UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE ... · 2.2 TERRA E OS DEVANEIOS CONCEITUAIS ......
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SONIA PALMA
CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO
POÉTICA E FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL.
CUIABÁ-MT
2011
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SONIA PALMA
CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO
POÉTICA E FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO
AMBIENTAL.
CUIABÁ-MT
2011
iii
SONIA PALMA
CARTOGRAFIA DO IMAGINÁRIO: A DIMENSÃO POÉTICA E
FENOMENOLÓGICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Mato Grosso como
requisito para a obtenção do título de
Mestre em Educação na Área de
Concentração Educação, Cultura e
Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular.
Orientadora: Profa. Dra. Michèle Sato
CUIABÁ-MT
2011
iv
© Sonia Palma, 2011
É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte.
P171c
Palma, Sonia.
Cartografia do imaginário: a dimensão poética e fenomenológica da
educação ambiental. Sonia Palma. -- Cuiabá (MT): Instituto de
Educação/IE, 2011.
138 f.: il.; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato
Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós - Graduação em
Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Michèle Sato.
Inclui bibliografia.
1. Educação ambiental. 2. Manoel de Barros – Poética Surrealista. 3.
Gaston Bachelard – Fenomenologia do imaginário. I. Título.
CDU: 37:504
v
SONIA PALMA
PROFA. DRA. REGINA APARECIDA SILVA
Examinador Externo (UNIRONDON)
PROF. DR. LUIZ AUGUSTO PASSOS
Examinador Interno (UFMT)
PROF. DR. CLEOMAR FERREIRA GOMES
Examinador Interno (UFMT)
PROFA. DRA. MICHÈLE SATO
Orientadora (UFMT)
Aprovado em 05/12/2011
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
vi
Aos meus filhos, Wilson, Davi e Luciano,
três presentes de D’us, pelas perguntas difíceis, por serem a razão da
minha felicidade, de meu viver.
Homenagens Póstumas
À minha mãe Olga Fava Palma e a meu pai, José Palma, que deixaram
imensa saudade. Minha mãe com seu silêncio, sua força, apontando os caminhos
para meu percurso, enquanto meu pai com seu imenso carinho e sabedoria,
mostrava que a sensibilidade é imprescindível para a alegria de viver, e que com
suas histórias desde cedo me transportava para os vários mundos possíveis.
À Maria Pereira, minha comadre-amiga-irmã por ter feito parte de minha
vida de um jeito muito especial, tendo-me ensinado os passos para a educação
de meus filhos, seus sobrinhos, de forma sensível e amável.
vii
Agradecimento Especial
Por tudo que em minha vida fez
transformar, agradeço imensamente à
amiga e orientadora, Michèle Sato, a
quem tenho enorme carinho e
admiração.
viii
AGRADECIMENTOS
A D’us, primeiramente, pela vida, pela família, pelos amigos!
Ao procurar agradecer todas as pessoas que contribuíram para a realização deste
trabalho posso correr o risco de falhar na minha lembrança, já que são muitas
que de alguma forma estiveram presentes na minha vida, direta ou
indiretamente, durante o período em que estive envolvida com a pesquisa, e
mesmo antes dela, quando fui aos poucos sendo envolvida pela utopia da
educação ambiental. Neste sentido, tudo que aqui escrevo, pode representar
apenas parcialmente minha real gratidão por todos.
Aos membros da Banca Examinadora Dr.ª Regina Aparecida Silva, Prof. Dr.º Luiz
Augusto Passos, Prof. Dr.º Cleomar Ferreira Gomes e Prof. Dr.º Benedito Dielcio
Moreira, pela amizade e valiosas contribuições.
Agradecimentos à Universidade Federal de Mato Grosso e ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, com carinhos especiais à Luiza, à Mariana e ao Jeison,
pela constante atenção e disponibilidade em auxiliar na resolução dos problemas
burocráticos.
Aos professores e professoras do mestrado, meus agradecimentos pelas
contribuições e aprendizagens.
Ao Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA),
pela oportunidade de aprendizado constante, pelo encontro, pelos debates e à
Rede Mato-grossense de Educação Ambiental (REMTEA), espaço onde é possível
sonhar a Educação Ambiental para a luta coletiva.
Às minhas especiais amizades: Michellinha e Regina, pela presença linda e
carinhosa em minha vida. À Bete, pela constante preocupação, pelas muitas
conversas manoelinas e bachelardianas, dando importantes contribuições ao meu
trabalho. À Imara, Lúcia, Lika e Deby pelo carinho e deliciosa amizade. À Glauce
pela amizade, pelo companheirismo e aprendizado nos exemplos de seu
profissionalismo. Ao Samuka, ao Rona, ao Herman e Jorginho pela presença
amiga e, ainda a todas as amizades construídas na UFMT durante esse meu
percurso.
ix
A todos os meus familiares pela presença significante como parte importante na
minha história. Ao Wilson, por ter compartilhado comigo durante todos esses
anos a educação de nossos filhos. Aos meus irmãos e irmãs, companheiros
indispensáveis na rica jornada que alicerçou o meu ser e estar no mundo. E, à
Kátia, sobrinha do coração, pelo afeto, pela amizade e incansável paciência, com
seus ouvidos sempre atenciosos às minhas dúvidas e angústias.
Agradeço à Sonia Marchioni Bianco, sensível artista plástica, autora dos bordados
da poética de Manoel de Barros e minha professora, por autorizar a divulgação
de suas imagens em meu trabalho.
x
RESUMO
Sob a perspectiva da Educação Ambiental, o objetivo da pesquisa é apresentar
um estudo bibliográfico do entrelaçamento da poética surrealista de Manoel de
Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard. Trata-se de uma
proposta em vias de uma educação pela sensibilidade, considerando a
subjetividade como elemento indispensável para formação do ser humano,
reivindicando, dessa forma, a aliança entre ciência e poesia em busca da
transformação necessária para a superação dos problemas sociais e ambientais
existentes. Tradicionalmente, ciência e poesia são segregadas no pensamento da
modernidade, impossibilitando a comunhão entre elas, fator que contribui para
que a objetividade seja totalmente desvinculada da subjetividade, reforçando a
assimetria existente entre os seres humanos e contribuindo para com a
desigualdade e a exclusão. Neste sentido, com ênfase na Cartografia do
Imaginário de Michèle Sato, metodologia adotada na construção do caminho
epistemológico da pesquisa, consideramos os elementos bachelardianos como
substratos fenomenológicos de investigação: a ÁGUA compreendida como
formação, metáfora à nossa constituição original, a gênese do desejo que dará as
possibilidades da viagem científica; a TERRA enfatizando a deformação, lugar
metafórico para vencer os obstáculos epistemológicos, num movimento de
“reaprender a aprender”; o FOGO evidenciando a transformação, em busca da
mudança desejada, num processo constante de busca, de envolvimento e
engajamento; e o AR, almejando a renovação, metaforizando o repouso, o
reencantamento da pesquisa, para que um novo ciclo tenha início. Primamos
pela construção de um estudo que possa contribuir para a compreensão das
questões ambientais, a fim de esboçar um mundo que possa aliar a ciência à
poesia, na tentativa de compreensão do universo poético-humano.
Palavras-chave: Educação Ambiental; Poesia; Cartografia do Imaginário.
xi
ABSTRACT
From the perspective of Environmental Education, the research objective is to
present a bibliographical study of entanglement of surrealist poetics of Manoel
de Barros and phenomenology of the imagination of Gaston Bachelard. This is a
proposal in education and way of sensitivity by considering subjectivity as
indispensable for the formation of the human being, claiming thus the alliance
between science and poetry in search of the necessary transformation to
overcome the social and environmental problems. Traditionally, science and
poetry are segregated in the thinking of modernity, making the communion
impossible between them, a factor that contributes to the objectivity totally
detached from subjectivity, reinforcing the asymmetry between humans and
contributing to inequality and exclusion. In this sense, emphasizing the Imaginary
Cartography of Michèle Sato, methodology adopted for the construction of the
path of epistemological research, consider the Bachelard’s elements as substrates
to the phenomenological research: WATER education understood as a metaphor
to our original constitution, the genesis of desire that will give the possibilities of
scientific journey; the EARTH emphasizing the deformation, metaphoric place to
overcome the epistemological obstacles, a movement of "re-learn to learn"; FIRE
showing the transformation, in search of the desired change in a constant process
of searching, involvement and engagement; and the AIR, aiming at renewal,
metaphorising rest, re-enchantment of the research, so that a new cycle
begins. We excel by building a study that may contribute to the understanding of
environmental issues, in order to sketch a world that can combine science to
poetry, in an attempt to understand the poetic universe-human.
Keywords: Environmental Education, Poetry, Cartography of Imaginary.
xii
Manoel de Barros
Fonte:
http://3.bp.blogspot.com/Manoel_de_Barros__Rosto01.jpg
RETRATO QUASE
APAGADO EM QUE SE
PODE VER
PERFEITAMENTE NADA
Não tenho bens de
acontecimento.
O que não sei fazer
desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por
exemplo:
- Imagem são palavras que
nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da
palavra pela imagem.
- Poesia é a ocupação da
Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira.
Estou sendo.
Me acho em petição de lata
(frase encontrada no lixo).
Concluindo: há pessoas que
se compõem de atos, ruídos,
retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem
com palavras.
(Manoel de Barros, 2010,
p.263)
13
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: ÁGUA...............................................................................10
1.1 A GÊNESE DO DESEJO DO FAZER CIENTÍFICO..........................................11
1.1.1 Um Ser Humano não biografável: Manoel de Barros.................................16
1.1.2 O filósofo poeta e/ou o poeta filósofo: dualidade em Gastón
Bachelard.........................................................................................................22
1.2 REGISTROS IDENTITÁRIOS DE UMA VIAJANTE........................................27
1.3 RESSONÂNCIAS DOS DEVANEIOS NA INVESTIGAÇÃO.............................34
CAPÍTULO 2: TERRA.............................................................................39
2.1 TERRA LABIRÍNTICA.................................................................................40
2.2 TERRA E OS DEVANEIOS CONCEITUAIS...................................................43
2.2.1 Educação ambiental poética.....................................................................48
2.2.2 Manoel de Barros e Gastón Bachelard: outros mundos
possíveis...........................................................................................................58
CAPÍTULO 3: FOGO..............................................................................63
3.1 FOGO EPISTEMOLÓGICO........................................................................64
3.2 FOGO PRAXIOLÓGICO...........................................................................76
CAPÍTULO 4: AR...................................................................................93
4.1 AR – TOCANDO OS ELEMENTOS.............................................................94
4.2 É TEMPO DE REPOUSO...........................................................................100
4.3 REENCANTAMENTO PARA UM NOVO CICLO.......................................113
4.4 MEUS DESCAMINHOS E PROPOSIÇÕES FINAIS......................................122
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................131
14
15
1.1 A GÊNESE DO DESEJO DO FAZER CIENTÍFICO
Escolher trabalhar a Educação Ambiental na perspectiva do GPEA-Grupo
Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte, é escolher pular sobre
águas limpas e borbulhantes, mesmo quando não se sabe nadar, apenas pelo
prazer do devaneio na admiração do borbulhar cintilante. É a possibilidade de
flutuar sobre as nuvens, poetizando vida, sem medo de um dia cair no espaço
aberto; é colocar o pé na terra, fechando os olhos e sentindo toda sua força e
energia, respirando fundo, em busca do cheiro mineral que exala, às vezes, seca
resultante de um sol escaldante, às vezes úmida resultante de um dia de chuva; é
sentir o calor da chama do fogo ardente de uma fênix que orienta sem queimar,
que desorienta sem incinerar. É, ainda, buscar a maestria na tentativa de ser
cientista sem perder a fé, de ser místico sem perder a racionalidade; pois tudo
emana da vontade da ação de transformar pensamento em realidade, na busca
inquieta e coletiva por um mundo melhor, por um mundo mais justo.
É nesta perspectiva que procuro1 apresentar os caminhos que me levaram
a um mundo de possibilidades, na gênese das orientações de uma Educação
Ambiental gpeana, onde me torno única ao mesmo tempo em que sou múltipla,
me faço outra, ao mesmo tempo em que sou eu mesma.
Minha trajetória como pesquisadora não tem sido fácil. Muitas vezes,
me questionei se haveria mesmo em mim essa identidade, pois a dificuldade com
o fazer ciência nos moldes da modernidade cartesiana foi muitas vezes motivo
para eu pensar se seria mesmo capaz de continuar meu caminho na pesquisa.
Mas é na poética de Manoel de Barros e na fenomenologia do imaginário
de Gaston Bachelard que encontro o alento para trajetória da pesquisa, num
universo delineado por inúmeras possibilidades, não estático; como salienta
1 Vale descrever, já no início da abordagem que, ora utilizaremos o verbo na primeira pessoa
do singular, ora na primeira pessoa do plural, no entanto, não se trata de desconhecimento
linguístico ou confusão de tempo verbal, mas de um diálogo que se fez tanto com a minha
subjetividade enquanto ser humano único - eu, com minhas particularidades; como em outras
vezes, com a necessária presença do outro e do mundo, biodiversidade. Esta é também uma
maneira de agradecer àqueles que perfizeram comigo a trajetória por esta Cartografia do
Imaginário (SATO, 2011), a qual teve como sustentáculo a poética de Manoel de Barros e a
filosofia de Gaston Bachelard.
16
Octavio Paz (1982), o universo está sempre em movimento e por mais que
queiramos detê-lo, ele sempre se apresenta com novos ritmos e danças. É com
esta percepção cíclica do mundo que, conduzida pela Cartografia do Imaginário
(SATO, 2011), encontrei nos caminhos da Educação Ambiental a possibilidade de
um universo em diálogo, como o apresentado por Manoel de Barros em suas
poesias e por Gaston Bachelard em sua filosofia do imaginário, para quem “[...]
a poesia faz o sentido de a palavra ramificar-se, envolvendo-a numa atmosfera
de imagens” (BACHELARD, 1991).
Tradicionalmente, ciência e poesia são segregadas no pensamento da
modernidade, impossibilitando a comunhão entre elas. Fator que contribui para
que a objetividade seja totalmente desvinculada da subjetividade, reforçando a
assimetria existente entre os seres humanos e contribuindo para com a
desigualdade e a exclusão. Assim, acreditamos que no contexto do movimento
ecologista, a árdua luta por um mundo mais justo é sensibilizada pela poética,
pois arrastados pelo rio de imagens que ela nos proporciona, roçamos as
margens do puro existir e adivinhamos e/ou percebemos um estado de unidade
com as coisas existentes no mundo, ou seja, de união final com o nosso ser e
com o ser do mundo (PAZ, 1982).
Literatura e filosofia são diálogos importantes no contexto da Educação
Ambiental, pois compreende que para além do local da casa (territórios), é
preciso cuidar dos moradores que nela habitam, com suas identidades e
subjetividades, (OLIVEIRA, 2009, p.6). A Educação Ambiental aspira por
sociedades sustentáveis, pautadas em vivências humanas, com seus conflitos e
similitudes; sociedades onde a poesia também seja tema inerente, pois acredita
tal qual Octavio Paz que:
Uma sociedade sem poesia careceria de linguagem: todos diriam
a mesma coisa ou ninguém falaria, sociedade transumana em
que todos seriam um ou cada um seria um todo autossuficiente.
Uma poesia sem sociedade seria um poema sem autor, sem
leitor e, a rigor, sem palavras. Condenados a uma perpétua
conjunção que se resolve em instantânea discórdia, os dois
termos buscam uma conversão mútua: poetizar a vida social,
socializar a palavra poética. Transformação da sociedade em
comunidade criadora, em poema vivo; e do poema em vida
social, em imagem encarnada (PAZ, 1982, p.310).
17
Octavio Paz nos apresenta a poesia como um elemento capaz de
corroborar para que o ser humano se apresente por meio da imanência e da
transcendência do “ser filosófico” da Educação Ambiental, de tal maneira que
nos permita perceber que nas intersecções onde encontramos nossos sonhos
individuais, nossos valores e nossos devaneios, também se encontram nossas
aspirações coletivas, na luta por um mundo menos desigual.
A respeito da transcendência e imanência em nós, Passos e Sato abordam:
A primeira nos põe circunstanciados num tempo perspectivado
para o futuro, inscrevendo e referenciando nossa existência à
materialidade; a segunda nos chama além de nós, provocando
nossa capacidade de ultrapassar fronteiras antes acenadas,
reacomodando-a - na perspectiva de um caminho pessoal,
inédito num percurso que possa oportunizar transpô-las. Pôr
limites às águias é provocá-las à transgressão (PASSOS e SATO,
2002).
Buscarei aqui esboçar um estudo da poética de Manoel de Barros em
diálogo com a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard no campo da
Educação Ambiental, orientada pela Cartografia do Imaginário2 (SATO, 2011),
procurando deixar perceptível que, para compreender a rede de relações que
compõem o cosmo, é preciso considerar também a cartografia simbólica que nos
instiga a pensar em sujeitos sociais, construindo suas identidades em
reciprocidade com as outras coisas que compõem o cosmo.
Portanto, a dissertação que ora se descreve busca apresentar o resultado
de uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo é um estudo bibliográfico do
entrelaçamento entre a poética surrealista de Manoel de Barros (OLIVEIRA,
2010) e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard (2005) no campo
da Educação Ambiental. A pesquisa é de cunho bibliográfico, cujo caminho
percorrido recebeu as orientações metodológicas da Cartografia do Imaginário
de Michèle Sato (2011). Acreditamos tal qual Bachelard (1991, p.6), que “[...]
2 Instrumento metodológico de investigação de pesquisa fenomenológica constituído por Michèle
Sato. (SATO, 2011a).
18
numa poesia mais livre, como o surrealismo, a linguagem está em plena
ramificação”. O Surrealismo3 trata o imaginário com seriedade. Seus seguidores,
liderados pela pessoa e ideias de André Breton, “Tinham profundo respeito pelo
método científico” (CHIPP, 1996, p.374), e desenvolveram uma variedade de
técnicas para excitar a imaginação e desvelar o inconsciente. Nele, a poesia
liberada favorece a novidade na imagem e tal importância, portanto, se fortalece
na necessidade de mostrar que o fazer poético, mais precisamente advindo do
olhar manoelino, nos convida a perceber que a imaginação poética não é um
ato criado na invenção, mas, sobretudo, na descoberta de outras presenças;
seria, como aborda Paz (1984, p.319), um “perceber no uno o outro [...] dar
presença aos outros. A poesia: procura dos outros, descoberta da outridade”.
É nesta outra possibilidade de ver-sentir o mundo que Gaston Bachelard
nos instiga a fazer uma ruptura com o mundo convencional e dialoga com as
presenças vislumbradas por Manoel de Barros, nos aportando no mundo dos
devaneios, deixando perceber que o mundo, tal qual está imposto, nos fecha
toda a perspectiva de sonhos e utopias, que a poesia, no entanto, nos excita para
uma perspectiva que não nos permite um diálogo em monólogo, como enfatiza
Paz (1984, p. 318), “a poesia não diz: eu sou tu; diz: meu eu és tu”, em Manoel
de Barros este é um dos sentidos latentes, “os outros: o melhor de mim sou eles”
(BARROS, 2010, p. 349).
A filosofia nos permite compreender as origens da linguagem poética, que
segundo Bachelard (1991, p. 05), trata-se de um trabalho primoroso de
“reanimar uma linguagem criando novas imagens”, pois esta é a ferramenta do
poeta. Para que descrevêssemos este elo entre o poeta e o filósofo, foi necessário
revisitá-los inúmeras vezes, foi preciso nos perdermos em seus devaneios, nos
permitindo sonhar com eles a construção de um novo mundo. Manoel de Barros
nos apresenta o Pantanal como a casa dinâmica expressa por Bachelard (2005),
pois esta aparece como um processo dinâmico de imagens, nos permitindo viver
em outros universos. Reforçando as proposições do filósofo, Manoel de Barros
3 Movimento liderado por André Breton (1896-1966), escritor francês e poeta; grupo altamente
organizado de escritores e artistas que acreditavam numa estreita relação entre sua arte e os
elementos revolucionários na sociedade.
19
permite e incita o universo a habitar a sua casa, aqui o Pantanal de Mato Grosso.
Para além dessa interpretação, ao compreendermos o território nas vias do ser
humano, é possível também de nos compreender nessa mágica rede de relações.
Assim, compreendemos que, tanto o poeta quanto o filósofo preenchem
com palavras tudo o que tocam, nos apresentando as coisas do mundo nas
intersecções com vivências e os delírios humanos; e não só de matéria, nem
tampouco só devaneios, mas de ambos, fazendo juntos girar a espiral do
mundo. A Educação Ambiental acredita que enquanto esta outra possibilidade de
ver o mundo não se converter em crença compartilhada, em desejo e luta
coletiva, não serão possíveis sociedades nas quais os seres humanos se
reconheçam e, portanto, a sociedade neoliberal encontrará sempre espaço para
poder continuar a impor sua visão homogênea do mundo e, ainda mais tocante,
poderá corromper a arte, os sonhos, a utopia, de modo que esta fique envolta
por uma película, onde por meio de máscaras acabe por uniformizar os seres
humanos. “A vida dos campos, mesmo em seus seres vegetais, é uma
representação por imagens da vida amorosa” (BACHELARD, 2003, p. 247).
Portanto, não está destoada da vida humana, é pura alquimia.
Percorrer por entre os caminhos da Educação Ambiental, na perspectiva
de Manoel de Barros e Gaston Bachelard, significou trilhar pelos caminhos nada
convencionais do fazer científico, na medida em que, aliado à arte e à filosofia,
se fez de forma sensível, buscando valores que trazem a leveza e a concretude
do mundo, pois esta conversação nos mostra que o mundo é uma metáfora do
ser humano e vice-versa. Este olhar no mundo, e por meio do mundo, nos
permite criar imagens sempre em vias de fazer-se, pois, por mais que surjam, e
inevitavelmente, pautadas nesse diálogo, o surgimento dessas imagens sempre se
dá em abundância, sob constante olhar de novidade, esta construção sempre
será possível. Essas imagens, como afirmam o filósofo do imaginário;
[...] não se deixam classificar como os conceitos. Mesmo quando
são muito nítidas, não se dividem em gêneros que se excluem.
Após ter estudado, por exemplo, as pedras e os mistérios, não
dissemos tudo sobre os cristais; após ter sonhado inúmeras
petrificações, não seguimos verdadeiramente os devaneios
20
cristalinos. Pelo menos, tudo deve ser dito outra vez com uma
nova tonalidade (BACHELARD, 1991, p. 229).
É com estas múltiplas possibilidades do olhar bachelardiano que
acreditamos que se insere a poesia manoelina, pois, ao recorrermos às
bibliografias que se referem ao poeta e ao filósofo, encontramos uma gama de
possibilidades de compreensão de ambos os devaneios, porém, trata-se de
devaneios que escorrem por frinchas, pois “quem anda em trilhos é trem de
ferro, sou água que escorre entre pedras: liberdade caça jeito” (BARROS, 1990,
p.189). Nesta perspectiva, vale destacar que Manoel de Barros em entrevistas
aborda que suas poesias falam dele mesmo, um ser humano que se faz nas/pelas
linguagens. Sendo as palavras manoelinas uma entrega aos devaneios para outra
compreensão de sua própria experiência de mundo, assim como Bachelard, em
sua filosofia do imaginário, entrega-se ao devaneio explorando novos caminhos
ao romper com a razão no estudo da imaginação poética (BACHELARD, 2005),
percebemos que os dois autores podem nos fornecer subsídios para a pesquisa,
no que tange um dos princípios básicos da Educação Ambiental, ou seja, a não
compreensão de ser humano desvinculado da natureza, expressa e apregoada
pela visão homogênea e neoliberal do mundo.
Ao caminhar pela poética manoelina e por entre a fenomenologia de
Gaston Bachelard nos sentimos convidados a participar ativamente de seus
devaneios, onde o real e o sonho se projetam como unidade, onde o ser
humano se apresenta com suas assimetrias e conflitos. E é nesta perspectiva que
se insere a importância desse estudo na Educação Ambiental, mostrando que esta
transpõe questões meramente pontuais, como a preocupação com queimadas,
devastação, lixo, entre outras.
21
1.1.1 Um ser humano não biografável: Manoel de Barros
Invento para me conhecer.
Manoel de Barros
Não há uma biografia sistematizada do autor. Em 2005, quando iniciei
mais efetivamente meus estudos em Manoel de Barros, busquei escrever uma
biografia do autor dentro do que foi possível encontrar em livros e em algumas
páginas na internet. As palavras que aqui se encontram pouco se alteraram desde
aquela época, salvo alguns novos livros e relatos advindos de entrevistas.
Portanto, no que se refere a textos sobre uma biografia de Manoel de Barros é
possível perceber de imediato a repetição contida nos mesmos. Muito do que se
escreve a respeito são fios biográficos tecidos por ele, o poeta. Isto confirma que
sua vida e seus feitos são retirados de suas próprias obras, entrevistas e
comentários na internet, pois como ele mesmo diz: "É a palavra que me vai
desvelando"4, e/ou ainda:
Não sou biografável. Ou, talvez seja. Em três linhas.
1. Nasci na beira do rio Cuiabá.
2. Passei a vida fazendo coisas inúteis.
3. Aguardo um recolhimento de conchas. (E que seja sem dor, em algum banco
da praça, espantando da cara as moscas mais brilhantes)
(BARROS, 1990, p.11).
E é a partir de suas próprias pistas que tentaremos descrever um pouco
de nosso poeta que tem sempre a grandeza de nos surpreender por meio das
coisas ínfimas.
Nascido no Beco da Marinha, em 19 de dezembro, na Cuiabá de 1916, o
poeta Manoel de Barros, advogado por formação, mas poeta por revelação é
filho do à época influente capataz morador da beira do Rio Cuiabá, João
Venceslau Barros. Conhecido pelos mais íntimos por Nequinho, ele mesmo diz
ter crescido entre as coisas do chão, desde um ano de idade, “Até os 8 anos, eu
4 Entrevista a José Castello.Disponível em http://migre.me/637Dz
22
fui criado no chão, da forma mais primitiva”, quando o pai resolveu fixar
morada para construir fazenda em Corumbá, hoje região do Mato Grosso do
Sul: “Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas,
caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno.”
Seus estudos foram realizados em colégios internos, a partir dos oito
anos de idade, quando saiu de casa pela primeira vez para um internato em
Campo Grande. É sabido que seu maior incentivador foi Padre Antonio Vieira,
para quem a frase5 “era mais importante que a verdade, mais importante que a
sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando
percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade, mas com a
verossimilhança." Ao sair do colégio, entra em contato com a obra de Rimbaud e
por meio dela descobre o poetizar inscrito na mistura de sentidos, apresentando-
lhe a total liberdade que a palavra poética pode ter. “Foi o poeta mais
importante para mim. Aprendi com ele uma certa promiscuidade dos sentidos na
natureza. Ele tinha uma linguagem própria, toda sua, aquela coisa do "trouver la
langue" ("encontrar a língua").”6
A política fez parte de sua vida por uns tempos e tanto sua leitura de
Marx, como sua participação na Juventude Comunista pode nos dar uma
amostra de seu lado militante. Em épocas de repressão política sua criação
poética o salva da prisão quando, aos 18 anos, ao pichar uma estátua com a
frase “Viva o Comunismo”, o primeiro livro de sua autoria intitulado “Nossa
Senhora de Minha Escuridão” impede que seja preso por um policial, que ao
folheá-lo a pedido da dona da pensão onde morava, convenceu-se do não
envolvimento comunista daquele “menino”; mas o policial leva o único
exemplar em troca da liberdade do poeta. De sua militância restou o
5 Segundo o Professor da Unicamp Alcir Pécora, pesquisador e autor do livro sobre as frases de
Antonio Vieira em seus “Sermões” - Índice das coisas mais notáveis: Editora Hedra, 2010, o
Padre Antonio Vieira, “orador e escritor, era um homem de frases lapidares, fulminantes, nas
quais não se podia mexer mais, como um poema. Ser um bom frasista, em termos retóricos e
de oratória sacra, no caso de Vieira, significa sempre ser capaz de apresentar de maneira eficaz
um argumento. Não se trata apenas de produzir maravilha, mas de fazer a maravilha trabalhar
em favor de seu propósito. Como padre, o propósito de Vieira foi sempre edificante, no bojo
de um projeto de conversão universal.” Fonte: http://migre.me/637FM
6 Entrevista concedida a André Luis Barros, disponível em: http://migre.me/637Hb, e
originalmente publicada em: Jornal do Brasil. Ideias. 24/08/1996.
23
desapontamento após ouvir as palavras do seu líder Luiz Carlos Prestes e diz:
“Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia
entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não aguentei. Sentei na
calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente
com o Partido e fui para o Pantanal.”7
Não querendo estabelecer-se como fazendeiro ou como cartorário, como
queria seu pai à época, resolve correr o mundo, e sobre suas andanças, quando
então adquire o amor pelas coisas “desimportantes”, destacamos as palavras do
próprio poeta:
Quando eu era jovem, fiz uma longa viagem pela Bolívia. Viajei
sem rumo por Porto Suárez, Orurus, Chiquitos, vivendo sempre
no meio da indigência. Eu não fazia nada, eu simplesmente vivia
- e bebia muita chicha, a aguardente que os índios bolivianos
fazem com o milho. Passava os dias ali, quieto, no meio das
coisas miúdas. E me encantei. [...] Em minha viagem à Bolívia,
procurei as cidades decadentes, as mais miseráveis. Ficava o dia
todo encostado, pescava, bebia, passava os dias misturado com
os bugres, os descendentes diretos dos índios americanos. Eu
vivia no meio deles, empenhado apenas em conhecer aquelas
pequenezas (BARROS, apud BARROS, 1996).
O contato com a arte moderna veio quando encontrou um amigo que o
convidou para ir a Nova York: “Foi um choque cultural: Picasso nos museus,
Bach tocando nas igrejas. Fizemos uma viagem cheia de escalas, fomos chegando
aos poucos.” (Ibidem). Após encontrar muita “miséria” pelo caminho, morou
por um ano em Nova York, onde ocupou grande parte de seu tempo fazendo
curso sobre cinema e pintura, entrando em contato com as obras de “Picasso,
Chagall, Miró, Van Gogh, Braque, que reforçavam seu sentido de liberdade.
Entendeu então que a arte moderna veio resgatar a diferença, permitindo que
‘uma árvore não seja mais apenas um retrato fiel da natureza: pode ser fustigada
por vendavais ou exuberante como um sorriso de noiva’ " (Ibidem)
Foi quando voltou ao Brasil que conheceu seu “guia de cego” (BARROS,
apud CASTELLO, 1999), como chama carinhosamente a esposa Stella. Casaram-se
7 Disponível em: http://www.releituras.com/manoeldebarros_bio.asp
24
após apenas três meses, e viveram durante quarenta anos no Rio de Janeiro,
onde Manoel de Barros formou-se em direito. Morando em Mato Grosso do Sul
desde 1961, tem seu local de nascimento confundido por muitos como Corumbá
(MS), por ter morado lá quando voltou do Rio. Atualmente ele e sua esposa
Stella de 84 anos moram em Campo Grande (MS), vivendo até hoje
apaixonadamente. Pedro, João e Martha são os três filhos, que juntos deram ao
casal sete netos.
O poeta inovou a linguagem de forma jamais vista na literatura
brasileira. O trabalho literário de Manoel de Barros não pretende ser uma
descrição do ambiente pantaneiro, pois segundo ele quem descreve não faz arte:
“De minha parte, confesso que fujo do regionalismo que não dê em arte, que só
quer fazer registro[...]. Não gosto de descrever lugares, bichos, coisas da
natureza. Gosto de inventar. Quem descreve não é dono do assunto; quem
inventa é” (BARROS, apud CASTELLO, 1999, p.116).
Entrar em contato com sua obra literária é entrar de corpo e alma na
natureza pantaneira universalizada por sua poesia presente nas várias obras
como se segue:
Poemas concebidos sem pecado (1937); Face imóvel (1942); Poesias
(1956); Compêndio para uso de pássaros (1960); Gramática expositiva do chão
(1969); Matéria de poesia (1974); Arranjos para assobio (1982); Livro de pré-
coisas (1985); O guardador de águas (1989); Gramática expositiva do chão -
poesia quase toda (1990); Concerto a céu aberto para solo de aves (1991); O
livro das ignorãças (1993); Livro sobre nada (1996); Retrato do artista quando
coisa (1998); Para encontrar o azul eu uso os pássaros (1999); Exercício de ser
criança (1999); Ensaios fotográficos (2000); Fazedor de amanhecer (2001);
Poeminhas pescados numa fala de João (2001); Águas (2001); Tratado geral das
grandezas do ínfimo (2001); Memórias inventadas - A infância (2003); Cantigas
para um passarinho à toa (2003); Poemas rupestres – ilustração de Martha
Barros (2004); Memórias inventadas – A segunda infância(2006); Memórias
inventadas – A terceira infância (2008); Menino do mato (2010); Poesia
completa (2010).
25
Fazendeiro e morador do Mato Grosso do Sul, diz ser culpado pelo
longo anonimato, por não gostar de aparecer. Além disso, demonstra sofrer com
as interpretações equivocadas a seu respeito, resultado de seu isolamento. “Mas
às vezes sofro aqui nessa cidade [...]. Tem gente aqui que pensa que eu vivo
isolado, sozinho, sem amigos, falam que eu sou intratável. Não sou isolado,
não.”8 Diz ainda que “A poesia faz da gente uma espécie de mito, e as pessoas
acabam fazendo da gente uma imagem diferente da realidade.”9
Comprovadamente, a respeito disso, diz José Castelllo ao ver o poeta pela
primeira vez, para uma entrevista em sua casa em Campo Grande(MT).
Onde está o outro Manoel, aquele que inventei? O Manoel
verdadeiro fala, e enquanto fala eu o olho e penso no outro
Manoel de Barros que imaginei existir em seu lugar. Só me resta
admitir que caí numa armadilha que provavelmente eu mesmo
ajudei a armar (CASTELLO, 1999, p.120-121).
Manoel brinca com a sua incapacidade de dissociar o ser humano que
sonha do ser humano de “carne e osso”, nos possibilitando o saber desta
inseparabilidade, deixa nítida a conexão entre subjetividade-objetividade.
O poeta também ri de si mesmo, principalmente quando se trata “do
que não tem”, pois deu tudo para os filhos vivendo agora de mesada, e se julga
um dependente, pois, nem mesmo sabe guiar carros.
Ao completar 90 anos, em 19 de dezembro de 2006, Manoel de
Barros foi extensamente homenageado, inclusive com sete programas exibidos
em especiais de férias da TVE Regional de Mato Grosso do Sul. É considerado o
maior poeta em atividade no Brasil, conquistando todos os prêmios de poesia
no Brasil a que concorreu desde 1960, além de dois Jabutis: “Prêmio Orlando
Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro
Compêndio para uso dos pássaros; em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação
Cultural do Distrito Federal pela obra Gramática expositiva do chão; em 1997,
o Livro sobre nada recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional; em 1998,
recebeu o Prêmio Cecília Meireles (literatura/ poesia), concedido pelo Ministério
8 Entrevista a André Luis Barros, disponível em http://migre.me/637PO
9 Ibidem
26
da Cultura; em 2000 recebeu o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela
Universidade Católica e em 2003 o mesmo título lhe foi concedido pela
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, título máximo de uma
Universidade. Também em 2000, recebeu o Prêmio Odilo Costa Filho da
Fundação do Livro Infanto Juvenil, com o livro Exercício de ser criança; o
Prêmio Academia Brasileira de Letras, com o mesmo livro; em 2002 foi o
vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura, na categoria livro de ficção, com O
fazedor de amanhecer; e em 2005 do Prêmio APCA 2004 de melhor poesia,
com o livro Poemas rupestres; Com o livro Poemas Rupestres, recebeu em 2006
o Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira.
Waldman atribui a Manoel de Barros um itinerário de vida elíptico, que
vela ao leitor que a poesia é o verdadeiro interesse do poeta,
[...] mas ao velar, a elipse também alude ao homem de carne e
osso que se esconde atrás das palavras mostrando-se concha,
caracol colado à pedra, que, pela poesia, vai se transformando
numa voz que institui os poemas, neles traçando o contorno de
uma personagem (WALDMAN, in: BARROS, 1990, p.11).
Atualmente Manoel de Barros é reconhecido nacional e
internacionalmente como um dos mais importantes poetas do Brasil, e um dos
mais originais poetas do século, como diz Waldman, "a eleição da pobreza, dos
objetos que não têm valor de troca, dos homens desligados da produção
(loucos, andarilhos, vagabundos, idiotas de estrada), formam um conjunto
residual que é a sobra da sociedade capitalista; o que ela põe de lado, o poeta
incorpora, trocando os sinais" (Ibidem, p.26).
É nesta perspectiva, de um poeta que não se coloca em dicotomia com a
natureza, que pensamos na contribuição da poesia manoelina para com o
universo científico, na medida em que esta mostra um sujeito histórico, de
decisão e de ruptura com os valores preconizados pela modernidade. Em sua
poesia a estética e a ética tem o palco simples e fértil do pantanal de Mato
Grosso, território que, por sua vez, está entranhado na alma do poeta.
27
1.1.2 O filósofo poeta e/ou o poeta filósofo: dualidade em Gastón
Bachelard
Pela linguagem poética, ondas de
novidade correm sobre a superfície do
ser. E a linguagem traz em si a dialética
do aberto e do fechado. Pelo sentido, ela
se fecha; pela expressão poética, ela se
abre.
Gaston Bachelard
Neste espaço, buscaremos abordar a biografia de um ser humano
híbrido, que entre a objetividade e a subjetividade, traçou compreensões que
rompem com a linearidade do universo, mostrando que os movimentos
impedem que as coisas estejam estagnadas. Assim, na sua produção voltada à
poética o autor aborda seus devaneios, tendo como sustentáculo o campo
movediço dos elementos da natureza, movediço por que não consegue mostrá-
los desconectados entre si, mas em conversação.
Gaston Bachelard nasceu em Champagne (Bar-sur –Aube/França), em 27
de junho 1884. De origem humilde, seus pais possuíam uma pequena loja de
papelaria e tabacaria, onde sempre trabalhou enquanto estudava. O grande
pequeno filósofo tinha como meta tornar-se engenheiro, projeto que foi
interrompido pela Primeira Guerra Mundial, onde serviu, defendendo os
princípios do seu país. Segundo dados de outros trabalhos que apresentam a
biografia do filósofo, ele aprendeu química sozinho, durante o período em que
trabalhou como carteiro, o que o levou a lecionar em colégios secundários as
matérias de física e química. Portanto, é possível observar que deriva daí uma
formação mais objetiva, voltada, considerando a visão cartesiana da ciência,
para um saber mais científico, capaz de abordar com mais precisão o
conhecimento do mundo.
No entanto, aos 35 anos, Bachelard inicia os estudos de filosofia, o que
acreditamos que vem alargar ainda mais sua visão de mundo, possibilitando-o a
transitar por entre a ciência e a poética contida no universo. Após o término do
curso o filósofo passa também a lecionar filosofia. Portanto, o autor transita por
28
entre dois mundos julgados, muitas vezes, como opostos, mas que nos são
apresentados como complementares e indissociáveis.
Em 1927, fez seu doutorado pela Sorbone, suas primeiras teses são
publicadas logo em seguida, em 1928 (Ensaios sobre o conhecimento
aproximado e Estudo sobre a evolução de um problema de física: a propagação
térmica dos sólidos). Seu nome passa a se projetar no mundo das ciências,
sendo convidado, em 1930, a lecionar na Faculte dês Lettres de Dijon, onde fica
por 10 anos trabalhando. Mais tarde, em 1940, vai a convite da faculdade para a
Sorbonne, onde passa a lecionar cursos cujas vagas são disputadas pelos alunos
devido ao espírito livre, original e profundo deste filósofo que, antes de tudo,
sempre foi um professor. Bachelard ingressa em 1955 na Academia das Ciências
Morais e Políticas da França e, em 1961, é laureado com o Grande Prêmio
Nacional de Letras.
O filósofo desenvolveu ainda a filosofia da ciência anti-positivista, pois
para ele a ciência era uma atividade autônoma, dependente apenas de si mesma
para suas normas e práticas. Não procurou em suas construções estabelecer a
relação do saber, produzido pelos seres humanos com as coisas, mas a relação
entre seres humanos com seu próprio saber. Ele acreditava, também, que as
teorias físicas não eram divorciadas de comprometimentos metafísicos, ainda que
elas reivindicassem essa separação.
No que trata da obra bachelardiana, encontramos no contexto histórico
de sua produção a revolução científica do início do século XX.
Enquanto um intérprete da ciência de seu tempo, especialmente
a partir das contribuições da Física Relativística, das Geometrias
Não-euclidianas e da Química Quântica, Bachelard organiza
uma epistemologia não-normativa, ao contrário das
filosofias da ciência dominantes de cunho empírico-positivista,
pertencentes à matriz anglo-saxônica.[...] O objetivo de
Bachelard não é dizer aos cientistas como devem proceder
em seu trabalho. Seu diálogo é com os filósofos de seu tempo;
seus questionamentos se dirigem a uma filosofia desatenta para
as transformações radicais que sofre a razão humana com o
advento da ciência contemporânea. Bachelard, além de
questionar os princípios dos filósofos que se baseiam na ciência
do século XIX - Descartes, Kant e Comte -, discute os
pressupostos de seus contemporâneos, notadamente Meyerson,
Sartre, Freud, Bergson e Brunschvicg (LOPES, 1996, p. 250-251).
29
Sem pretender aprofundar o tema, mas com o objetivo de situar
rapidamente o leitor na sua produção, a obra de Gaston Bachelard possui duas
vertentes: uma científica (diurna) e uma poética (noturna).
Influenciado pela física quântica e pela teoria da relatividade de Albert
Einstein, o Bachelard diurno (epistemólogo) funda sua filosofia rejeitando os
preceitos de Descartes (1596-1650), fundando sua epistemologia não-cartesiana,
de rejeição às verdades nos padrões da tradição da ciência Moderna, dando
ênfase à descontinuidade das mudanças científicas.
Várias vezes, nos diferentes trabalhos consagrados ao espírito
científico, nós tentamos chamar a atenção dos filósofos para o
caráter decididamente específico do pensamento e do trabalho
da ciência moderna. Pareceu-nos cada vez mais evidente, no
decorrer dos nossos estudos, que o espírito científico
contemporâneo não podia ser colocado em continuidade com
o simples bom senso (BACHELARD, 1972b, p.27).
Por outro lado, o Bachelard diurno (fenomenólogo), reivindicando o
papel central da imaginação sobre todas as faculdades humanas, se alicerça nos
trabalhos de poetas e escritores como Charles Baudelaire, Jean-Paul Richter,
Novalis, Mary Shelley, Holderlin:
Todo o universo visível é apenas um depósito de imagens e de
sinais aos quais a imaginação dará um lugar e um valor relativo;
é uma espécie de alimento que a imaginação deve digerir e
transformar. Todas as faculdades da alma humana devem ser
subordinadas à imaginação, que as requisita todas ao mesmo
tempo (Baudelaire, 1993, p. 99).
Reconhecido como filósofo e poeta, Bachelard se tornou importante
não apenas por seu trabalho na área de filosofia da ciência, mas também por sua
recepção no debate de inúmeros filósofos franceses, incluindo Georges
Canguilhelm, Louis Althusser, Michel Foucault e Michel Serres. Gaston Bachelard
faleceu no dia 16 de outubro de 1962.
Compreendemos que a filosofia bachelardiana apresenta outro percurso
possível para a razão humana, no qual por meio da sensibilidade evocada pela
30
imagem é possível trazer a essência da poética de um sonhador. É neste cenário
de elementos movediços, férteis e convidativos que Manoel de Barros se
encontra, nos convidando a transgredir as amarras que nos impedem de ser mais,
no sentido de ser que se completa na relação com o mundo, para vislumbrar um
mundo mais justo e igualitário para todos (FREIRE, 1987). Queremos enfatizar
que a utopia da Educação Ambiental tal qual a utopia freireana ou a poética
veiculada nas palavras do poeta mato-grossense, não é algo irrealizável, muito
pelo contrário, é uma percepção amorosa que acredita que a busca da
democracia, da justiça ambiental10, está intrinsecamente ligada ao respeito às
diversidades que compõe o cosmo, é uma educação de cuidado com a terra e de
todos que nela sobreVivem.
Vale ressaltar, portanto, que os méritos científicos de Bachelard
dependem também, em grande parte, de seus estudos sobre a linguagem poética,
a imaginação, a fenomenologia e suas implicações em episódios da história da
ciência. Acreditamos que o autor deu ênfase à importância do estudo da história
da ciência e opôs-se aos estudos de teorias abstratas, pois para ele a razão deve
desvelar o impensado dos discursos, sob a lógica da descoberta. A história e o
desenvolvimento da ciência, segundo suas concepções, não podem ser
percebidas em progresso linear, mas em processos descontínuos, com obstáculos
e rupturas. A formação de Bachelard, portanto, nos ajuda a tecer considerações
que aproximam das percepções que ora descrevemos, pois suas arguições
fundamentam a nossa proposição no que tange a conexão indissociável entre a
poesia-mundo.
Entre suas obras traduzidas em Língua Portuguesa, podemos citar: O
Homem Perante a Ciência (1967); A Epistemologia (1971); A Filosofia do Não &
Outros Textos (1973); Ensaio Sobre Conhecimento aproximado (1976); Filosofia
do Novo Espirito Cientifico (1976); O racionalismo aplicado (1977); Poética do
Espaço (1978); O Direito de Sonhar (1985); O Materialismo Racional (1990); A
10 De acordo com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, o conceito de Justiça Ambiental refere-
se ao tratamento justo e ao envolvimento pleno de todos os grupos sociais, independente de
sua origem ou renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e uso dos recursos naturais em seus
territórios.
31
Terra e os Devaneios da Vontade (1991); Novo Espírito Científico (1996); A
formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do
conhecimento (1996); Estudos (2007); A Psicanálise do Fogo (2008); O
Pluralismo Coerente da Química Moderna (2009); A água e os Sonhos ( 2009);
A Experiência do Espaço na Física Contemporânea (2010);
1.2 REGISTROS IDENTITÁRIOS DE UMA VIAJANTE
Se você prende uma água, ela escapará
pelas frinchas.
Se você tirar de um ser a liberdade, ele
escapará por metáforas.
Manoel de Barros
Graduada na área de linguagens, com formação, ainda que parcial, na
área filosófica, que me apaixonei pela poética de Manoel de Barros quando
professora da Escola Livre Porto11 Cuiabá, durante uma pesquisa sobre
metodologias possíveis para se trabalhar a “repulsa” percebida entre os alunos da
6ª e 7ª séries, em tudo que se tratava do chão, da terra onde pisavam, que para
eles significava sujeira. Um processo de reflexão com os alunos foi iniciado, por
meio da leitura das poesias de Manoel de Barros e o estudo do elemento terra e
dos restos deixados no chão pelo ser humano. A partir dos textos produzidos
após as oficinas de poesia, foi perceptível a mudança dos alunos com relação
àquele espaço da escola visto anteriormente por eles como sujo. O contato com
a rebeldia do olhar daqueles alunos me inspirou a busca por opções, e foi
quando a poética manoelina me ofereceu o exercício da cosmovisão, da
possibilidade de outros mundos, de um olhar transcendente para a natureza e as
coisas do chão. Esta minha experiência com os alunos da Livre Porto e outra
com alunos da UFMT numa oficina de produção de textos, já como aluna do
11 Escola de Ensino Fundamental e Médio, cuja pedagogia aplicada é a Pedagogia Waldorf.
32
mestrado, encontra-se citada num livro12 recentemente publicado por Cristina
Campos, docente de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, fruto de um doutorado na
Universidade de São Paulo (USP), defendido em 2007.
Pensar a Educação Ambiental em companhia da sensibilidade poética é,
antes de tudo, nos despir das marcas impregnadas durante a nossa jornada
existencial, buscando compreender o mundo pelo prisma da Cartografia do
Imaginário, aqui delineado pela palavra de Manoel de Barros. Com esta
percepção será possível olhar não apenas com os olhos, mas com a sensibilidade
expressa na linguagem de quem pela palavra deseja mudar o mundo, mostrando
que é na origem que se encontram os sentidos que deviam nos constituir
enquanto seres humanos, nos ofertando, assim, trilhas para uma viagem de
cunho científico.
Aqui procuro levar em conta as principais circunstâncias que envolveram
o desenvolvimento da minha vida pessoal-profissional, destacando os elementos
que, marcados por quebras de paradigmas, por coerências e incoerências, de
relações estabelecidas com o mundo, resistindo à forma cômoda e dormente de
viver e reproduzir a hegemonia (LINHARES, 2002, p.7), possibilitaram a
construção da minha identidade. Assim, este é o registro de uma memória que se
faz no percurso do instituído em direção às experiências instituintes, como forma
de ser e estar no mundo, de conhecer e atuar na vida, apresentando;
[...] a construção de práticas que se desdobram em
movimentos criadores, para estremecer o que foi
organizado pela história, movimentos que estão sempre
em devir, sem certezas e comprovações da história, mas
enfrentando e infiltrando-se nas tramas instituídas, para
aproveitar frestas e contradições e, assim, afirmar a
outridade (LINHARES, 2006).
Foi assim, pisando em terreno movediço, que projetei meus sonhos, e
são eles que me fazem acreditar na vida e esperançar o futuro. Crença e
esperança que se iniciaram muito cedo, quando ainda quase uma criança, pois
12 CAMPOS, Cristina. Manoel de Barros: o Demiurgo das Terras Encharcadas – Educação pela
Vivência do Chão. Cuiabá: Carlini&Caniato: 2010. p.301
33
me lembro de quando dizia ao meu pai, um sábio instrutor e explorador de
caminhos sem formação escolar, o quanto gostava de viajar pelo mundo mágico
das palavras, ler poesias, histórias, fábulas, etc; que, por meio delas, eu podia
conhecer outros mundos. E assim, fruto de um projeto municipal, que levava um
ônibus-biblioteca aos bairros pobres da cidade de Londrina, no estado do
Paraná, cresci no mundo da leitura, o que fez de mim uma apaixonada
professora de Literatura.
Acredito que o poder poético das palavras incita nossa imaginação, nos
permite ir além do aparente, trilhar por descaminhos, como aborda Bachelard
(2003, p.57), assim: “a imaginação vai mais longe; ela faz filosofia [...] aborda
uma ontologia da luta [...] o ser que segue tais imagens conhece então um
estado dinâmico que é inseparável da embriaguez: é agitação pura. É
formigueiro puro”.
E, já que trataremos de cartografia, creio que valha a pena reiniciar o
caminho, marcar minha trilha jogando pedacinhos de pão, mas, ao contrário de
João e Maria (GRIMM, 2002), jogo-os na esperança de que pássaros os comam,
me fazendo permanecer no fundo da floresta encantada, junto aos devaneios
tecidos dentro das casinhas de caracóis, onde me sinto segura para delinear o
lugar possível percorrido na trajetória dessa pesquisa.
Sinto-me uma típica representante daquelas pessoas que fizeram parte de
uma família muito pobre, mas extremamente felizes. Cercada de afeto, brincava
na rua com meus irmãos e irmãs, além de muitas outras crianças à minha volta,
enquanto minha mãe cuidava da casa e da família e meu pai buscava o nosso
sustento nas estradas deste imenso Brasil, na profissão de caminhoneiro. Encho o
peito de afeto, de carinho e orgulho para falar de meus pais, que infelizmente
não estão mais aqui. Porém, deixaram suas marcas, as melhores marcas que os
pais podem deixar a seus filhos: a marca da ética, da luta, da esperança pela
realização dos sonhos, princípios que coadunam com Freire (2006, p. 30): “sem
um vislumbre de amanhã, é impossível a esperança”.
Cresci entre os cafezais, numa natureza cuja estética se difere totalmente
da natureza mato-grossense, período em que era comum brincar sem bonecas ou
qualquer outro tipo de brinquedo industrializado. Inventava as próprias
34
brincadeiras, cobrindo “bonecas de milho” com pedaços de pano, ou fazendo
um zoológico, colocando perninhas de palitos de fósforos em goiabas,
mamonas, pêssegos e tudo o mais que encontrava pela frente. Aprendi muito
cedo o “jogo do contente” (PORTER, 1947, p.40), e ainda hoje procuro ver o
lado bom de todas as coisas.
Viajei pela primeira vez a Cuiabá em 1978, com o objetivo de passar
algumas semanas, que acabaram se transformando em quase um ano. De volta à
minha cidade natal, em 1980 ingressei no curso de Letras na UEL – Universidade
Estadual de Londrina, curso inacabado à época, por retornar a Cuiabá
definitivamente em 1982, quando então me casei. Mãe de três filhos, fui levada a
optar por não retornar aos estudos até que eles estivessem “criados”.
Nunca deixei de ler. Foi com um Príncipe criança que aprendi que seria
o tempo que perderia com minha rosa que a faria tão importante (SAINT-
EXUPÉRY, 1991). Em minha estante sempre foi possível encontrar romances,
poesias, filosofia, literatura clássica, literatura moderna, brasileira e estrangeira.
Considerava-me “autodidata” até o momento em que ouvi a Profª Michele Sato,
numa sala do mestrado13, dizer ser impossível sermos autodidatas, uma vez que
ao lermos um livro ou um texto, ou mesmo ao assistirmos um filme para
aprender algo, estamos aprendendo “com alguém ou com algo” e não sozinhos,
já que sempre existe um autor nos bastidores. Hoje percebo a espiral viva e
permanente que envolve os seres humanos, aprendo sempre com alguém e
espero que o outro também aprenda comigo. A esse respeito me junto às sábias
palavras do educador Paulo Freire:
Não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas
para transformá-lo; se não é possível mudá-lo sem um certo
sonho ou projeto de mundo, devo usar toda a possibilidade
que tenha para não apenas falar de minha utopia, mas para
participar de práticas com ela coerentes [...]. É porque podemos
transformar o mundo, que estamos com ele e com os outros.
Não teríamos ultrapassado o nível da pura adaptação ao
mundo se não tivéssemos alcançado a possibilidade de
13 Colóquio do Gpea, na sala 66 do Instituto de Educação da UFMT, 2006.
35
pensando a própria adaptação, nos servir dela para programar
a transformação (FREIRE, 2000, p.33).
Foi com o objetivo de lançar-me neste mundo de possibilidades
vislumbrado por Freire que, com os filhos já crescidos, resolvi voltar aos estudos
acadêmicos, ficando naquele indo e vindo, mas enfim, finalizando o curso de
Letras em 2003. Neste ano também iniciava o curso de Filosofia e, entre um
curso finalizado que me deixava ansiosa pela prática da literatura e outro que me
preparava ainda mais para a eficácia nas discussões acerca do pensamento
literário em sala de aula, buscava cursos preparatórios, participava de fóruns,
eventos, congressos e outras formas de crescimento intelectual.
Em 2004 conheci e me apaixonei pela Educação Ambiental e, em 2005,
ingressei no GPEA – Grupo Pesquisador em Educação Ambiental14, da UFMT,
desenvolvendo trabalhos na área e participando ativamente do grupo e de quase
todos os eventos que o envolvia, tanto na participação por meio de
apresentação de trabalhos, como fazendo parte da equipe de organização dos
eventos.
Em 2006 iniciei o trabalho com aulas de Língua e Literatura Portuguesa
para as turmas de Letras na modalidade Modular no Centro Universitário de
Várzea Grande – UNIVAG, tanto na unidade de Várzea Grande quanto na
unidade de Rondonópolis. Em quase sua totalidade, minhas turmas constituíam-
se de disciplinas na área de Literatura, destacando-se o trabalho com a Literatura
mato-grossense, onde sempre tive a oportunidade de trabalhar com os cursistas a
poesia de Manoel de Barros.
Sendo o processo formativo de natureza social e compreendendo a
prática docente do ensino superior como atividade de interação, de troca, na
medida em que nos transformamos durante o processo, busco sempre refletir a
minha prática docente, me amparando na Pedagogia da Autonomia de Paulo
Freire, como possibilidade para o exercício da autonomia do pensar discente, e
14 Por ser constituído por uma equipe multidisciplinar, onde educação, ambiente, comunicação e
arte se aliam e se entrelaçam na ciranda de saberes acadêmicos e populares, no final de 2010 o
grupo acolhe seu novo nome: “Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e
Arte (GPEA)”.
36
para o conhecimento reflexivo como forma de liberdade responsável: “As
qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos
para diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos.” (FREIRE, 1996,
p.25).
O trabalho em sala de aula com a Literatura possibilitou o conhecimento
científico de corpo inteiro, com sentimentos, emoções, dúvidas e desejos, unindo
paixão e razão. Pois, “É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem
a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência[...] é impossível
ensinar sem a capacidade forjada, inventada, bem cuidada de amar [...] É preciso
ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional” (FREIRE, 1997, p. 8).
No início do ano de 2009 ingressei no ProJovem Urbano, um programa
de inclusão de jovens, com a função de Formadora de Educadores de Tangará
da Serra-MT, que atuaram no projeto. Um projeto importante para o meu
aprendizado em olhar e aprender com o outro, pois “Ensinar inexiste sem
aprender e foi aprendendo socialmente que, historicamente, homens e mulheres
descobriram que era possível ensinar” (FREIRE, 1996, p. 26).
Em Julho daquele mesmo ano, fui convidada para participar do Projeto
Haiyô – Magistério Intercultural, quando estive no Parque Indígena do Xingú–
Posto Pavurú, trabalhando com a Língua Portuguesa para a formação de
professores indígenas de sete etnias xinguanas. Uma experiência ímpar em minha
vida, enquanto ser humano que pensava ter chegado para ensinar, mas que sai
com a certeza de ter aprendido!
De 2008 a 2011 compus o quadro da Secretaria Executiva da Rede Mato-
Grossense de Educação Ambiental - REMTEA. Segundo Michèle Sato (SATO,
2003a), o conceito de Rede nasce da Biologia, enquanto sistemas de laços
realimentados, quando ecologistas das décadas de 1920 e 1930, estudando as
teias alimentares e os ciclos da vida propuseram a rede como único padrão de
organização comum a todos os sistemas vivos, como sistemas organizacionais
capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa,
em torno de objetivos e/ou temáticas comuns. O conceito de rede transformou-
se, nas últimas duas décadas, em uma alternativa prática de organização,
possibilitando processos capazes de responder às demandas de flexibilidade,
37
conectividade e descentralização das esferas contemporâneas de atuação e
articulação social.
A REMTEA é uma Rede que se estrutura pelo diálogo aberto na
consolidação da Educação Ambiental, apresentando como salienta Michèle Sato
(2010):
A militância, a paixão, e nossa luta generosa em se entregar
incondicionalmente à luta ecológica [...], desde que as redes
agregam todos os territórios e identidades, representa, assim,
um laboratório dinâmico de experiências, acertos e erros
(IBIDEM, 2010).
Pela necessidade de ampliar e aprofundar meus conhecimentos em
Educação Ambiental, participo também de alguns processos de ensino a
distância(EaD), como o curso de Educação Ambiental oferecido pelo Ministério
da Educação (MEC) em parceria com a UFMT em 2009. Atualmente, coordeno
o grupo de tutores do Processo Formativo em Educação Ambiental: Escolas
Sustentáveis e Com-Vida, em sua modalidade ofertada pela UFMT –
Universidade Federal de Mato Grosso. Trata-se de um curso desenvolvido em
parceria com a Coordenação-Geral de Educação Ambiental do MEC e oferecido
pela Rede de Educação para a Diversidade, pelo Sistema Universidade Aberta do
Brasil e pelo MEC, destinado a professores e demais interessados no assunto.
Em cada um desses momentos de reflexão, percebo o quão enredados
nas teias da subjetividade humana estamos, e o quanto se faz necessário trazer à
tona os elementos que alguns acreditam estarem presentes apenas na linguagem
literária, destituída de valor. Pude ainda perceber a polêmica que envolve a
imagem literária que endossa as palavras de Bachelard, quando este aborda que:
A literatura recebe críticas contrárias. Por um lado é tachada de
banalidade, por outro de preciosidade. Ela é lançada na
discórdia do bom gosto e do mau gosto. Seja na polêmica, seja
mesmo na exuberância, a imagem literária é uma dialética tão
viva que dialetiza o sujeito que vive todos os seus ardores
(BACHELARD, 2003, p.71).
38
As experiências no âmbito da Educação Ambiental, de cunho
fenomenológico, me fizeram compreender que entrar em nós mesmos por meio
da linguagem poética, implica um ressignificar a nossa existência, para a
compreensão de outras que compartilham conosco o espaço. As imagens
advindas da poética nos auxiliam, faz-nos compreender nossas próprias
limitações, desestruturam nossas verdades e ajudam-nos a construir outros
sentidos (BACHELARD, 2003).
Não tem sido fácil conciliar família, casa, estudos e sonhos, que estou
sempre procurando transformar em ações, mas tenho participado das várias
atividades de Educação Ambiental do GPEA e da REMTEA, onde tenho ancorada
a minha identidade como educadora ambiental.
1.3 RESSONÂNCIAS DOS DEVANEIOS NA INVESTIGAÇÃO
Apresentamos aqui os caminhos da pesquisa intitulada CARTOGRAFIA
DO IMAGINÁRIO: a dimensão poética e fenomenológica da Educação
Ambiental, cujo objetivo é apresentar um estudo bibliográfico do
entrelaçamento entre a poética surrealista de Manoel de Barros (OLIVEIRA,
2010) e a fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard (2005) no campo
da Educação Ambiental, aliadas às vias paralelas da Cartografia do Imaginário
(SATO, 2011).
A Cartografia do Imaginário de Sato (2011) é a via por onde olho os
devaneios de Manoel de Barros e de Gaston Bachelard. Por essa janela, ora vejo
palavras mergulhadas em águas profundas, ora vejo-as em terra firme; outras
vezes vejo o fogo ardente que aquece o aspecto anárquico de uma poética em
prol da Educação Ambiental, e em outras vejo o ar que dá leveza e nos
transporta por mundos utópicos.
Ao falar em cartografia, podemos logo imaginar uma descrição minuciosa
de demarcação de territórios, perspectiva dos defensores do modelo de
sociedade fundada no mercado. A cartografia citada nesta pesquisa se trata de
uma metodologia que busca trilhar um caminho imaginário, portanto, não se
39
refere a uma demarcação geográfica, mas a uma cartografia humana, na
apresentação de um poeta e de um filósofo, que se circunscrevem na abertura de
aprendizagens com outros seres e não seres que encontraram por entre as
trajetórias de vida e de devaneios. Assim, a trilha nem sempre é aparente, pois
foi delineada com a contribuição de suas metáforas, e estas por sua vez instigam
caminhos diversos. Talvez seja esta possibilidade de inclusão de novos sentidos
que faz desta cartografia um processo democrático, instituinte e promissor. Para
tal, busquei no decorrer das discussões, por meio da Cartografia do Imaginário,
seguir os anseios e proposições da Educação Ambiental, para a qual a
aprendizagem é uma aventura pela trilha da ação criadora que envolve o ser
humano. Neste foco, o berço identitário/familiar do poeta contribuiu
significativamente para com a sua alma de poeta/menino, assim como o histórico
dicotômico de Gaston Bachelard, cujas obras desenvolvem-se em duas vias:
“uma linha epistemológica, que levanta questões em relação ao método, à
realidade científica, aos objetivos e aos resultados da ciência; e a metafísica da
imaginação, que contribui para acrítica literária contemporânea” (CAMPOS,
2010, p.34).
Manoel de Barros é, para nós, um pesquisador de sonhos, que traz com
suas despalavras os deslimites do ser em detrimento do ter, ou seja, caminhando
por sua subjetividade somos capazes de embrenharmos pelos diversos níveis da
objetividade. A sua poética se mostra de formas diferentes para cada ser
humano, ao mesmo tempo em que sua linguagem causa determinada estranheza,
por sua não adesão à forma convencional cultuada pela sociedade, ela também
nos deixa com a sensação de familiaridade, pois faz um passeio matutino pelas
palavras simples do cotidiano. Por sua vez, Gaston Bachelard é o filósofo da
criação artística, do sistema poético dos quatro elementos (água, terra, fogo e
ar), cuja obra ultrapassa a tradição filosófica da imaginação formal, que se faz
presa às amarras da abstração e do formalismo. Para o autor as imagens poéticas
são fontes insubstituíveis para a saúde do ser e concede à imaginação poética a
aptidão de se conhecer, por meio do devaneio, certas realidades da alma
humana, as quais escapam aos métodos do conhecimento objetivo
(BACHELARD, 2003).
40
As palavras do mato-grossense Manoel de Barros esboçam um desenho
dos quatro elementos da natureza de Gaston Bachelard: Água, Terra, Fogo e Ar,
por se tratar de uma construção poética que faz a ponte com valores universais,
partindo de uma estrada repleta de túneis, os quais nos transportam do exterior
para o interior, e vice e versa. Neste sentido, o poeta por meio da sensibilidade
desenhou o seu mundo, transformou a natureza em palavras, e estas vão
delineando uma cartografia no imaginário humano, numa representação do ser
humano-natureza. De acordo com Oliveira (2010), trata-se de uma produção
que permeia por entre os quatro elementos e, esta percepção, depende da opção
de porta de entrada que escolhemos para produzir nossas significações.
É nesse entrelaçamento entre a poética de Manoel de Barros e a filosofia
do imaginário de Gaston Bachelard que vislumbramos a poesia aliada à filosofia
como algo capaz de nos contaminar com as utopias da Educação Ambiental, pois
tanto Manoel de Barros quanto Gaston Bachelard apresentam em suas linhas o
desenho mágico da imaginação poética, nas quais estão inseridas, não apenas
seres humanos, mas uma multiplicidade de coisas e não-coisas, de saberes e
dessaberes, que podem contribuir na construção de um mundo melhor para
todos. Nesse sentido, Manoel de Barros nos apresenta sua poética ambiental,
pois, “as palavras que ele aplica às coisas poetizam as coisas, valorizam-nas
espiritualmente num sentido que não pode fugir completamente das tradições”
(BACHELARD, 2002, p.140).
Se embrenhar por este caminho do imaginário, no entanto, é uma tarefa
complexa que exige de nós a árdua atividade de compreender como o ser
humano se compreende mediante suas identidades pessoais.
Em sua Cartografia do Imaginário, Sato(2011) utiliza a metáfora dos
quatro elementos de Bachelard, naquilo que ele considerava como um processo
ímpar de aprendizagem: Água (formação); Terra (deformação); Fogo
(transformação); e Ar (reformação). Nessa mesma perspectiva, dividimos as
páginas de nossa pesquisa em capítulos, que almejam contemplar e mostrar esse
processo de aprendizagem, por meio da metáfora bachelardiana de seus quatro
elementos.
41
No primeiro capítulo, intitulado Água, situo meu objeto de pesquisa
avaliando minha própria trajetória de vida. Segundo Bachelard, “o ser voltado à
água é um ser em vertigem. Morre a cada minuto, alguma coisa de sua
substância desmorona constantemente” (BACHELARD, 2002, p.7). Neste
sentido, ora fortalecendo-me ora me destituindo de valores e sentidos é que fui
reconstruindo minha constituição original, a qual deu lugar à gênese de um ser
transitório, que se fez e se refez no desejo de uma viagem pela pesquisa científica
em Educação Ambiental.
No segundo capítulo, o elemento Terra nos ajudará a vencer os obstáculos
epistemológicos. Nele, as hipóteses da pesquisa, objetivos e devaneios
conceituais se apresentam, mesclando cenários, num reaprender a aprender,
entre terra labiríntica e terra de devaneios conceituais, numa pesquisa que “busca
a vastidão do mundo e seus mistérios na busca das hipóteses” (SATO, 2011,
p.549), na medida em que o “desejo pessoal da descoberta na porção da terra
que foi estudada” (Ibidem), foi delineando meu olhar enquanto pesquisadora, na
busca pela “conexão entre o devaneio global e o desejo local, na cartografia que
solicita ser compreendida pelos olhos da pesquisa científica” (Ibidem).
Fogo é o elemento apresentado no terceiro capítulo deste estudo. Nesse
momento apresentamos os caminhos escolhidos para nossa viagem e, durante o
percurso, os elementos teóricos metodológicos da Cartografia do Imaginário de
Michèle Sato (2011) se fazem presente. Na combustão da chama do desejo de
mudança, fogo epistemológico e fogo praxiológico dividem espaço para
apresentar metodologia e método. O fogo bachelardiano comanda a paixão da
nossa pesquisa e com ele sonhamos ardentemente com a transformação, por isso
cuidadosamente delineamos nosso trajeto, pelos caminhos do devaneio de uma
pesquisa de cunho bibliográfico, que apresenta o entrelaçamento entre poética
de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard no campo
da Educação Ambiental, pelas vias da Cartografia do Imaginário, na perspectiva
de interdependência entre ciência e poesia para um fazer a Educação Ambiental,
pois “o sonhador inflamado une o que vê ao que viu. Conhece a fusão da
imaginação com a memória. Abrem-se então todas as aventuras da fantasia,
42
aceita a ajuda dos grandes sonhadores e entra no mundo dos poetas”
(BACHELARD, 1989, p.19).
O último capítulo desse estudo tem o elemento Ar como resultado da nossa
trajetória, na tentativa de apresentar, viajando pela Educação Ambiental e a
militância, uma estrada fértil no ambiente da ciência, ao encontro de
ressonâncias para a utopia de uma Ecologia da Resistência, que luta em prol de
um mundo melhor para todos (SATO, 2011). É a utopia de que a pesquisa, após
percorrer caminhos entre a poética manoelina, em consonância com os
elementos bachelardianos: Água, Terra, Fogo e Ar, possa nos ajudar a alçar voo,
não apresentando, portanto, um resultado final, mas a possibilidade de um novo
começo, para que outros caminhos possam ser construídos.
43
44
2.1 TERRA LABIRÍNTICA
Por meio da palavra nos expressamos para o mundo. Somos seres de
linguagem e “a linguagem está no posto de comando da imaginação”
(BACHELARD, 1991, p.6). Em minha trajetória de vida desde muito cedo estive
ligada à linguagem literária, o que me influenciou profundamente em meus
estudos da poética de Manoel de Barros, e posteriormente da fenomenologia da
imaginação de Gaston Bachelard para minha pesquisa de mestrado.
Meu olhar para minha pesquisa em Educação Ambiental sempre foi
voltado para a poética em comunhão com a filosofia, temas aos quais me
identifico e também relacionados à minha formação acadêmica.
No pensamento moderno é tradicional a segregação entre ciência e
poesia, dificultando encontrar caminhos para o fazer científico ancorado na
subjetividade. Mas na filosofia do imaginário de Gaston Bachelard encontro
alento, quando em sua obra o ser humano é ao mesmo tempo racionalista e
imaginante, intelectual e onírico, pois “a imaginação inventa mais que coisas e
dramas; inventa vida nova, inventa mente nova; abre olhos que têm novos tipos
de visão” (BACHELARD, 2002, p.18).
Dessa forma, a partir de minha própria dificuldade em fazer ciência
desvinculada da subjetividade, mas sabedora da necessidade racional na
pesquisa, encontro o primeiro questionamento: é possível uma investigação que
vincule a racionalidade à subjetividade?
Um segundo questionamento que delimitou meu objeto de pesquisa foi:
No contexto do movimento ecologista, teria a poética manoelina aliada à
filosofia do imaginário de Bachelard subsídios capazes de sensibilizar a árdua luta
por um mundo mais justo?
Quais são as contribuições que estes dois autores podem oferecer à
Educação Ambiental que aspira por sociedades sustentáveis? Seria, então, o
diálogo entre a literatura e a filosofia importante neste contexto da Educação
Ambiental, compreendendo que para além do local da casa (territórios), é
preciso cuidarmos dos moradores que nela habitam com suas identidades e
subjetividades, (OLIVEIRA, 2009, p.6)? Este nosso quarto questionamento se
45
ancora no fato de coadunarmos com as palavras de Octavio Paz, de sociedades
onde a poesia também seja tema inerente:
Uma sociedade sem poesia careceria de linguagem: todos
diriam a mesma coisa ou ninguém falaria, sociedade transumana
em que todos seriam um ou cada um seria um todo
autossuficiente. Uma poesia sem sociedade seria um poema sem
autor, sem leitor e, a rigor, sem palavras. Condenados a uma
perpétua conjunção que se resolve em instantânea discórdia, os
dois termos buscam uma conversão mútua: poetizar a vida
social, socializar a palavra poética. Transformação da sociedade
em comunidade criadora, em poema vivo; e do poema em
vida social, em imagem encarnada (PAZ, 1982, p.310).
A partir das palavras de Octavio Paz, busco ainda, no entrelaçamento
entre a poética de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston
Bachelard, respostas para a compreensão da poesia como um elemento capaz de
corroborar para que o ser humano se apresente por meio da imanência e da
transcendência do “ser filosófico” da Educação Ambiental, de tal maneira que
nos permita perceber que nas intersecções onde encontramos nossos sonhos
individuais, nossos valores e nossos devaneios, também se encontram nossas
aspirações coletivas, na luta por um mundo menos desigual.
A respeito da transcendência e imanência em nós, Passos e Sato abordam:
A primeira nos põe circunstanciados num tempo perspectivado
para o futuro, inscrevendo e referenciando nossa existência à
materialidade; a segunda nos chama além de nós, provocando
nossa capacidade de ultrapassar fronteiras antes acenadas,
reacomodando-a - na perspectiva de um caminho pessoal,
inédito num percurso que possa oportunizar transpô-las. Pôr
limites às águias é provocá-las à transgressão (PASSOS e SATO,
2002)
Pesquisar a palavra de Manoel de Barros em diálogo com a filosofia do
imaginário de Gaston Bachelard é sentir-se fenomenologicamente no mundo, é
sair do lugar comum, estando em direção a uma estrada que tanto pode nos
levar às curvas suaves, em meio a um lugar isolado, quanto em direção a túneis
escuros na contramão de uma passagem, ou a pontes de rios tortuosos; palavras
de um poeta cuja experiência vivida junto com as coisas do chão, nos mostrou
46
que para saborear a mágica da vida é essencial nos despir do aprendizado
trazido pelo poder dominante. Enquanto a grande maioria dos seres humanos se
preocupa com a produção de armas, com o acúmulo de riquezas e com a
invenção acelerada de tecnologias, surge um poeta-menino desenhando outra
forma de ver o mundo nas encostas de sua poesia. Neste sentido, Bachelard
(2003, p,231) salienta que: “o sonhador está a caminho de uma transcendência
do absurdo”.
Ao trazer as coisas do chão, o poeta nos chama para a importância de
nossa identidade, portanto, compreendemos que esta se afirma no coletivo, no
processo sócio-histórico e cultural. Dessa forma, Manoel de Barros em suas
despalavras pode nos impulsionar à reflexão sobre a democracia e seus princípios
de liberdade, ou seja, o poeta declara que para viver a liberdade é necessário
tirar as amarras que nos prendem ao poder institucionalizado:
Eu queria ser banhado por um rio como
Um sítio é.
Como as árvores são.
Como as pedras são.
Eu fosse inventado de ter uma garça e outros
pássaros em minhas árvores.
Eu fosse inventado como as pedrinhas e as rãs
Em minhas areias.
Eu escorresse desembestado sobre as grotas
e pelos cerrados como os rios.
Sem conhecer nem os rumos como os andarilhos.
Livre, livre é quem não tem rumo
Invento para me conhecer.
(BARROS, 2010, p. 457)
Nosso poeta traz a poesia para os devaneios de seu próprio mundo, onde
sua percepção está muito além da percepção usual da realidade, construindo
dentro de seus poemas uma poética que se entrelaça com o campo da Educação
Ambiental. Manoel de Barros inventa para se conhecer, e nesse sentido sua
poética desvela seu ser e estar no mundo, fazendo-o não se considerar
biografável (BARROS, 1990, p.11). A partir da concepção de “não biografável”
de Manoel de Barros e a proposta em uni-lo à Gaston Bachelard, é possível uma
47
interseção biográfica dos dois autores? Para responder a esta questão, senti a
necessidade de investigar a trajetória epistemológica de Gaston Bachelard, e,
mesmo que eu não tenha considerado a necessidade de um estudo aprofundado
de todas as suas obras, foi de muita importância entrar em contato com o
Bachelard que dedicou seus estudos à filosofia das ciências, entre 1928-1934; com
o Bachelard que se dedicou à epistemologia (1934-1940) e o Bachelard filósofo
da imaginação poética, mais efetivamente a partir de 1942.
O trajeto pelo labirinto poético de Manoel de Barros na companhia
fenomenológica de Gaston Bachelard nos leva à participação ativa dos devaneios
desses dois autores, onde a unidade entre o real e o sonho se projeta no ser
humano que vive com suas assimetrias e conflitos. E é nesta perspectiva que
reafirmamos nossa intenção em contribuir com a Educação Ambiental, num
estudo que aponta a necessidade de transpor as preocupações ambientais com
questões meramente pontuais, como a preocupação com queimadas,
devastação, lixo, entre outras. Acreditamos que o diálogo entre o poeta e o
filósofo nos permite ver-sentir a importância da casa, que Friedensreich
Hundertwasser15 (Apud SATO, 2011) metaforiza como nosso íntimo, mas
também nos propicia o olhar pela janela, o respeito ao espaço coletivo (Ibidem).
É, portanto, com esta percepção que acreditamos que “a casa é o nosso canto do
mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro
cosmos” (BACHELARD, 2005, p. 24).
2.2 TERRA E OS DEVANEIOS CONCEITUAIS
São os jardineiros que tendem a ser os
mais zelosos e hábeis (somos tentados a
dizer: profissionais) construtores de
utopias. [...] Se hoje se ouvem expressões
como “a morte da utopia”, “o fim da
utopia” ou “o desvanecimento da
imaginação utópica”, borrifadas sobre
debates contemporâneos de forma
15 http://www.hundertwasser.at/english/texts/philosophie.php
48
suficientemente densa para se enraizarem
no senso comum e assim serem tomadas
como auto-evidentes, é porque hoje a
postura do jardineiro está cedendo vez à
do caçador.
Zygmunt Bauman
Segundo SATO (2011, p.541) “Uma pesquisa é um labirinto, que ao buscar
conhecimentos, reconstrói a condição humana em querer mudar a vida,
reinventando a paixão!”
Ao pretendermos uma pesquisa em Educação Ambiental, de cunho
bibliográfico, no entrelaçamento entre a poética de Manoel de Barros e a
fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard, cujas vias metodológicas
perpassam a Cartografia do Imaginário, desde o início foi impossível não entrar
em movimento cíclico, sabendo das várias possibilidades dos caminhos
inacabados, dos possíveis erros e acertos, das coisas boas e ruins, da
particularidade inerente a toda produção escrita. No entanto, durante todo o
tempo não nos esquecemos da nossa responsabilidade e comprometimento
enquanto pesquisadora, enquanto aprendiz e exploradora de caminhos novos.
A Cartografia do Imaginário é uma proposição metodológica surrealista e
inovadora, criada por Michèle Sato (2011), a fim de orientar a pesquisa
fenomenológica. Seu sistema metodológico traz como “aparelho de
engrenagem” os quatro elementos bachelardianos, Água, Terra, Fogo e Ar,
metáforas utilizadas pelo filósofo como substrato da investigação da gênese da
imagem poética, enquanto que para Michèle Sato, os elementos servem como
substrato fenomenológico para investigação na pesquisa qualitativa. Cada
elemento, isoladamente, é usado como metáfora dos processos de aprendizagem
de Bachelard: formação – deformação – transformação e reformação (SATO,
apud BACHELARD, 2011, p.546).
Dessa forma, ao planejar uma investigação científica, o elemento ÁGUA
(formação) será metáfora da nossa constituição original, a gênese do desejo que
dará as possibilidades de uma viagem científica; a TERRA (deformação)
representará os obstáculos epistemológicos a serem vencidos, mesclando
cenários, um “reaprender a aprender”, ainda que o processo seja dolorido;
49
FOGO (transformação) será o representante da combustão da chama, a
mudança desejada, o processo de busca, de envolvimento e de engajamento; e o
AR (reformação) será a metáfora para o tempo do repouso para que um novo
ciclo reinicie, a consideração geral da viagem, a ‘memória, o encantamento e o
reencantamento da pesquisa. Considerando a pesquisa fenomenológica como
um labirinto onde se torna possível a reconstrução da condição humana, a
Cartografia do Imaginário é uma metodologia provocativa, para reinvenções de
caminhos pelo pesquisador, “surgida de maneira despretensiosa com o intuito de
ajudar os participantes do Grupo Pesquisador em Educação Ambiental [GPEA], e
aos poucos foi ganhando novas roupas” (SATO, 2011a).
A terra é o lugar onde os seres humanos constroem os seus sonhos, é onde
germinam suas esperanças, onde crescem a imaginação e a magia, para
florescerem em forma de utopia. Mas essa ligação com a terra pode se
apresentar de forma diferente para cada um, na medida em que há aqueles que a
percebe de maneira dissociada, enquanto outros a percebe como parte
integrante, sua identidade territorial, num sentimento de pertencimento que
reconhece o lugar como parte de sua vida, numa relação que faz dela (a terra) o
“Outro” pulsante em suas veias. Manoel de Barros apresenta este elemento da
natureza de maneira mágica, mostrando a coexistência de todos os seres que
coabitam o cosmo.
Bachelard, bem no início de seu livro A Terra e os Devaneios da Vontade
aborda que as imagens da matéria terrestre “são estáveis e tranquilas [...] traz
experiências positivas, a forma é tão manifesta, tão evidente, tão real, que não se
vê claramente como se pode dar corpo a devaneios relativos à intimidade da
matéria” (BACHELARD, 1991, p.1-2).
Ao buscar estruturar a pesquisa, dar forma a ela, foi possível vivenciar as
palavras de Bachelard toda vez que tentava dar-lhe corpo. A cada aula de
orientação ficava ainda mais perceptível essa minha dificuldade. Mas para o
filósofo da imaginação poética, a imagem literária proporciona a nós a
experiência da criação, e ele acredita “ter a possibilidade, no simples exame das
imagens literárias, de descobrir uma ação eminente da imaginação” (Ibidem,
p.5), mas também a trajetória de uma pesquisa, como salienta Michele Sato
50
(2011), pode ser, “conjugar o verbo pensar no eterno gerúndio, como se fosse
um movimento que não se acaba, e por ser algo em plena construção, é possível
fugir da rigidez do método científico da Modernidade, abrindo miríades de
possibilidades” (IBIDEM, 2011, p.01).
Foi ancorada nessas palavras de Gaston Bachelard e de Michèle Sato, que
partimos para nossa ação de um trajeto para a compreensão da pesquisa
proposta, tentando aos poucos vencer os obstáculos epistemológicos
encontrados nas encruzilhadas dos cenários manoelinos e bachelardianos, ou
seja, na poética em comunhão com a filosofia. Nesse sentido, pretendemos
cartografar o imaginário poético em um processo de pesquisa que busca o fazer
científico, unindo racionalidade à subjetividade, sabendo que isto implicaria um
“reaprender a aprender”, na maioria das vezes, trajetória permeada por
instabilidade já que necessitaria desaprender alguns conceitos tidos como
imutáveis, para reconstruir outras possibilidades de aprendizagens. Como nos
ensina Maffesoli:
É na dor e no sangue que se nasce para a existência. Mas é no
maravilhar-se que é possível, bem ou mal, ir vivendo. É
integrando tudo isso que se saberá ser o menos infiel possível à
efervescência existencial característica da sociabilidade
contemporânea (MAFFESOLI, 2007, p.29).
Assim, a cada momento de estudo, na busca pela compreensão da poesia
surrealista de Manoel de Barros, em diálogo com a via bachelardiana
extremamente amável e paciente na realização do cotidiano e do sensível
(QUILLET, 1977, p.10), nos embrenhávamos pelos caminhos de uma pesquisa
qualitativa, modalidade que leva em consideração os desejos e aptidões dos seres
humanos, a fim de esboçar o contorno de uma Educação Ambiental desenhada
para um mundo existente entre a poética e os elementos da natureza
bachelardianos, sempre na tentativa de um processo de compreensão do
universo poético-humano.
Essa forma de olhar nosso objeto de pesquisa sempre inserido no universo
poético-humano, nos permitiu um processo que, aliando a objetividade à
subjetividade fez-nos compreender a complexidade das inter-relações que nos
51
impulsionam a uma nova ética socioambiental, pautada no cuidado do eu-
outr@16-mundo, afinal, o que vale para o indivíduo é pertinente também ao
coletivo, ao universal.
Foi necessário, em vários momentos de meus estudos, me despir dos
dogmas, das marcas impregnadas, do aprendizado imposto pelo poder
dominante e das verdades instituídas. Para Manoel de Barros a palavra precisa
ser deformada para se mostrar, a este respeito o poeta relata que: "Sempre achei
a linguagem destroncada mais bela do que a comum. A linguagem é a minha
matéria plástica". Ou seja, é com ela que o autor percorreu os seus caminhos,
redesenhando, em seus livros, seu próprio mundo por meio dos quatro
elementos da natureza: Água, Terra, Fogo e Ar . É, por exemplo, segundo
Oliveira (2010), uma linguagem que coaduna com o ciclo das águas do Pantanal
no seu processo mágico de renovação e fertilidade. Este processo renova os
componentes orgânicos da terra pantaneira, dando vida a outros micro-
organismos. O território da pesquisa, quando conduzido pela Cartografia do
Imaginário pretende também ser fértil, em busca da renovação, acreditando que
a Educação Ambiental na perspectiva de uma poética nada aparente em
comunhão com a filosofia da imaginação abre vias para a compreensão da ética
humana. E é neste processo nem sempre aparente das palavras que buscarei
como guardar nas palavras os meus desconcertos (BARROS, 2010, p. 459); pois
compreendo, tal qual Bachelard que:
Pela linguagem poética, ondas de novidade correm sobre a
superfície do ser. E a linguagem traz em si a dialética do aberto
e do fechado. Pelo sentido, ela se fecha; pela expressão poética,
ela se abre [...] na superfície do ser, nessa região em que o ser
quer se manifestar e quer se ocultar, os movimentos de
fechamento e abertura são tão numerosos, tão frequentemente
invertidos, tão carregados de hesitação, que poderíamos
concluir com esta formula; o homem é o ser entreaberto
(BACHELARD, 2003, P.224-225).
16 A simbologia “@” foi utilizada acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero,
para evitar a linguagem sexista e conferir espaços, sociais e biológicos, para os homens e as
mulheres
52
2.2.1 Educação Ambiental poética
Eu queria pegar na semente da
palavra.
Manoel de Barros
A Educação Ambiental por meio do diálogo entre a poética e a filosofia,
quando revisitada pelos contornos da Cartografia do Imaginário, se faz
objetivando a ressignificação das percepções perante o meio, a natureza e a
sociedade. Neste sentido, percorrer a obra literária de Manoel de Barros em
diálogo com a filosofia bachelardiana dos quatro elementos, é fazer-se e falar ao
mundo por meio de palavras, invocando as imagens, os sentidos e os
sentimentos que envolvem a natureza-ser humano, pois tal qual o poeta,
acreditamos que:
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá, mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
Existem nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o cordão de
adivinhar: divinare. Os sabiás divinam.
(BARROS, 2010, p. 341).
A Educação Ambiental prima pelo respeito e consideração às coisas do
mundo, ensinando e aprendendo com os diversos olhares e significados que cada
sociedade atribui ao ambiente. Trata-se de uma postura de aprendizagem que
adota uma estética do reaprender sempre em movimento, que, bem mais que
classificar e nomear busca dar espaço ao encantamento das coisas, sem com isso
se ausentar da responsabilidade com os problemas que afetam o planeta. É neste
sentido que falamos da preocupação da Educação Ambiental, em sua luta por
sociedades sustentáveis, percebendo no espaço socioambiental outras realidades
para além da percepção unilateral de sociedade. E é nesta via que destacamos a
importância de pensarmos o diálogo entre a poética e a filosofia do imaginário
como possibilidade de viver as experiências humanas pela palavra, ao mesmo
53
tempo em que a Educação Ambiental é vislumbrada enquanto possibilidade de
instrumento sociopolítico de extrema importância para as políticas públicas, que
objetivam a promoção da busca por sociedades sustentáveis, no caminho da
contribuição e definição de diretrizes adequadas para o bem viver das
sociedades.
O espírito de luta da Educação Ambiental presente neste trabalho, por um
lado é um espírito de luta conduzido pelas vias do devaneio, pois em meio à
fragilidade observada mediante sensações, sonhos e expectativas, ainda é
possível registrar uma polifonia de sentidos que se despertam e se harmonizam
(BACHELARD, 2001), em busca da ação coletiva. Por outro, é um espírito de
luta surrealista, que se caracteriza pela angústia humana, pela revolta anárquica
contra o estado de coisas impostas pela sociedade, oferecendo a utopia,
afirmando a esperança e o desejo (GOMES, 1995).
A partir de reflexões sobre as utopias da Educação Ambiental,
encontramos no diálogo entre a prosa poética de Manoel de Barros e os
elementos da natureza bachelardianos, uma possível reflexão sobre sociedades
sustentáveis17, mais especificamente em: Agroval (BARROS, 2003a, p.21-23),
assim, ao tentarmos entrelaçar a poesia manoelina aos devaneios bachelardianos,
é possível encontrar os afetos e con-fetos da Educação Ambiental, num olhar
cambiante, coincidente com alguns princípios da fenomenologia no que
concerne a sinestesia presente no mundo.
Na perspectiva da Educação Ambiental, nossa proposição ao estudarmos
o Agroval, é encontrarmos evidência de que o poeta, por meio de uma
linguagem surrealista, mostra-nos a dinâmica do cosmo, mesmo que ali
representado apenas pelo universo pantaneiro, embevecendo-nos com o afazer
incessante da biodiversidade para o equilíbrio do planeta. Neste cenário e,
percebendo o ser humano como pertencente a esse contexto com sua ação
criadora e envolvente, o poeta apresenta alguns princípios éticos que poderiam
subsidiar o nosso olhar sobre o mundo. Nesse sentido, vale destacar que:
17 Esta reflexão resultou em um trabalho aprovado para o X Encontro de Pesquisa em Educação
da ANPED Centro-Oeste, realizado em Uberlândia, julho/2010.
54
Nem todo trabalho torna o homem mais homem. Os regimes
feudais e capitalistas foram e são responsáveis por pesadas cargas
de tarefas que alienam, enervam, embrutecem. O trabalho da
poesia pode também cair sob o peso morto de programas
ideológicos: a arte pela arte, tecnicista; a arte pelo partido,
sectária; a arte para o consumo, mercantil. Não é, por certo,
dessas formas ocas e servis que tratam as páginas precedentes,
mas daquelas em que a ruptura com a percepção cega do
presente levou a palavra a escavar o passado mítico, os
subterrâneos do sonho ou a imagem do futuro (BOSI, p. 226-
227, 2004).
Assim, para uma Educação Ambiental ética, percorremos a poesia
manoelina entrelaçada pela filosofia do imaginário de Bachelard pensando-as
como aliadas para outro olhar acerca do ambiente, pois o poeta pode nos
surpreender quando da leitura de suas palavras sob a perspectiva bachelardiana,
aos nos apresentar valores ético-políticos nas asas incandescentes da linguagem
surreal. Lugares onde é possível repensar as aporias que envolvem o contexto
atual, pois, segundo Zygmunt Bauman (2001), estamos vivendo numa época de
incertezas, na qual tudo está passível de contestação, ou seja, é uma época
dinâmica e que por isso mesmo exige uma reflexão mais acirrada da conjuntura
que nos envolve e, muitas vezes, nos absorve, enredando nossas ideias e
percepções a favor de um sistema desumano e cruel. A esse respeito, o autor
declara que esse é o período da modernidade líquida onde tudo escoa por entre
os dedos, não há mais precisão ou rigidez de formas, pois “no mundo em que
vivemos no limiar do século XXI, as muralhas estão longe de ser sólidas e com
certeza não estão fixadas de uma vez por todas” (BAUMAN, 2003, p.45).
Manoel de Barros, de forma sutil, mas profunda, propõe que olhemos
para outras sociedades presentes no cosmo, que estão aquém do nosso olhar de
seres humanos inseridos em uma sociedade capitalista; onde a busca insana pelo
acúmulo de bens materiais, tolhe-nos a possibilidade de ser mais. A esse respeito
propõe que olhemos para “[...] os indícios de ínfimas sociedades. Os liames
primordiais entre paredes e lesmas. Também os germes das primeiras ideias de
uma convivência entre lagartos e pedras” (BARROS, 2003, p. 22), assim, o poeta
nos reporta à necessidade de voltarmos o olhar sobre as pequenas coisas que
também compartilha do cosmo, a fim de aguçarmos o lado sensível que coexiste
55
em nós, seres humanos. Pois, a falta de sensibilidade diante das coisas, talvez
advinda do individualismo alimentado pela sociedade capitalista, nos impede de
enxergar além da viseira que nos foi doada pelo sistema no qual estamos
imbuídos e, consequentemente, de construirmos inéditos viáveis, propostos pelo
exímio educador Paulo Freire (1996).
Durante o trajeto da pesquisa, procuramos compreender como a
linguagem inovadora da poética manoelina, não seguidora da norma padrão da
língua, em diálogo com a filosofia do imaginário de Bachelard, que rompe com a
racionalidade, poderia nos incitar a olhar o mundo como possibilidade de
reconstrução, de superação de dogmas e de verdades (in)contestáveis. Vale
destacar que essa deturpação das normas, pode talvez, ser compreendida por
meio do prefixo de negação, que em Manoel de Barros, muitas vezes, ao invés
de negar, reforça a raiz da palavra. Desse modo, o poeta declara em entrevista à
TV Futura (2009), ser apaixonado por agramática, ou seja, a linguagem
destituída de paradigmas. Compreendemos, desta maneira, que as regras muitas
vezes encobertam o sentido polissêmico da linguagem. Nesse viés, “as formas
estranhas pelas quais o poético sobrevive em um meio hostil ou surdo, não
constituem o ser da poesia, mas apenas o seu modo historicamente possível de
existir no interior do processo capitalista” (BOSI, 2004, p.165). Deste modo é
que percebemos a Literatura poética de Manoel de Barros, aquela que por meio
da negação do já (im)posto reconstrói e ressignifica o mundo. Candido (1995)
salienta que:
A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e
combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente
os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura
sancionada como a literatura proscrita, a que os poderes
sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado
de coisas predominantes (CANDIDO, 1995, p.243).
Ao abordar literatura, Candido ressalta que a respeito do termo entende
todas as criações de toque poético. Assim, Manoel de Barros por meio de uma
linguagem literária que propõe uma fissura nos valores que o ser humano detém
sobre o mundo, nos afeta os sentidos, pois deixa-nos entrever que a
56
desigualdade do mundo, muitas vezes, é alicerçada pelas normas oficiais. A esse
respeito, Candido salienta que:
A organização da sociedade pode restringir ou ampliar a fruição
deste bem humanizador. O que há de grave numa sociedade
como a brasileira é que ela mantém com a maior dureza a
estratificação das possibilidades, tratando como se fossem
compreensíveis muitos bens materiais e espirituais que são
incompreensíveis. Em nossa sociedade há fruição segundo as
classes (CANDIDO, 1995, p. 259).
Nesse viés, vale ressaltar que o autor traz a dialética entre os vários
movimentos do saber, acreditando que o diálogo e a reflexão são necessários
para compreendermos as aporias do mundo contemporâneo, em prol de um
mundo com mais justiça social e humana. Por isso, a luta da Educação Ambiental
no que tange a busca por sociedades sustentáveis se alicerça na percepção de
que, embora sejam relevantes as discussões sobre desenvolvimento sustentável,
devemos focá-las, principalmente, no re-conhecimento de outras vidas existentes,
da superação de um olhar alienado que acredita no bem estar do ser humano,
apenas arquitetado na primazia do capitalismo. A procura insana por melhores
condições econômicas deturpa a compreensão de sociedades sustentáveis, pois
não considera a intervenção destrutiva ao ambiente natural, e por sua vez,
contribui significativamente para o aniquilamento dos seres humanos,
principalmente aqueles que vivem em comunidades biorregionais18.
Com esta percepção de inclusão de ser humano/mundo, no respeito e
acolhimento dos diferentes, acreditamos que a produção poética, com sua
licença para o sonho e para o devaneio subsidia a Educação Ambiental na sua
utopia por um mundo mais justo, de igualdade social, ambiental e humana. A
linguagem surrealista de Manoel de Barros, centrada nos princípios de
deformação para a reconstrução de um mundo novo, nos incita a reaprender os
caminhos, nos despindo das normas, principalmente, ao olharmos sobre o
mundo, com todos os seus conflitos e idiossincrasias. Manoel de Barros, em sua
18 São consideradas Comunidades Biorregionais aquelas comunidades pequenas e relativamente
isoladas, com seus modos de vida e culturas particulares e em extrema dependência com os
ciclos naturais, apresentando, entre outras características, simbologias e mitos vinculados ao
ambiente.
57
poesia criadora, nos mostra que o “uni-verso”, muitas vezes, pode ser percebido
como “multi-verso”, principalmente quando nos pautamos na compreensão de
sociedades sustentáveis. As vias íngremes de sua poesia nos provoca, mostrando
que há uma multiplicidade de linguagens no mundo, que não é evidenciada pelo
ser humano e que, portanto, perpassam os princípios de regras estáticas e
insuperáveis. Assim, com a linguagem de Manoel de Barros, é possível passarmos
por um processo de deformação que nos instiga à metamorfose, pois nos
convida a perceber a sinestesia presente nas coisas ínfimas.
Durante a pesquisa, ao visitar e revisitar o Agroval de Manoel de Barros,
foi possível ver por meio da justaposição de palavras, a troca mútua entre as
coisas do chão, evidenciando a generosidade da natureza no seu processo de
recomposição. Considerando o significado das palavras justapostas19 pelo autor,
ele nos reporta a um universo que em primeira instância, e considerando a
perspectiva racional, seria impossível de alimentar vidas, no entanto, ele
reconstrói o nosso olhar sobre esse espaço, nutre os desejos de seres humanos
com ânsia por um mundo mais solidário e justo. Por intermédio da
transmudação do ambiente pantaneiro, o autor nos permite algumas reflexões
sobre as leis do comércio, com base em um princípio ético-político que é
também assegurado pela Educação Ambiental que prima por sociedades
sustentáveis. A esse respeito declara o poeta: “[...] Penso na troca de favores que
se estabelece; no mutualismo; no amparo que as espécies se dão. Nas descargas
de ajudas; no equilíbrio que ali se completa entre os rascunhos de vida dos seres
minúsculos” (BARROS, 2003, p. 22).
Em nosso estudo dos quatro elementos da natureza de Bachelard,
constatamos que o filósofo consagra às imagens poéticas da Agua, do Fogo e do
Ar, uma característica de serem hostis, já que cada um em sua forma é fugidio.
Zygmunt Bauman utiliza a metáfora da liquidez para se referir ao sentido de
movimento da pós-modernidade:
19 Agro = Adj. Ácido, azedo, acre. Íngreme, escabroso. Fig. Árduo, difícil: agro sofrer. Rigoroso,
excessivamente penoso: agro castigo. http://www.dicio.com.br/agro/
Val = S.m. Vale. http://www.habbo.com.br/groups/1368/id/discussions/314252/id/page/2
58
Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma
com facilidade [...] Enquanto os sólidos têm dimensões especiais
claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a
significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou
tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer
forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la
(BAUMAN, 2001, p.8).
No estudo da matéria terrestre, dividida em mole e dura, Bachelard
aborda ter esta a característica de ser estável, diferentemente dos outros três
elementos. Mas o filósofo nos mostra em seus escritos uma particularidade do
elemento Terra que “com efeito, ao contrario os outros três elementos, tem
como primeira característica uma resistência” (BACHELARD, 1991, p.8). No
contexto do que entendemos por resistência em Educação Ambiental, vale
destacar que ao concebermo-la no cerne de uma sociedade excludente e
coadunarmos com um processo de desenvolvimento sustentável que impera a
favor da classe burguesa, buscamos resistir, pois estaríamos ferindo o princípio
ético-político do ser humano ao considerarmos os moldes tradicionais, o que
emerge da luta insana do comércio é o individualismo. Fator que contraria o
processo de humanização descrito por Candido (1995), que segundo ele é
necessário percebermos o movimento complementar entre objetividade e
subjetividade, pois este é:
O processo que confirma no homem aqueles traços que
reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição
do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento
das emoções, a capacidade para penetrar nos problemas da
vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do
mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve
em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna
mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade e o
semelhante (CANDIDO, 1995, p. 249).
Ancorado nessa abordagem, Candido nos retorna à tríade
merleaupontyana eu-outr@-mundo, incitando-nos a refletir sobre a correlação
de sentidos em busca da (re)construção de uma nova sociedade. Desta forma,
acreditamos que Manoel de Barros nos provoca a essa reflexão tomando como
59
cenário o ambiente pantaneiro e suas diferentes formas de vida, a fim de nos
mostrar que é possível articular um mundo mais ético centrado na diversidade,
onde os conflitos e diferenças podem ser aliados na construção e reconstrução
do mundo, o que nos alerta para o fato de não ser possível pensar a sociedade
de maneira homogênea. Para tal, o autor incita-nos a perceber que as diferenças
de saberes são complementares e que, portanto, são responsáveis pela
vivacidade da dinâmica do ambiente.
Penso num comércio de frisos e de asas, de sucos de sêmen e de pólen, de mudas
de escamas, de pus e de sementes. Um comércio de cios e cantos virtuais; de
gomas e de lêndeas; de cheiro de íncolas e de rios cortados. Comércio de
pequenas jias e suas conas redondas. Inacabados orifícios de tênias implumes.
Um comércio corcunda de armaus e de traças; de folhas recolhidas por formigas;
de orelhas de pau ainda em larva. Comercio de hermafroditas de instintos
adesivos. As veias rasgadas de um escuro besouro. O sapo rejeitando sua infame
cauda. Um comércio de anéis de escorpiões e sementes de peixe.
(BARROS, 2003, p.2).
Com a experiência do Agroval manoelino, procuramos a possibilidade da
percepção de um processo que nos servisse de “combustível” para a pesquisa, o
mesmo processo de chuva e seca que o poeta evidencia magicamente para a
perpetuação da vida no Pantanal: “[...] quando as águas encurtam nos brejos, a
arraia escolhe uma terra propícia, pousa sobre ela como um disco, abre com as
suas asas uma cama, faz chão úbere por baixo - e se enterra” (BARROS, 2003,
p.21). E completa sua proposição:
E ao cabo de três meses de trocas e infusões – a chuva começa a descer. E a
arraia vai levantar-se. Seu corpo deu sangue e bebeu. Na carne ainda está
embutido o fedor de um carrapato de novo ela caminha para os brejos refertos.
Girinos pretos de rabinhos e olhos de feto fugiram do grande útero, e agora já
fervem nas águas das chuvas.
(BARROS, 2003, p. 23).
O poeta chama os elementos da natureza para efetivar a espiral
dinâmica do universo pantaneiro, onde a vida pode ser compreendida na
versão sublime do planeta, onde cada um realiza empréstimo para que o
outro possa continuar a viver, sem cobranças, apenas fazendo girar a roda
60
do mundo. Nesse contexto, Manoel de Barros nos apresenta as asas da
arraia, que segundo ele parece uma roda de carreta adernada, onde é
possível vislumbrar o mundo. Assim, se o ser humano compreendesse a
amplitude contida nas coisas ínfimas poderia, quem sabe, delinear o esboço
de uma nova concepção de mundo. Este, alicerçado no princípio da
amorosidade onde a educação emancipadora proposta por Freire20
teria o
lugar supremo, pois “precisamos de algo para ressoar dentro de nós, que
reflita aquilo que somos e dialogue com o mundo em que vivemos. E o
mundo não é. Ele está sendo”. Encontramos na obra de Bachelard
princípios que coadunam com Freire quando ressalta que:
A profundeza do ser pela poesia tem uma marca
fenomenológica que não engana. A exuberância e a
profundidade de um poema são sempre fenômenos do
par ressonância-repercussão. É como se, com sua
exuberância, o poeta reanimasse profundezas em nosso
ser (BACHELARD, 2005: p.7)
O Agroval manoelino, segundo a nossa compreensão, pode representar a
luta da Educação Ambiental, que mesmo sufocada pelo poder neoliberal, tem a
utopia de envolver as vidas e não vidas do mundo, no processo dinâmico e
acolhedor da liberdade e da emancipação. Ao buscar caminhos que rompem
com o tradicionalismo, muitas vezes poderemos nos encontrar num vale
profundo de amarguras, onde o trajeto se faz excessivamente penoso. Porém,
são passos que nos instigam e nos lançam para o novo, tal qual a poesia
manoelina, em um processo incessante de redescoberta e recriação de caminhos.
Portanto, não visualiza essas passagens como punição ou com amargor, mas
como um processo necessário de quem luta por um mundo menos desigual, pois:
Há conflito entre a ideia convencional de uma literatura que
eleva e edifica, segundo os padrões oficiais, e a poderosa força
indiscriminada de iniciação na vida, com uma variedade
complexidade de nem sempre desejada pelos educadores. Ela
não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente
20 http://portal.mec.gov.br/secad/CNIJMA/arquivos/educacao_ambiental/caracol.pdf
61
em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal,
humaniza em sentido profundo, porque faz viver (CANDIDO,
1995, p. 244).
Enfim, acreditamos que as asas da arraia manoelina, nos apresentada em
Agroval pode servir de vislumbre às utopias da Educação Ambiental ou vice-
versa, pois o conhecimento é uma via de mão dupla, na qual o sonho de um
mundo que acolhe os diferentes pode movimentar os princípios ético-político da
solidariedade, centrados não na harmonia, mas na diversidade que acolhe e
amplia os saberes, sabores e sonhos por sociedades sustentáveis.
Nossa pesquisa caminha para uma Educação Ambiental nas vias de uma
poética em comunhão com a filosofia, na ânsia de contribuir para as percepções
de outras realidades que integram o ambiente, fazendo-nos refletir sobre a
necessidade de voltarmos o olhar para o outro, com respeito a todas as suas
limitações, seus sonhos e esperanças, pois:
É necessário vencer o medo do abismo e arriscar-se a sentir o
aroma da flor, porque o mundo também precisa de
panfletários, poetas e loucos que não abandonem a causa
ecologista para que a Terra continue habitável para todas as
formas de vida dependentes de seus elementos circundantes
(SATO; PASSOS, 2003, p. 23).
Entendemos que as trilhas utópicas e sensíveis da poética nos
transportam e nos impulsiona a projetar nossas esperanças no reconhecimento
do dever de respeito e de cuidado com o outro, com o mundo, pois somos
apenas parte de um todo, dentre os muitos outros elementos que coabitam o
cosmo. Assim, quem sabe os caminhos se tornem mais suaves para a
possibilidade de percebermos a essência e a grandiosidade contida nas coisas
simples apresentadas por Manoel de Barros, e que embora, muitas vezes, não
necessitem do ser humano para existir, são responsáveis por sua existência.
Com esta proposição e, também inseridas nesta luta, é que procuramos
trazer uma Educação Ambiental sensível, construída a partir do diálogo entre a
poética de Manoel de Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston
Bachelard.
62
2.2.2 Manoel de Barros e Gastón Bachelard: outros mundos possíveis
[...] porque a maneira de reduzir o
isolado que somos dentro de nós
mesmos, rodeados de distâncias e
lembranças, é botando enchimento nas
palavras. É botando apelidos, contando
lorotas. É, enfim, através das vadias
palavras, ir alargando os nossos limites.
Manoel de Barros
Ao promover o encontro dos dois autores, queremos aqui discorrer sobre
alguns conceitos da poética surrealista de Manoel de Barros e da fenomenologia
do imaginário de Gaston Bachelard, intencionando realçar neste entrelaçamento
a possibilidade de ruptura com o modelo de sociedade atual, pois ambos nos
apresentam uma linguagem que delineia outras sociedades possíveis atreladas ao
mundo-vida-devaneio. Os autores nos possibilitam a compreensão de que por
meio das coisas da natureza é possível associarmos conhecimentos que, até
então, eram expressos como dissociáveis. Acreditamos, no entanto, que para
compreendermos tais possibilidades temos que nos abrir não para o
conhecimento, mas para o desconhecimento das coisas.
O diálogo se estrutura ainda, na percepção fenomenológica de que ambos
não acreditam que precisamos ter apenas um ponto de vista sobre o mundo,
mas que os sentidos possíveis são muitos e podem variar de acordo com o lugar
e o espaço que ocupamos no mundo e na natureza. Ou seja, a vida humana
‘compreende’ não apenas um ambiente definido, mas uma infinidade de
ambientes possíveis na emaranhada rede do cosmo (MERLEAU-PONTY, 1999).
Ambos consideram que o sensível, como discorre Merleau-Ponty, se
aprende pelos sentidos, pois delineiam suas trajetórias humanas centradas nas
múltiplas funções dos elementos sensoriais, por meio destes, tanto Manoel de
Barros quanto Gaston Bachelard expõem suas subjetividades, mostram que o ser
humano ao mesmo tempo é uno e também múltiplo. Nesta perspectiva, ser
humano-mundo torna-se inseparável e, portanto, subjetivo, destruindo assim a
visão linear e objetiva.
63
É possível observar nos autores que os sentidos incitam as coisas a dizer,
eles interrogam as coisas e estas os respondem. Esta afirmação, ancorada nas
percepções merleaupontyanas, é observada em Manoel de Barros quando
“[...]nas fendas do insignificante ele procura grãos de sol” (BARROS, 2010, p.
177), o poeta por meio da sinestesia suga e é sugado pelos sentidos das coisas, o
que ocorre também em Bachelard, quando indaga os elementos da natureza
para compreendê-los e ser compreendido por eles. Sujeito e mundo se
apresentam abertos e indefinidos, onde “todo saber se instala nos horizontes
abertos pela percepção” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 280).
Tanto Bachelard quanto Manoel de Barros, na nossa percepção, assumem
potencialmente a função do olhar, pois se misturam às coisas para
compreenderem-se, nesta ação as coisas dialogam com eles e se mostram. Eles
assumem o lugar delas, sendo-as para ver, assim, elas se mostram sob diferentes
ângulos. A comunhão com a natureza é vista num movimento que projeta as
esperanças da Educação Ambiental, pois vislumbra a possibilidade de
percebermos que no mundo vivemos em sociedades.
Ao apresentarem a ambiguidade do universo, os autores enfatizam que a
visão homogênea do mundo apaga as diferenças, na tentativa de impor ao ser
humano a falsa ideia de igualdade que anula as subjetividades humanas e declara
uma sociedade única e imutável. Os mundos possíveis vislumbrados pelos
autores trazem, ao contrário, uma percepção de que ao considerar as diferenças
são aceitáveis outros horizontes, os quais denotam que a oscilação entre os seres
humanos faz parte da mágica do universo, e são com essas diferenças que ambos
tecem suas subjetividades. Como discorre o poeta ele tem “[...] gosto por ir por
reentrâncias baixa em rachaduras de paredes por frinchas, por gretas – com
lascívia de hera” (BARROS, 2010, p.261).
A palavra manoelina em diálogo com as percepções de Gaston Bachelard,
pelo olhar da Cartografia do Imaginário, reforça a utopia da Educação
Ambiental de que o ser humano precisa desaprender, no sentido de que ambas
retratam uma percepção sensível do mundo, destituída de verdades universais.
Nelas, natureza e ser humano passam por um processo constante de se fazer e se
desfazer, e a este (re)fazer está atrelada a compreensão de que devemos ousar
64
para ver e sentir outros mundos. “Quando um sonhador reconstrói o mundo a
partir de um objeto que ele encanta com seus cuidados, convencemo-nos de que
tudo é germe na vida de um poeta” (BACHELARD, 2005, p.82).
A natureza exposta pelo olhar e sentir desses dois autores ressignificam
nosso estar no mundo, pois traz intrínseca a ela, fazendo uso do prefixo
recorrente na poesia manoelina, os desvalores (grifo nosso) do universo. Manoel
de Barros e Gaston Bachelard brincam consigo mesmos, se movimentam a fim de
mostrar o avesso das coisas instituídas. O prefixo des-, tem seu uso habitual na
linguagem como elemento negativo, mas na poética manoelina sua função é a
de dar outro sentido, outras definições ou funções aos objetos, outra utilidade.
Assim, desvalor se opõe a valor, numa crítica ao modelo de sociedade
consumista, e a partir do prefixo des-, perde seu significado inicial para dar
intensidade ao objeto valorado. Assim como desaprender “seria assim um modo
de esquecer os saberes racionais, para abrir-se ao irracional, um irracional
legitimado” (HEYRAUD, 2010, p.144).
Estas brincadeiras trazem à tona a séria problemática do mundo que se
deixou guiar por uma sociedade desumana e excludente, incitando a volta de
outros valores, que por serem imperceptíveis aos olhos viciados pelas cifras do
capitalismo deixaram de existir e/ou encontram-se escondidos na consciência
humana. A possibilidade de ruptura, de transgressão com esta barreira imposta
pela sociedade atual pode ser, portanto, a esperança de que o mundo se torne
justo e igualitário, afinal “guiado pelo poeta, o sonhador, deslocando o rosto,
renova o seu mundo” (BACHELARD, 2005, p. 165).
A pesquisa em Educação Ambiental está intrinsicamente ligada ao
contexto humano e segundo Bachelard (1991) do contexto humano não se
exclui o devaneio. Desde o momento em que nos propomos um estudo aliando
ciência e filosofia, o cuidado e o compromisso têm-nos permeado, pois em meio
a uma caminhada que se apresentava labiríntica, não foi fácil encontrar
caminhos que não fossem movediços. Manoel de Barros com sua poesia
surrealista corrompe a racionalidade em favor da sensibilidade. Dessa forma, os
elementos de sua poética se rompem com o mundo convencional,
65
apresentando-se como elementos de um outro mundo, possibilitando a
percepção de outros mundos possíveis, de um multiverso.
O Surrealismo, ao se desvencilhar da lógica pré-estabelecida, nos dá
suporte para pensarmos na possibilidade da razão se inclinar ante a imaginação,
abrindo caminhos para uma pesquisa em Educação Ambiental nas sendas da
sensibilidade. Bachelard, em seu estudo sobre o espírito científico, diz:
Quem diz razão, não diz lógica pura [...] e ainda ‘Juntos,
vamos acabar com o orgulho das certezas gerais e com a
cupidez das certezas particulares. Preparemo-nos mutuamente a
esse ascetismo intelectual que extingue todas as intuições. que
torna mais lentos os prelúdios, que não sucumbe aos
pressentimentos intelectuais. E murmuremos, por nossa vez,
dispostos para a vida intelectual: erro, não és um mal’
(BACHELARD, 1991, p.257).
O espaço possível para a pesquisa, a partir de então, embrenha-se nos
caminhos da imagem poética, objetivando desconectar-se da realidade fixa,
imutável, de um mundo exigente por racionalidade desvinculada à
subjetividade, dessa forma nossa realidade visa se transformar em algo novo,
poético.
Manoel de Barros se expressa em suas palavras como um ser inacabado,
aberto às transformações, nesse sentido as abordagens da pesquisa sobre poética
surrealista manoelina busca fortalecer o processo inacabado em que se encontra
o ser humano, e o processo de eterna renovação do ambiente, como visto no
poema Agroval. Nesse sentido, encontramos na solidez da matéria terrestre
bachelardiana, a abordagem de Zygmunt Bauman (2001) sobre o fato de que a
modernidade sólida ancorada nos moldes neoliberais não é capaz de
compreender as ambiguidades do mundo, cedendo espaço para a modernidade
líquida que leva em conta as subjetividades do sujeito.
Em Gaston Bachelard e Manoel de Barros, compreendemos que uma
nova ótica do universo é construída. Nestes a ciência encontra-se de mãos dadas
com a poética, ambas fazem girar a espiral do mundo, onde a subjetividade e a
objetividade encontram amparo legal. Em ambos encontramos a potencialidade
da linguagem em abrir caminhos para um novo existir, isto é, eles projetam
66
novas paisagens aos pensamentos e aos devaneios, estes se conciliam com a
Educação Ambiental ao perceber que o mundo é um mosaico de cores que se
encontra sempre aberto ao eu e ao outro.
Enfim, talvez possa ser ousadia de pesquisadora, mas Manoel de Barros e
Gaston Bachelard, de mãos dadas, um mato-grossense e outro francês, mesmo
separados por décadas e por milhares quilômetros de distância, faz-nos crer que
o improvável talvez possa acontecer, pois a teoria-poética de ambos se encontra
com a esperança utópica da Educação Ambiental que embora sendo de luta não
fica alheia às bonitezas do mundo, afinal, “livre, livre é quem não tem rumo”
(BARROS, 2010, p. 457).
67
68
3.1 FOGO EPISTEMOLÓGICO
O ser fascinado ouve o apelo da
fogueira. Para ele, a destruição é mais do
que uma mudança, é uma renovação.
Gaston Bachelard
Sob a perspectiva qualitativa, apresentamos uma pesquisa de cunho
bibliográfico, com a Cartografia do Imaginário (SATO, 2011) nos conduzindo
metodologicamente, a fim de construirmos os caminhos epistemológicos da
investigação. Consideramos os elementos bachelardianos como substratos
fenomenológicos para o trabalho investigativo: a Água compreendida como
formação, a Terra enfatizando a deformação, o Fogo evidenciando a
transformação e o Ar almejando a renovação. Estes elementos vistos sobre as
perspectivas supracitadas são delineados em conversação com as poesias do
mato-grossense Manoel de Barros.
A pesquisa delineada pela Cartografia do Imaginário nos permitiu
devaneios que nos ajudaram a sair do casulo que nos envolveu a cultura
ocidental, a qual impôs a sua vontade e direito, nos impedindo de sermos mais
humanos, já que esta contribuiu fortemente para que neguemos o direito do
outro, declarando como nossa a sua verdade universal, tornando a palavra do
opressor legítima, incontestável e, portanto, imprimindo em nós e no outro a
sua ideologia. No processo sócio, histórico e cultural os seres humanos se
constituíram como seres de linguagens, elemento que deveriam humanizá-los, no
entanto, no cerne desse sistema em que vivemos, a linguagem tem servido como
como arma violenta do opressor, pois permitindo as diversas relações e diálogos,
alicerçados na condição desumana de que a palavra do opressor é um fato
natural e determinado, estas se revestem de outros significados e corrompem o
que o ser humano tem de mais nobre, a capacidade estética e ética de sonhar
esperançosamente (SOUZA, 2001, p.34).
Linguagem não como uma cadeia de representação simbólica (sons,
palavras, gestos) conforme muitos dos estudos desenvolvidos sobre o discurso
verbal, mas como um sistema compreendido num todo, desde o princípio
69
quando usada pelo ser humano primitivo até a subversão do descomeço
manoelino, quando ele destronca a linguagem para fazer dela sua matéria
plástica (BARROS apud LOPES, 2009). Uma linguagem que subverte o curso da
língua, pois comparada ao ciclo das águas pantaneiras, um ciclo de fugas e de
encontros, indo e vindo, se fazendo e se desfazendo.
O Desvelo
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.
(BARROS, 1994, p.17)
Manoel de Barros nos apresenta uma linguagem que supera a função
instrumental de comunicar em prol de uma linguagem que nos apresenta
múltiplos sentidos na relação ser humano-mundo, na medida em que possibilita
uma experiência que ultrapassa os limites da comunicação como sendo um mero
produto de alienação e opressão. A linguagem manoelina nos apresenta ainda
uma experiência humanizadora com as coisas e com o mundo, e das mais
profundas e variadas formas, trazendo-nos a esperança de que por meio dela o
ser humano possa se ver novamente comprometido com a ética necessária para
o enfrentamento das questões ambientais.
70
Nossa opção pela abordagem qualitativa se deu na perspectiva de que
existe esta relação dinâmica entre mundo-ser humano, portanto, uma analogia
cósmica e inseparável entre objetividade-subjetividade que nos permitiu um ir,
um vir e um devir na essência da poética manoelina. Nosso objeto, portanto,
contribuiu para que fosse possível legitimar tal conexão a partir não só de nossas
vivências, como também de nossos devaneios. A poesia manoelina e a filosofia
bachelardiana dialogam com as utopias dos pesquisadores em Educação
Ambiental, ao endossarem a transcendência de valores e não apenas de
nomenclaturas como, muitas vezes, sugere a sociedade capitalista, a qual tenta
sufocar os gritos em prol de um mundo mais justo.
A pesquisa qualitativa, segundo Ludke e André (1988, p.3), apresenta
em seu bojo, “a carga de valores, preferências, interesses e princípios que
orientam o pesquisador”, é, portanto, inserida nas complexidades trazidas por
estes elementos que acreditamos termos delineado as percepções sobre a
presença dos delírios verbais presentes no diálogo entre a poética do mato-
grossense Manoel de Barros e a fenomenologia do imaginário de Gaston
Bachelard, nas linhas nem sempre visíveis da Cartografia do Imaginário.
Vale abordar que esta possibilidade de pesquisa científica foi construída
e desconstruída durante a trajetória dos estudos, pois foi inevitável passar pelas
ciências do imaginário, descritas neste trabalho, sem sofrer as influências do
fenômeno do conhecimento epistemológico. Isto significa admitir a nossa
ignorância ao pensar que o projeto inicial viesse a ser a caminhada retilínea da
nossa investigação. Contrariamente, foi necessário, por muitas vezes, desconstruir
para nos afirmar, ou seja, nos submeter à complexa teia do fenômeno da poesia
que nos apontou para outras direções, por vezes, caminhando por trilhas
movediças.
Assim, ao primar pela metodologia qualitativa, tendo como objeto-
sujeito a poesia de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston
Bachelard, cremos que há a possibilidade de mostrar, por meio dos quatro
elementos bachelardianos da natureza, que o mundo é uma construção histórica
e, enquanto tal está sempre aberto a possibilidades, ainda mais se nos
considerarmos como seres abertos a aprendizagens, que primam pelo real
71
sentido da palavra liberdade, onde esta se encontra destituída da negação do
direito de ser mais. Ao trazermos os elementos da natureza para esta caminhada
queremos ainda suscitar a movimentação do mundo, no sentido de que as coisas
não são estáticas como sempre nos foram apresentadas, mas que estão sempre
em consonância com a movimentação do mundo e estas também giram a
procura de novas significações. Portanto, de acordo com Souza (2001):
Lutar por uma nova sociedade, por meio da denúncia e do
anúncio profético, é tarefa que cabe a nós, mulheres e homens,
que não aceitamos o fim dos sonhos, da utopia, da esperança,
que acreditamos que a mudança do mundo e do ser humano é
condição para a humanização. Esta só se faz na e por meio da
ação cultural para a liberdade (SOUZA, 2001, p. 132).
A Educação Ambiental nesta perspectiva, também acredita que os
vínculos de amorosidade com as coisas podem contribuir para que
ressignifiquemos os nossos olhares, princípios que podem ser gerados pela
sensibilidade em percebermos a nossa pequenez diante da gigantesca rede de
relações e inter-comunicações. Portanto, como discorre Sato e Passos (2008):
Não há conflito de identidade que não se resolva na saída do
ser que sou – ser para si – no ser que posso me constituir – ser
para o outro. Aliás, é o outro que me redime; seja de não ter
tido nenhuma consciência anterior à sua emergência, seja da
existência na medida em que me recusasse a abrir-me para a
aventura que todos-os –outros-eus representam para mim
(SATO; PASSOS, 2008, p. 27).
É nessa entrega em comunhão que compreendemos a poesia como
possibilidade de um antídoto contra a percepção estagnada das coisas, pois elas
nos sucumbem, nos tira do lugar comum, porque ao mesmo tempo em que ela
exige a minha subjetividade, singularidade diante das outras coisas, ela também
me mostra a minha não identidade sem o outro, é um nunca ser todos, mas ao
mesmo tempo nunca ser eu sem o todo.
Quanto à solicitação ao diálogo entre o poeta e o filósofo para fazer
parte de nossas argumentações, faz-se compreensível porque acreditamos que em
pesquisa científica também é possível a comunhão entre ciência e poesia, pois
72
conforme fomos dialogando com nossas ignorãças em busca de respostas às
nossas proposições no objeto investigativo, vislumbrávamos a incompletude
humana. Porém, mesmo sabedora de que são utopias, este saber ainda não nos
torna desesperançosa, pois acreditamos tal qual o poeta, que são elas, as utopias,
quem nos permite fazer girar a espiral do mundo.
Assim, embora a dimensão social da pesquisa não esteja aparente,
queremos evidenciá-la, como também a dimensão ambiental de cunho
fenomenológico que, por sua vez, encontra-se entrelaçada à primeira.
Mergulhados que estamos, seres humanos, sempre nas águas correntes da vida
em sociedades, buscamos por meio desta pesquisa um saber ético e humano
construído na e pela poesia em diálogo com a filosofia. Esta ousadia advém da
compreensão de que as nossas realidades, ao estarem submersas em competições,
interesses individuais, ambições e vaidades, poda-nos os direitos pelos quais
tanto lutamos: a emancipação e a liberdade.
Ao nos permitir a travessia pelas vias de uma Educação Ambiental cujo
olhar se fez na perspectiva da Cartografia do Imaginário, foi possível perceber no
fluxo dos elementos da natureza uma relação intrínseca com os valores
humanos. Assim, atentando às complexidades do nosso objeto/sujeito de
pesquisa, ou seja, Manoel de Barros e Gaston Bachelard, fomos percebendo que
as ciências e as poesias poderiam dialogar e nos trazer algumas compreensões
sobre o fenômeno dinâmico das vidas e não vidas presentes no cosmo. Por isso,
acreditávamos que bastava essa descoberta para definirmos o caminho a seguir.
Mero engano! Justamente neste momento é que nos deparamos com a fase mais
desafiadora da nossa trajetória, pois por várias vezes caminhávamos e não
saíamos do lugar, até que após muitas reflexões e orientações, compreendemos
que pesquisa também se faz nos (des)encontros. Neste contexto, fomos aos
poucos nos permitindo ser invadidas pela essência da poesia manoelina e, assim,
descrevendo nossas linhas no diálogo proposto, sempre desafiada pela
educadora Michele Sato, que nos instiga, pesquisadores sob sua orientação, a
estar sempre em cena, participando ativamente da intricada trama que nos
propomos a construir.
73
Assim, somos instigadas a fazer algumas opções: a nossa, foi a de
contribuir para com um mundo mais justo, igualitário e ético, percebendo a
necessidade de interrogarmos a sociedade em que estamos inseridas. Partindo da
premissa que esta aniquila a emancipação dos seres humanos, que são enredados
na máquina do sistema capitalista, um sistema opressor que nos impedem de
viver nossas liberdades.
Ao descrever estas possibilidades permeamos por entre os territórios e as
identidades movediças que emergem das palavras do poeta e que, muitas vezes,
são percebidas como espaços vazios de significado.
Não que sem significado porque são vazios: È porque não tem
significado, nem se acredita que possam tê-lo, que são vistos
como vazios, melhor seria dizer não vistos. [...] muitos espaços
vazios são de fato, não apenas resíduos inevitáveis, mas
ingredientes necessários de outro processo: o de mapear o
espaço partilhado por muitos usuários diferentes (BAUMANN,
2001, p. 120-121).
O autor enfatiza que no caso dos espaços vazios, as diferenças são
anuladas e ficam invisíveis à sociedade, prevalecendo a homogeneidade e a falsa
harmonia. A exemplo, citamos o caso de Mato Grosso de paisagem exuberante e
rica diversidade ecológica, distribuídas em seus três biomas, Amazônia, Cerrado e
Pantanal, onde existem identidades que estão a mercê do descaso “[...] nos ditos
‘espaços vazios’ [...] ambientes diversos onde coexiste um rico mosaico cultural
de identidades” (SILVA e SATO, 2011).
Contrariando estes espaços, a poesia de Manoel de Barros nos propõe a
ruptura dessa homogeneidade por meio de abertura ao olhar, pois quanto mais
nos tendemos a ela, mais forte e ameaçadora a diferença se apresenta
(BAUMANN, 2001). Este repensar na diversidade proposta pelo poeta se dá
quando este nos incita à coletividade, espaço onde ao ser outros, nos tornamos
eu, ou como ainda discorre Baumann (2001, p. 22), “para que o poder tenha
liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras
fortificadas e barricadas”. Foi, portanto, esta fluidez da poesia que contribuiu
para que derrubássemos algumas de nossas próprias barreiras e nos permitisse
construir o diálogo proposto.
74
Na configuração descrita, aos poucos fomos percebendo que Bachelard,
com seus devaneios nos incentivava a refletir sobre a não neutralidade da
sociedade e seu poder feroz de manipulação e aniquilamento. Portanto, na
possibilidade de dialogarmos com o filósofo e o poeta, por meio da
“intromissão” sugestiva da linguagem, fomos desarranjando nossas verdades
construídas com bases racionais e nos deixando embevecer pelo sentimento
fluido das despalavras manoelinas e dos devaneios bachelardianos, ambos em
movimento unívoco. Neste êxtase de sentidos, fomos ainda percebendo, tal
qual, José Miguel Wisnik (2005), “a experiência decantada que se constitui em
sentimento do mundo”, com o qual podemos compreender que ao sentir as
outras coisas salientadas por Manoel de Barros, era possível sentir que
compreender o outro, é conte-lo e ser contido por ele, no permanente e
incessante movimento que vai além da diferença que separa o eu e o outro
(Wisnik, 2005, p.33).
A poesia em diálogo com as proposições teóricas de Bachelard, nos fez
ainda compreender que a relação entre a poesia e o mundo, embora
indissociável, é ancorada em aproximações e distanciamentos, os quais nos
levam à superação de modelos hegemônicos e excludentes. O que fornece poesia
ao mundo é, portanto, o mergulho em nós mesmos, um perceber de
pertencimento recíproco, onde o eu é apenas mais um ser no mundo, neste
sentido:
O mundo não cabe do real não cabe no concebível. [...]
‘mundo’ é o conjunto total dos conjuntos do mundo e ao
mesmo tempo aquilo que está fora desse junto, porque o que o
define, na época ‘das concepções do mundo’, é o limite da
totalização que o esgota, mas também a sua abertura
inesgotável. Assim, o mundo – cosmos, natureza, história – está
simultaneamente fora e dentro do mundo (WISNIK, 2005, p.
31-32).
É sob o prisma da diversidade de identidades e de conflitos que a
Educação Ambiental busca contribuir com outros olhares sobre o nosso lugar no
mundo, na tentativa de lutar coletivamente em prol de sociedades sustentáveis,
nos incitando a perceber que tanto os conflitos quanto o solo movediço que se
75
encontram no mundo e nas coisas, residem, sobretudo, dentro do ser humano,
pois este e outro são complementares entre si (BRANDAO, 2001).
Neste contexto, foi possível perceber que os elementos da natureza,
abordados por Bachelard poderiam nos ajudar nestas reflexões, já que estes
elementos são vistos pelo filósofo em relação cíclica entre si e entre o ser
humano. Foi então a fecundidade proveniente destas relações, que nos forneceu
os elementos para a copulação entre a poesia manoelina e os quatro elementos
bachelardianos da natureza.
Seguimos as orientações metodológicas da Cartografia do Imaginário,
onde a pesquisa representa uma viagem científica de aprendizagens, de busca
incerta por respostas, e nossa investigação se fez da incerteza, correndo riscos,
aventurando na escolha de meu próprio itinerário (SATO, 2011). Dessa forma,
usando a imaginação e me permitindo a intuição, elegi nomear os capítulos
seguindo a mesma forma estrutural do texto da cartografia. Os elementos,
bachelardianos, Água, Terra, Fogo e Ar, organizados nos títulos dos capítulos,
que seguem o rigor epistemológico da ciência, não tiveram seus sentidos fluindo
linearmente em cada capítulo, muito pelo contrário, eles muitas vezes se
espalharam pelo texto ou se juntaram em todos os capítulos, uma vez que o
objetivo não foi tratar cada elemento separadamente em cada capítulo que lhe
deu o nome, provocando-nos a um repensar a ideia de organização cartesiana
das coisas. Esta proposição explica a retomada de um ou de outro elemento na
trajetória da dissertação. Os capítulos, portanto, evidenciam o elemento, mas
não se sustentam uns sem os outros, pois entre eles há conexões inseparáveis.
Se a metodologia que nos conduziu foi a Cartografia do Imaginário
produzida por Michèle Sato (2011), não conseguimos nos desvencilhar de suas
palavras, pois elas nos orientaram durante todo o percurso, e entendo que a
beleza poética unida à cientificidade da proposição existente nelas já é
justificativa suficiente para estarem repetidamente aqui amparando o descrever
do percurso da pesquisa.
O Fogo é o elemento da transformação, da combustão para a renovação,
para outra concepção de mundo. Como num caldeirão onde ingredientes se
juntam e se misturam para, da particularidade de cada substância à solidariedade
76
na combinação, darem vez à transformação e à apreciação de novos sabores,
retomamos aqui a trajetória da pesquisa, simbolizando o cozimento pelo
elemento fogo, para que no borbulhar da sopa eles se dialoguem e se combinem
em busca do renascimento, que na Educação Ambiental representa o
renascimento de um novo mundo de orientação fenomenológica. Para Rubem
Alves “As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem
não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.” (ALVES, 1999, p.59).
Desta forma, retomamos o primeiro capítulo, que apresenta o objeto da
investigação Manoel de Barros e Gaston Bachelard, avaliando a minha trajetória
identitária enquanto pesquisadora, por meio do elemento água, que por sua vez
percorre toda a produção do poeta Manoel de Barros. Busco trazer ainda o meu
ser no mundo, minha formação e deformação no processo sócio histórico e
cultural, mostrando como aborda Sato (2011, p.550) que “cada etapa de nossas
vidas é um renascer para novas experimentações e sensações” é, portanto, a
possibilidade de nossas “narrativas pessoais, mescladas com um tempo coletivo”.
Desta maneira, me reconhecer possibilitou a percepção de que às vezes deixamos
de nos conhecer, pois deixamos nos levar pela deriva da sociedade, com suas
urgências, esquecendo-nos de viver nossos próprios sonhos.
A poesia manoelina, portanto, nos possibilita este diálogo com nosso eu
mais profundo, pois o poeta nos provoca a pensar sobre quem somos no mundo
e de que jeito estamos atuando nele. Em sua produção ele se permite ser outro
para se compreender “sou um sujeito desacontecido rolando borra abaixo como
bosta de cobra” (BARROS, 2010, p.351) ou em “eu já disse quem sou ele”
(BARROS, 2010, p.353). Ao invés de se conhecer por suas grandezas vistas pela
modernidade, o poeta inverte esta linearidade do ser humano, se
desconhecendo para se conhecer. É, também assim, que procurei narrar minha
biografia ecológica, que permeando por entre minha constituição axiológica
buscou também alguns traçados nas vivências praxiológicas que experimentei
com o mundo, na tentativa de articular alguns desencontros para a minha
construção sempre em vias de fazer-se no campo epistemológico. Pois como
discorre Manoel de Barros, acho que “a minha direção é a pessoa do vento [...]
eu pertenço de andar atoamente” (BARROS, 2010, p. 353).
77
Esta construção biográfica me permitiu encontrar novamente com os
meus desfazeres de criança, reviver os saberes e sabores dos seres humanos com
os quais compartilhei meus espaços, momento em que fui percebendo que o
meu eu tem muito deles e que, portanto, eu não sou eu sem aqueles que
compartilharam comigo da minha história. Neste contexto, trouxe os devaneios
manoelinos, pois, tal qual o processo de renovação permitido pelas águas
pantaneiras, fui compreendendo que também nós, seres humanos, às vezes
precisamos botar enchimentos para nos desconhecer. Penso que é um sair do
deserto para encontrar prazerosos oásis, como discorre Sato (2010). Desta
identidade advém “a gênese do desejo que dará as possibilidades de uma viagem
científica” (SATO, 2011, p.547).
Este início de viagem é como um esboço de um quadro, cujas
primeiras pinceladas revelam as imagens da gênese identidária
na água, com ressonâncias nas experiências pessoais que, após a
viagem, terá a pintura do ar em plena ressonância da situação
investigada por ser uma pintura que carrega as principais
abordagens da pesquisa, deve ser escrita ao final, após ser
cumpridas as etapas seguintes das hipóteses, objetivos,
metodologia, resultados e considerações finais; aqui
simbolizados pela força da água, terra, fogo e ar. A arte do
pesquisador estará no talento em mostrar a viagem com
pequenas mostras significativas como se fossem um convite ao
saboreio na miragem do álbum e na escuta sensível de uma
narrativa ainda em plena construção (SATO, 2011, p.551).
O segundo capítulo percorre a firmeza do elemento terra em busca da
flexibilidade dos sentidos que fluem desse elemento para nos fazer compreender
que o pensamento da modernidade, que tradicionalmente impossibilita a
comunhão entre as ciências e as poesias, pode ser desmascarado pelo movimento
ecologista que acredita na sensibilidade advinda da poética, onde esta corrobora
para com a imanência e a transcendência do ser filosófico da Educação
Ambiental, fazendo-o compreender o “remanso que um riacho faz sob o caule
da manhã” (BARROS, 2010, p. 181). E foi pela perspectiva dessa impossibilidade
de comunhão que se dirigiram nossos questionamentos, apresentando as
hipóteses da investigação.
78
Mundos possíveis no diálogo entre Manoel de Barros e Bachelard são
construídos também neste capítulo, traçando algumas aproximações e
distanciamentos, os quais denotam que a Educação Ambiental, muito mais que
“preocupação com a conservação da diversidade das espécies biológicas, busca
apreender e com-viver com as diferenças culturais da humanidade” (SATO, 2011,
p.552). Manoel de Barros nos possibilita esta compreensão ao trazer para o
diálogo outros seres humanos que são invisibilizados pelo sistema convencional,
suas desimportâncias, como diz o nosso poeta. É o sentido de deformação
advindo do elemento terra, um processo árduo de desaprender para aprender
ou o “reaprender a aprender” que exige de nós um ver para além do olhar
convencional, processo doloroso para vencer os obstáculos epistemológicos em
busca do conhecer o nosso objeto, talvez observado neste processo muito mais
como sujeito. Afinal se o poeta se faz ver pela poesia, talvez valha abordar que
nos deparávamos sempre diante de um objeto-sujeito e/ou vice-versa,
O terceiro capítulo é um caminhar pelo traçado epistemológico que
delimitamos ao nosso percurso, tentando delinear os caminhos e trilhas que
permitiram construir os sentidos, porém, vale frisar que expusemos aqui apenas
alguns traçados, outros ainda ficaram à deriva. Talvez seja o momento de maior
dificuldade o de discorrer sobre a essência das nossas urgências: “...e quando a
palavra toma consciência de si, a atividade humana deve agenciar seus sonhos
pelo da escrita.” (BACHELARD, 2001, p.257).
Buscamos nele registrar o percurso de nossa trajetória, os desvios
necessários para chegarmos perto do nosso objeto, bem como, os autores com
os quais dialogamos e encontramos âncoras para a produção de nossas
inferências, momento de religarmos os conceitos sob o lume epistemológico,
revelar na medida do possível o labirinto, com suas entradas e possíveis saídas.
A metodologia abrange o método, desde que considerando as
etapas investigativas, tendências. Por esta definição, podemos
buscar compreendê-las à luz de conceitos, teorias e
compreender porque a metodologia privilegiada deixa de ser
mera ‘etapa’ e toma dimensões de princípios teóricos da
pesquisa, como é o caso da fenomenologia. Em outras palavras,
a metodologia vai direcionar a caminhar tanto na parte teórica,
como na prática (SATO, 2011, p.555).
79
Além de evidenciar os objetivos é o momento de discorrer sobre as
teorias que deram sustentáculo para a viagem, pois não basta apenas narrar os
procedimentos, precisamos sustentar nossas concepções, bem como, discorrer o
porquê de nossas opções, ou seja, quais foram as concepções teóricas que
consubstanciaram a nossa trajetória.
O quarto capítulo é o registro de nossas considerações sobre o
diálogo entre a poética e a ciência, sobre nossa proposta em aliá-las na
perspectiva de uma Educação Ambiental pela sensibilidade. É onde apresentamos
uma experiência educativa em sala de aula, por meio da poesia, que aliando a
prática à teoria, proporcionou aos alunos a possibilidade de vivenciar a atividade
de forma sensível mas efetiva, em busca da produção do conhecimento.
É portanto nesse capítulo que procuramos revelar nossas descobertas
durante a viagem investigativa, onde os caminhos inaugurais foram nos sendo
apresentadas por entre cores e aromas, por entre texturas e paladares.
É a hora que revela um produto que chega diretamente da
alma, que se abre para o mundo cintilando nossa contribuição
científica sobre os sentidos polissêmicos das viagens. Mas
também é o momento de absorver a crítica e trazer os reflexos
dos espelhos numa viagem centrípeta de nós mesmos. É a hora
das ponderações sobre as dualidades expostas: do direito da
janela ao dever da árvore; e do sair de casa para viagens de
liberdade e do cerrar os trincos pelo lado de dentro no
aprisionamento da aprendizagem. Do compreender o quanto
uma viagem científica é significativa e muda a nós ao mundo
social e científico. Em cada paisagem vista, há desenhos e
memórias de efeito “duplo”. Em outras palavras, quero
parafrasear o surrealista Arthur Rimbaud, e ironizar que é
preciso inverter cenários e acreditar que NÃO é somente nós
que conseguimos olhar a paisagem, pois talvez ela contenha
pedras... “e as pedras olham”. Fenomenologicamente, não há
nenhum trabalho conclusivo (SATO, 2011, p.561).
Estas são as vias delimitadas da nossa dissertação, onde os sentidos se
diluem trazendo miríades de outras possibilidades. O registro de um trabalho
científico necessita de um ‘fechamento’, porém, queremos trazer neste termo os
prefixos de Manoel de Barros des-, pois se trata é de uma abertura a novas
aprendizagens.
80
Afinal, como magistralmente discorre os autores supracitados “somos o
estofo do mesmo mundo e da mesma massa estelar do universo” (SATO;
PASSOS, 2008, p. 27).
3.2 FOGO PRAXIOLÓGICO
O trabalho poético é às vezes acusado de
ignorar ou suspender a práxis. Na
verdade, é uma suspensão momentânea
e, bem pesadas as coisas, uma suspensão
aparente. Projetando na consciência do
leitor, imagens do mundo e do homem
muito mais vivas e reais do que as
forjadas pelas ideologias, o poema
acende o desejo de uma outra existência,
mais livre e mais bela.
Alfredo Bosi
A ciência e a poesia na Educação Ambiental de cunho fenomenológico
apresentam-se como inseparáveis, pois não é possível compreender o elemento
objetivo desconsiderando suas particularidades subjetivas. Nesta proposição
ancora-se toda a trajetória da pesquisa, pois, ao mesmo tempo, que nos
deleitamos com a poesia, buscamos também fortalecer com as proposições
teóricas, que selecionamos a partir de leituras prévias e outras que fizeram parte
nos debates e produções das disciplinas obrigatórias do curso de Mestrado da
UFMT.
Após a definição do objeto de estudo, a poesia de Manoel de Barros e a
filosofia da imaginação de Gaston Bachelard, a segunda etapa seria selecionar as
obras a serem lidas. De Manoel de Barros foi impossível não entrar em contato
novamente com todas, o que não foi difícil considerando o prazer de sua
poética e por também a maioria delas fazer parte do meu universo de obras
particulares. Mas em especial, para a escolha das poesias selecionei os livros:
Poesia completa (2010); Memórias Inventadas - as infâncias de Manoel de Barros
(2010); Livro sobre Nada (2004); Memórias Inventadas: a Infância (2003); Livro
81
de pré-coisas (2003); O Livro das Ignorãças (1994); Poemas concebidos sem
pecado (1999); Gramática Expositiva do Chão - Poesia quase toda (1990).
Também autores estudiosos de sua obra foram visitados, tanto em livros quanto
na internet, onde há uma vasta opção para pesquisa.
No que tange as produções do filósofo Gaston Bachelard, embora já
familiarizada com partes de textos isolados, tive a grata satisfação de aprofundar
meus estudos em livros do autor constante da biblioteca do GPEA, além de
alguns adquiridos por mim, a partir da indicação sábia de minha orientadora.
Dentre as leituras podemos citar: A poética do espaço (2005), A terra e os
devaneios do Repouso (2003), A terra e os devaneios da vontade (1991), O ar e
os sonhos (2001), A psicanálise do fogo (1999), A água e os sonhos (2005).
Também procurei estudar alguns dos princípios teóricos de suas obras anteriores
à filosofia da imaginação, na busca por respostas ao questionamento sobre ser
possível uma aproximação biográfica entre o filosofo e Manoel de Barros, e
foram elas: A Epistemologia (1971); Conhecimento comum e Conhecimento
Científico (1972); Alguns fragmentos do livro Léngagement rationaliste(1972); A
Filosofia do Não & Outros Textos (1973); Novo Espírito Científico (1996); A
formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do
conhecimento (1996).
Em princípio não havia ainda uma definição de escolha das obras dos dois
autores, a trajetória se deu no caminhar por entre as leituras e proposições, o
que foi possível pela percepção democrática do fazer ciência, pois sabemos que
em muitos casos este caminho já traçado não pode ser flexibilizado. A
compreensão da Educação Ambiental na via fenomenológica, enfatizada por
Sato e Passos, (2003), (2006), (2008) também contribuiu significativamente para
que compreendêssemos que seriam devaneios possíveis, para além de outros
autores.
As leituras foram abrindo caminhos por um terreno fértil, para que em
meados do período do curso surgissem os esboços das vias que me conduziriam
ao processo da pesquisa científica, fortalecendo para traçar os descaminhos desta
dissertação.
82
Em nossa trajetória, por entre os nossos desejos de fazer uma pesquisa
bibliográfica no terreno movediço da poesia, por muitas vezes nos deparamos
com o descompasso, com a imprecisão, com a incerteza causada por
burburinhos de que com poesia não se faz ciência, não se explica o mundo. No
entanto, nos reenergizamos porque quem se lança nas águas borbulhantes em
busca de possibilidades jamais teme a pretensão de explicar o mundo, mas de se
deixar fascinar por ele. É um pensar com o coração, que unifica a “racionalidade
na sensação, oferecendo, simultaneamente, o estranhamento ao lado do
maravilhamento” (SATO; PASSOS, 2008, p.19). É Neste fazer, ou melhor, neste
viver, que acreditamos que:
A poética excita e impulsiona a EA para que as ideias e as
emoções, tomando nossa corporeidade, fluam na liberdade do
movimento, banhadas nas luzes e nas sombras das iconografias
e das linguagens de cada ser. A fenomenologia nos envolve e
brada pelo nosso olhar, na verdade um duplo olhar perceptivo:
nas cores da flor que se comunica sensorialmente, percebemos
na pele seu “aroma” que nos penetra quase que
subliminarmente evocando memórias, vivências e saberes.
Arriscamo-nos ao possível machucado de seus espinhos com a
dor expressa pelo vermelho do sangue porque vale a pena ter a
memória desse momento pelas cicatrizes que testemunham
nossa ousadia com jeito de fidelidade. Cicatrizes que se esvaem
com o tempo, ou das quais o corpo insiste em deixar a marca
pelo infinito, como se o tempo coagulasse sem remédios pela
eternidade (SATO; PASSOS, 2008, p.19-20).
Ao trazermos o encontro dessas utopias com a contribuição dos
elementos da natureza, queremos enfatizar, tal qual Fritjof Capra (2006), que há
muitas maneiras de aproximamento com a natureza, que exige um aprender com
sabedoria, compreendendo a sinestesia das coisas do mundo, o vínculo entre ser
humano-natureza, ou seja, quiçá esta fronteira enorme evidenciada pela
sociedade emergente, que na percepção sensível é quase imperceptível, não
exista. Esta é a mágica existente na poesia manoelina, nela o mundo se apresenta
uno e indivisível, apresenta-se, portanto, numa grande conversação e explosão
de saberes. Esta é uma compreensão, no entanto, que exige uma vida inteira,
que ultrapassa fronteiras, onde explicações se tornam desnecessárias. Neste
contexto, acreditamos que é preciso “fazer o pensamento reverdecer. Tratar de
83
reanimá-lo, com constância, e também com audácia, mantendo o contato com a
vida” (MAFFESOLI, 2007, p.105).
O filósofo e o poeta são nossos aliados quando percebemos não ser
possível ressignificar ações pautadas em concepções endurecidas, cartesianas,
muito pelo contrário, é necessário viajarmos pela moleza da gosma em
reconhecimento à diversidade existente, escorregando em seus conflitos e
sonhos. Acreditamos que para ver o mundo de outra forma, é necessário jogar
toda a bagagem fora, abandonar muitas de nossas percepções absorvidas durante
o nosso processo sócio histórico, para só então seguir em frente, de malas vazias,
prontos para enfrentarmos a tempestade ou a bonança, desde que em busca da
utopia da Educação Ambiental.
De acordo com Bauman (2007), vivemos em verdadeiros campos de
batalha, espaços aonde as identidades globais vão de encontro com as
identidades locais, muitas vezes abandonadas pelos princípios da justiça social.
Portanto, o princípio desse choque não poderia deixar de ser o desastre
socioambiental e cultural, no qual estamos envoltos.
No entanto, o conhecimento de Manoel de Barros sobre esse mesmo
mundo, foi adquirido na interlocução intrínseca entre ser humano-natureza, ou
seja, ele não aprendeu apenas com os seres humanos, mas também com as
outras coisas ao seu redor, aprendeu com o revoar das borboletas, aprendeu
com a lentidão do caracol-lesma, aprendeu com o canto dos pássaros. Assim,
acreditamos, ele desaprendeu a seguir as linhas retas e as verdades impostas pelas
normas e pelas convenções, mostrando que: “a terapia literária consiste em
desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.”
Manoel de Barros se faz ser por meio de sua palavra poética, pois em Heidegger
(1999, p.10) “o ser habita a linguagem poética e criadora”. Essa terapia em
Manoel de Barros foi possível no convívio sensível e perspicaz com outros seres
humanos e as coisas que o rodeavam. Citamos aqui palavras sobre o padre
Ezequiel, seu primeiro professor de agramática:
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
84
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.
(BARROS, 1994, P.75)
Não se pode deixar de observar a importância da sensibilidade do Padre
Ezequiel ao valorizar o desvio linguístico do menino-bugre, pois que abriu
caminhos, criou estradas, túneis, pontes e intersecções, dando passagem ao
devaneio de um menino-poeta, maravilhado com as imagens esboçadas em sua
mente e transformadas em linguagem escrita. O desvio possibilitou ao menino-
poeta a criação de suas próprias vias, buscando um novo sentido e batizando a
palavra manoelina. Para Octavio Paz “a poesia é sempre uma alteração, um
desvio linguístico. Um desvio criador que produz uma ordem nova e diferente”
(PAZ, 1991, p. 102). O padre dá importância aos desvios e não à estrada.
Percebemos um afeto implícito, uma cumplicidade que fere as normas
convencionais da relação humana, e com esta ressurge e fortalece a relação
explícita do poeta com as palavras.
Lançando um olhar sobre os caminhos percorridos por algumas pesquisas
de cunho qualitativo, é possível observar que os investigadores qualitativos em
educação buscam, continuamente, questionar e compreender os sujeitos de
investigação, com o objetivo de perceber aquilo que eles experimentam, como
interpretam as suas experiências e como eles próprios estruturam o mundo
social em que vivem. Com o passar do tempo e com o ganho da confiança
85
pesquisador e pesquisados acabam por trocar confidências, por dividir caminhos,
pois saberão que ambos não utilizarão os dados para fins ilícitos (BOGDAN e
BIKLEN, 1994). É com essa mesma parceria que seguramos nas mãos do poeta
Manoel de Barros e nos deixamos conduzir pelos seus labirintos de confidências
poéticas, descobrindo os poderes deste demiurgo, buscando compreender os
segredos de seus devaneios. Para Gaston Bachelard (1991), o labirinto permite
repor o sonhador em movimento.
Ao apresentar a imagem do caracol, Manoel traz os princípios da moleza
e da dureza, mostrando a elasticidade da ideia/sonho e os mistérios da energia
de um sonhador. Pois de acordo com Bachelard:
A imaginação é um princípio de multiplicação dos atributos
para a intimidade das substâncias. É também vontade de ser
mais, de modo algum evasiva, mas pródiga, de modo algum
contraditória, mas ébria de oposição. A imagem é o ser que se
diferencia para estar certo de vir a ser. E é com a imaginação
literária que essa diferenciação fica imediatamente nítida. Uma
imagem literária destrói as imagens preguiçosas da percepção. A
imaginação literária desimagina para melhor reimaginar
(BACHELARD, 1991, p. 21-22).
Acreditamos que é esta mesma suspensão da imaginação descrita por
Bachelard que nos permite Manoel Barros, quando nos convida para uma
viagem por entre as coisas que precisam ser (re)conhecidas. Ao nos perdermos
em territórios pantaneiros, tomando como guia condutor do encontro a poética
manoelina, é possível visualizar a metáfora vivificante das terras encharcadas,
onde terra e água se correlacionam na busca efetiva por vidas sempre em estado
de fertilidade, onde “as imagens efetuam sagazmente, com uma astúcia essencial
– mostrando e escondendo – as espessas vontades que lutam no fundo do
ser”(BACHELARD, 1991, p.28).
Amolecer a estrutura rígida, este talvez seja um dos ofícios do poeta,
pois é nesta deformação que ele traz todo o frescor do universo, que provoca o
ser a descobrir o seu não ser, aquele desconhecido que fortalece os princípios da
ética e do cuidado proferido por Boff (2008). É por essas vias que seguimos os
passos de Bachelard (1991):
86
O conceito caminha passo a passo, unindo formas
prudentemente vizinhas. A imaginação transpõe extraordinárias
diferenças. Unindo a pedra preciosa à estrela, ela prepara “as
correspondências” daquilo que tocamos e daquilo que vemos, e
assim o sonhador leva as mãos aos magotes das estrelas para
acariciar-lhes as pedrarias (BACHELARD, 1991, p. 230)
Faz-se necessário, no entanto, dizer que a imaginação aqui referenciada
é, antes, aquela que faz ver o objeto delirado, que faz maravilhar-se com ele e
sentir seus impulsos, para somente então, após esses devaneios, oferecer suas
dádivas ao sonhador. É o lançar-se pelos caminhos dessa essência nada simplista,
que faz do poeta Manoel de Barros um embriagado. Antes de mostrar suas
intimidades, as coisas pedem para que sejam vistas, que sejam amadas, pois
quando há amor, há também uma troca amorosa de cuidados, de cumplicidade.
Nesta projeção, trazemos novamente a metodologia da Cartografia do
Imaginário, delineada por SATO (2011), onde por meio da essência contida nos
elementos da natureza, se faz presença, a poética do nosso mato-grossense, com
seus desvaneios e despalavras, que nos sucumbem a perceber a dinâmica do ser
humano-mundo. No entanto, embora trazendo a distribuição em capítulos,
queremos enfatizar que tais sentidos surgiram desconexos, numa ida e vinda, em
retas e inclinações, por isso talvez as des-combinações. Vale ressaltar que nem
sempre tais sentidos foram construídos de maneira cômoda, mas conflitante.
Porém, no propósito de estarmos aberta aos aprendizados é que nos deixamos
contaminar por estes desejos e aspirações.
Gaston Bachelard (1999), por meio do elemento fogo, mostra que
este é capaz de limpar as impurezas e restituir o sentido original das coisas, por
meio dele é possível compreender o princípio da renovação dos sentidos
atribuídos às coisas do mundo. Ou seja, o filósofo apresenta o fogo com
qualidades vitais, mostrando sua poderosa capacidade de dinâmica e vivacidade:
O fogo sugere o desejo de mudar, de apressar o tempo, de
levar a vida a seu tempo, a seu além. Então, o devaneio é
realmente arrebatador e dramático; amplifica o destino
humano; une o pequeno ao grande; a lareira ao vulcão, a vida
de uma lenha à vida de um mundo (BACHELARD, 1999, p. 25).
87
É, portanto, nesta perspectiva que apresentamos o elemento fogo, como
uma possibilidade de compreender o nosso percurso epistemológico.
Ao aproximarmos a Educação Ambiental da poesia de Manoel de Barros
em diálogo com a filosofia bachelardiana, queremos possibilitar, por meio da
palavra poética, a percepção de que alguns dos anseios da busca pela
sustentabilidade planetária percorrem as vias do fogo epistemológico
apresentado por autores como: Gaston Bachelard (1999), Paulo Freire (2008),
Michèle Sato (2008, 2011), Luiz Augusto Passos (2008), entre outros. Estes nos
possibilitam compreender que a pesquisa científica não está pautada apenas em
questões objetivas alheias às subjetividades humanas, mas antes nos apresentam
por intermédio da paixão do aprender-ensinando com o outro, que é possível e
necessário projetar sonhos na busca da realização de esperanças. “Um coração
sensível gosta de valores frágeis. Comunga com os valores que lutam, portanto,
com a luz fraca que luta contra as trevas” (BACHELARD, 1989a, p.14).
Assim, compreendemos que o fogo simbólico apresentado por Bachelard
também percorre as páginas da poética de Manoel de Barros, pois o poeta nos
apresenta sua paixão pelo contexto e pelos seres humanos com os quais teve
possibilidade de dialogar. Nesta perspectiva, a poética de Manoel de Barros se
parece com chamas que sai do âmago, em busca do aconchego no coração dos
seres humanos, uma maneira que ele encontra de implorar para que entendamos
o poder expressivo dos elementos da natureza, pois, mais que exprimir ideias ou
sensações, sua palavra “tenta ter um futuro” (BACHELARD, 1989: p.3). Assim,
tais elementos surgem a partir da liberdade adquirida nas despalavras do poeta
que, por sua vez, não se encontra acorrentada às amálgamas do saber
convencional, técnico, instrutivo e instituído.
Para nós, pesquisadores, a poesia manoelina representa o fogo
bachelardiano, que pode contribuir significativamente para mostrar que a
Educação Ambiental deve ir além da preocupação com questões pontuais, como:
queimadas, devastação, lixo, entre outras; esta traz em seu bojo o desejo ardente
da Educação Ambiental em nos fazer compreender que a poética que veicula no
mundo vivido e no mundo sonhado é a combustão necessária para fazer com
88
que os seres humanos se juntem em prol de um anseio coletivo, em busca de um
mundo mais justo e mais humano.
Manoel de Barros é um artista plástico das palavras, ele as desorganiza
para mostrar a paisagem de um novo mundo, onde os seres humanos descem do
pedestal, ficando do mesmo tamanho das outras coisas que compõem o
universo. Neste fazer o poeta assume, como pondera Sato (2011a), “a
responsabilidade do seu próprio jardim doméstico, contra a assepsia, ou o
clamor obstinado pela harmonia”. Neste sentido, o poeta mostra sua aversão às
palavras e/ou coisas convencionais; “porque a gente também sabia que só os
absurdos enriquecem a poesia” (BARROS, 2010a, p. 450), “a gente gostava bem
das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais, [...] a gente
gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala”
(Ibidem, 451).
Os sentidos subjetivos adormecidos pelo modelo de sociedade capitalista
se levantam pela chama da poética, pois estes não foram apagados da memória,
permaneceram latentes e intactos no ínfimo dos seres humanos e, se
movimentados, podem não só fazer girar a espiral de um mundo mais ético e
justo, como também incitar a luta em prol de que este fogo por vezes cálido
e/ou ingênuo, se torne um fogo epistemológico, capaz de lançar as chamas da
sapiência. Pois, como incita Sato (2011), ao discorrer sobre os procedimentos
necessários, a pesquisa científica pautada na Cartografia do Imaginário, também
no saber fazer, exige que cada qual adapte tudo ao seu contexto, aos seus
devaneios e às suas esperanças particulares, acomodando conceitos, mudando
percepções, ou revendo pontes para novas religações, em busca do sonho
coletivo.
As palavras do poeta incendeiam a imaginação do seu interlocutor, fluem
sentidos que podem incinerar o autoritarismo, o individualismo, a ganância e
outros fatores que alienam e embrutecem os seres humanos. Percebemos assim,
que a poética pode ser uma das formas de conhecermos a nós mesmos, de incitar
a sensibilidade, de mudar nossa concepção de mundo, de renovar nossas
atitudes, pois:
89
O fogo, para o homem que o contempla, é um exemplo de
pronto devir e um exemplo de devir circunstanciado. Menos
abstrato e menos monótono [...] o fogo sugere o desejo de
mudar, de apressar o tempo, de levar a vida a seu termo, a seu
além. Então, o devaneio é realmente arrebatador e dramático;
amplifica o destino humano; eu o pequeno ao grande, a lareira
ao vulcão, a vida de uma lenha à vida de um mundo. O ser
fascinado ouve o apelo da fogueira (BACHELARD, 1999, p. 25).
Portanto, vale compreender que para que a relação entre a Educação
Ambiental e a poesia se transforme de fogo epistemológico para um fogo
praxiológico, desejado pela Educação Ambiental:
Há uma grande ponte a ser construída não apenas pelo
conhecimento, mas pelo re-conhecimento. Re-conhecer implica
conhecer o que há no outro de mim e o que há de mim no
outro. É, portanto, saber que, para além da diferença, há entre
nós também continuidades, campos de referência mútua, de
alianças e de similitudes que nos circunscrevem como
semelhantes. Conhecer e re-conhecer é campo da ética (SATO;
PASSOS, 2008, p. 26).
A relação citada pelos autores implica a compreensão de que somos
seres inconclusos, aprendemos com o outro e/ou com as outras coisas que
dividem conosco esta esfera planetária. Como devaneia Manoel de Barros
(2010) ”A gente é rascunho de pássaro. Não acabaram de fazer [...] eu só queria
construir nadeiras para botar nas minhas palavras” (Barros, 2010). Acreditamos
que Manoel de Barros soube construir suas nadeiras para o mergulho poético, e
que estas só foram possíveis pelo fogo que brotava de seus poros, pelo desejo
ardente de compartilhar a beleza da sua casa, o Pantanal de Mato Grosso.
Atentarmos para a compreensão do mundo, pautados no entendimento do
primitivo e na nossa própria identidade, saberes suscitados pela e na poética
manoelina, como considera Sato (2011, p.542): “seria a guinada conceitual
prigoginiana, que nos convida para repensar os conflitos socioambientais para
além da consideração harmônica presentes nos discursos ambientais da
modernidade”.
Acreditamos que nesta compreensão, nossa trajetória pela poesia
manoelina em comunhão com a filosofia de Bachelard e conduzida pela
Cartografia do Imaginário, nos permitiu delirar em nossa própria biografia por
90
meio do poder fluente das palavras dos dois autores, nossas ressonâncias pessoais
por meio dos inúmeros sentidos do elemento água, marcou os passos de nosso
primeiro caminhar, entendendo de onde provem o conhecimento que
adquirimos e quais utopias têm nos fortalecido enquanto ser humano, e em
especial nas nossas vivências como educador@s ambientais.
A respeito da percepção supracitada, Manoel de Barros declara que seu
conhecimento veio das coisas primitivas, de um desaprender que possibilitou
ampliar suas ignorãças, pois ficou “sabendo que é também das percepções
primárias que nascem arpejos e canções e gorjeios” (BARROS, 2010, p. 450).
Com este entendimento é possível compreender a tarefa complicada que se fez
em nosso segundo caminhar, que exigiu de nós um destituir dos saberes
convencionais, a fim de nos despir de dogmas e verdades instituídas , para assim
construir a nossa própria pele “criar nossas próprias modas como passaporte
social, com direito às diferenças da diversidade” (SATO, 2011, p.542). Foi, como
aborda nosso poeta, a possibilidade de desver o mundo, de inventar para se
conhecer, “eu queria que minhas palavras de joelhos no chão pudessem ouvir as
origens da terra” (BARROS, 2010, 461). Ou “romper com nossos obstáculos
epistemológicos, mesclando cenários, ‘um reaprender a aprender’”(SATO, 2011,
p.546) o elemento terra com seu poder de deformação. Neste trajeto, revelamos
nossas opções e desejos, onde a fenomenologia de Gaston Bachelard deu as
mãos à poética manoelina, iluminando possibilidades e violentando alguns
saberes já enraizados.
Após compreendermos as redes complexas e complementares existentes
em nossa percepção particular, começamos então o terceiro caminhar, a
possibilidade de redesenhar a nossa casa. O nosso poeta a levantou com
palavras, projetou o seu olhar pela janela e vislumbrou o universo, oferecendo-
nos a possibilidade de construir devaneios junto à Educação Ambiental, na
construção de um fogo praxiológico que trava uma luta coletiva na busca por
um mundo mais humano. Isto é, “ter o direito de enfeitar coisas íntimas, como o
olho da nossa janela, mas respeitar o espaço coletivo, reconhecendo a árvore
como oikos de todos, anunciando uma nova estética ecológica” (SATO, 2011,
91
p.542), “fazer parte das árvores como os pássaros fazem” (BARROS, 2010, p.
465).
Manoel de Barros mostrou que na construção de seu fogo
epistemológico e/ou praxiológico soube se maravilhar com as experiências e com
os saberes adquiridos, tanto no contexto da vida pacata de um menino criado
no interior, como no espaço da vivência acadêmica. Suas percepções causam em
nós um tufão de aprendizagens, mostrando-nos que atos particulares também
podem construir possibilidades gigantescas. Nestas andarilhagens entre as vias
do devaneio e da realidade o poeta esteve na companhia de seres humanos
ilustres, como: Rimbaud, Baudelaire, Bola Sete, Padre Vieira, Bernardo, entre
tantos outros.
Sou um sujeito cheio de recantos.
Os desvãos me constam.
Tem hora leio avencas.
Tem hora, Proust.
Ouço aves e beethovens.
Gosto de BolaSete e Charles Chaplin.
O dia vai morrer aberto em mim.
(BARROS, 2002, p.60)
Observamos que Manoel de Barros, ao brincar com as palavras,
aconchega outros sentidos possíveis aos códigos linguísticos, o autor pinta as
palavras com o fogo de suas percepções, de suas afeições e de suas sensibilidades:
é a arte da linguagem em seu esplendor maior! Nesta perspectiva, acreditamos
que por meio da poética manoelina é possível compreendermos as palavras de
Deleuze e Guattari, quando enfatizam que:
O escritor torce a linguagem, fá-la vibrar, abraça-a, fende-a,
para arrancar o percepto das percepções, o afecto das afecções,
a sensação da opinião – visando, esperamos, esse povo que
ainda não existe (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 228)
Ou, quem sabe, um povo que já existe, mas que precisa ser reavivado
pelo fogo incandescente da poesia que, acreditamos, se encontra alheia aos
92
vícios ideológicos, políticos e sociais. A compreensão da sociedade na qual
estamos inseridos nos possibilita o quarto caminhar, de sensibilidade advinda do
fogo da paixão em romper com este mundo im-posto, na tentativa de contribuir
para que este povo saia do sono profundo em que se encontra, isto é, um povo
que pode despertar do adormecimento em que se encontra e sair das redes
emaranhadas de uma sociedade cruel que manipula e ignora as subjetividades
humanas, em prol de outro mundo possível. O elemento ar, com seu poder de
reformação, “é o tempo do repouso para que um novo ciclo reinicie” (SATO,
2011).
Manoel de Barros nos apresenta em sua poética as chamas de uma
amorosidade que pode nos ajudar a acender a fogueira para a construção de um
novo mundo. Afinal, como discorre Gaston Bachelard, “em outras palavras, o
corpo humano sugere pontos de fogo que os Artistas alquímicos se esforçam por
classificar” (BACHELARD, 1999, p. 114). E enfatiza ainda citando um médico do
final do século XVIII, “Esse benigno calor que fomenta nossa vida”
(BACHELARD, 1999, p.115). É o quinto caminhar, pedindo passagem para um
mundo ecologicamente construído, pautado na tríade merleaupontyana que
clama para com o cuidado com o eu-outro-mundo, espaço onde quem sabe,
poderemos, na nossa tímida verdade, dialogar com seres humanos que também
mergulharam pelas mesmas águas e que lutaram para que suas utopias
continuassem vivas, construindo esperanças.
Ao avançarmos pelos caminhos do diálogo entre Manoel de Barros e
Gaston Bachelard, nos deixando contaminar pelas irradiações de suas palavras, o
fogo transmitido pela poética manoelina em suas despalavras foi construindo
outras trilhas de aprendizagens que nos colocou diante de nossas ignorãnças, as
quais nos levaram ao desejo da mudança de olhar e de postura mediante as
coisas do mundo. O fogo contagiante do poeta Manoel de Barros nos convida a
sair da nossa “casa-território” e a vislumbrar também a “cidade-cosmos”
(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.241).
Assim, acreditamos que a poesia de Manoel de Barros quando em diálogo
com a filosofia de Bachelard contribui para inflamar o fogo da Educação
Ambiental para reanimá-la, pois as esperanças devem arder em busca de espaços,
93
de caminhos possíveis, revelando por meio do fogo praxiológico (projetos,
pesquisas, publicações e lutas coletivas) de que é possível aferir dignidade por
meio de iniciativas e intervenções pautadas na cidadania (SATO, 2005). Neste
contexto, a Educação Ambiental em nome da ética universal do ser humano,
busca contribuir com a superação das injustiças desumanizantes, pois acredita,
veementemente, que a luta por um futuro mais digno, a priori, prescinde da
esperança que não cruza os braços diante dos empecilhos, mas que na ação
desbrava possibilidades.
Vale enfatizar assim, que neste viés, a Educação Ambiental com a qual nos
filiamos não compreende, ou melhor, não se permite falar em subjetividade
destituída da objetividade ou vice-versa, pois acredita que entre ambas há uma
dialética que vê a história como um devir sensível. Devir que se ancora na
percepção de Deleuze e Guattari (1992, p. 229), quando considera que “um
devir sensível é o ato pelo qual algo ou alguém não pára de devir-outro
(continuando a ser o que é)”.
As palavras poéticas de Manoel de Barros são devires que nos possibilitam
compreender a tríade tão sonhada pela Educação Ambiental – eu–outro–mundo
(MERLEAU-PONTY, 1999), que se dilui nas esperanças da Educação Ambiental,
acrescentando forças à luta por sustentabilidade, na qual “o amor não é senão
um fogo a transmitir. O fogo não é senão um amor a surpreender”
(BACHELARD, 1999). Vale enfatizar que, “as mentes cartesianas resistem em
aceitar propostas poéticas como parte da pesquisa, mas a poesia amacia a dura
racionalidade e aumenta os níveis de compreensão” (SATO, 2011, p.549).
Manoel de Barros apresenta-nos sua poesia, reescrevendo o mundo e se
inscrevendo nele, por meio de linguagens que recuperam a relação original do
ser humano com a natureza. No contexto de uma poesia em comunhão com a
natureza, de conteúdo pantaneiro e de compromisso estético e ético com as
questões humanas e ambientais, é que optamos por uma investigação amparada
por sua produção poética, pois a poesia desse pantaneiro, na medida em que
deixa de lado um modelo pautado no desenvolvimento e volta o seu olhar para
a natureza, apresenta-nos uma postura ética, onde a sensibilidade parece cumprir
o importante o papel de aprimorar a formação do ser humano, para o seu
94
despertar quanto à complexidade e desafios de superar as questões
socioambientais que aniquilam o ser humano-mundo.
Os girassóis de Van Gogh
Hoje eu vi
Soldados cantando por estradas de sangue
Frescura de manhãs em olhos de crianças
Mulheres mastigando as esperanças mortas
Hoje eu vi homens ao crepúsculo
Recebendo o amor no peito
Hoje eu vi homem recebendo a guerra
Recebendo o pranto como balas no peito
E como a dor me abaixasse a cabeça
Eu vi os girassois de Van Gogh
(BARROS, 2002, p.60)
A abertura ao aprender em contato com o fascínio das imagens projetadas
pela poesia manoelina age como uma espécie de viagem em estado de transe,
de ascese, que nos ajuda a penetrar em lugares insuspeitados, que apresentam a
dimensão da grandiosidade humana nas asas incandescentes da poesia, este
aprendizado acreditamos que poderia nos possibilitar a transcendência sugerida
por Merleau Ponty (1999). No entanto, esta transcendência só se tornaria
possível se o ser humano assumisse o compromisso por uma vida íntegra, mais
ética e humana, se posicionando diante do caos social instaurado em cada época,
lutando em prol do coletivo.
Neste viés, compreendemos a necessidade de estabelecer diálogo entre os
seres humanos e o mundo, pois a partir desse o mundo torna-se pronunciável, as
vozes são vistas dentro de um panorama democrático, que por assim ser é
transformado para a sonhada humanização/coisificação de todos. Esta postura
híbrida pode permitir o entendimento de que o ser humano não está solitário no
universo, não é, portanto, “o senhor do universo”, senão um ser que comunga
com uma infinidade de outros seres e elementos que fazem girar a espiral da vida
e não vida do planeta. Assim, o dialogismo que evidenciamos em nossa
trajetória de estudo e delírios se ancora na percepção de que vivenciar o diálogo
95
implica na compreensão do outro, destituída da visão antagônica, na qual o
outro, na sociedade capitalista que vivenciamos, nos é apresentado. Ou seja, visa
compreender eticamente que a minha identidade enquanto ser no mundo e em
contato com o outro se faz na amorosidade freireana.
Segundo Michèle Sato:
A racionalidade científica pode impedir de enxergar outros
modos alternativos de valorizarmos o mundo que nos cerca,
negligenciando outras vozes para superar o hiato que se
estabelece nos processos das tomadas de decisão e de
comunicação com a população.21 (SATO, 2001a, p.148).
Neste sentido, a poesia de Manoel de Barros trata de uma natureza onde
os “restos” do chão, abandonados pelo mundo consumista se iluminam de
significados.
O fogo aparece na literatura como elemento de purificação para o
renascer de uma nova vida. Portanto, avesso às normas e convenções, Manoel
de Barros sabe que é preciso transgredir muitos dos valores cultuados pela
modernidade, para, desta forma, compreender e exprimir a essência da poética
ambiental. Assim, a partir de uma linguagem desafiadora, ele descreve com
maestria, seu conhecimento sobre a inocência contida na natureza e propõe
iluminarmos o mundo com o incêndio dos girassóis de Van Gogh. O fogo-flor,
assim, se apresenta retratando o fogo amoroso, o sentido sensível do incêndio,
que toma conta da alma, talvez, trazendo a luz, capaz de iluminar o ser humano
para que ele perceba que há outras existências presentes no mundo.
Manoel de Barros (2010), ao poetizar que existe incêndio nas pétalas dos
girassóis nos leva a uma reflexão sobre a suave metáfora do fogo, ao mesmo
tempo em que a imagem nos remete ao poder criador da imaginação, dos
sentidos. Assim, provoca uma necessidade de apontar novos rumos ao olhar
acostumado, ao nosso olhar sobre as coisas, bem como outros sentidos, fazendo-
21 SATO, Michèle; MONTEIRO, Silas; ZAKRZEVSKI, Cláudio & ZAKRZEVSKI, Sônia. “Ciências,
filosofia e educação ambiental – links e deleites”. In OLAM - Ciência e Tecnologia. Rio Claro:
ano I, v.1, n.1, p. 133-159, 2001.
96
nos acreditar que “os raios solares que ardem como fogo nas águas pantaneiras
pode transmudar a força da indignação em poder que pode nos mover à
concretização dos nossos desejos” (SATO, 2005, p.43). Estes são os reflexos
incitados por Manoel de Barros no espelho das águas pantaneiras, os quais nos
incitam para uma mudança de postura diante das coisas do mundo, onde o
querer fazer impulsiona a ação criadora.
Somos sabedoras que esta mudança implica em uma luta que se faz
ancorada na esperança, não apenas por meio da batalha-ação que demonstra
que não aceitamos entregar a “espada”, não queremos coadunar com a crise
existencial que estamos vivenciando neste século, pois acreditamos que a trans-
formação do ser humano que se dilui na transformação do mundo é uma
qualidade possível e necessária para a humanização, é nesta esperança que nos
projetamos enquanto utopia, enquanto esperança, confiando que esta não é
uma luta perdida, muito pelo contrário ela nos impulsiona a acreditar que outro
mundo é possível.
A utopia da Educação Ambiental se enlaça ao sonho de que é possível
incluir a todos com suas particularidades, a partir do vislumbrar de que vivemos
em sociedades e que estas precisam ser sustentáveis. Percepção que pode ser vista
no enredo do poeta quando este discorre a mágica do Pantanal por meio do
prosa poética “Agroval” (BARROS, 2010, p.202), uma poética que pode ser vista
como o exercício da transformação, que incita ressignificação do mundo,
podendo representar a luta da Educação Ambiental, que mesmo sufocada, por
baixo das pedras do poder neoliberal, tem a utopia de envolver as vidas e não
vidas do mundo, no processo dinâmico e acolhedor da liberdade e da
emancipação. Este perceber, porém, acontece se fizermos jus às nossas condições
éticas e política de lutar pelo coletivo, pelo devir.
97
OS ELEMENTOS
98
4.1. AR – TOCANDO OS ELEMENTOS
Considerando a arte poética como algo que não tem a pretensão de
explicar o mundo por meio de conceitos, mas de falar de experiências no
mundo, propomos uma Educação Ambiental articulada por meio de diálogos,
onde a ciência e a poética somam espaços. Pois, “em poesia que é voz de poeta,
que é a voz de fazer nascimentos – o verbo tem que pegar delírio” (BARROS,
2010, p. 301).
Gaston Bachelard (1999, p.132), sugere uma possibilidade de classificação
dos temperamentos poéticos. Nesse sentido, nosso temperamento poderia ser
revelado de acordo com nossos devaneios sob um signo predominante: “as
almas que sonham sob o signo do fogo, sob o signo da água, sob o signo do ar e
sob o signo da terra revelam-se muito diferentes entre si” (Ibidem).
No entanto, ressalva ele que isso não existe materialmente em nós, ou de
forma predominante. O que Bachelard acredita existir são orientações,
tendências a um ou outro elemento, e o que orienta as tendências são as
imagens. Nossa imaginação é polarizada pelos elementos.
Diz-me qual é teu fantasma: o gnomo, a salamandra, a ondina
ou a sílfide? Por acaso já não se observou que todos esses
seres quiméricos são formados e nutridos de uma matéria ú
nica? O gnomo terrestre e condensado vive na fenda do
rochedo, guardião do mineral e do ouro, repleto substâncias
mais compactas; a salamandra de fogo devora-se em sua
própria chama; a ondina das águas desliza-se sem ruído sobre o
lago e alimenta-se de seu reflexo; a sílfide, a quem a menor
substância pesa, a quem a menor quantidade de álcool
amedronta, que se zangaria talvez com um fumante que “suja
seu elemento” (Hoffmann), eleva-se sem dificuldade no céu
azul, satisfeita com sua anorexia. (BACHELARD, 1999, p.
133)
Nesse sentido, arriscaríamos dizer que durante nossa pesquisa nos
encontramos assombrados pelos fantasmas bachelardianos. A química das
inspirações poéticas dos quatro elementos de Bachelard atuava em nós a cada
reflexão, a cada abordagem sobre nosso papel enquanto pesquisadora e
militante em Educação Ambiental.
99
Para nossa pesquisa, sofremos dos descaminhos de águas borbulhantes
entrando pelas frinchas, dos deslizes pela gosma espalhadas entre pedras;
fincamos os pés descalços na terra, tocando-a e deixando-a escapar por entre os
dedos, sentindo sua força suave, ora seca e ora úmida; ardemos nas chamas de
girassóis, lembrando-se de uma fênix vigilante, amorosa, mas que compartilha
lutas e sentimentos; e, voamos por entre as nuvens, trocando palavras ao vento
no espaço aberto, em busca da poética transformadora, da poética inquietante.
Nossa investigação buscou o direito de sonhar (BACHELARD, 1985), mas
sabendo não poder perder de vista a ciência. Neste sentido, trilhou por entre os
caminhos da pesquisa qualitativa e pela Fenomenologia bachelardiana,
objetivando a construção de um estudo coletivo que possa contribuir para a
compreensão das questões ambientais vistas sobre outro prisma. Assim,
esperamos colaborar para incitar no ser humano os princípios ético-políticos,
principalmente no que se refere ao seu cuidado e ao seu pensar, para uma nova
possibilidade de compreender inserido no complexo, mas instigante e promissor
universo do “eu-outr@-mundo” (SATO; PASSOS, 2003).
O sonho de contribuir, de alguma forma, com a transformação
necessária para o fortalecimento de nossas lutas em prol de um mundo melhor
foi constante, e recebeu a companhia de muit@s outr@s sonhadores que, de
malas vazias caminharam comigo, ora em terras firmes, ora em terras sinuosas;
mergulharam em águas borbulhantes para em seguida sentirem os rostos
queimando no fogo de uma chama de luta ardente; se jogaram em abismos em
busca de brisas aqui e ali, na esperança de que o vento levasse a utopia da
Educação Ambiental para outros espaços.
O ar, com seu poder de tocar todos os elementos, teve na pesquisa a
particularidade de nos movimentar e nos conduzir a todos os caminhos possíveis.
Por meio dele, pude voar, sem asas, em busca do meu olhar de pássaro, a fim de
me encontrar e ao mesmo tempo me perder, para a militância dos diversos
projetos do GPEA. Esse mergulhar na imensidão de possibilidades que a
sensibilidade poética me proporcionou, fortaleceu, a cada participação em
projetos, a minha compreensão sobre a impossibilidade da dissociação das
questões ambientais das sociais, e dois projetos foram importantes nessa
100
compreensão, pois significativos para a visibilidade e audiência a diversas
comunidades, cujas identidades na maioria das vezes estão à mercê do descaso
histórico e da economia hegemônica, em ambientes diversos ditos como
“espaços vazios”, (SILVA e SATO, 2011), onde: “coexiste um rico mosaico
cultural de identidades interatuantes, que muitas vezes estão invisibilizadas ou
ainda são pouco conhecidas. Com isso muitos grupos sociais não estão sendo
contemplados na elaboração de políticas públicas” (IBIDEM, 2011, p.7).
A marca característica da trajetória da militância no GPEA é, portanto:
A aliança entre o prazer acadêmico e a paixão da militância.
Conjugando política com ciência, em espiral de um campo
magnético, é capaz de subir na árvore em protesto contra o
desmatamento, na mesma medida que publica artigos
qualificados nos padrões internacionais, da rígida avaliação que
ora irradia de um buraco negro que suga as energias e sinergias
das boas noites de sono. Conjugando sabedoria com táticas de
luta, o controle social é um exercício cidadão na pedagogia
participativa do GPEA (SATO; SENRA, 2009).
Durante os vários voos, pude aterrissar e fincar os pés descalços na terra e
sentir sua força suave, e foi em consonância com esse elemento bachelardiano,
que se divide entre os devaneios da vontade e do repouso, que me vi inserida
no aprendizado proporcionado pelo projeto “Territorialidade e Temporalidade
da Comunidade Quilombola de Mata Cavalo”, pesquisa iniciada em 2006, que
teve fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso
(FAPEMAT) na comunidade quilombola de Mata Cavalo, local de diversos
conflitos culturais, étnicos, políticos e socioambientais, onde grande parte dos
danos ecológicos existentes na área da antiga terra de sesmaria foi causada pelos
fazendeiros da localidade (JABER; SATO, 2010).
O complexo Mata Cavalo é comunidade negra rural formada
por seis comunidades próximas, quase todas de quilombos. Há
nesta comunidade descendentes escravos que almejam
permanecer na terra da antiga sesmaria – Mata Cavalo.
Dividida em seis nucleamentos - Estiva, Mata Cavalo de Baixo,
Mata Cavalo de Cima, Mutuca, Capim Verde e Aguaçu, as
associações matriculadas em cartório representativas dos
mesmos são: Associação Sesmaria Boa Vida - Mata Cavalo,
Associação de Pequenos Produtores de Mata Cavalo de Cima,
101
Associação de Pequenos Produtores de Mata Cavalo de Baixo,
Associação de Pequenos Produtores Ponte da Estiva, Associação
de Pequenos Produtores da Capim Verde, Associação de
Pequenos Produtores Aguaçú de Cima e Associação de
Pequenos Produtores Mutuca (SIMIONE, 2008, p.70).
O quilombo é palco de inúmeros conflitos pela apropriação do território
e sua história é marcada por disputas e despejos (JABER; SATO, 2010), e ainda
de acordo com Manfrinate (2011, p.16) “Mata Cavalo, é uma comunidade
descendentes de escravos que lutam para o reconhecimento e posse definitiva da
terra, enfrentando muita violência para isso”. Uma comunidade onde a liderança
feminina tem papel preponderante, “No início da década de 90 a comunidade
estava desmobilizada e em poucos anos eles se agruparam, reconhecendo-se
como comunidade e passaram a enfrentar os fazendeiros da região, ficando as
mulheres como barreira para o confronto propriamente dito” (Ibidem, p.20).
Na esperança de contribuir com o combate do racismo e das injustiças
ambientais, o GPEA acumula a experiência de vários trabalhos a partir desse
projeto, no sentido de buscar uma justiça inclusiva, de compreensão de fatores
de risco e de busca de táticas que possam desafiar o poder hegemônico da
exclusão social, e seu compromisso político “não nega seu papel acadêmico
enquanto produtor de conhecimentos, porém expande seus horizontes,
abraçando a docência e a comunidade no bojo de suas proposições” (SATO,
2011b).
O modelo econômico capitalista é propulsor de desigualdades e conflitos
e seus efeitos sociais, ambientais e econômicos têm sido devastadores para o ser
humano e a natureza, evidências estampadas nas altas taxas de perda de
biodiversidade, desmatamentos, queimadas e poluição, assim como, nas
desigualdades sociais, na miserabilidade e nos altos índices de conflitos (JABER e
SATO, 2010, p.2).
Do alto das nuvens, foi possível sentir o calor da chama que ardia durante
as lutas compartilhadas por outro importante projeto do GPEA. A partir da
constatação da frágil proposição social do Zoneamento Socioeconômico
102
Ecológico de Mato Grosso (ZSEE)22
, em outubro de 2008 o lançou a proposta de
um mapeamento das identidades e territórios de Mato Grosso, nascendo daí o
projeto “Mapeamento Social do Estado de Mato Grosso”, cujas agências de
fomento para o projeto foram o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e a FAPEMAT. O projeto teve como objetivos a
revelação das múltiplas identidades e seus modos de vida e a elaboração de um
mapa dos conflitos ambientais existentes nos territórios mato-grossenses. A
partir do processo do ZSEE, alguns belos trabalhos resultaram no grupo, entre
eles:
Uma dissertação de mestrado que aborda o processo de
construção do Grupo de Trabalho de Mobilização Social e de
toda política de participação da sociedade civil23
; uma tese de
doutorado que traçou o mapa social, identificando os
habitantes e seus hábitos nos habitats mato-grossenses24
; e uma
outra tese em curso sobre o mapeamento dos conflitos
socioambientais, identificando os principais dilemas e
fragilidades25
. As duas teses hoje são reconhecidas como
instrumentos das políticas públicas, inclusive pela procuradoria
do estado, além de fazer um importante aporte ao fórum dos
direitos humanos e da Terra de Mato Grosso, e ambas autoras
fazem parte da comissão de relatoria do ano 2011 (SATO,
2011b).
A complexidade dos problemas que afetam o mundo atual aponta, cada
vez mais, para a necessidade de uma compreensão de ambiente que busque a
”incorporação efetiva da dimensão social junto à ecológica no que se refere ao
tratamento da questão ambiental, atendendo à diversidade das dinâmicas
naturais, sociais e culturais em termos regionais” (SANTOS et al, 2009, p.4).
E, considerando nossa própria singularidade, compartilhamos nosso
mundo com sujeitos também singulares, membros de comunidades ímpares cujas
22 Instrumento político do projeto de Lei nº 273/2008 que institui a Política de Planejamento e
Ordenamento Territorial do Estado de Mato Grosso.
23 Denize Amorim: mestre UFMT (educação), sobre o processo de mobilização, significado da
militância e participação nas políticas públicas de MT.
24 Regina Silva: doutora UFSCar (Ecologia), um vasto mapeamento das identidades de povos e
grupos sociais vulneráveis, sendo hoje um instrumento de política pública reconhecida pela
procuradoria pública - detalhamento em: http://migre.me/61HIA
25 Michelle Jaber: doutoranda UFSCar (Ecologia), num complexo mapeamento dos conflitos
socioambientais, que hoje coaduna com o fórum dos direitos humanos e da Terra de MT e que
integra a comissão de relatoria do ano 2011 - detalhamento em: http://migre.me/61HKx
103
identidades se fundam nos seus diversos aspectos sociais e culturais. As diferentes
formas de ser e estar no mundo se estabelece como marcas pós-modernas de
identidade, definidas historicamente (HALL, 2003), e se encontram numa visão
de sociedade onde a homogeneização não tem mais lugar, onde sociedades se
querem sustentáveis e vão em direção contrária ao desenvolvimento sustentável
que se prende nas amarras das verdades únicas e excludentes. Uma sociedade
sustentável “[...] evidencia seres mais comprometidos e solidários, com novos
valores políticos e culturais, com uma nova forma de olhar o mundo e a vida, e
com uma forma especial, amorosa e fenomenológica de relacionamento com o
outro e com a natureza” (SILVA, 2006, p.53).
A Educação Ambiental deve vir de mãos dadas nesta ciranda,
aliada à valorização da cultura, na ousadia da reconstrução de
sociedades sustentáveis, que resignifique valores com justiça
ambiental, pertencimento e democracia. Há pontos e linhas
frouxas, mas há, também, um território de lutas que transcende
este tempo tirano, resgatando as tessituras dos sonhos coletivos
da Educação Ambiental (Ibidem, p. 110).
Nesse sentido, no contexto da Educação Ambiental, Manoel de Barros nos
transporta por entre a imaginação, incitando-nos a perceber a forma concreta no
invisível, a nos perder nas intersecções em busca da realização das correlações
existentes na complexidade do mundo, para que nos percamos antes de nos
acharmos, e percebamos que os outros coexistem em nós, mesmo nas vias
impalpáveis. Ou ainda, em certos caminhos, ao procurarmos os sentidos das
coisas por meio do aprendizado convencional, percebemos que acabamos por
tirar suas potencialidades de ser mais.
O Vento
Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física
do vento: uma costela, o olho...
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas
de uma voz.
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do
índio para o barranco
Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a
104
canoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino
montado no cavalo do vento – que lera em
Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos
prados com o menino..
Fotografei aquele vento de crinas soltas.
(BARROS, 2010, 384).
Dividir a estrada com Manoel de Barros e Gaston Bachelard foi aprender
romper com pensamento moderno tradicional de que ciência e poesia devem ser
segregadas quando se trata do científico. O ser humano é ao mesmo tempo um
ser de racionalidade e subjetividade. Há uma imensidão de possibilidades de
percurso da palavra quando dirigimos o olhar para o mundo dos dois autores,
que um por meio de palavras e outro pela filosofia das imagens, possibilita-nos
ultrapassar as barreiras da Educação Ambiental pontual26
para pensá-la mais
complexamente. Trilhando no campo da poética, numa investigação de interface
da poesia de Manoel de Barros com os elementos da natureza de Bachelard,
buscamos contribuir com a possibilidade de legitimar algumas vozes e
compreendê-las pelo viés das múltiplas linguagens possíveis. Assim, quem sabe,
poderemos propor trilhar caminhos de uma Educação Ambiental de diálogos
férteis com a ciência, buscando encontrar as vias que nos levam a ressonâncias
para a utopia de uma “Ecologia da Resistência, que rompe arestas e parte para o
embate em busca de uma Educação Ambiental utópica” (SATO, 2011b), mas
realizável.
26 Uma Educação Ambiental considerada pontual se estabelece mais como sinônimo de natureza,
e suas ações são mais dirigidas, como por exemplo comemorar o dia das árvores plantando
uma espécie. Já, uma Educação Ambiental vista pela perspectiva complexa, é concebida de
forma crítica, reflexiva, política, cujos elementos naturais se encontram presentes, mas em
conjunção com as relações culturais.
105
4.2 – TEMPO DE REPOUSAR O DEVANEIO
Ao mergulhar numa pesquisa fenomenológica pelos caminhos da
Cartografia do Imaginário de Michèle Sato, a linguagem sensível proporcionada
pelo entrelaçamento do estudo bibliográfico da poética de Manoel de Barros
com a fenomenologia da imaginação de Gaston Bachelard me faz correr o risco
de me perder nos redemoinhos d’água e não conseguir voltar à terra; de me
lançar às chamas me transformando em pó, que a um simples sopro se perde ao
vento. Dessa forma, sem deixar de reconhecer a ordem na desordem, procuro
trazer a seguir algumas considerações em busca de uma ordem de pensamento e
de linguagem mais lógica para o leitor. Este foi um grande desafio durante a
pesquisa, e então, para trazer ao meu trabalho o científico, o acadêmico,
inicialmente busquei um formato de roteiro que pudesse me orientar para uma
estrutura de pensamento mais lógica, de orientação cartesiana,
reconhecidamente mais aceita no que tange a um trabalho acadêmico, ou um
quadro.
Metaforizando o meu submergir das águas para correr em terras firmes,
mas não deixando de me lembrar do fogo que aquece o frio e o direito de
brincar de olhar nuvens ao vento, um quadro comparativo foi o modelo
organizador de ideias escolhido. Durante a estruturação do mesmo, fui
organizando o pensamento dos dois autores, paralelamente, e após essa etapa
procurei os pontos de intersecção entre o poeta e o filósofo. Organizando os
pontos de encontro entre os dois autores, busquei o que chamei no quadro de
ponto de chegada, me referindo ao entrelaçamento do pensamento dos dois
autores com a Educação Ambiental.
Mas um quadro explicativo no formato geométrico romperia com a
estrutura fenomenológica da pesquisa, e gostaríamos de ser compreendidas pelo
caracol manoelino que tentamos desenhar por entre as palavras, caracol este que
teve como fio condutor os quatro elementos da natureza, tomando as cores e os
devaneios bachelardianos como sustentáculo móvel de uma cartografia do
imaginário. No entanto, sabedoras de que o pensamento cartesiano ainda
impera nas academias, mesmo não optando pelo formato geométrico,
106
reconhecemos ser necessário, para situar um leitor “menos atento” às
contribuições ímpares da fenomenologia bachelardiana, uma sistematização das
ideias por meio de um texto mais lógico.
Nessa estruturação foi também objetivo buscar de forma mais ordenada
as respostas aos questionamentos da pesquisa, com vistas à confirmação de nossa
hipótese de que a aliança entre a ciência e a poética pode contribuir para a
formação do ser humano e para uma Educação Ambiental transformadora, em
busca da superação dos problemas sociais e ambientais existentes. Para tanto, as
questões a seguir serviram como nosso roteiro de pesquisa:
É possível uma investigação que vincule a racionalidade à subjetividade?
No contexto do movimento ecologista, teria a poética manoelina aliada à
filosofia do imaginário de Bachelard subsídios capazes de sensibilizar a
árdua luta por um mundo mais justo?
Quais são as contribuições que estes dois autores podem oferecer à
Educação Ambiental que aspira por sociedades sustentáveis?
Seria então, o diálogo entre a literatura e a filosofia importante neste
contexto da Educação Ambiental, compreendendo que para além do
local da casa (territórios), é preciso cuidarmos dos moradores que nela
habitam com suas identidades e subjetividades, (OLIVEIRA, 2009, p.6)?
A partir da concepção de “não biografável” de Manoel de Barros e a
proposta em uni-lo à Gaston Bachelard, é possível uma interseção
biográfica dos dois autores?
Portanto, orientando-me pela Cartografia do Imaginário, proponho
novamente revisitar os capítulos desta vez em busca dos vestígios da formação
(água), deformação (terra), transformação (fogo) e da reformação (água) na
construção investigativa (Bachelard, 1988). “O método, se existe, não pode
portanto ser de nenhum, modo racionalização mas apenas modo de detecção,
de distinção, de exame” (BACHELARD, apud QUILLET, p.94). Para tanto, apenas
alguns pontos foram tomados para referendar a proposta.
No capítulo Água (formação), seguindo as orientações de percurso da
Cartografia do Imaginário, foram as orientações de mundo e epistemológica as
linhas condutoras da pesquisa.
107
Ao adentrarmos a imaginação poética de Gaston Bachelard foi possível
perceber que para o filósofo a casa é nosso ponto de referência no mundo,
como signo de habitação e proteção da alma humana. Em A Poética do Espaço,
afirma Bachelard: “a casa é nosso canto no mundo. [...] a casa abriga o
devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz” (2005,
p. 24-25). O filosofo aporta no mundo dos devaneios, deixando perceber que o
mundo, tal qual está imposto, tira-nos a perspectiva de sonhos e utopias, ao
contrário da poesia que nos excita para uma perspectiva e não permite o mundo
estático, em monólogo, mas em um eterno movimento e diálogo. Para ele “as
fronteiras opressoras são fronteiras ilusórias” (BACHELARD, 1971, p.26).
Para Manoel de Barros o mundo se apresenta como o Pantanal de Mato
Grosso, sua casa, um mundo em processo dinâmico de imagens, nos permitindo
viver em outros universos, na mesma medida em que incita o universo a habitar
a casa. Para além de sua interpretação, ao compreendermos o território nas vias
do ser humano, é possível também de nos compreender nessa mágica rede de
relações.
No Pantanal ninguém pode passar régua [...] A régua é
existidura de limite. E o Pantanal não tem limites. [...]. Por aqui
é tudo plaino e bem arejado pra céu. Não há lombo de morro
pro sol se esconder detrás. Ocaso encosta no chão. Disparate de
grande este cortado. Nem quase não tem lado por onde a gente
chegar de frente nele. Mole campanha sem gumes. Lugares
despertencidos. (BARROS, 1985, p. 31).
À orientação científica, Bachelard é contrário àquela nos moldes
cartesianos, de retidão e verdade única e defende uma ciência em eterna
retificação, uma anticiência; segundo ele "o conhecimento científico é sempre a
reforma de uma ilusão"(BACHELARD, 1971, p.18).
Da mesma forma, para Manoel de Barros:
“A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. A
força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma
atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa: O olho vê, a lembrança revê, e a
imaginação transvê. É preciso transver o mundo. (BARROS,
2004, p.15).
108
E ainda, “Para ter mais certezas tenho que me saber de
imperfeições”(BARROS, 2004, p. 15).
Dessa forma, tanto o poeta quanto o filósofo, tomam o espaço vivido
como metáfora de mundo, preenchendo com palavras tudo o que tocam e
sentem, nos apresentando as coisas do mundo na intersecção das vivências e os
delírios humanos. Em suas obras, os dois autores privilegiam a relação e a
descontinuidade, em detrimento da dicotomia sujeito/objeto e do progresso
linear, respectivamente, referenciais cartesianos da ciência clássica.
Ao trabalharmos uma Educação Ambiental por meio da sensibilidade
poética, pretendemos “tocar” as pessoas para o cuidado com lugar onde
vivemos, com o mundo, pois tanto Manoel de Barros, quanto Bachelard tomam
o espaço vivido como metáfora de mundo, como espaço de ser feliz
(BACHELARD, 2005, p.19). A relação com nossa casa reflete a nossa relação com
o mundo e nesse sentido. A Educação Ambiental prima pelo bem estar individual
e coletivo buscando se orientar pelo conhecimento que se faz nas interações
estabelecidas com o contexto socioambiental em suas multidimensões que inclui
a estética, a ética e os afetos.
Por outro lado, a Educação Ambiental não nega o caos, ao contrário,
reconhece-o como forma de conhecimento, buscando processos educativos que
aceitem as diferenças, considerando subjetividades e as diversidades culturais, a
fim de produzir e compreender novos conhecimentos, em prol de um mundo
mais justo.
No capítulo Terra (deformação), quando a Cartografia do Imaginário
orienta-nos com vista a “vencer os obstáculos epistemológicos, mesclando
cenários, um ‘reaprender a aprender’, ainda que o processo seja dolorido;”
(SATO, 2011, p.546), para a sistematização aqui proposta, natureza e sociedade
foram revisitadas no trajeto da pesquisa.
Em Bachelard, podemos ver a importância da linguagem poética para um
favorecimento na criação de uma nova forma de ver o mundo, pois “Quando
um sonhador reconstrói o mundo a partir de um objeto que ele encanta com
seus cuidados, convencemo-nos de que tudo é germe na vida de um poeta”
(BACHELARD, 2005 p.82). Dessa forma, a linguagem poética é um trabalho
109
primoroso de “reanimar uma linguagem criando novas imagens” (BACHELARD,
1991, p. 05).
Manoel de Barros, de forma sutil, mas profunda, propõe que olhemos
para outras sociedades presentes no cosmo, que estão aquém do nosso olhar de
seres humanos inseridos em uma sociedade capitalista; onde a busca insana pelo
acúmulo de bens materiais, tolhe-nos a possibilidade de ser mais. A esse respeito
propõe que olhemos para “[...] os indícios de ínfimas sociedades. Os liames
primordiais entre paredes e lesmas. Também os germes das primeiras ideias de
uma convivência entre lagartos e pedras” (BARROS, 2003, p. 22), assim, o poeta
nos reporta à necessidade de voltarmos o olhar sobre as pequenas coisas que
também compartilha do cosmo, a fim de aguçarmos o lado sensível que coexiste
em nós, seres humanos.
A natureza/sociedade pelo olhar e sentir desses dois autores ressignificam
nosso estar no mundo. Ambos aportam no mundo dos devaneios, deixando-nos
a percepção de que o mundo, tal qual está imposto, tira-nos a perspectiva de
sonhos e utopias, ao contrário da poesia que nos excita para uma perspectiva e
não permite o mundo estático, em monólogo, mas em um eterno movimento e
diálogo.
A Educação Ambiental por meio do diálogo entre a poética e a filosofia,
quando revisitada pelos contornos da Cartografia do Imaginário, se faz
objetivando a ressignificação das percepções perante o meio e a sociedade. Neste
sentido, percorrer a obra literária de Manoel de Barros em diálogo com a
filosofia bachelardiana dos quatro elementos, é fazer-se e falar ao mundo por
meio de palavras, invocando as imagens, os sentidos e os sentimentos que
envolvem a natureza e o ser humano.
É neste sentido que falamos da preocupação da Educação Ambiental, em
sua luta por sociedades sustentáveis, percebendo no espaço socioambiental
outras realidades para além da percepção unilateral de sociedade. E é nesta via
que destacamos a importância de pensarmos o diálogo entre a poética e a
filosofia do imaginário como possibilidade de viver as experiências humanas pela
palavra, ao mesmo tempo em que a Educação Ambiental é vislumbrada
enquanto possibilidade de um recurso sociopolítico de extrema importância para
110
as políticas públicas, que objetivam a promoção da busca por sociedades
sustentáveis, no caminho da contribuição e definição de diretrizes adequadas
para o bem viver das sociedades.
No capítulo Fogo (transformação), percurso onde os devaneios da
pesquisa seguem o desejo bachelardiano da busca, do envolvimento e do
engajamento, temos na razão de mãos dadas com a imaginação as bases para
organização do material pesquisado. Dessa forma, “o inconsciente sob o
consciente, os valores subjetivos sob a evidência objetiva, o devaneio sob a
experiência” (BACHELARD, 1994, p.34).
Em Bachelard a imaginação poética propõe uma nova via de
conhecimento, corrompendo a racionalidade em favor da sensibilidade,
permitindo ao devaneio a mediação do sujeito com o mundo: a imaginação é
devolvida à sua função vital que é valorizar as trocas materiais entre o homem e
as coisas”(BACHELARD, 2003, p. 51).
A poesia de Manoel de Barros corrompe a racionalidade em favor da
sensibilidade. Dessa forma, os elementos de sua poética se desvinculam do
mundo convencional, apresentando-se como elementos de um outro mundo,
possibilitando a percepção dos diversos mundos possíveis também presentes nos
devaneios bachelardianos.
Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein).
Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do
que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um
pouco de inocência na erudição. Deu certo. (BARROS, 2008)
Além disso, os elementos se apresentam de mãos dadas sem a ruptura
convencional, ou seja, os saberes se constroem na multiplicidade, possibilitando
a combustão para um renascer.
A Educação Ambiental cartografada pela poética de Manoel de Barros e,
em diálogo com a fenomenologia da imagem de Gaston Bachelard, se propõe
nas vias de um conhecimento que busca a superação dos problemas sociais e
ambientais, reivindicando a necessidade da formação e transformação do ser
humano, da aliança entre ciência e poesia com vistas à busca de meios de
111
superação dos dilemas socioambientais. Porém, muito mais que um pensar, é um
estar junto, participando das lutas em prol de justiça ambiental.
No capítulo Ar (reformação), trazemos a poética, a linguagem surrealista
como ponto de convergência encontrado. Para Bachelard, a palavra poética é
capaz de falar o mundo na linguagem do mundo. “[...] dize-me qual é o teu
infinito e eu saberei o sentido do teu universo; é o infinito do mar ou do céu, é
o infinito da terra profunda ou da fogueira?” (BACHELARD, 2001, p. 6). Em A
Chama de uma Vela, ele nos dá um exemplo, quando se refere a “Fogueira de
seivas”, extraído de um poema da obra “La nuit parle”, de Louis Guillaume:
“Fogueira de seivas, palavras nunca ditas, semente sagrada de uma nova
linguagem que deve pensar o mundo com a poesia [...] Com três palavras ligou
o fogo e a água. Isso é um grande triunfo da linguagem. Só a linguagem poética
pode ter tamanha audácia” (BACHELARD, 1989b, p.77).
A palavra poética nos liberta do adulto que somos e nos renova à infância
onde encontramos um universo de possibilidades para o nosso estar no mundo:
“somos feitos para respirar livremente. [...] E é nisso que a poesia – ápice de toda
alegria estética – é benéfica” (BACHELARD, 1989a, p. 24-25).
Influenciado pelo surrealismo, Bachelard dedicou seu trabalho intelectual
em refutar as premissas cartesianas. Para o filósofo da imaginação poética, é a
poesia liberada, a linguagem se ramifica e “um poema é um cacho de imagens”
(BACHELARD, 1991, p.6). Segundo Pierre Quillet:
Seu mundo é um mundo do fazer-ser (grifo do autor), uma
obra em composição onde as decisões essenciais ainda
estão para serem tomadas, como realismo que não
subscreve nada de antemão, que pesa o possível para lhe
conferir seu peso de ser como um resultado, um realismo
que é um surrealismo a preço convencionado (QUILLET,
1966, p.10)
Propondo uma forma de pensar não estática, do vir a ser, e tomando a
experiência do poeta, num movimento de colocar a razão em um processo de
revolução permanente, Bachelard se refere a um Surracionalismo, corrente de
pensamento “que é também uma proposta de revolução: revolução
112
indispensável para que a razão humana recupere sua função de turbulência e
agressividade’” (BACHELARD, 1985 p.IX).
Mas Bachelard não tem medo do instável na busca da criação e nos
propõe ousar, correr riscos, viver o conhecimento para além dos valores
estabelecidos, pois segundo ele "no reino do pensamento, a imprudência é um
método" (BACHELARD, 1972, p.11).
Para Manoel de Barros “temos que enlouquecer o nosso verbo, adoecê-lo
de nós, a ponto que esse verbo possa transfigurar a natureza” (BARROS, 1990,
p.341). Com estes delírios verbais, o poeta nos ajuda a despir dos conceitos fixos
e vislumbrarmos outros devaneios possíveis. Manoel de Barros estabelece uma
nova ordem, se libertando das amarras do paradigma cartesiano. É, portanto, a
desconstrução da linguagem instituída para reaprender outras formas de ver
mundo.
Manoel de Barros com sua poesia surrealista corrompe a racionalidade em
favor da sensibilidade. Dessa forma, os elementos de sua poética se rompem com
o mundo convencional, apresentando-se como elementos de um outro mundo,
possibilitando a percepção de outros mundos possíveis.
Nessa vertente, a poética de Manoel de Barros ao transpor a
ordem lógica estabelecida, traz em si marcas do Surrealismo
estético de André Breton e Oswald de Andrade, pois deturpam
as normas convencionais, recriam palavras que transgridem a
realidade objetiva e apresenta um universo em constante
processo de renovação. Isso respalda nossas percepções de que a
poesia de Barros se inscreve na perspectiva surrealista,
vislumbrando uma nova percepção de mundo, independente
de classe ou etnia (OLIVEIRA, 2010, p.61)
Tanto o pensamento do poeta quanto o do filósofo se apresentam em
oposição ao racionalismo clássico de bases cartesianas, valorizando a importância
de se libertar das amarras impostas pela razão, em favor da imaginação criadora,
condição fundamental para a ampliação do conhecimento.
Na verdade, a resistência também cresceu junto com a "má
positividade” do sistema. A partir de Leopardi, de Hölderlin, de
Poe, de Baudelaire, só se tem a consciência da contradição. A
113
poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos
discursos correntes da sociedade. (BOSI, 2004, p.142).
No “ser filosófico” da Educação Ambiental, a poesia pode ser um
elemento capaz de corroborar para que o ser humano se apresente por meio da
imanência e da transcendência, de tal maneira que nos permita perceber que é
nas intersecções onde encontramos nossos sonhos individuais, nossos valores e
nossos devaneios, também se encontram nossas aspirações coletivas, na luta por
um mundo menos desigual.
Refletindo a poesia como elemento que corrobora para a imanência e
transcendência do ser humano, trago na pesquisa um momento da minha
vivência enquanto educadora, onde a prática e a teoria se uniram na produção
de conhecimento.
Considerando que para a apreensão da poesia enquanto produto abstrato
de conhecimento, partir de uma experiência concreta, oportunizando a
observação da caminhada em direção ao conhecimento, pode ser uma prática
eficaz para a compreensão daquilo que é proposto em espaços escolares e não
escolares.
Segundo Octavio Paz, “A poesia nasce do silêncio e no balbuciamento, no
não poder dizer, mas aspira irresistivelmente à recuperação da linguagem como
uma realidade total” (PAZ, 1982, p. 120). Desta forma, a fim de aliar prática e
teoria na produção de conhecimento, propus instaurar o poético na esfera do
real por meio de algumas oficinas e salas de aula27
. A experiência demonstrou
que ao proporcionar aos alunos a possibilidade de vivenciar a atividade,
sentindo as sensações e emoções da experiência lúdica na poética de Manoel de
Barros, o processo de conhecimento se deu de forma mais efetiva, levando os
envolvidos à compreensão de que o conhecimento de mundo está aliado aos
modos de pensar, agir e sentir o mundo.
Não tendo a pretensão de apresentar uma receita pronta, estática, mas
como prática pautada na abordagem da Educação Ambiental de que tudo está
em vias de transformação, que pode ser recriado nas diversas realidades do
27 Duas dessas oficinas se encontram citadas no livro Manoel de Barros: O Deminurgo das Terras
Encharcadas – Educação pela Vivência do Chão, de Cristina Campos (2010, p.301).
114
cotidiano escolar e não escolar, apresento a seguir um “esboço” do que foi uma
das práticas.
Em 2004, enquanto trabalhava na Escola Livre Porto Cuiabá, percebi uma
mudança na percepção dos alunos das 6ª e 7ª séries quanto aos espaços naturais
da escola. O que antes para eles era um espaço de brincar e de conviver, de uma
hora para outra passou a ser um lugar “sujo”, que causava repulsa,
principalmente os lugares do pátio onde não eram impermeabilizados com
cimento, onde se evitava a qualquer custo o pisar na terra. O chão, lugar de
muita lembrança infantil passava a ser visto por eles como um lugar feio, repleto
de sujeira.
Dei início então a um processo de reflexão com os alunos. Primeiramente
fiz questão de “passear” com eles livremente, sem compromisso de tempo, sem
amarras de conteúdo pelo pátio da escola. Não revelei o caráter da atividade
para não ficarem presos a qualquer julgamento preestabelecido do ambiente.
Alguns resistiram incialmente em entrar no “espírito” livre da atividade, mas aos
poucos foram se integrando ao ambiente e aos outros, sem compromisso, apenas
como um passeio pelos espaços da escola. A Pedagogia Waldorf28
princípio
pedagógico da Escola Livre Porto Cuiabá, foi um fator importante na realização
da atividade, já que ela permite a liberdade e a desvinculação das amarras e
cobranças do tempo na produção do conhecimento.
Para um segundo momento da atividade, no final da “aula de campo” eu
propus uma oficina que dei o nome de “desutilidades poéticas”, o que já causou
curiosidade nos alunos, formando um burburinho de opiniões e palpites sobre
28 Introduzida por Rudolf Steiner em 1919, na Alemanha uma das principais características da
Pedagogia Waldorf é o fato de não se exigir do aluno, ou cultivar precocemente o pensar
abstrato (intelectual). Almeja-se que as aulas sejam um preparo para a vida. A Pedagogia Waldorf
transcende a mera transmissão de conhecimento e se converte em sustentação do
desenvolvimento integral do educando, cuidando que tudo o que se faça tenha como meta a
transformação de sua vontade e o cultivo de sua sensibilidade e intelecto. Desse modo, procura-
se estabelecer uma relação harmônica entre desenvolvimento e aprendizagem, fazendo confluir a
dinâmica interna da pessoa com a ação pedagógica direta, ou seja, integrando os processos de
desenvolvimento individual com a aprendizagem da experiência humana culturalmente
organizada. A Pedagogia Waldorf dá especial atenção para que no ensino se encontrem
entretecidos pontos de vista científicos e estético-artísticos com os aspectos relativos ao respeito
profundo e à admiração ante o mundo. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedagogia_Waldorf
115
do que poderia se tratar a minha proposta. Mas não demoraram a descobrir que
se tratava de uma roda de conversas, quando na aula seguinte pedi para
afastarem as carteiras deixando o centro da sala livre. Sentei-me no chão e pedi
que formássemos um círculo e assim iniciei a nossa “conversa” perguntando a
eles o que acharam do passeio na escola no dia anterior e o que eles haviam
observado durante as “andanças”. As primeiras palavras foram as de que nada
haviam visto senão as mesmas coisas de sempre, como o parquinho, a quadra
de esporte e o prédio. Deixei-os livre para falarem e aos poucos foram surgindo
coisas como: árvores, pedregulhos, flores, crianças brincando, etc.
Perguntei a eles se era possível pensar naquele espaço de terra existente na
escola como um lugar dinâmico de vida, para além do entendimento de que a
vida ali fosse tida apenas como as pessoas e as árvores e pássaros que eles
haviam visto. Num primeiro momento disseram que tirando as pessoas, as
plantas e os pássaros, não era possível pensar no pátio de terra como lugar de
vida. Mas aos poucos as reflexões foram chegando... Havia os “calanguinhos”, os
caramujos, os insetos (vários foram mencionados), as formigas. Então, o espaço
que se apresentava a eles como estático passou a se apresentar como dinâmico,
onde a vida pulsava. Perguntei o que achavam do lugar do pátio com terra29
e
mais uma vez vi a repulsa pelo “feio e sujo” estampada em seus rostos.
Terminamos nossa conversa com a minha leitura de um poema sem
identificar o autor: “O dia todo ele vinha na pedra do rio escutar a terra com a
boca e ficava impregnado de árvores” (BARROS, 1990, p.170”) e informei que
na aula seguinte conversaríamos sobre esse assunto, que eles pensassem nisso
sobre “escutar a terra com a boca”. Que também trabalharíamos um pouco de
química e que eles pesquisassem os componentes da terra, do elemento terra.
29 O espaço físico da Escola Livre Porto atende um dos princípios básicos da Pedagogia Waldorf,
que é o de considera-lo como um corpo em relação com tudo no mundo. Dessa forma, o espaço
físico deve ter relações com a natureza, assim como com os membros da instituição e da
comunidade no entorno. Cada escola Waldorf é diferente uma da outra, pois não há uma receita
de espaço escolar, mas todas tem como forma característica Waldorf a noção de vida e
espiritualidade: corpo, alma e espírito.
116
Na aula seguinte30
iniciamos com a conversa sobre a poesia e apresentei a
eles o autor, poeta Manoel de Barros. Na pedagogia Waldorf a biografia tem um
lugar especial e é extremamente valorizada como forma literária e de apreensão
do conhecimento. Assim, toda apresentação de um autor merece ser tratada da
forma mais detalhada possível. Apesar de àquela época ainda ter um
conhecimento sobre o poeta, minha admiração por ele já era grande, então não
foi difícil atender a proposta. Em seguida passamos a falar sobre a pesquisa dos
elementos terra e perguntei à turma se alguém via nos resultados da pesquisa
alguma forma de conexão com a poesia de Manoel de Barros. Nada, nenhuma
resposta! Foi um momento de troca de olhares, e observando esse gesto tive a
impressão que eles queriam dizer: “essa professora está doida?” Fomos então
para o pátio ver o “elemento terra” que eles haviam pesquisado. Propus que
tocassem, pegassem com as mãos, olhassem, cheirassem, sentissem a terra, que
buscassem nela qualquer impressão ou sentimento que pudessem ter, que a
procurassem em todos os cantos, levantassem as pedras, folhas, etc. e
observassem todos os detalhes... Ficamos por ali por uns 30 minutos,
aproximadamente, e encerramos a aula com meu pedido de “tarefa”: Assim
como Manoel de Barros se expressou em sua poesia que “ouvia a terra com a
boca”, gostaria de saber de vocês o que teriam para expressar sobre a terra que
acabaram de ver.
É claro que não obtive uma antologia poética na aula seguinte, mas muita
coisa foi produzida. Era tarefa! Mas a consideração principal a ser feita aqui foi a
minha percepção de mudança entre a terra sem vida anteriormente vista pelos
alunos, para a terra cheia de vida após essas etapas da minha proposta
pedagógica. Apesar de alguns alunos ainda resistirem à sujeira da terra, não havia
mais uma percepção generalizada nesse aspecto na sala.
A partir dessa proposta, o elemento terra foi trabalhado nas aulas de
química, enquanto que nas aulas de português trabalhávamos a poesia de
Manoel de Barros, sobre a terra e os restos deixados nela pelo ser humano. Aos
30 Na Pedagogia Waldorf existe o “professor de classe”, que é o professor principal da turma,
cuja aula em que ele trabalha acontece todos os dias e leva o nome de “aula principal”, com
duração de 1h45min.
117
poucos a percepção de “sujeira da terra” foi dando lugar à percepção de “sujeira
do homem deixada na terra”.
A feira de ciências é um momento importante na escola e alguns textos e
poemas foram produzidos pela turma para o evento e visitados por outros
alunos e professores da escola, deixando a sensação de que a poética estava
realizando sua tarefa que, segundo Sato
[...]deve estar a serviço da utopia, pois no fundo, o que
queremos é mudar a vida, alterar as relações de propriedades,
diminuir as diferenças das classes, promover a inclusão social e a
lutar pela proteção ecológica através dos conceitos da
democracia (LEMINSKI, apud SATO, 2006, p.92).
4.3 REENCANTAMENTO PARA UM NOVO CICLO
Uma pesquisa em Educação Ambiental
deve ter ecos, além-mares, ares, terras e
fogos. Tem que ser intensa em seus
contrastes de formas, representações,
volumes e composições. Só assim
poderemos encontrar um plano dinâmico
sob uma nova essência do conhecimento.
[...] A Educação Ambiental deve ter o
compromisso de permitir sermos
protagonistas para alcançar a utopia -
apaixonadamente e sempre!
Michèle Sato
O pássaro, segundo Bachelard (2001), é o ar livre personificado, este é
capaz de expressar o máximo do sentido da palavra liberdade. É nesta vertente
que ele voa por entre a poesia manoelina, como se fosse o artesão do passado e
do presente, puxando fios para a construção de um futuro. Portanto, a
esperança da Educação Ambiental é que este futuro seja o menos nebuloso
possível, que apresente os princípios do cuidado com o outro e com a natureza.
Este é o mundo almejado por aqueles que lutam em defesa dos princípios da
justiça ambiental e da amorosidade, pois acreditam que “no mundo do sonho
118
não se voa porque se tem asas, mas acredita-se ter asas porque se voa. As asas
são consequências. O principio do voo onírico é mais profundo. É esse principio
que a imaginação aérea dinâmica deve reencontrar (BACHELARD, 2001, p.28)”.
Manoel de Barros nos permite a possibilidade de compreensão com as
suas poesias, pois as apresenta livres das amarras do mundo convencional,
permitindo-nos alçar voos conduzidos por suas despalavras.
O poeta, por meio de suas imagens levantadas nas coisas simples e
cotidianas nos mostra como a poética está intrínseca no dia a dia, desde que
sejamos sábios para perceber que ao longo de décadas fomos permitindo que
alguns valores fossem dissociados de nossa existência, princípios que quando
parte integrante de nós nos tornam mais éticos, mais justos e, portanto, mais
humanos. Assim, faz-se necessário o nosso reencontrar, sujeito-objeto, ou seja,
um encontro conosco mesmo e com as coisas, valores e poderes que foram de
nós destituídos, para que assim possamos fortalecer nossa identidade e perceber
que o sujeito e o objeto são faces de uma mesma história. Nesta perspectiva, de
cumplicidade mútua, é que sujeito-objeto se misturam, mostrando que:
O ganho, da parte do sujeito, não é menor que da parte do
objeto, se quisermos meditar filosoficamente partindo, não da
representação, mas do devaneio aéreo. Diante do céu azul, de
um azul muito suave, descolorido, diante do céu purificado
pelo devaneio eluardiano, teremos oportunidade de apreender,
no estado nascente, na dinâmica prestigiosa do estado nascente,
o sujeito e o objeto – juntos. Diante do céu de onde estão
banidos os objetos nascerá um sujeito imaginário de onde estão
banidas as recordações. O distante e o imediato se entrelaçam.
O distante do objeto e o imediato do sujeito (BACHELARD,
2001, p. 170-171).
Esta cumplicidade em Manoel de Barros é um estado latente natural, pois
o poeta não aponta, não analisa, não denuncia; ele sente, dialoga, se entranha às
coisas, se permite sonhar e construir mundos, conduzido pelo movimento
incessante da natureza. Como exemplo, compreendemos a cosmologia contida
na árvore, citada por Bachelard (2001), o qual defende que esta dá uma
impressão de nobreza. Com esta contribuição bachelardiana e com a perspicácia
do nosso poeta, podemos levantar um mundo inteiro. Estas construções de
119
mundos em Manoel de Barros é poder operante, como em “Agroval”31 “Ali, por
debaixo da arraia, se instaura uma química de brejo. Um útero vegetal, insetal,
natural. A troca de linfas, de reima, de rumem que ali se instaura, é como um
grande tumor que lateja” (BARROS, 1990, p.233). A este poder de construção
cosmológica e considerando o arquétipo da árvore, Bachelard ainda salienta
que:
É preciso nada menos que uma alma infinita [...] nenhum
pincel pode pintá-la, nenhuma cor representá-la. Nada é
tranquilo, nada está em repouso; tudo é atividade. É o mundo
inteiro, e ele só pode ser compreendido pelo espírito do
homem, pela alma do poeta, e ser simbolizado pelo fluxo
incessante da linguagem. Este não é um tema para o pintor e o
escultor, mas para o poeta (BACHELARD, 2001, p. 225).
Em Agroval, por exemplo, Manoel de Barros contempla esta cosmologia
na imagem fértil da arraia, “[...] quando as águas encurtam nos brejos, a arraia
escolhe uma terra propícia, pousa sobre ela como um disco, abre com as suas
asas uma cama, faz chão úbere por baixo, - e se enterra. Ali vai passar o período
da seca. Parece uma roda de carreta adernada (BARROS, 1990, p.232-233)”.
Possibilita-nos, portanto, pela poesia compreender a percepção de Bachelard
quando este discorre que nada é repouso, pois a arraia mesmo estando
arranchada continua com o seu ciclo de fertilização e de movimento. Este ciclo é
latente na produção manoelina e também na percepção da Educação Ambiental,
é um saber que agrega outros saberes na possibilidade de ressignificar o já
existente, de um ir além que atribui importância a coisas desimportantes, mas
que acreditamos que nos doa, como aborda o poeta, a percepção da
“inauguração de um outro universo. Que vai corromper, irromper, irrigar e
recompor a natureza”(BARROS, 1990, p.234).
É possível observar que o poeta atribui asas à arraia, não no sentido
convencional, mas ao permitir que um leitor atento perceba que intrínseca a esta
imagem aparecem inúmeras possibilidades de sentidos, de devaneios, ou seja, é
um voo permitido em uma imagem que a primeira vista encontra-se arranchada.
31Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda) – Manoel de Barros.
Editora Civilização Brasileira – edição 1990.
120
Esta percepção faz-nos compreender o filósofo Gaston Bachelard quando este
discorre que: “quando um sonhador reconstrói o mundo a partir de um objeto
que ele encanta com seus cuidados, convencemo-nos de que tudo é germe na
vida de um poeta” (BACHELARD, 2005, p.82).
Ao fazer o percurso da pesquisa as respostas aos nossos questionamentos
foram se apresentando e estão direta ou indiretamente inseridas nas palavras do
texto. Mas, o devaneio constante ao qual me vi atraída, tanto pela poética de
Manoel de Barros quanto pela fenomenologia do imaginário de Gaston
Bachelard, me proporcionou o trazer para o texto uma linguagem que muitas
vezes dificulta o entendimento de forma mais objetiva, deixando tudo nas
entrelinhas. Dessa forma, trago a seguir respostas aos questionamentos que
orientaram todo o meu caminhar.
Num espaço cujas exigências predominantes para a validação científica de
um trabalho se dá nos moldes da racionalidade moderna, nosso maior desafio
durante a pesquisa foi a busca da superação da segregação entre a racionalidade
e a subjetividade, pensamento arraigado no fazer científico. Ao buscarmos
respostas ao se é possível uma investigação que vincule a racionalidade à
subjetividade?, acreditamos que Gaston Bachelard nos traz subsídios suficientes
para dar conta de validar a resposta ao nosso questionamento. A filosofia de
Bachelard se faz irreverente no empenho da superação do equívoco da disjunção
entre racionalidade e subjetividade. Apesar de durante a pesquisa termos
observado uma divisão entre o Bachelard “diurno” e o “noturno”, o Bachelard
pesquisado se apresentou como um Bachelard cujo pensamento é permeado
pelos campos diferentes da ciência e da poética, mas que em seu projeto
filosófico se complementam. Para o filósofo:
Os eixos da poesia são de início inversos [com relação aos da
ciência]. Tudo o que a filosofia pode esperar é tornar a poesia e
a ciência complementares, unindo-as como dois contrários bem-
feitos (BACHELARD, 1999, p.10)
Dessa forma, na filosofia de Gaston Bachelard foi possível encontrar
subsídios epistemológicos que possam validar o vínculo entre ciência e poesia,
racionalidade e subjetividade sem que isso implique a redução de uma em
121
detrimento de outra. Muito pelo contrário, para o fenomenólogo da imaginação
poética essas duas áreas do conhecimento encontram sua fonte comum na
relação de complementaridade (FELICIO, 1994, p. 1).
Para Manoel de Barros:
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
Mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
Existem
Nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
(BARROS, 2004, p. 53)
Numa investigação por meio da Cartografia do Imaginário, metodologia
de bases fenomenológica surrealista, o vinculo não excludente entre ciência e
poesia se faz permeado pela poética de Manoel de Barros em comunhão com a
fenomenologia do imaginário de Gaston Bachelard, tornando possível a utopia
da Educação Ambiental para um mundo melhor e mais justo, pois “Se a poesia
desaparece do mundo, os homens se transformariam em monstros, máquinas,
robôs.” (BARROS, 1990, p.311).32
Ao nosso segundo questionamento: No contexto do movimento
ecologista, teria a poética manoelina aliada à filosofia do imaginário de
Bachelard subsídios capazes de sensibilizar a árdua luta por um mundo mais
justo?, temos que, no trajeto percorrido para a pesquisa, cujo olhar se fez pelo
prisma da Cartografia do Imaginário, a poética de Manoel de Barros entrelaçada
à filosofia do imaginário de Gaston Bachelard nos deu possibilidades de novos
olhares, para novos mundos. O poeta, com suas palavras livres das amarras do
convencionalismo, nos permitindo novos voos, e o filósofo justificando a virtude
do devaneio em prol do humano, nos possibilitou encontrar subsídios capazes de
sensibilizar a luta por um mundo mais justo, no contexto ecologista.
32 BARROS, Manoel. “Sobreviver pela palavra”. Entrevista concedida a José Otávio Guizzo.
Revista Grifo, Campo Grande – MS. In: Gramática expositiva do chão,p.308-309.
122
A tarefa do poeta é impelir ligeiramente as imagens para estar
certo de que o espírito humano opera aí humanamente, para
estar certo de que são imagens humanas, imagens que
humanizam forças do cosmo. Somos então conduzidos à
cosmologia do humano. Em vez de viver um ingênuo
antropomorfismo, devolveremos o homem às forças
elementares e profundas (BACHELARD, 2001, p.41)
Na medida em que, na intersecção entre a poética de Manoel de Barros e
a filosofia de Gaston Bachelard foi possível perceber uma abordagem surrealista
em ambas as produções; e ainda, na medida em que uma abordagem de cunho
surrealista busca romper com a racionalidade em favor da sensibilidade, com as
convenções de mundo impostas a fim de apresentar elementos que favorecem
outras possibilidades de conhecimento, de mundo; acreditamos que a luta
ecologista por um mundo mais justo possa ser sensibilizada, já que a partir da
pesquisa compreendemos que numa Educação Ambiental pelas vias sensíveis da
poética e do imaginário, e ainda nas vias surrealistas da Cartografia do
Imaginário o conhecimento em busca da superação dos problemas sociais e
ambientais leva em consideração todas as vias possíveis, em aliança entre poesia
e ciência, onde a sensibilidade não pode deixar de reconhecer a razão como
essencial ao conhecimento, enquanto a razão não pode deixar de reconhecer a
sensibilidade como essencial ao humano. Uma se faz em consonância e co-
dependência com a outra, ambas aliadas à postura surrealista sensível, mas da
mesma forma subversiva, de luta em busca da renovação e da transformação de
mundo.
No bojo de nosso terceiro questionamento: Quais são as contribuições
que estes dois autores podem oferecer à Educação Ambiental que aspira por
sociedades sustentáveis?, encontra-se a Educação Ambiental que busca por
sociedades sustentáveis, reconhecendo no processo de existência o envolvimento
do ser humano e de toda a forma de vida e não-vida na constituição do planeta.
Para aquém da noção de sociedades sustentáveis temos a noção de
“desenvolvimento sustentável”, termo que é hoje amplamente utilizado no
contexto de investimentos e financiamentos, principalmente nos discursos
governamentais, também aqui levando em consideração o uso da terminologia
na semântica conotativa da melhoria de vida. Melhoria de que espécie de vida?
123
E, também, melhoria de quantas vidas? Para a Educação Ambiental o conteúdo
da palavra desenvolvimento funda-se essencialmente no modelo de sociedade
capitalista, excludente, que reconhece a diversidade ecológica, biológica e
cultural apenas como componente exploratório e a serviço do enriquecimento
de poucos e empobrecimento de muitos. Um modelo incapaz de dar conta das
questões sociais e ambientais que afetam o bem estar e ameaçam as sociedades e
a vida em geral.
A noção de sociedades sustentáveis tem seus alicerces, principalmente, no
reconhecimento da diversidade, das diferenças nas várias culturas, superando o
olhar da crença do bem estar humano fundado essencialmente na noção
capitalista que leva em consideração apenas o econômico em detrimento do
cultural, do social, do humano, que consequentemente não considera a
destruição da natureza como algo que possa ameaçar a vida, principalmente as
que vivem em situações de maior fragilidade de injustiça ambiental, como as
pequenas comunidades.
Entendemos que uma Educação Ambiental nas sendas da poética
manoelina, em comunhão com a filosofia do imaginário bachelardiano e
referendada pela subversão do surrealismo da Cartografia do Imaginário, pode
contribuir na busca pela transformação humana que vislumbra a construção de
um mundo mais justo. Dessa forma, a contribuição dos dois autores na
constituição de sociedades sustentáveis se insere principalmente na medida em
que os elementos de seus devaneios rompem com o mundo convencional, não
aceitando o mundo instituído, apresentando-se como elementos de um outro
mundo, possibilitando a percepção de outros mundos possíveis.
No questionar sobre ser “então, o diálogo entre a literatura e a filosofia
importante neste contexto da Educação Ambiental, compreendendo que para
além do local da casa (territórios), é preciso cuidarmos dos moradores que nela
habitam com suas identidades e subjetividades, retomamos algumas
considerações anteriores de que ao trabalharmos uma Educação Ambiental por
meio da sensibilidade poética, pretendemos “tocar” as pessoas para o cuidado
com lugar onde vivemos, com o mundo, pois a relação com nossa casa reflete a
nossa relação com o mundo e, nesse sentido, a literatura aqui representada pela
124
poética de Manoel de Barros em diálogo com a filosofia de Gaston Bachelard,
constitui um importante meio para a reflexão e compreensão do respeito e do
cuidado com o outro, com o mundo.
Urbanos ou não, é certo, estamos ligados fisiologicamente à
mãe-terra. Ao nosso quintal. Ao quintal da nossa infância – com
direito a árvores, rios e passarinhos. O poema promana desses
marulhos. (BARROS, 1990, p.319).
Por essa trilha sensível, mas que nem por isso desconsiderada forte, já que
surrealista, revolucionária, em busca da transformação e do criar novos mundos,
novas possibilidades, entendemos o diálogo entre a literatura e a filosofia como
promotor do conhecimento que leva em consideração a razão e a sensibilidade,
sem que um exclua o outro, nos trazendo a possibilidade de uma Educação
Ambiental que seja capaz de promover novos olhares para e sobre o mundo, um
olhar ético que reconhece o dever do respeito e do cuidado com o outro, pois
somos apenas parte de um todo. A Educação Ambiental prima pelo bem estar
coletivo e individual, mas este último não dentro de uma ordem de cunho
egoístico, mas solidário, que reconhece as particularidades sem excluir a
universalidade das coisas e dos sujeitos do mundo.
Como ultimo questionamento da nossa pesquisa, sem que com isso
consideremos responder a todas as dúvidas que foram surgindo no caminhar da
investigação, procuraremos abaixo responder se “A partir da concepção de “não
biografável” de Manoel de Barros e a proposta em uni-lo à Gaston Bachelard, é
possível uma intersecção biográfica dos dois autores?”
Ao buscarmos um entrelaçamento biográfico de Manoel de Barros e
Gaston Bachelard, mesmo sabendo de antemão da surrealidade que permeia a
obra dos dois autores, não foi objetivo investigar o assunto propriamente dito.
O que propusemos inicialmente nesse questionamento em particular foi
investigar a possibilidade de existência de conexão entre os dois autores, mas
estávamos naquele momento, ao elaborar a questão e defini-la como
componente da hipótese da pesquisa, considerando apenas as particularidades
da imaginação poética.
125
Para além do surrealismo, foi possível encontrar vários pontos de
convergência entre os dois autores, como por exemplo a forma universalizar o
particular na representação de mundo; a ruptura com a razão moderna; a
concepção de que a palavra poética é capaz de falar o mundo na linguagem do
mundo; a palavra poética como libertadora, renovadora e criadora de mundos.
Porém, mais biograficamente falando, ou em termos temporais e de produção,
consideramos o início do Séc. XX, momento da revolução científica pela física
quântica e pela teoria da relatividade de Albert Einstein, o ponto culminante de
encontro biográfico do poeta e do filósofo. Ambos têm produções publicadas à
época, cuja essência é possível de ser compreendida como de ruptura com as
concepções da modernidade.
Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico a
ruptura nos parece tão nítida que estes dois tipos de
conhecimento não poderiam ter a mesma filosofia. O empirismo
é a filosofia que convém ao conhecimento comum. O empirismo
encontra aí sua raiz, suas provas, seu desenvolvimento. Ao
contrário, o conhecimento científico é solidário com o
racionalismo e, quer se queira ou não, o racionalismo está ligado
à ciência, o racionalismo reclama fins científicos. Pela atividade
científica, o racionalismo conhece uma atividade dialética que
prescreve uma extensão constante dos métodos. (BACHELARD,
1996, p.120).
Manoel de Barros, em entrevista à revista Bric à Brac33
sobre sua rebeldia
em fazer uma poética livre influenciada por Rimbaud e Oswald de Andrade
disse: “Não queria comunicar nada. Não tinha nenhuma mensagem. Queria
apenas me ser nas coisas”(BARROS, apud WALDMAN, 1990, p.12). Manoel de
Barros já demonstrava sua ruptura com a racionalidade em favor da
sensibilidade.
Mas, à medida que a investigação avançava, todos os caminhos levavam-
me a um ponto surrealista de reflexão. Mas de uma reflexão que não se realizava
apenas no aspecto de um surrealismo nos moldes de um movimento artístico,
mas de um surrealismo nos moldes de postura ética, revolucionária, que se
33 Entrevista concedida à revista Bric à Brac, III, 1989, p.36. In: WALDMAN, Berta. A Poesia ao
Rés do Chão.
126
apresentava cada vez mais aparente, no encontro entre os dois autores e pela
perspectiva da Cartografia do Imaginário.
Nossa investigação percorreu caminhos em busca de uma Educação
Ambiental capaz de se fazer na aliança entre a ciência e a poética, com vistas a
contribuir para a formação do ser humano em busca da superação dos
problemas sociais e ambientais existentes.
Encontramos na investigação um ponto de convergência entre a poética
de Manoel de Barros e a filosofia do imaginário de Gaston Bachelard pelas vias
da Cartografia do Imaginário, que consideramos significativo para a Educação
Ambiental. Tal convergência se faz nas vias da utopia revolucionária, refutando
todas as orientações que se fizeram originar nas premissas cartesianas, propondo
uma forma de pensar não estática, criadora, em processo de revolução
permanente, reconhecendo o caos como forma de conhecimento. Esse ponto de
convergência coaduna com as premissas da Educação Ambiental que acreditamos
ser necessária e urgente para a superação dos problemas sociais e ambientais que
enfrentamos atualmente.
4.4 MEUS DESCAMINHOS E PROPOSIÇÕES FINAIS
Em toda viagem há vários mundos que se
cruzam. Ao começar seu caminho o
viajante carrega consigo um mundo
preenchido com suas lembranças, seus
medos, seus desejos e amores. Ao longo
do caminho outro mundo se desenrola,
cheio de paisagens e de cores, que
interpelam e modificam a bagagem
inicial, fazendo surgir um cruzamento de
experiências e de sensações que
multiplicam os caminhos inaugurais.
Adauto Novaes
Nessa viagem procurei desaprender o caminho para chegar ao meu destino,
e, passando pelo vale labiríntico de Hundertwasser (apud SATO, 2011),
aproveitei a pressa pegando carona na lentidão de um caracol manoelino que,
127
apaixonado por uma pedra do jardim de Eros (SATO, 2011, p.565),
comprometia a temporalidade da pesquisa, onde procurei, a todo momento,
ouvir o sotaque das origens (BARROS, 2010b, p.109) nas águas dormentes
bachelardianas e, como “Todo sonhador inflamado é um poeta em
potencial”(BACHELARD, 1989, p.11), me encontrei perdida na leveza do voo,
por ter sido transformada em bocó.
O Bocó,
Bocó é sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é
uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de
conversar bobagens profundas com as águas. Bocó
é aquele que fala sempre com sotaque das suas
origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É
alguém que constrói sua casa com pouco cisco.
É um que descobriu que as tardes fazem parte de
haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que
olhando para o chão enxerga um verme sendo-o.
Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas.
(BARROS, 2006, p.49)
Com esta minha nova identidade, proveniente do apreço e da
necessidade dos saberes manoelinos, trago as proposições finais desta dissertação,
sabedora de que estas não se configuram como fechamento de pesquisa, muito
pelo contrário, de acordo com a epígrafe, trata-se é de uma multiplicação dos
meus caminhos inaugurais pela diversidade de mundos que se abriram à minha
frente. Assim, vale novamente trazer a minha subjetividade diante dos meus
mundos, que ora transita pelo universo particular ora percorre o descaminho do
universo múltiplo.
Quando vi, pela primeira vez, aos 15 anos de idade, a estética do Cerrado
mato-grossense, o sentimento de repulsa pelo diferente, pelo estranho aos nossos
olhos foi imediato, pois identificado naquele momento como “feio” não se
apresentava dentro dos padrões da estética geométrica da vegetação do sul do
país a que meus olhos estavam acostumados. Foi exatamente esta percepção
que, anos depois, me levou à pesquisa por possibilidades para trabalhar com os
alunos da escola Livre Porto o problema do belo e do feio, pois, o belo, de
128
acordo com a estética tradicional, se configura por sua função de equilíbrio
dinâmico, de harmonia, negando toda a tensão que possa lhe garantir
(ADORNO, 2006, p.60). E, segundo Umberto Eco, “Diante da incoerência e
incompletude do conjunto, nos sentimos autorizados a dizer o feio”, e como
“[...] beleza e feiura são definidas em referencia a um modelo específico” (ECO,
2007, p.15), firmou-se então o trabalho com meus alunos, o que
consequentemente me levou ao encontro da poética de Manoel de Barros.
Meu julgamento estético da vegetação local ao chegar ao Mato Grosso,
coincidia com as bases na herança simétrica recebida dos europeus no sul do
país, manifestação “dos princípios racionais e estéticos de simetria que o
Renascimento instaurou” (HOLANDA, 1995, p.109). Hoje, passados quase 30
anos de orgulhosa cuiabania, estando há mais de 25 destes anos morando no
mesmo lugar, na mesma casa, percebo esse meu espaço pelos princípios da
diversidade, da parceria, da interdependência, do fluxo, do todo.
Basicamente, a diferença entre jardim e quintal está nos objetivos a que
esses espaços se propõem. O jardim é visto como um espaço de plantas
ornamentais, cuja proposta é a de apresentar a fachada da casa, um lugar para se
olhar, se admirar, quase que intocável; já, o quintal é um espaço hospitaleiro,
comunitário; quintal é espaço de memória do eu, espaço lírico, é o espaço das
desutilidades manoelinas: As coisas tinham para nós uma desutilidade poética. /
Nos fundos do quintal era muito riquíssimo o nosso dessaber (BARROS, 2004,
p.11).
Minha forma de ser e estar no mundo tem se transformado no decorrer
da reconstrução de meu próprio eu, na medida em que minha identidade tem
sido um processo de construção. Segundo Bauman “o eixo da estratégia de vida
pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe.”
(BAUMAN, 1998, p.114). A visão de mundo de forma estanque deu lugar à uma
visão compartilhada, mas que respeita as particularidades de cada ser que
compõe o cosmo. Segundo Sato e Passos (2008, p.26) “Toda consciência emerge
e se apreende a si própria porque negada. O limite me conduz a um campo
perceptivo de identidade própria, que jamais teria sem ele. É pelo conhecimento
do limite que dou conta de que sou o outro do outro.”
129
Meu jardim, que inicialmente se apresentava como um retilíneo e verde
gramado, pontuado geometricamente com plantas aqui e ali, de forma estanque,
fragmentada, transformou-se deliciosamente num genuíno quintal cuiabano que,
entre cajus, jambos, mangas e jacas, tem-me aconchegado durante os estudos e
leituras, e, onde à sombra cheia de cores, aromas e texturas, que só um quintal
pode proporcionar, realizei muitas das reflexões necessárias a esta pesquisa.
Manoel de Barros é, para nós, um pesquisador de sonhos, que traz com
suas despalavras os deslimites de ser em detrimento do ter, ou seja, caminhando
por sua subjetividade nos encontramos, ao mesmo tempo em que somos capazes
de nos perder. A sua poética se mostrará de formas diferentes para cada ser
humano e, ao mesmo tempo em que sua linguagem causa determinada
estranheza, por sua não adesão à forma convencional cultuada pela sociedade,
ela também nos deixa com a sensação de familiaridade, pois faz um passeio
matutino pelas palavras simples do cotidiano.
Portanto, ao propormos a poética de Manoel de Barros em comunhão
com a filosofia de Bachelard buscamos incitar a importância de considerar os
diversos saberes apreendidos no contexto local e cotidiano. Assim, vale ressaltar
que os porquês de Manoel de Barros são compreensíveis pela possibilidade de
sua poesia nos levar a uma viagem na percepção da transparência em nós
mesmos, do entendimento de que no individual se encontra o coletivo e vice-
versa, como o próprio poeta declara em seu Livro sobre o Nada (2004) – o
melhor de mim sou eles.
No contexto supracitado, observamos que não se trata de um saber e de
uma relevância de âmbito local, mas universal, pois o nosso poeta transpõe o
limite geográfico do Pantanal. Afinal, “um grande poeta, que sabe forçar as
imagens a produzirem pensamentos, utiliza um diálogo para nos mostrar o amor
e o conhecimento que se prende à árvore” (BACHELARD, 2003, p. 237). Nesse
caso, acreditamos que a árvore representa o cosmo com toda sua simbologia.
Nesse estudo, Gaston Bachelard esteve presente durante todo o percurso,
o filósofo da criação artística, do sistema poético dos quatro elementos (água,
terra, fogo e ar), cuja obra ultrapassa a tradição filosófica da imaginação formal,
que se faz presa às amarras da abstração e do formalismo. Para o autor as
130
imagens poéticas são fontes insubstituíveis para a saúde do ser e concede à
imaginação poética a aptidão de se conhecer, por meio do devaneio, certas
realidades da alma humana, as quais escapam aos métodos do conhecimento
objetivo (BACHELARD, 2003). É nestas curvas, que compreendemos que a
poesia de Manoel de Barros pode nos contaminar com as utopias da Educação
Ambiental, pois apresenta em suas linhas o desenho mágico da poética
ambiental, no qual está inserido não apenas seres humanos, mas uma
multiplicidade de coisas e não-coisas, de saberes e dessaberes, que podem
contribuir na construção de um mundo melhor para todos. Pois, “as palavras
que ele aplica às coisas poetizam as coisas, valorizam-nas espiritualmente num
sentido que não pode fugir completamente das tradições” (BACHELARD, 2003,
p.140).
Se embrenhar por este caminho, no entanto, foi uma tarefa complexa que
exigiu de nós a árdua atividade de compreender como o ser humano se
compreende mediante suas identidades pessoais. Assim, Ana Carolina D.
Escosteguy (2001) aborda que esta compreensão pode advir da projeção entre o
conhecimento interior e o exterior, que é atravessado pelas práticas sociais, ou
seja, vale compreender como nos constituímos, nos percebemos e nos
apresentamos para nós mesmos e para os outros. Instigações que segundo a
autora tecem instabilidade e dúvidas mediante aos padrões preconcebidos.
Ainda segundo a autora, o debate sobre as identidades oscila,
basicamente, entre duas grandes matrizes: o essencialismo e a construção social.
No entanto, apresentam posições preconceituosas tanto uma quanto outra, pois
enquanto a primeira ao discorrer sobre a verdade absoluta ignora as
particularidades do outro, a segunda destaca-a, mas, muitas vezes, traça o perfil
da construção do outro como ser inferior. Por isso, com este estudo buscamos
percorrer o traçado de uma visão ética e democrática de identidade pelas linhas
da poesia. Esta, mais exatamente a produção do poeta mato-grossense Manoel
de Barros dá-se ao conhecimento de uma percepção mais justa de identidade,
pois a apresenta em constante movimento, e acreditamos que uma das condições
para compreendermos e melhorarmos o nosso estar no mundo é reconhecer a
131
desestabilização gerada pela modernidade, quem sabe perpassada pela existência
da globalização.
Nesta perspectiva, Zygmund Bauman (2001), nos mostra que estamos
vivendo uma era líquida onde as coisas não mais se apresentam estáticas e
imutáveis, mas ao contrário, elas fluem naturalmente. Assim, é possível observar
que as mudanças presentes na sociedade apresentam ressonâncias de ordem
política, econômica e cultural, e uma das formas para compreender estas
alterações é perceber que: “a identidade é uma busca permanente, está em
constante construção, trava relações com o presente e com o passado, tem
história e, por isso mesmo, não pode ser fixa, determinada num ponto para
sempre, implica movimento” (ESCOSTEGUY, 2001, p. 04). Esta mutabilidade, ou
melhor, esta sempre nova possibilidade de enxergar e se comportar diante das
coisas do mundo estão presentes nas palavras de Manoel de Barros quando este
discorre que de seu querer é possível projetar as coisas e que, portanto, elas são
mutáveis:
COMPORTAMENTO
Não quero saber como as coisas se comportam.
Quero inventar comportamento para as coisas.
Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a
De equivocar o sentido das palavras
Não havendo nenhum descomportamento nisso
Senão que alguma experiência linguística.
Noto que às vezes sou desvirtuado a pássaro, que
sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado para pedras.
Mas que essa mudança de comportamento gental
Para animal vegetal ou pedral
É apenas um descomportamento semântico.
Se eu digo que grota é uma palavra apropriada para ventar nas pedras,
Apenas faço o desvio da finalidade da grota que
Não é a de ventar nas pedras.
Se digo que os passarinhos faziam paisagens
na minha infância,
é apenas um desvio das tarefas dos passarinhos que
não é a de fazer paisagens.
Mas isso é apenas um descomportamento linguístico que
Não ofende a natureza dos passarinhos nem das grotas.
Mudo apenas os verbos e às vezes nem mudo.
Se digo ainda que é mais feliz quem descobre o que não
presta do que quem descobre ouro –
penso que ainda assim não serei atingido pela bobagem.
132
Apenas eu não tenho polimento de ancião.
(BARROS, 2010, p. 395-396)
As palavras do mato-grossense Manoel de Barros esboçam um desenho
dos quatro elementos da natureza de Gaston Bachelard, por se tratar de uma
construção poética que faz a ponte com valores universais, partindo de uma
estrada repleta de tuneis que nos transportam do exterior para o interior, e vice
e versa. Neste sentido, o poeta por meio da sensibilidade desenha seu mundo,
transformando a natureza em palavras, e estas vão delineando uma cartografia
no imaginário humano, numa representação ser humano-natureza. De acordo
com Oliveira (2010), trata-se de uma produção que permeia por entre os quatro
elementos, dependendo apenas da opção de porta de entrada que escolhemos.
Percebe em seus escritos que o olhar do poeta para a família era
transguiado por metáforas enquanto menino, quem sabe chegadas até ele pelas
vias da suavidade amorosa de tudo aquilo que estava ao seu redor. Ou talvez
por ainda não conhecer, à época, aquele que ainda era um poeta-menino, a
demarcação que devasta os sentidos, que coloca o olhar em prol de uma visão
unilateral de sociedade, e que impõe a ideia de verdade única, com o objetivo
de permanência de tudo aquilo que “impede a aspiração utópica e
revolucionária de mudar a vida” (LÖWY, 2002). Neste sentido, vale reforçar o
reconhecimento o verdadeiro aprendizado que encontramos no caminhar da
militância nos diversos projetos do GPEA, que busca fortalecer ainda mais a
compreensão de que as questões ambientais não se dissociam das questões sociais
e que, portanto, devem ser compreendidas em prol de uma luta solidária com as
causas do eu-outro. E é nesse sentido de luta solidária, numa visão surrealista de
romper as barreiras em busca da liberdade, de retirar do caminho tudo aquilo
que impede a passagem que entramos na composição e Manoel de Barros pelas
vias do re-encantamento do mundo (ibdem, 2002).
A solidariedade de que falamos acima está também latente no poeta,
como podemos verificar no fragmento abaixo:
MARIA-PELEGO-PRETO
133
Maria-pelego-preto, moça de 18 anos, era abundante de pêlos no pente.
A gente pagava pra ver o fenômeno.
A moça cobria o rosto com um lençol branco e deixava
pra fora só o pelego preto que se espalhava quase até pra cima do umbigo.
Era uma romaria chimite!
Na porta o pai entrevado recebendo as entradas...
Um senhor respeitável disse que aquilo era uma indignidade e um desrespeito às
instituições da família e da Pátria!
Mas parece que era fome.
(BARROS, 1990, p.51)
O poeta busca seu passeio pelas palavras, numa experiência contrária às
experiências poéticas dominantes. Insubmisso, discorda da moralidade imposta e
caminha rumo a um estado de espírito que protesta contra os paradigmas da
sociedade atual e valoriza tudo o que é essencialmente humano. Acreditamos
que os princípios expressos em sua poesia precisam contaminar os seres
humanos, pois enquanto tivermos a capacidade de julgar o outro, de ameaçá-lo,
de puni-lo antes de compreendê-lo, de não nos sensibilizarmos com as suas
misérias, não seremos capazes de ver a paisagem do caminho, pois a sua beleza,
o seu frescor, está impresso no como olhá-la. Faz-se importante também apontar
a dualidade expressa na imagem do pai entrevado versus o senhor respeitável,
refletindo sobre o olhar habitual dirigido a esses seres humanos, em contraponto
à percepção criada pela sensibilidade do poeta.
Portanto, na tentativa de traçar uma rota para esse estudo apresentamos
um esboço do multiverso34
– território-universo que dialoga com outros
territórios-universos - do poeta e do filósofo, mostrando que este foi delineado
por entre repertórios múltiplos, peculiares, advindos de diferentes culturas com
as quais manteve contato e estas o projetaram para uma abertura ao ato de
aprender. Na intersecção de sentidos acreditamos que o poeta nos orienta a
redesenhar as nossas percepções sobre o mundo por meio de suas águas líricas
(OLIVEIRA, 2010).
A via por onde olho o devaneio poético de Manoel de Barros, me mostra
que desde sua primeira infância o poeta já destilava seus lampejos de sonhador.
34 Um dos universos paralelos da física quântica, abordado por Deutsch (DEUTSCH apud SATO,
2011) como maneira de explicar o mundo que nos cerca.
134
Por essa janela, ora vejo suas palavras mergulhadas em águas profundas, ora
vejo-as em terra firme; outras vezes vejo o fogo que aquece o aspecto anárquico
de sua poesia, e em outras vejo o ar que dá leveza e é capaz de nos transportar
por mundos utópicos, surreais, mas que acreditamos ser possíveis.
Por sua vez, Gaston Bachelard ao propor a razão em comunhão com a
sensibilidade poética, se refere a um Surracionalismo, que como dito
anteriormente é uma proposta revolucionariamente necessária à recuperação da
“função de turbulência e agressividade” (BACHELARD, 1985 p.IX) na razão
humana.
Desta forma, numa concepção de que a poética e a ciência possam dar as
mãos em prol da formação do ser humano e ainda pensando nessa concepção
pelas vias sensíveis da poética surrealista de Manoel de Barros entrelaçada à
fenomenologia da imaginação de Bachelard, que em sua filosofia aproxima a
ciência e a poesia, dando a essa aproximação a terminologia de Surracionalismo.
Uma Educação Ambiental que utiliza como princípios básicos metodológicos a
Cartografia do Imaginário, pelas vias sensíveis da poética surrealista de Manoel
de Barros aliada à filosofia do imaginário de Gaston Bachelard, poderia ser
compreendida como uma Educação Ambiental Surracionalista?
Ao promover o encontro da poética e da filosofia pela ótica da
Cartografia do Imaginário, a estética surrealista foi se apresentando para a
compreensão dos fenômenos. E foi daí que após as respostas encontradas, surge
essa indagação. Nossa pesquisa não pretendeu e nem teria fôlego para seguir
mais adiante no entendimento aprofundado do Surracionalismo de Bachelard,
dando a certeza de que a viagem da investigação está ainda por seguir. Que aqui
pode ser entendido como apenas um ponto de chegada, ou possível intersecção
entre pontos de partida, já que “Eu não caminho para o fim, eu caminho para as
origens” 35
35 Em entrevista a Bosco Martins para a Caros Amigos. Disponível em
http://www.overmundo.com.br/overblog/manoel-de-barros-se-considera-um-songo-parte-i.
Acesso em 29.10.2011
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