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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MIRIÃ DE OLIVEIRA FERREIRA A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA: OBJETO DE CONHECIMENTO E ENSINO CUIABÁ-MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE

LINGUAGEM

MIRIÃ DE OLIVEIRA FERREIRA

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

OBJETO DE CONHECIMENTO E ENSINO

CUIABÁ-MT

2012

MIRIÃ DE OLIVEIRA FERREIRA

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

OBJETO DE CONHECIMENTO E ENSINO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós

Graduação em Estudos de Linguagem do

Instituto de Linguagens – Mestrado da

Universidade Federal de Mato Grosso, como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Estudos de Linguagem, sob a

orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Inês Pagliarini

Cox.

CUIABÁ-MT

2012

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

Catalogação na fonte: Maurício S.de Oliveira CRB/1-1860.

F383c Ferreira, Miriã de Oliveira.

A concordância verbal no Português: objeto de conhecimento e ensino / Miriã

de Oliveira Ferreira. -- 2012.

viii, 136 f. ; 30 cm (inclui tabelas)

Orientador: Profª. Drª Maria Inês Pagliarini.

Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de

Linguagens. Programa de Pós-Graduação em Linguagens, 2012.

Bibliografia: f. 133-136

1.Ensino médio privado. 2. Língua portuguesa - apostilas. 3. Concepção de

línguas. 4. Concordância verbal. I. Título.

CDU 811.134.3

iii

iv

Para Wander,

Daltro e Rosa.

v

AGRADECIMENTOS

A DEUS.

À professora Maria Inês pelo trabalho a quatro mãos nesta dissertação.

Ao MEEL (professores, colegas, funcionários) por sempre encontrar ajuda

quando precisei.

À agência CAPES pelo auxílio financeiro.

Aos meus pais por verem em mim além do que eu posso ver.

Ao meu esposo pela admiração, paciência, compreensão e ânimo em tempo

integral.

A todos que me ajudaram de alguma forma na concepção deste trabalho.

vi

- Mostrengo ou monstrengo, vovó? – quis saber Pedrinho.

Vejo esta palavra escrita de dois jeitos.

- Os gramáticos querem que seja mostrengo – coisa de

mostrar: mas o povo acha melhor monstrengo – coisa

monstruosa, e vai mudando. Por mais que os gramáticos

insistam na forma “mostrengo”, o povo diz “monstrengo”

- E quem vai ganhar esta corrida, vovó?

- Está claro que o povo, meu filho. Os gramáticos

acabarão se cansando de insistir no “mostrengo” e se

resignarão ao “monstrengo”.

(Monteiro Lobato, Fábulas)

vii

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA: OBJETO DE

CONHECIMENTO E ENSINO.

RESUMO: No presente estudo, investiga-se a relação do material didático, ou seja, das

apostilas utilizadas no terceiro ano de uma grande escola privada de ensino médio na

cidade de Cuiabá-MT, com as políticas linguísticas favoráveis à concepção do

português como uma língua plural. A fim de operacionalizar o estudo, será focalizada a

abordagem da concordância verbal (CV). A escolha da concordância verbal deve-se ao

fato de ela ser um terreno de constante fricção entre a norma culta e a norma popular e,

portanto, um campo propício à aplicação dos conhecimentos sociolinguísticos,

nucleares ao novo paradigma de ensino. O estudo revisita a tradição gramatical,

responsável pela produção e reprodução do discurso purista acerca das normas de CV.

Revisita também os estudos sociolinguísticos, responsáveis pelo discurso variacionista

acerca das normas de CV. Faz um levantamento dos usos da CV por alunos do terceiro

ano a partir de produções escritas por eles. E finalmente realiza uma análise do

tratamento dispensado à CV pelas apostilas usadas pelos alunos que escreveram as

redações analisadas. Metodologicamente, o projeto envolve três tipos de pesquisa:

pesquisa bibliográfica no campo da tradição gramatical e da sociolinguística para

cartografar os estudos sobre o tema, com a finalidade de realizar um contraponto entre

as normas “ideais” e “reais” de CV no português e caracterizar o fenômeno como

variável e não categórico; pesquisa sociolinguística de produções escritas de alunos do

ensino médio para apreensão das normas de CV habitualmente usadas por eles, norma

no sentido daquilo que é ‘normal’ e não no sentido ‘normativo’; e pesquisa de arquivo

das seções e questões das apostilas que tratam da CV, para avaliar o posicionamento

ideológico-discursivo que as atravessam. Pretende-se que o estudo contribua para a

promoção de uma educação linguística que forme cidadãos livres de quaisquer

preconceitos linguísticos e competentes para usar a língua em quaisquer circunstâncias.

PALAVRAS-CHAVE: ensino médio privado; apostilas de língua portuguesa;

concepção de língua; concordância verbal

viii

THE VERB AGREEMENT IN THE PORTUGUESE LANGUAGE: OBJECT OF

KNOWLEDGE AND TEACHING.

ABSTRACT: In this study, it is investigated the relation of the teaching material, that

is, the study guides used in the 12th

grade of a big private high school in Cuiabá-MT,

with the linguistic policies favorable to the conception of Portuguese as a plural

language. In order to make this study possible, the verb agreement (VA) approach will

be focused on. The choice of the verb agreement is due to the fact that it is an area of

constant friction between the standard norm and non-standard norm and, therefore an

appropriate field to the application of sociolinguistic knowledge, nuclear to the new

teaching paradigm. The study revisits the grammatical tradition, responsible for the

production and reproduction of the purist discourse about the VA norms. It also revisits

the sociolinguistic studies, responsible for the variationist discourse about the VA

norms. A survey of the use of VA by twelfth grade students from their written

production is done. And finally, an analysis of the treatment given to VA by the study

guides used by the students who wrote the compositions that were analyzed is carried

out. Methodologically, the project involves three types of research: bibliographic

research in the field of grammatical tradition and sociolinguistics to map the studies on

the theme, aiming at making a counterpoint between the “ideal” and “real” norms of de

VA in Portuguese and characterizing the phenomenon as variable and non categorical;

sociolinguistic research of the written production of the high school students to

apprehend the VA norm commonly used by them, a norm in the sense of what is

‘normal’ and not in the ‘normative’ sense; and archival research of the sections and

issues of the portuguese language study guides that address the VA, in order to evaluate

their ideological-discursive positioning. The aim of this study is to contribute to a

linguistic education that will prepare citizens free from any linguistic prejudice and

competent to use the language in any circumstances.

KEYWORDS: private high school; portuguese language study guide; conception of

language; verb agreement

ix

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS GRAMATICAIS DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XIX

P. 20

1.1. Fernão de Oliveira e João de Barros P. 20

1.2. Antoine Arnault e Claude Lancelot P. 23

1.3. Jeronymo Soares Barboza P. 26

1.4. Júlio Ribeiro P. 29

1.5. João Ribeiro P. 32

CAPÍTULO 2

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS GRAMATICAIS DO SÉCULO XX

P. 38

2.1. Eduardo Carlos Pereira P. 38

2.2. Said Ali P.46

CAPÍTULO 3

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS GRAMATICAIS CONTEMPORÂNEOS

P. 54

3.1. Carlos Henrique da Rocha Lima P. 54

3.2. Evanildo Bechara P. 57

3.3. Celso Cunha e Lindley Cintra P. 60

3.4. Paralelo entre Evanildo Bechara, Rocha Lima e Celso Cunha e Lindley

Cintra

P. 62

CAPÍTULO 4

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS

P. 77

4.1. A virada sociolinguística P. 77

4.2. Estudos sociolinguísticos e dialetológicos acerca da concordância verbal P. 81

4.2.1. Concordância verbal variável – um traço do português europeu P. 82

4.2.2. Concordância verbal variável – o caso brasileiro.

P. 86

CAPÍTULO 5

A CONCORDÂNCIA VERBAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO 3º

ANO DO ENSINO MÉDIO DE UMA ESCOLA PRIVADA EM CUIABÁ

P. 103

5.1. Sujeito anteposto e contíguo ao verbo P. 104

5.2. Sujeito anteposto, mas não contíguo ao verbo P. 106

5.3. Sujeito anteposto – pronome relativo P. 108

5.4. Sujeito posposto, simples ou composto P. 111

5.5. Sujeito simples de estrutura complexa P. 112

5.6 Paralelismo formal oracional P. 114

5.7 Saliência gráfica P. 116

5.8 Concordância ideológica P. 117

CAPÍTULO 6

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA EM APOSTILAS DO

TERCEIRO ANO DO COLÉGIO X

P. 120

x

6.1 A concepção de língua subjacente ao tratamento da concordância verbal P. 121

6.2 A posição sociolinguística como eufemismo P. 125

6.3 A posição gramatical sem disfarce P. 129

6.4 Contraponto entre o presente estudo e estudos sobre CV no livro didático P. 132

CONCLUSÃO P. 135

BIBLIOGRAFIA P. 142

11

INTRODUÇÃO

Após quase meio século da introdução da sociolinguística nos currículos dos

programas de pós-graduação stricto sensu em Linguística no Brasil, nota-se uma efetiva

expansão da concepção de que toda língua viva varia e muda. Essa concepção atingiu,

inclusive, a esfera dos documentos oficiais que norteiam o ensino de língua portuguesa

na escola básica. Diante dos conhecimentos produzidos pela sociolinguística, a milenar

ideologia purista que significa a língua como absolutamente una, homogênea, invariável

e imutável teve de se haver com uma ideologia relativista que significa a língua como

plural, heterogênea, variável e mutável. Embora essa última perturbe a ordem purista,

está longe de desbancá-la. Contemporaneamente, assiste-se, na cena pública, a um

verdadeiro duelo entre os que falam interpelados pelo purismo gramatical e os que

falam interpelados pelo relativismo sociolinguístico.

Recentemente, esse embate de posições ideológicas acerca do português foi

tema da mídia brasileira por mais de um mês. Refere-se aqui ao recente episódio do

livro didático de língua portuguesa, da coleção Por uma vida melhor (distribuído

gratuitamente pelo MEC aos estudantes da Educação de Jovens e Adultos - EJA),

esconjurado pela opinião pública leiga, incluindo jornalistas, colunistas, artistas e

políticos, por supostamente encorajar o uso de formas erradas, mais precisamente, o uso

de frases sem concordância verbal e nominal. A polêmica começou em meados de maio,

quando, no programa matinal Bom Dia Brasil da rede Globo, o jornalista Alexandre

Garcia, em tom bombástico, informou que o MEC estava financiando livros didáticos

que fomentavam o uso do português errado. O jornalista aproveitou a ocasião para dizer

que o ensino de língua portuguesa de antigamente “preparava para vencer na vida”, pois

“era rígido e não aceitava o erro” como se faz agora. Argumentou que “quem for

nivelado por baixo terá a vida nivelada por baixo”. Disse, ainda, que, no Brasil, trata-se

com leniência os erros por medo de constranger o outro e faz-se o mesmo com a língua,

“aprova-se a palavra errada para não constranger os falantes”. Arrematando a fala do

jornalista, o professor Sérgio Nogueira afirmou que, ao se abolir o certo e o errado e ao

se considerar as variantes linguísticas como corretas, ‘a língua está sendo ameaçada”.

Os mais diversos setores da elite brasileira (e a elite se imagina falante da

norma padrão), escandalizados com fato de o MEC financiar, com dinheiro público,

obras com “erros de português”, começaram a se pronunciar sobre o episódio, sem ao

menos se dar ao trabalho de ir ao famigerado livro didático e ver o que realmente seus

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autores afirmavam no trecho recortado que gerou a polêmica. Uma verdadeira legião de

pessoas públicas, frequentadoras da mídia, começou a criticar o livro e o MEC, com

base apenas no que ouvia/via, a falar de “orelhada”, por assim dizer. Então, os linguistas

e sociolinguistas saíram em cena para dar a sua versão dos fatos. A primeira providência

foi ir ao livro mesmo e recuperar o co-texto extirpado pelos críticos mal intencionados.

Veja-se o que se pode ler na seção destinada à concordância entre as palavras:

A concordância entre as palavras é uma importante característica da linguagem

escrita e oral. Ela é um dos princípios que ajudam na elaboração de orações

com significado, porque mostra a relação existente entre as palavras. Verifique

como isso funciona:

Alguns insetos provocam doenças, às vezes, fatais à população ribeirinha.

doenças (feminino, plural) <= fatais (feminino, plural)

população (feminino, singular) <= ribeirinha (feminino, singular)

As palavras centrais (insetos, doenças, população) são acompanhadas por outras

que esclarecem algo sobre elas. As palavras acompanhantes são escritas no

mesmo gênero (masculino/feminino) e no mesmo número (singular/plural) que

as palavras centrais. Essa relação ocorre na norma culta. Muitas vezes, na

norma popular, a concordância acontece de maneira diferente. Veja:

Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.

livro (masculino, singular) => os (masculino, plural)

ilustrado (masculino, singular)

interessante (masculino, singular)

emprestado (masculino, singular)

Você acha que o autor dessa frase se refere a um livro ou a mais de um livro?

Vejamos: O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um

livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural para

indicar mais de um referente. Reescrevendo a frase no padrão da norma culta,

teremos:

Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados.

Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro?’.” Claro que

pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de

ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que

não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta

como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto,

tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.

(AGUIAR, C. A. et alii. Por uma vida melhor. Coleção “Viver, Aprender”. São Paulo:

Editora Global, 2011, p. 14-16)

Trata-se, portanto, de um livro que segue os princípios da sociolinguística e

que busca ensinar a norma padrão do português como uma de suas muitas normas e não

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como a única. Por essa razão, estabelece um contraste entre o funcionamento da

concordância na norma culta e na norma popular, provavelmente a que os alunos da

EJA dominam. Com essa comparação, equipara-se o status linguístico de uma e outra

norma, não se tratando, pois, de comparar o ‘certo’ com o ‘errado’, mas sim diferentes

normas.

O pivô da polêmica foi o trecho em que os enunciadores-autores simulam um

diálogo em que um suposto enunciador-aluno perguntaria: “Mas eu posso falar ‘os

livro?’”, obtendo como resposta dos primeiros: “Claro que pode”. Segundo os críticos

de ‘orelhada’, essa resposta representa um encorajamento ao uso da ‘forma errada’, pois

é assim que eles interpretam a norma popular. Porém, não leram o período seguinte

“MAS fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de

preconceito linguístico”, que começa com a conjunção ‘mas’, um conector que sinaliza

que o que segue é uma ideia adversa à que veio antes. Com esse período, os

enunciadores-autores iniciam uma discussão sobre o valor social das normas

linguísticas e sobre o preconceito linguístico. Embora do ponto de vista linguístico não

haja normas melhores e piores, certas ou erradas, do ponto de vista social elas são

avaliadas e algumas delas subavaliadas e estigmatizadas, gerando preconceito e, até

mesmo, exclusão social.

Dependendo da norma que alguém fale/escreva, ele terá maior ou menor

oportunidade de ingressar numa universidade pública, maior ou menor oportunidade de

pleitear uma profissão respeitada e bem remunerada, maior ou menor oportunidade de

disputar uma boa vaga no mercado de trabalho, maior ou menor oportunidade de ser

bem sucedido em concursos públicos para cargos nobres. Todos os sociolinguistas são

bem conscientes do estrago que a reclusão na norma popular pode fazer na vida de uma

pessoa, por isso jamais a encorajaram ou encorajariam. O que fazem é insistir que a

norma culta deve ser ensinada como mais uma norma e não como a norma que veio

para se impor em meio a uma desordem linguística. A palavra-chave é competência

comunicativa. O que a escola deve fazer com os alunos é desenvolver-lhes a

competência comunicativa, ou seja, torná-los capazes de usar a língua adequada às

circunstâncias em que são instados a falar/escrever, torná-los capazes de usar ‘os livro’

nas situações informais e de usar ‘os livros’ quando a situação exigir.

Esse episódio só serviu para confirmar a tese de que a mídia é impermeável ao

discurso da linguística, já discutida em outras ocasiões em que a publicação de fatos

semelhantes a esse gerou discussões tão calorosas quanto a anteriormente narrada.

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Contudo, se na mídia a ideologia linguística relativista é rechaçada, na esfera

governamental, mais precisamente na esfera do Ministério de Educação - MEC, é

assumida e transformada em política linguística, ecoando em todos os documentos

oficiais publicados nas décadas de 1990 e 2000, inclusive nos livros didáticos adotados

pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Em relação ao ensino médio,

foram lançados os seguintes documentos: Parâmetros Curriculares do Ensino Médio-

PCNEM (2000), Parâmetros Curriculares do Ensino Médio + - PCNEM+ (2002),

Orientações Curriculares para o Ensino Médio-OCEM (2006) e Programa Nacional do

Livro para o Ensino Médio-PNLEM (2008), todos eles alinhados com a concepção

sociolinguística de língua como uma pluralidade de normas, como se pode observar nos

excertos seguintes:

PCNEM

O respeito à diversidade é o principal eixo da proposta e, para a área, não

poderia ser diferente: as indicações deste documento procurarão ser coerentes

com os princípios legais (PCNEM, 2000, p. 4).

PCNEM+

A norma culta, considerada como uma das variedades de maior prestígio

quando se trata de avaliar a competência interativa dos usuários de uma língua,

deve ter lugar garantido na escola, mas não pode ser a única privilegiada no

processo de conhecimento linguístico proporcionado ao aluno (PCNEM+,

2002, p. 76).

OCEM

Trata-se, especificamente, de promover o debate sobre o fato de que, se as

línguas variam no espaço e mudam ao longo do tempo, então o processo de

ensino e de aprendizagem de uma língua – nos diferentes estágios da

escolarização – não pode furtar-se a considerar tal fenômeno (OCEM, 2006, p.

19-20).

Essa concepção passou a pautar a análise dos livros didáticos inscritos no

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Entre os Princípios Gerais postos para o

ensino básico, o PNLD/2008 estabelece que o livro didático deve propiciar “o

desenvolvimento de atitudes, competências e habilidades envolvidas na compreensão da

variação linguística e no convívio com a diversidade dialetal, de forma a evitar o

preconceito e a valorizar as diferentes possibilidades de expressão linguística”. Além

disso, nos Preceitos Éticos postula que, para o desenvolvimento da ética necessária ao

convívio social e à construção da cidadania, o livro didático de português deve: “a) Não

veicular, nos textos e nas ilustrações, preconceitos que levem a discriminações de

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qualquer tipo, especialmente no que diz respeito aos diferentes falares regionais e

sociais; b) Estimular o convívio social e a tolerância, abordando a diversidade da

experiência humana com respeito e interesse, inclusive no que se refere à diversidade

linguística; c) Colaborar para a construção da ética democrática e plural (formação de

atitudes e valores), sempre que questões éticas estiverem envolvidas nos textos e

ilustrações”. Já o item Reflexão sobre a língua e a linguagem e construção de

conhecimentos linguísticos, um dos Critérios Classificatórios, prevê que os conteúdos e

atividades propostos pelos livros didáticos devem: “a) Considerar e respeitar a

diversidade linguística, situando as variedades urbanas de prestígio nesse contexto”. E,

finalmente, o item referente ao Trabalho com a linguagem oral enfatiza que os livros

didáticos devem: “a) Valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade

linguísticas, introduzindo as normas associadas ao uso público formal da linguagem oral

sem, no entanto, menosprezar a diversidade dialetal e estilística; b) Explorar as

diferenças e semelhanças que se estabelecem entre as diversas formas da linguagem oral

e da escrita”. Considerados esses princípios e critérios, os autores de livros didáticos

que almejam a inclusão de suas coleções no PNLD não podem mais assumir a ideologia

purista e praticar um normativismo cego que age sob o imperativo categórico do certo e

do errado, renegando toda sorte de alteridade linguística.

Coroando a instituição em nível nacional dessa política linguística que deseja dar

direito de cidadania às diferentes vozes do português, o Exame Nacional do Ensino

Médio - ENEM também passa a levá-la em conta na elaboração das questões de língua

materna que constam do exame, como se pode observar na Questão 129 do ENEM-

2011, que contrapõe à hegemonia da norma única a pluralidade de normas:

QUESTÃO 129

Há certos usos consagrados na fala, e até mesmo na escrita, que, a depender do

estrato social e do nível de escolaridade do falante, são, sem dúvida, previsíveis.

Ocorrem até mesmo em falantes que dominam a variedade padrão, pois, na

verdade, revelam tendências existentes na língua em seu processo de mudança

que não podem ser bloqueadas em nome de um “ideal linguístico” que estaria

representado pelas regras da gramática normativa. Usos como ter por haver em

construções existenciais (tem muitos livros na estante), o do pronome objeto na

posição de sujeito (para mim fazer o trabalho), a não-concordância das passivas

com se (aluga-se casas) são indícios da existência, não de uma norma única,

mas de uma pluralidade de normas, entendida, mais uma vez, norma como

conjunto de hábitos linguísticos, sem implicar juízo de valor.(CALLOU, D.

Gramática, variação e normas. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. (orgs).-

Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento)).

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Considerando a reflexão trazida no texto a respeito da multiplicidade do

discurso, verifica-se que

a) estudantes que não conhecem as diferenças entre língua escrita e língua

falada empregam, indistintamente, usos aceitos na conversa com amigos

quando vão elaborar um texto escrito.

b) falantes que dominam a variedade padrão do português do Brasil

demonstram usos que confirmam a diferença entre a norma idealizada e a

efetivamente praticada, mesmo por falantes mais escolarizados.

c) moradores de diversas regiões do país que enfrentam dificuldades ao se

expressar na escrita revelam a constante modificação das regras de empregos de

pronomes e os casos especiais de concordância.

d) pessoas que se julgam no direito de contrariar a gramática ensinada na escola

gostam de apresentar usos não aceitos socialmente para esconderem seu

desconhecimento da norma padrão.

e) usuários que desvendam os mistérios e sutilezas da língua portuguesa

empregam formas do verbo ter quando, na verdade, deveriam usar formas do

verbo haver, contrariando as regras gramaticais. (ENEM, 2011, Caderno

Amarelo, p.17)

Se as obras que integram o Catálogo do Programa Nacional do Livro Didático de

Língua Portuguesa para o Ensino Médio não podem mais ignorar os objetivos gerais

dessa etapa de escolaridade e as orientações curriculares em vigor, sob pena de não se

verem incluídas no lote das aquisições feitas anualmente pelo FNDE para distribuição

gratuita na rede pública de ensino, a mesma preocupação parece não ocorrer com as

apostilas. Circulando principalmente na rede privada de escolas de ensino médio, as

apostilas não passam por qualquer avaliação dos órgãos governamentais encarregados

da educação básica no país. Um primeiro contato com apostilas usadas atualmente em

escolas de ensino médio de Cuiabá-MT parece revelar que elas constituem um território

não alcançado pelo novo paradigma de ensino de língua portuguesa, um território onde

ainda circula o discurso do “certo” e do “errado” sem qualquer prurido, um discurso que

desconsidera e avalia negativamente as variedades linguísticas faladas pelos alunos. As

escolas privadas de ensino médio parecem constituir um mundo à parte daquele

vislumbrado pelas políticas linguísticas que ecoam como uma opção indigna àqueles

que cuidam da educação dos filhos das classes abastadas que se imaginam usuárias da

norma padrão.

Tendo esse cenário como pano de fundo, o presente estudo propõe-se a

investigar a relação do material didático, ou seja, das apostilas utilizadas por uma turma

de terceiro ano de uma grande escola privada de ensino médio na cidade de Cuiabá-MT,

com as políticas linguísticas governamentais postas em circulação pelos PCNEM,

PCNEM +, OCEM e PNLEM. A fim de operacionalizar o estudo, será focalizada a

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abordagem da concordância verbal (CV) em apostilas do terceiro ano. A escolha da

concordância verbal deve-se ao fato de ela ser um terreno de constante fricção entre a

norma culta e a norma popular e, portanto, um campo propício à aplicação dos

conhecimentos sociolinguísticos. O estudo revisita a tradição gramatical, responsável

pela produção e reprodução do discurso purista acerca das normas de CV. Revisita

também os estudos sociolinguísticos, responsáveis pelo discurso variacionista acerca

das normas de CV. Faz um levantamento dos usos da CV por alunos do terceiro ano a

partir de produções escritas por eles. E finalmente realiza uma análise do tratamento

dispensado à CV pelas apostilas usadas pelos alunos que escreveram as redações

analisadas.

O estudo objetiva: 1) resenhar estudos sobre a CV realizados pela tradição

gramatical; 2) resenhar estudos sociolinguísticos sobre o tema “concordância verbal”; 3)

descrever e analisar, de acordo com os postulados da sociolinguística, os usos da

concordância verbal por alunos de ensino médio em sua produção escrita; 4) investigar

se, ao abordar as regras de concordância verbal conforme a norma padrão, as apostilas

postulam que o português é um conjunto de variedades linguísticas e que as variedades

faladas pelos alunos podem ser diferentes (nem piores e nem melhores) da ensinada na

escola; 5) investigar se os enunciadores que falam de concordância nas apostilas

dialogam com os enunciadores da sociolinguística e se há um embate entre eles; 6)

contribuir para o aprofundamento do debate entre aqueles que dizem a língua e aqueles

que ensinam a língua, de modo a ultrapassar a crítica rasa (de ambos os lados) que em

nada ajuda na solução da crise do ensino de português; 7) contribuir para a promoção de

uma educação linguística que forme cidadãos livres de quaisquer preconceitos

linguísticos e competentes para usar a língua em quaisquer circunstâncias.

Metodologicamente, o projeto envolve três tipos de pesquisa: pesquisa

bibliográfica no campo da tradição gramatical e da sociolinguística para cartografar os

estudos sobre o tema, com a finalidade de realizar um contraponto entre as normas

“ideais” e “reais” de CV no português e caracterizar o fenômeno como variável e não

categórico; pesquisa sociolinguística de produções escritas de alunos do ensino médio,

visando a apreensão das normas de CV habitualmente usadas por eles, norma no sentido

daquilo que é ‘normal’ e não no sentido ‘normativo’; e pesquisa de arquivo das seções e

questões das apostilas que tratam da CV para avaliar o posicionamento ideológico-

discursivo que as atravessam. Os resultados dessas pesquisas serão relatados em seis

capítulos.

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No capítulo 1, pretende-se expor a posição da chamada gramática tradicional em

relação ao fenômeno da concordância verbal no português. Para tanto, retomar-se-ão

alguns gramáticos destacados na constituição da história das ideias linguísticas sobre o

português, no período compreendido entre os séculos XVI e XIX. Será dedicada uma

seção especial à Gramática Geral de Port-Royal, publicada em 1660, uma vez que ela, a

partir de sua existência, passa a balizar o tratamento da concordância em diversas

línguas, incluindo o português. Dos gramáticos da língua portuguesa desse longo

período, são aqui estudados Fernão de Oliveira (1536), João de Barros (1540),

Jeronymo Soares Barboza (1830), Julio Ribeiro (1881) e João Ribeiro (1887).

No Capítulo 2, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal

realizados por gramáticos da língua portuguesa situados na primeira metade do século

XX, mais precisamente, Eduardo Carlos Pereira (1907) e Said Ali (1923). Certamente,

há outros gramáticos nesse período, porém, a escolha desses dois deve-se ao fato de eles

serem as grandes referências para Rocha Lima (1957), Evanildo Bechara (1961) e Celso

Cunha e Lindley Cintra (1970), matéria do terceiro capítulo.

No Capítulo 3, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal

constantes de três gramáticas que circulam copiosamente na contemporaneidade:

Gramática Normativa da Língua Portuguesa de Rocha Lima (1957), Moderna

Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara (1961) e A Nova Gramática do Português

Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra (1970). Foram escolhidas por serem

as gramáticas mais conhecidas e frequentadas tanto no escopo das Letras quanto do

ensino de língua portuguesa nos níveis fundamental e médio. Ensaiar-se-á uma análise,

ainda que mínima, do discurso gramatical no que tange à concordância verbal.

No capítulo 4, envereda-se pela sociolinguística e pela dialetologia, na medida

em que esta é solicitada pela primeira para fornecer argumentos à tese da arcaicidade

sobre a formação do português brasileiro. Apresentada ligeiramente a visada

sociolinguística da língua, focalizam-se, então, os estudos variacionistas sobre a

concordância verbal, com destaque para os trabalhos de Anthony Julius Naro e Maria

Marta Pereira Scherre, precursores da pesquisa orientada para essa temática e autores de

boa parte da bibliografia aqui resenhada. Além da bibliografia assinada por eles, foram

consultadas dissertações e teses que os tem como referência.

No capítulo 5, serão analisados os casos de variação na concordância verbal

que constam do corpus de enunciados reunidos para o presente estudo. Tais casos foram

extraídos de um conjunto de textos produzidos por alunos do terceiro ano do ensino

19

médio de uma escola da rede privada de ensino em Cuiabá. A opção por essa escola,

doravante Colégio X1, teve por base o desempenho de seus alunos no ENEM/2009, um

dos melhores no estado de Mato Grosso. O Colégio X localiza-se na região central de

Cuiabá e é frequentado principalmente por alunos oriundos de famílias com bom poder

aquisitivo e alto nível de escolaridade.

No capítulo 6, serão analisadas as apostilas utilizadas pelos alunos do terceiro

ano do Colégio X, uma do Sistema Positivo de Ensino e outra do Sistema COC de

Ensino. Será enfocada a abordagem da concordância verbal, como ela é tratada na

exposição do tema e nos exercícios formulados por elas ou selecionados de vestibulares

de outras IES do país, buscando-se apreender os discursos sobre a variação que tais

apostilas põem em circulação. Em um segundo momento, será feita uma comparação

entre as descobertas feitas por este estudo e aquelas de Rodrigues (2010) que pesquisou

temática semelhante em duas coleções de livros didáticos do ensino médio.

Na conclusão, faz-se uma síntese reflexiva, procurando-se articular todos os

momentos do estudo.

1 Usa-se a designação Colégio X para manter a instituição no anonimato.

20

CAPÍTULO 1

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA: ESTUDOS

GRAMATICAIS DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XIX

Neste capítulo, pretende-se expor a posição da chamada gramática tradicional

em relação ao fenômeno da concordância verbal no português. Para tanto, retomar-se-ão

alguns gramáticos destacados na constituição da história das ideias linguísticas sobre o

português, no período compreendido entre os séculos XVI e XIX. Será dedicada uma

seção especial à Gramática Geral de Port-Royal, publicada em 1660, uma vez que ela, a

partir de sua existência, passa a balizar o tratamento da concordância em diversas

línguas, incluindo o português. Dos gramáticos da língua portuguesa desse longo

período, são aqui estudados Fernão de Oliveira (1536), João de Barros (1540),

Jeronymo Soares Barboza (1830), Julio Ribeiro (1881) e João Ribeiro (1887).

1.1. FERNÃO DE OLIVEIRA E JOÃO DE BARROS

A história das gramáticas de língua portuguesa começa a contar a partir do

século XVI. Em 1536, foi publicada a primeira edição da Grammatica da Lingoagem

Portuguesa, de Fernão de Oliveira, e, em 1540, a Grammatica da Lingua Portuguesa,

de João de Barros.

Tais gramáticas foram publicadas num tempo em que Portugal buscava se

afirmar como uma nação entre as demais da Europa. A maestria na arte da navegação

que encorajava o povo português a lançar-se em aventuras marítimas que tinham por

finalidade a expansão territorial e, por consequência, a expansão do domínio imperial e

comercial, tornava necessária a transformação da língua portuguesa em uma língua

letrada, a exemplo do que vinha ocorrendo com outras línguas vernáculas originárias do

latim. Vale lembrar que a primeira gramática do espanhol, escrita por Elio Antonio de

Nebrija, data de1492.

Além da arte da navegação, no início do século XVI, os portugueses também se

destacavam na arte da impressão (ou ‘imprimissão’, como diziam) que favorecia a

publicação de instrumentos linguísticos destinados ao ensino da língua a ‘muitas

gentes’, em Portugal e nas colônias. Corroborando esse propósito, Fernão de Oliveira

21

(1933, p. 22) afirma que a “grammatica e a arte q ensina a bem ler e falar”2. Assim,

segundo Mariguela (2008, p. 16), é “no âmago dos achamentos e das imprimissões” que

as primeiras gramáticas do português surgem. Lembra a autora: “A Grammatica da

Lingoagem Portuguesa saiu do prelo no momento em que o projeto político de

expansão territorial, comercial e de construção da nacionalidade estava em plena

efervescência” (MARIGUELA, 2008, p. 14). Dessa forma, a gramática, como um

instrumento indispensável no ensino da língua, integra o projeto lusitano de sujeição

não apenas do corpo, mas também do pensamento e da alma do colonizado.

Desde muito cedo, a língua portuguesa avulta como um dispositivo eficaz na

empresa colonizadora, à semelhança do que ocorrera com a Grécia e Roma. Oliveira

assinala que é por terem imposto suas línguas que a glória de tais povos ainda vive:

“porq quãdo senhoreauão o mundo mandarão a todas as gentes a elles sogeytas aprender

suas linguas” (p. 21). Contudo, reagindo contra a tradição clássica que impunha o

estudo do latim como língua de cultura, o gramático exorta o povo português a estudar,

aperfeiçoar e ensinar a sua própria língua, impondo-a aos povos colonizados. Ele

acredita que, assim como o grego e o latim se transformaram em línguas perfeitas pela

ação dos homens que as apuraram, o mesmo pode se dar com o português:

E desta feyção nos obrigarão a que ainda agora trabalhemos em aprender e

apurar o seu esqueçendo nos do nosso não façamos assy mas tornemos nos

agora que he tempo e somos senhores porque milhor he ensinemos a Guine ca

que sejamos ensinados de Roma: ainda que ella agora teuera toda sua valia e

preço. E não desconfiemos da nossa lingua porque os homes fazem a lingua e

não a lingoa os homes. E e manifesto que as linguas Grega e Latina primeiro

forão grosseiras: e os homes as poserão na perfeição q agora tem

(OLIVEIRA, [1536]1933, p. 22).

O português vinha sendo escrito desde o século XIII, mas em estreita

dependência da oralidade. Tratava-se, na verdade, de um registro da fala, feito sem

qualquer normalização. Conforme Mattos e Silva (2002, p 35), “até o final do século

XV, não existiam ou não sobreviveram produções metalinguísticas” acerca do

português. Destarte, a Grammatica da Lingoagem Portuguesa inaugura a reflexão

2 Ao longo desta dissertação, manter-se-á a grafia original das obras consultadas. Isso pode significar uma

gama enorme de variação gráfica de autor para autor, num mesmo autor, e de época para época, já que as

convenções ortográficas só passaram a existir no século XX. Mesmo nas primeiras décadas do século XX,

a variação gráfica era normal.

22

metalinguística sobre o português, levando o processo de gramatização3 da língua,

iniciado com a escrita, a um novo patamar.

A gramática de Fernão de Oliveira é constituída por 50 capítulos que se aplicam

principalmente ao estudo das letras, sílabas e palavras (dições), em comparação com as

gramáticas latina e grega. Nela, não há propriamente um trabalho voltado para a sintaxe.

Num único capítulo, o capítulo 49, o gramático tematiza a composição (cõposição),

concerto (conçerto), construção (cõstruição) das partes ou ‘dições’, advertindo, contudo,

que o assunto será tratado em outra obra: “nesta derradeira parte q e da cõstruiçã ou

cõposição da língua não dizemos mais por q temos começada hua obra em q

particularmete e co mais comprimento falamos della” (OLIVEIRA, 1933, p. 107).

A Grammatica da Lingua Portuguesa, de João de Barros, diferencia-se de seu

antecessor, por mencionar o estudo da “construiçam”, ou seja, da sintaxe, embora não

dedique muito espaço a ela. O autor alude à concordância verbal e a descreve como a

conveniência entre o nominativo e o verbo. Almeida (2010), citando João de Barros,

afirma:

Em suas observações, [João de Barros] descreve a concordância verbal como

a conveniência entre o nominativo e o verbo, afirmando: “Tem máis o nome u

concordançia, quando está em cáso nominativo, que [h]á-de convir com o

vérbo em número e pessoa, como quando digo: eu amo.” (ALMEIDA, 2010.

p. 19, 20)

Tais gramáticas foram elaboradas em estreita sintonia com os modelos greco-

latinos e constituem as primeiras manifestações em língua portuguesa de uma longeva

tradição descritivo-prescritiva ainda imperante no século XX. Conforme Kristeva (1974,

p. 203), o Renascimento reorientou os estudos linguísticos para as línguas modernas. E

embora o latim continuasse a ser a lente para perscrutar as outras línguas, o molde

gramatical sofreu drásticas modificações para se adequar às singularidades das línguas

vulgares cujas gramáticas ainda não haviam sido descritas e eram, portanto,

desconhecidas.

3 “Por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e instrumentar uma língua na

base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o

dicionário.” (AUROUX, 1992, p. 65). No século XVI, a Europa viveu intensamente o processo de

gramatização de seus vernáculos (espanhol, francês, português etc).

23

Antes de se proceder à resenha da gramática de Jeronymo Soares Barboza,

retomar-se-á o tratamento dispensado à concordância verbal por Arnault e Lancelot, na

chamada Gramática Geral e Razoada ou Gramática de Port Royal, nome que se refere

ao monastério jansenista de Port-Royal-des-Champs onde os seus autores trabalhavam.

1.2. ANTOINE ARNAULT E CLAUDE LANCELOT

A Gramática Geral e Razoada, publicada em 1660, foi de suma importância

para o estudo de línguas vernaculares, como o italiano, o francês, o português. Ela

rompeu com o modelo gramatical renascentista que primava pelos registros tidos como

de “bom uso” da língua, cujas normas eram originárias da escrita de pessoas

“qualificadas” e de “linhagem”. De caráter filosófico cartesiano, a Gramática Geral

procurava um fundamento racional para explicar os fenômenos linguísticos, definindo a

língua como expressão do pensamento4. A conduta esperada do usuário da língua não

era o estilo rebuscado, a beleza da expressão, mas sim a clareza, a lógica, o bom senso,

a concisão. Assim, a língua deveria subordinar-se à lógica para não trair o pensamento.

Como a lógica era tida como universal, os gramáticos de Port-Royal defendiam a tese

de que haveria leis comuns a todas as línguas, daí o nome de Gramática Geral. A

diferenciação entre as línguas seria fruto das paixões e não da razão, tida como única

para toda a espécie humana.

O empenho de Arnauld e Lancelot ([1660]1992, p. 27-29) era mostrar que o

francês era uma língua sistemática e regular apta a expressar com precisão o

pensamento. Para tanto, a sintaxe linguística era vista como subordinada à sintaxe

lógica, cuja unidade é a proposição, entendida como “o julgamento que fazemos das

coisas”. A proposição é constituída por dois termos: o sujeito (termo de que se afirma

algo) e o atributo (o que se afirma de algo). Por exemplo, numa frase como ‘A terra é

redonda’, ‘terra’ é o sujeito e ‘redonda’ o atributo, unidos pelo verbo de ligação ‘é’. A

partir desse axioma, os gramáticos afirmam que

4 A Gramática Geral e a filosofia racionalista de René Descartes que a embasam constituem uma das matrizes da

chamada “linguística cartesiana”, cujo representante maior na atualidade é o norte-americano Noam Chomsky,

considerado fundador da gramática gerativo-transformacional. Dentre as suposições dessa teoria linguística, está a de

que “as características gerais da estrutura gramatical são comuns a todas as línguas e refletem determinadas

propriedades da mente” (CHOMSKY, 2002, p. 94). Assim, a análise da estrutura gramatical profunda das línguas

poderia evidenciar a “forma da linguagem”, em geral, contendo estruturas universais e invariáveis subjacentes à

multiplicidade das línguas particulares observadas no tempo e no espaço.

24

[...] tendo os homens necessidade de signos para exteriorizar tudo o que se

passa em seu espírito, é indispensável que a distinção mais geral seja que uns

signifiquem os objetos do pensamento e outros a forma e o modo de nossos

pensamentos [...]. As palavras do primeiro tipo são as que foram

denominadas nomes, artigos, pronomes, particípios, preposições e advérbios;

as da segunda são os verbos, as conjunções e as interjeições; todas foram

inferidas como uma consequência necessária, da maneira natural pela qual

expressamos nossos pensamentos. (ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992,

p. 29)

A gramática tradicional incorporou muitos princípios da Gramática Geral de

Arnauld e Lancelot, tanto na forma de agrupar quanto de classificar os fenômenos

linguísticos. Dela vêm a classificação e a descrição dos sons, o embrião do método

fônico de alfabetização em contraposição à soletração, descrições das partes da

gramática e as divisões das orações e toda a sintaxe (regência e concordância verbal e

nominal).

No Capítulo XXIV, intitulado “Da sintaxe ou da construção das palavras em

conjunto”, Arnauld e Lancelot ([1660]1992, p. 137) elencam dois tipos de relação entre

as palavras: conveniência e regime. Na relação de conveniência, “as palavras devem

convir entre si e na de regime, um dos dois causa variação no outro”. De acordo com os

autores, a relação de conveniência ocorre em todas as línguas, pois se trata de uma

sequência natural.

Na segunda parte do livro, as observações de Duclos sobre a Gramática Geral,

relativas ao Capítulo XXIV, acrescentam que as palavras, como signos que representam

ideias, não são empregadas de modo isolado, mas em relação umas com as outras de

modo a formar raciocínios. Ao tratar da sintaxe e das regras de construção, o autor

enumera dois tipos de relação: relação de identidade e relação de determinação, assim

definidas:

Todas as palavras de uma língua são outros tantos sinais de ideias e compõem

o vocabulário ou o dicionário; mas como não é suficiente que as ideias

tenham seus signos, uma vez que não se consideram palavras isoladas e cada

uma em particular é que é indispensável relacioná-las umas com as outras

para formar com isso raciocínios, imaginaram-se meios de assinalar-lhes as

diferentes relações; é isso que fazem a sintaxe e as regras de construção

mútua das palavras. Todas as leis da sintaxe, todas as relações das palavras

podem se reduzir a duas: a relação de identidade e a relação de determinação.

[...]

A relação de identidade é o fundamento da concordância de gênero e número

etc. A relação de determinação é o fundamento do regime, ou seja, ela exige

25

esta ou aquela terminação, segundo a finalidade dos casos nas línguas que os

têm, ou fixa o lugar da palavra nas que não dispõem de casos, como o francês

(DUCLOS, in ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992, p. 229 e 230).

Há, pois, uma correspondência entre as relações de identidade e determinação

(Duclos) e as relações de conveniência e regime (Arnauld e Lancelot). Por exemplo,

ocorre a identificação ou a conveniência das palavras entre si no caso da concordância

nominal em que ao núcleo da locução nominal singular/plural convêm determinantes

singular/plural; em que ao núcleo da locução nominal feminino/masculino convêm

determinantes feminino/masculino. Por exemplo, ocorre a determinação ou o regime no

caso da regência verbal que determina se o complemento será um objeto direto

(acusativo) ou indireto (ablativo) ou ambos; no caso das línguas com casos e

declinações, a regência determina o caso e esse determina a flexão da palavra.

Ao tratarem da concordância verbal, Arnauld e Lancelot apontam que os

verbos devem concordar com os nomes e os pronomes em número e em pessoa. É

interessante notar que os autores sinalizam a variação na concordância verbal, mas a

tratam como fuga às regras gramaticais, ou melhor, como figuras de linguagem,

decorrentes do fato de os homens prestarem mais atenção ao sentido de seus

pensamentos do que às palavras que usam para expressá-los, como ocorre na silepse,

quando se diz “a multidão prorrompem” (turba ruunt) e não “a multidão prorrompe”.

Dizem os autores:

Também os verbos devem ter a concordância dos números e das pessoas com

os nomes e os pronomes.

Se for encontrado algo contrário às regras citadas, isso se faz por figura, isto é,

subentendendo-se alguma palavra ou levando-se em conta antes os

pensamentos que as próprias palavras. (ARNAULD e LANCELOT,

[1660]1992, p. 137 e 138)

Duclos reafirma que o verbo deve concordar com o substantivo em número e

pessoa. Ele observa que a concordância faz o verbo, por mais afastado que esteja do

substantivo (sujeito), concordar com o sujeito porque a relação estabelecida entre eles é

de identidade. A identidade faz com que, mesmo distantes, nomes e determinantes e

verbo e sujeito se identifiquem e assim não comprometam a coerência entre o

pensamento e a palavra. Destarte, as considerações de Duclos sobre o fenômeno da

concordância verbal e nominal são gerais e articuladas à relação de identidade:

26

O adjetivo deve concordar com seu substantivo em gênero, número e caso (nas

línguas que o tem), e o verbo deve concordar com ele em número e pessoa, já

que o verbo e o adjetivo não passam de modificações desse substantivo.

Exemplo: Une belle maison (“Uma bela casa”), de beaux jardins (“belos

jardins”); diz-se bela, porque casa é um substantivo feminino singular; e diz-se

belos porque jardins é um masculino plural.

Um bom rei ama seu povo. Um, bom, rei, ama representam apenas um objeto;

entre essas quatro palavras há relação de identidade.

Assim, por mais separado que um adjetivo esteja de seu substantivo, por mais

afastado que o verbo esteja, enfim qualquer inversão que uma língua, como a

grega ou a latina, permita no torneio da frase, o espírito logo reúne, para o

sentido, todas as palavras que têm uma relação de identidade.

Na frase citada, povo não tem relação de identidade com um bom rei ama, mas

apresenta relação de determinação com rei e não a de identidade. (DUCLOS, in

ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992, p. 229 e 230)

Arnauld e Lancelot e Duclos vão além dos gramáticos renascentistas ao

considerarem, na abordagem da sintaxe, os usos da língua. Mesmo reconhecendo as

variações na concordância verbal, os autores, de certo modo, desaprovam-nas por

afastarem a língua, não do “bom uso”, mas da razão e da lógica. A desatenção à relação

de identidade, que subjaz à concordância verbal e nominal, pode comprometer a clara

expressão do pensamento. Assim, ao falarem das qualidades do francês, dizem que se

trata de uma língua que aprecia a ‘clareza’ e a ‘ordem mais natural e mais

desembaraçada’ para expressar o pensamento, razão pela qual usa poucas figuras

(ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992, p. 141). A ordem sintática natural, segundo

os autores, era sujeito + predicado, uma vez que todo atributo é atributo de um sujeito

que precisa ser conhecido antes de ser predicado. Esses princípios são também adotados

por Jeronymo Soares Barboza.

1.3 JERONYMO SOARES BARBOZA

Com ampla divulgação para a época (sete edições), a Grammatica

Philosophica da Língua Portugueza de Jeronymo Soares Barboza segue as ideias

introduzidas pela gramática de Port-Royal. Concebendo a gramática como a “arte que

ensina a pronunciar, escrever e falar correctamente qualquer língua” (BARBOZA, 1830,

p. VIII), o autor se inscreve na tradição normativa inaugurada pelos seus antecessores.

Sobre o estudo da gramática da língua nacional, diz ele: “he o primeiro estudo

indispensavel a todo homem bem criado; o qual não aspire a outra Litteratura, deve ter

27

ao menos a de falar e escrever correctamente sua Língua: o que não poderá conseguir

sem todas as partes daquella arte (BARBOZA, 1830, p. XII).

Para ele, a gramática é um sistema metódico de regras que resultam de

observações feitas sobre usos e fatos da língua. Classifica as gramáticas em dois tipos:

particular ou prática (estudo dos usos e fatos de uma língua a partir apenas da

observação e da memória) e geral ou filosófica (estudo dos usos e fatos de uma língua a

partir dos princípios gerais de toda linguagem no exercício da faculdade da razão).

Como Arnault e Lancelot, também ele subordina o estudo da gramática ao estudo da

lógica, decalcando os princípios da sintaxe naqueles da proposição. Assim, a proposição

é a unidade a partir da qual a concordância nominal e verbal é pensada, tendo como

vetor o sujeito. O sujeito é o termo principal da proposição, sem ele não há atributo. A

exemplo dos gramáticos gerais, o autor vê a concordância como uma manifestação da

relação de identidade. No capítulo intitulado Syntaxe da Concordância, o autor

evidencia sua filiação aos princípios filosóficos urdidos pelos pensadores e educadores

do monastério jansenista de Port-Royal, como se pode atestar no seguinte excerto:

Concordancia he a conformidade dos signaes, que o uso instituio para

indicar as correlações das ideas, com estas mesmas correlações. Para haver

conformidade he preciso que haja humas partes que se conformem, e outras a

que as mesmas se conformão. As partes a que as mesmas se conformem, são

sempre as principais, e as que figurão no discurso em primeiro lugar. Tal he em

qualquer proposição o seu sujeito [...].

O fundamento de todas estas concordancias he a identidade. A

identidade, digo, da idea do attributo com a do sujeito, e das ideas adjectivas e

accessorias com as de hum e outro; a identidade das proposições que fazem

parte de hum todo com o todo mesmo [...].

O fundamento desta identidade consiste em humas ideas se incluirem

nas outras. A idea accessoria do attributo da proposição inclue-se na do sujeito

da mesma; alias não se poderia affirmar delle [...]. (BARBOZA, 1830, p. 370)

Barboza nomeia e discorre sobre dois tipos de concordância, a concordância

regular e a irregular. A regular seria “aquella em que as partes concordantes

correspondem exactamente áquellas, com quem concordão, sem ser necessario fazer

supplemento algum” (BARBOZA, 1830, p. 372). É chamada de regular porque os

termos da oração que se relacionam se harmonizam. As terminações de uma palavra

concordam com as de outras palavras sem haver conflito de flexão entre elas. Ele trata

conjuntamente a concordância verbal e nominal, elencando uma série de regras

28

regulares. Entre as regras regulares de concordância verbal, a regra II afirma que “Todo

o verbo da proposição concorda em numero e em pessoa com o sujeito da mesma, claro,

ou occulto; ou seja hum nome próprio, Deos he justo” (BARBOZA, 1830, p. 373).

Além dessa regra geral, ele trata da concordância quando o sujeito é um pronome

relativo e quando o verbo é uma forma do infinitivo.

Sobre a concordância irregular, diz o autor:

Ha discordancias apparentes, em que por huma parte o adjectivo parece

discordar do seu substantivo, ou em genero, ou em numero, ou em tudo isto; e

por outra o verbo parece discordar do seu sujeito ou em numero, ou em pessoa.

Procede isto de que a concordancia não se faz então de palavra com palavra,

mas da palavra com huma idea. O entendimento obrigado da necessidade, e

auctorizado pelo uso, sem se ligar á terminação da palavra; liga-lhe outra idea

de differente genero, com a qual concorda; vindo assim a fazer huma

discordancia material e apparente para fazer huma concordancia real, porêm so

mental. A isto deram os grammaticos o nome de Syllepse ou Synthese, que

querem dizer Concebimento ou Combinação. (BARBOZA, 1830, p. 378)

Os casos de concordância irregular são tratados como silepse de número e de

pessoa. Porém, a aparente irregularidade é ‘transformada’ em regularidade, à medida

que a relação é concebida como um processo em que a concordância se faz de ideia para

palavra e não de palavra para palavra. Observa-se uma discordância formal, caso se leve

em conta apenas a palavra com a palavra a que se refere, mas, se for considerada a

palavra com o ‘querer dizer’, há uma concordância real. Entre os casos irregulares, o

autor inclui o caso dos sujeitos coletivos partitivos e gerais (multidão de artifícios,

muita sorte de gente etc.) que podem ter o verbo no plural ou no singular; sujeitos

compostos resumidos por tudo ou nada que têm o verbo no singular; o caso do verbo

haver no sentido de existir que deixa o verbo no singular; o caso de um e outro e

nenhum um nem outro que admite singular ou plural; o caso de eu e tu, eu e ele, ele e tu,

vós e nós que leva o verbo para o plural e para a pessoa do mais nobre (eu sobre tu e ele,

tu sobre ele e nós sobre vós).

Reencontra-se na abordagem da concordância verbal por Jeronymo Soares

Barboza muitas das regras hoje vigentes, como, por exemplo, aquela que diz que se o

sujeito composto incluir o pronome “eu”, o verbo deverá ir para a primeira pessoa do

plural e aquela que diz que sujeitos compostos sintetizados por “tudo” ou “nada”

demandam verbo no singular. É perceptível, pois, a semelhança entre o tratamento que

29

os gramáticos contemporâneos dispensam à concordância e o sistema metódico de

regras proposto por Barboza, no que diz respeito ao ideal da correção linguística e à

postura normativa ante à fala e à escrita.

Até a metade do século XIX, o que se encontrava no Brasil eram modelos de

gramáticas portuguesas e nenhum trabalho específico voltado para a língua portuguesa

falada no Brasil. Porém, a partir do final do XIX, os estudos linguísticos, em solo

brasileiro, começam a desejar uma autonomia em relação à gramática do português de

Portugal e ao modelo filosófico inspirado pela gramática de Port-Royal.

Já na década de 1880, Fausto Barreto organizou guias para o “Programa de

Português para Exames Preparatórios”, que rompia com a gramática filosófica

portuguesa. Deste manual, surgiram as duas gramáticas brasileiras mais importantes da

época: a gramática de Júlio Ribeiro e a de João Ribeiro.

1.4 JÚLIO RIBEIRO

Júlio Ribeiro é um dos principais nomes da gramática portuguesa no Brasil do

século XIX. Por mais que defendesse que sua gramática era descritiva e não normativa,

quando ele coloca que “Ouvindo bons oradores, conversando com pessôas instruidas,

lendo artigos e livros bem escriptos, muita gente consegue fallar e escrever

correctamente” (RIBEIRO, [1881] 1911, p. 7), ele evidencia sua postura normativa,

conquanto não acredite que a gramática seja o instrumento de aprendizagem da

linguagem correta, mas sim a exposição a bons exemplos. Nisso, ele parece adiantar em

mais de um século as ideias de linguistas acerca do ensino-aprendizagem de línguas,

privilegiando os usos e não a reflexão metalinguística.

A grammatica não faz leis e regras para a linguagem; expõe os factos della,

ordenados de modo que possam ser aprendidos com facilidade. O estudo da

grammatica não tem por principal objecto a correcção da linguagem. Ouvindo

bons oradores, conversando com pessôas instruidas, lendo artigos e livros bem

escriptos, muita gente consegue fallar e escrever correctamente, sem ter feito

estudo especial de um curso de grammatica (RIBEIRO, [1881] 1911, p. 7).

O autor divide sua Grammatica Portugueza em duas partes: Lexeologia (estudo

das palavras) e Syntaxe (estudo das relações entre as palavras), esta última subdividida

30

em Lexica e Logica. Por mais que a proposta tenha sido separar o estudo da palavra

daquele das relações entre as palavras, a Syntaxe acaba sendo uma extensão da

Lexeologia). É na parte dedicada à Syntaxe, mais precisamente no parágrafo 12, que o

autor trata da concordância do verbo com o sujeito, apresentando a regra geral (539) e

alguns casos especiais (540-556), conforme quadro de síntese a seguir;5

RCV segundo Julio Ribeiro (1881) Exemplos

539. O verbo concorda com o sujeito em

numero e pessoa.

Com verbos que significam “sufficiencia,

abastança, carencia, falta” viola-se ás vezes

esta regra.

Eu sou estimado; Nós temos dinheiro; Elle é

pobre; Ellas são ricas (p. 301).

Falta muitos dias para os exames (p. 302).

540. O verbo na voz passiva também

concorda em genero com o sujeito.

Não apresenta exemplos (p. 302).

541. Uma sentença, um membro ou uma

clausula de sentença, uma phrase qualquer

que sirva de sujeito, exige o verbo no singular.

É verdade que somos ricos (p. 302).

542. Quando uma sentença tiver dous sujeitos,

um da primeira pessôa e outro da segunda ou

da terceira, irá o verbo para a primeira do

plural.

Eu e tu ficaremos (p. 302).

543. Quando uma sentença tiver dous sujeitos,

um da segunda pessôa do singular e outro da

terceira, irá o verbo para a segunda do plural.

Tu e ella passais bem (p. 302)

544. Quando numa sentença concorrerem

dous ou mais sujeitos, todos de terceira pessoa

do singular, irá o verbo, ou para a terceira

pessôa do plural a concordar com todos, ou

para a terceira do singular a concordar com

cada um de per si.

A justiça e a providencia de Deus onde estão?

Onde está justiça e a providência de Deus? (p.

302).

545. Se o sujeito for collectivo geral + de +

substantivo no plural, o verbo fica no singular

concordando com o coletivo.

O exercito dos aliados ficou inteiramente

derrotado (p. 302).

546. Quando o sujeito é um collectivo geral

só, ou seguido da preposição ‘de’ e de um

substantivo singular, o adjectivo e o verbo

ficarão no singular, concordando com o

colecttivo, ou irão para o plural concordando

com um substantivo que represente todos

indivíduos comprehendidos na colleção.

Ditosa gente que não é maltratada ou que não

são maltratadas de ciumes (p. 303)

547. Quando o sujeito é um collectivo

partitivo seguido da preposição ‘de’ e de um

substantivo no plural claro ou occulto, o

adjectivo e o verbo devem empregar-se no

plural.

A maior parte dos homees são analphabetos.

5 RCV=Regras de Concordância Verbal

31

Mais de um (verbo no singular ou no plural)

Mais de + numeral no plural (verbo no plural)

Mais de um é rico.

Mais de um são ricos.

Mais de dous são ricos.

Mais de mil estão em armas. (p. 303).

548. Quando dois ou mais sujeitos estão

separados por e, nem, ou, póde-se empregar o

verbo no singular, concordando com cada um,

ou no plural concordando com todos.

Nem a caça nem a pesca o diverte ou

divertem.

Ou a caça ou a pesca o diverte ou divertem.

(p. 303)

549. Se ou indicar alternativa excludente, o

verbo fica no singular.

Ou o pae ou o filho sera eleito presidente. (p.

303).

550. Se ou ligar pronomes pessoais

diferentes, o verbo vai para o plural,

concordando com a pessoa que tiver

prioridade.

Desta vez ou eu ou tu seremos presidente da

camara. (p. 303).

551. Quando um sujeito se liga a outros pela

preposição com, póde-se empregar o verbo no

singular ou no plural.

Mas se o verbo precede o primeiro sujeito,

usa-se singular.

O general com seus soldados padecia ou

padeciam grande fome.

Padecia o general com os seus soldados

grande fome (p. 304).

552. Quando o sujeito é um e outro ou nem

um e nem outro, póde-se empregar o verbo no

singular ou no plural.

Um e outro é meu irmão.

Um e outro são meus irmãos. (p. 304).

553. Tudo e nada depois de muitos sujeitos

continuados levam o verbo para o singular

Jogos, espetaculos, nada o tirava de seu retiro

(p. 304).

554. Isso e tudo, tendo depois de si, como

predicados, substantivos no plural, levam o

verbo para o plural.

Isso são boatos sem fundamentos (p. 304).

555. Quando o pronome conjuntivo que é

antecedido de um pronome pessoal, o verbo é

sempre da mesma pessoa.

Se em vez de que for quem, o verbo vai para a

terceira pessoa do singular.

Sou eu que tenho.

Somos nós que temos.

Sou eu quem tem.

Somos nós quem têm. (p. 304).

556. Quando o predicado do verbo ser é um

substantivo acompanhado de que, o verbo

seguinte pode concordar em pessoa com o

sujeito desse verbo ser ou com o predicado,

devendo-se com tudo preferir a concordância

com o sujeito.

Eu sou um homem que ainda não vendi a

consciencia.

Eu sou um homem que ainda não vendeu a

consciencia.

(p. 305).

Observando a abordagem de Ribeiro à concordância verbal, nota-se a postura

categórica que desconsidera as variações gramaticais inerentes à língua, visando

somente a um ideal linguístico, o uso dito correto. A postulação de normas invariáveis

marca-se linguisticamente pelo uso de verbos como ‘exigir’ e ‘dever’ e pelo modo

indicativo, sobremaneira, o presente. Reencontra-se em Júlio Ribeiro alguns dos casos

de concordância apresentados por Jeronymo Soares Barboza, como é o caso da

dominância da primeira pessoa sobre a segunda e a terceira e da segunda pessoa sobre a

terceira para efeito de concordância e flexão do verbo, instaurando já a tradição

32

intertextual que acabaria por timbrar a história das gramáticas da língua portuguesa. O

ciclo da repetição não cessa mais de se fazer – reencontra-se o conjunto de regras

proposto por Ribeiro em muitos gramáticos brasileiros que o sucederam, inclusive em

alguns contemporâneos.

1.5 JOÃO RIBEIRO

João Ribeiro, em Grammatica Portugueza, afirma que “a grammatica é a

coordenação de fórmulas, leis ou regras segundo as quaes uma lingua é falada ou

escripta” (RIBEIRO, [1887] 1889, p. 1). Sua gramática inscreve-se na tradição aberta

por Jeronymo Soares Barboza no tocante à filiação aos princípios das gramáticas gerais,

tanto é que a unidade nuclear da sintaxe é referida por ele como proposição e não como

oração ou período. Para ele, a proposição, a exemplo dos lógicos, é “um agrupamento

de palavras formando um juízo” e compõe-se de “dous elementos capitaes e

indispensaveis: sujeito e predicado”, sendo o sujeito “o ser de que se affirma alguma

coisa” e o predicado “aquillo que se afirma do sujeito” (p. 213). De acordo com o autor,

as relações de concordância entre os termos capitais são de duas espécies: “relação do

sujeito com o verbo” e “relações do completivo ou attributo com o sujeito” (p. 225 a

227). Como o foco deste estudo é a concordância verbal, apenas as relações do sujeito

com o verbo serão aqui examinadas e sintetizadas no quadro a seguir, uma vez que as

relações do atributo com o sujeito pertencem à concordância nominal.

RCV segundo João Ribeiro (1887)

(p. 225-227)

Exemplos

Regra geral: o verbo concorda em numero e

pessoa com o sujeito.

As casas são altas

Os espartanos respeitavam a velhice.

Eu amo a virtude. (p.225)

Sujeito collectivo: o verbo fica no singular se

o collectivo é geral e póde ir para o plural se o

collectivo é partitivo.

Ha casos especiaes em que esta regra soffre a

violação do uso. Quando a acção do verbo só

pode ser attribuida á collecção e não

separadamente aos indivíduos, o verbo

concorda com o collectivo:

O exercito dos Persas invadiu a Grecia.

A maioria dos gregos pediam a paz. (p.225 e

226).

Um trôço de soldados enchia o primeiro

pavimento do edificio. (p. 226).

Sujeitos unidos por e presente ou não: o

verbo vai para o plural

A lua e o sol são astros.

Marte, Venus, a Terra são planetas (p.226)

Quando os sujeitos são de pessoas Eu e meu pai estamos doentes.

33

differentes, o verbo no plural concorda com a

pessoa que tiver prioridade. A segunda pessoa

tem prioridade sobre a terceira; e a primeira

sobre todas as outras.

Estas regras soffrem as seguintes

modificações, quando:

a) Quando os sujeitos representam a

mesma cousa ou pessoa, o verbo fica

no singular:

b) Quando os sujeitos representam

gradação de uma idéa, o verbo fica no

singular:

c) Quando a enumeração fica reduzida

por outra palavra:

Tu e Tullia estaes bons.(p.226)

A dôr, o pezar envelheceu-o.

Seu filho e successor subiu ao throno um anno

depois. (p.226)

Uma palavra, um olhar, um gesto basta para

denuncial-o. (p.226)

As flôres, as arvores, os rios, tudo se illuminou

com os raios do sol. (p.227)

Sujeitos unidos por nem: quando o verbo só

se refere a um com exclusão de outro, o verbo

fica no singular:

Quando o verbo se refere á totalidade dos

sujeitos, o verbo vai para o plural:

Nem você, nem elle sera nomeado.

Nem Ulysses, nem Achilles estiveram em Lisboa.

(p.227)

Sujeitos unidos por com: o verbo em geral

fica no singular:

Não obstante, quando os sujeitos cooperam

todos no mesmo gráo para o fim da acção, o

verbo póde ir para o plural:

Napoleão com os francezes venceu a Europa.

O velho com o moço iam de mãos dadas.

O tigre com o leão ganhavam dinheiro nas

praças. (p.227)

Em outro momento de sua Grammatica Portugueza, João Ribeiro trata das

dificuldades de concordância. Principia a seção relembrando as três regras gerais, ou

seja, “os princípios lógicos” que norteiam a concordância e, depois, lista as exceções a

eles:

As grandes difficuldades que realmente existem na syntaxe de concordancia

resultam de que nem sempre os factos observados se acham de acordo com os

principios geraes da logica comum.

Os principios logicos que se referem á concordância do verbo com o sujeito, e

do adjectivo com o substantivo, são os tres seguintes:

1º Dous ou mais sujeitos equivalem a um sujeito do plural. Pedro e Antonio

estão doentes.

2º Dous ou mais substantivos de diferentes generos equivalem a um substantivo

masculino do plural. A gloria e o saber são cobiçados.

3º Em concurrencia de varias pessoas, a segunda é preferido a terceira e a

primeira a todas as outras. Tu e Pedro não dormistes. Pedro e eu dormimos.

(RIBEIRO, 1889, p.262)

34

As quatorze exceções a essas três regras elencadas por João Ribeiro mesclam

casos de concordância verbal e nominal. Aqui apenas as exceções às RCV serão

consideradas.

Excepções às RCV segundo João Ribeiro

(1887) (p. 262-265)

Exemplos

Fórmas neutras como sujeito, é admissível o

verbo no singular:

Isto e o que veio depois trouxe a esperança

aos naufragos. (p. 262)

Os infintivos, substantivadamente como

sujeitos, representam fórmas neutras, por isso

seguem a regra antecedente:

Usando do artigo, é preferivel a concordancia

logica:

Comer, andar, e dormir é proveitoso á saude.

(p. 262)

O comer, o andar, e o dormir são proveitosos

á saude. (p. 262)

Qualquer numero de proposições subor-

dinadas pelo annunciativo que, concordam em

singular:

Não é admissivel que o crime seja

commettido e que o criminoso viva impune.

(p. 262)

As excepções ou regras anteriores são

violadas quando o attributo da proposição

exprime reciprocidade:

Dormir e aprender são cousas incompativeis.

(p.262)

O verbo quando precede a varios sujeitos do

singular, póde pôr-se no singular:

Exceto, quando os sujeitos são pessoas:

Veio a chuva, o trovão e a tempestade.

Vieram Julio e Antonio e não Veio Julio e

Antonio. (p.263)

Quando o verbo está collocado entre varios

sujeitos, o que é raro, a concordancia se faz

com o sujeito com o qual se expressa o verbo.

A causa da religião nos leva, e a do nosso rei,

a conquistar regiões desconhecidas. (p.263)

Quando occorre um collectivo do singular

modificado por um complemento regido de

de, o verbo vae para o plural :

Nasceram-lhe pelo corpo uma especie de

ulceras.

Parte dos prisoneiros foram massacrados.

Um numero consideravel de indios

pereceram. (p. 263)

Ha um caso notavel de syllepse em que se

reproduz no plural uma idéa que foi exposta

no singular.

Não compres livro sómente pelo titulo, ainda

que pareçam bons, são muitas vezes

péssimos. (p. 263 e 264)

O verbo ser só constitue predicado quando

vem com o attributo : é bom, é principe, etc.

Por isso, muitas vezes o verbo concorda com

o predicado:

Tudo eram flôres.

O que elle tinha eram febres. (p. 264)

Ha certos casos em que uma phrase póde ter

dous sujeitos de diversos numeros, e então a

concordancia é arbitraria.

Quando porém o sentido determinar

exctamente o sujeito verdadeiro, a

concordancia não póde ser arbitraria.

Deve-se promulgar as leis ou devem-se

promulgar as leis.—No primeiro caso, o

sujeito é promulgar, no segundo, as leis.

Quer-se inverter as leis, e nunca querem-se

inverter as leis. Neste caso, é evidente que o

unico sujeito possivel é inverter.

(p. 264)

Os nomes geographicos do plural, quando

significam uma unidade, rio, cabo, monte ou

Campos é proximo do Rio.

Buenos-Aires está na embocadura do Prata.

35

povoação, figuram como singular:

Ha excepção quando os nomes exprimem

collectividade de montanhas, paizes etc.

Os Estados-Unidos de novo fizeram a paz.

Os Andes de sul a norte marginam o littoral

do Oceano Pacifico.

Os Alpes nevam. (p. 264)

João Ribeiro dedica uma lição especial (XXXVIII) à concordância de haver no

sentido de existir. Se uma frase como ‘Há homens’ (com haver no singular – impessoal)

equivale a ‘Existem homens’, com homens funcionando como sujeito de existem,

forçoso é considerar que também em ‘Há homens’, homens é o sujeito de há e que a

falta de concordância entre sujeito e predicado nesse caso constitui um idiotismo

sintático do português. Contudo, o gramático defenderá a tese de que ‘Há homens’

equivale a ‘Tem homens’ (e não a ‘Existem homens’), com homens exercendo a função

de complemento direto do verbo haver no sentido de ter, e estando o sujeito elíptico (O

mundo tem homens). Ribeiro apoia-se no étimo latino habere e no francês avoir, ambos

também significando ter (Il y a des hommes). Restitui-se, dessa forma, a regra geral de

concordância verbal, segundo a qual o verbo concorda com o sujeito em número e

pessoa.

A syntaxe do verbo haver constitue o que se poderia chamar idiotismo

da lingua, como já tem sido denominado. Mas a syntaxe daquelle verbo por

mais anomala que pareça acha-se sufficientemente explicada. Nas phrases: Ha

homens.; Houve occasiões.; Haverá votos ?.

Para os que sustentam a opinião de que o verbo haver significa existir,

aquellas sentenças interpretam-se do seguinte modo: Existem homens.;

Existiram occasiões.; Existirão votos ?.

Neste caso é forçoso admittir que homens, occasiões, votos, são

verdadeiros sujeitos, que escapam á concordancia grammatical, constituindo

desta arte um idiotismo syntactico.

——

A etymologia do verbo haver, porém, indica que a fórma primitiva no

latim era habere e significava ter.

Ora, o verbo avoir é derivado de habere, como devoir, de debere.

D’ahi se conclue que se deve interpretar o verbo haver com a significação de

ter: Ha homens = tem homens.; Houve dias = teve dias.; Haverá votos = terá

votos.

Assim interpretada desapparece a discordancia e os termos homens,

dias, votos serão considerados complementos directos do verbo haver = ter,

cujo sujeito é elliptico:; O mundo tem homens.; O tempo teve dias.; A

sociedade haverá votos (RIBEIRO, 1889, p.265 e 266).

Além do verbo haver, também o pronome ‘se’ apassivador é comentado em

seção exclusiva. Já naquela época a concordância verbal na passiva sintética era um

36

problema. Nesse caso, Ribeiro defende a doutrina de que o se é realmente um pronome

apassivador e não o sujeito, como afirmam alguns gramáticos. A interpretação do se

como sujeito seria um galicismo sintático (o se seria equivalente ao on existente no

francês) e, como tal, constitui um vício de linguagem. Para o autor, “esta explicação

violenta contraria a historia da língua em todos os seus periodos e até ao latim onde o

se, caso obliquo, não poderia ser sujeito do verbo finito”. Assim, na condição de

pronome apassivador, leva o verbo para o plural quando o objeto plural da voz ativa

passa a funcionar como sujeito na voz passiva. Diz o autor:

A lingua portugueza construe uma voz média passiva com o reflexivo

se: Fizeram-se casas.; Preparou-se a terra.; Escreviam-se cartas. Esse systema

representa uma voz passiva, que seguiu a tradição do processo latino: amor =

amo-se. Ainda na lingua antiga nota-se a syntaxe pura da passiva com o se e o

complemento causal: As cartas escreveram-se por elle (Foram escriptas por

elle.).

Por influencia da lingua franceza, pela analogia ideologica que existe

entre on dit e diz-se, a syntaxe franceza introduziu-se na lingua e houve

escriptores que empregaram a syntaxe: Diz-se cousas (Dizem-se cousas). Os

defensores desse gallicismo syntactico procuram explicar a dificuldade

considerando como sujeito o pronome se.

Esta explicação violenta cantraría a historia da língua em todos os

seus periodos e até ao latim onde o se, caso obliquo, não poderia ser sujeito do

verbo finito.

No francez: on dit, o vocabulo on (homo) é um nominativo e póde ser,

como é effectivamente, o sujeito. Semelhante doutrina, porém, não póde ser

applicada á lingua portugueza. (RIBEIRO, 1889, p.267- 268)

Como Júlio Ribeiro, João Ribeiro elenca normas categóricas de concordância

verbal. As variações gramaticalmente admitidas são aquelas correlacionáveis a sujeitos

semanticamente plural, mas formalmente singular. Contudo, diferentemente de Júlio

Ribeiro, João Ribeiro pauta seu tratado da concordância pelos “princípios gerais da

lógica comum” e apresenta explicações históricas pertinentes sobre alguns casos

aparentemente dificultosos, como o do verbo haver e o da passiva sintética. O uso do

presente do indicativo, da forma auxiliar pode/não-pode e de termos lexicais como

‘sofrer modificações’ e ‘violar regras’ (com sentidos negativos) indicia a postura

normativa do gramático em detrimento da postura descritiva.

Nos tratados sobre concordância verbal de Júlio Ribeiro e João Ribeiro,

reencontram-se muitas das regras familiares àqueles que manuseiam e seguem as

gramáticas em circulação ao longo do século XX, dentre elas as de Eduardo Carlos

37

Pereira e Said Ali, na primeira metade do século, e as de Rocha Lima, Evanildo Bechara

e Celso Cunha, na segunda metade.

38

CAPÍTULO 2

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS GRAMATICAIS DO SÉCULO XX

No Capítulo 2, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal

realizados por gramáticos da língua portuguesa situados na primeira metade do século

XX, mais precisamente, Eduardo Carlos Pereira (1907) e Said Ali (1923). Certamente,

há outros gramáticos nesse período, porém, a escolha desses dois deve-se ao fato de eles

serem as grandes referências para Rocha Lima (1957), Evanildo Bechara (1961) e Celso

Cunha e Lindley Cintra (1970), matéria do terceiro capítulo.

2.1 EDUARDO CARLOS PEREIRA

Na sua “Grammatica Expositiva”, Eduardo Carlos Pereira afirma que “A

concordancia é o processo syntatico pelo qual umas palavras mudam de flexão para se

pôrem de accordo com o genero, numero e pessoa de outras a que se referem”

(PEREIRA, 1907, p. 208). Ele identifica quatro tipos de concordância: do verbo com o

sujeito, do predicado nominal e pronominal com o sujeito, do adjetivo com o

substantivo e do pronome com o nome a que se refere. Diferentemente de Júlio Ribeiro

e João Ribeiro, que criam a maioria dos exemplos com que ilustram as regras de

concordância, Eduardo Carlos Pereira busca aboná-las com exemplos de escritores

abalizados pelo classicismo, principalmente pelos “mestres do moderno classicismo” (p.

II), como Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho. Além deles, o

gramático recorre, para abonar sua doutrina, a escritores como Luiz de Camões, Pe.

Antonio Vieira, Camillo Castelo Branco, Frei Luiz de Souza, Gonçalves Dias etc., num

gesto de quem assume que é a escrita clássica, não qualquer escrita, que deve pautar o

uso da língua.

Apesar de o gramático identificar quatro tipos de concordância, apenas a verbal

– concordância do verbo com o sujeito – será aqui abordada. A regra geral é assim

explicitada e exemplificada por ele em fac-símile:

39

(PEREIRA, 1907, p. 208)

Entre as regras especiais, Pereira (1907, p. 208-215) enumera as seguintes:

p. 209

(p. 209)

(p. 209)

(p. 210)

40

(p. 210)

(p. 210 e 211)

(p. 211)

(p. 211)

41

(p. 211)

(p. 212)

(p. 212)

42

(p. 212)

(p.213)

(p. 213)

43

(p. 213)

(p. 214)

(p. 214)

44

(p. 214 e 215)

(p. 215)

(p. 215)

45

Carlos Eduardo Pereira assinala, na Grammatica Histórica, que a concordância,

no português e línguas irmãs, é uma herança latina, passando, contudo, por

transformações que a complicaram: “No portuguez archaico a concordancia gramatical

era, como no latim, simples; não tinha as subtis exigencias da lingua actual, o mecanismo

complicado da grammatica hodierna” (PEREIRA, 1935, p. 336). Por vezes, o autor

combina a história da língua com a lógica, conforme a Gramática de Port Royal, para

explicar a suposta ‘simplicidade’ da concordância no português arcaico e sua

‘complexidade’ no português moderno. Diz ele: “O latim e o portuguez archaico eram

mais sensiveis á acção logica do sujeito collectivo, do que o é a lingua actualmente

(PEREIRA, 1935, p. 337). O autor se refere aos desvios de concordância como

‘anomalias’. Uma delas seria a Sillepse – a concordância se dá com o sentido (que é

plural) e não com o vocábulo (que é singular), como se pode ler no excerto abaixo e no

exemplo “Compadecei-vos de toda esta gente que morrem de fome” (PEREIRA, 1907, p.

210):

(PEREIRA, 1907, p. 210)

Para ele, o uso facultativo do singular ou do plural, na verdade, não tem nada de

facultativo e sim de desatenção aos critérios lógicos ditados pelos sentidos. Por isso,

afirma Pereira (1907, p. 214), ao tratar da concordância do verbo com o sujeito formado

com ‘um de que’, ‘uma de que’, ‘um dos que’ e ‘uma das que’: “O singular ou o plural

do verbo podem ser de rigor conforme o sentido. Infelizmente nem sempre se cingem a

este criterio os bons escriptores”. Por exemplo, a frase “Eu sou um dos que pensam

desta maneira” tem como sentido: “Eu sou uma pessoa dentre as pessoas que pensam

desta maneira”. Já a frase “Eu sou um dos que pensa desta maneira” tem como sentido:

“Eu sou dentre as pessoas presentes uma pessoa que pensa differentemente”. Dessa

forma, de acordo com a lógica, não haveria uso facultativo do singular ou do plural,

pois é o compromisso com a exatidão na expressão do sentido almejado que vai

determinar o uso de um ou de outro.

46

Predomina, assim, no tratamento que o autor dá à concordância, a postura

prescritiva, vis-à-vis o uso de termos e expressões que denotam a opção pelo ‘um’ e não

pelo ‘múltiplo’ como em: “registram casos auctorizados de descordancias”, “não é

digna de imitação a seguinte concordância de Fr. L. de Souza”, “melhor se fará a

concordancia no plural” e “esta concordancia no plural é de rigor”.

2.2 SAID ALI

Entre os gramáticos modernos, destaca-se Said Ali. Apesar de não ser

professor de língua portuguesa e sim de alemão, suas obras tornaram-se referência para

os estudos gramaticais de língua portuguesa, principalmente no domínio da sintaxe.

Said Ali tinha um vasto conhecimento gramatical das línguas europeias, principalmente

do latim. Conforme Mattoso Câmara, citado por Vieira (2011), “[...]Said Ali era avesso

ao purismo, pois empobrecia a expressão espontânea, além de ser opor à ideia de

obediência aos modelos de escrita dos clássicos dos séculos XVI e XVII, sob pena de

nos tornarmos contrários ao nosso tempo e aos costumes linguísticos da época”

No prólogo de sua Gramática Histórica, Said Ali assim descreve as diferenças

entre a língua falada e a língua escrita: “[...] nunca será a linguagem escripta, dada a sua

tendência conservadora, espelho fiel do que se passa na linguagem falada (ALI, 1921, p.

IV). Contudo, a chamada língua vulgar, falada pelo povo e repelida pelos que dizem

usar a norma culta, é, com o tempo, assimilada pelos usuários que, a princípio, a

rechaçam. A incorporação ocorre, primeiro, na fala espontânea, tornando legal o que até

então era segregado. Segundo o autor, a literatura é a última instância a ser afetada pela

norma vulgar, mas a primeira a validar, na escrita, a língua usada pelo povo. Na visão

de Ali, esse seria o processo que resultou no português moderno.

Surge a inovação, formulada acaso por um ou poucos indivíduos. A gente culta

e de fina casta repele-a, a princípio, mas com o tempo sucumbe ao contagio.

Imita o vulgo, se não escrevendo com meditação, em todo o caso no trato

familiar e falando espontaneamente. Decorrem muitos anos, até que por fim a

linguagem literária, não vendo razão para enjeitar o que todo mundo diz, se

decide também a aceitar a mudança. Tal é, a meu ver, a explicação não somente

de factos isolados, mas ainda do aparecimento de todo o portuguez moderno

(SAID ALI, 1921, p. IV).

O autor vê a concordância como um fenômeno de redundância na língua

portuguesa. Explica que, em algumas línguas, a exemplo do inglês, não há

47

concordância, flexões entre palavras sintaticamente correlacionadas, diferentemente do

que ocorre com o português. Na Gramática secundária da Língua Portuguesa (1923),

Said Ali aborda a concordância sem distinguir a nominal da verbal. Assim, na longa

seção dedicada ao assunto, vai entremeando casos de concordância verbal e nominal.

Por exemplo, ao tratar da concordância verbal com sujeito composto (que ele designa

como múltiplo), trata também da concordância nominal entre o qualificativo adjunto a

vários substantivos. O exemplário usado pelo gramático mistura frases extraídas de

nomes consagrados da literatura portuguesa, como Camões, Herculano, Pe. Vieira, Frei

Luís de Sousa, Manoel Bernardes com frases extraídas da linguagem cotidiana.

A seguir, serão elencadas as RCV, conforme Ali (1923, p. 205-219)

RCV segundo Said Ali (1923) Exemplos

Ao sujeito múltiplo (...) segue o verbo no

plural

A mãi e a filha entraram no carro.

Noto, Austro, Boreas, Aquilo queriam

arruinar a machina do mundo (Camões). (p.

205)

Sendo o sujeito constituído por duas

expressões no singular ligadas pela partícula

e, e servindo a segunda para completar,

esclarecer ou reforçar o sentido da primeira,

irá o verbo para o singular

Triste ventura e negro fado os chama neste

terreno meu (Camões). (p. 205)

Se as duas expressões ligadas por e designar

um ser único, o verbo se conservará

evidentemente no singular.

O ladrão e assassino foi condemnado á morte.

(p. 205)

Enunciando-se primeiro o verbo e depois os

diversos sujeitos do mesmo número singular,

o verbo pode empregar-se tanto no plural

como no singular, concordando neste caso

com o mais próximo.

Sahiram (sahiu) Pedro e Paulo.

Ouviu-o o Douro e a Terra trastagana

(Camões).

Cobrem ouro e aljofar ao velludo (Camões).

(p. 205 e 206)

Concorrendo como substantivos de números

differentes, o verbo que se lhes segue toma a

forma do plural; enunciando-se porém o verbo

antes dos sujeitos, poderá elle ficar no

singular, comtanto que também esteja no

singular o sujeito mais próximo.

O dinheiro e as jóias ficaram na gaveta.

Desappareceu o explorador e todos os seus

companheiros. (p. 206)

Sujeitos pronominais: eu/tu, nós/vós, elle

Achando-se entre os sujeitos ligados pela

conjunção e o pronome eu ou nós, o verbo se

usa na 1ª. pessoa do plural. Ocorrendo entre

os ditos sujeitos tu ou vós, e não havendo

nenhum de 1ª. pessoa, o verbo irá, por via de

regra, para a segunda pessoa do plural.

Algumas vezes, porém, desrespeitam os

escriptores esta regra, fazendo a concordância

com o sujeito mais próximo por ser a idéa

principal.

Eu e elle assim pensamos.

Tu e elles sabeis a historia.

Desejo que tu e quantos me ouvem se tornem

taes qual eu sou (Arrais).

Tu e outros velhacos da tua laia lhe

48

OBSERVAÇÃO: na linguagem corrente de

hoje, sendo desusado o tratamento vós, e

desusada portanto a forma verbal respectiva,

fala-se segundo os exemplos de Arrais e

Herculano que acabamos de citar.

estorroaram na cara lixo e terra (Herculano).

(p. 207)

Sujeitos unidos por com

Ligando-se a um sujeito no singular outro no

singular ou no plural, e empregando-se para

este effeito a palavra com em substituição da

partícula e, o verbo desde que venha depois,

usa-se no plural.

ElRei com a rainha Dona Isabel sua mulher

entraram. (D. de Goes). p.207

Sujeitos unidos por ou

Servindo de sujeito multiplo differentes

substantivos no singular, entre os quaes venha

a partícula ou com valor de alternativa, e não

devendo o predicado referir-se senão a um dos

sujeitos, com exclusão dos restantes, a

concordancia faz-se no singular:

Se, empregada a alternativa ‘ou’, o verbo

tanto pode referir-se a um dos sujeitos com a

todos elles, a concordância faz-se no plural:

Se o segundo termo, precedido de ‘ou’ se

enuncia como que estendendo parentheti-

camente o caso a outro indivíduo, a

concordancia faz-se com um sujeito só:

Repetindo-se depois de ‘ou’ a palavra

precedente, porem no plural, para denotar que

se admitte retificação de número, o verbo

concordará com o termo mais próximo, isto é,

no singular se vier antes dos dous sujeitos e

no plural se vier depois:

Deus ou o demônio torceu-te os desígnios

(Herculano). p. 208

As penas que S. Pedro ou seus sucessores

fulminam contra os homens (Vieira). p. 208

Um cardeal, ou um papa, emquanto homem,

não é mais do que uma pessoa (Bernardes). p.

208.

O poder ou os poderes eram sobre todos os

peixes (Vieira), p. 208

Nenhum vestígio de sua presença deixou o

autor ou os autores do crime. p. 208

Concordância com verbo ser

Nas definições e frases denotadoras de

equivalência, em que se emprega o verbo ‘ser’

entre dous substantivos de números

differentes, o verbo concorda geralmente com

o termo que estiver no plural:

Em clássicos portuguezes encontram-se não

raro exemplos de concordancia com o

substantivo no singular. É linguagem menos

usada hoje, como neste exemplo:

Nas orações constituídas por um dos

pronomes tudo, isso, isto, aquillo, verbo ‘ser’

e substantivo no plural, o verbo toma a forma

plural:

O geral vestido de todos são pannos de

algodão. p. 209

As insígnias de seu estado real é uma enxada.

p. 209

Tudo eram armas de fogo.

Aquillo não são vozes, são ecos do coração. p.

209

49

Nas frases de identificação em que um dos

termos é substantivo, e o outro um pronome, o

verbo ‘ser’ concorda em número e pessoa com

o pronome:

Usam-se com verbo no singular as locuções é

muito, é pouco, é mais de, é menos de, junto a

especificação de preço, peso, medida,

quantidade etc.

Na determinação de horas, datas, distâncias o

verbo ser concorda com a expressão

numérica:

As victimas fomos nós.

O director sou eu.

Nas minhas terras, o rei sou eu. p. 210

Trinta mil réis é mais do que eu posso pagar.

Cinco kilometros é pouco. p. 210

São três horas em ponto.

É uma hora.

Hoje são dez do mez. (p. 215)

Sujeitos ligados por nem

Com o sujeito múltiplo formado de

substantivos precedidos da conjunção ‘nem’

emprega-se o verbo geralmente no plural:

Querendo-se todavia por em relevo que a

mesma ação se repete para cada um dos

sujeitos successivamente ou em épocas

differentes, dá-se ao verbo a forma singular,

desde que no singular estejam os diversos

sujeitos:

[...] a presença de eu ou nós exigirá o verbo na

1ª. do plural, a de tu ou vós (faltando o

pronome de 1ª. pessoa) pedirá o verbo na 2ª.

do plural:

Estando porém o verbo negativo antes dos

sujeitos de pessoas, faz-se a concordância

com o mais próximo:

Terminando a série negativa por um dos

pronomes indefinidos alguém, outrem,

ninguém, algum, outro, nenhum, referidos a

substantivo homem, segue-se-lhe o verbo na

3ª. pessoa do singular, embora na série se ache

algum sujeito da 1ª. ou da 2ª. pessoa:

O termo final da série negativa pode ser um

nome cuja significação abranja todos ou

algum dos sujeitos anteriores, vindo este

nome combinado com um dos indefinidos

algum, outro, nenhum. Ainda neste caso

costuma-se pôr o verbo seguinte no singular:

Quando o último termo da série negativa é

substantivo no plural precedido de algum

de..., nenhum dos..., algum dos outros...,

nenhum dos outros..., o verbo seguinte usa-se

no plural ou no singular:

Nem Abrahão, nem Jacob os conheceram.

(p. 210)

Até ahi nem o nome, nem a imagem de

Leonor me tinha passado pelo espirito

(Herculano). (p. 210)

Nem meu primo nem eu frequentamos a

sociedade.

Nem vós nem elle perdereis em tal negocio.

(p. 211)

Não seriam nem elles nem eu quem puzesse

esse remate (Herculano). (p. 211)

Nem eu nem ninguém tem annos nem dias (H.

Pinto). (p. 211)

Nem cão, nem gato, nem adibe, nem outro

bicho do mato chegou a pôr-lhe boca. (F. L.

de Sousa). (p. 211)

[...] nem mesmo Adão, nem algum de seus

descendentes chamou tal nome a Eva (Vieira).

(p. 211 e 212.)

Nem Lucas, nem algum dos outros

evangelistas dizem expressamente... (Vieira).

(p. 212)

50

Sujeito com a locução um e outro

Quando a locução um e outro com substantivo

no singular, claro ou subentendido, seve de

sujeito, o respectivo verbo, enunciado em

seguida, usa-se ora no singular, ora no plural.

É preferível o plural quando os seres a que se

refere um e outro se nos representam no

espírito como indivíduos ou entidades bem

distintas:

Sendo enunciado o sujeito pela negativa nem

um, nem outro, usa-se o verbo no singular:

Um e outro fizeram seus protestos e

requerimentos (D. do Couto). (p. 212)

Uma e outra coisa lhe desagrada (Bernardes).

(p. 212)

Nem um nem outro falou a verdade (F. L. de

Sousa). (p. 212)

Sujeitos resumidos por tudo, nada, ninguém

Sujeito múltiplo deixa de influir sobre a forma

do verbo desde que, depois de enumerados os

vários nomes ou pronomes, se emprega

recapitulativamente tudo, nada, ninguém. O

verbo concorda somente com o termo

recapitulativo:

Desta ultima regra se exceptuam aquellas

construções em que, fazendo uso do verbo

ser, o predicado é expresso por um

substantivo no plural:

O falso e o verdadeiro, a verdade e a mentira,

tudo passa (Vieira). (p. 213)

Pontos, coros e os mesmos comparsas, tudo

eram parentes ou amigos íntimos (Garret).

(p. 213)

Sujeito gente

A palavra ‘gente’ pede verbo no singular:

Nos Lusíadas e outras obras quinhentistas

ocorrem, entretanto, exemplos de

concordancia no plural, quando pela

interposição de outros dizeres, o verbo vem

afastado do vocábulo ‘gente’:

Esperam que a guerreira gente saia. (p. 213)

Vendo os nossos como a gente destas torradas

andavam nadando por se acolher á terra

(Barros). (p. 213)

Sujeitos com as expressões grande número

de..., grande multidão de..., grande

quantidade de...

[...] o verbo vai para o plural, concordando

com a noção de pluralidade que temos em

mente:

Um grande numero de velas branquejavam

sobre aguas do Estreito (Herculano). (p. 213)

Sujeitos com a expressão parte

[...] com a expressão parte, grande parte, a

maior parte, com um complemento formado

pela preposição de e um nome ou pronome

no plural (claro ou subentendido), o verbo se

emprega tanto no singular como no plural:

Se os dizeres grande número, grande parte,

parte, a maior parte, grande multidão, grande

quantidade, se referirem a nome collectivo no

singular, o verbo só se emprega na forma

singular:

A maior parte dos nossos usam de pão

amassado (Barros). (p. 214)

A maior parte de suas fazendas estava em

navegação (Barros). (p. 214)

Parte do exercito conseguiu atravessar o rio.

(p. 214)

51

Sujeitos com expressões cerca de, obra de,

perto de, passante de, mais de, menos de

Tais expressões antepostas a numero plural

para denotar quantidade aproximativa não

influem na concordancia do verbo que será no

plural:

Em certos casos, a synese (isto é, a

concordancia com a idéa que temos em

mente) permitte o emprego do verbo no

singular, como no seguinte exemplo, em que o

verbo concorda com a distancia, e não com as

unidades de léguas:

Morreram cerca de quinhentos homens.

Restaram menos de quinze exemplares. (p.

214)

Já lhe ficava atraz mais de cincoenta leguas

(Vieira). (p. 214)

Sujeito com mais de um

O verbo geralmente diz-se no singular:

Mais de um anno se passou. (p. 214)

Nas frases exceptivas expressas pela forma

negativa, em que se interpõe o verbo entre

não e senão, ou entre não e mais que, vindo

em seguida um nome que sirva de sujeito, o

verbo vai para o singular ou para o plural de

accordo com este termo:

Não escapou senão uma criança.

Não escaparam senão tres meninas. (p. 215)

Quando é sujeito de uma oração exclamativa

que de (equivalente de ‘multidão’) seguido de

substantivo, o verbo concorda com este

substantivo:

Que de famílias não vivem sem amparo! Que

de casas não ruíram! (p. 215)

Empregando-se é necessário, é preciso, é

bom, com sentido de é necessário ter, é bom

ter, é preciso ter, é bom usar, etc. ficam

invariáveis estas expressões, sendo o

substantivo que lhes juntar considerado

objecto directo de verbo ter, usar, etc. que

temos em mente:

É necessário muita paciência com os meninos.

É bom toda cautela (Castilho). (p. 215)

O verbo dar referindo-se ás horas que batem,

usa-se no singular quando vem claro o sujeito

‘relógio’; em caso contrário concorda com a

expressão numérica:

[...] o relógio deu dez pancadas (Herculano).

(p. 216)

Deram as oito horas (Herculano). (p. 216)

Com pronome de tratamento emprega-se o

verbo na terceira pessoa:

Vossa Excellencia anda muito occupado.

(p. 216)

O verbo haver, tomado na accepção de

‘existir’, diz-se no singular, embora venha

junto a um nome no plural:

OBSERVAÇÃO: O sentimento da linguagem

leva o povo e raros escriptores a empregar,

uma vez por outra, houveram pessoas,

haviam cores, por houve pessoas, havia

cores. Nunca, porém, se troca a forma

monosyllabica há por hão.

Havia no recinto quatrocentas pessoas.

(p. 217)

Sujeito pronome relativo que

[...] o verbo concorda com o termo

antecedente, sujeito ou objecto de outra

Nós, que éramos ricos, empobrecemos...

As mercadorais que não prestavam foram

52

ouração:

Sendo o dito antecedente de que um pronome

demonstrativo, o verbo da oração adjectiva

usa-se geralmente na 3ª. pessoa:

Se o antecedente do pronome que funcionar

como predicado do verbo ser, pode-se fazer a

concordancia com o sujeito deste verbo:

destruídas. (p. 218)

Aquelle que não quizer ficar pode retirar-se.

Os que mais falam são os que menos

trabalham. (p. 218)

Eu fui também o primeiro que mostrei o

engano (Castanheda). (p. 218)

Sujeito pronome relativo quem

[...] é costume hoje, entre as pessoas cultas,

pôr o verbo na 3ª. pessoa:

Logicamente, desde que se trata de

substituição, dever-se-ia continuar a por a

forma verbal em harmonia com o sujeito do

verbo ser. Desta prática que persiste na fala

do povo, ocorrem exemplos em Manuel

Bernardes, Filinto Elysio e Gonçalves Dias.

Fui eu quem escreveu a carta. (p. 219)

Não fui eu quem o privei della (F. Elysio).

(p. 219)

Sujeito com um dos que...

[...] via de regra vem com verbo no plural:

Há comtudo exemplos de attração em que se

usa o verbo no singular concordando com um:

Paulo é um dos que mais estudam. (p.219)

Uma das cousas que sempre agradou a Deus

(Vieira). (p. 219)

O tratamento que Said Ali dispensa à concordância verbal, como se pode

observar no quadro anterior, é bastante minucioso. Ele retoma praticamente os mesmos

casos apresentados por gramáticos que o precederam, mas os esmiúça em uma série de

subcasos. Como seus predecessores, fala interpelado pelo discurso normativo,

determinando o que é a regra geral em cada caso, mas não deixa de apresentar as

particularidades do caso em questão, essas sempre motivadas por razões semânticas. Por

exemplo, ao tratar da concordância do verbo com sujeitos contendo expressões como

cerca de, obra de, perto de, passante de, mais de, menos de, usadas para indicar

quantidade aproximada, o gramático afirma que elas não influenciam na “concordancia

do verbo que será no plural”, ilustrando com frases anônimas (Morreram cerca de

quinhentos homens. Restaram menos de quinze exemplares.). Porém, a apresentação

desse caso não cessa aí, ele apresenta um caso particular em que a concordância se faz

não com a quantidade explícita no sujeito, mas sim com alguma ideia subentendida

(argumento semântico). Diz Said Ali (1923, p. 214): “Em certos casos, a synese (isto é,

a concordancia com a idéa que temos em mente) permitte o emprego do verbo no

singular, como no seguinte exemplo, em que o verbo concorda com a ‘distancia’, e não

53

com as unidades de leguas: Já lhe ficava atraz mais de cincoenta leguas (Vieira)”.

Quando apresenta as particularidades de um caso, via de regra, o gramático recorre a

uma frase saída da pena de algum escritor consagrado, como Vieira, no exemplo acima

mencionado. Trata-se, pois, de validar a aparente discrepância com um argumento de

autoridade; nessas ocasiões as frases anônimas são deixadas de lado. Atitude semelhante

pode ser observada no tratamento do sujeito com ‘um dos que’ que, “via de regra vem

com verbo no plural”, exemplificado com a frase anônima “Paulo é um dos que mais

estudam”. A essa regra, Said Ali apresenta a seguinte discrepância: “Há comtudo

exemplos de attração em que se usa o verbo no singular concordando com um: ‘Uma

das cousas que sempre agradou a Deus’” (Vieira) (p.219). Novamente, a discrepância

vem assinada por nada menos que Vieira, como se fosse uma espécie de licença

literária. Aos falantes sem nome, caberia seguir a norma geral.

54

CAPÍTULO 3

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS GRAMATICAIS CONTEMPORÂNEOS

No Capítulo 3, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal

constantes de três gramáticas que circulam copiosamente na contemporaneidade:

Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Rocha Lima (1957), Moderna

Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara (1961) e A Nova Gramática do Português

Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (1970). Foram escolhidas por serem

as gramáticas mais conhecidas e frequentadas tanto no escopo das Letras quanto do

ensino de língua portuguesa nos níveis fundamental e médio. Ensaiar-se-á uma análise,

ainda que mínima, do discurso gramatical no que tange à concordância verbal.

3.1 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA

Entre os gramáticos mais citados contemporaneamente, figura certamente Carlos

Henrique da Rocha Lima, popularmente conhecido como Rocha Lima. Em 1957,

publicou a Gramática Normativa da Língua Portuguesa, hoje na 49ª. edição. Embora se

tratasse de uma gramática normativa, como o próprio nome indica, Rocha Lima, ao

menos quando conceitua língua, revela que não estava completamente alheio ao que se

passava no campo da chamada linguística moderna. Em vários momentos da

Introdução, observa-se o diálogo com as ideias de Saussure, apesar de não citar o

linguista explicitamente, como se pode atestar no excerto a seguir:

A LÍNGUA é um sistema: um conjunto organizado e opositivo de

relações, adotado por determinada sociedade para permitir o exercício da

linguagem entre os homens.

Fato social por excelência, é aquele acervo de sons, estruturas

vocabulares e processos sintáticos que a sociedade põe à disposição dos

membros de uma comunidade linguística (ROCHA LIMA, 2011, p. 36).

A concepção de língua como sistema, que inicia a corrente estruturalista da

linguística, é atribuída a Saussure. Foi ele quem, opondo-se ao pensamento

evolucionista, que pinçava fatos isolados da língua como alvo de estudos diacrônicos e

55

subsumia a tese de que as mudanças corrompiam as línguas até a morte, insistiu que,

tomadas sincronicamente, as línguas são sempre sistemáticas, sempre perfeitas para a

comunicação numa dada comunidade linguística. As mudanças, quando atingem o

sistema, são absorvidas por ele, produzindo uma ressistematização. Segundo Saussure,

um sistema se organiza mediante relações paradigmáticas e sintagmáticas.

No interior dos paradigmas, as unidades linguísticas se relacionam entre si por

oposição, por exemplo, no paradigma das consoantes do português, /b/ se opõe a /p/

pela presença do traço sonoridade, sendo a primeira <+ sonora> e a segunda <- sonora>.

Duas unidades ou traços de um mesmo paradigma não podem ocorrer num mesmo

espaço-tempo, pois são mutuamente exclusivos, ou seja, uma consoante do português

não pode ser <+ sonora / - sonora> ao mesmo tempo. Num sistema, as unidades não têm

existência própria, elas se definem uma em relação às outras por oposição. É, pois, essa

noção de oposição que parece ecoar na afirmação de Rocha Lima de que a língua é “um

conjunto organizado e opositivo de relações”.

Já as relações sintagmáticas, decorrentes da linearidade da linguagem verbal, são

responsáveis pela sucessão e combinação das unidades mínimas em unidades de níveis

cada vez mais elevados: combinação de fonemas para formar sílabas, de sílabas para

formar palavras, de palavras para formar locuções, de locuções para formar orações etc.

Por exemplo, todo falante de português, automática e inconscientemente, combina /p/

com /r/ e /a/ para formar a sílaba /pra/, mas não combina /p/ com /v/ e /a/ para formar a

sílaba */pva/, inexistente no repertório de sílabas de nossa língua. Certamente, Rocha

Lima pensava nas relações sintagmáticas ao se referir à língua como “acervo de sons,

estruturas vocabulares e processos sintáticos”, indo das unidades elementares – os sons

– para as combinações morfológicas – os vocábulos – e desses para os processos

sintáticos – as locuções, orações e períodos.

Assim, os falantes de uma língua selecionam unidades dos paradigmas e as

combinam sintagmaticamente segundo regras coletivizadas pela comunidade linguística,

daí o conceito de “fato social”, que Rocha Lima também busca em Saussure. No escopo

da linguística estruturalista, falar em regra é falar naquilo que é efetivamente seguido

pelos falantes e não naquilo que deve ser seguido. É-se levado a pensar que ao definir a

língua-comum, ou coiné, como “instrumento de comunicação geral, aceito por todos os

membros de uma coletividade para assegurar a compreensão da fala” (p. 37), Rocha

Lima estivesse aderindo ao sentido saussureano de ‘fato social’. Porém, nesse particular,

56

o gramático aparta-se diametralmente do pensamento estruturalista, reafirmando sua

posição normativa. Diz ele da gramática normativa:

É uma disciplina, didática por excelência, que tem por finalidade

codificar o “uso idiomático”, dele induzindo, por classificação e sistematização,

as normas que, em determinada época, representam o ideal da expressão

correta.

[...]

Fundamentam-se as regras da gramática normativa nas obras dos

grandes escritores, em cuja linguagem as classes ilustradas põem o seu ideal de

perfeição, porque nela é que se espelha o que o uso idiomático estabilizou e

consagrou.

Refiro-me, decerto, àqueles escritores de linguagem corrente, estilizada

dentro dos padrões da norma culta. Excetuam-se, pois, os regionalistas

acentuadamente típicos, assim como os experimentalistas de todos os matizes -,

por admiráveis que possam ser uns e outros. Esses últimos apreciam-se no

âmbito da estética literária, mas não se prestam a abonar fatos da língua-

comum. (ROCHA LIMA, 2011, p. 38 e 39)

Rocha Lima reassume a concepção de língua inerente ao discurso gramatical

normativo, reduzindo a língua à boa língua, aludida no excerto anterior por expressões

como: “o ideal da expressão correta”, “o ideal de perfeição”, “o uso idiomático”

estabilizado e consagrado, “os padrões da norma culta”. É bastante enfático ao nomear o

caráter disciplinador e didático da gramática normativa e sua função de transformar o

uso idiomático consagrado pelos grandes escritores, subtraídos regionalistas e

experimentalistas extremos que “não se prestam a abonar fatos da língua-comum”, em

um códice de normas a serem seguidas por todos. Ao falar dos exemplos abonadores

dos fatos linguísticos tratados em sua gramática, Rocha Lima enumera uma lista

considerável de escritores, coroando o enunciado com a seguinte afirmação: “[...]. todos

(escritores citados) a estilizar numa só e excelente língua portuguesa” (p. 30). Quer

dizer, numa tal concepção de língua e de gramática não resta mais nada da perspectiva

estruturalista; ela estampa, com todas as letras, o viés purista, reafirmando que a

“excelente língua portuguesa” é “uma só” e não várias, como enfatizam os linguistas.

É essa posição alinhada com o discurso normativista que preside o tratamento

da concordância verbal. Num tópico designado como Irregularidades de Concordância,

Rocha Lima fala dos conflitos entre “a lógica gramatical” e “os direitos superiores da

imaginação e da sensibilidade” que, não raro, “acutilam”, ou seja, ‘ferem’, ‘golpeiam’,

‘machucam’, ‘esfaqueiam” as normas gramaticais estabelecidas como “boas e

invioláveis”. Citando Said Ali e Lima Barreto, o gramático aborda o caso da

57

concordância ideológica em que a concordância se faz com o sentido ou ideia e não

com a forma da palavra (em função de sujeito) com a qual o verbo concorda:

A concordância é campo vastíssimo, em que constantemente entram em

conflito a rigidez da lógica gramatical e os direitos superiores da imaginação e

da sensibilidade. Razões de ordem psicológica, ou estética, acutilam fundo, por

vezes, as normas que a disciplina gramatical estabeleceu por boas e invioláveis.

‘De ordinário, quando se diz que certo termo deve concordar com outro,

tem-se em vista a forma gramatical deste termo de referência. Dúzia, povo,

embora exprimam pluralidade e multidão de seres, consideram-se, por causa da

forma, como nomes no singular.

Há, contudo, condições em que se despreza o critério da forma

atendendo apenas à ideia representada pela palavra, se faz concordar com

aquilo que se tem em mente. À frase assim constituída e que, analisada segundo

os meios de expressão, parece incongruente, os gramáticos dão os nomes de

constructio ad sensum ou, helenizando parte explicativa, constructio kata

synesin, ou, abreviando, simplesmente synesis (em português sínese).

Consiste, portanto, a sínese em fazer a concordância de uma palavra não

diretamente com outra palavra, mas com a ideia que esta gere” (SAID ALI,

1923, p. 280), “... não com a letra, mas com o espírito.” (BARRETO, 1927, p.

192)’.

São desvios, quase sempre inconscientes, que correspondem a matizes

do sentimento e da ideia. O estudo que dá explicação dessas irregularidades faz

parte de uma ciência especial chamada Estilística (ROCHA LIMA, 2011, p.

496-497).

Acompanhando seu antecessor Said Ali, Rocha Lima nomeia a concordância

ideológia como sínese. Porém, o estudo deste fenômeno, segundo o gramático, não seria

competência da Sintaxe e sim da Estilística. A propósito da concordância ideológica, diz

ainda que a gramática portuguesa tende a “[...] restringir cada vez mais os fenômenos

ideológicos e afetivos em seu sistema, por força da autocrítica coercitiva que a

gramática impõe aos que escrevem” (p. 498). Ao vincular a variação da forma à

variação do sentido, Rocha Lima neutraliza o princípio nuclear à variação que é o da

mudança formal sem mudança de sentido.

3.2 EVANILDO BECHARA

Entre os gramáticos mais frequentados contemporaneamente está Evanildo

Bechara. É autor de inúmeros livros, dentre eles a Moderna Gramática Portuguesa, que

está na 37ª. edição. Aos quinze anos, Bechara teve contato com o ícone da gramática

portuguesa, Said Ali. Ao tomar contato com a obra Lexeologia do Portuguez Histórico,

58

pressentiu que estava diante de uma obra inovadora, sob a influência, reconheceria mais

tarde, do Cours de Linguistique Générale de Ferdinand de Saussure.

Conheci o Professor Said Ali quando tinha 15 para 16 anos de idade. Ao ler os

livros dele, verifiquei que ele era um autor diferente dos demais que eu

compulsava como estudante de Língua Portuguesa no meu curso ginasial.

Estava no final do ginásio, quando entrei em contato com a Lexeologia do

Portuguez Histórico. Comecei a ler o livro pelo prólogo. Nesse prólogo, Said

Ali faz referências ao falante. Até então, estudávamos a língua divorciada do

falante. A língua parecia ter existência própria: nascia, crescia, vivia e morria

independente do falante. A Lexeologia é a primeira obra em língua portuguesa

escrita sob a influência do Cours de Linguistique Générale de Ferdinand de

Saussure, publicado postumamente em 1916 (BECHARA, 2008).

O impacto da obra fora tal que Bechara, por iniciativa própria, buscou o

número de telefone de Said Ali em um catálogo e ligou para a sua casa, sendo atendido

por uma voz feminina que foi consultar o “titio” sobre a possibilidade de receber um

“discípulo” interessado em “tirar algumas dúvidas”. Desligara o telefone com uma visita

agendada e, assim, sob a orientação de Said Ali, começava sua iniciação nos estudos

linguísticos.

Assim, desde muito cedo, em sua formação, a linguística moderna se faz

presente, contrapondo a norma como aquilo que “dever ser” à norma como aquilo que

“é”; o ideal ao real da língua; o um ao múltiplo. No excerto abaixo, extraído de seu

discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, transpiram vários princípios

basilares da linguística, como o vínculo da língua como a sua comunidade de falantes; a

concepção de que uma língua é um conjunto de várias línguas; a heterogeneidade de

normas:

Uma das mais frutíferas lições que trouxe a linguística moderna foi a

consciência, viva até para o falante ingênuo, que distingue o seu modo de falar

e o modo dos outros, de que uma língua histórica (português, francês, inglês,

espanhol, etc.) é o conjunto de línguas que funcionam a serviço de cada

comunidade integrante de uma comunidade maior, nacional. Se por norma se

entende a conformidade de usos fixados por uma tradição dentro da

comunidade de falantes, conclui-se que não se pode falar de uma só norma para

toda a língua portuguesa, como para as demais línguas históricas.

Esta concepção veio patentear o quanto andava mal a hierarquização ingênua

das línguas e a normatividade dogmática do que se deve dizer e do que se não

59

deve dizer, por acreditar que na língua só haveria uma e única norma - a da

língua padrão -, de modo que as construções que dela divergissem ou a ela

trouxessem novidade deveriam ser banidas por errôneas (BECHARA, 2001)

Porém, nesse mesmo discurso, Bechara afirma que o compromisso da

Academia é com a língua padrão e com a gramática normativa, atribuindo a organismos

especializados a tarefa de realizar descrições científicas da língua falada e falares

regionais, produção de atlas linguísticos, investigações no domínio da etimologia, entre

outras. Para abonar seu posicionamento prescritivo, lança mão de uma declaração do

linguista Joaquim Mattoso Câmara Jr.

É justo que a gramática normativa dê grande atenção à língua escrita. É ela que

a escola tem de ensinar em primeira mão. Acresce o primado da língua escrita

nas sociedades do tipo da nossa, dita “civilizada”. Aí, do ponto de vista

sociológico, a língua escrita se sobrepõe inelutavelmente à língua oral, pois

rege toda a vida geral e superior do país [...] Dá-se assim uma inversão em

termos sociais, da verdade puramente linguística, de que a escrita decorre da

fala e é secundária em referência a esta (MATTOSO CÂMARA Jr, p. 10, apud

BECHARA, 2001)

Contudo, mesmo se declarando um prescritivista, suas incursões no campo da

línguística deixam marcas no tratamento dispensado a várias matérias constantes de sua

Moderna Gramática Portuguesa, como se observa no estudo do fenômeno da

concordância. Por exemplo, ao definir o que é a concordância na língua portuguesa, diz:

“[...] a concordância consiste em se adaptar a palavra determinante ao gênero, número e

pessoa da palavra determinada” (BECHARA, 2006, p. 543). Nenhum outro gramático

aqui estudado havia empregado os termos determinante e determinado, amplamente

usados pela linguística estruturalista, para tratar da concordância.

Ao abordar a concordância verbal, distingue aquela que se faz de palavra para

palavra daquela que se faz de palavra para sentido. No primeiro caso, a concordância

pode ser total, se levar em conta a totalidade dos sujeitos gramaticais, ou parcial

(conhecida como atrativa), caso se faça apenas com a palavra determinada mais

próxima. Como os gramáticos anteriores, nomeia a concordância de palavra para

sentido como silepse, ou concordância ad sensum. Sua postura em relação à

concordância atrativa e à silepse evidencia a tensão entre a linguística e a gramática,

como se pode ler no trecho a seguir:

60

É preciso estar atento a que a liberdade de concordância que a língua

portuguesa muitas vezes oferece deve ser cuidadosamente aproveitada para não

prejudicar a clareza da mensagem e a harmonia do estilo.

Na língua oral, em que o fluxo do pensamento corre mais rápido que a

formulação e estruturação da oração, é muito comum enunciar primeiro o verbo

– elemento fulcral da atividade comunicativa – para depois se seguirem os

outros termos oracionais. Nestas circunstâncias, o falante costuma enunciar o

verbo no singular, porque ainda não pensou no sujeito a quem atribuirá função

predicativa contida no verbo; se o sujeito, neste momento, for pensado como

pluralidade, os casos de discordância serão aí frequentes. O mesmo ocorre com

a concordância nominal, do particípio.

A língua escrita, formalmente mais elaborada, tem meios de evitar estas

discordâncias. (BECHARA, 2006, p. 544)

Embora mencione, entre os casos de concordância verbal, a silepse e a atração

pelo mais próximo, Bechara parece tolerá-las apenas na língua falada, já que a

instantaneidade da linguagem e do pensamento não propicia o monitoramento e a

correção de construções gramaticais de acordo com as normas sintáticas da língua

padrão. Refere-se a esses casos, como “liberdade de concordância” e “discordâncias”,

ressaltando que a língua escrita pode evitá-las, por ser “formalmente mais elaborada”. A

liberdade de concordância, normal na modalidade oral de linguagem, não pode

comprometer “a clareza da mensagem e harmonia do estilo”. Sobressai-se, portanto, a

postura normativa.

3.3 CELSO CUNHA E LINDLEY CINTRA

Em parceria com Lindley Cintra, Celso Cunha é autor de A Nova Gramática do

Português Contemporâneo. Embora definam a gramática em questão como uma

“descrição do português atual em sua forma culta, ou seja, da língua como a têm

utilizado os escritores brasileiros, portugueses e africanos do Romantismo para cá”, os

autores se mostram sensíveis às variantes populares, introduzindo observações como:

“É esta a construção preferida da linguagem popular” (CUNHA e CINTRA, 2007, p.

503).

De acordo com Cunha e Cintra, a concordância verbal é uma relação de

solidariedade entre o verbo e o sujeito, com o verbo se flexionando para conformar-se

ao número e à pessoa do sujeito. Há, sem dúvida, nessa conceituação, uma retomada do

princípio de identidade e conveniência, tal como postulado por Arnauld e Lancelot

(1660), na Gramática Geral. É impossível não perceber a relação interdiscursiva entre

61

solidariedade e conformação e identidade e conveniência, mesmo que ela não seja

explicitada, ou seja, mesmo que ela se faça na forma da heterogeneidade não mostrada.

Além disso, a concordância é um sistema que torna possível a ocultação do sujeito, já

que ele se presentifica no verbo por meio das desinências número-pessoais. Dessa

forma, a concordância verbal é apresentada como um virtuoso princípio de coesão, já

que ela permite as retomadas que garantem a textura, sem que haja repetição, vista

como indesejável quando muito recorrente no enunciado escrito.

1. A solidariedade entre o verbo e o sujeito, que ele faz viver no tempo,

exterioriza-se na CONCORDÂNCIA, isto é, na variabilidade do verbo para

conformar-se ao número e à pessoa do sujeito.

2. A CONCORDÂNCIA evita a repetição do sujeito, que pode ser indicada pela

flexão verbal a ele ajustada. (CUNHA e CINTRA, 2007, p. 496)

Na seção em que abordam as regras de concordância do verbo com o sujeito

composto com um ou vários pronomes pessoais, Cunha e Cintra acentuam a tendência

do português brasileiro de não usar a 2.ª pessoa do singular (tu) ou do plural (vós),

sendo preteridos pelos pronomes de tratamento você e vocês:

Na linguagem corrente do Brasil, evitam-se as formas do sujeito

composto que levam o verbo à 2.ª pessoa do plural, em virtude do desuso do

tratamento vós e, também, da substituição do tratamento tu por você, na maior

parte do país.

Em lugar da 2.ª pessoa do plural, encontramos, vez por outra, tanto em

Portugal como no Brasil, o verbo na 3.ª pessoa do plural, quando um dos

sujeitos é da 2.ª pessoa do singular (tu) e os demais da 3.ª pessoa. (CUNHA e

CINTRA, 2007, p. 498)

Embora o uso da segunda pessoa do singular ou do plural não seja da índole do

português brasileiro6, a norma que regula a primazia da segunda pessoa sobre a terceira

não deixa de figurar entre as demais, sendo abonada por exemplos extraídos de obras

literárias, o que, aliás, é coerente com a vocação dA Nova Gramática do Português

Contemporâneo, mencionada no primeiro parágrafo desta seção. A preocupação dos

gramáticos era codificar a norma culta do português contemporâneo, a despeito de suas

6 No Brasil, o uso de “tu” ainda é ouvido em alguns falares regionais, a exemplo do gaúcho. Vale

ressaltar, contudo, que comumente o “tu” se faz acompanhar de um verbo na terceira pessoa e na

segunda. Já a segunda pessoa do plural “vós” é uma forma em franco declínio, persistindo apenas em

alguns discursos arcaicos, como o religioso (no folheto da missa, o uso de “vós” é abundante), por

exemplo.

62

variações diatópicas e diastráticas, para “mostrar a superior unidade da língua em sua

natural diversidade”.

3.4 PARALELO ENTRE EVANILDO BECHARA, ROCHA LIMA E CELSO CUNHA E

LINDLEY CINTRA

No quadro a seguir estabelece-se uma comparação entre as abordagens da

concordância verbal por Bechara, Rocha Lima e Cunha e Cintra, a partir das regras

gerais. Nem todos eles tratam dos mesmos casos, por isso, o quadro comparativo pode

exibir vazios.

REGRA GERAL DE CONCORDÂNCIA VERBAL – um só núcleo:

Bechara (1961, p. 554) Rocha Lima (1957, p. 472) Cunha e Cintra (1970, p. 497)

a) Se o sujeito for simples e

singular, o verbo irá para o

singular, ainda que seja coletivo:

“A vida tem uma só entrada: a

saída é por cem portas.”

b) Se o sujeito for simples e

plural, o verbo irá para o plural:

“Os bons conselhos despreza-

dos são com dor comemora-

dos.”

Havendo um só núcleo (sujeito

simples), com ele concorda o

verbo em pessoa e número:

“Eu ouço o canto do Brasil.”

“Naquela grande rua sossegada

nós fizemos, um dia, o nosso

ninho:”

O verbo concorda em número e

pessoa com o seu sujeito, venha

ele claro ou subentendido:

“A paisagem ficou espirituali-

zada.

Tinha adquirido uma alma. E

uma nova poesia

Desceu do céu, subiu do mar,

cantou na estrada...”

REGRA GERAL DE CONCORDÂNCIA VERBAL – com mais de um núcleo:

Bechara (p. 554) Rocha Lima (p. 473) Cunha e Cintra (p. 497)

Se o sujeito for composto, o ver-

bo irá, normalmente, para o plu-

ral, qualquer que seja a sua posi-

ção em relação ao verbo:

“[...] os ódios civis, as ambições,

a ousadia dos bandos e a cor-

rupção dos costumes haviam fei-

to incríveis progressos.”

Havendo mais de um núcleo (su-

jeito composto), o verbo vai para

o plural e para a pessoa que tiver

primazia, na seguinte escala:

a) A 1.ª pessoa prefere todas as

outras.

b) Não figurando a 1.ª pessoa, a

preferência cabe à 2ª.

c) Na ausência de uma e outra, o

verbo assume a forma da 3ª

pessoa.

Exemplos:

a) “Eu e o papai queremos

aproveitá-lo, para conversar.”

b) Neste caso tu e mais eles

todos sereis salvos.”

c) “Roberto e o milagreiro che-

garam logo.”

O verbo que tem mais de um

sujeito (sujeito composto) vai

para o plural e, quanto à pessoa,

irá:

a) para a 1.ª pessoa do plural, se

entre os sujeitos figurar um da

1.ª pessoa:

“Só eu e Florêncio ficamos cala-

dos, à margem.”

b) para a 2.ª pessoa do plural, se,

não existindo sujeito da 1.ª pes-

soa, houver um da 2.ª:

“Nuvem sólida, rosa virginal,

água branca,

E tu, antiga sinfonia aérea,

Pertenceis ao anjo, não a mim.”

c) para a 3.ª pessoa do plural, se

os sujeitos forem da 3.ª pessoa:

“Quando o Loas e a filha che-

garam às proximidades da cou-

rela, logo se anunciaram.”

CONORDÂNCIA IDEOLÓGICA

Bechara (p. 555) Rocha Lima (p. 496 e 497) Cunha e Cintra

Quando o sujeito simples é

constituído de nome ou pronome

que se aplica a uma coleção ou

Consiste, portanto, a sínese em

fazer a concordância de uma

palavra não diretamente com

63

grupo, pode o verbo ir ao plural.

A língua moderna impõe apenas

a condição estética, uma vez que

soa geralmente desagradável ao

ouvido construção do tipo: O

povo trabalhavam ou A gente

vamos.

Se houver, entretanto, distância

suficiente entre sujeito e o verbo

e se quiser acentuar a ideia de

plural do coletivo, não repugnam

à sensibilidade do escritor exem-

plos como os seguintes:

“Começou então o povo a

alborotar-se, e pegando do

desgraçado cético o arrastaram

até o meio do rossio e ali o

assassinaram, e queimaram,

com incrível presteza."

outra palavra, mas com a ideia

que sugere não com a letra, mas

com o espírito.

São desvios, quase sempre

inconscientes, que correspondem

a matizes do sentimento e da

ideia. O estudo e explicação

dessas irregularidades faz parte

de uma ciência especial chamada

Estilística.

O SUJEITO É UMA EXPRESSÃO PARTITIVA

Bechara (p. 557) Rocha Lima (p. 479) Cunha e Cintra (p. 499)

Se o sujeito é representado por

expressões do tipo de a maioria

de, a maior parte de, grande

parte de e um nome no plural, o

verbo irá para singular ou plural:

“a maior parte deles recusou

segui-lo com temor do poder da

regente” [AH]

“e a maior parte dos esquadrões

seguiram-nos” [AH]

Se a um nome ou pronome no

plural antepomos uma expressão

quantitativa como grande

número de, grande quantidade

de, parte de, grande parte de, a

maior parte de, e equivalentes, o

verbo fica no singular ou no

plural.

a) Singular:

“A maioria dos condenados aca-

bou nas plagas africanas.”

b) Plural:

“A maior parte das suas

companheiras eram felizes.”

Quando o sujeito é constituído

por expressão partitiva (como:

parte de, uma porção de, o

grosso de, o resto de, metade de

e equivalentes) e um substantivo

ou pronome plural, o verbo pode

ir para o singular ou para o

plural:

“A maior parte deles já não vai à

fábrica!”

“Uma porção de moleques me

olhavam admirados.”

O SUJEITO É O PRONOME RELATIVO que

Bechara (p. 561) Rocha Lima (p. 491) Cunha e Cintra (p. 500)

a) Se o sujeito da oração é o

pronome relativo que, o verbo

concorda com o antecedente,

desde que este não funcione

como predicativo de outra

oração:

“Não gastava ele as horas que

lhe sobejavam do exercício do

seu laborioso ministério numa

obra do senhor?”

b) Se o antecedente do sujeito

que for um pronome demonstra-

tivo, o verbo da oração adjetiva

vai para a 3.ª pessoa:

“Aquele que trabalhava acredita

num futuro melhor.”

c) Se o antecedente do pronome

relativo funciona como predica-

tivo, o verbo da oração adjetiva

pode concordar com o sujeito de

sua principal ou ir para a 3.ª

São por igual excelentes as

construções dos tipos seguintes:

a) Fui eu que resolvi a questão.

b) Fui eu o que resolvi a

questão.

Exemplos:

a) “Não fui eu que assassinei.”

“És tu que ris, louca?”

b) “Não és tu o que atribulaste e

afligiste os inocentes, tiranizaste

os que te tinham ofendido, e

sobretudo o que disseste injúrias,

afrontas e blasfêmias contra o

Altíssimo?”

1. O verbo que tem como sujeito

o pronome relativo que concorda

em número e pessoa com o

antecedente deste pronome:

“Fui eu que lhe pedi que não

viesse.”

2. Se o antecedente do relativo

que é um demonstrativo, que

serve de predicativo ou aposto

de um pronome pessoal sujeito,

o verbo do relativo pode:

a) concordar com o pronome

pessoal sujeito, principalmente

quando o antecedente é o

demonstrativo o (a, os, as):

“Não somos nós os que vamos

chamar esses leais companheiros

de além-mundo.”

b) ir para a 3.ª pessoa, em

concordância com o demons-

trativo, se não há interesse em

64

pessoa (se não se quer insistir na

íntima relação entre o

predicativo e o sujeito):

“Sou eu o primeiro que não sei

classificar este livro.”

d) É de rigor a concordância do

verbo com o sujeito de ser nas

expressões de tipo sou eu que, és

tu que, foste tu que, etc.

“Não fui eu que o assassinei.”

acentuar a íntima relação entre o

predicativo e o sujeito:

“Fui essa que nas ruas esmolou

E fui a que habitou Paços Re-

ais...”

3. Quando o relativo que vem

antecedido das expressões um

dos, uma das (+ substantivo), o

verbo de que ele é sujeito vai

para a 3.ª pessoa do plural ou,

mais raramente, para a 3.ª pessoa

do singular:

“És um dos raros homens que

têm o mundo nas mãos.”

4. Depois de (um) dos que (=um

daqueles que) o verbo vai

normalmente para a 3.ª pessoa

do plural:

“Ela passou-se para outro mais

decidido, um dos que moravam

no quartinho dos grandes.”

Por vezes omite-se o um:

“Não sou dos que acreditam no

direito divino da velhice.”

O SUJEITO É O PRONOME RELATIVO quem

Bechara (p. 562) Rocha Lima (p. 491) Cunha e Cintra (p. 503)

e) Se ocorrer o pronome quem, o

verbo da oração subordinada vai

para a 3.ª pessoa do singular,

qualquer que seja o antecedente

do relativo, ou concorda com

este antecedente:

“Eram as paixões, os vícios, os

afetos personalizados quem fazia

o serviço dos seus poemas.”

“És tu quem me dás rumor à

quieta noite, És tu quem me dás

frescor à mansa brisa, Quem dás

fulgor ao raio, asas ao vento,

Quem na voz do trovão longe

rouquejas.”

São por igual excelentes as

construções dos tipos:

c) “Fui eu quem resolveu a

questão.”

b) “Fui eu quem resolvi a

questão.”

Exemplos:

c) “Fui eu quem a matou.”

d) “E tu és quem tens a culpa de

eu viver sempre à sombra.”

1. O pronome relativo quem

constrói-se, de regra, com o

verbo na 3.ª pessoa do singular:

“És tu quem murmura nas águas,

Tu és quem respira por mim.”

2. Não faltam, porém, exemplos

de bons autores em que o verbo

concorda com o pronome

pessoal, sujeito da oração

anterior. Neste caso, põe-se em

relevo, sem rodeios mentais, o

sujeito efetivo da ação expressa

pelo verbo:

“Não sou eu quem escrevo. Eu

sou a tela e oculta mão colora

alguém em mim.”

É esta a construção preferida da

linguagem popular.

O SUJEITO É UM PRONOME INTERROGATIVO, DEMONSTRATIVO OU INDEFINIDO

PLURAL, SEGUIDO DE de (OU dentre) nós (OU vós)

Bechara (p. 560) Rocha Lima (p. 480-481) Cunha e Cintra (p. 503)

Se o sujeito for constituído de

um pronome plural de sentido

partitivo (quais, quantos, alguns,

nenhuns, muito, poucos, etc.), o

verbo concorda com a expressão

partitiva introduzida por de ou

dentre:

“Quais dentre vós... sois neste

mundo sós e não tendes quem na

morte regue com lágrima a terra

que vos cobrir? Quais de vós

Quais, quantos, alguns, muitos,

poucos, vários + de nós, de vós,

dentre nós, dentre vós – com

sujeitos deste tipo, o verbo fica

na 3.ª pessoa do plural, ou

concorda com o pronome nós ou

vós.

“(...) quantos dentre vós estudam

conscientemente o passado?”

Qual de nós ou de vós, dentre

Se o sujeito é formado por

algum dos pronomes interroga-

tivos (quais? Quantos?), dos

demonstrativos (estes, esses,

aqueles) ou dos indefinidos no

plural (alguns, muitos, poucos,

quaisquer, vários), seguido de

uma das expressões de nós, de

vós, dentre nós ou dentre vós, o

verbo pode ficar na 3.ª pessoa do

plural ou concordar com o

65

sois, como eu, desterrados no

meio do gênero humano?”

Pode ainda ocorrer o verbo na 3.ª

pessoa de plural:

“Quantos dentre vós estudam

conscientemente o passado?”

nós ou dentre vós – Se o

interrogativo está no singular,

torna-se impossível a concordân-

cia com o pronome que figura no

complemento. Neste caso, fica o

verbo somente na 3.ª pessoa do

singular.

Exemplos:

“Qual de vós arguirá de peca-

do?”

“Qual de vós outros, cavaleiros –

dizia Pelágio aos que o rodea-

vam – duvidará um momen-

to...?”

pronome pessoal que designa o

todo:

“Mas, quantos, dentre vós, ainda

estão vivos, devotam à vida a

mesma paixão de outrora?”

“Muitos de nós andam por aí,

querendo puxar conversa com

vocês.”

Se o interrogativo ou o indefi-

nido estiver no singular, também

no singular deverá ficar o verbo:

“Quando as nuvens começaram a

existir, qual de nós estava pre-

sente?”

O SUJEITO É UM PLURAL APARENTE

Bechara (p. 564) Rocha Lima Cunha e Cintra (p. 504)

Geralmente se usa o verbo no

plural:

“Por isso, as Cartas Persas

anunciam o Espírito das Leis.”

Com o verbo ser e predicativo

no singular pode ocorrer o sin-

gular:

“as Cartas Persas é um livro

genial...”

Os nomes de lugar, e também os

títulos de obras, que têm forma

de plural são tratados como

singular, se não vierem

acompanhados de artigo:

“Mas Vassouras é que não o

esquecerá tão cedo.”

Quando esses nomes são prece-

didos de artigo, o verbo assume

normalmente a forma plural:

“Os Estados Unidos, então, por

sua vez, tentam uma demons-

tração espetacular.”

CONCORDÂNCIA DO VERBO SER

Bechara (p. 558) Rocha Lima (p. 492) Cunha e Cintra (p. 505)

Como se dá com a relação

sintática de qualquer verbo e o

sujeito da oração, o normal é que

sujeito e verbo ser concordem

em número:

“José era um aluno aplicado.”

Todavia, em alguns casos, o

verbo ser se acomoda à flexão

do predicativo, especialmente

quando se acha no plural. São os

seguintes os casos em que se dá

esta concordância:

a) quando um dos pronomes isto,

isso, aquilo, tudo ninguém,

nenhum ou expressão de valor

coletivo do tipo de o resto, o

mais é sujeito do verbo ser:

“Tudo eram alegrias e

cânticos.”

b) quando o sujeito é constituído

pelos pronomes interrogativos

quem, que, o que:

“O que são comédias?”

“Quem eram os convidados?”

“Não sei quem são os

vencedores.”

c) quando o verbo ser está

1º CASO: Tendo por sujeito o

pronome interrogativo quem, o

indefinido tudo, ou um dos

demonstrativos neutros isto, isso,

aquilo e o (que), e por

predicativo um substantivo no

plural -, é costume pôr-se neste

número o verbo ser, mas não

escasseiam exemplos em que ele

aparece no singular:

Plural: “Eram tudo travessuras

de criança.”

Singular: “Tudo é flores no

presente.”

2º CASO: Se o sujeito for

pessoa, com ele há de concordar

o verbo, qualquer que seja o

número do predicativo.

Exemplo:

“Ovídio é muitos poetas ao

mesmo tempo.”

3.º CASO: Quando um dos dois

termos da frase – sujeito ou

predicativo – for pronome

pessoal, faz-se a concordância

com este pronome.

Exemplo:

1. Em alguns casos o verbo ser

concorda com o predicativo.

Assim:

1.ª) Nas orações começadas

pelos pronomes interrogativos

substantivos que? E quem?:

“- Que são seis meses?”

“Quem teriam sido os primeiros

deuses?”

2.ª) Quando o sujeito do verbo

ser é um dos pronomes isto, isso,

aquilo, tudo ou o (=aquilo) e o

predicativo vem expresso por um

substantivo no plural:

“Tudo isto eram sintomas

graves.”

3.º) Quando o sujeito é uma

expressão de sentido coletivo,

como o resto, o mais:

“O resto são atributos sem

importância.”

“O mais são casas esparsas.”

4.º) Nas orações impessoais:

“São duas horas da noite.”

Observação:

Empregados com referência às

66

empregado na acepção de “ser

constituído por”:

“A provisão eram alguns quilos

de arroz.”

d) quando o verbo ser é

empregado impessoalmente, isto

é, sem sujeito, nas designações

de horas, datas, distâncias:

“São dez horas? Ainda não o

são.”

e) quando o verbo ser aparece

nas expressões é muito, é pouco,

é mais de, é tanto e o sujeito é

representado por termo no plural

que denota preço, medida ou

quantidade:

“Sessenta mil homens muita

gente é para casa tão pequena.”

Nas orações ditas equitativas em

que com ser se exprime a

definição ou a identidade, o

verbo, posto entre dois

substantivos de números

diferentes, concorda em geral

com aquele que estiver no plural.

Às vezes, um dos termos é um

pronome:

“A pátria não é ninguém: são

todos.”

Se o sujeito está representado

por pronome pessoal, o verbo ser

concorda com o sujeito, qualquer

que seja o número do termo que

funciona como predicativo:

“Ela era as preocupações do

pai.”

Na expressão, que introduz

narrações, do tipo era uma

princesa, o verbo ser é

intransitivo, com o significado

de existir, funcionando como

sujeito o substantivo seguinte,

com o qual concorda:

“Era uma princesa muito

formosa que vivia num castelo

de cristal.”

“Todo eu era olhos e coração.”

4º CASO: Estando o verbo ser

entre dois substantivos de

números diversos, ambos co-

muns -, o que vai orientar a

concordância é o sentido da

frase: ela se fará com o termo a

que se quiser dar maior relevo,

isto é, com o elemento mais

importante para quem fala.

Exemplo:

“Justiça é tudo, justiça é as

virtudes todas, justiça é reli-

gião, justiça é caridade, justiça é

sociabilidade, é respeito às leis, à

lealdade, é honra, é tudo enfim.”

5º CASO: Emprega-se no

singular o verbo figurante nas

locuções é muito, é pouco, é

mais de, é tanto, junto à es-

pecificação de preço, peso,

quantidade, etc.

Exemplo:

“Vinte e quatro horas não é

muito.”

6º CASO: Quando é usado

impessoalmente, a concordância

dá-se com o predicativo.

Exemplos:

“Hoje são vinte e um do mês,

não são?”

horas do dia, os verbos dar,

bater, soar e sinônimos

concordam com o número que

indica horas:

“Soaram doze horas por igrejas

daqueles vales.”

2. Se o sujeito for nome de

pessoa ou pronome pessoal, o

verbo normalmente concorda

com ele, qualquer que seja o

número do predicativo:

“Ovídio é muitos poetas ao

mesmo tempo, e todos ex-

celentes.”

Não é rara, porém, a concor-

dância com o predicativo plural

quando este representa partes do

corpo da pessoa nomeada no

sujeito:

“Santinha eram dois olhos

míopes, quatro incisivos claros à

flor da boca.”

3. Quando o sujeito é cons-

tituído de uma expressão nu-

mérica que se considera em sua

totalidade, o verbo ser fica no

singular:

“Oito anos sempre é alguma

coisa.”

4. Nas frases em que ocorre a

locução invariável é que, o verbo

concorda com o substantivo ou

pronome que a precede, pois são

eles efetivamente o seu sujeito:

“Tu é que deves escolher o sí-

tio.”

CONCORDÂNCIA COM O SUJEITO MAIS PRÓXIMO

Bechara Rocha Lima (p. 474) Cunha e Cintra (p. 509)

Em certas situações, não é raro

que o verbo que tem sujeito

composto concorde apenas com

o núcleo que lhe estiver mais

próximo – o que costuma

ocorrer:

1) Quando o sujeito composto

vier depois do verbo:

“Que me importava Carlota, o

lar, a sociedade e seus códigos?”

2) Quando o sujeito composto

Vimos que o adjetivo que

modifica vários substantivos

pode, em certos casos, concordar

com o substantivo mais próximo.

Também o verbo que tem mais

de um sujeito pode concordar

com o sujeito mais próximo:

a) quando os sujeitos vêm depois

dele:

“Que te seja propício o astro e a

flor, que a teus pés se incline a

67

for constituído de palavras

sinônimas ou quase sinônimas,

de sorte que se nos apresentem

ao espírito como um todo

indiviso, ou como elementos que

simplesmente se reforçam:

“O mais importante era aquele

desejo e aquela febre que os

unia como o barro une as pedras

duras.”

3) Quando os núcleos do sujeito

composto se ordenarem numa

gradação de ideias, concentran-

do-se no último deles a atenção

do escritor:

“E entrava a girar em volta de

mim, à espreita de um juízo, de

uma palavra, de um gesto, que

lhe aprovasse a recente produ-

ção.”

Terra e o Mar.”

b) quando os sujeitos são

sinônimos ou quase sinônimos:

“A conciliação, a harmonia

entre uns e outros é possível.”

c) quando há uma enumeração

gradativa:

“A mesma coisa, o mesmo ato, a

mesma palavra provocava ora

risadas, ora castigos.”

d) quando os sujeitos são inter-

pretados como se constituíssem

em conjunto uma qualidade, uma

atitude:

“A grandeza e a significação das

coisas resulta do grau de trans-

cendência que encerram.”

INFINITIVOS SUJEITOS

Bechara Rocha Lima (p. 501) Cunha e Cintra (p. 510)

Assim, ao lado do infinitivo

impessoal, sem sujeito e,

portanto, sem flexão, possuímos

um infinitivo pessoal, que,

referido a um sujeito, pode, ou

não, flexionar-se.

Exemplos:

“Fumar é nocivo à saúde.”

(infinitivo impessoal)

“Trabalha, meu filho, para

agradar a Deus.” (infinitivo

pessoal não flexionado)

“Trabalha, meu filho, para

agradares a Deus.” (infinitivo

pessoal flexionado)

Até hoje não foi possível aos

gramáticos formular um com-

junto de regras fixas, pelas quais

se regesse o emprego de uma e

outra forma. A cada passo

infringem os escritores alguns

preceitos tidos por definitivos; e

isso porque, ao lado das razões

de ordem gramatical, e inter-

ferindo nelas, alcançam-se mui-

tas vezes ao primeiro plano

certas condições reclamadas pela

clareza, ênfase e harmonia de

expressão.

Quando os sujeitos são dois ou

mais infinitivos, o verbo fica no

singular:

“Olhar e ver era para mim um

recurso de defesa.”

Mas o verbo pode ir para o

plural quando os infinitivos ex-

primem ideias nitidamente com-

trárias:

“Em sua vida, à porfia, Se alter-

nam rir e chorar.”

SUJEITOS RESUMIDOS POR UM PRONOME INDEFINIDO

Bechara Rocha Lima (p. 479) Cunha e Cintra (p. 511)

Quando a vários sujeitos se

seguir uma das palavras de

síntese – tudo, nada, algo,

alguém, ninguém, etc. -, fica o

verbo no singular, mesmo que

Quando os sujeitos são

resumidos por um pronome

indefinido (como tudo, nada,

ninguém), o verbo fica no

singular, em concordância com

68

entre os sujeitos haja algum ou

alguns no plural.

Exemplos:

“As cidades, os campos, os

vales, os montes, tudo era mar.”

“Comandantes, oficiais, solda-

dos, ninguém escapou com vida

naquele dia lutuoso.”

esse pronome:

“O pasto, as várzeas, a caatinga,

o marmeleiral esquelético, era

tudo de um cinzento de

borralho.”

A mesma concordância se faz

quando o pronome anuncia os

sujeitos:

“Tudo o fazia lembrar-se dela: a

manhã, os pássaros, o mar, o

azul do céu, as flores, os

campos, os jardins, a relva, as

casas, as fontes, sobretudo as

fontes, principalmente as fon-

tes.”

SUJEITOS LIGADOS POR ou E nem

Bechara (p. 556 e 557) Rocha Lima (p. 485 e 489) Cunha e Cintra (p. 512)

OU

O verbo concordará com o

sujeito mais próximo se a com-

junção indicar:

a) exclusão:

“a quem a doença ou a idade

impossibilitou de ganharem o

sustento...”

b) retificação de número gra-

matical:

“Cantares é o nome que o autor

ou autores do Cancioneiro

chamado do Colégio dos Nobres

dão a cada um dos poemetos...”

c) identidade ou equivalência:

“O professor ou o nosso segundo

pai merece o respeito da pátria.”

Se a ideia expressa pelo

predicado puder referir-se a toda

a série do sujeito composto, o

verbo irá para o plural mais

frequentemente, porém pode

ocorrer o singular:

“A nulidade ou a validade do

contrato... eram assunto de

direito civil.”

NEM

O sujeito composto ligado pela

série aditiva negativa nem... nem

leva o verbo normalmente ao

plural e, às vezes, ao singular:

“É a nobre dama recém-chegada,

à qual nem o cansaço de

trabalhosa jornada, nem o hábito

dos cômodos do mundo puderam

impedir...”

Constituído o sujeito pela série

nem um ... nem outro, fica o ver-

bo no singular:

“Nem um nem outro compare-

ceu ao exame.”

OU

1) Impõe-se o emprego do verbo

no singular em dois casos:

a) Quando, coordenando dois ou

mais substantivos no singular, a

partícula ou for alternativa, de

tal forma que o verbo só se refira

a um dos sujeitos, com exclusão

dos demais.

Exemplo:

“(...) crendo que Fainamá ou

alguma de suas irmãs era

morta.”

b) Quando, coordenado dois ou

mais substantivos no singular, a

partícula ou exprimir

equivalência, de tal forma que o

verbo se possa igualmente referir

a qualquer um desses sujeitos.

Exemplo:

“Um cardeal, ou papa, enquanto

homem, não é mais do que uma

pessoa...”

2) Vai, ao revés, o verbo para o

plural:

a) Quando, coordenando dois ou

mais substantivos no singular, a

partícula ou for aditiva (= e), de

tal forma que a noção indicada

pelo verbo abranja, ao mesmo

tempo, todos os sujeitos.

Exemplo:

“O calor forte ou frio excessivo

eram temperaturas igualmente

nocivas ao doente.”

b) Quando um dos sujeitos

estiver no plural.

Exemplo:

“As penas que são Pedro ou

seus sucessores fulminam contra

os homens...”

OU e NEM

1) Quando o sujeito composto é

formado de substantivos no

singular ligados pelas

conjunções ou ou nem, o verbo

costuma ir:

a) para o plural, se o fato ex-

presso pelo verbo pode ser

atribuído a todos os sujeitos:

“O mal ou o bem dali teriam de

vir.”

b) para o singular, se o fato ex-

presso pelo verbo só pode ser

atribuído a um dos sujeitos, isto

é, se há ideia de alternativa:

“Fui devagar, mas o pé ou o

espelho traiu-me.”

2) Nota-se, porém, na linguagem

coloquial uma tendência de

anular tais distinções, principal-

mente quando os sujeitos estão

ligados pela conjunção nem.

Encontra-se frequentemente o

plural onde seria de esperar o

singular.

Assim:

“Nem João nem Carlos serão

eleitos presidente do clube.”

Outras vezes, faz-se concordân-

cia com o sujeito mais próximo,

embora a ação se refira a cada

um dos sujeitos.

Assim:

“Nem o sol, nem o vento, nem o

ruído das águas, nem mesmo a

preocupação de que eu pudesse

persegui-los perturbava o acon-

chego.”

3) Se os sujeitos ligados por ou

ou por nem não são da mesma

pessoa, isto é, se entre eles há

algum expresso por pronome da

69

NEM

a) É caso difícil de disciplinar;

mas pode-se ter por norma

empregar o verbo no plural

quando os sujeitos são da 3ª

pessoa.

Exemplo:

“Nem a natureza, nem o

demônio deixaram a sua antiga

posse.”

b) “Querendo-se, todavia, pôr

em relevo” – são palavras de

Said Ali – “que a mesma ação se

repete para cada um dos sujeitos,

sucessivamente ou em épocas

diferentes, dá-se ao verbo a

forma do singular, desde que no

singular também estejam os

diversos sujeitos.”

Exemplo:

“Nem a lisonja, nem a razão,

nem o exemplo, nem a esperança

bastava a lhe moderar as

ânsias...”

c) Se algum dos sujeitos é

pronome pessoal, a

concordância se faz de acordo

com os princípios da primazia,

alvo se o verbo anteceder os

sujeitos.

Exemplo:

“Nem meu primo, nem eu

frequentamos tal sociedade.”

d) Terminando a série negativa

por palavra ou expressão que

resuma alguns dos sujeitos

anteriores ou todos eles,

concorda o verbo com esta

palavra ou expressão.

Exemplo:

“Nem eles, nem outrem há de

possuir nada.”

1ª ou da 2ª pessoa, o verbo irá

normalmente para o plural e para

a pessoa que tiver precedência.

“Ou ela ou eu havemos de

abandonar para sempre esta

casa; e isto hoje mesmo.”

4) As expressões um ou outro e

nem um nem outro, empregadas

como pronome substantivo ou

como pronome adjetivo, exigem

normalmente o verbo no

singular:

“Um ou outro porco era cevado

e as salgadeiras de Corrocovo

suavizaram o inverno.”

Não é raro, porém, a construção

com o verbo no plural quando as

expressões se empregam como

pronome substantivo:

“Mas nem um nem outro pude-

ram compreender logo toda a

extensão e a gravidade do mal.”

A LOCUÇÃO um E outro

Bechara Rocha Lima (p. 476) Cunha e Cintra (p. 514)

O substantivo que se segue à

expressão um e outro só se usa

no singular, mas o respectivo

verbo pode empregar-se no

singular ou no plural.

Exemplo:

“Um e outra coisa lhe

desagrada.”

“De repente, um e outro

desapareceram, como se a terra

os houvera engolido.”

A locução um e outro pode levar

o verbo ao plural ou, com menos

frequência, ao singular:

“Um e outro tinham a sola rota.”

As duas construções são

admissíveis ainda quando a

locução é usada como pronome

adjetivo, caso em que precede

sempre um substantivo no

singular:

“Mas uma e outra cousa

duraram apenas rápido

instante.”

SUJEITOS LIGADOS por COM

70

Bechara (p. 556) Rocha Lima (p.481) Cunha e Cintra (p.514)

Se o sujeito no singular é

seguido imediatamente de outro

no singular ou no plural

mediante a preposição com, ou

locução equivalente, pode o

verbo ficar no singular, ou ir ao

plural para realçar a

participação simultânea na

ação:

“El-rei, com toda a corte e toda a

nobreza, estava fora da cidade,

por causa da peste em que então

Lisboa ardia.”

O mais frequente é usar-se o

plural, visto que ambos os

sujeitos “aparecem em pé de

igualdade tal, que se podem

considerar como enlaçados por

e”.

Exemplos:

“D. Maria da Glória firmou a

doação, e a milanesa com seu

filho partiram para a Itália.”

Emprega-se (mas raramente) o

verbo no singular quando o

segundo sujeito é posto em plano

tão inferior, que se degrada à

simples condição de um

complemento adverbial de

companhia. Por este meio – mais

pertencente à linguagem afetiva

– dá-se relevo especial ao

primeiro sujeito.

Quando os sujeitos vêm unidos

pela partícula com, o verbo pode

usar-se no plural ou em

concordância com o primeiro

sujeito, segundo a valorização

expressiva que dermos ao

elemento regido de com.

Assim, o verbo irá normalmente:

a) para o plural, quando os

sujeitos estão em pé de

igualdade, e a partícula com os

enlaça como se fosse a

conjunção e:

“O mestre com o boleeiro

fizeram a emenda.”

b) para o número do primeiro

sujeito, quando pretendemos

realçá-lo em detrimento do

segundo, reduzindo à condição

de adjunto adverbial de

companhia:

“A viúva, como o resto da

família, mudara-se para Vila

Isabel, desde o rompimento.”

SUJEITOS LIGADOS POR CONJUNÇÃO COMPARATIVA

Bechara (p. 556) Rocha Lima (p. 483) Cunha e Cintra (p. 515)

Se o sujeito composto tem seus

núcleos ligados por série aditiva

enfática (não só, mas, tanto...

quanto, não só... como, etc.), o

verbo concorda com o mais

próximo ou vai ao plural (o que

é mais comum quando o verbo

vem depois do sujeito):

“Tanto o lidador como o abade

haviam seguido para o sítio que

ele parecia buscar com toda a

precaução.”

Se o sujeito é construído com a

presença de uma fórmula

correlativa, deve preferir-se o

verbo no plural.

“Assim Saul como Davi,

debaixo do seu saial, eram

homens de tão grandes espíritos,

como logo mostraram suas

obras.”

É raro aparecer o verbo no

singular:

“(...) tanto uma, como a outra,

suplicava-lhe que esperasse até

passar a maior correnteza.”

Quando dois sujeitos estão

unidos por uma das conjunções

comparativas como, assim como,

bem como e equivalentes, a

concordância depende da

interpretação que dermos ao

conjunto:

Assim, o verbo concordará:

a) Com o primeiro sujeito, se

quisermos destacá-lo:

“O nome, como o corpo, é nós

também.”

b) Com os dois sujeitos

englobadamente (isto é: o verbo

irá para o plural), se os

considerarmos termos que se

adicionam, que se reforçam,

interpretação que normalmente

damos, por exemplo, a estruturas

correlativas do tipo tanto...

como:

“É inútil acrescentar que tanto

ele como eu esperamos que você

nos dê sempre notícias.”

MAIS DE UM

Bechara (p. 560) Rocha Lima (p. 478) Cunha e Cintra

Depois de mais de um o verbo é

em geral empregado no singular,

sendo raro o aparecimento de

verbo no plural:

“... mais de um poeta tem der-

Fica no singular o verbo,

concordando com o substantivo

que acompanha a expressão.

Exemplo:

“Mais de um jornal fez alusão

71

ramado...”

“Mais de um coração de guer-

reiro batia apressado...”

nominal ao Brasil.”

Se a expressão mais de um es-

tiver repetida, ou se for intenção

do escritor inculcar ideia de

reciprocidade, é o plural que

recorrem os bons autores.

A CONCORDÂNCIA COM VERBOS IMPESSOAIS

Bechara (p. 562) Rocha Lima (p. 488) Cunha e Cintra

Nas orações sem sujeito o verbo

assume a forma da 3ª pessoa do

singular:

“Há vários nomes aqui.”

“Deve haver cinco premiados.”

Em português, são impessoais,

isto é, empregam-se sem sujeito,

os seguintes verbos, princi-

palmente:

a) Os que, no sentido próprio,

indicam fenômenos naturais:

chover, gear, nevar, alvorecer,

amanhecer, anoitecer, etc.

b) Fazer, acompanhado do

objeto direto, quando indica

fenômenos devidos a fatos

astronômicos (fazer calor, frio,

vento, trovões, sol, etc.)

Exemplos:

“Aqui faz verões terríveis.”

“Faz hoje precisamente sete

anos; voltávamos da Escola

Militar.”

Combinando-se a um auxiliar,

transmite a este sua impessoa-

lidade.

Exemplo:

“Vai fazer cinco anos que ele se

doutorou.”

c) Haver, seguido de objeto

direto, significando a existência

de uma pessoa ou coisa.

Exemplo:

“Se não houvesse ingratidões,

como haveria finezas?”

A impessoalidade deste verbo

estende-se também aos

auxiliares que com ele formam

perífrases, como se vê no

exemplo seguinte:

“Então convosco também,

senhores meus, pode haver

pactos?”

d) Acontecer, suceder e

sinônimos, acompanhados de

adjunto adverbial de modo.

A CONCORDÂNCIA COM dar

Bechara (p. 563) Rocha Lima (p. 487) Cunha e Cintra (p.-)

Se aparece o sujeito relógio, com

ele concorda o verbo da oração:

“O relógio deu duas horas.”

Não havendo o sujeito relógio, o

verbo concorda com o sujeito

expresso pela expressão

numérica:

Em frases assim, estes verbos

tem por sujeito o número que

indica as horas.

Exemplos:

“Deram dez horas.”

“Deram agora mesmo as três da

madrugada.”

72

“No relógio deram duas horas.”

A CONCORDÂNCIA COM O VERBO NA PASSIVA PRONOMINAL

Bechara (p. 563) Rocha Lima (p.475) Cunha e Cintra

A língua padrão pede que o

verbo concorde com o termo que

a gramática aponta como sujeito:

“Alugam-se casas.”

“Vendem-se apartamentos.”

“Fazem-se chaves.”

Se o verbo estiver no infinitivo

com sujeito explícito, o normal é

usar o infinitivo flexionado

como no exemplo de M. de

Assis:

“e para se perderem (cinco

contos) assim...” (MA)

Todavia, aqui e ali bons

escritores deixam escapar

exemplos com o infinitivo sem

flexão:

Basta ver o que este bom povo é

para se avaliar as excelências de

quem assim o educou. (CB)

Atenção especial deve merecer a

concordância de verbo acompa-

nhado da partícula se e seguido

de substantivo no plural, em

construções do tipo:

Alugam-se casas. Regulam-se

relógios. Venderam-se todos os

bilhetes.

Este substantivo, representado

(geralmente) por ser inanimado,

é o sujeito da frase -, razão pela

qual com ele há de concordar

com o verbo.

A CONCORDÂNCIA DO VERBO COM SUJEITO ORACIONAL

Bechara (p. 565) Rocha Lima (p.484) Cunha e Cintra (p.-)

Fica no singular o verbo que tem

por sujeito uma oração, que,

tomada materialmente, vale por

um substantivo do número

singular e do gênero masculino:

“Parece que tudo vai bem.”

Permanece no singular o verbo

que tem como sujeito duas ou

mais orações coordenadas entre

si:

“Que Sócrates nada escreveu e

que Platão expôs as doutrinas de

Sócrates é sabido.”

Fica no singular o verbo que se

refere a vários sujeitos expressos

por orações, quer iniciadas por

conectivo, quer reduzidas.

Exemplo:

“Que Sócrates nada escreveu e

que Platão expôs as doutrinas de

Sócrates é sabido.”

No caso de os sujeitos exprimem

contraste de ideias, usa-se o

plural:

“Usar de razão e amar são duas

coisas que não se ajuntam.”

Dispostas lado a lado, as regras de concordância verbal constantes das três

gramáticas estudadas evidenciam uma estreita rede intertextual. Não raro, o enunciado

de uma regra é muito semelhante num gramático e noutro, assim como os exemplos

usados podem coincidir. Veja-se o que dizem Bechara e Rocha Lima sobre a

concordância do verbo com sujeito oracional, bem como o exemplo dado por eles

(ENUNCIADO 1), e Bechara e Cunha e Cintra sobre a concordância do verbo com

sujeito ‘pronome relativo’ (ENUNCIADO 2):

ENUNCIADO 1

73

Fica no singular o verbo que tem por sujeito uma oração, que, tomada

materialmente, vale por um substantivo do número singular e do gênero

masculino [...] Permanece no singular o verbo que tem como sujeito duas ou

mais orações coordenadas entre si:

“Que Sócrates nada escreveu e que Platão expôs as doutrinas de Sócrates é

sabido.” (BECHARA, 2006, p. 565)

Fica no singular o verbo que se refere a vários sujeitos expressos por orações,

quer iniciadas por conectivo, quer reduzidas. Exemplo:

“Que Sócrates nada escreveu e que Platão expôs as doutrinas de Sócrates é

sabido.” (ROCHA LIMA, 2011, p. 484).

ENUNCIADO 2

Se o antecedente do pronome relativo funciona como predicativo, o verbo da

oração adjetiva pode concordar com o sujeito de sua principal ou ir para a 3.ª

pessoa (se não se quer insistir na íntima relação entre o predicativo e o sujeito)

(BECHARA, 2006, p. 561)

Se o antecedente do relativo que é um demonstrativo, que serve de predicativo

ou aposto de um pronome pessoal sujeito, o verbo do relativo pode ir para a 3.ª

pessoa, em concordância com o demonstrativo, se não há interesse em acentuar

a íntima relação entre o predicativo e o sujeito (CUNHA e CINTRA, 2007, p.

500).

Os trechos grifados e italicizados parecem mostrar a remissão de uma obra a

outra, sem que isso seja explicitado formalmente por meio de uma citação referenciada.

Parece haver um acordo tácito entre os gramáticos de que esse gênero discursivo

constitui um território em que a cópia fiel (trechos grifados) ou a paráfrase (trechos

italicizados) é interpretada como algo normal e não julgada como plágio. Talvez essa

leniência em relação à reprodução decorra da natureza de ‘código’ impingida ao

conjunto de regras da gramática normativa. A relação parafrástica entre os enunciados

seguintes, o primeiro de Rocha Lima e o segundo de Cunha e Cintra, ambos

normatizando a concordância do verbo com sujeitos ligados por ‘com’, é também

evidente (ENUNCIADO 3):

ENUNCIADO 3

O mais frequente é usar-se o plural, visto que ambos os sujeitos

“aparecem em pé de igualdade tal, que se podem considerar como

enlaçados por e”. (ROCHA LIMA, 2011, p. 481).

Assim, o verbo irá normalmente: a) para o plural, quando os sujeitos

estão em pé de igualdade, e a partícula com os enlaça como se fosse a

conjunção e: (CUNHA e CINTRA, 2007, p. 515).

74

Rocha Lima aspeia o segmento “aparecem em pé de igualdade tal, que se podem

considerar como enlaçados por e” e, em nota de rodapé, referencia o autor (Mário

Barreto) e a obra (Novíssimos Estudos da Língua Portuguesa) de onde o extraiu. Aliás,

sua gramática é farta em referências em notas de rodapé. Já Cunha e Cintra, embora

nitidamente se refiram a Rocha Lima e a Mário Barreto, pela similitude formal que há

entre os dois enunciados não fazem referência alguma a eles. Quer dizer, em se tratando

de gramática, os autores parecem ter salvo-conduto para transitar livremente pela cópia,

geralmente interditada a outros gêneros discursivos. Rocha Lima destoa dos demais,

pois ele costuma citar explicitamente suas fontes, como faz no enunciado seguinte,

sobre a concordância do verbo com sujeito composto unido por ‘nem’, retirado de Said

Ali (ENUNCIADO 4).

ENUNCIADO 4

“Querendo-se, todavia, pôr em relevo” – são palavras de Said Ali – “que

a mesma ação se repete para cada um dos sujeitos, sucessivamente ou em

épocas diferentes, dá-se ao verbo a forma do singular, desde que no

singular também estejam os diversos sujeitos”.

Exemplo:

“Nem a lisonja, nem a razão, nem o exemplo, nem a esperança bastava a

lhe moderar as ânsias...” (Vieira) (ROCHA LIMA, 2011, p. 485).

Todavia, o mais comum é discurso gramatical circular de boca em boca entre os

gramáticos sem que se possa localizar seu ponto de origem. O contraponto aqui

realizado revela, pois, que esse discurso pressupõe que o sujeito que o enuncia não se vê

ou se deseja um sujeito original, mas sim um sujeito que reitera as mesmas normas

acerca da concordância verbal na língua padrão.

Nas três gramáticas, o tratamento da concordância verbal restringe-se ao que

convém ao português escrito culto, tal como é usado por escritores portugueses e

brasileiros clássicos, embora uma ou outra observação episódica sobre o que se passa no

português popular apareça aqui e ali. Por exemplo, Cunha e Cintra, ao tratarem da

concordância do verbo com sujeito ‘quem’, afirmam que “O pronome quem constrói-se,

de regra, com o verbo na 3ª. pessoa do singular”, mas que não faltam exemplos de uso

não da 3ª. pessoa do singular, mas sim da pessoa do sujeito da oração anterior.

Observam os autores que “É esta a construção preferida da linguagem popular” (p. 503).

Porém, é a perspectiva do um sobre o múltiplo que preside todo o tratamento da

concordância verbal, perspectiva normativa materializada nos enunciados seguintes:

75

ENUNCIADO 5

Impõe-se o emprego do verbo no singular em dois casos:

a) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a

partícula ou for alternativa, de tal forma que o verbo só se refira a um

dos sujeitos, com exclusão dos demais.

Exemplo:“(...) crendo que Fainamá ou alguma de suas irmãs era

morta.”

b) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a

partícula ou exprimir equivalência, de tal forma que o verbo se possa

igualmente referir a qualquer um desses sujeitos.

Exemplo: “Um cardeal, ou papa, enquanto homem, não é mais do

que uma pessoa...” (ROCHA LIMA, 2011, p.489 e 490).

ENUNCIADO 6

Até hoje não foi possível aos gramáticos formular um conjunto de regras

fixas, pelas quais se regesse o emprego de uma e outra forma. A cada

passo infringem os escritores alguns preceitos tidos por definitivos; e isso

porque, ao lado das razões de ordem gramatical, e interferindo nelas,

alcançam-se muitas vezes ao primeiro plano certas condições reclamadas

pela clareza, ênfase e harmonia de expressão (ROCHA LIMA, 2011, p.

502-503).

ENUNCIADO 7

É caso difícil de disciplinar; mas pode-se ter por norma empregar o

verbo no plural quando os sujeitos (ligados por NEM) são da 3ª pessoa.

Exemplo: “Nem a natureza, nem o demônio deixaram a sua antiga

posse.” (ROCHA LIMA, 2011, p. 485).

ENUNCIADO 8

A língua padrão pede que o verbo concorde com o termo que a gramática

aponta como sujeito:

“Alugam-se casas.”

“Vendem-se apartamentos.”

“Fazem-se chaves.”

Se o verbo estiver no infinitivo com sujeito explícito, o normal é usar o

infinitivo flexionado como no exemplo de M. de Assis:

“e para se perderem (cinco contos) assim...” (MA)

Todavia, aqui e ali, bons escritores deixam escapar exemplos com o

infinitivo sem flexão:

Basta ver o que este bom povo é para se avaliar as excelências de

quem assim o educou. (CB) (BECHARA, 2006, p. 563)

No ENUNCIADO 5, o caráter prescritivo da norma patenteia-se por meio do

verbo impor-se. No ENUNCIADO 6, o gramático parece lamentar a impossibilidade de

76

fixar definitivamente um conjunto de regras para reger o emprego de uma e outra forma

de concordância. Na contramão dos gramáticos, que desejam assentar os preceitos

definitivos, colocam-se os escritores, que constantemente os infringem. Observa-se,

pois, nesse exemplo, o conflito entre duas ordens da língua – a gramatical e a estilística,

a primeira legislando sobre o que deve ser (é notória a presença de termos jurídicos

como: reger, preceitos, infringir etc.) e a segunda brincando, muitas vezes, com os

preceitos tidos como definitivos, em benefício do estilo, da clareza, da ênfase e da

harmonia de expressão. No ENUNCIADO 7, reencontra-se o mesmo lamento de 6: o

gramático diz que é caso difícil de disciplinar a concordância do verbo com sujeitos

ligados por nem, figurando a ação de disciplinar como o ideal perseguido.

E, no ENUNCIADO 8, o gramático é peremptório ao enunciar, a propósito da

passiva sintética, que “A língua padrão pede que o verbo concorde com o termo que a

gramática aponta como sujeito”. A gramática normativa aponta como sujeito de uma

frase como “Alugam-se casas”, a palavra “casas”, daí o uso do verbo “alugam” na 3ª.

pessoa do plural. Nenhuma palavra é dita sobre o uso majoritário de “Aluga-se casas”,

“Vende-se sapatos”, em que ‘se’ é interpretado como um índice de indeterminação do

sujeito, ou mesmo como um sujeito equivalente ao ‘on’ do francês e ‘casas’ como

objeto direto. Para dizer de outro modo, há um silêncio ensurdecedor sobre aquilo que é

normal (no sentido de estatisticamente mais frequente) no português vernacular. Ainda

no século XIX, João Ribeiro, conforme Capítulo 1, aludia a essa tendência, que ele

abominava, como um galicismo, ou seja, como um vício de linguagem. Mas mesmo

como uma hipótese refutável, o fenômeno recebeu a atenção de João Ribeiro. Os

gramáticos contemporâneos nada dizem sobre ela, apesar de sua ubiquidade no cenário

urbano. E se admitem o uso do infinitivo não flexionado com sujeito plural é só porque

“aqui e ali, bons escritores deixam escapar exemplos com o infinitivo sem flexão”.

Quer dizer, tolera-se uma escapada da regra que pede o infinitivo flexionado em

concordância com um sujeito plural nas orações com passiva sintética, se a escapada

vier pela pena de ‘bons escritores’. ‘Escapar’ pressupõe sair do caminho reto, correto da

norma padrão, gesto de indisciplina condenável quando sai da boca ou da pena de

falantes sem nome.

77

CAPÍTULO 4

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:

ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS

Neste capítulo, envereda-se pela sociolinguística e pela dialetologia, na medida

em que esta é solicitada pela primeira para fornecer argumentos à tese da arcaicidade

sobre a formação do português brasileiro. Apresentada ligeiramente a visada

sociolinguística da língua, focalizam-se, então, os estudos variacionistas sobre a

concordância verbal, com destaque para os trabalhos de Anthony Julius Naro e Maria

Marta Pereira Scherre, precursores da pesquisa orientada para essa temática e autores de

boa parte da bibliografia aqui resenhada. Além da bibliografia assinada por eles, foram

consultadas dissertações e teses que os tem como referência. Trata-se, primeiro, da

concordância verbal como fenômeno variável na modalidade oral e depois na

modalidade escrita do português, entendido como um sistema heterogêneo, mas

ordenado correlativamente a fatores estruturais e sociais.

4.1 A VIRADA SOCIOLINGUÍSTICA

Na virada do século XX, Saussure selou o destino da linguística como uma

disciplina efetivamente científica. Diante da linguagem – um fenômeno multiforme e

heteróclito –, Saussure usou a navalha do método para separar a ‘língua’ da ‘fala’,

instituindo a dicotomia língua/fala que viria a ser o pilar central da linguística como

ciência. Elegendo a língua como objeto da linguística, elegeu a dimensão

plurindividual, homogênea e sistemática da linguagem e descartou a fala em sua

dimensão individual, heterogênea e desordenada. Para Saussure, a “língua” é:

[...] o produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções

necessárias, adotadas pelo corpo social, para permitir o exercício dessa

faculdade nos indivíduos. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala

em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema

gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos

cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em

nenhum, e só na massa ela existe de modo completo (SAUSSURE, 1987, p. 21).

78

A língua impõe-se aos membros de uma comunidade social de modo inexorável;

esses não a podem criar ou modificar conscientemente. Já a fala é o lado executivo da

língua e jamais é feita pela massa. Enquanto a língua é um ‘fato social’ tacitamente

absorvido pelos falantes, a fala, pensava-se, é um ‘ato individual’ deliberado. Os atos

linguísticos individuais são ilimitados, inapreensíveis, inclassificáveis, resistentes a

ordenações categóricas, e avessos, portanto, ao objeto idealizado pela ciência positiva,

paradigma científico que presidiu o gesto saussureano de recortar a linguagem na

fundação da linguística moderna.

A dicotomia saussureana língua/fala, nesse um século de linguística moderna,

foi inúmeras vezes criticada. O linguista romeno Eugenio Coseriu propôs não uma

dicotomia, mas uma tricotomia. Coseriu (1980 [1952]) sugeriu que o sistema parte do

mais concreto (falar concreto) para o mais abstrato (sistema), passando por um nível

intermediário (norma). O termo “falar concreto” equivale à “fala” (parole); o termo

“norma” designa aqueles aspectos do “falar concreto” que são traços comuns,

constantes, tradicionais, coletivos, mas não necessariamente funcionais no interior de

todo o sistema; o termo “sistema” designa o conjunto das oposições linguísticas

funcionais e equivale a “língua” (langue). Segundo o autor, “norma” e “sistema” assim

se diferenciam:

[...] o termo norma abrange fatos linguísticos efetivamente realizados e

existentes na tradição, ao passo que o sistema é uma técnica aberta que abrange

virtualmente também os fatos ainda não realizados, mas passíveis de acordo

com as mesmas oposições distintivas e as regras de combinação que governam

o seu uso. (COSERIU, 1980, p. 123)

Consoante a tricotomia proposta por Coseriu, o falar concreto individualiza os

falantes de uma dada língua, o sistema os reúne numa só coletividade e a norma os

dispõe em subgrupos. Porém, quando se refere à norma linguística, não está pensando

em norma no sentido prescritivo, “o como se deve dizer”, mas sim em norma no sentido

descritivo, “o como se diz”. Às inúmeras normas de uma língua, não se chega

compulsando seus grandes escritores, mas observando, coletando e descrevendo

amostras da língua vernacular. A norma seguida pelos escritores clássicos de uma

língua é apenas uma das muitas normas

W. Labov, na década de 1960, questionou o conceito de língua como sistema

homogêneo e invariável, tal como postulado por Saussure. Parecia-lhe evidente que a

79

língua de uma sociedade heterogênea não podia ser homogênea, que a língua variaria de

região para região, de classe social para classe social, de faixa etária para faixa etária, de

homens para mulheres, de negros para brancos, de bem escolarizados a poucos

escolarizados etc. Mas como sistematizar essas variações, se o propósito da ciência

linguística era descobrir e apreender a ordem do caos? Assim, insistindo em provar que

o que os foneticistas e fonólogos chamavam de ‘variação livre’ não tinha nada de livre,

mas era variação regular condicionada se não por fatores linguísticos, ao menos por

fatores extralinguísticos, o autor prenunciava a sociolinguística.

A sociolinguística elege como objeto de estudo exatamente a variação

linguística, “entendendo-a como princípio geral e universal, passível de ser descrita e

analisada cientificamente” (MOLLICA, 2003, p. 09). Concebe a variação linguística

como mudança formal não acompanhada de mudança de significado. Por meio de uma

metodologia rigorosa, envolvendo modelos quantitativos, tratamento estatístico e

análise correlacional entre variáveis estruturais e sociais, é possível mostrar que toda

variação é legítima e previsível. Desse modo, no escopo da teoria da variação, a língua é

vista como possuindo uma heterogeneidade sistemática, regular: regras categóricas

convivendo com regras variáveis. Conforme Cox, a sociolinguística

[...] afasta-se da concepção de língua como sistema completamente monolítico

de regras categóricas, postulando que a heterogeneidade é inerente a uma

comunidade de fala. Se para a linguística formal a língua é apenas um sistema

de invariantes, para a sociolinguística é um sistema complexo de invariantes e

variantes. Uma língua é sempre um mosaico, um compósito de normas que se

correlacionam probabilisticamente a fatores sociais, a contextos

extralinguísticos. A língua não é mais um UM central, mas a justaposição de

vários uns setorizados (COX, 2004, p. 145).

O principal objetivo da sociolinguística é mostrar que o aparente caos linguístico

decorrente de uma visão preconcebida do fenômeno da variação não corresponde à

realidade dos fatos. Quando investigadas com a ajuda de métodos linguísticos

científicos, todas as variedades, até as mais estigmatizadas, como o “Black English”,

revelam-se sistemáticas e ordenadas. Assim,

Estabelecer a variação como parte integrante do sistema, juntamente com

estruturas invariantes, e não como mera manifestação do uso linguístico,

constitui também uma forma de melhor capturar a organização do sistema

linguístico internalizado pelos falantes (GOMES & SOUZA, 2003, p. 74)

80

A regularidade, sistematicidade e previsibilidade da variação são evidenciadas

quando o pesquisador a correlaciona com fatores estruturais e sociais. Por exemplo, a

concordância entre o verbo e o sujeito é um fenômeno variável no português,

metodologicamente denominado de ‘variável dependente’, pois “se realiza através de

duas variantes, duas alternativas possíveis e semanticamente equivalentes: a marca de

concordância no verbo ou a ausência da marca de concordância” (MOLLICA, 2003, p.

11). A regularidade dessa variação evidencia-se quando a presença ou ausência da

marca de concordância no verbo é correlacionada com fatores estruturais (posição do

sujeito antes ou depois do verbo etc.) e sociais (rural/urbano, masculino/feminino, nível

superior/nível fundamental etc.), matéria que será explorada no desenvolvimento deste

capítulo.

Para fechar esta seção, é preciso explicitar o sentido de alguns termos que serão

amplamente empregados a partir de então na resenha de estudos variacionistas da

concordância verbal: variação, variante, variável dependente e variável independente

(linguística e social). Mollica (2003) assim os define:

A variação linguística constitui um fenômeno universal e pressupõe a

existência de formas linguísticas alternativas denominadas variantes.

Entendemos então por variantes as diversas formas alternativas que

configuram um fenômeno variável, tecnicamente chamado de variável

dependente. [...] Uma variável é concebida como dependente no sentido que o

emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupo de fatores

(ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. Assim, as

variáveis independentes ou grupos de fatores podem ser de natureza interna

(variável linguística) ou externa à língua (variável social) e podem exercer

pressão sobre os usos, aumentando ou diminuindo sua frequência de ocorrência

(MOLLICA, 2003, p. 10 e 11) (destaques e inclusões por Miriã Oliveira

Ferreira)

Destarte, designa-se como variação a propriedade que as línguas vivas

apresentam de se alterarem segundo o contexto em que ocorrem. A teoria da variação

assume a tese de que todas as línguas são heterogêneas, o que significa dizer que uma

mesma unidade linguística pode exibir variantes formais que não afetam o significado.

Assim, variantes são as diferentes maneiras de dizer a mesma coisa, com o mesmo

valor de verdade. O conjunto das variantes referentes a uma dada unidade constitui a

variável dependente, assim designada em razão de as formas alternativas que a

compõem não serem aleatórias e sim dependentes de fatores linguísticos e

81

extralinguísticos (regionais, sociais, estilísticos etc.), esses designados de variáveis

independentes.

4.2 ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS E DIALETOLÓGICOS ACERCA DA CONCORDÂNCIA

VERBAL

São inúmeros os estudos sociolinguísticos variacionistas sobre a concordância

verbal no português, a maioria deles realizada por Anthony Julius Naro e Maria Marta

Perreira Scherre ou por alunos de mestrado e doutorado que realizaram pesquisas sob

sua orientação. Almeida (2010) elenca os seguintes trabalhos assinados pelos dois

sociolinguistas: NARO E SCHERRE (1991; 1999a; 1999b; 2000a; 2000b; 2001, 2003;

2007a; 2007b), SCHERRE & NARO (1991; 1992; 1993; 1997; 1998a; 1999; 2000,

2001, 2006) e SCHERRE (2005).

Tais estudos, geralmente, envolvem a discussão acerca das origens do

português brasileiro. Segundo Ataliba T. de Castilho, no prefácio de Origens do

português brasileiro (NARO e SCHERRE, 2007), as pesquisas históricas se concentram

em três teses: (1) Tese da ancianidade: o português brasileiro seria uma continuação do

português arcaico; (2) Tese da emergência de uma nova gramática a partir do século

XIX; (3) Tese crioulística: o português brasileiro originou-se de uma fase de falares

crioulos e semicrioulos de base africana (CASTILHO, 2007, p. 13).

A tese com mais prestígio entre Anthony Julius Naro e Maria Marta Pereira

Scherre é a primeira, ou seja, a de que o português brasileiro é uma continuação do

português arcaico. Contudo, essa tese constitui apenas a base do que eles chamam de

CONFLUÊNCIA DE MOTIVOS. Os autores rebatem veementemente a tese de que o

português brasileiro teria sua origem vinculada a falares crioulos de base africana.

Dizem eles:

[...] segundo nossa visão, o impulso motor do desenvolvimento do português do

Brasil veio já embutido na deriva secular da língua de Portugal. Se as sementes

trazidas de lá germinaram mais rápido e cresceram mais fortes, é que as

condições, aqui, mostraram-se mais propícias devido a uma CONFLUÊNCIA

DE MOTIVOS. (NARO e SCHERRE, 2007, p. 48)

O contato do português com outras línguas (africanas e principalmente

indígenas) pode ter acentuado e até acelerado o desenvolvimento de algumas tendências

originais de formação da língua, como a mudança em direção a um sistema mais

82

analítico, mas não seria uma reestruturação embutida na gramática do português

brasileiro por línguas africanas. A língua portuguesa teria herdado, como as línguas

românicas em geral, a tendência de caminhar para a uniformização morfológica, e não

adquirido essa característica por meio de um processo de africanização.

É perfeitamente possível, entretanto, que a língua portuguesa já possuísse o

embrião do novo sistema analítico, antes mesmo de sair da Europa. Tal estado

de coisas se torna bastante plausível dada a deriva secular das línguas

românicas, e indo-européias de maneira geral, em direção à uniformização

morfológica, com a sobrevivência apenas das formas ‘irregulares’ mais

salientes. (NARO e SCHERRE, 2007, p. 32)

4.2.1 CONCORDÂNCIA VERBAL VARIÁVEL – UM TRAÇO DO PORTUGUÊS EUROPEU

Em textos do português arcaico, encontram-se vários casos de concordância

variável destoantes das regras da gramática normativa, o que dá suporte à tese da deriva

secular. Conforme Naro e Scherre (2007, p. 58), esses casos são vistos como erros dos

escribas ou de impressão pelos pesquisadores modernos que, ao editarem os textos

antigos, costumam corrigir as concordâncias de acordo com as prescrições gramaticais

atuais. Estudos feitos com textos datados do século XVI mostram as mesmas tendências

de concordância observadas no português moderno. Os autores enumeram vários

exemplos do fenômeno, dentre os quais este: “a todos que se fazem (3ª pl.) afora da

carreira do pecado e TORNA (3ª sg.) a dereita carreira” (Magne, 1955:xxi, p. 160,

223). Nesse exemplo, a forma verbal TORNA apresenta desinência número-pessoal 0 e

não a forma marcada –EM, como FAZEM. Estruturalmente , o sujeito localiza-se antes

do verbo, mas separado dele por muitas sílabas; esse contexto, revelam pesquisas atuais,

favorece a variável 0 também no português moderno. Praticamente todas as variáveis

estruturais que se mostram relevantes para o português brasileiro moderno também se

mostram relevantes, as pesquisas confirmam, para o português europeu moderno ou

antigo. Isso revela que o fenômeno da concordância variável não é uma característica

exclusiva do português brasileiro, devido à influência de línguas africanas ou indígenas,

mas é, sim, um traço herdado do português europeu. Efetivamente, essa tendência é

considerada, segundo Quint (2008), uma deriva românica relacionada com a tendência

geral de redução do paradigma latino de desinências pessoais do verbo. Observa-se, por

83

meio do quadro seguinte, que o galego mantém a distinção entre as seis desinências, o

PE (português europeu) a reduz para cinco e o PB (português brasileiro) para quatro.

Quadro 1 - Comparação dos paradigmas verbais do presente do indicativo do verbo

cantar (e) em latim, galego, PE e PB

Pessoa latim galego PE PB

1ª singular Canto Canto Canto Canto

2ª singular Cantas Cantas Cantas X

3ª singular Cantat Canta Canta Canta

1ª plural Cantamus Cantamos Cantamos Cantamos

2ª plural Cantatis Cantades X X

3ª plural Cantant Cantan Cantam Cantam

(QUINT, 2008, p. 76)

Naro e Scherre (2007), ao tentarem comprovar sua tese de que a variação da

concordância verbal é um fenômeno do português europeu moderno e antigo,

pesquisaram 12 obras da dialetologia portuguesa e elencaram os seguintes contextos

estruturais como fatores que propiciam a presença de uma ou outra variável: I-

neutralização entre 1ª e 3ª pessoa do singular, II- variante zero de plural com sujeito à

direita do verbo, III- variante zero de plural com sujeito à esquerda do verbo e IV-

saliência fônica na relação singular/plural da forma verbal.

I - Neutralização entre 1ª e 3ª pessoa do singular

Em sete dos doze trabalhos sobre a neutralização entre 1ª e 3ª pessoa do

singular do presente e do pretérito perfeito do indicativo no português europeu

examinados por Naro e Scherre (2007, p. 91-95) foram encontradas evidências de

neutralização em várias comunidades portuguesas.

Em Ericeia – sudoeste de Portugal, Azoia – sudoeste, Odeleite – sudeste de

Portugal, Germil – norte de Portugal, Fafe – norte, Faia – centro norte de Portugal,

Lisboa – sudoeste de Portugal, foi registrada a tendência de se trocar a primeira pessoa

pela terceira ou o contrário. Em comunidades de pessoas simples e analfabetas, foram

coletados exemplos como: Eu foi, eu pôs, eu pôde, eu fez, eu teve, eu esteve; Eu na

quinta-feira apanhou 2 kilos de pólves; Ê [eu] esquece-me. (NARO e SCHERRE,

2007, p. 93)

Naro e Scherre (2007, p. 93) relatam que esse tipo de neutralização também

tem sido registrado em comunidades isoladas no Brasil, citando os trabalhos de Ferreira

(1994, p. 29-39) e de Baxter & Lucchesi (1997, p. 77) que o apresentam como

84

argumento para comprovar a tese de que no português brasileiro há crioulização e

também para evidenciar a aquisição do português como segunda língua. Porém, Naro e

Scherre (2007, p. 93) uma vez mais rebatem esse argumento, afirmando que “[...] a

neutralização entre 1ª e 3ª pessoas do singular é um fenômeno perfeitamente encaixado

na configuração geral do português, incluindo o português-padrão”, lembrando que a

neutralização ocorre em todos os verbos no modo indicativo (pretérito imperfeito - eu

falava/ele falava, pretérito-mais-que-perfeito – eu falara/ele falara e futuro do pretérito

– eu falaria/ele falaria, alguns verbos também no pretérito perfeito – eu trouxe/ele

trouxe) e no modo subjuntivo (todos os tempos: futuro - eu falar/ele falar, passado - eu

falasse/ele falasse, presente - eu fale/ele fale).

II– Variante zero de plural com sujeito à direita do verbo

Nove entre as doze obras de dialetologia portuguesa pesquisadas por Naro e

Scherre (2007, p. 95-97) apresentaram casos de ausência de concordância verbal ou

variante zero de plural quando o sujeito vem depois, ou seja, à direita do verbo. Foram

registrados os seguintes exemplos nas regiões de: Odeleite (É um terreno que se caia

em volta pra que nã entre lá gados...); Quadrazais (já bai os pães feitos); Azoia (tava lá

já as criadas); Escusa (A gente sabe lá com’ é essas vidas!); Ericeira (...corre todos os

seus criados...); Faia (Cando é quebrantes); Monte Gordo (Que te nasça tantos

bechocos...); Fafe (foi eu e o rapaz) - fui eu e o rapaz - e Baleizão (D’pôs veiu o rei e a

rainha).

III – Variante zero de plural com sujeito à esquerda do verbo

A variante zero de plural, com sujeito à esquerda do verbo, também apareceu

em nove dos doze trabalhos pesquisados. De acordo com Naro e Scherre (2007, p.97-

99), os registros apareceram em Odeleite (Duas canas dá oito mestras.); Ericeia (As

quenguerelas só presta para pescar.); Azoia (as borricêras que viero onte é que fez

isto.); Lisboa (os nossos agasalhos é estes); Germil (Ninguém se fia nos homes, qu’os

homes é fraco gado); Fafe (O pai e a mãe nunca bai p’r ó rio) - o pai e a mãe nunca

vão para o rio -; Faia (Carangueijos é do mar); Monte Gordo (As redes vem em branco,

log’ é post’ó lumi...); Baixo Alentejo (mê abô e minha abó era de Barrancu).

Os casos arrolados nos itens II e III evidenciam claramente que a posição do

sujeito – SV ou VS – é uma variável estrutural importante para a compreensão

sociolinguística da variação da concordância verbal de número e pessoa tanto no

85

português brasileiro e europeu moderno, quanto no português arcaico. No português

brasileiro, o sujeito à esquerda do verbo (SV) favorece a presença da marca de

concordância no verbo. Já com o sujeito posicionado à direita do verbo (VS), é mais

frequente o uso da variante 0. Geralmente as construções em que o sujeito está à direita

do verbo causam estranhamento ou dificuldade de interpretação às crianças e adultos. À

direita do verbo, o sintagma nominal tende a ser compreendido como complemento do

verbo e não como sujeito.

IV – Saliência fônica na relação singular/plural da forma verbal.

A saliência fônica da forma verbal é uma variável estrutural com forte impacto

na realização da concordância ou não no português brasileiro. Sua influência também

foi registrada nos estudos dialetológicos portugueses pesquisados por Naro e Scherre

(2007, p. 100-103), corroborando uma vez mais a hipótese de que a variação da

concordância verbal no português brasileiro tem suas raízes no português europeu.

Peixoto (1968, p. 135-136), citado por Naro e Scherre (2007, p. 100),

pesquisou a comunidade de Germil em Portugal, onde registrou a perda de nasalidade

da vogal em sílabas átonas finais dos vocábulos verbais, preservando ou apagando a

marca explícita de plural segundo a escala da saliência fônica proposta por Lemle e

Naro (1977) e Naro (1981). Peixoto encontrou formas como: eles comero, eles amo,

eles irio, eles punho, em que há perda da nasalidade, mas não da marca de plural que se

reduz a [u]/<o>, mas também encontrou casos de perda de nasalidade acompanhada de

perda da marca de plural como em eles oube (m), eles sacode(m). Registros

semelhantes também foram encontrados em Germil, Fafe e Lisboa.

Essa revisão de estudos dialetológicos lusitanos embasou a argumentação de

que a saliência fônica é uma variável estrutural relevante na compreensão do fenômeno

da concordância verbal variável no português brasileiro e europeu. Naro e Scherre

(2007, p. 102) vão adiante, afirmando que essa variação se iniciou no nível fonológico,

mas “[...] expandiu-se e atingiu, indiretamente, o plano morfológico, em toda a

dimensão da escala de saliência”. Essa tendência à desnasalização da sílaba átona final,

que produz formas como home/homem, virge/virgem etc, atingindo as formas verbais,

produziu variações significativas na morfossintaxe do português em geral, logicamente

menos na modalidade escrita do que na oral e menos na norma culta do que na norma

popular.

86

No Brasil, os estudos dialetológicos têm avançado timidamente se comparados

a outros países. Alguns dialetos ainda não foram estudados cientificamente ou existem

poucos trabalhos voltados para eles. No entanto, os trabalhos dialetológicos até aqui

feitos constituem o marco inicial para os estudos sobre variação de concordância.

Amadeu Amaral, em 1920, em um trabalho pioneiro sobre as variantes

regionais, descreveu o falar popular paulista e observou a perda do s da primeira pessoa

do plural: “bamo, fômo, fazêmo”; a simplificação da forma quando proparoxítona: nós

ia/íamos fosse/fôssemos, andava/andávamos, fazia/fazíamos, fizesse/fizéssemos e a

modificação sofrida pela terceira pessoa do plural: “quérim, quirium, quizérum,

quêirum, andum, andávum, andárum, ándim”.

A variação de concordância verbal foi descrita também em trabalhos sobre o

falar inculto mineiro e goiano, feitos pelo pesquisador José Aparecido Teixeira. No

estudo do falar mineiro, realizado em 1938, o autor verificou a simplificação das flexões

verbais, resultantes da analogia entre o singular e o plural, ficando a cargo do pronome

pessoal marcar a pessoa verbal a que se quer referir: nois teve, tu foi. Nos estudos,

realizados em 1944, sobre o falar goiano, o autor atribuiu a redução das flexões verbais,

ao contato do português brasileiro com línguas indígenas e africanas e, como Serafim da

Silva Neto, à falta de intervenção disciplinadora da escola.

Em 1945, Mário Marroquim estudou o falar de analfabetos alagoanos e

pernambucanos e, igualmente, observou e noticiou a variação na concordância verbal e

a atribuiu à simplificação das flexões. Aliás, a simplificação do sistema de desinências

flexionais do verbo foi apontada por vários estudos dialetológicos como a força

motivadora a causar a não-concordância verbal. Almeida (2010, p. 41), resenhando tais

estudos, conclui que eles são “[...] unânimes em descrever a não-concordância verbal

como consequência da simplificação do sistema de flexão, o que caracteriza os dialetos

brasileiros estudados”.

4.2.2 - CONCORDÂNCIA VERBAL VARIÁVEL – O CASO BRASILEIRO.

A variação na concordância verbal tem sido fortemente comprovada pelos

estudos sociolinguísticos atuais, que correlacionam o fenômeno a variáveis linguísticas

e extralinguísticas ou sociais, evidenciando a heterogeneidade ordenada do sistema

87

linguístico considerado sincronicamente. Vultoso na modalidade oral do português

brasileiro, o fenômeno, revelam as pesquisas, faz-se também presente na escrita.

Um dos trabalhos pioneiros sobre a concordância entre o verbo e o sujeito é o

de Lemle e Naro (1977), resultante de uma pesquisa realizada com 20 informantes do

Rio de Janeiro, semi-escolarizados, alunos do projeto Movimento Brasileiro de

Alfabetização – MOBRAL. Os resultados dessa pesquisa revelam que pouca diferença

fônica entre o singular e o plural favorece a não concordância, bem como a posposição

do sujeito ao verbo.

Scherre (1994) coloca que a concordância de número não é um fenômeno

restrito a uma região ou classe social específica, mas sim uma característica do

português brasileiro.

[...] o fenômeno da variação na concordância de número no português falado do

Brasil, longe de ser restrito a uma região ou classe social específica, é

característico de toda a comunidade de fala brasileira, apresentando diferenças

mais de grau do que de princípio, ou seja, as diferenças são mais relativas à

quantidade de marcas de plural e não aos contextos linguísticos nos quais a

variação ocorre. (SCHERRE, 1994, p.02)

Nesse artigo, uma síntese da sua tese de doutorado, defendida em 1988,

focaliza a relação verbo/sujeito na escrita padrão, apresentando quatro configurações

estruturais: 1) construções com sujeitos pospostos, independentemente de serem

compostos; 2) construções com sujeito simples de estrutura complexa,

independentemente de expressarem noções quantitativas, coletivas ou partitivas; 3)

construções com sujeito de estrutura complexa que expressam percentual; 4)

construções com sujeito composto singular de estrutura complexa. Scherre conclui que

o verbo é, na maioria dos casos, mais facilmente flexionado se o sujeito for simples e

anteposto ao verbo. Nas demais situações a concordância poderá ser realizada (ou não)

em função de outros elementos:

A conclusão a que já cheguei, através da análise de um número significativo de

casos, é a seguinte: a concordância verbo-sujeito é sempre regida pelo núcleo

do sujeito, se o sujeito em jogo tiver um só núcleo de estrutura sintagmática

simples anteposto ao verbo. Nos demais casos, outros elementos podem entrar

em jogo para assumir o controle da concordância. (SCHERRE, 1994, p.10,11)

Naro e Scherre (1998) trazem os resultados de uma pesquisa que considerava

os anos de escolarização, a faixa etária e o sexo, como variáveis sociais, e a saliência

88

fônica e a posição do sujeito, como variáveis linguísticas. A pesquisa explorou dados do

Corpus Censo do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL), grupo de

pesquisa do Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras da

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram extraídas 4632 construções de

concordância verbal.

Várias pesquisas realizadas no campo da sociolinguística brasileira, nos

últimos trinta anos, têm revelado a correlação estreita entre concordância ou não do

verbo com o sujeito e a menor ou maior saliência fônica da marca de plural no verbo.

Estudos semelhantes e anteriores ao de Naro e Scherre (1998), realizados com pessoas

analfabetas, evidenciaram que o aumento da saliência fônica do singular/plural dos

verbos aumenta as chances de aparecer a variante explícita do plural. Naro (1981)

observou que a hierarquia da saliência fônica ocorre em função de dois critérios:

presença ou ausência de acento na desinência e a quantidade de material fônico que

diferencia a forma do singular da forma do plural. A presença ou ausência de acento na

desinência correspondem a dois níveis de saliência e cada nível apresenta três categorias

que mostram a diferenciação fônica da relação singular/plural, resultando, portanto, em

uma escala de seis níveis, com a seguinte configuração:

Nível 1 (oposição não acentuada): "contém os pares nos quais os segmentos

fonéticos que estabelecem a oposição são NÃO ACENTUADOS em ambos os

membros"

1a: não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural

- Eles conhece07 Roma. Conhece Paris (MOR45MC51/2470)

- Ceys conheceM? (NAD36FG57/1119)

1b: envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural

- Eles ganha0 demais po que eles fayz (CAB02MP16/ 0026)

- Eles ganhaM demais da conta (CAB02MP16/0012)

1c: envolve acréscimo de segmentos na forma plural

- Eles também não diz0 (LAU28FC43/2601)

- Eles dizEM: "chutei tudo" (HEL34FG62/1887)

Nível 2 (oposição acentuada): "o segundo nível contém aqueles pares nos quais

[os segmentos fonéticos que estabelecem a oposição] são ACENTUADOS em

pelo menos um membro da oposição"

2a: envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural

- Os filho tá0 pedindo dinhero (LEI04FP25/0055)

7 Ao invés do símbolo , foi mantido o uso de 0 para marcar a não ocorrência do morfema de plural

(variante 0 de plural), tal como Naro e Scherre o fazem.

89

- Eles tÃO bem intencionados (JOS35FP59/0962)

2b: envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural;

inclui o par foi/foram que perde a semivogal

- Aí bateu0 dois senhores na porta (NIL12FP45/0646)

- (eles) bateRU sete chapa da cabeça dele (LEI04FP25/0084)

2c: envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na forma plural:

mudanças vocálicas na desinência, mudanças na raiz, e até mudanças

completas.

- Aí, veio0 aqueles cara correno atrás de (ALE55MG13/0555)

- VIERAM os ladrões, quatro, hum? (ARI30FG43/1665)

- Agora, os vizinho daqui é0 ótimo (EDP13MP62/0758)

- Mesmo aqueles que SÃO sinceros (EDB07MP41/0334)

(NARO, 1981, p.74).

Na Tabela 1 apresentam-se os resultados obtidos por Naro e Scherre (1998),

em comparação com os resultados obtidos por Naro (1981).

Tabela 1 - Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável saliência

fônica na oposição singular/plural

Scherre & Naro, 1998 Naro (1981)

FATORES FREQUÊNCIA PESOS FREQUÊNCIA PESOS

Nível 1

1a. 202/463 =44% 0,16 110/755 =15% 0,11

1b. 1159/1766=66% 0,37 763/2540=30% 0,26

1c. 188/267 =70% 0,38 99/273 =36% 0,35

Nível 2

2a. 585/718 =81% 0,64 604/927 =65% 0,68

2b. 212/260 =82% 0,66 266/365 =73% 0,78

2c. 1023/1158=88% 0,75 1160/1450=80% 0,85

Total 3369/4632=73% 3002/6310=48

(SCHERRE & NARO, 1998, p. 04)

Nota-se que, na pesquisa feita por Naro, em 1981, os informantes eram

analfabetos e, na realizada por Scherre e Naro , em 1998, eles tinham de 1 a 11 anos de

escolarização. Essa diferença no grau de escolarização, contudo, não se mostrou muito

relevante, pois os resultados mostrados pela Tabela 1 são muito semelhantes. A leitura

da tabela evidencia que os níveis mais baixos de saliência fônica favorecem menos a

concordância do que os níveis mais elevados.

Tendo em vista que “[...] os resultados da análise de Naro (1981) evidenciam

uma amplitude de variação maior, apresentando uma separação mais nítida entre as

diversas categorias de cada um dos níveis”, Scherre e Naro (1998, p. 5) procedem a um

90

reagrupamento dos informantes por faixa de escolarização: 1 a 4; 5 a 8 e 9 a 11, para

avaliar se a nitidez da escala da saliência fônica tem alguma relação com os níveis de

escolarização dos informantes considerados no estudo de 1998.

Mediante a divisão da variável tempo de escolarização em três faixas, Scherre

e Naro (1998) constatam que os dados dos falantes entre 1 a 4 e 5 a 8 anos de

escolarização mostram mais o impacto da escala de saliência fônica na realização ou

não da concordância verbal do que os dados dos falantes entre 9 a 11 anos de

escolarização. Contudo,

[...] é exatamente nos dados dos falantes de 1 a 4 anos de escolarização e nos

dos falantes analfabetos que se verifica um distanciamento maior entre os pesos

relativos associados à categoria de saliência mais baixa (0,15 e 0,11) e os

associados à categoria de saliência mais alta (0,80 e 0,85), da forma proposta

por Naro (1981). (SCHERRE & NARO, 1998, p. 6).

Comparando-se os dados das duas pesquisas, a de 1981 e a de 1998, fica

evidente que a nitidez da escala da saliência fônica na concordância verbal atua em

concorrência com a escala do tempo de escolarização dos falantes: quanto menor o

tempo de escolarização, maior a influência do nível mais baixo de saliência fônica no

fenômeno da concordância verbal variável.

Outro fator linguístico dado como altamente pertinente pelos estudos sobre o

fenômeno da concordância verbal variável é a posição do sujeito em relação ao verbo..

Naro e Scherre (1998) destrinçam a variável posição do sujeito em quatro fatores que

podem determinar a ocorrência da variante 0 ou a presença do sufixo indicador do

plural:

“Sujeito imediatamente anteposto ao verbo: Eles dizEM: "chutei tudo"

Sujeito anteposto separado do verbo por 1 a 4 sílabas: Eles também não diz0

Sujeito anteposto separado do verbo por 5 ou mais sílabas: Essas troca de experiência

vai0 crescendo.

Sujeito posposto ao verbo: Aí bateu0 dois senhores na porta”.

(SCHERRE & NARO, 1998, p. 08)

As pesquisas realizadas pelos dois sociolinguistas brasileiros revelam que a

anteposição imediata do sujeito ao verbo propicia o uso da variante explícita de plural,

ao passo que o distanciamento do sujeito em relação ao verbo ou a sua posposição

favorece o uso da variante 0. Independente da escolarização, quando o sujeito aparece

91

distante do verbo ou posposto a ele, há o desfavorecimento da variante explícita e o

contrário ocorre se o sujeito vier anteposto ao verbo e perto dele.

Além da variável escolarização, Scherre e Naro (1998) também estudaram o

impacto de duas outras variáveis sociais: faixa etária e sexo (gênero). Assim como o

tempo de escolarização, o gênero exerce significativa influência na variação de

concordância.

Tabela 2 - Marcas explícitas de plural em função de três variáveis sociais

convencionais

FENÔMENOS

VARIÁVEIS

SOCIAIS

FATOR

SOCIAL

CONCORDÂNCIA VERBAL

FREQUÊNCIA

ANOS DE

ESCOLARIZAÇÃO

1 a 4 anos

5 a 8 anos

9 a 11 anos

1125/1787= 63% 0,39

1358/1752=78% 0,56

886/1093= 81% 0,58

SEXO Feminino

Masculino

2003/2601=77% 0,54

1366/2031= 67% 0,45

FAIXA ETÁRIA

7/14 anos

15/25 anos

26/49 anos

50/71 anos

587/ 854=69% 0,41

862/1218=71% 0,47

1025/1283=80% 0,56

895/1277=70% 0,53

Total de

dados

3369/4632=73%

(SCHERRE & NARO, 1998, p.11)

Evidencia a tabela 2 que falantes do sexo feminino e com mais tempo de

escolarização apresentam mais a variante explícita de plural. Inúmeros estudos

sociolinguísticos têm mostrado que as mulheres quebram menos as regras sociais

impostas e são mais atentas à norma padrão estabelecida e os mais escolarizados estão

ou estiveram mais expostos à correção gramatical no ambiente escolar. Os dados da

tabela também revelam que os falantes em idade profissionalmente produtiva,

certamente pressionados pelo mercado de trabalho, apresentam uma tendência

ligeiramente maior ao uso da variante explícita, que é a variante de prestígio.

Em resumo, Naro e Scherre (1998) mostram que o fenômeno da concordância

verbal variável é um caso de heterogeneidade ordenada. Isso equivale a dizer que é

possível antecipar em que estruturas linguísticas e em que condições sociais os falantes

de português tendem a marcar explicitamente o plural ou não na forma verbal.

Pelos resultados obtidos, evidencia-se que existe um sistema gerenciando a

variação na concordância de número no português do Brasil, sendo, portanto,

possível se prever em que estruturas linguísticas e em que situações sociais os

92

falantes são mais propensos a colocar ou não todas as marcas formais de plural

nos elementos flexionáveis das diversas construções. (SCHERRE & NARO,

1998, p.13)

Também a concordância verbal nas chamadas passivas sintéticas foi alvo de

inúmeros estudos sociolinguísticos. Segundo a gramática tradicional, em frases como:

“Alugam-se casas.”, “Vendem-se apartamentos.”, “Fazem-se chaves.”, o ‘se’ é um

pronome apassivador, os substantivos ‘casas’, ‘apartamentos’ e ‘chaves’ são os sujeitos

da oração, e, como sujeitos de número plural, determinam que os verbos se digam no

plural ‘alugam’, ‘vendem’ e ‘fazem’. Bechara (2005, p. 563) afirma que “A língua

padrão pede que o verbo concorde com o termo que a gramática aponta como sujeito”.

Na mesma direção, Rocha Lima (2011, p. 475), recomendando atenção especial ao caso,

declara que “[...] o substantivo, representado (geralmente) por ser inanimado, é o sujeito

da frase -, razão pela qual com ele há de concordar o verbo”.

Contudo, nem mesmo os gramáticos estão de acordo com a classificação de ‘se’,

nos exemplos anteriores, como pronome apassivador. Inúmeros estudos, a começar por

Antenor Nascentes e Said Ali, têm interpretado o ‘se’, em orações que tais, como um

indeterminador do sujeito, rechaçando, como inadequada, a terminologia ‘pronome

apassivador’, ‘passiva pronominal’, ‘passiva sintética’. Nascentes (1938, p. 261),

comentando o exemplo Vendem-se casas, é enfático ao afirmar que frases como essa

são de sentido ativo e não passivo: “A ideia é que alguém, que não se sabe quem seja,

vende casas. [...] A prova é que na linguagem vulgar o verbo vai para o singular”. Said

Ali, com convicção, assim se manifesta sobre as chamadas passivas sintéticas:

[...] em compra-se o palácio e morre-se de fome, o pronome se sugere, na

consciência de todo o mundo, a ideia de alguém que compra e de alguém que

morre, mas que não conhecemos ou não queremos nomear [...] O verbo é usado

na 3ª pessoa do singular, quer esteja acompanhado de objeto indireto, quer de

objeto direto precedido da preposição a [ama-se a Deus]. Se porém o regímen

direto não tiver preposição e se achar no plural [doam-se órgãos], o verbo irá

igualmente para o plural, por falsa concordância (SAID ALI, 1957, p. 93-99)

Se, nesse excerto, Said Ali se refere à ‘falsa concordância’ que há em Doam-se

órgãos entre o verbo ‘doar’ e o suposto sujeito ‘órgãos’ (esse, na sua convincente

interpretação, um objeto direto), em outro ele dirá do ‘ilogismo gramatical’ da

obrigatoriedade da concordância, uso do verbo na 3ª pessoa do plural, numa frase como

Vendem-se casas. Para o gramático, é impossível negar que, em frases como essa, “é

93

latente a noção de um agente humano” que vende, mas cuja identidade não se declara. O

absurdo dessa classificação se torna visível não apenas quando se diferencia a função do

‘se’ em frases com verbo transitivo direto, indireto ou intransitivo, como Compra-se o

palácio, Morre-se de fome ou Vive-se bem aqui, mas quando se emprega um mesmo

verbo ora com preposição (transitivo indireto), ora sem preposição (transitivo direto),

como, por exemplo: Adora-se aos deuses e Adoram-se os deuses, em que, por razão

puramente sintática, o ‘se’ seria classificado como índice de indeterminação do sujeito,

no primeiro caso, e como pronome apassivador, no segundo caso. Segundo Said Ali, a

interpretação semântica é a mesma nos dois casos – numa e noutra frase o bom senso

leva a imaginar um sujeito humano que ‘adora’.

Monteiro (1991, p. 152) evidencia a contradição da gramática normativa,

comentando os seguintes exemplos: Fuma-se aqui e Fuma-se charuto aqui. O autor

critica o comportamento paradoxal da maioria dos gramáticos ao usar um critério

semântico para classificar o primeiro ‘se’ como índice de indeterminação do sujeito – “o

SE é interpretado como referente a alguém (que não queremos ou não podemos

nomear)” – e um critério sintático para classificar o segundo ‘se’ como pronome

apassivador e ‘charuto’ como sujeito de ‘fuma-se’, lançando mão da predicação e da

regra de concordância.

Bagno (2000) não poupa críticas àqueles que insistem em desprezar o critério

semântico na classificação do que ele designa como ‘pseudopassiva sintética’ ou

‘pronominal’:

O aspecto semântico sistematicamente desprezado pelos normativistas é que, em

todas as orações deste tipo, os verbos presentes são sempre verbos que só podem se

praticados por um sujeito com traço semântico [+humano]. Só seres humanos

podem fumar, assim como em aluga-se salas, joga-se búzios, vende-se ovos, avia-se

receitas, amola-se facas etc., todos os verbos exigem (além de um óbvio objeto

direto) um sujeito [+humano]. E é essa poderosa evidência semântica que leva os

falantes a manter esses verbos no singular, fazendo eles concordarem com o sujeito

indeterminado, indicado na superfície do enunciado pelo clítico SE.(BAGNO, 2000,

p. 220)

Segundo Bagno, não se deve julgar a legitimidade ou ilegitimidade de uma

oração com o SE seguindo apenas o critério sintático, e desprezando critérios

semânticos, pragmáticos e históricos, como fazem os normativistas. Uma análise

realizada por ele, a partir de um corpus de língua falada, evidenciou os seguintes

94

resultados, com nítida preferência pelo verbo no singular, a exemplo das legítimas

construções em que o SE funciona como índice de indeterminação do sujeito:

Tabela 3 - Pseudopassivas sintéticas no corpus de língua falada

TIPO QUANTIDADE % EXEMPLOS

- padrão 18 75% “então constrói-se muitos prédios ali”

+ padrão 6 25% “Normalmente se perdem dois fins de semana”

Total 24 100

(BAGNO, 2000, p. 243)

A Tabela 3 mostra que 75% dos falantes de português usam a forma não padrão

da chamada ‘passiva pronominal’ e apenas 25% usam a forma padrão.

Não menos contundentes são as críticas que Scherre (2005) dirige àqueles,

gramáticos ou gramatiqueiros, que, em várias instâncias da mídia, cegamente defendem

a interpretação do ‘se’ como pronome apassivador. Não sem razão ousou

provocativamente nomear uma importante obra de sua autoria, publicada em 2005,

como “Doa-se lindos filhotes de poodle: variação linguística, mídia e preconceito”. Ao

explicar a ausência de concordância verbal em Doa-se lindos filhotes de poodle, afirma

que ela “[...] ocorre pelo fato de o falante/escritor nativo não interpretar filhotes como

sujeito e sim como objeto direto. Pelo que se sabe até o presente momento, o objeto

direto não rege a concordância em Português” (SCHERRE, 2005, p. 87). Entre os

autores citados por Scherre para sustentar sua tese de que estruturas como a estampada

no título de sua obra constituem frases na voz ativa com sujeito indeterminado, figura

Mattoso Câmara com a seguinte afirmação:

[...] na língua corrente, quer em Portugal, quer no Brasil, a tendência,

combatida pela disciplina gramatical e o ensino escolar, é outra. O padrão

espontâneo é de um verbo fixado no singular, para designar uma atividade sem

ponto específico de partida, ou sujeito, mas com um ponto de chegada, ou

objeto: já se escreveu muitas cartas, vê-se ao longo nuvens ameaçadoras

(CÂMARA JR., 1976, p. 174)

Os estudos sociolinguísticos têm mostrado que o fenômeno da concordância

verbal variável ocorre tanto na modalidade oral quanto na escrita. Há apenas uma

diferença de grau entre uma modalidade e outra: na fala, a variação tende a ser maior,

pois não há um monitoramento ou planejamento prévio quando se elabora o discurso. Já

95

na escrita o monitoramento é maior, sempre há possibilidade de voltar atrás, corrigir,

reescrever.

Oliveira (2010) realiza um estudo sobre a variação na concordância verbal na

modalidade falada e escrita da língua. Ela investiga o fenômeno no português falado no

interior paulista e na escrita escolar de alunos dessa mesma região, examinando

variáveis linguísticas e extralinguísticas que possam favorecer a presença ou a ausência

da marca de plural no verbo.

Os dados da modalidade escrita foram extraídos de redações escolares de

alunos do Ensino Fundamental I, do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio.

Observaram-se as seguintes variáveis linguísticas: paralelismo formal (presença de

plural na palavra que compõe o SN e ausência de plural na palavra que compõe o SN);

saliência gráfica/fônica (come/comem; está/estão; falou/falaram; trouxe/trouxeram;

é/são; faz/fazem); posição do sujeito (anteposto e posposto); classe gramatical do núcleo

do sujeito (pronome pessoal do caso reto, pronome indefinido, numeral e substantivo) e

presença versus ausência de pronome pessoal (eles ou elas). Apenas uma variável

extralinguística foi controlada – o nível de escolaridade: ensino fundamental I, ensino

fundamental II e ensino médio.

Os dados de fala analisados pertencem ao Departamento de Estudos

Linguísticos e Literários do IBILCE/UNESP, sob a denominação “O português falado

no interior paulista: constituição de um banco de dados anotado para o seu estudo”.

Foram analisadas 24 amostras de fala, totalizando 1397 ocorrências de concordância

verbal, sendo 1183 ocorrências de aplicação da regra, o que resulta em 85% de presença

de CV no corpus analisado.

Considerando que o quinto capítulo desta dissertação fará uma descrição da

concordância verbal em redações de alunos do ensino médio em Cuiabá-MT, focalizar-

se-á, com relação à pesquisa realizada por Oliveira (2010), a análise dos dados extraídos

das produções textuais. Nesse estudo, foram analisadas mais de 600 redações do ensino

fundamental I ao ensino médio, com 1031 ocorrências do fenômeno, sendo 880 de

aplicação da regra. A variável social examinada foi ‘escolaridade’, dividida em três

níveis. Entre as variáveis linguísticas, foram observadas: ‘paralelismo formal’,

‘saliência gráfica’ e ‘posição do sujeito’.

Veja-se a Tabela 4, a seguir, que mostra o impacto do fator ‘escolaridade’

sobre a aplicação ou não da regra de concordância de acordo com a gramática

normativa:

96

Tabela 4 - Aplicação da CV de acordo com o fator ‘escolaridade’

ESCOLARIDADE FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

ENS. FUNDAMENTAL I 220/289=76% 0.24

ENS. FUNDAMENTAL II 283/351=81% 0.33

ENSINO MÉDIO 377/391=96% 0.81

TOTAL 880/1031=85%

(OLIVEIRA, 2010, p.154)

A Tabela 4 estampa com nitidez a influência que os anos de escolarização

exercem sobre a aplicação da regra de concordância entre o verbo e seu sujeito. A

diferença de resultados entre os informantes do ensino fundamental I (com o percentual

de aplicação da regra de 76% e peso relativo de 0.24) e os do ensino médio (com

percentual de aplicação da regra de 96% e peso relativo de 0.81) é flagrante. Conforme

Oliveira (2010, p. 154), é possível concluir que “[...] a rápida passagem pela escola não

garante o aprendizado das regras de concordância verbal padrão, é necessário um contato

maior para que os alunos utilizem a regra padrão”.

O ‘paralelismo formal oracional’, uma variável linguística, diz respeito à

tendência, na modalidade escrita, de os antecedentes dos verbos influenciarem o verbo

em suas características formais. Marcas explícitas de plural nos elementos flexionáveis

da locução nominal que funciona como sujeito tendem a levar o verbo para o plural,

enquanto a ausência de marcas favorece a variável 0. Nas produções textuais dos alunos

pesquisados,

a) a presença de marcas explícitas de plural antecedentes ao verbo encontra-se

em estruturas como:

As mininas são lindas (Ensino Fundamental I);

Eu sei que as coisas estão boas pra você (Ensino Fundamental II);

Os países estão empenhados (Ensino Médio).

b) a ausência de marcas explícitas de plural antecedentes ao verbo encontra-se

em estruturas como:

Os animal gostou da Branca de Neve. (Ens. Fund. I);

97

Pois as coisa aqui fora não está muito fáceis não. (Ens. Fund. II);

As pessoa que são levadas à pena de morte, muitas vezes não teve a

consciência do ato. (Ens. Médio). (OLIVEIRA, 2010, p. 156)

Tabela 5 - Aplicação da regra – paralelismo formal

PARALELISMO

FORMAL

FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

MARCA DE PLURAL

ANTECEDENTE

727/827=88% 0.60

MARCA ZERO

ANTECEDENTE

153/204=75% 0.15

(OLIVEIRA, 2010, p.156)

Os resultados sintetizados pela Tabela 5 revelam que o verbo, se antecedido

por uma locução nominal cujos constituintes flexionáveis exibam as marcas formais de

plural, apresenta maior probabilidade de aplicação da regra de concordância. O exame

da variável ‘paralelismo formal’ evidencia, pois, que “marcas levam a marcas e zeros

levam a zeros” (p. 157). Conclui-se, portanto, que há uma espécie de concomitância na

aplicação das regras de concordância verbal e nominal na modalidade escrita. Isso

significa que os anos de escolarização são decisivos na aprendizagem das regras de

concordância verbal e nominal de acordo com a norma padrão, tal como cultivada pela

tradição gramatical. O efeito da variável extralinguística ‘escolaridade’ sobre a variável

linguística ‘paralelismo formal’ pode ser observado por meio da Tabela 6, a seguir:

Tabela 6 - Cruzamento entre ‘escolaridade’ e ‘paralelismo formal’

Escolaridade

Paralelismo

formal

Ensino

Fundamental I

Ensino

Fundamental II

Ensino Médio

Presença de plural

no elemento

antecedente

210/260=81% 255/293=87% 262/274=96%

Ausência de plural

no elemento

antecedente

10/29=34% 28/58=48% 112/117=96%

Total 220/289=76% 283/351=81% 374/391=96%

(OLIVEIRA, 2010, p.157)

98

Ao se observar a Tabela 6, constata-se que as marcas de plural em todos os

constituintes flexionáveis da locução nominal (concordância nominal explícita) e da

locução verbal (concordância verbal explícita) aumentam segundo a escolaridade do

aluno. Como fora comentado anteriormente, a escola exerce um papel fundamental na

percepção que o aluno tem das regras da norma padrão ensinadas pela escola e cobradas

na escrita escolar. Sem dúvida, “[...] a escola torna o aluno mais “sensível” ao fenômeno

da concordância verbal”. (OLIVEIRA, 2010, p.158)

Entre as variáveis linguísticas, Oliveira (2010) também investigou o efeito da

‘saliência fônica’ sobre a aplicação ou não da regra de concordância. Por se tratar de um

corpus constituído por dados de escrita, ela renomeia a variável como ‘saliência

gráfica’, como fizera Aquino Silva (1997). Tomando por base a escala de saliência

fônica proposta em estudos anteriores, como o de Naro (1981), a autora sintetiza os

resultados na Tabela 7 seguinte:

Tabela 7 - Aplicação da regra – saliência gráfica

SALIÊNCIA GRÁFICA FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

falava/falavam 183/209=88% 0.46

faz/fazem 33/39=85% 0.35

está/estão 70/74=95% 0.70

falou/falaram 46/59=78% 0.46

trouxe/trouxeram 18/25=72% 0.34

é/são 89/93=96% 0.86

(OLIVEIRA, 2010, p.159)

Quando se analisam os resultados da variável saliência fônica/gráfica na

modalidade escrita em comparação com os resultados dessa mesma variável na

modalidade oral, parece haver uma contradição, pois, na modalidade oral, quanto menor

a saliência fônica entre as formas do singular e as do plural, maior a probabilidade da

não aplicação da regra de concordância verbal. Não há dúvida de que a saliência fônica

é maior em trouxe/trouxeram do que em falava/falavam. Assim, pela lógica da

oralidade o par trouxe/trouxeram, que obteve o 72% de aplicação da regra, deveria ter

obtido um percentual maior do que o par falava/falavam, que obteve 88% de aplicação

da regra. Oliveira (2010, p. 153) conjectura que essa diferença entre as duas

modalidades pode residir no fato de as formas trouxe/trouxeram serem irregulares e,

portanto, serem introduzidas aos alunos apenas tardiamente aos alunos na escola.

99

Conforme a Tabela 7, a classe de verbos que mais propicia a aplicação da regra

de concordância verbal é aquela em que há contraste entre vogais ou ditongos tônicos

orais no singular e ditongo tônico nasal no plural (está/estão; vai/vão; dá/dão),

incluindo o verbo ser (é/são) no presente do indicativo, que obteve o percentual de 96%

de aplicação. Argumenta a autora que essa classe de verbos é muito usada por

falantes/escreventes do português, e que, por isso, essas formas podem encontrar-se

“cristalizadas na mente dos alunos, tornando-se, assim, mais perceptíveis”.

Como a variável ‘escolaridade’ mostrou-se bastante relevante ao ser cruzada

com a variável ‘paralelismo formal’, Oliveira (1960) examina também o cruzamento

dela com a variável ‘saliência gráfica’, a fim de verificar o comportamento dessa

junção.

Tabela 8 - Cruzamento entre ‘escolaridade’ e ‘saliência gráfica’

Escolaridade

Saliência

gráfica

Ensino

fundamental I

Ensino

fundamental II

Ensino médio

falava/falavam 24/31=77% 53/71=75% 106/107=99%

quer/querem 1/2=50% 18/23=78% 14/14=100%

está/estão 1/1=100% 37/41=90% 32/32=100%

falou/falaram 29/40=72% 8/10=80% 9/9=100%

trouxe/trouxeram 10/15=67% 5/6=83% 3/4=75%

é/são 44/45=98% 23/26=88% 22/22=100%

(OLIVEIRA, 2010, p.160)

Na Tabela 8, verifica-se que, para os alunos do ensino fundamental I, o par

é/são aparece como mais favorável à aplicação da regra da concordância verbal, com

98%, ao lado de está/estão com 100% de aplicação da regra. Para os alunos do ensino

fundamental II, o par está/estão figura como favorecendo a aplicação da concordância

verbal, com 90% de realização da regra. Já o ensino médio apresenta diversos pares de

diferentes escalas de saliência fônica/gráfica como propícios à realização da

concordância verbal: quer/querem, está/estão, falou/falaram e é/são todos com 100%

de aplicação da regra e falava/falavam, o par com menor saliência (nível 1b, segundo

Naro (1981)), com 99% de aplicação da concordância verbal. Diante de tais resultados,

a autora conclui que “[...] a escola desempenha uma forte influência na escrita escolar,

de modo que o aluno se aperfeiçoa à medida que avança na escola” (OLIVEIRA, 2010,

p. 160).

100

Oliveira (2010) examinou ainda a influência da ‘posição do sujeito’ na

aplicação da regra de concordância verbal. Vários estudos variacionistas realizados

anteriormente indicaram que o sujeito anteposto ao verbo favorece a aplicação da regra

e o sujeito posposto desfavorece o uso da regra da gramática normativa. Das produções

textuais, Oliveira (2010, p. 161) coletou os dados a seguir exemplificados e analisados,

conforme Tabela 9:

Exemplos de sujeito anteposto:

Os sete anões chegaram. (Ens. Fund. I);

Minhas amigas iriam todas de vestido vermelho. (Ens. Fund. II);

Muitas críticas são feitas. (Ens. Médio).

Exemplos de sujeito posposto:

Aí chegou os anões da Branca de Neve. (Ens. Fund. I);

Como se formou todos os planetas. (Ens. Fund. II);

Então acabará os recursos naturais. (Ens. Médio).

Tabela 9 - Aplicação da regra – posição do sujeito

POSIÇÃO DO SUJEITO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO

ANTEPOSTO 719/830=87% 0.43

POSPOSTO 59/97=61% 0.40

(OLIVEIRA, 2010, p.164)

O sujeito posposto ao verbo, tanto na língua escrita como na falada,

desfavorece a concordância e o sujeito anteposto ao verbo a favorece. Oliveira, citando

Decat (1983), excogita a possibilidade de essa variação constituir um caso de mudança

em progresso:

Segundo Decat (1983), esse caráter optativo da concordância verbal com SN

posposto pode dever-se a um fenômeno de evolução da língua e que passa

despercebido, pois as duas formas coexistem, até o momento em que uma delas

irá sobrepujar a outra. (OLIVEIRA, 2010, p.165)

Naro & Lemle fornecem a seguinte explicação para a tendência a não

concordância quando o sujeito vem após o verbo:

[...] é menos provável que o verbo receba marcas de plural quando o sujeito

plural ocorre, linearmente, depois do verbo, caso em que a falta de

concordância torna-se menos perceptível pelo fato de que o elemento

determinante segue o elemento determinado. (NARO & LEMLE, 1977, P.263)

101

Assim, quando o sujeito está posposto ao verbo, parece cessar a ação do

determinante sobre o determinado e o falante tende não fazer a concordância. Segundo

Pontes (1986, p. 52), posposta ao verbo, a locução nominal que funciona como sujeito

tende a ser interpretada como um objeto direto, daí não determinar a concordância

verbal. Já a anteposição do sujeito ao verbo favorece a concordância do verbo com o

sujeito.

Na Tabela 10, a seguir, cruzam-se as variáveis ‘escolaridade’ e ‘posição do

sujeito’, a fim de avaliar se o progresso na vida escolar pode vir a alterar a percepção

equivocada do aluno do sujeito posposto como objeto direto.

Tabela 10 - Cruzamento entre ‘posição do sujeito’ e ‘escolaridade’

POSIÇÃO SUJEITO/

ESCOLARIDADE

ANTEPOSTO POSPOSTO

ENS.

FUNDAMENTAL I

204/257=79% 6/20=30%

ENS.

FUNDAMENTAL II

253/299=85% 24/46=52%

ENSINO MÉDIO 262/274=96% 29/31=94%

(OLIVEIRA, 2010, p.166)

Conforme a Tabela 10, ao progresso na vida escolar corresponde nitidamente o

aumento do índice de aplicação da regra de concordância quando o sujeito ocorre

posposto ao verbo. No ensino fundamental I, apenas 30% dos alunos fazem a

concordância do verbo com o sujeito posposto; no ensino fundamental II, o percentual

eleva-se para 52% e, no ensino médio, para 94%. Esse aumento decorre, segundo a

autora, de uma maior capacidade de distinguir o que, na oração, é sujeito e o que é

objeto direto, capacidade desenvolvida apenas nas séries mais avançadas. Para dizer de

outro modo, à proporção que a escolaridade aumenta, aumenta a consciência do sujeito

posposto efetivamente como ‘sujeito’. Não é por outra razão que o índice de aplicação

da regra entre os alunos do ensino fundamental I é tão baixo.

Em síntese, na pesquisa realizada por Oliveira (2010), o cruzamento da

variável extralinguística ‘escolaridade’ com as variáveis linguísticas ‘paralelismo

formal’, ‘saliência fônica’ e ‘posição do sujeito’ evidencia que a escola exerce um papel

cabal sobre a percepção do aluno em relação às regras de concordância verbal. Quanto

mais tempo ele fica na escola, mais assimila as regras prescritas pela gramática

normativa.

102

Os estudos sociolinguísticos aqui resenhados interpretam os casos de variação

na concordância verbal como algo inerente às línguas vivas e não como ‘erro’ a ser

corrigido. Com esses estudos aprende-se a conceber a língua como sendo heterogênea,

mas uma heterogeneidade ordenada segundo fatores linguísticos e sociais. Deixar de

aplicar a regra de concordância verbal não é sinal de falta de inteligência ou insipiência

linguística, mas apenas um índice de que a variedade de português adquirida pelo

processo de socialização primário não incluía tal regra. Assim, o ensino de língua

portuguesa tem muito a aprender com a sociolinguística sobre como praticar uma

pedagogia que desenvolva a competência comunicativa dos alunos, ajudando-os a

aprender a norma culta, sem, contudo, cultivar o preconceito linguístico, como

historicamente tem feito.

A perspectiva de interpretação dos fatos linguísticos passada em revista neste

capítulo orientará a leitura dos dados colhidos em redações de alunos do 3º ano do

ensino médio de uma escola da rede privada de Cuiabá.

103

CAPÍTULO V

A CONCORDÂNCIA VERBAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO

3º ANO DO ENSINO MÉDIO DE UMA ESCOLA PRIVADA EM CUIABÁ

Neste capítulo serão analisados os casos de variação na concordância verbal

que constam do corpus de enunciados reunidos para o presente estudo. Tais casos foram

extraídos de um conjunto de textos produzidos por alunos do terceiro ano do ensino

médio de uma escola da rede privada de ensino em Cuiabá. A opção por essa escola,

doravante Colégio X8, teve por base o desempenho de seus alunos no ENEM/2009, um

dos melhores no estado de Mato Grosso. O Colégio X localiza-se na região central de

Cuiabá e é frequentado principalmente por alunos oriundos de famílias com bom poder

aquisitivo. A escola sorteia bolsas de estudos todo ano para pré-vestibulandos e alunos

do ensino médio e costuma alardear em outdoor o número de aprovados em concursos

vestibulares e os bons resultados obtidos no ENEM. Além de produções dos alunos do

Colégio X, este estudo também examinará, no capítulo 6, o material didático adotado

pela escola.

O corpus aqui estudado é composto por enunciados recortados de 142

produções textuais, 86 delas produzidas por meninas e 56 por meninos, na faixa etária

entre 17 e 19 anos. As redações foram numeradas de 001 a 142, sendo que as de número

001 até 086 foram produzidas por alunas e as de 087 até 142 por alunos. As produções

textuais foram solicitadas numa aula de redação, com base na leitura da reportagem

intitulado “Ser inteligente saiu de moda” (Adaptado de: PELEGRINI, L. Ser inteligente

saiu de moda. Revista Planeta, ed. 47, out. 2010). Após a transcrição do texto da

reportagem, a professora apresentava a seguinte proposta aos alunos:

Com base na reportagem, redija um texto dissertativo-argumentativo, indicando

as razões dessa perigosa inversão de valores que caracteriza nosso momento

histórico, no qual os grandes são esquecidos e desprezados e os medíocres são

elevados ao olimpo dos deuses de curta duração.

8 Usa-se a designação Colégio X para manter a instituição no anonimato.

104

Vale ressaltar que a análise dos dados será meramente qualitativa, pois a

intenção não é realizar uma pesquisa com controle de variáveis estruturais e sociais,

seguindo o rigor imposto pela sociolinguística variacionista, mas sim proceder a um

levantamento dos casos de concordância variável na escrita de alunos do terceiro ano do

ensino médio que possa ser o ponto de partida para um trabalho pedagógico que leve em

conta o que os alunos já sabem, estabelecendo comparações entre as normas

evidenciadas nos textos e as normas prescritas pela gramática normativa. Tanto quanto

possível, será feito um contraponto entre os casos encontrados nas produções dos alunos

e os casos que constam da bibliografia sociolinguística. Tendo em vista a natureza do

estudo e o grupo de informantes, julgou-se desnecessário levar em conta as variáveis

sociais. Como os dados foram coletados de produções textuais de uma mesma turma, de

um mesmo colégio, de alunos da mesma faixa etária e do mesmo nível socioeconômico,

a única variável que poderia ser controlada seria a de gênero (masculino/feminino).

Porém, esse controle seria irrelevante para o fim a que se destina essa análise, conforme

explicitado anteriormente. Assim, será observado o impacto das seguintes variáveis

linguísticas sobre o fenômeno da concordância : sujeito anteposto e contíguo ao verbo;

sujeito anteposto, mas não contíguo ao verbo; sujeito anteposto – pronome relativo;

sujeito posposto, simples ou composto; sujeito simples de estrutura complexa;

paralelismo formal oracional; saliência gráfica e concordância ideológica.

5.1. SUJEITO ANTEPOSTO E CONTÍGUO AO VERBO

Como têm demonstrado as pesquisas sociolinguísticas, a estrutura SV – sujeito

(com núcleo plural simples ou composto) anteposto e contíguo ao verbo – favorece a

presença da marca de plural. Os dados aqui examinados confirmam essa tendência.

Considerada essa variável linguística, foram poucos os casos registrados de não

concordância. Contudo, eles existem, certamente influenciados por outras variáveis, a

exemplo das frases 1 e 2:

1)“É importante que desde cedo os pais influencie seu filhos de forma positiva

para que o mundo não os transgrida.” (045)

2)“E também os alunos têm que ir para os colégios tendo uma educação que vem

de casa, onde os pais pode educar.” (107)

105

Nessas frases, o sujeito gramaticalmente plural anteposto e contíguo ao verbo

deveria favorecer a presença da marca de plural, mas efetivamente se tem a variante 0.

Nesse caso, duas outras variáveis linguísticas podem ter atuado, desfavorecendo a

concordância verbal, uma semântica e outra fônica/gráfica. Embora o sintagma nominal

‘os pais’ tenha um núcleo plural, ele pode ser percebido como uma unidade, como um

todo indivisível, sentido que favorece a variante 0. Também não se pode desprezar a

variável saliência fônica. Os estudos sociolinguísticos propõem um escala de seis níveis

de saliência fônica e os dois exemplos em questão encaixam-se no nível mais baixo,

cuja única diferença entre a 3ª pessoa do singular e a 3ª do plural é a ausência de

nasalidade versus a presença (influencie/influenciem, pode/podem). A saliência fônica

também pode ser uma das variáveis linguísticas determinantes para a ocorrência da

variante 0 nas frases 3, 4 e 5:

3) “Ninguém para pra pensar no valor de cada um, em que o esforço e força de vontade

pode proporcionar de benefício no futuro.” (008)

4) “Nesta situação as famílias, órgãos públicos e o próprio governo deve bater de

frente, pois as pessoas estão sendo fortemente manipuladas.”(131)

5)“Quando os mais inteligentes e conhecedores recusa o mérito de alguns prêmios

ideológicos por sua superioridade aos demais.” (023)

Como já foi observado, tais frases podem ter sofrido influência da variável

saliência fônica, uma vez que a diferença entre pode/podem, deve/devem e

recusa/recusam é apenas o traço da nasalidade, ausente no singular e presente no plural.

Porém, novamente variáveis semânticas podem ter concorrido para a não concordância

verbal: na frase 3, os dois núcleos (no singular) ‘ esforço’ e ‘força de vontade’ podem

ter sido intuídos como sinônimos, ou seja, como uma mesma ideia, daí o verbo no

singular; na frase 4, o sujeito composto, com os dois primeiros núcleos no plural e o

último no singular, pode ter sido preterido pela concordância apenas com o núcleo mais

próximo ‘o próprio governo’, que, conquanto apresente a ideia de coletividade, é

formalmente singular.

Oliveira (2000) aponta que a presença de várias marcas de plural no sintagma

nominal que funciona como sujeito imediatamente anteposto ao verbo favorece a

concordância entre eles, ou seja, a concordância nominal e a concordância verbal

106

parecem ocorrer em cadeia. Por vezes, esse contexto é analisado como uma variável

linguística designada ‘paralelismo formal’.

Quando temos marca de plural antecedente em dois ou mais elementos do SN, o

percentual de concordância para sujeitos que se encontram imediatamente anterior

ao verbo é de 96%.

Tal fato evidencia que marcas levam a marcas, principalmente, quando já há uma

sequência de marcas de plural. Isso nos leva a crer que quanto mais saliente for a

relação verbo/sujeito, maior é a probabilidade de o verbo concordar com seu

sujeito, quer este esteja no singular ou no plural. (OLIVEIRA, 2010, p.116)

Observa-se que o grau de desestruturação dos períodos pode comprometer a

concordância entre o sujeito e o verbo, uma vez que pode obliterar a relação entre eles.

Quanto menos clara e saliente for a relação entre eles, maior será a probabilidade de não

se realizar a concordância verbal.

5.2 SUJEITO ANTEPOSTO, MAS NÃO CONTÍGUO AO VERBO

Estudos sociolinguísticos demonstram que a não contiguidade entre o sujeito e

o verbo, por mínima que seja a distância entre eles, pode levar à não aplicação da regra

de concordância verbal. Os dados desse estudo corroboram esse resultado, conforme

frases de 06 a 12. Almeida (2010, p. 121), ao analisar o fator distância entre o verbo e o

sujeito, pondera que “[...] quanto maior a distância entre esses dois termos, maior a

possibilidade de cancelamento da regra de concordância verbal”.

6) “Em numerosos casos alguns deles não gosta de responder ao professor e com

certeza eles sabem a resposta mas claramente tem medo de responder por causa do

bullying.” (107)

7) “Atualmente com essa perda algumas dessas pessoas não liga o que pensa ou

o que falem dela o importante é estar chamando atenção e estar na mídia, do modo

que não importa o que ela faz ou o que ela vai fazer” (135)

8) “[...] antigamente não era assim pois as pessoas tinham muito respeito e

honestidade e não tinha esses pensamentos em mente.” (136)

9)“Historiadores, inventores, escritores entre tantos outros exemplos são

responsáveis por marcantes datas, evoluções de uma sociedade para outra, e por

inúmeras vezes leva a verdadeira construção para um bem maior.” (002)

107

10) “Os principais fenômenos etiológicos observados na atualidade diz respeito aos

jovens.” (059)

11) “Esses tratamentos diferenciados entre os estudantes não deve ser apoiados

(111)

12)“A ambição de ser igual a ator e atrizes famosos influenciam até a maneira de viver

e agir.” (128)

Mesmo que a interposição seja de um vocábulo monossilábico como o

advérbio de negação ‘não’, a probabilidade de uso da variante 0 aumenta (exemplos 6 e

7). Quanto maior o número de sílabas separando o sujeito do verbo, maior a

probabilidade de não aplicação da regra de concordância verbal (exemplos 8 a 12). No

exemplo 8, as duas variantes da variável concordância verbal se realizam – a marcada

(tinhaM), quando há vizinhança entre o sujeito e o verbo, e a não-marcada (tinha0),

quando o sujeito e o verbo estão separados por mais de dez sílabas. O exemplo 9 é

semelhante ao exemplo 8: na ocorrência mais próxima do sujeito composto (mas não

contígua), o verbo ‘são’ com ele concorda, porém, na mais distante deixa de fazê-lo,

empregando a forma não marcada (leva0). Nesse exemplo, o emprego de ‘são’ pode

também ter sido influenciado pela saliência fônica, já que o par é/são constitui o nível

mais alto de diferenciação entre o singular e o plural, pois envolve mudanças completas

de uma forma para outra, e o par leva/levam o nível mais baixo, favorecendo a

ocorrência da variante não marcada. Os exemplos 10 e 11 são semelhantes, o núcleo do

sintagma nominal que funciona como sujeito é obliterado pelas muitas sílabas

interpostas que o separam do verbo. O exemplo 12 é parcialmente semelhante pela

extensão do sintagma nominal que funciona como sujeito, porém o que parece controlar

a concordância é não o substantivo ‘ambição’ que é o núcleo do sintagma, mas sim os

substantivos ‘ator e atrizes famosos’, vizinhos imediatos do verbo.

Outro caso que poderia ser tratado como não contiguidade entre sujeito e verbo

seria o do pronome relativo em função do sujeito, uma vez que ele representa uma

interveniência entre esses dois termos (S+que+V). Contudo, pela sua contundência no

corpus será tratado como uma variável à parte.

108

5.3 SUJEITO ANTEPOSTO – PRONOME RELATIVO

A incidência de não aplicação da regra de concordância verbal em orações

subordinadas adjetivas é alta entre os estudantes do 3º ano do ensino médio. Sabe-se

que o pronome relativo, além de conector de orações, é também um anafórico que

substitui o sintagma nominal imediatamente antecedente e, como tal, pode exercer

várias funções sintáticas na oração adjetiva, incluindo a função de sujeito. Para efeito de

concordância verbal, a gramática normativa determina que ela se faça de acordo com o

antecedente, ou seja, se o núcleo do sintagma nominal antecedente for simples e plural

ou composto, o verbo deve ir para o plural. O número e a pessoa do antecedente

substituído anaforicamente pelo relativo (que, o(a) qual, o(a)s quais) em função de

sujeito determinam o número e a pessoa do verbo (núcleo do predicado da oração

adjetiva). Contudo, contrariando as prescrições da gramática normativa, os estudos

sociolinguísticos têm evidenciado que essa estrutura sintática desfavorece a

concordância.

Naro e Scherre (2003), no artigo intitulado “A relação verbo/sujeito: o efeito da

máscara do que relativo”, estudam a concordância verbal, focalizando o efeito da

variável linguística SN + que (relativo). O estudo relatado neste artigo revelou que essa

variável, ou seja, a interveniência do ‘que’ entre o sujeito e o verbo (S+que+V), inibe a

presença da variante explícita de plural nos verbos. Monte (2007), analisando dados de

outra amostra, chegou a resultado semelhante, conforme Tabela 11 a seguir:

Tabela 11: Frequência de CV em função da presença ou ausência do ‘que’ relativo entre o

sujeito e o verbo em Monte (2007) e Naro e Scherre (2003)

FATORES FREQUÊNCIA DA CONCORDÂNCIA VERBAL

Monte (2007) Naro e Scherre (2003)

Presença do ‘que’ relativo 18/108 = 17% 256/402 = 64%

Ausência do ‘que’ relativo 150/595 = 25% 2113/2614 = 81%

Fonte: Monte (2007, p. 82)

Nos dois estudos, a presença do relativo diminui muito a probabilidade da

concordância verbal, porém a diferença entre os dados de Monte (2007) e Naro e

Scherre (2003) explica-se certamente pela diferença de informantes num caso e noutro.

Os dados de Monte referem-se a falantes não-alfabetizados ou pouco escolarizados; já

os de Naro e Scherre referem-se a falantes com um nível maior de escolarização. Como

109

se viu no capítulo 4, à medida que os anos de ‘escolaridade’ aumentam, aumenta a

probabilidade da marca explícita de plural no verbo.

Também nas redações dos alunos do terceiro ano do ensino médio (exemplos de

13 a 22), a presença do ‘que’ relativo interveniente entre o sujeito e o verbo desfavorece

a presença de marcas explícitas de plural no verbo, da mesma forma que a variável da

não contiguidade entre o sujeito e o verbo.

13)“Nos dias de hoje temos muitos exemplos de homens e mulheres de sucesso que não

tinha muitas oportunidades nem eram os melhores da sua sala na escola.” (109)

14) “No passado as pessoas que perdia seus valores era vista com outros olhos diante

da sociedade e com isso era julgados.” (136)

15)“É pitoresco, por exemplo, presenciar situações onde pais compram livros, em vez

das famosas bonecas “barbies” que representa entre as garotas um ideal de beleza.”

(037)

16)“A mídia traz variados exemplos que pode servir de lição a varias pessoas, uns

deles é o futebol.” (024)

17) “Porém nos últimos anos o padrão da mídia é o sucesso relâmpago, patrocinado por

propagandas, programas e novelas que impõe um padrão de comportamento no qual

impera a inversão de valores.” (080)

18)“Para não ocorrer mais estes tipos de problemas deveria acabar com este mal

que está atingindo o mundo todo com estas “modinhas” que acaba com que várias

pessoas sofrem com o preconceito de seres arrogantes que existe neste mundo.” (134)

19)“A população está ficando cada vez mais pobre culturalmente devido ao fato

da comunidade condenar aquelas pessoas que realmente contribui para levar o país

para frente.” (133)

20)“Assim logo teremos um planeta bem melhor para se viver, não tendo mais estes

males que acontecem por conta dessas “modas” que atinge várias pessoas.” (134)

21)“No passado as pessoas que perdia seus valores era vista com outros olhos diante

da sociedade e com isso era julgados.” (136)

22)“Existem aqueles que se contrapõe à tal situação.” (091)

Almeida (2010) também encontrou em seus dados muitos casos em que o

pronome relativo ‘que’ causou o cancelamento da marca de plural no verbo, mesmo ele

ocorrendo posposto ao sujeito.

Dentre os casos de anteposição do sujeito, foram separadas as construções em

que o sujeito é representado pelo pronome relativo “que”, com o objetivo de

110

verificar se ele favorece o cancelamento da marca de plural. Foram controladas

as seguintes estruturas:

– Sujeito explícito anteposto ao verbo representado por pronome relativo – As

freiras e o padre que a tratavam como filha./A futurista e a decadentista que

destaca mais a sua poesia.

– Sujeito introduzido pelo pronome relativo que

– Sabendo das fofocas que está na mídia /As pessoas que não entendem nada.

(ALMEIDA, 2010, p.121)

Depois de examinar detidamente seus dados, chegou à conclusão de que “O

pronome relativo que mascara a relação entre o sujeito e o verbo, favorecendo o

cancelamento da marca de plural nas orações relativas quando o SN antecedente é plural

[...]” (ALMEIDA, 2010, p. 146).

Segundo Naro e Scherre (2003, 2005), o ‘que’ relativo oblitera a relação do

verbo com o sujeito não apenas na fala, mas também na escrita, desfavorecendo a

concordância verbal. Os efeitos dessa variável podem ser observados inclusive na

escrita jornalística, principalmente quando há dois candidatos ao controle da

concordância, como no exemplo seguinte, que, semanticamente, pede um verbo no

singular, concordando com ‘capital’, mas que, provavelmente, por influência de

‘brasileiros’, o termo mais próximo, assume a forma plural:

23) “O deputado, que foi relator da medida provisória, acredita que com a lei

aprovada o governo poderá repatriar capital de brasileiros que estejam aplicados na

Suíça” (Jornal do Brasil, 04/04/90, p. 3, 1º. Caderno, apud SCHERRE, 2005, p. 28)

Além dessa estrutura envolvendo a interveniência do relativo, Scherre (1994, p.

10) afirma que, no tocante à variação na escrita, particularmente, na escrita padrão, há

boas evidências para se “[...] concluir que ela não se restringe aos casos arrolados pelas

gramáticas brasileiras, mas envolve quatro grandes configurações estruturais apenas

parcialmente previstas, sintetizadas [...]”. Dessas quatro configurações, duas se mostram

relevantes ao estudo aqui empreendido. São elas:

1) Construções com sujeitos pospostos, independentemente de serem compostos.

-Mas se a população de rua não for retirada de nada ADIANTARÃO medidas de

Segurança.

-SAIRÁ das AD's caravanas de docentes para participarem deste evento.

2) Construções com sujeito simples de estrutura complexa, independentemente de

expressarem noções quantitativas, coletivas ou partitivas.

-Um grupo de artistas ESTAVA sábado à noite no Cine Ricamar.

-Um grupo de turistas CHEGAM a uma aldeia de canibais e vão a um restaurante.

111

(SCHERRE, 1994, p. 10)

5.4 SUJEITO POSPOSTO, SIMPLES OU COMPOSTO

As pesquisas sobre concordância verbal que examinam o comportamento da

variável ‘posição do sujeito’, afirmam que sujeitos pospostos ao verbo não favorecem a

concordância. Embora a anteposição do sujeito possa favorecer a concordância verbal,

há fatores que desaceleram o potencial de aplicação da regra de concordância como a

distância em número de sílabas entre o sujeito e o verbo, como os níveis de saliência

fônica da forma plural do verbo, como a interposição do relativo ‘que’ entre o sujeito e

o verbo etc., casos tratados nas seções anteriores 5.1, 5.2 e 5.3.

Scherre (1994) lembra que esta tendência à não concordância, quando o verbo

vem antes do sujeito, tem sido observada até em textos “legitimados” pela escrita

padrão:

É interessante relembrar aqui que diversas pesquisas a respeito da variação na

concordância verbal também evidenciam que o sujeito antes do verbo, ou seja, à

sua esquerda também propicia mais concordância verbal, enquanto o sujeito

depois do verbo, ou seja, à sua direita, reduz drasticamente a referida

concordância verbal, na fala de falantes de qualquer nível de escolarização em

português (cf., por exemplo, Lemle & Naro, 1977; Naro, 1981; Graciosa, 1991),

chegando inclusive a se manifestar na escrita padrão, o que pode ser ilustrado

por dados extraídos de textos escritos “legitimados”: "Segue abaixo as

especificações"; "Sairá das AD's caravanas de docentes para participarem

deste evento" e "No pagamento de junho será distribuído a cada servidor dois

contra-cheques". (SCHERRE, 1994, p.6)

Oliveira (2010, p. 110) aponta quatro hipóteses levantadas por Decat (1983)

para justificar a não aplicação da regra de concordância verbal com sujeitos pospostos

aos verbos: 1) desconhecimento da regra por parte do falante; 2) variação linguística

causada pela diferença fônica entre as formas verbais de terceira pessoa do singular e do

plural; 3) a perda da característica principal do sujeito, que seria a anteposição ao verbo;

4) a responsabilidade que a posição do sujeito assume com relação à aplicação da regra

da concordância verbal. Dentre as quatro hipóteses conjecturadas, a que lhe parece mais

plausível é a terceira, uma vez que a estrutura canônica do português é SV. Invertendo-

se a posição tem-se VS, com o sujeito ocupando a posição canônica do objeto, que, na

língua portuguesa, não exerce função de controle em relação à concordância verbal. Diz

a autora:

Parece-nos mais concreta a justificativa da ausência de concordância verbal que

se baseia no fato dos SNs pospostos estarem deixando de desempenhar a função

112

de sujeito porque estão perdendo, entre outras, a propriedade sintática de

sujeito, já que o esperado seria o sujeito ocupar a posição no início da sentença.

O sujeito posposto, portanto, seria sentido pelo falante como objeto e não como

sujeito, pois ocupa, na sentença, o lugar reservado ao objeto direto e/ou indireto

e, em razão disso, absorve, muitas vezes, as características desse objeto.

(OLIVEIRA, 2010, p. 111)

Nos dados extraídos das redações que compõem a amostra do presente estudo,

foram encontrados vários casos de não concordância quando o sujeito ocorre posposto

ao verbo, com destaque para o verbo ‘existir’ que salta aos olhos no quesito da ausência

de marca de plural na terceira pessoa. Nas frases de 26 a 31, o verbo “existir” é

sinônimo de “haver”, e, como tal, pode ser influenciado pela impessoalidade que o

caracteriza.

24) “Indo mais além os meios de comunicação fazem uma ligação entre o ser e o

ter e regidos pelo capitalismo, o rico quer mostrar o que tem, para não ser

comparado com o pobre, o qual quer aparecer as custas do que não possui, e é ai

que entra os comerciais com mulheres lindas.” (085)

25) “A grande maioria pode obter mais conhecimento em pouco tempo e nesse rápido

pulsar da tecnologia é descoberto plantas para uso medicinais em laboratórios de

tecnologia de ponta e rapidamente faz remédios que curam doenças ... (025)

26) “Ainda existe aqueles que tem vontade de aprender, pois são estimulados pela

família...” (009)

27) “Ainda existe as pessoas que querem ser reconhecidas pelo esforço que fizeram

na escola...” (022)

28) “Existe, no entanto, algumas pessoas que estão indo contra essa corrente, pessoas

que estão indo contra toda essa corrente.” (078)

29) “Mas em contrapartida existe aqueles que pensam e agem paralelamente.”(124)

30) “Há anos atrás neste mundo em que vivemos hoje não existia estas manias que

hoje tem que é chamada por todos de “moda”.” (134)

31) “Como antigamente não existia todos estes problemas que ocorrem hoje

possivelmente as pessoas iriam viver todos na completa paz sem nenhum

preconceito.” (134)

5.5 SUJEITO SIMPLES DE ESTRUTURA COMPLEXA

Nesse grupo, encaixam-se os casos de variação na concordância verbal

relacionados com o sujeito simples de estrutura complexa, com a seguinte configuração:

113

[artigo + substantivo + preposição + artigo + substantivo] (SCHERRE, 2005, p. 26). A

gramática normativa já contempla alguns casos de variação, quando se trata de sujeito

simples formado por expressão partitiva no singular, seguido de sintagma nominal

preposicionado com núcleo plural, como por exemplo: “a maioria dos alunos chegou ou

chegaram cedo” (ROCHA LIMA, 2011, p. 479; BECHARA, 2008, p. 557; CUNHA e

CINTRA, 2007, p. 499), conforme paralelo entre as gramáticas realizado no capítulo 3.

Nesse caso, admite-se que há dois possíveis controles para a concordância verbal, o

termo partitivo ‘maioria’ ou o substantivo ‘alunos’. Porém, não é a essa variação que

Scherre (1994, 2005) se refere e sim àquela que ocorre mesmo que não haja termo

partitivo ou quantitativo envolvido na formação do sujeito complexo, como é o caso dos

exemplos seguintes, ambos retirados de textos escritos legitimados.

- O peso dos trajes representam o peso médio estatístico dos trajes comumente

utilizados no Brasil (Peso Certo ATLAS, Certificado de Peso, 26 de maio de

1990, apud SCHERRE, 2005, p. 27)

- [...] as mudanças do momento político pode provocar um aumento de

patologias mentais, como a depressão (Jornal do Brasil, 2/4/1990, p.10, 1º.

Caderno, c. 3, apud SCHERRE, 2005, p. 27)

No primeiro caso, quem controla a concordância não é o núcleo do sujeito –

peso – e sim o núcleo do sintagma nominal adjunto – (d)os trajes – que está no plural;

também no segundo, quem controla a concordância não é o núcleo do sujeito – as

mudanças – e sim o núcleo do sintagma nominal adjunto – (d)o momento histórico –

que está no singular. Assim, consoante Scherre (2005, p. 27), “Há concordância de

número em ambos os casos, só que com o núcleo do adjunto adnominal preposicionado.

Nas redações dos alunos (frases 32 a 38), foram encontrados muitos exemplos

semelhantes aos analisados por Scherre.

32) “Por outro lado o apoio dos pais, professores e amigos muitas vezes são mais

fortes do que a humilhação que tal pode passar na escola”. (105)

33) “O nível dos vestibulares tendem a crescer e com isso impulsionar os mais novos a

estudar”. (116)

34) “A transmutação dos conceitos fazem parte do futuro e da modernidade, mas

sempre estiveram arraigados e entrelaçados ao passado”. (138)

35) “O péssimo desenvolvimento psicológico gerado pelas escolas públicas do Brasil,

fazem com que, na mediocridade, sejam condenados os que se esforçam para garantir

um futuro...” (051)

114

36) “Os meios de tecnologia leva o jovem brasileiro a concluir que valores de épocas

passadas são coisas que não convêm”. (073)

37) “Os próximos profissionais principalmente da área de educação terá um nível bem

inferior que se tinha antigamente”. (064)

38) “Costumamos agir como se fossemos peças de um tabuleiro que é manuseada

conforme os espetáculos oferecidos pela mídia”. (042)

Nas frases 32 a 35, tem-se o núcleo do sujeito no singular – apoio; nível;

transmutação; desenvolvimento – e o núcleo do sintagma nominal preposicionado no

plural – pais, professores e amigos; vestibulares; conceitos; escola – esses últimos

controlando o número plural do verbo – são; tendem; fazem. Nos exemplos 36 a 38,

tem-se o núcleo do sujeito no plural – meios; profissionais; peças – e o núcleo do

sintagma nominal preposicionado no singular – tecnologia; área; tabuleiro – esses

últimos controlando o número singular do verbo – leva; terá; é. Num caso e no outro,

quem exerce o controle da concordância não é o núcleo do sujeito, mas sim o núcleo do

sintagma nominal preposicionado, provavelmente por estar mais próximo do verbo,

reforçando o peso da variável estrutural contiguidade.

5.6 PARALELISMO FORMAL ORACIONAL

O paralelismo formal oracional se refere à influência de marcas de plural ou

singular presentes no sujeito sobre o verbo. O que se observa quando se estuda o objeto

concordância verbal sob a óptica da variável paralelismo formal oracional é se há um

paralelismo entre as marcas encontradas no sujeito e as encontradas no verbo. Oliveira,

citando Scherre e Naro (1993), os precursores do estudo sociolinguístico da

concordância de número no Brasil, assim retoma a variável:

Scherre & Naro (1993) analisam três tipos de paralelismo formal, entre os quais

se inclui o paralelismo oracional ou causal, que trata exatamente da influência

da presença ou da ausência de marcas finais do sujeito sobre a presença ou

ausência de marcas do verbo. (OLIVEIRA, 2010, p.5)

Nos vários trabalhos escritos sobre o tema, percebe-se que a variável

paralelismo formal oracional está ligada às variáveis distância e posição entre o sujeito e

o verbo. Quanto maior a distância entre o verbo e o sujeito, menores serão as chances de

115

atuação da variável paralelismo formal, já que, quanto maior a distância, menor a

percepção das marcas de plural do sujeito. Quanto à variável posição, as marcas de

plural ou singular presentes no sujeito têm mais chance de atuar sobre o verbo, se ele

vier antes do verbo. Sujeito posposto ao verbo reduz o potencial de influência do

paralelismo formal. Oliveira demonstra estatisticamente como as variáveis ‘paralelismo

formal’ e ‘posição do sujeito’ agem conjuntamente:

Em 88% das ocorrências em que havia presença de marca formal de plural

antecedente ao verbo houve aplicação da regra de concordância verbal. O peso

relativo dos fatores só confirma que a probabilidade de o verbo vir no plural é

maior quando ele é antecedido por um constituinte do SN no plural.

(OLIVEIRA, 2010, p. 158)

A seguir, listam-se alguns exemplos extraídos da amostra de redações

estudadas nesta dissertação que revelam a possível influência do paralelismo formal

exercido sobre o verbo por sujeitos antepostos próximos ou distantes do verbo.

39) “Pessoas inteligentes são vítimas de preconceito.” (018)

40) “Fica claro entender que os jovens atuais querem nada mais que vida fácil.”

(101)

41) “Essas pessoas podem até se apagar, mas depois dão a volta por cima e seguem

a vida no mesmo caminho de antes.” (001)

42) “Estudantes do Brasil e do mundo estão indo atrás dos seus sonhos...” (040)

43) “Atualmente, adolescentes que têm um grau de intelectualidade são taxados

por algumas pessoas de ‘nerd’, um termo pejorativo e ofensivo.” (104)

44) “O conceito de que estudar significa não ter relações interpessoais está cada

dia mais forte.” (092)

45) “Não sabemos ao certo se uma determinada pessoa já nasceu em uma família

de classe superior, ou se ao decorrer de sua vida, batalhou, estudou e conseguiu

com seus esforços alcançar uma classe mais alta.” (032)

Nas frases 39 a 43, as marcas de plural no sujeito se estendem ao verbo; já nas

frases 44 e 45, a ausência de marcas de plural no sujeito se estende ao verbo. Isso parece

significar que o domínio das regras de concordância nominal e verbal, conforme a

gramática normativa, ocorre concomitantemente.

116

5.7 - SALIÊNCIA GRÁFICA

Adota-se aqui o termo saliência gráfica e não fônica por se tratar de um

corpus de língua escrita. Como foi visto no capítulo 4, os estudos sobre concordância

verbal que avaliam o impacto desse fator na variação chegaram a uma escala de seis

níveis de saliência fônica (ou gráfica). O primeiro nível dessa escala refere-se ao

processo fonológico da desnasalização que afeta as vogais átonas finais, estendendo-se à

morfologia. Almeida (2010, p. 127), citando Guy (1981), afirma

Guy (1981, p. 200), em seu estudo sobre a desnasalização em português, ao

tratar da concordância verbal relata que o português popular brasileiro tem na

desnasalização e nas regras de concordância do sujeito com o verbo um outro

grande caso de entrelaçamento e interação de processos fonológicos e

morfossintáticos.

A desnasalização é fator importante para que se estabeleçam os níveis de

saliência fônica, uma vez que envolve formas verbais regulares em que a

nasalidade é o único traço distintivo entre as formas singular e plural, do tipo

ele fala/eles falam. (ALMEIDA, 2010, p. 127)

Segundo os pesquisadores, as vogais átonas finais que apresentam marcas de

plural, /-N/ na oralidade, ou <M> na escrita, estão sujeitas ao processo fonológico de

desnasalização, cujos efeitos se refletem sobre a morfossintaxe, apagando as marcas da

concordância verbal em muitos casos. O processo fonológico de desnasalização que

transforma <homem> em <home> e <virgem> em <virge>, suprimindo a consoante

nasal final (ou traço de nasalidade, conforme a teoria fonológica que se adote), também

transforma <podem> em <pode> e <bebem> em <bebe>, porém, nesse último caso, não

é apenas uma consoante nasal (ou um traço de nasalidade) que é suprimido, mas

também o morfema que indica a 3ª. pessoa do plural.

Na amostra analisada neste estudo, algumas frases já examinadas sob a ótica de

outras variáveis podem também ter sofrido o impacto do fator saliência gráfica (ou

fônica), a exemplo dos casos 1, 2, 17, 26, dentre outros:

1)“É importante que desde cedo os pais influencie seu filhos de forma positiva para

que o mundo não os transgrida.” (045)

2)“E também os alunos têm que ir para os colégios tendo uma educação que vem

de casa, onde os pais pode educar.” (107)

117

17) “Porém nos últimos anos o padrão da mídia é o sucesso relâmpago, patrocinado por

propagandas, programas e novelas que impõe um padrão de comportamento no qual

impera a inversão de valores.” (080)

26) “Ainda existe aqueles que tem vontade de aprender, pois são estimulados pela

família...” (009

5.8 CONCORDÂNCIA IDEOLÓGICA

É a concordância do verbo com o sentido do núcleo do sujeito e não com seu

número gramatical. A própria gramática normativa admite alguns casos de concordância

ideológica, principalmente, quando houver distância entre o sujeito e o verbo. Esse tipo

de concordância verbal envolve núcleos de sujeito que indiquem coletividade mas sejam

formalmente singular como: população, maioria, comunidade, juventude, casal,

criançada, mulherada, partido, associação etc. No universo da gramática tradicional,

esse fenômeno é referido como: concordância ideológica, sínese, silepse de número,

concordância siléptica ou lógica etc.

De acordo com Scherre (2005, p. 49), os casos admitidos pela maioria dos

gramáticos “[...] não envolvem distância física, mas o que se poderia chamar de

distância sintática: são casos de ‘sujeito oculto’[...]”, como o do exemplo a seguir,

coletado numa matéria publicada pelo jornal Correio Brasiliense. Afirma a autora que

“O controlador sintático da concordância é formalmente singular (a quadrilha do INSS),

mas os verbos dos ‘sujeitos ocultos’ (Estão e Vão) ligados ao coletivo singular

encontram-se no plural”:

“Lamentável que a Polícia Federal prenda e o tempo faça com que todos sejam soltos

para responder em liberdade e fiquem a salvo de ser apanhados ou julgados. Veja-se o

caso da quadrilha do INSS. Estão saindo da prisão, embora mais de um bilhão não

tenham sido recuperados. Vão viver à tripa forra” (Correio Brasiliense, 15/11/2004,

Opinião, p. 11, c.1, apud SCHERRE, 2005, p. 49).

Citando Mattos (2003), Scherre afirma que essa variação não é exclusiva do

português brasileiro, ela está presente também no português europeu, sendo observada

até mesmo na escrita jornalística contemporânea, como no exemplo seguinte:

O Partido Africano de Independência de Cabo Verde (PAIVC), na oposição,

contestaram acusações feitas pelo governo” (texto jornalístico português de 1995,

citado por SCHERRE, 2005, p. 48).

118

No presente estudo, foram observados vários casos, frases de 46 a 50, de

concordância ideológica.

46) “Várias campanhas e propagandas feitas pelos meios de comunicação estão

alertando a população que fiquem mais atentos a esse tipo de comportamento”. (012)

47) “[...] a mídia cria um mundo utópico, cheio de idealizações humanas,

fantasias inalcançáveis, faz das celebridades pessoas heroicas, cheias de mérito e

tudo isso acaba convencendo a grande maioria da população que acreditam

equivocadamente que se forem iguais a essas pessoas irão alcançar esse mundo

de “conto de fadas”. (042)

48) “Portanto nós cidadãos conscientes devemos incentivar a juventude ao hábito do

estudo, mostrar-lhes que é um mérito ser inteligente, colocando-os como peça

primordial, pois são eles que construirão um melhor molde de vida a sociedade”.

(083)

49) “Cabe a comunidade de repensar na maneira em que tratam essas pessoas”.

(119)

50) “Há uma grande maioria que ultrapassa os preconceitos da sociedade, por serem

inteligentes e lutam por seus objetivos”. (016)

Em cada um desses exemplos, o sujeito, controlador da concordância é

formalmente singular, mas os verbos assumem a forma plural, concordando com o

sentido de coletividade: na frase 46, o sujeito é população e o verbo fiquem; na frase

47, o sujeito é a grande maioria da população e os verbos acreditam, forem, irão; na

frase 48, o sujeito é juventude, referente que é retomado anaforicamente pelos pronomes

lhes, os e eles, e os verbos são e construirão; na frase 49, o sujeito é comunidade e o

verbo tratam; na frase 50, o sujeito é uma grande maioria e os verbos serem e lutam.

Neste capítulo, buscou-se tratar os casos de variação da concordância verbal

levantados nas redações dos alunos, não como infrações das normas gramaticais a serem

corrigidas, mas, sob o viés da sociolinguística, como um comportamento esperado dos

usuários da língua portuguesa, considerada a heterogeneidade inerente a toda língua.

Muitas das discrepâncias observadas nas redações dos alunos provaram-se não

exclusivas da escrita escolar; estão também presentes na escrita jornalística no Brasil e

em Portugal. Com isso, não se quer dizer que as regras de concordância verbal

prescritas pela gramática normativa não devam ser ensinadas, quer-se apenas dizer que

o seu ensino deve levar em conta o conhecimento linguístico do aluno, fazer-se em

contraponto com o que ele já sabe e não sobre o que ele já sabe. Assim, o que aqui se

119

mostra deve ser o chão de onde partir para trabalhar a concordância verbal na esfera da

escola básica. Como se coloca, em relação a esses conhecimentos linguísticos, o

material didático utilizado pelos alunos do Colégio X que escreveram as redações

analisadas? Esse é o tema do próximo capítulo...

120

CAPÍTULO 6

A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA

EM APOSTILAS DO TERCEIRO ANO DO COLÉGIO X

Desde que lançou os PCNEM, em 2000, o Ministério de Educação e Cultura

empenha-se em fazer chegar aos alunos do ensino médio público livros didáticos que

estejam em sintonia com as proposições nucleares de tal documento. Em 2004, a

Resolução FNDE nº 38/03, de 23/10/2003 criou o Programa Nacional do Livro para o

Ensino Médio (PNLEM), com o objetivo de avaliar e recomendar aos professores de

língua portuguesa livros didáticos afinados como o novo paradigma de ensino. As obras

recomendadas pelo MEC, depois de passarem pelo crivo de uma comissão de avaliação

formada por especialistas na matéria, são resenhadas segundo um roteiro bastante

detalhado e passam a integrar o “Guia de livros didáticos”, disponibilizado a todos os

professores da área, para que efetuem a escolha daquele livro que julgarem mais

adequado ao perfil dos alunos e do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola.

Porém, as orientações do PCNEM tanto quanto as do PNLEM e do “Guia de

livros didáticos” têm ecoado mais fortemente na rede pública de ensino médio. A rede

privada parece constituir um território à parte, eternizando o uso das famigeradas

apostilas, que reduzem e aligeiram ao máximo a exposição/explicação dos conteúdos e

colocam à disposição dos alunos muitos exercícios e questões de vestibulares. Com

raras exceções, os colégios particulares desconhecem as mudanças implementadas pelo

MEC, persistindo na prática do ensino gramatical, que faz da norma padrão do

português um sinônimo de língua, tomada como um sistema homogêneo, invariável e

imutável. Constata-se que as tentativas do governo em adequar o ensino brasileiro ao

discurso da linguística, que assume a concepção do português como sendo várias

línguas, não têm provocado mudanças substantivas no currículo e no material didático

adotado por esses colégios.

Nesse capítulo, serão analisadas duas apostilas, uma do Sistema Positivo de

Ensino e outra do Sistema COC de Ensino, ambas usadas pelo Colégio X e por muitas

outras escolas com bom desempenho no ENEM. O ensino pré-vestibular/ENEM é uma

característica marcante tanto do COC quanto do POSITIVO, e a maioria das

121

propagandas destes sistemas enfatiza o preparo dado por eles para colocar o aluno em

uma universidade pública. Também enfatiza a sintonia com as inovações tecnológicas,

pedagógicas e teóricas. No caso do ensino de língua portuguesa, essas inovações são

bastante questionáveis.

Nas apostilas anteriormente mencionadas, será enfocada a concordância verbal,

como ela é tratada na exposição do tema e nos exercícios formulados por elas ou

coletados de bancos de questões sobre CV, originárias de vestibulares realizados pelas

mais diversas Instituições de Ensino Superior do país. Em um segundo momento, será

feita uma comparação entre as descobertas deste estudo e aquelas de Rodrigues (2010)

que pesquisou temática semelhante em duas coleções de livros didáticos do ensino

médio. A focalização da CV deve-se ao fato ela ser um domínio linguístico atravessado

por uma constante fricção entre a norma culta e a norma popular e, portanto, um campo

propício à aplicação dos conhecimentos sociolinguísticos, nucleares ao novo paradigma

de ensino. Afinal, um dos objetivos deste estudo é investigar se, ao abordar as regras de

concordância verbal, as apostilas postulam que o português é um conjunto de variedades

linguísticas e que as variedades faladas pelos alunos podem ser diferentes (nem piores e

nem melhores) da ensinada na escola.

6.1. A CONCEPÇÃO DE LÍNGUA SUBJACENTE AO TRATAMENTO DA CONCORDÂNCIA

VERBAL

Observa-se, no excerto seguinte, uma tentativa de incorporação do discurso da

linguística ao tratamento dispensado à CV pela apostila do Positivo. Contudo, é visível

a leitura equivocada de princípios da sociolinguística variacionista que assume a CV

como um fenômeno universalmente variável no português, conforme capítulo 4 desta

dissertação. Contrapondo-se o primeiro período do Enunciado 1 com o segundo,

iniciado pelo termo adversativo “inversamente”, constata-se que os enunciadores

assumem uma posição ambivalente quanto à CV: ela é invariável no “português

clássico” e na “norma culta para a língua escrita”, posição identificada com o discurso

gramatical, e variável no “português coloquial brasileiro” e “fala culta

descompromissada”, posição identificada com o discurso da linguística. Mais

precisamente, tal como significada no Enunciado 1, a variação restringe-se ao português

brasileiro, à modalidade oral, à fala coloquial descompromissada; não é um traço

122

sistemático da língua portuguesa como um todo. Nessa afirmação, vai embutido o

postulado de que o português escrito clássico é a língua portuguesa, o resto é variação

dele. Até os estudos gramaticais, aqueles mais consistentes, já admitiam que CV é um

fenômeno variável na língua portuguesa, quando enumeravam as alternativas de

concordância para um mesmo caso. Outro índice do alinhamento com o discurso

gramatical é admissão, na língua escrita, da CV como fenômeno variável apenas na

“reprodução da fala dos personagens”, quer dizer, é apenas na simulação da oralidade

não monitorada que a literatura pode recorrer à CV variável.

ENUNCIADO 1

(POSITIVO, 2009)

A heterogeneidade discursiva evidencia-se também no Enunciado 2. Não é a

língua portuguesa como um todo que apresenta CV variável e sim “o português

contemporâneo brasileiro”, “os falares populares”, e até “os contextos cultos, inclusive

escritos”, “as frases em ordem inversa”. Já o português clássico europeu, subentendido

nesse enunciado, se caracterizaria pela invariabilidade da regra de CV. Contudo, estudos

sociolinguísticos, resenhados no capítulo 4 desta dissertação, mostraram que a

concordância verbal era/é um fenômeno variável também no português europeu de

todas as épocas.

123

ENUNCIADO 2

(POSITIVO, 2009)

De modo semelhante o material do Sistema COC de Ensino evidencia não estar

completamente alheio aos estudos sociolinguísticos. Afirma:

ENUNCIADO 3

A concordância verbal e nominal é o subdomínio da Sintaxe que

descreve (e quase sempre prescreve) os mecanismos de flexões verbais

e nominais segundo os quais as palavras e os termos se harmonizam

num contexto sintático.”

(COC, 2009).

No Enunciado 3, são os termos “descrever” e “prescrever” que indiciam a

heterogeneidade discursiva. Quem “descreve” é a linguística, quem “prescreve” é a

gramática tradicional. Na afirmação de que a sintaxe “descreve os mecanismos de

flexões verbais e nominais segundo os quais as palavras e os termos se harmonizam

num contexto”, há um alinhamento do enunciador com a linguística. Contudo, a

imediata introdução do parêntese “(e quase sempre prescreve)” após “descreve” é uma

manifestação cabal da emergência de uma outra ordem semântica – a da gramática

tradicional. Se não se pode mais acusar ignorância em relação aos conhecimentos

produzidos pela sociolinguística, também não se está convencido de que a gramática

tradicional possa ser posta de lado.

No Enunciado 4, a seguir, essa agonia semântica reaparece na admissão de que

o uso de ter por haver e existir generalizou-se na “linguagem oral do Brasil”, mas em

124

“construções não abonadas pelas gramáticas”, devendo “ser substituídas, a bem da

adequação à norma culta”.

ENUNCIADO 4

Na linguagem oral do Brasil vai-se generalizando o uso de ter por existir e

haver, em construções não abonadas pelas gramáticas:

Recomenda-se que tais construções devam ser substituídas, a bem da

adequação à norma culta, por:

(COC, 2009)

Fica evidente o quão custoso é para esses materiais didáticos apostilados,

destinados ao ensino de língua portuguesa, assumir uma postura francamente

sociolinguística em relação às variedades linguísticas. A aliança com os ideais de uma

classe média alta, linguisticamente reacionária, que se recusa a compreender que uma

língua viva varia e muda incessantemente, é certamente um ingrediente que pesa na

opção pelo viés interpretativo da gramática tradicional. Nesse contexto educacional, a

desadesão ao discurso gramatical poderia ser mal-entendida, comprometendo a

reputação e a credibilidade da instituição diante daqueles pais que, convictamente,

enviam seus filhos à escola particular para aprenderem a falar e escrever corretamente.

Uma ilustração de como essa clientela pensa a questão das variações

linguísticas são as inúmeras manifestações escandalosas e indignadas que ocorreram em

2011 por ocasião da divulgação do episódio envolvendo o livro didático de língua

portuguesa, da coleção Por uma vida melhor, comentado na introdução desta

dissertação. A comunidade de linguistas teve muito trabalho para tentar desfazer o

estrago que a informação arrevesada da mídia – o MEC financia livros didáticos que

fomentam o uso do português errado – pôs em circulação por mais de um mês.

Sem a aprovação dessa clientela, o português provavelmente continuará, nesse

espaço, sendo significado como UM e não como VÁRIOS, apesar de o discurso da

linguística não poder mais ser tratado como algo desconhecido. De um lado, há a

125

ebulição do novo paradigma de ensino de língua portuguesa que condensa a posição dos

especialistas, de outro, a pressão de senso comum exercida pela potencial clientela, que

permanece presa ao modelo de ensino que ela própria vivenciou na sua carreira escolar

(“No meu tempo era assim!”). Essa heterogeneidade é constitutiva do discurso das

apostilas e evidencia-se na abordagem da CV, ainda que eufemisticamente.

6.2 A POSIÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA COMO EUFEMISMO

O discurso da sociolinguística se insinua, pois, nas apostilas por meio de

termos como: 1) norma culta, modalidade escrita culta, norma padrão, padrão culto da

linguagem, contrapostos a português coloquial brasileiro, português contemporâneo

brasileiro, português popular brasileiro etc.; 2) adequado/inadequado ao invés de

certo/errado, e também de termos como desvio, problema, desacordo, traço

característico da variedade X ao invés de erro; 3) reescrever ao invés de corrigir.

Aliás, o termo certo ainda aparece esporadicamente nos enunciados proferidos pelo

material didático, mas os termos erro e errado encontram-se em franco declínio.

O enunciado 5, a seguir, que tematiza a CV em frases com sujeito

semanticamente coletivo, mas formalmente singular, refere-se ao período “Mas o povo

criam, mas o povo engenham, mas o povo cavilam...” (caixa de destaque) como

“inadequado à norma culta” e não como categoricamente errado. Já no enunciado do

exercício relativo ao quadrinho de Angeli (caixa de destaque), o uso da expressão “traço

característico da fala coloquial brasileira” para designar a não aplicação da CV na

oração com sujeito posposto (“Droga! Mais uma vez me falta todos os ingredientes”)

substitui, de modo adocicado, o termo erro, que, certamente, seria empregado não

fossem os ecos da sociolinguística ribombando incomodamente nos bastidores.

126

ENUNCIADO 5

(Positivo, 2009)

No Enunciado 6 (extraído da apostila do Positivo), reproduzindo uma questão

da Universidade Federal de Pelotas, observa-se, à primeira vista, uma estreita

aproximação com o discurso da sociolinguística, mas não livre do fantasma do discurso

gramatical. A primeira questão (caixa de destaque) fala em “adequar a linguagem ao

grupo de leitores a que (a propaganda) se destina”, porém fala também em “fugir da

concordância ditada pela norma padrão”, expressão em que o termo “fugir” remete à

127

ideia de que a CV é a norma. Não se admite a possibilidade de a não-concordância ser a

norma, como de fato é em muitas variedades de português. Há, pois, uma

legitimação/naturalização da CV, como propriedade da língua portuguesa, embora

nomeada como “norma padrão” ou como “modalidade culta da língua” (caixa de

destaque). Ademais, a tônica dos exercícios é sempre a tradução da modalidade popular

para a modalidade culta do português, nunca o contrário (caixa de destaque).

ENUNCIADO 6

(POSITIVO, 2009)

Eufemisticamente também se emprega o termo “desvio”, em lugar de “erro”,

como no Enunciado 7, contendo um exercício proposto com base numa tirinha de

Angeli. Wood e Stock conversam e, logicamente, como quem conversa, usam uma

modalidade coloquial da língua portuguesa. O exercício solicita, primeiro, que o aluno

128

“Transcreva dos quadrinhos um desvio relacionado à concordância verbal”. Embora

seja empregado o termo “desvio”, que é mais suave que “erro”, implicitamente

reafirma-se a concepção categórica da CV, já que o enunciado não relativiza o alcance

do desvio (desvio em relação a que norma(s)?). Porém, ao solicitar que o aluno

“Refaça tal frase de acordo com a norma culta”, a posição categórica (Refaça de

acordo com as normas gramaticais) é evitada, uma vez que a reescrita se faz

relativamente a uma norma e não à única norma.

ENUNCIADO 7

a) Transcreva dos quadrinhos um desvio relacionado à concordância verbal.

b) Refaça tal frase de acordo com a norma culta.

(COC, 2009)

No Enunciado 8, é o termo “construção em desacordo” que se usa para

substituir e suavizar a noção de “erro”. O efeito de sentido não seria o mesmo se, no

lugar de “construção em desacordo com a gramática normativa no tocante à

concordância verbal”, fosse dito “construção errada no tocante à concordância verbal”.

Não há sinonímia entre essas duas construções, pois elas indiciam diferentes processos

de interpelação: quem diz “construção em desacordo...” é um enunciador não mais

inocente em relação ao purismo linguístico e ao absolutismo gramatical, ele

conhece/vivencia a existência incômoda e desestabilizadora do discurso relativista da

linguística. Não sem razão, no mesmo enunciado, substitui “desacordo” por

“inadequação”. A atividade de reescrita não ordena uma correção peremptória, mas

sim uma “adequação à norma culta”.

129

ENUNCIADO 8

O parágrafo a seguir foi modificado e apresenta uma

construção em desacordo com a gramática normativa no tocante à

concordância verbal.

TURISTA APRENDIZ – Quantas viagens a Nova York são

necessárias para alguém aprender uma maneira de ficar rico? Para o

paulista João de Matos bastou uma. Ele chegou a Nova York com

dinheiro suficiente para férias prolongadas. Descobriu em pouco tempo

que faltava ao viajante americano informações precisas sobre destinos

turísticos no Brasil. Com dinheiro emprestado, abriu...

a) Transcreva o trecho em que ocorre a inadequação.

b) Reescreva esse trecho, adequando-o à norma padrão

c) Aponte uma causa possível para a ocorrência dessa

inadequação. (POSITIVO, 2009)

As derrapagens nas fronteiras que separam o discurso gramatical do

linguístico são muitas, sinalizando que nada se encontra estabilizado no campo do

ensino de língua portuguesa contemporaneamente. Nesse terreno movediço, vezes há

em que a voz do discurso gramatical ressurge altissonante, sem qualquer subterfúgio.

6.3 A POSIÇÃO GRAMATICAL SEM DISFARCE

Quando se examina o banco de questões sobre CV, constante das duas apostilas

aqui estudadas, descobre-se que ele constitui um conjunto altamente desigual e

contraditório em termos de alinhamento discursivo. Juntamente com questões que

revelam sensibilidade (ainda que mínima) para o tratamento linguístico da língua e da

CV, depara-se com questões que reafirmam, sem qualquer disfarce sociolinguístico, a

identificação com o discurso gramatical e com a abordagem categórica da CV.

No Enunciado 9, as questões 02, 03 e 04, embora não se refiram explicitamente

à correta CV, subentendem que ela é categórica, na medida em que apenas uma das

alternativas deve ser selecionada para preencher as lacunas deixadas nos períodos a

serem completados. Também a questão 6 assenta-se no princípio da categoricidade da

concordância, nomeando-o explicitamente por meio da oração “se faça a concordância

(nominal e verbal) de forma correta”. Já a questão 7 revela a ambivalência do

enunciador, pois, se, por um lado, emprega o termo “infração”, remetendo-se ao

130

discurso gramatical, por outro, relativiza o domínio da norma (“língua escrita culta”),

remetendo-se ao discurso linguístico. Essas questões convivem, na mesma página, com

a de número 5, mais sintonizada com os postulados da sociolinguística.

ENUNCIADO 9

(POSITIVO, 2009)

No Enunciado 10, depara-se com a questão 8, francamente alinhada com a

posição gramatical, uma vez que se refere à variação como “infração às normas de

131

concordância” e ordena a “a devida correção”, sem fazer referência a qualquer adjunto

adnominal que restringisse o âmbito da norma em questão. Com ela convive a questão

11, estreitamente articulada com os postulados da sociolinguística, já que se refere à

variação como “marcas linguísticas”. O texto explorado nessa questão – um poema-

canção – representa o falar popular brasileiro. Inusitadamente, o exercício não pede

para ‘consertar o que está errado ou inadequado à norma culta’, mas para apontar “as

marcas linguísticas dos versos que permitem perceber que estão em norma popular”.

ENUNCIADO 10

(POSITIVO, 2009)

132

No Enunciado 11, a questão 6 reflete um processo de interpelação totalmente

dominado pelo discurso da gramática. O uso do termo “infração” remete aos sentidos de

violação, transgressão, desobediência, descumprimento de uma lei, regulamento ou

norma, no caso “as normas de concordância”, referidas como normas categóricas, uma

vez que não há qualquer adjunto adnominal restringindo o domínio das normas. Poder-

se-ia dizer que o enunciado “No 2º período, há uma infração às normas de

concordância. Reescreva-o de maneira correta” seria um possível sinônimo de “No 2º

período, há um erro de concordância. Corrija-o”. Ambos poderiam ser gerados pela

mesma formação discursiva, representando a formação ideológica purista, cujo sentido

central é o de que uma língua, qualquer língua, é una, homogênea, invariável, imutável.

ENUNCIADO 11

06. (Fuvest-SP) A Polícia Federal investiga os suspeitos de terem ajudado na

fuga para o Paraguai e a Argentina. A polícia desses países não puderam

prendê-los porque o governo brasileiro não fez o pedido formal de captura.

(Adaptado de O Estado de S. Paulo)

a) No 2º período, há uma infração às normas de concordância. Reescreva-o de

maneira correta.

b) Indique a causa provável dessa infração.

(COC, 2009)

Inúmeros outros exemplos do banco de questões poderiam ilustrar aqui essas

idas e vindas entre o discurso da linguística e o da gramática tradicional.

6.4 CONTRAPONTO ENTRE O PRESENTE ESTUDO E ESTUDOS SOBRE CV NO LIVRO

DIDÁTICO

Rodrigues (2010), na dissertação “O português não-padrão no universo de

livros didáticos do ensino médio: posições discursivas”, que, como o presente estudo,

integra o projeto “Enunciados da linguística em enunciados sobre/do ensino de

português: batalhas de sentidos”9, analisou os gestos de interpretação em torno do tema

“variações do português” em dois livros didáticos do ensino médio: “Português: de olho

no mundo do trabalho”, de Ernani Terra e José de Nicola (obra 1), e “Português: língua

e cultura”, de Carlos Alberto Faraco (obra 2), ambas incluídas no Catálogo do PNLEM.

9 Projeto vinculado ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem – MeEL, coordenado pela

professora Dra. Maria Inês Pagliarini Cox.

133

O estudo focaliza a polêmica entre o discurso gramatical (ideologia purista acerca da

língua) e o discurso linguístico (ideologia pluralista acerca da língua), que permeia o

campo do ensino de língua portuguesa:

Quer dizer, a polêmica entre o discurso gramatical e o discurso

linguístico, uma polêmica de envergadura, ainda está na ordem do dia.

Para seguir sobrevivendo, o discurso gramatical, um discurso

primeiro, se apropria de alguns signos do discurso linguístico, o

discurso segundo, como se estivesse se renovando. (Rodrigues, 2010,

p. 103)

Segundo Rodrigues e Cox (2011), nessa polêmica, a obra 1 busca responder

aos postulados do novo paradigma de ensino, ainda posicionada à direita do discurso

gramatical, ao passo que a obra 2 o faz situada à sua esquerda e à direita do discurso

linguístico.

Na obra 1, as autoras flagram uma espécie de “namoro infiel” do discurso

gramatical com o discurso linguístico na tentativa de interpretar o português como

contextualmente variável. À primeira vista, parecia-lhes que “[...] os enunciadores da

obra 1 falavam das variedades de português interpelados pela ideologia e pelo discurso

do múltiplo, mas logo perceberam o retorno à ideologia e ao discurso do UM”. Na obra

2, observam uma espécie de “separação litigiosa” do discurso linguístico em relação ao

discurso gramatical, “[...] na luta para derrotar o purismo ideológico e gramatical que

tolda a interpretação do português como uma língua heterogênea e dinâmica e é fonte de

preconceito, estigma e discriminação” (RODRIGUES e COX, 2011, p. 169). No tocante

à concordância verbal que o discurso gramatical interpreta como fenômeno categórico e

o discurso linguístico, como variável, as autoras observam que

[...] o enunciador 2 afirma que é preciso “despir-se dos costumeiros

julgamentos sociais preconceituosos sobre o português popular (nós vai) e

compreender que nós vai é tão português quanto nós vamos, ou seja,

compreender que quem fala nós vai não é um sem gramática, mas alguém

com uma gramática diferente. Enquanto os enunciadores 1 se limitariam a

dizer que na norma culta obrigatoriamente o verbo concorda com o sujeito em

número e pessoa, subsumindo que o português popular infringe as regras

gramaticais, ou seja, é não gramatical e caótico, o enunciador 2 fornece uma

descrição detalhada das especificidades gramaticais da língua popular no que

tange ao apagamento sistemático de marcas redundantes de plural tanto na

concordância verbal quanto na concordância nominal, fenômeno que faz da

gramática popular uma gramática “econômica” e “elegante”. Tais

qualificativos seriam impensáveis na boca de quem professa o discurso

134

gramatical que esconjura a “falta” de concordância entre o verbo e o sujeito

(nós vai) e entre os determinantes e o nome na locução nominal (as menina

alta) como uma forma de atentado contra a lógica do pensamento. Assim,

vemos a posição prescritiva e normativa ser rebatida mediante argumentos

científicos descritivos e explicativos, buscados no domínio da

sociolinguística. (RODRIGUES e COX, 2011, p. 166).

No caso dessa pesquisa, observa-se que o tratamento dado à CV pelas apostilas

se assemelha mais ao observado na obra 1, com a apropriação de alguns signos do

discurso linguístico, para substituir aqueles mais desacreditados no universo semântico

do novo paradigma do ensino de língua portuguesa, mas submetendo-os ao regime

semântico do discurso gramatical. Os termos “erro”, “errado” e “incorreto” foram

evitados em favor de termos mais brandos, às vezes em sintonia com os postulados da

sociolinguística, como “inadequação”, “inadequado”, “marcas linguísticas da norma

popular”, outras vezes em sintonia com o discurso não especializado do senso comum,

como “desvio”, “desacordo”, “problema”. Frequentes vezes, os termos “gramática” e

“língua portuguesa” são referidos como “norma culta”, “norma padrão”, “modalidade

escrita culta” etc. O que Rodrigues afirma sobre a obra 1 aplica-se perfeitamente às

duas apostilas analisadas:

Clivados pelo discurso da linguística, os autores sentem-se, pois, constrangidos

a evitar signos categóricos e estigmatizados como “certo e errado”, valendo-se

da estratégia de tentar encerrá-los em “arquivos mortos”, à medida que se

apropriam dos signos do discurso Outro, ainda que os leiam pelo sistema de

restrições semânticas do discurso Mesmo.

(...)

Os parcimoniosos “adequado e inadequado”, empregados pelos autores em

lugar dos contundentes “certo e errado”, não são trocas motivadas pela

convicção de quem está deixando de se identificar com um discurso para se

identificar com outro, mas dispositivos para manter-se na cena, driblando

aqueles que tendem para o discurso Outro. (RODRIGUES, 2010, p.105)

135

CONCLUSÃO

Não se quer sugerir, nessa etapa do trabalho, que o tema aqui tratado foi

abarcado em sua totalidade. Não se trata, pois, de um ponto final, mas de uma

interrupção momentânea, motivada pelo descompasso entre o tempo moroso do trabalho

acadêmico e o tempo regimental célere dos programas de pós-graduação. A pesquisa

realizada descortina inúmeros aspectos, até então invisíveis, que convidam a novas

investigações, mas elas ficarão para o futuro...

Nos capítulos 1, 2 e 3 desta dissertação, revisita-se o pensamento gramatical do

período que vai de Fernão de Oliveira (século XIV) aos gramáticos contemporâneos

Celso Cunha, Rocha Lima e Evanildo Bechara, focalizando os tratados sobre

concordância verbal. Em Fernão de Oliveira nada se encontra acerca do tema, uma vez

que ele posterga o estudo da “construção”, ou seja, da sintaxe, para outra obra já

anunciada. Contudo, não se têm notícias dessa segunda obra. Efetivamente, João de

Barros é o primeiro gramático português a fazer uma breve referência à CV, como a

conveniência entre o nominativo e o verbo.

Contudo, é no século XVII, sob a influência da Gramática Geral e Razoada ou

Gramática de Port Royal de Arnauld e Lancelot ([1660]1992), que a CV é tratada com

mais clareza, segundo o princípio da conveniência ou da identidade (as palavras devem

convir entre si). É sob esse princípio que o gramático português Jeronymo Soares

Barboza assenta a concordância, distinguindo a regular da irregular. É regular quando

os termos da oração se harmonizam; as terminações de uma palavra concordam com as

de outras palavras sem haver conflito de flexão entre elas. É irregular quando a

concordância não se faz “de palavra com palavra, mas da palavra com huma Idea”,

produzindo “huma discordancia material e apparente para fazer huma concordancia real,

porem so mental” (BARBOZA, 1830, p. 378), a exemplo da silepse. Jeronymo Soares

Barboza é a matriz de muitas das regras de CV hoje vigentes, como, por exemplo,

aquela que diz que, se o sujeito composto incluir o pronome “eu”, o verbo deverá ir para

a primeira pessoa do plural e aquela que diz que sujeitos compostos sintetizados por

“tudo” ou “nada” demandam verbo no singular.

Desde Jeronymo Soares Barboza, o ciclo da repetição não cessa mais de se

fazer. Muito do que foi prescrito por ele sobre a CV, do lado de lá do Atlântico, pode

ser reencontrado do lado de cá, em Júlio Ribeiro e João Ribeiro, assim como muito do

136

que está nos tratados desses últimos reproduz-se nas gramáticas em circulação ao longo

do século XX, dentre elas as de Eduardo Carlos Pereira e Said Ali, na primeira metade

do século, e as de Rocha Lima, Evanildo Bechara e Celso Cunha, na segunda metade.

Por exemplo, nenhum desses gramáticos deixou de fazer alusão à silepse como um caso

de concordância semântica discrepante da concordância gramatical, que seria o

princípio fundamental da CV no português. Apenas em Carlos Eduardo Pereira, a

concordância ideológica, tal como se realiza na frase: “Compadecei-vos de toda esta

gente que morrem de fome”, não se reveste de sentido negativo; é vista como uma

característica do português antigo, tido como menos complexo do que o português de

sua época.

Assim, nos três primeiros capítulos, refaz-se o percurso histórico de constituição

do discurso gramatical sobre o fenômeno da concordância verbal no português, nele

exercendo a noção de ‘norma’, em sentido ‘normativo’, a função de espinha dorsal. Rey

(2001, p. 117), esmiuçando etimologicamente o uso do termo ‘norma’ no campo da

língua, projeta-o numa constelação de três termos: “regra”, “norma” e “lei”: “regra”

vem do latim regula (o termo latino designa uma reta que permite criar outras retas

conformes); “norma” vem do grego, via latim, gnomon (o termo grego significa

“esquadro”); “lei” vem do latim lex/legis (o termo latino encerra o sentido de

“obrigação ditada pela vontade de um juiz”, que pode ser uma autoridade ou instituição

investida do poder de julgar, Deus, a Razão, a Justiça etc). Os dois primeiros termos

remetem-se ao universo semântico da geometria e partilham o sentido daquilo que é

“reto”, opondo-se ao que é “curvo”, ou seja, “torto”. Já o terceiro termo remete-se ao

universo semântico da religião e da justiça; a lei é uma obrigação civil escrita e opõe-se

ao costume (do latim mos/moris) que é uma obrigação não escrita. “A lei vem do

passado (...); ela pode ser injusta, iníqua, arbitrária e precisa ancorar-se num enunciador

eleito” (REY, 2001, p.117). No discurso gramatical, o termo “norma linguística” reúne

os sentidos de “lei” e de “regra”: as normas linguísticas devem ser obedecidas (são leis)

e devem regular os usos da língua (são regras). Constituem, portanto, um códice

normativo que vem do passado, mas que rege os usos presentes e futuros da língua. Não

é outro o sentido de “norma” como “prescrição”, tão corriqueiro no universo do ensino

de língua materna. Segundo Rey (2001, p. 118),

[...] toda definição prescritiva de norma social é fundada na preexistência

daquilo que ela tenta realizar, coloca um modelo, um arquétipo, uma ideia

137

platônica. Esse arquétipo é progressivamente desprendido da vontade de um

legislador para se fundar ficticiamente numa norma constituída, que bastará

observar para descobrir “objetivamente”, para instituir um modelo de uso

“sadio” e ter o direito de “curar” os desvios, as diferenças.

Esse conceito de norma é o solo da dicotomia certo/errado, mediante o que se

avaliam todas as práticas linguísticas, quando se procede de acordo com os parâmetros

da gramática tradicional. A norma é o “dever ser” que regula o presente e o futuro da

língua. Contudo, com o advento das ciências humanas e sociais, o termo “norma”

ganhou outro sentido. Consoante afirma Rey (2001, p. 117), a norma, sob a influência

do adjetivo “normal”, derivou do domínio da ética para o domínio da quantidade,

passando do ‘bom’ e do ‘justo’ para o ‘habitual’ e ‘frequente’; do ‘desejável’ para o

‘usual’. Assim, hoje, o termo “norma” divide-se entre significar um sistema de

regularidades observadas, no universo semântico da linguística, e um sistema de valores

a ser obedecido e reproduzido, no universo semântico da gramática tradicional.

Retomando-se a silepse, destacada por todos os gramáticos desde Jeronymo

Soares Barboza, ela não pode ser ignorada porque constitui um uso normal, no sentido

de que é frequente em todas as fases e modalidades do português. Porém, a admissão da

silepse entre as regras de CV se faz com reserva porque ela contraria o princípio

normativo de que a concordância deve ser morfossintática e não semântica. Admitindo-

a os gramáticos seriam forçados a rever a posição forte de que apenas o número

morfológico deve determinar a CV e a aceitar o fato de que o número semântico pode

também ser um fator condicionante, uma variável linguística, diriam os sociolinguistas

variacionistas. Em resumo, isso significaria ter de rever a interpretação categórica das

normas de CV, algo impensável no escopo do discurso gramatical. De acordo com a

ideia de que o português é UM e não VÁRIOS, o que não se encaixa nas regras do UM

deve ser restituído à regularidade, deve ser corrigido, deve ser purificado das vozes

bárbaras.

A partir da década de 1970, os estudos sociolinguísticos começam a se

desenvolver no Brasil, contrapondo à abordagem normativa e purista aquela relativista

que interpreta a aparente desordem na CV como algo inerente às línguas vivas e não

como ‘erro’ a ser corrigido. Com tais estudos, resenhados no capítulo 4, aprende-se a

conceber a língua como um conjunto de variedades caracterizadas por fatores

linguísticos e sociais, assim como a interpretar a CV como um fenômeno linguístico

variável e não categórico. Segundo essa concepção, o português é o nome que se dá a

138

línguas muito diferentes dependendo de quem, onde, quando, como se fala/escreve. As

variedades de português possuem gramáticas próprias, podendo haver coincidência

entre elas, afinal, são gramáticas de línguas irmãs. Mas elas podem também ser muito

diferentes, a ponto de usarem recursos completamente distintos para expressar a ideia de

número: enquanto uma gramática o faz por meio de um redundante sistema de CV e

CN, produzindo períodos como “Os meninos jogam bola nas ruas do bairro”; outra

pode marcar o número apenas no primeiro termo variável da locução e da oração, o que

resultaria numa frase como “Os menino joga bola nas rua do bairro”, sem regras de CV

e CN. Não se pode avaliar quem produz a primeira versão da frase como mais

inteligente ou linguisticamente capaz do quem produz a segunda versão, elas apenas

indiciam que o processo de socialização primário se fez em meio a comunidades sociais

que falavam diferentes variedades de português e que, portanto, internalizaram

diferentes gramáticas. Linguisticamente essas formas são equivalentes – aliás é isso que

caracteriza o fenômeno da variação. Porém, a avaliação social que se faz delas é muito

diferente: a primeira é considerada português legítimo; a segunda é considerada

português ruim, caipira, errado, estigmatizado. Essa avaliação não se faz mediante

critérios linguísticos, mas sim mediante critérios sociais, econômicos, culturais,

políticos etc. Os julgamentos sociais que recaem sobre os membros de uma comunidade

transferem-se automaticamente para a língua que falam. Como bem resume Bagno

(2007, p. 77 e 70): “[...] não é propriamente a língua que está sendo avaliada, mas, sim,

a pessoa que está usando a língua daquele modo”; “[...] onde tem variação (linguística)

sempre tem avaliação (social)”.

É necessário enfatizar que a sociolinguística não encoraja a escola a abandonar o

ensino da norma culta, afinal ela não perde de vista a avaliação social que paira sobre

ela. Contudo, quem trabalha com ensino de línguas tem muito a aprender com a

sociolinguística sobre como proceder para colocar em ação uma pedagogia que

desenvolva a competência comunicativa dos alunos, ajudando-os a aprender a norma

culta, sem, contudo, cultivar o preconceito linguístico, como historicamente tem feito.

Uma pedagogia linguisticamente sensível que desejasse trabalhar a aprendizagem das

regras de CV, tal como ocorrem na norma culta, precisaria levar em conta a

competência linguística dos alunos.

Buscou-se, assim, no capítulo 5, tratar os casos de variação de CV observados

em produções escritas dos alunos, não como infrações das regras gramaticais a serem

corrigidas, mas como comportamentos habituais entre os usuários da língua portuguesa,

139

considerada a diversidade de normas inerente a toda língua. Muitas das variações

observadas na escrita dos alunos não são exclusivas dela; estão também presentes na

escrita jornalística no Brasil e em Portugal. O objetivo dessa descrição, no contexto do

trabalho como um todo, foi o de abeirar os conhecimentos linguísticos dos alunos, a fim

de observar se o material didático – as apostilas – utilizado para ensinar língua

portuguesa os leva em conta no tratamento do tópico gramática CV.

Constatou-se, entretanto, que tratamento dado à língua pelas apostilas, conforme

capítulo 6, ignora completamente as normas que fazem parte da competência linguística

e comunicativa dos alunos como falantes nativos de uma ou mais variedades de

português. Nada do que a descrição da CV, realizada no capítulo 5, mostra acerca de

seus conhecimentos linguísticos é levado em conta. Nenhum contraste entre as normas

reais e as ideais é divisada nas páginas dos tratados examinados. Como afirma Scherre,

É deveras perniciosa a confusão que se faz entre o ensino de gramática

normativa e a língua de um povo. O grande conflito que se estabelece na mente

das pessoas, dos alunos em especial, é que, na maioria das vezes, se ensina

gramática normativa na suposição de se estar ensinando língua materna.

(SCHERRE, 2004, p. 221, 222)

Essa atitude diante do ensino da gramática normativa leva os falantes a

pensarem que “não sabem português”, que “português é muito difícil”, porque tudo o

que sabem é descartado a título de erro. Como consequência, sentem-se desencorajados

a falar em público e a escrever e desenvolvem forte aversão pela disciplina escolar.

A análise das apostilas parece confirmar a conjetura inicial deste estudo de que

as escolas privadas de ensino médio e o material didático adotado por elas constituem

um território pouco receptivo à entrada do novo paradigma de ensino de língua

portuguesa. Os órgãos governamentais e o Ministério da Educação, desde a década de

1980, vêm se mostrando sensíveis ao discurso sociolinguístico, que se articula

coerentemente com suas políticas públicas de valorização da diversidade cultural e das

minorias. Porém, percebe-se que os parâmetros e orientações curriculares têm ecoado

apenas no espaço do ensino público do Brasil. O que se evidencia nos materiais

didáticos das escolas particulares é uma forma “matreira” de disfarçar o discurso

normativo com a roupagem da sociolinguística, mediante substituição de certo/errado,

por adequado/inadequado, de língua portuguesa por norma culta, de corrigir por

reescrever de acordo com a norma culta. No entanto, o que se vê é uma tentativa de

140

adequar o velho para passar por novo, porém, sem abrir mão do poder que a adesão ao

discurso gramatical concede a quem fala/ensina em seu nome.

Acima de tudo, deseja-se contribuir, por meio dessa pesquisa, para a promoção

de uma educação sociolinguística que seja eficiente na tarefa de enriquecer a

competência comunicativa dos alunos, e, além disso, forme cidadãos livres de quaisquer

preconceitos linguísticos, capazes de colocar em discussão o senso comum, reforçado

pela mídia, de que a maioria dos brasileiros não sabe português porque sua fala/escrita

não se encaixa no esquadro (no gnomon) da norma padrão. Bagno (2007) fala em

reeducação sociolinguística. Explica o termo reeducação como reorganização do

ensino de português com base na legitimação do saber que o aluno tem de sua língua

materna e não com base no princípio de correção e o termo sociolinguística como

tomada de consciência sobre os juízos de valor sociais atribuídos aos usos da língua.

Segundo o autor, uma reeducação sociolinguística envolve:

[...] promover a auto-estima dos alunos e das alunas, dizer-lhes que eles

sabem português e que a escola vai ajudar a desenvolver ainda mais esse

saber;

[...] levar o/a aluno/a tomar consciência da escala de valores que existe na

sociedade com relação aos usos da língua [...]; mas, atenção, tomar

consciência não significa aceitar essa discriminação nem submeter-se a ela!

[...] ampliar o repertório comunicativo (dos alunos), ter à sua disposição um

número maior de opções, que poderão ser empregadas de acordo com as

necessidades de interação;

conscientizar o alunado de que a língua é usada como elemento de promoção

social e também de repressão e discriminação – comparar o preconceito

linguístico com outras formas de preconceito que vigoram na sociedade;

desconstruir o preconceito linguístico com argumentos bem fundados e

alertar alunos e alunas contra suas próprias práticas de discriminação;

trabalhar para a inserção plena dos alunos e das alunas na cultura letrada, por

meio das práticas ininterruptas da escrita e da leitura, isto é, práticas de

letramento ...;

promover o reconhecimento da diversidade linguística como uma riqueza da

nossa cultura, da nossa sociedade, ao lado de outras diversidades culturais ...

(BAGNO, 2007, p. 83-85).

Se, por um lado, os ecos dessa proposta de reeducação sociolinguística começam

a causar algum furor no espaço da escola pública brasileira, por outro, eles sequer tocam

141

“os ouvidos” das escolas privadas que permanecem surdas e impermeáveis a qualquer

ideia que desestabilize as certezas do paradigma da tradição gramatical.

142

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