOS N %SIM 28 16,9NO 138 83,1TOTAL 166 100Fonte: Fichas de notificao de RAM.
59
4.1.2Reaesadversasemedicamentosenvolvidos
Foram encontradas 269 manifestaes clnicas de reaes adversas em 166
notificaes de 166 pacientes. As frequncias das manifestaes clnicas encontram-se
na tabela 3.
Em 102 (61,4%) notificaes apenas um medicamento era suspeito de causar a
reao, enquanto 64 (38,6%) notificaes tinham mais de um medicamento envolvido
na suspeita de reao adversa (tabela 2). Os medicamentos envolvidos nas reaes
identificadas esto descritos na tabela 4.
Tabela 2 Nmero de medicamentos suspeitos de causar RAM no HGWA em 2010.
NDEMEDICAMENTOSENVOLVIDOSNARAM N %1 102 61,4>1 64 38,6
TOTAL 166 100Fonte: Fichas de notificao de RAM.
60
Tabela 3 - Manifestaes clnicas notificadas nas RAM de 2010 no HGWA.
MANIFESTAOCLNICA N % WHOART
RASHCUTNEO 61 22,7 01000028PRURIDO 31 11,5 01000024FEBRE 14 5,2 18100725NAUSEAS 14 5,2 06000308CALAFRIOS 11 4,1 18100731ERITEMA 11 4,1 01000028VOMITOS 10 3,7 04200228HIPEREMIA 8 3,0 04200225URTICRIA 7 2,6 01000044EDEMAFACIAL 6 2,2 18100602PESCOOVERMELHOSD 6 2,2 18100714CIANOSE 5 1,9 11000501MALESTAR 5 1,9 18100728TAQUICARDIA 5 1,9 04200224TREMORES 5 1,9 04100154AGITAO 4 1,5 05000163DISPNIA 4 1,5 11000514EDEMAPERIORBITRIO 4 1,5 18101009FALTADEAR 4 1,5 11005370EDEMA 3 1,1 18100398EDEMALABIAL 3 1,1 18101485EXANTEMA 3 1,1 01000028PETQUIAS 3 1,1 10400459RUBORFACIAL 3 1,1 04200207TOSSE 3 1,1 11000513CHOQUE 2 0,7 10100499CHOQUEANAFILTICO 2 0,7 18100713CONVULSO 2 0,7 04100093ESCURECIMENTODEPELE 2 0,7 01000022REAOEXTRAPIRAMIDAL 2 0,7 05006001QUEIMAONOCORPO 2 0,7 04200207SONOLNCIA 2 0,7 05000197OUTROS* 22 8,2
TOTAL 269 100
*Manifestaes que apareceram uma vez: alucinao, anorexia, cefalia, choque pirognico, colite pseudomembranosa, desorientao, edema de lngua, hiperemia facial, hipotenso, insuficincia renal aguda, neutropenia, palidez, parestesia em membros superiores, pico hipertensivo, prurido em face, rubor, sabor amargo, sndrome de Stevens-Jonhson, sialorria, sudorese, suor frio e tontura.
61
Tabela 4 - Medicamentos envolvidos em suspeitas de RAM.
MEDICAMENTOSUSPEITO N % CDIGOATC
OXACILINA 26 10,0% J01CF04CIPROFLOXACINO 22 8,5% J01MA02VANCOMICINA 17 6,6% J01XA01ANFOTERICINAB 16 6,2% J02AA01MEGLUMINA 12 4,6% P01CB01DIPIRONA 12 4,6% N02BB02METRONIDAZOL 11 4,2% J01XD01TRAMADOL 10 3,9% N02AX02PIPERACILINA+TAZOBACTAM
9 3,5% J01CR05
CEFTRIAXONA 8 3,1% J01DD04CETOPROFENO 7 2,7% M01AE03POLIMIXINAB 6 2,3% J01XB02BROMOPRIDA 5 1,9% A03FA04CEFEPIME 5 1,9% J01DE01HIOSCINA 5 1,9% N02BB02TEICOPLANINA 5 1,9% J01XA02CLINDAMICINA 4 1,5% J01FF01FUROSEMIDA 4 1,5% C03CA01IMIPENEM+CLIASTATINA 4 1,5% J01DH51AAS 3 1,2% N02BA01ANLODIPINO 3 1,2% C08CA01CEFALOTINA 3 1,2% J01DB03CEFUROXIMA 3 1,2% J01DC02FENITONA 3 1,2% N03AB02FENOBARBITAL 3 1,2% N03AA02MOXIFLOXACINO 3 1,2% J01MA14PARACETAMOL 3 1,2% N02BE01PENICILINACRISTALINA 3 1,2% J01CE01CAVERDILOL 2 0,8% C07AG02CLARITROMICINA 2 0,8% J01FA09ENOXAPARINA 2 0,8% B01AB05FITOMENADIONA 2 0,8% B02BA01OMEPRAZOL 2 0,8% A02BC01OUTROS* 34 13,1% TOTAL 259 100%
*Medicamentos que apareceram uma vez: cido valprico, adrenalina, albendazol, amoxicilina,ampicilina+sulbactam, captopril, cetamina, cetoconazol, diazepam, dopamina, efedrina, eritromicina,espironolactona, fluconazol,haloperidol, ipratrpio, lactulose, losartan,meropenem,metoclopramida,morfina, neomicina, pentoxifilina, pirazinamida, prometazina, propiltiouracil, propofol, sevoflurano,sinvastatina,sulfadiazina,sulfametoxazol+trimetoprima,teofilina,tetmosolevarfarina.**Fonte:FichasdenotificaodeRAM.
62
Dos 166 pacientes que apresentaram reao adversa a medicamentos 140
(84,3%) estavam em uso de antimicrobianos. Quanto ao nmero de medicamentos
prescritos a mdia foi de 6,2 2,97 medicamentos por paciente, variando de dois a 15
itens medicamentosos prescritos no dia da reao adversa.
Quanto ao setor notificador foi encontrado: pediatria (n=61; 36,7%), clnica
mdica (n=38; 22,9%), unidade de cuidados especiais (UCE) (n=24; 14,5%), clnica
cirrgica (n=19; 11,4%), UTI adulto (n=15; 9,0%) e CETIP (centro de terapia intensiva
peditrica) (n=9; 5,4%). Um comparativo do nmero de RAM notificadas com o
nmero de admisses encontra-se na tabela 5.
Tabela 5 Nmero de RAM notificadas e nmero de admisses por setor.
SETORNOTIFICADOR NDEADMISSES NDERAM %DERAM
PEDIATRIA 2198 61 2,8%CLNICAMDICA 2486 38 1,5%UNIDADEDECUIDADOSESPECIAIS 1264 24 1,9%CLNICACIRRGICA 1851 19 1%UTIADULTO 638 15 2,3%CETIP 818 9 1,1%TOTAL 9255 166 1,8%
Fonte: Registros de admisso HGWA 2010 e fichas de notificao de RAM.
4.1.3Classificaodasreaes
Quanto causalidade as reaes adversas foram, em sua maioria, possveis
(n=64; 38,6%), seguidas por provveis (n=58; 34,9%), definidas (n=43; 25,9%) e no
relacionada (n=1; 0,6%).
O tratamento das manifestaes clnicas das reaes adversas foi, em sua
maioria, medicamentoso, onde 69 (41,6%) pacientes fizeram uso de um medicamento
para tratar a reao, 30 (18,1%) pacientes fizeram uso de mais de um medicamento, 11
63
(6,6%) pacientes passaram por algum procedimento no medicamentoso, trs (1,8%)
foram submetidos ao procedimento mais o uso de medicamento, enquanto 53 (31,9%)
tiveram as manifestaes regredindo de forma espontnea.
Tabela 6 Abordagem teraputica para o tratamento da RAM.
ABORDAGEMTERAPUTICA N %
UMMEDICAMENTO 69 41,6MAISDEUMMEDICAMENTO 30 18,1
PROCEDIMENTONOMEDICAMENTOSO 11 6,6MEDICAMENTO+PROCEDIMENTO 03 1,8
NENHUMTRATAMENTO 53 31,9TOTAL 166 100
Fonte: Fichas de notificao de RAM.
Os medicamentos mais utilizados para tratamento das reaes adversas foram
corticides e anti-histamnicos, conforme a tabela 7.
Tabela 7 Medicamentos usados para tratamento da RAM.
MEDICAMENTOUSADOPARATRATAMENTO N % CDIGOATC
HIDROCORTISONA 49 36,0% H02AB09HIDROXIZINE 45 33,1% N05BB01LORATADINA 11 8,1% R06AX13PROMETAZINA 9 6,6% R06AD02PARACETAMOL 4 2,9% N02BE01BROMOPRIDA 3 2,2% A03FA04
DIFENIDRAMINA 3 2,2% R06AA02ADRENALINA 2 1,5% C01CA24DIPIRONA 2 1,5% N02BB02
ONDANSETRONA 2 1,5% A04AA01OUTROS* 1 0,7% TOTAL 136 100%
*Medicamentos que apareceram uma vez: atropina, dexametasona, diazepam, fenitona, metronidazol e oxignio. **Fonte: Fichas de notificao de RAM.
64
Os procedimentos realizados para o tratamento da reao foram: reduo da
velocidade de infuso (n=12; 8,0%), apagar a luz do leito (n=1; 0,7%) e hemodilise
(n=1; 0,7%). Foram suspensos os medicamentos suspeitos de causar a reao em 70
(42,2%) notificaes, enquanto 96 (57,8%) pacientes continuaram a utilizar o
medicamento suspeito.
Quanto gravidade as reaes adversas foram principalmente classificadas
como moderadas (n=131; 78,9%), seguidas por leves (n=25; 15,1%) e graves (n=10;
6%). Nenhuma reao fatal foi notificada no HGWA em 2010.
Tabela 8 Classificao das RAM que ocorreram no HGWA em 2010.
QUANTOCASUALIDADE N %
POSSVEL 64 38,6PROVVEL 58 34,9DEFINIDA 43 25,9NORELACIONADA 1 0,6TOTAL 166 100QUANTOGRAVIDADE N %MODERADA 131 78,9LEVE 25 15,1GRAVE 10 6TOTAL 166 100%
Fonte: Fichas de notificao de RAM.
Aps acompanhamento da reao foi observado que 145 (87,3%) pacientes
tiveram alta hospitalar ou transferncia para outros hospitais recuperados da reao
adversa, enquanto 21 (12,7%) tiveram alta hospitalar, transferncia para outro hospital
ou bito (por outras causas) ainda apresentando alguma manifestao clnica de reao
adversa a medicamento.
65
4.2Hemovigilncia
Em 2010 foram transfundidas 4899 bolsas de hemocomponentes no HGWA,
sendo 2379 (48,6%) concentrados de hemcias, 1683 (34,4%) plasma fresco congelado,
650 (13,3%) concentrados de plaquetas e 187 (3,8%) crioprecipitados. Quanto ao
consumo por setor os dados encontram-se na figura 3.
Figura 3 Consumo de hemocomponentes por setor HGWA 2010.
Fonte: Fichas de notificao de incidentes transfusionais.
Durante todo o ano de 2010 foram notificadas 41 reaes transfusionais em 40
pacientes diferentes, apenas um paciente apresentou duas reaes aos
hemocomponentes. Foram relatadas reaes transfusionais a trs tipos de
hemocomponentes diferentes. O principal hemocomponente envolvido em reaes foi o
concentrado de hemcias, responsvel por 70,7% (n=29) das reaes transfusionais,
seguido por plasma fresco congelado (17,1%; n=7) e concentrado de plaquetas (12,2%;
n=5). No foram considerados os diferentes tipos de filtrao e/ou preparao do
hemocomponente para anlise dos dados.
66
O hemocomponente mais ut