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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES MESTRADO SUBÁREA MÚSICA ROBERTO LEONARDO CAIMI A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE DOIS PROFESSORES DE VIOLÃO DE CURSO DE BACHARELADO EM MÚSICA NO BRASIL UBERLÂNDIA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA

INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ARTES MESTRADO

SUBREA MSICA

ROBERTO LEONARDO CAIMI

A FORMAO PEDAGGICA DE DOIS PROFESSORES DE VIOLO DE

CURSO DE BACHARELADO EM MSICA NO BRASIL

UBERLNDIA

2014

2

ROBERTO LEONARDO CAIMI

A FORMAO PEDAGGICA DE DOIS PROFESSORES DE VIOLO DE

CURSO DE BACHARELADO EM MSICA NO BRASIL

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Artes do Instituto de Artes da

Universidade Federal de Uberlndia, como requisito

parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Artes.

rea de Concentrao: Artes.

Subrea: Msica.

Linha de Pesquisa: Fundamentos e Reflexes em

Artes.

Orientador: Prof. Dr. Jos Soares

Uberlndia

2014

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4

DEDICATRIA

A mia madre Anna

minha me Anna

In memoriam

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AGRADECIMENTOS

A Deus, O Senhor meu Pastor e nada me faltar (SALMO 21, 1).

minha esposa Mariana pelo amor que teve em aguardar minhas ausncias e pelo apoio

tcnico na elaborao grfica do modelo terico.

Aos meus filhos Gianluca e Anna Elena, pela pacincia em me esperar para brincar com

eles.

A meu pai Aldo e meus irmos Caterina e Salvatore por tantas, muitas...mil coisas!

minha tia Vanna que acompanha minha formao desde criana.

Universidade Federal de Uberlndia (UFU) por toda educao que me proporcionou

desde que vim ao Brasil.

Ao meu orientador Jos Soares por me ensinar o que ser pesquisador, pela

autonomia que me fez conquistar, e pela pacincia em corrigir meus neologismos.

Aos membros das bancas de qualificao e de defesa, Dra. Cntia Morato e Dr. Sergio

Figueiredo, pelas contribuies que iluminaram o caminho e a concluso dessa

pesquisa.

Aos professores, mestres e colegas com os quais compartilhei esses anos de formao

na Graduao e Ps-Graduao na Universidade Federal de Uberlndia, e como

professor na UFU e no Conservatrio Estadual de Msica Raul Belm de Araguari,

que, atravs do exemplo, sempre me incentivaram a alcanar essa conquista.

Aos professores que se dispuseram a participar dessa pesquisa.

Muito obrigado a todos!

6

Devemos lembrar que o prodigioso

desenvolvimento do conhecimento cientfico ,

simultaneamente, um prodigioso aumento da

ignorncia: ele resolve enigmas, mas revela

tambm mistrios; o aumento da luz ao

mesmo tempo o aumento da sombra. O

verdadeiro progresso se verifica quando o

conhecimento toma conscincia da ignorncia

que ele revela.

(Edgar Morin).

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RESUMO

Este trabalho teve como objetivo compreender como se deu a formao pedaggica de

dois professores de violo de Bacharelado de duas universidades pblicas da regio

Sudeste. Os objetivos especficos consistiram em conhecer a formao anterior ao

ingresso na graduao, a formao inicial, continuada e de ps-graduao destes

professores; assim como compreender a percepo dos professores em relao aos

desafios/problemas enfrentados como docentes de curso superior e as percepes e

concepes destes professores sobre ser professor de violo num curso de Bacharelado

em msica. A pesquisa adotou a abordagem qualitativa. O mtodo utilizado foi o estudo

de caso mltiplo e os procedimentos de coleta de dados se basearam na entrevista

semiestruturada. Foram adotados como aporte terico os seguintes autores: Tardif

(saberes docentes), Vzquez (o conceito de prxis) e Setton e Saraiva (o conceito de

socializao). Os resultados indicam que a Formao Pedaggica dos participantes

composta por influncias que provm de contextos escolares e no-escolares e por

saberes docentes prticos e tericos. Outros resultados demonstram a reproduo de

procedimentos pedaggicos oriundos de modelos vivenciados enquanto alunos. Esta

reproduo de modelos serve de base para adaptaes e modificaes pedaggicas

atravs de um processo de reflexo (prxis).

Palavras-chave: Formao Pedaggica; Professor de violo de Bacharelado; Ensino

Superior.

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ABSTRACT

The purpose of this study is to understand how a teacher training course was undertaken

for two guitar teachers of a Bachelors Degree course at two public universities in the

South-East region of Brazil. The more specific aims involved finding out about the

training they had had before enrolling for the degree course, together with their initial,

continuing and post-graduate instruction. There was also an attempt to understand the

challenges/problems they faced as members of the teaching staff in higher education, as

well as the way they regarded and conceived the prospect of being guitar teachers in a

Bachelors music course. The research study adopted a qualitative approach. The

method employed was a multiple case study and the procedures for data collection were

based on semi-structured interviews. The theoretical framework was underpinned by the

following authors: Tardif (teaching skills), Vzquez (the concept of prxis) and Setton

and Saraiva (the concept of socialization).The results suggest that the Teacher Training

of the participants comprises influences which originate from both academic and non-

academic situations and practical and theoretical teaching skills. Other results show the

reproduction of pedagogical procedures that derived from models which they had

experienced as students. This reproduction of models serves as a basis for pedagogical

adaptations and adjustments through a process of reflection (prxis).

Keywords: Teacher Training; Teacher for Bachelor Degree Courses; Higher Education.

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LISTA DE ILUSTRAES

FIGURA 1 Processo de Formao do Individuo...................................................................26

FIGURA 2 Formao do Individuo: interseco de mltiplos contextos..............................27

FIGURA 3 Formao do Individuo: o processo de socializao..........................................39

FIGURA 4 Percurso da Formao do professor Jlio em Contextos no-escolares ........... 49

FIGURA 5 Percurso da Formao do professor Davi em Contextos no-escolares ............ 49

FIGURA 6 Percurso da Formao do professor Jlio em Contextos escolares .................. 54

FIGURA 7 Percurso da Formao do professor Davi em Contextos escolares .................. 54

FIGURA 8 Modelo terico para compreender a formao pedaggica dos dois

professores de violo do bacharelado em msica ................................................................... 72

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 Categorias para anlise ...................................................................... 44

11

SUMRIO

1 INTRODUO ........................................................................................................... 12

1.1 Objetivos .................................................................................................................. 16

1.2 Justificativa .............................................................................................................. 16

2 REVISO DA LITERATURA .................................................................................. 18

2.1 Especificidades, funes e requisitos do professor universitrio ............................ 18

2.2 A formao do professor universitrio .................................................................... 23

2.3 Os saberes docentes do professor do ensino superior de msica ............................. 27

2.4 Os conhecimentos e as habilidades pedaggicas do professor universitrio ........... 30

3 APORTE TERICO .................................................................................................. 33

3.1 Os saberes ....................................................................................................... 33

3.2 Prxis ....................................................................................................................... 36

3.3 Socializao .............................................................................................................. 38

4 METODOLOGIA ....................................................................................................... 40

4.1 Pesquisa Qualitativa ................................................................................................. 40

4.2 Estudo de caso mltiplo ........................................................................................... 41

4.3 Os participantes ....................................................................................................... 41

4.4 Coleta de dados ........................................................................................................ 42

4.5 Anlise dos dados .................................................................................................... 43

5 APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS ...................................................... 46

5.1 Contexto no-escolar ............................................................................................... 46

5.2 Contexto escolar ...................................................................................................... 50

5.3 Influncias pedaggicas ........................................................................................... 55

5.4 Prtica e concepes pedaggicas ........................................................................... 61

6 DISCUSSO SOBRE A FORMAO PEDAGGICA DOS DOIS PROFESSORES

DE VIOLO DO BACHARELADO ........................................................................... 72

CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 78

REFERNCIAS ............................................................................................................. 84

APNDICES ...................................................................................................................92

APNDICE 1 Roteiro de entrevista ......................................................................... 93

APNDICE 2 Termo de consentimento .................................................................. 96

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1 INTRODUO

A formao pedaggica de docentes para o ensino superior um processo

complexo, que se constri ao longo da vida e cuja origem e desenvolvimento est

entrelaada trajetria profissional do professor. A definio dos termos formao e

pedaggica, no Dicionrio Michaelis on-line (2013), apresentada de forma

abrangente. Segundo o dicionrio, entre vrias acepes, o termo formao significa

sf (lat. formatione) 1. Ato ou efeito de formar ou formar-se. 2. Modo por que uma

coisa se forma. 3. Disposio ordenada. (...). 7. Modo como se constitui um carter ou

uma mentalidade (...). J o significado do termo pedaggica abordado enquanto

derivao do substantivo feminino pedagogia, definido como: 1. Estudo terico ou

prtico das questes da educao. 2. Arte de instruir, ensinar ou educar as

crianas. 3. Conjunto das ideias de um educador prtico ou teorista em educao (...).

Podemos perceber que, pela definio, a formao pode ser ao mesmo

tempo, um ato ou um efeito. Pode referir-se maneira como um indivduo constitui o

prprio carter ou mentalidade, ou ainda, como algum ou o meio em que est inserido

influenciam o carter ou mentalidade deste indivduo.

Nessa pesquisa, o que nos interessa a pedagogia enquanto cincia da

educao, e o efeito do formar, ou seja, como se processa a constituio do indivduo a

partir de influncias externas tais como situaes, contextos e objetos (livros, por

exemplo). Assim, cabe considerar o indivduo como sujeito histrico, que se desenvolve

temporal e contextualmente, que se constri por meio de relaes com o ambiente e

com os outros indivduos, num determinado perodo histrico.

No contexto deste trabalho, a Formao Pedaggica, especfica para o

exerccio no ensino superior, deve ser entendida como o desenvolvimento, ao longo da

vida, de aspectos prticos e tericos, didticos e/ou metodolgicos, do fazer docente,

englobando as dimenses ticas, afetivas e poltico-sociais e tem como objetivo

principal a aprendizagem dos alunos. A Formao Pedaggica nos informa como um

indivduo constitui sua prpria forma de ser, pensar e agir em relao totalidade do

processo de ensino-aprendizagem. Ela acontece por influncias provenientes de

mltiplos espaos e canais e em mltiplos tempos da vida, e no necessariamente

precisamos entrar em contato formalmente com, por exemplo, disciplinas de cunho

pedaggico na graduao e/ou ps-graduao, para possuir uma formao

pedaggica.

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Neste sentido,

quer queira ou no, todo professor, ao escolher ou privilegiar

determinados procedimentos para atingir seus objetivos em relao

aos alunos, assume uma pedagogia, ou seja, uma teoria de ensino-

aprendizagem. Assim como no existe trabalho sem tcnica, tambm

no existe processo de ensino-aprendizagem sem pedagogia, embora

se manifeste com frequncia uma pedagogia sem reflexo pedaggica.

Essa constatao permite invalidar a crena de certos professores

(principalmente na universidade!) que pensam no estarem fazendo

uso da pedagogia simplesmente porque retomam rotinas repetidas h

sculos. Uma pedagogia antiga e to usada que parece natural no

deixa de ser uma pedagogia no sentido instrumental do termo.

(TARDIF, 2002, p. 119).

Assim, quando o indivduo se torna professor, comea a atuar com o

processo de ensino-aprendizagem, se utiliza de uma pedagogia prpria, desenvolvida ao

longo de sua formao. no momento, ao tornar-se professor, que sua formao

pedaggica assume um estatuto epistemolgico, isto , se constitui como objeto do

conhecimento e de estudo cientfico.

A formao pedaggica vem sendo investigada por vrios pesquisadores no

que diz respeito s suas caractersticas gerais (GARCA, 1999; ZABALZA, 2004;

MASETTO, 2012), construo da identidade profissional (SACRISTN, 1999;

PIMENTA e ANASTASIOU, 2002; GUIMARES, 2004; LODI, 2010; GIL, 2012;),

formao inicial e continuada (CANDAU, 1997; MIZUKAMI, 2000, 2002; RIVAS e

CASAGRANDE, 2006; ENRICONE, 2007; PEREIRA, 2007; GATTI, 2009;

SARAIVA, 2009), aos saberes e s prticas utilizadas ao longo da carreira profissional

(CUNHA, 1989; GAUTHIER, 1998; IMBERNON, 2000; TARDIF, 2002; PINTO,

2009; GIL, 2008, 2012).

Nos ltimos anos, estudos sobre a formao pedaggica dos professores

universitrios vm ganhando destaque (SOUZA, 2011). Essa temtica procura entender

a maneira pela qual indivduos que escolhem a docncia, vo se constituindo como

professores, e como chegaram a desenvolver as prprias aes pedaggicas. As

investigaes so concentradas nas dimenses familiar, acadmica e profissional e nos

tipos de saberes necessrios aos professores.

Se tomarmos a rea de msica para anlise, verifica-se a existncia de

estudos que investigam a formao pedaggica de professores de msica em nvel

superior, tendo como foco: o processo de formao de professores de Teoria e

Percepo Musical (BECK, 2012); os saberes necessrios para o trabalho acadmico

14

(GALIZIA, 2007); a construo das identidades profissionais na rea de msica

(LOURO, 2004); ou as diversas formas de entender o ensino de instrumento nas

universidades brasileiras (BORM, 1997). Porm, no encontramos nenhuma pesquisa

acerca da formao pedaggica do professor de violo de curso de Bacharelado em

msica.

As motivaes para a realizao dessa pesquisa esto relacionadas minha

trajetria profissional. Aps a concluso do curso de Licenciatura em

Msica/Habilitao em Violo, comecei a ministrar aulas de violo para alunos

iniciantes, em um Conservatrio. Em seguida, fui aprovado em concurso, como

professor contratado de violo, na Universidade Federal de Uberlndia. Ao longo de

minha prtica docente, comecei a me questionar sobre como poderia melhorar a maneira

de ensinar. Ao mesmo tempo, refletia como e por que eu utilizava alguns procedimentos

durante as aulas e outros no. De onde vinha minha metodologia de ensino e como ela

foi se constituindo?

Vrios elementos pedaggicos utilizados na minha prtica docente, tiveram

origem em experincias anteriores entrada na Universidade e foram sendo

aprimorados durante os estudos na graduao. Disciplinas ministradas ao longo do

curso de Licenciatura em Msica como, por exemplo, Psicologia da Aprendizagem,

Psicologia do Desenvolvimento Musical, Didtica Geral, Estgio Supervisionado e

Metodologias de Ensino me auxiliavam durante o ensino de violo, na medida em que

eu refletia sobre como resolver um problema emergente com um ou outro aluno, ou

quando precisava planejar objetivos de ensino a curto e longo prazo. Em outros

momentos, percebia que minha prtica estava relacionada s lembranas pessoais

quando era aluno de violo, replicando as prticas de ensino dos meus professores de

violo. Seja da poca de graduao, seja de tempos anteriores, tal imitao era, ora

idntica a de meu professor, ora modificada e readaptada a alguma situao especfica.

Assim, algumas perguntas foram sendo delineadas como, por exemplo, de

que maneira construda a formao pedaggica de professores de violo no ensino

superior? Como acontece o processo de construo das prticas pedaggicas de um

professor de violo do ensino superior? Existem disciplinas nos currculos universitrios

que possam auxiliar na formao e nas prticas pedaggicas do futuro professor? O que

um professor de violo precisa saber para desenvolver sua prtica docente na

universidade? Como se configura o trabalho acadmico de professores universitrios de

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violo? A minha hiptese era: se entendermos os saberes que permeiam a prtica

pedaggico-musical de vrios professores, tal prtica poderia ser aprimorada, visando

mais eficcia e resultados mais satisfatrios, considerando, inclusive, os objetivos

curriculares dos cursos de msica em nvel superior. Nada to simples.

Procurei na literatura estudos que pudessem responder a essas questes. No

entanto, deparei-me com a inexistncia de pesquisas sobre a construo da formao

pedaggica de professores de violo em nvel universitrio, sendo que, em muitas vezes,

algumas indagaes nessa direo eram inseridas em objetivos investigativos diferentes

dos meus.

No Brasil, em 2012, existiam 48 instituies pblicas universitrias que

ofereciam cursos em msica. Desse total, 14 (29%) estavam concentradas na regio

Sudeste, 13 (27%) no Nordeste, 12 (25%) no Sul, 5 (11%) no Norte e 4 (8%) no Centro-

Oeste (SOARES e FIGUEREDO, 2012). Em um levantamento realizado na internet em

2012, foi constatado que, das 14 instituies localizadas na regio Sudeste, 8 oferecem

curso de bacharelado em violo.

Atravs de consultas aos sites oficias das 8 IES localizadas na regio Sudeste,

identificamos 15 professores de violo de curso de Bacharelado em msica. Analisando

o item que trata da formao inicial destes professores no currculo Lattes, podemos

constatar que 11 cursaram o Bacharelado em Violo, 2 Licenciatura em Educao

Artstica/Habilitao em Violo, 1 Composio e 1 Bacharelado em Matemtica. Em

relao Ps-graduao, 9 cursaram o mestrado em Msica, 3 Artes, 1 Cincias, 1

Histria e 1 Engenharia de Sistemas e Computao. Do total de professores, 8 possuem

doutorado e 3 so doutorandos. Entre os professores com a titulao de doutorado: 3

cursaram o doutorado em Msica, 2 Histria, 1 Artes, 1 Cincia da Comunicao e 1

Estudos Literrios.

A partir desta constatao, emergiram novos questionamentos: se o

Bacharelado prepara instrumentistas, como possvel que existam, nas universidades

pblicas, professores de violo que podem no ter cursado disciplinas pedaggicas nos

cursos de graduao e ps-graduao ao longo de sua formao acadmica? Como

esses indivduos se tornaram professores, tendo cursado o Bacharelado e a ps-

graduao em reas no relacionadas educao? Qual foi a formao pedaggica

recebida por esses profissionais? Como e onde esses professores aprenderam a ensinar?

Essas questes so importantes tendo em vista que, no exerccio da docncia, o

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professor precisa mobilizar conhecimentos especficos da rea de formao e

conhecimentos pedaggicos para que acontea a transposio didtica.

Em face dessa realidade complexa, emergiu a pergunta que norteia essa

pesquisa: Como se deu a formao pedaggica de dois professores de violo que atuam

em cursos de Bacharelado em msica?

1.1 Objetivos

Com o intuito de responder pergunta de pesquisa, foram elencados os

seguintes objetivos:

Geral:

compreender a formao pedaggica de dois professores de violo que atuam em

cursos de Bacharelado em msica.

Especficos:

conhecer a formao anterior ao ingresso na graduao destes dois professores;

conhecer a formao inicial, continuada e de ps-graduao destes professores;

compreender a percepo dos professores em relao aos desafios/problemas

enfrentados como docentes de curso superior;

entender as influncias sofridas pelos professores no processo de ensino;

entender as percepes e concepes destes professores sobre ser professor de violo

no curso de Bacharelado em msica.

1.2 Justificativa

Pachane (2004) e Masetto (2012) ressaltam que o domnio do contedo

disciplinar e/ou ser expert1 em uma profisso uma das exigncias principais em

relao competncia requerida ao professor universitrio.

Nessa mesma direo, Souza (2011) afirma que, nas universidades

brasileiras valorizado o critrio do conhecimento especfico e aprofundado de um

1 A palavra expert est sendo usada como adjetivo derivado do substantivo expertise; com esse

substantivo, na acepo dada por Galvo (2001), designa-se capacidade adquirida atravs de prtica ou

de estudo individual deliberado, de desempenhar particularmente bem uma tarefa especfica de um

domnio. (p. 225).

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contedo, destacando, porm, que isso no significa automaticamente ter sucesso no

ensino.

Assim temos profissionais competentes em uma especfica rea do

conhecimento desafiados a constituir-se como professores, esquecendo que cada

profisso tem estatutos diferentes. Tudo isso se traduz em uma evidente contradio,

pois as instituies universitrias, no exigindo uma formao especfica docncia,

negam paradoxalmente o estatuto especfico profisso de professor (ANASTASIOU,

2002; SOUZA, 2011).

Os problemas sobre a formao pedaggica de professores universitrios

ampliam-se ainda mais se restringirmos o campo de pesquisa sobre os professores de

msica em geral e de violo em particular. Na literatura brasileira, at o momento, no

encontramos nenhuma pesquisa especfica sobre esse assunto.

No mbito da legislao, percebemos, tambm, uma omisso em relao ao

tipo de formao pedaggica necessria para o professor universitrio. O levantamento

em 8 IES pblicas da regio Sudeste sobre a formao inicial de 15 professores

universitrios de violo do Bacharelado em msica indica uma preponderncia nos

saberes especficos musicais em detrimento dos saberes pedaggicos.

Por tudo isso, com essa pesquisa, pretendo contribuir para subsidiar

discusses sobre a formao pedaggica de docentes universitrios de violo e o ensino

de violo nos cursos de bacharelado em msica. Essa investigao dever, tambm,

possibilitar o desenvolvimento de propostas prticas para o ensino do violo, auxiliando

a prtica pedaggica por existir uma relao com a formao continuada do professor,

sem esquecer que a compreenso dos fundamentos para prticas diversas ou diferentes,

possibilita a constante reviso das aes desenvolvidas pelos professores.

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2 REVISO DA LITERATURA

O interesse dessa pesquisa est focado na constituio da formao

pedaggica de dois professores de violo que atuam em cursos de Bacharelado em

msica de universidades pblicas brasileiras. A compreenso desse processo exige que

se revisem quatro aspectos fundamentais: 1) as especificidades, funes e requisitos

para a docncia no ensino superior; 2) a formao do professor universitrio em geral e

de msica em particular; 3) os saberes necessrios para o professor universitrio; 4) os

conhecimentos e as habilidades pedaggicas do professor universitrio.

2.1 Especificidades, funes e requisitos do professor universitrio

No Brasil, a formao do professor para o Ensino Superior normatizada

pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDBEN 9.394/96. Em seu artigo

66, estabelece que a preparao para o exerccio do magistrio superior far-se- em

nvel de ps-graduao, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado

(BRASIL, 1996). A legislao, no entanto, no estabelece a obrigatoriedade dos

contedos pedaggicos nessa preparao.

A especificidade da docncia universitria aparece de forma clara nos

editais de concursos pblicos para a carreira de magistrio superior, para qualquer rea

do conhecimento, no que diz respeito s funes, atribuies e deveres dos professores,

como se v nos exemplos a seguir:

DAS ATRIBUIES DO CARGO

Atividades pertinentes pesquisa, ensino no nvel superior e extenso

que, indissociveis, visem aprendizagem, produo do

conhecimento, ampliao e transmisso do saber e da cultura e

atividades inerentes ao exerccio de direo, assessoramento, chefia,

coordenao e assistncia na prpria instituio, alm de outras

previstas na legislao vigente. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE

MINAS GERAIS, 2013, p. 68).

Ou

So atribuies do cargo de professor as atividades de Ensino, de

Pesquisa, de Extenso e gesto institucional, alm daquelas previstas

em legislao especfica, constantes de planos de trabalho e de

programas elaborados pelas Unidades Acadmicas; ou de atos

emanados de rgos ou autoridades competentes e demais disposies

do artigo 173, do Regimento Geral da Universidade Federal de

Uberlndia, e outras obrigaes decorrentes da legislao federal ou

da legislao interna da Instituio. (UNIVERSIDADE FEDERAL

DE UBERLNDIA, 2013, p. 1).

19

Com base no trip Ensino, Pesquisa e Extenso, as exigncias dos editais

respeitam a atual LDBEN 9394/96, que em seu Artigo 43, incisos II, III e VII,

estabelece que a educao superior tenha por finalidades:

II formar diplomados nas diferentes reas de conhecimento, aptos

para a insero em setores profissionais e para a participao no

desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formao

contnua;

III incentivar o trabalho de pesquisa e investigao cientfica,

visando o desenvolvimento da cincia e da tecnologia e da criao e

difuso da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do

homem e do meio em que vive;

VII promover a extenso, aberta participao da populao,

visando difuso das conquistas e benefcios resultantes da criao

cultural e da pesquisa cientfica e tecnolgica geradas na instituio.

(BRASIL, 1996).

A indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extenso pressupe a sntese

de trs grandes processos: processo de ensino e aprendizagem do saber, historicamente

e universalmente sistematizado; processo de investigao e desenvolvimento cientfico,

visando construo do saber; processo de objetivao dos saberes por meio do

compartilhamento de conhecimento com a populao.

Entretanto, diversas publicaes nos mostram a fragilidade dessa

indissociabilidade (PIMENTA, 1999; PIMENTA e ANASTASIOU, 2002;

VASCONCELLOS, 2005; PACHANE, 2003, 2004, 2005, 2010; SILVA e REIS, 2011;

SOUZA, 2011; GIL, 2008, 2012; MASETTO, 2012; VEIGA et al., 2012; CAMARGO,

2012), ao destacarem que os critrios avaliativos do MEC valorizam mais a produo

cientfica, isto , o eixo da pesquisa. Isto refletir em uma desvalorizao do ensino,

que, por sua vez, afetar proporcionalmente a qualidade deste. Nesse sentido, Pachane

(2003) entende que:

Os critrios de avaliao de produtividade e qualidade docente

concentram-se, hoje, na produo acadmica destes professores. Ou

seja, ensino e pesquisa passam a ser atividades concorrentes, e como

os critrios de avaliao premiam apenas a segunda, uma cultura de

desprestigio docncia acaba sendo alimentada no meio acadmico.

(p. 51).

Premiar a atividade de pesquisa um paradoxo. A atividade de ensino

deveria ter o mesmo status da pesquisa. No entanto, nas instituies denominadas de

ensino superior, o ensino nem sempre levado em conta (GODOY apud GIL, 2012,

20

p. 16). Isso significa desconsiderar o resultado da atuao docente em sala de aula e o

mrito do professor como um formador de futuros profissionais.

Cunha (2007) refora a ideia da primazia da pesquisa sobre o ensino ao

afirmar que:

(...) dado um privilgio significativo s atividades de pesquisa sobre

as de ensino e extenso. As publicaes no campo especfico do

conhecimento, avalizadas por revistas indexadas, reforam a tendncia

de o professor assumir o perfil de pesquisador especializado, que v

na docncia, em geral, uma atividade de segunda categoria,

principalmente quando se trata do ensino de graduao. (p. 18).

A discusso sobre a docncia universitria antiga. Behrens (1998)

identificou quatro grupos de professores atuando na docncia universitria: a)

profissionais provenientes de diversas reas do conhecimento que se dedicam

docncia em tempo integral; b) profissionais liberais que lecionam na universidade

algumas horas por semana, cujo curso ministrado coincide com a rea de conhecimento

de seu trabalho especfico; c) profissionais docentes da rea da educao, que atuam

paralelamente na universidade e em outros nveis de ensino; d) profissionais docentes

da rea da educao e das licenciaturas, que atuam integralmente na universidade.

(BEHRENS, 1998, p. 57).

Ao identificar dificuldades e qualidades em cada um desses grupos, Behrens

(1998) questiona: para atuar na docncia, deve-se optar pelo professor profissional ou

pelo profissional professor? (p. 59). Esse mesmo questionamento foi feito por Souza

(1994) em relao ao ensino do instrumento musical: deveramos optar pelo professor

de instrumento ou pelo professor instrumentista? Nessa mesma direo, Glaser (2005)

afirma que o tema da formao pedaggica do professor de instrumento remete

inevitavelmente dicotomia existente entre o msico/executante e o msico/professor.

Para a autora, esse um assunto relevante a ser explorado, visto que a maior parte dos

msicos instrumentistas profissionais tambm leciona (p. 6).

Para Behrens, a questo no est em optar por um grupo ou outro,

provocando divises entre os profissionais, mas buscar compor o elenco docente com

profissionais de todos os grupos, garantindo riqueza para a docncia universitria por

meio da diversidade de conhecimento. No entanto, o maior problema para conseguir a

composio do quadro docente est na falta de formao pedaggica por parte da

maioria dos profissionais envolvidos no magistrio (BEHRENS, 1998).

21

A formao pedaggica seria o elemento unificador da diversidade de

conhecimento presente nos diversos grupos. Mas, para alcanar essa unificao,

Behrens (1998) prope duas mudanas significativas. A primeira diz respeito ao

professor aceitar que a prioridade dentro de uma universidade a sua atuao como

professor (id. p. 60), ou seja, independente da profisso externa universidade, ao

entrar na sala de aula, o papel principal do profissional ser professor. E isso significa

ter uma qualificao pedaggica.

A segunda mudana proposta por Behrens tem relao direta com a

qualificao pedaggica. Para a autora, as instituies de ensino superior precisam

ampliar a oferta de cursos de especializao na rea pedaggica (1998, p. 62) e

favorecer a formao continuada atravs de projetos pedaggicos que promovam a

reflexo sobre a ao docente (ibid.)

Neste sentido, confirmam-se as observaes de Masetto (2012) no que diz

respeito ao atual perfil dos professores universitrios. Se, por um lado, a universidade

exige uma titulao, mestrado e doutorado, por outro, as exigncias a respeito das

competncias continuam focadas no domnio de contedo que o indivduo tem em uma

matria especfica e no ser expert em uma profisso, isto , continua sendo alimentada a

crena de que quem sabe, automaticamente sabe ensinar (p. 15).

Pachane (2012) completa:

A formao exigida para a docncia no ensino superior tem se

concentrado no conhecimento aprofundado de determinado contedo,

seja ele prtico (decorrente do exerccio profissional) ou

terico/epistemolgico (decorrente do exerccio acadmico). Pouco,

ou nada, tem sido exigido em termos pedaggicos. (p. 1)

Porm, a autora no deixa claro quais seriam tais termos pedaggicos.

Podemos inferir que o exerccio acadmico, junto ao conhecimento decorrente do

exerccio profissional, promove aes pedaggicas, mesmo o professor no tendo

recebido uma formao pedaggica na universidade.

Da mesma forma, Souza (2011), ao analisar a trajetria formativa de

formadores de professores da Universidade Federal de Uberlndia, tece crticas e afirma

que, no Brasil, o critrio do domnio do contedo foi e ainda utilizado no momento

da escolha dos profissionais que iro compor o quadro de professores das universidades

do pas (p. 17), destacando que hoje sabemos que os anos de estudos dos professores

22

em suas reas especficas e algumas experincias significativas no bastam para que

eles obtenham sucesso na tarefa de ensinar (p. 3).

Uma das consequncias mais visveis de tudo isso que:

Temos, assim, atuando nas salas de aulas, profissionais competentes

em suas reas de atuao, com pleno domnio dos saberes cientficos

de suas reas, sendo desafiados a constiturem-se como professores, e

assumirem-se nessa nova profisso, que tem estatuto, caractersticas,

compromissos e procedimentos prprios. (ANASTASIOU, 2002, p.

176).

Para Souza (2011), as Instituies de Ensino Superior no exigem que os

professores tragam consigo conhecimentos acerca da formao para a docncia,

paradoxalmente negando, portanto, o estatuto especfico da profisso de docente,

consequentemente

Esse cenrio preocupante se entendemos que a aluso a essa questo

em um documento formal seria importante para que ficasse

explicitada a necessidade de que esse profissional recebesse uma

formao especfica para a docncia no Ensino Superior. Alm disso,

poderia explicitar tambm o tipo de docente que seria formado para

atender s demandas atuais de nossa sociedade, que est em constante

transformao, e quais so os saberes que ele deveria ter para realizar

seu papel de construir conhecimento junto aos seus alunos. (p. 25).

Porm, essa forma de pensar pode ser questionado, pois parece indicar que

exista uma nica maneira de se formar para a docncia excluindo a possibilidade que o

professor possa se formar a partir de diferentes perspectivas.

Masetto (2012) entende que as exigncias para a docncia no ensino

superior devam ser: que o professor seja competente em uma determinada rea de

conhecimento, isto , tenha domnio dos conhecimentos bsicos em uma rea especfica,

bem como possua experincia profissional de campo; tenha competncia na dimenso

poltica intrnseca ao exerccio da docncia; tenha domnio na rea pedaggica, ou seja,

dominar alguns grandes eixos do processo ensino-aprendizagem como, por exemplo,

o prprio conceito de processo ensino-aprendizagem, a concepo e

gesto de currculo, a integrao das disciplinas como componentes

curriculares, a compreenso da relao professor-aluno e aluno-aluno,

a teoria e prtica da tecnologia educacional, a concepo do processo

avaliativo e suas tcnicas para feedback, o planejamento como

atividade educacional e poltica. (MASETTO, 2012, p. 32-33).

Masetto enfatiza que o terceiro ponto, domnio pedaggico, destaca-se como

sendo o mais carente de nossos professores universitrios quando se fala de

profissionalismo na docncia (MASETTO, 2012, p. 32).

23

Por todas essas questes, acreditamos que no basta ter competncia e

experincia profissional em uma rea especfica para se obter bons resultados como

professor. Percebemos uma discrepncia entre as caractersticas da formao

pedaggica ideal proposta pelos tericos da educao visitados e a formao dos 15

professores de violo de curso de bacharelado em msica da regio Sudeste,

caracterizada por uma formao inicial em curso de bacharelado em msica.

2.2 A formao do professor universitrio

Existe uma literatura ampla e complexa que discute a formao pedaggica

do professor. Tais pesquisas focam, principalmente, na formao do professor para

atuao na educao bsica. Porm, as reflexes e anlises podem ser transportadas para

a formao do professor de msica do Ensino Superior, considerando a proximidade

entre os diversos conceitos e temas.

As discusses, normalmente, abordam questes sobre:

a) saberes e competncias pedaggicas (CUNHA, 1989; GAUTHIER, 1998;

IMBERNON, 2000; PERRENOUD, 2000; TARDIF, 2002; SHULMAN, 2004;

PINTO, 2009; MASETTO, 2005, 2012; ). Esses autores questionam quais so os

conhecimentos, habilidades, competncias e saberes envolvidos na atuao do

professor;

b) profissionalizao docente e identidade (GAUTHIER, 1998; SACRISTN,

1999; PIMENTA e ANASTASIOU, 2002; TARDIF, 2002; PINTO, 2004;

GUIMARES, 2004; LODI, 2010). Existe, nesses autores, a preocupao em

demostrar que, assim como em qualquer profisso, a de professor tem

caractersticas e estatuto peculiares, tentando responder as perguntas: de que

forma os professores se identificam profissionalmente? Como acontece a

construo da identidade do professor?;

c) formao inicial e continuada (CANDAU, 1997; MIZUKAMI, 2000, 2002;

RIVAS e CASAGRANDE, 2006; ENRICONE, 2007; PEREIRA, 2007;

SARAIVA, 2009; SOUZA, 2011). Estes autores focam nos processos

formativos dos professores, destacando as instituies de ensino como locus

privilegiado para a formao e desenvolvimento profissional dos docentes.

24

Especialmente no tocante aos saberes docentes, pesquisadores da educao

musical (REQUIO, 2002; MACHADO, 2004; ARAJO, 2005; HENTSCHKE,

AZEVEDO, ARAJO, 2006; GALIZIA, 2007; GODOY, 2009;) tm buscado como

referenciais tericos para muitas pesquisas os autores Shulman, Gauthier, Perrenoud e

Tardif, e isso no por acaso, pois segundo Almeida e Biajone (2007), tais autores,

apesar das diferenas de concepes e tipologias, apresentam caractersticas comuns nos

interesses investigativos acerca do saber docente, especialmente no que diz respeito

dedicao das prprias investigaes sobre a mobilizao dos saberes dos professores

durante as aes educacionais. Neste contexto, entendem-se como educadores, os

sujeitos que possuem uma histria de vida pessoal e profissional e que, valendo-se de

suas experincias, passam a ser produtores e mobilizadores de saberes, ao exercerem

sua profisso.

A literatura procura explicar esse processo multifacetado da formao.

Morato (2012), por exemplo, entende a formao como produo de sentidos,

mediados pelos mapas histricos, sociais e culturais que os configuram (p. 186). A

autora, partindo da perspectiva de Larrosa, sugere que a formao se processe por

intermdio das experincias que vivemos, entendendo que a experincia aquilo que

nos passa. No o que passa, seno o que nos passa (LARROSA, 2002b, p. 136 apud

Morato, 2012, p. 181). Dito de outra forma, o que nos acontece (LARROSA, 2002a,

p. 21 apud Morato, 2012, p. 181). Assim, segundo Morato (2012), as experincias que

nos acontecem interrompem

o curso do que estamos vivendo obrigando-nos a prestar ateno sobre

o que acaba de nos acontecer. Ao prestar ateno, produzimos um

sentido sobre o que vivemos, e sobre ns mesmos. As coisas, pessoas,

acontecimentos s existem para ns porque lhes institumos um

sentido; enquanto no lhes institumos um sentido, nos so

despercebidos ou inconscientes. O sentido que produzimos a

conscincia que tomamos sobre o que vivenciamos, a marca que se

imprime em ns. (p. 181).

Devido a esse processo de formao, em que damos sentido ao que nos

acontece, e porque viver experincias faz parte da natureza humana, a formao nunca

est pronta, vamos delineando-a ao longo da vida, atravs das experincias que

vivemos (MORATO, 2012, p. 183).

Cabe aqui trazer uma dificuldade de definio intrnseca palavra

formao, pois vrios autores (DOMINIC, 1985; JOSSO, 1988; GARCA, 1999;

JOBERT apud DOMINIC et al., 2000; BRAGANA, 2011; MORATO, 2012),

25

identificam certa ambiguidade no que diz respeito ao que ela se refere: se a uma prtica

social de formao, privilegiando as instituies como instncias transformadoras; ou

privilegiando o processo pelo qual o sujeito se constitui. Em outras palavras, o conceito

de formao suscetvel de mltiplas perspectivas (GARCA, 1999, p. 19).

De acordo com Bragana (2011) e Morato (2012), essa dificuldade pode ser

superada na medida em que se articula e complementam as duas vertentes, isto , a

formao abrigando ambos os sentidos, enquanto movimento institucional e externo ao

sujeito e como processo de transformao pessoal (BRAGANA, 2011, p. 163).

Essa articulao e complementao das duas dinmicas assim sintetizada

por Morato (2012):

Estamos acostumados a pensar a formao mais pela perspectiva da

instituio formadora, (...). Porm, as condies de recepo da

formao recebida na universidade j que quando se fala em

formao profissional, sempre se lembra dela dependem dos mapas

social e cultural dos quais os alunos historicamente advm. (p. 186).

Na abordagem do mesmo tema, a perspectiva de Garca (1999) a seguinte:

Em primeiro lugar, a formao, como realidade conceptual, no se

identifica nem se dilui dentro de outros conceitos que tambm se

usam, tais como educao, ensino, treino, etc. Em segundo lugar, o

conceito formao inclui uma dimenso pessoal de desenvolvimento

humano global que preciso ter em conta, face a outras concepes

eminentemente tcnicas. Em terceiro lugar, o conceito formao tem a

ver com a capacidade de formao, assim com a vontade de formao.

Quer dizer, o indivduo, a pessoa, o responsvel ltimo pela ativao

e desenvolvimento de processos formativos. Isto no quer dizer, (...),

que a formao seja necessariamente autnoma. (p. 21-22).

Afirma-se aqui, o carter temporal de continuidade, transformador e

histrico do conceito de Formao, pois um processo interior que, atravs das

experincias significativas trazidas pelas relaes ao longo da vida, nos transforma

continuamente. Neste sentido, de acordo com Bragana (2011), podemos afirmar que,

potencialmente, todos os espaos e tempos da vida so espaos e tempos de formao,

de transformao humana (p. 158).

O professor passa assim a ser considerado sujeito histrico, pois vive num

contexto social e poltico que deve ser levado em conta para que se entendam suas

relaes (CASTANHO, 2000, p. 87). Neste sentido, ele o produto das relaes que

intercorrem entre o ego e o alter, ou seja, entre ele mesmo e o contexto social, no qual

26

est imerso juntamente com outros homens e mulheres; conforme Bragana (2011),

prprio:

nessa rede de interdependncia, que o conhecimento produzido e

partilhado. As interaes humanas vo constituindo a cultura, e a

educao consiste na apropriao/recriao desse conhecimento

acumulado pela humanidade; nesse sentido, o processo educativo

permeia toda vida humana. (...) A educao coloca-se, dessa forma,

como prtica social, tanto em sua vertente institucionalizada como em

sua vertente informal. J a formao um processo interior; ela liga-se

experincia pessoal do sujeito que se permite transformar pelo

conhecimento. (p. 158).

Nessa perspectiva a educao no se encontra exclusivamente dentro das

instituies educativas, mas permeia e perpassa toda a vida humana; assim, podemos

afirmar que a formao dos dois professores acontece em todos os espaos e tempos de

suas vidas, atravs de mltiplos canais, de forma consciente (intencional) ou

inconsciente (no-intencional), sistemtica ou assistematicamente, isto , de forma no

linear.

Por intermdio de experincias significativas, advindas de mltiplos

espaos e contextos escolares e no-escolares, o indivduo passa por um processo

contnuo de transformao interior. Pode-se entender todo este processo de aquisio e

aplicabilidade de conhecimento como Formao, conforme demonstrado na Figura 1.

Figura 1: Processo de Formao do Individuo.

Outra maneira de visualizar a Formao apresentada na Figura 2:

27

Figura 2: Formao do Individuo: interseco de mltiplos contextos.

Nessa Figura, a Formao encontra-se na juno das influencias que

provm dos contextos escolar e no-escolar.

Enfim, a Formao de um Indivduo nos diz como, onde e quando ele /foi

educado e quem o educa/educou, de forma consciente ou inconsciente.

2.3 Os saberes docentes do professor de msica do ensino superior

A literatura nacional sobre os saberes necessrios para a atuao do

professor do ensino superior de msica, se comparada literatura que trata sobre os

saberes necessrios para a atuao do professor na educao bsica, ainda escassa.

Das dissertaes e teses defendidas no perodo de 2000 at 2012, nos programas de

ps-graduao em msica do pas, percebe-se um interesse maior pelas habilidades,

saberes e competncias de professores de msica da educao bsica e escolas de

msica (BELLOCHIO, 2003; MACHADO, 2004), professores de escolas

especializadas de msica (REQUIO, 2002), professoras de piano em diversos

contextos (ARAJO, 2005). Esses estudos utilizaram pesquisadores da Educao como

referencial terico, principalmente as ideias propostas e defendidas por Tardif (2002),

Perrenoud (2000) e Gauthier (1998). Em outras pesquisas foram investigadas a

formao inicial de professores de msica, buscando entender a articulao entre a

formao e a prtica docente dos licenciados (CERESER, 2003); a maneira como

ocorre a articulao dos conhecimentos pedaggicos, curriculares e disciplinares

28

durante o estgio curricular supervisionado desenvolvido por trs alunas do curso de

Licenciatura em Msica (MATEIRO, 2003a, 2003b). Glaser (2005) procurou

compreender os fundamentos pedaggicos existentes na prtica do ensino de piano

erudito, o que, inevitavelmente, remete formao pedaggica dos professores de

piano.

Poucos trabalhos que investigam os saberes docentes necessrios para os

professores do ensino superior de msica foram encontrados. Por exemplo, Louro

(2004) toma como ponto de partida o tema das identidades profissionais. investigada

a profisso de docente universitrio - professor de instrumento. Os dados obtidos, por

meio do estudo das narrativas de dezesseis professores de instrumento, so articulados

com os conceitos de profissionalidade, competncias e identidades profissionais

coletivas. Para a autora, esse estudo pode auxiliar os pesquisadores que tenham como

tema o ensino superior, por relatar as diversas vivncias dos professores. Por

intermdio das prprias reflexes, inquietaes e questionamentos, os professores

participantes dessa pesquisa abrem uma perspectiva nova sobre a identidade dos

docentes universitrios, constatando, no a existncia de diferentes perfis, mas

identidades profissionais complexas e plurais. Especificamente para a rea de educao

musical, sendo os sujeitos investigados professores de instrumento, pode-se salientar na

fala dos pesquisados, o anseio de superao da dicotomia ser msico versus ser

professor (SOUZA, 1994). A pesquisa de Louro (2004) contribui, tambm, para a

subrea de prticas interpretativas, pois, alm de apontar para uma pluralidade de

identidades, desenvolve questionamentos sobre as diferentes abordagens de como

ensinar interpretao e o desenvolvimento da capacidade de tocar em pblico.

Com base nos conceitos de saberes de Tardif (2002), Galizia (2007)

realizou entrevistas com oito professores universitrios de msica. A pesquisa teve

como objetivo investigar, na tica desses professores, os saberes necessrios para o

trabalho acadmico musical em nvel superior. Os resultados apontaram para uma

pluralidade de saberes que refletem as diversas funes que o trabalho do professor de

msica do ensino superior exige: ensino, pesquisa, extenso, administrao (gesto) e

atividades artsticas (concertos). Nas entrevistas, os docentes reconhecem as

dificuldades em correlacionar e integrar todas estas funes de maneira eficaz em seu

trabalho.

29

Em geral, os docentes participantes da pesquisa realizada por Galizia

(2007) conferem grande importncia aos saberes experienciais, pois, por meio deles,

conseguem remediar a carncia de saberes pedaggicos e curriculares, na medida em

que no foram privilegiados durante sua formao acadmica com tais saberes. Neste

sentido, essa lacuna na formao acusada pelos professores entrevistados est de acordo

com a literatura da educao que indica a falta de formao pedaggica como a maior

lacuna encontrada na formao inicial de muitos professores que atuam no ensino

superior (BEHRENS, 1998; PIMENTA, 1999; PIMENTA e ANASTASIOU, 2002;

VASCONCELLOS, 2005; PACHANE, 2003, 2004, 2005, 2010; GIL, 2008, 2012;

SILVA e REIS, 2011; SOUZA, 2011; MASETTO, 2012; VEIGA et al., 2012;

CAMARGO, 2012.)

Os resultados da pesquisa de Galizia (2007) revelam ainda que os saberes

curriculares no so reconhecidos pelos professores participantes. Entretanto,

analisando as entrevistas, podemos deduzir que os professores fazem amplo uso desses

saberes. Enfim, os saberes experienciais so utilizados pelos docentes para produzir

uma categoria de saberes que a literatura (TARDIF, 2002; GAUTHIER, 1998;

SHULMAN, 1987) no contempla, ou no considera, isto , os saberes das funes de

gesto entendidos como saberes administrativos.

Recentemente, Beck (2012) investigou como cinco docentes universitrios

se tornaram professores da disciplina Teoria e Percepo Musical. Trabalhando com a

Histria Oral temtica, a autora procurou entender como se deu o processo de formao

para a docncia desses professores, que tinham como formao inicial o bacharelado. A

partir dos resultados da pesquisa, Beck recomenda pensar a sala de aula como lugar

de formao da prtica docente dos professores de Teoria e Percepo Musical que

tem uma cultura prpria e identidades produzidas por ela, as quais nos capturam para

que nos identifiquemos com ela e nos apropriemos de suas especificidades (BECK,

2012, p. 81).

Ao serem analisados os saberes e competncias, a literatura mostra que os

docentes apresentam uma identidade multifacetada e plural e relata as diversas

vivncias dos professores em relao aos mais variados aspectos que seu trabalho exige

(BEHRENS, 1998; LOURO, 2004). Neste sentido, podemos considerar que as

pesquisas sobre professores universitrios de msica so proveitosas, pois, alm de

alimentar as reflexes sobre a formao e profissionalizao, as investigaes sobre

30

seus saberes contribuem para sua prpria prtica profissional, bem como, podem ser

teis a todos os pesquisadores que tenham como tema o ensino superior.

2.4 Os conhecimentos e as habilidades pedaggicas do professor universitrio

Existe uma diferena evidente no tocante normatizao legal acerca da

formao pedaggica exigida para o professor de educao bsica em comparao com

o professor universitrio. interessante entender o que prev a legislao para os

cursos de licenciatura, estabelecendo similaridades e contrapontos com a docncia

universitria.

A legislao que trata da formao de professores para a educao bsica,

no mbito dos cursos de licenciatura, prev uma carga horria de 2800 (duas mil e

oitocentas) horas (BRASIL, 2002).

Para garantir a articulao entre teoria e prtica essas horas so assim

distribudas:

I - 400 (quatrocentas) horas de prtica como componente curricular,

vivenciadas ao longo do curso;

II - 400 (quatrocentas) horas de estgio curricular supervisionado a

partir do incio da segunda

metade do curso;

III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os contedos

curriculares de natureza cientfico cultural;

IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadmico-

cientfico-culturais (BRASIL, 2002).

Das 1800 horas previstas no ponto III, os alunos devem cursar, por

exemplo, as seguintes disciplinas de cunho pedaggico: Psicologia da Educao ou da

Aprendizagem, Didtica, Polticas e Gesto da Educao e Metodologia da Educao.

E, atendendo aos pontos I e II, os alunos devem cursar a Prtica de Ensino ou Estgio

Licenciatura.

Dessa forma, espera-se preparar o licenciando para a docncia

demostrando, neste sentido, uma preocupao com o desenvolvimento de diferentes

habilidades, saberes, prticas e conhecimentos pedaggicos, que compreendem as

metodologias, as prticas de ensino e o estgio supervisionado.

O mesmo no ocorre com a formao docente para o ensino superior.

Vimos que a legislao estabelece que, para esse nvel de ensino, a preparao deve

acontecer nos cursos de ps-graduao, mestrado ou doutorado, no prevendo nenhuma

31

obrigatoriedade no que diz respeito aos conhecimentos e habilidades pedaggicas.

Lembramos que na estrutura curricular de vrios cursos de ps-graduao em Msica

existe a disciplina Estgio Docncia, mas ela no obrigatria.

A literatura que investiga a formao para a atuao no ensino superior v

nisso um grande problema que afeta diretamente a qualidade do ensino; por isso, sugere

que os professores, para obter um desempenho adequado da funo docente, deveriam

ter conhecimentos e habilidades pedaggicas, domnio do contedo especfico e uma

cultura geral para inter-relacionar mltiplas reas do conhecimento (ver, por exemplo,

GIL, 2012).

Gil (2012, p. 17-21) sugere que haja uma integrao entre os mtodos de

ensino e os conceitos do papel do professor em relao ao aluno, escola e sociedade.

Nessa perspectiva, os conhecimentos e habilidades pedaggicas que so

desejveis para o docente universitrio, podem ser identificados em:

a) Estrutura e Funcionamento do Ensino Superior: o professor deve ser capaz de estabelecer relaes entre o que ocorre em sala

de aula com processos e estruturas mais amplas. Isto implica a

anlise dos objetivos a que se prope o ensino universitrio

brasileiro, bem como dos problemas que interferem em sua

concretizao. E exige conhecimentos relativos evoluo

histrica das instituies universitrias e a legislao que as rege.

b) Planejamento de Ensino: a eficincia na ao docente requer planejamento. O professor precisa ser capaz de prever as aes

necessrias para que o ensino a ser ministrado por ele atinja seus

objetivos. Isto exige a cuidadosa preparao de um plano de

disciplina e de tanto planos de unidade quantos foram necessrios.

c) Psicologia da Aprendizagem: o que o professor espera de seus alunos que aprendam o contedo da disciplina que pretende

lecionar. Nesse sentido, conhecimentos de Psicologia podero ser

muito teis, pois esclarecem acerca dos fatores facilitadores da

aprendizagem.

d) Mtodos de Ensino: a moderna Pedagogia dispe de inmeros mtodos de ensino. Convm que o professor conhea as vantagens

e limitaes de cada mtodo para utiliz-los nos momentos e sob

as formas mais adequadas.

e) Tcnicas de Avaliao: no se pode conceber ensino sem avaliao. No apenas a avaliao no final do curso, mas tambm

a avaliao formativa, que se desenvolve ao longo do processo

letivo e que tem por objetivo facilitar a aprendizagem. Assim, o

professor universitrio precisa estar capacitado para elaborar

instrumentos para a avaliao dos conhecimentos e tambm das

habilidades e atitudes dos alunos. (GIL, 2012, p. 20).

32

A articulao entre esses conhecimentos pedaggicos, a cultura geral e o

domnio especializado em um contedo teria o resultado de aperfeioar e enriquecer a

ao docente, se traduzindo em uma formao mais efetiva.

Sntese

A literatura revisada aponta que:

1. Para se ingressar no magistrio superior, a nica condio exigida pela legislao

ter a titulao de mestre ou doutor;

2. A titulao de mestre ou doutor no condio sine qua non para um ensino eficaz

ou de excelncia, sendo a falta de didtica de seus professores, uma das crticas mais

comuns dirigidas aos cursos superiores por pesquisadores da rea de educao;

3. Vrios autores anseiam por uma mudana na legislao, no sentido de uma maior

ateno formao pedaggica, objetivando a implantao de programas de formao

continuada que contemplem a formao pedaggica de docentes;

4. O quadro de professores nas universidades brasileiras como um todo bastante

diversificado no que diz respeito s suas trajetrias, formao inicial e campo de

atuao profissional;

5. A principal preocupao dos pesquisadores da rea da educao em nvel superior

enfatiza a pouca e insuficiente formao pedaggica da maioria dos docentes

universitrios; sendo que os dados do nosso levantamento sobre a formao inicial de

15 professores de violo do Bacharelado em msica apontam tambm nessa direo.

Por todas essas questes, entendemos que no basta ter competncia e

experincia profissional em uma rea especfica para se obtiver bons resultados como

professores. Percebemos que h uma discrepncia entre as caractersticas da formao

pedaggica idealizada pelos tericos da educao pesquisados (ver, por exemplo,

MASETTO, 2012; e GIL, 2012) e o atual panorama existente nas universidades

brasileiras.

33

3 APORTE TERICO

Essa pesquisa tem como aporte terico o conceito de saberes desenvolvido

por Tardif (2002), o conceito de prxis proposto por Vzquez (1977) e o conceito de

socializao conforme Setton (2003; 2008) e Saraiva (2007). As ideias desses autores

fundamentam o modelo terico proposto no captulo 6 para compreender a formao

pedaggica dos dois professores de violo de curso de bacharelado em msica.

3.1 Os saberes

Pesquisas sobre saberes so, tambm, pesquisas sobre formao. Saberes

so construdos, assimilados e apropriados pelos professores ao longo da vida. Essa

pesquisa tem como objetivo principal compreender a formao pedaggica de dois

professores de violo de curso Bacharelado em msica, por isso, compreender a

natureza dos saberes utilizados por esses professores se torna fundamental.

Tardif (2002) critica a maneira como pensada a concepo de saber no

mbito educacional e o uso indiscriminado do conceito nas pesquisas da rea de

educao. O autor questiona a ideia de que hbitos, intuio, maneiras de fazer e ser,

opinies e qualquer representao cotidiana, seja sinnimo de saber. Assim: ao tornar-

se uma referncia obrigatria para uma multiplicidade de jogos de linguagem, essa

noo perde todo seu sentido e todo o valor discriminante (TARDIF, 2002, p. 192).

Apesar de reconhecer ser uma tarefa difcil definir o conceito de saber, o

autor aponta alguns caminhos para esclarecer o termo.

Para Tardif, o saber docente :

Um saber que se desenvolve no espao do outro e para o outro.

Segundo essa concepo pode-se chamar de saber a atividade

discursiva que consiste em tentar validar, por meio de argumentos e de

operaes discursivas (lgicas, retricas, dialticas, empricas, etc.) e

lingusticas, uma proposio ou uma ao. A argumentao ,

portanto, o lugar do saber. Saber alguma coisa no somente emitir

um juzo verdadeiro a respeito de algo (um fato ou uma ao), mas

tambm ser capaz de determinar por que razes esse juzo

verdadeiro. (TARDIF, 2002, p.196).

Neste sentido, o saber no reside em representaes ou certezas subjetivas,

assim como em discursos assertricos de base emprica, mas implica sempre na

capacidade de argumentar que remete dimenso social, pois o saber um construto

coletivo. Dessa forma, o saber no apenas um conhecimento emprico, mas se

34

alimenta de diferentes tipos de discurso, (principalmente normativos como: valores,

prescries, etc.) cuja validade o locutor, no mbito de uma discusso, procura

estabelecer, fornecendo razes discutveis e criticveis (TARDIF, 2002, p. 197). O

juzo sobre a validade (juzo de valor) das argumentaes dado pelo consenso racional

dentro de uma comunidade de discusso.

Tardif (2002) identifica quatro tipos de saberes: os saberes da formao

profissional ou das cincias da educao e da ideologia pedaggica, que so

constitudos pelo conjunto de saberes transmitido pelas instituies de formao de

professores, compreendendo, por isso, as teorias da educao e formao, os processos e

consequncias da ao educacional e didtica, os problemas relacionados ao ensino, a

aprendizagem e a didtica, e as questes sociais e institucionais. Os saberes

disciplinares, correspondentes s diversas reas do conhecimento sob a forma de

disciplina esses saberes so definidos e selecionados pela instituio universitria,

aceitos pela sociedade e incorporados na prtica docente. Os saberes curriculares

correspondem aos programas escolares dentre os quais os professores devem se ater e

procurar suas ferramentas, isto , os discursos, objetivos, contedos e mtodos. Os

saberes experienciais, que so saberes desenvolvidos a partir da prpria experincia e

atravs dessa validados, se compem no s pela experincia individual, mas tambm

pela coletiva, e se manifestam sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e

de saber-ser.

Tardif (2002) d destaque especial aos saberes experienciais, pois na sua

viso so os que englobam todos os demais, e que o saber de um docente est

intimamente ligado ao lugar onde exercita sua prtica como seu ofcio cotidiano.

O autor identifica ainda um aspecto dicotmico do saber docente, como

sendo individual e social: o saber dos professores profundamente social e , ao

mesmo tempo, o saber dos atores individuais que o possuem e o incorporam sua

prtica profissional para a ela adapt-lo e para transform-lo (TARDIF, 2002, p. 15).

Neste sentido, o saber dos professores o saber deles e est relacionado com a pessoa e

a identidade deles, com sua experincia de vida e com a sua histria profissional, com

as suas relaes com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na

escola. Por isso, necessrio estud-lo relacionando-o com esses elementos

constitutivos do trabalho docente (TARDIF, 2002, p. 11).

35

E nessa perspectiva, dos saberes docentes como tendo uma natureza social

e individual, e a fim de demonstr-la, que ele situa o saber do professor a partir de seis

fios condutores:

1) O primeiro diz respeito ao saber e trabalho o saber do professor deve ser

compreendido em ntima relao com o trabalho na escola e na sala de aula

(TARDIF, 2002, p. 16-17). Embora os professores utilizem mltiplos saberes,

essa utilizao mediada pelo prprio trabalho que lhe fornece princpios para

enfrentar e solucionar situaes cotidianas;

2) O segundo fio condutor a diversidade do saber, pois entende que o saber dos

professores plural, compsito e heterogneo, porque envolve, no prprio

exerccio do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos (...) e

de natureza diferente (id., p. 18), esse fio condutor assinala a natureza social

dos saberes docentes, indicando como os saberes provm da famlia do

professor, da instituio escolar, da universidade, dos pares, de sua prpria

cultura, enfim da sociedade;

3) O terceiro fio condutor a temporalidade do saber - que reconhece a qualidade

temporal do saber dos professores, uma vez que o saber adquirido ao longo de

uma histria de vida e de uma carreira profissional. Para Tardif: dizer que o

saber dos professores temporal significa (...) que ensinar supe aprender a

ensinar, ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessrios

realizao do trabalho docente (id., p.20).

4) O quarto fio condutor, denominado como a experincia de trabalho enquanto

fundamento do saber, se focaliza nos saberes provenientes da experincia

cotidiana de trabalho os quais constituem o alicerce da prtica e da competncia

profissionais. Dessa forma essa experincia , para o professor, a condio para

a aquisio e produo de seus prprios saberes profissionais (id., p. 21);

5) O quinto fio condutor, saberes humanos a respeito de seres humanos, tambm

chamado pelo autor de processo interativo durante o qual o professor se

relaciona com o seu objeto de trabalho fundamentalmente por meio da interao

humana: procuro compreender as caractersticas da interao humana que

marcam o saber dos atores que atuam juntos, como os professores com seus

alunos numa sala de aula (id., p. 22);

36

6) O sexto e ltimo fio condutor, saberes e formao profissional, decorrente dos

anteriores, e expressa a necessidade de reformular a formao para o magistrio,

levando em conta os saberes dos professores e as realidades especficas de seu

trabalho cotidiano, isto , a articulao e um novo equilbrio entre os

conhecimentos produzidos pelas universidades a respeito do ensino e os saberes

desenvolvidos pelos professores em suas prticas cotidianas (id., p. 23)..

Tomando como bases esses fios condutores, Tardif (2002) define o saber

docente [...] como um saber plural, formado pelo amlgama, mais ou menos coerente,

de saberes oriundos da formao profissional e de saberes disciplinares, curriculares e

experienciais (p. 36).

Observa-se em Tardif uma valorizao da pluralidade e da heterogeneidade

do saber docente, destacando-se a importncia dos saberes da experincia. Assim como

os saberes disciplinares e curriculares, que tem uma origem externa ao direta dos

professores, os saberes relativos formao profissional das cincias da educao e

ideologias pedaggicas so estranhos produo docente. Em contraste, os saberes

experienciais encontram suas origens na prtica cotidiana da atividade docente. Eles no

provm das instituies de formao nem dos currculos, e so ligados ao prprio

exerccio prtico da profisso docente, assim como ao meio onde essa prtica acontece.

Brotam da experincia e so validados por ela:

Os saberes experienciais tm origem, portanto, na prtica cotidiana

dos professores em confronto com as condies da profisso. Isso

significa que eles residem totalmente nas certezas subjetivas

acumuladas individualmente ao longo da carreira de cada docente?

No, pois essas certezas tambm so partilhadas e partilhveis nas

relaes com os pares. (TARDIF, 2002, p.52).

A classificao das tipologias de saberes proposta por Tardif (2002)

auxiliar na identificao dos mesmos ao longo da formao pedaggica dos dois

professores de violo de curso de Bacharelado em msica.

3.2 Prxis

Segundo Vzquez (1977), a prxis a ao transformadora do homem sobre

o mundo, o que significa no apenas atividade prtica, mas atividade prtica sustentada

na reflexo. A etimologia dessa palavra, de origem grega, nos remete ao significado

prtico, enquanto na antiguidade designava a ao propriamente dita, mas, de acordo

37

com o pensamento do autor, esse termo passa a significar uma atividade objetivamente

consciente.

Marques e Justos (s.d.), ao comentar sobre o termo apresentado por

Vzquez, afirmam que:

Adolfo Snchez Vzquez apresenta a utilizao do termo para

designar atividade consciente objetiva, superando o carter utilitrio

que o significado prtico apresenta na linguagem comum. Com isso a

prxis localizada centralmente numa filosofia que no apenas

interprete o mundo, mas que atue enquanto elemento do processo de

transformao (...). Os produtos ou resultados das atividades podem

ocorrer em variados nveis, como a criao de novas partculas,

conceitos, instrumentos, obras artsticas ou sistemas sociais.

(MARQUES e JUSTOS, s.d., p. 6).

Vzquez (1977, p. 185) afirma que toda prxis atividade, mas nem toda atividade

prxis, pois a condio primordial que seja uma atividade conscientemente orientada.

Isso significa que essa atividade possui uma dimenso objetiva, mas tambm subjetiva.

Assim a prxis uma atividade social transformadora feita pelo homem e, na medida

em que o homem transforma a natureza uma atividade transformadora em relao a si

mesmo. Portanto as atividades prticas e tericas tomadas separadamente no so prxis

por que a atividade terica proporciona um conhecimento indispensvel para

transformar a realidade, ou traa finalidades que antecipam idealmente sua

transformao, mas num e noutro caso, fica intacta realidade. (VZQUEZ, 1977, p.

203).

Entretanto, se a teoria sozinha no capaz de transformar o mundo, pode

contribuir para sua transformao, mas para isso tem que sair de si mesma e, em

primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vo ocasionar, com seus atos reais,

efetivos, tal transformao. (VZQUEZ, 1977, p. 207).

O conceito de prxis refora a indissociabilidade entre teoria e prtica, o que

se traduz na superao do lugar comum que contrape esses dois termos.

Como sublinha Vzquez (1977):

Entre a teoria e a atividade prtica transformadora se insere um

trabalho de educao das conscincias, de organizao dos meios

materiais e planos concretos de ao; tudo isso como passagem

indispensvel para desenvolver aes reais, efetivas. Nesse sentido

uma teoria prtica na medida em que materializa, atravs de uma

srie de mediaes, o que antes s existia idealmente, como

conhecimento da realidade ou antecipao ideal de sua transformao.

(p. 207).

38

A prxis, entendida como uma relao de mo dupla entre teoria e prtica,

implica uma perene circularidade que sujeita a atividade prtica teoria que, por sua

vez, se transforma e modifica em funo das exigncias e necessidades da prpria

atividade prtica consciente.

3.3 Socializao

No captulo 2, a formao conceituada como o produto da interao

indivduo-sociedade. Essa interao acontece por intermdio de um processo

denominado de socializao.

A Socializao entendida, de acordo com Saraiva (2007), como o processo

de internalizao da cultura produzida pela sociedade em que o indivduo nasce e

cresce, incorporando o mundo social com seus diversos significados, regras, hbitos de

vida, normas e valores morais. A contemporaneidade, na perspectiva de Setton (2003;

2008), adiciona novos elementos para compreender o processo de socializao, que

acontece em todos os espaos da sociedade e atravs da ao de alguns agentes de

socializao como, por exemplo, a famlia, os amigos, a escola, a religio, o trabalho e

os mltiplos meios de comunicao. Neste sentido,

a socializao deixa de ser apenas uma noo de integrao

explicitamente vinculada a uma tradio sociolgica para ser vista de

maneira mais ampla, como um processo construdo coletiva e

individualmente e capaz de dar conta das diferentes maneiras de ser e

estar no mundo. (SETTON, 2008, p. 2).

Isso significa que o processo de socializao ultrapassa a noo de educao

ou processo educativo, tradicionalmente entendido e considerado como prtica

intencional (consciente e sistemtica). Uma srie de outras aes que so inconscientes

e no intencionais agregam-se a este processo. Assim, tais aes assistemticas,

adquiridas paulatinamente, na famlia, na escola, no trabalho ou em grupos de amigos,

voluntria ou involuntariamente, acabam por contribuir para a formao dos professores

na construo das realidades sociais.

O entendimento do conceito de socializao, apresentado na Figura 2, pode

ser ampliado da seguinte forma:

39

Figura 3: Formao do Individuo: o processo de socializao.

Nessa Figura, as setas descrevem a interao entre individuo e sociedade

nos mltiplos espaos e contextos (escolares e no-escolares) atravs do processo de

socializao.

40

4 METODOLOGIA

Neste captulo, apresento os procedimentos metodolgicos para o

desenvolvimento da pesquisa. Na primeira parte so delineadas as caractersticas do

procedimento metodolgico escolhido e os motivos que subentendem essa escolha. Na

segunda parte descrito como se deu a escolha dos participantes, assim como a tcnica

de coleta de dados e os caminhos percorridos para analis-los.

4.1 Pesquisa Qualitativa

O objetivo principal dessa pesquisa compreender como se deu a formao

pedaggica de dois professores de violo de curso de Bacharelado em msica. Assim, a

abordagem que melhor se adequou ao objetivo foi a de natureza qualitativa. Este tipo

de pesquisa permite explorar e [...] entender os significados que os indivduos ou

grupo atribuem a um problema social e humano (CRESWELL, 2010, p. 271). Dentro

dessa perspectiva, os dois professores participantes passam a ser entendidos como

sujeitos sociais que utilizam as experincias vivenciadas ao longo da vida como

instrumentos a servio do processo de ensino-aprendizagem.

Algumas caractersticas da abordagem qualitativa foram verificadas nessa

pesquisa, a saber: a coleta das informaes, por meio da conversa direta do pesquisador

com as pessoas; a anlise dos dados de maneira indutiva, criando seus prprios padres;

o foco na aprendizagem do significado que os participantes do ao problema

investigado; o processo de pesquisa emergente, na medida em que todas as fases do

processo podem sofrer mudanas como, por exemplo, o aparecimento de novos dados

que podem mudar o rumo da investigao; o relato holstico do problema investigado,

no sentido de identificar os mltiplos fatores envolvidos em uma situao especfica.

(CRESWELL, 2010, p. 210-211).

Segundo Bogdan e Biklen (1994), o objetivo primordial de uma pesquisa

qualitativa compreender melhor o comportamento humano. Desta forma os

pesquisadores qualitativos:

tentam compreender o processo mediante o qual as pessoas

constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos

significados. Recorrem observao emprica, por considerarem que

em funo de instncias concretas do comportamento humano, que

se pode refletir com maior clareza e profundidade sobre a condio

humana. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 70).

41

Nesta pesquisa a abordagem qualitativa foi adotada por consentir

procedimentos metodolgicos que atendem aos objetivos propostos de buscar entender

e descrever, de maneira global e dinmica, a constituio da formao pedaggica dos

dois professores de violo. Buscou-se levantar qual o significado existente nas

interaes que foram acontecendo entre as dimenses familiar, escolar e profissional, e

questes inerentes ao processo de ensino-aprendizagem.

4.2 Estudo de caso mltiplo

O mtodo adotado como estratgia de pesquisa foi o estudo de caso, que,

devido quantidade, foi classificado de casos mltiplos (YIN, 2005; GIL, 2009). Essa

escolha deve-se ao fato do estudo de caso fundar-se na observao detalhada de um

contexto, ou indivduo, de uma nica fonte de documentos ou de um acontecimento

especfico (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 89).

Conforme Yin (2005), o estudo de caso prprio para a construo de uma

investigao emprica que pesquisa fenmenos dentro de seu contexto real.

O estudo de caso nico e o estudo de casos mltiplos so variantes dentro

da mesma estrutura metodolgica (YIN, 2005, p. 68). Entretanto, essa variao impe

que por outro lado, uma pesquisa com mltiplos casos requer uma metodologia mais

apurada e mais tempo para coleta e anlise dos dados, pois ser necessrio reaplicar as

mesmas questes em todos os casos. (GIL, 2002, p. 139).

Dessa forma, ao se repetir o mesmo estudo em uma unidade diferente,

precisamos de ferramentas analticas eficazes para se estabelecer as comparaes,

exigidas para responder nossa pergunta de pesquisa, entre as duas unidades

pesquisadas.

4.3 Os participantes

Foram convidados dois professores de violo de curso de Bacharelado em

msica de universidades pblicas da regio Sudeste para colaborar com a pesquisa.

Esses professores atendiam aos seguintes critrios: ser professor efetivo do curso de

Bacharelado em Violo e ter formao inicial em curso de Bacharelado em Msica.

Para garantir o anonimato, foram utilizados pseudnimos, tanto para os

participantes, quanto para qualquer outra pessoa e lugar citados nas entrevistas como,

por exemplo, instituies, cidades, pases e professores dos participantes.

42

O primeiro participante, na ordem cronolgica de realizao de entrevista,

o professor Jlio, que Bacharel em violo, Mestre em Artes e Doutor em

Musicologia, com oito anos de prtica docente em universidades.

O segundo, Davi, Bacharel em violo, Mestre e Doutor em Musicologia.

Tem sete anos de prtica docente em universidades.

4.4 Coleta de dados

Entrevista

Como tcnica de coleta de dados foi escolhida a entrevista semiestruturada.

Esse tipo de entrevista permite correes, esclarecimentos e adaptaes, alm de uma

relao de interao entre entrevistador e entrevistado, tornando possvel a captao

imediata das informaes desejadas (LDKE e ANDR, 1986, p. 33-34).

Nessa pesquisa, o objetivo da entrevista semiestruturada foi levantar

informaes sobre a formao pedaggica dos dois professores participantes. O roteiro

(Apndice 1) foi organizado em quatro blocos: 1) Dados gerais (idade, tempo de servio

como docente, ano de concluso da graduao e ps-graduao); 2) Experincias

anteriores graduao (a vida familiar e as experincias musicais ocorridas); 3)

Experincias na graduao e na ps-graduao (formao inicial e continuada, percurso

profissional, lembranas marcantes dos professores, motivos das escolhas acadmicas,

influncias do percurso acadmico nas prticas pedaggicas atuais); 4) Docncia

superior no curso de Bacharelado/violo. Neste bloco so abordados os desafios e

problemas enfrentados no incio da carreira, o porqu da escolha, concepes sobre ser

professor de violo no Bacharelado, os saberes envolvidos.

A pertinncia do roteiro foi avaliada por meio da submisso do mesmo ao

parecer de dois pesquisadores com experincia no uso dessa tcnica de coleta de dados,

que fizeram comentrios e deram vrias sugestes para modificar e/ou acrescentar

novas perguntas.

As entrevistas foram agendadas com antecedncia, no perodo entre

dezembro/2012 e janeiro/2013, em local e horrio pr-determinados pelos participantes.

A primeira entrevista, com o professor Jlio, aconteceu no dia 29 de janeiro de 2013 e

teve durao de 4 horas. A segunda entrevista, com o professor Davi, aconteceu no dia

27 de maro de 2013 e teve durao de 2 horas e meia.

43

As entrevistas foram gravadas no computador utilizando-se o software

Reaper, disponvel gratuitamente na internet2.

Foi criado um caderno de entrevistas contendo a transcrio integral das

mesmas para auxiliar nas referncias das falas dos participantes no captulo de anlise

dos dados. A transcrio das entrevistas foi enviada aos participantes, convidando-os a

fazer eventuais correes e/ou modificaes que julgassem necessrias, o que ,

juntamente com a garantia de manter o anonimato, um compromisso tico para com os

participantes.

As entrevistas passaram por um processo de textualizao, conforme as

orientaes metodolgicas de Gattaz (1996). Este procedimento foi adotado por ser a

linguagem escrita diferente da linguagem falada. Assim:

na transcrio literal h inmeras frases repetidas, enquanto outras

so cortadas pelo entrevistando ou pela qualidade da gravao; h

muitas palavras e expresses utilizadas incorretamente, devido

prpria dinmica da fala, da conversa informal - que o que tentamos

fazer das entrevistas. H estrangeirismos, grias, palavras chulas, ou

seja: termos que so bastante [sic] distintos quando falados ou

escritos. (p. 136).

Gattaz (1996) utiliza dois conceitos da lingustica para fundamentar a

textualizao: a transcriao e o teatro de linguagem. Nessa pesquisa se faz uso

somente da transcriao, pois emergiu a necessidade de reformular as transcries

literais para torn-las compreensveis ao leitor e evitar constrangimento ao entrevistado.

Neste sentido,

o cdigo oral e o escrito tm valores diferentes, procura-se corrigir

esta desigualdade atravs da transcriao [grifo nosso]. Processa-se

ento uma intensa atividade sobre o texto e a gravao, na qual

palavras, frases e pargrafos sero retirados, alterados ou

acrescentados, permitindo que o no literalmente dito seja dito. (p.

136).

Portanto, as falas dos professores participantes da pesquisa so apresentadas

no captulo Apresentao e anlise dos dados de forma textualizada.

4.5 Anlise dos dados

Os dados da entrevista foram organizados e interpretados por meio da

identificao de unidades gerais de significado, entendidas como palavras, frases e

2 .

http://www.reaper.fm/download.php

44

comunicaes no-verbais e paralingusticas3, que expressam um significado nico e

coerente (HYCNER, 1985).

Foram seguidos os procedimentos sugeridos por Strauss e Corbin (2008),

que consistem em conceitualizar e reduzir os dados, elaborar categorias em termos de

suas propriedades e dimenses, e relacion-los por meio de uma srie de declaraes

preposicionais (p.24).

Esses procedimentos so o resultado de dois tipos de codificao. O

primeiro o de codificao aberta (STRAUSS e CORBIN, 2008, p. 103-121), por

meio do qual so identificados os conceitos, e cujas propriedades e dimenses so

descobertas nos dados. O segundo, chamado de codificao axial (STRAUSS e

CORBIN, 2008, p. 123-141), o processo que permite relacionar categorias s suas

subcategorias, por isso chamado de axial, porque ocorre em torno do eixo de uma

categoria, associando categorias ao nvel de propriedades e dimenses. (2008, p. 123).

Esse processo resultou na identificao de quatro categorias apresentadas

na Tabela 1.

Categorias Descrio

1. Contexto no-escolar analisada a formao que acontece

mediante a interao do sujeito com o

ambiente familiar, os amigos e a prtica

do autodidatismo;

2. Contexto escolar analisada a formao que acontece

mediante as experincias e apropriaes

oriundas de toda e qualquer interao

social ligada instituio escolar;

3. Influncias pedaggicas

So analisadas as interaes que

influenciaram o sujeito em relao a todo e

qualquer aspecto ligado ao processo

ensino-aprendizagem;

3 So exemplos de comunicaes no-verbais e paralingusticas a entoao, as pausas e as nfases.

(HYCNER, 1985, p. 281).

45

4. Prtica e concepes pedaggicas

So analisadas: a prtica pedaggica

propriamente dita do sujeito, como sua

identidade profissional, as dificuldades

enfrentadas e os desafios enquanto

professor de violo. So descritas suas

concepes no que diz respeito

pedagogia, ao perfil, s caractersticas e s

competncias que deve possuir o professor

de violo.

Tabela 1. Categorias para anlise.

46

5 APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS

Nesse captulo apresentaremos a anlise dos dados coletados atravs das

entrevistas realizadas com os professores Jlio e Davi. Com isso, espera-se responder

pergunta de pesquisa: Como se deu a formao pedaggica de dois professores de

violo que atuam em cursos de Bacharelado em msica?

5.1 Contexto no-escolar

O percurso inicial da formao de Jlio e Davi deu-se no contexto no-

escolar, formado pelas influncias e experincias significativas da relao entre amigos

e/ou do ambiente familiar e atravs de canais que esto fora dos muros

institucionais/acadmicos.

Nesse contexto, Jlio comeou a estudar violo por volta de nove anos de

idade. O ambiente familiar foi extremamente propcio, pois as duas irms mais velhas

eram violonistas e professoras de violo, tendo na pessoa da me, grande incentivadora.

Ele teve as primeiras aulas de violo com a irm mais velha que diplomada em violo

no Conservatrio e ainda hoje, professora de violo em uma escola de msica de sua

propriedade. Mas o comeo foi trilhado sozinho:

Penso que, como todo o mundo, o incio foi um pouco autodidata,

apesar de ter duas professoras de violo popular na famlia: minhas

irms. Foi praticamente um processo instantneo no contato com elas,

mas com 9/10 anos de idade, j tive algumas aulas de violo popu