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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA ANTONIA SUELE DE SOUZA ALVES ANÁFORAS INDIRETAS UMA REDISCUSSÃO DOS CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS Fortaleza CE 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

ANTONIA SUELE DE SOUZA ALVES

ANÁFORAS INDIRETAS – UMA REDISCUSSÃO DOS CRITÉRIOS

CLASSIFICATÓRIOS

Fortaleza – CE

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

ANTONIA SUELE DE SOUZA ALVES

ANÁFORAS INDIRETAS – UMA REDISCUSSÃO DOS CRITÉRIOS

CLASSIFICATÓRIOS

Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Linguística, da Universidade Federal

do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do

título de Mestre em Linguística.

Área de Concentração: Práticas Discursivas e Estratégias

de Textualização.

Orientadora: Profa. Dra. Mônica Magalhães

Cavalcante

Fortaleza-CE

2009

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“Lecturis salutem”

Ficha Catalográfica elaborada por Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593 [email protected] Biblioteca de Ciências Humanas – UFC

A477a Alves, Antonia Suele de Souza. Anáforas indiretas [manuscrito] – uma rediscussão dos critérios

classificatórios / por Antonia Suele de Souza Alves. – 2009. 115 f. : il. ; 31 cm. Cópia de computador (printout(s)). Dissertação(Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza(CE),03/12/2009. Orientação: Profª. Drª. Mônica Magalhães Cavalcante. Inclui bibliografia. 1-ANÁFORA(LINGUÍSTICA).2-REFERÊNCIA(LINGUÍSTICA).3-TEORIA DA ACESSIBILIDADE(LINGUÍSTICA).I- Cavalcante, Mônica Magalhães, orientador. II-Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-Graduação em Linguística.III-Título. CDD(22ª ed.) 415 03/10

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Ao Senhor Jesus Cristo.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar presente em todos os momentos da minha vida.

Aos meus familiares, minha mãe Elizabete, meu pai Elias e meu irmão Elias, pelo

apoio e confiança que passam pra mim.

Ao meu filho Helton, por ser o motivo das minhas forças e a minha filha que está

por vir, por ser o motivo das minhas esperanças.

Ao meu esposo Hilton, pela compreensão nas minhas ausências constantes.

Aos meus amigos, sem eles o mundo seria vazio, frio, sem cor. Dentre muitos,

cito os que fizeram parte das conquistas recentes da minha vida: Juliana Geórgia, João

Correia, Alexandre, Nonato, Aline, Cristiane, Vicente Neto, Kennedy, Patrícia Lana, Argus,

Elaine Cristina, Ana Débora e Mônica Cavalcante.

À Minha orientadora, a Profa. Dra. Mônica Magalhães Cavalcante, por seus

conselhos, paciência e persistência.

Aos professores Ricardo Leite, Júlio Araújo e Bernardete Biasi, cuja amizade foi

conquistada em curto período, porém de forma sincera; pelas conversas, conselhos e

sugestões recebidas.

Às professoras Helenice Costa, Márcia Teixeira e Margarete Sousa, por

participarem dos momentos de apresentação deste trabalho, dando valiosas sugestões.

Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Linguística, em especial

Antônia e Eduardo, por serem mais que profissionais, por serem pessoas competentes que

trabalham priorizando a particularidade de cada aluno.

À CAPES, pelo apoio financeiro. Fundamental para a dedicação a esta pesquisa.

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RESUMO

ANÁFORAS INDIRETAS – UMA REDISCUSSÃO DOS CRITÉRIOS

CLASSIFICATÓRIOS

Antonia Suele de Souza Alves (UFC)

Neste trabalho, abordamos as anáforas indiretas e associativas, fazendo uma rediscussão dos

critérios classificatórios desses tipos de anáfora. Analisamos o fenômeno anafórico, indo além

do que é determinado nas classificações encontradas. Observamos que considerar apenas o

aspecto formal como fator definicional ou distintivo das anáforas indiretas e associativas é

insuficiente para descrever um fenômeno tão amplo quanto o anafórico. Temos como objetivo

comprovar que o que distingue uma anáfora da outra são os níveis de inferência realizados nas

suas realizações/interpretações. Para embasar a tese de que não há uma classificação bipolar

de anáfora indireta e anáfora associativa, utilizamos como base teórica a Teoria da

Acessibilidade, de Ariel (1996, 1998, 2001), por considerarmos o aspecto cognitivo do

processo anafórico o mais relevante. Argumentamos que o que ocorre nas diferentes formas

existentes de tais expressões anafóricas são níveis diferentes de inferenciação, estabelecendo,

de acordo com o percurso cognitivo feito para a interpretação da anáfora, uma escalaridade, e

não uma distinção. Utilizamos como procedimentos metodológicos a análise das definições e

dos critérios dados pelos autores para diferenciar uma anáfora indireta de uma associativa; a

verificação dos aspectos relevantes nessas definições e a reconsideração dos conceitos e dos

exemplos da literatura sobre o assunto a partir da Teoria da Acessibilidade, enfatizando os

aspectos cognitivo e interacional na realização e/ou interpretação de uma anáfora.

Constatamos que não é a forma que distingue tais expressões, mas, sim, os aspectos

sociocognitivos interacionais, o que trouxe um alargamento nos critérios que devem ser

considerados para a classificação das anáforas.

Palavras-chave: referenciação; anáfora indireta; anáfora associativa; Teoria da Acessibilidade.

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ABSTRACT

INDIRECT ANAPHORS – A REDISCUSSION ABOUT CLASSIFICATORY

CRITERIA

Antonia Suele de Souza Alves (UFC)

In this study we work with indirect and associative anaphors, making a rediscussion of its

classificatory criteria. We analyze the anaphoric phenomenon, going beyond what is

determined in the found classification. We observed that considering only the formal aspect as

a definition or a distinctive factor of indirect and associative anaphors is insufficient to

describe such a wide phenomenon as the anaphoric one is. Our aims are to prove that what

distinguishes one anaphor from the other are the levels of inference which are applied in its

realizations/interpretations. To support the thesis that there is no bipolar classification

between indirect and associate anaphors, we use the Theory of Accessibility (ARIEL, 1996,

1998, 2001), because we consider the cognitive aspect of the anaphoric process as the most

important one. We argue that what happens in the different existent forms of these anaphoric

expressions are different levels of inferentiation, establishing a scale, and not a distinction,

according to the cognitive course which is done to interpret the anaphor. Our methodological

procedures are the analyzes of the definitions and the criteria used by the authors to differ one

indirect anaphor from an associative one; the verification of relevant aspects in these

definitions; and the reconsideration of the concepts and examples of the literature about this

theme based on the Theory of Accessibility, emphasizing the cognitive and interactional

aspects in the realization/interpretation of an anaphor. We conclude that the form does not

distinguish those expressions, but the interactional sociocognitive aspects, which brought an

expansion of the criteria that must be considered in the anaphor classification.

Keywords: referentiation; indirect anaphor; associative anaphor; Theory of Accessibility.

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LISTA DE QUADROS E FIGURAS

Quadro 1 - Esquema-síntese das concepções ampla e estreita de anáfora.................... 21

Quadro 2 - Quadro explicativo do uso da escala de acessibilidade de Ariel................ 77

Quadro 3 - Representação das ocorrências dos fatores de acessibilidade nas

expressões anafóricas....................................................................................

80

Quadro 4 - Escala de graus de acessibilidade exemplos............................................... 104

Gráfico 1 - Representação do percurso inferencial realizado nas anáforas................... 85

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................................. 06

ABSTRACT............................................................................................................... 07

LISTA DE QUADROS E FIGURAS....................................................................... 08

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 11

1. CONCEPÇÕES DE ANÁFORA.......................................................................... 19

1.1. Conceitos de anáfora.................................................................................... 19

1.1.1. A concepção estreita............................................................................. 22

1.1.2. A concepção ampla.............................................................................. 24

1.2. Relações entre o elemento anafórico e seu antecedente............................ 26

1.2.1. A questão da inferência........................................................................ 27

2. A ANÁFORA ASSOCIATIVA E A ANÁFORA INDIRETA: PONTOS EM

COMUM.....................................................................................................................

32

2.1. A anáfora associativa: critérios semânticos............................................... 32

2.1.1. Uma tipologia da anáfora associativa................................................... 35

2.1.1.1. Anáforas associativas meronímicas........................................ 36

2.1.1.2. Anáforas associativas locativas............................................... 37

2.1.1.3. Anáforas associativas actanciais............................................. 38

2.1.1.4. Anáforas associativas funcionais............................................. 38

2.2. A anáfora indireta........................................................................................ 41

2.3. Comparando exemplos................................................................................. 46

3. A ACESSIBILIDADE DE REFERENTES: O ASPECTO COGNITIVO DA

RELAÇÃO ANAFÓRICA........................................................................................ 49

3.1. Um breve percurso sobre as teorias cognitivas..........................................

49

3.2. A Teoria da Acessibilidade.......................................................................... 55

4. REDISCUTINDO A TEORIA.............................................................................

61

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4.1. Métodos de abordagem................................................................................ 61

4.2. Procedimentos de análise............................................................................. 62

4.2.1. Rediscussão dos critérios classificatórios das anáforas indiretas........ 62

4.2.1.1. Problematização dos critérios definidos dentro de uma

concepção ampla de anáfora indireta....................................................................

63

4.2.1.2. Problematização dos critérios definidos dentro de uma

concepção estreita de anáfora indireta – as anáforas associativas.........................

73

4.2.1.3. Aplicação da teoria da acessibilidade: por uma ênfase no

aspecto cognitivo................................................................................................... 77

4.3. Análise preliminar dos resultados da pesquisa.......................................... 81

4.3.1. Análise empírica com base na teoria da acessibilidade 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 107

REFERÊNCIAS........................................................................................................ 112

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INTRODUÇÃO

Os termos anáfora indireta e anáfora associativa designam processos referenciais

que têm sido tema de muitas discussões no campo de referenciação da Linguística Textual;

suas definições têm gerado alguns conflitos conceituais e, por isso, frequentemente surgem

pesquisas que as utilizam como objeto.

O presente trabalho foi motivado pela análise de diferentes estudos a respeito de

anáforas. Podemos observar um vasto estudo na área de referenciação sobre as anáforas e seus

diversos tipos. Atentamos aqui para o fato de que a anáfora, termo etimologicamente

associado à ideia de "repetição", constitui um mecanismo de relação entre um elemento que

exige saturação referencial, denominado "elemento anafórico", "expressão anafórica" ou

simplesmente "anafórico", e um elemento antecedente ou consequente, que nem sempre é

uma expressão explícita ou pontual do cotexto e que fornece as condições para que essa

saturação seja satisfeita. Desse modo, toda anáfora implica uma atividade de remissão, já que

nesse mecanismo está em jogo um ato de "apontamento" para um elemento, normalmente

presente no cotexto, e possivelmente de retomada, uma vez que, havendo ou não identidade

material entre os elementos envolvidos, a anáfora é, em geral, responsável pela continuidade

referencial.

Na sua atividade de retomar, o elemento anafórico reativa objetos-de-discurso

introduzidos, como é o caso das anáforas diretas correferenciais, quer apontem para trás ou

para frente (quando a remissão é catafórica); ou ativa um novo objeto de discurso, cuja

interpretação é dependente de dados introduzidos, mas não retoma o mesmo referente, como é

o caso da anáfora indireta.

De uma forma geral, as anáforas indiretas evidenciam essencialmente três

aspectos: a não-vinculação da anáfora com a correferencialidade; a introdução de referente

novo e o status de referente novo expresso no cotexto. Esta caracterização tem sido

consensual nos trabalhos sobre o assunto.

Assumindo uma perspectiva pragmático-discursiva, ainda que denominando o

fenômeno de “anáfora associativa”, Apothéloz e Reichler-Béguelin (1999) definem tais

anáforas como um objeto que, embora apresentado como conhecido, é novo no texto e que

não foi, consequentemente, mencionado explicitamente no contexto anterior. Embora se trate

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da mesma caracterização de outros autores, Apothéloz e Reichler-Béguelin acrescentam que

esse tipo de anáfora pode também ser interpretado referencialmente somente em relação a

dados introduzidos anteriormente no universo de discurso, propriedade que justificaria o

termo anáfora. Em outras palavras, os autores admitem que as anáforas “associativas”

poderiam estar ancoradas não no cotexto, mas em informações do universo do discurso.

O termo anáfora associativa tem sido, às vezes, porém, atrelado somente a um

dos tipos de relação anafórica indireta. O autor que trabalhou este assunto de maneira mais

aprofundada foi Kleiber (2001), que, ao tratar da relação entre as entidades envolvidas na

associação, diz haver apenas dois lados possíveis: ou se englobam as diversas relações que

podem existir entre a entidade da expressão antecedente e a entidade da expressão anafórica

dentro de um mesmo tipo associativo, com o direito de definir as anáforas associativas como

anáforas indiretas; ou não se opera tal generalização, e então é legítimo definir as anáforas

associativas como anáforas indiretas de um determinado tipo.

Para Kleiber, a anáfora associativa diferencia-se da anáfora indireta ou

“inferencial”, como ele nomeia, por critérios formais e semânticos. Kleiber, Partry e Ménard

(1994) sustentam a tese de que a anáfora associativa orbita em torno de um único sentido: do

"todo" para a "parte". Kleiber (2001) localiza na língua a relação entre os dois termos

envolvidos na associação anafórica: a relação é eminentemente do tipo léxico-estereotípica,

apriorística, pré-estabelecida entre dois lexemas; em outras palavras, a ligação entre os dois

elementos é pré-inscrita no léxico sob a forma de um traço necessário ou estereotípico. Daí a

sua expressão: "a anáfora associativa rola sobre os estereótipos."

Ela é um tipo de referência textual indireta, em que um novo referente é

introduzido como um anafórico não do, mas por meio do referente de uma expressão

antecedente. O autor aceita a possibilidade de a referência indireta não ser específica da

anáfora associativa, pois outras anáforas inferenciais são possíveis, mas, em seus estudos, não

se preocupa em descrever essas outras relações indiretas inferenciais, senão apenas as

anáforas que, para ele, são tipicamente associativas. Nosso trabalho reconsidera

posicionamentos dessa natureza, a fim de questionar os critérios que restringem esses casos

específicos de associação, como se eles se apartassem radicalmente das relações indiretas

inferenciais.

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Kleiber argumenta que não há relação associativa única para as anáforas indiretas,

pois elas não constituem uma categoria homogênea. Além dos dois traços comuns de anáfora

e de anáfora inferencial que as reúnem, não há para elas um denominador associativo comum.

Mas, segundo ele, isso não significa que não se possam reunir as anáforas inferenciais com

base no seu caráter anafórico indireto. Essa classificação seria cabível, para ele, se

quiséssemos estabelecer uma tipologia das anáforas. Desse modo, seria inconcebível

considerar que as anáforas indiretas assim agrupadas responderiam também por um processo

referencial idêntico baseado numa mesma relação associativa lógico-cognitiva. Os critérios

definidores haveriam de ser outros.

O autor, então, tenta fazer a distinção entre anáfora “inferencial” e anáfora

associativa. Em outro ponto de seus estudos, no entanto, Kleiber admite que toda anáfora é

inferencial. Ora, admitir tal pressuposto é colocar os diferentes tipos de anáforas em um

mesmo patamar do ponto de vista cognitivo: são iguais em relação aos aspectos inferenciais –

esta é a afirmação que motiva toda a nossa pesquisa.

Conforme vemos, as anáforas indiretas têm sido consideradas de maneira muito

diversificada pelos estudiosos do assunto. Este trabalho tem o propósito de revisitar essas

definições e de questionar os critérios que as orientam. O ponto nevrálgico da questão

parecem ser os aspectos cognitivos; buscamos como teoria de base a Teoria da acessibilidade,

a partir da qual foi possível rever as caracterizações das diferentes relações anafóricas

indiretas, embora os critérios de análise dessa abordagem cognitiva não tenham sido

suficientes para esclarecer alguns pontos de aproximação e de distanciamento entre as

anáforas associativas e as indiretas.

Ao iniciar esta pesquisa, buscávamos os conceitos de anáfora indireta e anáfora

associativa, mas, durante a busca, percebemos que havia bastantes divergências no que diz

respeito ao limite dos conceitos e não conseguimos perceber, pelas explicações dadas pelos

autores, uma real diferença entre esses dois tipos de anáfora, pois os critérios que costumam

diferenciar os dois fenômenos coincidem em diversos traços, ou são, por vezes, muito vagos.

Além disso, existem flutuações terminológicas indesejáveis. Alguns autores,

como Marcuschi (2000a), por exemplo, fundado em Schwarz (2000), afirmam que as anáforas

associativas são parte substantiva das anáforas indiretas e constituem relações referenciais

produzidas por sintagmas nominais definidos, verbos, adjetivos, pronomes ou até mesmo

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orações que não retomam pontual ou explicitamente elementos anteriormente presentes no

cotexto, mas ancoram em elementos do discurso, da situação cognitiva ou em outros para

ativar ou introduzir um referente novo como se fosse dado.

Essas características apresentadas pelo autor são bem próximas das que ele aponta

para as anáforas indiretas, seguindo o que também é dito por Schwarz (2000), que são: a

inexistência de uma expressão antecedente explícita para a retomada, mas com a presença de

uma âncora1; a ausência de uma relação de correferência entre a âncora e a anáfora indireta; a

construção de um novo referente e não a busca ou reativação de elementos prévios por parte

do receptor e a realização por meio de elementos não-pronominais, sendo rara sua realização

pronominal.

A concepção de Marcuschi suscita uma questão interessante: dizer que as anáforas

associativas são parte substantiva das anáforas indiretas implica que toda anáfora associativa é

indireta, mas nem toda anáfora indireta é associativa. Ou seja, a anáfora indireta seria o

fenômeno mais amplo do qual a anáfora associativa faz parte; desse modo, ele não define as

anáforas, apenas lhes atribui características que, para nós, são às vezes semelhantes. Uma das

características apontadas por Marcuschi (2000a) para a anáfora indireta é que, nesses tipos de

anáfora, não há uma expressão antecedente explícita para a retomada, porém ele afirma existir

a presença de uma âncora, ou seja, uma expressão ou contexto semântico de base decisivo

para a interpretação da anáfora. Essa característica, para nós, é comum às duas definições, o

que quer dizer que, sob esse aspecto da ancoragem, não podemos diferenciar a anáfora

indireta da associativa.

A nosso ver, nos dois casos mostrados pelo autor, há a explicitude de um termo

antecedente, seja ele produzido por um sintagma nominal, seja produzido apenas por um

contexto semântico; há a necessidade de uma retomada para a interpretação de uma anáfora.

Nesta pesquisa, rediscutimos esses critérios de distinção das anáforas indiretas a

partir da consideração dos diferentes graus de acessibilidade desse referente, ou seja, o

referente pode ser mais ou menos acessível de acordo com o percurso inferencial necessário

para a realização de uma anáfora indireta ou associativa. Por isso, a hipótese básica deste

1 Adotaremos aqui a expressão „âncora‟, sugerida por Schwarz (2000, p.74), pois se apresenta melhor do que

outras como „gatilho‟, que evoca inferências prospectivas; ou „antecedente‟, já que nem sempre vem antes; além

disso, uma “expressão-âncora” ativa significados desencadeando inferências potenciais ou relações possíveis

nem sempre lexicalizadas, mas situadas no cotexto.

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trabalho é que, por meio dos parâmetros de análise da Teoria da Acessibilidade, é possível

questionar os critérios que distinguem as anáforas indiretas das anáforas associativas.

No intuito de testar nosso ponto de vista a respeito das anáforas inferenciais e

associativas, utilizamos a Teoria da acessibilidade, de Ariel (1990; 2001), tendo em vista o

foco que há em seus estudos a respeito de como é realizado o acesso ao referente.

Ariel aborda em seus trabalhos o aspecto cognitivo da referenciação. A autora

introduz nos estudos sobre referência uma discussão importante sobre a noção de contexto.

Ela discute a relação direta entre as formas referenciais e os tipos de contexto de onde se

recuperam os referentes.

A autora (2001) defende a ideia principal da Teoria da acessibilidade: as formas

referenciais não podem estar em relação biunívoca com o status informacional de velho, novo,

acessível etc., nem tampouco com os tipos de processos referenciais. As expressões

referenciais constituem apenas instruções ao destinatário de como este deve recuperar da

memória certa parte de uma determinada informação, indicando onde está o acesso dessa

informação no discurso corrente. Essa função das expressões referenciais caracteriza-se por

ser processual; a autora reconhece que a maioria das expressões referenciais porta, também,

algum conteúdo conceitual, o qual também contribui para a identificação do referente. Diante

de argumentos dessa natureza é que questionamos a distinção por esses critérios entre

anáforas indiretas e associativas (COSTA, 2007).

Priorizando os aspectos cognitivos das operações referenciais, Ariel critica as

teorias que associam a escolha das formas referenciais aos “lugares” de onde provém a base

de conhecimentos relevantes para a identificação dos referentes (é o que vemos, por exemplo,

na descrição de dêixis, de CAVALCANTE, 2000). Para Ariel, os falantes não orientam os

destinatários para recuperarem os referentes pela alusão à origem “geográfica” da base

cognitiva, mas pela “sinalização”, através das formas referenciais, do grau de acessibilidade

que atribuem a esses referentes.

Em sua teoria, Ariel (2001), ao afirmar que uma conjunção de informações de

diversas fontes atuaria na identificação (ou criação) do referente, a autora propõe uma

hierarquia entre as formas referenciais, que deriva da interação entre três critérios de

codificação: a informatividade (nível de conteúdo informativo expresso pela forma frente ao

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referente pretendido); a rigidez (grau de unicidade com que o referente é determinado); e a

atenuação (extensão formal da expressão referencial).

Em Ariel (2001), confirmamos a ideia de que os graus de acessibilidade podem

ser avaliados pelo falante como relativamente mais altos ou mais baixos, mas não em

correspondência biunívoca com as expressões referenciais. Segundo Costa (2007), essa

“relativização” dos níveis de acessibilidade imprime ao modelo em questão uma maior

flexibilidade: os graus de acessibilidade são diferentes para cada indivíduo, sendo

estabelecidos no momento da realização anafórica.

A noção de acessibilidade é um “conceito complexo” (Ariel, 2001, p. 34) que

envolve quatro fatores relacionados à saliência inerente à entidade (a presença física do

objeto, por exemplo) e à unidade entre o antecedente e a anáfora (recentidade, frequência,

topicidade). Temos como fatores que afetam o status de acessibilidade de um antecedente: a

distância entre o antecedente e a anáfora; o número de competidores no papel de antecedente;

a saliência do referente, principalmente se é tópico ou não-tópico e se o antecedente está ou

não no mesmo frame/mundo/ponto de vista/segmento ou parágrafo que a anáfora. Esses

fatores são, respectivamente: a distância, a competição, a saliência e a unidade (ARIEL,

1990).

A partir da análise dos critérios utilizados pelos autores para as definições de

anáfora indireta e associativa, com base nos fatores de acessibilidade de Ariel, ampliamos a

hipótese básica de que, no tocante à realização da inferência nas anáforas indiretas ou

associativas, não ocorre uma diferenciação, mas as inferências são feitas em diferentes níveis,

que estabelecem uma escala. Até então, acreditamos que o fenômeno anafórico é o mesmo,

sendo que, nos níveis mais acessíveis, em que a busca pelo referente se faz de maneira menos

elaborada, mais simplificada, encontram-se as denominadas anáforas associativas e, em um

nível de acesso mais difícil ou com uma exigência de maior elaboração inferencial, estão as

anáforas indiretas, o que testamos durante a pesquisa. Não nos interessa, aqui, propor uma

escala de acessibilidade, mas tão-somente admitir a existência dela como explicação para não

uma distinção, mas para uma gradação entre anáforas indiretas e associativas.

Organizamos nossa pesquisa em quatro capítulos, além desta introdução e da

conclusão.

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No primeiro capítulo, abordamos as concepções de anáforas que foram utilizadas

em nossa pesquisa. Fizemos um apanhado teórico, buscando os principais autores que

trabalham com as definições de anáfora indireta e de anáfora associativa. Inicialmente,

observamos as semelhanças e divergências existentes para estes conceitos segundo diferentes

autores. Lançamos questionamentos sobre a concepção estreita de anáfora associativa de

Kleiber (1994; 2001). Discutimos, também, sobre a concepção ampla de anáfora associativa

no intuito de contrapor as duas concepções. Vimos a relação entre os elementos envolvidos na

realização de uma anáfora que são o elemento anafórico e seu antecedente e aprofundamos

nossas discussões sobre a questão da inferência, um dos pontos mais importantes de nossa

pesquisa.

No segundo capítulo, continuamos a discussão teórica sobre anáfora associativa,

agora, sob critérios formais e semânticos. Nesse ponto, utilizamos a perspectiva de Kleiber

(2001), que enfatiza as restrições formais em sua definição. Observamos que o autor prioriza

a relação léxico-estereotípica entre os elementos envolvidos na anáfora. Visto isso, discutimos

sobre a tipologia que o autor traz para as anáforas associativas. Logo após, passamos a tratar

da definição de anáfora indireta a partir dos estudos de Marcuschi (2000) e Schwarz (2000).

Com base nos conhecimentos de anáforas associativas e indiretas, fizemos um apanhado dos

exemplos utilizados por Kleiber (1994; 2001) e Marcuschi (2000) nas suas definições de

anáforas, para, assim, tecermos discussões sobre suas semelhanças e limitações.

No terceiro capítulo, destinamos nossas discussões para as teorias cognitivas que

abordam o assunto da referência e, especificamente, das anáforas. Nesse capítulo, abordamos

a acessibilidade dos referentes, ou seja, o aspecto cognitivo da relação anafórica. Para isso,

fizemos um percurso sobre essas teorias que consideramos pertinente para chegar ao ponto

que nos interessa, que é a teoria da acessibilidade de Ariel (1996; 1998; 2001). Mostramos,

então, uma pequena trajetória das teorias que antecederam ou coocorreram com as ideias de

Ariel, ressaltando as motivações que nos fizeram optar por essa teoria como base de nossa

pesquisa.

No quarto capítulo, finalmente, promovemos o encontro entre as teorias sobre

anáforas e a teoria da acessibilidade de Ariel (2001). Começamos o capítulo explicando a

metodologia que foi utilizada em nossa pesquisa, os métodos de abordagem e os

procedimentos de análise. Feito isso, passamos à rediscussão dos critérios classificatórios das

anáforas indiretas, problematizando os critérios definidos dentro de uma concepção ampla de

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anáfora indireta. Levantamos questionamentos sobre a concepção estreita de anáfora

associativa. Mostramos como fizemos a aplicação da teoria da acessibilidade nas definições

de anáfora utilizadas nesta pesquisa. E, por fim, apresentamos a nossa análise preliminar dos

resultados da presente pesquisa.

Nas considerações finais, retomamos alguns pontos relevantes e lançamos

inquietações para possíveis estudos posteriores.

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1. CONCEPÇÕES DE ANÁFORA

A partir deste capítulo, faremos a apresentação da teoria que será utilizada como

base de nossa pesquisa. Faremos uma revisão crítica da literatura acerca do tema em questão e

buscaremos os principais autores que trabalham com as definições de anáfora associativa e

anáfora indireta, que são os conceitos-chave de nossa pesquisa.

Para isso, observaremos inicialmente a perspectiva léxico-estereotípica no

conceito de anáfora associativa, de Kleiber (1994; 2001). Depois, analisaremos uma visão

mais ampla do conceito de anáfora indireta de Marcuschi (2000) e Schwarz (2000). Feito isso,

compararemos as duas visões, buscando suas semelhanças através dos exemplos dados pelos

autores.

Por fim, buscaremos uma teoria cognitiva para balizar nossa argumentação em

torno dos conceitos acima referidos. Para nós, o fenômeno anafórico não possui uma

classificação bipartida, pois, de acordo com os aspectos cognitivos, eles apenas se dispõem

em níveis diferentes de acessibilidade, o que comprovaremos com base na Teoria da

Acessibilidade de Ariel (1996; 1998; 2001).

1.1. Conceitos de anáfora

Temos observado na literatura uma grande divergência sobre os critérios que

definem e classificam o fenômeno anáfora, divergências que levam a separar, grosso modo,

dois blocos distintos: um que diz respeito às concepções mais ligadas aos aspectos formais e

semânticos do fenômeno da referência, que inclui autores como Kleiber (1994; 2001), Milner

(1982), Halliday e Hasan (1985) ou Charolles (1994; 1999); e outro bloco que compartilha da

concepção dinâmica, sociocognitivo-discursiva da referenciação, como Apothéloz e Reichler-

Béguelin (1999), Berrendoner (1995), Marcuschi e Koch (2002). Os defensores da primeira

concepção de anáfora definem-na como um fenômeno basicamente ligado à coesão textual e

caracterizado pela retomada de um segmento de texto por outro. Desse modo, a expressão

anafórica refere-se ao seu antecedente, quase que num processo de substituição e de

associação lexical. Em consequência disso, eles entendem que o conceito de anáfora

associativa depende do tipo de expressão anafórica, de sua relação semântica com o

antecedente e da natureza léxico-estereotípica da relação indireta.

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Charolles (1994) considera que a anáfora associativa suscita muitas questões. Para

ele, a delimitação do fenômeno da anáfora associativa é problemática, bem como sua

definição e funcionamento. O autor (1994) argumenta em favor de uma concepção mais

aberta, enfatizando o papel do contexto para o estabelecimento da associação, por isso propõe

uma abordagem cognitivo-discursiva para a anáfora associativa.

Já Kleiber (1994) defende uma abordagem mais semântica, ao afirmar que a

relação associativa é de natureza léxico-estereotípica. Segundo o autor, a anáfora associativa

gira em torno de estereótipos. A argumentação de Kleiber sobre o tema é bastante robusta. De

um modo geral, ele considera que este tipo de anáfora ocorre apenas se houver, entre o SN1

indefinido (âncora) e o SN2 definido (anafórico), uma relação prescrita no léxico sob a forma

de um traço comum ou estereotípico. Assim, o autor determina uma relação de parte-todo.

Nessa relação, o SN2 é o que representa a “parte” que corresponde ao elemento novo, e o SN1

representa o “todo” que corresponde ao referente que serve para determinar esse novo

referente. Detalharemos este ponto posteriormente.

A concepção ampla prioriza mais a dinâmica textual e a construção de objetos de

discurso. Para os autores que utilizam essa concepção, as anáforas, além de darem

continuidade e manutenção referencial, contribuem para a construção de sentidos no texto.

Esses autores também não fazem qualquer restrição ao aspecto formal do antecedente ou do

elemento anafórico.

Apothéloz e Reichler-Béguelin (1999), por exemplo, afirmam que a anáfora

associativa apresenta as seguintes características:

a) Os objetos de discurso são definidos graças a informações presentes no cotexto

anterior;

b) Não correferem nenhum elemento antecedente;

c) Introduzem um objeto novo como se fosse já conhecido.

Embora tal definição seja comum à que é apresentada por Kleiber (1999), tratar os

referentes como objetos de discurso já leva a consequências bem distintivas entre as duas

visões.

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Para ambas, porém, a anáfora associativa constitui um mecanismo fundamental na

construção do sentido de um texto e é bastante presente na produção discursiva. A anáfora

associativa é geralmente definida de acordo com as seguintes propriedades:

a) Refere um objeto que, embora apresentado como conhecido, é novo no cotexto

e que, consequentemente, não foi mencionado explicitamente no cotexto anterior;

b) Pode ser interpretada referencialmente somente em relação a dados

introduzidos anteriormente no universo de discurso, propriedade que justifica o termo como

anáfora.

Com a observação dessas posições sobre as concepções ou critérios de definição

das anáforas, podemos sintetizar as ideias dos autores da seguinte forma:

Concepção estreita _________________________________Concepção ampla

An. Associativa An. Inferencial (ou não-associativa) An. Associativa

Art. Def. + nome Sem restrições formais ou Sem restrições

(parte > todo) semânticas. formais ou semânticas

(Quadro 1- Esquema-síntese das concepções ampla e estreita de anáfora)

Visualizamos, nesse quadro, a concepção estreita sob a perspectiva de Kleiber

(1994, 2001) e a concepção ampla do ponto de vista de Apothelóz e Reichler-Béguelin

(1995).

Assim, podemos observar que a diferença entre a concepção estreita e a

concepção ampla das relações anafóricas indiretas encontra-se, entre outras coisas, no aspecto

formal da expressão anafórica. Enquanto a visão estreita aceita apenas o SN definido como

anafórico associativo, a visão ampla considera que quaisquer pronomes que realizem relações

referenciais indiretas apresentam casos de anáfora associativa. Concluímos disso que existem

dois subconjuntos nas anáforas indiretas: um que é relativo às anáforas associativas, marcado

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por restrições semânticas e formais, e outro que engloba as outras anáforas inferenciais, que

não apresentariam essas restrições.

1.1.1. A concepção estreita

Para os autores que utilizam a concepção estreita, o elemento anafórico da anáfora

associativa refere-se a um objeto que não foi mencionado explicitamente no cotexto anterior e

que é apresentado através de um SN definido. Essa restrição a torna diferente das anáforas

realizadas por meio de um possessivo, pois, se o elemento anafórico for modificado por um

pronome possessivo, mesmo que introduza um referente novo com sua interpretação

vinculada a um referente mencionado anteriormente, não ocorre, segundo Kleiber, Schedecker

e Ujma (1994), uma anáfora associativa, mas uma relação correferencial. Porém, o que temos

observado a partir de exemplos reais é que, mesmo quando há um possessivo, a anáfora

indireta pode permanecer também, vejamos os seguintes exemplos:

(1) Note-se que o narrador, seguidas vezes, compara Iracema à natureza

exuberante do Brasil. E a virgem leva sempre vantagem. Seus cabelos são mais negros e mais

longos, seu sorriso mais doce, seu hálito mais perfumado, seus pés mais rápidos.

(2) Iracema é filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e deve manter-se virgem

porque “guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a

bebida de Tupã”.

(Disponíveis em: http://fredb.sites.uol.com.br/iracema.html).

As expressões referenciais encontradas nos exemplos buscam seu referente em

Iracema ou a virgem (anáfora associativa), como no exemplo (1), que, por sua vez, retoma

também Iracema. Os pronomes possessivos introduzem no discurso elementos novos como já

conhecidos, ou seja, um caso de anáfora indireta. Não se trata, a nosso ver, de uma relação

correferencial, pois as expressões: Seus cabelos; seu sorriso; seu hálito e seus pés não

retomam o termo Iracema, mas introduzem novos referentes que vão buscar no termo

antecedente sua relação, que podemos considerar, até, de “parte-todo”, com características,

sim, de uma anáfora associativa, mas apenas segundo o critério léxico-estereotípico, de

Kleiber.

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Em relação ao aspecto formal do elemento anafórico, Kleiber (1994) considera,

para a realização de uma anáfora associativa, apenas os SNs definidos. Essa rejeição encontra-

se também em Blanche-Benveniste e Chervel (1966), Hawkins (1977a), Charolles (1994) e

Schwarz (2000) - estes dois, todavia, aderem a uma concepção ampla de anáfora indireta.

Quando ocorre uma relação indireta feita por pronome, trata-se de um caso de anáfora mais

“inferencial”.

Charolles (1994), apesar de propor uma abordagem cognitivo-discursiva, partilha

dessa opinião, a nosso ver muito restrita a aspectos linguísticos, ao argumentar que o

conteúdo descritivo do núcleo do SN definido associativo é o elemento responsável pelo

acesso ao referente, enquanto no caso do pronome o que conduz a relação anafórica não pode

ser o conteúdo descritivo, pois o pronome não possui informação lexical. Segundo o autor, os

casos de anáforas realizadas por pronomes e os demonstrativos empregados de maneira

aparentemente associativa são possíveis apenas sob certas condições muito precisas, o que faz

com que eles não possam ser assimilados como associativos definidos clássicos.

Para Charolles (1994), a anáfora associativa é um tipo de anáfora nominal não

correferencial, extremamente divulgada e bem conhecida na literatura linguística

especialmente em Blanche-Benveniste et al., Chervel (1996), Hawkins (1978), Kleiber

(1986), Corblin (1987), e tem sido objeto de estudos específicos ou de análises aprofundadas.

Segundo o autor, são exemplos canônicos de anáfora associativa:

(3) Pierre visita uma cidade. A igreja estava triste. (CORBLIN, 1987);

(4) Nós chegamos a uma cidade. A igreja estava fechada. (KLEIBER, 1990);

(5) Nós entramos em uma igreja. O padre lia a missa. (KLEIBER, 1990);

(6) Eu achei uma caneta ontem, mas a pena estava quebrada. (AZOULAY, 1978,

apud. CHAROLLES, 1994).

Em todos esses exemplos, um sintagma nominal definido retoma de forma não

correferencial um sintagma nominal indefinido; a relação anafórica é induzida por um

definido: o Sintagma Nominal é, de fato, não-saturado ou não-autônomo referencialmente

(MILNER,1982; CORBLIN, 1987), mas sua referência pode ser explicada pela sua relação

com o SN indefinido anterior, a partir da qual é possível determinar com precisão o seu

referente.

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Para observarmos empregos diferentes dos tipos de (3) a (6), nos quais a

expressão anafórica definida retoma um SN presente no contexto anterior, é conveniente

apresentar os exemplos de Corblin (1987), para contestar a caracterização acima:

(7) Pierre estava muito faminto, e a refeição não estava pronta.

(8) Pierre cortou o pão e depois guardou a faca.

(9) Pierre conta e embolsa as moedas.

Esses exemplos ilustram outra forma de anáfora comumente nomeada de anáfora

associativa, apesar de o referente anafórico não estar em um SN antecedente, mas na relação

entre predicados e argumentos da oração anterior.

Em nossa pesquisa, não somos adeptos da concepção estreita, tendo em vista que

o nosso foco são os aspectos sociocognitivos interacionais manifestados na realização de uma

expressão anafórica. Por essa concepção priorizar a forma linguística de como é construída

uma anáfora e não valorizar o sujeito como agente da interação, consideramo-la uma

perspectiva limitadora para uma análise textual com base em dados empíricos.

1.1.2. A concepção ampla

Na concepção ampla, encontram-se autores como Apothéloz e Reichler-Béguelin

(1999) e Berrendoner (1994), Marcuschi (2000), Cavalcante (2000), Koch e Marcuschi

(1998), que consideram que o SN definido, o pronome e o sintagma demonstrativo podem

constituir o elemento anafórico.

Outros especialistas (como Reichler-Béguelin, 1989; Gundel et al., 1993)

declaram que qualquer tipo de expressão referencial pode operar como uma anáfora

associativa. Estes autores ilustram sua informação com o exemplo (10) e (11), que também

são exemplos de anáforas associativas não-definidas. Tais exemplos são muito comuns:

(10) Noite passada nós fomos ouvir a Orquestra de Minessota. O condutor era

muito bom.

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(11) Um grande gato branco, que pertencia ao jardineiro, pulou sobre os meus

joelhos e com este susto fechou o livro que eu coloquei embaixo ao meu lado para acariciar o

animal.

Apothéloz e Reichler-Béguelin (1999) consideram que a interpretação de

sequências associativas repousa, geralmente, não apenas sobre a informação lexical prévia,

mas também sobre a solicitação de conhecimento de mundo e de estereótipos culturais. Ponto

de vista que compartilhamos, tendo em vista a relevância que os autores empreendem aos

aspectos sociocognitivos interacionais.

Nesses exemplos, os elementos anafóricos não correferem nenhum elemento

antecedente e, apesar de apontarem para um referente novo, são introduzidos como

conhecidos, o que os caracterizaria como anáfora associativa e comprovaria que a anáfora

também pode se realizar através de outras formas, além do SN definido.

Nos exemplos (10) e (11), os elementos antecedentes dos anafóricos não

constituem Sintagmas Nominais, mas proposições, que fornecem as condições para que

ocorra a associação.

Outro ponto de divergência entre as duas concepções incide sobre a noção de

antecedente. Para que ocorra uma anáfora, é necessário que haja a remissão a um elemento

antecedente. De acordo com alguns autores da visão estreita (como KLEIBER et al., 1994b),

esse elemento deve ser fornecido essencialmente por meios linguísticos, ou seja, deve ser

cotextual. Outros autores (como ERKU e GUNDEL, 1987) consideram que esta informação

poderia também advir de percepções situacionais do comportamento cinético (gestos, direção

do olhar, mímica), também chamados de “engatilhadores” por Hawkins (1977). Desse modo,

os seguintes exemplos também seriam anáforas indiretas:

(12) (Falante olhando para uma caixa) Onde está a tampa? (ERKU e GUNDEL,

1987).

(13) (Em uma cerimônia de casamento) Eu me pergunto: quem são os noivos?

(HAWKINS, 1984).

A informação necessária para a interpretação da anáfora associativa não pode ser

capturada em um esquema de fronteiras muito claras entre fontes linguísticas e não-

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linguísticas; esta informação pode ter múltiplas fontes. Uma solução razoável, segundo

Apothéloz e Reichler-Béguelin (1999), é, provavelmente, aceitar a ideia de que a informação

fornecida pelo contexto enunciativo imediato, pelo conhecimento de mundo, ou pela

afirmação precedente é funcionalmente equivalente.

Observamos, assim, que reduzir o fenômeno anafórico a uma relação „antecedente

e anafórico‟ não é suficiente para dar conta da diversidade de fenômenos referenciais

presentes no discurso.

1.2. Relações entre o elemento anafórico e seu antecedente

Muitas questões já foram suscitadas por estudiosos do assunto sobre como se dá,

na anáfora indireta, a relação entre o elemento anafórico e seu antecedente. Mas responder a

essa questão significa tocar no cerne da própria definição de anáfora indireta.

O que temos que observar inicialmente é que a relação entre os dois termos de

uma anáfora indireta é estabelecida através de inferências. Kleiber, Schnedecker e Ujma

(1994, p. 32) afirmam que toda anáfora é inferencial, embora normalmente se fale de

inferência apenas para as anáforas não-correferenciais. Segundo os autores, mesmo a anáfora

correferencial envolve inferências, pelo simples motivo de que todas as expressões anafóricas

são incompletas, e sua interpretação depende de outra informação presente anteriormente no

discurso, complementação do sentido que necessita de uma ponte inferencial. Na anáfora

correferencial, ocorrem duas expressões que remetem a uma mesma entidade: a primeira

evoca e especifica essa entidade; a segunda a co-especifica, é correferencial a ela, mas não

introduz um referente novo, apenas retoma um que já está presente no texto. Trata-se de uma

anáfora direta, correferencial, que apenas reativa um referente previamente introduzido. Mas,

como afirma Kleiber, é também através de um procedimento inferencial que se estabelece a

ligação entre as duas expressões. O esquema a seguir (cf. Webber, 1988) mostra essa relação:

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SNa -------------------------- SNb

co-especifica

evoca e

especifica especifica

Ea Sendo: SNa = antecedente / SNb = expressão anafórica / Ea = referente

No caso da anáfora indireta, o percurso inferencial realiza-se da seguinte forma: as

duas expressões evocam e especificam referentes próprios, distintos (Ea e Eb), que são

associados inferencialmente, como mostra o esquema abaixo:

SNa --------------------------- SNb

evoca e evoca e

especifica especifica

Ea ----------------- Eb

1.2.1. A questão da inferência

Os estudos sobre anáfora, até agora, dedicaram muita atenção a restrições formais

de uso, o que acarreta, a nosso ver, descrições excessivamente normativas do fenômeno.

Nosso estudo pretende se ater a aspectos mais relacionados ao percurso da inferência.

Segundo Zamponi (2003), o termo "percurso", no caso da anáfora, pode ser

abordado em relação a dois aspectos: o primeiro diz respeito ao elemento desencadeador da

inferência; e o segundo, ao processo ou ao modo da resolução da anáfora. A autora reconhece

que os dois aspectos estão intimamente ligados, pois a descrição do cálculo inferencial

depende da determinação da expressão que o desencadeia.

Em relação ao primeiro aspecto, devemos investigar se o processo inferencial tem

lugar no momento da aparição da expressão antecedente ou da expressão anafórica. Para isso,

poderíamos levantar as seguintes hipóteses: a) ao mencionar o antecedente, desencadeamos o

processo inferencial, possibilitando, a partir de então, o acesso à entidade a que se refere a

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expressão anafórica, bem como a entidades ativadas previamente. Ou seja, seria um processo

de antecipação no qual a representação ativada por um lexema acarretaria uma antecipação de

outras representações a ele associadas. De acordo com Berrendoner (1986), a inferência assim

realizada é chamada de descendente ou prospectiva: o antecedente impõe a inferência; b) o

processo inferencial se desencadeia a partir da expressão anafórica, ou seja, é a aparição dessa

expressão que atualiza a entidade antecedente necessária à interpretação da anáfora. Neste

caso, é o elemento anafórico que determina o status de 'antecedente' da expressão antecedente.

A inferência, então, é chamada ascendente ou retrospectiva: é a expressão anafórica que

"impõe" a inferência (BERRENDONER, 1986).

A inferência descendente é, geralmente, contra-indutiva, pois para sua realização é

necessária a ativação de várias inferências, para, somente depois, a partir da expressão

referencial, ser realmente ativado um referente cabível, ou seja, não é um processo

linguisticamente econômico. Esse tipo de inferência segue os princípios normativos da

dedução, que não permite outro percurso que não seja do antecedente ao consequente.

Consideremos os seguintes casos:

(14) O whippet com o par de genes “certo” consegue correr a mais de 50 km/h,

mas com a presença de outro gene, igualmente comum, o cachorro nasce musculoso demais,

um pouco gordo – e lento.

(Revista Superinteressante, agosto, 2007).

O sintagma nominal definido sublinhado pressupõe uma unidade existencial, o

que quer dizer que há somente um cachorro de que se fala nesse ponto do discurso. Esse

termo já estava presente na memória discursiva, pois foi introduzido na memória operacional

por meio de uma expressão referencial, de modo que o objeto de discurso se tornou saliente

(KOCH, 2004), o que nos leva a definir essa inferência como descendente. O que permite essa

relação é uma lei implicativa do tipo: whippet é um cachorro ou whippet cachorro, que vai

da informação mais forte para a informação mais fraca. Assim, concluímos, através da regra

lexical, que cachorro é hiperônimo de whippet.

Por meio do exemplo (14), deixamos claro também que apenas o conhecimento

lexical de relações estreitas não é suficiente para o processo inferencial; há que se levar em

conta também um conhecimento enciclopédico, principalmente, porque saber que 'whippet' é

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um 'cachorro' exige um conhecimento específico. Porém, ainda que não se saiba, o próprio

contexto leva a inferir que se trata de um tipo de cachorro.

Isto prova que as relações lexicais envolvidas na realização de uma anáfora

indireta provêm de um conhecimento adquirido através de interações sociocomunicativas e

que não devemos considerar léxico apenas como um conjunto de palavras e conceitos

armazenados em nosso cérebro. O conceito de léxico, a nosso ver, que deveria ser

considerado na Linguística de Texto, seria um mais abrangente, de modo a que enfatizasse os

aspectos interacionais e pragmáticos.

Na inferência ascendente, são consideradas legítimas apenas as inferências que

forem confirmadas na sequência do discurso; o interlocutor apenas realiza a inferência quando

é necessário para a interpretação anafórica. O que ocorre é a passagem de um conteúdo literal

fraco a uma informação implícita mais forte, caso em que ocorre a contra-inferência.

Exemplos prototípicos que envolvem a relação da parte para o todo, do efeito para a causa,

dentre outros, que remontam à expressão referencial anafórica por meio de uma expressão

anterior, são exemplos de inferência ascendente:

(15) Imagine que desse para você escolher entre dois médicos para uma cirurgia.

O primeiro é um homem tranquilo, que gosta de livros e de fazer esportes nas horas vagas. O

outro é um jovem com mais horas de videogame que de UTI. Qual você chamaria para abrir o

seu corpo?

(Revista Superinteressante, setembro, 2007).

No exemplo acima, na expressão abrir o seu corpo há uma informação mais fraca,

pois é necessária a realização da inferência da causa dessa abertura do corpo, que é provável,

no exemplo, de ser justificada por uma cirurgia. Nada garante também de quem é o corpo que

é referido nessa expressão, mas há uma probabilidade de ser do interlocutor, embora essa

referência penda para uma espécie de indeterminação, que pode aplicar-se a qualquer pessoa.

As duas hipóteses têm implicações consideráveis. Se levarmos em consideração a

primeira, podemos justificar a tese de que a relação associativa se fundamentaria numa

inferência semântica léxico-estereotípica, apriorística: ao mencionar o antecedente, o

interlocutor ativa o seu conhecimento estereotípico do referente denotado e as propriedades

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típicas que lhe são associadas. Assim, quando introduzido o referente da expressão anafórica,

o interlocutor não faz qualquer esforço para compreender de que referente se trata, uma vez

que este já está disponível no modelo contextual depois da evocação do referente.

Podemos também considerar a segunda, pois é o princípio da coerência discursiva

que impõe a ponte inferencial e não mais as relações estereotípicas entre objetos.

Fizemos esse apanhado teórico para mostrar como a inferência é abordada por

diferentes autores. Até o momento, limitamo-nos a uma abordagem mais semântico-

inferencial, por isso mesmo mais simplificada, pois ainda não adentramos no aspecto

interacional da realização da inferência.

As atividades linguísticas devem ser sempre contextualizadas. A referência não se

limita à representação mental individual, nem à representação semântica de entidades, mas

constitui uma construção interativa: as palavras não operam em "estado de dicionário" nem

em "contexto zero", como afirma Marcuschi (1999, p.14). Segundo o autor, dizer que o

processo de designação de entidades é construído na relação co(n)textual exige a ressalva de

que essa atividade referencial não é um "vale-tudo": existem limites para essa elaboração, que

são dados pela viabilidade contextual e interativa de aceitação por parte da comunidade em

questão. E não há dúvida de que a inferência desempenha um papel central nessa construção;

aliás, hoje já se tornou lugar comum a ideia de que a atividade discursiva entrelaça

constantemente o dito e o não-dito, o explícito e o implícito.

Para nós, resta ainda a dúvida que pretendemos elucidar com a nossa pesquisa:

qual a relação do papel da inferência com os critérios usados para a definição de anáfora?

Para a solução dessa tarefa, nós precisaremos recorrer a teorias cognitivas, para

ver o que está além dos aspectos formais e interacionais. Não nos deteremos nos tipos de

inferência, como o faz Kleiber, que relaciona inferências ascendentes e descendentes a uma

tipologia da anáfora associativa, porque não podemos identificar as inferências de elementos

apenas a partir de informações textuais ou de indicadores lexicais pontualizados, já que nada

garante qual dos dois processos atua em cada caso. Não deixaremos de lado a semântica, mas

acreditamos que o fenômeno da anáfora vai além dela. Como um poderoso mecanismo de

referenciação, remissão e/ou retomada de entidades, devemos considerar, para a análise das

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anáforas indiretas, os sujeitos como parceiros de interação, que são os elementos centrais dos

processos da construção discursiva, nos quais se realizam os percursos inferenciais; além

disso, há numerosas informações contextuais de natureza sociodiscursiva que interferem na

construção dessas inferências.

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2. A ANÁFORA ASSOCIATIVA E A ANÁFORA INDIRETA: PONTOS

EM COMUM

Neste capítulo, faremos o encontro da definição de anáfora associativa de Kleiber

(1994; 2001) com a definição de anáfora indireta de Marcuschi (2000) e Schwarz (2000).

Faremos isso através dos exemplos utilizados pelos autores ao definirem as anáforas.

Observaremos, então, suas semelhanças e divergências.

2.1. A anáfora associativa: critérios semânticos

A concepção de anáfora associativa, para Kleiber (2001), é de caráter semântico, o

autor enfatiza as restrições formais em sua definição. Ao tratar dos critérios de definição da

anáfora associativa, o autor afirma que a relação entre entidade antecedente e entidade nova

não constitui uma associação unicamente discursiva ou contextual, mas essa associação

depende, principalmente, da relação entre os lexemas em questão.

Desse modo, o autor minimiza as dimensões discursivas, pragmática e

interacional da realização da anáfora associativa. Kleiber (2001), embora trate de questões a

respeito dos processos inferenciais, o que poderia ser uma menção aos aspectos cognitivos,

deixa de lado o sujeito enquanto elemento central na produção discursiva. Por isso, em suas

análises ele utiliza exemplos fabricados que são, simplesmente, um encadeamento de duas

sentenças, colocando à parte os elementos discursivo, cognitivo e interacional. Para o autor, o

que está fora do linguístico não interfere na definição da relação associativa.

A posição de Kleiber, ao optar por exemplos construídos, é bastante criticada.

Apothéloz (1995a), por exemplo, considera esses tipos de exemplos extremamente breves e

depurados de todo contexto, sobre os quais é, consequentemente, muito delicado fazer

julgamentos de aceitabilidade.

Mas, para Kleiber, essa escolha, embora redutora, é a mais apropriada na

perspectiva semântica adotada por ele, que não deixa de reconhecer os méritos dos exemplos

chamados autênticos, porém aponta os riscos que eles podem acarretar como a possibilidade

de conterem excessiva informação contextual, o que levaria a análises falhas e a explicações

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abusivas. Kleiber (2001) justifica sua opção dizendo que é justamente para manter o “fio”

semântico que adota exemplos construídos, pois neutralizam o máximo possível os elementos

contextuais que podem perturbar a análise feita. Para ele, os resultados obtidos tornam sua

abordagem legítima. Mas, a nosso ver, a utilização de exemplos fabricados é a mais

conveniente para preservar a opção semântica.

Desse modo, Kleiber (1994), ao se deparar com exemplos autênticos, que muitas

vezes funcionam como contra-exemplos à sua concepção de anáfora associativa, elabora um

critério de aceitabilidade através do qual rejeita certas construções, que ele caracteriza como

“desviantes”.

A primeira razão (para uma concepção restrita do fenômeno) é que bom número de

encadeamentos com demonstrativos e pronomes associativos propostos nos parecem

de uma aceitabilidade discutível. Isso ocorre nos três primeiros exemplos que

acabamos de citar. Pode-se invocar o caráter "autêntico" desses exemplos, mas sabe-

se, há muito, que a autenticidade não é garantia de boa formação, do contrário não

haveria mais erros! Pode-se evidentemente também retorquir que se trata de sanções

da norma e que, recusando-se tais encadeamentos, adere-se a um purismo muito

rígido. (KLEIBER, SCHNEDECKER, UJMA, 1994, p. 50).2

Esse posicionamento de aceitar ou não um exemplo é possibilitado por uma

concepção restrita de anáfora associativa. É o que fazem Kleiber e seus seguidores ao

limitarem esse tipo de anáfora a uma relação entre um SN1 sempre com um SN2 definido, que

estabelecem uma relação genérica de base léxico-estereotípica, como no exemplo clássico:

(16) Ele se abrigou sob uma velha tília. O tronco estava trincado.

Nesse caso observamos uma relação de parte-todo, a “parte” sempre corresponde

ao elemento novo: o tronco; e o “todo”, ao referente que serve para determinar esse novo

referente: uma velha tília. Com isso, Kleiber (2001, p. 80) introduz os conceitos de

englobante e englobado. Nas anáforas associativas, o que é expresso pelo antecedente

engloba várias entidades, entre as quais a entidade que é denotada pela expressão anafórica.

Esse fator de englobamento fornece uma definição mais ou menos precisa de anáfora

2 La première raison est que bon nombre d'enchaînements avec démonstratifs et pronoms associatifs proposés

nous paraissent d'une acceptabilité discutable. Il en va ainsi dês trois premiers exemples de la série que nous

venons de citer. On peut certes invoquer Le caractère "authentique" de ces exemples, mais, on le sait depuis

toujours, l'authenticité n'est pas un gage de bonne formation, sinon il n'y aurait plus d'erreurs! On peut

évidemment aussi rétorquer qu'il s'agit de sanctions de la norme et qu'en refusant de tels enchaînements on

adhère à un purisme trop rigide.

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associativa, pois ela pode ser concebida como a relação de um englobado, o referente da

expressão anafórica, e de um englobante, o referente da expressão antecedente.

Por outro lado, existem exemplos em que esse traço definitório da anáfora

associativa pode ser questionado:

(17) João morreu. A viúva estava inconsolável.

Neste exemplo bastante conhecido, podemos observar que o termo a viúva não

pode ser considerado como elemento englobado de morreu. Poderíamos até reconsiderar se

levarmos em conta que a morte de João resultou na viuvez de sua esposa, o que é apenas

provável. No entanto, podemos encontrar em viúva o significado de morrer. Se, neste caso, a

viúva é o elemento anafórico ou elemento englobado, a inferência realizada para a realização

da anáfora apenas ocorreu através da busca pelo termo antecedente ou elemento englobante

morrer. O que quer dizer que o significado do termo viúva não está, necessariamente, na

palavra morrer. Pensando dessa forma, poderíamos constatar que é a sequência do discurso

que permite a interpretação da anáfora e não somente a remissão a um termo antecedente. Isso

contraria, assim, a tese léxico-estereotípica.

Podemos duvidar de que anáfora associativa sempre ocorra do “todo” para a

“parte”, pois, em relação aos aspectos cognitivos, a interpretação dessas anáforas pode ocorrer

de outras formas. Portanto, do ponto de vista da interpretação, a anáfora associativa "rolaria"

nos dois sentidos.

Kleiber, Partry e Ménard (1994) sustentam a tese de que a anáfora associativa

"rola" em um único sentido: do "todo" para a "parte". Mas não é o que percebemos através

dos exemplos abaixo:

(18) Ela colhia os frutos maduros. A árvore estava repleta deles.

(19) Os nadadores entraram na água. A piscina ficou muito cheia.

Exemplos como esses não apenas contradizem a tese léxico-estereotípica, mas

colocam em dúvida todos os critérios utilizados pela perspectiva semântica para a concepção

de anáfora associativa. Nossa pesquisa utilizará exemplos como esses para fazer uma análise

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baseada em uma teoria cognitiva: a teoria da acessibilidade de Ariel (2001), acreditando que,

para propor soluções para tais problemas, temos que recorrer a aspectos que vão além da

forma ou das relações lexicais, pois, a nosso ver, esses aspectos não são, por si sós, suficientes

para explicar a seleção de expressões referenciais feita pelo falante na elaboração e

interpretação da anáfora associativa. Levaremos em consideração os aspectos pragmáticos,

interacionais, sociocomunicativos e cognitivos.

Diante desses aparentes contra-exemplos, Kleiber, Partry e Ménard (1994)

apresentam argumentos muito detalhados e consistentes, tentando sustentar a tese da

anterioridade do “todo” em relação à “parte”, afirmando que, a partir da orientação da anáfora

em geral, existem duas restrições: a) a impossibilidade de haver uma expressão anafórica que

contenha sobre o referente informações não disponíveis ou não-inferíveis da expressão-fonte

anterior; e b) a influência da determinação definida ou não definida do antecedente.

2.1.1. Uma tipologia da anáfora associativa

A anáfora associativa baseia-se numa relação de não-correferência, manifestada

através da ausência de identidade lexical ou semântica com o antecedente. Podemos defini-la

como um processo anafórico em que o novo referente é introduzido no discurso por

intermédio de um referente já instituído.

A definição de anáfora, segundo Kleiber (2001), se aplicaria a qualquer tipo de

referenciação indireta, incluindo aí os casos de encapsulamento, mas há dois pontos que nos

parecem tipificar as anáforas associativas propriamente ditas: a exigência de uma outra

entidade mencionada antes no texto e de um saber a priori ou convencional associado aos

lexemas em questão. É justamente esse contrato lexical, convencionalmente aceito e intuído

pelos falantes, entre os lexemas explicitamente mencionados que dá às anáforas associativas a

propriedade de serem semanticamente baseadas, como propõe Schwarz (2000).

Para Kleiber (2001), no estado atual dos conhecimentos nesse domínio, é

preferível tentar organizar uma tipologia das anáforas associativas fundamentada sobre o tipo

de relação semântica. É o que ele empreende, sem ter a pretensão de exaustividade, propondo

quatro subclasses de anáforas associativas: meronímicas, locativas, actanciais e funcionais.

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2.1.1.1. Anáforas associativas meronímicas

A característica decisiva das anáforas associativas meronímicas está no estatuto

semântico do nome anafórico: ele deve ser marcado semanticamente como sendo uma parte-

de, o que quer dizer defini-lo relativamente a uma totalidade. Ou seja, é um merônimo, e a

relação semântica entre o todo (ou holônimo) e a parte (ou merônimo) é de meronímia.

Em resumo, as meronímias canônicas e facultativas respondem a uma relação

mereológica a priori, lexicalmente presente no nome da própria parte, devido a seu estatuto

semântico de merônimo.

Kleiber (2001, p.267) define as anáforas associativas como meronímicas quando o

referente do anafórico aparece como sendo ontologicamente subordinado à entidade da

expressão antecedente, de modo que sua ocorrência só existe como parte das ocorrências da

entidade antecedente.

Schwarz (2000) traz, para os subtipos canônicos de meronímia, uma farta

exemplificação, como nas seguintes ocorrências que adaptamos do trabalho da autora:

(20) Não pegue a xícara amarela. A asa está quebrada.

(21) O carro está acabado. A direção está totalmente torta.

Vale ressaltar que Schwarz (2000) não utiliza o termo anáfora associativa

meronímica, mas sim, anáfora indireta como ancoragem por relação semântico-nominal: tipos

baseados em meronímia. No caso dos exemplos acima, ela afirma que eles ocorrem quando a

âncora designa um objeto e a anáfora indireta um componente integral.

Observamos, pois, mais um ponto que merece atenção: a questão do uso de uma

nomenclatura diferenciada sendo utilizada para um mesmo fenômeno.

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2.1.1.2. Anáforas associativas locativas

Diferente das meronímicas, o anafórico das anáforas associativas locativas não é

ontologicamente dependente de seu antecedente, é o que ocorre no exemplo (22) trabalhado

por Kleiber:

(22) Chegamos a uma cidadezinha. A igreja ficava no alto de uma colina.

As duas entidades 'cidadezinha' e 'igreja' são independentes, intrinsecamente

autônomas, o que pode ser visto no tratamento lexicográfico do elemento anafórico: nenhuma

igreja é definida como "parte" do que quer que seja.

Para Kleiber, a ocorrência prototípica das anáforas associativas locativas pode ser

observada também no exemplo clássico de “igreja-vilarejo”, que acentua bem o traço de lugar

da entidade-fonte:

(23) “Entramos num vilarejo. A igreja estava situada no alto”. (Kleiber, 2001,

p.263).

O traço mais relevante que diferencia as associativas meronímicas das locativas é

o fato de que, enquanto aquelas não são referencialmente autônomas, estas têm independência

referencial, porque sua existência não se prende à existência de outra entidade. Neste caso das

locativas, a relação entre a parte e o todo tem uma funcionalidade manifesta por uma restrição

de localização espacial ou temporal das partes, como em:

(24) “Entramos numa cozinha. A geladeira estava aberta”. (Kleiber, 2001, p.278).

Observe-se que, se entre igreja e vilarejo, e entre geladeira e cozinha, existe

independência dos componentes em relação ao todo, o mesmo não se pode dizer da ligação

entre asa e xícara e direção e carro.

Com base nas características das anáforas associativas locativas, que, segundo

Kleiber, assim como ocorre em todas as outras, devem ter o acesso aos seus referentes através

do léxico, podemos considerar que essa busca se faz também por inferência, partindo de um

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conhecimento de mundo partilhado entre os falantes no ato da comunicação, pois pode

parecer óbvio que todo vilarejo possua uma igreja, ou que a referida igreja seja o que há de

relevante para os falantes naquele momento. Mas nem sempre é: pode-se falar em turismo,

praia, pequenos hotéis, ou mesmo nem haver igreja no vilarejo; faz-se necessário que haja,

sim, um conhecimento extratextual para que a interpretação da anáfora seja bem sucedida. O

que ocorre, então, a nosso ver, é um compartilhamento de características nas definições das

anáforas indiretas e das anáforas associativas, sendo este o foco de nossa análise.

2.1.1.3. As anáforas associativas actanciais

Uma associação actancial ocorre quando o referente do anafórico corresponde a

um dos argumentos (actantes) de um predicado introduzido no cotexto precedente. Esse

referente advém, portanto, do esquema predicativo, e o critério de identificação deste subtipo

é de natureza semântico-sintática. No quadro valencial, o predicado implica um conjunto de

argumentos, e constitui a âncora que ampara a interpretação da anáfora associativa. Como

resume Kleiber (2001, p.324), “a anáfora associativa actancial vem, em suma, apenas saturar

um lugar argumentativo junto do predicado antecedente”. Vejamos um exemplo do autor:

(25) “- A operação se passou bem. O operado e o cirurgião até mesmo brincaram

juntos. / Houve um assassinato. O assassino foi rapidamente preso”. (Kleiber, 2001, p.324).

Segundo Kleiber (2001), o elemento anafórico das anáforas associativas actanciais

está submetido a uma restrição semântica: é preciso que ele esteja marcado,

morfologicamente ou não, como actante do predicado antecedente. Desse modo, como para as

anáforas que envolvem relação entre indivíduos, é necessário levar em conta que o lugar

actancial deve ser preenchido por uma entidade que contenha informação cedida pela

expressão antecedente, no caso o predicado anterior.

2.1.1.4 As anáforas associativas funcionais

As anáforas associativas funcionais caracterizam-se por estabelecer uma relação

em que o núcleo do SN anafórico comporta um N cujo conteúdo semântico indica que se trata

de um elemento que preenche uma função ou papel característico num conjunto.

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Diferente das actanciais, que saturam os argumentos exigidos pelo predicado, as

anáforas associativas funcionais remetem a uma entidade-fonte. Aparecem tipicamente em

associações como “obra – autor”, “clube” – “presidente”, “carro” – “motorista” etc.

(26) Esse livro está em inglês, mas o autor é russo.

(27) O bairro fica vazio durante o dia. Os habitantes trabalham no centro.

Kleiber (2001) conclui a tipologia das anáforas associativas afirmando que os

tipos de anáforas não se esgotam nesses que foram apresentados. O autor reitera sua posição

de dar primazia ao nível linguístico, especificamente semântico, desse processo anafórico,

embora não ponha em causa a dimensão cognitiva.

Em sua argumentação, Kleiber é sempre consistente e coerente com o seu posto

de observação, a semântica; no entanto, ao optar pela primazia do léxico e dos traços

semânticos sobre o discurso, ele deixa de fora dos limites das anáforas associativas, tal como

ele as concebe, outros tipos de associação; além disso, não encontramos critérios que nos

digam com precisão o que pertence somente ao léxico, que possa justificar uma classificação

estritamente semântica. Ele declara que sua tipologia não é completa, mas, a nosso ver,

quando o autor especifica que as anáforas associativas se limitam apenas a restrições lexicais

muito estreitas, como algo rígido e inflexível, Kleiber nos leva a marcar como inaceitáveis

algumas construções bastante comuns em textos naturais (e não fabricados), sejam orais,

sejam escritos.

Tendo em vista o modo como foram abordadas as definições de anáforas indiretas

e anáforas associativas, podemos observar que, no momento em que os autores pretendem

estabelecer as suas respectivas características, para, assim, revelar as distinções dos conceitos,

estes mostram que existem pontos em comum, relacionados às exemplificações e à

nomenclatura.

É fato, então, que não há um consenso quando se quer encontrar o que diferencia a

anáfora associativa no conjunto das anáforas indiretas. Cavalcante (2001) afirma que as

anáforas associativas constituem um subgrupo das anáforas indiretas, pois se caracterizam

pela amarração lexical explícita entre dois sintagmas nominais. No entanto, a autora não

descarta o fato de esses tipos de anáforas ancorarem em valores conceituais, representados no

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conhecimento de mundo. Assim, tanto as anáforas indiretas como as anáforas associativas

permanecem além dos vínculos lexicais. Para Cavalcante (2001), a distinção dessas anáforas

seria o grau de explicitude dos vínculos lexicais, que, de acordo com o tipo associativo,

podem requerer construções inferenciais mais ou menos elaboradas.

Concordando com Cavalcante (2001), consideramos que uma possibilidade de

distinguir as anáforas reside na observação dos graus explicitude dos vínculos lexicais. Para

nós, as anáforas indiretas, até então, são aquelas livres de restrições formais nas quais a busca

pelo referente é realizada a partir da inferência, a qual depende de diversos fatores que vão

desde o conhecimento de mundo até os aspectos pragmáticos e cognitivos.

A anáfora associativa limitar-se-ia a restrições formais, sendo concebidas como

associativas apenas as expressões referenciais introduzidas por SN definido, que

estabelecessem uma relação léxico-estereotípica, ou de ingrediência, ou seja, a interpretação

de uma anáfora associativa estaria no léxico. Assim, não podemos deixar de enfatizar que

estabelecer uma relação lexical é realizar inferência, já que léxico é conhecimento de mundo

e/ou conhecimento partilhado, e uma interação apenas ocorrerá se o locutor e o interlocutor

tiverem o conhecimento lexical necessário para a elaboração e interpretação das anáforas.

O léxico tem grande importância no ato de comunicação humana. Como mostrou

Bakhtin: "a significação pertence a uma palavra como traço de união entre os interlocutores,

isto é, ela só se realiza no processo de compreensão ativa e responsiva”, uma vez que “só a

corrente da comunicação verbal fornece à palavra a luz da sua significação” (1981, p. 132).

Para Koefoed & Tarensken (1996), "não importa quem inventa uma nova

expressão verbal porque não é sua invenção em si, mas seu uso na interação que faz dela uma

palavra da linguagem da comunidade". Enfim, "o vocabulário é produto da interação" (p.

132). Couto (1983, p. 125) afirma que o vocabulário em uso em determinada comunidade

surge e é usado para que os membros dessa comunidade interajam entre si. Assim, seguindo

Sapir, poder-se-ia dizer que qualquer fenômeno ou fato natural, social ou mental ao qual os

membros da comunidade precisarem se referir em seus atos de interação comunicativa

receberá um nome. Pensando dessa forma, estaríamos colocando em equivalência os dois

tipos de anáfora, pois ambos utilizam a inferência, independentemente dos aspectos formais,

como recurso crucial para a interpretação das anáforas.

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O que as diferenciaria seriam os níveis ou graus de acessibilidade do referente.

Quanto menor for o percurso inferencial, maior será o seu grau de acessibilidade. Esses graus

de acessibilidade são diferentes para cada indivíduo, sendo estabelecidos no momento da

realização anafórica. Isto torna o assunto ainda mais complexo, o que nos motivou a utilizar a

teoria da acessibilidade de Ariel, no intuito de criar oportunidades para elucidar tais questões.

O que observaremos, então, a partir dos aspectos cognitivos, é se a anáfora

associativa e a anáfora indireta são realmente fenômenos distintos. Iremos testar, com base na

teoria da acessibilidade se, particularmente, esses dois tipos de anáforas representam

diferentes níveis de acesso ao referente. Para realizar essa análise, utilizaremos as próprias

definições dos autores já citados, para, assim, observar e analisar como o percurso inferencial

é realizado na interpretação das anáforas indiretas e associativas.

Há um lugar de destaque para a noção de inferência nessas concepções: são

procedimentos inferenciais que estabelecem a relação entre os dois termos de uma anáfora,

seja ela indireta ou associativa.

2.2. A anáfora indireta

Em seu estudo sobre anáfora indireta, Marcuschi (2000) investigou alguns

aspectos da hoje denominada anáfora indireta (AI)3, geralmente constituída por expressões

nominais definidas ou pronomes interpretados referencialmente sem que lhes corresponda um

antecedente (ou subsequente) explícito no texto. Trata-se de uma estratégia endofórica de

ativação de referentes novos e não de uma reativação de referentes já conhecidos, o que

constitui um processo de referenciação implícita. Segundo o autor, um caso típico de AI seria

este:

(28) Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias.

/.../ Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam que

o barco não estava lá.

3 Entre os trabalhos mais completos sobre o tema encontra-se a obra de Monika Schwarz (2000): Indirekte

Anaphern in Texten,

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De acordo com a análise feita pelo autor para este exemplo, o barco é uma

expressão referencial nova nesse texto, mas surge como se fosse conhecida, pois ancora na

expressão nominal antecedente uma ilha, que lhe dá suporte. Casos assim são frequentes em

todos os gêneros textuais, tanto na fala como na escrita.

Em seu trabalho, Marcuschi (2000) segue de perto o que foi dito por Schwarz

(2000) em: Indirekte Anaphern in Texten. E trabalha com a definição de anáfora indireta,

que considera que as noções estreitas de anáforas não são suficientes para descrever o

fenômeno. Segundo ele, as anáforas indiretas não se restringem à realização através de

pronomes e da referência em sentido estrito. Essa classe de anáforas ameaça noções de texto e

coerência atuais, constituindo um problema central para as teorias formais da referência,

sendo ignorada pelos gerativistas. Por fim, reintroduz, no contexto da gramática, aspectos

sociocognitivos relevantes que permitem repensar tópicos gramaticais na interface com a

semântica e a pragmática.

Marcuschi (2000) afirma que a AI é um caso de referência textual, ou seja, elas

são recursos de construção, indução ou ativação de referentes no processo textual-discursivo

que envolve atenção cognitiva conjunta dos interlocutores. Uma análise detida das

características centrais da AI mostra que essas anáforas não dependem de uma congruência

morfossintática nem da necessidade de reativar referentes já explicitados.

Assim, segundo Marcuschi (2000), podemos dizer que o estudo das AI, além de

ser uma oportunidade para rever as relações entre pragmática e cognição e exigir análises

mais cuidadas da noção de modelos mentais e do funcionamento semântico da língua (em

especial do léxico e dos papéis temáticos), tal estudo propiciaria uma produtiva revisão de

noções tais como língua, categoria, referência, inferência, texto e coerência.

Essa perspectiva utilizada por Marcuschi revela sua visão sobre o conceito de

anáfora indireta, que se trata de uma visão ampla e tem o objetivo de considerar os aspectos

cognitivos e interacionais envolvidos na realização de uma anáfora, visão a que somos

adeptos, até então, tendo em vista a ênfase que o autor deu à pragmática e à cognição.

No entanto, a partir desse ponto, o autor passa a especificamente definir a anáfora

indireta de acordo com Schwarz (2000), distanciando-se do que para nós seria uma

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abordagem sociocognitiva interacional: a definição de AI tal como a proposta por Schwarz

(2000, p.49) é:

No caso da Anáfora Indireta trata-se de expressões definidas que se acham na

dependência interpretativa em relação a determinadas expressões da estrutura textual

precedente e que têm duas funções referenciais textuais: a introdução de novos

referentes (até aí não nomeados explicitamente) e a continuação da relação

referencial global.

Marcuschi acrescenta à definição de Schwarz, além das expressões definidas, as

expressões pronominais. Assim, para o autor, a definição de anáfora indireta foi reelaborada

da seguinte forma:

No caso da Anáfora Indireta trata-se de expressões definidas [e expressões

pronominais] que se acham na dependência interpretativa em relação a determinadas

expressões [ou informações constantes] da estrutura textual precedente [ou

subsequente] e que tem duas funções referenciais textuais: a introdução de novos

referentes (até aí não nomeados explicitamente) e a continuação da relação

referencial global. (MARCUSCHI, 2000).

A nosso ver, apesar de o autor propor inicialmente uma abordagem mais cognitiva

e pragmática, ele vem mostrar, com essa definição, um apego aos aspectos formais,

estabelecendo ainda restrições formais para a realização de uma anáfora, característica que

nos levaria a considerá-la uma definição que se aproximaria da concepção estreita de anáfora

indireta.

De acordo com Schwarz (2000, p. 50), as características da AI são:

a) a inexistência de uma expressão antecedente ou subsequente explícita para

retomada e presença de uma âncora4, isto é, uma expressão ou contexto

semântico base decisivo para a interpretação da AI;

b) a ausência de relação de correferência entre a âncora e a AI, dando-se apenas

uma estreita relação conceitual;

c) a interpretação da AI se dá como a construção de um novo referente (ou

conteúdo conceitual) e não como uma busca ou reativação de elementos prévios

por parte do receptor;

d) a realização da AI se dá normalmente por elementos não pronominais, sendo

rara sua realização pronominal.

4 Adoto aqui a expressão „âncora‟, sugerida por Schwarz (2000:74), tendo em vista ser melhor do que outras

como „gatilho‟ que evoca inferências prospectivas; ou „antecedente‟, já que nem sempre vem antes; além disso,

uma “expressão-âncora” ativa significados desencadeando inferências potenciais ou relações possíveis nem

sempre lexicalizadas mas situadas no texto.

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Para a autora, o seguinte exemplo seria um caso de anáfora indireta pronominal:

(29) Ontem fomos a um restaurante. Ele foi muito deselegante e arrogante.

Marcuschi explica que a interpretação de uma anáfora realizada por pronome é

dificultada por conter pouca informação sobre o referente, distinguindo-se do exemplo dado

anteriormente, no qual o barco, apesar de ser “novo” no discurso, aparece como já conhecido.

Observaremos, posteriormente, na análise da Teoria da Acessibilidade, que Ariel (2001) tem

uma opinião distinta em relação a essa perspectiva: pois, para ela, quando há a ocorrência de

uma expressão referencial anafórica realizada através de um pronome, essa expressão indica

um alto grau de acessibilidade, pois, se não houve a necessidade de detalhar o termo a ser

referido, isso se deve ao fato de o termo já ser relevante no discurso anterior, ou seja, o

contexto ativou o frame de restaurante, trazendo à tona os elementos esperados nessa situação,

manifestando, assim, o fator de saliência. Esse estudo será melhor detalhado na sessão 3.1.

deste trabalho.

O trabalho de Marcuschi (2000) deixa claro que sua perspectiva teórica está

voltada para uma abordagem mais pragmática e cognitiva na definição de anáfora indireta; o

autor considera que os processos cognitivos e as estratégias inferenciais são decisivos na

atividade de textualização, bem como nos processos de realização/interpretação das anáforas.

Sentimos falta, no entanto, de exemplos que demonstrem isso, que fujam do apego formal e se

expandam de modo a entrar em contato com exemplos reais em que possamos encontrar a

necessidade da utilização dessa perspectiva, pois, nos exemplos presentes no seu trabalho, o

que podemos ver é uma análise voltada para a forma como foi introduzida a expressão

anafórica.

Sua perspectiva deixa de fora realizações anafóricas reais, como no exemplo

abaixo:

(30) “Num convento moravam cem freiras e uma madre superiora. Um dia a

madre superiora reuniu todas as freiras no pátio e falou: “Minhas irmãs, esta noite um homem

entrou neste convento!”. 99 freiras : “Oooooh...” Uma freira: “IH, Ih, ih...” A madre superiora

diz: “E esta não foi, sem dúvida, a primeira vez!” 99 freiras : “Oooooh...” Uma freira: “IH, Ih,

ih...” A madre continua: “Ele entrou num de nossos quartos!” 99 freiras : “Oooooh...” Uma

freira: “IH, Ih, ih...”. “Eu encontrei um preservativo usado!” 99 freiras : “Oooooh...” Uma

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freira: “IH, Ih, ih...”. “E este preservativo estava furado!” Uma freira : “Oooooh...” 99 freiras :

“IH, Ih, ih...”

Disponível em:

http://www.ask.com/bar?q=Num+convento+moravam+cem+freiras&page=1&qsrc=121&dm

=all&ab=0&u=http%3A%2F%2Fwww.zebisteca.com.br%2F6011%2Fpiadas%2Freligiao%2

Fnoconvento&sg=gGmxNA2ZheBdhfsGggkKHCC5i8WzuTmPlCrjsRJpZQU%3D&tsp=126

2433471980

Podemos dizer, neste caso, que houve a ativação de um referente, não mencionado

no texto, mas presente no conhecimento de mundo de grande parcela do público que

compartilhou dessa piada; a expressão referencial um preservativo usado possivelmente

remete à ação praticada pela freira. A busca pelo referente requer, para sua compreensão, um

conhecimento de mundo que permita a realização dessa inferência. E ainda: a expressão

anafórica foi introduzida por um indefinido, restrição formal que faria com que esse termo

não fosse considerado por Marcuschi como uma anáfora indireta.

Exemplos como esse nos levam a refletir sobre os critérios utilizados pelo autor

na sua caracterização de anáfora indireta. Acreditamos que o autor participa do grupo que

defende uma concepção ampla de anáfora, porém, em nossa pesquisa, queremos ampliar ainda

mais esse conceito, considerando que o que poderia reger uma classificação de anáforas

seriam os níveis de inferência e não sua forma de introdução.

Há ainda algo considerado como um problema para nós: a nomenclatura flutuante.

Os autores citados aqui ora distinguem a anáfora indireta da associativa, ora têm os termos

como sinônimos. No caso de Marcuschi (2000), ao dizer em nota de rodapé que as anáforas

associativas são parte substancial das anáforas indiretas, ele as distingue e afirma que a

anáfora associativa é um subtipo de anáfora indireta. Em outra nota de rodapé, o autor coloca-

as em equivalência:

Embora não se discuta aqui a questão, saliento que o divisor teórico entre os autores

que postulam uma visão estreita de anáfora (por ex.: Kleiber, Schnedecker, Ducrot)

e os autores que postulam uma visão ampla de anáfora (por ex.: Reichler-Béguelin,

Berrendonner, Apothéloz, Dubois, Mondada) é que para os primeiros, ou seja, os

que postulam uma visão estreita, a anáfora associativa, isto é, a AI, se dá com base

em relações lexicais marcadas e inscritas a priori no próprio léxico. A associação

seria dada como uma espécie de suposição semanticamente instituída na própria

língua e situada no âmbito da competência linguística. Isto tornaria a AA uma

relação essencialmente léxico-estereotípica.

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Logo, esperamos, com nossa pesquisa também discutir sobre essas divergências

relacionadas à nomenclatura, propondo uma reorganização desses termos.

2.3. Comparando exemplos

Deparamo-nos com diferentes definições de anáforas associativas; podemos, até

então, separar, grosso modo, a concepção estreita e a concepção ampla, e, observando, a partir

dos exemplos dados, os pontos divergentes e os pontos em comum, levando em consideração

que esses exemplos irão se assemelhar aos que apresentaremos a seguir para as anáforas

indiretas, o que revela a falta de consenso entre os estudiosos do assunto para tais definições.

Além disso, as definições explicitadas até aqui, a nosso ver, não dão conta do fenômeno da

anáfora associativa, tendo em vista os seus aspectos interacionais, sociocomunicativos e

cognitivos.

Após a abordagem teórica, veremos agora exemplos de anáforas indiretas e de

anáforas associativas, para observarmos na prática os diferentes níveis de inferência

realizados na interpretação dessas anáforas.

Primeiro vejamos exemplos clássicos de anáforas associativas:

(31) Não pegue a xícara amarela. A asa está quebrada. (CAVALCANTE, 2003)

(32) “Entramos num vilarejo. A igreja estava situada no alto.” (KLEIBER, 2001,

p. 263)

(33) “- A operação se passou bem. O operado e o cirurgião até mesmo

brincaram juntos./ Houve um assassinato. O assassino foi rapidamente preso.” (KLEIBER,

2001, p. 324).

(34) O carro tem a direção tortadiversos.. (CAVALCANTE, 2003).

Estes exemplos de anáforas associativas são classificados por Kleiber,

respectivamente, como meronímicas, actanciais, funcionais e locativas. Ambos os exemplos

possuem o acesso ao seu referente através de uma relação lexical de forma explícita no

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cotexto anterior, sendo este tipo de anáfora considerada de mais fácil acesso devido ao grau

de proximidade que as expressões anafóricas apresentam em relação a seus antecedentes.

Agora, mostraremos exemplos clássicos de anáforas indiretas:

(35) Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias.

/.../ Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam que

o barco não estava lá. (MARCUSCHI, 2000).

(36) Ontem fomos a um restaurante. O garçom foi muito deselegante e

arrogante. (MARCUSCHI, 2000).

(37) Eu queria fechar a porta quando Moretti saltou dos arbustos. Com o susto

deixei cair as chaves. (MARCUSCHI, 2000).

Estes exemplos, embora tenham sido citados pelos autores como anáforas

indiretas, possuem estreita semelhança com os exemplos citados para anáfora associativa, o

que torna os dois conceitos ainda mais semelhantes. A diferença está na inexistência de uma

expressão explícita para a retomada anafórica, mas há a presença de uma expressão

antecedente que é fundamental para a interpretação da anáfora indireta, uma âncora.

Desse modo, podemos considerar que o processo de inferência realizado para a

interpretação das anáforas indiretas deve ser mais elaborado, ou de mais difícil acesso que o

das anáforas associativas, o que não as distingue, mas as torna escalares.

Esses exemplos foram assim dispostos para nos levarem a uma reflexão sobre a

diferenciação das anáforas. O que temos observado na literatura são diferentes formas de se

estabelecer uma classificação que as diferencia, dando características diferentes, ou mesmo

iguais, mas há sempre a tentativa de separá-las ou distingui-las. A presente pesquisa inspirou-

se nessa duplicidade de conceitos, que acabam encontrando seu ponto em comum quando os

autores exemplificam o fenômeno, considerado, aqui, como único. As diferenças existem,

mas elas ocorrem em diferentes níveis de aceso ao referente, o que tentaremos explicar com o

apoio da teoria da acessibilidade.

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Os aspectos cognitivos envolvidos no ato da inferência são complexos devido a

sua relatividade. Essa inferência necessária à interpretação das anáforas depende de diversos

fatores, como conhecimento de mundo, conhecimento compartilhado, aspectos sociais,

interacionais, dentre outros. O que queremos dizer é que um referente pode ser acessível para

um falante, mas, para outro falante da mesma língua, com todas as condições necessárias à

interpretação, pode não ser.

A utilização da teoria da acessibilidade dará um aparato teórico para comparar os

exemplos adotados por diferentes autores, que abordam este assunto de maneira diferenciada.

A teoria da acessibilidade é bastante apropriada para demonstrar que as anáforas,

sejam elas associativas ou indiretas, compartilham várias características, sendo, neste

trabalho, considerada mais relevante a que considera os aspectos cognitivos. Dando ênfase ao

processo inferencial realizado na interpretação dessas anáforas e confirmando que toda

anáfora é inferencial, argumentamos que o que as diferencia são os níveis de inferência.

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3. A ACESSIBILIDADE DE REFERENTES: O ASPECTO COGNITIVO

DA RELAÇÃO ANAFÓRICA

Neste ponto da dissertação, adentraremos as teorias de base cognitiva que servirão

de suporte para a análise que faremos posteriormente. Faremos um percurso que

consideramos pertinente para chegar ao ponto que nos interessa, que é a teoria da

acessibilidade de Ariel (1996; 1998; 2001). Mostraremos, então, uma pequena trajetória das

teorias que antecederam ou coocorreram com as ideias de Ariel, ressaltando as motivações

que nos fizeram optar por essa teoria como base de nossa pesquisa.

3.1. Um breve percurso sobre as teorias cognitivas

Dos estudos que abordam a relação existente entre o aspecto cognitivo do

referente e a escolha de sua forma de realização no texto têm surgido algumas escalas de

acessibilidade. É o que podemos observar, dentre esses estudos, em Chafe (1987; 1979; 1980;

1994), que concebe a existência de uma dimensão chamada Estado de Ativação, propondo

que, a cada momento da interação, o conceito veiculado por um SN pode estar em um destes

três estados na consciência do interlocutor: ativo, semi-ativo e inativo. Segundo o autor, a

maneira como as pessoas usam a língua depende muito daquilo de que elas têm consciência

em diferentes pontos da interação; depende não apenas do foco de atenção do locutor, mas

também do que ele acredita estar na consciência do interlocutor.

Para Givón (1990), o fluxo informacional tem efeitos imediatos na estrutura

gramatical das manifestações discursivas. Ele afirma que informações dadas são, geralmente,

codificadas de forma econômica na língua; já as informações novas se manifestam por

Sintagmas Nominais plenos. O autor (2002) também declara que o falante constrói três

hipóteses, fundadas em três sistemas de memórias, que são semelhantes aos três estados de

Chafe.

Há ainda outra descrição, também tripartida, relacionada ao acesso do referente,

mas esta dá uma ênfase maior ao processamento referencial no discurso, a descrição feita por

Koch (2004):

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1. Construção/ativação: pela qual um “objeto” textual até então não mencionado é

introduzido, passando a preencher um nódulo (“endereço” cognitivo, locação) na rede

conceitual do modelo de mundo textual: a expressão linguística que o representa PE posta em

foco na memória de trabalho, de tal forma que esse “objeto” fica saliente no modelo.

2. Reconstrução/reativação: um nódulo já presente na memória discursiva é

reintroduzido na memória operacional, por meio de uma forma referencial, de modo que o

objeto-de-discurso permanece saliente.

3. Desfocalização/desativação: ocorre quando um novo objeto-de-discurso é

introduzido, passando a ocupar a posição focal. O objeto retirado do foco, contudo,

permanece em estado de ativação parcial, podendo voltar à posição focal a qualquer

momento, ou seja, ele continua disponível para utilização imediata na memória dos

interlocutores.

(KOCH, 2004, apud. CAVALCANTE, 2007)

Podemos observar, diante do que foi dito, e segundo Cavalcante (2007), que o

critério que regula a divisão ternária de Koch é simplesmente o de objeto-de-discurso que foi

mencionado ou não no cotexto e em que momento:

1) Estar entrando no foco de atenção comum – ativação;

2) Ser refocalizado depois de ter sido referido a primeira vez – reativação;

3) Sair de foco – desativação.

Isto torna ainda mais semelhantes a descrição de Koch e a de Chafe, ou seja,

ambas têm uma preocupação com a evolução do estatuto cognitivo-referencial da entidade ao

longo do desenvolvimento discursivo e não com a correlação estabelecida em abstrato entre a

informação e suas manifestações linguísticas.

Para Givón (1983), há uma relação inversa entre o grau de acessibilidade dos

referentes e o nível de complexidade das formas referenciais. Assim, conforme afirmam Li &

Zubin (1995, p. 287), baseados em Givón:

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Basicamente, quanto menos acessível o referente, mais robusta a expressão

referencial anafórica (tanto em sua forma fonológica quanto em seu conteúdo

semântico). Em compensação, quanto mais acessível o referente, mais reduzida a

expressão referencial anafórica.

Já em 2002, Givón adota uma visão neurocognitiva do processo de designação de

referentes. O autor revê a noção de contexto comunicativo. Para ele, é errado “objetivizar” os

elementos da realidade que envolvem a comunicação (texto impresso ou gravado, elementos

físicos da situação ou ambiente sociocultural no qual se desenvolve o discurso). O contexto,

segundo o autor, não pode ser visto como “uma entidade objetiva estável”; ao contrário, ele

constitui “um construto mental” (p. 223), que se configura para um determinado momento,

sendo, portanto, em princípio, “dependente de avaliação (em termos) de framing, perspectiva

e relevância” (p. 224). Daí, segundo a opinião do autor, não podermos considerar o contexto

algo equivalente à realidade objetiva que envolve a comunicação, um hábito que se teria

desenvolvido nos meios científicos.

Givón defende a existência de três sistemas de memória e atenção identificados

tradicionalmente pelos psicólogos: a memória semântica permanente (léxico), a memória

episódica (texto) e a memória de trabalho (foco de atenção corrente). Segundo o autor, na

comunicação humana, essas três espécies de memória correspondem, respectivamente, às três

principais divisões do contexto partilhado: contexto cultural, contexto discursivo e contexto

situacional. Note-se que, já em Chafe, o que é considerado como do âmbito do léxico é de

natureza cultural e envolve, portanto, conhecimentos compartilhados e inferências.

Assim, o autor classifica a acessibilidade do referente da seguinte forma:

1. Acessibilidade baseada no contexto cultural partilhado:

Existem certos referentes que são reconhecidos de maneira única por todos os

membros de uma determinada comunidade. Por isso, são codificados através de SN plenos,

como ocorre, nos casos citados por Givón (2002), com as entidades: o sol, o presidente e o

pai, respectivamente nos exemplos abaixo, nos quais o acesso ao referente se dá através do

contexto de base sócio-cultural.

(38) O sol já nasceu.

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(39) O presidente comemorou a chegada do novo ano com a família.

(40) O papai aniversaria na próxima semana.

(Exemplos adaptados de GIVÓN, 2002, apud COSTA, 2007)

2. Acessibilidade baseada no contexto cultural e no discursivo:

Segundo Givón, um referente definido pode ser acessado em parte pela

representação do contexto cultural (memória de longo prazo) e em parte pela representação do

texto corrente (memória episódica), como acontece com “o vendedor” e “no rio”,

respectivamente nos trechos abaixo:

(41) a. Mal entrei na loja, o vendedor veio ao meu encontro. b. Um homem

sonhou que estava em uma ponte. De um lado da ponte aparece uma pantera; do outro lado,

um leão. O homem tentou pular no rio, mas o rio estava cheio de jacarés.

(Trecho de piada, apud. COSTA, 2007).

3. Acessibilidade baseada no discurso/texto corrente (memória episódica):

Neste caso, o falante pode assumir que determinado referente constitui o foco de

atenção na mente de seu interlocutor (está presente na memória de trabalho); e pode, por outro

lado, supor que o referente está presente como um traço mental na memória episódica do

texto em curso. Nas duas situações, o referente estaria acessível ao ouvinte.

Givón (2002) elenca uma série de recursos linguísticos usados pelos falantes para

indicar os diversos níveis de acessibilidade que estes supõem ter os referentes na mente de

seus interlocutores. Os exemplos a seguir ilustram a ideia do autor de que os referentes mais

acessíveis são geralmente designados por formas menos complexas e os menos acessíveis, por

expressões mais complexas.

Os exemplos seguem de acordo com os recursos linguísticos utilizados na

realização da anáfora:

Anáfora zero:

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(42) Acredito também que somente através da Autonomia é que (0) somos

capazes de produzir conhecimento e utilizá-lo.

(trecho de mensagem do fórum EaD).

Pronome anafórico:

(43) Foi nessa época que um grupo de cientistas decidiu se organizar para formar

um pelotão especial. Eles trabalhariam independentes do governo, mas reuniriam um dream

team da física para pesquisar armas de guerra. Tudo no maior segredo.

(Revista Superinteressante, janeiro 2007)

Pronome tônico:

(44) Decidiu presentear seus amigos Maria e Carlos. A ELA, deu um livro; a

ELE, um CD.

(Adaptado de GIVÓN, 2002, apud. COSTA, 2007)

Givón afirma que os sintagmas plenos costumam ser usados quando o falante

assume que o referente não é tido como ativado na memória do interlocutor. Se ele supõe que

este não tem nenhum traço do referente acessível na memória episódica, costuma designar tal

referente por meio de um sintagma indefinido, marcando-o como totalmente novo. Vejamos

os exemplos:

Sintagma indefinido:

(45) Um homem sonhou que estava em uma ponte. De um lado da ponte aparece

uma pantera; do outro lado, um leão.

(Trecho de piada, apud. COSTA, 2007)

O falante também pode utilizar um sintagma definido, se assumir que o referente,

mesmo não estando citado no discurso corrente, pode ser acessado pelo ouvinte através de um

traço na memória episódica que este vem construindo do texto. É o que ocorre em (41):

Sintagma definido:

(46) Um homem sonhou que estava em uma ponte. De um lado da ponte aparece

uma pantera; do outro lado, um leão. O homem tentou pular no rio, mas o rio estava cheio de

jacarés. O que ele fez?

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R.: Acordou.

(Piada colhida na Internet, apud. COSTA, 2007)

Outra forma de designar o referente se faz por meio de uma expressão composta

por um sintagma definido mais uma oração relativa restritiva. Givón reconhece que as

condições de ativação e busca do referente quando do uso dessa forma referencial são

parecidas com a situação em que ocorre o uso do sintagma definido. É o que podemos ver em

(47), com as expressões As autoridades que cuidam da fauna no Sri Lanka e no

maremoto que atingiu o sul da Ásia.

Sintagma definido + oração relativa restritiva:

(47) As autoridades que cuidam da fauna no Sri Lanka anunciaram que,

apesar da perda de milhares de vidas humanas no maremoto que atingiu o sul da Ásia, não

há registro de mortes entre animais.

(Notícia on-line - BBC Brasil, apud. COSTA, 2007).

4. Acessibilidade baseada na situação de fala compartilhada

Segundo Givón, na maioria dos casos em que o acesso referencial conta com o

modelo mental da situação de fala, podemos verificar o uso de formas dêiticas que codificam

os interlocutores (eu, tu, nós), outros referentes (isto, isso, aquilo), a localização (aqui, aí,

acolá) e o tempo (agora, depois, ontem, hoje, amanhã). O autor demonstra “a mudança

constante da representação da situação de fala na memória de trabalho” (p. 234) pela maneira

como mudam os referentes de “eu” / “você”, “aqui” / “aí”, em função da inversão de papéis

entre os interlocutores, durante uma interação. No exemplo abaixo, o autor ilustra a

“constante mudança na natureza da representação da situação de fala na memória de trabalho”

pela forma como a referência de „I‟, „you‟, „here‟ e „there‟ se alterna com a mudança do

falante/ouvinte:

(48) So Mary Said:

Então Mary disse:

“I told you wasn‟t going to be here”.

“Eu te disse que eu não estaria aqui”

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To wich Marvin replied:

Ao que Marvin replicou:

“But I knew you were there”

“Mas eu sabia que você estava aí”.

(GIVÓN, 2002, p. 234, citado por COSTA, 2007)

Quando trata de níveis de acessibilidade, Givón (2002) não estabelece categorias

mentais discretas, como o fazem Chafe, Prince e Gundel (1987; 1979; 1980; 1994). Apenas

reconhece, de acordo com Costa (2007), que os referentes podem ser tidos como mais ou

menos acessíveis, e que a consideração de um menor ou maior grau de acessibilidade de um

referente é marcada linguisticamente pelo falante quando este usa, respectivamente, formas

referenciais mais ou menos complexas.

Concordamos com Costa (2007), quando comenta que o modelo givoniano chega,

às vezes, a considerar de forma isolada os fatores de acessibilidade. Para a autora, o

formalismo que Givón pode trazer a sua teoria seria o maior responsável por algumas lacunas

no seu modelo de análise: “conclusões “apressadas”, em termos de marcação do grau de

acessibilidade” (COSTA, 2007, p. 113).

3.2. A Teoria da Acessibilidade

Ariel (1996; 1998; 2001), em seus estudos, adota um posicionamento voltado,

especificamente, para as expressões referenciais, contemplando, também, os aspectos sociais,

situacionais, discursivos, linguísticos e cognitivos necessários à construção dessas expressões.

Ariel defende a teoria da acessibilidade, na qual a autora nos revela que a

acessibilidade da memória conduz o modo como a expressão referencial está disposta no

discurso. Para Ariel (1996; 1998; 2001), o discurso é visto em sua perspectiva ampla, pois não

é encarado apenas no nível linguístico, mas também, nos níveis extratextuais que o compõem.

De acordo com a autora, a ideia central da teoria da acessibilidade, é que as

formas referenciais constituem instruções ao destinatário de como este deve recuperar da

memória certa parte de uma determinada informação, de acordo com sua acessibilidade no

discurso corrente. Ao lado dessa função procedural, reconhece ela, a maioria das expressões

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referenciais porta algum conteúdo conceitual, o qual também contribui para a identificação do

referente.

Ao enfatizar os diversos elementos que agem na construção do discurso, Ariel

(2001) ressalta três fatores que atuam conjuntamente, a saber: as informações previamente

mencionadas no discurso; as informações do conhecimento enciclopédico e, também, do

contexto físico.

A autora analisa os tipos de contexto que “colaboram” na identificação de

referentes (conhecimento enciclopédico, discurso anterior e atos de fala) e as respectivas

categorias de givenness que costumam ser atribuídas a esses contextos (givenness de

conhecimento, givenness física e givenness linguística). Ariel (1996, p. 10) observa que as

variedades de expressões referenciais são mais ricas que o número de tipos de estocagem de

informações na memória que os psicólogos cognitivos estão dispostos a reconhecer. Desse

modo, o tipo de memória não deve ser usado para caracterizar o uso linguístico.

Segundo a autora, diversos aspectos influenciam nas escolhas referenciais

utilizadas pelos interactantes. Aos aspectos linguísticos, sociocognitivos, situacionais devem

estar somados os aspectos textual-discursivos, a saber: distância, saliência, competição e

unidade.

A elaboração desses quatro aspectos trouxe a sua teoria uma abordagem

diferenciada, pois tais aspectos contemplam a natureza textual-discursiva, desprezada em

muitas abordagens.

Observemos cada um:

a) O fator distância: esse aspecto considera a recuperação das expressões

referencias. Desse modo, quanto mais próximo estiver o elemento recuperado da primeira

menção, menor será a necessidade de sua recuperação por meio de elementos extensos;

Podemos observar, a partir do seguinte exemplo, o fator distância:

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(49) A medalha de ouro na categoria “cientista louco”, porém, vai para o greco-

americano Nicholas Christofilos. Um dos primeiros a se juntar aos Jasons, ele não era um

professor acadêmico, mas proprietário de uma firma para manutenção de elevadores.

(Revista Superinteressante, janeiro 2007)

Neste primeiro exemplo, a possibilidade de uso do termo ele é motivada pela

proximidade com a expressão recuperada o greco-americano Nicholas Christofilos. Devido

a essa aproximação entre a primeira menção e o elemento retomado, não seria necessário ao

emissor recuperar o mesmo referente marcando-o, linguisticamente, com uma expressão mais

esclarecedora. Foi utilizada, então, uma expressão considerada pela autora como sinalizadora

de alta acessibilidade: o pronome ele. Portador de baixa informatividade, é utilizado quando

não há a necessidade de esclarecer de forma detalhada a expressão a ser retomada, tendo em

vista a proximidade, neste exemplo, da expressão a ser referida.

b) O fator competição: este ocorre da seguinte forma - quando temos dois

elementos para serem recuperados para a referência mais próxima, são utilizados, em geral,

termos mais curtos e menos esclarecedores. Já para as expressões referenciais de relativa

distância, as expressões seriam normalmente mais longas e mais esclarecedoras.

Vejamos a influência do fator competição.

(50) O leão e o mosquito

Um leão ficou com raiva de um mosquito que não parava de zumbir ao redor de

sua cabeça, mas o mosquito não deu a mínima.

-Você está achando que vou ficar com medo de você só porque você pensa que é

rei? – disse ele altivo, e em seguida voou para o leão e deu uma picada ardida no seu focinho.

Indignado, o leão deu uma patada no mosquito, mas a única coisa que conseguiu

foi arranhar-se com as próprias garras. O mosquito continuou picando o leão, que começou a

urrar como um louco. No fim, exausto, enfurecido e coberto de feridas provocadas por seus

próprios dentes e garras, o leão se rendeu. O mosquito foi embora zumbindo para contar a

todo mundo que tinha vencido o leão

(Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas, apud. COSTA, 2007, p.123)

Nesse exemplo, Costa (2007) argumenta que existe uma forte influência do fator

competição na realização dessas anáforas. Como as duas entidades estão competindo pelo

lugar de antecedente e elas apresentam o mesmo número e o mesmo gênero, a recuperação

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pela pronominalização não seria a mais adequada e poderia gerar ambiguidade. Desse modo,

devido à concorrência das duas formas, é mais cabível, como fez o escritor, construir

expressões mais claras repetindo várias vezes os nomes leão e mosquito.

c) O fator saliência: nesse aspecto, a autora deixa clara a importância do tópico e

da utilização de inferências. A realização das expressões referenciais depende da

automaticidade/estereotipicidade da inferência necessária à geração de um status de uma

entidade dada. Logo, ao tratar de um restaurante, é mais fácil encontrar, como a autora chama

atenção, referências menos explícitas a garçons que a guarda-chuvas, visto que garçom, nesse

frame, é uma entidade mais facilmente inferida. Podemos ver outro exemplo a seguir:

(51) No começo do ano, marés altas provocam inundações a toda hora. A água

invade as casas e causa erosões.

(Revista Superinteressante, janeiro 2007)

O termo A água foi introduzido no texto como já conhecido. Sua realização se

deu de acordo com o fator de Saliência, pois esse termo foi interpretado devido à sua inserção

no frame inundações.

d) O fator unidade: esse fator associa, também, os elementos linguísticos

antecedente e anafórico. A redução ou a manutenção da continuidade tópico permite que as

expressões sejam recuperadas de diferentes formas. Podemos encontrar esse aspecto com

bastante frequência em expressões advindas de um novo parágrafo, que dão continuidade ao

texto e buscam recuperar algo já dito, como no exemplo abaixo:

(52) Sim, pois Lost funciona como um jogo, elaborado com uma riqueza de

detalhes que não cabe só na televisão. “O espectador assiste à série como quem joga um

videogame. Ele ganha mais poder, armas e informações à medida que avança”.

(Revista Superinteressante, fevereiro 2007)

Vale ressaltar que, nos fatores de acessibilidade de Ariel, conforme observa Costa

(2007), os dois primeiros estabelecem uma relação negativa com o nível de acessibilidade, ou

seja, quanto maior a distância e o número de competidores, menor será a acessibilidade,

fazendo-se necessário o uso de expressões potencialmente mais informativas, como os nomes

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plenos e as descrições definidas. Já os dois últimos funcionam numa relação positiva: maiores

níveis de saliência e de unidade criariam a possibilidade de uso de marcadores de alta

acessibilidade (formas menos informativas, como os pronomes e as elipses).

Em se tratando das escolhas referenciais dos exemplos apresentados, percebemos

que ora as expressões são bastante esclarecedoras, ora não. Levando em consideração a

maleabilidade das disposições, Ariel (1996; 1998; 2001) aponta para uma variada escala de

graus de acessibilidade. Esses graus são determinados pelos critérios de informatividade,

rigidez e atenuação.

Em geral, entidades que são mentalmente mais acessíveis são recuperadas por

expressões linguísticas menos informativas, menos rígidas e mais atenuadas. Retornando aos

exemplos apresentados, percebemos que as formas ele do exemplo (49), ele do exemplo (52)

revelam um alto grau de acessibilidade. Por sua vez, entidades mentais menos acessíveis são

recuperadas por expressões mais informativas, mais rígidas e menos atenuadas. Voltando aos

mesmos textos, encontramos em (50) um leão e um mosquito, expressões que revelam um

baixo grau de acessibilidade.

Reconhecer se é alto ou baixo o grau de acessibilidade nos textos depende da

função estabelecida na escala de graus de acessibilidade de Ariel. A escala parte de

expressões que indicam menor grau de acessibilidade para expressões que indicam maior grau

de acessibilidade, de acordo com a sequência abaixo:

Nome pleno + modificador> nome pleno > descrição definida longa > descrição

definida curta> último nome> primeiro nome> demonstrativo distante +

modificador> demonstrativo próximo + modificador> demonstrativo distante + SN>

demonstrativo próximo + SN> demonstrativo distante - SN> demonstrativo próximo

- SN> pronome tônico + gesto> pronome tônico> pronome átono> pronome clítico>

flexões de pessoa verbal> zero108.

(ARIEL, 1996. p. 10).

Essa escala permite a Ariel (1998) fazer incursões que a associam aos fatores

textual-discursivos. Relacionando-a com o fator distância, por exemplo, Ariel destaca que

nomes próprios, descrições definidas, demonstrativos e pronomes de terceira pessoa podem

ser elementos que recuperam entidades de variadas distâncias. As entidades referidas por

nomes próprios recuperam, em geral, termos de maiores distâncias e entidades referidas por

pronomes recuperam elementos mais recentemente mencionados. Devemos lembrar que,

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como pode existir a influência de um fator sobre o outro, essas considerações podem ser

transgredidas.

Apesar de Ariel fazer considerações sobre os elementos textual-discursivos em

seus estudos, a autora não os coloca como pontos mais importantes em sua teoria, porém, a

autora sente necessidade de um maior detalhamento desses aspectos, tendo em vista a pouca

ou nenhuma exploração desses elementos em outras teorias, além do seu enquadramento

dentro dos estudos linguísticos.

Através das breves informações esclarecidas aqui sobre a Teoria da

Acessibilidade, podemos perceber que a teoria não foge dos princípios linguísticos e que é

apropriada ao estudo da referenciação, pois explica o fenômeno em estudo sem rigidez,

permitindo flexibilidade nas explicações das construções. Ao deixar claro que fatores da

acessibilidade, como a distância, a saliência, a competição e a unidade, são importantes na

construção das expressões, Ariel deixa nítido, também, que, para a utilização desses fatores,

uma série de conhecimentos e atividades inferenciais atuam em conjunto nessa construção.

A utilização da teoria da acessibilidade em nossa pesquisa propiciará a elaboração

de uma proximidade dos conceitos atuais de anáforas indiretas e associativas a uma

perspectiva que enfatiza em sua análise o aspecto cognitivo da interação. Pretendemos, com

essa aproximação, fazer uma rediscussão dos critérios definitórios desses conceitos utilizados

por diferentes autores.

Valer-nos-emos dos estudos recentes que também utilizam a teoria da

acessibilidade, como Costa (2007) e Oliveira (2009), para observarmos como essa teoria vem

sendo utilizada sob diferentes ângulos.

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4. REDISCUTINDO A TEORIA

Nesta sessão, começaremos explicitando a metodologia que utilizamos em nossa

pesquisa e, no momento seguinte, passamos à discussão dos resultados da pesquisa.

Neste ponto, mostraremos nossos métodos de abordagem e explicaremos os

procedimentos que realizamos para elaborar um método de pesquisa que nos serviu de suporte

para embasar a tese defendida em nossa dissertação.

4.1. Métodos de abordagem

Esta pesquisa faz uma rediscussão teórica do tema anáforas indiretas, reavaliando

os critérios que orientam as definições e classificações dos subtipos descritos pela literatura da

área. Por este aspecto, aproxima-se de uma pesquisa bibliográfica, pois não realiza pesquisa

de campo e as análises são feitas através de dados secundários. O estudo é de cunho

qualitativo e descritivo, pois considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o

sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, o

que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de

significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa, que não requer o uso de métodos

e técnicas estatísticas.

Trata-se de uma pesquisa descritiva porque pretendemos analisar os dados

indutivamente. O processo anafórico indireto e seus sentidos são os focos principais de

abordagem. Esse tipo de pesquisa se caracteriza por estudar as peculiaridades de um grupo.

Assim, pretendemos descrever como são construídas as expressões referenciais anafóricas

não-correferenciais, com base na teoria da acessibilidade e redefinir os critérios utilizados

pelos autores para as definições de anáfora indireta e anáfora associativa, pautando-nos pelos

pressupostos teóricos de Kleiber (1994; 2001); Marcuschi (2000) e Schwarz (2000) e Ariel

(1996; 1998; 2001).

No que se refere aos procedimentos técnicos a serem realizados, utilizaremos a

pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, já que, nesse ponto, podemos utilizar mais de

um procedimento.

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Observaremos através de exemplos colhidos por nós em diferentes gêneros

jornalísticos tais como: notícias, crônicas, reportagens, piadas, artigos e charges as

ocorrências de expressões não-correferenciais e consideraremos para a realização da análise

os critérios léxico-semânticos de Kleiber (1994; 2001), nos quais ele considera que são fatores

formais e semânticos que diferenciam as anáforas indiretas ou inferenciais das anáforas

associativas, as quais, segundo o autor, apenas ocorrem se forem introduzidas através de um

sintagma nominal definido. Consideraremos também os critérios que definem a anáfora

indireta, seguindo o que foi dito por Marcuschi (2000) e Schwarz (2000). Marcuschi afirma

que as anáforas associativas são parte substantiva das anáforas indiretas e considera como

critério a explicitude ou não de uma expressão antecedente que sirva para a retomada do

referente. O autor defende a existência de uma âncora para que haja a interpretação da anáfora

indireta. Com isso, nossos questionamentos vão desde a nomenclatura flutuante, até os

critérios utilizados pelos autores para estabelecerem uma distinção entre essas expressões

anafóricas.

Já em Ariel (1996; 1998; 2001), conforme já foi mencionado anteriormente,

encontraremos uma teoria de base cognitiva que nos dará suporte para testarmos nossas

hipóteses. Segundo a autora, as formas referenciais constituem instruções ao destinatário de

como este deve recuperar da memória certa parte de uma determinada informação, pela

indicação de quão acessível está esse pedaço de informação no discurso corrente. Ou seja,

focalizaremos nosso trabalho no processo inferencial realizado para a interpretação de uma

anáfora; não nos deteremos, então, em propostas de novas classificações.

Tentaremos realizar uma análise de exemplos de situações comunicativas em que

ocorrem expressões referenciais anafóricas para fundamentar o argumento de que as anáforas

inferenciais e as associativas não revelam uma separação bipolar, mas apresentam diferentes

níveis de inferência nas suas interpretações, ou seja, ocorrem de maneira escalar.

4.2. Procedimentos de análise

4.2.1 Rediscussão dos critérios classificatórios das anáforas indiretas

Para iniciarmos as análises que se seguirão, faz-se necessário retornarmos às

teorias utilizadas em todo nosso trabalho, haja vista que nossa dissertação caracteriza-se por

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uma rediscussão teórica, ou seja, trata-se de um trabalho que não apresenta pesquisa de

campo; as análises são feitas a partir de dados secundários. No caso das análises que faremos,

coletamos os exemplos dos próprios autores das propostas que utilizamos como fundamento.

Por isso, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, pois procura explicar um problema a partir de

referências teóricas publicadas por autores que abordam o assunto. Nossa pesquisa foi

desenvolvida exclusivamente a partir de fontes bibliográficas.

Para que um texto possua unidade, sentido e significação são necessárias certas

relações estruturadoras, dentre elas, podemos destacar os processos de anaforização, que

aparecem sob a forma de uma gama de expressões referenciais, estabelecendo relações na

frase, entre frases ou no nível discursivo, através de atividades de retomada, remissão e

reformulação de referentes. Desse modo, a anáfora, elemento principal da coesão textual e da

progressão temática, assume um lugar privilegiado na organização do texto, contribuindo para

a coerência discursiva5. Dentre as perspectivas que podemos adotar para estudá-la, aderimos a

uma perspectiva sociocognitiva interacional, por acreditarmos que a realização/interpretação

das anáforas apenas ocorre no momento da comunicação, a partir dos conhecimentos

adquiridos e partilhados pelos interactantes.

De acordo com a perspectiva a que aderimos, a anáfora é vista como um

relacionamento cognitivamente determinado em que o conhecimento partilhado dos

interlocutores será fundamental para orientar boa parte das interpretações anafóricas. Assim, a

interpretação de uma anáfora requer a participação dos interactantes, processo que se dá na

relação entre indivíduos reais, com uma história pessoal e operando sobre o texto. Não

podemos, portanto, estabelecer que a âncora ou elemento antecedente de uma expressão

anafórica seja eminentemente textual, como afirma Kleiber (1994; 2001) ao defender a

existência de uma relação léxico-estereotípica nas anáforas associativas.

4.2.1.1 Problematização dos critérios definidos dentro de uma concepção ampla de anáfora

indireta

5 Para Ilari (2001, p.56), apoiando-se na opinião de muitos estudiosos, a anáfora não é apenas um fenômeno

entre outros que acontecem nos textos: é um fenômeno que constitui os textos, garantindo sua coesão. Todo texto

seria, nesse sentido, uma espécie de grande “tecido anafórico”. (grifo do autor).

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De acordo com as características das anáforas indiretas sugeridas por Marcuschi

(2000a) e Schwarz (2000, p.50), já apresentadas por nós no ponto 2.2. deste trabalho,

reflitamos sobre o seguinte exemplo:

(53) “A família tem recebido a visita de familiares, além de muitos presentes.

“Eles receberam milhares de flores, é impressionante, nem estão cabendo no quarto, já estão

no corredor. Sem falar dos presentes, umas cestas enormes com composições de presentes,

chocolates... o casal está adorando o carinho”, completa Cíntia.

(Revista Caras, julho de 2009)

Observamos que a expressão Eles não retoma correferencialmente a expressão

âncora antecedente A família, porém, podemos inferir, através das pistas deixadas pelo

contexto apresentado pelo excerto acima, as quais podemos identificar pelo fato de A família

ter recebido vários presentes, que a interpretação dessa anáfora indireta encontra-se nesta

expressão. Tal afirmação baseia-se num raciocínio desenvolvido por uma atividade

inferencial, ancorada no conhecimento do leitor, que tem como suporte o conhecimento de

mundo e de cultura partilhados.

Se tal exemplo é perfeitamente aplicável aos casos de anáfora indireta de natureza

mais inferencial, como se explica que os mesmos autores que defendem este ponto de vista

incluam nesse subtipo de anáfora indireta exemplos como o seguinte, retirado de Schwarz

(2000, p. 50)?

(54) Ontem fomos a um restaurante. O garçom foi muito deselegante e

arrogante.

Nosso contra-argumento é que, do mesmo modo que no caso anterior, a expressão

o garçom ativa um referente novo e, ao ancorar num universo textual antecedente, busca na

expressão “um restaurante” sua interpretação. Esse tipo de recuperação inferencial só se

efetiva porque se apoia num frame, num conhecimento esquemático comum, de que o

contexto social de um restaurante inclui profissionais como garçons.

O que questionamos, na exemplificação dos autores, é que situações muito

semelhantes são utilizadas tanto para argumentar em favor da classificação de anáforas

indiretas, como neste acima, quanto na classificação de anáforas estritamente associativas.

Exemplos semelhantes também podem ser encontrados em Kleiber (2001) para

casos típicos de anáforas associativas:

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(55) Ele se abrigou sob uma velha tília. O tronco estava trincado.

(56) Nós chegamos a uma cidadezinha. A igreja ficava no alto de uma colina.

(57) Paulo comprou esse romance, porque o autor lhe é familiar.

(58) Nós entramos em um restaurante. O garçom recusou-se a nos atender.

(59) Paulo cortou o pão e guardou a faca.

São exemplos em que se reconhece claramente uma relação léxico-estereotípica

de parte-todo. Apesar disso, suas interpretações apenas foram possíveis, através da busca dos

elementos contextuais, anteriores oferecidos pelo texto, que funcionam como pistas textuais

para “guiar” os interactantes na compreensão dessas expressões, diferente do que argumenta

Kleber, que afirma que tal interpretação se realizou através da relação léxico-estereotípica do

SN1 - antecedente com o SN2 - expressão anafórica.

Além dessas semelhanças com exemplos de outros autores para os dois tipos de

anáforas, outra situação problemática acontece com este outro exemplo também de Schwarz

(2000):

(60) Ontem fomos a um restaurante. Ele foi muito deselegante e arrogante

A autora percebe que para a realização desses dois casos de anáforas existem

diferenças no que diz respeito à inferência realizada para sua compreensão.

(...) vê-se que não se tem aí a mesma facilidade de entendimento, pois “ele”, em

(60), pode ativar vários referentes e não necessariamente o garçom, como em (54).

Não obstante isso, observo que há casos de AI pronominal, como em (61), de fácil

compreensão por ativar um esquema cognitivo constituindo indivíduos e

denominando-os pronominalmente:6 (SCHWARZ, 2000, apud. MARCUSCHI,

2000, adaptado)

(61) A equipe médica continua analisando o câncer do Governador Mário Covas.

Segundo eles, o paciente não corre risco de vida.

A conclusão a que autora chegou ao comentar que “a facilidade no entendimento”

de uma anáfora pode variar de acordo com o percurso cognitivo realizado para a sua

6 Este exemplo foi amplamente analisado no estudo Marcuschi (2000a). O curioso no exemplo (4) é que se o

pronome estivesse no singular não funcionaria tão bem. Essa noção de pluralização é um aspecto importante nas

AI, tal como observado em Marcuschi (2000a).

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compreensão só vem a contribuir para a tese que é defendida nesta pesquisa: existem

diferentes níveis de inferência para as anáforas, sejam elas indiretas ou associativas, mas

sempre há inferência, o que nos leva a pleitear o agrupamento de todas as anáforas indiretas

num único bloco, refutando o argumento de que as chamadas anáforas associativas se

descrevem por critérios eminentemente léxico-estereotípicos.

Não aceitamos, pois, uma definição bipartida dessas duas anáforas, mas, sim, uma

definição escalar, na qual os níveis de inferência, estabelecidos pelo percurso cognitivo

elaborado para a interpretação de uma anáfora indicam em que grau de acessibilidade está a

expressão anafórica.

Assim, podemos compreender, das definições de anáfora indireta aqui utilizadas,

que elas possuem uma característica fundamental: sua âncora pode estar implícita, saliente na

situação comunicativa ou recuperável pelos saberes compartilhados. Dessa forma, a anáfora

não é apenas um mecanismo de manutenção de referentes, mas constitui um forte argumento

de que a linguagem é interacional, valorizando, assim, a ação dos interactantes. A nosso ver, a

marca caracterizadora das anáforas indiretas é a possibilidade de o antecedente da expressão

anafórica nem sempre ser instanciado pelo texto, conforme exemplificamos, uma vez que o

fenômeno anafórico, para ser interpretado, pode levar em conta outros fatores, além do

linguístico, se adotarmos um ponto de vista sociocognitivo, discursivo e interacional.

Assim como para Schwarz (2000), para Marcuschi (2000) as anáforas associativas

são parte substancial das anáforas indiretas, o que quer dizer que, para ele as anáforas

associativas são um subtipo das anáforas indiretas. Isto seria até razoável se o autor deixasse

claro que tipos de anáforas sobrariam como anáfora indireta não-associativa.

O autor afirma existirem diferentes tipos de anáforas, sendo a anáfora indireta o

tipo mais amplo ou o fenômeno mais abrangente do qual os outros tipos fazem parte, porém,

não encontramos em seu trabalho quais os tipos de anáforas que, para ele, seriam

consideradas não-associativas. Ele não as cita, nem indica que características as dissociam das

associativas. Ainda assim, podemos depreender que nessa caracterização que Marcuschi

(2000) faz das anáforas associativas, ele utiliza critérios formais e semânticos já pré-

estabelecidos por outros autores como Kleiber, que tem uma definição de anáfora associativa

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muito precisa e bastante argumentada, no entanto, para nós, limitadora, no que diz respeito

aos aspectos sociocognitivos e interacionais.

No texto abaixo, Marcuschi (2000) cita Schwarz (2000), que sugere os seguintes

tipos fundamentais de anáforas indiretas, que se dividem em vários subtipos (p.99):

i. Tipos semanticamente baseados

ii. Tipos conceitualmente baseados

Para sua solução, os tipos (I) exigem estratégias cognitivas fundadas em

conhecimentos semânticos armazenados no léxico (mais especificamente ligadas

a âncoras lexicais precedentes) e estão vinculados a papéis semânticos. Já os tipos

(II) exigem estratégias cognitivas fundadas em conhecimentos conceituais

baseados em modelos mentais, conhecimentos de mundo e enciclopédicos (mais

especificamente vinculados ao modelo de mundo textual presente no co(n) texto) e

mais ligados a processos inferenciais gerais. (grifo nosso).

Assim, podemos depreender da opinião de Marcuschi que os tipos

semanticamente baseados são os casos tipicamente considerados por Kleiber como anáforas

associativas, pois partilham de características muito próximas e suas definições são baseadas

em critérios formais e semânticos. Para Kleiber, este tipo de anáfora apenas ocorre se existir

entre o SN1 indefinido e o SN2 definido uma relação eminentemente do tipo léxico-

estereotípica, apriorística, pré-estabelecida entre dois lexemas; em outras palavras, a ligação

entre os dois elementos é pré-inscrita no léxico sob a forma de um traço necessário ou

estereotípico. Daí a sua fórmula: a anáfora associativa rola sobre os estereótipos.

(CHAROLLES, 1994). Tratando dos critérios definitórios da anáfora associativa, Kleiber

(2001, p.89) afirma que:

a relação entre entidade antecedente e entidade nova não é uma associação

unicamente discursiva ou contextual, mas depende de um saber a priori ou

convencional associado aos lexemas em questão. 7

Os tipos conceitualmente baseados poderiam ser considerados como os casos de

anáforas não-associativas - e talvez fosse essa a intenção dos autores ao estabelecerem a

distinção de dois tipos diferentes de anáforas -, porém, as características atribuídas ao segundo

tipo são comuns ao primeiro, a nosso ver, e dentro da nossa perspectiva de abordagem do

assunto, ou seja, a exigência de estratégias cognitivas fundadas em conhecimentos conceituais

7 la relation entre l'entité antécédent et l'entité nouvelle n'est pas une association uniquement discursive ou

contextuelle, mais relève d'um savoir a priori ou conventionnel associé aux lexèmes en question.

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baseados em modelos mentais, conhecimentos de mundo e enciclopédicos são as mesmas

estratégias cognitivas utilizadas para a interpretação/realização do tipo i. Isto não tornaria os

dois tipos distintos, mas, sim, complementares, pois as características são partilhadas por um

e outro tipo.

No que respeita ao primeiro tipo, podemos dizer que o que o caracteriza é a

explicitude cotextual ou não de uma expressão âncora antecedente. E, acrescentando a isso,

ainda afirmamos que, se os conhecimentos semânticos estão armazenados no léxico ou em

âncoras lexicais precedentes, isso, por si só, já justifica a necessidade do uso de estratégias

cognitivas através de conhecimentos conceituais baseados em modelos mentais,

conhecimentos de mundo e enciclopédicos, pois é dessa forma que se define o léxico, como

um conjunto de conceitos e conhecimentos partilhados e adquiridos pelos falantes de uma

determinada língua. Para Koefoed & Tarensken (1996), não importa quem inventa uma nova

expressão verbal porque não é sua invenção em si, mas seu uso na interação que faz dela uma

palavra da linguagem da comunidade. Enfim, o vocabulário é produto da interação (p. 132).

Couto (1983, p. 125) afirma que o vocabulário em uso em determinada comunidade surge e é

usado para que os membros dessa comunidade interajam entre si.

Continuando nessa mesma abordagem, Marcuschi afirma que o segundo tipo está

mais ligado ao processo inferencial, o que, para nós, é característica dos dois tipos de anáfora

apresentados por ele.

O autor ainda apresenta subtipos para a classificação de anáforas indiretas:

(1) AI baseadas em papéis temáticos dos verbos

Nesse subtipo o autor considera os „papéis temáticos‟ dos verbos e observa como

esses papéis são preenchidos. O exemplo de Schwarz (p.99) é o seguinte neste caso:

(62) Eu queria fechar a porta quando Moretti saltou dos arbustos. Com o susto

deixei cair as chaves.

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O verbo fechar tem entre seus papéis temáticos o papel instrumental, e neste caso

o item lexical chave cumpre esse papel que ficou implícito com o uso do verbo.8

(2) AI baseadas em relações semânticas inscritas nos SNs definidos

Aqui prevalecem as relações meronímicas (relações parte-todo), mas também,

embora em menor escala, as hipo e hiperonímias e os campos léxicos. Vejamos estes

exemplos de Schwarz (p.105):

(63) Alfonso Clenin encontrou um Mercedes azul... Parecia-lhe que o motorista

estava caído sobre o volante... [parte integrante] Constatou, porém, de imediato que o homem

estava morto. As faces [parte integrante] estavam trespassadas por um tiro.

(64) Não compre a xícara amarela. O cabo está quebrado. [parte integrante]

(65) Compre a panela cinza. O aço dura muito mais. [material]

Podemos perceber que a cadeia referencial se constrói a partir dos sintagmas

definidos sublinhados nos exemplos (63, 64 e 65). Essas anáforas, juntamente com as

baseadas nos papéis temáticos, são as AI mais frequentes.

(3) AI baseadas em esquemas cognitivos e modelos mentais

Neste caso temos aqueles tipos de AI ancorados em representações conceituais ou

em relações cognitivas encapsuladas em modelos mentais comumente chamados de frames

(enquadres), cenários, esquemas, scripts etc., que representam focos implícitos armazenados

em nossa memória de longo prazo como conhecimentos de mundo organizados. Nem sempre

estão ligados a itens lexicais específicos, mas podem aparecer ativados por itens lexicais,

como aponta Schwarz (p. 111), sendo assim uma espécie de ampliação de conhecimentos

semânticos. Vejamos este exemplo da autora:

8 Existem muitas teorias que podemos invocar neste caso, iniciando pela teoria das valências verbais de

Tesnière, a teoria argumental dos verbos, a teoria das funções-Teta do gerativismo e a teoria dos casos de

Fillmore, entre outras. Mas todas apontam para o mesmo aspecto, ou seja, que o verbo tem uma estrutura

sintática desenhada que sob o ponto de vista semântico está à disposição para preenchimento com funções

sintáticas típicas e semanticamente preenchidas.

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(66) Nos últimos dias de agosto... a menina Rita Seidel acorda num minúsculo

quarto de hospital... A enfermeira chega até a cama...

No exemplo acima, o SN definido a enfermeira não reativa um referente prévio,

mas ancora no texto precedente, especificamente no item “quarto de hospital” como um

esquema cognitivo em que estão vários elementos possíveis de ativação, entre eles a

enfermeira.

É interessante ressaltar este ponto, no qual a autora afirma existir uma relação

associativa nas relações de modelos mentais, o que permite dizer que a maioria das AI

fundam-se em associações de algum tipo. Também enfatiza que não é fácil estabelecer

distinções claras e rígidas entre conhecimentos conceituais armazenados na memória e

conhecimentos semânticos lexicalizados, pois essas fronteiras são tênues e não há um sistema

que se dê naturalmente. Concordamos com isso, mas consideramos que, como diz Kleiber

(1994) sobre as anáforas: toda anáfora é inferencial.

(4) AI baseadas em inferências ancoradas no modelo do mundo textual

Estes subtipos de AI buscam seus referentes em informações explicitadas no

modelo do mundo textual precedente; são anáforas fundadas em conhecimentos retrabalhados

por estratégias inferenciais maximizadas pelo conjunto de conhecimentos textuais

mobilizados. O trabalho cognitivo para operar com essas anáforas é maior do que nos casos

anteriores. Vejamos um exemplo, extraído de Marcuschi (2000):

(67) O Náutico não fez uma exibição primorosa, mas jogou o suficiente para se

impor diante da fraca Tuna Luso com um placar de 3x0, ontem à tarde, nos Aflitos. Foi a

primeira vitória alvirrubra na Segunda Divisão do Brasileiro, depois de quatro jogos, e

serviu para levantar o moral do time que subiu para cinco pontos no Grupo A. Lêniton, Mael e

Lopeu marcaram os gols alvirrubros. Com o ponta-esquerda Lêniton, improvisado de

centroavante, e Ricardinho na esquerda, o Náutico demorou a se encontrar em campo. A Tuna

jogava fechada e seu técnico, Bira Burro, orientava os atacantes Joacir e Ageu para ficarem

enfiados entre os zagueiros alvirrubros. O restante do time paraense ficava em frente da área.

(corpus do NELFE (E 175)).

Temos, então, “a primeira vitória alvirrubra” como a ativação de um referente

(SN descritivo definido) designado a partir de um estado de coisas (várias ações envolvendo o

jogo de dois times de futebol etc) apontado no texto. Para tanto, faz-se necessário conhecer as

cores do time pernambucano (branco e vermelho). Do mesmo modo, o referente de “os gols

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alvirrubros” é inferido do contexto anterior a partir do time “alvirrubro”. O SN descritivo, “o

restante do time”, exige que tomemos o contexto textual anterior e ao mesmo tempo

invistamos conhecimentos pessoais a respeito da composição de um time de futebol para

saber que ainda sobram outros jogadores além dos citados, pois num time de futebol atuam 11

jogadores.

(5) AI baseadas em elementos textuais ativados por nominalizações

Esses casos de AI são nominalizações e em geral têm uma relação direta com

algum verbo. Não são anáforas diretas, porque não retomam nem referem pontualmente um

item específico. Tomando o exemplo citado acima, sobre o jogo de futebol, podemos observar

o seguinte trecho como uma nominalização:

(68) O Náutico não fez uma exibição primorosa, mas jogou o suficiente para se

impor diante da fraca Tuna Luso com um placar de 3x0, ontem à tarde, nos Aflitos. Foi a

primeira vitória alvirrubra na Segunda Divisão do Brasileiro, depois de quatro jogos, e serviu

para levantar o moral do time que subiu para cinco pontos no Grupo A. Lêniton, Mael e

Lopeu marcaram os gols alvirrubros. (corpus do NELFE (E 175)).

A expressão referencial jogos foi interpretada devido a uma ação pré-estabelecida

no cotexto: o fato de o time ter jogado futebol. Essa passagem de um verbo ou uma ação mais

complexa para um nome é denominada como um processo de nominalização e pode dar-se

também de um enunciado reportado por um SN.

(6) AI esquemáticas realizadas por pronomes introdutores de referentes

Este último tipo de AI é considerado por Marcuschi (2000) e tratado por Schwarz

(2000, p.123-127) como “casos especiais de anáforas indiretas”; é o caso das AI esquemáticas

realizadas por pronomes. Estes pronomes não retomam referentes anteriormente introduzidos,

mas ativam novos referentes com base em elementos prévios que aparecem no discurso.

Vejamos um exemplo do autor:

(69) Estamos pescando há mais de duas horas e nada, porque eles simplesmente

não mordem a isca.

(70) A: Maria pretende casar no final do ano

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B: e o que é que ele faz?

Os exemplos acima se enquadram perfeitamente no tipo (1) (papel temático =

casar com alguém), mas com a diferença de não ter uma realização com sintagma nominal

definido e sim com um pronome de terceira pessoa.

Ao fim de toda essa problematização das anáforas indiretas, observamos que sua

subclassificação apresenta relevância para diferentes aspectos: nos tipos (1), (2), (5) e (6) há

uma ênfase para os critérios formais, ou seja, é levada em consideração, para a caracterização

desses tipos de anáforas, a forma como a expressão referencial foi introduzida, seja pelo papel

temático do verbo, por sintagmas nominais definidos, por nominalizações ou por pronomes.

Para a nossa perspectiva de análise, tais aspectos formais não são suficientes para distinguir

uma expressão anafórica da outra do ponto de vista da inferência, pois ressaltamos o aspecto

cognitivo dessas realizações. O que fará os interactantes, no momento da comunicação

interpretarem tais expressões anafóricas, não será a forma como elas foram introduzidas. O

que as tornará passíveis de interpretação será a elaboração do percurso cognitivo. Seguindo de

perto o que diz Ariel (1996; 1998; 2001), os aspectos que atuam conjuntamente nas escolhas

referenciais utilizadas pelo falante são os aspectos linguísticos, sociocognitivos, situacionais e

os aspectos textual-discursivos.

Quanto aos tipos (3) e (4), a nosso ver, poderíamos mesclá-los, pois eles se

baseiam nos processos inferenciais e nos modelos cognitivos. Porém, seus exemplos não se

diferenciam dos outros casos, já que aos outros tipos também compete a necessidade da

realização de inferências.

Marcuschi (2001a, p.224) argumenta que, “mesmo deixando de lado maiores

comentários sobre a questão, gostaria de frisar que as AI não podem ser dissociadas das

anáforas associativas, sendo estas uma parte substantiva das AI”.

Em relação às anáforas associativas, o que encontramos foram algumas menções,

que não comprovam sua posição como subtipo de anáfora indireta. A nosso ver, as anáforas

associativas e as anáforas indiretas revelam uma escalaridade no que diz respeito às

inferências realizadas para suas realizações/interpretações. E os níveis de inferência são

estabelecidos pelos interactantes no momento da comunicação.

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4.2.1.2 Problematização dos critérios definidos dentro de uma concepção estreita de anáfora

indireta – as anáforas associativas.

Apothéloz (1999) designa, em geral, como anáfora associativa os SNs definidos

que apresentam, simultaneamente, as duas características seguintes:

a) refere-se a um objeto (o referente) que é novo no discurso e não foi,

consequentemente, explicitamente mencionado no contexto anterior;

b) pode ser interpretada referencialmente de todo somente por meio dos dados que

foram introduzidos em um estágio anterior dentro do universo de discurso (tal informação

será daqui em diante chamada informação prévia); esta segunda propriedade justifica o termo

anáfora.

Como forma de esclarecer seu ponto de vista, Apothéloz (1995) cita, entre outros,

o seguinte exemplo:

(71) Um pulôver valendo menos de 80 francos foi roubado de uma grande loja da

margem direita. O homem foi logo detido.

Através desse exemplo, podemos perceber a proximidade entre anáfora

associativa e anáfora indireta. Pelas características aqui apresentadas, esse exemplo bem

poderia ilustrar uma anáfora indireta, uma vez que o SN homem é novo no discurso e é

ativado inferencialmente, por se pressupor um agente para a ação de roubar, o que estaria

vinculado ao tipo (1) de Marcuschi: o papel temático do verbo e não a uma relação

correferencial.

Outro aspecto interessante que podemos ressaltar em Apothéloz e Reichler-

Béguelin (1999) é que os autores utilizam o termo anáfora associativa para todas as

ocorrências de anáforas não-correferenciais. Adotando uma concepção ampla do fenômeno,

os autores colocam como critério para a ocorrência de uma anáfora associativa, a dependência

de uma informação específica fornecida no contexto linguístico anterior, sem correferência

com outra expressão para a interpretação de uma expressão referencial. Os autores tomam,

então, os dois termos como sinônimos.

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Para Kleiber (2001, p.50), a anáfora associativa é um tipo de referência textual

indireta, em que um novo referente é introduzido como um anafórico não do, mas por meio do

referente de uma expressão antecedente. Kleiber reafirma a noção de que a referência indireta

não é específica da anáfora associativa e que as duas noções (anáfora indireta e anáfora

associativa) coexistem, porém não são idênticas em seu processamento, pois há critérios

peculiares que caracterizam as anáforas associativas: critérios formais e semânticos, como

mostraremos a seguir.

(72) Paulo foi ao teatro. Eles estavam encenando Shakespeare. (KLEIBER, 2001)

(73) Ele se abrigou sob uma velha tília. O tronco estava todo rachado.

(KLEIBER, 2001).

A relação entre os sintagmas nominais dos exemplos (72) e (73) acontecem de

forma não-correferencial, mas apenas ao primeiro caso é atribuída a característica de anáfora

indireta em que processos cognitivos e estratégias inferenciais estão sendo mais exigidos. O

exemplo (73) é prototípico e reconhecido por Kleiber como anáfora associativa, em que a

expressão o tronco introduz uma referência contida na expressão anterior velha tília,

implicando um relacionamento meronímico e léxico-estereotípico entre essas duas

referências.

Esse traço léxico-estereotípico é fundamental para instaurar anáforas associativas,

segundo o qual, a menção do antecedente velha tília ativa no interlocutor um conhecimento

estereotípico do referente e das propriedades que lhe são associadas. Não precisa conhecer

essa árvore em questão para saber que ela deve possuir um tronco, uma vez que toda árvore

possui um tronco, ou seja, já se encontra no léxico essa relação meronímica, resultante de um

vínculo lexical de inclusão, de uma relação hipo/hiperonímica, ou ainda, de uma conexão

atributiva entre a expressão definida e o antecedente, sendo comuns os exemplos:

fazenda/curral; árvore (tília) /tronco; mão/dedo.

Segundo Kleiber (2001), as construções frasais que possuem ocorrências de

expressões anafóricas tidas com associativas são estruturadas mediante critério de

coordenação ou justaposição, formando duas orações em que o elemento anafórico,

geralmente um sujeito, introduz nova oração com elemento definido. As anáforas

associativas, segundo essa visão, são apresentadas como entidades relacionadas

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estereotipicamente. A fórmula a anáfora associativa rola sobre estereótipos significa que a

relação entre dois termos deve ser estabelecida de modo apriorístico, sob a forma de um traço

necessário, estereotípico, convencional, ou como diz Kleiber (2001, p.89):

a relação entre entidade antecedente e entidade nova não é uma associação

unicamente discursiva ou contextual, mas depende de um saber a priori ou

convencional associado aos lexemas em questão.

Kleiber utiliza o exemplo a seguir para o que ele afirma sobre as anáforas

associativas:

(74) Chegamos a uma cidadezinha. A igreja ficava no alto de uma colina.

(Kleiber, 2001)

Segundo o autor, é comum que toda cidadezinha possua uma igreja, o que pode

ser justificado por ser uma visão culturalmente divulgada ou por ser um conhecimento

compartilhado pelos interactantes.

Para Kleiber, o SN igreja (referente novo) encontra-se no frame que é instaurado

pelo contexto de uma pequena cidade. Esse SN é intrinsecamente relacionado e

semanticamente condicionado a uma cidade. Para o autor, a âncora deve ser fornecida por

meio linguístico, deve ser cotextual e sem apelo a dados pragmáticos ou situacionais. Isto,

para nós, restringe a rede associativa, principalmente, porque deixa de fora o sujeito e a

dimensão pragmática e interacional. Sem esses elementos, o que prevalece é a relação léxico-

estereotípica, conforme mostrado.

Segundo Kleiber, (2001, p. 324), quatro condições se impõem à identificação das

anáforas associativas:

i. A anáfora associativa consiste na introdução de um referente novo;

ii.por meio de uma expressão definida;

iii.por intermédio de uma outra entidade mencionada antes no texto;

iv.a relação entre a entidade “antecedente” e a entidade nova não é uma associação

unicamente discursiva ou contextual, mas levanta um saber a priori ou convencional

associado aos lexemas em questão.

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Kleiber (2001) apresenta quatro classes de anáforas associativas, que são

caracterizadas por vínculos léxico-estereotípicos. Mostraremos as quatro de forma sintetizada

na sequência: meronímicas, actanciais, funcionais e locativas.

As anáforas associativas meronímicas, segundo Kleiber (2001, p.267), ocorrem

quando o referente do anafórico aparece como sendo ontologicamente subordinado à entidade

da expressão antecedente, de modo que sua ocorrência só existe como parte das ocorrências

da entidade antecedente, ou seja, a principal característica das anáforas meronímicas reside no

estatuto semântico de o nome nuclear anafórico ser marcado como “uma parte de”, que se

inclui por uma relação de ingrediência em uma entidade maior. Portanto, neste tipo de anáfora

nominal a relação se dá entre um todo (holônimo) e a parte (merônimo).

Para Kleiber, as anáforas associativas locativas pode ser observada no exemplo

clássico de “igreja-vilarejo”, que acentua bem o traço de lugar da entidade-fonte:

(75) “Entramos num vilarejo. A igreja estava situada no alto”. (KLEIBER, 2001,

p.263).

Uma associação actancial ocorre quando o referente do anafórico corresponde a

um dos argumentos (actantes) de um predicado introduzido no cotexto precedente. Esse

referente advém, portanto, do esquema predicativo, e o critério de identificação deste subtipo

é de natureza semântico-sintática. No quadro valencial, o predicado implica um conjunto de

argumentos, e constitui a âncora que ampara a interpretação da anáfora associativa. Como

resume Kleiber (2001, p.324), “a anáfora associativa actancial vem, em suma, apenas saturar

um lugar argumentativo junto do predicado antecedente”. Veja um exemplo do autor:

(76) “- A operação se passou bem. O operado e o cirurgião até mesmo brincaram

juntos. / Houve um assassinato. O assassino foi rapidamente preso”. (Kleiber, 2001, p.324).

Diferentemente das actanciais, pois saturam os argumentos exigidos pelo

predicado, as anáforas associativas funcionais remetem a uma entidade-fonte. Aparecem

tipicamente em associações como “obra – autor”, “clube” – “presidente”, “carro” –

“motorista” etc.

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Tendo em vista o modo como foram abordadas as definições de anáforas indiretas

e anáforas associativas, podemos observar que, no momento em que os autores pretendem

estabelecer as suas respectivas características, para assim, revelar as distinções dos conceitos,

eles mostram que existem pontos em comum, relacionados às exemplificações e à

nomenclatura.

Nesta pesquisa, estamos considerando o fenômeno das anáforas como único,

apesar de observarmos que os autores que abordam o assunto estabelecem diferentes formas

de diferenciar as anáforas indiretas das anáforas associativas, mesmo que seus critérios de

classificação sejam semelhantes ou minimizadores do fenômeno anafórico. As diferenças

existem, mas elas ocorrem nos variados níveis de aceso ao referente. Esta decisão já supõe

uma visão mais elastecida das anáforas indiretas, dentro de uma perspectiva sociocognitiva e

interacional.

Os aspectos cognitivos envolvidos no ato da inferência são complexos devido a

sua relatividade. Essa inferência necessária à interpretação das anáforas depende de diversos

fatores, como: conhecimento de mundo, conhecimento compartilhado, aspectos sociais,

interacionais, dentre outros.

Utilizaremos como suporte teórico de nossa pesquisa a teoria da acessibilidade

por encontrarmos a ênfase no aspecto cognitivo que consideramos fundamental para a

realização do processo anafórico.

4.2.1.3 Aplicação da teoria da acessibilidade: por uma ênfase no aspecto cognitivo

Ariel (1996; 1998; 2001), embora não proponha um método para o estudo das

construções das expressões referenciais, apresenta uma teoria flexível, e o que a torna ainda

mais adequada para nossa pesquisa é o fato de sua abordagem contemplar aspectos de ordem

textual-discursiva, morfossintática, situacional e sociocognitiva. Iremos utilizá-la, portanto,

como base teórica para a realização de nossa análise, a fim de verificar as hipóteses que

elaboramos para a presente pesquisa.

Após considerarmos, em nosso exemplário, os critérios utilizados pelos autores,

iremos relacionar os dados obtidos à teoria da acessibilidade. Para isso, serão considerados os

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critérios utilizados pela autora, ou seja, faremos uma reanálise das expressões referenciais

encontradas e iremos analisá-las levando em consideração os aspectos sociocognitivos

encontrados na teoria de Ariel (1996; 1998; 2001).

Primeiramente, observaremos em que nível da escala de graus de acessibilidade

proposta por Ariel (1998) se insere a expressão referencial em questão. Tal abordagem será

feita no intuito apenas de informar sobre o modo de elaboração da anáfora. Tentaremos

sempre direcionar nosso foco para o aspecto cognitivo. Embora essa escala possa,

aparentemente, induzir a uma análise formal, levaremos em consideração que é a partir dessa

escala que Ariel mostra que entidades mentalmente mais acessíveis são recuperadas por

expressões linguísticas menos informativas, menos rígidas e mais atenuadas. Por sua vez,

entidades mentais menos acessíveis são recuperadas por expressões mais informativas, mais

rígidas e menos atenuadas. Não será o ponto cerne da questão propor uma escala, mas ela será

mencionada na análise que pretendemos fazer:

Para fins de simplificação do uso da escala de Ariel, elaboramos o seguinte

quadro explicativo:

Acesso Escala de graus de acessibilidade Ocorrências

baixo Nome pleno + modificador Exemplos

baixo Nome pleno Exemplos

baixo Descrição definida longa Exemplos

baixo Descrição definida curta Exemplos

relativo Último nome Exemplos

relativo Primeiro nome Exemplos

Interm. Demonstrativo distante + modificador Exemplos

Interm. Demonstrativo próximo + modificador Exemplos

Interm. Demonstrativo distante + SN Exemplos

Interm. Demonstrativo próximo + SN Exemplos

alto Demonstrativo distante – SN Exemplos

alto Demonstrativo próximo – SN Exemplos

alto Pronome tônico + gesto Exemplos

alto Pronome tônico Exemplos

alto Pronome átono Exemplos

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alto Pronome clítico Exemplos

alto Flexões de pessoa verbal Exemplos

alto Zero. Exemplos

(Quadro 2 – Quadro explicativo do uso da escala de acessibilidade de Ariel)

No tocante à análise propriamente dita, atribuiremos aos exemplos uma

abordagem que enfatize os aspectos cognitivos e interacionais. Na teoria da acessibilidade de

Ariel (2001), fica clara a ideia de que os graus de acessibilidade podem ser avaliados pelo

falante como relativamente mais altos ou mais baixos, mas não em correspondência biunívoca

com as expressões referenciais. O fato de os níveis de acessibilidade serem considerados pela

autora como relativos “imprime ao modelo em questão uma maior flexibilidade: se, por um

lado, fica clara a ideia de que as expressões referenciais não são usadas aleatoriamente, fica

afastada também, por outro lado, a noção de que há regras categóricas para a escolha dessas

expressões”. (COSTA, 2007, p.122).

Com nossa análise, tentaremos comprovar que não há uma separação nos

conceitos de anáfora indireta e anáfora associativa, pois, seguindo o aspecto cognitivo,

observaremos que a interpretação das anáforas é algo complexo que envolve não apenas os

critérios formais de sua realização. O que se torna fundamental em suas realizações “bem

sucedidas” está presente nos sujeitos da interação, nos seus conhecimentos de mundo, seus

conhecimentos compartilhados, na intenção sociocomunicativa, na forma como o interlocutor

recebeu a mensagem, na forma como essa mensagem foi transmitida, no contexto.

Esses recursos utilizados pelo falante no momento da interação nos permitem

perceber que tal complexidade se revela quando uma expressão anafórica é facilmente

interpretada por um interlocutor, mas, por outro, nas mesmas condições, não é, e isso,

independente de ela ser considerada associativa ou indireta, pois, de acordo com a inferência

realizada, a nomenclatura torna-se irrelevante, mas o fenômeno linguístico se sobressai,

revelando que o texto é utilizado para a comunicação e ele é moldado pelos falantes de acordo

com suas necessidades comunicativas. A nosso ver, critérios formais ou lexicais enfatizados

pelos autores são insuficientes para descrever algo tão dinâmico e interacional como as

expressões anafóricas.

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Em nosso trabalho, propomos não uma distinção, mas uma escalaridade nos níveis

de inferência realizados para a interpretação das anáforas. Existem as expressões mais

acessíveis e menos acessíveis, ou seja, expressões que indicam o grau de acessibilidade que o

falante supõe que o referente ocupa na mente do interlocutor. E essa escalaridade é

estabelecida de acordo com o percurso inferencial necessário à interpretação de uma anáfora.

Trata-se de uma análise de cunho qualitativo e especulativo, pois não está ao nosso alcance

saber especificamente o que levou o sujeito a interpretar a anáfora de determinada forma,

tampouco saberemos o processo cognitivo realizado no momento da interpretação.

Por outro lado, daremos contribuição no que diz respeito a uma rediscussão nos

critérios utilizados para a definição de anáfora presente nos autores citados no presente

trabalho. Não pretendemos elaborar uma escala, estabelecendo quais são os níveis de

inferência; pretendemos dizer, utilizando os exemplos, por que determinadas expressões

anafóricas são mais ou menos acessíveis, dentro do contexto estabelecido pela situação

sociocomunicativa e de acordo com os critérios utilizados por Ariel. Os fatores que afetam o

status de acessibilidade de um antecedente são:

a) Distância: A distância entre o antecedente e a anáfora

b) Competição: O número de competidores no papel de antecedente.

c) Saliência: O antecedente ser um referente saliente, principalmente se é tópico

ou não-tópico.

d) Unidade: O antecedente estar ou não no mesmo frame/mundo/ponto de

vista/segmento ou parágrafo que a anáfora.

(Adaptado de Ariel, 1990, p. 28, apud. COSTA, 2007, p. 123).

É importante ressaltar que, para a utilização desses fatores, uma série de

conhecimentos e atividades inferenciais atua em conjunto nessa construção. Este é um

pressuposto que também aplicaremos em nossa análise.

Desse modo, utilizaremos as ocorrências anafóricas e refletiremos sobre o que

levou o falante a supor o grau de acessibilidade que o referente ocupa na mente do

interlocutor, para que pudesse realizar determinada anáfora. Faremos isso de acordo com os

critérios de Ariel e levaremos em consideração os aspectos pragmáticos, discursivos, sociais e

cognitivos presentes na realização/interpretação das anáforas indiretas ou associativas.

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Nossa intenção é que os fatores de acessibilidade possam se manifestar nas

expressões anafóricas independente de suas classificações.

Exemplo:

(Quadro 3 – Representação das ocorrências dos fatores de acessibilidade nas expressões

anafóricas)

Isto as colocará, sob o ponto de vista cognitivo, sob o mesmo patamar, ou seja,

passaremos a analisar o fenômeno como único.

E quanto à escalaridade nos níveis de inferência, acreditamos que serão

estabelecidos pelo falante no momento de interação.

Os quadros utilizados aqui serviram apenas como norteadores para uma análise

textual mais elaborada.

4.3. Análise preliminar dos resultados da pesquisa

O percurso feito até agora não tem a pretensão de apresentar conclusões

inquestionáveis, porém, permite ponderar que anáfora indireta e anáfora associativa possuem

pontos e características comuns nas teorias que as definem. Um dos fatores cruciais para uma

proximidade nesses dois tipos de anáforas são os processos inferenciais necessários para suas

realizações/interpretações. Além disso, fatores semântico-pragmáticos e cognitivos devem

entrar em confluência durante o processamento.

Fatores de

Acessibilidade

Ocorrências de expressões anafóricas (x)

Anáfora associativa Anáfora indireta

Distância X X

Competição X X

Saliência X X

Unidade X X

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A análise que apresentaremos agora é resultado de uma rediscussão da teoria que

utilizamos em nossa pesquisa. Levaremos em consideração os pressupostos teóricos dados

pelos autores em relação às definições de anáforas indiretas e associativas. De forma sucinta,

podemos dizer aqui, que os autores que definem esses fenômenos anafóricos (KLEIBER,

1994; 2001; MARCUSCHI, 2000; SCHWARZ, 2000) apresentam uma abordagem em que se

enfatizam os aspectos formais dos elementos envolvidos nos processos anafóricos.

Não podemos deixar de comentar que os mesmos autores não deixaram de lado a

importância dos processos inferenciais nem dos aspectos cognitivos.

Por tudo isso, pode-se dizer que o estudo das AI, além de ser uma oportunidade para

rever as relações entre pragmática e cognição e exigir análises mais cuidadas da

noção de modelos mentais e do funcionamento semântico da língua (em especial do

léxico e dos papéis temáticos), propicia uma produtiva revisão de noções tais como

língua, categoria, referência, inferência, texto e coerência. (MARCUSCHI, 2000)

Aquilo de que sentimos falta em suas teorias deu-se mais nitidamente através da

forma como esses autores exemplificaram seus posicionamentos. Podemos encontrar em seus

trabalhos exemplos semelhantes para expressões referenciais consideradas, por eles, como

distintas, o que já foi explicitado por nós no capítulo 2.

A nossa contribuição residirá no fato de estudarmos as teorias sobre as anáforas

indiretas e associativas tomando por base pressupostos que enfatizam mais os aspectos

sociocognitivos interacionais, em nossa perspectiva colocaremos o sujeito como agente nas

escolhas referenciais que faz na realização/interpretação de uma anáfora, independente de sua

classificação, os interactantes são responsáveis pelo uso das expressões anafóricas e são

guiados principalmente para atenderem ao propósito da comunicação. Espera-se que um

elemento apenas seja colocado como novo no discurso quando o falante já tem o termo como

conhecido e acredita que seu interlocutor também o conheça. E esse conhecimento pode ser

advindo de diferentes fontes, como: um evento ocorrido anteriormente compartilhado pelos

dois, uma conversa iniciada num dia e continuada em outro, elementos dados pela fala

imediatamente anterior, ou simplesmente pelo contexto sociocultural em que ambos estão

inseridos.

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Outra constatação que emana dos estudos empreendidos permite indicar que as

relações semânticas inscritas no léxico (ou léxico-estereotípicas, como indica Kleiber)

parecem dar um traço didático para o fenômeno anafórico associativo, a fim de agrupar

relações previsíveis. Dessa forma, só estariam no campo associativo aquelas instituídas por

Kleiber (2001) por meronímia, ou as classificadas como locativas, actanciais e funcionais. Se

assim considerarmos, fica muito clara a distinção entre anáforas associativas e indiretas.

Porém sob a perspectiva que adotamos para nossa análise, essa definição de anáfora

associativa limita esse fenômeno, considerado por nós, bem mais complexo, pois, conforme já

foi explicitado anteriormente, não envolve apenas critérios formais e semânticos, mas

envolve, principalmente, o processo de inferenciação, que abrange desde a interpretação até

os conhecimentos de mundo partilhados pelos falantes no momento da interação.

Quanto às anáforas indiretas, duas constatações poderiam ser apresentadas:

a) Elas podem ser consideradas uma categoria mais ampla, da qual todas as

anáforas não correferenciais fazem parte; ou

b) Elas realizam percursos inferenciais mais elaborados, os quais, ultrapassando

os dados lexicais, estocado e requerem mais do conhecimento organizado na memória de

longo prazo. E, dessa forma, o que se tinha como anáfora associativa iniciada por

demonstrativo ou por outra forma que não o SN definido, pode ser considerado como anáfora

indireta.

Embora essas características possam ser aplicadas também às anáforas

associativas, os autores deixam claro que o grau de explicitude dos vínculos lexicais, nessas

anáforas, fica mais acentuado. Já nas anáforas indiretas, as relações conceituais não se

explicitam tanto nos itens lexicais do cotexto.

Toda essa reflexão nos permite propor o que, para nós, seriam critérios para uma

definição mais ampla de anáfora indireta e anáfora associativa, que enfatizassem os aspectos

sociocognitivos interacionais.

Para Ariel (2001, apud COSTA, 2007), os falantes não orientam os destinatários

para recuperarem os referentes pela alusão à origem “geográfica” da base cognitiva, mas pela

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“sinalização”, através das formas referenciais, do grau de acessibilidade que atribuem a esses

referentes.

Em sua teoria, Ariel (2001), ao afirmar que uma conjunção de informações de

diversas fontes atuaria na identificação (ou criação) do referente, a autora propõe uma

hierarquia entre as formas referenciais, que deriva da interação entre três critérios de

codificação: a informatividade (nível de conteúdo informativo expresso pela forma frente ao

referente pretendido); a rigidez (grau de unicidade com que o referente é determinado); e a

atenuação (extensão formal da expressão referencial).

Ao enfatizar os diversos elementos que agem na construção do discurso, Ariel

(2001) ressalta três fatores que atuam conjuntamente, a saber: as informações previamente

mencionadas no discurso; as informações do conhecimento enciclopédico e, também, do

contexto físico.

A autora analisa os tipos de contexto que “colaboram” na identificação de

referentes (conhecimento enciclopédico, discurso anterior e atos de fala) e as respectivas

categorias de givenness que costumam ser atribuídas a esses contextos (givenness de

conhecimento, givenness física e givenness linguística). Ariel (1996, p. 10) observa que as

variedades de expressões referenciais são mais ricas que o número de tipos de estocagem de

informações na memória que os psicólogos cognitivos estão dispostos a reconhecer. Desse

modo, o tipo de memória não deve ser usado para caracterizar o uso linguístico.

A noção de acessibilidade provém da hipótese de que o locutor, na atividade

referencial, acomoda suas expressões à acessibilidade suposta dos referentes visados: quanto

menos acessível o referente, maior será o conteúdo descritivo da expressão escolhida para

designá-lo; inversamente, quanto mais acessível o referente, menor será o conteúdo descritivo

necessário para a sua identificação. Isso evidencia, assim, a tese que pretendemos defender

neste trabalho: as anáforas indiretas e as anáforas associativas não são fenômenos distintos,

nem estanques, pois ambas utilizam o processo de inferência para serem interpretadas, o que

muda são os diferentes níveis inferenciais elaborados na busca do referente, que podem ser

mais, ou menos, acessíveis de acordo com a complexidade do percurso cognitivo elaborado

pelos interlocutores no momento da comunicação.

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85

Segundo a autora, diversos aspectos influenciam nas escolhas referenciais

utilizadas pelos interactantes. Aos aspectos linguísticos, sociocognitivos, situacionais devem

estar somados os aspectos textual-discursivos, a saber: distância, saliência, competição e

unidade, já abordados por nós no capítulo 3.

A elaboração desses quatro aspectos trouxe a sua teoria uma abordagem

diferenciada, pois tais aspectos contemplam a natureza textual-discursiva, desprezada em

muitas abordagens.

A nosso ver, seguindo as discussões feitas até aqui, podemos sugerir os critérios

que deveriam ser considerados para uma definição mais ampla das anáforas associativas e

indiretas. Para isso, inicialmente mostraremos as características que tais fenômenos

possuiriam dentro da nossa perspectiva.

As anáforas indiretas e as associativas não revelam uma separação bipolar, mas

apresentam diferentes níveis de inferência nas suas interpretações, ou seja, ocorrem de

maneira escalar. Ao considerarmos a teoria da acessibilidade como critério de análise,

podemos observar que ela independe de critérios formais e semânticos, o que possibilita o

acesso ao referente, logo a interpretação da anáfora, são as inferências realizadas e/ou o

percurso cognitivo elaborado para suas realizações.

No tocante à realização da inferência nas anáforas indiretas ou associativas, não

ocorre uma diferenciação, mas as inferências são feitas em diferentes níveis, que estabelecem

uma escala. O fenômeno anafórico é o mesmo, sendo que nos níveis mais acessíveis, em que a

busca pelo referente se faz de maneira menos elaborada, mais simplificada, encontram-se as

denominadas anáforas associativas e, em um nível de acesso mais difícil ou com uma

exigência de maior elaboração inferencial, estão as anáforas indiretas.

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(Gráfico 1- Esquema do percurso inferencial realizado nas anáforas)

Tomemos como base o exemplo a seguir:

(77) Entramos numa igreja. O padre lia a missa. ( KLEIBER, 1990).

O exemplo (77) mostra um caso que seria tipicamente considerado uma anáfora

associativa seguindo os critérios formais e semânticos sob uma perspectiva léxico-

estereotípica. Dentro do pressuposto de que a maioria das igrejas tem um padre, teríamos uma

relação de parte-todo. Porém, Ariel estabelece como fatores que atuam conjuntamente para a

realização/interpretação de uma anáfora: as informações previamente mencionadas no

discurso, as informações do conhecimento enciclopédico e o contexto físico.

Dentro dessa perspectiva, podemos afirmar que o acesso ao referente da expressão

O padre não se deu de forma eminentemente textual através do SN igreja, mas, sim, no

conhecimento que é ativado a partir dessa expressão e também por todo o contexto da frase,

que posteriormente menciona a expressão missa. Não é uma relação pré-estabelecida, pois

nem sempre em uma igreja há um padre, pode haver um pastor, por exemplo.

Tal exemplo traz a expressão anafórica O padre, que para a teoria da

acessibilidade é considerada uma expressão que indica baixa acessibilidade, pois apesar de ser

um termo que já se esperava ser conhecido, o que se justifica pelo uso do artigo definido,

houve a necessidade de inserir uma expressão de forma mais elaborada ou específica.

A expressão anafórica foi introduzida por SN definido, porém não possui uma

relação apriorística de parte-todo. O interlocutor a interpreta através do conhecimento

partilhado no momento da interação. Apresenta o fator de acessibilidade Unidade, pois a

interpretação foi proporcionada pelo frame apresentado pelo discurso presente no exemplo.

O processo inferencial também é necessário no exemplo dado por Schwarz (2000)

como um tipo de anáfora indireta com uma interpretação menos acessível:

(78) Ontem fomos a um restaurante. Ele foi muito deselegante e arrogante.

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A expressão Ele ativa um referente novo e, ao ancorar num universo textual

precedente, de certo modo também reativa “um restaurante” no qual encontramos um

contexto no qual poderíamos inferir que este referente seria o garçom, porém essa expressão

pode ativar vários referentes e não necessariamente o garçom. Desse modo, apesar de não

podermos especificar exatamente qual é o referente dessa expressão, uma frase como essa

seria facilmente compreendida dentro de uma dada situação sociocomunicativa, inserida no

conhecimento partilhado dos interactantes no momento da interação. Diferentemente do que

afirmam os autores, essa não é uma expressão de entendimento mais difícil, mas, sim, é

indicativa de um grau de acessibilidade mais alta, tendo em vista a união dos fatores que são

responsáveis na identificação de referentes: “conhecimento enciclopédico, discurso anterior e

atos de fala”, Ariel (1996, p. 10).

Utilizando a teoria da acessibilidade para analisarmos tal exemplo, teríamos, na

expressão anafórica o fator de acessibilidade Saliência, pois a importância do tópico e da

utilização de inferências foi fundamental para propiciar sua interpretação, ou seja, ao tratar de

um restaurante, é mais fácil encontrar, como a autora chama atenção, referências menos

explícitas a garçons que a guarda-chuvas, visto que garçom, nesse frame, é uma entidade mais

facilmente inferida.

A utilização do pronome ele, segundo a autora assinala um alto grau de

acessibilidade, pois entidades que são, em geral, mentalmente mais acessíveis são recuperadas

por expressões linguísticas menos informativas, menos rígidas e mais atenuadas.

4.3.1. Análise empírica com base na teoria da acessibilidade

Com bases nas discussões e análises feitas até aqui, poderíamos propor como

parâmetros para uma classificação das anáforas associativas e indiretas os seguintes critérios:

a) As Anáforas Associativas:

Sugerem um grau de acessibilidade menor, pois esses graus são determinados

pelos critérios de informatividade, rigidez e atenuação, ou seja, entidades que são

mentalmente mais acessíveis são recuperadas por expressões linguísticas menos informativas,

menos rígidas e mais atenuadas. Por sua vez, entidades mentais menos acessíveis são

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recuperadas por expressões mais informativas, mais rígidas e menos atenuadas. É o que

ocorre nas anáforas associativas: há uma necessidade de se especificar de forma precisa o

referente através do uso de SN plenos e da explicitude lexical da expressão âncora

antecedente, que deve fazer parte do conhecimento partilhado entre os interactantes.

(79) “Se conseguir, aquilo que você quer

e conseguir manter a nobreza de ser quem tu és

tenha certeza que vai nascer uma planta

que a flor vai ser de esperança de amor pro

que der e vier...”

(Semente, Armandinho)

A interpretação pode ser realizada a partir de elementos mencionados no

cotexto anterior, concordando com o que diz Ariel sobre os fatores que atuam na elaboração

dos objetos de discurso ou expressões referenciais: as informações previamente mencionadas

no discurso, as informações do conhecimento enciclopédico e o contexto físico.

(80) Se for bem diante das câmeras, a advogada comandará o programa sobre

bichos, que foi apresentado por Luísa Mell até 2008. Ana Carolina confirmou a informação ao

Portal CARAS, mas disse que nenhum contrato foi assinado por enquanto. "Devo gravar o

piloto até a primeira semana de agosto. Ainda não tenho o dia exato", disse.

( Revista Caras, 2009)

Apresenta como critérios para as escolhas referenciais utilizadas pelos

interactantes os aspectos linguísticos, sociocognitivos, situacionais, somados aos aspectos

textual-discursivos.

Os fatores de acessibilidade que predominam nessas realizações anafóricas são

os fatores distância e saliência.

O fator distância considera a recuperação das expressões referencias. Ou seja,

quanto mais próximo estiver o elemento recuperado da primeira menção, menor será a

necessidade de sua recuperação por meio de elementos extensos;

Podemos observar, a partir do seguinte exemplo, o fator distância:

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(81) Brad Pitt não pensa em religião

Ao ser questionado sobre religião, o astro de Hollywood afirmou para um

tablóide americano que não acha necessário pensar no tema. "Eu sou provavelmente 20% ateu

e 80% agnóstico. Acho que você só descobre no fim da vida. Até lá, não tem motivo pensar no

assunto", revela.

(Revista Caras, 2009)

O fator saliência ressalta a importância do tópico e da utilização de inferências. A

realização das expressões referenciais depende da automaticidade/estereotipicidade da

inferência necessária à geração de um status de uma entidade dada. Podemos ver outro

exemplo a seguir:

(82) No começo do ano, marés altas provocam inundações a toda hora. A água

invade as casas e causa erosões.

(Revista Superinteressante, janeiro 2007)

O termo A água foi introduzido no texto como já conhecido. Sua realização se

deu de acordo com o fator de Saliência, pois esse termo foi interpretado devido à sua inserção

no frame inundações.

Os critérios formais e semânticos estabelecidos por Kleiber, em nossa

perspectiva, não são suficientes para caracterizar ou definir as anáforas associativas, pois,

independente do aspecto formal como foram introduzidas no discurso, ou se possuem ou não

uma relação de parte-todo, elas ocorrem e são utilizadas pelos interactantes como recursos

coesivos do texto. O aspecto formal não interfere ou contribui para sua realização.

(83) Os arqueólogos descobriram primeiro um crânio. O esqueleto inteiro só foi

recuperado no dia seguinte. (ZAMPONI, 2003).

Aqui se dá uma relação léxico-estereotípica realizada do todo para a parte, por

isso se trata de uma anáfora associativa, pois possui sua expressão âncora encontrada no

cotexto anterior de forma explícita e, dentro do fator de saliência, está inserida no frame que é

ativado pela expressão antecedente.

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A associação é feita devido a elementos textuais explícitos presentes no cotexto

e que são, no momento da interação, conhecidos e partilhados pelos interactantes.

A partir do momento em que essa relação lexical não fizer parte do

conhecimento partilhado dos envolvidos na interação, essa anáfora passará a exigir um maior

percurso inferencial, logo passa a ser considerada indireta, pois requer um nível maior de

inferenciação.

(84) João assistiu a uma cerimônia religiosa. O mulá fez o sermão. (ZAMPONI,

2003).

Um exemplo como esse seria inaceitável para um caso de anáfora associativa,

uma vez que não há no antecedente qualquer pista para que se indique tratar-se de uma

cerimônia muçulmana, que é realizada por um mulá. No entanto, esse exemplo não apresenta

qualquer problema interpretativo, o que ocorre é uma necessidade maior de recorrer aos

aspectos sociocognitivos interacionais, pois, dentro de um determinado contexto

sociocultural, essa anáfora seria facilmente compreendida. Outra explicação seria, também,

pelo uso de um SN pleno, considerado por Ariel como um marcador de um grau de

acessibilidade baixo.

Não podemos considerar que, apenas pelo fato de a anáfora associativa ser

considerada léxico-estereotípica, ela necessite, por isso, de uma interpretação mais

simplificada, pois nem sempre o elemento lexical em questão pode ser conhecido pelos

interactantes, ou seja, o critério para a interpretação dessa anáfora reside nos aspectos

sociocognitivos interacionais e discursivos.

b) As Anáforas Indiretas:

Apresentam um nível de acessibilidade maior, pois suas realizações,

geralmente ocorrem a partir de expressões menos elaboradas. Segundo Ariel (2001), entidades

que são mentalmente mais acessíveis são recuperadas por expressões linguísticas menos

informativas, menos rígidas e mais atenuadas.

(85) Tiro ao alvo

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Ninguém sabe, ninguém viu, mas está todo mundo falando do possível romance

entre Ana Maria Braga e o craque Roberto Carlos. Os rumores começaram quando a

apresentadora, que estava em Portugal, voou até a Espanha para assistir a uma partida do Real

Madrid, time do jogador. Depois do jogo, os dois teriam jantado juntos. Pela fama e pelo

currículo de ambos, a história pode não ser tão sem fundamento assim. Roberto Carlos, aliás,

parece ter desenvolvido uma receita digna de Don Juan. Primeiro elas assistem a uma partida

de futebol, depois ele as leva para jantar. Mais tarde, só eles sabem. Antes da apresentadora,

foi a cantora Fafá de Belém, que, dizem, seguiu a cartilha à risca durante uma partida do

Brasil em Belém.

(Isto é, 2005, p.79, n.1883)

Com base em Ariel (2001), podemos supor que as formas elas e eles do exemplo

(85) revelam um alto grau de acessibilidade, pois essas expressões só foram assim dispostas

por fazerem parte de um contexto já conhecido e preestabelecido pelo texto. Nesses termos, o

uso de uma expressão de baixa informatividade se deu devido aos fatores Saliência e Unidade,

que enfatizam a importância do tópico e da utilização de inferências; e a manutenção da

continuidade tópica, o que permite que as expressões sejam recuperadas de diferentes formas.

É necessário para suas realizações/interpretações um percurso cognitivo

inferencial mais elaborado.

As inferências necessárias à interpretação dessas anáforas nem sempre se

construíram através de pistas explicitadas no cotexto anterior, porém são apresentadas pistas

textuais que ativam informações partilhadas pelos interactantes envolvidos na

realização/interpretação da anáfora indireta.

(86) Mais uma vez Glamurama foi fonte para uma das mais respeitadas colunas

sociais de Nova York, a “Page Six”, do “New York Post”. Foi do nosso site, sempre muito

bem posicionado nas festinhas mais quentes do verão europeu, que eles tiraram a notícia do

romance entre Ricardinho Mansur e Bar Refaeli. Segundo um amigo do empresário, inclusive,

"Rico foi para Israel atrás dela".

(Disponível em: http://glamurama.uol.com.br/Materias_notas.aspx)

Apresenta como critérios para as escolhas referenciais utilizadas pelos

interactantes os aspectos linguísticos, sociocognitivos, situacionais, somados aos aspectos

textual-discursivos.

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Os fatores de acessibilidade que predominam nessas realizações anafóricas

parecem ser os fatores unidade e saliência.

Para que ocorra uma AI, é necessária a realização de um percurso inferencial

mais elaborado para acessar a expressão-âncora antecedente. No caso da AI, não haverá uma

expressão lexicalmente explícita, pois as inferências realizadas para a interpretação de uma AI

se construíram a partir das informações mencionadas previamente no discurso, que, por sua

vez, ativam os conhecimentos compartilhados pelos interactantes numa dada situação

sociocomunicativa.

(87) "Um bidê,

um bidê,

o meu chuveiro

é um bidê ."

(Casseta e Planeta, 2009).

O exemplo (87) foi retirado de um trecho de uma canção produzida no programa

de televisão Casseta e Planeta Urgente, do dia 14 de julho de 2009. O contexto em que essa

canção estava inserida era uma versão humorística da Música do cantor falecido

recentemente, Michael Jackson, “I‟ll be there”. A expressão referencial Um bidê, embora não

tenha nenhuma ligação semântica com o título da canção de Michael Jackson, a retoma, pois

houve a ativação desse referente, embora não tenha sido mencionado no texto, encontrava-se

presente no conhecimento de mundo de grande parcela do público que compartilhou dessa

paródia. A expressão referencial Um bidê remete, por aproximação fonológica, à canção

intitulada “I‟ll be there”. O acesso ao referente dessa expressão caracteriza essa anáfora como

indireta, pois requer, para sua compreensão, um conhecimento de mundo que permita a

realização dessa inferência.

A nossa intenção foi estabelecer critérios para uma definição de anáfora indireta e

associativa que considerasse fundamentalmente os aspectos sociocognitivos interacionais,

valorizando o percurso inferencial. Não há uma diferença em relação ao percurso inferencial,

pois ambas necessitam da realização de inferências e ativação de conhecimentos partilhados

para suas realizações, o que se estabelece através de nossa análise é uma escalaridade nos

níveis de inferência, que vai do processo menos elaborado ou mais acessível até o mais

elaborado e, consequentemente, com um menor nível de acessibilidade.

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Não podemos medir ou estabelecer esses níveis de inferência, nem dizer

precisamente em que nível da escala se encontra precisamente determinada expressão, pois

eles dependem de muitos fatores que só são manifestos no momento da interação ou do

processo inferencial.

Embasamo-nos em Ariel, que afirma que, para a realização do processo

inferencial, reúnem-se os fatores linguísticos, sociocognitivos, situacionais e os aspectos

textual-discursivos.

Para nós, todas as expressões abordadas aqui participam de um fenômeno: a

anáfora. Subclassificá-las da forma como encontramos na teoria implica, meramente, impor

limites fundados apenas em critérios formais.

Utilizando a teoria da acessibilidade passamos agora à análise dos exemplos

utilizados pelos autores que defendem uma concepção bipartida de anáfora indireta e de

anáfora associativa, a saber, respectivamente: Marcuschi (1998; 2000) e Kleiber (1994; 2001).

Faremos isso no intuito de aplicar a teoria da acessibilidade aos exemplos canônicos, tão bem

explorados pelos autores, e de propor uma nova perspectiva de análise que enfatize os

aspectos cognitivo-interacionais, contribuindo, assim, para um alargamento das concepções

de anáforas.

Iniciaremos nossa análise com o exemplo (73), utilizando um tipo de anáfora

classificado por Kleiber (2001) como associativa meronímica:

(73) Ele se abrigou sob uma velha tília. O tronco estava todo rachado.

Para Ariel, o discurso deve ser visto sob uma perspectiva mais ampla, ou seja, o

acesso ao referente da expressão anafórica o tronco não se realizou apenas no nível

linguístico, mas também nos níveis extratextuais que o compõem. A expressão foi

interpretada devido a três fatores que atuam conjuntamente: as informações previamente

mencionadas no discurso, no caso, a informação presente na expressão velha tília ativou as

informações do conhecimento enciclopédico, dentre as quais podemos encontrar, nesse

contexto, árvores e suas respectivas partes. A explicitude e a proximidade da expressão-

âncora em relação à expressão anafórica também tiveram influência para sua realização.

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Seguindo a escala de graus de acessibilidade de Ariel, podemos afirmar que a

expressão o tronco sugere baixo grau de acessibilidade; isso se justifica porque na escala de

Ariel a expressão em análise constitui um nome pleno, ou um SN definido, o que indica que

houve da parte do locutor a necessidade de explicitar ou detalhar melhor o referente, sabendo

que este referente não era necessariamente saliente naquela situação.

Observemos também os fatores que afetam o status de acessibilidade de um

antecedente. Segundo esse aspecto textual-discursivo estabelecido por Ariel, a expressão em

análise sugere o fator saliência, pois a realização da expressão referencial ocorreu por uma

inferenciação facilitada pelo fato de o referente ser tópico no discurso corrente. Pode ainda ser

percebida atuação do fator unidade, pois, além de haver uma associação entre os elementos

linguísticos antecedente e anafórico, o antecedente pertence ao mesmo frame que a expressão

anafórica.

A partir dessa análise, podemos observar que nesse tipo de anáfora inexiste um

antecedente explícito no texto, porém, existe um apoio, uma fonte ou uma origem de fundo

cognitivo ou cultural que motiva sua interpretação (uma velha tília), (ele se abrigou). Não se

trata de uma proposta fundada apenas na realidade lexical, como o diz Kleiber (1994; 2001),

embora não se negue que, em muitos casos, o aspecto lexical seja relevante. Não apenas o

léxico considerado como simples etiquetagem da realidade, mas como uma fonte útil para as

operações de designação, fonte essa que é formada ao longo da vida dos interlocutores,

através dos conhecimentos sócio-interacionais discursivos adquiridos.

Com isso, constatamos que, para tentarmos compreender como se deu o acesso ao

referente, deve ser mais importante identificar o conjunto de estratégias que tornam a

referenciação possível no discurso do que simplesmente montar um sistema de

correspondências lexicais adequadas. O fato de a relação lexical nesse tipo de anáfora

estabelecer uma relação meronímica não implica necessariamente em torná-la mais acessível

ou não, pois o que possibilitou, segundo Ariel (1998; 2001), o acesso ao referente foi a soma

dos aspectos linguísticos, sociocognitivos, situacionais e textual-discursivos.

Prosseguiremos a análise com um exemplo de anáfora associativa locativa dado

por Kleiber (1994) no exemplo (22):

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(22) Chegamos a uma cidadezinha. A igreja ficava no alto de uma colina.

Este exemplo é classificado por Kleiber como uma anáfora associativa locativa

devido a sua relação de lugar entre a entidade e a fonte. E assim, segundo Kleiber, como

ocorre em todos os subtipos de anáforas associativas, o acesso ao referente da expressão

anafórica ocorreu através de traços lexicais.

Ao analisarmos este exemplo com base nos critérios propostos por Ariel, temos na

expressão A igreja a introdução de um referente novo apresentado ou formalizado como

conhecido. Isso se deve ao fato de o discurso anterior fornecer pistas para que a interpretação

desta expressão seja realizada, ou seja, as informações previamente mencionadas no discurso,

aliada a outros fatores contextuais, como os conhecimentos compartilhados, colaboraram para

sua interpretação.

A autora ressalta a importância do contexto para a identificação de referentes. Isso

mostra que, nesse exemplo, o conhecimento compartilhado entre os interactantes no momento

da interação do contexto em destaque contribuiu para que, dentre os referentes inclusos no

contexto de cidadezinha, os falantes, numa dada situação, escolhessem a expressão A igreja,

tanto para dar continuidade, como para estabelecer uma progressão no texto.

Vale ressaltar que a escolha de tal expressão não foi predeterminada

exclusivamente pelo campo semântico (de lugar) da expressão cidadezinha, pois, como já

argumentamos no ponto 2.1.1.2., não necessariamente o mais relevante de uma cidade é uma

igreja. Isso dependerá do tópico discursivo que estará em foco no texto e, quem sabe, de

outros fatores contextuais, imprevisíveis para dada situação. Os interlocutores poderiam

colocar em destaque, por exemplo, um contexto envolvendo turismo; o que ocorreria é que

expressões relacionadas a hotéis, passeios ou pontos turísticos seriam mais recorrentes.

Enfim, o contexto estabelecido pelos falantes e o conhecimento partilhado entre eles é que

decidirá o que pode ser mais saliente e garantirá o nível de acessibilidade da expressão

anafórica.

De acordo com a escala de acessibilidade de Ariel, podemos afirmar que a

expressão A igreja sinaliza baixa acessibilidade, pois se trata de um SN definido, o que indica

uma expressão mais elaborada, utilizada quando o locutor sente a necessidade de detalhar

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melhor uma expressão, pressupondo que ela não esteja inferível para o interlocutor devido a

sua distância no contexto da comunicação. Isso reforça a ideia de que não necessariamente

essa expressão anafórica estivesse em destaque ou automatizada pelos itens lexicais presentes

no cotexto.

Ainda seguindo a teoria da acessibilidade, pode-se relacionar o uso da expressão

anafórica em análise ao fator de acessibilidade saliência, pois a interpretação da expressão

ocorreu porque o referente era tópico no momento da interação e unidade, tendo em vista que

a expressão anafórica compunha o mesmo quadro em que se encontrava a expressão-âncora.

Na concepção de Kleiber (2001), o anafórico das associativas actanciais está

submetido a uma restrição semântica sob a qual o anafórico deve estar marcado,

morfologicamente ou não, como actante do predicado antecedente, o que quer dizer que a

expressão anafórica apenas contém algum traço de especificidade se o predicado o indicar,

como podemos ver no exemplo (79):

(88) João tentou se enforcar. A corda se partiu antes que ele conseguisse seu

intento. (ZAMPONI, 2003).

Essa mesma restrição formal para uma subclassificação das anáforas, podemos

encontrar em Marcuschi (2000), quando o autor apresenta, como um subtipo de anáfora

indireta, as AI baseadas em papéis temáticos dos verbos, na qual o autor considera que o

referente anafórico não está em um SN antecedente, mas na relação entre predicados e

argumentos da oração anterior9.

São coincidências teóricas como essa que tornam o tema dessa dissertação

relevante, pois é notada a necessidade do estabelecimento não de um consenso, mas de uma

aproximação entre essas descrições e terminologias. Mas o fato de Marcuschi denominar tais

casos de “AI baseadas em papéis temáticos dos verbos” não altera o reconhecimento, por

parte do autor, de que existe aí uma vinculação lexical, de base sintático-semântica. A questão

9 Nesse subtipo, o autor considera os „papéis temáticos‟ dos verbos e observa como esses papéis são

preenchidos. O exemplo de Schwarz (p.99) é o seguinte neste caso: (62) Eu queria fechar a porta quando Moretti

saltou dos arbustos. Com o susto deixei cair as chaves.

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que colocamos é se o que torna acessível o referente da anáfora é principalmente o fato de

existir uma ligação entre argumentos (actantes) e predicados.

Sob a perspectiva teórica que fundamenta esta pesquisa, o aspecto essencialmente

formal é um argumento limitador do fenômeno anafórico, pois não traz explicações

suficientes para caracterizar o processo anafórico. Argumentamos em favor de uma

perspectiva teórica para o estudo das anáforas que leve em consideração os aspectos não

somente linguísticos, mas também sociocognitivos, situacionais e textual-discursivos. Foi o

que encontramos na teoria da acessibilidade de Ariel (1996; 1998; 2001).

Com base em seus critérios, a análise do exemplo (88) teria um olhar mais voltado

não para a forma, mas para outros fatores que importam para indicar o grau de acessibilidade

das expressões referenciais. No caso (88), o acesso ao referente da expressão A corda deu-se a

partir do conhecimento enciclopédico, do discurso anterior, somado ao conhecimento

linguístico, já que para o ato de enforcar pressupõe-se, como um dos meios prototípicos, a

necessidade do instrumento corda, informação essa que faz parte do senso comum e foi

compartilhada pelo interactantes no momento da interação. Ou seja, não foi apenas um jogo

de argumentação entre predicados, mas foi a conjunção de informações de diversas fontes que

atuaram na identificação do referente.

O anafórico A corda sinaliza que a expressão indica um baixo nível de

acessibilidade. Segundo Ariel (2001), isso ocorre com expressões formadas por sintagmas

nominais plenos, pois indicam uma necessidade de explicitar de forma mais detalhada o

referente. Neste caso, o detalhamento ocorreu porque, dentro dos elementos passíveis de ser

elencados naquela situação, a opção pela expressão A corda não era a única.

Sugere o fator saliência, pois sua interpretação motivou-se pela

automaticidade/estereotipicidade da inferência necessária à geração do status da entidade

dada (o ato de enforcar). A partir dessa entidade, ativamos o frame de enforcamento, no qual a

expressão A corda é mais facilmente inferida. Também apresenta o fator unidade, pois, sob

esse fator, a redução ou a manutenção da continuidade do tópico permite que as expressões

sejam recuperadas de diferentes formas, como nesse caso a expressão se enforcar foi

reativada através de um referente novo (A corda), porém como parte do frame da expressão-

âncora.

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O exemplo a seguir, Kleiber classifica como anáfora associativa funcional:

(89) Gostaria de comprar uma casa, mas não encontrei o proprietário.

(ZAMPONI, 2003).

Partindo do pressuposto de que, nesses casos de anáfora, o anafórico possui um

nome cujo conteúdo semântico preenche uma função ou papel característico num conjunto

explícito no cotexto anterior, Kleiber (2001) argumenta mais uma vez que a interpretação

dessa anáfora se deu principalmente no nível linguístico, fazendo uma opção pela primazia do

léxico e dos traços semânticos sobre o discurso.

Porém, se o leitor/ouvinte não compartilhasse com o escritor/falante o mesmo

contexto e conhecimento de mundo, a interpretação da anáfora não teria sido bem sucedida,

ou não teria sido construída com a mesma facilidade.

Dentro do contexto desse exemplo, podemos observar que o referente da

expressão o proprietário foi interpretado devido a vários fatores nos quais tiveram relevância

as informações previamente mencionadas no discurso e as informações do conhecimento

enciclopédico, das quais o interlocutor pôde inferir que o proprietário seria o dono da casa em

questão. Mas isso só foi possível porque, naquele contexto, a compra de uma casa estava em

foco, mas poderia ser o proprietário de qualquer outro bem; em contrapartida, o comprador

poderia procurar, em vez do proprietário, o corretor, por exemplo. Isso reforça a ideia de que

o contexto, que envolve o conhecimento compartilhado em situações específicas e a saliência,

é fator fundamental para interpretação de uma anáfora, não apenas o aspecto formal do

elemento anafórico.

De acordo com Ariel (2001), expressões mais elaboradas e/ou mais atenuadas são

índices de níveis de acessibilidade baixo, representados em sua escala pelos nomes plenos,

como é o caso da expressão em análise o proprietário.

Sugere também o fator saliência, tendo em vista que no frame de comprar uma

casa, a expressão o proprietário representa uma entidade facilmente inferida. Também

encontramos o fator unidade, devido à importância do tópico discursivo para a realização de

inferências, pois o tópico introduzido pela expressão Gostaria de comprar uma casa foi

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reativado pelo anafórico o proprietário, mantendo, assim, o tópico discursivo e colaborando

para a interpretação da expressão anafórica.

Vejamos, agora, exemplos de anáforas indiretas:

(28) Essa história começa com uma família que vai a uma ilha passar suas férias.

/.../ Quando amanheceu eles foram ver como estava o barco, para ir embora e perceberam que

o barco não estava lá.

Este exemplo é analisado por Marcuschi (2000), em seu texto Anáfora indireta: o

barco textual e suas âncoras. Segundo o autor, trata-se de um exemplo típico de anáfora

indireta, pois a expressão o barco foi interpretada referencialmente sem que houvesse

correspondência entre um antecedente (ou subsequente) explícito no texto. Para Marcuschi,

houve, nesse caso, uma ativação de referentes novos e não uma reativação de referentes já

conhecidos, o que constitui um processo de referenciação implícita. Notamos, nesta afirmação

do autor, uma confusão entre “referente novo” e “refererente explicitado no cotexto”. A

verdade é que a expressão o barco, apesar de ser uma expressão referencial nova nesse

cotexto, surge como se fosse conhecida. Isso ocorre porque ela ancora (cognitivamente) na

expressão nominal antecedente uma ilha, que lhe dá suporte.

Concordamos com essa análise de Marcuschi, principalmente quando ele afirma

que a expressão o barco ancora cognitivamente na expressão antecedente. Porém esse

exemplo não se diferencia dos exemplos dados por Kleiber para casos de anáforas

associativas meronímicas, pois, dentro do contexto apresentado no texto, o barco é parte

integrante da ilha. Reforçando nossa ideia de que não há uma divisão nítida entre os dois

conceitos, mas uma gradação. Vale questionar se, para Kleiber, a interpretação dessa anáfora

seria atribuída a traços lexicais e semânticos contidos na expressão o barco, que ancora na

expressão antecedente uma ilha, em cujo campo semântico se incluiria o barco como parte da

ilha, ou se seria considerada como uma relação inferencial, não estritamente associativa, pois

se construiria apenas de forma cognitiva, como o disse Marcuschi.

Partindo para uma análise dentro dos pressupostos de Ariel (2001), podemos

afirmar que a interpretação dessa anáfora foi realizada devido aos conhecimentos partilhados

entre os interlocutores no momento da comunicação. Atuaram conjuntamente os aspectos

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linguísticos, sociocognitivos, situacionais e os textual-discursivos. Não podemos dizer que

apenas um desses aspectos foi utilizado, ou dizer que a interpretação ocorreu apenas através

de traços linguísticos, isso limitaria o fenômeno da anáfora, que, além de promover a

progressão e a continuidade no texto, é um frequente recurso argumentativo.

A expressão “o barco”, por se tratar de uma expressão nominal definida, segundo

Ariel, pode sugerir um grau de acessibilidade baixa (ver escala), isso se justifica, devido ao

fato de a expressão não estar necessariamente em foco no momento da interação. Por isso o

falante sentiu a necessidade de detalhar melhor a expressão anafórica.

Pode indicar os fatores saliência e unidade, pois sua interpretação foi influenciada

pela estereotipicidade da expressão o barco dentro do frame de uma ilha, mantendo, assim, o

foco do texto.

Com o intuito de estabelecer um contraste entre os exemplos de anáforas

indiretas, analisaremos o seguinte caso discutido por Marcuschi (1998):

(61) A equipe médica continua analisando o câncer do Governador Mário Covas.

Segundo eles, o paciente não corre risco de vida.

O percurso inferencial realizado para a interpretação do anafórico em (61) fundou-

se em operações relativamente complexas. A expressão eles foi interpretada através do

referente ativado na expressão anterior A equipe médica, que traz em sua interpretação a ideia

de um conjunto de indivíduos, induzindo-nos a considerar que o conjunto de médicos foi

coletivamente representado na expressão anafórica eles.

Para analisarmos esse exemplo, observaremos inicialmente que a expressão

anafórica constitui um pronome. É perceptível que a expressão não tem um referente

explicitado no cotexto antecedente. Comprovamos isso pela concordância nominal, todavia

sabemos a que é que o pronome se refere. Para Ariel, isso se deveria ao fato de o pronome ser

uma expressão que sugere alta acessibilidade (ver escala), pois expressões menos

informativas apresentam um grau de acessibilidade maior. Para Marcuschi (1998), o pronome

ele não descreve nada, não tem estatuto semântico estável e, no entanto, designa referentes

particulares, definidos e, ao mesmo tempo, pode ser opaco e designar até o que não existe, o

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que não ocorre com eu/tu. Ariel justifica que expressões anafóricas realizadas por pronomes

revelam uma proximidade maior do referente, tanto que o locutor não sentiu necessidade de

usar uma expressão mais detalhada ou extensa para ser compreendido, isso porque o referente

já estava ativado na memória dos interlocutores, pois fazia parte do tópico discursivo em foco

no momento da comunicação.

Outro aspecto importante diz respeito ao tipo de conhecimento exigido para a

interpretação dos pronomes. De forma geral, estes conhecimentos são parcialmente lexicais e

parcialmente contextuais, mas, no caso (61), ele foi essencialmente enciclopédico, pois as

informações contidas na expressão anafórica não foram suficientes para sua interpretação.

Vale salientar também, como observa Marcuschi (1998), que nem tudo se deve ao

pronome eles, pois, se retirarmos do exemplo o trecho subsequente, fica quase impossível

construir o conjunto de entidades referidas pelo pronome. Disso conclui o autor que, para a

interpretação do pronome eles, ocorreu mais do que uma relação entre um cotexto antecedente

e um pronome: houve uma conformação interpretativa posterior.

(61a) A equipe médica continua analisando o câncer do Governador Mário Covas.

Segundo eles [...]

Não se pode pôr qualquer coisa no lugar de [...], pois o trecho subsequente traz

informações complementares para que se construa o frame necessário para ativar os

conhecimentos enciclopédicos dos interlocutores para, assim, interpretarem a anáfora.

O exemplo (61) apresenta os fatores saliência e unidade por priorizar a presença

do tópico discursivo e do contexto em que a expressão está inserida para a sua interpretação.

O exemplo que analisaremos a seguir traz questionamentos relevantes

relacionados ao aspecto formal de como a anáfora foi realizada. Para Kleiber (1994; 2001),

para que ocorra uma anáfora associativa, é necessário que a expressão anafórica seja realizada

através de um sintagma nominal definido, mais especificamente, um artigo definido mais um

nome, cuja interpretação deve estar relacionada com uma expressão antecedente com a qual

estabelece uma relação léxico-estereotípica. No exemplo (81), observaremos um caso de

anáfora introduzida no discurso através de um sintagma nominal definido, porém sua

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interpretação não está vinculada lexicalmente com os elementos linguísticos presentes no

cotexto:

(90)

(Revista Época, 10 de agosto de 2009, p. 13)

As expressões anafóricas o sedutor e o ditador poderiam ser casos prototípicos de

anáfora associativa se levássemos em consideração apenas a forma como foram realizadas,

porém, não encontramos em trechos anteriores expressões pertencentes ao campo semântico

estabelecido pelos itens lexicais da expressão anafórica.

Podemos nos questionar sobre como conseguimos fazer as inferências necessárias

para sabermos quais são os referentes dessas expressões, já que no texto presente nessa página

da revista não encontramos marcas linguísticas que comprovem que os referentes são,

respectivamente, do ex-presidente Bill Clinton e do ditador Kim Jong-il. Embora suas

imagens estejam expostas e no texto constem seus nomes, como conseguimos estabelecer que

uma expressão como “o sedutor” possa estar retomando não-correferencialmente a expressão

“Bill Clinton”? Como conseguimos recobrar, na memória, referentes em casos como estes?

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Segundo Ariel (1998; 2001) isso se deve, dentre outros aspectos, a atividades

cognitivas realizadas durante o percurso inferencial necessário para a realização/interpretação

de uma anáfora, seja ela indireta ou associativa.

Para a interpretação das expressões anafóricas do exemplo (81), diversos

elementos atuaram na construção do discurso. Segundo Ariel (2001), podemos afirmar que os

principais fatores que atuaram conjuntamente, neste caso, foram as informações previamente

mencionadas no texto; informações do conhecimento enciclopédico e, também, do contexto

físico.

As informações previamente sugeridas pelo texto foram adquiridas ao longo das

experiências dos interlocutores, as quais permitiram associar a expressão o sedutor a um fato

anterior ocorrido com o ex-presidente Bill Clinton, que se relacionou com sua secretária,

envolvendo-se num escândalo internacional. O caso de o ditador também é interpretado

devido ao conhecimento compartilhado pelos interlocutores da situação política de Kim Jong-

il. As informações do conhecimento enciclopédico estão diretamente ligadas aos

conhecimentos previamente mencionados no texto, pois o conhecimento das expressões

sedutor e ditador também foi importante para a compreensão. Porém, se estas informações

não fizessem parte do conhecimento dos interlocutores, neste caso, outras pistas serviriam

para guiá-los na busca do referente.

Neste exemplo, o contexto físico traz pistas que levam à interpretação, mesmo

sem os conhecimentos prévios necessários. Embora o contexto social referido pelas

expressões não seja totalmente reativado, o interlocutor é capaz de saber que as expressões o

sedutor e o ditador referem-se respectivamente ao trecho: “Personagens da semana Bill

Clinton e Kim Jong-il”, citado anteriormente no cotexto presente na página da revista. Outro

fator de destaque são as imagens dispostas na ordem em que seus nomes aparecem.

Analisando este exemplo, podemos observar que o conhecimento lexical nem

sempre é o fator responsável pela interpretação das anáforas; para nós, nem mesmo nos casos

em que ocorre uma relação anafórica na qual os referentes fazem parte do mesmo campo

semântico, do tipo barco-ilha do exemplo (28). A nosso ver, um passo anterior ao da

associação lexical seria uma aproximação cognitiva dos conceitos, feita a partir dos

conhecimentos compartilhados e adquiridos ao longo das experiências sociointeracionais dos

interlocutores.

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As expressões o sedutor e o ditador apresentam um baixo grau de acessibilidade

(ver escala), comprovado pelo uso de nomes plenos e de expressões definidas. Neste exemplo,

o argumento de Ariel em relação à baixa acessibilidade dos nomes plenos torna-se relevante,

pois expressões menos informativas, por exemplo, pronomes, nesse caso, não seriam

interpretadas, pois não saberíamos a que o locutor se referiria, já que os referentes Bill Clinton

e Kim Jong-il, neste exemplo, não são os únicos que poderiam ser reativados.

Apresenta o fator saliência, pois, embora haja a possibilidade de outros referentes

serem ativados na situação (81), a interpretação foi realizada devido à saliência dos referentes

no contexto sociocomunicativo evocado por essa página de revista. Isso pode ser justificado

pelo contexto reativado pelas expressões referenciais e pelas imagens. Outro fator presente é o

fator unidade, tendo em vista que, para a redução ou a manutenção da continuidade tópico, as

expressões podem ser recuperadas de diferentes formas, além de darem continuidade,

acrescentam ao texto informações novas sobre os referentes, fazendo, assim, o texto

progredir.

Os exemplos analisados neste item podem ser organizados no quadro da escala de

graus de acessibilidade de Ariel, fizemos isso com o intuito de mostrar os exemplos,

organizando-os de acordo com os graus de acessibilidade que apresentam:

Acesso

Escala de graus de

acessibilidade Ocorrências

baixo Nome pleno + modificador Exemplos

baixo Nome pleno

O tronco; A igreja;

A corda; o

proprietário; o barco;

o sedutor e o ditador

An. Ass.

Meronímica; An.

Ass, locativa;

An.Ass.

Actancial; An.

Ass. Funcional;

An. Indireta; An.

Indireta.

baixo Descrição definida longa Exemplos

baixo Descrição definida curta Exemplos

relativo Último nome Exemplos

relativo Primeiro nome Exemplos

Interm. Demonstrativo distante +

modificador Exemplos

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Interm. Demonstrativo próximo +

modificador Exemplos

Interm. Demonstrativo distante + SN Exemplos

Interm. Demonstrativo próximo +

SN Exemplos

alto Demonstrativo distante – SN Exemplos

alto Demonstrativo próximo –

SN Exemplos

alto Pronome tônico + gesto Exemplos

alto Pronome tônico eles

An. Indireta

alto Pronome átono Exemplos

alto Pronome clítico Exemplos

alto Flexões de pessoa verbal Exemplos

alto Zero. Exemplos

(Quadro 4 – Escala de graus de acessibilidade – exemplos)

A partir dessa análise, podemos concluir que as anáforas associativas podem

sugerir níveis mais baixos de acessibilidade, pois requerem mais elaboração cognitiva e

lingüística, enquanto as anáforas indiretas apresentam níveis mais altos de acessibilidade,

podendo, também, ocorrer de forma a apresentarem níveis de baixa acessibilidade, de acordo

com a proximidade ou não do acesso ao referente na mente dos interlocutores.

A análise de Ariel ainda prioriza muito o aspecto formal da realização anafórica.

Apesar de sua ênfase permanecer no aspecto cognitivo, a autora termina por se pautar por

uma análise mais detalhada nos aspectos formais, como vemos em sua escala de

acessibilidade. Ariel ainda leva em consideração a forma como a expressão anafórica se

realizou textualmente. Encontramos também, nos fatores de acessibilidade distância,

saliência, competição e unidade, uma relevância para a posição geográfica da expressão

antecedente no cotexto, o que põe em xeque as afirmações da autora de que fatores de toda

ordem, sobretudo os de natureza sociocognitiva, entram em confluência na hora de se

considerar o que é mais acessível ou não.

Porém, é forçoso admitir que Ariel vem contribuir de forma efetiva para embasar

o argumento de que uma anáfora introduzida por um SN definido não indica necessariamente

que se trata de uma associativa, um tipo de anáfora considerado pela literatura consultada

como indicativa de uma interpretação mais acessível ou eminentemente lexical, pois

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constatamos que o critério formal não é suficiente, nem decisivo todas as vezes, para

determinar a classificação de uma anáfora ou para dizer simplesmente que houve uma

associação léxico-estereotípica. Pode ocorrer um caso de anáfora introduzida por SN definido

e sua interpretação não estar presente no cotexto anterior, mas poderá existir no conhecimento

partilhado pelos interlocutores. A forma poderia indicar uma anáfora associativa, mas não o

contexto necessário para sua interpretação.

A contribuição de Ariel reside na afirmação de que apenas o aspecto formal não

deve ser critério de classificação das anáforas, pois, para a autora, o que ocorre através das

informações presentes nas expressões anafóricas são instruções aos destinatários de como

estes devem recuperar da memória informações sobre o referente de acordo com as pistas

dadas no discurso corrente, posição com a qual concordamos plenamente.

Observamos também que a interação entre os integrantes do grupo é fundamental

para a interpretação das ocorrências anafóricas, o que ressalta o papel do sujeito como agente

na produção de expressões referencias e reforça a ideia de que não é a forma que rege tais

expressões, mas sim, os aspectos sociocognitivos interacionais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O intuito de nossa pesquisa foi reconsiderar os critérios que distinguem as

anáforas indiretas das anáforas associativas, observando os aspectos cognitivos e discursivos.

Para isso, além de considerarmos a opinião dos autores que abordam o assunto, precisamos

utilizar uma teoria que embasasse a nossa perspectiva. Utilizamos como base teórica a teoria

da acessibilidade a fim de investigar os níveis de inferência realizados na interpretação dos

diferentes tipos de anáfora.

Ao iniciarmos esta pesquisa, nosso objetivo era propor que não havia distinções

entre as anáforas indiretas e as associativas no que diz respeito ao processo inferencial. Nesse

momento, havíamos desconsiderado o aspecto formal e enfatizado apenas o aspecto cognitivo.

Embasávamos-nos nas definições dos próprios autores, principalmente Kleiber (1994; 2001),

pois, para ele, o critério formal para ocorrer uma anáfora associativa é o estabelecimento de

uma relação léxico-estereotípica entre os elementos da anáfora; o autor afirma também que o

que diferencia as anáforas indiretas das associativas são critérios formais e semânticos. Ora,

para nós, afirmar que a interpretação da anáfora associativa está no léxico é afirmar que está

no conhecimento de mundo dos interlocutores. Discutimos sobre isso e comparamos com os

critérios definicionais das anáforas indiretas, que, segundo Marcuschi (2000), são anáforas

que exigem um percurso inferencial maior, já que sua interpretação não está em nenhum

elemento do cotexto, porém existe uma âncora que serve de fonte para a interpretação, ou

seja, para ativar o referente desta anáfora, temos que utilizar nosso conhecimento de mundo

também.

Até esse momento, tínhamos até estabelecido uma escala de acessibilidade,

defendendo que as diferenças não eram formais e semânticas, mas sim inferenciais, as

diferenças residiam no nível de acessibilidade do referente. Nossa escala partia do mais

acessível, que eram as associativas, pois sua expressão-âncora estava explícita no cotexto, de

forma não-correferencial; e as indiretas eram consideradas as de acesso mais difícil devido ao

seu distanciamento da expressão âncora, que, por vezes, nem aparecia no cotexto. O primeiro

problema com o qual nos deparamos foi o seguinte: se estávamos considerando o aspecto

cognitivo como o principal fator responsável pela interpretação de uma anáfora, como

poderíamos nós estabelecer os níveis de inferência necessários ao acesso ao referente,

sabendo que toda anáfora é inferencial e todas precisam que o conhecimento de mundo seja

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compartilhado pelos falantes? Como poderíamos determinar que as associativas eram mais

acessíveis que as indiretas, se tanto no nível lexical como no inferencial o percurso cognitivo

era determinante?

Percebemos que não era possível ter certezas sobre isso, pelo menos não com o

aparato teórico de que dispúnhamos, pois o acesso ao referente está na mente dos

interlocutores, e isso é relativo, de acordo com os conhecimentos prévios dos interlocutores e

com a situação sociocomunicativa em que a expressão anafórica estiver inserida.

Foi nesse momento em que uma teoria de base cognitiva nos foi fundamental.

Tínhamos que embasar a tese de que a diferença entre as anáforas residia no aspecto cognitivo

e ainda tentar estabelecer uma gradação nos níveis de inferência necessários às suas

realizações.

Os nossos objetivos, então, passaram a ser: verificar se os critérios utilizados

pelos autores, como Marcuschi e Schwarz (2000) e Kleiber (1994; 2001), eram suficientes

para diferenciar os fenômenos das anáforas indiretas e associativas; e analisar, com base na

proposta de Ariel (1998; 2001), os processos anafóricos indiretos, considerando os aspectos

cognitivos envolvidos na realização das anáforas indiretas e associativas, propondo que não

há uma separação entre anáfora indireta e associativa, mas, sim, uma escalaridade

estabelecida a partir dos níveis de inferência realizados na interpretação de uma anáfora.

Em relação ao primeiro objetivo principal, podemos concluir que fomos além das

nossas hipóteses, tendo em vista que, a partir dos dados, observamos que utilizar apenas os

critérios formais como critério, tanto para definir como para diferenciar os tipos de anáfora é

insuficiente, pois na realização do fenômeno anafórico o que influencia nas escolhas

referenciais utilizadas pelos interactantes é a conjunção dos aspectos linguísticos,

sociocognitivos, situacionais e textual-discursivos, o que confirmamos através da teoria da

acessibilidade de Ariel (1998; 2001).

Quanto ao segundo aspecto, tínhamos como hipótese saber se seria possível

afirmar que, no tocante aos aspectos cognitivos, não havia uma distinção entre anáfora

indireta e anáfora associativa; teríamos então, níveis diferentes de inferência, que poderiam

ser avaliados em termos de fatores de acessibilidade: distância, competição, saliência e

unidade. Assim sendo, quanto maior o grau de acessibilidade do referente, menor seria o

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percurso inferencial realizado, quanto menor fosse o grau de acessibilidade do referente,

maior e mais elaborado seria o percurso inferencial realizado para a interpretação de uma

anáfora indireta.

Podemos afirmar que nossa hipótese foi confirmada tendo em vista que

constatamos que as anáforas, sejam elas associativas ou indiretas, apresentam o acesso ao

referente tanto em níveis mais altos, como em níveis mais baixos, independente de suas

classificações já determinadas pela literatura consultada. Por outro lado, percebemos que o

estabelecimento desses níveis não pode ser exato, ou sequer medido, pois, como constatamos

que o acesso está na mente dos interlocutores, a acessibilidade de um referente não está

apenas no aspecto formal como vinha sendo abordado por diferentes autores, mas é

estabelecido pelos interactantes no momento da interação.

Nossa pesquisa, por tratar-se de uma rediscussão dos critérios classificatórios do

fenômeno anafórico, reanalisando as definições dos autores que abordam o assunto, fornece

contribuições teóricas na área de Linguística Textual. As contribuições podem ser utilizadas

para um alargamento das concepções de anáforas indiretas e associativas, trazendo à tona

questionamentos em relação à interpretação dessas anáforas e levando a ser considerado como

critério definicional das anáforas, não apenas o aspecto formal, mas todos os aspectos

envolvidos no processo anafórico.

Além dessa contribuição de ordem maior, julgamos ter colaborado para outras

questões teóricas de âmbito mais localizado:

i) a análise dos critérios definicionais das anáforas indiretas e associativas dados

pelos autores através de seus próprios exemplos.

ii) a utilização de uma teoria com ênfase no aspecto cognitivo para refutar que

somente o aspecto formal não é determinante para diferenciar a anáfora indireta da anáfora

associativa.

iii) um estudo mais aprofundado ou mais empírico dos graus de acessibilidade,

para dar conta do fato de que esse aspecto cognitivo é também dependente das especificidades

de cada situação de interação;

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iv) a proposta da criação de uma nova classificação de anáforas, baseadas nos

aspectos sociocognitivos interacionais.

Encerramos nossa pesquisa com algumas dúvidas elucidadas e com outras que

surgiram a partir da pesquisa. Constatamos que, para a interpretação de uma anáfora, são

utilizados vários fatores. Porém um caminho longo foi traçado no meio destes

questionamentos: não sabemos ainda, por exemplo, se, o alargamento desses conceitos

influenciará nas funções discursivas das expressões anafóricas, ou seja, ampliar um conceito

veio da rediscussão de critérios, mas saber como isso influenciará no aspecto discursivo e no

processo de referenciação textual é outro passo, ou melhor, outra pesquisa.

Vemos ainda que a pesquisa desenvolvida sugere outras investigações que dariam

continuidade as discussões desenvolvidas. Seria interessante, por exemplo:

i) testar em exemplos reais os critérios estabelecidos na presente pesquisa.

ii) sugerir um novo tratamento para os casos tradicionalmente classificados como

subtipos de anáfora indireta como a anáfora encapsuladora, a anáfora esquemática pronominal

e a anáfora nominalizante (ZAMPONI, 2003).

iii) confrontar os resultados obtidos em nossas análises com outras propostas ou

teorias que sirvam de embasamento teórico para refutar os critérios definicionais de anáforas

estabelecidos pelos autores.

iv) investigar a função das expressões anafóricas no discurso, tendo em vista

todos os aspectos que foram considerados nessa pesquisa para suas classificações.

Desse modo, concluímos afirmando que o fator fundamental para a

realização/interpretação de uma expressão anafórica está presente nos sujeitos da interação,

nos seus conhecimentos de mundo, nos seus conhecimentos compartilhados, na intenção

sócio-comunicativa, na forma como o interlocutor recebeu a mensagem e na forma como essa

mensagem foi transmitida, no contexto.

Pensando por esse aspecto, o fenômeno linguístico se sobressai, indo além das

nomenclaturas, revelando que o texto é utilizado para a comunicação e ele é moldado pelos

falantes de acordo com suas necessidades comunicativas. A nosso ver, critérios formais ou

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lexicais enfatizados pelos autores são insuficientes para descrever algo tão dinâmico e

interacional como as expressões anafóricas. Esperamos, com o alargamento desses conceitos,

que o fenômeno anafórico passe a ser analisado sob uma perspectiva que priorize os fatores

sociocognitivos interacionais, na tentativa de compreender a escolha dos interactantes por

determinadas expressões referencias.

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